Samir Santana de Oliveira

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Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Departamento de Educação – Campus II / Alagoinhas


Programa de Pós-Graduação em História

Samir Santana de Oliveira

Euterpe Itabunense: trabalhadores, filarmônica e


política (1925-1930)

Alagoinhas, Dezembro de 2022


Samir Santana de Oliveira

Euterpe Itabunense: trabalhadores, filarmônica e


política (1925-1930)

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado da Bahia –
Campus II como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
História.

Orientador: Prof. Dr. Robério Santos


Souza

Prof. Dr. Robério Santos Souza (Orientador) - UNEB


Prof. Dr. Charles D‟Almeida Santana – UNEB
Prof. Dr. Philipe Murillo Santana de Carvalho - IFBA

Suplente:
Prof. Dra. Kátia Lorena Novais Almeida- UNEB

Alagoinhas, Dezembro de 2022


Sistema de Bibliotecas da UNEB
Biblioteca Carlos Drummond de Andrade – Campus II
Rosana Cristina de Souza Barretto
Bibliotecária – CRB 5/902

O48e Oliveira, Samir Santana de.


Euterpe Itabunense: trabalhadores, filarmônica e política (1925-
1930)./ Samir Santana de Oliveira – Alagoinhas, 2022.
102fl.il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.


Departamento de Educação. Mestrado em História.
Orientador: Profº. Drº Robério Santos Souza.

1. Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) – História. 2. Filarmônica


Euterpe Itabunense (FEI) – Política. I. Souza, Robério Santos. II.
Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação -
Campus II. III. Título.

CDD 784.2098142
In memoriam: Ovídeo
Boaventura e Fábio
Nogueira.
Agradecimentos

Durante as aulas de Teoria da História, o professor Paulo nos dizia que o período do
mestrado passaria rápido. Acreditando em suas palavras, eu tentei vivenciar o máximo de
experiências possíveis por minha curta morada em Alagoinhas e nessa trajetória, descobri o real
valor de alcançar um sonho. Hoje, concluindo essa jornada, olho para trás e tenho a sensação de
que vejo um terreno outrora vazio, agora com construções feitas por muitas pedras e muitas
mãos. Sozinho eu não conseguiria chegar até aqui e quero registrar, de forma simbólica, meus
agradecimentos a todos que me ajudaram a tornar este momento possível.
No cumprimento do seu ofício, o historiador da História Social busca compreender as
experiências das pessoas comuns sob a ótica delas, e a depender do recorte temporal da
pesquisa, elas já estão mortas. Por vezes, caem no esquecimento as pessoas vivas que nos
cercam, mas com Robério foi diferente. Robério foi orientandor quando precisei de um
orientandor; quando precisei de um amigo, ele foi amigo; quando foi necessária a cobrança dos
prazos, de forma assertiva, ele cobrou. Obrigado pela sua dedicação no cumprimento do seu
trabalho, Robério! Os acertos desse trabalho eu atribuo a ele.
Meus agradecimentos também alcançam Charles Santana e Philipe Murilo, docentes que
fizeram parte da banca avaliadora. Levarei comigo a generosidade que vocês tiveram na leitura
do meu texto, nas críticas construtivas e sugestões. Não posso esquecer-me de Paulo Silva,
Aldrin Castellucci, Maria Elisa e Kátia Lorena, que dedicaram um pouco de seus conhecimentos
nas aulas durante o curso. Foi uma honra ser aluno de vocês.
Aos meus colegas de curso, com quem eu compartilhei muitas risadas e historiografia,
quero deixar meus agradecimentos. Bruna Meyer, Aline Santos, Diego Moura, Fabiana Dias,
Igor Campos, Luis Henrique, Mariana Dourado e Marina Pinto, que prazer em conhecê-los! Que
todos vocês alcancem lugares altos. Aproveito e estendo meus cumprimentos a todos que fazem
o PPGH da UNEB Campus II funcionar.
Eu pude conhecer esses professores/as e colegas porque pessoas especiais estavam por
detrás de tudo. Sheila, Sérgio e Samuel; mãe, pai e irmão. Com vocês me senti coberto
espiritualmente e motivado para vencer um dia de cada vez. Embora distante, parecia que
estavam perto de mim o tempo inteiro. Eu amo vocês! Sinto-me abençoado por vocês serem
minha família.
Faço uma menção de agradecimento aos amigos Fábio e Regina Meireles – ou
simplesmente Tio Fábio e Tia Regina. Esse casal foi importante não somente na minha
caminhada no mestrado, mas também na minha vida. Obrigado pelo amor, carinho e parceria
que vocês demonstram a mim e minha família. Sem vocês, eu não conseguiria chegar a
Alagoinhas, literalmente. Amo vocês também!
Não posso deixar de mencionar meus colegas e amigos/as da UESC: Tauã Fernandes,
amigo de longas datas, Bruno Souza, Rodrigo Lelis, Ana Cecília, Deyse Quinto e Thiago Lima.
Igor Goes também tem um espaço neste agradecimento pelo cuidado e paciência em me mostrar
os caminhos de Alagoinhas. Tiago Casaes e Érika Alcântara, amigos que estreitei laços e
conversei bastante sobre História Social, além de compartilhar fontes. Vocês foram importantes
para o progresso desse trabalho.
Sem fonte eu não conseguiria concluir este trabalho, por isso menciono também Stela,
funcionária do Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual de
Santa Cruz, que me atendeu de forma eficaz. Agradeço a José Vanderlei Sousa, o Wando, atual
presidente da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna por sempre deixar a chave do
arquivo da agremiação à disposição quando eu precisava. Agradeço a Wellington, maestro da
Filarmônica Euterpe Itabunense pelo bate papo que me ajudou a compreender o funcionamento
da banda atual. Agradeço também a Clóvis, da página no Instagram História Grapiuna. Conheci
esse gente boa já na reta final da dissertação, mas pude trocar muitas e boas figurinhas com ele,
sempre solidário e sorridente. Obrigado, Clóvis!
Além do mundo acadêmico eu também tive muito apoio. Como não me lembrar da
professora Eliana Malta e seus conselhos e orações? Tia Lili, sua família me abençoa! Iky e
Tacila sempre dispostas em me ajudar de alguma forma na construção do texto final, juntamente
com Milena, também tem lugar guardado em meu coração. Dos grandes amigos que eu tenho,
três lidaram comigo quase que diariamente principalmente quando residi em Alagoinhas:
Leonardo Lima, Mateus Cruz e Júlio Bispo. Foram eles que pacientemente ouviram minhas
alegrias e tristezas durante minha jornada. Vocês são de verdade.
Talvez eu esteja prestes a redigir a parte mais sensível desses agradecimentos. Confesso:
eu fiz meu texto de dissertação em coautoria. Sim, fiz com Tainan. Se não fosse por ela, eu nem
teria efetuado a inscrição para o curso. Foi ela que me fez acreditar que eu sou capaz e me
apoiou mesmo sabendo que moraríamos a 450km de distância, mas nosso amor suportou. Ou
melhor, ele cresceu, mesmo longe. Ela leu e releu meu texto; no meio do processo, aceitou
casar-se comigo e se viu obrigada a ouvir sobre cada progresso deste trabalho. E sempre
demonstrou prazer em ouvir. Obrigado, meu amor! Você foi fundamental!
A música é composta por vários acordes. Na minha vida, eu pude contar com a harmonia
de cada pessoa aqui citada. Agradeço a Deus por permitir que elas cruzassem a minha trajetória.
Hoje sou quem eu sou, pois Sua mão me acompanhava. Eu também sei que é só o começo da
jornada.
Resumo

No ano de 1922, os trabalhadores associados da agremiação mutualista Sociedade Monte


Pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI) – situada nesta cidade do sul da Bahia – discutiram a
necessidade e a viabilidade da formação de uma banda musical com a finalidade de ser uma
escola de música para os filhos dos sócios e de pessoas pobres da cidade. Em 1925 a banda foi
oficialmente inaugurada como filarmônica e passou a ser chamada de Filarmônica Euterpe
Itabunense (FEI). Paralelo a isso, os trabalhadores pertencentes a SMPAI engajaram-se contra as
adversidades postas por uma República excludente e com raríssimas leis trabalhistas. Visto isso,
essa pesquisa pretende analisar como a filarmônica foi tanto ferramenta de lazer, educação e
sociabilidade, quanto ferramenta de sobrevivência. Rastreando vestígios em meio às atas de
reuniões de Assembleia Geral e diretoria desta entidade e de periódicos da cidade e
circunvizinhança, o objetivo é compreender de qual modo a FEI estava inserida nas relações
paternalistas entre trabalhadores e elite política itabunense, entendendo a relação desses sujeitos
com o poder público da cidade – que iniciava uma imposição de novos “costumes” através de
leis e mudança de hábitos – e com seus associados, por meio das políticas e conflitos internos
desta instituição no início da sua fundação.

Palavras-chave: História; Filarmônica; Política


Abstract

In 1922, workers associated with the mutualist association Sociedade Monte Pio dos
Artistas de Itabuna – SMPAI – located in Itabuna, a city in the south of Bahia – discussed the
need and viability of forming a musical band with the purpose of being a school of art. music for
the children of members and poor people in the city. In 1925 the band was officially inaugurated
as a philharmonic and was renamed Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI). In parallel to this,
workers belonging to SMPAI struggled against the adversities posed by an excluding Republic
and with very rare labor laws. Given this, this research intends to analyze how the philharmonic
was both a tool for leisure, education and sociability, and a tool for survival. Through the
minutes of meetings of the general assembly and board of directors of this entity and of
periodicals of the city and surroundings, tracking some details, the objective is to understand
how the FEI was inserted in the paternalistic relations between workers and the political elite of
Itabun, understanding the relationship of these subjects with the public power of the city – which
initiated the imposition of new “customs” through laws and changes in habits – and with its
associates, through the policies and internal conflicts of this institution at the beginning of its
foundation.

Keywords:
History – Filarmonic – Polítics
Lista de ilustrações

Figura 01 – Banda Filarmônica 15 de Março


Figura 02 – Banda Filarmônica Lira Popular
Figura 03 – Ponte de madeira da Rua Barão Branco
Figura 04 – Nova ponte que ligava a Rua Barão Branco
Figura 05 – Escola de Música Agenor Gomes
Figura 06 – Sport Club Foot-ball Brazil
Figura 07 – Associação Atlética Janizaros Itabunense
Figura 08 – América Freire
Figura 09 – Laura Conceição
Figura 10 – Edifício da sede da Filarmônica Euterpe Itabunense
Figura 11 – Filarmônica Euterpe Itabunense
Figura 12 – Parte final do Hino Social da Filarmônica Euterpe Itabunense
Figura 13 – Filarmônica Euterpe Itabunense, 1930
Figura 14 – Marcha de Rosemiro Pereira
Figura 15 - Partitura O Guarani
Figura 16 – Partitura Musical de um Dobrado
Figura 17 – Inauguração da Ponte Goés Calmon
Figura 18 - Partitura Fox-trot
Lista de tabelas, gráficos e quadros

Tabela 01: Instituições de Caridade e Saúde


Tabela 02: Filarmônicas do Sul da Bahia entre 1920 e 1930
Tabela 03: Caixa do Monte Pio entre janeiro e setembro de 1925
Lista de abreviaturas e siglas

CEDOC/UESC – Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual de


Santa Cruz
FEI – Filarmônica Euterpe Itabunense
FUNARTE – Fundação Nacional de Artes
LIDA – Liga de Desportos Amadores de Itabuna
PRD – Partido Republicano Democrata
SCMI – Santa Casa de Misericórdia de Itabuna
SMPAI – Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna
SUPOI - Sociedade União Protetora dos Artistas e Operários de Ilhéus
Sumário

Introdução............................................................................................................................................... 13
Capítulo 1 – Associativismo: dificuldades e sobrevivência ................................................................. 29
A Emergência da Cultura Urbana em Itabuna: valores e comportamentos na cidade ........................... 36
Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna ...................................................................................... 44

Capítulo 2 – As origens da Filarmônica Euterpe Itabunense, sua composição e suas regras .......... 51
Lazer e Sociabilidade Urbana ............................................................................................................... 55
Formação da Filarmônica Euterpe Itabunense ...................................................................................... 65

Capítulo 3 – Filarmônica em tempos de coronelismo...........................................................................71


A Filarmônica Euterpe Itabunense: membros e estrutura administrativa .............................................. 72
Músicos e participantes da FEI ............................................................................................................ 74
Afinando o coro dos contentes: calendários de festividades e lazer ...................................................... 81

Conclusão...................................................................................................................................................92

Arquivos e Fontes ...................................................................................................................................95

Referência Bibliográfica.........................................................................................................................96
13

Introdução

Para que não haja sombra de dúvida, afirmo que o objeto pesquisado neste trabalho é
uma banda filarmônica. Elas são associações civis, com estatutos, diretoria, sócios e sedes,
compostas maioritariamente por músicos amadores, por vezes, indivíduos das camadas menos
abastadas da sociedade local1. No Brasil, há 3.094 bandas filarmônicas cadastradas no Projeto
Bandas da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), sendo 224 bandas na Região Norte, 950
na Região Nordeste, 197 no Centro-Oeste, 1315 na Região Sudeste e 408 na Região Sul2.
A quantidade expressiva desse tipo de banda ainda ativa em um período histórico onde
os streamings de música fazem parte do nosso dia a dia, revela a importância que essa prática
musical ainda possui. Na Bahia, há 188 bandas cadastradas e muitas já são centenárias ou
estão perto de completar 100 anos de existência.
Embora seja um número expressivo – não considerando as possíveis bandas não
cadastradas – os trabalhos no campo historiográficos sobre a temática são escassos. Manuela
Areias Costa dedicou sua formação em História tanto na graduação como pós-graduação aos
estudos de bandas filarmônicas em Minas Gerais – estado com maior quantidade de bandas
cadastradas na FUNARTE – e na Bahia. Seus trabalhos contribuíram para meu estudo.
A recorrência bibliográfica no campo das ciências sociais para compreensão dessas
bandas está em Vicente Salles e seu estudo sobre as bandas de música no Grão Pará3 e José
Ramos Tinhorão, além dos trabalhos de conclusão de curso das faculdades de música
alocadas no Brasil. Na Bahia encontramos o trabalho de dissertação de Melira Cazaes sobre
filarmônicas da cidade Cachoeira, na região do Recôncavo4. Charles D‟Almeida, por sua vez,
contribuiu para a história das filarmônicas na Bahia também estudando as filarmônicas da
região do Recôncavo. Outras contribuições para essa história não são de trabalhos exclusivos
sobre bandas, mas de outras temáticas em que elas também podem estar inseridas.
No sul da Bahia, não há trabalhos sistemáticos e importantes sobre filarmônicas, ainda

1
Sobre o conceito de filarmônica, ver: Costa, Manuela Areias. Música e História: desafio analítico. Anais Do
Simpósio Nacional De História – ANPUH. SP, 2011 disponível em:
https://anpuh.org.br/index.php/documentos/anais/category-items/1-anais-simposios-anpuh/32-snh26?start=2240 .
acessado em: 05/07/2019 ; DANTAS, Fred. Teoria e Leitura da Música para Filarmônicas. Ed Casa das
Filarmônicas, Salvador; SCHWEBEL, Horst Karl. Bandas, filarmônicas e mestres na Bahia. – Salvador:
Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia, 1987.
2
Projeto Bandas. Bandas de Música por Estado Cadastradas na Funarte. Disponível em:
https://sistema.funarte.gov.br/consultaBandas/index.php. Acesso em: 15/11/2022
3
SALLES, Vicente. Sociedade de Euterpe. As Bandas de Músicas no Grão- Pará. Brasília: Edição do Autor,
1985.
4
CAZAES, Melira Elen Mascarenhas. No ritmo do compasso, a melodia das filarmônicas em harmonia com
o tempo: um estudo sobre a Lyra Ceciliana e a Minerva Cachoeirana (1960-1980). Dissertação (Mestrado
em História).
14

que a cultura dessas bandas fosse de expressão na região. Este trabalho pode ser um dos
primeiros a destacar essas agremiações musicais como objeto de pesquisa e acreditamos que
elas são uma janela para a compreensão de uma sociedade em seu tempo e espaço e, desse
modo, motivar outros pesquisadores e pesquisadoras a desbravarem o mundo das
filarmônicas.
É possível encontrar mais informações sobre bandas filarmônicas na Bahia através do
site do projeto Mapa das Bandas Filarmônicas, viabilizado pelo suporte financeiro do
Programa Aldair Blanc Bahia. Além do mapeamento, o projeto resultou em um livro digital
intitulado “Refletir as Sociedades Filarmônicas na Bahia: desafios e novos caminhos”5.
O interesse por este tipo de associação musical surgiu no final da graduação, quando
em uma das visitas ao Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade
Estadual de Santa Cruz (CEDOC/UESC) deparei-me com escritos sobre bandas fundadas
ainda no século XIX no distrito de Tabocas, que futuramente, se tornaria a cidade de Itabuna,
localizada no sul da Bahia.
A primeira banda filarmônica criada foi a 15 de Março, fundada em 1898, tendo como
dois de seus outros fundadores os senhores Paulino Vieira do Nascimento e José Firmino
Alves. A filarmônica 15 de Março durou apenas dois anos.

Figura 01: Fotografia da Banda Filarmônica 15 de Março 6

5
Consultar: FERNANDES, Taiane; OLIVEIRA, Gleise. Refletir as Sociedades Filarmônicas: desafios e novos
caminhos. Salvador: Edufba, 2021; http://www.mapafilarmonicasbahia.com.br/ acessado em: 13/12/2022.
6
ANDRADE, José Dantas de. Documentário histórico ilustrado de Itabuna. Itabuna: Gráfica Editora Itabuna
LTDA, 1968.
15

Em 1901, tendo como um dos fundadores o senhor Henrique Alves dos Reis, surge a
Filarmônica Primeira Minerva, que esteve em atividade por três anos sob a regência de José
Antônio Fogueira. A Primeira Minerva se desfez por um pequeno desentendimento entre os
integrantes.

Três anos depois da fundação da Filarmônica Minerva, os antigos componentes da 15


de Março fundaram a Filarmônica Lira Popular, composta também por alguns integrantes da
extinta Minerva. Em 1906, reapareceu a Minerva,O responsável por tal feito foi o engenheiro
Olinto Leone, e na regência da nova Minerva, estava novamente José Antônio Figueiredo.

Figura 02: Fotografia da banda filarmônica Lira Popular7

As bandas tocavam em festejos cívicos e religiosos, alegrando a população por onde


passavam. A alegria tinha seus limites quando, segundo os memorialistas locais, as duas
filarmônicas encontravam-se, ocorrendo agressões verbais, físicas e até morte8. Tais
agremiações inauguraram, em Itabuna, uma política de bandas musicais, repleta de
rivalidades, já que Firmino Alves, um dos fundadores da Lira Popular, juntamente com o
Henrique Alves, não aprovava a escolha de Olinto Leone como intendente do distrito de
Tabocas, apesar de serem do mesmo partido político. Ambas as filarmônicas sinalizam o uso
político partidário de suas atividades. Percebe-se que, muitas vezes, elas foram utilizadas com

7
Fotografia da banda filarmônica Lira Popular. FOGUEIRA, Manoel Bomfim. Ensaios Históricos de Itabuna:
o jequitibá da Taboca, 1849-1960. Revisão, atualização, introdução e notas Janete Ruiz de Macedo e João
Cordeiro de Andrade. – 2° ed.rev. e ampl. – Ilhéus: Editus, 2011. P. 60
8
Tanto o memorialista Manoel Fogueira, quanto Francisco Benício relatam as violências entre os adeptos da
banda. O fato mais curioso que encontramos das desavenças foi um conflito no ano de 1909, que resultou na
morte de oito pessoas, por disparo de arma de fogo. SANTOS, Francisco Benício dos. Memórias de Chico.
Portinho Cavalcanti: RJ.
16

o intuito de alcançar adeptos e, consequentemente, votos.


As filarmônicas proporcionavam, através das músicas, momentos de alegria à
população; sendo importante que, os integrantes fossem bons músicos para cativar qualquer
pessoa elegível a votar no partido que a banda fosse “afiliada”. Tal molde político e a
rivalidade entre Minerva e Lira Popular permaneceram até Olinto Leone filiar-se ao partido
Seabrista9, mesmo grupo político de seu irmão, também político importante da Bahia, Arlindo
Leone. Em 1912, Olinto Leone morreu.
De posse dessas informações, é tangível, e quase que audível, a possibilidade de
pesquisa articulando filarmônica e política numa sociedade que acabara de se tornar
República e em uma região sob relativa dominação de famílias ricas, exercendo poder através
de status social e posses, caracterizando o coronelismo10. Nela encontram-se, da mesma
maneira, movimentações políticas dignas de contraposição à tal dominação.
O político na música está atrelado à sua intencionalidade. É possível encontrar o
sentido da música no contexto em que a composição está inserida, identificando a
aproximação da sua letra com a sociedade. A questão política, muitas vezes, não estará
explícita na música, será necessária uma sensibilidade da realidade, uma consciência política
para perceber os pequenos ruídos em que ela deixa de ser algo lúdico para tornar-se
instrumento de interação política. Para tanto, decidi ir em busca daquilo que todo historiador
precisa: fontes. Nesse processo, encontrei a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI), criada e
mantida até os dias de hoje pela agremiação de auxílio mútuo Sociedade Monte pio dos
Artistas de Itabuna (SMPAI).
A SMPAI é uma agremiação fundada em novembro de 1919 por um grupo de
trabalhadores artesanais: carpinteiros, marceneiros, pedreiros, entre outros profissionais que
enquadravam-se nesse rol de trabalho manual. Segundo Aldrin Castellucci, as agremiações
com as características da SMPAI solidificaram-se na busca por segurança, na ausência de
providência social, o que deixava tais grupos de trabalhadores pobres desamparados. Esses
agrupamentos, além de oferecerem socorro mútuo, oportunizavam dias de lazer e
entretenimento para seus sócios, familiares e adeptos, com viagens de excursão e intercâmbio
com outras agremiações das localidades circunvizinhas, realizando apresentações de bandas
semelhantes à FEI11.
A dinâmica da Euterpe Itabunense, com certeza, é diferente das bandas que eu

9
Partido liderado pelo J. J. Seabra, governador do Estado da Bahia entre 1912-1916 e de 1920-1924.
10
FALCON, Gustavo. Os Coronéis do Cacau. Salvador, Ba: solisluna Desing Editora, 2010.
11
CASTELLUCCI, Aldrin A. M. S. A luta contra adversidade. In. Revista Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4,
agosto-dezembro de 2010.
17

destaquei no início desse texto, entretanto, há algumas características semelhantes, basta


observarmos a foto da filarmônica Lira Popular (Figura 02). O fardamento e instrumentos são
característicos dos uniformes militares, denotando uma influência: elas são, na verdade,
derivadas de bandas militares.
Segundo Delmar Domingos de Carvalho, bandas marciais surgiram quando as batalhas
bélicas entre indivíduos se intensificaram e a música passou a ser um elemento importante
para servir tanto como motivação nos combates, quanto de forma lúdica para os
beligerantes12. Elas foram necessárias para o engrandecimento do poder e soberania de muitos
monarcas europeus, mostrando que as bandas poderiam ser uma ótima ferramenta política.
Exemplo disso foi D. João V, no século XVII, que reconheceu a importância de formar uma
banda para a sua afirmação como monarca absoluto13.
Conforme o português Manuel Bernardo dos Santos Neto afirma

[...] ao compreendermos a evolução da história europeia verificamos que a música


marcial, dedicada aos grandes espaços públicos, vai ganhando importância
paulatinamente nas diferentes sociedades, inclusive na portuguesa. Adquire-se, nas
diferentes realidades dos países, a ideia de que a música é um fator de unificação de
identidade nacional [...] bem como a glorificação de seus lideres granjeando assim,
junto das populações, respeito e notoriedade pelos seus suseranos14.

As bandas marciais foram se transformando em símbolos das sociedades com o


arrefecimento de sua utilidade e a constância com que tocavam a bem da nação, de acordo
com o olhar dos governantes que os contratavam. O que também cooperou para isso foi o
aparecimento de construtores de instrumentos de sopro, passando a fornecer tais instrumentos
para abrilhantar ainda mais as bandas militares, e são com esses instrumentos que se compõe
uma filarmônica15.
Especificamente em Portugal, é possível perceber a banda marcial como um fator de
unificação de identidade nacional, haja vista que a proliferação de bandas filarmônicas teve

12
CARVALHO, Delmar Domingos de. A História das Bandas. Artigos Meloteca, 2009. Acessado em: 02 de
setembro de 2021. Disponível em: https://www.meloteca.com/wp-content/uploads/2019/03/a-historia-das-
bandas-compactado.pdf. Acesso em: 02 de setembro de 2021.
13
NETO, Manuel Bernardo dos Santos. A Sociedade Filarmónica Lousanense: contributo para a sua
história entre 1853 e a implantação da república. Universidade de Coimbra, 2009. (dissertação)
14
Ibidem, p. 21.
15
A estrutura moderna dessas bandas deu início na França, durante o século XVIII, mas só teve popularidade na
Inglaterra, em meados do século XIX. Época em que houve o engajamento das massas de trabalhadores comuns
como ouvintes e executantes de instrumentos de metal, que sofreram adaptações nas válvulas do sopro, tornando
o aprendizado fácil. Outro fator importante foi o desenvolvimento de novos métodos industriais de manufatura,
possibilitando a produção em larga escala. Ver: BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil:
difusão e organização entre 1808-1889 (mestrado). SP – 2006.
18

relação com as práticas religiosas e comunitárias da população, como em missas e


procissões16. Aqui se faz valer a ideia do papel político da filarmônica. Portugal sempre foi
um país extremamente católico e a igreja tinha uma finalidade para as bandas, que era a de
elemento de sociabilidade entre os fiéis, como também de atrair os “pagãos”.
Ainda que por volta dos anos de 1500 a atenção não fosse mais voltada para aqueles
trovadores, mas para as novas músicas como óperas e cantatas, as bandas marciais não saíram
de cena e este foi o contexto musical de quando o Brasil passou a ser ocupado pelos lusitanos.
Fato é que, de certo modo, os aspectos culturais lusitanos foram influentes na nova terra e o
musical estava incluso, já que

As tradições musicais portuguesas influenciaram definitivamente a vida musical na


nova colônia. Entretanto somente com a „vinda da família real para o brasil e o
estabelecimento de um exército nacional, que as bandas militares se concretizaram e
contribuíram diretamente para o surgimento de bandas civis no país‟17.

Era necessário manter a pompa da Coroa, a ostentação do seu modo de vida e os


festejos e, para isso, arregimentou-se músicos, pintores e outros artífices para abrilhantar as
festas ou exaltar a Corte como reafirmação do poder. As primeiras formações de bandas
militares no Brasil foram no século XIX, com a chegada da Corte no país. Entretanto, houve
dificuldade para manutenção delas pela falta de instrumentistas profissionais locais. O
problema foi sanado com o recrutamento de jovens alunos musicistas nas fileiras do exército
para atender às demandas “patrióticas” lusitanas18.
Esse conjunto de práticas, de natureza ritual ou simbólica, lusitanas permitiu um
intercâmbio musical, fazendo com que a música erudita e marcial fosse ouvida e praticada por
aqueles que um dia passariam a ser somente brasileiros. O Período Joanino foi uma mistura de
culturas, em que a música também esteve presente nessa caixinha de surpresas que se mesclou
a cultura europeia com a cultura local. Músicas como Câmera, Ópera Clássica, Ópera Italiana,
foram disseminadas pela Corte, que trouxe todos os seus costumes para a terra brasilis. A
Guarda Nacional – criada em 1831 – teve em sua banda músicas dos gêneros dobrados e
músicas clássicas, músicas populares, principalmente nas festividades cívicas abertas à
população19.

