A Constituição
A Constituição
A Constituição
Toda a comunidade política necessita de uma ordenação fundamental que enquadre a sua existência
(ex: através de tratados que definam o território) e atividade (ex: através de normas que estabeleçam
os diferentes órgãos de soberania e como se organizam ou funcionam).
Esta é uma ordenação que estrutura o Estado enquanto comunidade política e enquanto exercício do
Poder, estabelecendo os valores fundamentais e prevendo uma regulação jurídica, não se exigindo uma
ordem sistemática de normas.
Conceito que não é inovador ou moderno, mas que percorreu a História das organizações político-
estaduais.
É lhe atribuída uma forma e força específica – força jurídico-constitucional, na medida em que todas as
outras normas que pertencem ao ordenamento jurídico (OJ) estadual são válidas ou inválidas
consoante o que dita constituição, ou seja, depende da sua conformidade. Estas têm ainda um poder
perfeitamente vinculativo, não são apenas diretrizes.
Preveem a atividade política do Estado e também um estatuto para a comunidade política, que se rege
por determinados valores – quadro racionalizador do exercício do poder, ou seja, as constituições,
através da separação e interdependência dos poderes e a especificação de direitos e liberdades
fundamentais, agem como “ordem de garantia”, na medida em que racionalizam o poder, limitando o
seu exercício na sua atividade, assim como legitimam-no e fundamentam-no, nomeadamente através
da conformidade constitucional.
Constituição material:
Conjunto de normas que versam sobre conteúdo fundamental, ou seja, cujo conteúdo é de dignidade
constitucional, ou seja, que pertencem ao “núcleo” ou à “essência constitucional” – classificação como
constitucional depende do conteúdo/substância. São normas que regulam sobre as opções
fundamentais do Estado quando à sua estrutura e ao seu exercício do poder (atividade),
fundamentando e legitimando, assim, a atividade jurídica e política no Estado. Podem ser escritas ou
consuetudinárias, visto que têm sempre conteúdo constitucional porque vão de encontro às
caracterizações da constituição em sentido amplo.
Por regra, estão previstas na Constituição formal. Neste caso, são também normas formalmente
constitucionais, sendo-lhes reconhecida uma forma e uma força jurídica própria.
No entanto, algumas destas normas materialmente constitucionais estão também previstas em leis
infraconstitucionais, nomeadamente (mas não só) em leis orgânicas (art.º 166 nº2 112 nº3), como é o
caso da Lei do Tribunal Constitucional. Nestes casos, as normas materialmente constitucionais não são
normas formalmente constitucionais. Pelo contrário, são formalmente infraconstitucionais, pelo que
têm a mesma forma, força e valor jurídico do que as demais normas formalmente infraconstitucionais,
ressalvadas as diferenças impostas pela hierarquia formal dos atos legislativos (art.º 112 da CRP).
Que matérias têm dignidade constitucional? A resposta não pode ser absoluta, pois existem zonas
cinzentas – esta varia de acordo com a ideia de Direito e a formação jurídica de cada Estado, consoante
o tempo e o lugar.
Não têm dignidade constitucional as matérias próprias de outros ramos do Estado – normas sobre
direito fiscal ou direito penal, que não se refiram ou reflitam os princípios/opções fundamentais da
comunidade política.
Constituição formal:
Conjunto de normas jurídicas que assumem uma determinada forma e que, consequentemente, têm
uma força jurídica superior (ou seja, assumem uma força e uma posição superior no OJE), obrigando a
que todas as outras normas sejam conformes a estas. Não são normas materialmente constitucionais,
mas sim normas formalmente constitucionais.
Esta forma decorre da sua adoção por um processo específico, solene e intencional constituinte. Por
regra, estas normas só pode ser modificada, alterada, revista ou revogada por um processo específico
distinto, dito de revisão constitucional e distinto do processo legislativo ordinário, algo que reforça a
sua força jurídica superior.
São, por isso, caracterizadas pelo processo constituinte que fez com que fosse aprovada e pela
força que daí sai.
