Fernando Pessoa, Poeta Intempestivo: Sabrina Sedlmayer André Figueiredo
Fernando Pessoa, Poeta Intempestivo: Sabrina Sedlmayer André Figueiredo
Fernando Pessoa, Poeta Intempestivo: Sabrina Sedlmayer André Figueiredo
Sabrina Sedlmayer
André Figueiredo
Fernando Pessoa,
poeta intempestivo
FALE/UFMG
Belo Horizonte
2020
Diretora da Faculdade de Letras
Graciela Inés Ravetti de Gómez
Vice-Diretora
Sueli Maria Coelho
Coordenador
Cristiano Silva de Barros
Comissão editorial
Elisa Amorim Vieira
Emilia Mendes
Fábio Bonfim Duarte
Luis Alberto Brandão
Maria Cândida Trindade Costa de Seabra
Sônia Queiroz
Diagramação
Ytalo Andrade
Revisão de provas
Denise Cristina Campos
Ytalo Andrade
ISBN
978-65-87237-16-9 (digital)
978-65-87237-17-6 (impresso)
25 Do romance policial
Tamires Silveira
37 Do salazarismo
Lívia Matos Saraiva
45 Do esoterismo
Pedro Barreto Prado
53 Do sensacionismo
Deivisson Ricardo Januario Silva
69 Do amor
Ofélia de Souza Vieira
87 Sobre os autores
Um novelo embrulhado para o lado de dentro
Sabrina Sedlmayer
1
AGAMBEN, O que é contemporâneo? E outros ensaios, 2009, p. 72.
ZENITH. Richard. (org.) Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz: Correspondência amorosa completa
– 1919-1935. Rio de Janeiro: Capivara, 2013.
André Figueiredo
Bernardo Soares
5
Alguns desses textos inéditos da edição ampliada são: “Os Grandes Trechos”, muitos nunca publicados
por Pessoa e que pertencem à primeira fase do Livro. Na edição de Richard Zenith, esses textos
ganham uma seção à parte.
6
COELHO, Fernando Pessoa sempre existiu, 1982, p. 7.
7
SENA, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, 1982, p. 206.
8
SENA, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, 1982, p. 163.
10
PESSOA, Carta a Armando Côrtes-Rodrigues – 4 out. 1914, 1985, p. 36.
11
SENA, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, 1982, p. 207.
12
PESSOA, Carta a Adolfo Casais Monteiro – 13 jan. 1935, 1986, p. 199.
13
SENA, Fernando Pessoa & Cª Heterónima, 1982, p. 202.
O livro, por meio de sua materialidade, produz sentidos (CHARTIER, Formas e sentido, 2003), e o exame
15
Há quatro excertos indicados como possíveis prefácios, porém dois deles pertencem ao momento do
29
projeto do Livro em que se pensou que seria uma biografia de Vicente Guedes, sendo eles, portanto,
excluídos.
Considerações finais
É interessante perceber como o conjunto de fragmentos do Livro deram
origem a livros diferentes. Jacinto Coelho, sabendo da relevância em ser
o primeiro a publicar em completude os excertos de Fernando Pessoa em
1982, prepara uma edição que serve tanto para o leitor comum quanto
para os pesquisadores da obra pessoana. Os trechos iniciais que são
apresentados ao leitor como Livro do Desassossego correspondem às lis-
tas de organização da obra e aos trechos de cartas e notas originais em
que o poeta reflete sobre ela. Dessa forma, há uma escolha clara de dar
voz ao projeto como um todo e não apenas à obra do Livro em si. Para
essa edição, percebe-se que o Livro, antes de ser de Bernardo Soares, é
obra de Pessoa enquanto autor e editor. A edição faz questão de eviden-
ciar as lacunas textuais e a história do idioma presentes na ortografia de
Pessoa, buscando fidelidade à experiência de abrir a arca do poeta, com
uma pequena interferência: o tratamento crítico e a organização temá-
tica, fruto do trabalho do editor Jacinto Coelho.
Richard Zenith, em 1997, entra com uma outra proposta de edição.
Por ter tido contato com edições anteriormente publicadas do Livro do
Desassossego, seus critérios de seleção poderiam entregar uma experi-
ência diferente ao leitor. E assim o faz: opta por trazer a ideia do Livro
do Desassossego que Fernando Pessoa tinha para seu livro. O projeto de
Referências
CHARTIER, Roger. Formas e sentido – Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Campinas:
Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 2003.
COELHO, Jacinto do Prado. Nota sobre a ordenação dos textos. In: PESSOA, Fernando. Livro do
Desassossego por Bernardo Soares. Organização de Jacinto do Prado Coelho. Transcrição dos
textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Lisboa: Ática, 1982. v. I , p. 35.
CUNHA, Teresa Sobral; GALHOZ, Maria Aliete. Sobre a recolha e transcrição de textos e o registro
de variantes, In: PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Organização de
Jacinto do Prado Coelho. Transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha.
Lisboa: Ática, 1982. v. I. p. 25-29.
GENETTE, Gérard. Introdução. In: GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. São Paulo: Ateliê, 2009.
