Capitulos Geografia RN Vol. 2 Ed. 2 2020
Capitulos Geografia RN Vol. 2 Ed. 2 2020
Capitulos Geografia RN Vol. 2 Ed. 2 2020
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte
Volume II – 2º Edição
Rede-TER
ISBN: 978-65-87381-01-5
ISBN: 978-65-87381-01-5
CDU: 338.9
As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade dos autores de cada texto, não refletindo necessariamente as posições
dos organizadores. Cada autor é também responsável pela revisão de seu próprio texto.
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Afonso Welliton de S. Nascimento Universidade Federal do Pará (UFPA) – Brasil
Prof. Dr. Alexandre Augusto Cals e Souza Universidade Federal do Pará (UFPA) – Brasil
Prof. Dr. Antônio Gaspar Domingos Instituto Politécnico de Cuanza Sul – Angola
Prof. Me. Emanuel Alexandrino Silva Semedo Universidade de Santiago – Cabo Verde
Prof. Dr. Francisco do O’ de Lima Júnior Universidade Regional do Cariri (URCA) – Brasil
Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Prof. Dr. José Cezinaldo Rocha Bessa Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Prof. Dr. Josué Alencar Bezerra Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Profa. Dra. Larissa da Silva Ferreira Alves Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Prof. Me. Luís Filipe Martins Rodrigues Universidade de Santiago – Cabo Verde
Profa. Dra. Sara Taciana Firmino Bezerra Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Profa. Dra. Simone Cabral Marinho dos Santos Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Brasil
Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto Universidade de São Paulo (USP) – Brasil
Sumário
Página
APRESENTAÇÃO 06
José Lacerda Alves Felipe
INTRODUÇÃO 09
Gleydson Pinheiro Albano
Larissa da Silva Ferreira Alves
Agassiel de Medeiros Alves
CAPÍTULO 1 12
TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO RIO GRANDE DO
NORTE: REPRESENTAÇÕES DO PODER SIMBÓLICO E
SUAS IDENTIFICAÇÕES TERRITORIAIS
Camila da Silva Pereira
Alessandro Dozena
CAPÍTULO 2 38
O SAL DE ONTEM E AS SALINAS DE HOJE – ANÁLISE DA
PRODUÇÃO DE SAL MARINHO NO RIO GRANDE DO NORTE
Diógenes Félix da Silva Costa
David Hélio Miranda de Medeiros
Raiane Santos da Costa
Renato de Medeiros Rocha
CAPÍTULO 3 66
CULTURAS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL DO
MUNICIPIO DE PAU DOS FERROS-RN
Lívia Gabriela Damião de Lima
Larissa da Silva Ferreira Alves
CAPÍTULO 4 93
TECNOESFERA E PSICOESFERA DO PLANEJAMENTO
CORPORATIVO SELETIVO NO RIO GRANDE DO NORTE,
BRASIL
Jane Roberta de Assis Barbosa
CAPÍTULO 5 111
TRABALHO ASSALARIADO AGRÍCOLA NO RN:
DEPENDÊNCIA DAS FRUTAS E DA CANA-DE-AÇÚCAR
Gleydson Pinheiro Albano
CAPÍTULO 6 147
PANORAMA DA QUESTÃO ENERGÉTICA DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE: NOVOS ARES DA ENERGIA
Agassiel de Medeiros Alves
APRESENTAÇÃO
José Lacerda Alves Felipe
6
Apresentação
7
Essa distância, aliada a pobreza dos municípios de sua área de influência, inibe
o consumo até mesmo em Mossoró, onde os custos com deslocamentos, alimentação e
hospedagem reduzem o poder de compra dessa população regional, que passa a
adquirir seus produtos no comércio de Pau dos Ferros.
Outro texto esclarecedor sobre a nossa geografia, produzido por Jane Roberta
de Assis Barbosa, aborda as experiências do planejamento que objetivaram o
desenvolvimento de nosso Estado. Para tanto, a autora recorre a duas categorias de
análises: a tecnosfera e a psicosfera, onde a primeira dá conta da produção e
intercâmbios, e a segunda das crenças, desejos e de um imaginário que determina
ações. Ao eleger o planejamento seletivo do governo de Aluísio Alves, a autora
demonstra como essas duas esferas, a técnica e a psicológica, estavam presentes e
moveram o que foi planejado para o desenvolvimento do Rio Grande do Norte.