16
NETO, op.cit.
17
MONTEIRO, Mauricio. Música na Corte do Brasil in: revista Textos do Brasil, nº12 – Música Erudita
Brasileira. Ministério das Relações Exteriores, Departamento Cultural. p.35-36 Disponível em:
http://dc.itamaraty.gov.br/publicacoes/textos-do-brasil-12 Acesso em: 01 de julho de 2021.
18
TINHORÃO, José Ramos. Os Sons que Vêm da Rua. – São Paulo: Editora 34, 2013 (3ª edição). P. 101.
19
Ibidem, p. 111.
19

As bandas militares, também compostas por alguns civis, passaram a inspirar


constituições de bandas integralmente civis, sendo mais nítido após a Guerra do Paraguai, já
os recrutas civis levaram suas composições populares para o campo de batalha e retornaram
militarizados20, isso pode ser o motivo do surgimento de bandas civis com fardamentos,
instrumentos e características militares.
Em outros contextos, conjuntos musicais foram criados e administrados por senhores
de engenho, tendo padres como os responsáveis pelo ensino musical nas fazendas. A
motivação para criação de bandas civis em engenhos veio pela cobrança de quantia por
Irmandades nos fornecimentos das músicas, portanto, ter seu próprio grupo musical era uma
alternativa de economia e para a expansão de status e poder, explorando a habilidade musical
dos escravos.
Contudo, apesar da intenção dos escravocratas, as práticas musicais também se
destacavam por serem espaços de resistência, criação de laços de solidariedade e lazer 21. Em
1850, na região da Chapada Diamantina, na Bahia, existiu uma banda chamada Filarmônica
Chapadista, criada por Raimunda Porcina de Jesus e composta por seus escravos. Mesmo após
a morte da criadora, a banda continuou ativa e animou passeatas organizadas por
abolicionistas na região do Recôncavo e em Salvador22. Raimunda Porcina foi citada em um
relato de viagem de Francisco de Laval23.
Na Bahia, escravos e libertos oriundos das formações de militares contribuíram para o
alastramento das bandas civis ao longo do século XIX, com intenção de alcançar
reconhecimento ou ascensão social por meio da música. A essa altura, a música já estava
vinculada ao cotidiano dos(as) trabalhadores(as) rurais e urbanos. Essas agremiações
proporcionavam uma possibilidade de formação artística para esses indivíduos e seus filhos,
em que talvez, em outras instituições da sociedade não lhes fosse fornecido por conta de suas
condições sociais; além de momentos de sociabilidade entre os componentes e cidadãos24.
Isso nos dá a dimensão do uso das formações de bandas filarmônicas civis tanto para
lazer e sociabilidades, quanto para política no pleito de direitos à cidadania, haja vista que há

20
CARVALHO, Vinicius Mariano de. Música de Combate. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano
5, n. 51, dez. 2009, p.40.
21
COSTA, Manuela Areias. O “Maestro da abolição” no Recôncavo baiano: abolicionismo e memória nas
músicas e crônicas de Manoel Tranquilino Bastos (Cachoeira – Ba, 1884-1920) Tese de Doutorado PPGH
História Comparada, Rio de Janeiro, 2016. p. 40.
22
Ibidem, p.40
23
SCHWEBEL, Horst Karl. Bandas, filarmônicas e mestres na Bahia. – Salvador: Centro de Estudos Baianos
da Universidade Federal da Bahia, 1987.
24
D‟ALMEIDA, Charles. Musicalidades Baianas: as filarmônicas do Recôncavo, in: Anais Eletrônicos do IV
Encontro Estadual de História Anpuh – BA, 2009.
20

algumas filarmônicas citadas nos trabalhos de Manuela Areias, como a Euterpe Ceciliana,
capitaneada por Tranquilino Bastos, sendo uma banda importante para o processo de abolição,
representando artesãos, alfaiates e sapateiros, a maioria homens negros25.
As bandas passaram a representar não somente questões culturais, mas demandas
sociais de enfrentamentos políticos. Exemplo disso foram as bandas formadas no Recôncavo
Baiano, como a Oito de Dezembro, ligada aos liberais, e a Dois de Fevereiro, ligada aos
conservadores. Além dessas, se fazia presente a banda São Benedito, composta por homens
negros. Esses grupos musicais, representações de sociedade por meio dos indivíduos que
faziam sua composição, não eram, no entanto, agentes de uma política meramente partidária,
mas de uma política prática enquanto reivindicação de algo, como a liberdade, pleiteada, por
exemplo, pela filarmônica Lyra Ceciliana, em 1888.26
Avançando ao século XX, entre as décadas de 1920 e 1960, seguindo o advento da
urbanização e do aumento dos espaços de sociabilidade, multiplicaram-se os grupos de
pessoas que saíam a passeio entre as cidades, acompanhadas de uma banda filarmônica. Por
vezes, as bandas também estavam relacionadas aos enfrentamentos sociais, principalmente as
agremiações, que se associavam à classe trabalhadora. O desenvolvimento econômico do
século XX contribuiu e facilitou a rápida expansão das filarmônicas no país. Elas também
serviram como lazer, sociabilidade e posicionamento político, fator característico da música
urbana27.
A partir de um cenário macro tão social e musical, encontramos a viabilidade para um
estudo envolvendo a filarmônica produzida por um grupo de trabalhadores em Itabuna. A
prática musical pode ser utilizada na análise histórica porque carrega consigo costumes,
hábitos e estética de uma sociedade, sendo portadora de representações e experiências28 e
queremos aqui vislumbrar o que a Filarmônica Euterpe Itabunense revela por meio de suas
práticas.
Um dos primeiros historiadores profissionais a enfrentar as questões teórico-
metodológica da música foi Arnaldo Contier. Para ele, a canção está cifrada não somente na
letra, mas nos modos sutis de sua produção: apropriação de ritmos, timbres, tramas melódicas

25
AREIAS, op. cit., p.48.
26
SANTANA, Charles D´Almeida. As Filarmônicas e a música urbana no recôncavo in: Capítulos de
História da Bahia: novos enfoques, novas abordagens. 01 ed. São Paulo: Annablume editora LTDA, 2009.
Wellington Castellucci Junior, Maria das Graças Leal e Raimundo Nonato Pereira (orgs.).
27
Ibidem, p. 274.
28
Costa, Manuela Areias. Música E História: desafio analítico. Anais Do Simpósio Nacional De História –
Anpuh. Sp,2011.
21

e, sobretudo, quando e por quem foi produzida29. A subjetividade do compositor ou do


praticante musical está escondida por detrás dessa sutileza. Essa perspectiva nos inspira no
estudo do nosso objeto.
Entendemos a música e o seu papel social, temos a destreza de compreender que ela é
a representação artística de uma civilização e reflete os comportamentos sociais. Contudo,
como podemos decifra-la? Convido-os para um exercício de imaginação reflexiva. A música é
formada por melodias, harmonias e ritmos comunicados através de acordes. Acorde pode ser
entendido como um conjunto de notas musicais que, quando tocadas de forma simultânea,
produzem um novo som. Nessa produção, as notas influenciam uma à outra, causando
sonoridades diferentes, mas não deixam de cumprir sua função quando se juntam: formar um
acorde. Para que a música não se perca e gere algum som desconfortável na canção, é
importante compreender qual som cada nota reproduz, o que influenciará no resultado final.
Cada nota não se refere a algo único e exclusivo de um acorde, podendo ser repetida
na formação de outro acorde, que, por sua vez, segue o mesmo fluxo. Isso é conhecido como
relação, e acontece quando um mesmo acorde faz parte de outros campos harmônicos.
Campo harmônico é um conjunto de acordes que fazem parte de uma mesma escala, que
significa uma sequência de sons que seguem um padrão. Para o músico tocar sem a
necessidade de estar assegurado na notação representativa dos acordes, basta ele ter domínio
do campo harmônico, dessa forma, conseguirá combinar sons de forma organizada em cada
tempo musical. O campo harmônico é um elemento importante para definir quais acordes
entoar em uma música.
Em nossa proposta de imaginação reflexiva, podemos ensaiar a seguinte comparação:
se todo o trabalho que você está prestes a ler fosse uma canção, diríamos então que o campo
harmônico dele é a História Social. Essa teoria da História é uma contraposição à perspectiva
linear, automatizada e progressiva dos fatos históricos, visando encontrar, desse modo,
descontinuidades, dar visibilidade e amplificar as vozes dos subalternos que eram “vistos de
baixo”, dando atenção às experiências compartilhadas por eles em seu cotidiano30.
Ao tratar dessa temática é quase impossível não pensar em Edward Palmer Thompson,
Cristopher Hill, Raymond Williams, Raphael Samuel, Jonh Saville, Eric Hobsbawm e
Dorothy Thompson, nomes que contribuíram para a New Left Review, publicando textos na

29
NAPOLITANO, Marcos. História depois do papel in: PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora). Fontes
Históricas – 2.ed., 1ª impressão – São Paulo: Contexto, 2008.
30
THOMPSON. E.P. A História Vista de Baixo in: Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. Org. Antônio
Luigi Negro e Sérgio Silva. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001; THOMPSON. E.P. A formação da
classe operária inglesa / E. P. Thompson ; tradução: Renato Busatto Neto, Cláudia Rocha de Almeida.
Imprenta: São Paulo, Paz e Terra, 2002.
22

persperctiva de que a ação política não poderia ser resumida somente na militância
partidária31.
Enquanto professor de educação profissional, Thompson despertou o interesse dos
alunos por suas aulas porque fazia com que eles percebessem a História “viva” e que eles
eram partícipes da construção histórica. Para ele, as camadas populares são ativamente
participantes, preenchendo as lacunas históricas deixadas pela historiografia marxista
tradicional. Sob essas reflexões e em diálogo com a sociologia, Thompson publica umas das
principais obras da História Social: The Making of The English Working Class, traduzido no
Brasil em 1980 sob o título A Formação da Classe Operária Inglesa.
A obra de Thompson é bastante conhecida pela renovação historiográfica, abrindo um
leque de novas fontes como atas, biografias, ditos populares, além de fontes oficiais, buscando
analisar aspectos sociais, emocionais, culturais, costumes e tradições, observando o ser
humano e suas contingências, resgatando as ações coletivas de homens e mulheres comuns
sob o conceito de experiência, composta por diferentes vivências em seus cotidianos.
A narrativa e reflexões contra a “história vista de cima” não foi algo inédito em
Thompson e na História Social. No final do século XVIII, o francês Jules Michelet escrevia
sobre a história dos “subalternos” – como ele se referia à “história vista de baixo” – e foi
ofuscado pela historia neo-rankeana. Peter Burke traz a insatisfação de alguns historiadores
que no fim do século XIX foram de encontro às análises que visavam a história dos grandes
homens e feitos. Historiadores como o alemão Otto Hintze e o norte americano Frederick
Jackson Turner, desejavam não ver somente a história daqueles que estavam no topo da
montanha russa, mas acreditar que “todas as esferas da atividade humana devem ser
consideradas”, como disse o americano32. A História Social Inglesa concretizou a História
Social que vinha sendo tratada com atenção por alguns historiadores desde o final do século
XIX e ainda trazendo novas temáticas.
Se este trabalho fosse uma canção, todas as harmonias que nosso campo harmônico
pode oferecer, seriam do mundo do trabalho. Usaremos a História Social como pilar de
análise do mundo do trabalho no Brasil. Outrora vigorou no Brasil a afirmação de que o país
era um “país sem povo”. Tal declaração estava eivada de um modelo europeu ocidental de
desenvolvimento, baseado no darwnismo social, fortalecendo a imagem do escravo no Brasil
como um ser coisificado e sem visão política e a atribuição da cultura e cultura política apenas

31
E. P. Thompson ; tradução: Renato Busatto Neto, Cláudia Rocha de Almeida. Imprenta: São Paulo, Paz e
Terra, 2002.
32
BURKE, Peter. História e Teoria Social. – São Paulo: Editora UNESP, 2002. P. 29
23

aos operários fabris, como se o trabalhador brasileiro não pudesse contar sua própria
história33.
Essa perspectiva histórica vai se findando na década de 1970, quando os cientistas
sociais vivenciaram momentos em que trabalhadores deflagravam greves durante o período
ditatorial no país, lutando por direitos sociais e melhorias nas condições de trabalho. A partir
da década de 1980, pesquisadoras e pesquisadores brasileiros contrapuseram essa afirmação
articulando maneiras de inquirir as experiência de escravos e trabalhadores livres em seus
cotidianos sob influência das produções thompsinianas recém traduzidas no Brasil.
Daí surgem as discussões sobre o lugar dos trabalhadores durante a Primeira
República; autonomia, controle social e vigilância, História do Cotidiano; cultura popular,
narrativas sobre classe perigosa no processo de modernização e como ideais da “belle
epóque” interferiram no cotidiano dos trabalhadores.
A História Social do Trabalho tem como premissa “as experiências dos sujeitos em
seus próprios termos”34, ou seja, o campo de análise deve sempre partir da ótica dos
trabalhadores e trabalhadoras, de modo que possamos compreender como se comportavam
com as tentativas de controle do tempo, da vida e dos processos de trabalho, fatores que
estiveram em disputa no capitalismo. As obras que dão o tom à esta temática são “Trabalho,
Lar e Botequim”, de Sidney Chalhoub e “A Invenção do Trabalhismo”, de Angela de Castro
Gomes.
Percebe-se a contribuição de trabalhadores no desenvolvimento de culturas
associativas a partir de estudos sobre sociedades recreativas, esportivas, mutualistas,
educacionais e sindicais. Novos temas do mundo do trabalho foram surgindo, como o
mutualismo. O mutualismo tem origem no século XIX, com o filósofo político e economista
francês Pierre-Joseph Proudhon, que defendia a auto-organização dos trabalhadores.
Inspiradas por essa filosofia, as agremiações associativas/mutualistas ganharam corpo com o
Iluminismo, no qual os ideais de liberdade e pleito de defesa à vida se fortaleceram35.
Há aparições de associações de caráter mutualista, no Brasil, ainda nos anos
oitocentos36 e tiveram seu crescimento a partir do impacto causado pela abolição da
escravatura, período de muitas mudanças no âmbito social, econômico, político e cultural,
33
CHALHOUB, Sidney. SILVA, Fernando Teixeira. Sujeitos no Imaginário Acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980 in: Cadernos AEL, v. 14, n. 26, 2009.
34
POPINIGIS, Fabiane; AMARAL, Deivisson. Avanços e Desafios da História Social do Trabalho in:
Trabalhadores e trabalhadoras: capítulos de história socail. – Jundiaí SP: Paco Editoral, 2022. P. 08.
35
CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Cláudio H. M. Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e
mutualismo no Brasil (séc. XIX-XX) / (org) – Campinas, SP; Editora da Unicamp, 2014.
36
REIS, Lysie. A Liberdade que Veio do Ofício: práticas sociais e cultura dos artificies na Bahia do século
XIX. – Salvador, EDUFBA, 2012.
24

contribuindo de forma significativa para o acelerado processo de urbanização, o êxodo rural e


as imigrações37.
O hábito de associar-se demonstra que os trabalhadores compreenderam o mundo em
transformação. Essas mutuais voltadas ao trabalho possuíam caráter assistencial e propiciador
de relações de sociabilidade, e sua composição, em suma, foi policlassista, o que amenizava
os eventuais conflitos entre o capital e o trabalho. Entretanto, elas não se esgotavam na
assistência. As agremiações aproveitavam as ausências de alternativas de lazer para fazerem
do seu espaço um local de fortalecimento de relações afetivas e nele eram construídas
representações simbólicas.
Julgamos necessária a importância da compreensão do lazer no processo histórico.
Segundo Cleber Dias, o surgimento das primeiras pesquisas sistêmicas sobre lazer foi na 7ª
Conferência da revista britânica Past and Present, quando Keith Tomas publicou um artigo
que buscou compreender como a sociedade industrial organizou o trabalho e o lazer
determinando o tempo do trabalho e o tempo do não trabalho. Em suma, Thomas
compreendeu que a noção de lazer nessa sociedade é fruto do choque cultural entre o período
pré-industrial e industrial38.
Para chegar a essa conclusão, Thomas percebeu algumas alterações na estrutura do
lazer. Notou a mudança da natureza do trabalho e o surgimento de novos profissionais e
profissões; a mudança de vida em grandes cidades, fomentando novos mercados de bens de
consumo, construção de praças, fontes e espaços de lazer, constituindo novas formas de
passar o tempo. A partir disso, ele percebeu que o lazer passou a cumprir uma função social.
Dessa forma, conseguiremos compreender conceitos basilares que constararemos
presentes em nosso objeto de pesquisa: a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI).
Aparentemente, sua fundação estava voltada apenas para “abrilhantar as festas e sessões
solenes da sociedade (SMPAI); comparecer a outras festas para que for devidamente
contratada; tocar nas procissões e demais atos religiosos para quais forem devidamente
convidadas mediante remuneração...”39, como é previsto no artigo 5° do Regulamento da
Filarmônica Euterpe Itabunense. Todavia, desde sua criação, podemos perceber que a banda
foi também uma ferramenta de sociabilidade entre os sócios.
Nossa argumentação é que as filarmônicas criadas no âmbito de associações de

37
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Ethos Mutualista: valores, costumes e festividades in: Organizar e
Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séc. XIX-XX) / (org) – Campinas, SP; Editora da
Unicamp, 2014. CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Cláudio H. M. (org.)
38
DIAS, Cleber. História e Historiografia do Lazer in: Record: revista de História do Esporte, v. 11, n. 1, 2018
39
Artigo 5, parágrafo II,III e IV do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
25

trabalhadores não foram apenas meios de oportunizar sociabilidade e lazer, mas um local de
afirmação de identidades, propagação de ideias, sobretudo um desdobramento das lutas e
empenhos pelo alcance de direitos sociais na Primeira República no Brasil. No caso da
Filarmônica Euterpe Itabunense, acreditamos que a banda foi útil dentro da relação de
paternalismo junto a classe dominante local em busca de reconhecimento e também de
autonomia. É possível apurar isso dando foco às fontes em que se discutem suas formações,
calendários de festividades e formas de manutenção da FEI.
Queremos debater algumas inquietações, como a cidade de Itabuna,
predominantemente rural, porém incensada pela economia do cacau, projetava nas
filarmônicas seu ideal de moderno, civilizado e progressista e que estimulava a sociabilidade
musical dos artífices itabunenses. Outros dois questionamentos também permearão todo o
trabalho: a motivação dos chefes políticos em se aproximarem e fazerem eco a essa
sociabilidade “dos de baixo”; e identificar se, nessa relação, havia alguma ordem de
convivência baseada no modo de dominação político e econômico.
Pretendemos entender as ações e vivências do grupo de trabalhadores, compreender
quais eram suas necessidades e experiências na cidade, com a política e a música. A política
aqui estará identificando trabalhadores que buscavam ampliar suas conquistas através de
meios que permitissem a consecução de ganhos materiais e simbólicos. Atentaremo-nos a
observar as relações de forças na busca de interesses e valores. Inferimos que essa relação
poderá gerar um conflito e seus desdobramentos.
Dito isto, compartilhamos as intenções desse trabalho de reconstruir a formação e
atuação da Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI), e investigar qual a representatividade da
instituição no cotidiano dos trabalhadores pertencentes a ela, entre os anos de 1925-1930. O
ano de 1925 é a inauguração oficial da banda, portanto, queremos neste espaço de 5 anos,
entender a viabilidade e seus impactos na reta final da Primeira República. É também do
nosso interesse compreender o que houve de corolário, de extraofical da FEI, já que possuíam
prestígio nos meios de comunicação local. Atentos ao ressoar das tensões e experiências dos
associados com a filarmônica e seu cotidiano. Para enxergar isso na FEI é necessária a adoção
de metodologias.
Escolhemos o método “contrapelo”, proposto por Walter Benjamin. Entender como
cultura, civilização e progresso estavam entrelaçados e como classes dominantes e subalternos
lidavam com isso é fundamental40. Compreender a noção de trabalho para aquela sociedade

40
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Ed. Zahar – RJ. 1979; LOWY. Michael. “A contrapelo”. A
concepção dialética da cultura nas teses de Walter Benjamin.
26

em questão sob concepção da História Conceitual proposta por Kosellec também se faz útil,
uma vez que, conceitos e palavras possuem história41.
Acreditamos que acessar os periódicos, censos, atas de reuniões da SMPAI e anuários
estatísticos com essas premissas nos dará um retorno clarividente na reflexão de nossa
argumentação. Esses tipos de fontes foram amplamente explorados após a New Left apresentar
viabilidade de estudo. Em nosso caso, nos adentramos no acervo da Sociedade Monte Pio dos
Artistas de Itabuna, organizado com suporte do Fundo de Cultura da Bahia, em edital 13/2014
– Restauração e Digitalização de Acervos Arquivísticos Privados. Isso possibilitou a
disponibilização do acervo documento da SMPAI produzida entre 1920 e 2010 para consulta
de pesquisadores, se tornando, até aqui, o único arquivo físico e digital de sociedade de classe
em Itabuna.
Para conseguir enxergar a Filarmônica Euterpe Itabunense entre a documentação,
selecionei palavras chaves relacionadas a bandas e realizei uma busca no arquivo digital entre
o recorte temporal que abrange essa pesquisa. A intenção não foi apenas quantificar
informações sobre a filarmônica, mas, sobretudo, serializar para realizar uma interpretação
histórica.
Quanto aos periódicos, no Brasil, um dos trabalhos mais pontuais foi a tese de
doutoramento de Arnaldo Contier. Intitulada “Imprensa, ideologia em São Paulo”, destacou
que a imprensa é um instrumento de manipulação de interesse e de intervenção na vida
social42.
As transformações sociais ocorridas a partir da virada do século XIX para o XX foram
veiculadas pela imprensa, que difundiu novos hábitos e valores, assim como as demandas
sociais políticas e estéticas das diferentes camadas da cidade. Era a ferramenta que as elites
mais utilizavam por ser o meio de comunicação mais próximo a eles. A função era anunciar o
“homem moderno” como o horizonte da nação43.
Em Itabuna, entre os anos de 1917 a 1930 havia quatro jornais de maior circulação:
Jornal A Época, Jornal de Itabuna, O Dia e O Intransigente. Para esta pesquisa usei os dois
primeiros e o jornal Correio de Ilhéus. Os integrantes das redações geralmente eram
advogados, engenheiros, médicos e farmacêuticos, todos membros da cultura letrada local,

41
BENTIVOGLIO, Júlio. A História Conceitual de Reinhart Koselleck in: Revista Dimensões, vol. 24, 2010,
p. 114-134.
42
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. in: PINSKY, Carla Bassanezi
(organizadora). Fontes Históricas – 2.ed., 1ª impressão – São Paulo: Contexto, 2008.
43
Ibidem, p. 124
27

que construíam discursos a favor dos seus parceiros políticos44.


Tudo isso posto, convido-os para entender nosso objeto de pesquisa como um acorde,
composto por notas musicais que darão sons e sentido dentro do nosso campo harmônico da
História Social. A primeira nota, a tônica, representada pelo primeiro capítulo, destacaremos
os fatores objetivos no processo de constituição, expansão e longevidade do mutualismo no
Brasil. A luta de trabalhadores(as) contra a adversidade por meio do auxílio mútuo tem
influências do Iluminismo no século XIX e, entre os anos de 1832 e 1930 teve seu momento
mais significativo, ao menos no caso da Bahia, como pontua Aldrin Castellucci45.
Ficaremos atentos, por meio de algumas produções acadêmicas, às especificidades do
associativismo baiano, para compreender o lugar do lazer e sociabilidades nessas instituições.
Da mesma forma, entender esse fenômeno no sul da Bahia, caracterizando suas
especificidades frente ao coronelismo local, dialogando com as pesquisas produzidas por
Philipe Murillo de Carvalho46.
Marc Bloch afirma que a História é uma ciência que verifica as ações humanas no
tempo, sendo impossível desassociar tempo (cronologia) do espaço (lugar). Acreditamos que
os espaços e suas representações afetam na vida cotidiana, tanto nas experiências quanto na
compreensão do lugar47, por isso julgamos importante compreender a cidade de Itabuna como
um local de experiência dos trabalhadores personagens dessa pesquisa.
A segunda nota do nosso acorde está partiturada no segundo capítulo, quando
analisaremos o processo interno de formação da FEI. No centro do debate estavam Flaviano
Moreira e Leopoldo Freire, ambos sócios fundadores da SMPAI e de posicionamentos
políticos e sociais distintos48. Todavia, o grau de importância e relevância que esses dois
personagens deram à construção de uma banda de música na SMPAI nos convida a refletir
sobre os lazeres e sociabilidades em Itabuna e sobre o afã da formação de uma cultura urbana
na cidade. Acreditamos que isso nos ajudará a compreender o surgimento de filarmônicas na
região.
Apresentaremos a quantidade de filarmônicas existentes no sul da Bahia no momento
em que havia dúvidas sobre a criação de uma banda na SMPAI. Além disso, pretendemos

44
CARVALHO, Philipe Murillo S. de. Imprensa e política em Itabuna na década de 1920: periodismo e luta
política. Seminário Cultura E Política Na Primeira República: Campanha Civilista Na Bahia. UESC, 2010.
45
Castellucci, Aldrin A. S. A Luta Contra a Adversidade: notas de pesquisa sobre o mutualismo na Bahia
(1832-1930). Revista Mundo do Trabalho v.2, nº4, 2010, p. 41.
46
Carvalho, Philipe Murillo Santana de. Trabalhadores, associativismo e política no sul da Bahia (Ilhéus e
Itabuna, 1918-1934)./ Philipe Murillo Santana de Carvalho. – Salvador, 2015.
47
HARVEY, Dave. O espaço como palavra chave. Revista Geographia. Rio de Janeiro: UFF, v. 14, n. 28, p. 8-
39, 2002.
48
CARVALHO, op. cit., 2015.
28

compreender esses grupos musicais como lugares de representações e identidades49. Essa é a


oportunidade de entendermos esses grupos comparando com o modus operandi de bandas em
outras regiões da Bahia.
A banda é formada em 1922 e mantida como escola de música. Essa discussão não
estará longe do que se compreendia como “modernidade” e “progresso” naquele período e a
concepção de vadiagem e lazeres não sadios em uma “civilização”50. É dentro desse processo
que a banda enquanto escola de música torna-se oficialmente filarmônica. Entender as
discussões políticas internas e externas da SMPAI nos mostrará a FEI como algo além do
lazer e sociabilidade.
A terceira e última nota, o terceiro capítulo, mapearemos os territórios onde a FEI
transitava, buscando compreender seus símbolos, a constituição de seu regulamento e seu
hino. Entender quem eram seus sócios e as formas de manutenção de recursos. Aqui,
queremos entender como esses trabalhadores escaparam de um roteiro estabelecido pelo
patronato, sobreviveram e se defenderam, exibindo seus próprios interesses51 através da
filarmônica, mostrando que seu uso também foi político e de subsistência para o alcance de
direitos sociais. E assim, tencionar a dinâmica da cultura associativa da SMPAI por meio da
FEI.

