Hierarquia Angelical
Hierarquia Angelical
Hierarquia Angelical
Resumo
Abstract. Order and Hierarchy in the Commentary to the De angelica hierarchia of Pseudo-
Dionysius attributed to Petrus Hispanus
Among the works attributed to Petrus Hispanus there is a set of commentaries to Pseu-
do-Dionysius Areopagite, entitled Expositio librorum Beati Dionysii, which follow the
content of the Extractio In Libros Beati Dionysii Areopagitae by Thomas Gallus. Our paper
focuses on the commentary to the De angelica hierarchia, aiming to highlight the author’s
positions on order and hierarchy. Within this objective we deal with the relation between
unity and multiplicity; the definition of the hierarchy and its own end; the reflection of the
order and of the angelic hierarchy in the human hierarchy; and the best way to know God.
Keywords: Petrus Hispanus; Pseudo-Dionysius Areopagite; De angelica hierarchia; order;
hierarchy
Sumario
1. Contextualização geral 3. Últimas considerações
2. As questões da ordem e da hierarquia Referências bibliográficas
no comentário a De angelica hierarchia
ISBN 978-84-490-8043-2
400 Enrahonar. Supplement Issue, 2018 João Rebalde
1. Contextualização geral
2. A
s questões da ordem e da hierarquia no comentário
a De angelica hierarchia
O texto do comentário a De angelica hierarchia está dividido em 15 capítulos
que acompanham o itinerário proposto por Dionísio. Tendo em conta as cara-
terísticas apontadas, o nosso estudo procura relevar, no âmbito do tema a que
nos dedicamos, os elementos de cunho pessoal introduzidos pelo autor e a
influência do texto da tradução de Sarraceno e os comentários de Tomás Gaulês.
Neste sentido, um dos elementos introduzidos por Pedro é desde logo o
pequeno resumo introdutório do começo do primeiro capítulo, onde explica
6. Sobre a polémica da autoria e as diversas posições: vd. Meirinhos (2002: 249-264); Pontes
(1972: 31-50); e Alonso (1957: XV-LXIX).
7. Vd. Alonso (1957: XVII).
8. Vd. Alonso (1957: XXVIII e ss).
402 Enrahonar. Supplement Issue, 2018 João Rebalde
Esta citação mostra a síntese que Pedro faz do texto de Dionísio. A ilumi-
nação emana de Deus e comunica-se a todas as criaturas de diversos modos
segundo a natureza de cada uma, segundo aquilo que podem ou conseguem
receber. Esta procedência está também intrinsecamente ligada à bondade divi-
na. Os modos segundo os quais a iluminação se comunica às criaturas supõem
uma complexa relação entre unidade e multiplicidade, tomando um dos tópi-
cos fundamentais da obra dionisiana. Pedro acrescenta que a iluminação se
comunica a todas as criaturas no âmbito da sua natural diversidade não perden-
do a sua simplicidade, enquanto proveniente da unidade. A iluminação que
provém de Deus não se faz múltipla em si e por si. Antes pelo contrário, man-
tém-se simples e indivisível. É múltipla apenas por via dos outros, os que dela
comungam. Este ponto faz ressaltar um aspeto interessante da síntese de Pedro.
De facto, as criaturas, aqui os outros relativamente à unidade, são responsáveis
pela multiplicidade da unidade da iluminação proveniente de Deus, precisa-
mente pelas determinações subjacentes à sua possibilidade de receber essa ilu-
minação, recebendo-a cada uma de acordo com a sua natureza determinada e,
dessa forma, determinando-a. No entanto, essa unidade irredutível que está a
montante da multiplicidade provocada pelas criaturas assegura que a multipli-
cidade destas ainda assim seja una. Desta forma a iluminação divina permite a
unidade da totalidade das criaturas, em si mesmas diversas, que as suas diferen-
ças fundamentais sejam absorvidas numa só unidade, uma ordenação colocada
nos termos de uma comunhão. Esta ideia expressa-se bem no resumo:
Et non tantum hoc facit, ut aliis communicata in se maneat simplex, set
etiam ea que ab ipsa illimunantur et illa illi per ipsam et sibi ipsis per illam
invicem uniuntur. Divina igitur illuminatio ad nos veniens et simplex est a se
non recedendo et efficax est illuminatio a se sibi et invicem uniendo (Petrus
Hispanus, Expositio librorum Beati Dionysii, p. 10-11, 20-2).
