Euclides Roxo

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ESTUDOS

Euclides Roxo e o movimento de reforma do ensino de Matemtica na dcada de 30*


Joo Bosco Pitombeira de Carvalho Ana Paula Lellis Werneck Deborah Silva Enne Mnica Baptista da Costa Priscilla Rangel Cruz
Palavras-chave: histria da educao no Brasil; histria do ensino de Matemtica; Euclides Roxo.

Ilustrao: Charlene Vaz

* Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq). O artigo incorpora sugestes da professora Ana Waleska Mendona, do Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

ostra como as idias do educador brasileiro Euclides Roxo, determinantes para a elaborao dos programas de Matemtica das reformas Campos e Capanema, enquadram-se no movimento renovador da Escola Nova e seguem as idias do matemtico alemo Felix Klein sobre a modernizao do ensino da Matemtica. Euclides Roxo contrape orientao geral do

ensino de Matemtica da poca, caracterizado por uma apresentao seca, abstrata e lgica, uma proposta pedaggica que leva em conta os interesses do aluno e seu estgio de desenvolvimento cognitivo e enfatiza a intuio, alm de contextualizar a Matemtica, deixando o tratamento rigoroso do assunto para nveis mais avanados da aprendizagem.
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R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 81, n. 199, p. 415-424, set./dez. 2000.

Introduo
Durante o sculo 19 e comeo do sculo 20, foram feitas no Brasil inmeras tentativas para estruturar o ensino secundrio. Estas tentativas, muitas vezes abandonadas ou modificadas radicalmente pouco depois de implantadas, se prolongam at as dcadas de 30 e 40 do sculo 20 (ver Nunes, 1962; Silva, 1969; Haidar, 1972; Romanelli, 1993). De uma sociedade latifundiria e escravocrata, o Brasil caminhava para um modelo urbano-industrial. Novas foras sociais emergiam, e redefiniam-se as estruturas de poder. O ensino, ainda muito marcado pela herana, da poca colonial, deixada pelos padres jesutas, no mais se adaptava realidade emergente, pois
... destinado a dar cultura geral bsica, sem a preocupao de qualificar para o trabalho, uniforme e neutra no podia, por isso mesmo, contribuir para as modificaes estruturais na vida social e econmica do Brasil da poca. Podia, portanto, servir to-somente ilustrao de alguns espritos ociosos (Romanelli, 1993, p. 34).

