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VIÇOSA
MINAS GERAIS – BRASIL
2014
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade
Federal de Viçosa - Câmpus Viçosa
T
Sant'Ana, Maíra Ferreira, 1988-
S232o A origem e o fim do mundo : análise discursiva de textos de
2014 divulgação científica na Superinteressante / Maíra Ferreira
Sant'Ana. – Viçosa, MG, 2014.
xiii, 176f. : il. ; 29 cm.
Inclui anexos.
Orientador: Cristiane Cataldi dos Santos Paes.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Viçosa.
Referências bibliográficas: f.139-140.
________________________________ ________________________________
Ernane Correa Rabelo Mariana Ramalho Procópio Xavier
________________________________
Mônica Santos de Souza Melo
(Coorientadora)
________________________________
Cristiane Cataldi dos Santos Paes
(Orientadora)
À minha família, com carinho.
ii
“A ciência e o jornalismo são as duas
grandes forças do mundo moderno.”
(Manuel Calvo Hernando)
iii
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado a oportunidade, a força e a disciplina necessária para cumprir esse
desafio. Continuar lecionando e me dedicar a uma tarefa tão complexa – e compensadora –
não foi fácil, mas consegui! Muito obrigada!
Aos meus pais, pelo amor e por serem exemplos de força e persistência.
Aos meus irmãos, Paula e Marcelo, por compreenderem as tantas vezes que precisei preterir
os nossos momentos de lazer para dedicar-me ao mestrado. Já que coube a mim ser a mais
velha, espero inspirá-los à sonhar e a realizar projetos. Contem comigo sempre!
Ao Bruno, meu noivo, por ser um grande companheiro, e por me apoiar e incentivar
constantemente. Muito obrigada pela paciência infinita em escutar meus desabafos, além de
entender minhas ausências.
Aos meus avós, pelo imenso carinho que têm por mim e por compreenderem, na finalização
da minha escrita, o meu distanciamento.
Agradeço a minha orientadora, Cristiane Cataldi, pela confiança depositada em mim desde a
graduação, quando tive o prazer de ser monitora de suas disciplinas. Por acreditar no potencial
dessa pesquisa e não medir esforços para me ajudar. Por ser exigente e, ao mesmo tempo,
extremamente compreensiva. Saiba que tenho uma grande admiração por você! Serei sempre
grata!
À minha coorientadora, Mônica Melo, por ter me acolhido como pesquisadora, já que eu
queria muito dialogar com a Semiolinguística. Muito obrigada pela confiança! Agradeço
também os sábios conselhos que possibilitaram o enriquecimento desse trabalho, os quais
com certeza foram fundamentais.
iv
À professora Maria Carmen, por ter me introduzido no ramo da pesquisa acadêmica e por
sempre ter me ensinado muito. Você é um exemplo de professora para mim!
À Turma de Mestrado em Letras 2012, pelas discussões acadêmicas que ampliaram o meu
conhecimento e, principalmente, à Ariana, Renata, Gilmara, Wilma e Bruna por terem sido
verdadeiras irmãs, e ao veterano Leo, por todo o auxílio.
A todos os funcionários do DLA e, em especial, à Adriana, que sempre esteve disponível para
ajudar. Valeu, Drica!
À UFV pelos sete anos de acolhida, desde a graduação até o mestrado, e pelas oportunidades
oferecidas.
v
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1
2. OBJETIVOS .............................................................................................................................. 4
2.1. Objetivo geral ....................................................................................................................... 4
2.2. Objetivos específicos ........................................................................................................... 4
3. JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................... 5
4. A ORIGEM E O FIM DO MUNDO ...................................................................................... 8
4.1. Origem .................................................................................................................................. 8
4.2. Fim ...................................................................................................................................... 14
4.2.1. Fim do mundo maia .................................................................................................... 22
5. REFERENCIAL TEÓRICO. ................................................................................................ 24
5.1. Teoria Semiolinguística ..................................................................................................... 24
5.1.1. Princípios gerais .......................................................................................................... 24
5.1.2. Do contrato de informação midiático ........................................................................ 29
5.1.2.1. Do contrato de comunicação em geral ................................................................ 29
5.1.2.2. A informação como discurso ............................................................................... 31
5.1.2.3. A identidade das instâncias de informação. ........................................................ 36
5.1.2.4. A finalidade do contrato de comunicação midiático .......................................... 37
5.1.2.5. O acontecimento como visão social do mundo................................................... 38
5.1.2.6. Informar em que circunstâncias? ......................................................................... 39
5.1.3. As mídias diante do discurso da informação ............................................................. 41
5.1.4. Gênero textual. ............................................................................................................ 42
5.2. Análise do Discurso da Divulgação Científica ................................................................ 45
5.2.1. A divulgação da ciência na mídia impressa .............................................................. 48
vi
5.2.2. O processo de recontextualização da informação sobre ciência .............................. 49
5.2.2.1. Expansão ............................................................................................................... 51
5.2.2.2. Redução ................................................................................................................. 52
5.2.2.3. Variação................................................................................................................. 53
5.2.2.4. Estratégias divulgativas ........................................................................................ 54
6. METODOLOGIA ................................................................................................................... 56
6.1. Da caracterização da revista Superinteressante. .............................................................. 56
6.2. Da coleta de dados ............................................................................................................. 60
6.3. Da análise ........................................................................................................................... 63
7. ANÁLISE ................................................................................................................................. 65
7.1. A revista Superinteressante como objeto de análise........................................................ 65
7.2. A recontextualização do discurso sobre ciência na Superinteressante........................... 66
7.2.1. O discurso de divulgação científica na perspectiva Semiolinguística ..................... 67
7.2.2. Capítulo 0 – “Uma breve história do começo, do meio e do fim” ........................... 70
7.2.3. Capítulo 1 – “Apocalipse místico” ........................................................................... 79
7.2.4. Capítulo 2 – “Apocalipse astronômico” ................................................................... 89
7.2.5. Capítulo 3 – “Apocalipse geológico” .................................................................... 105
7.2.6. Capítulo 4 – “Apocalipse ambiental” .................................................................... 112
7.2.7. Capítulo 5 – “Apocalipse tecnológico” .................................................................. 124
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 139
ANEXOS. .................................................................................................................................... 141
vii
LISTA DE ESQUEMAS
viii
LISTA DE FIGURAS
ix
LISTA DE GRÁFICOS
x
LISTA DE QUADROS
xi
RESUMO
xii
ABSTRACT
SANT‟ANA, Maíra Ferreira, M.Sc., Universidade Federal de Viçosa, April 2014. The
creation and the end of the world: a discursive analysis of scientific literature in the
popular science magazine Superinteressante. Advisor: Cristiane Cataldi dos Santos Paes.
Co-advisor: Mônica Santos de Souza Melo.
In this study, we looked at the linguistic and discursive treatments given to the questions of
creation and end of the world in the reports published in the popular science magazine
Superinteressante, issued November 2012, at the height of the polemics surrounding the
Mayan calendar. We began with considerations on the magazine‟s editorial line and
contextualizion of the communicative situation of each text based on the Theory of
Semiolinguistics. We then described and analyzed the process of recontextualization of the
scientific information by means of the linguistic-discursive strategies of expansion, reduction
and variation, along with publishing strategies. This study was structured as follows:
contextualization of the study; discussion on the subject of creation and end of the world,
especially the Mayan perspective on the end of the world; presentation of the framework of
Semiolinguistics (CHARAUDEAU, 2009, 2012) and Discourse Analysis in Popular Science
(CALSAMIGLIA, 1997; CATALDI, 2003, 2007, 2008, 2011; CIAPUSCIO, 1997; VAN
DIJK, 2011); description of the Superinteressante magazine; discussion on popular science
from the perspective of Semiolinguistics; and analysis drawn from the identification of
linguistic-discursive and publishing strategies. We concluded that the communicative
situation leads the discourse in the reports and observed that publishing strategies as well as
informal language were used to address and interact with young readers. We also observed
that the magazine informs and hooks its readers by letting them concerned and curious. The
linguistic-discursive strategy most used was the expansion. Likewise, the publishing strategy
most frequent was the explanation. In this way, the scientific literature concerning the subject
of creation and end of the world published in that special issue of Superinteressante has
shown to be more explanatory than conceptual.
xiii
1. INTRODUÇÃO
1
A divulgação da ciência é um processo pelo qual informações e conceitos científicos e/ou tecnológicos, antes
restritos à comunidade científica, são repassados para o público geral. Com o avanço da Modernidade, a
divulgação vem ganhando espaço em diversas mídias, como rádio, televisão, jornais e internet, fazendo com
que os públicos sejam cada vez mais confrontados com os resultados apresentados das pesquisas científicas à
(MARTINS, COURA-SOBRINHO, BOTELHO, 2012, p.1).
Disponível em: <http://coloquioufmg2012.blogspot.com.br/2012/10/sobre-historia-e-o-conceito-de.html>. Acesso
em: 27 dez. 2013.
2
diversos conhecimentos científicos para o público geral”. Sendo assim, a finalidade desses
textos é fornecer conhecimento a fim de que a sociedade possa compreender melhor as
novidades científicas.
Segundo Calsamiglia, Bonilla, Cassany, López e Martí (2001), o processo
de recontextualização do conhecimento científico é compreendido como uma “re-criação”
desse tipo de conhecimento para cada público específico. No entanto, Cataldi (2007)
evidencia que essa prática discursiva não é simplesmente um resumo ou redução aleatória de
dados científicos, mas uma habilidade em selecionar, reorganizar e reformular as informações
de caráter técnico para leitores com interesses e objetivos diversos na compreensão dos
acontecimentos científicos.
Essa recontextualização do discurso científico para o discurso geral, ou seja, a
transposição da informação procedente do âmbito científico para o âmbito social faz emergir a
pergunta de pesquisa principal desse estudo: como o discurso sobre ciência é apropriado pela
mídia em questão no espaço concreto e ideológico destinado ao público leitor? A partir desse
questionamento, surgem outros: o que caracteriza a situação de comunicação dos textos
analisados? E quais são os procedimentos linguístico-discursivos e as estratégias divulgativas
utilizadas no processo de recontextualização?
A pesquisa em questão insere-se no quadro da pesquisa qualitativa. Segundo Neves
(1996), esse tipo de pesquisa envolve um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que
objetivam descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados.
Dessa maneira, a pesquisa qualitativa utiliza o texto como material empírico e assume uma
postura interpretativa diante desse seu material de estudo, partindo-se da noção de construção
social das realidades em estudo. Seu interesse está centrado nas perspectivas dos
participantes, em suas práticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano relativo à
questão em estudo.
Portanto, partindo do pressuposto de que os meios de comunicação de massa são a
principal fonte de informação sobre C & T (Ciência e Tecnologia) disponível ao grande
público, o presente estudo é relevante, visto que realiza uma análise dos processos
divulgativos, em termos de reformulação e recontextualização da informação científica, sobre
temáticas que suscitam muita polêmica na sociedade – o início e o fim do mundo – em uma
revista de divulgação científica destinada ao público geral.
3
2. OBJETIVOS
4
3. JUSTIFICATIVA
2
Disponível em: <http://www.foreignpolicy.com/articles/2009/11/13/the_end_of_the_world>. Acesso em: 20
jan. 2014.
3
NASA significa Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica, (National Aeronautics and Space
Administration). É a Agência Espacial Americana, que responde pela pesquisa, e desenvolvimento de
tecnologias e programas de exploração espacial e tem como missão incrementar o futuro na pesquisa, a
descoberta e a exploração espacial.
Disponível em: <http://www.significados.com.br/nasa/>. Acesso em: 20 jan. 2014.
4
Disponível em: <http://www.nasa.gov/topics/earth/features/2012.html>. Acesso em: 20 jan. 2014.
6
Em quarto lugar, analisar textos publicados na revista Superinteressante se faz
pertinente pelo fato de se tratar de uma mídia de referência nacional no âmbito da divulgação
científica, fazendo assim parte da leitura cotidiana de muitos brasileiros interessados em
informação científica. Em quinto lugar, conforme Noccioli (2010), apesar de serem comuns
trabalhos científicos sobre essa revista, as pesquisas mais conhecidas não são da área da
Linguística, mas da Comunicação Social:
Em sexto lugar, esse estudo é pertinente pelo fato de fornecer novos subsídios para a
compreensão do discurso de divulgação científica, já que realiza uma análise linguístico-
discursiva por meio dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de Divulgação
Científica e da Teoria Semiolinguística, considerando, assim, elementos textuais, linguísticos
e situacionais na análise do corpus a fim de compreender como o discurso é multifacetado e
cheio de possibilidades significativas, que levam a não transparência do uso da linguagem.
Além disso, essa pesquisa traz uma contribuição importante para a área, já que analisa
especificidades linguístico-discursivas do discurso divulgado na mídia impressa brasileira,
face a insuficiência de pesquisas sobre divulgação científica no Brasil na área de Estudos
Discursivos, embora esses trabalhos estejam aumentando, com a intensificação dos estudos
científicos. Gomes (2003) evidencia que, a partir da segunda metade do século XX, as
inovações científicas passaram a ser divulgadas na imprensa em maior proporção, não apenas
pelo fato da imprensa estar adquirindo cada vez mais importância na sociedade, mas também
devido às novas e aceleradas descobertas científicas e tecnológicas. Por fim, a descrição e
análise das estratégias divulgativas podem servir como fontes de estudo para a área da
Linguística, da Comunicação Social, e de disciplinas textuais análogas.
7
4. A ORIGEM E O FIM DO MUNDO
4.1. Origem
5
Co fo eàCassi e ,àoà itoà àaà a ei aà aisàp i itivaàdeào ga izaçãoàespi itualàdoà u do.à Muitoàa tes que o
mundo se dê a consciência como um conjunto de coisas e pí i asàeà o oàu à o ple oàdeà p op iedades à
e pí i as,àseàlheàd à o oàu à o ju toàdeàpot iasàeài flu osà itol gi os à Cá““I‘E‘,à ,àp. .
6
Em todo o curso de sua história, a religião permanece indissoluvelmente ligada a elementos míticos, e
impregnada deles. Por outro lado o mito, mesmo em suas formas mais grosseiras e rudimentares, traz em si
alguns motivos que de certo modo antecipam os ideais religiosos superiores que chegam depois. Desde o
início, o mito é religião em potencial. O que leva de um estágio para outro não é nenhuma crise repentina de
pe sa e to,à e à ual ue à evoluçãoàdeàse ti e to à CASSIRER, 1994, p. 146).
8
perspectiva, nada surgiu de maneira autônoma, há um Deus que tudo cria.
Martins (1994) destaca que os mitos e a religião são fenômenos universais, pois
existem em todos os lugares e povos; a filosofia, entretanto, é mais restrita. Ele diz que em
alguns locais do mundo, como na Grécia e na Índia, por exemplo, o pensamento filosófico
surgiu buscando fornecer explicações e abdicar dos mitos. O autor em questão afirma que essa
mudança não ocorreu repentinamente e que as antigas ideias mitológicas e religiosas não
foram esquecidas completamente, uma vez que foram utilizadas pelos filósofos. Dessa
maneira, Martins (1994) evidencia que é importante conhecer os mitos para se compreender a
filosofia.
De acordo com o autor em pauta, o pensamento mítico poderia ter se aprimorado, no
entanto, não deixaria de ser um pensamento religioso. Aproximadamente no quinto século
antes da era cristã, Martins (1994) relata que na Grécia e na Índia ocorreu uma crítica à
religião tradicional, o que propiciou um contexto favorável ao surgimento do pensamento
filosófico. Xenófanes de Cólofon (576 a 480 a. C.), por exemplo, foi um representante da
corrente intelectual da Grécia que criticou os mitos, pois, segundo ele, os deuses da mitologia
grega tinham muitos defeitos morais e eram fisicamente parecidos com os homens, o que,
para ele, não era adequado a um deus. Ademais, ele acreditava que a mitologia fazia parte do
imaginário humano, pois havia uma projeção nos deuses do que ocorria com as pessoas. Para
ele, havia sim um deus, mas esse não se assemelhava aos humanos em suas atitudes e
aparência.
Martins (1994) revela que a crítica à mitologia popular não acarretou uma negação à
religião, mas provocou uma redução de seguidores pertencentes à classe mais culta da
sociedade. Alguns filósofos gregos, como Demócrito Epicuro, contestaram a existência de
deuses sobrenaturais e formularam uma teoria atomista, segundo a qual tudo era formado por
átomos. Sendo assim, os mitos perderam a credibilidade e era necessária uma explica ção mais
racional sobre a origem do mundo.
De acordo com esse autor, a filosofia grega pode ser dividida em duas fases, antes e
depois de Sócrates. É difícil, no entanto, ter acesso aos documentos que foram redigidos pelos
“pré-socráticos”, uma vez que eles não foram conservados. Martins (1994) assevera que os
três primeiros filósofos “pré-socráticos” – Tales, Anaximandro e Anaxímenes – defendiam
que todas as coisas se originavam em uma única matéria primordial, chamada de “princípio”,
“arqué” em grego. Contudo, nem todos os pré-socráticos concordavam quanto ao tipo de
9
elemento que originaria todas as coisas.
Martins (1994) destaca que durante o período da Idade Média o cristianismo se
propagou na Europa e estruturou seu pensamento filosófico com base em várias religiões e
filosofias. Depois disso, porém, o autor em pauta revela que esse pensamento permaneceu
praticamente o mesmo durante séculos, sendo incompatível com a dinâmica da sociedade,
uma vez que essa havia passado por diversas modificações. Assim sendo, eclodiram alguns
conflitos entre a Igreja Católica e os pensadores da época.
Martins (1994) afirma que René Descartes, um dos grandes pensadores da primeira
metade do século XVIII, tentou especular como o universo teria se originado sem a
intervenção divina, afastando-se, assim, da tradição bíblica. Entretanto, de acordo com o autor
em questão, a proposta de Descartes não foi considerada um ataque à religião, pois ele
admitiu que Deus havia criado a matéria e o movimento, e que as leis naturais tinham sido
responsáveis por tudo o que ocorreu depois.
Conforme Martins (1994), Newton apontou uma falha nessa teoria cosmogônica 7 de
Descartes, apesar daquele não pretender fornecer uma explicação para a origem do universo.
Para ele, essa teoria não era baseada na matemática, e, como a física estava sendo
reformulada, as teorias deveriam permitir cálculos e previsões qualitativas. Depois dessa
crítica, a teoria de Descartes perde a aceitação que conquistou e a origem do universo volta a
ser explicada através da religião.
Martins (1994) evidencia que a tentativa posterior de desenvolver uma teoria sobre a
origem do universo partiu do filósofo Immanuel Kant, na obra de 1755 intitulada “História
Geral da Natureza e Teoria do Céu, ou Ensaio sobre a Constituição e a Origem Mecânica do
Universo em sua Totalidade, de Acordo com os Princípios de Newton”. Ele afirmava que para
se explicar o universo atual era necessário utilizar as leis da física newtoniana e formular
hipóteses sobre o início do universo. Kant se defende, porém, da acusação de ateísmo, pois
acredita que toda ordem e beleza do universo vêm das leis naturais, as quais são uma
evidência da existência e sabedoria de Deus.
De acordo com Martins (1994), no século XX, as teorias cosmogônicas foram bastante
influenciadas pelos recentes conhecimentos astronômicos e pelas novas teorias físicas.
7
Cosmogonia. Teoria sobre a origem do universo geralmente fundada em lendas ou em mitos e ligada a uma
metafísica. Como não houve testemunhas, as teorias da formação do mundo assentam-se na fé (cosmogonias
religiosas) ou no cálculo (cosmogonias astronômicas).
GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA. Lisboa/Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia
Disponível em: <https://sites.google.com/site/dicionarioenciclopedico/cosmogonia>. Acesso em: 8 jan. 2014.
10
Conforme esse autor, uma das teorias que se destacou nesse período foi a de Lemaître,
segundo a qual o universo teria se iniciado bruscamente. Essa teoria defende que quando se
recua no passado percebe-se o universo mais concentrado, tanto em termos de energia quanto
de matéria. Lamaître postula que
o universo pode ter surgido, inicialmente, sob a forma de poucas ou mesmo de uma
única partícula, completamente diferente das conhecidas, e que foi depois se
dividindo, fragmentando e criando um universo em expansão. (...) essa partícula
inicial poderia ser um super-átomo, com peso atômico igual à soma dos pesos
atômicos de todas as partículas do universo (MARTINS, 1994, p. 149).
Esse autor evidencia que a teoria em questão admite a necessidade de Deus para criar
o átomo primitivo que deu origem a tudo.
Martins (1994) revela que muitos pesquisadores apresentaram teorias para explicar a
formação dos elementos químicos, antes da constituição das estrelas. Uma das mais
relevantes, segundo esse autor, é a do “Big Bang” (grande explosão) que foi proposta por
George Gamow, em 1947. Ele aderiu a um modelo relativístico do universo em expansão,
fazendo uso de cálculos que foram feitos vinte anos atrás por Lemaître, Friedmann, Walker,
Tolman e Robertson. Segundo essa teoria, o universo inicialmente teria uma densidade muito
grande e uma alta temperatura, além disso, esse material inicial seria formado por partículas,
tais como, nêutrons ou prótons, e radiação gama com muita energia. À medida que o planeta
se expande, a temperatura média diminui.
Conforme Martins (1994), essa teoria tinha algumas falhas. A primeira delas era
concernente ao processo de criação dos elementos:
Esse autor assevera que a segunda falha estava relacionada aos cálculos de duração do
universo, pois consoante as medidas de velocidade de expansão do universo indicadas por
Gamow, a primeira explosão deveria ter acontecido há aproximadamente dois bilhões de
anos. Entretanto, as estimativas de idade da Terra apontavam cinco bilhões de anos. Dessa
11
maneira, criou-se outra teoria.
De acordo com Martins (1994), em 1948, logo após a teoria cosmológica do “Big
Bang”, foi criada a “teoria do estado estacionário”. Enquanto na perspectiva da teoria do “Big
Bang” o universo tem um início no tempo, na “teoria do estado estacionário” não houve o
início do universo, ele é eterno e sempre foi como é atualmente – a matéria sempre esteve
concentrada em estrelas e galáxias. Ambas as teorias, até 1960, concorriam quanto à
preferência dos cientistas. Contudo, Martins (1994) revela que havia mais pessoas favoráveis
à primeira do que a segunda, mas que essa decisão era de cunho pessoal, já que não existia
nada que pudesse demonstrar qual era a correta.
Uma mudança ocorreu em 1960, quando a radiação de fundo foi descoberta por
Penzias e Wilson, o que fortalecia a teoria do “Big Bang” e enfraquecia a do “estado
estacionário”. Martins (1994) explica que a temperatura do universo foi diminuindo e,
7000.000 anos depois do começo da expansão, a radiação e a matéria se separaram. Nesse
momento, a temperatura do universo seria de 3.000 Kelvin. Posteriormente, a matéria se junta
a fim de formar as galáxias, enquanto que a radiação, que é uma luz avermelhada, preenche o
universo e se expande.
O autor supracitado destaca que quanto mais o universo se expande mais a
temperatura diminui e a luz vai se modificando, se transformando em radiação infravermelha.
Nessa perspectiva, essa radiação ainda deve estar no espaço, mas enfraquecida, com a
temperatura de aproximadamente 270 Celsius abaixo de zero. De acordo com Martins (1994),
é muito difícil se explicar essa radiação de microondas por meio da teoria do “estado
estacionário”, já que conforme a mesma o universo sempre foi igual, pois a matéria sempre
esteve concentrada em estrelas e galáxias. O autor evidencia que esses corpos emitem luz e
radiação, além de poderem gerar microondas, contudo, essa radiação de microondas não viria
para a Terra proveniente de todas as direções do espaço, pois seria mais forte em certos locais
e mais fraca em outros. A radiação de fundo, entretanto, “tem sempre a mesma intensidade:
ela vem igualmente da região da Via Láctea como de qualquer outra direção” (MARTINS,
1994, p.165).
Segundo Martins (1994), como a teoria do “Big Bang” apresentava algumas falhas,
decidiu-se, primeiramente, fazer algumas modificações na mesma, relacionadas às
irregularidades na matéria primordial, mesmo que fossem consideradas forçadas, ao invés de
abandoná-la e ficar sem nenhuma, pois
12
para que todas as regiões do universo pudessem se influenciar e acabar chegando a
uma igualdade, seria preciso um tempo muito maior do que o diâmetro do universo
dividido pela velocidade da luz. E não houve esse tempo, na fase inicial do universo,
de acordo com a teoria do “Big Bang” (MARTINS, 1994, p. 170).
Posteriormente, diante dessa problemática, Martins (1994) afirma que em 1981 surgiu
a teoria do “universo inflacionário”, a qual foi proposta por Alan Guth. Ela defendia que na
fase inicial da expansão do universo o tempo necessário para a luz atravessá-lo era menor do
que a idade dele. Dessa maneira, há tempo para que todas as partes do universo se
influenciem e se equilibrem, a fim de que ele fique homogêneo, antes da constituição das
galáxias.
A fase inicial de expansão do “falso vácuo” deve durar, segundo a teoria, cerca de
10-35 segundos. Depois desse tempo, surgiriam radiação e partículas, transformando-
se umas nas outras, a uma temperatura altíssima – correspondente a 1024 Kelvin.