Aluísio fez a campanha para o governo do Rio Grande do Norte em 1960, movido
pelas ideias do nacional/desenvolvimentismo, um ideário que se firma no Brasil na
década de 1950, com Vargas e Juscelino, mas, também pelos setores progressistas da
política brasileira. Ao se eleger governador, o planejamento e as ações do governo de
Aluísio Alves foram norteadas por esse imaginário, pois acreditava, desejava e
imaginava modernizar o RN com indústrias que a energia da hidrelétrica de Paulo
Afonso viabilizava; com serviços de telefonia, de abastecimento d'água e de educação;
com infraestruturas e construção das rodovias que integrariam as áreas produtoras da
economia agrária aos centros consumidores.
Os trabalhos que formatam esse livro são leituras obrigatórias para todos nós
que estudamos a geografia do Rio Grande do Norte. Também são subsídios
importantes para os quadros técnicos envolvidos com a gestão de nossas políticas
públicas, além de engrandecer a universidade, que disponibiliza para a sociedade a
produção de seus professores que acreditam que o conhecimento socializado é
elemento vital para as transformações sociais.
8
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
INTRODUÇÃO
Gleydson Pinheiro Albano
Larissa da Silva Ferreira Alves
Agassiel de Medeiros Alves
9
Introdução
Esta obra é composta por seis artigos, sendo o primeiro deles intitulado
“TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO RIO GRANDE DO NORTE:
REPRESENTAÇÕES DO PODER SIMBÓLICO E SUAS IDENTIFICAÇÕES
TERRITORIAIS”, em que Camila da Silva Pereira e Alessandro Dozena descortinam os
territórios quilombolas no Rio Grande do Norte, fazendo uma análise territorial e
cultural de grande relevância sobre um assunto ainda pouco discutido no âmbito da
geografia norte-rio-grandense.
10
e informações, é carente em estudos face ao modelo de planejamento adotado nas
gestões públicas estaduais, foco ao estado do RN.
Esperamos que este livro possa dar uma contribuição para ampliar, cada vez
mais, os horizontes de pesquisas em geografia no estado do RN, valorizando temas
diversos e buscando trabalhar conjuntamente diferentes horizontes da pesquisa nessa
ciência.
11
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 1
TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO RIO
GRANDE DO NORTE:
REPRESENTAÇÕES DO PODER
SIMBÓLICO E SUAS IDENTIFICAÇÕES
TERRITORIAIS
12
TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO RIO GRANDE DO NORTE:
REPRESENTAÇÕES DO PODER SIMBÓLICO E SUAS IDENTIFICAÇÕES
TERRITORIAIS
1. INTRODUÇÃO
Embora as discussões sobre as identidades quilombolas e suas territorialidades
tenham retornado ao cenário político e cultural do Brasil a partir da década de 1930,
há que se considerar que anterior a esse período, os quilombos coloniais e as
resistências desses no período pós-colonial, representam os marcos principais do
histórico de resistência que esteve omitido na história do Brasil quando se decretou o
fim oficial da escravidão e quando, num período em que as comunidades quilombolas
eram somente entendidas como reduto de negros em situação de fuga do escravismo,
passou-se a entender que não mais existindo tal regime, as organizações quilombolas
se tornariam inexistentes.
Portanto, nos anos que compreendem a data oficial do fim do regime escravista
no Brasil até a década de 1930, contexto do Estado Novo, os quilombos estiveram à
margem dos espaços de debate político, acadêmico, cultural e econômico do país. Os
mecanismos de apagamento desses sujeitos na sociedade, iniciaram-se no final do
século XVIII quando as políticas de incentivo à vinda de imigrantes europeus para o
Brasil visavam o branqueamento da população e a marginalização das populações
negras que se viram deslocadas socialmente no contexto de aumento do poder da
aristocracia rural e da ascensão de uma elite burguesa, em que os negros não mais se
encaixavam nem como mercadoria nem como força de trabalho.
Desde a década de 1930, mais precisamente desde o final do ano de 1978, após
a Ditadura Militar e o ano da oficialização do Movimento Negro Unificado, que
abrangeu além das demandas do povo negro, também as do povo quilombola, essas
comunidades vêm ganhando espaço e força política nos debates acadêmicos e
apresentando formas de representação diferenciadas frente aos direitos que lhe são
assegurados por lei, sobretudo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e
publicação do Decreto 4.887/2003, que instituiu critérios para a identificação,
delimitação, demarcação e titulação de seus territórios.