PESSOA, Fernando. Carta a Armando Côrtes-Rodrigues – 4 out. 1914. In: PESSOA, Fernando. Cartas
de Fernando Pessoa a Armado Côrtes Rodrigues. 3. ed. Lisboa: Livros Horizontes, 1985. p. 36.
Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/3490. Acesso em 27 out. 2019.
PESSOA, Fernando. Carta a Armando Côrtes-Rodrigues – 19 nov. 1914. In: PESSOA, Fernando. Cartas
de Fernando Pessoa a Armado Côrtes Rodrigues. 3. ed. Lisboa: Livros Horizontes, 1985. p.39.
PESSOA, Fernando. Carta a Mário de Sá-Carneiro – 14 mar. 1915. In: PESSOA, Fernando. Escritos
Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1986. p.
123. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/522. Acesso em 27 out. 2019.
PESSOA, Fernando. Carta a Adolfo Casais Monteiro – 13 jan. 1935. In: PESSOA, Fernando. Escritos
Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1986. p.
199. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/3007. Acesso em 27 out. 2019.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Organização de Jacinto do Prado
Coelho. Transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Lisboa: Ática,
1982. v. I e II.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-
livros na cidade de Lisboa. Organização de Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-
livros na cidade de Lisboa. Organização de Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
SCHAPOCHNIK, Nelson. Malditos tipógrafos. In: Seminário sobre livro e história editorial, 1., 2004, Rio
de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: UFF/FCRB, 2004. Disponível em: http://ww.livroehistoriaeditorial.
pro.br/pdf/nelsonschapochnik.pdf. Acesso em 27 out. 2019.
SENA, Jorge de. Fernando Pessoa & Cª Heterónima: estudos coligidos 1940-1978. Lisboa: Edições
70, 1982. v.1.
ZENITH, Richard. Introdução: Organização da presente edição. In: PESSOA, Fernando. Livro do
Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.
Organização de Richard Zenith. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Tamires Silveira
Fernando Pessoa
Nesse mesmo período, isto é, no século XIX, surgiram também as chamadas penny dreadfuls,
1
pequenas publicações que custavam um penny (antigo centavo de libra) e que narravam histórias
sobre criminosos e suas ações. Inicialmente chamadas penny bloods, as publicações foram um grande
sucesso entre seus leitores, que posteorimente, começaram a exigir cada vez mais horror em suas
narrativas. Por essa razão foram introduzidos também personagens sobrenaturais nesses contos. Esse
tipo de publicação se tornou bastante popular entre a população inglesa e pode se considerar que foi
responsável, em parte, pela introdução dos leitores nas histórias que seguem esse mesmo viés.
REIMÃO, O que é romance policial, 1983, p. 8-14.
2
Por causa do casamento de sua mãe com seu padrasto, Fernando Pessoa foi educado numa colônia
5
inglesa da África do Sul durante a sua adolescência. Essa educação sob os moldes ingleses teve
grande influência em sua formação, tanto como leitor e escritor quanto em outros aspectos.
Do romance policial 27
que a leitura de Conan Doyle ou de Arthur Morrison me pega na
consciência ao colo.
PESSOA, Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam…, 1966, p. 62.
6
Do romance policial 29
quarto pequeno, desarrumado, com uma janela aberta para os
telhados, por onde entrava a luz de Lisboa. Considerava-se um
decifrador de charadas, geralmente as do Almanach de Lembran-
ças, embora preferisse as da vida real. Vivia no seu quarto, num
estado de semi-doença indefinida, vegetando embrulhado numa
manta e lendo. Deixava perceber, por um ligeiro tremor e pelos
dedos amarelados, as marcas dos seus dois vícios, o alcoolismo e
o tabaco. Preferia charutos baratos, Peraltas escuros, a 25 réis, que
contribuíam para a tosse cadavérica que muitas vezes o tomava.9
Toda essa definição foi dada a Quaresma pelo seu amigo Pessoa,
que se mostra bastante tocado e parece sentir com intensidade a perda
desse amigo. Podemos imaginar que ao dar essas características tão
humanas, por muitas vezes falhas, a esse detetive, parece existir um
desejo de humanizá-lo e de afastá-lo do estereótipo de “máquina de
pensar”.
Em consonância com a personalidade do próprio Pessoa e também
de outros dos seus heterônimos, vemos em Quaresma “[…] um incom-
petente para a vida, alguém aparentemente banal, mas com o poder de
se transfigurar pelo raciocínio.”10 O que realmente vai se mostrar uma
realidade. Entretanto, em O caso Vargas, vemos, através da leitura dos
fragmentos do prefácio, que esse suposto desejo por afastar Quaresma
dessa figura de máquina de raciocinar, muito provavelmente não existe
por parte do autor.
O caso Vargas é o mais extenso de todos os escritos desse gênero
deixados por Pessoa e o que havia sido escolhido para apresentar o dete-
tive ao público. No momento em que Quaresma entra na história somos
contemplados com uma extensão de várias páginas em que o seu racio-
cínio é apresentado. Ao longo dessas páginas, são colocados diversos
termos que parecem se referir muito mais à psiquiatria do que a qualquer
outra área.