Durante a inflação do universo, a temperatura diminuiria a 1/30 do valor inicial, e
continuaria a cair, de acordo com as mesmas equações aceitas pela antiga teoria do
“Big Bang”. A partir de uma certa fase, a teoria do universo inflacionário de torna
idêntica à do “Big Bang” ( MARTINS, 1994, p. 172).
13
Apesar de todas essas tentativas de se descobrir a origem do universo, Martins (1994)
reconhece que ainda há muitas dúvidas. Mesmo se aceitando como válida a expansão do
universo e as leis da Física, as teorias apresentam muitas falhas. Entretanto, deve-se admitir
que o conhecimento sobre o universo hoje é muito maior do que o de cem anos atrás. Esse
autor afirma que não se pode acreditar que já temos uma teoria definitiva sobre a origem do
universo, uma vez que percebe-se na história da ciência que as teorias sempre mudam,
portanto, podemos ainda estar longe de respostas concretas. Para Martins (1994), isso não
desmotiva os pesquisadores, pois a ciência é interessante devido ao seu caráter investigativo,
se nada mais tivesse que ser investigado e descoberto ela estaria morta.
4.2. Fim
O fim do mundo, assim como a origem, é um tema que sempre gerou polêmica na
sociedade, provavelmente pelo receio das pessoas em perderem controle de sua própria vida,
de seu destino. Esse tema reflete, de acordo com Gleiser (2012), o medo ancestral contido na
memória coletiva de que a natureza é mais poderosa do que o ser humano e possui o poder de
aniquilá-lo a qualquer momento. Esse autor ressalta que, enquanto no século passado as
pessoas acreditavam que o fim do mundo seria reflexo da ira divina, atualmente, com os
avanços científicos, muitos defendem que as causas serão fenômenos cósmicos devastadores.
Contudo, a simbologia é a mesma: o fim parte dos céus, para atingir indivíduos indefesos que
são vítimas dos seus pecados e fragilidade.
Gleiser (2011) afirma que muito antes de 2000 a.C., entre os babilônicos, acreditava-se
que eram os deuses quem efetuavam decisões. Apenas o feiticeiro, o homem sagrado, podia
interceder junto a eles, pois era considerado o intérprete, o único capaz de decifrar as
mensagens divinas escritas nos céus. Dessa forma, sua ação percorria duas direções: dos
deuses para a tribo e da tribo para os deuses. Era, portanto, considerado mais do que humano
por viver em um mundo paralelo – entre o mundo natural e o sobrenatural. Nessa perspectiva,
8
Paráfrase da seguinte frase de Jo hàLe o :à Life is what happens to you while you're busy making other
plans .
14
os céus desempenhavam a função de um manuscrito sagrado que era utilizado pelos deuses
para se comunicar com as pessoas com a intermediação do feiticeiro e a astrologia
representava uma tradução desse manuscrito.
Além disso, por meio dos movimentos celestes, as pessoas previam as estações do ano,
sabiam que em todos os dias o sol retornaria, que a lua ficava cheia a cada vinte e oito dias,
entre outras suposições. Gleiser (2011) destaca, entretanto, que os céus não eram sempre
previsíveis, pois algumas vezes aconteciam fatos celestes inesperados que assustavam a
população. Eram, desse modo, também considerados palcos para ações punitivas advindas dos
deuses. Segundo esse autor, muitas religiões e narrativas folclóricas associam essas aparições
a desastres que já ocorreram ou irão ocorrer e até mesmo ao fim do mundo.
Consoante o autor em pauta, essa relação estabelecida entre os fenômenos celestes e o
fim do mundo, originária do Oriente Médio, posteriormente influenciou as narrativas
apocalípticas judaico-cristãs:
Esse autor revela que os babilônicos não acreditavam em vida celestial após a morte,
defendiam que a pessoa tem que ser feliz no presente. Já os egípcios, além de admitirem a
existência de vida após a morte, alegavam que a prosperidade dessa dependia do estado de
preservação do corpo, por isso tinham uma cultura de conservação desse. Sabe-se, contudo,
que a princípio eles pensavam que somente os faraós viveriam eternamente. Apenas com a
interrupção da autoridade faraônica, aproximadamente em 2200-2000 a.C, a ideia de que esse
direito deveria ser comum foi defendida, houve então uma democratização da imortalidade.
Nesse período, Gleiser (2011) destaca que uma das mais antigas formas de vida após a morte
se popularizou, o reino de Osíris, o deus dos mortos. Esse autor descreve que
9
Religião da Pérsia antiga. Foi revelada aproximadamente no séc. VIII a.C., por Ahura-Mazdá, deus do Bem, a
Zaratustra, cujos ensinamentos estão contidos no Avesta. É uma religião dualista, que obriga o homem a
escolher entre o Bem e o Mal, atendendo ao Juízo Final, depois do triunfo definitivo do Bem.
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/masdeismo/>. Acesso em: 29 jan. 2014.
15
tratava-se de um local paradisíaco, onde a terra era fértil, os cereais cresciam com
incrível vitalidade, e aqueles privilegiados com a vida eterna podiam ficar
calmamente sentados sob as árvores frondosas e ver os escravos trabalharem (até no
Paraíso!), enquanto se divertiam com jogos, banquetes e a companhia de amigos e
esposas. Claro, nem todos terminariam sua existência nesse lugar tão aprazível
(talvez um pouco monótono?): as almas tinham de passar por um árduo julgamento
antes de serem aceitas nos “campos encantados” de Osíris (GLEISER, 2011, p. 28).
Para Gleiser (2011), é notório que outras religiões se apropriaram de noções morais da
prática egípcia, como, por exemplo, das normas que devem ser obedecidas para que se viva
dignamente, do julgamento da alma pelos deuses, da recompensa e da punição.
Esse autor revela que as diversas ideias e imagens apocalípticas presentes na tradição
babilônia, egípcia e masdeísta se encontram no Livro de Daniel, que é considerado o primeiro
texto apocalíptico. Ele foi escrito no século II a. C, enquanto os sírios causavam sofrimento
aos judeus. Esse texto profetiza o fim do mundo a partir de visões repletas de simbolismo
sociopolítico, além de também relacionar o fim à interrupção da organização cósmica. Daniel
envolve os fiéis em um projeto de redenção proposto por Deus por meio do qual eles devem
tolerar seus problemas, pois no fim haverá o dia da punição. De acordo com Gleiser (2011),
há influência da visão apocalíptica de Daniel em outros textos judaicos e cristãos – quando o
cristianismo era uma religião perseguida.
Esse autor relata que os três evangelhos sinópticos10 – Mateus, Marcos e Lucas –
apresentam uma visão do fim do mundo quando o Messias descerá dos céus em uma nuvem;
neles os indícios do fim também são cósmicos. Ele ressalta que apesar de terem partes
escatológicas11 em diversas epístolas católicas, tais como em 2 Pedro 3,313 e em 1 João 2, 18,
essas não são tão dramáticas quanto no Apocalipse, o último livro do Novo Testamento, pois
nesse
10
Relativo a sinopse; que permite ver de um só lance de vista as diversas partes de um conjunto; resumido,
sintético: quadro sinóptico.Evangelhos sinópticos, os três evangelhos de São Mateus, São Marcos e São Lucas,
que apresentam grandes semelhanças na na ativa .
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/sinoptico/>. Acesso em: 26 jan. 2014.
11
Queà à efe e teà à es atologia,à ouà seja,à aoà estudoà dosà e e e tosà ou,à aà teologia,à aà tudoà ueà deve à
acontecer no apo alipse,àfi àdoà u do .à
Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/escatol%C3%B3gica/>. Acesso em: 26 jan. 2014.
16
Terra”, a Nova Jerusalém (GLEISER, 2011, p. 47).
Conforme esse autor, o Antigo e o Novo Testamento sustentam a ideia de que o tempo
chegará ao fim quando o Bem derrotar o Mal. Portanto, enquanto ambos coexistirem o tempo
continua.
Segundo Gleiser (2011), a maioria dos filósofos da Grécia antiga se opunha à adoração
dos deuses, visto que afirmavam que eles possuíam falhas morais, o que os deixava parecidos
com os humanos. A partir disso, aproximadamente no século VI a.C., alguns pensadores
iniciaram uma procura pela essência fundamental de tudo, o que modificou a história do
mundo intelectual ocidental. Tales de Mileto, por exemplo, acreditava que essa essência era a
água; Anaxímenes, o ar; Heráclito, o fogo; Anaximandro, um elemento inatingível, abstrato; e
Platão acreditava que havia um Artesão Cósmico, Demiurgo, que representava a Perfeição
Absoluta.
Gleiser (2011) assevera que no cristianismo é possível encontrar fundamentos do
pensamento teológico de Platão, representados pela perfeição racional e moral de Deus. Além
disso, declara que o pensamento monístico 12 grego teria influenciado também a ciência
moderna, uma vez que essa, assim como o monismo grego, objetiva o estado de perfeição
racional. Sendo assim, tanto religião quanto ciência buscam a perfeição, no entanto, de
maneira distinta:
Esse autor declara que no século XIV os fatos celestes ainda causavam o mesmo pavor
de dois mil anos antes, já que eram interpretados como um indício do fim, anunciadores da ira
divina, que levavam à pestilência, à morte, dentre outras tristezas; representando a interrupção
da ordem cósmica. A Peste Negra, por exemplo, que possivelmente se originou na Ásia
Central e chegou à Europa no século em questão, foi considerada o segundo dilúvio, um fato
12
Dout i aàfilos fi aàsegu doàaà ualàoà o ju toàdasà oisas pode ser reduzido à unidade, quer do ponto de
vista material ou espiritual, quer do ponto de vista das Leis (lógica ou física) pelas quais o universo se ordena.
Ela torna-seàú i a,àpoisàoà ate ialàeàoàespi itualàseàfu de .
Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/mon%C3%ADstico/>. Acesso em: 21 jan. 2014.
17
“purificador”, que indicava a proximidade do fim do mundo, principalmente porque diversos
observadores viram sinais proféticos no céu no período da epidemia.
De acordo com Gleiser (2011), no século XVI, enquanto os líderes religiosos e os
profetas incitavam a superstição e o medo acerca dos cometas, os astrônomos começaram a
priorizar a precisão e as medidas. Entretanto, esse autor revela que a explicação dos
movimentos celestes baseada na matemática não fez com que as crenças relacionadas ao fim
do mundo acabassem. Elas foram reinterpretadas, pois ao invés dos objetos celestes serem
compreendidos como sinal da raiva dos deuses, passaram a ser considerados responsáveis pela
transformação do cosmo, ou seja, agentes do desenvolvimento dele através dos
acontecimentos cataclísmicos. O autor supracitado revela que até mesmo com o surgimento
do Iluminismo no século XVIII e o destaque no racionalismo absoluto, muitas pessoas
continuaram acreditando veementemente na ideia de fim do mundo.
Gleiser (2011) evidencia que o retorno do cometa Halley em 1910 causou temor na
população, pois além da mídia ter divulgado diversos textos apocalípticos sobre o fato, havia
a existência de sinais cósmicos, como chuvas de meteoros, cometas, variações climáticas
irregulares, manchas solares e o aparecimento da Aurora Borealis13. Os astrônomos avisaram
que não havia a hipótese de colisão com a Terra, mas alertaram do risco que a calda, rica em
gás cianogênio, causaria para a população, pois se esse gás se misturasse com o hidrogênio
haveria a formação de ácido prússico, um veneno fatal para os humanos. Entretanto, Gleiser
(2011) afirma que a quantidade de gás cianogênio presente na calda era desprezível e não
traria risco à população. Segundo ele, “esse é um exemplo relativamente recente do terror
apocalíptico generalizado sendo despertado por uma ciência apocalíptica irresponsável”
(GLEISER, 2011, p.89).
Conforme esse autor, depois que os cientistas conseguiram comprovar, nas duas
últimas décadas do século passado, que uma colisão há 65 milhões de anos com um objeto
extraterrestre dizimou mais de 40% da vida na Terra, incluindo os dinossauros, a ideia de um
novo choque é ainda mais assustadora, mas é necessário que o homem saiba que só habita a
Terra por causa de uma delas. Sendo assim, “as colisões destroem e as colisões criam”
(GLEISER, 2011, p. 153).
A partir disso, o Congresso norte-americano determinou que a NASA estudasse a
13
áu o aàBo ealàsãoàfe e osà ueào o e à asà egi esàpola esàdoà o teàdoàpla etaà Te aà ... àdevidoàaoà
contato dos ventos sola esà o àoà a poà ag ti oàdoàpla eta .
Disponível em: <http://www.significados.com.br/aurora-boreal/>. Acesso em 28 jan. 2014
18
possibilidade de futuras colisões. Em um desses monitoramentos, os cientistas conseguiram
ver o impacto entre o cometa Shoemaker-Levy 9 e o planeta Júpiter, além de asteróides
próximos à Terra. Dessa forma, o grande receio da sociedade acerca do fim do mundo agora é
confirmado por cientistas, os astrônomos são então considerados os novos profetas do fim. No
entanto, Gleiser (2011) destaca que não é suficiente constatar que o fim está próximo, é
necessário oferecer possibilidades de salvação para a sociedade.
De acordo com esse autor, a cosmologia de Friedman defende que o Universo pode ter
três destinos: i) um universo supercrítico tem geometria fechada e entra em colapso; ii) um
universo crítico tem geometria plana e continua sua expansão indefinidamente; e iii) um
universo subcrítico tem geometria aberta e também continuará em expansão. Isso pode ser
observado na seguinte figura:
Toda essa reflexão, em 1920, consoante Gleiser (2011), era apenas suposição, pois não
havia evidência da expansão cosmológica. A mudança ocorreu em 1929, quando o astrônomo
norte-americano Edwin Hubble percebeu, por meio de observações de galáxias longínquas,
que o Universo estava se expandindo, pois “quanto mais distante a galáxia, maior a sua
velocidade de recessão” (GLEISER, 2011, p. 289). Para isso, Hubble mediu a distância até
diversas galáxias e suas velocidades em relação ao Sol.
De acordo com Gleiser (2011), acredita-se que o Universo tem geometria plana e
aproximadamente 14 bilhões de anos. Para que ele tenha essa geometria, esse autor diz que
ele precisa ter três contribuições para a densidade de sua energia: a de matéria comum, como
19
prótons e elétrons, que não representa nem 5% do total; a de um ou mais tipos de matéria
escura14, cuja natureza é desconhecida, representando 30% do total; e a de uma ou mais
formas de energia escura15, representando o restante. Ele revela que a quantidade dos
ingredientes da “sopa cósmica” é conhecida, mas não se sabe quais são os ingredientes.
Contudo, esse autor afirma que se a constante cosmológica 16 fizer parte desses
ingredientes pode ser que um universo que tenha geometria fechada continue em expansão
para sempre, não ocorrendo a “morte por fogo” do Big Crunch 17 defendida por Friedman.
Gleiser (2011) revela que a contribuição da matéria para a energia total do Universo diminui
com a expansão, enquanto que a constante cosmológica permanece a mesma. Dessa forma,
em um Universo fechado, se a constante cosmológica atuar na expansão antes do ponto de
expansão máxima, onde o colapso começa, sua gravidade repulsiva pode acelerar a expansão,
evitando o Big Crunch.
Nessa perspectiva, somente uma geometria fechada não é fator determinante para que
o universo imploda. A quintaessência 18, por exemplo, quando atua no lugar da constante
cosmológica, também pode impedir o Big Crunch, mas apenas temporariamente, pois
“quando a quintaessência finalmente relaxar ao seu zero de energia potencial, ela não poderá
mais sustentar a expansão acelerada do cosmo” (GLEISER, 2011, p. 359). Dessa maneira,
esse autor afirma que o destino do Universo depende da energia escura 19.
14
Éàu aàpa teàdoàu ive soà ueàosàast o osàsa e à ueàe iste,à as ainda não sabem exatamente o que
seja. É matéria, porque se consegue medir sua existência por meio da força gravitacional que ela exerce. E é
es u a,àpo ueà ãoàe iteà e hu aàluz.àEssaàsegu daàp op iedadeà àjusta e teàoà ueàdifi ultaàseuàestudo .
Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-materia-escura>. Acesso em: 2 fev.
2014.
15
Supõe-se que esse estofo seja como um tipo de antigravidade: em vez de atrair, exerce a repulsão da
matéria. E acredita-se que é essa energia que faz com que o universo se expanda de forma acelerada.
Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/298/energia-escura-primeira-luz>. Acesso em:
2 fev. 2014.
16
áà o sta teà os ol gi aà foià p opostaà po à ál e tà Ei stei à o oà u aà odifi açãoà daà teo iaà o igi alà daà
Relatividade Geral para implementar um universo estacionário (eterno e imutável). Ela é um termo que
e uili aàaàfo çaàdeàat açãoàdaàg avidadeàto a doàaàfo aàdeàu aàfo çaàg avita io alà epulsiva .
Disponível em: <http://astro.sunysb.edu/steinkirch/reviews/cte_cosmologica_nov_2007.pdf>. Acesso em: 3
fev. 2014.
17
Co sisteà aàhip teseà seàoà U ive soà sof e àu à olapsoà ap sà aà suaàeve tualà e pa sãoàte i a ,à se doà oà
fu doàu aàa títeseàdoàBigàBa g .
Disponível em: <http://www.infopedia.pt/$big-crunch;jsessionid=VWI6hkSfuHMemnftNJYR7Q__>. Acesso em:
2. fev. 2014.
18
Éàu aàfo aàhipot ti aàdeàe e giaà ueàseàpostulaàpa aàe pli a àasào se vaç esàdoàu ive soàe expansão
acelerada .
Disponível em: <http://pt.cyclopaedia.net/wiki/Quintessencia-cosmologica>. Acesso em: 2. fev. 2014.
19
A energia escura tem sua origem nos trabalhos para entender a expansão acelerada do universo.
Basicamente, a teoria atual não consegue explicar essa aceleração. Uma das especulações é que a aceleração é
20
Gleiser (2011) afirma que nos últimos oitenta anos a cosmologia moderna foi revista e
modificada diversas vezes. Para ele, provavelmente a alteração mais relevante seja ela ter se
transformado em uma ciência experimental, abdicando de apenas especulações matemáticas
motivadas pela intuição física e por leis da Natureza. Dessa maneira, “os „universos de
escrivaninha‟ do início do século XX, mesmo que profundamente inspiradores, foram
suplantados por uma ciência quantitativa” (GLEISER, 2011, p 282).
Ele destaca que nem sempre se verificou um desenvolvimento de tamanha proporção
da cosmologia, uma vez que até 1960 ela era tratada com desconfiança pela maioria dos
físicos; atitude que ainda não desapareceu por completo, conforme Gleiser (2011). A
desconfiança era ocasionada por dois fatos: primeiramente, por tratar de grandes questões que
pertenciam ao âmbito da religião ou da metafísica, tais como, “Qual a origem de todas as
coisas?” “Qual o destino do universo?” e também por trabalhar com observações
astronômicas ou experimentos que eram raros e ambíguos.
Atualmente, na “era científica”, percebe-se que as visões escatológicas e o receio do
fim ainda fazem parte da vida de muitas pessoas. O que acontece “é uma tradução da antiga
retórica em uma linguagem moderna” (GLEISER, 2011, p.55), pois, nos dias atuais, um
dilúvio pode ser causado pelo aquecimento global; a pestilência pode ser proveniente de
armas biológicas; e o envenenamento do solo, do ar e da água pode ocorrer devido à poluição
industrial. Assim sendo, a hipótese do fim da vida na Terra pressagiada em narrativas
apocalípticas foi recriada atualmente em discurso científico. Gleiser (2011) declara que
20
De acordo com a reportagem O u do ão a a ou: pes uisado la e ta i te p etação e ô ea publicada
no site Terra.
Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/ciencia/fim-do-mundo/o-mundo-nao-acabou-pesquisador-
lamenta-interpretacao-erronea,518ee58534fbb310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em: 27 jan.
2013.
22
mencionada, fazem-se necessárias mais pesquisas.
Aldana (2012) revela que uma importante pista de estudo é o registro da ascensão de
K‟inich Janaab‟ Pakal ao trono da cidade maia de B‟aakal, onde atualmente se encontra o sítio
arqueológico de Palenque. Conforme as escrituras, esse homem assumiu oito dias após o novo
piktun. Para o pesquisador, o erro de interpretação é que o novo piktun se inicia quando se
chega ao 13° baktun: “O problema com essa sequência de interpretações é que a segunda
barra de escrituras de Palenque contradiz a primeira” (ALDANA, 2012).
Janaab‟ Pakal assumiu o trono no dia 5 Lamat 1 Mol do calendário maia. A fim de que
o calendário se inicie do zero, essa data deveria se repetir oito dias após o dia 21 de dezembro.
Aldana (2012) revela: “O resultado seria 4 Ajaw 3 Mak, e oito dias depois seria em 12 Lamat
11 Mak. Sem o reinício do calendário, então, fica difícil argumentar convincentemente sobre
uma profecia maia de destruição ou nova criação”.
Para Aldana (2012), se um novo piktun correspondesse a 20 baktuns, “Isso daria 10
Ajaw 13 Yaxk‟in. Oito dias depois, seria 5 Lamat 1 Mol, exatamente como no registro do
texto em hieróglifos”. Desta maneira, a data corresponderia não a 21 de dezembro de 2012, e
sim a 13 de outubro de 4772.
Aldana (2012) lastima que o conhecimento popular sobre a civilização maia seja
superficial e se restrinja apenas a relações com o fim do mundo. Ademais, receia que após o
dia 21 de dezembro, quando as pessoas perceberem que o mundo de fato não acabou, elas
imaginem que os maias estavam equivocados, o que seria injusto com esse povo.
23
5. REFERENCIAL TEÓRICO
24
posição teórica tem a finalidade de descobrir como fala a linguagem. Nesse viés, o sujeito está
no centro dela.
Dessa maneira, a forma de abordagem da linguagem nos Estudos Discursivos se
fundamenta no conceito linguagem-objeto-não-transparente, em seu método de atividade de
elucidação, e em como fala a linguagem.
A finalidade de tais considerações é demonstrar que o ato de linguagem não pode
ocorrer de outra maneira a não ser como um “conjunto de atos significadores que falam o
mundo através das condições e da própria instância de sua transmissão” (CHARAUDEAU,
2009, p.20), ou seja, esse ato não deve ser tratado de forma autônoma, é necessário considerar
elementos do mundo em sua abordagem.
O ato de linguagem, portanto, tem uma dupla dimensão, ambas indissociáveis, pois há
a parte explícita e a implícita. Sendo assim, o fenômeno linguageiro, segundo Charaudeau
(2009), apresenta um duplo movimento. O primeiro é o exocêntrico, ou seja, comandado por
uma força centrífuga, que faz com que todo ato de linguagem se signifique em uma
intertextualidade. O segundo é o endocêntrico, direcionado por uma força centrípeta, que faz
o ato de linguagem ter significado em um “ato de designação da referência”, no qual o signo
se esgota por meio de mudança, e em um “ato de simbolização”, por meio do qual o signo se
relaciona com outros e se diferencia. O ato de linguagem, portanto,
Nesse viés, não existe signo na língua, somente no discurso, uma vez que para o
entendimento do mesmo não são considerados apenas fatores linguísticos. Apesar disso, as
palavras, segundo o teórico, possuem um sentido relativamente estável.
De acordo com Charaudeau (2009), na perspectiva do sentido, o signo linguageiro se
manifesta por meio de uma dupla face: de uma qualificação referencial e de uma
funcionalidade. A qualificação referencial decorre do valor de designação do signo, que
concede um valor semântico a uma parte do mundo. Já a funcionalidade advém do valor de
uso do signo, que decorre de um universo discursivo.
O teórico em pauta destaca que todo ato de linguagem possui uma parte implícita, qu e
contribui para a significação. Ele evidencia que a significação não é uma atividade de adição
entre os signos, possuindo eles valor autônomo, ao contrário, “é uma manifestação linguageira
que combina signos em função de uma intertextualidade particular e que depende de
Circunstâncias de discurso particulares” (CHARAUDEAU, 2009, p.35).
Os signos são complexos e se formam na instância linguageira conforme uma certa
expectativa discursiva, que estabelece marcas, as quais possuem Núcleo metadiscursivo
(NmD). A marca linguística é
Todo ato de linguagem resulta de um jogo entre o implícito e o explícito e, por isso:
(i) vai nascer de circunstâncias de discurso específicas; (ii) vai se realizar no ponto
de encontro dos processos de produção e de interpretação; (iii) será encenado por
duas entidades, desdobradas em sujeitos de fala e sujeito agente (CHARAUDEAU,
2009, p. 52).
27
Por meio desse esquema, percebe-se que o ato de linguagem é formado por dois
circuitos de produção de saber. O primeiro é o circuito da fala configurada, espaço interno,
onde estão os participantes do ato de fala, que são considerados imagem do sujeito enunciador
(EUe) e do sujeito destinatário (TUd), originários de um saber relacionado às representações
linguageiras das práticas sociais. O segundo é o circuito externo à fala configurada, espaço
externo, onde estão os sujeitos agentes, que são considerados imagem do sujeito comunicante
(EUc) e do sujeito interpretante (TUi), segundo um saber relacionado ao conhecimento da
organização do real que “sobredetermina” esses seres.
