956-Texto Do Artigo-2696-2734-10-20160228
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Abstract: This study aims to observe the production of complex syllable structures, with a consonant
in complex onset or coda, by Japanese learners of Portuguese in the city of Sao Paulo. Among
the problems found, there is the insertion of the vowel [ɯ] instead of [i] when the word presents
graphically the consonants /d/, /t/, /b/ e /p/ in final syllable position, although it is possible for
Japanese to pronounce these consonants with [i]. Furthermore, the consonant /l/ in final syllable
position can be pronounced as the glide [w], which is possible in Japanese. However, they rhotacize
the consonant and insert the vowel [ɯ] for the CVC syllable to be resyllabified into two CV
syllables. The results show that some of the pronunciation problems cannot be explained by the
word orthoepy but by the orthography.
Keywords: L2 phonology; Portuguese as L2; Japanese phonology; syllable acquisition
Resumo: Este estudo tem por objetivo observar a produção de estruturas silábicas complexas,
com a consoante na posição de ataque complexo ou coda, por falantes japoneses em processo de
aprendizagem da língua portuguesa na cidade de São Paulo. Entre os desvios encontrados, está
a inserção da vogal [ɯ] em vez de [i] quando a palavra apresenta graficamente as consoantes
/d/, /t/, /b/ e /p/ em final de sílaba, apesar de a pronúncia dessas consoantes com a vogal /i/ ser
possível na língua japonesa. Além disso, a consoante /l/ em final de sílaba pronunciada como a
semivogal [w] também seria possível em japonês. No entanto, o que se observou foi a rotacização
da consoante /l/ e a epêntese da vogal [ɯ] para que a sílaba CVC fosse ressilabificada em duas
sílabas CV. Isso mostra que alguns dos desvios não podem ser explicados se considerada a ortoépia
da palavra, mas a sua ortografia.
Palavras-chave: fonologia de L2; português como L2; fonologia do japonês; aquisição silábica
Introdução
De acordo com dados divulgados em 2009 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o
Brasil abrigava 128.090 estrangeiros de nacionalidade japonesa. Número suficiente para
classificar o Brasil como o país com a maior comunidade de origem japonesa fora do
Japão.1 No entanto, há poucos estudos sobre o ensino de português para japoneses. Trabalhos
nessa área seriam extremamente relevantes para auxiliar os professores interessados em
lecionar português para esse público. Este trabalho, nesse sentido, vem ser um estudo de
caso realizado com japoneses em processo de aprendizagem da língua portuguesa.
Este artigo tem por objetivo observar a possibilidade de haver influência da grafia
das palavras na pronúncia do português falado por aprendizes japoneses nos casos em
que os desvios não podem ser explicados quando se considera a pronúncia da palavra
por falantes nativos. Os dados aqui apresentados foram coletados originalmente não para
1 Dados disponíveis no site <http://portal.mte.gov.br/imprensa/hoje-e-dia-nacional-da-imigracao-japonesa.htm>.
Acesso em: 18 jan. 2012.
Fundamentos teóricos
No caso das sílabas com uma consoante pré-vocálica, Cristófaro Silva (2009)
observa que /ɲ, ʎ, ɾ/ somente podem ocorrer em posição intervocálica, ou seja, essas con-
soantes não podem ocorrer em início de palavra e a sílaba anterior deve terminar com uma
vogal oral. Há duas exceções: ‘nhoque’ e ‘lhama’. Trata-se, no entanto, de empréstimos e
há possibilidade de pronunciá-las como ‘[i]nhoque’ e ‘[i]lhama’.
Em relação às sílabas com duas consoantes pré-vocálicas, a autora observa que a
primeira consoante deve ser uma obstruinte (/p, b, f, v, t, d, k, g/) e a segunda uma líquida
(/Ɩ, ɾ/). O encontro consonantal /dl/ não ocorre em português e /vl/ só ocorre em nomes
próprios (Vladmir, Vlamir). O encontro /vɾ/ e /tl/ não pode acontecer no início da palavra,
mas é encontrado em algumas palavras, como li/vɾo/ e a/tlas/.
A posição pós-vocálica da sílaba pode ser ocupada pelas consoantes /S, R, Ɩ, N/.