Euclides Roxo dados biogrficos


Euclides de Medeiros Guimares Roxo nasceu em Aracaju, Sergipe, em 10 de dezembro de 1890. Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 21 de setembro de 1950. Em 1909, bacharelou-se no Colgio Pedro II, onde foi aluno interno e acumulou todos os prmios. Formou-se em Engenharia em 1916, pela Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Em 1915, foi aprovado em concurso para professor substituto de Matemtica no Colgio Pedro II, no qual foi tambm examinador nos exames de Francs, Latim e Matemtica. Posteriormente, foi nomeado catedrtico no mesmo estabelecimento de ensino (1919). Alm disso, foi aprovado em concurso para catedrtico do Instituto de Educao, no Rio de Janeiro. No Colgio Pedro II, foi diretor de 1925 a 1935 (de 1925 a 1930 no externato e de 1930 a 1935 no internato), poca em que o ensino brasileiro sofreu profundas modificaes. Em 1937 foi nomeado diretor do Ensino Secundrio no Ministrio da Educao e Sade. Participou tambm do Conselho Nacional de Educao e foi presidente da Comisso Nacional do Livro Didtico. Euclides Roxo, quando diretor do Colgio Pedro II, implantou, neste colgio, em 1929, uma reforma do ensino de Matemtica (Miorim, 1998, p. 91) e desempenhou importante papel na Reforma Campos, devido sua posio. Mesmo aps ter deixado a direo do Colgio Pedro II, continuou a exercer papel de liderana, e foi voz importante na formulao do ensino de Matemtica na Reforma Capanema, como mostrado pelos documentos do Arquivo Gustavo Capanema do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (Cpdoc), da Fundao Getlio Vargas, no Rio de Janeiro. Esses documentos mostram que ele foi interlocutor privilegiado de Capanema para a fixao do currculo de Matemtica da Reforma Capanema. Muitas das idias que Roxo defendia, desde a reforma implantada por ele, em 1929, no Colgio Pedro II, foram mantidas nas Reformas Campos e Capanema e sobreviveram at hoje, notadamente o ensino de Matemtica em todas as sries do currculo e a apresentao dos grandes blocos da Matemtica escolar aritmtica, lgebra, geometria e medidas, em cada srie, sem a diviso rgida anterior, de anos de escolaridade reservados para cada um desses blocos.
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Os movimentos de reforma das dcadas de 30 e 40, concretizados, respectivamente, nas reformas de ensino de Francisco Campos e de Gustavo Capanema, trouxeram organicidade estrutura de ensino da poca. Eles foram o resultado da necessidade de infra-estrutura para a nova realidade poltico-econmica emergente a partir da instalao do Governo Provisrio, em 1930. Segundo Otaza Romanelli (Ibid, p. 10),
A data de fato a virada na histria do Brasil, desses momentos raros na vida dos povos quando se assiste a um processo de mudana real, no s na quantidade como na qualidade. O Pas, h muito sentindo insuficincias, amadureceu sua realidade e passa a enfrent-la com deciso: a data o coroamento de longa trajetria de perguntas, perplexidades e lutas e o incio de uma nova poltica, que se traduz em todos os planos: social, econmico, intelectual.

Neste artigo, buscamos analisar as contribuies do professor Euclides Roxo para a reforma do ensino de Matemtica no Brasil nas dcadas de 30 e 40.
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Joaquim Igncio de Almeida Lisboa e Euclides Roxo, ambos catedrticos de Matemtica do Colgio Pedro II, travaram publicamente, em artigos publicados no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, de dezembro de 1930 a fevereiro de 1931, uma verdadeira batalha, na qual defendiam seus pontos de vista em relao ao ensino de Matemtica, sua finalidade e sua metodologia. Mais tarde, talvez como resultado das reflexes que fez para defender seus pontos de vista, Euclides Roxo, em 1937, publicou o livro A Matemtica na educao secundria, ao qual nos referiremos durante todo este artigo.

dos adultos, devem ceder lugar a uma sistematizao de atividades de acordo com a lgica psicolgica da criana, respeitando princpios que se fundamentem 'na natureza e no funcionamento do esprito infantil'.

Comparemos tudo o que foi visto acima com as seguintes palavras de Roxo (1930b, p. 8):
No seu relatrio, [o comit nacional], cuja autoridade j tivemos ocasio de evidenciar, chama a ateno para o fato de que, principalmente nos primeiros anos, os princpios lgicos de organizao so de menor importncia do que os psicolgicos e pedaggicos. Pe, ento, em destaque o movimento bem significativo, entre muitos professores progressistas, no sentido de abandonarem a velha diviso rgida em matrias, aritmtica, lgebra e geometria cada uma das quais tinha que ser completada antes que a outra comeasse, por um rompimento racional das barreiras que separam esses assuntos no interesse de uma aproximao psicolgica e pedaggica mais eficiente.