Torna-se quase impossível não aproximar o detetive dessa ideia de
“máquina de pensar”, atrelada também ao discurso positivista bastante
característico dos detetives do gênero policial. A leitura dos trechos nos
quais o seu pensamento lógico é apresentado pode ser muito extensa e
10
FREITAS, Quaresma, Decifrador: As novelas policiárias, 2008, p. 15.
O caso Vargas
Com o objetivo de jogar luz em alguns aspectos mencionados, vale ana-
lisar uma dessas novelas policiárias, O caso Vargas. Foi a mais longa
desse gênero escrita por Fernando Pessoa e é considerada também a
mais ambiciosa. Seu desenvolvimento, assim como o das demais, foi feito
também através de fragmentos.
No total 197 documentos foram considerados como pertencentes a
essa narrativa, entre eles: 148 manuscritos, 21 dactiloscritos e 28 mistos.
Acredita-se que foi uma das últimas novelas em que o autor trabalhou e
muito provavelmente é uma das mencionadas por ele na carta a Adolfo
Casais Monteiro, citada em outro trecho deste ensaio.
Como observou Ana Maria de Freitas, responsável pela organiza-
ção dos fragmentos das novelas, “Verifica-se uma certa uniformidade nos
Do romance policial 31
documentos de O Caso Vargas, o que sugere um processo de escrita mais
sequente no tempo.”11
Nos desprendendo então dos aspectos centrados na materialidade
da obra e nos voltando agora para o enredo em si, farei um breve resumo
do desenrolar dessa novela policiária. A narrativa inicia-se com um dos
personagens, Custódio Borges, tentando encontrar a casa de outro dos
personagens, o oficial da marinha Pavia Mendes. Borges se encontrava
muito preocupado, pois, na madrugada anterior, Carlos Vargas, um
amigo em comum dele e de Paiva Mendes, não havia aparecido no horá-
rio combinado.
Vargas havia, segundo Borges, combinado de se encontrar com ele
após voltar do jantar que lhe fora oferecido na casa do oficial da marinha.
Borges e Vargas eram vizinhos, portanto se encontrariam na rua da casa
de ambos para que o segundo emprestasse dinheiro para que o primeiro
pudesse fazer uma viagem. Entretanto, como Vargas não havia aparecido
até aquela manhã, o amigo decidiu tentar descobrir o que aconteceu.
Pavia Mendes relatou que Vargas saíra de sua casa após o jan-
tar em direção à própria casa e que havia decidido fazer o trajeto a pé.
Após alguns momentos de incredulidade, Mendes e Borges foram procu-
rar a polícia, pois, além de estar desaparecido, Vargas também carregava
documentos importantes que eram planos de um submarino do oficial da
marinha.
Vargas é então encontrado morto e, diante da incredulidade de
todos, a polícia afirma se tratar de um suicídio. Começam as investiga-
ções para corroborar essa afirmativa e começa também a segunda parte
mais importante de um romance de enigma. Segundo Reimão:
O romance policial de enigma é, na verdade, composto de duas
histórias: a do crime e a do inquérito.
No romance enigma, a primeira história (a do crime) não estando
imediatamente presente no livro, as investigações (e a narrativa)
começam após o crime, presente na narrativa através da narração
dos personagens diretamente envolvidos nele; a segunda história
(a do inquérito ou investigação) é o espaço onde os personagens,
Considerações finais
Antes de encerrar este ensaio, é pertinente ressaltar, mais uma vez, que,
mesmo O Caso Vargas sendo a novela policiária mais desenvolvida por
Fernando Pessoa, ainda são muitas as lacunas existentes na história.
12
REIMÃO, O que é romance policial, 1983, p. 22-23
Do romance policial 33
Um dos exemplos é que um dos capítulos sobre a explicação da mente
humana, planejado por Pessoa, não existe. O leitor também não con-
segue entender completamente como o assassino agiu, só possuímos a
explicação teórica de Quaresma, não somos apresentados à materiali-
dade dos fatos.
Estas lacunas não são exclusividade das suas narrativas policiá-
rias, perpassando toda a extensão da sua obra. Algo que pode ser facil-
mente encontrado nos trabalhos de Pessoa são extensos e detalhados
planejamentos sobre o que seria feito, mas sem que isso fosse realmente
colocado em prática. Dessa forma dando o caráter lacunar que percebe-
mos em seus escritos.
Fernando Pessoa como autor de novelas policiárias e de tantos
outros gêneros nos deixa não só com o mistério do enredo de suas nar-
rativas, mas também com o mistério de buscar compreender as lacunas
deixadas por ele nessas histórias. Mesmo repleto de vazios, Pessoa se
mostra pura intempestividade.
Referências
CAULIEZ, Armand-Jean. O filme policial. Lisboa: Editorial Aster, 1969.
FREITAS, Ana Maria de Almeida Pires. Quaresma, Decifrador: As novelas policiárias. Lisboa: Assírio
& Alvim, 2008.
MIRAGLIA, Gianluca. A Ficção Policial de Fernando Pessoa: no labirinto à espera de Ariadne. Pessoa
Plural –A Journal of Fernando Pessoa Studies, Providence, v. 7, n. 13, p. 521-526. 2018. Disponível
em: https://doi.org/10.7301/Z02J69DK. Acesso em 02 de out. 2019.
