O Mercantilismo

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O Mercantilismo

A fase inicial do mercantilismo – geralmente chamada bulionismo –


originou-se no período em que a Europa estava passando por uma aguda
escassez de ouro e prata em barra, não tendo, portanto, moeda suficiente para
atender ao volume crescente do comércio. Foram estabelecidas políticas
bulionistas para atrair ouro e prata para um país e mantê-los no próprio país,
proibindo-se sua exportação. Essas restrições duraram desde o fim da Idade
Média até os séculos XVI e XVII.
A Espanha – o país para onde foi quase todo o ouro das Américas – aplicou
restrições bulionistas por mais tempo e impôs a punição mais severa para a
exportação de ouro e prata: a morte. Contudo, as necessidades do comércio
eram tão urgentes e os lucros com a importação de mercadorias estrangeiras
poderiam ser tão altos, que até na Espanha os mercadores capitalistas
conseguiram subornar funcionários corruptos ou contrabandear grandes
quantidades de barras de ouro e prata para fora do país. O ouro e a prata
espanhóis logo penetraram em toda a Europa, tendo sido, em larga medida,
responsáveis pelo longo período de inflação já descrito. A Espanha só
legalizou a exportação de ouro e prata muito depois de as restrições
bulionistas terem sido suspensas na Inglaterra e na Holanda, em meados do
século XVI.
Após uma época bulionista, a vontade dos mercantilistas de maximizar o
ouro e a prata dentro de um país assumiu a forma de tentativas dos governos
para conseguir um saldo favorável na balança comercial, quer dizer, ter mais
moeda entrando no país do que dele saindo. Assim, as exportações de bens,
bem como o transporte e os seguros (quando feitos por cidadãos do país e
pagos por estrangeiros) foram estimulados, e as importações de bens e os
custos de transporte e seguros pagos a estrangeiros foram desestimulados.
Um dos tipos mais importantes de política destinada a aumentar o valor das
exportações e diminuir as importações foi a criação de monopólios
comerciais. Um país como a Inglaterra poderia comprar mais barato (de uma
área atrasada, por exemplo) se apenas um mercador inglês barganhasse com
os estrangeiros, em vez de vários mercadores ingleses concorrentes
pressionarem a elevação dos preços, na tentativa de ficar com o negócio.
Analogamente, os mercadores ingleses poderiam vender suas mercadorias aos
estrangeiros a preços muito mais altos se houvesse apenas um vendedor, em
vez de vários vendedores, baixando o preço para atrair os fregueses de seus
concorrentes.
O governo inglês podia proibir os mercadores ingleses de concorrer numa
área em que um desses monopólios tivesse sido concedido. Todavia, era muito
mais difícil manter afastados os mercadores franceses, holandeses ou
espanhóis. Vários governos procuraram excluir esses mercadores estrangeiros
rivais, estabelecendo impérios coloniais que podiam ser controlados pela
metrópole, para assegurar um monopólio comercial. As possessões coloniais
poderiam, com isso, fornecer matérias-primas baratas à matriz e delas comprar
produtos manufaturados caros.
Além de estabelecer monopólios, todos os países da Europa Ocidental
(exceto a Holanda) aplicavam extensos regulamentos às atividades de
exportação e importação. Esses regulamentos talvez fossem mais amplos na
Inglaterra, onde os exportadores que achavam difícil concorrer com os
estrangeiros recebiam devoluções de impostos ou, como se isso não bastasse,
recebiam subsídios. Uma grande lista de matérias-primas pagava imposto de
exportação, para que não saíssem da Inglaterra. Assim, o preço que os
mercadores-industriais ingleses tinham de pagar por essas matérias-primas
seria minimizado. Às vezes, quando esses artigos tinham uma oferta reduzida
para os industriais ingleses, o Estado proibia completamente sua exportação.
A indústria têxtil inglesa recebeu esse tipo de proteção. No começo do século
XVIII, ela representava aproximadamente a metade das exportações da
Inglaterra. Os ingleses proibiram a exportação de quase todas as matérias-
primas e produtos semiacabados, ovelhas, lã, fios e estambre, que eram usados
pela indústria têxtil.
Medidas visando ao desestímulo das importações também eram muito
comuns. A importação de algumas mercadorias era proibida, e outras
mercadorias pagavam direitos alfandegários tão altos que eram quase
eliminadas do comércio. Dava-se ênfase especial à proteção das principais
indústrias de exportação da Inglaterra contra a concorrência estrangeira que
tentasse penetrar nos mercados internos das indústrias exportadoras.
É claro que essas restrições beneficiavam alguns capitalistas e prejudicavam
outros. Conforme esperado, grupos especiais estavam sempre em conluio,
para manter as restrições ou para estendê-las a diferentes áreas, de diferentes
maneiras. Tentativas como os Atos de Navegação ingleses de 1651 e 1660
foram feitas para promover o uso de navios ingleses (fabricados na Inglaterra
e com tripulação inglesa) no comércio de importação e exportação. Todas
essas regulamentações do comércio exterior e dos transportes visavam a
aumentar o fluxo de moeda para dentro do país e, ao mesmo tempo, diminuir a
saída de moeda do país. É desnecessário dizer que muitas dessas medidas
também decorreram de apelos e pressões de grupos de interesse especiais.
Além dessas restrições ao comércio exterior, havia um emaranhado de
restrições e regulamentos destinados ao controle da produção interna. Além
das isenções tributárias, dos subsídios e de outros privilégios usados para
estimular a maior produção das indústrias exportadoras importantes, o Estado
também se envolvia na regulamentação dos métodos de produção e da
qualidade dos produtos produzidos. Na França, o regime de Luís XIV
codificou, centralizou e ampliou os antigos controles descentralizados das
guildas. Técnicas de produção específicas tornaram-se obrigatórias e foram
aprovadas amplas medidas de controle de qualidade, com inspetores
nomeados em Paris encarregados de fazer cumprir essas leis localmente. Jean
Baptiste Colbert, famoso ministro e conselheiro econômico de Luís XIV, foi o
responsável pelo estabelecimento de regulamentos extensos e minuciosos. Na
indústria têxtil, por exemplo, a largura de uma peça de tecido e o número
exato de fios contidos nesse tecido eram rigidamente especificados pelo
governo.
Na Inglaterra, o Estatuto dos Artífices (1563) transferiu, na prática, para o
Estado as funções das antigas corporações de artífices. Levou ao controle
central sobre o treinamento dos trabalhadores da indústria, sobre as condições
de emprego e sobre a alocação de mão de obra em diferentes tipos de
ocupação. A regulamentação dos salários, da qualidade de muitas mercadorias
e de outros detalhes da produção interna também foi tentada na Inglaterra
nessa época.
Não está exatamente claro até que ponto o pensamento mercantilista foi
sinceramente motivado pelo desejo de aumentar o poder do Estado ou até que
ponto foi um esforço mal disfarçado para promover os interesses especiais dos
capitalistas. A distinção é relativamente sem importância, porque quase todos
os mercantilistas acreditavam que a melhor maneira de promover os interesses
do Estado era promover políticas que aumentassem os lucros dos mercadores-
capitalistas. De muito maior interesse são as ideias mercantilistas sobre uma
questão que será sempre mencionada neste livro: qual é a natureza e quais são
as origens do lucro? São suas ideias sobre essa questão que abordaremos no
próximo capítulo.

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