Embora ainda exista resistência ou até mesmo desconhecimento da sociedade
acerca da existência e reconhecimento dos territórios quilombolas, estudos realizados,
principalmente, no âmbito das Ciências Humanas, ampliaram as possibilidades de
entendimento sobre a formação e organização desses territórios. O debate sobre a
questão quilombola que compreende os diversos processos de formação dos seus
territórios foi conquista das lutas históricas desses grupos mediados por movimentos
sociais por reconhecimento frente às políticas públicas, sobretudo as políticas de
reconhecimento de seus direitos territoriais, que se assemelham aos direitos dos
demais povos do campo de base campesina, mas se diferenciam por terem na
13
ancestralidade africana e na expropriação do direito à terra pela condição racial, o seu
marco histórico. De acordo com Anjos (2004), a questão negra ganhou força no Brasil
juntamente com o debate sobre o campesinato brasileiro, fato também associado às
ações do Movimento Negro Unificado que deram o impulso para a criação de leis que
atribuem às comunidades quilombolas o direito à propriedade da terra.
Pensando no avanço desse debate e na necessidade de não cessá-lo, o presente
capítulo começou a ganhar forma em meados de 2010 e desde então vimos ampliando,
no Mestrado (2012-2014) e no Doutorado (2015-2019), as formas de leitura e
compreensão das dinâmicas territoriais nos quilombos do Brasil e, de modo específico,
alguns que constituem o cenário potiguar; por ser esta uma realidade ainda carente de
discussões no debate acadêmico geográfico do estado.
A pesquisa realizada em alguns dos vinte e oito territórios quilombolas do Rio
Grande do Norte, propõe uma análise sobre as territorialidades e as representações de
poder expressas nas manifestações culturais desses grupos. Discutimos as
manifestações culturais de algumas comunidades do Rio Grande do Norte sem que isso
desmereça as representações das demais não citadas, visto considerarmos que o
destaque nas análises de alguns autores sobre essas representações reforça o nosso
entendimento de que isso também funciona como força política de um poder simbólico
que torna algumas práticas culturais mais perceptíveis nos territórios em detrimento
de outras.
Temos nas pesquisas bibliográficas, documentais e de campo, a base de nossa
interpretação para refletir sobre as diversas influências étnicas que respondem pelas
diferentes formas de identificação dos grupos quilombolas no Rio Grande do Norte,
além de nos basearmos em dados secundários coletados junto ao Instituto de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares, o que nos
permitiu compreender a configuração atual dos territórios quilombolas no estado, no
que tange aos seus direitos, que também são fundamentais para a permanência de suas
representações culturais..
14
- PE, Rio de Janeiro - RJ, São Luís – MA e Belém – PA, sendo que esta mão de obra se
espalhou para outras regiões do país conforme as necessidades nas fazendas situadas
no litoral desses estados, ou em outros situados nas proximidades.
No Rio Grande do Norte, como em muitos outros estados que não estabeleceram
contato direto com o tráfico de escravos provenientes do continente africano, a
formação dos territórios quilombolas ocorreu de maneira bastante diversificada,
principalmente se pensarmos nas influências das matrizes indígenas e europeias, que
também compunham o cenário étnico do estado no período colonial. Com o passar dos
anos, os fazendeiros incentivaram a vinda de negros de outras colônias, sobretudo,
para o trabalho na pecuária. Esse fato contribuiu para a produção de bibliografias que
produziram no imaginário social a concepção da inexistência de relações escravistas
no estado, já que o número dessa população no Rio Grande do Norte foi menor em
comparação a outros estados (PEREIRA, 2019).
Cientes da diversidade que caracterizou a natureza das organizações
quilombolas e da própria condição de escravismo, que variavam em quantidades e
formas no território brasileiro, não podemos limitar a análise das relações escravistas
como alguns autores potiguares assim fizeram, ao afirmarem que os quilombos
potiguares são em menor quantidade e menos expressivos do ponto de vista do seu
conteúdo organizativo-político, pois no estado as relações escravistas foram aprazíveis
e não deixaram marcas de opressão como em outros estados do Brasil1.