As idias de Euclides Roxo e a Escola Nova


Como procuraremos mostrar, Euclides Roxo estava imbudo dos ideais da Escola Nova era um escolanovista. Para verificarmos isso, comparemos afirmativas de Di Giorgi com as posies de Roxo. Segundo Di Giorgi (1989, p. 24), "a Escola Nova tem como proposta nuclear descentrar o ensino do professor para centr-lo no aluno. Atribui-se importncia central atividade da criana, s suas necessidades e, principalmente, aos seus interesses: todo aprendizado deve partir do interesse da criana". E ainda, referindo-se ao trabalho com as crianas: "A curiosidade e a sensibilidade infantis so estimuladas. Defende-se tambm que a criana quer conhecer a realidade de forma global e, com base nisso, critica-se a diviso do ensino em disciplinas" (Ibid, p. 26). Alm disso, "O ideal educacional da Escola Nova seria que a educao se desse, o mximo possvel, junto com a prpria vida: quanto mais se integrassem a atividade escolar e as atividades cotidianas, melhor" (Ibid, p. 36). Citemos tambm os comentrios de Marcus Vinicius da Cunha (1995, p. 34-35) sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova:
escola cumpre reorganizar suas bases pedaggicas, reagir contra as tendncias exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional. Os programas da escola tradicional, organizados sob a tica da lgica formal
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Podemos perceber assim a identidade de Roxo com os pontos de vista dos defensores da Escola Nova. Alm disso, quando Roxo afirma em seu livro A Matemtica na educao secundria, que "graas ao crescimento monstruoso da indstria e do comrcio, tornou-se necessrio orientar o ensino no sentido de no limit-lo aos conhecimentos tericos, mas atribuir, ao contrrio, uma grande importncia ao que seja imediatamente utilizvel na prtica" (Roxo, 1937, p. 56), o que est pregando no reduzir a escola e seu currculo a contedos prticos e diretamente utilizveis, mas contextualiz-los realidade do aluno, como nos aponta o iderio escolanovista. Euclides Roxo no se refugia em um psicologismo fcil. Ao contrrio da viso generalizada sobre a Escola Nova, criticada por Marcus Vinicius da Cunha, assinalando uma m compreenso de seus princpios, quando afirma que
... a idia que hoje prevalece a respeito da Escola Nova, como j dissemos, a que se baseia na caracterizao psicologista. Numerosos trabalhos, que tm recebido ampla aceitao editorial e conseguido grande penetrao entre o professorado, vm se encarregando de difundir essa concepo (Cunha, 1995, p. 22),

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Roxo no perde de vista o valor intrnseco da Matemtica e a necessidade de o aluno apropriar-se dos contedos da Matemtica escolar. Para ver isso, suficiente ler seus artigos na imprensa, o seu livro A Matemtica na educao secundria e, principalmente, os seus livros didticos, a comear pelo Curso de Matemtica elementar, de que foram publicados trs volumes, entre 1929 e 1931, e cujo terceiro volume um curso de geometria dedutiva, feito posteriormente a uma introduo intuitiva da geometria, nos dois primeiros anos, de acordo com as idias da Escola Nova de partir do intuitivo, do concreto, para o abstrato e formal. Assim, Euclides Roxo enquadra-se perfeitamente no que diz Cunha (1995, p. 41):
de modo coerente com esse pensamento que os escolanovistas se recusam a colocar em plano secundrio os contedos das matrias, contidos nos programas de ensino. Eles acreditam que o programa, ainda que mnimo, necessrio; com ele o ensino ser direcionado para a obteno de um determinado tipo de homem, tendo em vista a sociedade que se pretende no futuro. Afinal, nas matrias escolares concentram-se os fins sociais da escola, os ensinamentos capazes de homogeneizar todo o povo, de modo a torn-lo integrado aos objetivos do Estado.

Ainda segundo Roxo (1937, p. 57):


O ensino da Matemtica sofreu recentemente, em quase todos os pases, uma transformao notvel (...). Hoje visa-se, ao contrrio, a tornar intuitivas as concepes matemticas, isto , a apresent-las sob a forma viva e concreta; no se separam de aplicaes e espera-se, desse modo, fazer com que elas correspondam s necessidades reais, que no meras estruturas de silogismos, elaborados em horas de lazer.