Por regra, não existem normas materialmente constitucionais fora da Constituição formal. O estatuto
jurídico-constitucional deverá ser conferido às normas que versam sobre matérias com dignidade
constitucional ou pertencendo à essência da Constituição. No entanto, existem exceções,
nomeadamente:
Normas cujo conteúdo é fundamental para a atividade do Estado, mas que não assumem a forma
constitucional, na medida em que podem ser criadas ou alteradas de forma ordinária e podem
também ser contrariadas por outras normas infraconstitucionais: legislação eleitoral, regimento da
AR, lei orgânica do TC [ou de outros órgãos de soberania], etc. São consideradas normas flexíveis.
Normas formalmente constitucionais, que o legislador constituinte quis que tivessem um regime
de alteração diferente do ordinário, mas que não têm por objeto matérias com dignidade
constitucional: normas próprias de outros ramos de Direito. Hipótese menos aceitável, pois este
estatuto deve ser apenas para normas com matéria constitucional.
Superioridade hierárquico-formal:
A constituição encontra-se no topo da pirâmide jurídico-normativa, sendo que as normas abaixo da
mesma só podem ser criadas e mantidas conforme com o texto constitucional. As normas de OJ
supranacionais só tem valor no OJ estadual se forem formalmente recebidas pela CRP (artigo 8º e 16º),
assim como também dependem do princípio da conformidade constitucional.
Esta limita o exercício do poder político constituído, visto que, na presença de uma norma
materialmente e formalmente constitucional, as outras normas passam a ficar vinculadas a uma força
superior. O mesmo não acontece se a norma apenas for formalmente constitucional.
Preâmbulo Constitucional
Proclamação solene do poder constituinte, anteposta ao texto constitucional, que se verifica sobretudo
em momentos de rutura social, explica o contexto histórico em que a Constituição se redigiu, os
motivos que a originaram e os seus valores fundamentais.
Normas procedimentais (ou processuais): Normas sobre o funcionamento da atividade dos órgãos de
soberania (art.º 167 e ss; art.º 177 e ss).
Distinção entre as normas relativas aos procedimentos gerais de atuação dos poderes constituídos
– processo ordinário – e normas relativas a procedimentos de tipo especial – processo de revisão
constitucional (título II, parte IV art.º 284 e ss).
Em sentido estrito: Imposições de caráter permanente e concreto dirigidas aos vários órgãos do
Estado:
Imposições constitucionais – Vinculação constitucional dos órgãos do Estado, e sobretudo do
legislador, para o cumprimento permanente de determinadas tarefas e objetivo concretos,
fixando diretivas materiais (ex: art.º 63, 64 e 74);
Ordens para legislar – Imposições constitucionais exercidas num único momento e
especificamente dirigidas ao legislador, para este que aprove uma ou várias leis no sentido
definido pela Constituição (art.º 39 nº2, 224 e 274 nº1).
Normas programáticas: Normas de eficácia mediata, que estabelecem fins, programas ou objetivos
a ser prosseguidos pelos órgãos estaduais, consoante critérios de oportunidade, ou seja, definida
em função das condições materiais ou de facto (recursos económicos) disponíveis. Não são
exequíveis por si mesmas, visto que dependem de atos legislativos e políticas governativas para
serem concretizadas (ex: artigo 64º e 65º). Se não forem devidamente justificados com base
noutros valores constitucionais ou na realização do interesse público, os atos dos poderes públicos
podem ser censurados e declarados como inconstitucionais se contrariem estas normas, mas não
se não se realizarem os objetivos estipulados.
Conclusão
Normas precetivas, exequíveis por si mesmas: Normas imediatamente eficazes e realizáveis por si só,
não dependem de nada (ex: direito à vida).
Normas precetivas não exequíveis por si mesma: Normas imediatamente eficazes, que dependem da
atividade do legislador – explicitando a necessidade de concretização legislativa, num curto período de
tempo, e alguns termos dessa concretização – mas não dependem de condições materiais ou de facto,
nem configuram meros fins ou objetivos políticos (ex: entidades reguladoras dos meios de
comunicação). Caso não se verifique esta atividade – inconstitucionalidade por omissão.