Quando há duas consoantes pós-vocálicas, a segunda posição deve ser obrigatoriamente
preenchida por /S/.
2 A língua japonesa considerada padrão corresponde ao dialeto utilizado na região da capital Tóquio. É a
língua ensinada na escola e utilizada na televisão ou em comunicações oficiais.
vibrante vibrante
oclusivas fricativas lateral glide nasal
múltipla simples
bilabial p b m
labiodental
dental t d n
alveolar s z ɾ
palatal ʃ ʒ j
velar k g w
glotal h
Pode-se observar que mesmo as consoantes que não fazem parte do sistema fonológico
do português podem ser encontradas na fala de algumas regiões do Brasil, como é o caso da
fricativa glotal /h/, encontrada em algumas variantes como o dileto mineiro. Em relação
às vogais, há cinco na língua japonesa:
Quadro 5. Vogais da língua japonesa
anterior central posterior
fechada i ɯ
semifechada e o
aberta a
Como pode ser observado, com exceção da vogal /ɯ/ produzida de forma não
arredondada, as demais vogais também são encontradas na língua portuguesa.
Há alguns casos de alofonia que devem ser destacados. O fonema /s/ antes da
vogal /i/ será realizado como o alofone palatal [ʃ]. Nos demais ambientes, permanecerá
como [s]. Como no caso de [sa.ʃi.’mi] ‘peixe cru’, no qual podemos ver a pronúncia [s]
diante de /a/ e [ʃ] diante de /i/.
Os fonemas /t/ e /d/ são assim pronunciados antes das vogais /a/, /e/ e /o/. Antes da
vogal /i/, assim como em português, serão pronunciados respectivamente [ʧ] e [ʤ]. Antes
de /u/ se realizarão como [ʦ] e [ʣ]. Por exemplo, [ta.’kɯ] ‘cozinhar’, [ʧi.’ga.ɯ] ‘estar
errado’ e [ʦɯ.’kɯ] ‘pegar’ e a contraparte vozeada [da.’sɯ] ‘tirar’, [‘ʤi.do.ri] ‘galinha’ e
[bin. ʣɯ.’me] ‘conserva em lata’.
O fonema /z/ diante da vogal /i/, assim como /d/ também será pronunciado [ʤ] e
diante de outras vogais se realizará como [ʣ]. Por exemplo, [ʤi.’kan] ‘horário’ e [ʣe.’
hi] ‘sem falta’.
O fonema /h/ diante de /u/ sofrerá anteriorização e se realizará como a fricativa
labiodental [f]. Diante das demais vogais manterá a pronúncia glotal [h]. Por exemplo,
[ha.na.’bi] ‘fogos de artifício’, [he.i.’a] ‘sala’, [‘hi] ‘sol’, [‘hon] ‘livro’ e [fɯ.’ne] ‘navio’.
Itô (1987) propõe seis possibilidades de realizações silábicas na língua japonesa
conforme pode ser observado no Quadro 6.
Nos casos em que há sílabas fechadas CVC ou CVVC, observa-se que todas essas
sílabas são fechadas por consoantes geminadas. Assim, essa estrutura silábica não pode
ocorrer em final de palavra, ou seja, a palavra /gak.ko/ é possível, mas não uma palavra
como /gak/ ou /ko.gak/. Também não pode ocorrer se a sílaba seguinte não iniciar com a
mesma consoante, portanto, /gak.po/ não seria uma palavra permitida pela fonologia da
língua japonesa.
Em relação a estruturas silábicas não permitidas na fonologia da língua, Itô e
Mester (1995) mostram que na incorporação de empréstimos de palavras do inglês, os
japoneses recorrem a duas estratégias: inserção vocálica, como em ‘festival’ [fe.sɯ.ti.
ba.rɯ], ou apagamento consonantal normalmente substituído por alongamento vocálico,
como em ‘party’ [paa.tii].