De acordo com Suassuna e Mariz (2005), os primeiros negros trazidos para a
capitania do Rio Grande do Norte foram conduzidos para as zonas canavieiras para o
trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar, nas áreas onde hoje se encontra o município
de São José do Mipibú. Salientamos que a maior parte da mão de obra trazida para as
terras potiguares provinha do estado de Pernambuco e, em seguida, passou a também
a vir do Maranhão, já que a falta de recursos dos sesmeiros e a própria intenção de
extrair renda da terra sem gastos excessivos impedia a compra de negros da Guiné ou
da Angola, fato que responde pela captura de índios para as tarefas na colônia
(SUASSUNA e MARIZ, 2005).
Todo o processo de ocupação e exploração das terras potiguares tinha os negros
como mercadoria e mão de obra utilizada, desde a formação das primeiras vilas até a
constituição das cidades. No entanto, muitos escravizados, após o fim do regime
escravista, receberam terras de seus antigos senhores como forma de mantê-los nas
fazendas sob novas estratégias de exploração.
A desigual distribuição das terras, no processo de colonização ocorreu
concomitantemente a ampliação do uso das vastas porções para a agricultura de
consumo interno e para a exportação. Assim como as terras ocupadas por sesmeiros
eram destinadas à pecuária e ao plantio da cana-de-açúcar na faixa litorânea, no
interior do estado (na região serrana oeste) e nas pequenas engenhocas de fabricação
de rapadura e aguardente para o abastecimento de núcleos populacionais no Rio
1 Câmara Cascudo em sua principal obra “História do Rio Grande do Norte” (1984). Compreendemos que os escritos
do referido autor foram conduzidos por uma série de posicionamentos políticos e culturais da época em que foram
elaborados, além de indicarem uma visão limitante das influências negras no Rio Grande do Norte, possivelmente
pela escolha do recorte espacial reduzido para a análise.
15
Grande do Norte. Em meio aos interesses pela posse das terras e utilização do negro
em trabalhos diversos, as populações em situação de escravismo desenvolveram
formas de manutenção de sua cultura, mesmo sofrendo modificações devido à
incorporação de elementos culturais de etnias diversas.
A historiografia local apresenta poucos relatos com teor crítico sobre as formas
de vivência de índios, negros e colonos no Rio Grande do Norte. Quando se trata dos
negros na região oeste do estado, a bibliografia é ainda mais reduzida e as que existem
apresentam elementos bastante vagos. Autores considerados como as principais
referências para entender as etnias na formação territorial do Rio Grande do Norte,
tais como Câmara Cascudo, apresentam uma concepção de escravismo limitante, na
qual as relações de exploração se resumiam a maus tratos físicos, como vemos nesse
trecho de Cascudo na obra História do Rio Grande do Norte (1984):
Além de Cascudo, Dantas (1941) também apresenta uma análise generalista das
relações escravistas que por décadas produziu o entendimento de que no Rio Grande
do Norte o escravismo não deixou marcas históricas de opressão e racismo, embora
considere que as relações de dominância existiram. Conforme o referido autor:
A adoção dessa visão apaziguante das relações entre senhores e escravos pode
estar relacionada aos estudos escravistas e às interpretações neopaternalistas, nas
quais a oposição e luta entre cativos e seus senhores deu lugar a uma
complementaridade em suas relações que, em alguns casos, eram pacíficas devido à
comunhão de seus interesses (FIABANI, 2012). Mesmo com a persistência das formas
de exploração, essa comunhão de interesses possivelmente ganhou força quando a
escravidão foi abolida no Brasil, o que ressignificou e reforçou as relações de
dominância agora dentro das leis da abolição.
16
O processo de colonização deve ser pensado, de um modo geral, enquanto
conquista territorial e apropriação do espaço concreto, bem como a exploração dos
recursos a ele conferidos e a sujeição das populações nativas e negras escravizadas,
como ocasionadoras no território brasileiro, dentre outros fatores, de dinamicidade
social e reorganização territorial, subjugando as populações negras e indígenas a uma
posição social secundária.
Assim como Haesbaert (2007), pensamos o processo de territorialização dos
negros no estado como ação e dinâmica involuntária que deu sentidos ao espaço
apropriado por meio das relações sociais, a partir das diversas dimensões políticas,
culturais e econômicas. Essa territorialização culminou na consolidação de uma
territorialidade negra no estado que ainda é desconhecida por muitos, mas que está
expressa nos territórios já reconhecidos oficialmente e nos que ainda não se
autodeclararam e não tem processo de reconhecimento em tramitação. De acordo com
Haesbaert:
17
Brasil e se dirigiu, em seguida, para o interior do Brasil, inclusive em direção às regiões
pecuaristas do Rio Grande do Norte (PEREIRA, 2019).