Normas programáticas: Normas que estipulam fins ou objetivos a prosseguir pelos órgãos do poder
político, não prevendo, normalmente, meios específicos para a realização desses fins, e que implicam a
necessidade de concretização legislativa e de recursos disponíveis – a sua força jurídica não se impõe
imediatamente.
Convenções constitucionais:
São normas ou acordos extrajurídicos e extra constitucionais, sem cunho jurídico-normativo mas de
cunho político, que decorrem e são imprescindíveis à prática constitucional, podendo ser acordos
celebrados entre atores políticos (os “acordos de cavalheiros”) ou “práticas contínuas e reiteradas” dos
órgãos do poder político na aplicação da Constituição.
Poder constituinte
Poder de criação (adoção, elaboração) ou substituição da Constituição formal – poder constituinte
originário –, mas também de alteração – poder constituinte derivado – da mesma. O seu poder de
exercício é permanente, visto que existe sempre uma possibilidade de o exercer, e perpétuo, visto que
pode ser exercido a qualquer momento, de acordo ou para além do previsto pela Constituição (quando
existem momentos de Revolução, por exemplo.
É ainda um poder natural, não só porque existe uma necessidade dos Estados modernos de estabelecer
uma Constituição, mas também porque esta não surge do nada, mas sim como um ato de criação do
Poder Constituinte – existe uma relação umbilical entre Constituição, Poder Constituinte e Estado.
Confere normatividade jurídica a intenções, decisões ou vontades políticas fundamentais pré-
constitucionais, ou seja, que se criaram antes de haver uma Constituição efetiva.
É o poder originário do Estado, sendo anterior, superior e não subordinado a outros poderes estaduais
– pelo contrário, este é o “Poder dos Poderes”, subordinando os outros poderes estaduais, na medida
em que os poderes constituídos são criados pelo Poder Constituinte na Constituição, estabelecendo as
competências a exercerem e o modo como o fazem. Desta forma, o Poder Constituinte cria, vincula e
legitima os órgãos do Estado através da Constituição, vinculando os seus poderes ao exercício
conforme a mesma.
A título excecional, há Constituições que são elaboradas ou condicionadas por órgãos exteriores ao
Estado:
Canadá: Lei constitucional original foi estabelecida pelo Parlamento do Reino Unido. Formalmente,
só em 1992 é que as alterações às leis constitucionais deixaram de ser controladas pelo
Parlamento Britânico.
Albânia: Primeira Constituição (1913) foi aprovada por uma conferência internacional.
Chipre: Constituição condicionada por um tratado Internacional entre a Turquia, a Grécia e o Reino
Unido (1960).
Bósnia-Herzegovina: Constituição de 1995 decretada nos acordos de Dayton.
Titularidade do Poder Constituinte:
Questão da legitimidade do Poder Constituinte, no Constitucionalismo em sentido moderno: quem tem
autoridade para criar normas jurídicas constitucionais?
1. Nação em “estado de natureza”, à margem do Direito e da organização estadual anterior, titular do
Poder de criação de uma nova ordem política e social, prescrita para o futuro, em rutura com o
Antigo Regime. A Nação assume a titularidade do Poder Constituinte como Poder originário,
soberano, incondicionado, livre, juridicamente desvinculado – existe em plena liberdade, sem
sujeição a formas, limites ou condições positivas preexistentes.
2. Monarca, que outorga uma Constituição (ou Carta Constitucional) à coletividade, sendo que esta
atua como elemento de transição constitucional, nos sistemas monárquico-representativos (ex:
Carta Constitucional de 1826, onde se verifica a auto limitação do Rei).
3. Povo, que é soberano e o titular do Poder Constituinte, ou seja, do Direito de criação de uma
Constituição. Exerce-o de forma direta ou indireta – é tanto o criador como o destinatário.