E tambm "a capacidade do aluno para abstrair e deduzir formalmente ir aumentar, desde que a deixem desenvolver-se naturalmente. Ser ao contrrio perturbada ou totalmente destruda se tentarem forar o seu desenvolvimento" (Ibid, p. 73). Roxo parece, de fato, estar motivado pela mudana geral da cultura de sua poca, a qual , no final das contas, a origem do movimento geral de renovao educacional (Escola Nova). O prprio Roxo (Ibid, p. 99) afirma, citando Felix Klein, que "a finalidade do ensino depende extraordinariamente da diretriz cultural de cada poca". No que se refere especificamente ao ensino da Matemtica, Roxo adotava as idias de Felix Klein, grande matemtico alemo, professor da Universidade de Gttingen e um dos impulsionadores e organizadores do primeiro movimento internacional de reforma do ensino da Matemtica (Miorim, 1998). Repensando o ensino da Matemtica, Euclides Roxo concluiu que ela ainda era considerada por alguns matemticos como uma disciplina de contedo definitivo e acabado, sem que fosse possvel haver dvidas ou discusses em relao a seu contedo "cristalizado". Segundo Roxo, existe certeza em relao a seu contedo, mas muitas dvidas sobre como ensinar, o que, para quem, para que e quando: "Os interesses do bom ensino exigem que o professor no apenas saiba o que ensinar, mas tambm conhea a quem vai ensinar, para que o faz e como alcanar seu desideratum" (Roxo, 1937, p. 97). Roxo, a partir das transformaes que percebia no fazer educacional, passou ento a questionar no somente o contedo, mas
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tambm a forma. Percebe-se, em seu livro A Matemtica na escola secundria, a preocupao em fazer com que as idias se transformem em prtica e passem a fazer parte da realidade pedaggica. Para fundamentar suas idias, Roxo expe no captulo trs de seu livro as premissas bsicas da psicologia de John Dewey que do suporte a suas idias em relao Matemtica. Entre elas, no ser possvel, do ponto de vista psicolgico, estabelecer uma distino absoluta entre intuio e raciocnio lgico; e que, embora tradicionalmente o desenvolvimento do pensamento matemtico tenha sido feito s custas da intuio e, no entanto, s a lgica possa dar a certeza, a intuio o fio condutor para novas descobertas. Deve haver uma passagem lenta e gradativa da base do conhecimento j adquirido intuitivamente para a organizao lgica da Matemtica. Acrescenta que, a partir do estudo da Psicologia moderna, percebeu-se no fazer sentido considerar a educao do raciocnio como o desenvolvimento de uma faculdade isolada e ser importante a lgica peculiar a cada fase de desenvolvimento mental do educando. Sendo assim, "O lgico e o psicolgico no esto pois opostos, nem mesmo independentes um do outro. Muito ao contrrio: esto ligados como o primeiro e o ltimo termo de um processo contnuo de evoluo normal" (Roxo, 1937, p. 63). Portanto,
Enquanto apreende assim uma imitao parcial e uma cpia ressequida das perspectivas lgicas do adulto, a criana levada a no se servir de sua prpria lgica sutil e viva. Foi provavelmente a aplicao dessa falsa concepo do mtodo lgico que mais desacreditou a Pedagogia.

Podemos dizer que as crianas s quais vamos apresentar estes contedos j tm formadas muitas intuies em relao ao espao e ao movimento e, tambm, sobre outros contedos.

Assim sendo no h necessidade de apresentar inicialmente ao estudante a Matemtica com uma sistematizao rigorosa e cristalizada. E Roxo (Ibid, p. 72) faz a pergunta:
Do mesmo jeito que a humanidade no criou a Matemtica em sua forma logicamente cristalizada, como pode o indivduo aprend-la assim pronta e acabada? (...)

1 J Klein, no incio do sculo 20,

menciona a predominncia que deve ter o ponto de vista psicolgico no ensino (ver Roxo, 1937).