49
COSTA , Manuela Areias. A banda da Sociedade Musical União XV de Novembro e a construção de uma
identidade nacional do início do século XX in: Anais do XIV Encontro Regional da Anpuh-RJ – Memória e
Patrimônio. 19 a 23 de junho de 2010. Disponível em: https://www.encontro2010.rj.anpuh.org/ acessado em:
05/07/2019;
50
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle époque. – 2º ed. – Campinas, SP: Editora Unicamp, 2001; Ver: ALBURQUEQUE, Wlamyra Ribeiro de. O
Civismo Festivo na Bahia: comemorações públicas do Dois de Julho (1889/1932). Dissertação de mestrado,
UFBA. 1997; ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Vol. 1, Uma História de Costumes. Tradução Ruy
Jugman; revisão e apresentação, Renato Janine Ribeiro. – 2ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994;
GOMES, Angela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3ªed. – Rio de Janeiro: Editora FGV,2005.
51
NEGRO, Antônio Luigi. Paternalismo, populismo e história social in: cad. Ael, v.11, n.20/21, 2004; Modos
de dominação e revolução na Inglaterra in: Peculiaridades dos Ingleseses; THOMPSON, E. P. Costumes em
Comum / E. P. Thompson: revisão técnica Antônio Luigi Negro, Cristina Mereguello, Paula Fontes. – São
Paulo, Companhia das Letras, 1998.
29

Capítulo 1 – O associativismo: dificuldades e sobrevivência

A Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI) teve sua primeira eleição de
diretores em 1º de novembro de 1919, data oficializada como inauguração da agremiação. A
solenidade de posse aconteceu no dia 08 de fevereiro de 1920, com a presença dos sócios-
fundadores, membros da entidade, médicos, advogados e representantes da Associação
Comercial de Itabuna. Um deles, o comerciante local Filadelfo Almeida, presidiu a
Assembleia Geral durante o evento e enfatizou votos pelo progresso dos artistas. José
Marques, orador eleito celebrou “o progresso da sociedade e da pátria” e, em seguida,
Flaviano Moreira, eleito presidente da Assembleia Geral enfatizou que os operários
acompanharam o progresso e desenvolvimento da cidade de Itabuna e, por isso, formou-se a
entidade52.
A finalidade da SMPAI está descrita no artigo 1° de seu primeiro estatuto: “seguir a
evolução social de toda classe”; “filantropia e caridade enquanto dever”; com fins de socorro
mútuo, instrução moral e cívica. Além disso, assumir o compromisso de preparar os sócios e
seus filhos para o mercado de trabalho, combatendo o desemprego53.
As informações descritas acima apontam que a SMPAI foi fundada com a finalidade
de ser uma associação de auxílio mútuo. Há questões importantes a serem debatidas através
da solenidade de posse da entidade e do estatuto, contudo, partiremos do entendimento acerca
das experiências mutualistas e associativas.
Marcelo Mac Cord e Cláudio Batalha destacam que o associativismo remete a debates
acerca da liberdade e racionalidade no Iluminismo. Esse período histórico, que conflitou com
os ideais do Antigo Regime, fomentou a luta por uma participação social na vida política de
forma mais ampla e, desse modo, proporcionou a criação de associações de matizes diversas
com a finalidade de reunir pessoas com interesses comuns54.
Para compreender o associativismo como fenômeno, é preciso, portanto, buscar
problemáticas e seus enfrentamentos na esteira das transformações sociais. No caso de grupos
formados durante o Iluminismo, suas finalidades tiveram intuito de pressionar e impor
demandas econômicas e políticas em contraponto à maneira de governo do Antigo Regime.

52
Ata de reunião da Assembleia Geral da SMPAI, 08/02/1920. Arquivo SMPAI. Essa fonte e informações são
encontradas também no trabalho de doutorado de Philipe Murillo Santana de Carvalho. Ver: CARVALHO,
Philipe Murillo Santana de. Trabalhadores, Associativismo e Política no Sul da Bahia (Ilhéus e Itabuna,
1918-1934). Tese de doutoramento. Universidade Federal da Bahia, 2015.
53
Primeiro Estatuto da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. Arquivo SMPAI.
54
CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Cláudio H. M. Organizar e Proteger: trabalhadores, associações e
mutualismo no Brasil (séc XIX-XX) / (org) – Campinas, SP; Editora da Unicamp, 2014.
30

Em alguns lugares do mundo, o associativismo foi vinculado ao modelo de mutualismo 55,


como é o caso do Brasil.
Queremos destacar os grupos associativos, de caráter mutualista, como comuns entre
aqueles indivíduos que estiveram atentos às transformações sociais e as dificuldades que os
processos históricos no Brasil trouxeram. Essas entidades surgiram no século XIX. e o cenário
nesse século foi de novas conquistas da ciência, carregando consigo “ideais modernos”, noção
basilar nos conceitos de progresso e civilização56. Em solo brasileiro, essas ideias tiveram
suas primeiras manifestações no país, de forma incipiente, com algumas indústrias, ferrovias e
lenta urbanização em algumas cidades57.
O século XIX também foi marcado pelo processo de abolição da escravidão no Brasil
e pela “transição” do trabalho escravo para o livre, fazendo com que a classe dominante
elaborasse uma nova ética de trabalho. Segundo Sidney Chalhoub

[...] a transição entre o trabalho escravo e trabalho livre no Brasil do século XIX,
colocou as classes dominantes da época diante da necessidade premente de realizar
reajuste no seu universo mental, de adequar a sua visão de mundo às transformações
socioeconômicas que estavam em andamento. 58

A necessidade da adequação da visão de mundo acerca das noções de trabalho por


parte das classes dominantes, surgiu em decorrência de duas demandas: primeiro que a
escravidão poderia ser vista como um obstáculo ao “progresso”, desmentindo sua reputação;
segundo, pela complexidade que a abolição proporcionou ao mundo do trabalho livre.
Dessa forma, o esforço foi de revisitar o conceito de trabalho e desenvolver uma
nova ética do trabalho: não mais vista como insultante e degradador, mas como algo
positivo. Assim, o liberto deveria se preocupar não com a liberdade de seus atos, mas em não
se tornar ocioso ou vadio, amando o trabalho acima de tudo e vencendo os vícios, atitudes
55
Mutualité, oriundo do latim mutum, que significa empréstimo/troca. Para Proudhon, é no mutualismo que o
trabalhador deixa de ser servo do Estado e passa a ser homem livre, agindo sobre sua própria iniciativa. Ver em:
Sistema Mutualista, in: Proudhon. Org. Paulo-Edgar A. Resende; Edson Passetti. Coordenador: Florestan
Fernandes. Ed. Ática, 1986.
56
NEVES, Margarida e Souza. Os Cenários da República. O Brasil na virada do século XIX para o século
XX in: O Tempo do Liberalismo Oligárquico: da Proclamação da República à Revolução de 1930 – Primeira
República (1889-1930) / Organização Jorge Ferreira, Lucila de Almeida Neves Delgado. – 10. Ed. – Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
57
LEITE, Rinaldo César Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideias de civilização e cenas de anti-civilidade
em um contexto de modernização urbana, Salvador, 1912-1916. Universidade Federal da Bahia – UFBA ,
1996. SEVECENKO, Nicolau. História da Vida Privada no Brasil. Coordenador geral da coleção, Fernando
A. Novais; organizador do volume, Nicolau Sevcenko – São Paulo: Companhia das Letas, 1998. Vol. 3.
58
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle époque. – 2º ed. – Campinas, SP: Editora Unicamp, 2001. p. 65
31

consideradas “civilizadas”.
Reajustar a noção de trabalho sob essa batuta pode ser encarada como uma forma de
manter a dominação sobre os trabalhadores. Além disso, os empregadores não desassociavam
o trabalho escravo do livre e monitoravam os comportamentos dos trabalhadores, tentando
punir aqueles considerados indivíduos de posturas “indesejadas”59.
Foi nesse ambiente que artesãos, operários, libertos e ex-escravos experimentaram
dificuldades de sobrevivência. Porém, eles enxergaram no mutualismo uma ferramenta
importante para a segurança social e material, para se proteger de uma ordem social em que as
transformações políticas e econômicas redefiniram as relações de trabalho, a dinâmica urbana
e demográfica dos espaços. Dessa forma, era possível a formação de mutuais de libertos, com
objetivo de agregar ex-escravos, seus descendentes e mutuais de ofício, formada por pessoas
que buscavam valorização por meio do trabalho e estabelecer formas de proteção social entre
artesãos qualificados60.
Na Bahia, a primeira instituição criada foi a Sociedade Protetora dos Desvalidos, no
ano de 1832, com objetivo de auxiliar os cidadãos de cor preta em dificuldades por motivo de
doença, invalidez, velhice, prisão e pós-morte, além de supervisionar a educação dos órfãos61.
Passou a ser a primeira associação negra do Brasil, por meio do decreto 2.711 e da Lei 1.083
de 1860, conhecida como “Lei dos Entraves”.
Pouco tempo depois surgiu a Sociedade Montepio dos Artífices da Bahia, fundada por
carpinteiros dispensados do quadro oficial do Arsenal da Marinha. Da cisão da supracitada
entidade, nasceu a então Sociedade Montepio dos Artistas da Bahia, em 185262.
Lysie Reis destaca que

A utilização da força de trabalho das camadas pobres era o „carro chefe‟ do


discurso político do século XIX, que sabia o quanto seu projeto de
requalificação moral, higiênica e estética da vida citadina era atravancado
pela desqualificação profissional da população e pela quantidade de

59
Um trabalho onde podemos verificar isso com destreza é a tese de doutoramento de Robério Santos Souza.
Ver: Se eles são livres ou escravos: escravidão e trabalho livre nos Canteiros da Estrada de São Francisco:
Bahia, 1858-1863. Campinas, SP, 2013.
60
LACERDA, Davi Pereira; JESUS. Ronaldo Pereira. Dinâmica associativa no século XIX: socorro mútuo e
solidariedade entre livres e libertos no Rio de Janeiro Imperial.
61
CAMPOS, Lucas Ribeiro. Sociedade Protetora dos Desvalidos: mutualismo, política e identidade racial
em Salvador (1861-1894). Dissertação (mestrado). Programa de Pós Graduação em História Social da
Universidade Federal da Bahia – UFBA, 2018.
62
REIS, Lysie. A Liberdade que Veio do Ofício: práticas sociais e cultura dos artíficies na Bahia do século
XIX. – Salvador, EDUFBA, 2012.
32

indigentes que perambulavam pelas ruas63.

A nova noção de trabalho foi imposta às camadas mais pobres da população em prol
do projeto “civilizatório” que a classe dominante empreendia, entretanto, sem nenhum tipo de
mecanismo de securitização do trabalho e de direitos sociais.
Para evitar conflitos e se desonerar da obrigação de oferecer a securitização do
trabalho e de direitos sociais, leia-se, uma vida digna às camadas mais pobres, o governo
permitia a criação de mutuais, pois entendia tais agremiações como o meio para tal vida digna
na adaptação ao capitalismo e demonstrando à sociedade a prova que poderiam ser “cidadãos
de bem” 64. Não obstante, essas eram as estratégias que os sujeitos partícipes das agremiações
utilizavam para influenciar os rumos do presente onde estavam inseridos e almejar um futuro,
adquirindo ganhos reais e simbólicos em meio a essas tensões sociais.
Maria das Graças Leal, no estudo sobre o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, destacou
que tal agremiação foi identificada com a beneficência, instrução e trabalho e tinha como
objetivo alcançar trabalhadores por meio da escolarização65. O Liceu fornecia para seus
membros uma espécie de educação profissionalizante, ou seja, com intuito de qualificação
para o trabalho se protegendo, desse modo, de possíveis perseguições.
Segundo a autora, as alternativas de oportunidade de emprego em Salvador eram nos
setores da construção civil, naval e terciário. Havia ainda uma rejeição a exercícios laborais
que remetessem ao trabalho escravo, como o trabalho braçal, dessa forma o ofício dos
artífices era valorizado. O artista era o profissional que possuía métodos para construir algo
engenhoso através das mãos, portanto, oposto a rudeza. O ofício de um artista era valorizado
por este contexto66.
Na transição do Império para República, o quadro de desamparo não mudou. A
Constituição Republicana trouxe consigo o sistema federalista como novidade, substituindo o
centralismo do Império e conferindo poderes aos estados67. Entretanto, os anos iniciais do

63
Ibid., 2012, p. 208.
64
Entender os meios de alcance de ganhos materiais e proteção social é perceber como os trabalhadores pobres
enxergavam a política e que de tal forma eles estavam atentos as leis. Para entender as práticas políticas dos
trabalhadores na Bahia, ver: CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Trabalhadores e Política no Brasil:
aprendizado do Império aos sucessos da Primeira República. Salvador: EDUNEB, 2015. (Teses e
dissertações).
65
LEAL, Maria das Graças de Andrade. A Arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia (1872-
1972). Dissertação de Mestrado, UFBA. Salvador, 1995.
66
Lysie Reis ao contextualizar os significados que os termos ofício e artista possuíam no século XIX, destaca
que esse artista, o trabalhador manual, era por muitas vezes chamado de operário, em alusão ao avanço da
industrialização, contudo, no Brasil o que prevaleceu foram os trabalhos nos setores agrário e terciário.
Ibid.,2012, p.23.
67
RESENDE, Maria Efigênia Lage de. O processo político na Primeira República e o liberalismo
33

período republicano são marcados pela ausência de um desenho político nítido, gerando
instabilidade política e tensões sociais. A alternativa foi coincidir o federalismo com
interesses dos setores oligárquicos, formando uma “República Oligárquica” sob o domínio e
ascensão do coronelismo68.
Aldrin Castellucci afirma que “tanto os súditos do Império como os cidadãos da
Primeira República viviam, em sua maioria, em quase absoluto desamparo social e
marginalidade política”69. A ausência de segurança do trabalho, consequência da inexistência
de leis trabalhistas e previdenciárias, ainda se fazia presente e os ideais de civilização,
progresso e modernidade foram fortificados.
Tais ideais em torno da noção de civilização impactaram no cotidiano dos sujeitos. A
concepção de República incorporava esses conceitos discutidos na fase final do Império
brasileiro e se propagandeava como necessidade política, um desejo de futuro a ser firmado e
estabelecido na construção de “outro” país70.
Para compreender melhor esse impacto, é necessário colocar o conceito em seu devido
tempo e espaço na sociedade ocidental. Na perspectiva francesa – também na inglesa –
“civilité” está associada ao controle de comportamento de indivíduos, exigindo e proibindo
ações, tentando modificar hábitos e costumes na crença de que essa mudança ocorre pela
mentalidade de forma gradual e linear. Norbert Elias afirma que

[...] este conceito expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo[...]Em


resumo tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga
superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas “mais
primitivas”71

oligárquico in: O Tempo do Liberalismo Oligárquico: da Proclamação da República à Revolução de 1930 –


Primeira República (1889-1930) / Organização Jorge Ferreira, Lucila de Almeida Neves Delgado. – 10. Ed. –
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
68
Compreendido como aspecto local da dominação política, segundo Victor Leal. Acontecia quando a liderança
política estadual precisava dispor de votos dependentes do senhoriato rural – o que representava a fraqueza do
Estado, de um lado, e, de outro, a fraqueza social e a política dos coronéis, que necessitavam do prestígio de
empréstimo do governo estadual para reforçar o seu próprio prestígio local. Esse modelo político se tornou
comum com a “Política dos governadores”, instituída por Campos Sales com objetivo de confinar disputas
políticas no âmbito de cada Estado. Ao equilibrar as brigas internas, o poder central estaria alinhado ao poder
regional, uma vez que esse acordo facilitaria a escolha dos deputados. O Legislativo federal acabava tornando-se
a expressão das vontades dos chefes estaduais. Ver: LEAL, Victor Nunes. O coronelismo e o coronelismo de
cada um in: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 23, nº 1, 1980, p. 11 a 14; FERREIRA, Marieta de
Moraes. A Crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930 in: O Brasil Republicano: o tempo do nacional-
estatismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. FERREIRA, J.; DELAGADO, L. A. N. (Orgs.).
69
Castellucci, op. cit., p. 41.
70
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A modernidade republicana. Tempo, v.13, n.26, p. 15-31, 2009.
71
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Vol. 1, Uma História de Costumes. Tradução Ruy Jugman; revisão
e apresentação, Renato Janine Ribeiro. – 2ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
34

Elias ainda caracteriza esse conceito como algo que está em processo, ou seja,
buscando atingir um resultado, movendo-se sempre “para frente” e esse percurso podemos
associar ao que significa “progresso”72. Faz-nos refletir que essa ideologia minimiza as
diferenças nacionais entre os povos, reduzindo as relações sociais à opinião do grupo que
detém o poder de julgar aquilo que é “civilizado” ou não, tornando homogêneo os
comportamentos dos sujeitos.
Já segundo o dicionário de conceitos históricos

A palavra civilização surgiu na França iluminista no século XVIII com um


significado moral: ser civilizado era ser bom, urbano, culto e educado. Para os
iluministas, a civilização era uma característica cultural que se compunha à ideia de
73
barbárie, de violência, de selvageria .

Notadamente, o conceito de civilização nasce de uma contraposição cultural, sendo


assim, uma sobreposição de sistemas de valores e de identidade, aquilo que era julgado como
civilizado/urbano era bem visto e quisto e quem não, era abominável. Desta forma, a
“civilização” é um estado, o “progresso” é um percurso que levará a “modernidade”, segundo
essa ideologia.
Sob esse plano de fundo, outras agremiações surgiram. A citar, o Centro Operário da
Bahia, nascido de uma cisão do Partido Operário da Bahia, em 1893, já em tempos
republicanos. Essa agremiação, segundo Castellucci, não era apenas de auxílio mútuo, mas
mediava conflitos entre o trabalho e o capital, buscava promoção de lazer e sociabilidades
além de qualificação profissional e educacional aos filhos dos pobres74.
Além da questão da qualificação profissional, as formas de lazer foram um tema
custoso para a classe trabalhadora, posto que, também estavam marcadas nas políticas
disciplinares. Robério Souza, ao estudar o mundo do trabalho ferroviário na Bahia,
identificou que a disciplina e a maneira que o trabalho foi regulamentado poderia ser vista
como forma de controlar os trabalhadores no pós-abolição, assim, evitando greves antes
mesmo do seu início75. O controle do lazer também estava em pauta, uma vez que, para os
empresários o divertimento dos trabalhadores poderia trazer resultados “não modernos” e

72
Ibid.,p.23.
73
SILVIA, Kalina Vanderlei. Dicionário de Conceitos Históricos. 2 ed. 2 impressões. – São Paulo: Contexto,
2009.
74
Ibid., 2010, p. 41.
75
SOUZA, Robério Santos. Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho,
solidariedade e conflitos (1892-1909) / Robério Santos Souza. – Campinas, 2007. Dissertação de mestrado
35

“indesejáveis”.
Não foi coincidência que a Associação Geral de Auxílios Mútuos (AGAM), fundada
em 14 de setembro de 1900, em Alagoinhas, tenha proposto a criação de uma filarmônica. A
agremiação era composta por trabalhadores da linha férrea da cidade e estava relacionada à
empresa que ali operava. Era, desse modo, uma forma dos patrões controlarem a possibilidade
de livre organização dos trabalhadores. Contudo, eles pleiteavam controle político da
instituição, cobravam a prestação de contas e autonomia para ter conhecimento do que se
passava nos cofres. Eles lutavam pela melhoria de vida e, também, pela prática do lazer e, por
isso, criaram uma filarmônica denominada Lira Operária, que passou a chamar posteriormente
Filarmônica União e Recreio Operário76.
A AGAM e o Centro Operário da Bahia nos mostram que o mutualismo não se
preocupava apenas com a assistência. Em instituições como essas, a promoção do lazer
poderia servir para atrair sócios através de rituais e festividades promovidas por seus
integrantes. As mutuais aproveitavam as ausências de alternativas de lazer fazendo com que o
seu espaço físico ou os espaços urbanos fortalecessem relações afetivas internas e externas,
com coirmãs de cidades vizinhas ou mesma cidade, além de fortalecer os valores com os
quais eles se identificavam77.
O hábito de associar-se também mostrava como os membros de instituições de auxílio
mútuo percebiam o mundo e a si mesmo, uma vez que seus ritos exprimem uma linguagem.
Por mais que a forma dos trabalhadores de uma mutual enxergar o mundo estivesse próxima
das classes dominantes, havia uma tensão contínua entre essas visões78, ou seja, havia uma
correlação de forças.
Embora acreditemos que os espaços de sociabilidades propostos pelas mutuais fossem
de fortalecimento de laços, conforme a bibliografia sobre o tema nos indica, acreditamos
também que esses espaços foram um campo de disputa, uma vez que havia tentativa de
controle de comportamento através desses ambientes. Se considerarmos que um dos
principais pilares dessas agremiações era a autonomia, com finalidade da resolução dos seus
próprios problemas, entenderemos que a organização, estrutura interna dos espaços de lazer
ou das bandas criadas, foram componentes importantes em seus pleitos.

76
SOUZA, 2007, passim.
77
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Ethos Mutualista: valores, costumes e festividades in: Organizar e
Proteger Proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil (séc XIX-XX) / (org) – Campinas, SP;
Editora da Unicamp, 2014. CORD, Marcelo Mac; BATALHA, Cláudio H. M. (org.)
78
BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando T.; FORTES, Alexandre (orgs). Culturas de classe: identidade
e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.
36

Instituições alheias ao mutualismo, mas com as características que pontuamos


possuíam postura política da forma que queremos aqui chamar atenção. Na cidade do Rio de
Janeiro, Leonardo Affonso de Miranda Pereira destaca o Club Dançante Familiar Anjos da
Meia Noite79. Por meio desta instituição, Pereira estuda como se deu a participação do povo
numa república excludente. Seu artigo parte de um pedido de habeas corpus, junto ao STF,
dos sócios do Club Anjos da Meia Noite, para garantir seu funcionamento pleno uma vez que
o chefe de polícia de Saúde da região portuária solicitou a cassação da licença de
funcionamento. A partir disso, Pereira percebe como os indivíduos utilizam seus costumes e
práticas compartilhadas de décadas anteriores e apropriam-se das leis vigentes para não serem
controlados e sim, terem a liberdade de funcionamento e fuga da perseguição policial.
Retornando ao associativismo no período republicano, ao longo do século XX, as
associações de auxílio mútuo continuaram em expansão no Brasil. No ano de 1917, existiam
ao menos 3.505 sociedades de auxílio mútuo e de beneficência no país, sendo 165 delas
apenas na Bahia;80 e uma dessas na cidade de Itabuna, situada no sul do Estado: a Sociedade
Montepio dos Artistas de Itabuna (SMPAI).

Emergência da Cultura Urbana em Itabuna: valores e comportamentos na


cidade

O capítulo foi aberto com a narrativa da cerimônia de posse da primeira diretoria da


SMPAI. Naquele evento, ao ampliar a observação nas participações do comerciante Filadelfo
Almeida, Flaviano Moreira, eleito presidente da Assembleia Geral e do o orador eleito José
Marques, alguns elementos estão presentes: a presença de médicos, advogados e
representantes do comércio; concepção de desenvolvimento da cidade e o termo progresso,
elemento das noções de civilidade e modernidade apresentada anteriormente. Esses elementos
são componentes da formação de uma cultura urbana e nos auxiliam a entender o
associativismo em Itabuna.
Itabuna, antigo distrito de Tabocas, tornou-se vila por meio da Lei Estadual 692, de 13
de setembro de 1906, desmembrando-se do município de Ilhéus em 1 de janeiro de 1908.
Tornou-se cidade em 28 de julho de 1910, por meio de Lei Estadual número 807. Tinha como

79
Uma instituição dançante localizada na cidade do Rio de Janeiro. Fundada em 1906, sua finalidade segundo
seu estatuto era fomentar bailes ao menos uma vez por mês aos seus sócios, majoritariamente negros e pardos,
trabalhadores do porto. Ver mais em PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Os Anjos da Meia-Noite:
trabalhadores, lazer e direitos no Rio Janeiro da Primeira República. Revista Tempo, vol. 19 n.35,2013.
80
Ibid., 2010, p. 41.
37

superfície territorial o espaço de 2.746 km². É importante levar em consideração que a


superfície abarca todo relevo da cidade81.
Dentro desse espaço territorial, a cidade de Itabuna viu um crescimento exponencial da
sua população em 14.251 entre os anos de 1920, que registrou 41.980 pessoas. Entre os anos
de 1920 e 1928, houve um aumento populacional de cerca de 10 mil pessoas 82. Em 1924,
Itabuna foi destacada no Anuário Estatístico da Bahia como uma das cidades mais populosas
do Estado, contabilizando 45.674 pessoas83. No ano de 1932, a cidade já possuía 56.231
pessoas.
Para um lugar que recentemente se tornara uma cidade, e levando em consideração seu
espaço territorial, Itabuna era bastante populosa. Mesmo com sua vizinha Ilhéus sendo maior
em extensão, Itabuna possuía 20.265 habitantes na década de 1920 contra 15.807 registrados
para Ilhéus84. Apesar do crescimento populacional, a extensão territorial continuou a mesma.
Tal crescimento populacional pode ter intensificado a divulgação das noções de
modernidade na cidade, semelhante ao caso de Salvador, como cita Rinaldo Leite. A capital
baiana cresceu 59,41% em 1872 e mais 37,7% em 1920, entretanto, a estrutura urbana
permaneceu praticamente inalterada em comparação ao século XIX. Diante de problemas
estruturais e do aumento do fluxo de pessoas residindo na cidade, a tomada de decisão foi a de
promover reformas urbanas e implementar novos hábitos e sociabilidades, fundamentados no
“moderno”.
Os defensores dessas ideias eram membros da elite política e social de Itabuna. A
formação da classe dominante na cidade está ligada a migração de sergipanos ao sul da Bahia.
Nomes como Félix Severino do Amor Divino85, Manoel Constantino e José Firmino Alves
receberam o posto de “desbravadores” das matas, plantando cacau, e foram denominados
fundadores do município, entretanto a origem da cidade de Itabuna é marcada pela invasão e
disputa em território indígena86. A ausência desses atores sociais na memória coletiva é
proposital, intensificando a valorização da figura sergipana como pioneiros do progresso
regional.

81
Diretoria do Serviço de Estatística do Estado da Bahia. Anuário Estatístico da Bahia, Território e População,
vol. 01. 1924.
82
Diretoria do Serviço de Estatística do Estado da Bahia. Anuário Estatístico da Bahia, Território e População,
vol. 01, 1932.
83
Diretoria do Serviço de Estatística do Estado da Bahia. Anuário Estatístico da Bahia, Território e População,
vol. 01, 1925.
84
LINS, Marcelo da Silva. Os Vermelhos na Terra do Cacau: a presença comunista no sul da Bahia (1935-
1936), 2007. (Mestrado em História Social) Universidade Federal da Bahia – UFBA.
85
Apelido que ele começou a adotar como nome.
86
Verificar: SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem imperial e aldeamento indígena: camacãs, guerens e pataxós
no sul da Bahia / Ayalla Oliveira Silva (org.). – Ilhéus, Ba: Editus, 2017
38

Isso é consequência da tentativa de divulgar uma história da origem de Itabuna de


forma linear e de progresso. Para Mary Ann Mahony, essa narrativa pretendeu explicar e
justificar tanto o passado, quanto o presente87. Essa origem compreendida enquanto mito –
uma vez que são históricas simbólicas – serviu como uma arma de legitimação de poder e
batalha pelo controle da história88.
A partir de Firmino Alves, algumas pessoas com qualificações profissionais chegaram
para habitar na região, sob a justificativa de “civilizar” a vila de Tabocas – que se tornaria
Itabuna. Nomes como Arthur Nilo de Sant´ana (farmacêutico), Olinto Leone (engenheiro
civil), Lafayete Borborema, Virgílio Sá e Laudelino Lorens (advogados), tiveram
participação social e política na futura cidade de Itabuna. Além deles, a elite política contou
com figuras como Gileno Amado e Cel. Henrique Alves, rivais que pleitearam cargos
políticos na cidade e fizeram parte da rede de dominação política contra aqueles que não se
enquadravam no sistema coronelista. Esses sujeitos eram ou estavam próximos dos “coronéis
do cacau”.
Os meios utilizados para defesa e divulgação do “progresso e civilidade” foram os
sanitaristas, higienistas, educadores e os jornais. Não foi por coincidência que Gileno Amado,
correligionário de J. J. Seabra89 em Itabuna fundou o Jornal A Época, em 1917. Entre 1912-
1925, anos que o Partido Republicano Democrata (PRD) esteve no poder em Itabuna, o jornal
publicava atos oficiais do governo. Já o Jornal de Itabuna foi fundado por Lafayette de
Borborema, que além de advogado ocupou cargos públicos no município. Era correligionário
de Cel. Paulino Vieira, alijado do poder em 1912, quando Seabra se tornou governador e
levou a facção Pessoa/Amado ao poder. O grupo de Vieira tinha vínculos com o grupo de Cel.