Charaudeau (2009) ressalta que nessa perspectiva o mundo falado por esses seres
possui uma dupla representação, que varia conforme as esferas em que eles se situam. Sendo
assim, o mundo é considerado um circuito de fala, quando for uma representação discursiva; e
circuito externo, quando for uma representação da situação de comunicação.
O teórico em pauta assevera que o ato de linguagem, na perspectiva de sua produção,
pode ser imaginado como uma expedição e uma aventura. A primeira caracterização deve-se
ao fato dele possuir um aspecto intencional, pois é um projeto global de comunicação do
sujeito comunicante (EUc), que organiza a fala de acordo com suas competências,
considerando a liberdade e as restrições de ordem relacional. Ele deseja que seu ato seja
compreendido pelo sujeito interpretante (TUi), mas isso depende da coincidência de
interpretações feita pelos dois sujeitos em questão, sujeito interpretante (TUi) e sujeito
destinatário (TUd).
Charaudeau (2009) destaca que, para obter êxito nessa expedição, o sujeito
comunicante deve utilizar contratos e estratégias. A concepção de contrato implica em um
acordo sobre as representações linguageiras entre os sujeitos pertencentes à mesma prática
social. Devido a isso, o sujeito comunicante imagina que o outro possui uma competência de
reconhecimento parecida com a sua. Assim sendo, “o ato de linguagem torna -se uma
proposição que o EU faz ao TU e da qual ele espera uma contrapartida de conivência”
(CHARAUDEAU, 2009, p. 56).
A concepção de estratégia consiste na suposição de que o sujeito comunicante (EUc)
projeta, estrutura e encena suas intenções a fim de surtir certos efeitos, de persuasão ou de
sedução, sobre o sujeito interpretante (TUi), para que ele se reconheça como o sujeito
destinatário ideal (TUd) formado pelo EUc.
O ato de linguagem também pode ser considerado uma aventura, conforme
28
Charaudeau (2009), porque toda encenação intencional é revista, corrigida e pode não ser bem
aceita pelo sujeito interpretante, que identifica e interpreta da sua forma os contratos e as
estratégias.
Esse teórico declara que para analisar o ato de linguagem não deve se considerar
apenas a intenção do sujeito comunicante (EUc), pois o analista possui como objeto somente
um texto que já foi produzido e não consegue examinar o conjunto do mecanismo anterior ao
texto. Nesse viés, “a análise de um ato de linguagem não pode pretender dar conta da
totalidade da intenção do sujeito comunicante” (CHARAUDEAU, 2009, p.62).
De acordo com esse teórico, não se deve também, ao analisar um texto, considerar
apenas o posicionamento do sujeito comunicante e do interpretante. É preciso considerar os
possíveis interpretativos21 que aparecem no encontro dos processos de produção e de
interpretação. Para Charaudeau (2009), o analista coleta as interpretações e, através das
comparações, deve retirar constantes e variáveis do processo.
Sabe-se que “todo discurso depende, para a construção de seu interesse social, das
condições específicas da situação de troca na qual ele surge” (CHARAUDEAU, 2012, p.
67), ou seja, o discurso depende do contexto no qual ele ocorre. Dessa maneira, a situação
de comunicação funciona como uma referência para os sujeitos envolvidos na troca
comunicacional.
As restrições de cada situação, de acordo com o teórico em pauta, são instituídas por
um “jogo de regulação das práticas sociais”, as quais são determinadas pelos sujeitos que
vivem em uma comunidade e pelos discursos de representação, elaborados para explicar
essas práticas com o intuito de reconhecer a validade das mesmas; portanto, é assim que se
constroem as convenções e regras dos comportamentos linguageiros, essenciais para a
comunicação humana.
21
... àsãoàteste u hasàdasàp ti asàso iaisà ueà a a te iza àu àg upoàouàu aà o u idadeàhu a a.àLogo,à
constituem as representações linguageiras das experiências dos indivíduos que pertencem a esses grupos,
enquanto sujeitos individuais e coletivos. Porém, estas representações não são construídas a esmo: são
organizadas através de elementos linguageiros, semânticos e formais, que são, por sua vez, compostos de
v iasào de sàdeào ga ização à CHá‘áUDEáU,à ,àp.à .
29
Os indivíduos que desejam estabelecer uma comunicação devem considerar aspectos
da situação de comunicação, pois as trocas linguageiras ocorrem em um quadro de
cointencionalidade, as quais dependem das restrições dessa situação. Os parceiros da troca
de comunicação, segundo o teórico em questão, devem estar de acordo com o contrato de
comunicação, o qual decorre das características da situação de troca – os dados externos – e
das características discursivas resultantes – os dados internos.
Conforme Charaudeau (2012), os dados externos são semiotizados, não sendo,
portanto, em sua essência linguageiros, uma vez que dizem respeito a índices que se
convergem, sendo uma constante. Para esse teórico, pode-se reagrupar os dados externos em
quatro categorias, correspondendo cada uma delas a uma condição de enunciação da
produção linguageira, a saber: condição de identidade, condição de finalidade, condição de
propósito e condição de dispositivo.
A identidade dos parceiros envolvidos na troca comunicativa, segundo Charaudeau
(2012), é a condição que necessita que todo ato de linguagem dependa dos parceiros
inscritos no mesmo. Ela é identificada por meio das respostas dadas aos seguintes
questionamentos: “quem troca com quem?” ou “quem fala com quem?” ou “quem se dirige
a quem?”, os quais revelam traços de personalidade. Entretanto, esses traços somente serão
considerados se forem relevantes para o ato de linguagem.
A finalidade, consoante Charaudeau (2012), é a condição que necessita que todo ato
de linguagem esteja sistematizado em função de um objetivo. Ela se forma por meio da
expectativa de sentido que se apóia na troca comunicativa e que deve possibilitar responder
ao seguinte questionamento: “estamos aqui para dizer o quê?” A resposta ocorre por meio de
visadas, porque na comunicação o objetivo dos parceiros é “fazer com que o outro seja
incorporado à sua própria intencionalidade” (CHARAUDEAU, 2012, p. 69). São quatro os
tipos de visadas: a prescritiva, que diz respeito a “fazer fazer”; a informativa, que baseia -se
em “fazer saber”; a incitativa, que fundamenta-se em “fazer crer”; e a visada do páthos, que
consiste em “fazer sentir”.
O propósito, para o teórico em pauta, é a condição que necessita que todo ato de
comunicação ocorra através de um “domínio de saber” e se forma por meio da resposta ao
questionamento: “do que se trata?”. Diz respeito a um macrotema.
Já o dispositivo é a condição necessária para que o ato de comunicação se desenvolva
de uma forma particular, conforme as condições em que se desenvolve. É formado por meio
30
das respostas dadas aos seguintes questionamentos: “em que ambiente se inscreve o ato de
comunicação, que lugares físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de transmissão é
utilizado?” O dispositivo é o responsável pelas variantes no contrato de comunicação.
Os dados internos, como ressalta Charaudeau (2012), são os discursivos, que
possibilitam responder ao questionamento do “como dizer?”. Eles se dividem nos seguintes
espaços de comportamentos linguageiros: o espaço de locução, o espaço de relação, e o
espaço de tematização. O primeiro deles, o espaço de locução, é aquele em que o sujeito
deve justificar por que assumiu a palavra, se impor como sujeito falante, e definir o sujeito
ao qual se dirige. O segundo, o espaço de relação, é aquele por meio do qual o sujeito
falante, ao formar sua identidade de locutor e a de seu interlocutor, constitui relações com o
interlocutor. O último deles, o espaço de tematização, é aquele que se trata ou organiza o
domínio ou domínios do saber, o tema ou temas da troca. Nesse espaço, Charaudeau (2012)
afirma que o sujeito toma posição com relação ao tema estabelecido pelo contrato, opta por
um modo de intervenção e escolhe um modo de organização discursivo para o campo
temático em questão.
Esse teórico sustenta ainda que o sujeito falante não está totalmente sobredeterminado
pelo contrato de comunicação no ato de comunicação:
Charaudeau (2012) destaca que discurso não é língua, apesar dele ser fabricado por ela e
de modificá-la. Ademais, afirma que, enquanto essa se relaciona mais com a sua própria
organização, aquele se ocupa não somente com regras da língua, uma vez que ele decorre da
combinação das circunstâncias em que se fala ou escreve com o modo pelo qual se fala.
31
Discurso é, portanto, “a imbricação das condições extradiscursivas e das realizações
intradiscursivas que produz sentido (CHARAUDEAU, 2012, p. 40); dessa maneira, para se
descrever sentido de discurso, deve-se realizar uma conexão entre esses dois polos. Portanto,
no âmbito da informação, segundo esse teórico, convém se questionar a respeito da mecânica
de construção do sentido, da natureza do saber que é comunicado e do efeito de verdade que
pode causar no receptor.
Com relação à mecânica de construção do sentido, Charaudeau (2012) revela que
somente se percebe o sentido por meio das formas, e que toda forma alude a sentido e vice
versa. Ele defende que o sentido não é dado previamente, é construído por meio da ação
linguageira do sujeito durante a troca social. Além disso, assevera que o sentido se forma a
partir de um duplo processo de semiotização: de transformação e de transação.
Charaudeau (2012) assevera que o processo de transformação consiste em transformar
o “mundo a significar” em “mundo significado”, estruturando-o conforme categorias que são,
elas próprias, expressas por formas. Informar, nessa perspectiva, deve descrever, contar e
explicar, pois deve qualificar fatos, reportar acontecimentos e fornecer as causas desses fatos
e acontecimentos. Já o processo de transação baseia-se, para aquele que efetua um ato de
linguagem, “em dar uma significação psicossocial a seu ato, isto é, atribuir-lhe um objetivo
em função de um certo número de parâmetros” (CHARAUDEAU, 2012, p. 41). O teórico em
pauta revela que o ato de informar faz parte desse processo de transação, pois há um objeto de
saber que, inicialmente, um parceiro possui e o outro não, sendo assim, um tem a tarefa de
transmitir e o outro de receber, compreender e interpretar, modificando, destarte, seu
conhecimento inicial.
Charaudeau (2012) explica que o processo de transação controla o processo de
transformação, pois o objetivo do sujeito, ao falar, primeiramente, é se posicionar em relação
com o outro, uma vez que a consciência de si depende da tomada de consciência da existência
do outro, da percepção do outro e da diferenciação com relação a ele, sendo assim, a
linguagem é intersubjetiva.
Isto posto, não se deve atribuir o problema da informação em termos de fidelidade aos
fatos ou a uma fonte de informação, pois sendo ela um ato de transação, ocorrerá de acordo
com os parâmetros que são específicos do receptor e que podem não ter sido pressupostos
pelo informador. O teórico em pauta sustenta:
32
Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência, à neutralidade
ou à factualidade. Sendo um ato de transação, depende do tipo de alvo que o
informador escolhe e da coincidência ou não coincidência deste com o tipo de
receptor que interpretará a informação dada (CHARAUDEAU, 2012, p. 42).
Dessa maneira, percebe-se que a informação depende do ato de transação, por isso,
nem as mídias que acreditam transmitir a informação de maneira mais imparcial estão isentas
dos efeitos desse processo.
Concernente à natureza do saber, Charaudeau (2012, p. 43) alega que “o saber não tem
natureza, visto que é o resultado de uma construção humana através do exercício da
linguagem”. Essa construção baseia-se em tornar o mundo inteligível, organizando-o
conforme parâmetros. A maneira como o saber é estruturado depende da forma como o
homem olha; se ele se concentra no mundo, o olhar se inclina a descrever o mundo em
categorias de conhecimento, contudo, se o olhar se volta para o homem, ele tende a construir
categorias de crença.
Para Charaudeau (2012), os saberes de conhecimento se originam de uma
representação racionalizada da existência das pessoas e dos acontecimentos do mundo, seria,
mais especificamente, uma tentativa de tornar o mundo inteligível, estabelecendo marcas,
fronteiras, relações e hierarquias. O homem constrói esses conhecimentos por meio das
práticas da experiência e pela aprendizagem dos elementos científicos e técnicos. Já os
saberes de crença, consoante esse teórico, são os produtos da atividade humana, quando essa
tece comentários sobre o mundo, ou seja, o torna visível por meio do olhar subjetivo que o
sujeito direciona a ele. Nesse caso não seria, portanto, uma tentativa de inteligibilidade do
mundo, mas de avaliação e apreciação. Assim,
Charaudeau (2012) evidencia que os efeitos de verdade variam com relação a ter
ocorrido um pedido prévio de informação ou não, uma vez que esse pedido indica o intuito
intencional do ato de informar. Se a informação foi pedida, ela pode ser originária de um
sujeito que necessita da mesma para se comportar, aprender, formar uma opinião, ou pode ser
também que o pedido de informação seja necessário pela própria vivência social. De acordo
com o teórico supracitado, um pedido para dizer gera um poder de dizer, sendo necessário que
haja um conhecimento a respeito dos dados do contrato de comunicação e dos códigos de
educação estabelecidos na sociedade para haver compreensão.
Se a informação não tiver sido pedida, há a possibilidade do informador transmiti-la
por sua própria iniciativa ou dele ser obrigado a isso. No primeiro caso, cabe ao informado
questionar qual é o motivo que leva o animador a transmitir a informação. Ademais, pode-se
elaborar uma tese de “gratuidade altruísta”, por exemplo, o informador alerta ao informado
34
sobre a possibilidade de afetá-lo, ou da utilidade da informação por ele fornecida. O
informador pode, também, praticar a ação por interesse pessoal. Já no segundo caso, quando o
informador fala por obrigação, o informado pode hipotetizar que aquele intencionava guardar
a informação.
Quem informa?
Charaudeau (2012) revela que o crédito de uma informação depende da posição social
do informador, do papel que ele assume na situação de troca, de sua representatividade no
grupo em que atua e do nível de engajamento que demonstra com relação à informação. O
informador que possui notoriedade, segundo esse teórico, é um sujeito público e sua condição
pode suscitar um duplo efeito: ele não pode omitir informações de utilidade pública das
pessoas, fato que faz com que ele tenha uma credibilidade, mas pode ser que ele tente
manipular.
O informador testemunha, conforme esse teórico, exerce a função de detentor da
verdade, já que sua função é somente dizer o que escutou. O informador plural consiste na
atuação de várias fontes como informadoras. Nessa situação, pode ser que as informações
convirjam e essa pluralidade reforce uma informação, ou que elas divirjam, e ocorra um
conflito de informações. Já o informador como um organismo especializado diz respeito aos
centros institucionais responsáveis por captar e juntar informações, os quais são os menos
suspeitos de manipulação.
O teórico em pauta acrescenta a esses diversos status de informador o grau de
engajamento do mesmo, que consiste no interesse desse com relação ao valor de verdade da
informação que transmite. Para que essa afete quem a receba, ela deve estar marcada
discursivamente. Pode haver duas situações: i) O informador não demonstra seu engajamento;
a informação, portanto, é incontestável ou ii) O informador demonstra seu engajamento
demonstrando confiança em sua fonte ou expressando dúvida.
35
falado. Elas precisam ser objetivas, autônomas, com relação à subjetividade do sujeito falante,
exteriores a ele e reconhecidas por outros. Dessa maneira, os meios discursivos utilizados
devem buscar provar a autenticidade ou a verossimilhança dos acontecimentos, assim como o
valor das explanações efetuadas.
Assim sendo, na busca pela informação rápida, pode ser que o jornalista cometa erros,
os quais às vezes são difíceis de serem evitados devido à necessidade de agilidade no meio de
comunicação midiático.
A instância de recepção, conforme salienta Charaudeau (2012), é composta pelo
público, que varia de acordo com o suporte de transmissão; por esse motivo, as reações são
distintas de uma mídia para outra. Assim sendo, a identidade social da instância de recepção é
uma incerteza para a de produção, pois, apesar da existência de pesquisas que buscam
36
identificar o perfil do público, os dados são hipotéticos.
O teórico em questão evidencia que a instância de recepção, com relação à dupla
finalidade do contrato de comunicação, pode ser tratada como alvo intelectivo ou como alvo
afetivo. O primeiro, o alvo intelectivo, seria um alvo portador da capacidade de pensar. Já o
segundo, o alvo afetivo, seria um alvo que não faria avaliações racionais, mas sim
inconscientes por meio de reações de cunho emocional.
37
mensagem. Por esse motivo, a instância midiática procura emocionar o público, para
promover o interesse pela informação que está sendo transmitida. Dessa maneira, há uma
contradição no contrato de comunicação midiático, já que há uma
(...) finalidade de fazer saber, que deve buscar um grau zero de espetacularização da
informação, para satisfazer o princípio de seriedade ao produzir efeitos de
credibilidade; finalidade de fazer sentir, que deve fazer escolhas estratégicas
apropriadas à encenação da informação para satisfazer o princípio de emoção ao
produzir efeitos de dramatização (CHARAUDEAU, 2012, p. 92).
Charaudeau (2012) destaca que o universo do discurso encontra-se a meio caminho entre
um “fora da linguagem” e o processo linguageiro. Ele envolve os acontecimentos do mundo,
os quais só significam através de uma estruturação que é dada pelo ato de linguagem por meio
de uma tematização. Dessa maneira, as acepções de propósito, universo de discurso e
acontecimento estão relacionadas. O acontecimento é definido
ora como todo fenômeno que se produz no mundo, ora de maneira restritiva como
todo fato que está fora da ordem habitual. Ora o acontecimento é confundido com a
novidade, ora ele se diferencia dela, sem que se defina a diferença. Ora defende-se a
ideia de que o acontecimento é um dado da natureza, ora sustenta-se que ele é
provocado (CHARAUDEAU, 2012, p. 95).
Assim sendo, não há um conceito fixo para acontecimento, porque esse depende do
contexto no qual ocorre.
Charaudeau (2012) revela que o sujeito linguageiro é duplo, uma vez que ele se
desdobra em um eu e um tu, havendo uma intersubjetividade. Assim, pois, o olhar que
estrutura o acontecimento é duplo, há o olhar do sujeito ao realizar o ato de linguagem que
modifica o acontecimento bruto em significante, e o olhar do sujeito interpretante que o
interpreta.
Para se compreender o acontecimento, o teórico em pauta diz que é necessário que seja
38
feita uma alteração no mundo fenomenal, que essa seja notada pelos sujeitos, e que essa
percepção se encontre em uma rede coerente de significações sociais.
39
Charaudeau (2012) apresenta o esquema, exposto a seguir, da construção de sentido na
comunicação midiática, a qual, como em todo processo de comunicação, acontece por meio
de um duplo processo, de transformação e de transação. De acordo com esse autor, o “mundo
a descrever”, nesse caso, é onde está o “acontecimento bruto”; no processo de transformação,
portanto, o “acontecimento bruto” se transforma em “notícia”, isso acontece em função do
processo de transação, que diz respeito à construção da notícia com base em como se imagina
a instância receptora, a qual a reinterpreta. Esse contrato de comunicação midiático promove
um espaço público de informação e em seu quadro se forma a opinião pública. O esquema
abaixo explicita esse processo:
“Contrato de comunicação”
Processo de transação
40
não se pode insistir, com relação a tais organismos, na hipótese de gratuidade, e
menos ainda de filantropia, (...); sua atividade, que consiste em transmitir
informação – que tanto pode ser dada espontaneamente quanto procurada ou
provocada –, torna-se suspeita porque sua finalidade atende a um interesse diferente
do serviço da democracia (CHARAUDEAU, 2012, p. 59).
41
momento em que se toma o conhecimento de que determinada instância social possui um
determinado saber, cria-se um dever de saber, instaurando-se uma relação de dependência.
Charaudeau (2012) destaca que o conceito de gênero tem sido muito discutido há algum
tempo e está presente na análise das mídias, juntamente com qualificativos que o particulariza
de acordo com o suporte midiático: os gêneros jornalísticos, os gêneros televisivos e os
gêneros radiofônicos. Um gênero é
Assim sendo, uma classe textual ou um gênero textual é constituído por um conjunto
de textos que possuem as mesmas características.
Esse teórico revela que para se definir uma classe textual deve-se basear nos seguintes
critérios: lugar de construção do sentido do texto, grau de generalidade das características que
representam a classe e modo de organização discursiva dos textos. O primeiro, lugar de
construção do sentido, consiste no lugar da produção e recepção do texto, assim como do
produto acabado.
Já o segundo, grau de generalidade, possui a mesma relevância que o critério anterior,
pois quanto mais gerais forem as características textuais, menos discriminantes são.
Charaudeau (2012) destaca que nesse grau de generalidade há o problema de se identificar se
as características que determinam as classes são propriedades constituintes ou específicas. As
primeiras definem classes antropológicas, como o ato de linguagem, por exemplo, em
oposição a outras linguagens. As segundas podem definir um ato de linguagem ou um texto.
Quanto ao modo de organização discursiva dos textos, o teórico em pauta evidencia
que deve-se optar por um dos objetos: discurso como procedimento de organização ou
discurso como texto configurado.
Charaudeau (2012) propõe que o gênero de informação midiática seja definido a partir
do cruzamento entre uma forma de instância enunciativa, uma forma de modo discursivo, uma
42
forma de conteúdo e uma forma de dispositivo. A instância enunciativa seria de onde veio o
sujeito falante e seu grau de implicação, o modo discursivo converteria o acontecimento em
notícia, o tipo de conteúdo temático seria o macrodomínio discutido na notícia e, por último, o
tipo de dispositivo particularizaria o texto e distinguiria os gêneros conforme o suporte.
Como o contrato midiático ocorre em uma relação triangular entre uma instância de
informação, um mundo a comentar e uma instância consumidora, na produção de qualquer
gênero de informação, segundo Charaudeau (2012), há três desafios: i) o desafio da
visibilidade, que consiste nas notícias atraírem a atenção do público, ii) o desafio da
inteligibilidade, que diz respeito ao tratamento das notícias, de maneira que a informação seja
acessível, e iii) um desafio da espetacularização, que consiste em encenar, a fim de causar o
interesse e a emoção no público. Todos esses desafios estão relacionados à finalidade de
informação e de captação do contrato.
Já a tipologia, segundo Charaudeau (2012), é resultado de uma categorização dos
gêneros. Para formar uma tipologia, ele revela que é preciso optar pelas variáveis a se
considerar, uma vez que é complicado formar uma tipologia com diversas variáveis.
- Reportagem
43
por meio da qual se explicita nas reportagens diferentes posicionamentos, que fazem com que
a conclusão traga novas questões, não havendo, assim, a tomada de um ponto de vista.
Portanto, pode-se afirmar que o gênero textual reportagem busca explicar os
acontecimentos e na própria forma de relatar os mesmos surgem respostas aos
questionamentos que são formulados. Ademais, devido à visada do contrato de informação
midiático, o jornalista, no gênero textual em questão, deve abster-se de mostrar seu ponto de
vista pessoal, o que de fato é inevitável. Por fim, espera-se que esse gênero textual seja mais
fiel possível à realidade do fenômeno.
44
5.2. Análise do Discurso de Divulgação Científica
22
Lasà o asà o u i ativasà so ,à atu al e te,à disti tasà aà las deà laà o u i a i à ie tífi a à CIáPU“CIO,à
1997, p. 22, tradução nossa).
23
Elàe ue t oàdeàlaàte ti aà ie tífi aà o àelà u doàdeàlaàe pe ie iaàso ialà otidia aào ligaàaàu à a ioàdeà
regist o à CáL“áMIGLIá,à ,àp.à ,àt aduçãoà ossa .
46
na compreensão dos acontecimentos científicos. Essa aproximação entre as esferas científica e
cotidiana determina um deslocamento social da ciência, uma vez que ela parte das
comunidades discursivas onde a princípio é produzida, ou seja, das universidades, dos pólos
de pesquisa, dentre outros, para o público geral.
Nota-se, portanto, que divulgar ciência e tecnologia na mídia impressa é uma prática
discursiva dinâmica e complexa, já que envolve uma série de recursos e procedimentos
linguístico-discursivos; mas é extremamente relevante para a sociedade moderna aproximar as
duas esferas discursivas, com o intuito de alcançar a efetiva democratização do conhecimento
científico, pois, segundo Calsamiglia (1997), a divulgação da ciência atualmente é uma
necessidade do processo de democratização.
Na atual sociedade da informação, o público tem tido um maior interesse em relação
às informações sobre ciência e tecnologia, o que faz, de acordo com Cataldi (2007), que
assuntos do âmbito científico sejam transformados em notícia. Ciapuscio (1997) evidencia
que o texto de divulgação possui um duplo propósito, pois há a necessidade de fornecer
informação científica ao público leitor para que ele possa compreender melhor as novidades
científicas e de persuadi-lo a respeito da importância e utilidade desse conhecimento. Cataldi
(2007, p. 155), destaca que “os textos jornalísticos de divulgação científica têm como
finalidade principal informar acerca da importância e utilidade dos diversos conhecimentos
científicos para o público geral”.