O bonito texto da nota, a que não é alheio uma vez mais um certo pendor
místico que já assinalámos acima, acrescenta que o amor divino liberta da
ignorância e isso é a purificação, que abre para o conhecimento espiritual, que
é a iluminação, e a união com Deus, que é a perfeição. Assim, se tivermos em
conta esta nota juntamente com o resumo introdutório do começo do tercei-
ro capítulo que citámos acima, encontramos aspetos particulares da leitura que
Pedro faz do texto dionisiano, uma leitura própria, diversa das suas principais
fontes, nomeadamente da tradução de Sarraceno e dos comentários de Tomás
Gaulês. Pedro resume os conceitos fundamentais da conceção de hierarquia
preconizada por Dionísio, nomeadamente a purificação, a iluminação e a per-
feição, que assim aparecem ligados ao amor divino e à imitação e união com
Deus. Mais além da valorização destes conceitos, tanto a introdução como a
nota vincam a relação da criatura com Deus, realçando predominantemente
a necessidade de assistência, mediação e dependência da primeira, elevando e
destacando a prioridade divina. Esta relação hierárquica liga-se às diversas
ordens de seres angelicais e ao reflexo da ordem geral e da hierarquia espiritual
na ordem e na hierarquia entre os seres humanos, desde logo através de uma
hierarquia eclesiástica.
Pedro atém-se ao longo do seu comentário aos diferentes níveis de ordens
angelicais que propõe Dionísio. O primeiro princípio é Deus, seguido das
ordens em sentido descendente de proximidade e perfeição espiritual, Serafins,
Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos
e Anjos. No resumo introdutório ao capítulo XII10, também de sua iniciativa,
Pedro sublinhará o lugar hierárquico do ser humano. Do mesmo modo que a
hierarquia angélica se organiza por graus de perfeição, o mesmo deve suceder
na hierarquia humana, dependendo a inferior da superior, sempre num pro-
cesso degradativo. A hierarquia humana ordena-se no reflexo da ordenação
espiritual, pela hierarquia eclesiástica, que no topo tem os bispos, que no seu
grau e de acordo com as suas possibilidades, imitam os anjos que lhes estão
acima, cooperando com Deus, purificando, iluminando e aperfeiçoando:
sicut enim angelorum officium est purgare, illuminare et perficere, ita episco-
pus sive ierarcha ad similitudinem angelorum purgat, dum baptizat non auc-
toritate sed ministerio; illuminat vero, dum predicat; perficit, dum ad Deum
subvehit (Petrus Hispanus, Expositio librorum Beati Dionysii, p. 86, 16-2).
A passagem indica bem como o lugar dos bispos é imitar o mais possível
os anjos na realização das suas funções hierárquicas, expressão do reflexo de
uma ordem na outra. No restante texto introdutório ao capítulo XII, encon-
tram-se as caraterísticas que apontámos antes a propósito de outras notas e
resumos introdutórios:
vel purgat, dum cooperant Dei gratia movet ad conpuctionem; illuminat, dum
elevat ad Dei cognitionem; perficit vero, dum informat ad piam actionem
Nesta passagem Pedro inclui por sua iniciativa uma remissão para a Teologia
mística em defesa do segundo modo de conhecimento. Nesse tratado, Dionísio
defende que Deus não pode ser nem uma coisa sensível nem um conceito, por-
que está mais além de todas as coisas e dessa forma está mais além de toda a
afirmação e de toda a negação, transcendendo tudo o que é conhecido. No
comentário a esta obra de Dionísio, Pedro valoriza estas ideias, sublinhando que
Deus está para além de todas as coisas e que nenhuma comparação com uma
coisa pode ser verdadeira, realçando a utilidade da via negativa. No seu comen-
tário a De angelica hierarchia, como já indicava a remissão, encontramos a mesma
ideia, a defesa da importância de dizer o que Deus não é, a negação como forma
de aproximação ao conhecimento verdadeiro. Releva também a ignorância
humana e a transcendência da substância divina, valorizando mais a incognos-
cibilidade, no sempre nem isto nem aquilo de um aproximar indefinido, indican-
do a exigência decisiva de uma outra prática de entrega espiritual. Deus mani-
festa-se assim através de formas diversas, que não são mais que indicações
simbólicas e analógicas, e desse modo até auxiliadoras, mas essencialmente dife-
rentes quando identificadas literalmente. Pedro segue pela via negativa, apon-
tando assim esse absoluto e esse para além de todas as coisas de Deus12.