87
MAHONY, Mary Ann. Um passado para justificar o presente: memória coletiva, representação histórica e
dominação política na região cacaueira da Bahia. Cadernos de Ciências Humanas – Especiaria. V.10, n.18, jul-
dez 2007, p. 737-793.
88
Isso veio à tona por meio de produções referentes a origem da cidade de Itabuna, situada na região sul do
Estado da Bahia, surgidas na década de 1960, em um período em que o município planejava as comemorações de
seu aniversário de cinquenta anos. Escritores – por livre vontade ou encomenda – publicaram obras que traçavam
a história de Itabuna desde a chegada de desbravadores na região até os dias em que os livros eram
publicados.Ver: RIBEIRO, Danilo Ornelas. A Cidade Ciquentenária: entre os manuseios de memórias e os
sonhos de futuro (Itabuna Ba, das décadas de 1950-1960). Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da
Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Salvador, 2014. O contexto político e social da ascensão da
economia cacaueira no sul da Bahia também pode ser encontrado nos trabalhos: RIBEIRO, André Luis Rosa.
Família, Poder e Mito: o município de S. Jorge de ilhéus (1880-1912). Ilhéus, Editus, 2001; SANTOS, Victor
Lima Pereira. História, Verdade E Ficção: Fronteiras Epistemológicas No Romance De Jorge Amado.
Dissertação Uefs, 2019.
89
Político baiano correligionário de Antônio Pessoa da Costa, líder dos “novos ricos” vinculado ao Partido
Liberal ainda no Império no Brasil. J.J. Seabra faz parte da da remanescência dos Liberais e que na República no
Brasil recebe a alcunha de “Pessoístas”.
39

Henrique Alves90, Adamista91.


Ambos os jornais divulgaram suas ideias partidárias particulares, demonstrando ser um
canal de discussão e disputa política e, por meio deles, é possível analisar a dinâmica política
no sul da Bahia na reta final da Primeira República. Por vezes divergiam, mas nos interessa
também pontuar que quando as ideias convergiam, eram sempre enfatizando a visão de futuro
pautado no progresso e civilidade.
No ano de 1925, o periódico Jornal de Itabuna publicou um artigo fazendo uma
espécie de inventário das obras e serviços realizados na cidade que “atestam o crescimento de
Itabuna”. O destaque especial é dado à infraestrutura, elogiando a iluminação pública, jardins,
prédios, cinema e hospital92. O artigo fez alusão a outras obras, como o nivelamento e
terraplanagem das ruas do hospital – Santa Casa de Misericórdia – e do cemitério93.
Houve também a proposta de construção de uma nova ponte em Itabuna. Estipulada
pelo governo estadual juntamente com o deputado itabunense Salomão Dantas, a ponte não
iria, segundo o editor do jornal, somente facilitar a locomoção da população, que desejava
atravessar a cidade de um lado a outro, como também embelezar o lugar 94. No mesmo ano,
outra publicação afirmou enfaticamente que

Remodelando-se continuamente no sentido estético através do impulso comercial


que a impele para um futuro grandioso e próximo; absorvido nas lides afanosas das
cidades nascentes que se plasmam nos moldes hodiernos do progresso e da
civilização95.

O trecho acima é de um artigo publicado por Benedicto Profeta, um dos redatores do


periódico Jornal de Itabuna. Ele descreve a cidade com um olhar laudatório, criando a
imagem de um local agradável, rico e próspero. Pontua questões estéticas da zona urbana e
conclui que a finalidade disso, era alcançar o “progresso” e “civilização. A intenção foi
divulgar um imaginário social, que para ele, é fruto de uma evolução social a partir da zona
urbana, corroboradas pela mesma forma das notícias anteriores.
Não somente o Jornal de Itabuna difundia tal imaginário, como também o seu rival, o
Jornal A Época:.

90
Os membros desse grupo político foram correligionários de Adami de Sá, que fez sua riqueza com a
exploração de açúcar e comércio de escravos, vinculados ao Partido Conservador no período do Império
brasileiro. Receberam a alcunha de “Adamistas” e na República do Brasil seguiram a tendência do partido
Federalista.
91
CARVALHO, op. cit., 2010. P. 04.
92
“Minha Notinha”. Jornal de Itabuna, 02/07/1925. CEDOC/UESC.
93
“Melhoramentos locais”. Jornal de Itabuna, 15/01/1925. CEDOC/UESC.
94
“Foi Localizada a ponte”. Jornal de Itabuna, 29/10/1925. CEDOC/UESC.
95
“Impressões sobre Itabuna”. Jornal de Itabuna, 14/05/1925. CEDOC/UESC.
40

[...] Com o feitio empolgante e moderna que toma Itabuna a sua completa
reorganização, onde se nota o trabalho assíduo e profícuo do poder público
Municipal, em concorrência com a melhor boa vontade da população, será mais um
embelezamento que se torna imprescindível para o complemento da grande obra que
se alevanta os nossos olhos...96

Liderado por um grupo político governista e de oposição ao periódico anterior, o


Jornal A Época destacou em seu editorial na primeira página da edição que o município
itabunense recebeu 800 mudas de plantas, por intermédio da secretaria de agricultura. Além
de dar mérito ao intendente Cel. Laudelino Lorens, chama a atenção pelo caráter “moderno”
que cidade estaria tomando com a arborização prestes a ser realizada. Embora rivais, os dois
periódicos comungavam de interesses em comum. Para ambos os meios de comunicação
também eram úteis para denunciar os bairros que acompanhavam de forma lenta as reformas
do centro, tidos como atrasados.
Não são coincidência as queixas como a falta de manutenção do Cinema Ideal; as
quedas de iluminação pública na rua Paulino Vieira e seu calçamento, que dificultava o
tráfego de carroças97. Aliás, houve uma solicitação de fiscalização feita por alguns moradores
para que a prefeitura municipal fiscalizasse um trabalhador carroceiro. A justificativa era que
o trabalhador andava maltrapilho98. Para o grupo de moradores, maltrapilho é não estar
trajado de forma social; não considerando que causaria desconforto para tal trabalhador, vide
estar trabalhando com o sol sob sua cabeça.
Os sujeitos anônimos que viveram nos anos iniciais pós-emancipação da cidade de
Itabuna experimentaram esse contexto de transformação social influenciado pela ascensão da
economia cacaueira. Philipe Murillo de Carvalho, em seu trabalho de dissertação, afirma que
as décadas de 1930 e 1940 foram de modificações da política urbana de Itabuna pela
prefeitura, planejando a cidade para legitimar os valores de “progresso” e “civilização”99.
O estudo de Philipe Murilo aponta que esses elementos estavam nas vontades desses
grupos políticos, que foi traduzido em leis, obras e reformas, porém, tais valores ainda não
ecoavam tão audivelmente em boa parte dos munícipes itabunenses. Nos anos iniciais da
década 1920, era possível encontrar essas “vontades”, antes mesmo do plano de urbanização
de 1927, no governo do então intendente Cel. Henrique Alves.

96
“Arborização da Cidade: a municipalidade recebe 800 mudas de plantas”. Jornal A Época, 04/03/1925.
CEDOC/UESC.
97
“Queixas e Reclamações”. Jornal de Itabuna, 06/09/1923. CEDOC/UESC.
98
“Queixas e Reclamações”. Jornal de Itabuna, 20/08/1925. CEDOC/UESC.
99
CARVALHO, Philipe Murilo Santana. Uma Cidade em Disputa: tensões e conflitos urbanos em Itabuna
(1930-1948); Orientador: Carlos Zacarias F. Sena Jr. Santo Antônio de Jesus, 2009. Dissertação (Mestrado –
Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Área de Concentração: História Regional) –
Departamento de Ciências Humanas – Campus V da Universidade do Estado da Bahia.
41

As “vontades” eram a tradução de uma ideologia positivista importada da Europa,


especificamente das concepções francesas de sociedade. A ideologia é uma ferramenta de
legitimação de poder, comum nas sociedades ocidentais. No Brasil, além das ideias, imagens,
mitos e símbolos foram utilizados como elementos de leituras de mundo mais acessíveis100.
Ao longo da considerada primeira republica, os símbolos foram elementos da ideologia
daqueles que obtinham o controle do poder político e para inserir seus valores na sociedade,
utilizavam desse mecanismo.
Valores como civilidade e progresso, termos tão citados ao longo deste capítulo
fizeram parte do cotidiano e foram divulgados de maneira que dominassem, principalmente as
classes subalternas ou qualquer outro que não aderisse a tais valores. As reformas urbanas,
obras relacionadas à construção civil, jardins, praças, cinemas e hospital, são símbolos dessa
ideologia.

Figura 03: Ponte de madeira localizada na Rua Barão Branco em 1915, que
ligava ao bairro Taboquinhas 101

100
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1995.
101
Esse era o percurso a ser percorrido aos viajantes com destino a Ilhéus. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/CiAcgpsOf0N/ acessado em: 05/09/2022.
42

Figura 04: Ponte Goés Calmon102

Por meio dessas mudanças estruturais e físicas, planejou-se compor uma canção com
estrofes e refrãos de acordes talvez não tão audíveis aos trabalhadores pobres. Uma canção
que buscava homogeneizar a sociedade e indivíduos tão distintos. Os elementos fundantes de
avanço e progresso, tornaram-se instrumentos de reprodução de uma ordem social, exercendo
e reafirmando poder sobre outrem. O poder simbólico cumpre sua função política de
instrumento de imposição, legitimando a dominação de um grupo sobre outro, tentando
domesticar o “dominado” conforme sua cultura103.
Por isso que, além da imprensa, a elite local também utilizou-se da força policial,
associando os que fugiam do padrão instituído pelo poder público a algo relativo à desordem.
A polícia portava-se como controladora social. Justino José Garcia, feirante, passou por uma
situação marcante a esse respeito. Ao retornar do trabalho durante a noite, foi abordado pelos
policiais e, mesmo alegando que era trabalhador, os policiais o agrediram verbalmente e
direcionaram a arma para o Justino. A situação só teve fim quando populares uniram-se para
interferir sobre a abordagem truculenta e arbitrária, a população presente afirmou que de fato
o senhor Justino estava retornando do trabalho104.
Possivelmente, os policiais suspeitaram que o supracitado era um indivíduo que estaria

102
Ponte Goés Calmon. Ao fundo, é possível ver a rua Barão Branco, antiga Taboquinhas. Retirado da página
História. Grapiúna
103
BOURDIEU, Pierre. O Poder. Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
104
“Queixas e Reclamações”. Jornal de Itabuna, 27/09/1926. Semanal.
43

“vagando” sem destino pelas ruas. Fato que era considerado como um ato perigoso, haja vista
que causava um sentimento de insegurança para a elite itabunense; e isso se potencializava
quando havia um fluxo de pessoas da baixa classe circulando pelos símbolos de “progresso”
da cidade, como as praças. Justino foi confundido com um vadio.
A noção de vadio foi uma das consequências que a ressignificação do trabalho no
século XIX reservou aos pobres. Quanto mais dedicação e abnegação ao labor o indivíduo
tivesse, mais atributos morais teriam. Do contrário, seria um vadio. O vadio, por sua vez, era
considerado um parasita, por se negar a pagar sua dívida com a sociedade por meio do
trabalho honesto, colocando-se a margem da sociedade e nada produzindo. Certamente essas
noções foram pontos importantes para demarcar uma exclusão social na transição do Império
para a Primeira República no Brasil105.
O periódico Jornal de Itabuna, que circulou pela cidade durante dezoito anos e foi
fundado pelo advogado Lafaiete de Borborema, publicou no dia 11 de setembro de 1926, na
edição da semana um editorial intitulado “Parasita”. Um parasita é, de acordo com o jornal,
um ser que nada produz, vagueia pelas ruas e nada de produtivo faz; sendo pior que um
anarquista, pois este ao menos é um “doutrinado ou fanático por uma doutrina política que
julga bom” – ao menos – e a única doutrina que um parasita segue é a de “viver a custo
alheio”. Um exemplo de parasita seria um “negociante fracassado que por não ter capacidade
comercial e honestidade”, acaba sucumbindo com seu comércio, mesmo em um período onde
todos ficaram ricos.106
Pela ausência de indicação sobre o autor deste pequeno artigo, levanta-se a suspeita de
que a autoria dos escritos foi do próprio fundador, que também era editor do jornal. Através
dele, podemos perceber a defesa do trabalho como elemento que dignifica o homem e
enaltece o caráter moral.
Seguia-se na confirmação desse ideal de civilidade e progresso, importando e impondo
novos hábitos e sociabilidades. Rinaldo Leite afirma que “as reformas urbanas

105
Para aprofundar essa discussão, faz-se necessário compreender que para as elites, a cor estava associada a
questão de conduta e faziam entender que o negro estava fadado a vadiagem e a outros crimes, por não terem
acompanhado o “progresso” e a civilidade”. Para entender melhor sobre essa discussão, ver: VASCONCELOS,
Rita de Cássia Azevedo Ferreira de. Condenados Pela Cor: o preconceito racial no Brasil de José Patrocínio
(1880 – 1901) in: Caminhos da Liberdade: histórias da abolição e do pós abolição no Brasil. Martha Abreu e
Matheus Serva Pereira (orgs.) – Niterói: PPGHistória – UFF, 2011; MATTOS, Hebe. “Remanescentes das
comunidades dos quilombos: memória do cativeiro e políticas de reparação no Brasil”, in Revista USP, n.
68, dez., jan. e fev. 2005 e 2006, p. 15; FERLA, Luis Carlos Antônio Coelho. Feios, Sujos e Malvados Sob
Medida: do crime ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945). Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – Usp. Tese de Doutorado, 2005;
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto, Nem Branco, Muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade
brasileira – 1º ed. – SP: Claro Enigma, 2012.
106
“Ineditorial”. Jornal de Itabuna – Semanal. 11/09/1926.
44

modernizadoras deveriam cumprir um objetivo pedagógico sobre os habitantes da cidade, de


modo que a exposição pública da nova civilidade por meio dos melhoramentos materiais
pudesse ser internalizada pelas pessoas, influenciando-as”107.
Portanto, na constituição dos “novos hábitos” e “bons costumes”, alguns valores foram
escolhidos e forçados na cultura urbana itabunense, como atividades de promoção ao
“enobrecimento do indivíduo”, consideradas “sadias” para essa elite política. Esses são os
elementos que fundamentaram a cultura urbana em Itabuna, pavimentando caminho para a
constituição do associativismo de caráter mutualista na cidade.
A tentativa de dominação através de meios simbólicos gerou uma luta simbólica 108 na
definição de um mundo social conforme a ótica e interesse de cada grupo, em diversos
aspectos da vida cotidiana. Portanto, foi para evitar episódios como o do feirante Justino José
Garcia, que os membros da SMPAI unificaram-se em torno da instituição, como também,
pelo pleito por ganhos matérias.

Sociedade Montepio dos Artistas de Itabuna

Philipe Murillo Carvalho elencou dados que relatam que dos 19 sócios-fundadores, 7
eram pedreiros, 5 carpinas, 2 marceneiros, 2 ourives, 1 alfaiate, 1 funileiro, 1 tanoeiro 109.
Entre os anos de 1920-1930 haviam 103 sócios, sendo 24,3% carpinas, 23,3% pedreiros,
12,6% alfaiates, 5,8% sapateiros e 4,9% barbeiros. Outras profissões não chegaram a 1%110.
As pessoas que exerciam tais atividades laborais estavam suscetíveis à precariedade de vida,
caso viessem a se acidentar ou adoecer; principalmente pedreiros e carpinteiros. Não por
acaso, refletiam em um maior quantitativo de representantes na lista de sócio-fundadores e
maior quantidade em número de associados.
Por isso, trabalhadores como o carpinteiro Leonel Tertuliano Figueiredo, se
associavam em entidades como a Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. No ano de
1923, enquanto trabalhava na obra da casa do senhor Amancio Oliveira, Leonel se acidentou,
ficando impossibilitado de receber salário enquanto estava ausente da obra111. Contudo, há
registro de atividades de Leonel como sócio da SMPAI entre os anos de 1920 e 1925. Embora

107
LEITE, op. cit., 1996,p. 15.
108
BOURDIEU, op. cit., 2001, p.11.
109
Apud CARVALHO, Philipe Murillo Santana de. Trabalhadores, Associativismo e Política no Sul da Bahia
(Ilhéus e Itabuna, 1918-1934). Tese de doutoramento. Universidade Federal da Bahia, 2015.
109
Primeiro Estatuto da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. Arquivo SMPAI. Fonte retirada do
boletim comemorativo com a relação dos sócios fundadores, 1969. SMPAI
110
CARVALHO, op.cit., 2015, p. 73.
111
“Acidente no trabalho”. Jornal de Itabuna, 19/07/1923, periódico – semanal.
45

não haja registro, provavelmente o carpinteiro recebeu os auxílios materiais necessários


enquanto esteve ausente da profissão112. Esse episódio ilustra a importância de trabalhadores
pobres ingressarem em agremiações como a SMPAI.
A composição administrativa era dada da seguinte forma: os representantes da
Assembleia Geral (AG) eram eleitos com a votação dos sócios. Era soberana nas ações e um
presidente comandava os trabalhos, que por sua vez, indicava a diretoria, responsável pela
parte administrativa da agremiação. Um dos diretores fazia a função de tesouraria,
responsável pelo financeiro e os demais membros da diretoria faziam parte da sindicância,
grupo que tratava de demandas externas, como visitas a sócios adoecidos, tratativas com
intendentes e outras razões de fins de arrecadações.
Sobre arrecadações e suas motivações, destacamos o pensamento alinhado com as
elites itabunenses, ao expor que uma das atribuições da Assembleia Geral da agremiação, era
o de “garantir a grandeza e prosperidade da Sociedade”113. Era na AG que se conferiam os
títulos de sócios-benfeitores, beneméritos, honorários e remidos114, na maioria das vezes,
destinados para os integrantes da elite.
O alinhamento perpassava na SMPAI de modo fundante, desde o estatuto. Uma das
formas de demonstração de poder da elite itabunense eram os posicionamentos acerca da
promoção de caridade. Tal gesto era caracterizado pelo enobrecimento do ser, daqueles que
investiam seus esforços e dinheiro nos menos favorecidos e, dessa forma, estariam
contribuindo para o dito progresso e civilização da cidade. E claro, tudo isso era endossado
pela imprensa.
O investimento, tanto financeiro quanto de capital político, basicamente era em
educação e saúde. A década de 1920 foi um período de muitas inaugurações de instituições
nesses dois setores, como podemos consultar na tabela abaixo115.

TABELA 01: Instituições de Caridade e Saúde


NOME DA INSTITUIÇÃO DATA DE FUNDAÇÃO
Sociedade São Vicente de Paula 1913
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia 1917
Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna 1919
Hospital Santa Cruz 1922
Orfanato São Vicente de Paula 1923
112
Ata da 2º Sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. 10/02/1920 – Arquivo
SMPAI.
113
Idem.
114
Artigo 23° do Primeiro Estatuto da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna. Arquivo SMPAI.
115
Apud. SILVA, Adriana Oliveida da. Damas da Sociedade: caridade. Política e lazer entre mulheres de elite
de Itabuna (1924-1962). Feira de Santana: PGH/UEFS, 2012,p. 59.
46

Associação de Senhoras de Caridade 1924


Sociedade União dos Ganhadores e Carroceiros 1924
Mútua Itabunense 1925
Liga de Assistência à Infância de Itabuna 1930
Escola Normal N.S. da Piedade -
Sociedade Beneficente São João Batista -

Essa relação entre trabalhadores e patronos era comum dentro de um aspecto: do


paternalismo. Aqueles que possuíam prestígio social, como Lafayette Borborema e Artur Nilo
de Sant´anna – já mencionados – eram sócios da SMPAI, e provavelmente por motivação da
caridade, reconhecimento nobre. Outros políticos, além dos citados anteriormente,
enxergavam nesta agremiação a oportunidade de angariar mais votos e cumprir com as
obrigações morais e cívicas que a República exigia. A filantropia apareceu como finalidade
no regimento da SMPAI.
Valores como “Deus, Pátria e Trabalho” – que era validado pelas autoridades –
também se faziam presentes. Ademais, os pilares que os chefes da política local e a elite
itabunense postularam como fundamentais – infraestrutura, educação e moralidade e lazer
sadio – estavam presentes também na agremiação.
Em agosto de 1920, foi redigido um ofício do então presidente da Diretoria da SMPAI,
Júlio Santos, pedindo autorização à Assembleia Geral para realizar um empréstimo financeiro
com a finalidade de comprar um terreno no valor de 2$500 (dois mil e quinhentos réis), para a
construção da sede social da Sociedade116. No terreno, aparentemente já havia alguma
estrutura de imóvel, uma vez que a descrição apontava para uma construção com frente de
alvenaria, alicerces laterais e fundo quase pronto. Além disso, situava-se em um local central
da cidade, na rua Ruy Barbosa, o que daria destaque à sede.
Esse episódio ilustra uma das estratégias da SMPAI: ser notada. O argumento de Júlio
Santos é que a compra precisava ser em nome da Monte Pio, para ser adquirida com recursos
próprios e como ele se enquadrava na categoria de sócios-honorários/beneméritos, tinha o
direito de solicitar crédito em prol da SMPAI117.
A proposta foi aceita pela Assembleia Geral, que formou uma comissão que seria
assistida pelo advogado Laudelino Lorens, dando-lhes o suporte necessário para a compra do
terreno e da escritura. Denotando assim importância de possuir sócios com influência para
atender as demandas imediatas dos trabalhadores. Era de suma importância que a sede fosse

116
Ata da 10º sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 10/08/1920. Arquivo
SMPAI.
117
Primeiro Estatuto da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, artigo 9, alínea b.
47

construída com recursos próprios, e não com subvenções advindas de políticos, para que
pudessem alcançar o prestígio enquanto trabalhadores organizados. Afinal, reafirmaria o que a
SMPAI ponderava como “evolução social da classe”, como descrito no regimento.
Após a compra do terreno e arrecadação financeira para a construção da sede social, a
SMPAI teve a inauguração do seu imóvel dois anos depois. A ocasião contou com a presença
de Gileno Amado e Cel. José Kruchewsky, além de cobertura de órgãos de empresas locais. A
sessão foi presidida por João Leuves, Juiz da Comarca de Itabuna e como atração a banda
musical Harpa Infantil118.
A “evolução social da classe” estava fazia soma à educação moral e cívica. Os
trabalhadores da SMPAI estavam atentos à educação municipal. Em 1920, foi criada uma
comissão para dialogar com o então intendente Adolfo Leite a respeito da solicitação de
subvenção municipal para a criação de uma escola que alcançasse os trabalhadores
associados. Antes mesmos da certeza da construção da escola, o presidente da Assembleia
Geral, Flaviano Moreira, propôs a contratação de uma professora com salário de 40$00
(quarenta réis). Para isso, foi proposta a compra de um espetáculo no cinema Recreio
Vicentino para que o lucro fosse revertido à contratação da professora119. A escola teve sua
abertura em data que não conseguimos listar através das fontes e levou o nome de Manoel
Victorino, governador baiano de origem ideológica imperial.
O regulamento da escola só veio à tona no estatuto atualizado da SMPAI, em 1928. A
finalidade dela era a promoção da instrução moral, cívica e técnica dos sócios, filhos dos
sócios e de qualquer trabalhador ou filho de trabalhador pobre, necessitando somente
verbalizar o interesse de matrícula junto ao presidente da diretoria, que era o responsável
técnico da escola120. Provavelmente, o regulamento alterou-se para retificar a prática já feita
pela agremiação. Foi possível identificar que, no auge da criação das escolas técnicas em
Itabuna, discutia-se no âmago da SMPAI a importância de ampliar as aulas para qualquer
artista acima dos 15 anos de idade, além de estender a possibilidade de matrícula para os
ganhadores e carroceiros121, justamente trabalhadores que eram mal vistos pelas autoridades e
elite itabunense.

118
Ata de Inauguração do prédio social da SMPAI, 08/09/1922. Arquivo SMPAI.
119
Ata da 3º sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 20/02/1920. Arquivo
SMPAI
120
Regulamento da Escola Manoel Vitorino, mantida pela Sociedade Monte pio dos Artistas in: Estatuto da
Socie Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna:, 1928. Arquivo SMPAI.
121
Ata da 32º sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 23/05/1922. Arquivo
SMPAI.
48

As escolas tinham o hábito de avaliar os alunos perante autoridades municipais ou


publica-las em periódicos. Ali, eram expressas ideias coniventes ao imaginário coletivo, como
apresentou o discurso de um dos alunos da escola Manoel Vitorino, publicado no Jornal de
Itabuna. Foi dito que quanto mais escola ofertar instrução, menos crimes serão cometidos e o
caminho apresentado para o alcance desse diagnóstico foi a criação de mais escolas que
estejam de acordo com a “boa instrução”122.
Não por acaso as notícias enaltecendo a educação cresciam ao longo da década de
1920, especialmente em 1924, em uma modalidade de educação específica: a educação
prática, chamada hoje de educação profissionalizante. Nela, se aprenderia instruções
fundamentadas na potencialização da disciplina moral, fator importante na constituição do ser,
impedindo a pobreza e o sofrimento, uma vez que, através desse ensino, todos aprenderiam a
produzir sua própria riqueza por meio do trabalho. 123
A noção de moral posta em voga está diretamente ligada ao que as classes dominantes
compreendem ser positivo para o crescimento do indivíduo, pautado na dignificação por meio
do trabalho. A intenção foi criar mão de obra adepta à forma de pensar similar ao que
acreditavam, mostrando assim que a diferença entre o patrão e o funcionário era a tão falada
instrução.
Escolas foram construídas para atender as necessidades fundamentais do comércio,
como aulas de datilografia, cursos primários e complementares para mulheres –
provavelmente, ensinando como ser uma moça do lar. Os alunos da escola demonstravam à
sociedade, por meio de escritos e discursos, como estavam alinhados com o ideal imposto.
A considerada “boa instrução” era enaltecida pela impressa local e bem quista pelo
comércio, já preparava o indivíduo para o mercado de trabalho, tornando a mão de obra
alfabetizada e técnica, sem nenhuma responsabilidade pela sua criticidade124. A propósito,
isso os trabalhadores adquiriram a partir das próprias experiências vividas e percebidas.
Encontramos um documento que pôde nos deixar mais próximos de como se procediam as
aulas na escola da SMPAI, infelizmente datado de 1939125. Foi um ditado realizado por uma
das alunas que exaltava o progresso, vinculando o feito ao trabalho, insinuando que era por
meio dele que a civilidade, progresso e moralidade chegou ou ainda estaria por vir, não muito
diferente do que pudemos retratar na década de 1920.