PESSOA, Fernando. O que é vida e o que é morte… In: PESSOA, Fernando. Poesias Inéditas (1930-
1935). Nota prévia de Jorge Nemésio. Lisboa: Ática, 1955. Disponível em: http://arquivopessoa.
net/textos/557. Acesso em 29 de jan. de 2020.
PESSOA, Fernando. Um dos poucos divertimentos intelectuais que ainda restam… In: PESSOA,
Fernando. Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Lisboa: Ática, 1966. p. 62. Disponível em
http://arquivopessoa.net/textos/4486. Acesso em 02 out. 2019.
PESSOA, Fernando. Carta a Adolfo Casais Monteiro – 13 Jan. 1935. In: PESSOA, Fernando. Escritos
Íntimos, Cartas e Páginas Autobiográficas. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1986. p.
199. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/3007. Acesso em 02 de out. 2019.
PESSOA, Fernando. O caso Vargas. In: FREITAS, Ana Maria de Almeida Pires. Quaresma, Decifrador:
As novelas policiárias. Lisboa: Assírio & Alvim, 2008.
PETER, Bianca. Penny dreadfuls: a literatura gótica para as massas. Nota Terapia, 24 fev. 2019.
Disponível em: http://notaterapia.com.br/2018/02/24/penny-dreadfuls-literatura-gotica-para-
massas/. Acesso em 02 de out. 2019.
REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é romance policial. São Paulo: Brasiliense, 1983.
Do romance policial 35
Do salazarismo
1
BARRETO, Apresentação, 2017, p. 23.
2
MARQUES, Brevíssima história de Portugal, 2016, p. 187.
Do salazarismo 39
do século XX quando o fascismo ainda não tinha tomado as proporções
conhecidas hoje. Na verdade, o que quero propor não é uma justificativa
às afirmações do autor em O Interregno, mas sim apontar o contexto
histórico da época. Outrossim, nas publicações posteriores, Pessoa reco-
nhece o equívoco cometido ao defender e justificar a existência de uma
ditadura em seu país. Em sua ficha biográfica, datada de 30 de março de
1935, ao mencionar suas obras já publicadas, declara:
Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa,
por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. O que,
de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: “35
Sonets” (em inglês), 1918; “English Poems I-II” e “English Poems
III” (em inglês também), 1922, e o livro “Mensagem”, premiado
pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria “Poema”.
O folheto “O Interregno”, publicado em 1928, e constituindo uma
defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como
não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.4
4
PESSOA, Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e Salazar, 2017, p. 289.
5
PESSOA, Sobre o fascismo a ditadura portuguesa e Salazar, 2017, p. 291.
6
PESSOA, Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e Salazar, 2017, p. 268.
Do salazarismo 41
E o teu cabelo – não choro
Seu regresso ao natural –
Abandona o estalão-ouro,
Amor, pomba, estrada, porto,
Sindicato nacional!
Ó minha corporativa,
Minha lei de Estado Novo,
Não me sejas mais esquiva!
Meu coração quer guarida
Ó linda Casa do Povo!
.................
7
PESSOA, Sobre o fascismo a ditadura portuguesa e Salazar, 2017, p. 377.
Do salazarismo 43
Referências
BARRETO, José. Apresentação. In: PESSOA, Fernando. Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e
Salazar. Rio de Janeiro: Tinta da China, 2017. p. 7-47.
MARQUES, A. H. de Oliveira. Brevíssima história de Portugal. Rio de Janeiro: Tinta da China, 2016.
PESSOA, Fernando. Sobre o fascismo, a ditadura portuguesa e Salazar. Edição de José Barreto.
Rio de Janeiro: Tinta da China, 2017.
Fernando Pessoa
PESSOA, Associações Secretas: O projeto de lei apresentado ao Parlamento..., 1935. Disponível em:
1
Do esoterismo 47
Iniciática nenhuma”.4 No entanto, em algumas de suas correspondências,
reunidas na obra Pessoa Inédito de Teresa Rita Lopes, há um trecho que
explica e elucida algumas questões colocadas tanto nessa carta a Adolfo
Casais Monteiro, quanto em seu artigo publicado no Diário de Lisboa.
Por isso eu disse, legitimamente, que não pertencia a Ordem
nenhuma. Não podia legitimamente dizer que não tinha nenhuma
iniciação. Antes, para quem pudesse entender, insinuei que a
tinha, quando falei de uma preparação especial, cuja natureza
não me proponho indicar. Esta frase escapou, e ainda mais o seu
sentido possível, aos iledores antimaçonicos. Só posso pois dizer
que pertenço à Ordem Templária de Portugal. Posso dizer, e digo,
que sou Templário portuguez. Digo-o devidamente autorizado. E
dito, fica dito.5
Um entusiasta de Astrologia
A astrologia já é compreendida como uma pseudociência. Seu objetivo é
o de explicar como os astros e o seu posicionamento no céu se relacio-
nam com a vida na terra, influenciando em diversos aspectos da vida das
pessoas, como afetando pontos da personalidade, variações de humor,
destinos e afins. A sustentação base da astrologia é o horóscopo, que
demonstra as posições dos astros no horário de nascimento de cada pes-
soa, embasada nas doze casas do Zodíaco, que serão denominadas como
Do esoterismo 49
em que uma visita ocorreu, culminando na ida do mago até Lisboa para
conhecer o português que tanto entendia sobre astrologia.