Nesse processo de divulgação da informação, para que haja uma aproximação entre o
conhecimento científico e o conhecimento do público geral, faz-se necessário que os
jornalistas atuem como mediadores. Segundo Van Dijk (2011),
É de suma importância destacar que além dos jornalistas, conforme Van Dijk pontua,
alguns cientistas também podem atuar como mediadores, a partir do momento em que esses
optam por transmitir, de maneira inteligível para o público geral, suas descobertas.
Portanto, realizar um trabalho analítico no corpus composto por textos que foram
veiculados pela revista Superinteressante acerca da origem e do fim do mundo a fim de se
47
identificar as principais estratégias divulgativas utilizadas pela revista em pauta faz-se
importante, já que objetiva-se tomar conhecimento dos procedimentos de transformação do
texto (re)produzidos em reportagens para o público geral.
De acordo com Van Dijk (2011), os gêneros discursivos dos meios de comunicação
são muito diferentes dos discursos científicos pelo fato das situações comunicativas serem
distintas. Segundo esse teórico, os primeiros costumam ser escritos por jornalistas e voltados
para um público alvo amplo, já os segundos são escritos por cientistas e voltados para
cientistas. Ele destaca que o público geral e os cientistas fazem parte de diferentes
comunidades de conhecimento, o que explica o motivo pelo qual o público geral não entende
parte do conhecimento científico. Diante desse fato, alguns jornalistas desempenham o papel
de mediadores, ou seja, “escrevem sobre a ciência de maneira inteligível para o público geral”
(VAN DIJK, 2011, p. 20).
Ciapuscio (1997) assevera que a difusão da ciência, em todas as suas modalidades,
requer procedimentos de transformação, de reformulação da informação científica, já que os
textos de divulgação científica se originam a partir de textos produzidos por cientistas, o que
demonstra a necessidade de uma ação reformulativa geral, tanto relacionada ao conteúdo
quanto aos aspectos da linguagem. Assim sendo, a divulgação da ciência requer uma forma
apropriada às novas circunstâncias, ao novo contexto e à reconstrução do conhecimento para
um público distinto.
Para essa autora, o processo de reformulação da fonte científica para a notícia é
definido por uma simplificação geral, já que a informação deve ser inteligível para o público
49
geral. Ela evidencia que os problemas locais e globais identificados no processo de
formulação de um novo texto são solucionados por meio de três procedimentos: expansão,
redução e variação. Corroborando com essa ideia, Cataldi (2000) afirma que
Desse modo, para que o texto de divulgação científica cumpra sua função informativa,
perante um público-alvo que se distingue do público do texto científico, percebe-se que são
necessárias estratégias comunicativas.
Calsamiglia (1997) defende que a divulgação científica ocorre de maneira heterogênea
– através de diversos meios – e se apresenta como um acontecimento discursivo. Ademais,
afirma que a mesma acontece a partir de textos onde o saber é representado, os quais são
recontextualizados, com base em critérios de difusão do saber. Segundo essa autora, a
atividade divulgativa é essencialmente intertextual, já que o conhecimento científico é
veiculado originalmente em textos primários, dos quais surgem os discursos secundários, que
se modificam conforme a situação comunicativa, a identidade, a finalidade, a intenção, o
contexto, o meio de transmissão e o status do emissor e do receptor. Nesse viés, a
recontextualização da informação sobre ciência pode ser caracterizada da seguinte forma:
Portanto, com base na Linguística Textual, Ciapuscio (2001, p.17) define divulgação
científica como uma “reformulação criativa” de textos anteriores, ou seja, há um texto
científico inicial que passa por modificações por meio desse processo de reformulação. Logo,
a transformação discursiva ocorrerá conforme as limitações e convenções do novo contexto
discursivo. Já na perspectiva discursiva, Calsamiglia et al. (2001) evidenciam que a
divulgação científica se baseia em “recontextualizar” para uma situação comunicativa comum
um conhecimento científico, dessa maneira, há uma “re-criação do mesmo conhecimento para
50
uma audiência diferente24” (CALSAMIGLIA et al., 2001, p. 2641).
A divulgação científica consiste então em informar sobre um conhecimento específico
a um público amplo e constituído de diferentes leitores, a fim de tornar as questões científicas
um assunto público. Na sociedade atual, essa é uma atividade desempenhada pelos jornalistas
científicos, já que “nem o saber científico tem valor sem transcender à vida social, nem a
sociedade contemporânea suporta não ter informações sobre os avanços da ciência 25”
(CALSAMIGLIA, 1997, p. 15). Assim, faz-se necessário a realização de operações
específicas para que a sociedade consiga ter acesso à informação científica.
Calsamiglia (1997) destaca que a transmissão do saber se efetua por meio de dois
canais: o institucional e o dos meios de comunicação. O primeiro acontece nos
estabelecimentos dedicados aos estudos primários, médios e superiores, instituições como
universidades e centros de investigação que objetivam consolidar as bases para a transmissão
do saber. O segundo é de acesso livre e diz respeito às mídias em geral: revistas, jornais,
livros, televisão, rádio e internet. Esses dois canais possuem uma relação interdependente e no
presente estudo o enfoque será no segundo canal, o qual está relacionado à divulgação
científica na mídia impressa.
5.2.2.1. Expansão
Conforme Cataldi (2007, p.16), em textos escritos, pode ser que a compreensão do
interlocutor não seja imediata, por isso, “o comunicador utiliza o procedimento de expansão,
ou inclusão, com o objetivo de proporcionar os significados conceituais necessários para
lograr a efetiva participação cognitiva e comunicativa do leitor”. Assim sendo, fazendo uso
desse procedimento, pode-se substituir um termo por outro com o mesmo valor semântico,
mencionar conhecimentos compartilhados pelos leitores, explicitar uma nova informação, que
de forma implícita já havia aparecido no discurso e fazer uso de informações que não estavam
presentes na fonte original.
24
e- i io à delà is oà o o i ie toà pa aà u aà audie iaà dife e te à CáL“áMIGLIá,à età al.,à ,à p.à ,à
tradução nossa).
25
iàelà ueha e à ie tífi oàtie eàvalo àsi àt as e de àaàlaàvidaàso ial,à iàlaàso iedad contemporánea soporta no
te e ài fo a i àso eàlosàava esàdeàlaà ie ia à CáL“áMIGLIá,à ,àp.à ,àt aduçãoà ossa .
51
Ciapuscio (1997) ressalta que a
Para essa autora, as formas de expansão são inúmeras, dentre as quais se evidencia a
definição, a metáfora, dentre outras, as quais oferecem mais possibilidades para que o leitor
leigo possa relacionar o conhecimento científico com a sua realidade, facilitando-lhe o acesso
a informações mais especializadas.
5.2.2.2. Redução
Ciapuscio (1997) defende que das fontes científicas deve-se manter a informação
nuclear, que é o descobrimento científico ou o avanço efetuado pelos pesquisadores.
26
E pa si à desig aà elà p o edi ie toà po à elà ual,à pa aà al a za à o jetivosà espe ífi osà deà laà divulga i à
científica, se incluyen en el texto reformulado elementos de contenido o emotivos que no están presentes en la
fue te (CIAPUSCIO, 1997, p. 24, tradução nossa).
27
Laà edu i àpuedeàadopta àdosà odalidades:àe àp i e àluga ,àlaàsi pleàsup esi àdeài fo a i à ueàpo à
diversos motivos no es relevante, necesaria o conveniente en la versión divulgada. Otra forma de la reducción
es la condensación: los contenidos – que frecuentemente ocupan una gran extensión en las fuentes – se
o de sa à àsi tetiza àe àelàte toàdeàdivulga i à CIáPU“CIO, 1997, p. 24, tradução nossa).
52
Corroborando com essa ideia, Cataldi (2003, 2007) ressalta que os conceitos de relevância
cognitiva e comunicativa devem ser mantidos por serem fundamentais para a compreensão do
leitor.
5.2.2.3. Variação
28
laàva ia i àseñalaàlosà a iosàoàdesplaza ie tosà ueàtie e àluga àdesdeàlaàfue teàaàlaàdivulga i àe àlaà
presentación de la información, en el léxico (transformación del vocabulario científico en vocabulario
corriente),à e à laà odalidadà e u iativaà à e à ot osà aspe tosà li guísti os à CIáPU“CIO,à ,à p.à ,à t aduçãoà
nossa).
53
5.2.2.4. Estratégias divulgativas
ESTRATÉGIAS
DIVULGATIVAS
EVITAR O INCORPORAR
CONCEITO O CONCEITO
ESTRATÉGIAS ESTRATÉGIAS
LEXICAIS DISCURSIVAS
29
“eà t ataà deà u à o ju toà va iadoà deà fe e osà li guísti osà ueà a a aà uestio esà deà sele i à deà laà
información, organización de la misma, formulaci àdis u siva,àsele i àl i a,àt ata ie toàtipog fi o,àet à
(CASSANY e MARTÍ, 1998, p. 60, tradução nossa).
54
Cassany e Martí (1998) destacam que as estratégias lexicais consistem na utilização de
outros recursos denominativos, tais como, sinônimos, paráfrases e definições para se referir a
conceitos técnicos. Por meio da observação das escolhas lexicais contidas no texto de
divulgação, é possível perceber se prefere-se utilizar a terminologia técnico-científica ou
denominações mais comuns. Já as estratégias discursivas não estão diretamente relacionadas à
terminologia, mas aos aspectos que ultrapassam a oração, como a contextualização do
conceito que é usado no texto de divulgação; a aderência à narração no momento de se
explicar um conceito técnico; a utilização de metáforas, e o emprego da modalização com o
uso de elementos subjetivos durante a produção do texto, como juízos de valor, opiniões,
apreciações e as perguntas retóricas, apesar da categoria mais comum presente em textos de
divulgação ser a declarativa.
Segundo Cassany e Martí (1998), tais estratégias, por estarem associadas ao discurso
geral, já que são utilizadas nas falas cotidianas, tornam possível que a informação científica,
que é produzida de maneira objetiva, sem construções narrativas e expressões subjetivas, seja
inteligível para o público geral.
Nota-se, a partir dessa discussão acerca do tratamento linguístico-discursivo conferido
às informações de caráter científico durante o processo de recontextualização, que a
informação pode ser veiculada de acordo com o posicionamento ideológico de cada mídia,
(in)formando, dessa maneira, o público. A partir disso, faz-se importante analisar como a
informação sobre a origem e o fim do mundo foi veiculada, já que a mídia exerce grande
influência na sociedade.
55
6. METODOLOGIA
Para que os objetivos da presente pesquisa sejam alcançados de maneira eficiente, faz-
se indispensável a caracterização da revista Superinteressante, da qual foi retirado o corpus de
análise. É fundamental conhecer o perfil da mídia estudada, uma vez que, para a realização de
uma análise discursiva, não se pode desconsiderar as condições de produção, pois, de acordo
com Van Dijk (2011, p.22), o discurso é o “texto em contexto”.
A partir da caracterização da mídia supracitada, haverá uma explanação concernente à
coleta de dados e à caracterização das reportagens, a fim de que sejam analisados os
procedimentos linguístico-discursivos e as estratégias divulgativas utilizados na divulgação
do conhecimento acerca da origem e do fim do mundo no meio de comunicação em pauta.
Conforme Lima (2008), em 1978 surgiu na Alemanha a Revista PM, do grupo Gruner
+ Jar (G+J), que posteriormente lançou a Ça M’Interesse, na França, e a Muy Interesante, na
Espanha, Colômbia, Venezuela, Argentina, no México e Chile, além da Focus, na Inglaterra e
Itália.
Em 1987, a Editora Abril comprou os direitos da revista espanhola Muy Interesante,
com o intuito de publicá-la integralmente no Brasil, por meio de traduções. Contudo,
percebeu que os fotolitos, chapas utilizadas no processo de impressão, eram maiores que
aqueles utilizados no Brasil, o que fez com que essa Editora produzisse as próprias
reportagens na Superinteressante.
O primeiro exemplar da revista, segundo Lima (2008), foi lançado ainda em 1987,
com tiragem de 150 mil cópias, as quais, em três dias, já haviam se esgotado. Sendo assim,
decidiram lançar mais 65 mil exemplares extras.
Lima (2008) destaca que, em 1994, a Superinteressante se transformou na maior
tiragem entre as revistas internacionais às quais está vinculada, também sendo considerada
uma das maiores publicações de jornalismo científico direcionadas ao público jovem do país.
Ele ressalta que a revista possui uma tiragem média superior a 485 mil exemplares, o que
56
significa mais de 1,5 milhão de leitores. O público do periódico em questão, conforme esse
autor, tem idade entre 18 e 39 anos e 79% pertence às classes A e B.
Em 1998, em comemoração aos dez anos de publicação, a Superinteressante lançou
um CD com a maioria das matérias já publicadas. Em 2002, no aniversário de quinze anos da
revista, a ideia foi reaproveitada e passou-se a publicar anualmente a coleção completa de
todas as edições em formato digital escaneado em CD-ROMs. Em setembro de 2007, a
Editora Abril decidiu disponibilizar o conteúdo da revista gratuitamente na internet. Dessa
forma, todas as edições, desde a primeira até a atual, podem ser acessadas no site oficial da
Superinteressante30.
As seções31 que compõem a revista, atualmente, são: alimentação, ciência, cotidiano,
cultura, ecologia, esporte, história, mundo animal, religião, saúde, tecnologia e universo.
Considerando-se Noccioli (2010), percebe-se que houve modificação nas seções, já que de
acordo com ele as que compõem a revista são: curiosidades, história, saúde, cultura,
atualidades, tecnologia, ciência (sobretudo as ciências sociais) e comportamento. Esse autor
destaca que esses núcleos temáticos centrais subdividem-se, por assunto, em: “supernovas”,
“reportagens” e “superradar”, sendo que a cada uma dessas subdivisões é atribuída uma cor
diferente, que marca sua identificação.
Algumas revistas surgiram a partir de edições especiais da Superinteressante, tais
como, Mundo Estranho, em agosto de 2001; Vida Simples, em janeiro de 2003; Revista das
Religiões, em maio de 2003; e Aventuras na História, em junho de 200332.
Segundo Lima (2008), a Superinteressante é um veículo jornalístico periódico, de
circulação mensal e nacional, que privilegia, em suas publicações, o gênero reportagem 33.
Esse autor afirma que, por meio desse gênero, a revista busca aproximar seu discurso da
prática jornalística, mantendo o discurso científico à margem de sua composição. Além disso,
a Revista apresenta o jornalismo científico como um gênero textual capaz de formar
o conhecimento dos leitores, através das suas reportagens e coberturas completas de
temas. Isso porque este gênero jornalístico é o único da comunicação que tem a
preocupação com a exegese e com a explicação do método científico – algo não
usual em outros gêneros jornalísticos – da mesma forma que o Jornalismo Científico
tem um caráter metalinguístico e empírico, pois realiza estudo sobre os dados, faz as
comparações estatísticas e estuda os fenômenos em questão (LIMA, 2008, p. 19-20).
30
<http://super.abril.com.br/>.
31
A revista, em seu site,àutilizaàoàte oà a al àaoài v sàdeà seção .
32
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Superinteressante>. Acesso em: 30 abr. 2013.
33
Marques de Melo (2003, p.65- àdefi eàoàg e oàjo alísti oà epo tage à o oàu à elatoàa pliadoàdeàum
acontecimento que já repercutiu no organismo social e reproduziu alterações que são percebidas pela
i stituiçãoàjo alísti a .
57
Dessa maneira, as reportagens, por aparecerem com mais frequência no periódico em
questão, fornecem uma informação mais detalhada sobre os assuntos, colaborando para a
formação do conhecimento do público leitor. As notícias 34, por outro lado, quase não são
encontradas na revista, apesar dela possuir circulação mensal e esse gênero estar mais
relacionado à temporalidade e ao imediato.
Lima (2008) revela que as reportagens do periódico em pauta são diretas,
acompanhando as diretrizes do texto jornalístico, uma vez que são direcionadas a um público-
leitor médio e elaboradas a partir da pressuposição de quem seja esse leitor, de quais sejam
seus interesses, como e o que entende, diferenciando-se do texto científico, que tem como
público-alvo especialistas da área.
Conforme Lima (2008), a Superinteressante utiliza, também, a informação codificada
como imagem, fazendo uso da infografia 35 e de demais recursos gráficos a fim de ilustrar as
reportagens. A imagem não é tida apenas como um elemento auxiliar, muitas vezes ela é
imprescindível para que o leitor compreenda a reportagem. Esse autor destaca que no
expediente da revista há sempre um editor de arte ao lado de um responsável pela infografia.
Ademais, destaca que como a finalidade do texto científico também é convencer o público da
legitimidade da pesquisa explanada, na estrutura da revista em questão há marcas do texto
argumentativo.
Para Lima (2008), a revista Superinteressante é um exemplo para se compreender a
prática do jornalismo científico na pós-modernidade, pois para ser compatível às expectativas
do leitor pós-moderno, o periódico enfrentou expressivas mudanças no decorrer de sua
trajetória. Em vinte anos, a revista teria vivenciado, no mínimo, quatro grandes reformas
gráficas, duas de caráter editorial.
Assim que foi criado, ressalta esse autor, a preocupação do periódico residia em ser
reconhecido e aceito pela comunidade científica e por acadêmicos da área. Dessa forma, no
início, seu enfoque era em temas e notícias que sustentavam uma imagem positivista e
triunfalista da ciência, relatando pouco sobre as humanidades, o metafísico e o sobrenatural.
Lima (2008) evidencia que aproximadamente 80% das capas da revista, por exemplo, traziam
temas relacionados às ciências naturais; já os temas voltados para a religiosidade, o
34
Marques de Melo (2003, p.65-66) define oàg e oàjo alísti oà otí ia à o oào elatoà integral de um fato
que já eclodiu no organismo social .
35
Junção de textos breves com ilustrações explicativas para o leitor entender o conteúdo.
58
misticismo ou a pseudociência não representavam nem 5% das reportagens de capa.
Contudo, na gestão de Adriano Silva (2000-2005), a linha editorial da revista passou a
adotar a noção de ciência da pós-modernidade, e começou a abordá-la de forma mais social,
humana, filosófica e relativa, corroborando com a visão do leitor pós-moderno. É por isso que
na Superinteressante, atualmente, há o predomínio das humanidades, ao invés das ciências
naturais, e suas capas trazem temas relacionados à religião e ao misticismo, os quais, de
acordo com a história do periódico, vendem mais.
Lima (2008) ressalta que um dos grandes desafios do jornalismo sobre C & T no
Brasil é a curiosidade dos veículos especializados em jornalismo científico pela religiosidade,
pelo misticismo e pelas pseudociências. Conforme esse autor, a revista Superinteressante
apresentou várias matérias de capa com temas que relacionam a ciência ao esoterismo e à
religião e a ascensão de tais temáticas na revista coincide com o período em que ela se tornou
um dos maiores periódicos do país, ganhando muitos prêmios e quebrando recordes.
De acordo com Lima (2008), o termo “ciência” tem gerado muito debate na revista em
pauta desde a sua criação, uma vez que algumas pessoas acreditam que esse vocábulo diz
respeito às ciências exatas, desmerecendo as ciências humanas e sociais. Por isso, existe uma
expectativa de se encontrar na Superinteressante textos relacionados à matemática e biologia,
“na objetividade e nos números, nos laboratórios e na visão cartesiana de mundo” (LIMA,
2008, p.17). Sendo assim, esse autor revela que quando o periódico em questão publica textos
sobre o âmbito mais subjetivo do saber humano, sustentados pela cultura e pelo
comportamento, tem-se a visão equivocada de que não está discutindo ciência. Na perspectiva
da Superinteressante, destaca Lima (2008), filosofia, história, semiótica e psicologia devem
ser estudados e merecem atenção, e isto não torna a revista menos científica.
Ele evidencia que esse alargamento do conceito de ciência, por meio do qual agregam-
se novos campos, como, por exemplo, as ciências humanas, tem sido notado pelos leitores.
Dessa maneira, a revista se legitima com uma linha editorial que percorre o jornalismo
científico em suas múltiplas esferas, tais como as ciências naturais, exatas e humanas.
59
6.2. Da coleta de dados
A metodologia de análise proposta nessa pesquisa compõe-se a partir das
especificidades de um conjunto temático de textos de divulgação científica publicados na
revista Superinteressante.
A fim de que fosse configurado o corpus de análise, foi realizado, primeiramente, um
rastreamento nos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e Estado de
Minas, nos dias 20, 21, 22 e 23 de dezembro de 2012, uma vez que esses periódicos possuem
circulação diária; e na revista Veja dos dias 19 e 26 de dezembro de 2012, já que a mesma tem
circulação semanal. Esse período foi escolhido para coleta dos textos porque algumas pessoas
acreditavam, conforme já foi discutido anteriormente, que o mundo acabaria no dia 21 de
dezembro de 2012, data que ficou conhecida como “apocalipse maia”. A intenção era
verificar o que as mídias em pauta veicularam antes, durante e depois dessa data sobre essa
temática. Já a escolha dos meios de divulgação supracitados deu-se em função dos mesmos
possuírem ampla circulação, sendo veiculados em todo o país.
Contudo, após a identificação e seleção dos textos, foi notório que grande parte deles
não abordava o assunto do fim do mundo a partir de um viés divulgativo; muitos eram piadas,
tirinhas e charges, que retratavam o tema de forma irônica. Os únicos textos encontrados nas
mídias em questão que podem ser considerados de divulgação científica são a reportagem
intitulada “E o mundo não se acabou 36”, divulgada pelo jornal O Globo (edição número
28.991), o infográfico cujo título é “acabou-se O MUNDO 37”, veiculado pela Folha de S.
Paulo (edição número 30.578), ambos publicados em 21 de dezembro de 2012, e a
reportagem denominada “Faltam poucos dias 38”, publicada pela revista Veja (edição 2300,
ano 45, número 51) no dia 19 de dezembro de 2012.
Posteriormente, foi feita uma pesquisa, abarcando também a origem do mundo, no
acervo digital da revista Superinteressante, já que essa é considerada de referência nacional
no âmbito da divulgação científica. O rastreamento de textos foi realizado por meio das
palavras-chave “origem do mundo”, “fim do mundo” e seus respectivos sinônimos “gênese” e
“apocalipse”. A partir disso, foram identificados alguns textos sobre as temáticas em questão
e, dentre esses, muitos pertenciam a uma edição especial da revista Superinteressante sobre o
36
Texto original disponibilizado em anexo.
37
Texto original disponibilizado em anexo.
38
Texto original disponibilizado em anexo.
60
fim do mundo intitulada “O Mundo vai acabar” (edição 311-A), a qual foi veiculada em
novembro de 2012. Como o acervo digital disponibilizado no site da revista
Superinteressante não tinha a revista na íntegra, visto que faltava uma reportagem, foi
efetuada a compra da mesma por meio do site da Editora Abril.
Nessa edição especial da revista Superinteressante, primeiramente, há uma breve
contextualização sobre a origem do mundo em formato de linha do tempo 39, que ocorre em
um capítulo - “capítulo 0: Uma breve história do universo”- o qual é composto por 3 partes:
“Parte 1 – Do Big Bang ao surgimento da Terra”, “Parte 2 – Vida e morte no terceiro planeta”
e “Parte 3 – O canto do cisne cósmico”.
Posteriormente, há uma ampla discussão sobre o fim do mundo, por meio da qual se
discorre acerca de diferentes tipos de fim do mundo, em cinco capítulos: “capítulo 1:
Apocalipse místico”, que é composto pelas reportagens “Por que 2012?” e “O fim do mundo
nas religiões”; “capítulo 2: Apocalipse astronômico”, que é formado pelas reportagens
“Colisão de asteróide”, “Atividade solar”, “Explosão de supernova” e “Colisão de estrelas”;
“capítulo 3: Apocalipse geológico”, que é constituído pelas reportagens “Supervulcanismo” e
“Perda do campo magnético”; “capítulo 4: Apocalipse ambiental”, que é composto pelas
reportagens “Resfriamento global”, “Ameaça humana”, “O fim do oxigênio” e “Efeito estufa
turbinado”; “capítulo 5: Apocalipse tecnológico”, que é formado pelas reportagens “Guerra
nuclear”, “Supervírus”, “Nanotecnologia” e “Inteligência Artificial”; e, por último, “capítulo
6: Como driblar o apocalipse”, que expõe “sete receitas antifim do mundo”.
Essa edição especial da revista Superinteressante, portanto, tem dezoito textos no
total. Cabe ressaltar que o “capítulo 0: Uma breve história do universo”, apesar de ser
composto por três partes, está sendo considerado apenas um texto, já que o mesmo é uma
linha do tempo. Para compor o corpus da presente pesquisa, optou-se por analisar metade dos
textos que foram divulgados na edição em pauta – nove – uma vez que a quantidade é
expressiva. Como cada capítulo trata de um tipo de fim do mundo, exceto o primeiro
(“capítulo 0: Uma breve história do universo”), que aborda a história da origem do mundo,
decidiu-se analisar metade dos textos de cada capítulo, com ressalva para o capítulo 0, pois
nele todas as partes serão consideradas.
39
A linha do tempo é um recurso gráfico utilizado pelos historiadores para localizar acontecimentos que
ocorrem ao longo do tempo. Por meio desse recurso é possível periodizar a História, ou seja,dividi-la em
pe íodos .
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Linha_do_tempo>. Acesso em 15 de fev. 2014.