122
“Pela Instrução”. Jornal de Itabuna, 03/01/1924 – semanal.
123
“Educação e ensino”. Jornal de Itabuna, 03/01/1924. CEDOC/UESC.
124
Para ver mais sobre o assunto: DE CARVALHO, Philipe Murillo Santana. Trabalhadores, instrução
profissional e educação popular no sul da Bahia: Ilhéus e Itabuna, 1920-1930. Revista PINDORAMA, v. 3,
n. 03, p. 23, fev. 2018.
125
Ditado Escolar de 1939. Escola Manoel Vitorino. Arquivo SMPAI.
49

A combinação de boa instrução com trabalhador engajado, era a forma de disciplinar o


profissional, criando indivíduos de comportamento ordeiro diante dos olhos da elite
itabunense, a fim de controlar qualquer tipo de reivindicação. Ações semelhantes foram
destacadas por Aldrin Castellucci, ao analisar o projeto do Código Rural de 1893, que
pretendia forçar os operários rurais e urbanos ao trabalho; e Robério Souza, que compreendeu
a maneira como foi regida a organização do trabalho ferroviário na Bahia, nos primeiros anos
pós-abolição da escravidão no Brasil, pautada numa nova ética de trabalho com a intenção de
alcançar a disciplina e a moralidade126.
A instrução pública foi alvo de uma das reformas planejadas para a construção
nacional. Na Bahia, em 1881, essa mudança foi sancionada sob um projeto das classes
dominantes de educar o povo não somente visando a erradicação do analfabetismo, mas,
sobretudo, buscando a mudança das práticas cotidianas. Para empregar a civilização dos
costumes, a elite apostou na educação contra as “classes perigosas”. A função da escola
passaria a ser da instrução moral, intelectual e do lazer, com função corretiva de costumes
para manutenção da ordem127.
Quanto à moralidade na SMPAI, estava passível a expulsão o trabalhador que não
tivesse conduta moral aprovada (não estando envolvidos em brigas, bebedeira ou algo que
fosse considerado desordem). Em 1922, o nome do sócio Corbiniano Palmeira foi posto em
voto para decisão da exclusão ou não dele, a “bem moral” da Sociedade128. Não houve a
constatação de outro fato semelhante para avaliarmos da melhor forma tais situações, mas no
caso do Corbiniano houve perdão em 1930 e em 1942, chegou a assumir a função de
presidente da Assembleia Geral.
Os trabalhadores, como dito anteriormente, não estavam alheios às causas sociais e
sabiam muito bem o que queriam. A criação de instrumentos de solidariedade horizontal,
fortalecia a relação paternalista com as elites, se tornando uma forma de se dispor a uma
submissão, encontrando brechas para alcançar seus objetivos.
As autoridades policiais utilizavam o princípio do labor para reprimir a pobreza e a
vadiagem e a SMPAI, por sua vez, conseguiu estrategicamente reverter isso para dignidade,
construindo uma identidade social positiva capaz de permitir aos trabalhadores o
126
SOUZA, Robério Santos. A Organização e disciplina do trabalho ferroviário baiano no pós-abolição in:
Revista Mundos do Trabalho, vol. 2, n.3, janeiro-julho de 2010, p. 76-98.
127
JÚNIOR, Djalma S. Melo. A Escolarização das Práticas Corporais em Meio a “Babelda Instruccção
Pública” Baiana. Os confrontos em torno da Gymnastica, música e dança. Orientadora: Elciene Azevedo.
Feira de Santana, 2015. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós Graduação em História – PPGH)
Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – DCHF. Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
128
Ata da 34º sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 27/07/1922. Arquivo
SMPAI
50

reconhecimento como classe distinta e solidária, que se empenhava pelos seus direitos com
valores positivos e de bom cidadão. A compreensão de classe estava posta dentro de suas
condições de formação social e cultural, fruto das experiências vividas na cidade129.
Não bastava identificar-se como pessoas dispostas ao labor, era necessário o elemento
da organização. A atuação organizada conferia aos membros trabalhadores da SMPAI
respeitabilidade, significava reconhecimento dos poderes públicos e gerava recursos
financeiros. Isso foi um traço marcante em toda a Primeira República e a busca de direitos
desses trabalhadores revelam duas coisas: havia desigualdade e pobreza em uma cidade que
ostentava-se como próspera e civilizada. Era uma faca de dois gumes: um lado, alinhava-se
com os de cima e, o outro, proporcionava oportunidades aos seus pares.130. Isso explica a
busca pelo “avanço social de toda classe” posto no regimento interno.
Os trabalhadores não eram ingênuos e passivos, mas estratégicos, sendo influenciados
e influenciando, ao mesmo tempo, completando o tour pelas camadas sociais que a cultura
faz. Isso também é possível notar observando como os trabalhadores da SMPAI lidavam com
os lazeres “sadios” e a música tem responsabilidade nisso. A dinâmica dos trabalhadores
interagindo em um lugar, possibilita uma compreensão do cotidiano no espaço social onde se
situam, ou seja, as experiências desses sujeitos na cidade foram fator fundamental para suas
ações.
Com essa perspectiva, é possível notar uma rede de sociabilidades131 que se articulam
tanto no espaço da própria SMPAI, quanto nos espaços de lazer e isso, de certa forma,
colabora com a concepção de classe desses artífices. Daí parte a manifestação de interesse em
criar espaços de congraçamento, como foi a Escola Manoel Vitorino, e acreditamos que da
mesma forma ocorreu com a Filarmônica Euterpe Itabunense. A manifestação de interesse em
fundar uma banda musical pode ser vista como uma extensão de suas redes de sociabilidade
via cultura musical, relacionando-se com seus pares e com a classe dominante, entretanto,
com a inserção de seus valores, interesses e objetivos.
Se a cidade fosse um acorde, os trabalhadores almejaram deixar suas marcas, com suas
notas confeccionadas a partir de suas realidades e impressões. Por vezes, essas notas poderiam
fazer consonância às notas da classe dominante, entretanto, o campo harmônico com certeza
era outro.

129
GOMES, Angela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. 3ªed. – Rio de Janeiro: Editora FGV,2005
130
BATALHA. Cláudio. Identidade da classe operária no Brasil (1880-1920): atipicidade ou legitimidade.
Revista Brasileira de História. São Paulo: [s.e.], V. 12, nsº. 23-24, p. 111-124, set./ago., 1992.
131
SAVAGE, Mike. Espaço, redes e formação de classe. in: revista mundos do trabalho, vol. 3, n.5, janeiro-
junho de 2011, p. 06-33.
51

Capítulo 2 – As Origens da Filarmônica Euterpe Itabunense,


sua composição e suas regras

Uma das pessoas mais importantes no surgimento de uma banda musical no interior da
SMPAI foi Flaviano Moreira, um dos sócios fundadores e figura central na implementação de
tal feito, como destaca a tese de doutorado de Philipe Murilo. Moreira era natural de Santo
Amaro132, Recôncavo Baiano, carpinteiro, dono de uma marcenaria133 e de uma casa
funerária134, além de ter sido várias vezes presidente da Assembleia Geral e Diretoria. Sua
posição de representante dos entes administrativos da SMPAI possibilitava conhecer os
problemas sociais e econômicos no sul da Bahia.

Figura 04: Flaviano Moreira e Joaninha Alves Moreira 135

Em 1924, aconteceu uma reunião para debater a crise de abastecimento de alimentos


básicos e Flaviano Moreira esteve presente, juntamente com coronéis e representantes do
comércio, elaborando a proposta de encaminhar um pedido para produtores de charque,

132
Informação encontrada no edital de casamento assinado em 18/02/1924 e publicado no Jornal de Itabuna em
01/03/1924.
133
Ibid., 2015, p. 142
134
FOGUEIRA, Manoel Bomfim. Ensaios Históricos de Itabuna: o jequitibá da Taboca, 1849-1960. Revisão,
atualização, introdução e notas Janete Ruiz de Macedo e João Cordeiro de Andrade. – 2.ed.rev. e ampl. – Ilhéus:
Editus,2011. P. 60
135
Fotografia de Flaviano Moreira comemorando bodas de casamento com sua esposa Joaninha Alves Moreira,
em 1897. Indícios de que Flaviano casou-se duas vezes, uma vez que, há informações de seu estado civil como
viúvo e de um novo casamento. A foto foi retirada da rede social Instagram, na página História Grapiúna.
52

farinha, feijão, batata e arroz para que os produtos fossem revendidos pelo município a preço
de custo136.
Em uma das comemorações do dia do trabalho, a SMPAI reuniu representantes da
intendência municipal, agremiações de trabalhadores e do Conselho Municipal de Juventude,
além de seus diretores e membros. A sessão foi presidida por Flaviano Moreira, e então 1º
secretário da Assembleia Geral. Teve como conferencista o jornalista do Jornal A Época,
Antônio Cardoso, que fez alerta do que enquadrou como “o perigo das ideias” do anarquista
Mikhail Bakunin, e concluiu enaltecendo o trabalho. Contudo, Moreira destaca que a
solenidade seria uma manifestação em protesto contra os trágicos acontecimentos com
trabalhadores nos Estados Unidos da América, evento que resultou no dia mundial do
trabalho137 .
O evento citado anteriormente é um dos exemplos de como a relação entre ideias do
trabalho e ideias patronais, que aparentemente era harmônica, possuía momentos de
beligerância de ideias e de correlação de forças. Os trabalhadores aglutinados na SMPAI eram
dotados de consciência daquilo que pleiteavam e, embora não estivessem arregimentados em
instituição de luta sindical, buscaram por seus direitos dentro de suas particularidades. Eram,
de fato, notas que formavam o mesmo acorde, mas que poderiam ser encontrados em campos
harmônicos distintos.
Moreira também possuía liberdade para emitir opiniões nos mesmos periódicos que
criticavam trabalhadores pobres, sem aparentemente, necessitar da aquiescência dos demais
partícipes da agremiação. Um posicionamento dele em 1924, no Jornal de Itabuna, ilustra um
pouco da figura do carpinteiro. Philipe Murilo revela que em um artigo, Moreira questionou a
ausência do governador Góes Calmon nas cidades de Itabuna e Ilhéus, pois, segundo Moreira,
eram cidades que enriqueciam o Estado com o cacau. Além da crítica, ele ressalta as
necessidades de ter uma agência do Banco do Brasil na cidade para auxiliar o comércio e
reivindicava suporte para treinamento e qualificação de mão de obra138. Além dos periódicos
da cidade, Flaviano Moreira também fazia comentários em periódicos da capital.
Apresentava-se preocupado com as necessidades dos trabalhadores e seus filhos dentro das
relações de força entre trabalho e capital.
136
“O Sr. Intendente Esforça-se para Minorar a Crise”. Jornal de Itabuna, 27/07/1924. – Semana.
CEDOC/UESC.
137
A menção aos trabalhadores dos EUA feita por Flaviano Moreira remete ao massacre de Haymerket, na cidade
industrial de Chicago, em 04 de maio de 1886. Álbum Social Sociedade Monte pio dos Artistas, 01/05/1925.
Arquivo SMPAI; “Como o Monte pio comemorou o dia do trabalho”, Jornal de Itabuna, 21/05/1925.
CEDOC/UESC.
138
APUD Carvalho, 2015. ver também em “Em prol do engradecimento do Sul do Estado”. Jornal de Itabuna,
17/04/1924 – semanal. CEDOC/UESC.
53

Como dissemos anteriormente, por meio de leis e com a ajuda de periódicos na


divulgação de novos “hábitos e costumes”, a elite itabunense parecia enxergar a sociedade de
forma homogênea, generalizando as relações sociais e marginalizando pessoas que não se
enquadravam em seus valores. Visto isso, Moreira sempre reivindicava a assistência aos
pobres, como aconteceu no Congresso dos Artistas e Operários do Sul da Bahia, datado do dia
02 de julho de 1923, que teve o próprio Flaviano Moreira como um dos organizadores.
Segundo ele, a motivação maior era para a instrução dos filhos dos operários do sul da Bahia,
pois, em sua grande maioria, não possuía dinheiro para realizar a matrícula dos seus filhos139,
solicitação de assistência médica, conscientização de higiene, para prevenir doenças e o
combate ao alcoolismo. Tal ação pretendia chamar atenção do poder público para dar socorro
aos menos favorecidos140.
Por outro lado, Flaviano Moreira demonstrou estar atento aos movimentos de
filarmônicas na região. A primeira vez em que foi posta em pauta a discussão sobre a criação
de uma banda de música administrada pela SMPAI foi no ano de 1922, quando ele propôs em
uma sessão a criação de uma agremiação musical, com a finalidade de servir de escola para os
alunos das aulas noturnas da Manoel Vitorino141.
Entre as décadas de 1920 e 1930, algumas filarmônicas surgiam ou já possuíam vida
ativa no sul da Bahia, como elencado na tabela abaixo.

Tabela 02: Filarmônicas do Sul da Bahia entre 1920 e 1930


NOME DA BANDA CIDADE ANO DE
FUNDAÇÃO
1º de Maio Água Preta (Uruçuca) -
Grupo Musical Independente de Macuco Macuco (Buerarema) 27/11/1925
Euterpe 3 de Maio Ilhéus 03/05/1921
8 de Dezembro Pirangi (Itajuípe) -
Recreio da União Protetora Ilhéus -
Amantes da Lyra Itabuna Provavelmente 1927
7 de Dezembro Agua Preta (Uruçuca) -
Grupo Musical Lira dos Artistas Pirangi(Itajuípe) -
Harpa Infantil Ilhéus -
Lyra Infantil Água Preta (Uruçuca) -
Lyra Popular Belmonte 01/01/1915

139
Em uma das escolas de datilografia inaugurada em Itabuna cobrava de 20$000 a 30$000 (vinte e trinta mil
réis, respectivamente), valor cobrado a depender da quantidade de aulas por semana. Ver em: “Em prol do
Preparo Profissional”. Jornal de Itabuna, 24/01/1924 – Semanal.
140
APUD. Carvalho... ver também em Ata da 40º sessão da Assembleia Geral da SMPAI da Sociedade Monte pio
dos Artistas de Itabuna, 27/04/1923. Arquivo SMPAI.
141
Ata da 30º sessão da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 25/04/1922. Arquivo
SMPAI.
54

Essas bandas foram mapeadas nas pesquisas com os periódicos Jornal de Itabuna,
Jornal A Época e Correio de Ilhéus. Infelizmente, não foi possível encontrar o ano de
fundação da maioria das bandas mencionadas em tais fontes, tampouco, outras informações
sobre possíveis outras bandas da região. Contudo, acreditamos que o conhecimento sobre a
existência delas seja relevante para estudos mais aprofundados a partir de futuras pesquisas
sobre cultura de filarmônicas na região sul da Bahia.
Presumivelmente, o primeiro contato da SMPAI com uma banda musical em suas
solenidades foi na homenagem que os sócios fizeram ao deputado Dr. João Mangabeira, que
se fazia presente na cidade. O evento contou com a promessa do deputado em organizar uma
oficina de variadas artes com orçamento de subvenção federal, tudo isso feito ao som de
marchas de uma banda musical, da qual não conseguimos identificar o nome e a origem142.
Das bandas filarmônicas encontradas neste levantamento, vale o destaque da Euterpe 3
de Maio. Fundada em 03 de maio de 1921, na cidade de Ilhéus, acreditamos que tenha sido
uma entidade musical independente, ou seja, sem estar subordinada a outra agremiação. Em
1922, a banda da Euterpe realizou um passeio à cidade de Itabuna, para acompanhar uma
partida de futebol entre os times Club Copacabana, de Ilhéus e Rio Branco, da cidade anfitriã.
Após a partida, fizeram uma visita à SMPAI143.
A banda Harpa Infantil também marcou presença na SMPAI, tocando na sessão de
inauguração do prédio social da agremiação144. Esta banda afigurava-se por ser formada de
fato por crianças e também foi fundada em Ilhéus, localizada na região do Pontal. A diretoria
era formada por adultos, cujo diretor principal era um indivíduo identificado pelo nome de
Saul Martins.
Cabe mencionar que, provavelmente, a participação de um grupo musical na
inauguração do prédio social chamou a atenção de Flaviano Moreira, influenciando na
proposição da criação da banda. É possível também elencar como elemento potencializador as
viagens que Moreira fazia à Salvador. A capital baiana e a região do Recôncavo eram ricas
em filarmônicas. E não seria a primeira vez que alguém teria uma ideia como essa, haja vista
o engenheiro e deputado Olinto Leone, quando regressou à Itabuna para tentar o pleito de
intendente municipal. Leone decide fundar a banda Lira Popular sob a justificativa de que não

142
Ata de sessão extraordinária da Assembleia Geral da SMPAI, 12/02/1921. Arquivo SMPAI.
143
“Passeio a Recreio”. Correio de Ilhéus, 30/03/1922. CEDOC/UESC.
144
Ata da sessão de inauguração do prédio social da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna. 08/09/1922.
Arquivo SMPAI
55

era viável disputar um pleito eleitoral sem ter uma filarmônica por perto145.
Além das experiências e possibilidades vivenciadas por Flaviano Moreira, Itabuna,
outras cidades e vilas da região sul da Bahia experimentavam o impacto das políticas sobre os
lazeres e sociabilidades dos indivíduos. Calorosamente, isso também contribuiu para o
amadurecimento da criação de uma filarmônica no âmbito da SMPAI. Miremos, a partir de
agora, em compreender a constituição, manutenção e tentativas de descontinuidade desses
lazeres, momentos e elementos fundamentais para entender a formação da Filarmônica
Euterpe Itabunense.

Lazer e Sociabilidade Urbana em Itabuna

O lazer e as sociabilidades em Itabuna estavam na esteira dos “hábitos modernos” que


a elite itabunense tinha o objetivo de implementar na cidade. O surgimento e o fortalecimento
das práticas desportivas, musicais e os passeios revelam a tentativa de uma mudança na noção
de lazer e sociabilidade para alcançar um novo ideal de sociedade146. A estrutura de poder
também se apropriou dessas temáticas como símbolos de suas ideologias, sendo o lazer e a
cultura formas de dominação e domesticação – ou tentativa de tal – dos subalternos. Alguns
lazeres e formas de organizar as sociabilidades foram perseguidos e reorientados conforme as
leis. Mais uma vez, os jornais cumpriram um papel primordial na difusão de ideologias e de
incentivo a determinadas práticas de esporte e lazer, além de negativar outras práticas147.
O Jornal de Itabuna iniciou sua publicação em abril de 1927, empenhados no “ideal
que nos norteia a campanha contra o vício”148. O redator denunciou pontos de jogos de azar
em seis locais centrais da cidade e classificou a “jogatina” como uma ação imoral. A crítica
também respingou na polícia, uma vez que, segundo o redator, nada se fazia para inibir a
prática, afinal, Itabuna não era uma Monte Carlo, na visão dele.
Cerca de um mês depois, o novo delegado de Polícia, Dr. Américo Cavalcanti, proibiu
as “jogatinas”, fechando, assim, todas as casas de jogos que “[...] em desrespeito as nossas leis

145
OLIVEIRA, Samir Santana de. Tocando a Barca do Mutualismo: A Filarmônica Euterpe Itabunense.
Universidade Estadual de Santa Cruz, 2017 (monografia).
146
Para entender mais sobre a relação do lazer e modernidade ver: SANTOS, Henrique Sena dos. As elites e os
clubes esportivos em Salvador, 1899-1924. Veredas da História, v.4, n.1, p. 01-33, nov. 2011; DIAS, Cleber.
História e Historiografia do Lazer.
147
Em artigo, Henrique Sena apresenta como ocorreu a cobertura dos periódicos soteropolitanos ao esporte e
lazer na cidade de Salvador-BA, acompanhando o desenvolvimento da cultura urbana. Ver: SANTOS, Henrique
Sena dos. A Semana Sportiva e o incentivo às práticas corporais em Salvador: 1921- 1924. VIII Encontro
Estadual de História, Anpuh, 2016. Disponível em:
http://www.encontro2016.bahia.anpuh.org/site/anaiscomplementares?AREA=2505 acessado: 19/06/2022
148
“O Jogo: Itabuna não é Monte Carlo”. Jornal de Itabuna, 02/04/1927. Semanal.
56

já havia ultrapassado as raias do escândalo...”, pois, “o jogo é pernicioso tanto ao homem de


íntima classe como ao da maior responsabilidade, à família do rico e a do pobre”149.
Entretenimentos como o jogo do bicho eram praticados pela classe subalterna e eram
incluídos como atos imorais.
Havia uma perseguição contra aqueles que não se amoldavam aos novos hábitos
impostos, nem mesmo aos lazeres, principalmente aos trabalhadores pobres. Certa vez, um
homem armou sua barraca de tiro ao alvo na Praça Adami, região central, de Itabuna, e foi
motivo de reclamações. A barraca foi considerada um cômodo mal feito em relação a sua
estrutura e estética, digno de alguém mais preocupado com a sua sobrevivência do que os
ideais circulantes150.
Os padrões impostos na cidade pareciam ser próximos – se não iguais – aos dos
“enobrecimentos do ser humano”, em que as atividades realizadas nos tempos de trabalho e
não trabalho deveriam agregar posturas “sadias”, ou seja, sempre na guia do “progresso”. O
Jornal de Itabuna republicou um artigo do periódico “A União”, intitulado “O Culto do
Músculo”151. A matéria carregava a tese de que o cérebro, e não o porte atlético que enobrece
o homem, logo, seria necessário adotar práticas saudáveis, dando mais atenção ao cérebro do
que ao corpo.
O caminho para tornar-se um homem nobre, nessa perspectiva, era simples: sempre
optar por atividades intelectuais como fazer cursos preparatórios para o mercado de trabalho
ou optar pela música, mas não de qualquer gênero musical, vale enfatizar. Eram preferíveis as
músicas ligadas ao gênero clássico ou erudito. As filarmônicas eram bem quistas, com seus
instrumentos de sopro e percussão forte, mas não tão ovacionadas como os artistas da música
clássica, quando visitavam a cidade.
As filarmônicas estavam inseridas no campo da educação. A estratégia da
escolarização na Bahia foi assegurada em três pilares: fortalecimento da musculatura,
desenvolvimento da cognição e regulamentação de costumes através de valores morais,
estando todos eles entrelaçados entre si. Essa perspectiva foi baseada em estudos médicos-
higiênicos do século XIX, que tematizavam a escolarização da educação physica para
educação moral e intelectual152. A dita educação physica não é a disciplina Educação Física

149
“ Ação Policial”. Jornal de Itabuna, 07/05/1927. CEDOC/UESC.
150
“Chronica da Cidade”. Jornal de Itabuna, 19/07/1923. CEDOC/UESC.
151
“O culto ao músculo”. Jornal de Itabuna, 20/11/1924. CEDOC/UESC.
152
JÚNIOR, Djalma S. Melo. A Escolarização das Práticas Corporais em Meio a “Babelda Instruccção
Pública” Baiana. Os confrontos em torno da Gymnastica, música e dança. Orientadora: Elciene Azevedo.
Feira de Santana, 2015. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós Graduação em História – PPGH)
Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – DCHF. Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
57

da forma como conhecemos hoje, mas lembra a perspectiva helênica do culto ao corpo como
uma das ferramentas necessárias para o alcance da cidadania. Portanto, os lazeres e esportes
recomendados eram natação, esgrima, música e passeios.
Na retaguarda desses debates, haviam intenções veladas do combate às classes
perigosas que, como já discutimos, estava atrelado ao imaginário político. Uma das
ferramentas para educação physica foi a música, haja vista que, através dela se educaria o
corpo e a mente. Essa era uma maneira pedagógica de selecionar costumes herdados dos pais
e tornar a criança ou adolescente um canal de influência social. Com isso, o uso de
filarmônicas era tido como um sinal de transformações nas práticas culturais, deixando a
“rudeza” e assumindo o “bom costume”153.
Essa observação justifica a importância que as elites atribuíam às filarmônicas, vistas
não somente como relevância cultural e de sociabilidades, mas com um caráter político,
outrossim, justificar também a feição por escolas de músicas. O fator musical, neste sentido,
estava ligado ao projeto de sociedade posta no imaginário das elites, em vista de doutrinar as
classes subalternas de acordo com seus comportamentos154.
A reabertura da escola de música do professor Agenor Gomes foi comemorada pelo
Jornal de Itabuna. Gomes era funcionário do comércio de Itabuna e estava associado à
Associação Comercial de Itabuna155.