Dessa visita, o que se resultou foi em realidade uma grande claque
por parte de Crowley, que certamente contara com a ajuda de Pessoa.
O jornalista Augusto Ferreira Gomes, que por curiosidade era amigo de
Pessoa, publicara um caso no Diário de Notícias de Lisboa expondo o
achado de uma carta de suicídio de Aleister Crowley, relatando que o
mago havia se jogado na Boca do Inferno, uma formação rochosa lito-
rânea em terras portuguesas. Durante o desaparecimento de Crowley,
Pessoa publicara um artigo, causando repercussão ao propor que o mago
em realidade houvesse sido executado. Fruto disso surgiu uma entrevista
de Fernando Pessoa consigo próprio,6 discutindo todos os eventos ocor-
ridos, onde o escritor era tanto o entrevistador quanto o entrevistado.
No fim, o que ocorreu é que Crowley pouco tempo depois reapareceu em
Berlim, na Alemanha, promovendo uma exposição de quadros.
Nisso, pode-se perceber o quanto Fernando Pessoa agregava a
si por meio de um interesse tão peculiar. Seus estudos sobre ordens
e astrologia levavam-no a agregar conhecimentos metafísicos interes-
santíssimos e eventualmente permitiram-lhe contatar personalidades tão
excêntricas e curiosas, o que certamente serviu como forma de absorver
novas referências e estilos de escrita.
Considerações Finais
Em resumo, Fernando Pessoa era um sujeito que quase poderia ser con-
siderado um polímata, tamanha a vastidão de suas áreas de domínio,
possuindo uma engenhosidade incrível para a escrita e para a articula-
ção de seus heterônimos e flutuando por universos tão excêntricos como
ocultismo ou controversos como a astrologia. Em meio a essa grande teia
de diferentes referências e fontes de conhecimento, sua obra acaba por
receber uma grande densidade de informações, certamente ocupando
grande espaço – o que é positivo – na grande arca deixada com todos os
seus trabalhos.
Do esoterismo 51
Referências
BELÉM, Victor. O Mistério da Boca do Inferno: O encontro entre o Poeta Fernando Pessoa e o Mago
Aleister Crowley. Lisboa: Casa Fernando Pessoa, 1995.
LOPES, Teresa Rita. Pessoa por Conhecer: Textos para um Novo Mapa. Lisboa: Estampa, 1990.
PESSOA, Fernando. Textos Filosóficos. Organização e prefácio de António de Pina Coelho. Lisboa:
Ática, 1968. v. 2.
PESSOA, Fernando. Ensaio sobre a Iniciação. Tradução de Maria Helena Rodrigues de Carvalho.
Lisboa: Presença, 1985. Disponível em: http://multipessoa.net/labirinto/ocultismo/13. Acesso
em: 08 nov. 2019.
PESSOA, Fernando. Pessoa Inédito. Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes.
Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
PESSOA, Fernando. Poesias. Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. 15. ed.
Lisboa: Ática, 1995.
PIZARRO, Jerónimo; PITELLA, Carlos. Como Fernando Pessoa Pode Mudar a Sua Vida: Primeiras
Lições. Lisboa: Tinta da china, 2016.
Álvaro de Campos
Do sensacionismo 55
sujeito se mantenha neutro diante do que está sendo lido. O modo como
o sujeito reagirá às transformações será de acordo com as sensações ini-
cialmente utilizadas.
Entende-se, dessa forma, que o efeito das sensações serão as
poesias dos heterônimos. Estas são constituídas de maneiras distintas,
fazendo com que seja possível, ao serem lidas, identificar a qual heterô-
nimo pertence cada uma delas. À vista disso, pode-se inferir que O Livro
do Desassossego é uma espécie de introdução que apresenta fragmentos
de heterônimos que ganharão formas consistentes posteriormente.
O sensacionismo aparece fortemente presente nos versos de
Álvaro de Campos, que é um dos heterônimos mais bem construídos de
Fernando Pessoa. Descrito como um sujeito cosmopolita, Campos possui
um grande apreço pelas máquinas, pela velocidade, e pela tecnologia de
modo geral. Sua obra é muito bem desenvolvida e convencionalmente
dividida, por teóricos, em três fases distintas: decadentista, sensacio-
nista e niilista8, 9. “Opiário” é o poema que marca a fase decadentista.
Durante todo o poema é possível notar como a melancolia e o tédio se
unem, dando forma ao estado de espírito de Campos durante o tempo
que passa dentro de uma embarcação. Os versos carregam característi-
cas das poetas do século XIX, como Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire.
Um estilo poético que está ligado à formação da poesia moderna, sendo
possível observar temáticas densas como o sofrimento existencial, o uso
de entorpecentes e a pequenez do sujeito moderno.