Ento, "a capacidade do aluno para abstrair e deduzir formalmente ir aumentar, desde que a deixem desenvolver-se naturalmente. Ser, ao contrrio, perturbada ou totalmente destruda se tentarem forar o seu desenvolvimento" (Ibid, p. 73). Os conceitos matemticos possivelmente j existem primeiramente nos alunos de maneira grosseira e pouco precisa e devem ser aproveitados. Chega-se ento necessidade da intuio para chegar-se um dia lgica. Logo: "Em cada grau do desenvolvimento, o esprito tem uma lgica peculiar que a educao deve desenvolver, ao invs de impor a disposio sistemtica da matria" (Ibid, p. 63). Roxo, de fato, estava na vanguarda, preocupando-se em adequar a estrutura curricular s fases do desenvolvimento em que a criana se encontra. A Psicologia moderna h muito indicava uma mudana nesse sentido.1 Deste modo, quando ele afirma que a criana precisa primeiramente entrar em contato com experincias concretas e somente depois chegar abstrao, respeita o desenvolvimento de cada faixa etria, aumentando assim as possibilidades de sucesso da criana na aprendizagem da Matemtica, considerada difcil de ser apreendida. Nisto reside um dos motivos da atualidade das idias de Euclides Roxo. Na verdade, ele conseguiu perceber a existncia de uma inadequao do que era dado na sala de aula em relao capacidade que a criana possua de apreender, e afirmou: "Tal situao no poderia deixar de despertar a ateno daqueles que primeiro deixaram de preocupar-se exclusivamente com o objeto do ensino para cuidarem um pouco do sujeito" (Ibid, p. 41). Por conseguinte, os contedos deveriam ter, segundo ele, uma gradao de dificuldade, e o objetivo do ensino seria construir os conceitos bsicos e, ao longo dos anos, aprofund-los. A comparao dos escritos de Roxo em 1929, 1930 e 1931 com seu livro A Matemtica na educao secundria, de 1937, mostra o amadurecimento de suas idias. De maneira geral, podemos dizer que, por volta de 1930, Roxo reproduzia as idias de Klein, repetindo-as e defendendo-as.

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Assim, por exemplo, no prefcio do primeiro volume de seu Curso de Matemtica elementar, de 1929, repete e desenvolve, com outras citaes, as idias de Klein. Devido importncia deste prefcio para a compreenso das idias de Roxo e de como elas foram influenciadas por Felix Klein, ele , a seguir, citado em parte:
Procuraremos reunir, de acordo com Klein, as tendncias desse movimento de reforma. 1 Tornar Essencialmente Predominante o Ponto de Vista Psicolgico significa isso que o ensino no deve depender unicamente da matria ensinada, mas deve atender antes de tudo ao indivduo a quem se tem de ensinar. Um mesmo assunto deve ser exposto a uma criana de seis anos de modo diferente por que o a uma de dez e a esta ainda de maneira diversa que a um homem maduro. Aplicado particularmente ao ensino da Matemtica, esse princpio geral nos conduz a comear sempre pela intuio viva e concreta e s pouco a pouco trazer ao primeiro plano os elementos lgicos e adotar, de preferncia, o mtodo gentico, que permite uma penetrao lenta das noes. 2 Na Escolha da Matria a Ensinar, Ter em Vista as Aplicaes da Matemtica ao Conjunto de outras Disciplinas procurando aliviar o estudante de uma grande sobrecarga de estudo cujo interesse puramente formalstico e tornar o ensino mais vivo e mais produtivo. (...) 3 Subordinar o Ensino da Matemtica Finalidade da Escola Moderna tornar os indivduos moral e intelectualmente aptos a cooperarem na obra da civilizao hodierna, essencialmente orientada para o sucesso prtico. Da decorre a necessidade de se terem em vista, no ensino da Matemtica, as suas aplicaes s cincias fsicas e naturais e tcnica. (...) Mais ou menos de acordo com esses princpios, tm sido reformados os programas dos cursos secundrios de quase todos os pases civilizados, inclusive a Rssia, o Japo e a Repblica Argentina (Roxo, 1929, p. iv-v).