61
Os textos selecionados para análise foram escolhidos em função de serem mais
representativos concernente à divulgação científica. O capítulo 6 não será analisado, pois o
objetivo desse trabalho é verificar como as temáticas origem e o fim do mundo são divulgadas
em uma revista de divulgação científica, e o capítulo 6 traz dicas sobre como driblar o
apocalipse, afastando, portanto, do objetivo principal da pesquisa.
Dessa maneira, os textos divulgados pelo O Globo (edição número 28.991), pela
Folha de S. Paulo (edição número 30.578) e pela revista Veja (edição 2300, ano 45, número
51), que foram os primeiros identificados como de divulgação científica durante a coleta de
dados, não serão analisados.
No quadro a seguir, há a especificação da organização do corpus40 a partir dos textos
publicados na edição especial da Superinteressante:
Identificação41 Título Autoria Mês/ Ano
Capítulo 0 Uma breve história do começo, do
meio e do fim
Parte 1 Do Big Bang ao surgimento da Terra Salvador
Parte 2 Vida e morte no terceiro planeta Nogueira
Parte 3 O canto do cisne cósmico
Capítulo 1 Apocalipse místico José Lopes
Por que 2012?
Capítulo 2 Apocalipse astronômico
Giuliana
O pedregulho vem do céu Miranda
Sol de rachar
SUPER Capítulo 3 Apocalipse geológico Novembro
311-A Fim do campo magnético José Lopes 2012
40
Em anexo (anexo 1), há um quadro com todos os textos que foram publicados na edição especial da revista
Superinteressante Oà u doàvaiàa a a à -A).
41
O número representa a posição cronológica que ocupa dada publicação. O número está acompanhado de
uma letra por se tratar de uma edição especial da revista. As letras são atribuídas em ordem alfabética de
acordo com as sequências cronológicas das publicações, seguindo o método do próprio acervo online da
Editora Abril.
62
A partir da seleção e organização dos textos publicados na revista Superinteressante,
em novembro de 2012, sobre a temática referente à origem e ao fim do mundo, as questões
qualitativas poderão ser trabalhadas de forma efetiva na presente pesquisa.
6.3. Da análise
63
divulgativas; e Cataldi (2003, 2007, 2008 e 2009), pelo detalhamento concernente à
divulgação científica na mídia impressa.
A partir desse embasamento teórico referente à Análise do Discurso de Divulgação
Científica, é conveniente uma análise acerca dos procedimentos linguístico-discursivos, que
caracterizam a popularização do conhecimento científico. Dessa forma, torna-se possível
realizar um estudo do processo de recontextualização do discurso sobre ciência na mídia
impressa brasileira, especificamente na revista Superinteressante, identificando as estratégias
divulgativas que caracterizam a temática em pauta nessa mídia.
64
7. ANÁLISE
65
Salvador Nogueira (2012), o editor dessa edição especial da revista Superinteressante,
recorre a Carl Sagan 42 para dizer que todos nós somos “poeira de estrelas43”, pois os átomos
de nosso corpo, segundo ele, no passado, foram forjados no núcleo fervente de astros como o
Sol, antes de se dispersarem pelo espaço e promover o nascimento do planeta e de todas as
coisas nele presentes. Nessa perspectiva, para o editor em questão, “a inteligência humana
pode ser vista como nada mais que uma tentativa do Universo de compreender a si mesmo”
(NOGUEIRA, 2012, p.4).
Nogueira (2012) declara que é coerente o fascínio do homem pela origem e fim do
Cosmo, já que sabe-se que a existência dos homens é finita, com um início definido, o
nascimento, e um fim que contraria muitas pessoas, a morte. A partir disso, ele assevera que é
típico do senso comum refletir sobre o Universo, até mesmo sobre a Terra, como algo
delimitado pelo tempo e cujo fim deve causar preocupação.
Esse editor destaca que alguns cientistas tentaram discordar dessa visão intuitiva de
que o Universo teria tido um início e terá um fim. Albert Einstein, por exemplo, não admitia a
ideia, segundo esse autor, de início e fim do Universo e, diante disso, alterou a teoria da
relatividade a fim de demonstrar a imutabilidade cósmica. Contudo, com a constatação de que
o Universo estava em expansão, o físico teve que se retratar e assumir que a visão intuitiva era
a mais coerente.
De acordo com Nogueira (2012), acredita-se, atualmente, que há um fim para tudo que
é conhecido, o qual é inevitável, quer seja breve, quer seja daqui a muito tempo. A partir
disso, ele conclui, com base em reflexões finalistas, que “o importante não é o ponto de
chegada, mas, sim, a jornada percorrida” (NOGUEIRA, 2012, p.4).
É relevante salientar que cada texto que compõe o corpus dessa pesquisa será
analisado separadamente e por capítulo, visto que o primeiro capítulo discorre exclusivamente
sobre a origem do mundo, e os demais abordam um tipo de fim do mundo – místico,
42
Carl Edward Sagan foi um cientista e astrônomo dos Estados Unidos da América.
Disponível em: <www.explicatorium.com/Carl-Sagan.php>. Acesso em: 14 de fev. 2014.
43
Disponível em: Revista Superinteressante , 2012, p. 4.
66
astronômico, geológico, ambiental e tecnológico.
Em um primeiro momento, será caracterizado o contrato de comunicação envolvido
nas reportagens em pauta a fim de compreender melhor a situação de comunicação que as
envolve, considerando os pressupostos teórico-metodológicos da Teoria Semiolinguística, de
Patrick Charaudeau (2009, 2012). Em seguida, será feita a caracterização geral do texto, por
meio da identificação do autor e da temática. Posteriormente, será efetuada uma análise geral
e interpretativa, destacando o título do capítulo e a estrutura do texto, abarcando sua
composição, por meio do título, subtítulo e lead44.
Com base nos trabalhos desenvolvidos por Ciapuscio (1997), Cassany e Martí (1998),
Calsamiglia (1997, 2001, 2003) e Cataldi (2003, 2007, 2008 e 2009), serão identificados os
procedimentos linguístico-discursivos de expansão, redução e variação existentes no
processo de divulgação do conhecimento científico acerca da origem e do fim do mundo na
revista Superinteressante. Ademais, serão evidenciadas as estratégias divulgativas que
constituem os procedimentos discursivos, como a narrativização, a descrição, os argumentos
de autoridade, as explicações, as analogias, as exemplificações, as definições e as
denominações.
44
O lead é a abertura da matéria. Nos textos noticiosos, deve incluir, em duas ou três frases, as informações
essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato. Precisa sempre responder às questões
fundamentais do jornalismo: o que, quem, quando, onde, como e por quê. Uma ou outra dessas perguntas
pode ser esclarecida no sublead, se as demais exigirem praticamente todo o espaço da abertura .
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/manualredacao/esclareca/leads.shtm>. Acesso em: 11 de fev.
2014.
67
De acordo com Charaudeau e Maingueneau (2012), o termo situação de comunicação
é empregado de muitas maneiras e, com frequência, equivale a contexto. Já o contrato de
comunicação faz com que o ato de comunicação seja reconhecido como válido com relação
ao sentido. É o que possibilita aos parceiros de uma troca linguageira identificarem um ao
outro com seus traços identitários que os definem como sujeitos desse ato (identidade),
reconhecerem o propósito do ato que os sobredetermina (finalidade), compreenderem o que
constitui o objeto temático da troca (propósito) e considerarem a importância das coerções
materiais que determinam esse ato (circunstâncias).
Com relação à identidade dos parceiros envolvidos na atividade divulgativa das
reportagens em pauta, de um lado há uma instância de produção e de outro uma de recepção.
Na primeira há um jornalista que explica um fenômeno científico. No capítulo 0 o enunciador
é Salvador Nogueira, no capítulo 1 é José Lopes, no 2 é Giuliana Miranda, no 3 é, mais uma
vez, José Lopes, no 4 é Hemerson Brandão e no capítulo 5 é, novamente, Salvador Nogueira.
É importante ressaltar que embora os capítulos, na maioria das vezes, tenham diferentes
enunciadores, provavelmente eles têm em comum uma linha de pensamento em consonância
com o da empresa que representam, que é a revista Superinteressante.
Do lado da recepção, há um sujeito com saberes em níveis diversos. Essa situação
demonstra a contradição da dupla visada presente no contrato de comunicação midiático, visto
que de um lado há o jornalista, que faz uso de estratégias de captação a fim de vender a
revista e de outro há um público que busca se informar.
Concernente à finalidade desse contrato, a divulgação científica que ocorre no
discurso midiático faz com que esse tenha características muito peculiares e apresente, como
já foi dito anteriormente, uma dupla visada: a informativa, fazer saber, e a de suscitar
interesse, fazer crer, num quadro de captação. Portanto, apesar do discurso de divulgação da
ciência nas reportagens analisadas da revista Superinteressante ser explicativo, ele apresenta
suas próprias estratégias de captação.
Percebe-se que em prol da estratégia de captação, busca-se, em um primeiro momento,
causar uma preocupação no leitor, fazendo-o crer que o mundo acabará, a fim de atrair a
atenção dele e, somente no fim, coloca-se uma informação que o tranquiliza, o que demonstra
que a situação não é tão preocupante, como pode ser notado, por exemplo, na reportagem
intitulada “Fim do campo magnético”:
68
(1) Capítulo 3- Apocalipse geológico
Título: Fim do campo magnético
Subtítulo: Análises de rochas indicam que o campo magnético da Terra de vez em quando some do mapa,
diminuindo nossa proteção contra ameaças do espaço
Lead: Uma das coisas mais sensacionais a respeito do nosso planeta é a maneira como seu interior liquefeito o
transforma numa espécie de gigantesco eletroímã. Mais ou menos como acontece dentro de uma panela em
ebulição, os metais derretidos no coração da Terra circulam por convecção, o que leva ao surgimento de
correntes elétricas (por causa dos elétrons em movimento no metal) e, com base nelas, ao nascimento de um
campo magnético. Tal campo é parte importante da armadura protetora do nosso planeta diante das ameaças do
espaço, e sua orientação em relação ao eixo da Terra é responsável por determinar o “norte magnético” apontado
pelas bússolas. O problema é que, de tempos em tempos, esse campo enfraquece antes de inverter sua orientação
- e talvez suma totalmente nesses momentos, deixando-nos bem mais vulneráveis.
Último parágrafo da reportagem: A boa notícia é que os estudos sobre as reversões de polaridade anteriores
indicam que o campo magnético nunca some totalmente antes de se inverter. Esperemos que a coisa continue
assim, não é mesmo?
Dessa maneira, percebe-se que ocorre até uma contradição interna na reportagem
supracitada devido à estratégia de captação, o que compromete, de certa forma, a visada do
fazer saber, já que primeiramente afirma-se que o campo magnético da Terra some e,
posteriormente se diz que ele nunca desaparece totalmente antes de se inverter.
Quanto ao propósito, os temas abordados nas reportagens demonstram o caráter
híbrido desse tipo de discurso, pois a partir de um objeto de saber relacionado ao científico, se
elabora uma explicação menos especializada do que a do domínio de conhecimento a que
pertence. Sendo assim, o discurso de divulgação científica converte esse objeto de saber em
um evento, por meio das estratégias discursivas de dramatização, como pode ser notado, por
exemplo, na reportagem “Sol de rachar”:
(2) Estrelas também têm ciclos de vida. Elas nascem, crescem, envelhecem e “morrem”. Isso, é claro,
aplica-se também ao Sol, que, em termos galácticos, já não é mais nenhum garotinho. Formado há
aproximadamente 4,6 bilhões de anos, nosso astro é uma espécie de adulto que caminha lentamente para uma
crise da meia-idade. Pior: quando ela chegar, ele não vai comprar um Porsche e resolver assim. Será o fim da
vida na Terra.
69
por leitores não especialistas, como pode ser percebido na reportagem denominada “O
pedregulho vem do céu”:
(3) Os cientistas sabem que há milhões deles, desde pequenas bolinhas até monstrengos quilométricos,
zanzando por aí. A maioria se concentra em um cinturão entre Marte e Júpiter, mas isso não é regra.
45
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/jornada/>. Acesso em: 15 de fev. 2014.
71
esse autor,é necessário que o homem saiba que só habita a Terra por causa de uma colisão.
Sendo assim, “as colisões destroem e as colisões criam” (GLEISER, 2011, p. 153).
O título da Parte 3 – “O canto do cisne cósmico” – traz uma expressão popular “canto
do cisne46”, que é utilizada para descrever um gesto ou esforço final que ocorre antes da
morte. Essa expressão é metafórica, proveniente de uma antiga crença de que o cisne branco
era completamente mudo durante toda a sua vida, até que, no momento da sua morte,
produziu uma canção bonita. Contudo, sabe-se atualmente que, apesar dessa crença oriunda
da Grécia ainda ser usada, ela não tem fundamento, já que os cisnes brancos não são mudos –
emitem grunhidos e assobios – além de não cantarem no momento da morte. Nesse viés, o
título supracitado sugere que o planeta está prestes a acabar, assim como o cisne branco no
fim da sua vida, suscitando, dessa maneira, certa polêmica.
O subtítulo da Parte 3 “Um dia a Terra será apenas uma rocha gelada e sem vida e até
mesmo o Universo apagará suas luzes” complementa a informação fornecida no título, de que
o mundo irá acabar, e informa como será o fim: “a Terra será apenas uma rocha gelada e sem
vida e até mesmo o Universo apagará suas luzes”.
Em relação à linguagem utilizada, apesar de se tratar de um texto de divulgação
científica, há a predominância de uma linguagem mais formal, com termos e construções
típicas do discurso científico, como se pode observar nos seguintes trechos:
(1) “(...) define-se como uma singularidade, em que matéria e energia estão infinitamente compactadas”.
(2) “O Universo já está suficientemente frio a ponto de permitir que os núcleos atômicos se liguem aos
elétrons, formando átomos neutros. Com isso, a luz pode atravessar grandes distâncias”.
(3)“(...) A expansão do Universo, iniciada com o Big Bang, estava se desacelerando paulatinamente
pela ação da gravidade exercida por seu conteúdo”.
(4) “(...) vira e mexe, é preciso matar quase tudo e começar de novo”.
46
Disponível em: <http://www.significados.com.br/canto-do-cisne/>. Acesso em: 15 de fev. 2014.
72
Concernente à abordagem científica na qual a divulgação se ancora, nota-se uma
predominância de uma abordagem histórica, já que se discorre acerca do desenvolvimento da
Terra e da humanidade, como pode ser observado em:
(6) “Depois do surgimento de várias formas intermediárias, como os australopitecos e o Homo erectus,
aparecem os primeiros fósseis do homem moderno (Homo sapiens), com a anatomia atual, na África”.
(7) “A escrita começa a ser desenvolvida na Mesopotâmia, permitindo o registro histórico. Depois do
desenvolvimento da agricultura, é a mais revolucionária tecnologia do homem para perpetuar sua existência e
suas tradições”.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
(8) “Em coisa de 20 minutos, os núcleos dos elementos mais simples – hidrogênio, hélio e uma
pitadinha de lítio – estavam formados”.
73
(9) “Contudo, a partir desse momento, outra força, a energia escura, passa a assumir o controle e
produzir o efeito contrário: acelerar a expansão. Isso significa que os aglomerados galácticos estão se afastando
cada vez mais velozmente uns dos outros”.
(11) “A despeito do aumento de radiação proveniente do Sol (que aumenta seu brilho em 6% a cada
bilhão de anos), cogita-se que a Terra tenha passado por um período de frio intenso”.
a2) Analogia
(12) “Nessa época, o H. erectus ainda não estava extinto, assim como os neandertais, primos da
humanidade com nível similar de inteligência”.
(13) “Estima-se que um asteroide de grande porte, como o que extinguiu os dinossauros, colida com a
Terra a cada 100 milhões de anos, aproximadamente”.
a3) Narrativização
(14) “Algumas bactérias evoluem para produzir oxigênio por meio de uma inovação: a fotossíntese. Isso
irá “envenenar” a atmosfera para a maioria das criaturas então viventes, que viviam de fermentação, só possível
em ambientes não oxigenados”.
(15) “O Sol paulatinamente aumenta seu brilho. Hoje estamos numa posição privilegiada do Sistema
Solar, em que sua radiação chega a nós na medida certa, sem nos fritar. Contudo, daqui a 1 bilhão de anos, o
nível de radiação será tal que os oceanos todos começarão a evaporar. A atmosfera ficará tão densa que causará
um efeito estufa descontrolado. A Terra ficará semelhante a Vênus, com temperaturas acima dos 400 C. A vida
será extinta”.
a4) Exemplificação
(16) “(...) criando elementos mais pesados, como carbono e oxigênio – antes inexistentes”.
75
(17) “Depois do surgimento de várias formas intermediárias, como os australopitecos e Homo erectus,
aparecem os primeiros fósseis do homem moderno (Homo sapiens), com a anatomia atual, na África”.
a5) Definição
Em (18), o trecho sublinhado tem a função de definir o que são as estrelas. Logo no
início da informação, há um termo de fácil compreensão para o público leigo, “bolas”, no
entanto, posteriormente, utilizam-se descrições mais complexas para tal público, como, “tão
densas que levam à fusão dos átomos no seu interior”. Assim sendo, pode ser que a definição
não auxilie tanto no entendimento do público não especialista.
b) Procedimento de redução
(19) “As estrelas primordiais, por serem muito grandes, consomem rapidamente seu combustível para
fusão e explodem em violentas supernovas”.
76
(20) “Depois do surgimento de várias formas intermediárias, como os australopitecos e o Homo erectus,
aparecem os primeiros fósseis do homem moderno (Homo sapiens), com a anatomia atual, na África”.
Em (19) e (20) nota-se uma redução por supressão, visto que a explicação do que seria
“supernovas” no primeiro, e do que seria “australopitecos” e “Homo erectus” no segundo é
suprimida.
A segunda modalidade de redução é a condensação, por meio da qual os conteúdos –
que frequentemente ocupam uma grande extensão nas fontes – se condensam e se sintetizam
no texto de divulgação:
(21) “A expansão do Universo, iniciada com o Big Bang, estava se desacelerando paulatinamente pela
ação da gravidade exercida por seu conteúdo. Contudo, a partir desse momento, outra força, a energia escura,
passa a assumir o controle e produzir o efeito contrário: acelerar a expansão. Isso significa que os aglomerados
galácticos estão se afastando cada vez mais velozmente uns dos outros”.
(22) “A linhagem evolutiva que levaria ao ser humano diverge da de seus primos mais próximos, os
chipanzés”.
c) Procedimento de variação
(23) A Galáxia de Andrômeda, nossa vizinha, e a Via Láctea entram em colisão. Será um zum-zum-zum
danado de estrelas, numa dança gravitacional imprevisível.
77
(24) Depois disso, o hidrogênio no núcleo se esgota e ela precisa usar outros elementos na fusão
nuclear. Essa “escalada” faz com que ela se torne uma gigante vermelha – estrela velha, fria, mas extremamente
inchada”.
Síntese da análise
A partir da análise realizada, pode-se afirmar que o texto em pauta tem um caráter
explicativo, pois o procedimento linguístico-discursivo que apareceu com mais frequência foi
a expansão, e a estratégia divulgativa de explicação, por meio de travessões, dois pontos,
vírgulas explicativas, ou até mesmo de parênteses, com o intuito de fornecer um
conhecimento adicional e tornar a explanação acerca da origem do mundo mais completa.
Esse caráter explicativo do texto facilita muito a compreensão do público leitor, pois mesmo
Salvador Nogueira fazendo uso de uma linguagem mais formal, ele está inteligível para o
público geral.
47
Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=escalar>. Acesso em: 18 de fev. 2014.
78
7.2.3. Capítulo 1 – “Apocalipse místico”
48
Deà a o doà o à oà di io ioà áu lioà ,à ísti oà à .à ‘efe e teà ouà p p ioà dasà e pe i iasà doà
misticismo. 2. Que p ati aà oà isti is o.à .à á ueleà ueàp ati aà oà isti is o .à Misti is o,à segu doà aà es aà
fo te,àse iaà .àEstadoàespi itualàdeàu iãoà o àoàdivi o,àoàso e atu al.à .àDout i aà ueàafi aàaàpossi ilidadeà
dessa união. 3. Religiosidade profunda.
79
referir aos maias e são fornecidas algumas informações sobre eles: são antigos, avançados e
possuíam uma visão cíclica acerca do Cosmo. Além disso, fornece-se também a informação
de que o fim de 2012 seria o término de um ciclo. Por fim, o jornalista provoca uma dúvida
no leitor – “seria mesmo o fim do mundo?” – a qual incentiva o público a ler o texto na
íntegra na busca pela resposta.
Com relação ao lead, esse, primeiramente, revela a grande proporção que a temática
em pauta adquiriu na sociedade:
(1) “A esta altura do campeonato, você só não ouviu falar ainda do “Apocalipse maia” (...) se passou os
últimos anos numa cabaninha no interior da Antártida, sem internet. O que tem de gente aterrorizada ou
empolgada com a ideia não está no gibi”.
Por meio desse trecho, percebe-se que esse assunto se tornou amplamente conhecido e
divulgado, especialmente pela mídia, e provocou efeitos diversos nas pessoas, tais como,
terror ou empolgação. Assim, a revista justifica a relevância do assunto e, consequentemente,
o motivo dele estar sendo veiculado na mesma.
Posteriormente, o lead fornece um resumo da informação geral que será discutida no
texto, comunicando a possibilidade de que a “profecia maia” tenha surgido de uma leitura
equivocada dos registros deixados por essa civilização. A partir disso, ressalta a necessidade
de se compreender o sistema matemático que eles usavam para contar o tempo, o qual é
discutido mais detalhadamente na reportagem.
A linguagem do texto é revestida do registro informal, como pode ser observado nos
seguintes trechos:
(2) “A esta altura do campeonato, você só não ouviu falar ainda do “Apocalipse maia” (...) se passou os
últimos anos numa cabaninha no interior da Antártida, sem internet. O que tem de gente aterrorizada ou
empolgada com a ideia não está no gibi”.
(4) “As ideias de Coe foram popularizadas – e um bocado forçadas – por uma série de escritores
místicos dos anos 1970 para cá e, claro, pela internet – fonte inesgotável de boataria esotérica”.
80
(5) “A primeira coisa a levar em conta quando se consideram os calendários maias (sim, eram vários,
criados para propósitos diferentes e estruturados de maneira distinta) é que a base matemática dessa cultura não
era o número 10, como acontece no Ocidente, mas o número 20”.
(6) “Nele, cada data é formada associando-se um número de 1 a 13 a cada um dos 20 “dias da semana”
– daí o número de dias do “ano santo” já que 13x20 = 260. (As datas eram escritas numa forma que combinava
uma contagem até 13 e o nome do dia: 1Imix‟, 2 Ik‟, 3 Ak‟b‟al e por aí vai)”.
(7) “(...) ele era formado por 18 meses de 20 dias cada um (continue com as contas aí: 18 x 20 = 360),
mais uma adição de cinco dias “sem mês” para completar os 365 dias do ano”.
(8) “A Contagem Longa tinha uma sequência de números, mais ou menos como a casa das unidades,
das dezenas e das centenas num número como 231. A casa das unidades correspondia ao número de dias (k‟in);
20 deles perfazem um uinal (“mês”); um grupo de 18 uinal dá um tun (“ano”); junte 20 tun e você tem um
k‟atun, os quais, também agrupados em conjuntos de 20, formam um b‟ak‟tun (esse (sic) última unidade dá 144
mil dias, ou 394 anos dos nossos)”.
(9) “Ao mesmo tempo, os maias também possuíam um calendário que tentava acompanhar o tempo que
leva para a Terra dar uma volta completa em torno do Sol. Conhecido como Haab‟, ele era formado por 18
meses de 20 dias cada um (continue com as contas aí: 18 x 20 = 360), mais uma adição de cinco dias “sem mês”
para completar os 365 dias do ano. (Sinal de que os maias não eram tão precisos assim é o fato de que eles não
tinham inventado a adição de um dia a cada quatro anos para compensar o fato de que a Terra demora mais ou
menos 365 dias mais 6 horas para completar seu trajeto em torno do Sol...)”.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
(10) “Há uma série de problemas com essa hipótese, no entanto. Um deles é o fato de que em nenhum
texto maia há uma descrição de que diabos aconteceria quando ocorresse a chegada de 13 b¿ak¿tun desta vez –
nenhuma previsão de dilúvio, tempestade de fogo, sumiço do Sol e da Lua etc., essas coisas tão comuns em
narrativas apocalípticas mundo afora”.
(11) “E aqui é que finalmente aparece uma pista da suposta data do Apocalipse: a criação atual parece
ter começado quanto (sic) a anterior completou 13 b¿ak¿tun”.
(12) “A combinação desses números gera o primeiro elemento importante dos calendários maias, o “ano
santo” de 260 dias”.
(13) “A esta altura do campeonato, você só não ouviu falar ainda do “Apocalipse maia” (que
supostamente vai acabar com a Terra em 21 de dezembro deste ano) se passou os últimos anos numa cabaninha
no interior da Antártida, sem internet”.