Figura 05: Alunos da Escola de Música Agenor Gomes, em 1925156

Aparentemente, acreditava-se que a formação de escolas musicais, bandas e


153
Idem, 2015, p.137
154
CONTIER, Arnaldo Laraya. O Nacional na Música Erudita Brasileira: Mário de Andrade e a questão da
identidade cultural in: Revista do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, v. 6, n9, 2004.
155
“Curso de Música”. Jornal de Itabuna, 27/01/1927 – Semanal. CEDOC/UESC.
156
Disponível em: https://www.instagram.com/p/CNuXjolr2Tk/ acessado: 07/02/2022
58

filarmônicas deveria partir da elite. Espelhando as filarmônicas citadas anteriormente, o sul da


Bahia também buscava seus espaços de aparição. Veremos que isso não era incomum, apesar
de ser noticiado nos jornais que uma filarmônica só poderia ser construída por integrantes da
elite. Em 1923, uma matéria apontou as tentativas de sociedades culturais do Arraial de
Mutuns e atribuiu o fracasso delas aos seus criadores.
Um dos exemplos foi o músico Constantino Costa, que foi para Mutuns trabalhar
como alfaiate e lá, decidiu fundar uma banda de música. Ensinava de forma gratuita os
interessados a tocarem instrumentos musicais. Embora houvesse frequência nos ensaios, a
banda do alfaiate não durou tanto tempo quanto as associações esportivas e musicais de
Pirangy e Água Preta, utilizadas como exemplos de sucesso em contraponto a banda de
Mutuns. Segundo a notícia, o motivo do sucesso eram os coordenadores: os coronéis José
Café e Hostilio Lima157.
Essa perspectiva é fruto do sentimento de superioridade que as elites carregavam
consigo no se fazer, enquanto cidadãos e partícipes políticos. Necessariamente, os casos de
sucesso não estavam atrelados apenas à presença de coronéis, apesar da participação direta
deles, mas era fruto de troca de experiências entre indivíduos. A cultura plebeia se revestiu da
retórica de costume158 também por meio de filarmônicas. Foi a forma de assumir
defensivamente a oposição aos controles e limites que a cultura dos dominantes tentava
imprimir.
Assim como na SMPAI, era comum que algumas filarmônicas interagissem com os
representantes da elite local. No evento de aniversário e cerimônia de posse da Euterpe 3 de
Maio, estiveram presentes Cel. Eustáquio Barros, à época intendente de Ilhéus, Cel. Misael
Tavares, que recebeu um diploma de sócio benfeitor da banda. Além deles, outros coronéis e
representantes da Associação Comercial de Ilhéus estavam presentes159.
Entender a motivação dos políticos ilheenses e dos partícipes da banda em estarem
próximos se faz necessário para compreender quem eram os membros da banda. Supomos que
seja algo semelhante à estrutura administrativa da SMPAI, a julgar da entrega de títulos
importantes para coronéis e presença em atos oficiais, independente do governo vigente. Em
inaugurações de obras públicas, a Euterpe 3 de Maio também estava presente. A citar, tanto
na inauguração do calçamento da rua Dois de Julho no Banco da Vitória160, quanto no

157
“De Mutuns”. Jornal de Itabuna, 12/07/1923 – semanal. CEDOC/UESC.
158
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum / E. P. Thompson: revisão técnica Antônio Luigi Negro, Cristina
Mereguello, Paula Fontes. – São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
159
“Euterpe 3 de Maio”. Correio de Ilhéus, 04/05/1922. CEDOC/UESC.
160
“Banco da Vitória: a inauguração do calçamento 2 de julho”. Correio de Ilhéus, 03/02/1925. CEDOC/UESC.
59

lançamento da Pedra Fundamental da Avenida. Beira Rio e a inauguração do chafariz da


Praça Coronel Pessoa161. As obras foram encaradas como “progresso e evolução social” da
cidade de Ilhéus.
Aparentemente, tanto a Filarmônica Euterpe 3 de Maio, quanto a Harpa Infantil
cobravam para realizar tocatas em algumas ocasiões. Como foi o caso da 3 de Maio, que
anunciou cobrar 250$000 para tocar na festa de N. Sra. da Vitória162. Já a Harpa Infantil, não
conseguimos encontrar valores, porém, destaca-se um informativo no periódico “Correio de
Ilhéus” anunciando a disponibilidade para tocatas em festas públicas, cívicas e particulares e
quem tivesse interesse na contratação da banda, deveria procurar o senhor Saul Martins,
diretor chefe163. Existiam outros territórios onde tais bandas circulavam e interagiam. Como
vimos, as duas bandas estavam inseridas em alguns espaços de lazer e sociabilidades no eixo
Ilhéus e Itabuna.
As bandas transitavam em territórios em comum. Era habitual a realização de
atividades em outras instituições de classe. Além da SMPAI, a Harpa Infantil marcou
presença na comemoração do aniversário de 3 anos da União dos Operários Estivadores de
Ilhéus164. A filarmônica 1º de Maio de Água Preta também estava presente neste circuito de
visitações entre agremiações e recebeu a visita do grupo musical Lyra Infantil no feriado de
Tiradentes, além de ter programado uma ida à Itabuna no dia 2 de julho, estando no percurso
uma visita ao intendente da cidade, Cel. Henrique Alves165. Em seguida,uma visita à redação
do Jornal de Itabuna, e claro, ao local onde tocaram, na sede da SMPAI166.
Outro roteiro corriqueiro das filarmônicas eram as partidas de futebol. Não somente a
Harpa Infantil, mas a Euterpe 3 de Maio também esteve presente em partidas entre times de
Itabuna e Ilhéus167. A SMPAI recebeu em sua sede o Itajuhype Football Club e a filarmônica
8 de dezembro. Ambas instituições estavam a passeio em Itabuna e os representantes de cada
entidade, incluindo a SMPAI, o Club Sportivo Rio Branco e Gremio Litero Caixeral
discursaram sobre a viagem que estavam fazendo168. A prática desse esporte era comum desde
a década de 1920, mesmo antes da fundação da Liga Itabunense de Desportos Amadores

161
“As Festas Oficiais de Domingo”. Correio de Ilhéus, 12/02/1925. CEDOC/UESC.
162
“Festa da Victória e Euterpe 3 de maio”. Correio de Ilhéus, 19/08/1922. CEDOC/UESC.
163
“Harpa Infantil”. Correio de Ilhéus, 20/04/1922. CEDOC/UESC.
164
“União dos Operários Estivadores de Ilhéus”. Correio de Ilhéus, 14/09/1922. CEDOC/UESC.
165
“Itabuna vai receber uma visita da estudiosa Filarmônica 1º de Maio”. Jornal de Itabuna, 26/06/1926.
CEDOC/UESC.
166
“Itabuna recebe a visita honrosa da população de Agua Preta”. Jornal de Itabuna, 10/07/1926.
CEDOC/UESC.
167
“Passeio de Recreio: a visita esportiva do Flamengo ao Ypiranga”. Jornal de Itabuna, 08/01/1925.
CEDOC/UESC.
168
“Passeio de Recreio”. Jornal de Itabuna, 24/07/1924 – semanal. CEDOC/UESC.
60

(LIDA) em 1930, em Itabuna. Nos periódicos de Itabuna e Ilhéus os placares de diversos


jogos locais estavam estampados nos blocos esportivos.
O futebol também surge no Brasil na esteira do lazer como modernizador das práticas
sociais. Apesar de este esporte ter ultrapassado os muros dos clubes ricos e brancos, ainda
havia muita resistência na aceitação dos pobres, humildes e operários. Para montar seus times,
havia a prerrogativa de que os participantes deveriam ser sportmen, ou seja, possuir os hábitos
e costumes “modernos”. A propósito, o termo “amador” era uma dissimulação para impedir
de jogar aqueles que não eram da aristocracia . O rompimento do uso do termo“amador” veio
nos anos de 1920, quando, com a inserção de operários no esporte, alterou-se o perfil das
torcidas e o futebol tornou-se um esporte de massa169.
Tal perspectiva histórica do futebol é visível em Itabuna. As partidas citadas
anteriormente com a presença de filarmônicas, provavelmente, contavam com trabalhadores
na torcida e em campo, afinal, algumas dessas equipes possuíam vínculos, ao menos
fraternais, com as agremiações de classe. Era habitual a troca de ofícios notificando
cerimônias de posse de novas diretorias e festividades entre entidades de classe e times de
futebol, como aconteceu entre o Ypiranga Football Club170 e SMPAI171, fato ilustrado nas
fotografias abaixo.

169
GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país.–
São Paulo: Contexto, 2009
170
Leopoldo Freire também foi presidente da assembleia desse time de futebol no mesmo período em que foi 1º
secretário da Diretoria da SMPAI. Verificar em Ata da 9º sessão de diretoria da SMPAI. 15/04/1924. Arquivo
SMPAI.
171
Ata da 28º sessão de Diretoria da SMPAI. 15/12/1924. Arquivo SMPAI.
61

Figura 06: Fotografia do Sport Club Foot-ball Brazil, inaugurado em 1915172

Figura 07: Associação Atlética Janízaros Itabunense173

Essa fotografia vale um destaque. Nela, estão os jogadores da Associação Atlética


Janizaros Itabunense e, ao lado esquerdo deles, um grupo musical. Tal imagem ajuda a ilustrar

172
Fotografia do Sport Club Foot-ball Brazil, inaugurado em 1915. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/CiWQyQ2upGg/ acessado: 10/09/2022.
173
Acervo de fotografias da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. Arquivo SMPAI.
62

as relações e interações entre lazeres que formaram as sociabilidades itabunenses na reta final
da Primeira República e início da Segunda República.
Além das filarmônicas e do futebol, havia concertos e apresentações de músicas
clássicas. Em mais de uma oportunidade, o tenor Reis e Silva entoou seu repertório na região
sul da Bahia demonstrando que nem somente de filarmônicas viviam as festividades na
região174. A caricatura criada do músico de forma laudatória demonstrava uma possível
distinção entre as músicas e formações de bandas entre filarmônicas e tenores, haja vista que,
neste mesmo dia, a Euterpe 3 de Maio se apresentou em um espaço secundário, explicitado
por ter apenas um parágrafo dedicado ao evento175.
Um exemplo disso foi a visita do pianista Luiz Caetano na cidade de Itabuna176. A
cobertura que o Jornal de Itabuna fez foi similar ao do “Correio de Ilhéus” quando o tenor
Reis e Silva cantou na cidade. Repetia-se a imagem laudatória do sujeito, com a publicação
em lugar de evidência e visibilidade, com reprodução do repertório; diferente do que
acontecia com as filarmônicas, que ganhavam destaque quando estavam inseridas nas
cerimônias ou festejos oficiais do poder público.
Existiam também as bandas de jazz. A Jazz Band, composta pelo músico Agenor
Gomes, Américo Cavalcanti, o advogado e dono do Jornal de Itabuna, Lafayete Borborema, e
Soriano Neto. Esse grupo tocou no aniversário do promotor da comarca de Itabuna, Reynaldo
Sepúlveda177. Outro grupo formado por José da Hora Pires, membro da SMPAI, tendo como
membro Rosemiro Pereira, ex-regente da filarmônica Euterpe Itabunense.
A primeira tocata foi exclusiva para imprensa, mas teve uma inauguração marcada
para o carnaval, no Cinema Ideal178. Não era a primeira vez que um evento musical acontecia
no cinema, visto que a banda carioca de jazz “Orchestra Band” já havia tocado ali179. Os
Cinemas se revelaram como um espaço de sociabilidade tanto para exibição de filmes, como
também espaço musical e, durante os anos de 1910 e 1920, foram locais considerados
“civilizados”180
A percepção da música em Itabuna possuía dois lugares: para um grupo, a música foi
vista como fator de enobrecimento do ser, sendo ferramenta de regulação de costumes e de
lazer “sadio”; para outro grupo, a música é vista como possibilidade de ascensão social e

174
“Tenor Reis e Silva”. Correio de Ilhéus, 07/02/1925. CEDOC/UESC.
175
“Uma Hora de Arte”. Correio de Ilhéus, 10/02/1925. CEDOC/UESC.
176
“Musica”. Jornal de Itabuna, 06/02/1926. CEDOC/UESC.
177
“Uma festa elegante”. Jornal A Época, 10/07/1926. CEDOC/UESC.
178
“Ita Jazz Band”. Jornal de Itabuna, 17/02/1927. CEDOC/UESC.
179
“Artes e Artistas”. Jornal de Itabuna, 19/06/1926. CEDOC/UESC.
180
CONTIER, op. cit., 2004
63

mecanismo de defesa contra perseguições no campo social e ideológico. Esse grupo estava
sujeito a pressões para reformar sua cultura segundo normas vindas de cima181, portanto,
houve necessidade de readaptação ao modo de viver, para sobreviver.
Em ações como essas, segundo Thompson, é gerada um conflito: definir aquilo que é
cultura plebeia ou cultura patrícia, uma vez que os costumes da plebe foram vistos como
antiquados para cultura patrícia e tudo que resistisse ao tempo do progresso, deveria ser
encerrado. Contudo, a cultura plebeia poderia ser vista como tradicional e rebelde ao mesmo
tempo, por estar indo de encontro com uma nova cultura, mesmo se inserindo nela182. A
inserção era em prol de seus interesses, como se fosse algo velado, em combate à dominação
social que se estabelecia.
Esse era o contexto em que as movimentações de filarmônicas, os lazeres e
sociabilidades itabunenses estavam inseridos. A SMPAI e seus membros não estavam
isolados de outros componentes sociais, pelo contrário, pareciam atentos aos movimentos
culturais como é o caso do aludido Flaviano Moreira.
No interior da cultura urbana há cruzamentos de diversas culturas compostas por
elementos antagônicos e, por mais que sejam compartilhadas, não se articulam da mesma
forma nos diferentes setores e camadas sociais. No caso da SMPAI, no processo de formação
de sua banda filarmônica, os trabalhadores estavam inseridos na cultura de classe, que
segundo Claudio Batalha é

[...] o conjunto de propostas e práticas culturais das organizações operárias, a visão


de mundo expressa nos discursos, bem como nos rituais que regem a vida das
associações que muitas vezes são herdados de formas de organização mais antigas,
como corporações183.

A visão de mundo expressa por eles está ligada à cultura associativa, fruto de
influências da cultura vigente e circulante na sociedade, mesclando com aspectos de cultura
militante, em reivindicação às suas demandas.
Com essa perspectiva, lançamos mais uma nota na composição de nosso acorde. Uma
filarmônica composta por trabalhadores para auxílio mútuo se entrelaça com o fluxo de
movimentação cultural posto em Itabuna. Entretanto, a banda não era para reafirmar valores

181
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum / E. P. Thompson: revisão técnica Antônio Luigi Negro, Cristina
Mereguello, Paula Fontes. – São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
182
Ibid, 1998, p. 13
183
BATALHA, Cláudio H. de Moraes. Cultura Associativa no Rio de Janeiro da Primeira República in:
Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Org. BATALHA, Cláudio H. de
Moraes; FORTES Alexandre; SILVA, Fernando Teixeira da. – Campinas, SP:Editora da Unicamp, 2004. P. 99.
64

das elites, mas afirmar seus valores em suas experiências, vibrando em frequência distinta
para finalidades distintas.
O modo como certos elementos simbólicos são apropriadas pela classe trabalhadora
tende a ser substancialmente distinto, logo, precisamos retomar a reflexão sobre os motivos
pelos quais ele, Flaviano Moreira, sugeriu uma banda filarmônica mantida por uma
agremiação de auxílio mútuo e, com essas informações já mencionadas, ficamos um pouco
mais perto de compreender o tom de toda canção.

Formação da Filarmônica Euterpe Itabunense

Apesar desse contexto musical, a proposta da criação da uma banda de música, feita
por Flaviano Moreira, não foi bem vista. Lembremos das duras críticas do carpina ao governo
do Estado. Flaviano também posicionava-se politicamente e esse foi um dos fatores da não
imediata aceitação sobre a criação de uma banda. Mesmo cientes da existência de bandas
filarmônicas, a ideia sofreu resistência principalmente de Leopoldo Freire e Edgar de Barros.
Esse último alegou que era cedo demais para SMPAI ter uma banda, além do que o foco era
nos exercícios das aulas dos alunos.
Apesar de não mencionado de forma direta, o fator financeiro também poderia ser
impeditivo e, talvez, a SMPAI não possuísse recursos o suficiente para manter uma banda
filarmônica. Possuindo uma dívida de 2$500 réis, a agremiação convivia com atraso salarial
das professoras da escola, quitando com dinheiro de subvenção184. Os consórcios conseguiram
arrecadar 440$000 réis por meio de uma rifa, mas não chegou perto do valor necessário e,
com isso, propuseram não trabalhar mais com três professoras na escola.
Retornando ao fator político, Edgar de Barros e Leopoldo Freire pertenciam ao grupo
político de Gileno Amado (PRD), que apoiava J. J. Seabra até 1924, ao contrário de Moreira,
que era anti-seabrista e pró-Mangabeira. A desavença entre eles teve início antes da
solicitação da formação da banda, quando Moreira recusou a proposta de Freire – de família
renomada em Itabuna, proprietário de padaria e ex-juiz de paz em Ferradas – de ser um novo
integrante da SMPAI, por não ser artista de profissão. Da mesma forma, negou o ingresso do
irmão de Leopoldo, Baltazar Freire e de Gentil Amado, deputado sergipano parente de Gileno
Amado185. A presença de Leopoldo Freire facilitaria ainda mais o trânsito de coronéis na
SMPAI, mas enquanto presidente da Assembleia Geral, Flaviano Moreira cuidou para que

184
Ata da reunião de diretoria da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 06/12/1922. Arquivo SMPAI.
185
CARVALHO, op.cit., p. 142
65

influências políticas de seus opositores não fizessem parte da mutual. No entanto, em seguida,
os não aceitos passaram a fazer parte do quadro de sócios.
Talvez, a recusa de Edgar Barros em não fomentar uma banda de música possa
também estar atrelada a um embate político. A verdade é que no segundo mandato de
Moreira, a banda surgiu, entretanto, como escola de música. Ele destacou a necessidade da
cidade de Itabuna possuir uma banda de música e comparou com a importância de ter o prédio
da sede social e, em seguida, pediu plenos direitos para criar a banda, e encontrou uma à crise
financeira: angariar fundos para comprar os instrumentos através de uma comissão formada
por Dr. Benjamin de Andrade Ramalho – que se tornaria intendente municipal no final da
década de 1920 – e Lafayette Borborema. Ainda compunham a comissão o farmacêutico Nilo
de Santt”anna, Júlio dos Santos e o rival Leopoldo Freire186.
Comparar a banda com a inauguração do prédio social é inserir a agremiação musical
no jogo do paternalismo. Além da força policial, da lei e das noções de “bons costumes” que a
cultura urbana em Itabuna proporcionou aos cidadãos, algumas ações secundárias por parte do
poder público, como isenção de impostos para imóveis novos e para construção de prédios
destinados a teatros, cinemas e hotéis187. Basta lembrar-se das estratégias para adquirir o
terreno para construção do prédio da sede social, para entendermos que isso também foi uma
das formas de organizar as afirmações dos valores culturais mencionados em detrimento ao
modo de vida dos trabalhadores pobres de Itabuna.
Foram poucas informações encontradas sobre os anos iniciais da banda. Percebemos
que, inicialmente, ela surgiu como escola de música quando Amphilofio Rebouças, o então
presidente interino da Assembleia Geral, convidou os sócios a se matricularem nas aulas de
música proporcionadas pela SMPAI188, mas sem muitos detalhes de como funcionariam as
atividades.
Findada a gestão de Flaviano Moreira, sob o comando da Assembleia Geral, os novos
eleitos pertencentes ao grupo de Leopoldo Freire publicaram uma chamada no Jornal de
Itabuna sobre a formação de uma banda que serviria como escola de música para jovens entre
10 e 18 anos de idade189. Embora não tivessem concordado inicialmente, eles investiram
esforços no processo da construção da banda. As fontes pressupõem que, além da escola de
música, houve uma tentativa de arregimentar músicos adultos para construir uma filarmônica,

186
Ata da 41º reunião da Assembleia Geral da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna, 06/05/1923.
Arquivo SMPAI.
187
CARVALHO, op. cit.
188
Ata da 13ª sessão de Diretoria da Sociedade Monte pio dos Artistas, 15/071923. Arquivo SMPAI
189
“Itabuna vai ter uma banda de música”. Jornal de Itabuna, 21/02/1924. Semanal. CEDOC/UESC.
66

igualmente às existentes na região.


A estrutura hierárquica da banda foi montada. Havia o diretor da banda, que era
membro da diretoria da SMPAI, demonstrando que a banda era diretamente ligada à diretoria.
O diretor de banda era responsável pelos músicos, pelos alunos, compra, armazenamento de
instrumentos e partituras. O primeiro diretor de banda foi José da Hora Pires, que conviveu
com dificuldades para mobilizar a compra de instrumentos e também no dia a dia com os
músicos.
Um fato notório foi a insatisfação que os músicos apresentaram com Pires e, desse
modo, solicitaram à diretoria da SMPAI que eles mesmo elegessem seu diretor, entretanto,
essa opção foi negada pela Monte Pio, que optou em realizar uma troca de comando na banda,
com a finalidade de manter total controle sobre tudo o que acontecia nos bastidores da
música190.
Os primeiros indícios que a banda já poderia estar em funcionamento surgiram meses
depois. A substituição do diretor da banda parece ter surtido efeito. Júlio Francisco dos
Santos, novo diretor e também presidente da Diretoria da SMPAI, recebeu homenagens de
seus colegas pelo desempenho em prol da banda. Antônio Francisco Caldas e Ismael Casaes,
carpinteiro, também foram homenageados por terem conseguido angariar doações para a
compra de instrumentos191.
Tal registro denota que a questão financeira ainda continuou sendo uma problemática
permanente na formação da banda. A informação seguinte sobre banda de música na SMPAI
foi quase um ano depois, através de um relatório redigido pelo professor de música – que à
época era Rosemiro Pereira, 1º secretário da Assembleia Geral – se referindo a 31
instrumentos, sendo apenas 1 quebrado. No mesmo dia, foi formada uma comissão para tratar
de assuntos da banda, como os tipos de música e soluções financeiras. Fizeram parte da
comissão: Rosemiro, Moyses Messias, Júlio Santos – o presidente da Diretoria –, Ismael
Casaes e Flaviano Moreira, a convite do presidente192.
O registro da última sessão de diretoria dá uma impressão de que havia preparativos
para inauguração da banda. A partir da lista, contendo a quantidade de instrumentos em posse
da diretoria, podemos supor que ao menos a escola de música estava funcionando e que a
organização para se ter uma filarmônica tocando nas ruas e eventos era uma realidade. O hiato
entre uma informação e outra contida nas fontes dificulta a compreensão da mudança de ideia

190
Ata da 11ª sessão de diretoria da SMPAI. 20/05/1924. Arquivo SMPAI.
191
Ata da 18ª sessão de diretoria da SMPAI. 18/07/1924. Arquivo SMPAI.
192
Ata da 45ª sessão de diretoria da SMPAI. 18/06/1924. Arquivo SMPAI.
67

inicial de não ir em frente com uma banda musical. Através de alguns eventos na SMPAI, que
ocorreram de forma simultânea à criação da banda, podemos fazer inferências, somatizando
com as reflexões sobre os lazeres e o que significa uma filarmônica naquela sociedade.
Como dito anteriormente, a questão financeira era uma preocupação para os líderes
administrativos da SMPAI. Havia a preocupação em ser dependente apenas das subvenções,
uma vez que não eram constantes. A alternativa para angariar fundos era através de
quermesses193, pagamento de mensalidades194 – a principal receita fixa – e livro de ouro, uma
espécie de caderno personalizado para arrecadar fundos que, a propósito, atualmente ainda é
uma estratégia de doações utilizada com frequência, mesmo que de modo virtual. Tais
estratégias alternativas mencionadas, ainda que a arrecadação fosse menor do que uma
subvenção, evitava a dependência dos “de cima” para que suas demandas fossem atendidas.
Essa dependência poderia ferir algo valioso para esses trabalhadores ajuntados em
auxílio mútuo: a autonomia. A opção pela auto-organização é uma marca da busca pelo
amparo e proteção contra exclusão social daqueles que buscaram o auxílio mútuo. As mutuais
buscavam autonomia dos seus atos, afim de que resolvessem seus próprios problemas.
Contudo, isso não significava o afastamento integral das subvenções estatais. A autonomia
para SMPAI era vista como uma forma alternativa de manter as finanças aquecidas.
Essa condição era uma proteção para casos de não autorização de subvenção, como
ocorreu em 1926. Uma carta foi redigida por Ismael Casaes, representando a SMPAI,
solicitando ao intendente Cel. Henrique Alves o auxílio financeiro que prometera195. O pedido
foi negado sob alegação de a subvenção ter sido obrigação da gestão anterior.
A escola de música já se alinhava com os valores urbanos, a filarmônica além de
significar a autonomia, pode ter sido a ferramenta para se fazer presente em diversos setores
da sociedade e propagar seus valores. Portanto, era necessário pensar em estratégias para
efetuar tais objetivos. Assim, a comissão formada para tratar dos assuntos da banda decidiu
que fosse criado um comitê feminino196. As componentes do comitê parecem ter sido
selecionadas com muito critério e cuidado pela comissão. Foram elas:197
Presidente: Laura Conceição

193
Ata da 2ª sessão de Assembleia Geral. 05/12/1924. Arquivo SMPAI.
194
As mensalidades variavam entre 10$000 e 30$000 a depender da titulação de sócio. Devido à crise, por vezes
alguns sócios não conseguiam manter seus pagamentos em dias. Alguns compromissos com os professores da
Escola Manoel Victorino deixavam de ser honrados em dias, em compensação, despesas com medicação, auxílio
financeira em vida e pós-morte sempre eram quitados. Verificar em: Caixa da Diretoria (1922-1925). Arquivo
SMPAI.
195
Carta da Sociedade Monte pio dos Artistas endereçada a Cel. Henrique Alves, 20/05/1926. Arquivo SMPAI.
196
Ata da 46ª sessão de diretoria da SMPAI. 06/07/1925. Arquivo SMPAI.
197
Ata da 47ª sessão de diretoria da SMPAI. 27/07/1925. Arquivo SMPAI.
68

Vice-presidente: Alzira Pereira Franco


1ª Secretária: Alice Santana
2ª Secretária: Idalina Correia
Tesoureira: Isabel Pinto de Oliveira
Oradora: Maria Souza Kuark
Comissão de Sindicância: Cândida Soares, Júlia Oliveira e Julita Soares
Comissão de Contas: Maria da Glória Moreira, América Freire e Betty Moura

O comitê foi batizado de Adeptas Pró Euterpe198, que seria o nome escolhido para a
banda, Filarmônica Euterpe Itabunense. Essas mulheres que compunham o comitê estavam no
circuito de lazeres, sociabilidades e filantropia na década de 1920 em Itabuna, e suas ações
eram vistas como exemplo da dedicação aos “bons costumes da vida urbana moderna”199.
Eram comuns comitês femininos caminhando ao lado de agremiações de lazer e de classe.
As mulheres dividiam-se entre assumir suas consideradas funções para o século XX de
esposas, mães e filantropas e as atividades marcadas pela exclusividade masculina como a
política, labor e atividade intelectual. Alzira Franco e Alice Santana eram cirurgiã-dentista e
farmacêutica, respectivamente, ambas formadas na Faculdade de Medicina de Salvador.
Entretanto, o destaque que os jornais davam à elas era pela filantropia ou por ser, no caso de
Alzira, esposa de um comerciante, e Alice, filha do farmacêutico Arthur Nilo Sant´ana. Além
delas, cabe citar, América Freire, ex-professora de datilografia da Escola Remington, que
fundou sua própria escola de datilografia200.

198
Euterpe é a musa da música na mitologia grega. Era comum bandas filarmônicas se apropriarem dos termos
da mitologia grega em seus nomes. Ver em: DANTAS, Fred. Teoria e Leitura da Música para Filarmônicas.
Ed Casa das Filarmônicas, Salvador.
199
SILVA, Adriana Oliveida da. Damas da Sociedade: caridade. Política e lazer entre mulheres de elite de
Itabuna (1924-1962). Feira de Santana: PGH/UEFS, 2012. p. 35
200
Para compreender como as mulheres eram representadas nos periódicos itabunenses, consultar: SILVA,
Adriana Oliveida da. Damas da Sociedade op.cit.
69

Figura 08: América Freire201

Uma personagem possuía origem social e étnica diferente do perfil das demais
mulheres, a Laura Conceição. Conhecida como “dona Senhora”, a senhora da caridade. Ela
era filha de escrava, nascida em 1877, no Recôncavo Baiano e chegou à cidade de Itabuna
depois de ter sido costureira das ricas famílias de Salvador. ossuía um vinculo forte com a
igreja católica. Laura esteve envolvida em atividades de caridade ligadas à Igreja, ações que
lhe davam reconhecimento social e a permissão de transitar e adquirir respeito entre as
mulheres ricas. Além da Euterpe Itabunense, ela também fez parte das Adeptas da Amante da
Lira, filarmônica que se formou no final da década de 1920202.

201
SILVA, op. cit., 2012, p. 93
202
SILVA, op. cit., 2012, p. 110.
70

Figura 09: Laura Conceição 203

Laura Conceição e suas colegas da Adeptas Pró Euterpe participaram do mundo


associativoa e a função do grupo era a de ampliar as buscas por donativos, promover eventos
e cuidar da confecção dos novos fardamentos da filarmônica. O papel desempenhado por tais
mulheres, exercido em um território predominantemente masculino, foi de protagonismo e
ênfase; ainda que, a aparição fosse condicionada a alguns requisitos, mas ainda era uma
demonstração do rompimento das barreiras de reclusão doméstica, caminhando lado a lado
com os homens na constituição de uma cultura de classe.
Eis aqui, vozes de diferentes sexos e timbres sociais. O palco estava armado, repleto
de significados e sentidos. Palco este composto por pessoas comuns, dotadas de consciência
política, que acionavam mecanismos e estratégias de sobrevivência naquela sociedade
composta por mudanças nas esferas políticas e sociais. Numa República excludente, homens e
mulheres comuns participavam do jogo oligárquico buscando superar a dominação imposta à
eles também por meio da cultura, mesmo não estando vinculados a instituições sindicais.
Entender uma banda filarmônica composta por esses sujeitos no âmbito do coronelismo é
também uma maneira de compreender as relações sociais na Primeira República do Brasil na
cidade de Itabuna, Bahia.