Atualmente, e nos regimes democráticos, todo o Poder pertence por direito próprio ao Povo, que o
exerce de forma direta ou indireta, quando através de eleições. O povo vê-se, assim, como uma
entidade/sujeito coletivo e plural e não como uma representação ideológica, algo que lhe confere o
poder de decidir sobre a estrutura e atividade do Estado enquanto Comunidade e enquanto Poder –
princípio democrático e da soberania popular.
CRP: Preâmbulo, art.º 3 nº1, 108º, 204 e ss – AR como representantes do povo.
Este poder não é um poder soberano absoluto, tendo limites ao seu exercício:
Limites transcendentes ou suprapositivos: Princípios jurídicos gerais/fundamentais de Direito
Natural que decorrem diretamente da ideia de Justiça e de dignidade humana – valores jurídicos
superiores.
Limites heterónomos ou de Direito Positivo supranacional: Valores fundamentais em que assenta a
ordem jurídica internacional, que se resumem essencialmente ao disposto na DUDH, aos limites
transpositivos e a requisitos de sociabilidade na cena internacional.
Limites imanentes: Impostos pela forma e estrutura do Estado ou, eventualmente, por uma ideia
de Direito vencedora.
Limites idiossincráticos: Respeito pelas idiossincrasias próprias da comunidade política que cria e a
que se dirigirá a Constituição, como a sua história política recente, as suas opções fundamentais,
etc. – corresponde à consciência jurídica geral da comunidade.
Limites positivos procedimentais (estaduais): Estabelecidos em decisões pré-constituintes.
Procedimento Constituinte semidireto: O povo elege uma Assembleia Constituinte para que esta
proponha uma Constituição, a ser aprovada (aprovação ratificatória) ou recusada através de
referendo ou plebiscito. Parte-se do pressuposto de que o Soberano não pode delegar a decisão
final, pelo que o povo atua em dois momentos – ex: França (1946) e Espanha (1978).
A revolução constitucional é antecedida por uma situação de facto, por um fenómeno dito pré-
jurídico determinante – pela Revolução propriamente dita, que é a situação de facto que mais cria
Direito, porque cessa a vigência de Direito, mas inicia também um processo de criação de Direito.
Ex: Substituição constitucional portuguesa após a revolução do 25 de Abril, que implicou a
cessação da vigência da Constituição de 1933 e deu início a uma nova era constitucional e a
um processo de constitucionalização (1974-1976).
Em certos casos, enquanto decorre o processo de constitucionalização, o poder político é exercido
por órgãos provisórios ou transitórios, que não são legitimados democraticamente, que adotam
normas transitórias sujeitas a confirmação, ou seja, têm uma validade jurídica sujeita a
confirmação futura (“Pré-Constituição”). Este período onde não existe uma constituição definitiva
é chamado de período interregno e de vacatura constitucional.
Ex: Portugal, depois do 25 de Abril, foi nomeado um governo provisório, que seguia as
diretrizes do MFA e que adotou normas constitucionais transitórias que mais tarde foram
confirmadas pela Constituição definitiva ; artigo 292º/1, que caducou porque caiu em desuso.
Este poder deverá corresponder aos valores fundamentais e à ideia de Direito que inspirou e que
venceu a Revolução – em Portugal, os deputados eleitos para a Assembleia Constituinte que fez e
aprovou a nossa Constituição estavam subordinados ao conjunto de valores fundamentais e à ideia
de Direito que inspirou o MFA, sendo esta uma ideia de Direito Democrático, um propósito de
devolver ao povo o poder de decisão sobre os seus representantes e sobre as políticas que este
pretendia que fossem seguidas no território português.
– Transições constitucionais –
Processo de substituição e criação de uma nova Constituição, mais gradual e pacífico do que a
Revolução, com respeito pelas regras e pelos limites previstos para a revisão constitucional pela
Constituição anterior, não havendo uma rutura com a ordem constitucional anterior.