A escola tradicional tinha por objetivo a transmisso do conhecimento acumulado historicamente, era baseada numa metodologia expositiva e tinha por modelo o professor, detentor do saber e centro que determinava os mtodos de ensino.
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Na Escola Nova, ao contrrio, o centro o aluno, com suas caractersticas afetivas e psicolgicas, seus interesses, suas motivaes. Alm disso, a Escola Nova tentou romper a hegemonia da escola tradicional, para tornar o ensino mais democrtico. Ela tinha como primeiro objetivo a construo de uma sociedade aberta, alm de proporcionar a possibilidade de competir e de facilitar a mobilidade social, antes dificultada por uma concepo elitista de escola. Essas mudanas eram repelidas pela maioria dos educadores conservadores e pela Igreja da poca, que, controlando grande parte do ensino no Brasil, procurou mobilizar seu poder poltico contra os renovadores do ensino. Ela queria, naquele momento, preservar a liberdade para determinar os currculos, ter independncia e poder para tomar decises sobre a educao. Como parte do movimento de renovao, Roxo demonstrou preocupao em estruturar diferentemente os contedos. Do ponto de vista pedaggico, sabe-se que o rigor apenas contribui para o aumento do tdio e da averso aos estudos abstratos, fato muito comum em Matemtica. Em razo disto, Roxo props e fez algumas alteraes no currculo de Matemtica, mantendo o bsico e necessrio e buscando, no movimento escolanovista a nas idias de Klein, dados para uma mudana qualitativa na aprendizagem do aluno. Fundamentou sua escolha nos pensamentos de educadores e de matemticos, principalmente as idias de Felix Klein, que podem ser encontrados em seu livro. Roxo consegue argumentar e mostrar ao leitor o porque de suas propostas sobre o ensino da Matemtica, radicais para a poca e contestadas por muitos professores, como, por exemplo, o padre Arlindo Vieira,2 professor do Colgio Santo Incio, e o professor Almeida Lisboa, catedrtico do Colgio Pedro II. Ao implantar um novo currculo de Matemtica para o Colgio Pedro II e, por conseguinte, para o Brasil, Euclides Roxo teve como adversrios poltico-ideolgicos estes dois professores, os quais formularam contra ele e contra o currculo por ele proposto srias crticas, tornando-as pblicas. Alm disso, outros professores insurgiramse contra a nova orientao do ensino de Matemtica. Pode-se acompanhar esses debates em jornais como o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro.

2 Alm de professor, foi tambm

reitor do Colgio Santo Incio, no Rio de Janeiro, tendo pronunciado conferncias e escrito artigos sobre educao, em particular sobre as reformas de ensino no Brasil nas dcadas de 30 e 40, comparando os programas brasileiros com os de outros pases. Essas conferncias foram reunidas em Vieira (1936a, 1936b), entre outros.

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De um lado, em defesa dos interesses da Igreja Catlica, o padre Arlindo Vieira; do outro, Euclides Roxo representava a mudana. Fundamenta Romanelli (1993, p. 144):
A questo do Ensino Religioso poderia ser considerada uma questo de ordem secundria na evoluo do sistema educacional brasileiro, se no fossem as polmicas que suscitou e as lutas ideolgicas em que se envolveu. (...) Entendiam os reformadores que o direito educao s poderia ser garantido, na sociedade de classes em que vivamos, se o Estado assegurasse s camadas menos favorecidas o mnimo de educao compatvel com o nvel do desenvolvimento ento alcanado. Deveria ser ento pblico e gratuito, alm de leigo em respeito diversidade cultural e religiosa brasileira. Entendiam tambm que as diferenas que pudessem existir, quanto ao pedaggica, s poderiam advir das naturais diferenas psicolgicas do indivduo, seus interesses e aptides.