Aquisição de L2
Um dos modelos que surge para explicar a aquisição de L2 é o da Análise Contrastiva
(AC). De acordo com Lado (1957), traços diferentes entre L1 e L2 são difíceis de serem
aprendidos e traços semelhantes são fáceis. O contraste entre as duas línguas serve, dessa
forma, para predizer quais estruturas de L2 seriam mais fáceis ou mais difíceis de se
aprender. Nemser (1971) diz que sempre haverá transferência da L1 para a L2. Essa
transferência pode ser positiva, quando há utilização produtiva da L1 no desempenho da
L2, ou negativa, quando há um efeito inibidor na aprendizagem da L2 devido aos hábitos
da L1. Neste caso, também pode ser classificada como interferência. No nível fonético-
-fonológico, Lado (1957) afirma que, ao aprendermos uma L2, tendemos a transferir nossos
fonemas e suas variantes, nossos padrões de acentuação e ritmo e nossa acentuação.
A transferência também é a principal característica do modelo de interlíngua (IL),
segundo Selinker (1972). Pode haver transferência linguística no emprego de elementos,
regras e subsistemas da IL que procedem da L1 do aprendiz. No entanto, diferentemente
da proposta da Análise Contrastiva, postula-se também a transferência de instrução, relacionada
aos elementos identificáveis nos processos de ensino/aprendizagem a que os aprendizes são
submetidos. Também pode haver transferência intrusiva, quando há uso consciente da L1 na
L2 como forma de suprir uma carência que o próprio aprendiz identifica, e a transferência
criativa, quando o aprendiz cria unidades lexicais com fragmentos de vocábulos/ estruturas
fixas de L1 e L2.
Leitura de palavras
Abaixo, destacam-se alguns dos desvios encontrados durante a leitura das palavras:
(01) as [‘a.sɯ]
Nos desvios descritos acima, foi utilizada a inserção vocálica para simplificação
silábica. Nas sílabas CVC, houve a inserção da vogal /u/ após a coda silábica quando esta
posição foi ocupada por /s/, como em (01) e (02); ou /ɾ/, como em (03) e (04). Nas sílabas
do tipo CCV, também houve a inserção da vogal /u/ no ataque complexo, dividindo-a em
duas sílabas CV, como se observa nos casos de (05) a (08). Quando a segunda posição de
ataque estava ocupada pela consoante /l/, como em (07) e (08), houve ainda a rotacização
do [l] em [ɾ], possivelmente por não haver consoantes líquidas laterais na língua japonesa.
Em todos os casos, pode-se observar que não há deslocamento do acento primário em
relação à sílaba que ele originalmente acompanha. Por exemplo, em (02), a palavra paroxítona
tornou-se proparoxítona para que o acento se mantivesse na sílaba [me].
Como pode ser observado nos desvios de (09) a (14), o processo de inserção vocálica e
ressilabificação ocorreu mesmo nas palavras que poderiam ser pronunciadas em japonês.
Nas palavras de (09) a (12), os brasileiros inserem a vogal [i], para não ocorrer de a coda
ser preenchida por uma consoante que não pode ocupar essa posição. Com a inserção da
vogal, a consoante que estaria em coda passa a ser ataque da sílaba seguinte e não deveria
oferecer dificuldade para a pronúncia de um falante japonês. Em (09), uma pronúncia
possível seria [a.ʤi.vo.’ga.dʊ], com isso a sequência silábica se inicia com uma sílaba V
e segue com quatro sílabas CV. Não há, na pronúncia, nenhuma sílaba com consoante em
coda. No entanto, ao observar a palavra ‘advogado’ escrita, o falante estrangeiro pode ter
a impressão de que ‘ad’ se trata de uma sílaba com consoante em coda. Em (10), apesar
de a palavra aparentemente ter a primeira sílaba CVC ‘pac’, a palavra é pronunciada pelos
brasileiros como [‘pa.ci.tʊ], com três sílabas CV. O mesmo pode ser dito em relação a (11)
com a pronúncia [‘hi.ʧi.mʊ] e em (12) com [a.ʤi.ci.’riw]. Nesses dois últimos casos, o
falante japonês optou pela inserção da vogal [o] em vez de [ɯ] por não haver na fonologia
do japonês as combinações [tɯ] e [dɯ]. No entanto, essa escolha não ocorreu em todos
os casos, como se observa em (09).
O outro caso que não ofereceria dificuldade para um falante japonês é o da consoante
/l/ que, na posição de coda, é pronunciada pelos paulistanos como a semivogal [w], som
que também existe em japonês. Mesmo assim, como se observa em (13) e (14), o falante
japonês, ao verem a consoante ‘l’ escrita, optou pela inserção da vogal [ɯ] da mesma
forma como fizeram com as outras consoantes que ocupavam posição de coda. Além
disso, houve a rotacização do /l/ como nas outras palavras em que essa consoante ocupa
a posição de ataque.