Duas modalidades:
A nova Constituição cria uma nova ideia de Direito: neste caso, são respeitados os limites
procedimentais previstos para a revisão constitucional e os limites materiais possíveis (não
respeita todos porque está em causa a criação de uma nova ideia de Direito). Produz efeitos
jurídicos mais acentuados – Ex: Espanha, após a morte de Franco, onde o processo iniciado
por Ruan Carlos durou 3 anos e procurou garantir uma transição constitucional de um regime
ditatorial para um regime democrático, de forma gradual e pacífica para evitar uma guerra
civil.
A nova Constituição prevê alterações essenciais face à constituição substituída, mas não cria
uma nova ideia de Direito: por exemplo, não é alterado um regime, apenas o sistema de
governo. Neste caso, são respeitados todos os limites inerentes a um processo de revisão
constitucionais, tanto procedimentais como materiais, aprofundando-se o respeito pelos
limites de revisão constitucional – Ex: Constituição inglesa, que é, de certo modo,
caracterizada por uma transição constitucional constante, na medida em que desde que foi
aprovada que não é alterado o regime (representativo ou democrático).
É ainda uma expressão da permanência/continuidade do Poder Constituinte, visto que, tal como um
povo pode, a todo o momento, adotar uma nova Constituição, também pode, por regra, rever a sua
Constituição a qualquer momento, não tendo de a substituir totalmente, apenas as suas normas.
A revisão constitucional é uma vicissitude constitucional, ou seja, é um evento que se projeta e que
influencia a subsistência da Constituição – vicissitudes totais – ou as suas normas – vicissitudes parciais.
No entanto, segundo diversas perspetivas, a revisão constitucional é um instrumento de garantia da
Constituição, porque através dos limites, das regras específicas que prevê para o seu exercício, confere
estabilidade à Constituição e ao seu núcleo de essência, núcleo esse constituído pelos princípios ou
valores fundamentais do texto constitucional e onde não incide a revisão constitucional. Além disso,
esta é um instrumento de garantia da constituição porque garante a sua continuidade, a sua adaptação
às novas circunstâncias políticas e sociais, e garante o seu desenvolvimento, algo que permite que a
população não sinta necessidade de aprovar uma nova Constituição sempre que quiser alterar as
normas constitucionais de uma Constituição anterior – a Constituição não será posta em causa na sua
totalidade.
Regra geral, as Constituições modernas preveem normas e limites específicos para todo o processo de
alterar/rever a Constituição, distintas das normas e limites previstos para a aprovação de leis
ordinárias, ou seja, para a concretização do procedimento legislativo ordinário.
Na CRP, as normas que regulam a aprovação de uma lei de revisão constitucional e o exercício do
poder de revisão constitucional estão previstas nos artigos 284º a 289º.
Neste sentido, a Constituição pode ser livremente modificada. Enquanto uma norma constitucional
vigora, esta é juridicamente superior à norma infraconstitucional, concretizando-se o princípio da
prevalência da Constituição e da força jurídica superior das normas constitucionais. No entanto, as
normas constitucionais destas constituições podem ser alteradas da mesma forma que uma norma
infraconstitucional e, nesse aspeto, quanto ao regime de alteração, o valor jurídico de uma norma
constitucional e de uma norma infraconstitucional é igual. Quanto em vigor, a norma
constitucional é de valor reforçado e vale mais do que a norma infraconstitucional.
Desta forma, uma Constituição flexível é menos racionalizadora, no sentido de racionalização como
limitação do poder político constituído, visto que pode modificar a Constituição da mesma forma
que pode modificar normas previstas em lei ordinária.
Este conceito de flexibilidade é também adotado para caracterizar as constituições que prevejam
um número significativo de normas abertas ou indeterminadas, na medida em que que podem ser
interpretadas de diferentes quanto ao seu sentido. Diz-se, ainda, que existe flexibilidade quando os
órgãos estaduais podem aplicar e interpretar as normas constitucionais de forma extensiva,
alargando o sentido previsto na norma.
Constituições rígidas:
Constituições que preveem um processo específico, agravado para a alteração das normas
constitucionais face ao processo legislativo ordinário. Desta forma, é garantida a estabilidade da
constituição e o núcleo essencial dos princípios fundamentais, assim como é reforçado o valor
jurídico e a força jurídica própria das normas constitucionais.