De modo geral, mesmo sendo a história dessa etnia no estado ainda bastante
confusa, os indícios que variam conforme as regiões do estado, apontam que as
comunidades quilombolas tenham se formado a partir da fugas de negros em situação
de escravidão nas lavouras de cana-de-açúcar, nas fazendas de pecuária no sertão
potiguar, assim como a partir de negros em fuga de territórios coloniais vizinhos.
Embora alguns autores e estudiosos do assunto tenham tentado omitir a
presença dos negros no Rio Grande do Norte, reduzindo-os a personagens satisfeitos
com o trabalho e as funções disponíveis, talvez por questões políticas, por interesses
particulares ou por uma visão superficial dos fatos, o negro teve papel fundamental na
formação do território potiguar, seja nas fazendas de gado, no cultivo da cana-de-
açúcar ou na agricultura em geral. As mãos negras também plantaram e colheram o
algodão branco. Por outro lado, não desvinculadas desse contexto, diversas relações se
estabeleciam e nelas o negro era tido como a mão de obra oprimida disponível e barata,
o “vaqueiro de confiança”, a mucama da "casa grande" e o fio condutor de toda uma
história geográfica, política, econômica e cultural (PEREIRA, 2019).
O Mapa 01 apresenta a localização das vilas coloniais entre 1760 e 1920,
juntamente com a representação dos vinte e oito territórios quilombolas reconhecidos
oficialmente no estado do Rio Grande do Norte. Nele, percebemos que a maior parte
das comunidades está localizada nos municípios que constituíram vilas coloniais, o que
permite refletirmos sobre o papel dos negros na formação e manutenção desses
espaços.
A fixação dos colonos em determinados pontos do território potiguar obedeceu
aos interesses econômicos de exploração da terra à custa da mão de obra barata escrava
negra e/ou indígena. Como forma de defesa de sua produção e das terras conquistadas,
os colonos passaram a construir as vilas coloniais utilizando-se das missões religiosas2,
com o intuito de colonizar os índios, transformando suas aldeias em vilas para a
dominação, sobretudo a cultural.
É sobre esse campo de tensões e disputas entre colonos, nativos e escravizados
que o território potiguar vai se constituindo ao longo do tempo. Compreender
espacialmente como essas vilas estiveram distribuídas nos possibilita analisar o poder
de atuação do colonizador na dominação das populações nativas e as possibilidades de
fuga das populações subjugadas para outros territórios, contribuindo para a formação
de novos aglomerados urbanos e rurais, pois foram nas imediações das vilas e a partir
delas que muitos índios e negros se rebelaram, fugiram e passaram a se territorializar
em outros espaços no estado.
2No Rio Grande do Norte houve cinco missões (Guajiru, Guaraíras, Apodi, Mipibu e Igramació) (LOPES, 2009, p.
540).
18
Mapa 01: Vilas Coloniais e territórios quilombolas no Rio Grande do Norte
(1760, 1872 e 1920)
3A região do Seridó está localizada ao sul da Mesorregião Central Potiguar, abrangendo os estados do Rio Grande
do Norte e da Paraíba.
19
também com o mesmo nome; entre outros territórios que se concentram nas
proximidades desses locais que, historicamente, representam a concentração e o
principal marco das relações socioeconômicas de dominância entre os séculos XVIII e
XX.
Sobre as territorializações dos negros e a formação das comunidades
quilombolas é importante ressaltar que após a abolição da escravatura, porções de
terras foram doadas aos negros alforriados como forma de mantê-los nas proximidades
das fazendas, assim como foram compradas pelos negros por preços amenos quando
estes tinham condições ou ainda foram ocupadas quando devolutas. Acreditamos que
o fato de a maioria das comunidades quilombolas se localizarem nas zonas rurais e
estarem afastadas dos centros urbanos, constitui um indício da marginalização dos
negros que, por não poderem conviver nas cidades por falta de condições financeiras,
adquiriam terras distantes e, em alguns casos, pouco produtivas.
Embora poucos sejam os relatos sobre as mobilizações dos negros no estado,
encontramos autores que mencionam levantes escravistas. De acordo com Morais
(2005), na zona canavieira do Rio Grande do Norte cerca de 40 escravos se rebelaram
em 1727 na Ribeira do Trairi4, formando um quilombo que posteriormente seria
destruído pelo Capitão-Mor do estado. Além de serem relatados levantes em Goianinha
e em Papary (atual Nísia Floresta), na segunda metade do século XIX. Em se tratando
da comunidade Boa Vista dos Negros:
4 Provavelmente a formação do quilombo aconteceu em algum dos municípios banhados pelo rio Trairi, região onde
há atualmente a comunidade quilombola Sibaúma.