Em (10) explica-se, através de uma gradação, que não há registros de que os maias
previram dilúvios, tempestades de fogo, desaparecimento do Sol e da Lua. No excerto (11), se
esclarece qual é a pista da suposta data do Apocalipse. Em (12), se explicita qual é o primeiro
82
elemento importante do calendário maia e, por último, em (13), se explica brevemente o que
seria o Apocalipse maia.É notório que todas essas explicações adicionam informação acerca
do “Apocalipse maia” e da cultura desse povo.
a2) Analogia
(14) “(...) a base matemática dessa cultura não era o número 10, como acontece no Ocidente, mas o
número 20”.
(15) “A Contagem Longa, como acontece com o calendário cristão, tem um momento de início, que
pode ser calculado (...)”.
Em (14), elucida-se que a base matemática da cultura maia era o número 20 e, para
que essa informação seja melhor compreendida pelo leitor leigo, compara-se a base
matemática desse povo com a do Ocidente, que é o número 10. No trecho (15), estabelece-se
uma semelhança entre a Contagem Longa e o calendário cristão, já que esse é mais conhecido
pelo público leitor da revista em pauta, facilitando, portanto, o entendimento da informação.
a3) Definição
A estratégia divulgativa da definição pode ser notada nos trechos que buscam definir
sistemas que eram usados pelos maias para a contagem de tempo:
(16) “Foi pensando nisso que os maias desenvolveram a chamada Contagem Longa, um sistema de
datação linear, e não cíclico, como os outros, embora também usasse as informações deles. A Contagem Longa
tinha uma sequência de números, mais ou menos como a casa das unidades, das dezenas e das centenas num
número como 231. A casa das unidades correspondia ao número de dias (k¿in); 20 deles perfazem um uinal
("mês"); um grupo de 18 uinal dá um tun ("ano"); junte 20 tun e você tem um k¿atun, os quais, também
agrupados em conjuntos de 20, formam um b¿ak¿tun(...)”.
(17) “Ao mesmo tempo, os maias também possuíam um calendário que tentava acompanhar o tempo
que leva para a Terra dar uma volta completa em torno do Sol. Conhecido como Haab¿, ele era formado por 18
meses de 20 dias cada um.”
83
A partir desses excertos, percebe-se que em (16), conceitua-se “Contagem Longa” e
em (17) “Haab¿”. Além disso, no texto em análise, foi identificada uma definição em um
argumento de autoridade, como pode ser percebido no seguinte trecho:
(18) “E o exemplar mais antigo de um calendário maia já descoberto não faz nenhuma referência ao
suposto fim do mundo. São tabelas astronômicas achadas na antiga cidade de Xultun, na Guatemala, pela equipe
de William Saturno, da Universidade de Boston, que provavelmente datam do ano 813 da Era Cristã”.
(19) “Isso levou alguns especialistas a acreditar que, para os maias, a "Quarta Era" do mundo também
duraria 13 b¿ak¿tun, o que acaba nos levando à famigerada data de 21 de dezembro de 2012 no calendário que
usamos no Ocidente, uma interpretação proposta originalmente por Michael Coe, um importante especialista
americano na cultura dos antigos maias. As ideias de Coe foram popularizadas – e um bocado forçadas – por
uma série de escritores místicos dos anos 1970 para cá e, claro, pela internet – fonte inesgotável de boataria
esotérica”.
(20) “São tabelas astronômicas achadas na antiga cidade de Xultun, na Guatemala, pela equipe de
William Saturno, da Universidade de Boston, que provavelmente datam do ano 813 da Era Cristã. Saturno, que
publicou sua descoberta na revista especializada Science, conta que os ciclos maias ali registrados se estendiam
por 7 mil anos no futuro, muito depois de 2012. “Para eles, nada mudaria no Universo” depois da suposta data
fatídica, afirma o pesquisador”.
Em (19), o jornalista demonstra que até especialistas, como Michael Coe, acreditaram
que para os maias o mundo acabaria no dia 21 de dezembro de 2012, visto que seria o fim do
13° baktun. Já em (20), o jornalista afirma que, conforme Saturno, os ciclos maias registrados
se estenderiam por 7 mil anos no futuro, ou seja, o mundo não acabaria no dia 21 de
dezembro de 2012.
84
a5) Narrativização
(21) “A ideia é que, com seu avançado conhecimento de astronomia e matemática (...) os antigos maias
teriam sido capazes de apontar com precisão o fim de uma era do Cosmo, correlacionando esse período com
outras eras de criação e destruição estabelecidas por sua cultura”.
(22) “Ora, e quanto às coisas que ocorreram antes desse "ano zero" maia? Conforme ocorria com outras
civilizações antigas, os maias tinham uma visão cíclica sobre a natureza do tempo. Embora o dia 31 de agosto do
ano 3114 a.C. fosse considerado a data da criação do mundo, narrativas mitológicas, como o livro Popol Vuh
(escrito, é bom lembrar, depois da chegada dos espanhóis), afirmam que três outras criações tinham existido
antes da nossa, a quarta – basicamente ensaios dos deuses que não deram muito certo. E aqui é que finalmente
aparece uma pista da suposta data do Apocalipse: a criação atual parece ter começado quanto (sic) a anterior
completou 13 b¿ak¿tun”.
Percebe-se que em (22) o jornalista questiona “Ora, e quanto às coisas que ocorreram
antes desse “ano zero” maia?” E, logo em seguida, ele já fornece a resposta: “narrativas
mitológicas (...) afirmam que três outras criações tinham existido antes da nossa”.
b) Procedimento de redução
85
(23) “Embora o dia 31 de agosto do ano 3114 a.C. fosse considerado a data da criação do mundo,
narrativas mitológicas, como o livro Popol Vuh (escrito, é bom lembrar, depois da chegada dos espanhóis),
afirmam que três outras criações tinham existido antes da nossa, a quarta – basicamente ensaios dos deuses que
não deram muito certo”.
(24) “Para localizar determinado dia no calendário, os maias juntavam a data do calendário sagrado e a
do Haab”.
c) Procedimento de variação
(25) “(...) os antigos maias teriam sido capazes de apontar com precisão o fim de uma era do Cosmo,
correlacionando esse período com outras eras de criação e destruição estabelecidas por sua cultura”.
Pode-se observar nos trechos seguintes as variações que foram empregadas para
designar os maias:
(26) “A data vem do calendário maia. Esse antigo e avançado povo pré-colombiano tinha uma
concepção cíclica do Cosmo e, de fato, o fim deste ano marcaria o encerramento de um ciclo”.
(27) “Tudo muito interessante, sem dúvida, mas o mais provável é que a ideia de uma "profecia maia"
tenha surgido de uma leitura equivocada dos registros deixados pela civilização da América Central”.
(28) “A primeira coisa a levar em conta quando se consideram os calendários maias (sim, eram vários,
criados para propósitos diferentes e estruturados de maneira distinta) é que a base matemática dessa cultura não
era o número 10, como acontece no Ocidente, mas o número 20”.
86
(29) “Esses sujeitos faziam construções de pedra que deviam durar para a posteridade – tanto que
algumas ainda estão lá séculos depois, como sabemos – e queriam dizer exatamente para seus descendentes
longínquos quando tinham mandado construir aquela pirâmide sensacional”.
(30) “A Contagem Longa, como acontece com o calendário cristão, tem um momento de início, que
pode ser calculado: equivaleria ao dia 31 de agosto do ano 3114 a.C. – época em que, é bom lembrar, a
civilização maia nem tinha surgido ainda (o consenso entre os arqueólogos é que ela se organizou originalmente
em torno de 2000 a.C.)”.
A partir disso, o quadro abaixo explicita as variações que ocorrem para designar os
maias:
maias
povo pré-colombiano
civilização da América Central
dessa cultura
esses sujeitos
a civilização maia
Quadro 3: variações encontradas no texto “Por que 2012?” para os “maias”.
(32) “A esta altura do campeonato, você só não ouviu falar ainda do “Apocalipse maia” (...) se passou
os últimos anos numa cabaninha no interior da Antártida, sem internet”.
(33) “(...) os antigos maias teriam sido capazes de apontar com precisão o fim de uma era do Cosmo,
correlacionando esse período com outras eras de criação e destruição estabelecidas por sua cultura”.
(34) “E aqui é que finalmente aparece uma pista da suposta data do Apocalipse: a criação atual parece
ter começado quanto (sic) a anterior completou 13 b¿ak¿tun”.
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fim do mundo
Apocalipse maia
fim de uma era do Cosmo
Apocalipse
Quadro 4: variações encontradas no texto “Por que 2012?” para “fim do mundo”.
Síntese da análise
Percebe-se, por meio da análise, que o texto “Por que 2012?” busca atrair a atenção do
leitor, a começar pelo título, que resgata um discurso anterior e polêmico de que o mundo
acabaria em 21 de dezembro de 2012. Posteriormente, no subtítulo, explica-se de onde vem a
crença nessa data e, no fim, há um questionamento intrigante: “Mas seria mesmo o fim do
mundo?” Tudo isso faz com que o leitor tenha vontade de ler o texto na esperança de obter
respostas a esses questionamentos.
O texto apresenta um caráter explicativo, já que há a utilização de vários
procedimentos linguístico-discursivos de expansão. Por outro lado, há poucos procedimentos
de redução, pois nota-se que o jornalista José Lopes quis discorrer detalhadamente sobre o
sistema matemático que os maias empregavam para contar o tempo a fim de fazer o leitor
compreender o mesmo e de demonstrar que a crença de que o fim do mundo maia ocorreria
no dia 21 de dezembro de 2012 se baseou em um erro de interpretação. No que tange o
procedimento de variação, o termo que mais se destacou foi “esses sujeitos”, para se referir
aos maias, contudo, como se trata de uma revista voltada para o público jovem, o uso desse
vocábulo um tanto quanto informal pode promover uma aproximação desse público com o
texto.
Portanto, todas as estratégias mencionadas corroboram para a compreensão do assunto
pelo público leitor.
88
7.2.4. Capítulo 2 – “Apocalipse astronômico”
49
Astronômico: efe e teàaà o posà elestesà o o:àest elas,àpla etas,àsat lites.à“i i oàdeàalgoàdeàdi e s esà
uitoàg a des .
Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/astron%C3%B4mico/>. Acesso em: 22 de fev. de 2014.
89
O título do texto, “O pedregulho vem do céu”, por meio do termo “pedregulho”, faz
alusão à pedra grande e menciona de onde ela vem, do céu, causando receio em muitos
leitores. Com relação ao subtítulo – “A colisão de um asteroide não é uma questão de „se‟,
mas de „quando‟. E, na hora que o pior acontecer, pode exterminar a vida na Terra” – o termo
“colisão” também provoca certo temor nos leitores, já que significa embate entre dois corpos,
evocando, assim, a ideia de choque entre um asteroide e a Terra.
Além disso, o subtítulo declara que essa colisão é algo que realmente acontecerá, pois
diz que “não é uma questão de „se‟, mas de „quando‟”. Nesse viés, a jornalista declara que
esse embate não depende de uma condição, é algo certo, cabendo às pessoas saber quando
ocorrerá. Após transmitir essa ideia, o fim do subtítulo ressalta: “E, na hora que o pior
acontecer, pode exterminar a vida na Terra”. Esse trecho também causa receio nos leitores,
pois refere-se à colisão de maneira muito negativa – “o pior acontecer” – e utiliza o termo
“exterminar”, que possui uma carga semântica também forte, significando “eliminar, matar,
fazer desaparecer”.
O texto apresenta ainda um quadro cujo título é “Não tenha medo! Brasucas vão à
caça”. Ao iniciar o título por “Não tenha medo!” a jornalista capta a atenção do público, pois
em meio a tantas informações assustadoras sobre os asteroides, as quais geram temor, esse
título apresenta um discurso contrário ao fazer esse alerta. O termo “Brasuca” significa
originário do Brasil, dessa forma, brasileiros vão à caça. Ao ler o pequeno texto presente no
quadro, percebe-se que trata-se do Projeto Impacton, localizado no interior de Pernambuco,
que monitora os asteroides, portanto, essa informação significa que os brasileiros vão à caça
dos asteroides.
O subtítulo do quadro – “Os asteroides que se cuidem” – completa o sentido do título,
já que esse afirma que a população não deve temer porque os brasileiros estão à procura dos
asteroides e o subtítulo comunica que os asteroides devem se cuidar.
Já o lead do texto, nesse caso, não cumpre sua função de oferecer ao leitor um resumo
completo do fato, porque ele se concentra em mencionar a destruição causada por um
asteroide que caiu na Terra há 65 milhões de anos, provocando, inclusive, a extinção dos
dinossauros:
(1) Asteroides são um jeito testado e aprovado de provocar uma carnificina na Terra. Há 65 milhões de
anos, os dinossauros reinavam absolutos até que, sem mais nem menos, um desses corpulentos objetos
despencou por aqui. O pedregulho de mais de 10 quilômetros de diâmetro (mais comprido que o Everest, a maior
90
montanha do mundo) caiu em uma região do que hoje é o México, mas foi suficiente para provocar uma extinção
em massa em todo o planeta.
Sendo assim, outros aspectos discutidos no texto foram desconsiderados no lead, tais
como: o que são os asteroides, o risco de eles caírem novamente na Terra, a preocupação das
pessoas e o consequente monitoramento que elas exercem sob esses corpos, bem como a
possibilidade de prevenção de uma colisão.
Em alguns momentos do texto, utiliza-se a linguagem informal, a fim de aproximar o
conhecimento especializado do público leigo. Observa-se isso nos seguintes fragmentos:
(2) “Por fim, os carnívoros ficaram sem ter o que jantar e também passaram dessa para uma melhor”.
(3) “Os cientistas sabem que há milhões deles, desde pequenas bolinhas até monstrengos quilométricos,
zanzando por aí”.
(4) “Isso não seria um problema, mas muitas vezes esses objetos têm a órbita alterada por influências
gravitacionais. E é aí que eles podem acabar vindo exatamente na nossa direção”.
(5) “Sim, você pensou certo, é exatamente como nos filmes (exceto pela parte do Bruce Willis)”.
50
Disponível em: <http://www.megacurioso.com.br/fim-do-mundo/28106-bomba-nuclear-bruce-willis-nao-
salvaria-a-terra-como-em-armageddon.htm>. Acesso em: 22 de fev. de 2014.
91
(6) “Os asteroides são os resquícios do material que deu origem ao nosso Sistema Solar, 4,6 bilhões de
anos atrás. Os cientistas sabem que há milhões deles, desde pequenas bolinhas até monstrengos quilométricos,
zanzando por aí. A maioria se concentra em um cinturão entre Marte e Júpiter, mas isso não é regra”.
(7) “De 1995 até o primeiro semestre de 2012, a Nasa já encontrou quase 900 asteroides grandes, com
mais de 1 quilômetro de diâmetro, nas imediações da Terra. Outros milhares com dimensões mais modestas
também já são conhecidos”.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
(8) “A coisa toda é tão preocupante que a agência espacial americana mantém um programa permanente
de monitoramento dos chamados NEOs (objetos próximos da Terra, na sigla em inglês)”.
(9) “O Brasil também se preocupa com a questão, e tem até um grupo próprio para caçar asteroides e
cometas (outra potencial ameaça): o projeto Impacton, do Observatório Nacional”.
92
Em (8), a jornalista faz uso dos parênteses a fim de explicar o significado da sigla
“NEOs”, que possivelmente é desconhecido pelo público leigo. Em (9), há uma sucessão de
explicações. Primeiramente se elucida, entre parênteses, que os cometas são “outra potencial
ameaça”, em seguida, por meio dos dois pontos, é apresentado o nome do projeto criado para
caçar asteroides e cometas e, posteriormente, entre vírgulas, de onde é esse projeto. Assim,
essas informações facilitam a compreensão do leitor.
a2) Definição
(10) “Os asteroides são os resquícios do material que deu origem ao nosso Sistema Solar, 4,6 bilhões de
anos atrás”.
(11) “De 1995 até o primeiro semestre de 2012, a Nasa já encontrou quase 900 asteroides grandes, com
mais de 1 quilômetro de diâmetro, nas imediações da Terra. Outros milhares com dimensões mais modestas
também já são conhecidos. A coisa toda é tão preocupante que a agência espacial americana mantém um
programa permanente de monitoramento dos chamados NEOs (...)”.
(12) “„Então, nós temos a chance de encontrar algo em que ninguém mais prestou atenção‟, explica
Sérgio Fontes, diretor do Observatório Nacional”.
Em (11), ela recorre à Nasa para afirmar que existem muitos asteroides e de variados
tamanhos. Em (12), cita Sérgio Fontes com o intuito de informar sobre o monitoramento que
o Projeto Impacton realiza acerca dos asteroides.
93
a4) Analogia
(13) “Infelizmente, assim como os raios, os asteroides também podem cair duas vezes no mesmo lugar”.
(14) “A boa notícia é que, diferentemente dos dinossauros, os humanos não estão indefesos”.
Em (13), compara-se os asteroides com os raios, pois esses são mais conhecidos pelo
público geral, facilitando, dessa maneira, o entendimento acerca daqueles. Já em (14),
compara-se os humanos com os dinossauros no quesito vulnerabilidade, já que a história de
extinção desses animais é amplamente conhecida.
a5) Narrativização
(15) “Há 65 milhões de anos, os dinossauros reinavam absolutos até que, sem mais nem menos, um
desses corpulentos objetos despencou por aqui”.
(16) “No escuro, as plantas não conseguiam completar a fotossíntese e acabaram morrendo. Os animais
que se alimentavam delas começaram a passar fome por tabela e também não sobreviveram. Por fim, os
carnívoros ficaram sem ter o que jantar e também passaram dessa para uma melhor. E foi assim durante um
longo período, o suficiente para acabar com dinossauros e com praticamente tudo o que havia de vivo na Terra e
que precisasse de grandes quantidades de alimento. Só sobraram as pequenas criaturas”.
94
b) Procedimento de redução
(17) “O impacto, é claro, foi violento. Estima-se que a pancada tenha liberado energia comparável à
explosão de mais de 1 bilhão de bombas atômicas”.
(18) “Os asteroides são os resquícios do material que deu origem ao nosso Sistema Solar, 4,6 bilhões de
anos atrás”.
c) Procedimento de variação
(19) “Asteroides são um jeito testado e aprovado de provocar uma carnificina na Terra”.
Nos trechos seguintes, nota-se as variações que foram utilizadas para se referir aos
asteroides:
(20) “O pedregulho de mais de 10 quilômetros de diâmetro (mais comprido que o Everest, a maior
montanha do mundo) caiu em uma região do que hoje é o México, mas foi suficiente para provocar uma extinção
em massa em todo o planeta”.
(21) “Há 65 milhões de anos, os dinossauros reinavam absolutos até que, sem mais nem menos, um
desses corpulentos objetos despencou por aqui”.
(22) “Isso não seria um problema, mas muitas vezes esses objetos têm a órbita alterada por influências
gravitacionais. E é aí que eles podem acabar vindo exatamente na nossa direção”.
95
(23) “Se o asteroide fosse descoberto com antecedência, seria possível criar alguma maneira de desviar,
ou até mesmo destruir o atrevido”.
asteroide(s)
pedregulho
corpulentos objetos
objetos
atrevido
Quadro 5: variações encontradas no texto “O pedregulho vem do céu”para “asteroide(s)”.
(24) “A colisão de um asteroide não é uma questão de "se", mas de "quando". E, na hora que o pior
acontecer, pode exterminar a vida na Terra”.
(25) “É feito um cálculo preliminar da sua provável órbita e, se é verificado que eles não têm perigo de
colisão com a Terra, eles são logo descartados”.
Nos excertos abaixo, percebe-se as variações que foram empregadas para o termo
“colisão”:
(27) “Mas, por incrível que pareça, o pior não foi o choque em si”.
(28) “Há 65 milhões de anos, os dinossauros reinavam absolutos até que, sem mais nem menos, um
desses corpulentos objetos despencou por aqui”.
(29) “O pedregulho de mais de 10 quilômetros de diâmetro (mais comprido que o Everest, a maior
montanha do mundo) caiu em uma região do que hoje é o México, mas foi suficiente para provocar uma extinção
em massa em todo o planeta”.
(30) “Estima-se que a pancada tenha liberado energia comparável à explosão de mais de 1 bilhão de
bombas atômicas. Mas, por incrível que pareça, o pior não foi o choque em si”.
96
(31) “Além de grandes incêndios e maremotos, a queda do asteroide levantou poeira e detritos
suficientes para ocultar a luz solar”.
Síntese da análise
O texto “O pedregulho vem do céu”, escrito por Giuliana Miranda, tem um caráter
explicativo. Nessa perspectiva, a jornalista faz uso do procedimento discursivo de expansão,
principalmente por meio das estratégias divulgativas de explicação, definição e argumento de
autoridade. Por outro lado, emprega-se pouco o procedimento discursivo de redução e a
variação ocorre em relação aos termos principais do assunto: “asteroide” e “colisão”.
Percebe-se, por meio da análise, que algumas informações apresentadas no título,
subtítulo e lead podem causar certo receio no leitor, visto que o título e o subtítulo destacam a
possibilidade da Terra ser atingida por um asteroide e o lead descreve o poder de destruição
do mesmo, relembrando o extermínio dos dinossauros.
Há, contudo, em um quadro localizado na parte inferior da página, um contra-discurso,
pois tem a advertência: “Não tenha medo!” Em consonância com esse alerta, o fim da
reportagem informa que há a possibilidade dos humanos evitarem o choque entre o asteroide e
a Terra.
Possivelmente a reportagem opta por causar certo temor em um primeiro momento,
em função da expectativa que assolava grande parte do mundo nesse período – mês de
novembro – próximo à data divulgada como o “fim do mundo maia” previsto para ocorrer no
dia 21 de dezembro de 2012.
97
• Texto “Sol de rachar”
Por meio de uma metáfora, a fim de deixar a informação de mais fácil entendimento
para o público leigo, o lead revela que o Sol se transforma e que um dia ele pode ser o
responsável pelo fim da vida na Terra:
(2) “Formado há aproximadamente 4,6 bilhões de anos, nosso astro é uma espécie de adulto que
caminha lentamente para uma crise de meia idade. Pior: quando ela chegar, ele não vai comprar um Porsche e
resolver assim. Será o fim da vida na Terra”.
(3) “Isso, é claro, aplica-se também ao Sol, que, em termos galácticos, já não é mais nenhum
garotinho”.
(4) “Com o passar do tempo, as reservas de hidrogênio irão se esgotar e outro elemento, o hélio
(resultado da fusão do hidrogênio), começará a ser usado. E é aí que o bicho pega”.
(5) “Em 6 bilhões de anos, quando o núcleo do Sol não tiver mais elementos para fundir, a gravidade irá
mostrar suas garras e fará com que o que restou da estrela se encolha até um tamanho diminuto”.
Em (3), (4) e (5), percebe-se o uso de construções muito comuns na fala cotidiana: “já
não é mais nenhum garotinho”, “é aí que o bicho pega” e “irá mostrar suas garras”. Esse
recurso contribui para um maior engajamento do leitor com o texto, já que a linguagem do
mesmo é mais próxima à sua.
Além disso, é relevante destacar que em (3) e (5) há uma personificação do Sol e da
gravidade, respectivamente, pois é atribuído a eles ações próprias de seres humanos, como ser
51
Pa diaàdeà osàse esàvivosànascem, crescem, reproduzem e morrem .
99
garotinho e mostrar as garras.
Quanto à abordagem científica adotada pelo texto em pauta, pode-se afirmar que ela
procede das ciências naturais, uma vez que ele se pauta em explicações e informações
objetivas, como pode ser percebido em:
(6) “Cerca de 2 bilhões de anos depois, com o Sol brilhando 40% a mais, todos os oceanos já terão
evaporado, e a vida ficará insustentável até para as formas mais primitivas. O calor não vai mesmo dar trégua e,
em seguida, será a vez de até as rochas derreterem”.
Em (6), explica-se o que acontecerá daqui a 2 bilhões de anos, depois que o Sol estiver
brilhando 40% a mais, e se fornece informações objetivas a partir de dados científicos.
a) Procedimento de expansão
a1) Narrativização
Desde o lead, que aborda a questão do envelhecimento do Sol, percebe-se que uma das
principais estratégias do texto é divulgar o conhecimento por meio do processo de
narrativização:
(7) “Nossa estrela está lentamente aumentando sua temperatura. Vai chegar uma hora em que a Terra
não vai aguentar mais tanto calor, tornando-se um inferno escaldante”.
(8) “Estrelas também têm ciclos de vida. Elas nascem, crescem, envelhecem e „morrem‟”.
(9) “Pouco depois de “nascer”, da junção de uma nuvem de gás e poeira cósmica, o Sol era bem mais
frio do que é hoje. E ele continua esquentando. Daqui a 1 bilhão de anos, ele deve estar 10% mais brilhante”.
No trecho (7), tem-se, primeiramente, “estrela” como agente. Em seguida, esse passa a
ser a “Terra” e nota-se uma personificação, pois um atributo humano é empregado à mesma:
“não vai aguentar”.
100
Em (8), tem-se “estrelas” como agente dos verbos “ter”, “nascer”, “crescer”,
“envelhecer” e “morrer”. E, em (9), o “Sol” é o agente dos verbos “nascer”, “ser”,
“continuar”, e “estar”. A utilização de narrativas do decorrer do texto de divulgação é
importante, pois facilita a compreensão do público geral.
a2) Explicação
(10) “(...) nosso astro é uma espécie de adulto que caminha lentamente para uma crise da meia-idade.