Ex: CRP e EUA que, por ser um Estado Federal, obriga a que a lei de revisão constitucional seja
aprovada por pelo menos ¾ dos estados federados.
Constituições semirrígidas (distinção teórica ou académica):
Constituições em que uma parte das normas constitucionais se submete ao regime flexível – na
medida em que podem ser alteradas da mesma forma que uma norma prevista em lei ordinária,
em lei formalmente infraconstitucional –, e outra parte que se submete ao regime rígido de
revisão constitucional, na medida em que as normas só poderão ser revistas se for seguido um
procedimento específico e agravado face ao procedimento legislativo ordinário.
Limites temporais:
Limites que procuram conciliar a necessidade de adaptação e de continuidade constitucional com a
necessidade de estabilidade constitucional, procurando impedir-se que a Constituição seja
constantemente revista e, consequentemente, ponha em causa a estabilidade das suas normas e
da sua aplicação. A sua previsão é pouco frequente, sendo Portugal uma exceção
Na versão originária da CRP, previa-se que a Constituição não poderia ser revista durante a
primeira legislatura, sendo a revisão constitucional obrigatória no início da segunda legislatura. O
objetivo desta impossibilidade era garantir que a Constituição se estabilizava e que os órgãos do
poder político começassem a implementar os princípios fundamentais da mesma. Esta
impossibilidade já não se verifica hoje, porque a norma foi eliminada do texto constitucional por
caducidade na revisão de 1982. Atualmente, os limites temporais previstos referem-se à
regularidade possibilitada ou livre para o exercício da revisão constitucional.
Limites orgânicos:
Limites que se referem ao órgão que inicia o processo de revisão constitucional, que elabora as
alterações à constituição e que aprova essas alterações.
Em Portugal, a AR tem uma reserva absoluta para o início e aprovação das alterações (artigo
285º/1 e 156º/a). A aprovação de uma lei de revisão constitucional exige uma maioria agravada de
2/3 dos deputados em efetividade de funções, sendo esta uma maioria superior face ao regime da
aprovação de uma lei ordinária (artigo 168º) – nenhuma lei ordinária, aprovada pela AR, exige esta
maioria: no máximo, exige-se uma maioria de dois terços dos deputados presentes desde que
superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, mas nunca uma maioria de
dois terços dos deputados em efetividade de funções.
O objetivo desta maioria qualificada é garantir que se verifiquem consensos mais evidentes,
impedindo, dessa forma, alterações monopartidárias, visto que é, tendo em conta que o sistema
de representação na AR é um sistema pluripartidário proporcional, é muito difícil que um só
partido reúna a maioria necessária, pelo que, com este limite, a revisão constitucional nunca
poderá, por regra, ser levada a cabo por um só partido ou até por apenas uma coligação tanto à
esquerda como à direita.
No caso de uma lei de revisão constitucional, o PR não tem poder de veto (artigo 286º/3), ou seja é
obrigado a promulgá-la, mas não tem prazo para o fazer. Isto é uma lacuna constitucional – na
doutrina jurídica constitucional, entende-se que deverá ser aplicado o prazo previsto do artigo
136º/2 para esta promulgação, visto que é a norma que a Constituição prevê para o exercício da
promulgação obrigatória.
No entanto, o PR pode, se se verificar que não foram cumpridos alguns dos pressupostos
procedimentais para a revisão constitucional, numa interpretação unitária e sistemática da
constituição, devolver a lei de revisão constitucional ao parlamento para que este elimine
essas irregularidades. Esta é uma leitura da unidade da Constituição que harmoniza o
pressuposto na norma de promulgação obrigatória com o pressuposto do artigo 127º/3, que
consagra o juramento de posse do PR, onde este jura garantir a Constituição, algo que não
conseguiria garantir se promulgasse uma lei que tivesse irregularidades – assim, o PR não pode
vetar politicamente uma lei de revisão constitucional, tem apenas a possibilidade de devolver
à AR a lei da revisão constitucional para que não se ponha em causa o seu dever de garantia
do cumprimento da Constituição com a sua promulgação.