203
SILVA, op. cit., 2012, p.111
71

Capítulo 3: Filarmônica em tempos de coronelismo

Na manhã do dia 07 de setembro de 1925, às 9 horas, ocorreu na sede social da


Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI), uma sessão solene especialmente para
a inauguração da banda musical Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI)204. A sessão foi
presidida pelo sócio Leopoldo Freire, que na ocasião era o presidente da Assembleia Geral da
SMPAI. Após breves palavras de boas-vindas abrindo a sessão, convidou o senhor Adolpho
Lima, representante do intendente para dar prosseguimento aos trabalhos. Feito isto, o mesmo
convidou o deputado federal Dr. Ruffo Galvão e o Coronel Miguel Moreira, juntamente com
suas respectivas esposas, para serem paraninfos da banda. Em seguida, Ruffo Galvão declarou
inaugurada a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI), a banda da Monte Pio, que no mesmo
dia, entoou uma “harmoniosa marcha”.205
Pressupomos que a data para inauguração da banda tenha sido estrategicamente
premeditada. Primeiro, era feriado da Independência do Brasil, data que carrega um valor
patriótico; segundo, foi no mesmo dia da inauguração do cemitério da Santa Casa de
Misericórdia de Itabuna (SCMI) – que possuía em si, as noções de filantropia. Assim, o
cemitério de uma instituição filantrópica foi o local em que a FEI se apresentou pela primeira
vez ao público aberto206. A justificativa da SCMI na construção de um cemitério em
negociação com a intendência municipal era de resguardar o ritual cristão, valores que um
“cidadão de bem” costumara guardar207.
Terceiro, acreditamos que houve um enterro no mesmo dia e a FEI recebeu o valor de
100$000 réis por ter tocado. O funeral em questão foi o da neta do Cel. Macário dos Reis208.
Entre os dias 07 e 14 de setembro (período em que a quantia foi recebida) não encontramos
nenhuma informação de outro funeral e/ou eventos com participação de filarmônicas, o que
nos levou a essa conjectura.
Por último, é relevante destacar que sujeitos com ligações diretas ou indiretas com a
Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI) e com a Filarmônica Euterpe
Itabunense (FEI) também possuíam vínculos com a Santa Casa de Misericórdia de Itabuna,

204
As fontes não mostram indícios que justifiquem a escolha desse nome. Sabemos que Euterpe é a deusa da
música da mitologia grega e a cultura helênica influenciou nos nomes das formações de bandas civis, ao menos
na Bahia. DANTAS, op. cit., 2003, p. 14.
205
Livro 1 da ata do Álbum Social da SMPAI. Arquivo da SMPAI, 07/09/1925.
206
“Euterpe Itabunense”. Jornal a Época, 12/09/1925. CEDOC/UESC; Ibid, 2015, p. 103.
207
GONÇALVES, Antônio Carlos dos Santos. Santa Casa de Misericórdia de Itabuna: medicina social,
poder e urbanização em Itabuna – Ba (1932-1945). Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, 2016.
Monografia. p. 46
208
51ª sessão de diretoria da SMPAI, 14/07/1925. Arquivo SMPAI.
72

como Lafayette Borborema e Armando Freire, entusiastas na criação do hospital e do


cemitério209.
Dado o supramencionado exemplo e os já citados em capítulos anteriores, não é mais
incomum declarar a relação proposital dos membros da elite itabunense atuando junto aos
trabalhadores. Desde a fundação da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI) e
em seus mecanismos de funcionamento, essa “união” entre classes distintas era perceptível.
Anteriormente afirmamos que, embora juntos, trabalhadores e elites não vibravam na mesma
frequência; e com as formas de compartilhar cultura, as relações de paternalismo se tornaram
mais evidentes e isso reverberou na formação e na atuação da Filarmônica Euterpe
Itabunense. Entender como esse processo estava posto na banda nos auxiliará a compreensão
de como os trabalhadores portaram-se em um ambiente de dominação utilizando como
ferramenta, uma banda filarmônica.
Neste capítulo analisaremos a composição da banda, sua estrutura administrativa, seus
sócios e os tipos de música. Identificar os territórios por onde a banda transitou também é
nosso objetivo, assim, poderemos compreender o que essa agremiação musical significava
para os trabalhadores da SMPAI.

FEI: membros e estrutura administrativa

Os diretores da SMPAI decidiram que fosse construído um local próprio para a banda
e sua organização. Um prédio social. Isso aconteceu antes mesmo da primeira participação
pública no cemitério. Leopoldo Freire, presidente da Assembleia Geral na época, autorizou o
convite a técnicos da construção civil para avaliar a viabilidade de mais um andar da sede
social e a compra de um terreno do Cel. José Kruchewsky para construção do prédio que
serviria exclusivamente à FEI210. Rapidamente o terreno foi escriturado211 e apresentado212 em
reunião da diretoria.
Tudo indica que a construção do prédio tenha acontecido de forma coletiva, já que foi
criada uma comissão para direção dos trabalhos de carpina e pedreiro. Os responsáveis pela
carpina foram Ismael Casaes, Manoel Vidal, João Rodrigues e Eliseu Pedra e os pedreiros
foram Manoel da Matta Virgem, Romualdo Trindade, Antônio Caldas e José Galdino213.
Todos os citados eram sócios da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna e
209
Ibid.,2016, p. 45.
210
48ª sessão de diretoria da SMPAI, 03/08/1925. Arquivo SMPAI.
211
Ibid., 14/09/1925. Arquivo SMPAI.
212
52ª sessão de diretoria da SMPAI, 21/09/1925. Arquivo SMPAI.
213
54ª sessão de diretoria da SMPAI, 20/10/1925. Arquivo SMPAI.
73

profissionais das áreas relacionadas. Essa foi uma estratégia para conter os custos de uma
construção e fortalecer os ideais de laborosidade entre a classe e a sociedade itabunense.

Figura 10: Edifício da sede da Filarmônica Euterpe Itabunense, inaugurado em


1926214

De forma simultânea, os membros da SMPAI também se articulavam para formular o


regulamento interno da banda. A comissão responsável por isso foi composta por Moyses
Messias, Rosemiro Pereira, Leopoldo Freire, Júlio dos Santos e Edgar Barros215. Aprovada e
publicada juntamente com o novo regulamento da agremiação, o regulamento da banda
possuía 19 artigos que norteavam as ações da Filarmônica Euterpe Itabunense, atribuindo
direitos e deveres aos seus componentes, desde o diretor ao músico.
A estrutura hierárquica manteve-se a mesma em comparação à formada antes da
inauguração da banda: um diretor de indicação da Diretoria da SMPAI, cuja duração do
mandato limitava-se ao mesmo tempo de conclusão do mandato do presidente de diretoria-
geral. O diretor geral tinha o dever de fiscalizar o maestro e os músicos, comparecendo aos
ensaios sempre que necessário, além de prestar qualquer esclarecimento à Diretoria e à
Assembleia Geral quando solicitado216.
O maestro estava abaixo do diretor da banda na escala hierárquica e era de livre
escolha do presidente da diretoria-geral217, possibilitando o convite para pessoas de sua
confiança. Assim como o diretor, o maestro possuía uma função de fiscalização, tanto do

214
Estatutos da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna. Arquivo SMPAI.
215
Ibid., 14/07/1925. Arquivo SMPAI.
216
Artigo 10º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
217
Artigos 2º e 3º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
74

comportamento dos músicos, quanto do mobiliário e instrumentos da banda, além de suas


atividades musicais de ensaio e regência218. Cabe destacar que o maestro de banda, enquanto
professor de música, tinha a incumbência de desempenhar o papel de educar seus
alunos/músicos por meio da aprendizagem da música, expressando-lhes valores e visão de
mundo por meio da educação musical. Em geral, os maestros eram músicos experientes que
transitaram em outras filarmônicas ou até em bandas militares219.
Os integrantes da banda eram os próprios sócios da Monte Pio, além de não sócios,
mas que tivessem “vocação para a arte musical”220. O 5º artigo do regimento da FEI é
consonante com as finalidades da banda, que são

I – Aproveitar a vocação musical dos sócios da Sociedade e de elementos estranhos


residentes na cidade, que tenham boa conduta; II- Abrilhantar as festas e sessões
solenes desta sociedade; III – Comparecer a outras festas para que for devidamente
contratada; IV – tocar nas procissões e demais atos religiosos para os quais for
convidada, mediante a remuneração221

A ênfase dada a abrilhantar, bem como os tipos de evento, setores e valores sociais que
a banda explicita em seu regimento, são análogos à necessidade sutil de reafirmar-se com
civilidade, dignidade e ascensão social através da música. Podemos dividir os quatro incisos
do artigo citado em duas partes: a primeira sobre os participantes da banda, e a segunda, sobre
os territórios que a banda circulava. Neste momento, iremos nos ater a primeira parte.

Os Músicos e participantes da FEI

218
Artigo 11º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
219
SILVA, Eduardo Alves da. As Bandas de música e seus “mestres”. Revista Cadernos do Colóquio, 2009.
P.164.
220
Artigo 4º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
221
Artigo 5º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
75

Figura 11: Fotografia da Filarmônica Euterpe Itabunense222

Os integrantes da Filarmônca Euterpe Itabunense (FEI) possuíam realidades distintas.


Na fotografia, é possível perceber diferentes faixas etárias. Adultos, alguns jovens e crianças.
Estes últimos, provavelmente oriundos da escola de música, materializando assim a educação
por meio de atividades não “viciosas”. Dessa forma, o grupo infantojuvenil, composto
majoritariamente por filhos dos artífices associados à SMPAI, tinha ali uma possibilidade de
carreira e lazer. Dos outros músicos, havia os que não possuíam vinculação direta com a
Monte Pio. Essa permissão estava prevista em regulamento, provavelmente como suprimento
da demanda de músicos mais experientes nos eventos, e assim garantir o bom desempenho.
Afinal, era possível a cobrança de taxa por participação.
Na fotografia, percebemos as heranças militares comuns às bandas filarmônicas: os
quepes, camisas e calças e os instrumentos de sopro feitos de metais. Segundo Fernando
Binder, as bandas militares serviram como fator simbólico para difusão de bandas
filarmônicas e suas multiplicações e participações em festividades ajudaram a criar um ethos
militar223. Esse conjunto de valores servia como uma demonstração de respeito e civilidade,
estando presente no instrumental e nas canções. Também era uma forma de se apresentar
como grupo organizado, alcançando reconhecimento da sociedade itabunense.
Outro destaque na foto é a presença de músicos negros, a cor mais perseguida pelas
leis urbanas e os mais propensos a serem considerados “vadios” por, muitas vezes, não se

222
Fotografia da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
223
BINDER, op. cit., 2006. p. 126.
76

encaixarem no padrão regulado como ideal224. Em alguns casos, fazer parte de agremiações
musicais como a FEI garantia uma segurança social, semelhante aos sócios da SMPAI,
conforme veremos a seguir ao analisarmos os direitos e deveres dos integrantes da banda.
Assim como o diretor de banda e o maestro, os músicos também possuíam deveres.
Chegar pontualmente nos ensaios, conservar o instrumento e o fardamento sob posse
individual eram algumas das obrigações que estavam lado a lado com o dever de ter conduta
exemplar em qualquer lugar que transitassem e de tratar com “urbanidade” seus
companheiros225. A questão da conduta e relação interpessoal no interior da banda pareceu ser
um esforço da SMPAI de manter o controle sobre os músicos, que nem sempre eram
membros da agremiação. Ainda que houvesse a tentativa de controle dos músicos, a
convivência não aconteceu sempre de forma harmoniosa.
Como vimos no capítulo anterior, os músicos já demandavam algumas solicitações à
direção da SMPAI, como o direito de escolha do maestro que iria lidera-los. A reivindicação
datava antes mesmo da inauguração oficial da filarmônica. Em uma ocasião, 32 músicos da
FEI confeccionaram um abaixo-assinado solicitando o retorno do regente de banda José
Passos, demitido do posto por não receber de modo pacífico uma diretriz vinda da diretoria-
geral226. Eliseu Pedra, carpina simpático a Euterpe e ex-diretor da banda, além de sair em
defesa de Passos, mobilizou juntamente com os músicos uma votação para o retorno do antigo
regente e saíram vitoriosos227. Provavelmente, os músicos aproveitaram da carência de mais
integrantes na formação da banda e conseguiram fazer pressão frente à diretoria-geral para ter
suas demandas atendidas.
Eram comuns alguns atritos entre os músicos e os diretores de banda, ou até mesmo
com os regentes, que não deixavam de ser representantes diretos da diretoria-geral. A maioria
dos conflitos, segundo os diretores de banda, era em razão do comportamento dos músicos,
fosse nas dependências da SMPAI ou quanto atrasos aos ensaios. Possivelmente, eram
tratados como um conflito de valor social.
Um dos casos foi o impasse com o músico Misael Costa, indicado à suspensão pelo
regente por justificativa de desobediência228. Segundo uma carta do maestro destinado ao
diretor da banda, o músico ao errar dois compassos da música, não aceitou a correção 229.

224
RODRIGUES, Cristiane. A Construção Social do vadio e o crime de vadiagem (1886-1906). Dissertação
(mestrado) – Rio de Janeiro: UFRJ/IFSC, Programa de Pós-Graduação em História Social, 2006. P. 13
225
Artigo 12º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
226
Ata da 36ª sessão de diretoria da SMPAI, 26/08/1930. Arquivo SMPAI.
227
Ata da 37ª sessão de diretoria da SMPAI, 27/08/1930. Arquivo SMPAI.
228
Ata da 4ª sessão de diretoria da SMPAI, 06/08/1926. Arquivo SMPAI.
229
Carta remetida por Manoel Joaquim Soares da Silva à Elpidio Soares. 27/11/1926. Arquivo SMPAI.
77

Após reincidência, o músico foi suspenso e afastado das atividades musicais na FEI230. Esse
evento motivou os diretores da SMPAI a escolher um músico para ser um fiscal do prédio
social da FEI, provavelmente com remuneração231.
Tanto a SMPAI e ,em escala maior, a FEI, eram compostas por grupos heterogêneos.
As experiências vividas, a respeito de suas condições sociais e a forma como percebiam o
mundo e a si mesmos contrastava com as experiências dos colegas e até mesmo com as regras
normatizadas no estatuto. É nítido que o regimento da banda também tinha intenção de
moderar o comportamento dos músicos para a manutenção da boa imagem perante a
sociedade e a classe dominante – a elite. Dessarte, não é possível compreender a experiência
histórica da FEI pensando as duas classes de formas separadas; há uma simbiose.
Dessa maneira, é possível compreender que tais ações estavam dentro da disputa do
jogo oligárquico, uma vez que, o patronato estabelecia um roteiro de submissão das classes
subalternas. O que esses estatutos dizem não devem ser considerados somente ao rigor da
letra, sob o risco de deixar de perceber que uma das reais intenções de agremiações como a
SMPAI, era consolidar e ampliar suas redes de sociabilidade e contatos em busca da fuga de
um destino pré-estabelecido232.
Externar o discurso de fraternidade era, na verdade, representação simbólica de uma
família com a finalidade de amparo mútuo, em laços solidários. A busca por esse ideal, ou a
tentativa de expressar isso conflitava com a prática real233: o cuidado em relação aos
problemas financeiros, sócios indesejados e outros riscos que ameaçavam a representação
simbólico do grupo. A melodia descompassava. O clima era de tensão interna.
Antes de completar um ano, houve um impasse sobre o cargo de maestro. Rosemiro
Pereira, então maestro, ausentou-se dos ensaios e solicitou demissão do cargo. Após toda a
situação apurada pela diretoria da banda, Pereira cobrou a quantia de 360$000 mensais para
continuar sendo regente, a solicitação foi negada. A diretoria da SMPAI escolheu, então,
Manoel Joaquim para ser o novo regente pelo valor de 200$000 mensais234.
Diferente de Rosemiro Pereira, que era 1º Secretário da diretoria da SMPAI, Manoel
Joaquim era professor de música e não encontramos nenhum registro dele entre os associados.

230
Ata da10ª sessão de diretoria da SMPAI, 24/01/1927. Arquivo SMPAI.
231
Idem.
232
Cord, Marcelo Mac. Redes De Sociabilidade E Política: Mestres De Obras E Associativismo No Recife
Oitocentista In: Revista Mundos Do Trabalho, Vol. 2, N.4,2010; MACIEL, Osvaldo Batista Acioly. Estatutos
Estatutos de Sociedades Mutualistas e a História Social do Trabalho: Conjecturas em Torno da Sociedade
Beneficente Proteção e Auxílio da Cia. União Mercantil (Fernão Velho, 1876/1879) in: Revista Crítica
Histórica. Ano I Nº 1, junho 2010.
233
Ibid.,2014, p. 211.
234
Ata da 17ª sessão de diretoria da SMPAI, 15/07/1926. Arquivo SMPAI.
78

Joaquim é um exemplo de que os músicos e regentes também possuíam direitos na SMPAI.


Em 1927, o vice-presidente da diretoria da SMPAI, Manoel Vidal, conseguiu alugar um
quarto para o maestro, que possivelmente estava enfrentando problemas com moradia235.
Entretanto, meses depois, ele foi demitido por não manter o controle sobre os músicos. Apesar
disso, os trabalhadores da SMPAI mobilizaram um festival para arrecadar fundos para Manoel
Joaquim236.
O suporte prestado aos músicos e maestro era comum, visto que havia previsão
estatutária para isso, sendo um dever da diretoria socorrer esses membros quando fosse
solicitado237. Além de Manoel Joaquim, outros músicos receberam auxílio da SMPAI, e desta
vez, por motivos de doença238. Infelizmente, não encontramos citações dos nomes desses
sujeitos que foram atendidos financeiramente, a não ser o aludido pagamento por tocar em
eventos. A falta de menções nominais impossibilita uma pesquisa maior sobre eles,
restringindo aqui nossa tentativa de explanar um pouco mais sobre o cotidiano que os
cercavam.
Pontuemos ainda outro sonoro exemplo de altruísmo da organização. No final da
década de 1920, o sócio Elpídio Soares recebeu a sugestão de realocar sua oficina para uma
das salas da FEI, a fim de que pudesse prosseguir com suas atividades, mantendo o emprego
de seus trabalhadores que também eram músicos da Euterpe Itabunense. A movimentação foi
feita para que os músicos não evadissem para outras bandas239.
A despeito das beneficências, é factível pensar ainda acerca de divergência de ideias
no âmbito da FEI, partindo da possibilidade desses músicos não corroborarem integralmente
com as visões de mundo que os agremiados da SMPAI possuíam. Apesar de identificarmos o
nome de alguns músicos nas fontes pesquisadas, não foi possível mapear, ainda que pouco,
informações sobre a vida e cotidiano desses sujeitos fora da Euterpe. Eram pessoas comuns,
invisibilizadas e que também estavam em busca de direitos sociais. Mas, a estrutura
organizacional dá conta de caracterizar a distribuição das percepções de ganho financeiro da
agremiação.
Identificamos que os músicos e o maestro, diferente dos outros sócios, não pagavam
mensalidades à SMPAI. No caso do maestro, recebia um salário como professor de música e
os músicos recebiam gratificações por evento. A repartição dos valores acontecia da seguinte

235
Ata da 8ª sessão de diretoria da SMPAI, 12/01/1927. Arquivo SMPAI.
236
Ata da 23ª sessão de diretoria da SMPAI, 16/04/1928. Arquivo SMPAI.
237
Artigo 13º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
238
Ata da 12ª sessão de diretoria da SMPAI. 21/01/1930. Arquivo SMPAI.
239
Ata da 6ª sessão de diretoria da SMPAI, 23/12/1930. Arquivo SMPAI.
79

forma: 20% para o maestro/regente, 20% para os caixas da SMPAI e 40% repartido entre os
músicos240. Essa estrutura só foi alterada em 1929, quando a Diretoria da SMPAI decidiu que
50% do valor da tocata ficaria em seus caixas, 10% para o maestro/regente e 40% a ser
repartido entre os músicos241, dessa forma, arrecadariam mais recursos para gerir a
agremiação como um todo, incluindo a filarmônica.
Essa maneira de gerir e repartir os recursos adquiridos através da Euterpe Itabunense
beneficiava a manutenção dela, tanto do espaço físico e instrumentos, quanto dos músicos,
sendo uma forma de atraí-los para as fileiras da instituição. Tais trabalhadores possivelmente
vislumbraram um futuro de longevidade para FEI, que apesar de ser uma agremiação custosa
de recursos materiais e humanos para ser mantida, conseguiu depositar valores importantes
em um momento de dificuldade financeira da SMPAI.
A provável motivação de oficialização e manutenção da Euterpe Itabunense foi seu
início financeiro muito promissor. Em seu primeiro semestre de existência oficial, Moyses
Messias, tesoureiro da FEI, apresentou um balancete financeiro com um saldo de 58:700$000,
além de 500$000 ainda não contabilizados de um festival onde a banda tocou242.
Esse valor toma uma proporção maior quando equiparado com o semestre de
arrecadação total da SMPAI, com um saldo de 78.100$000243. Com a chegada da FEI, o saldo
em caixa da Monte pio melhorou, conforme comparamos quadro abaixo.

Tabela 03: Caixa do Monte Pio entre janeiro e setembro de 1925

Saldo em caixa 1925 (em réis)244


Janeiro 129$600
Fevereiro 82$500
Março 712$100
Abril Déficit
Maio 71$200
Junho 109$200
Julho Déficit
Agosto 78$000
Setembro 299$100

Nossa comparação é apenas do ano de 1925, pelo fato de ser o ano de oficialização da

240
Ibid.,14/07/1925, Arquivo SMPAI.
241
Ata da 17º Sessão de diretoria da SMPAI, 18/03/1929. Arquivo SMPAI.
242
Ata da 1ª Sessão de diretoria da SMPAI, 01/12/1925. Arquivo SMPAI.
243
Ata da 48ª Sessão de diretoria da SMPAI, 03/08/1925. Arquivo SMPAI.
244
Caixa da Diretoria da Sociedade Monte pio dos Artistas de Itabuna – SMPAI, 1923 a 1925. Arquivo SMPAI.
80

Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI). Há de se levar em consideração alguns empréstimos


tomados para obtenção de novos instrumentos e fardamento.
O primeiro semestre do segundo ano de existência teve saldo de 906$444 réis. Um
balanço ainda positivo, mas já é perceptível a queda na receita; ressalta-se que o resultado foi
atribuído graças às regulares agendas de eventos para tocar. O pagamento pelo
comparecimento nesses compromissos variava entre 103$000 e 600$00 réis, não possuindo
um valor fixado. Acreditamos que a queda da receita em 1926 em comparação a 1925 foram
devido às despesas mensais de manutenção a serem quitados e pelo pagamento de alguns
empréstimos tomados para financiamento de instrumentos.
No quadro de membros da Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) também constavam
alguns sócios da SMPAI. Nomes conhecidos da sociedade itabunense estavam presentes na
lista de sócios, como Armando Freire, Agenor Gomes, Adolpho Lima, Benjamin de Andrade,
Nilo Sant´anna, Salomão Dantas e Gileno Amado. A relevância desses nomes no rol da FEI
tinha o caráter social e financeiro. Além de aliados à elite itabunense, cada sócio contribui
financeiramente, não podendo ser, no entanto, com uma quantia abaixo de 50$000245.
Outro grupo relevante no suporte da manutenção da estrutura da FEI foi o Comitê
Feminino Pró Euterpe Itabunense, apresentadas no capítulo anterior. Entre os anos de 1925 e
1926 conseguiram deixar de saldo para a banda um valor de 1:842$700, com quermesses,
festivais e mensalidades que as partícipes pagavam em prol da filarmônica246. Além de
levantamento de verbas, vale ratificar que elas eram as responsáveis pelo provimento dos
fardamentos da banda.
Em 1926, o “Jornal de Itabuna” auxiliou na mobilização para confecção do novo
fardamento da Euterpe Itabunense, organizado pelo Comitê Feminino Pró Euterpe Itabunense.
A matéria convocou os “conservadores itabunenses” a doarem qualquer quantia para que o
comitê pudesse confeccionar o novo uniforme, com intenção de inaugura-los no dia 7 de
setembro247. Mais uma vez, a data cívica foi utilizada de forma consciente e estimulante.
Em diversas outras ocasiões o Comitê Feminino Pró Euterpe Itabunense mobilizou a
sociedade itabunense em prol da Filarmônica Euterpe Itabunense. Majoritariamente, as ações
de arrecadação eram festivais no Cinema Ideal, tendo como atração principal a própria banda.
Além das doações, havia a cobrança de ingresso, ainda que simbólico, para angariar a maior
quantidade possível de fundos.

245
Artigo 17º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
246
Balanço Geral da Tesouraria do Comitê Feminino Pró Euterpe Itabunense, 23 de setembro de 1925 a 6 de
junho de 1926.
247
“A Euterpe vai ter”. Jornal de Itabuna, 26/05/1926. Semanal. CEDOC/UESC.
81

O alinhamento com as elites nestes momentos era catalisador da boa imagem e


reputação da banda perante à sociedade. Essa relação envolve assuntos políticos e de poder, já
que de um lado a aproximação se reflete em forjar hábitos de benfeitorias, como já debatemos
aqui, mas também acreditamos que tenha sido uma forma de dominação, tentando controlar as
ações dos trabalhadores, além da tolerância com ajuntamentos de trabalhadores em mutuais,
provando que o período oligárquico na República brasileira não foi totalmente de
subordinação do trabalhador ao patronato.
Por outro lado, entendemos que a aproximação dos trabalhadores com a elite
itabunense era estratégica. A manutenção dessa postura abria portas para FEI manter um
calendário ativo em seus primeiros anos de existência, resistindo aos problemas financeiros
que enfrentavam em busca de rentabilidade por meio dos eventos que participavam,
resultando na autonomia do preenchimento do caixa.

Afinando com o coro dos contentes: calendários de festividades e


lazer

A segunda parte das finalidades da banda encontrada no artigo 5º do regimento da


Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI), faz conexão com seus itinerários musicais. O
comparecimento em festas e eventos para os quais fossem contratados, além das festividades
próprias, passeios e atos religiosos estavam presentes no calendário da FEI.
Nessas celebrações e festividades, a identidade da Sociedade Monte Pio dos Artistas
de Itabuna (SMPAI) era reafirmada em torno de seus membros e da Euterpe Itabunense,
através de práticas capazes de dar a impressão ao público externo de uma agremiação unida,
coesa, moralizada, que respeitava ordens e hierarquias. Seguir os ritos de reuniões e
assembleias, formas de comportamento perante o público e os tipos de música foram
importante na manutenção dessa representatividade. Isso justifica a criação de um hino
próprio da filarmônica.
82

Figura 12: Parte do Hino Social da Filarmônica Euterpe Itabunense248

As modalidades festivas variavam a partir do público que se destinava, a orientação


política da associação ou entidade que as contratavam e da conjuntura política. Denotando um
comportamento cívico, constata-se a participação da FEI no “ressurgimento” do Tiro de
Guerra 473, na posse da nova diretoria que iria reerguer esta instituição das Forças Armadas
do Brasil249. Meses depois, a Escola de Aprendizes de Marinheiros fez uma excursão à
Itabuna. Vindos de Ilhéus, onde estavam hospedados, os aprendizes fizeram um dia de passeio
na cidade, que era conhecida como um grande polo comercial. Tanto no embarque quanto no
desembarque, a Euterpe Itabunense se fez presente animando a visita250.
Outros eventos que possuíam características de cultura cívica, aconteciam nas escolas,
como a “Festa da Árvore”, promovida pelo inspetor escolar Eneas Alves. A repercussão do
evento foi feita como resultado da expressão de civilidade da cidade, ao celebrar chegada da
Primavera, muito provavelmente associada ao projeto de arborização realizada em Itabuna.
Nesses eventos, a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) externava suas percepções da
realidade à sociedade do sul da Bahia. Isso era possível através da conduta, da música e de
suas vestimentas.

