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LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTO

Eu sou Malala

Eu sou Malala

Aquela manhã de terça-feira começou como qualquer outra, embora um pouco mais tarde que o normal. Era época de
provas, e então as aulas tinham início às nove horas em vez de às oito, o que era bom, pois não gosto de acordar cedo
e consigo dormir mesmo com o cacarejar dos galos e o chamado do muezim para as orações. [...]
A escola não ficava muito longe da minha casa, e eu costumava fazer o percurso a pé, mas desde o início de 2012 passei
a ir com as outras meninas, usando o riquixá. [...]
Passei a tomar o ônibus porque minha mãe começou a sentir medo de que eu andasse sozinha. Tínhamos recebido
ameaças o ano inteiro. Algumas estavam nos jornais, outras vinham na forma de bilhetes ou de mensagens transmitidos
pelos moradores. Minha mãe andava preocupada comigo, mas a milícia talibã nunca atacara uma menina e eu estava
mais preocupada com a hipótese de que eles talvez visassem meu pai, que sempre os criticava publicamente. [...]
Eu não estava assustada, mas passei a verificar, à noite, se o portão de casa estava mesmo trancado. E comecei a
perguntar a Deus o que acontece quando a gente morre. Contei tudo à minha melhor amiga, Moniba. Morávamos na
mesma rua quando pequenas, somos amigas desde a época do ensino fundamental e dividimos tudo: músicas do Justin
Bieber, filmes da série Crepúsculo, os melhores cremes clareadores. Seu sonho era virar designer de moda, apesar de
saber que sua família jamais concordaria; então dizia a todo mundo que queria ser médica. É difícil, para as meninas de
nossa sociedade, ser qualquer coisa que não professora ou médica - isso, se quiserem trabalhar. Eu era diferente. Nunca
escondi minha vontade, quando deixei de querer ser médica para ser inventora ou política. Moniba sempre sabia quando
algo não ia bem comigo. "Não se preocupe", eu lhe dizia. "Os talibãs nunca pegaram uma menina."
Quando nosso ônibus chegou, descemos a escadaria correndo. As outras meninas cobriram a cabeça antes de sair para
a rua e subir pela parte traseira do veículo. [...] O fundo do veículo, onde estávamos sentadas, não tinha janelas, apenas
uma proteção de plástico grosso cujas laterais batiam na lataria.
[...]
Na realidade, o que aconteceu foi que o ônibus parou de repente. [...] Devíamos estar a menos de duzentos metros do
posto militar.
Não conseguíamos ver adiante, mas um jovem barbudo, vestido em cores claras, invadiu a pista e, acenando, fez o
ônibus parar.
"Este é o ônibus da Escola Khushal?", perguntou a Bhai Jan. O motorista achou aquela uma pergunta idiota, já que o
nome estava pintado na lateral do ônibus. "Sim", respondeu.
"Quero informações sobre algumas crianças", o homem disse.
"Então você deve ir à secretaria da escola", orientou-o Bhai Jan.
Enquanto ele falava, outro rapaz, de branco, aproximou-se pela traseira do veículo. "Olhe, é um daqueles jornalistas que
vêm pedir entrevistas a você", disse Moniba. Desde que eu começara a falar em público com meu pai, para fazer
campanha pela educação de meninas e contra aqueles que, como o Talibã, querem nos esconder, muitas vezes
apareciam jornalistas, até mesmo estrangeiros, mas nunca daquele jeito, no meio da rua.
O homem usava um gorro de lã tradicional e tinha um lenço sobre o nariz e a boca, como se estivesse gripado. Parecia
um estudante universitário. Então avançou para a porta traseira do ônibus e se debruçou em nossa direção.
— Quem é Malala?", perguntou.
Ninguém disse nada, mas várias das meninas olharam para mim. Eu era a única que não estava com o rosto coberto.
Foi então que ele ergueu uma pistola preta. Depois fiquei sabendo que era uma Colt 45. Algumas meninas gritaram.
Moniba me contou que apertei sua mão.
Minhas amigas disseram que o homem deu três tiros, um depois do outro. O primeiro entrou perto do meu olho esquerdo
e saiu embaixo do meu ombro esquerdo. Caí sobre Moniba, com sangue espirrando do ouvido. Os outros tiros acertaram
as meninas que estavam perto de mim. O segundo entrou na mão esquerda de Shazia. O terceiro atingiu seu ombro
esquerdo, acertando também a parte superior do braço direito de Kainat Riaz.
Minhas amigas mais tarde me contaram que a mão do rapaz tremia ao atirar. Quando chegamos ao hospital, meu cabelo
longo e o colo de Moniba estavam cobertos de sangue.
Quem é Malala? Malala sou eu, e esta é minha história.