Pior: quando ela chegar, ele não vai comprar um Porsche e resolver assim”.
(11) “A primeira vítima será Mercúrio, o planeta mais próximo. Seu vizinho, Vênus, também não irá
escapar. A Terra, que nesse ponto já não abrigará vida, ainda tem uma chance”.
(12) “E o quadro só vai piorando", diz Gustavo Rojas, astrofísico da USFCar (Universidade Federal de
São Carlos)”.
Em (10), o trecho explicativo evidencia, por meio de uma personificação, que o Sol
está envelhecendo. Utilizar essa figura de linguagem a fim de se explicar um termo ou uma
expressão é muito válido no texto de divulgação, pois facilita a compreensão do público não
especialista. No caso do excerto supracitado, percebe-se ainda um tom de humor nessa
personificação, já que a jornalista afirma que o Sol não vai poder fazer como as pessoas de
meia idade que têm uma crise: comprar um Porsche.
No excerto (11), há uma sucessão de explicações por meio de vírgulas. Nos dois
primeiros casos, fornece-se uma explanação acerca da localização dos planetas, válida para o
leitor leigo, que às vezes não tem esse conhecimento acerca da localização geográfica. Na
terceira explicação, se explana sobre a situação da Terra naquele contexto.
Em (12), utiliza-se da estratégia divulgativa de explicação, entre parênteses, a fim de
explicar o significado da sigla USFCar.
101
a3) Argumento de autoridade
(14) “Essas reações fazem com que as camadas mais externas da estrela se expandam”, explica Rojas.
(15) “O Sol ficará maior, mas vai perder massa. Com a estrela mais “magra”, a força gravitacional que
ela exerce será menor. Isso significa que a órbita da Terra provavelmente será alterada, e ela ficará mais distante
do que está hoje. Por isso, o planeta pode escapar”, avalia o astrofísico”.
a4) Analogia
(16) “Com o envelhecimento, além do aumento de calor, o próprio „corpo‟ do Sol irá aumentar. Como
qualquer estrela, ele é um amontoado de gás, especialmente hidrogênio, incandescente”.
Em (16), compara-se o Sol com qualquer estrela para dizer que ele também é formado
por gás. A partir disso, essa analogia torna-se importante para que muitos leitores não
especialistas percebam que, além do Sol também ser uma estrela, ele é formado por gás assim
como as demais.
Posteriormente, utiliza-se essa estratégia divulgativa para igualar o “Sol” a um “balão:
(17) “Daqui a mais ou menos 5 bilhões de anos, o Sol terá se transformado em uma gigante vermelha,
uma estrela velha e a caminho da morte. Lentamente, nosso astro irá inflar como um balão e „engolir‟ o que
estiver em seu caminho”.
102
Em (17), nota-se que há uma personificação, já que se afirma que o Sol irá “engolir” o
que estiver no caminho. É importante ressaltar que esse verbo sintetiza todo o processo
científico relacionado ao que ocorrerá com o Sol a fim de facilitar o entendimento do público
não especialista.
b) Procedimento de redução
(18) “„O Sol ficará maior, mas vai perder massa. Com a estrela mais „magra‟, a força gravitacional que
ela exerce será menor. Isso significa que a órbita da Terra provavelmente será alterada, e ela ficará mais distante
do que está hoje. Por isso, o planeta pode escapar‟, avalia o astrofísico”.
c) Procedimento de variação
(19) “Estrelas também têm ciclos de vida. Elas nascem, crescem, envelhecem e „morrem‟”.
(20) “A temperatura e o brilho do Sol vêm aumentando lenta e gradualmente ao longo do tempo. Pouco
depois de „nascer‟, da junção de uma nuvem de gás e poeira cósmica, o Sol era bem mais frio do que é hoje”.
(21) “Com o envelhecimento, além do aumento de calor, o próprio „corpo‟ do Sol irá aumentar”.
(22) “Lentamente, nosso astro irá inflar como um balão e „engolir‟ o que estiver em seu caminho”.
103
intenção textual. Além disso, nota-se que todos os termos empregados são de fácil
entendimento, contribuindo para que o leitor compreenda o texto.
Percebe-se, também, o procedimento de variação para se referir ao termo “Sol”,
contribuindo para a coesão textual. No excerto a seguir, observa-se a utilização de uma
expressão metafórica para se referir ao termo em questão. A autora esclarece que essa
denominação foi utilizada “em termos galácticos” nesse contexto astronômico:
(23) “Isso, é claro, aplica-se também ao Sol, que, em termos galácticos, já não é mais nenhum
garotinho”.
(24) “Nossa estrela está lentamente aumentando sua temperatura. Vai chegar uma hora em que a Terra
não vai aguentar mais tanto calor, tornando-se um inferno escaldante”.
(25) “(...) nosso astro é uma espécie de adulto que caminha lentamente para uma crise da meia-idade”.
Sol
estrela
astro
Quadro 7: variações encontradas no texto “Sol de rachar” para “Sol”
Síntese da análise
104
desse ter sido repetido várias vezes no texto em pauta.
Percebe-se que a jornalista aborda o assunto fazendo uso de muitas narrativizações,
como já foi mencionado, de metáforas, assim como de termos e expressões cotidianas,
tornando o texto mais compreensível para o leitor leigo. Outro fator relevante é que a
jornalista opta por uma abordagem polêmica do assunto, pois em um primeiro momento – no
título, subtítulo e lead – ela ressalta que a temperatura e o brilho do Sol estão aumentando e
que a Terra corre risco, no entanto, o leitor só obtém a informação que isso é a longo prazo
quando lê a reportagem até o fim ou o epílogo. Dessa maneira, esses elementos contribuem
para a construção de uma percepção de certa forma negativa em relação ao aumento de
temperatura na Terra.
52
Título presente na reportagem.
105
rochas, solos e água. O título da reportagem, “Fim do campo magnético”, fazendo parte do
capítulo supracitado, comunica que essa é uma das formas geológicas possíveis do mundo
acabar. O campo magnético consiste na “região que envolve a massa magnética, e, dentro da
qual ela consegue exercer ações magnéticas 53”. Sendo assim, se ele acabar, como afirma o
título, o planeta Terra fica vulnerável.
O subtítulo – “Análises de rochas indicam que o campo magnético da Terra de vez em
quando some do mapa, diminuindo nossa proteção contra ameaças do espaço” – confirma
essa vulnerabilidade, pois assevera que a partir do momento em que o campo magnético
some, a proteção das pessoas diminui. Além disso, gera um receio nos leitores, porque
comunica que o campo magnético é instável, já que “de vez em quando some do mapa”,
sendo assim, a segurança das pessoas depende de algo instável. Ademais, o termo “ameaça”
empregado em “ameaças do espaço” tem uma carga semântica muito negativa, pois significa
prenúncio de qualquer coisa má, causando uma preocupação ainda maior em muitos leitores.
Concernente ao lead, nesse caso ele não é um resumo das ideias gerais do texto, já que
se restringe a discorrer acerca da formação do campo magnético na Terra:
(1) “Uma das coisas mais sensacionais a respeito do nosso planeta é a maneira como seu interior
liquefeito o transforma numa espécie de gigantesco eletroímã. Mais ou menos como acontece dentro de uma
panela em ebulição, os metais derretidos no coração da Terra circulam por convecção, o que leva ao surgimento
de correntes elétricas (por causa dos elétrons em movimento no metal) e, com base nelas, ao nascimento de um
campo magnético”.
53
Disponível em: <http://efisica.if.usp.br/eletricidade/basico/campo_magnetico/>. Acesso em: 24 de fev. de
2014.
106
cenário” diz respeito à perda do campo magnético da Terra, pois a orientação desse campo em
relação ao eixo dela é responsável por determinar o “norte magnético” apontado pelas
bússolas, ou seja, a perda do campo magnético acarretaria a perda do norte.
Além disso, na linguagem popular, essa expressão “sem norte” indica “sem direção”,
dessa forma, pode ser que o jornalista esteja querendo dizer que, após a perda do campo
magnético, as pessoas vão ficar sem rumo, já que correrão um grande risco. Esse significado é
provavelmente mais conhecido pelo público leigo do que o anterior.
O pequeno texto discorre sobre a importância do campo magnético para a população,
evidenciando que esse “funciona como uma barreira importante para partículas de alta energia
que chegam até nós vindas do espaço, como os raios cósmicos, que são cancerígenos”. Ele
ainda ressalta as consequências negativas do enfraquecimento ou sumiço do campo
magnético, tais como, epidemia de câncer e modificação na densidade da atmosfera.
Com relação à linguagem predominante na reportagem, nota-se marcas do registro
informal nos seguintes trechos:
(2) “Como diabos é possível saber que, no passado distante, algo tão aparentemente imaterial quanto um
campo magnético mudou sua orientação? Graças às rochas vulcânicas”.
Em (2) e (3), observa-se o uso das expressões informais “como diabos”, “graças à” e
“é aí que mora o perigo” que contribuem para a criação de humor no texto. Além disso, nota -
se o uso de expressões informais a fim de interagir com o leitor:
Em (4), o jornalista direciona uma pergunta ao leitor buscando que esse interaja com
o texto e concorde com o que está sendo veiculado.
A abordagem científica na qual a divulgação se ancora é as ciências naturais, já que se
utiliza como método a explicação e são fornecidas informações objetivas, como se verifica
em:
(5) “(...) conforme rochas vulcânicas mais e mais antigas eram estudadas, os geólogos passaram a
verificar que essa orientação [orientação do campo magnético] às vezes estava invertida. Na verdade, hoje se
sabe que a atual orientação do campo magnético terrestre tem “apenas” 780 mil anos e que, quanto mais se recua
no tempo, mais reversões aparecem, ocorrendo num ritmo aparentemente aleatório”.
107
Em (5), percebe-se que se explica a orientação do campo magnético e são fornecidas
informações objetivas, como, por exemplo, quanto tempo tem a orientação do campo
magnético terrestre.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
(6) “Mais ou menos como acontece dentro de uma panela em ebulição, os metais derretidos no coração
da Terra circulam por convecção, o que leva ao surgimento de correntes elétricas (por causa dos elétrons em
movimento no metal) e, com base nelas, ao nascimento de um campo magnético”.
(7) “O problema é que, de tempos em tempos, esse campo enfraquece antes de inverter sua orientação –
e talvez suma totalmente nesses momentos, deixando-nos bem mais vulneráveis”.
Em (6), fazendo uso dos parênteses, o jornalista explica porque as correntes elétricas
surgem e, em (7), por meio do travessão, ele explana que além de enfraquecer e inverter sua
orientação, pode ser que o campo magnético “suma” em alguns momentos. Entretanto, essa
informação contida no corpo da reportagem que declara existir uma possibilidade de o campo
magnético desaparecer contradiz o fim do texto que assevera: “A boa notícia é que os estudos
sobre as reversões de polaridade anteriores indicam que o campo magnético nunca some
totalmente antes de se inverter”.
108
Em um primeiro momento, possivelmente a intenção do jornalista, ao divulgar que
“talvez [o campo magnético] suma totalmente”, seja a de fazer com que o leitor continue
lendo a reportagem, já que esse ficará preocupado com essa situação e consequentemente
buscará mais informação sobre essa questão. Ao fim da mesma, para despreocupá-lo, com
base em argumento de autoridade – “estudos sobre reversão de polaridade” –, o jornalista
revela que o campo magnético nunca desaparece totalmente.
a2) Narrativização
(8) “Conforme essas rochas vão se solidificando após deixar o interior tórrido da crosta terrestre, o ferro
(e outros elementos) em sua composição acabam ficando alinhados, seguindo a orientação do campo
magnético”.
(9) “A questão é que, conforme rochas vulcânicas mais e mais antigas eram estudadas, os geólogos
passaram a verificar que essa orientação às vezes estava invertida. Na verdade, hoje se sabe que a atual
orientação do campo magnético terrestre tem “apenas” 780 mil anos e que, quanto mais se recua no tempo, mais
reversões aparecem, ocorrendo num ritmo aparentemente aleatório”.
Em (8), tem-se “rochas”, “ferro” e “outros elementos” como agentes, para informar
que os elementos que compõem as rochas – ferro e outros – se alinham de acordo com a
orientação do campo magnético. Em (9), tem-se como agentes “geólogos” e “orientação do
campo magnético” a fim de informar que os primeiros verificaram que a segunda sofre
reversões.
a3) Analogia
109
(10) “Uma das coisas mais sensacionais a respeito do nosso planeta é a maneira como seu interior
liquefeito o transforma numa espécie de gigantesco eletroímã. Mais ou menos como acontece dentro de uma
panela em ebulição, os metais derretidos no coração da Terra circulam por convecção, o que leva ao surgimento
de correntes elétricas”.
(11) “Como diabos é possível saber que, no passado distante, algo tão aparentemente imaterial quanto
um campo magnético mudou sua orientação? Graças às rochas vulcânicas. Materiais desse tipo contêm
quantidades apreciáveis de elementos como o ferro, o qual, como sabemos, responde com facilidade a um campo
magnético”.
Esse recurso, além de garantir a progressão das informações no texto, contribui para a
compreensão do leitor, pois o jornalista havia exposto um problema – “(...) de tempos em
tempos, esse campo enfraquece antes de inverter sua orientação” – e a resposta dada a essa
pergunta faz com que ele compreenda o porquê do campo magnético mudar sua orientação.
a5) Definição
(12) “Tal campo é parte importante da armadura protetora do nosso planeta diante das ameaças do
espaço, e sua orientação em relação ao eixo da Terra é responsável por determinar o “norte magnético” apontado
pelas bússolas”.
Para tornar a definição de mais fácil compreensão para o público leitor da revista, que
em sua maioria é jovem, o jornalista utiliza o termo metafórico “armadura protetora do
planeta” e outro genérico,“ameaças do espaço”, para caracterizar o termo em questão.
110
b) Procedimento de redução
(13) “Com seu enfraquecimento, a Terra seria bombardeada por um nível elevado dessas partículas,
talvez resultando numa epidemia de câncer. Se o campo magnético sumisse totalmente, até a densidade da
atmosfera poderia ser afetada”.
c) Procedimento de variação
(14) “Análises de rochas indicam que o campo magnético da Terra de vez em quando some do mapa,
diminuindo nossa proteção contra ameaças do espaço”.
Síntese da análise
54
Os nomes citados correspondem aos títulos das reportagens, e não aos que constam no Sumário, pois há
diferença entre eles.
112
Para isso, esse jornalista menciona a hipótese da “Terra bola de neve”, que defende essa ideia,
e estudos que contestam que o gelo tenha coberto o planeta. Portanto, ele evidencia que há
uma incerteza quanto a esse assunto.
O título dessa reportagem é bem pontual e gera uma expectativa no leitor de que a
mesma discorrerá sobre as consequências desse fenômeno. O subtítulo complementa o título:
“Se você está preocupado com o aquecimento da Terra, saiba que algo bem pior pode
acontecer: o planeta virar uma bola de neve gigante”. Dessa maneira, o jornalista alerta aos
leitores de que o resfriamento global, que não gera tanta preocupação quanto o aquecimento,
pode ser ainda pior que esse. Essa afirmativa provoca uma curiosidade nos leitores, e os
instiga a ler a reportagem para entender mais a respeito desse fenômeno.
O lead apresenta um resumo da ideia principal da reportagem e demonstra o que será
discutido na mesma. Em um primeiro momento, afirma que se as pessoas tivessem que
escolher entre o aquecimento ou o resfriamento global provavelmente optariam pelo segundo.
Contudo, o jornalista garante: “o congelamento da Terra é um fim do mundo que você
também não gostaria de ver”. Essa primeira parte do lead dialoga com o subtítulo, já que
ambos afirmam que apesar das pessoas temerem mais o aquecimento global, o resfriamento
deve causar preocupação.
Posteriormente, o jornalista menciona a hipótese da “Terra bola de neve”, que defende
que parte da superfície do planeta já esteve coberta por uma grossa camada de gelo, e
questiona: “isso pode acontecer de novo?” A partir disso, o jornalista, na reportagem, vai
discutir sobre as evidências de que já houve gelo na superfície do planeta, o que de certa
forma contraria um pouco a expectativa gerada pelo título da reportagem de que o texto
discutiria sobre as consequências do resfriamento global.
Acompanhando a reportagem, há um pequeno texto na parte inferior da página cujo
título é “O pior cenário – a nova era do gelo”. Ao se iniciar com uma descrição negativa, por
meio do termo “pior”, para caracterizar cenário, o título causa uma preocupação nos leitores,
principalmente depois que esses percebem, através de “a nova era do gelo”, que trata -se do
resfriamento global. Essa forma de nomear auxilia no entendimento do leitor, pois alude ao
nome de um filme que é muito visto pelos jovens “A era do gelo”. Além disso, por meio do
vocábulo “nova”, percebe-se que esse título está em consonância com a hipótese da “Terra
bola de neve”, a qual defende que a superfície do planeta já esteve coberta por uma grossa
camada de gelo, assim, se isso ocorresse novamente, seria de fato uma “nova era do gelo”.
113
Esse pequeno texto discute uma situação hipotética, que contribui para causar
preocupação e receio nos leitores, pois afirma que se o gelo do Polo Sul tomasse além da
latitude de São Paulo, formaria uma grande superfície branca sobre o planeta, capaz de refletir
grande parte do calor que chegaria do Sol, assim sendo, o planeta esfriaria definitivamente.
Concernente à linguagem do texto, há marcas do registro informal:
(1) “Uma hipótese antiga e controversa vira e mexe volta a ser debatida”.
(2) “Pergunta que não quer calar: isso pode acontecer de novo?”
Em (1) e (2), além das expressões sublinhadas serem coloquiais, elas são muito
comuns na linguagem cotidiana. Nessa perspectiva da informalidade, há marcas de interação
com o leitor na reportagem, como pode ser observado em:
(3) “Com as notícias assustadoramente apocalípticas que lemos diariamente sobre o aumento da
temperatura média da Terra, talvez a hipótese do resfriamento não lhe pareça tão ruim. Mas, acredite, o
congelamento da Terra é um fim do mundo que você também não gostaria de ver”.
(4) “O estudo brasileiro soma-se às pesquisas de Paul Hoffman e Daniel Schrag, da Universidade
Harvard, que encontraram rochas similares em outras partes do mundo, como na Noruega (ok, hoje não tão
inesperado) e Namíbia (explique essa!)”.
A abordagem científica adotada pela revista refere-se ao âmbito das ciências naturais.
Entretanto, há os defensores da hipótese da “Terra bola de neve”, que acreditam que parte da
superfície do planeta já esteve coberta por uma camada de gelo e, por outro, há os que
defendem que no mesmo nunca houve gelo. Portanto, isso depende da interpretação de cada
perspectiva de análise:
(5) “(...) investigar eventos de meio bilhão de anos é uma tarefa complicada. A interpretação das
evidências é muito sutil”.
(6) “Evidências disso são rochas deformadas pela passagem de geleiras, encontradas em várias partes do
mundo. Algumas dessas rochas foram descobertas em regiões que no passado eram próximas do Equador, onde
normalmente mal deveria existir gelo”.
114
Em (6), explica-se quais são as evidências de que na superfície do planeta já houve
gelo e são fornecidas informações objetivas, como, por exemplo, o local onde as rochas foram
encontradas.
a) Procedimento de expansão
O procedimento linguístico-discursivo de expansão ocorre no texto “O perigo do
resfriamento global”, através das seguintes estratégias divulgativas: explicação, argumento de
autoridade, exemplificação, pergunta retórica e narrativização.
a1) Explicação
(7) “Se você está preocupado com o aquecimento da Terra, saiba que algo bem pior pode acontecer: o
planeta virar uma bola de neve gigante”.
(8) “Ocorre que ambas as regiões, 630 milhões de anos atrás, estavam em locais diferentes do globo por
causa do movimento dos continentes”.
Em (7), o jornalista introduz a sentença explicativa por dois pontos, contribuindo para
dar um destaque maior a ela. Já em (8), o trecho explicativo tem a função de adicionar uma
informação relacionada ao tempo – 630 milhões de anos atrás.
115
(9) “Pesquisadores brasileiros de quatro universidades descobriram depósitos sedimentares deformados
pelo peso de geleiras. O estudo, publicado em 2003 na revista americana Geology, fez parte da tese de doutorado
de Afonso César Rodrigues Nogueira, então na USP, hoje pesquisador da Universidade Federal do Pará”.
(10) “O estudo brasileiro soma-se às pesquisas de Paul Hoffman e Daniel Schrag, da Universidade
Harvard, que encontraram rochas similares [deformadas] em outras partes do mundo, como na Noruega (...) e
Namíbia (...)”.
a3) Exemplificação
O jornalista faz uso da exemplificação para explicitar que essa tese, baseada na
deformação do depósito sedimentar, de que a superfície do planeta já esteve coberta por uma
espessa camada de gelo, pode ser modificada:
(11) “Contudo, investigar eventos de meio bilhão de anos é uma tarefa complicada. A interpretação das
evidências é muito sutil. Exemplo: Afonso Nogueira, o mesmo pesquisador que apresentou as evidências de
Mato Grosso, publicou em outubro de 2011, um novo estudo na revista britânica Nature que parece ir na direção
oposta”.
O jornalista inicia o lead com uma pergunta retórica, com o intuito de garantir a
continuidade da informação fornecida, por meio de advertência, no subtítulo: “Se você está
preocupado com o aquecimento da Terra, saiba que algo bem pior pode acontecer: o planeta
virar uma bola de neve gigante”. É interessante observar que ele faz uma pergunta que já
havia sido respondida no subtítulo e a responde novamente:
(12) “Se a humanidade fosse obrigada a escolher entre o aquecimento e o resfriamento global, qual seria
preferível? Com as notícias assustadoramente apocalípticas que lemos diariamente sobre o aumento da
temperatura média da Terra, talvez a hipótese do resfriamento não lhe pareça tão ruim. Mas, acredite, o
congelamento da Terra é um fim do mundo que você também não gostaria de ver”.
a5) Narrativização
116
(13) “Conhecida como “Terra bola de neve”, essa teoria afirma que boa parte da superfície de nosso
planeta já esteve coberta por uma grossa camada de gelo, talvez diversas vezes. A última possivelmente ocorreu
há meio bilhão de anos. O planeta virou praticamente um picolé espacial, com gelo recobrindo as porções
tropicais e quase chegando ao Equador”.
b) Procedimento de redução
(14) “A nova pesquisa contesta que o gelo naquela época tenha coberto todo o planeta. Nogueira e seus
colegas basearam suas pesquisas na análise dos níveis de gás carbônico presente nas rochas. Dados apontam que
a temperatura naquela época na verdade não era muito diferente da que é hoje”.
Percebe-se, em (14), que ele não menciona quais são os dados que demonstram que a
temperatura não se diferencia muito. Portanto, suprime-se essa informação; dessa forma, há
uma redução por supressão.
c) Procedimento de variação
Nos trechos seguintes, são apresentadas as variações que foram empregadas para se
referir ao “resfriamento global”:
117
(16) “Se você está preocupado com o aquecimento da Terra, saiba que algo bem pior pode acontecer: o
planeta virar uma bola de neve gigante”.
(17) “Mas, acredite, o congelamento da Terra é um fim do mundo que você também não gostaria de
ver”.
(18) “Isso esfriaria o planeta de vez, fazendo a neve alcançar regiões equatoriais”.
resfriamento global
congelamento da Terra
esfriaria o planeta
(19) “Com as notícias assustadoramente apocalípticas que lemos diariamente sobre o aumento da
temperatura média da Terra, talvez a hipótese do resfriamento não lhe pareça tão ruim”.
Síntese da análise
119
(1) “Sob essas nuvens, existe um mundo infernal, onde você não gostaria de morar. Vênus é assolado
por um efeito estufa global extremo, com ventos e temperaturas altíssimas. Um potencial vislumbre do futuro da
Terra, se nossas providências para reduzir o aquecimento global falharem”.
Na sequência, ele evidencia que essa situação pode acontecer com a Terra, caso não
sejam tomadas providências contra o aquecimento global, deixando, dessa maneira, o leitor
preocupado.
A linguagem predominante na reportagem é a informal, como pode ser percebido em:
(2) “Tanto brilho vem das nuvens que recobrem o planeta. Não é à toa que ele recebeu o nome da deusa
mitológica do amor. Mas a beleza de Vênus acaba por aí”.
(3) “E aí mais vegetação morre e mais energia consumimos, o que inevitavelmente libera mais gases de
efeito estufa na atmosfera, elevando ainda mais a temperatura. Uma conta que se multiplica a cada dia”.
(4) “Você já deve ter reparado num ponto brilhante no céu durante o entardecer. Alguns a chamam de
Estrela d‟Alva, mas, você sabe, ela é um planeta: Vênus.
(5) “Sob essas nuvens, existe um mundo infernal, onde você não gostaria de morar. Vênus é assolado
por um efeito estufa global extremo, com ventos e temperaturas altíssimas. Um potencial vislumbre do futuro da
Terra, se nossas providências para reduzir o aquecimento global falharem”.