248
Parte final do Hino Social da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
249
“O Ressurgimento do Tiro de Guerra 473”. Jornal de Itabuna – Semanal. 28/08/1926.
250
“A Excursão da Escola de Aprendiz Marinheiro”. Jornal de Itabuna – Semanal. 06/11/1926.
83

Figura 13: Fotografia da Filarmônica Euterpe Itabunense, 1930251

No capítulo anterior destacamos a formação de uma comissão para escolher os tipos de


músicas que a FEI tocaria nos eventos que participasse. Entre os principais gêneros musicais,
encontravam-se o dobrado e a ópera. Ambos eram os mais tocados em eventos cívicos, visitas
de políticos e até mesmo nas comemorações e festividades da SMPAI. As canções eram
adquiridas, em grande maioria, por doações de partituras para o treino ou aprendizado dos
músicos. Há, ainda que pouca, a existência de composições de sócios, como uma partitura
supostamente composta por Rosemiro Pereira. Colocaremos em campo de suposição, não por
negação intencional, mas pelo fato de que a única informação de que temos para confirmar a
veracidade disso é o seu nome, com letra pequena no canto direito escrito na partitura.

251
FOGUEIRA, Manoel Bomfim. Ensaios Históricos de Itabuna: o jequitibá da Taboca, 1849-1960. Revisão,
atualização, introdução e notas Janete Ruiz de Macedo e João Cordeiro de Andrade. – 2.ed.rev. e ampl. – Ilhéus:
Editus,2011
84

Figura 14: Marcha “Rosemiro Pereira”252

Embora as músicas fossem instrumentais, é possível analisa-las mesmo não possuindo


letras. A viabilidade analítica está atrelada a compreensão de que partituras musicais também
possuíam função social e são frutos de um tempo e de uma sociedade. As partituras da canção
“Guarani”, por exemplo, podem ser interpretadas, ainda que nos falte técnica apurada na
leitura dessa documentação. Ela é uma ópera,253 composta em 1870, atribuída autoria à
Antônio Carlos Gomes, inspirada no folhetim romance de José de Alencar.

Figura 15: O Guarani254

252
Embora nossa dúvida sobre a fidelidade da composição, é válido destacar que Rosemiro além de músico,
também era compositor.
253
Para refrescar a memória dos leitores, essa ópera foi a música de abertura do Voz do Brasil, programa
radiofônico estatal, produzido pela Empresa Brasil de Comunicação de difusão obrigatória em todas as emissoras
brasileiras.
254
Partitura da música “O Guarani”. Arquivo SMPAI.
85

Essa era uma das canções presentes no repertório da Euterpe Itabunense; muito
recorrente nos eventos cívicos que a FEI participava. A combinação de acordes causava um
efeito imponente e epopeico à ocasião, tanto para quem ouvia quanto para quem a tocava.
Assim, alcançando o imaginário das pessoas, já que música também tem o poder de reforçar
uma ligação existente entre indivíduos de um mesmo grupo social, reforçando seus costumes
e identidade255. Outro estilo musical presente no repertório da Euterpe Itabunense para os
eventos cívicos era o dobrado. Oriundo dos costumes militares, tal estilo musical também
causava a sensação de imponência, grandeza, organização e civilidade.

Figura 16: Partitura Musical256

Deliberadamente, as canções escolhidas para determinados tipos de ambientes e


ocasião significavam expressar representação dos valores que a agremiação acreditava, sendo
a banda filarmónica um dos amplificadores de tal crença. Isso estava posto, inclusive no
tratamento aos eventos, que eram chamados de “tocatas” pelos sócios. A palavra citada
significa uma obra de música erudita. Por meio dela que também manifestava-se o “ethos
mutualista” dos indivíduos em torno da SMPAI, mostrando que o mutualismo não se esgotava
apenas na assistência, mas se expandiu nos lazeres257. Dentre os muitos eventos que a
Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) figurou, cabe mencionar eventos políticos na cidade ou
fora dela. No inciso terceiro do parágrafo IV, do artigo 5º, diz que “O diretor só poderá
contratar a Banda para tocadas políticas depois de ouvido o presidente [da diretoria-geral]”

255
MORAES, J. Jota de. O Que é Música? São Paulo: Brasiliense, 2008. (Coleção Primeiros Passos) 3º
reimpressão da 7ª ed. De 1991. P.72
256
Partitura musical. Arquivo SMPAI.
257
Ibid., 2014, p. 195.
86

258
.
Durante a década de 1920, a FEI participou de duas posses de governo: posse de Cel.
Henrique Alves e seus conselheiros259 e na posse de Dr. Benjamin de Andrade, dois anos
depois260. Em pesquisa, não encontramos nada exequível em relação à cobrança de taxa para
apresentação de eventos políticos como esses. Embora a ausência de fontes nos conduza a
pensar sobre essa inviabilidade, supomos que, de fato, era uma situação real de não cobrança,
haja vista estarem diante de possíveis pagadores de futuras subvenções.
A não cobrança por tocar em eventos políticos não exprimia a vontade dos líderes da
Monte Pio em fazer filantropia, ao menos não aos ricos. É necessário rememorar as intenções
com a filarmônica; e uma delas era a da autonomia financeira como uma alternativa, ainda
que de forma velada e com dificuldades. Por isso é válido destacar que houve algumas
negativas de “tocatas” por não haver compensação financeira.
Em 1926, o diretor do Tiro de Guerra. Dr. Cordeiro Miranda propôs uma permuta em
que a FEI tocaria nas festividades da instituição e, em troca, os músicos teriam suas
reservistas em apenas um único exame. A negativa surgiu de forma unânime.261Diferente do
convite de uma festividade organizada pela Sociedade São Francisco de Paula, tendo o
impasse resolvido por meio de votação, decidido que fosse organizado um festival para
arrecadar fundos para a banda ter viabilidade de tocar262.
O não recebimento de taxas estava atrelado às comedidas estratégias de dentro do jogo
oligárquico entre trabalhadores e classe dominante. A elite estava em busca de possíveis
votos, se aproximando dos trabalhadores para sanar suas questões morais – ainda que em
aparência pública – de filantropia e também porque a FEI atendia as demandas dos de baixo
no acesso à cultura e lazer, esteio que seus braços não alcançavam ou não queriam alcançar.
Já os trabalhadores ansiavam e pleiteavam uma vida digna, justa e em busca de direitos
sociais que lhe eram silenciosamente negados.
Outra eventualidade para ilustrar locais em que a FEI transitou no que se refere ao
âmbito político, foram inaugurações em obras públicas. A exemplo da iluminação da ponte
Góes Calmon, juntamente com o calçado de paralelepípedos da cabeceira da ponte, em 1929.
O intendente Benjamin de Andrade, para oficializar a inauguração, deslocou-se de sua

258
Artigo 5, parágrafo IV, inciso 3º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
259
“A posse do Intendente e Conselheiros Municipais de Itabuna”. Jornal de Itabuna, 07/01/1926.
CEDOC/UESC.
260
“O Dr. Benjamin de Andrade tomou posse no governo de Itabuna”. Jornal de Itabuna, 04/01/1928.
CEDOC/UESC.
261
Ata da 27º Sessão de diretoria da SMPAI. 27/09/1926. Arquivo SMPAI.
262
Ata da 12º Sessão de diretoria da SMPAI. 21/01/1930. Arquivo SMPAI.
87

residência até o local e, durante o percurso, a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) entoou
suas canções e assim permaneceu no momento posterior a inauguração263.

Figura 17: Inauguração da Ponte Goés Calmon, 1º de março de 1928264

Não eram apenas marchas, óperas e dobrados que a FEI possuía em seus repertórios.
Em ocasiões como a retratada acima, os festejos se estendiam ao som de músicas dançantes,
como fox-trot. Esse gênero era comum em danças de salão e a banda adaptava para as
festividades populares. Tal tipo de música era o mais popular nas festividades de classe.
Figura 18: Partitura de um Fox-Trot265

263
“Obras Públicas: as inaugurações”. Jornal de Itabuna, 16/01/1929. CEDOC/UESC.
264
Foto da Inauguração da Ponte Góes Calmon, em 1º de março de 1928, em que a Filarmônica Euterpe
Itabunense também esteve presente. Ver em: “A Viagem do Governador do Estado à Itabuna”. Jornal de Itabuna,
07/03/1928. CEDOC/UESC. Fotografia disponível em: https://www.instagram.com/p/CRD7jnOBudS/.
Acessado 07/02/2022.
265
Partitura de um Fox-trot. Arquivo SMPAI.
88

Outro evento coordenado pela SMPAI, que contava com a presença garantida da FEI,
era a comemoração do 1º de aio, Dia do Trabalho. “Com uma bela e significante conferência”
que contou com a presença do dr. Gileno Amado, o orador da conferência e do advogado, dr.
Deocleciano Portella, aplaudido após sua fala na solenidade. Antes e após a conferência, a
FEI se fez presente266. Tendo dois advogados pertencentes a elite local discursando em um
evento promovido por uma agremiação de trabalhadores dos moldes que é Sociedade Monte
pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI), o que se pôde esperar destes discursos foi o incentivo e
a conquista do progresso através do trabalho.
O dia do trabalho significava a valorização do trabalho como fator fundamental na
vida dos cidadãos. Segundo Philipe Murilo de Carvalho, essa era a principal festividade que a
FEI participava, carregando o discurso do trabalho enquanto edificação social, salientando a
colaboração de classes como princípio de unidade e de solidariedade, além de ser uma
distinção social267.
Acrescentamos que, outra das principais festividades que constava no calendário anual
da FEI era o aniversário da SMPAI, celebrado no dia 1º de novembro, juntamente com a
posse da nova diretoria. Este evento e a participação da banda acontece até os dias de hoje;
sendo considerado o evento mais importante que a FEI toca durante o ano.
Outrossim, eventos e passeios distantes da organização da SMPAI faziam parte do
roteiro da banda. Os membros associados da agremiação tinham liberdade para solicitar ao
presidente da diretoria-geral a participação de quaisquer eventos que desejassem268, isso
poderia fortalecer os laços internamente entre os trabalhadores associados, assim também
como os passeios. Em 1929, a Sociedade União Protetora dos Artistas e Operários de Ilhéus
(SUPAOI) encaminhou um telegrama à diretoria da SMPAI, informando que fariam uma
visita à entidade ao passearem em Itabuna. A Filarmônica Amantes da Lira – ainda recente
em fundação – juntamente com a FEI decidiram organizar uma recepção em conjunto269.
Meses depois, a visita se concretizou. Junto com os ilheenses, a banda Recreio da União
Protetora foram tocando da sede da Monte pio dos Artistas de Itabuna até a casa do então
intendente municipal Dr. Benjamin de Andrade270.
Atividades como essa foram comuns na história da Euterpe Itabunense, tanto
recebendo visitantes, quando indo visitar outras cidades, passeando pela urbes ou
266
“SMPAI solenizou o dia do trabalho”. Jornal de Itabuna, 14/05/1927. CEDOC/UESC.
267
Ibid., 2015, p. 103.
268
Ata da 1º Sessão de diretoria da SMPAI. 01/12/1925. Arquivo SMPAI.
269
Ata da 30º Sessão de diretoria da SMPAI. 08/07/1929. Arquivo SMPAI.
270
“Pela União das Classes: os artistas de Ilhéus visitam seus colegas”. Jornal de Itabuna – 17/07/1929.
CEDOC/UESC.
89

frequentando partidas de futebol. Emulando o modus operandi das bandas contemporâneas na


região, possibilitando troca de cartas, fotografias e convites para passeios. Não raro, a FEI
concedia músicos e o regente para outras agremiações musicais. Além de empréstimos de
instrumentos, principalmente nos anos finais da década de 1920, quando a crise de 1929
afetou de forma direta e indireta os partícipes dessas agremiações.
Volvendo ainda aos setores sociais em que a FEI participava, temos que pontuar os
eventos religiosos. No artigo 5° do parágrafo quarto e inciso primeiro, diz que “A banda
comparecerá gratuitamente à festa de São José, padroeiro da cidade, tocando na missa e na
procissão.”271. Anualmente, a FEI esteve presente nesta grandiosa festa, como podemos
perceber no periódico. A expectativa dos preparos para o dia da festa tomava conta dos
moradores e da mídia local. A festa conta com missas, novena, procissão e quermesse e,
durante toda a extensa programação , a Euterpe Itabunense se faz presente, tanto na procissão,
quanto na quermesse.272
Apesar da banda oferecer seus serviços gratuitamente à festa do padroeiro da cidade, a
festividade lhe assegurava uma exclusividade. A FEI também participava de outros eventos
religiosos, como a Semana Eucarística do Sagrado Coração de Jesus, um grande destaque na
cidade por conta do interesse do “progresso espiritual, ético e moral e moral do povo
itabunense”, sendo assim, um grande evento cristão.273 A inauguração do altar de Santa
Teresinha também contou com a presença da FEI, embalando a noite após as cerimônias de
inauguração e missa274. A Euterpe também era ligada à religiosidade, tendo Santo Antônio
como seu padroeiro.
Para Philipe Murilo de Carvalho, os lazeres e outras sociabilidades “[...]catalisavam
indivíduos em torno das bandas musicais, excursões a cidades vizinhas e festividades. Por
isso, as funções das sociedades operárias se ampliavam para fundação de filarmônicas e
promoção de atividades lúdicas”275.As agremiações de auxílio mútuo em grande parte, não
apenas cooperavam com as necessidades básicas, mas com o bem estar de forma geral de
todos os associados.
Nos passeios e festividades acontecia o intercâmbio de ideias e experiências. Sobre as
práticas das bandas de música, Manuella Areias afirma que:

271
Artigo 5, parágrafo IV, inciso 1º do Regulamento da Filarmônica Euterpe Itabunense. Arquivo SMPAI.
272
“Padroeiro da Cidade”. Jornal de Itabuna – Semanal. 19/03/1927.
273
“A Semana Eucarística do Sagrado Coração de Jesus”. Jornal de Itabuna – Semanal. 28/08/1926.
274
“Itabuna Religiosa”. Jornal de Itabuna – Semanal. 14/11/1927.
275
Ibid., 2015, p. 101.
90

Essas sociedades musicais se apresentam como lugares onde se articulam ideias e


imagens, ritos e práticas que exprimem a via escolhida pelo grupo para a sua
inserção na sociedade, melhor dizendo, elas constroem espaços de sociabilidade,
afirmando uma determinada cultura e identidade276

Pensando desta maneira, a Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) manifestou, de


maneira lúdica, os ideais e postura da Sociedade Monte Pio dos Artistas. Ideais de cultura
religiosa, cívica e moral, entrando no mesmo tom da canção que entoava a classe política
local. Esse externar de valores através da FEI era uma forma simbólica, não exatamente pela
música, mas por sua presença em determinados eventos.
Jorge Santiago, em seu artigo publicado em 1998 na Revista Europea de Información
y Documentación sobre América Latina (REDIAL), sintetiza muitos aspectos deste trabalho.
A história da formação da Filarmônica Euterpe Itabunense (FEI) não está somente ligada a
Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna (SMPAI), mas está também ligada á história da
cidade. Ela surgiu e teve suas ações durante um processo político de construção de uma nova
identidade social. Essa nova identidade atendia somente a uma parte da sociedade, a outra, os
“de baixo”, tiveram que eludir o sistema social para que seus hábitos e costumes não fossem
extirpados juntamente com suas oportunidades. Veremos a seguir, a cadência ora melodiosa
ora malsonante em que a Euterpe Itabunense conviveu nesta disputa.
Jorge Santiago, afirma que

Dotadas de representações, de símbolos, de emblemas de uma prática social que as


legitima, lhes dão uma função social e a qual é preciso assegurar proteção,
sociedades musicais tem um papel a desempenhar: aquele de ser, através do
reconhecimento público, agentes da reunião e da interação entre as diferentes partes
da população urbana277.

A Filarmônica Euterpe Itabunense, intuindo desta forma, teve uma função social, que
foi de propagar de forma direta – ou indireta – os valores que a Sociedade Monte Pio dos
Artistas de Itabuna acreditava. Quando a banda tocava em eventos políticos, reforçava o
alinhamento de civilidade e progresso tão idealizado, além de que, conseguia-se mesclar
públicos de classes distintas, numa cidade que a segregação de pessoas pobres de
determinadas localidades era normal.

276
COSTA , op. cit., 2010, p. 116.
277
SANTIAGO, Jorge P. Das Práticas Musicais aos Arquivos Vivos: Bandas brasileiras, literatura local e a
cidade. REDIAL - Revista Europea de Informacion y Documentacion sobre América Latina, 1998, 8-9, pp.189-
200.
91

Ademais, pontuamos que a Filarmônica Euterpe Itabunense é mantida até os dias de


hoje pela Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna. O que exemplifica a cultura
associativa itabunense, servindo como uma instituição filantrópica, que acolheu membros da
SMPAI e/ou de seus familiares, assim como a população pobre, a fim de oferecer um lazer
lúdico e ético para essas pessoas. Além disso, a FEI foi uma ferramenta política para os
trabalhadores associados a SMPAI conseguirem, sabiamente, dosar uma relação amistosa com
a classe política sem possuir, desse modo, opositores na relaçoes paternalistas com tais
autoridades, sempre a fim de conseguir auxílios para sua manutenção como subsídios,
tocando assim, a barca do mutualismo itabunense.
92

Conclusão
Um grupo de 100 músicos que representavam 60 filarmônicas se encontraram em frente
a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) antes da audiência intitulada “As Filarmônicas da
Bahia e Seus Desafios” na terça-feira do dia 28 de maio de 2019, na cidade de Salvador. Dessa
vez não estavam ali com o intuito de “abrilhantar de forma simpática” o início de um rito em
prol de um suposto progresso, como é de costume ver por aqueles que folheiam alguns
periódicos sul baianos datados do século passado. Estavam ali para reivindicar subvenção estatal
de pelo menos R$50.000,00 para cada banda, no intuito de “soerguer” as bandas que “estão
vivas porque fazem parte do pulsar social da Bahia”, como afirma Fred Dantas, maestro líder do
Movimento Filarmônicas Unidas. Tal pedido foi baseado no conhecimento de R$84 milhões
reservados para programas do governo, para o investimento na cultura278.
A audiência foi liderada pela deputada Fabíola Mansur, que acrescentou ao Projeto de
Lei n.º 23.300/2019 que a promoção e fomento da cultura com incentivos ás filarmônicas em
todo estado da Bahia entrassem nas Leis de Diretrizes Orçamentários de 2020, com a
justificativa de que o Estado é o responsável por garantir direitos culturais e facilitar a população
a ter acesso a produção e distribuição de bens culturais, conforme os artigos 269 e 270 da
Constituição do Estado da Bahia.
Dessa forma, podemos compreender que existe um grupo de pessoas comuns – os
músicos e trabalhadores e trabalhadoras, maestros – lutando, por meio de instrumentos musicais,
por acesso à cultura, inclusão de jovens no mundo musical e cultural, revelando pessoas do
interior do estado para o mundo da música, se apropriando de uma cultura popular e dando um
significado para esse grupo.
Outros tempos, outra República, mas problemas similares que insistem em permanecer:
o acesso a vida digna, a cultura e sociabilidades. Na década de 1920, os trabalhadores da
Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna inseridos numa sociedade excludente enxergaram
nas filarmônicas uma oportunidade de estender suas redes de sociabilidade em busca de alguns
direitos sociais que não eram amparados pelo Estado.
Também atentos aos movimentos políticos, compreenderam que bandas filarmônicas
numa cidade rural como Itabuna, incensada pela economia cacaueira no início do século XX,
eram símbolos do “progresso”, uma ideia inspirada nos ideiais de modernidade importados da
Europa. Mesmo sendo um país periférico, o Brasil adotou esses ideais como política pública por
meio das suas elites, seguindo a tendência dos países considerados “modernos” pelo uso da
ciência e tecnologia nas reformas urbanas. Tais reformas impactaram diretamente no cotidiano
dos sujeitos simples, marginalizados pela história oficial.

278
Diário Oficial Assembleia Legislativa da Bahia. – 29/05/2019.
93

O “moderno”, segundo as elites, significava mudanças nas estruturas urbanas. Era uma
perspectiva de evolução e reta linear e, para padronizar os comportamentos, usava-se leis,
outrora punitivas, mas sempre com intuito de marginalizar as pessoas pobres. A maneira de
impor suas visões de vida pode ser vista como forma de dominação, enxergando a sociedade de
forma homogênea e desconsiderando as especificidades locais. Isso gerou transformações
sociais, proporcionando a criação de diversos entes de proteção social composto por
trabalhadores.
O estímulo desses artífices em formar uma banda filarmônica talvez tenha sido o mesmo
dos músicos mobilizados no Movimento Unidos pelas Filarmônicas: de reconhecimento social
por meio da cultura. Ainda distante de condições razoáveis de sobrevivência tanto em vida
quanto no pós-morte, trabalhadores e músicos no século XX se agremiaram em instituições
mutualistas e musicais para acessar suportes financeiros em caso de doença e em caso de
falecimento, como os custos a serem pagos de um funeral.
Fazer parte de uma instituição que na visão das elites era símbolo de “progresso”, lhes
conferia status e reconhecimento por parte de pessoas organizadas e padronizadas com os
tempos “modernos”, contudo, partindo das experiências dos trabalhadores, uma filarmônica
proporcionava autonomia no alcance de seus objetivos sem depender exclusivamente de
subvenções políticas, fugindo da dominação exclusiva dos chefes locais, caracterizados pelo
coronelismo, sistema comum na Primeira República brasileira. Além disso, era uma maneira de
proporcionar lazer, viagens e divertimento aos sócios, trabalhadores pobres e mal vistos pelas
elites.
Encaramos como outra forma de dominação a aproximação dos chefes políticos nas
esferas do mundo do trabalho. Lá, eles forjavam benfeitorias como caráter de caridade,
considerando a atitude como fator de enobrecimento do ser. Concediam subvenções, se
associavam, faziam doações e empréstimos. Nas atividades internas, sempre discursavam em
defesa de seus valores, como maneira de lembrar aos trabalhadores os “perigos da luta de
classe”. Não podemos desconsiderar a intenção em angariar votos, afinal, alguns dos
trabalhadores eram eleitores. Apesar desse esforço, há de considerar que os trabalhadores
recebiam todos da elite itabunense, sejam letrados, sejam políticos, independente da filiação
partidária, ignorando as rivalidades do campo político, mas que contribuíam materialmente com
sua causa.
É mister buscar o entendimento do funcionamento de bandas como a Euterpe Itabunense
para compreender as dinâmicas sociais postas na Primeira República, no sul da Bahia. A
formulação dos estatutos, composição dos componentes, uniformes e calendário festivo são
dicas de como classes distintas se relacionavam numa ordem de convivência paternalista.
Os envolvidos na banda, principalmente os músicos não associados a SMPAI, tinham
94

contrapartidas semelhantes aos sócios para participar da agremiação. Era garantido o suporte
financeiro em caso de doenças, remuneração por eventos participados e, algumas vezes, a
garantia de moradia. Embora tivessem tais vantagens, a relação interna não era de extrema
harmonia, principalmente pelo choque de visões de mundo entre músicos e diretoria da banda.
Ainda assim, era vantajoso estar alocado na FEI, haja vista que era uma garantia de ser
reconhecido como cidadão por completo.
Os eventos, principalmente os políticos, sinalizavam como acontecia a relação entre
trabalhadores e chefes políticos. A Euterpe quase sempre tocava nas inagurações públicas e
posse administrativas de governos de situação, já que o poder municipal não adminstrava
nenhuma banda filarmônica e por um período, ela foi a única da cidade. Apesar disso, o convite
para esse tipo de evento era desdobramento das intenções de aproximação de ambas as partes, já
que nas sociabilidades dos de cima, bandas como a FEI não faziam parte.
É válido destacar que possuir uma banda filarmônica em eventos políticos significava
contar com a pompa dos instrumentos de sopro. Por isso a escolha dos tipos de música era bem
pensada para as ocasiões, assim, por meio de seu repertório, a FEI demonstrava suas visões de
mundo, seus anseios e suas crenças, sempre pautadas nas benesses do trabalho.
A Filarmônica Euterpe Itabunense foi uma ferramenta da Sociedade Monte Pio dos
Artistas de Itabuna para buscar a cidadania plena dos seus agremiados, já que a banda era vista
como um mecanismo a mais no alcance de seus objetivos. A busca pela cidadania plena parece
perdurar até os dias de hoje, por isso iniciamos a conclusão com a audiência pública em prol de
suporte financeiro às filarmônicas da Bahia, em 2019. Reconhecimento social e acesso à cultura
é um tema a ser tratado em arena política. Enxergamos isso com o trabalho escrito e nas ações
de filarmônicas em tempos atuais.
Embora tenhamos enfrentado a crise sanitária mundial causada pelo coronavírus,
provocando a COVID-19, e o descaso do poder executivo federal para com a ciência e
pesquisas, principalmente do campo da ciência social e humanidades, conseguimos alcançar a
reflexão dos anos iniciais da Filarmônica Euterpe Itabunense. É justo destacar que ainda há um
longo caminho a percorrer a respeito da história dessa banda musical. Ela se manteve em
atividade até os meados da década de 1950, retornando na decáda de 1970 e continuando até os
dias de hoje. Essa banda enfrentou vários “Brasis”, com continuidades e descontinudades a
serem percebidas.
A Euterpe Itabunense se apresentou como um objeto repleto de significados e é possível
perceber por meio dela um Brasil republicano excludente, como já reiteramos, mas de
trabalhadores resistentes. Acreditamos que não somente a FEI, mas outras agremiações musicais
alocadas na cidade de Itabuna e região sul da Bahia ainda tem muito a nos revelar sobre as
relações sociais entre sujeitos comuns.
95

Arquivos e fontes

ASMPAI – Arquivo da Sociedade Monte Pio dos Artistas de


Itabuna
Livro de atas da assembleia geral, 1921-1927.
Estatutos da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna, 1920.
Estatutos da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Itabuna, 1929.
Livro de atas da diretoria, 1922-1926.
Livro de atas da diretoria, 1926-1928.
Livro de atas da diretoria, 1928-1930.
Livro de atas da diretoria, 1930-1932.
Partituras musicais
Livro de Álbum Social, 1923-1969.
Carta da Sociedade Monte pio dos Artistas endereçada a Cel. Henrique Alves, 20/05/1926.
Carta remetida por Manoel Joaquim Soares da Silva à Elpidio Soares, 27/11/1926.
Acervo Fotográfico

CEDOC/UESC – Centro de Documentação e Memória Regional


da Universidade Estadual de Santa Cruz
Jornal de Itabuna, 1922-1930.
Jornal A Época, 1925-1928
Correios de Ilheus, 1922-1925.

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Diretoria do Serviço de Estatística do Estado da Bahia. Anuário Estatístico da Bahia, Território e


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Fotografias retiradas da página @História.Grapiuna. Disponível em:


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Anexos
(Fonte Times New Roman, tamanho 16 em negrito para o título e 12 sem negrito para o texto
dos Anexos. Não usar caixa alta)

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