(Malala Yousafzai. Eu sou Malala. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 13-7.)

muezim: é a pessoa que, em uma torre alta e estreita, chamada minarete, conclama os religiosos a fazerem suas
orações.
riquixá: tipo de veículo, pequeno e leve, muito usado no Oriente.
Quem é Malala?

Malala Yousafzai nasceu em 1997, no vale Suat, Paquistão. No início de 2009, com 11 para 12 anos de idade, Malala
escreveu um blog sob um pseudônimo para a BBC, de Londres, detalhando como era a vida sob o regime do Talibã, as
tentativas dessa organização para tomar o controle da região e sobre as dificuldades das mulheres para poderem
estudar. Os posts para a BBC duraram apenas alguns meses, mas deram notoriedade à menina. Ela deu entrevistas a
diversos canais de TV e jornais, participou de um documentário e foi indicada ao Prêmio Internacional da Paz da Infância
em 2011. Na época, ela não ganhou - mas foi laureada com o mesmo prêmio em 2013.
Hoje, Malala vive na Inglaterra e seu sonho é voltar ao Paquistão quando as coisas estiverem diferentes.

O que é o Talibã?

O Talibã é conhecido no Ocidente como um movimento político e religioso radical. Seu objetivo é recuperar os principais
aspectos do islamismo - cultural, social, jurídica e economicamente -, com a criação de um Estado teocrático que regule
a vida sacio política e religiosa. O conhecido ataque às torres gêmeas em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, foi
atribuído aos talibãs e a um de seus líderes, Os ama Bin Laden, que foi perseguido e morto pelos norte americanos.

Hijab, niqab e burca

O texto de Malala faz referência a "cobrir a cabeça" como uma das normas do Talibã.
Na religião muçulmana, a maioria das mulheres usa ao menos um véu. Contudo, há divergências quanto à
obrigatoriedade desse uso, bem como quanto ao tipo de véu.
Os trajes mais conhecidos são:
hijab: véu que tem a finalidade de ocultar apenas o cabelo;
niqab: véu que cobre o rosto e revela apenas os olhos;
burca: veste feminina que cobre todo o corpo, até o rosto e os olhos. Utilizada no Afeganistão e em parte do Paquistão,
é o traje defendido pelos talibãs.

QUESTÕES DE INTERPRETAÇÃO

1. O texto narra os acontecimentos que precederam um fato decisivo na vida de Malala. Qual é esse fato?

2. Apesar de a escola ser próxima da casa de Malala, ela começou a ir de ônibus para a escola a partir do início de 2012.
Leia "Quem é Malala?" e responda: O que explica essa mudança na rotina da menina?

3. "Tínhamos recebido ameaças o ano inteiro. Algumas estavam nos jornais, outras vinham na forma de bilhetes ou de
mensagens transmitidos pelos moradores", conta Malala. De quem partiam as ameaças?

4. Malala tinha medo do que poderia acontecer? Justifique sua resposta com elementos do texto.

5. Malala se destacou em seu país por causa, principalmente, de sua luta pelo direito de as mulheres estudarem.

a) Naquela sociedade, quais são as únicas profissões toleradas para mulheres?

b) Malala se adaptou a essas regras?

6. Nos trechos "As meninas cobriram a cabeça antes de sair para a rua" e "Eu era a única que não estava com o rosto
coberto":
a) Que outra regra religiosa se percebe nesse hábito das meninas?

b) Infira: Malala concordava com essa outra regra. Justifique sua resposta.

c) O rosto descoberto de Malala pode ter contribuído para o atentado? Por quê?

7. Quando sofreu o atentado, Malala tinha 15 anos. Que elementos do texto mostram que ela era uma adolescente igual
às outras, tanto as do mundo oriental quanto as do mundo ocidental?
GABARITO

1. O atentado, realizado pelo Talibã, do qual ela foi vítima.

2. Malala passou a ser conhecida internacionalmente e, em suas falas, sempre se posicionava contra a política do
Talibã, daí o risco de sofrer alguma violência de algum membro desse movimento.
3. Infere-se, pela situação, que partissem do Talibã.

4. Sim, ela tinha medo, pois passou a verificar se o portão estava fechado á noite e, além disso, começou a se
preocupar com a morte.

5.

a) Apenas as profissões de médica e professora.

b) Não, ela queria ser inventora ou política.

6.

a) O hábito de sair em lugares públicos com o rosto coberto.

b) Não, ela não concordava com nenhum tipo de imposição feita ás mulheres, por isso estava sem o véu.

c) Provavelmente sim, pois o rapaz do Talibã já devia conhecer as ideias da menina e imaginou que só podia ser ela a
menina sem o véu.

7. O fato de ser fã das músicas de Justin Bieber, de gostar dos filmes da série Crepúsculo e de se importar com a
aparência.

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