Limites formais:
Limites que se referem à forma e à publicidade da Constituição revista, ou seja, de que forma deve
ser publicada a lei de revisão constitucional.
Segundo a CRP, todas as alterações à Constituição devem ser reunidas numa única lei de revisão
constitucional, e essa deve ser publicada conjuntamente com a nova Constituição, sendo que esta
já terá consagrado as alterações inseridas nos locais próprios – as alterações constitucionais são
inseridas nos lugares próprios, tendo em conta a organização sistemática e racional e lógica do
texto constitucional.
Em Portugal, não há revisão constitucional sem alteração do texto constitucional, e por regra, é isto
que se verifica, à exceção dos EUA, onde o texto constitucional originário não é alterado, sendo a lei
de revisão constitucional inserida depois da mesma e não no próprio texto. O objetivo de publicar a
lei da revisão constitucional juntamente com a nova Constituição é de cumprir com o pressuposto
básico de Direito Constitucional, a garantia da unidade da Constituição – todas as normas
constitucionais devem funcionar como uma só (daí que, no caso da promulgação obrigatória, se
deva admitir uma exceção quando o PR, na sua atuação vinculada, não esteja a conseguir garantir a
Constituição).
Sendo a Constituição a lei fundamental do Estado, deverão ser garantidos ainda os pressupostos
de clareza, certeza e segurança jurídica, de forma a toda a população e os órgãos do poder político
conhecerem as normas constitucionais que regem o Direito e a atividade política naquele Estado.
Limites circunstanciais:
Limites que impedem que seja verificada uma revisão constitucional na ocorrência de situações de
exceção ou de anormalidade constitucional, concretizado no artigo 289º. O fundamento desta
proibição é evitar e impedir que a circunstância de exceção condicione o exercício do poder de
revisão e de influenciar os órgãos do poder político a rever a Constituição de forma irrefletida, na
medida em que estarão a pensar em quente para resolver com imediatismo aquela situação de
exceção constitucional – no fundo, é um limite que procura garantir que o poder de revisão
constitucional toma uma decisão totalmente livre e não influenciada pelo contexto de emergência
e de exceção, e por toda a pressão que lhe é inerente.
Havendo limites materiais, o poder de revisão constitucional é limitado quanto às suas opções de
revisão. Esta limitação procura garantir a estabilidade e assegurar a continuidade da Constituição, na
medida em que há uma continuidade daquela Constituição em específico, com princípios básicos –
porque com os limites materiais, a revisão constitucional não pode lesar a identidade da Constituição,
visto que essa lesão implica a existência de uma nova Constituição, que iria substituir a antiga.
Limites expressos:
Limites que são explícitos através da leitura da constituição (ex: artigo 288º), e que garantem
certeza e segurança jurídica, na medida em que explicitam os limites para todos. A CRP de 1976
consagra uma das enumerações mais extensas de limites materiais – um traço específico desta e
dos PALOP. Impõe-se uma interpretação restritiva ou declarativa, e não extensiva, para não lesar
desproporcionalmente o exercício do princípio democrático e da soberania popular no contexto de
Revisão Constitucional.
Limites implícitos:
Limites “naturais”, defendidos pela doutrina e pela jurisprudência, que não se e encontram na
Constituição diretamente mas que resultam da sua análise e da interpretação como um todo, o que
significa que, se na CRP não tivessem sido previstos limites materiais expressos, ainda assim
teríamos limites materiais de revisão constitucionais implícitos – o facto de a Constituição, ao longo
do texto, consagrar inúmeras normas que concretizam a democracia, a representação popular, a
soberania popular, o princípio da separação e interdependência de poderes, e o princípio da
dignidade da pessoa humana dá-nos a possibilidade de afirmar que há um conjunto de valores
fundamentais que caracterizam a sua identidade (que é o respeito pelos valores do Estado de
Direito, democrático, assente no princípio da dignidade da pessoa humana), conjunto esse que
corresponderia aos limites implícitos.