20
posse da terra quanto na dominação das populações nela existentes foi uma prática
constantemente desenvolvida pelos portugueses, desde a chegada ao chamado “Novo
Mundo” no século XVI.
Tendo sido apresentados os indícios da territorialização negra no Rio Grande do
Norte passaremos, no item a seguir, as territorialidades e as representações da cultura
afro-brasileira no estado, enfatizando as comunidades Boa Vista dos Negros, Pêga e
Arrojado, conforme já mencionado. A proposta é apresentar as práticas culturais como
representações de um poder simbólico dos grupos que apontam para uma identificação
com os seus territórios de vivência.
21
bibliografias que minimizavam a importância do negro na historiografia do estado.
Portanto, de diferentes maneiras, as comunidades também adquirem visibilidade a
partir do resgate de suas histórias e das oportunidades de seu protagonismo nos
espaços acadêmicos.
Essa visibilidade funciona como um meio de fortalecer e evidenciar a cultura e
a politização nos territórios que, de maneiras divergentes, são expressos por discursos
e práticas. Não é nossa intenção levantar uma questão valorativa colocando
determinadas comunidades em patamares mais importantes que outras, mas
entendemos que as diferentes formas e intensidades com que estas são abordadas,
proporcionam maior ou menor visibilidade de suas dinâmicas territoriais e modos de
vida.
A cultura desses grupos, expressa em suas festas populares bem como nas
formas como estes se manifestam nos territórios é, portanto, um dos elementos mais
significativos para entendermos as suas territorialidades, assim como para a
manutenção destas. Concordamos com Zanatta ao ponderar que:
22
A festa funciona como mediadora entre os anseios individuais e
coletivos, mito e história, fantasia e realidade, passado e presente,
presente e futuro, nós e os outros, [...] mediando ainda os encontros
culturais e absorvendo, digerindo e às vezes transformando em pontes
os opostos inconciliáveis (AMARAL, 1998 apud MAIA, 1999, p. 196).
23
facilitando a assimilação dos conceitos católicos (VALENTE, 1977, p.
72).
Acreditamos que essa diluição das tradições africanas não ocorreu totalmente.
Continua havendo transformações nas representações e práticas dos grupos negros
que, mesmo apresentando influências católicas mais evidentes, manifestam a presença
de alguns elementos da cultura africana, a citar as práticas das rezadeiras e
curandeiras, ainda existentes nas comunidades aqui evidenciadas.
Com relação ao sincretismo religioso, Valente (1977) afirma que os luso-
brasileiros não se livraram das influências do fetichismo africano, visto que a religião
católica e o cristianismo popular, de modo geral, estão carregados de ideias
supersticiosas e de crendices. Isto também é posto por Moreira (2009):
Acreditamos, ainda, que isso explique o fato de grande parte das comunidades
quilombolas do Brasil ter a devoção a santos católicos como o principal marco de suas
manifestações, ainda que na dança de São Gonçalo e no Espontão da Boa Vista existam
elementos diferenciados, tais como tambores, zabumbas, bastões, entre outros.
A dança de São Gonçalo chegou à serra de Portalegre em 1790, trazida pelos
colonizadores portugueses e era dançada pelos índios da tribo Pêga (FERREIRA apud
MORAIS, 2005). Na época, foram agregados ao culto ao santo, elementos da cultura
africana e indígena segundo Silva (1953), que assistiu a uma apresentação da dança na
cidade de Portalegre em 1938 (MORAIS, 2005). Há indícios, nos relatos dos moradores
e nas pesquisas já desenvolvidas, de que desde 1977 o padre Dário Tórboli (ainda
pároco no munícipio a época das pesquisas em campo) apoiava as festividades já
existentes nas comunidades, inclusive a dança de São Gonçalo, que antigamente era
mal vista pelas autoridades religiosas do município. Possivelmente, o incentivo da
igreja católica e a presença do pároco do município nas apresentações da dança de São
Gonçalo, funcionem como uma forma de controle desses grupos, já que estudos
apontam que, antigamente, os batuques e os passos da dança continham mais
características das manifestações culturais de matriz africana.