Nessa fase, portanto, o poeta entrega-se à melancolia. Sente-se
pequeno e desprezível. A massa de sentimentos angustiantes faz com
que o Campos decadentista olhe sempre para baixo, recusando-se a
enxergar o mundo externo; apresenta-se sempre encarcerado dentro de
si. Ao relatar “sentir a vida convalesce e estiola”,10 entende-se o modo
como encara sua existência: a vida consiste na dubiedade do se sen-
tir bem (convalescer) e, em seguida, enfraquecer-se, perder o otimismo
8
Fase intimista/pessimista que prevalece na obra de Álvaro de Campos temáticas como solidão,
nostalgia, desilusão em relação ao mundo e incapacidade de amar. O poema “Tabacaria” é o principal
representante dessa fase.
9
PAIS, Para compreender Fernando Pessoa, 1999, p. 221-291.
10
CAMPOS, Ode Triunfal, 1944, p. 135.
11
Durante o período em que morou fora de Portugal, Álvaro de Campos fez uma viagem de navio pelo
Oriente que inspirou a criação do poema “Opiário”.
12
CAMPOS, Ode Triunfal, 1944, p. 144.
13
CAMPOS, Ode Triunfal, 1944, p. 144.
Do sensacionismo 57
O sensacionismo, portanto, é um método criativo que utiliza as
sensações como produto no processo da heteronímia. Contudo, vale res-
saltar que não existe teorização nesse procedimento, como diz José Gil.
O método é pautado na racionalidade, mas o resultado que será gerado
pela sensação não é previsível. Nunca se sabe qual heterônimo surgirá.
Fernando Pessoa conseguiu, assim, esgarçar as sensações para
construir sua poesia. Um modo discursivo que naturalmente se torna
múltiplo e acomoda frações de identidades variantes, fazendo com que
não exista um ponto de origem das sensações. Tornou-se um "sujeito
estourado em mil sujeitos, para tornar-se um não-sujeito".14
Referências
CAMPOS, Álvaro de. Opiário. In: PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática,
1944. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2456. Acesso em 02 dez. 2019. p. 135.
CAMPOS, Álvaro de. Ode Triunfal. In: PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa:
Ática, 1944. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/2459. Acesso em 02 dez. 2019. p. 144.
CAMPOS, Álvaro de. Sentir tudo de todas as maneiras. In: CAMPOS, Álvaro de. Álvaro de Campos
– Livro de Versos. Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita
Lopes. Lisboa: Estampa, 1993. Disponível em http://arquivopessoa.net/textos/821. Acesso em
02 dez. 2019.
GIL, José. O laboratório poético. In: GIL, José. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações.
Lisboa: Relógio D'água, 1987. p. 9-28.
PAIS, Amélia Pinto. Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e
heterónimos. Porto: Areal Editores, 1999. p. 221-291.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa: aquém eu, além do outro. 3.ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
Thalita Alvarenga
Álvaro de Campos
ROQUE, Crítica Ficcional ou Ficção da Crítica no Universo da Heteronímia Pessoana, 2011, p. 34.
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criatividade e contradições no papel, sabendo que uma única voz não era
suficiente para isso.
Transitar pela obra de Fernando Pessoa é isso: saber que este é um
caminho sem fim. Compreender que a sua obra é feita de muitos misté-
rios e a sua vida de fatos surpreendentes. Mas, sem dúvida, a questão
da heteronímia é algo que instiga a curiosidade. Afinal: quem era esse
que além de assinar com nomes diferentes criava um universo para esses
nomes?
É sabido que, em carta a Adolfo Casais Monteiro, o poeta se reve-
lou histérico desde a infância por causa da presença de seus amigos ima-
ginários. Mas afinal, a solidão da infância e os momentos de apuros em
que ela nos coloca muitas vezes nos obriga a criar esses amigos imaginá-
rios. Por isso, a finalidade deste trabalho é aprofundar no projeto literário
que ele construiu.
A leitura de suas cartas e críticas aos seus outros “eus” tem a fina-
lidade de perceber que em seus escritos havia um verdadeiro projeto lite-
rário de grande genialidade. Ele se permitia um olhar distanciado sobre
os seus personagens, se é que podemos tratá-los assim, e isso se com-
prova por meio dessas cartas e críticas que faziam parte desse projeto.
Talvez a finalidade era proporcionar um momento de diversão para
si próprio. E, no último caso, consigo imaginar Pessoa sentado à secre-
tária sorrindo ao imaginar a reação dos seus leitores e futuros estudio-
sos quando esses descobrissem que um determinado heterônimo, pouco
conhecido na verdade, tratava-se de Fernando Pessoa, quanto diverti-
mento teria para ele este momento.
Mas adivinhar os verdadeiros motivos para isso seria impossível.
Pois nem mesmo o que ele diz em sua própria carta a Casais pode ser
confiável, afinal, “o poeta é um fingidor” para usar as suas próprias pala-
vras. E talvez para uma investigação realmente séria sobre o que se pas-
sava na sua oficina mental, seria necessário consultarmos um médium,
o que acredito provocaria muitos risos a Pessoa. Por enquanto, vamos
seguir percorrendo esse grande caminho que era Fernando Pessoa por
intermédio dos seus escritos.
ROQUE, Crítica Ficcional ou Ficção da Crítica no Universo da Heteronímia Pessoana, 2011, p. 36.