Por resultarem da interpretação, não conferem tanta certeza jurídica, e dessa forma não são tão
garantidos. Há quem defenda que a CRP tenha ainda limites implícitos, como o artigo 5º (proteção
do território e o respeito pelo princípio da igualdade) e o artigo 275º (existência das Forças
Armadas).
A função de um limite expresso deverá ser apenas clarificar os limites implícitos, ou seja, estes
devem corresponder, e garantir certeza e segurança jurídica na aplicação da Constituição –
natureza declarativa.
Distinção de Jorge Miranda de limites de primeiro grau – limites que correspondem – e limites
de segundo grau – limites que não correspondem.
Qual é a legitimidade do Poder Constituinte Originário para vincular e sujeitar as gerações futuras às
suas opções de limites materiais expressos? Existem três correntes:
Corrente que concorda com a legitimidade, na medida em que o poder de revisão, sendo criado e
regulado pelo Poder Originário, não pode contrariar as suas opções fundamentais. O Poder
Originário tem legitimidade natural, porque é o poder inicial do Estado, tanto para estabelecer
quais os fundamentos daquela Constituição como para definir qual deverá ser o núcleo essencial
da Constituição, os seus valores fundamentais que não poderão ser postos em causa. Argumenta
ainda que a função da revisão constitucional é adaptar a Constituição e garantir a sua vigência, e
não proceder à substituição constitucional e/ou alterar o seu conteúdo essencial.
Defendida pelo professor Gomes Canotilho, que diz que, na prática, mesmo que a Constituição
não o diga de forma expressa, é implícito, por interpretação da mesma, que as normas de
revisão constitucional estão a um nível de validade superior face a todas as outras normas
constitucionais porque fixam as suas condições de alteração. As normas de revisão
constitucional são um pressuposto para a existência de normas constitucionais alteradas,
existindo uma precedência lógica, e por isso, uma superioridade – as normas alteradas não
podem pôr em causa as normas que estabelecem a sua existência.
Corrente que defende a ilegitimidade, baseada numa ideia de que o Poder Constituinte Originário e
o Poder Constituinte Derivado têm o mesmo valor, pelo que a sua manifestação deverá valer o
mesmo – logo o Originário não se poderá impor em absoluto sobre o Derivado. Deverão manter-se
num nível equilibrado, o que implica que o Derivado possa rever as opções fundamentais do
Originário. Argumenta ainda que todas as normas constitucionais têm o mesmo valor, logo uma
norma que preveja limites materiais expressos não poderá impor regras às demais normas
constitucionais.
Concretiza-se da seguinte forma: Numa primeira revisão constitucional, emite-se uma lei de
revisão constitucional que elimina certos limites materiais previstos em normas de revisão.
Numa segunda revisão, o mesmo órgão estabelece alterações constitucionais em matérias que
até então estavam vedadas por esses limites eliminados. O professor esclarece que, esta tese,
sendo possível, não elimina os limites próprios ou de primeiro grau, porque estes são limites
implícitos, naturais à Constituição. Só elimina os limites de segundo grau, que não
correspondem ao núcleo da constituição e que, por isso, são desrazoáveis.
Argumenta-se ainda que as normas de revisão constitucional são normas reguladoras da sua
própria revisão, logo não podem declarar a sua imodificabilidade ou irreversibilidade, porque
não existe uma hierarquia explícita de normas constitucionais. A consequência desta tese seria
a menor certeza e segurança jurídica.
A tese da dupla revisão é pertinente quando sejam previstos limites não razoáveis de 2º grau, não
correspondentes com a identidade ou essência da Constituição, que é identificada por interpretação
unitária e global da mesma. Não se adere à tese da Irreversibilidade destes limites, que não são
meramente declarativos, mas também constitutivos de limites materiais, porque tal lesaria
desproporcionalmente o princípio democrático em sede de Revisão Constitucional.