A identificação de traços semelhantes aos batuques de matriz africana
certamente está relacionada com os instrumentos utilizados nessa época. Atualmente,
alguns dos instrumentos utilizados são a viola, o tambor e o pandeiro, fato que
demonstra mudanças ocorridas na dança ao longo do tempo, ocasionadas pela diluição
dos referenciais africanos a partir da incorporação de elementos das religiões cristãs.
24
A dança constitui ao nosso ver, concordando com Morais (2005), uma prática
com características de um catolicismo mestiço, fruto do processo de sincretismo
religioso, que possuía características das danças africanas proporcionadas pela
utilização de diversos instrumentos semelhantes aos utilizados nestas, mas que vem se
transformando em uma prática mais direcionada ao catolicismo, ainda com a presença
de elementos como o tambor, os enfeites das dançadeiras e do santo.
A dança de São Gonçalo é uma das manifestações religiosas que faz parte do
chamado Catolicismo rural brasileiro, presente em vários estados do Nordeste, além
de São Paulo, Paraná, entre outros (CASCUDO, 1962). Na memória dos moradores
mais velhos das comunidades Pêga e Arrojado, a história que predomina é a de que
Gonçalo tirava as mulheres de suas “vidas erradas”, prometendo-lhes um bom
casamento e a música era a forma de resgatá-las.
A dança de São Gonçalo no Pêga e Arrojado apresenta distinções, a começar pela
imagem do santo que não é a mesma nas comunidades, embora ambas sejam de São
Gonçalo do Amarante. Nestas comunidades, os grupos são compostos por quatorze
pessoas das quais doze são mulheres, conhecidas como as dançadeiras, e dois são
homens, chamados de tocadores.
Os grupos de São Gonçalo das comunidades Pega e Arrojado são liderados por
mulheres, embora haja a participação de homens na execução da dança, conforme
mencionado anteriormente5. Apesar de serem comunidades onde os moradores têm
relações bastante próximas tanto do ponto de vista geográfico, quanto das relações de
parentesco e amizade, cada comunidade tem sua forma de organização das suas
atividades culturais e das suas dinâmicas em geral, por isso as danças de São Gonçalo
executadas nas duas comunidades já tiveram membros participantes de ambas, mas
hoje se desenvolve sem manter relações entre si. Há, nesse sentido, uma questão
política e cultural, a qual Geertz (1989) intitula de “política de significados”, deixando
claro que essa ideia expressa o embate entre grupos sociais distintos que visam a
imposição de seus significados e ideias, causando fragmentações em suas relações.
Sobre a questão das tensões que envolvem a festa, considerando-se o culto a São
Gonçalo como um momento festivo, Haesbaert (2007) coloca que por ser produto da
realidade, a festa evidencia essa realidade através de seus conflitos e tensões, mas
também atua como controladora dessas situações. A festa constitui a possibilidade de
criar, fortalecer ou fragmentar identidades. Até o ano de 2011 a dança de São Gonçalo
na comunidade Pega era realizada no terreiro próximo de onde hoje encontra-se o
salão comunitário (Figuras 01 e 02).
5As informações e imagens utilizadas nesse trabalho sobre a Dança de São Gonçalo nas comunidades Pega e
Arrojado são referentes a pesquisa de mestrado realizada entre 2012 e 2014 (PEREIRA, 2014).
25
Figura 01: Procissão de São Gonçalo na Figura 02: Dança de São Gonçalo no
comunidade quilombola Pega, Portalegre terreiro próximo ao salão comunitário
(RN) da comunidade quilombola Pega,
Portalegre (RN)
26
Figura 03: Salão ornamentado para o Figura 04: Dança de São Gonçalo do
festejo a São Gonçalo na comunidade Amarante na comunidade quilombola
quilombola Pega, Portalegre (RN) Pega, Portalegre (RN)
6 O festejo a São Gonçalo é realizado todos os anos em 24 de janeiro, em todas as cidades brasileiras em que o santo
tem devoção popular.
27
Figura 05: Dança de São Gonçalo na capela da comunidade quilombola Arrojado,
Portalegre (RN)
28
Os negros da Boa Vista compõem uma das comunidades quilombolas mais
pesquisadas e discutidas no contexto norte-rio-grandense atual. No que diz respeito ao
seu processo de titulação para a regularização das terras da coletividade, a comunidade
está a um passo do encerramento do processo, fato, sem dúvida, impulsionado pela
visibilidade que o grupo da Boa Vista ganhou nos últimos anos, principalmente por
meio dos incentivos de pesquisas sobre a comunidade por parte da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tal realidade diverge bastante das
comunidades Pêga e Arrojado, as quais apresentam processo estancado e têm poucos
incentivos e auxílio do poder municipal para a realização das suas festividades.