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Nesse trecho final, o poeta novamente inicia com uma outra frase
condicional apontando que mesmo que a poesia de Caeiro não fosse
dotada da grandeza que ele acredita, ela ainda seria grande e rica. Essa
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REIS, A arte não existe…, 1990, p. 411.
8
CAMPOS, Não posso aceitar a atitude crítica…, 1990, p. 412.
10
PESSOA, Com quem se pode comparar Caeiro?, 1996, p. 343.
Referências
CAMPOS, Álvaro. Não posso aceitar a atitude crítica de Ricardo Reis para com a obra de Caeiro.
In: LOPES, Teresa Rita. Pessoa por Conhecer: textos para um Novo Mapa. Lisboa: Estampa, 1990.
p. 412. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/571. Acesso em 30 ago. 2019.
GONÇALVES, Robson Pereira. O sujeito Pessoa: literatura & psicanálise. Santa Maria: UFSM, 1995.
PESSOA, Fernando. Com quem se pode comparar Caeiro? In: PESSOA, Fernando. Páginas Íntimas
e de Auto-Interpretação. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do
Prado Coelho. Lisboa: Ática, 1996. p. 343. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/458.
Acesso em 30 ago. 2019.
REIS, Ricardo. A arte existe, não, como Campos quer, para substituir a vida, senão para a completar.
In: LOPES, Teresa Rita. Pessoa por Conhecer: textos para um Novo Mapa. Lisboa: Estampa, 1990.
p. 411. Disponível em: <http://arquivopessoa.net/textos/2964>. Acesso em 30 ago. 2019.
REIS, Ricardo. Tão pouco se assemelha ao politeísmo da Índia. In: PESSOA, Fernando. Páginas
Íntimas e de Auto-Interpretação. Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e
Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, 1996. Disponível em: http://arquivopessoa.net/textos/730.
Acesso em 30 ago. 2019.
Em dois anos mora em cinco casas: saiu da casa da tia Anica para um quarto mobiliado, […] depois
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vai viver em outro quarto mobiliado, na Rua Antero de Quental; a seguir, em outro, na Rua Almirante
Barroso, em cima de uma leiteria, e em outro ainda, na Rua Cidade da Horta. Em parte alguma se
consegue sentir em casa, porque “em casa” para ele só na infância, para sempre perdida. (BRÉCHON,
Estranho Estrangeiro, 1999, p. 281).
Pessoa, uma “superabundância de ser", expressou seus poemas em diferentes personagens: através
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do ortônimo quando ele próprio assumia seus poemas e através de heterônimos e subheterônimos.
São vários autores dentro desse indivíduo único – Pessoa. Pessoa não era um, mas toda uma coterie,
em que cada membro é dotado de personalidade própria, como por exemplo Alberto Caeiro, Ricardo
Reis, Álvaro de Campos, Chevalier de Pas (precursor dos heterônimos), criado quando Pessoa tinha 6
anos, Bernardo Soares, dentre inúmeros outros.
Do amor 71
Enlacei-a nos meus braços,
Fiquei louco e foi assim.
PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p. 59-60.
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Ou estes outros:
POE; ENGELS apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000,
10
p. 61.
CAMPOS apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p.
11
62.
Do amor 73
Esta linha dá volta ao mundo
Ai de mim!’ 12
PESSOA apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p.
13
58.
’Ophelinha:
Agradeço a sua carta. Ella trouxe-me pena e allivio ao mesmo
tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; allivio,
porque, na verdade, a única solução é essa – o não prolongarmos
mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de
uma parte nem de outra. […] O amor passou. Mas conservo-lhe uma
affeição inalterável, e não esquecerei nunca – nunca, creia – nem
a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a
sua ternura, a sua dedicação, a sua índole amorável. […] O meu
destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ophelinha nem
sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que
CAMPOS apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p.
14
59.
BRÉCHON, Estranho Estrangeiro, 1999, p. 352.
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Do amor 75
não permitem nem perdoam. […] Não é necessário que compreenda
isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como
eu, inalteravelmente, a conservarei na minha. Fernando.’ 16
17
CAMPOS apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p. 62.
18
BRÉCHON, Estranho Estrangeiro, 1999, p. 438.
19
PESSOA apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p. 53.
20
BARTHES apud PERRONE-MOISÉS, Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa, 2000, p.
43.
Do amor 77
estado de espírito, de seu estado de saúde, da sua obra e da interferência
de Álvaro de Campos em seus projetos.
Em cartas de amor de Fernando à Ofélia, observa-se a presença
de Álvaro de Campos, amigo, divertido instigante. Há momentos que sua
intervenção sobre os desejos e o destino de Pessoa são explícitos, intem-
pestivos, assumindo o pensamento, os desejos e até os compromissos de
Pessoa. É o que se detecta quando Álvaro assume a letra e o conteúdo
de uma carta que Pessoa está redigindo para Ofélia. Pessoa bebe a mais,
o que dá a entender que Campos bebe através dele; em outra situação
Campos marca encontro com Ofélia ou desdenha dela e de Pessoa, ou até
mesmo anuncia que irá se encontrar com sua amada – junção de Pessoa
e seu heterônimo Campos.