Quanto à abordagem científica adotada pela revista, nota-se a presença das ciências
naturais, já que se prioriza a explicação e são fornecidas informações de caráter científico,
como pode ser observado em:
(6) “A atmosfera de Vênus é formada principalmente por dióxido de carbono. Esse gás tem a
capacidade de aprisionar o calor do Sol, elevando a temperatura global na superfície para escaldantes 480 °C.
Isso tanto de dia como de noite, o suficiente para derreter chumbo. O efeito estufa em Vênus já chegou a um
ponto sem conserto”.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
O jornalista faz uso da estratégia divulgativa da explicação por meio de dois pontos e
da vírgula explicativa, como pode ser observado em:
(7) “Você já deve ter reparado num ponto brilhante no céu durante o entardecer. Alguns a chamam de
Estrela d‟Alva, mas, você sabe, ela é um planeta: Vênus”.
(8) “Um potencial vislumbre do futuro da Terra, se nossas providências para reduzir o aquecimento
global falharem”.
(9) “Depois do Sol, Vênus é o astro mais brilhante do céu noturno, visível até mesmo durante o dia em
algumas ocasiões”.
Em (7), ele explana sobre Vênus e coloca esse planeta em uma posição de destaque a
partir do momento em que o introduz por meio dos dois pontos. Já em (8), a sentença
explicativa é uma condicional. Em (9), percebe-se que na explicação em questão há uma
comparação “Vênus é o astro mais brilhante do céu noturno”, por meio da qual se comunica
que esse planeta é muito luminoso. Para que o leitor tenha ideia da intensidade do brilho, o
jornalista ressalta que tal planeta é visível até durante o dia em algumas ocasiões.
a2) Narrativização
121
(10) “Sob essas nuvens, existe um mundo infernal, onde você não gostaria de morar. Vênus é assolado
por um efeito estufa global extremo, com ventos e temperaturas altíssimas”.
(11) “O uso intensivo de combustíveis fósseis e a derrubada de florestas são grandes vilões dessa
história. Quanto mais dióxido de carbono e metano são lançados na atmosfera, mais calor ficará preso nela,
aumentando a temperatura global. E aí mais vegetação morre e mais energia consumimos, o que inevitavelmente
libera mais gases de efeito estufa na atmosfera, elevando ainda mais a temperatura”.
b) Procedimento de redução
(13) “Quando se apresenta na quantidade certa, o efeito estufa é importante para a vida na Terra. Sem
ele, nosso planeta sofreria com alterações bruscas de temperatura entre o dia e a noite”.
(14) “Quanto mais dióxido de carbono e metano são lançados na atmosfera, mais calor ficará preso nela,
aumentando a temperatura global”.
Em (13), o jornalista não explicita por quê o planeta sofreria com alterações bruscas de
temperatura sem o efeito estufa e, em (14), qual é o motivo do calor ficar preso na atmosfera a
partir do momento em que lança-se dióxido de carbono e metano nela.
(15) “Depois do Sol, Vênus é o astro mais brilhante do céu noturno, visível até mesmo durante o dia em
algumas ocasiões. Tanto brilho vem das nuvens que recobrem o planeta”.
122
c) Procedimento de variação
(16) “Você já deve ter reparado num ponto brilhante no céu durante o entardecer. Alguns a chamam de
Estrela d‟Alva, mas, você sabe, ela é um planeta: Vênus. Depois do Sol, Vênus é o astro mais brilhante do céu
noturno, visível até mesmo durante o dia em algumas ocasiões‟.
Vênus
Estrela d‟Alva
planeta
astro mais brilhante do céu noturno
Quadro 9: variações encontradas no texto “Efeito estufa turbinado” para “Vênus”.
(18) “Na quantidade certa, ele é essencial à vida, preservando o planeta de grandes variações de
temperatura. Mas nada impede que ele transforme um (sic) mundo num forno escaldante”.
(19) “Quando se apresenta na quantidade certa, o efeito estufa é importante para a vida na Terra. Sem
ele, nosso planeta sofreria com alterações bruscas de temperatura entre o dia e a noite. Em contrapartida, se vier
em excesso, torna a Terra uma sauna insuportável”.
Síntese da análise
Salvador Nogueira, no texto intitulado “Um vírus artificial”, assevera que atualmente
os cientistas, com o avanço da engenharia genética, podem criar em laboratório supervírus
que deixariam a população mundial em risco. Esse jornalista menciona que o vírus da polio,
por exemplo, já foi reconstruído, e conseguiram fazer com que o H5N1, causador da gripe
aviária, retornasse ainda mais agressivo.
55
Os nomes citados correspondem aos títulos das reportagens, e não aos que constam no Sumário, pois há
diferença entre eles.
124
O título da reportagem, “Um vírus artificial”, alude a um microorganismo que não é
natural, ou seja, a um que seja artificial. Ele tende a causar certa curiosidade nos leitores pelo
fato de muitas pessoas temerem aos vírus, já que existem muitos que são de fato perigosos.
O subtítulo “Cientistas poderiam hoje criar em laboratório supervírus que colocariam
em risco grande parte da população mundial. Correção: eles já fizeram isso” explica melhor a
informação fornecida pelo título e adverte para a periculosidade de tal avanço científico.
Quando o subtítulo afirma que os cientistas já criaram vírus em laboratório, isso causa
um receio no leitor, pois ele tende a se sentir em “risco”. Ao optar por utilizar o termo
“supervírus” ao invés de “vírus”, o jornalista causa ainda mais temor no público, que imagina
um microorganismo com um maior potencial.
O lead da reportagem apresenta um resumo da ideia principal do texto. A princípio, o
jornalista alude às bombas atômicas para dizer que, apesar de serem perigosas, são de
fabricação complexa, não podendo ser fabricadas por qualquer pessoa. Posteriormente, ele
assevera que, devido ao avanço da engenharia genética, as tecnologias estão “ainda mais
assustadoras”, pois podem ser produzidas sem sofisticação. A partir disso, o leitor tende a
ficar com receio e a querer ler o restante da reportagem a fim de se informar sobre o assunto.
Acompanhando a reportagem principal, há um pequeno texto intitulado “Segura essa!
A vida criada em laboratório”. O título é uma síntese da ideia principal do texto que o
acompanha, já que esse informa que em 2010 foi criada a primeira forma de vida sintética.
Esse texto, diferentemente do subtítulo e do lead da reportagem principal, ressalta apenas o
lado positivo do avanço da engenharia genética, pois diz que “O experimento funcionou,
dando a esperança de que a ciência possa criar organismos úteis ao homem no futuro”.
Concernente à linguagem do texto, há a predominância do registro formal, apesar de
haver alguns traços de informalidade, como pode ser observado em:
(1) “Claro, ninguém discute a maravilha que é sequenciar o genoma humano e decifrar seus mais
íntimos segredos. Muitas doenças poderão ser curadas ou evitadas graças a esse conhecimento. Agora, quando
você decifra o genoma de supervírus letais, a brincadeira pode ficar perigosa”.
(2) “Contudo, induzindo mutações em laboratório, os cientistas conseguiram produzir uma versão do
H5N1 que se espalharia com a mesma eficiência da gripe convencional – que infecta 700 milhões de pessoas no
mundo por ano. Imagine o estrago que o danado poderia causar, se saísse do laboratório”.
125
Em (2), nota-se a marca conversacional “imagine” e o termo informal “danado”.
A abordagem científica adotada pela revista é das ciências naturais, pois há uma
predominância da explicação e de informações de caráter científico, como pode ser percebido
em:
(3) “(...) induzindo mutações em laboratório, os cientistas conseguiram produzir uma versão do H5N1
que se espalharia com a mesma eficiência da gripe convencional – que infecta 700 milhões de pessoas no
mundo por ano”.
a) Procedimento de expansão
a1) Explicação
(4) “Cientistas poderiam hoje criar em laboratório supervírus que colocariam em risco grande parte da
população mundial. Correção: eles já fizeram isso”.
(5) “As bombas atômicas são terrivelmente perigosas, mas pelo menos têm uma virtude – são de
fabricação tão complexa que somente governos, investindo grandes somas de dinheiro e empregando muitos
cientistas, podem produzi-las”.
(6) “Note que esse tipo de pesquisa, por mais benéfico que possa ser (os cientistas queriam desenvolvê-
la para já preparar uma vacina eficaz antes que o supervírus surgisse naturalmente), atinge um nível de risco que
talvez seja inaceitável”.
126
a2) Argumento de autoridade
(7) “„Nosso trabalho serve como prova do que pode ser feito‟, afirma Jeronimo Cello, um dos autores
do estudo americano”.
(8) “Foi o que fizeram com a gripe dois grupos de pesquisadores, na Holanda e nos Estados Unidos, de
forma independente, no fim do ano passado. Eles partiram do vírus H5N1, causador da famosa gripe aviária”.
(9) “Em 2010, uma equipe liderada por Craig Venter, um dos impulsionadores da decifração do genoma
humano, anunciou a criação da primeira forma de vida sintética. Eles produziram o DNA em laboratório e
inseriram numa célula „vazia‟”.
a3) Analogia
(10) “Ou seja, um aspirante a Osama bin Laden com um modesto laboratório pode construir um vírus
perigoso como o da pólio.
a4) Exemplificação
A fim de tornar a informação mais compreensível para o público leitor, o jornalista faz
uso de exemplo, como pode ser percebido em:
(11) “Com isso, até mesmo doenças que já foram debeladas pela humanidade, como a varíola, poderiam
retornar da extinção”.
Em (11), tem-se a varíola como exemplo de uma doença que foi extinta pela
humanidade.
a5) Narrativização
b) Procedimento de redução
(14) “Contudo, induzindo mutações em laboratório, os cientistas conseguiram produzir uma versão do
H5N1 que se espalharia com a mesma eficiência da gripe convencional – que infecta 700 milhões de pessoas no
mundo por ano”.
c) Procedimento de variação
(15) “Para demonstrar o tamanho do perigo, um grupo de pesquisadores da Universidade de Nova York
fez o seguinte experimento: „baixaram‟ de uma base de dados de acesso livre o genoma completo do vírus da
pólio e então, usando somente insumos que eles podiam comprar facilmente no mercado (como bases
nitrogenadas usadas na composição do DNA, vendidas para uso em pesquisa), decidiram reconstruí-lo”.
128
Síntese da análise
O texto “Um vírus artificial”, de Salvador Nogueira, é explicativo, pois discorre sobre
a criação de vírus pelos cientistas. A abordagem do assunto ressalta o lado negativo de tal
avanço, pois o subtítulo, o lead e o corpo textual da reportagem evidenciam a periculosidade
de tal ação. Esse assunto somente é informado por uma perspectiva positiva no pequeno texto
que acompanha a reportagem principal, já que nesse se ressalta que há “esperança de que a
ciência possa criar organismos úteis ao homem no futuro”.
O jornalista utiliza o procedimento linguístico-discursivo de expansão, principalmente
por meio das estratégias divulgativas de explicação e argumento de autoridade, de redução
por condensação, e de variação, transformando alguns termos mais técnicos e científicos para
o vocabulário do cotidiano.
129
outra espécie ocupe o lugar dos seres humanos. Posteriormente, ao fim do lead, há novamente
a estratégia divulgativa da pergunta retórica, por meio do seguinte questionamento, que
contribui para a progressão textual: “Poderia alguma criatura se tornar suficientemente
inteligente no futuro para ameaçar nosso status?”
A linguagem presente no texto é a informal, como pode ser notado em:
(1) “Hoje a ciência não sabe nem se eles existem de fato. Entretanto, caso estejam aí fora, podem passar
por aqui a qualquer momento. E ninguém garante que serão todos bonzinhos, iguais aos do Spielberg”.
(2) “Tem gente que estuda a sério essa possibilidade e até pensa em estratégias de defesa planetária caso
precisemos enfrentar esses caras”.
(3) “Os ETs podem muito bem vir para cá em busca de recursos naturais, e a humanidade seria apenas
uma espécie inferior aos olhos deles (se é que eles têm olhos)”.
Em (4), apresenta-se a evolução das espécies mostrando que possivelmente uma delas
tenha exterminado as demais.
a) Procedimento de expansão
130
a1) Pergunta retórica
(5) “Hoje somos os reis do pedaço. Mas se há uma coisa que a natureza mostra é que o dominante de
hoje é o extinto de amanhã. Será que uma nova espécie inteligente ou máquinas conscientes podem acabar
conosco?”
(6) “Poderia alguma criatura se tornar suficientemente inteligente no futuro para ameaçar nosso
status? Se o passado servir como termômetro, a resposta é sim”.
(7) “Isso pode voltar a acontecer no futuro? Improvável, mas não impossível”.
a2) Explicação
O jornalista faz uso da estratégia divulgativa da explicação por meio de travessões (8)
e parênteses (9):
(8) “De toda forma, a mensagem é que uma das espécies – presumivelmente a com mais tecnologia –
acabou com as demais”.
(9) “Os neandertais, o Homo erectus (o mais tosco de todos, embora, curiosamente, o mais longevo até
agora) e o Homo floresiensis (cujos únicos sinais foram encontrados apenas na Indonésia), que parece ter sido o
último a sumir”.
a3) Narrativização
131
(10) “Estamos há muito tempo acostumados com o fato de que o ser humano reside comodamente no
topo da cadeia alimentar graças ao seu intelecto e à capacidade de gerar tecnologias que lhe confiram vantagens
contra seus predadores”.
(11) “Houve um tempo na Terra, entre 100 e 200 mil anos atrás, que o Homo sapiens convivia com
pelo menos outras duas ou, possivelmente, três espécies de razoável inteligência”.
(12) “Um dos que arriscariam um chute é o especialista em inteligência artificial americano Ray Kurzweil.
Segundo ele, em 2029 já teremos máquinas capazes de emular de forma perfeita o comportamento humano”.
a5) Analogia
(13) “Seria como destruir um formigueiro para fazer um campo de futebol. Sem remorso”.
b) Procedimento de redução
(14) “De toda forma, a mensagem é que uma das espécies – presumivelmente a com mais tecnologia –
acabou com as demais.
132
c) Procedimento de variação
(15) “Hoje a ciência não sabe nem se eles existem de fato. Entretanto, caso estejam aí fora, podem
passar por aqui a qualquer momento. E ninguém garante que serão todos bonzinhos, iguais aos do Spielberg. Os
ETs podem muito bem vir para cá em busca de recursos naturais, e a humanidade seria apenas uma espécie
inferior aos olhos deles (se é que eles têm olhos)”.
Em (15), nota-se, além de termos e expressões informais – “aí fora”, “passar por aqui”,
“bonzinhos” –, o uso da metáfora “ninguém garante que serão todos bonzinhos, iguais aos do
Spielberg” a fim de deixar a informação mais compreensível para o público geral, pois esse
filme é amplamente conhecido por um variado público.
Síntese da análise
(16) “Tem gente que estuda a sério essa possibilidade e até pensa em estratégias de defesa planetária
caso precisemos enfrentar esses caras. E assim é com praticamente todas as ameaças que nos rodeiam. Até
mesmo do fim do Universo talvez possamos fugir graças à engenhosidade humana”.
133
Dessa maneira, esse trecho gera uma esperança no leitor de que talvez possa ser
inventada uma estratégia de defesa contra seres que ameacem a raça humana.
O jornalista, na reportagem em pauta, utiliza o procedimento linguístico-discursivo da
expansão, principalmente por meio das estratégias divulgativas da pergunta retórica e da
expansão, da redução por supressão e da variação.
134
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
135
A finalidade desse contrato se encontra entre duas visadas, a de “fazer saber” e a de
“fazer sentir”. Notou-se que a revista buscou informar ao cidadão, “fazer saber”, sobre as
diversas possibilidades de fim do mundo. Contudo, percebe-se que essa visada informativa foi
influenciada pela de “fazer sentir”, pois em prol da estratégia de captação, busca-se, em um
primeiro momento, causar uma preocupação no leitor, fazendo-o crer que o mundo acabará, a
fim de atrair a atenção dele e, somente no final do texto, coloca-se uma informação que o
tranquiliza, o que demonstra que a situação não é tão preocupante. Em alguns casos, nota-se
até uma contradição interna no texto, pois primeiramente se diz algo e, posteriormente, se
adverte que não é bem daquela forma.
Quanto ao propósito, os temas abordados nas reportagens demonstram o caráter
híbrido desse tipo de discurso, pois a partir de um objeto de saber relacionado ao científico, se
elabora uma explicação menos especializada do que a do domínio de conhecimento a que
pertence. Com relação ao dispositivo, o discurso de midiatização da ciência ocorre na revista
Superinteressante, orientado pela finalidade de seu contrato de comunicação em um local
onde é importante “fazer saber” resultados de pesquisas científicas, a fim de possibilitar um
debate de caráter ético. Para isso a fonte científica é reformulada para ser compreendida.
Ademais, é necessário “fazer crer” que o que está sendo divulgado é verdadeiro, a fim de se
conquistar o público.
Em seguida, foi descrito e analisado como ocorre o processo de recontextualização da
informação científica em informação divulgativa por meio dos procedimentos linguístico-
discursivos de expansão, redução e variação e das estratégias divulgativas. No capítulo 0,
“Uma breve história do Universo”, por meio da linha do tempo, o jornalista faz uma
abordagem histórica acerca da origem do Universo. Esse texto tem um caráter explicativo,
pois o procedimento linguístico-discursivo que apareceu com mais frequência foi da
expansão, e a estratégia divulgativa da explicação.
No capítulo 1, “Apocalipse místico”, percebe-se que a reportagem analisada busca
atrair a atenção do leitor, o título, por exemplo, resgata um discurso anterior e polêmico: de
que o mundo acabaria em 2012. O texto possui um caráter explicativo, já que há muitos
procedimentos linguístico-discursivos de expansão, principalmente por meio da estratégia
divulgativa da explicação. Por outro lado, fez-se pouco uso da variação e da redução, pois
nota-se que o jornalista quis discorrer detalhadamente sobre o sistema matemático que os
maias empregavam para contar o tempo a fim de fazer o leitor compreender o mesmo e de
136
demonstrar que a crença de que o fim do mundo maia ocorreria no dia 21 de dezembro de
2012 se baseou em um erro de interpretação.
No capítulo 2, “Apocalipse astronômico”, os dois textos analisados apresentam uma
abordagem polêmica sobre o assunto, pois em um primeiro momento – no título, subtítulo e
lead – se preocupa o leitor, contribuindo para a formação de certo receio social. A jornalista
utiliza o procedimento linguístico-discursivo de expansão, principalmente por meio das
estratégias divulgativas da explicação e do argumento de autoridade. Já os procedimentos de
redução e variação aparecem em menor quantidade.
No capítulo 3, “Apocalipse geológico”, a reportagem analisada também realiza uma
abordagem polêmica acerca do tema, já que o título, o subtítulo e o pequeno texto que a
acompanha corroboram para causar preocupação no leitor. Apenas no fim da reportagem que
tenta-se despreocupá-lo. O jornalista utiliza os procedimentos linguístico-discursivos de
expansão, principalmente por explicação e narrativização, e de redução e variação em menor
quantidade.
No capítulo 4, “Apocalipse ambiental”, em ambas as reportagens que o compõem,
nota-se também uma abordagem polêmica sobre o assunto. Por meio do título, do subtítulo e
do lead preocupa-se o leitor, uma vez que se destaca o perigo dos fenômenos relatados –
resfriamento global e efeito estufa. Apenas no corpo textual de ambas é que o jornalista
evidencia a incerteza quanto à hipótese de que o mundo irá acabar por meio dos fenômenos
em questão. O procedimento linguístico-discursivo mais presente é o da expansão, e a
estratégia divulgativa da explicação. Redução e variação apareceram poucas vezes.
No capítulo 5, “Apocalipse tecnológico”, percebe-se uma abordagem também
polêmica sobre o assunto, já que em um primeiro momento das reportagens se causa um
receio no leitor e, somente ao fim, procura tranquilizá-lo. O procedimento linguístico-
discursivo mais recorrente é o da expansão, principalmente por meio das estratégias
divulgativas da pergunta retórica e da explicação.
Dessa maneira, constata-se que as reportagens analisadas são textos de divulgação
mais explicativos do que conceituais, já que faz-se um amplo uso da estratégia divulgativa da
explicação e pouco da definição. Como o público da revista é, em sua maioria, jovem é mais
significativo para esse leitor explicar do que definir. Ademais, por se tratar de textos de
divulgação científica, esperava-se que houvesse mais a estratégia divulgativa de argumento de
autoridade. Contudo, devido ao fato das reportagens veicularem muitos boatos, não
137
apresentaram fontes.
É relevante ressaltar que essa pesquisa teve uma hipótese não confirmada. A fim de
que fosse configurado o corpus de análise, em um primeiro momento, foi realizado um
rastreamento nos jornais O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e Estado de
Minas, nos dias 20, 21, 22 e 23 de dezembro de 2012 e na revista Veja dos dias 19 e 26 de
dezembro de 2012. Contudo, a hipótese inicial, de que seriam encontrados textos de
divulgação científica sobre a origem e o fim do mundo em tais mídias, não foi confirmada,
visto que após a identificação e seleção dos textos, verificou-se que grande parte deles não
abordava o assunto a partir de um viés divulgativo; muitos eram piadas, tirinhas e charges,
que retratavam o tema de forma irônica. Percebe-se, portanto, que a intenção de tais mídias
foi muito mais captar a atenção dos leitores, pois abordaram uma temática que estava gerando
polêmica, do que informá-los sobre o assunto, contrariando a hipótese inicial que por se tratar
de mídias relevantes no cenário nacional elas cumpririam o dever da democracia: levar
conhecimento ao cidadão.
Considerando a divulgação científica um campo de estudo fértil concernente ao
fornecimento de dados para pesquisa e também reconhecendo a relevância das práticas
sociodiscursivas que ocorrem nesse domínio, futuramente intenciona-se estudar a divulgação
científica de assuntos de caráter polêmico em outras revistas de divulgação científica, tais
como, Galileu, Ciência Hoje e Mundo Estranho a fim de verificar se a revista parte de uma
especulação para neutralizá-la ou aumentar a polêmica.
138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Trad. Tomas Rosa Bueno. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
___________. Filosofia de las formas simbólicas II: el pensamiento mitico. Trad. Armando
Morones. México: Fondo de Cultura Económica, 1998.
___________. O Discurso das mídias. Tradução de A. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2012.
___________. Entrevista com Patrick Charaudeau: entrevista com Maria Eduarda Giering.
Tradução de Natália Labella. Calidoscópio. Porto Alegre: Unisinos, v. 10, n. 3, p. 328-331,
set./dez. 2012.
GLEISER, Marcelo. O fim da terra e do céu: o apocalipse na ciência e na religião. São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.
139
GLEISER, Marcelo. Medo do fim. Folha de S. Paulo. São Paulo. 2012
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GOMES, Isaltina M. A.; HOLZBACH, Ariane Diniz, et al. Mídia impressa: a construção da
identidade da ciência no Brasil. In: SILVEIRA, Ada Cristina Machado da (Org). Divulgação
científica e tecnologias de informação e comunicação. Santa Maria: Facos, 2003.
MARTINS, Roberto de Andrade. O universo: teorias sobre sua origem e evolução. 1. ed. São
Paulo: Moderna, 1994. v. 1. 183 p.
Disponível em: <http://www.ghtc.usp.br/Universo/cap01.html>. Acesso em: 8 jan. 2014.
VAN DIJK, T. A. Por uma teoria da comunicação científica: discurso, conhecimento, contexto
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Estudos discursivos em foco: práticas de pesquisa sob múltiplos olhares. Viçosa- MG: Ed.
UFV, 2011, p. 19-40.
140
ANEXOS
141
ANEXO 1
Identificação56 Título Autoria Mês/ Ano
Capítulo 0 Uma breve história do começo, do
meio e do fim
Parte 1 Do Big Bang ao surgimento da Terra
Salvador
Parte 2 Vida e morte no terceiro planeta
Nogueira
Parte 3 O canto do cisne cósmico
56
O número representa a posição cronológica que ocupa dada publicação. O número está acompanhado de
uma letra por se tratar de uma edição especial da revista. As letras são atribuídas em ordem alfabética de
acordo com as sequências cronológicas das publicações, seguindo o método do próprio acervo online da
Editora Abril.
142
ANEXO 2: Capa e Sumário da edição especial da revista Superinteressante (311-A)
143
144
145
ANEXO 3: Capítulo 0- Uma breve história do Universo
146
147
148
149
150
ANEXO 4: Capítulo 1- Apocalipse místico
151
152
153
154
ANEXO 5: Capítulo 2- Apocalipse astronômico
155
156
157
158
ANEXO 6: Capítulo 3- Apocalipse geológico
159
160
161
ANEXO 7: Capítulo 4- Apocalipse ambiental
162
163
164
165
ANEXO 8: Capítulo 5- Apocalipse tecnológico
166
167
168
169
ANEXO 9: Reportagem “E o mundo não se acabou” - jornal O Globo (edição número
28.991)
170
171
ANEXO 10: Infográfico “acabou-se O MUNDO” - Folha de S. Paulo (edição número
30.578)
172
173
ANEXO 11: Reportagem “Faltam poucos dias” - Revista Veja (edição 2300, ano 45,
número 51)
174
175
176