3. Últimas considerações
Ao longo do nosso estudo procurámos mostrar a leitura que Petrus Hispanus
faz de De angelica hierarchia de Pseudo-Dionísio Areopagita no âmbito do tema
proposto. Tendo em conta as caraterísticas deste comentário, que se carateriza
pela proximidade aos comentários feitos por Tomás Gaulês e à tradução de João
Sarraceno, procurámos principalmente relevar as passagens de cunho próprio
do autor. Tratámos assim a relação entre a unidade e a multiplicidade; a ema-
nação de Deus e a dependência das criaturas; a definição da hierarquia e o seu
fim próprio; o reflexo da ordem e da hierarquia angelical na humana; e a melhor
forma de conhecer Deus. As passagens que realçámos desta obra evidenciam
uma especificidade própria na abordagem de Pedro que, por um lado, valoriza
e acentua o papel da mediação de Cristo, delimita a definição de hierarquia e
da sua utilidade, a reflete sobre a relação entre a hierarquia angelical e humana
e valoriza a via negativa para o conhecimento de Deus. Por outro lado, podemos
observar que os contributos do autor, nomeadamente os resumos, explicações
e teorizações que introduz, caraterizam-se por um peculiar pendor místico e
uma maior valorização do papel da assistência divina frente à criatura.
Referências bibliográficas
Fontes
Petrus Hispanus (1957), Expositio librorum Beati Dionysii. Editado por
Manuel Alonso: Pedro Hispano. Exposição sobre os livros do Beato Dioní-
sio Areopagita (Expositio librorum Beati Dionysii). Lisboa: Instituto de Alta
Cultura e Centro de Estudos de Psicologia e de História da Filosofia da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
— (2008). De mystica theologia. Traduzido por Maria Leonor Lamas de Oli-
veira Xavier: Teologia Mística. Textos de Pedro Hispano e Tomás Galo.
Lisboa: Ésquilo.
Estudos
Castro, Tomás N. (2016). «Leitores, tradutores e intérpretes. Sobre três tra-
duções latinas dos areopagítica». In: Lopes, Filipa; Silva, André; Aguiar,
Miguel (coord.). Incipit 4. Workshop de Estudos Medievais da Universidade
do Porto. Porto: Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Biblioteca
Digital, 71-82.
Dondaine, Hyacinthe (1953). Le corpus dionysien de l’université de Paris au
xiiie siècle. Roma: Edizioni di storia e letteratura.
Luscombe, David (1978). «Some Examples of the Use Made of the Works of
the Pseudo-Dionysius by University Teachers in the Later Middle Ages».
In: Ijsewijn, Jozef; Paquet, Jacques (eds.). The Universities in the Late Mid-
dle Ages. Leuven: Leuven University Press, 228-241.
Meirinhos, José Francisco Preto (2002). Pedro Hispano (século xiii), vol. II.
Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Pontes, José Maria da Cruz (1972). A obra filosófica de Pedro Hispano Portu-
galense. Novos problemas textuais. Coimbra: Universidade de Coimbra.
Xavier, Maria Leonor Lamas de Oliveira (1998). «Pedro Hispano e Tomás
Galo: a mística dionisiana». In: Soto Rábanos, José María (coord.). Pensa-
miento Medieval Hispano. Homenaje a Horacio Santiago-Otero. Madrid:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Consejería de Educación
y Cultura de la Junta de Castilla y León, Diputación de Zamora, 1053-
1066.
— (2008). «Introdução». In: Teologia Mística. Textos de Pedro Hispano e Tomás
Galo. Lisboa: Ésquilo.
João Rebalde took his doctoral degree at the Univesidade do Porto and is a member of the
Instituto de Filosofia of this University. His main areas of research are Neoplatonism, Medieval
Philosophy and Peninsular Scholasticism, with several publications on these subjects. At present
he is a postdoctoral researcher in the project Critical Edition and Study of the Works Attributed
to Petrus Hispanus — 1, directed by José Meirinhos at the Instituto de Filosofia of the Univer-
sidade do Porto.