Em 05 de abril de 1920:
Bebé pequeno e rabino: […] Não te admires de a minha letra ser
um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é de este
papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar
por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui
em casa um vinho do Porto esplêndido, de que abri uma garrafa,
de que já bebi metade. A terceira razão é haver só duas razões, e,
portanto, não haver terceira razão nenhuma. (Álvaro de Campos,
engenheiro) é quem escreve: […] Adeus; vou-me deitar dentro de
um balde de cabeça para baixo, para descansar o espírito. Assim
fazem todos os grandes homens – pelo menos quando têm – 1º
espírito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça. Um beijo só
durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu,
sempre e muito teu Fernando (Nininho) Me.21
21
PESSOA apud ZENITH, Carta a Ofélia Queiroz - 05 abr. 20, 2013, p. 81.
22
OFÉLIA apud ZENITH, Carta a Fernando Pessoa - 06 abr. 20, 2013, p. 81.
Do amor 79
Na carta de Pessoa para Ofélia, datada de 29 de abril de 1920
expressa sua preocupação com o incômodo de palpites e olhares à rela-
ção dos dois:
Meu bebé mauzinho (e muito) […] o Nininho não gostou ontem de,
quando passou, ter dado espetáculo, por estarem várias pessoas
(não me pus a reparar em quem eram) à outra janela, à janela da
esquina. Apenas reparei que essas pessoas estavam a seguir os
meus movimentos: por essa razão, embora tencione passar hoje ao
meio-dia, como de costume, é possível que o faça só pelo passeio
do lado da casa de tua irmã. 24
26
PESSOA apud ZENITH, Carta a Ofélia Queiroz - 22 mar. 20, 2013, p. 61.
27
OFÉLIA apud ZENITH, Carta a Fernando Pessoa - 22 mar. 20, 2013, p. 62.
28
PESSOA apud ZENITH, Carta a Ofélia Queiroz -23 mar. 20, 2013, p. 63. Nota-se nessa carta a criação de
expressões de significado particular para o casal: “um meiguinho Chinês”. O “chinês” vai dentro de
uma caixa de fósforo.
Do amor 81
ao se apoiar numa perna só, não avançava. Metaforicamente se aplica ao
romance de Fernando e Ofélia, que apesar de aparentarem um grande
amor não avançavam no sentido de se assumirem como duas pessoas
que se amam.
Há um poema de Pessoa que se refere ao pássaro Íbis, dedicado
aos sobrinhos e primos pequenos:
29
PESSOA apud BRÉCHON, Estranho Estrageiro, 1999, p. 89.
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As cartas foram divididas, após sua publicação, em quatro etapas: Cartas amorosas (1919 e 1920) em
que há troca habitual de correspondência; Cartas frustradas (1929) – Fernando escreve pouco e mais
intensamente é Ofélia quem escreve; Cartas solitárias (1930 e 1931), onde as correspondências são de
“mão única” de Ofélia para Fernando; Epílogo (1932 a 1935) predomínio de cartas e bilhetes de Ofélia
e algumas respostas lacônicas de Pessoa agradecendo o cumprimento pelo seu aniversário. Essas
divisões correspondem a fases vividas por Fernando e Ofélia, nos 15 anos entre o primeiro encontro
e a morte do poeta.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas
31
PESSOA, Carta a Ofélia Queiroz - 29 nov. 1920, 1994, p.36.
Do amor 83
Cartas de amor
Ridículas
Referências
BRÉCHON, Robert. Estranho Estrangeiro: uma biografia de Fernando Pessoa. Tradução da edição
portuguesa por Maria Abreu e Pedro Tamen. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
PAZ, Octavio. Fernando Pessoa o desconhecido de si mesmo. Tradução de Luís Alves da Costa.
2. ed. Lisboa: Vega, 1983.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Sinceridade e ficção nas cartas de amor de Fernando Pessoa. In: GALVÃO,
Walnice Nogueira; GOTLIEB, Nádia Battella (orgs.). Prezado senhor, prezada senhora: estudos
sobre cartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Fernando Pessoa: Aquém do eu, Além do outro. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
35
PESSOA apud ZENITH, Carta a Ofélia Queiroz - 19 mar. 20, 2013, p. 5.
36
BRÉCHON, Estranho Estrangeiro, 1999, p. 281.
37
ZENITH, Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, 2013, p. 32.
Do amor 85
PESSOA, Fernando. Carta a Ofélia Queiroz - 29 nov. 1920. In: PESSOA, Fernando. Cartas de
Amor. Organização de David Mourão Ferreira. 3. ed. Lisboa: Ática, 1994. Disponível em: http://
arquivopessoa.net/textos/1464. Acesso em: 16 out. 2020.
PESSOA, Fernando. Carta a Ophélia Queiroz – 29 Abr. 1920. In: PESSOA, Fernando. Cartas de
Amor. Organização de David Mourão Ferreira. 3. ed. Lisboa: Ática, 1994. Disponível em: http://
arquivopessoa.net/textos/1597. Acesso em: 16 out. 2020.
ZENITH. Richard (org.) Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz: Correspondência amorosa completa –
1919-1935. Rio de Janeiro: Capivara, 2013.
Imagens em discurso
Nabil Araújo (Org.)
CDD : 869.13
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