Como parte da violenta campanha desencadeada contra os programas de ensino propostos por Euclides Roxo, o padre Arlindo Vieira, destacado educador jesuta da poca, os acusou de enciclopedistas, ou seja, de que buscavam apenas acumular conhecimentos e no formar a juventude:
O que nos falta, e j h muito tempo nos vem faltando, um programa racional, alijado desse enciclopedismo superficial, um programa que vise antes de tudo formao intelectual da juventude, que lhes desenvolva a inteligncia gradualmente, habituando-a reflexo, tornando-a apta para, mais tarde, assimilar, nos cursos superiores, as matrias em que devem especializar-se (Vieira, 1934, p. 6).

O perigo representado pela escola pblica e gratuita consistia no apenas no risco de esvaziamento das escolas privadas, mas sobretudo no risco de extenso de educao escolarizada a todas as camadas, com evidente ameaa para os privilgios at ento assegurados s elites. Insurgindo-se contra as reivindicaes do movimento renovador, a Igreja Catlica ficou do lado da velha ordem e, com isso, da educao tradicional.
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Arlindo Vieira acreditava que, para desenvolver o esprito dos jovens, era preciso dar nfase aos estudos clssicos e no aumentar o nmero de matrias e contedos dados durante os anos de escolaridade, o que ele criticava, chamando a isso de enciclopedismo. Por outro lado, Almeida Lisboa critica os programas de Matemtica formulados por Roxo em 1929 para o Colgio Pedro II, afirmando que
... na qualidade de mais antigo professor catedrtico de Matemtica do Colgio Pedro II, declaro no ter colaborado, nem de leve, nos seus atuais programas de Matemtica.
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Sou fundamentalmente contra eles; no os considero sequer programas de ensino, porque tudo destroem [sic]. (...) Desde 1902 (...) desejava o desenvolvimento da matria e o aumento do nmero de anos de estudo. Lutei em vo. Contudo, havia naquelas atrasadas pocas vestgios de ensino da Matemtica. (...) O professor Roxo quis dar ao ensino da Matemtica um carter utilitrio e essencialmente prtico. Julgo que no atingiu esse objetivo. A mocidade sacrifica longos anos roubados aos folguedos naturais da idade para, em troca, lhe ministrarmos conhecimentos reais, cultivando seu esprito, desenvolvendo suas qualidades intelectuais. No Matemtica para jardineiro analfabeto que ela vem procurar nos cursos secundrios. O professor Roxo esqueceu qual a verdadeira finalidade da Matemtica na escola secundria. Seu principal destino no uma colheita mais ou menos abundante de conhecimentos prticos e isolados. A Matemtica uma disciplina de esprito, uma inimitvel e insubstituvel educadora do raciocnio a que a mocidade deve ser submetida... (Lisboa, 1930, p. 5).

pensamento o interesse da educao" o ser humano estaria na escola para desenvolver suas potencialidades, a sua inteligncia, e utiliz-la na sua vida, fora da escola. Apoiado em Dewey, Roxo (Ibid, p. 99) acrescenta: "O pensamento resulta da necessidade de modificao de nossos antigos hbitos e pode mesmo ser definido como um processo de achar e experimentar significaes ou de fazer velhos hbitos e formar novos". Para concluir, Roxo cita Klein:
A finalidade geral do ensino depende extraordinariamente da diretriz cultural de cada poca (...) a finalidade educacional no pode ser definida de modo rgido e definitivo, antes tem que mudar com a variao das concepes filosficas dos pontos de vista sociolgicos e acompanhar, alm disso, a prpria evoluo da cincia e da tcnica (Ibid, p. 99). (...) Os conhecimentos matemticos armam o homem para a vida, a Matemtica a base de todos os conhecimentos humanos; ningum pode discutir o valor prtico de tal disciplina (Ibid, p. 106).