Fala espontânea
Abaixo, estão alguns dos desvios encontrados durante a gravação da fala espontânea:
Assim como na pesquisa feita com a leitura de palavras, na fala espontânea foi
recorrente a paragoge de [ɯ] após a consoante em coda de uma sílaba CVC, tanto quando
a sílaba ocupa a posição final de uma palavra, como ilustram os exemplos de (15) a (18),
quanto na posição medial de uma palavra, como ilustrado nos casos de (19) a (22). As
produções em (21) e (22) mostram o /l/ sendo pronunciado como [w] no final da palavra
sem que haja ressilabificação.
Houve a inserção da vogal [ɯ] entre as duas consoantes que ocupam a posição
de ataque, ou seja, uma sílaba CCV torna-se duas sílabas CV. Além disso, observa-se a
rotacização de /l/ quando este ocupa a segunda posição de ataque.
Mais uma vez, ocorreram erros que apenas poderiam ser explicados se for considerada
a grafia da palavra, como se observa nas palavras abaixo:
Apesar da produção do /l/ em coda como [w] em (21) e (22), na pronúncia apre-
sentada em (31) até (35), há rotacização da consoante e acréscimo da vogal [ɯ] para que
a sílaba CVC seja ressilabificada em duas sílabas CV. Isso ocorreu tanto quando a sílaba
aparece na posição final da palavra, como em (31) e (32), quanto na posição medial,
como em (33), (34) e (35). A palavra em (35) mostra ainda outros processos fonológicos
ocorrendo, como a palatalização do /s/ antes da vogal /i/, processo fonológico que ocorre
na L1 desse falante, e a bilabialização da consoante /v/, que não faz parte do sistema fo-
nológico da língua japonesa.
A palavra em (36) mostra ainda um caso em que os falantes brasileiros realizariam
a inserção da vogal [i] após a consoante /p/, pronunciando [xe.se.pi.sjo.’nis.tɐ], mas o
falante estrangeiro opta pela epêntese da vogal [ɯ]. Nesse caso, o provável input a que o
Considerações
Os dados apresentados mostram que há influência da L1 do aprendiz na produção
de L2, como postulavam a Análise Contrastiva e o modelo de Interlíngua. No entanto,
alguns desses erros não podem ser explicados considerando-se apenas as diferenças entre os
sistema fonológico de ambas as línguas. A proposta de análise deste artigo para esses
casos mostrou que é possível justificar os desvios que não podem ser explicados pela
ortoépia pela ortografia da palavra.
Selinker (1972) fala sobre a possibilidade de haver transferência de instrução de
acordo com o modelo de Interlíngua. Desta forma, é possível criar a hipótese de que, entre
os fatores que influenciam na aquisição e produção de L2, está o processo de ensino/
aprendizagem a que esse falante foi submetido. Este artigo, por ser apenas um estudo de
caso, não permite afirmar que há influência da escrita na pronúncia e que isso é causado
pela forma de instrução a que os aprendizes são submetidos com exposição precoce à
palavra escrita. Um estudo específico nesse sentido ainda precisa ser feito.
REFERÊNCIAS
ITÔ, J. Syllable theory in prosodic phonology. 1986. 228 f. Tese (Doutorado em Filosofia,
PhD) - University of Massachusetts, Cambridge, 1987.
ITÔ, J.; MESTER, R. A. Japanese phonology. In: GOLDSMITH, J. A. (Ed.). The handbook
of phonological theory. Oxford: Blackwell, 1995. p. 817-838.
LADO, R. Linguistics across cultures: applied linguistics for language teachers. Ann
Arbor: The University of Michigan Press, 1957.
NESPOR, M.; VOGEL, I. The syllable and the foot. In: ______. Prosodic phonology.
Dordrecht: Foris Publications, 1986. p. 61-108.
SELKIRK, E. O. The syllable. In: HULST, H.; SMITH, N. The structure of phonological
representations. Dordrecht: Foris, 1982. v. 2, p. 337-383.