Vemos, assim, que Almeida Lisboa era partidrio do ensino tradicional da Matemtica, considerando-a essencialmente uma disciplinadora do esprito, indiferente a possveis aplicaes. Continuando a enfatizar a necessidade de renovao do ensino de Matemtica, Roxo (1937, p. 44) afirma:
Gostaria de ver a Matemtica ensinada com aquela vida e animao, que no lhe podem deixar de comunicar a presena e o exemplo de sua brilhante irm mais moa (cincia natural), preferidos os caminhos curtos aos longos, e Euclides posto, com todas as honras, numa prateleira, ou enterrado fora do alcance do menino da escola.

Concluso
Pelo que expusemos neste artigo, Euclides Roxo foi realmente um partidrio da Escola Nova, ardoroso defensor de uma reforma do ensino de Matemtica que tornasse essa cincia mais interessante e mais til para os estudantes. Embora Roxo no tenha dado contribuies tericas para o escolanovismo, ele soube incorporar as idias desse movimento em uma proposta concreta de reforma do ensino de Matemtica. Se, por um lado, sua reforma pode ser encarada como um epgono do primeiro movimento internacional de reforma do ensino de Matemtica, esse atraso permitiu, por outro lado, que as propostas de Roxo fossem feitas quando no Brasil j se percebia a necessidade de uma modificao profunda da escola, havendo j um grupo de educadores lutando por isso. Suas idias reformistas, que comeou a implantar em 1929 no Colgio Pedro II e pelas quais lutou com convico nas reformas Campos e Capanema, tiveram dois tipos de opositores: por um lado, os que se opunham a ele devido a uma concepo irredutivelmente diferente sobre o que a
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Roxo no est de maneira alguma negando as razes fundamentais da Matemtica, mas apontando para a necessidade de modernizar, aproveitar as novas idias e tendncias. Ele rompe com o passado, dominado, segundo ele, por preconceitos de organizao excessivamente sistemtica e lgica. Preconceitos estes oriundos da Grcia e prevalecentes at o sculo 16. Ele luta por uma nova fase onde "o cultivo do
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Matemtica e o que deve ser seu ensino, exemplificados por Almeida Lisboa; por outro lado, aqueles que, como Arlindo Vieira, atacaram Roxo dentro de um quadro mais geral, o da posio da Igreja diante da escola renovada. Seu livro A Matemtica na educao secundria no envelheceu, parece escrito hoje, e os problemas que levanta so problemas da educao matemtica de

nossos dias. Roxo foi um homem de viso, moderno, que lutou contra as limitaes do meio; foi coerente e determinado em suas convices e conseguiu fazer com que suas idias fossem em parte adotadas. Embora no conseguindo implement-las integralmente, sua atuao e sua influncia marcaram fortemente o ensino de Matemtica no Brasil.

Referncias bibliogrficas
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Recebido em 4 de outubro de 2000. Joo Bosco Pitombeira de Carvalho, Ph.D. em Matemtica pela Universidade de Chicago, professor do programa de ps-graduao do Departamento de Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ana Paula Lellis Werneck mestre em Educao pela PUC-Rio e bolsista de Iniciao Cientfica do Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq). Deborah Silva Enne bacharel em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mnica Baptista da Costa bacharel em Histria pela UFF. Priscilla Rangel Cruz bacharel em Histria pela UFF.

Abstract
The purpose of this paper is to show how the ideas of the Brazilian educator Euclides Roxo, which were decisive for the educational reforms made by Francisco Campos and Gustavo Capanema belong to the "Escola Nova" movement and also follow the ideas of the German mathematician Felix Klein about the modernization of mathematics teaching. Euclides Roxo, contrary to the accepted mathematics teaching methods of his time, which were formal abstract and logic, proposes to take in account the students' interests, their cognitive level and stresses intuition and contextualization, postponing a rigorous treatment of the subject to more advanced school levels. Keywords: history of education in Brazil; history of mathematics teaching; Euclides Roxo.

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R. bras. Est. pedag., Braslia, v. 81, n. 199, p. 415-424, set./dez. 2000.

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