No que diz respeito ao processo de titulação das terras da comunidade Boa Vista
dos Negros, destacamos que esta se encontra em estágio avançado, fato impulsionado
pela visibilidade que o grupo da Boa Vista ganhou nos últimos anos, principalmente,
por meio dos incentivos de pesquisas sobre a comunidade por parte da UFRN. No
entanto, é importante destacar que as comunidades quilombolas de todo o Brasil
enfrentam incertezas produzidas, de maneira específica, pelo desmonte das políticas
públicas para as camadas populares a partir de 2016, principalmente, com o golpe que
ocasionou o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. O cenário de ameaça
ao principal direito das comunidades quilombolas, que é o de ter a terra coletiva
titulada, ampliou-se com a assinatura da Medida Provisória 870/2019 pelo presidente
Jair Messias Bolsonaro. O referido documento, além de estabelecer a organização da
presidência e dos ministérios, deslocou do Incra e da Fundação Nacional do Índio
(Funai) para o Ministério da Agricultura, as atribuições de demarcar e titular as terras
das comunidades quilombolas e dos povos indígenas. Porém, não esclarece como se
dará a tramitação das ações de titulação e demarcação desses territórios (PEREIRA,
2019).
Durante uma participação na mais recente edição da festa do Rosário na
comunidade, ocorrida entre 14 e 23 de setembro de 2018, constatamos que a festa do
Rosário e a Dança do Espontão7 recebem apoio de todos os moradores da comunidade,
além de moradores da região, do poder público local e da igreja dos municípios de
Parelhas e Jardim do Seridó. Além disso, verificamos o apoio e a presença de
organizações do Movimento Negro e visitas de estudantes e professores, sobretudo da
UFRN, como já destacamos.
A abertura da festa na comunidade ocorreu em 14 de setembro com uma
procissão, hasteamento da bandeira e a primeira novena. A festa prosseguiu com a
realização de novenas durante todas as noites até o dia 22 de setembro, dia em que,
antes do seu início, ocorreu a coroação do rei e da rainha do ano da Irmandade dos
Negros do Rosário da Boa Vista, realizada pelos juiz e juíza perpétuos (Figuras 06 e
07).
7Espontão consiste em um bastão enfeitado com fitas coloridas e é elemento constituinte de uma dança guerreira
que acompanhava a procissão e a festa de Nossa Senhora do Rosário, manifestando-se nos municípios de Jardim
do Seridó e Caicó – RN. Trata-se de um grupo de negros com espontões, uma lança e uma bandeira branca
percorrendo as ruas ao som de três tambores. “Dicionário do folclore brasileiro” (CASCUDO, 1962).
29
Figura 06: Coroação do rei e da rainha Figura 07: Rei e Rainha do ano da
do ano da Irmandade dos Negros do Irmandade dos Negros do Rosário da
Rosário da comunidade quilombola comunidade quilombola Boa Vista dos
Boa Vista dos Negros, Parelhas (RN) Negros, Parelhas (RN)
Fonte: Pereira, 2018 Fonte: Pereira, 2018
30
Figura 08: Negros do Rosário na Figura 09: Procissão de encerramento
procissão de Nossa Senhora do Rosário da festa de Nossa Senhora do Rosário na
na comunidade quilombola Boa Vista comunidade quilombola Boa Vista dos
dos Negros, Parelhas (RN) Negros, Parelhas (RN)
Figura 10: Dança do Espontão na comunidade quilombola Boa Vista dos Negros,
Parelhas (RN)
31
De acordo com Cavignac (2008) as irmandades negras, presentes em todo o
Brasil e a festa de Nossa Senhora do Rosário das irmandades negras, começaram a
ocorrer no Nordeste a partir do final do Século XVII com a coroação dos Reis do Congo
em Recife, em 1674. No Seridó, as irmandades começaram a se formar com a cultura
do algodão no século XIX8. No entanto, as manifestações culturais religiosas com
características de sincretismo enfrentaram resistências ao longo do tempo e ainda as
enfrentam. Oliveira (2016), em pesquisa realizada na paróquia de Jardim do Seridó,
destaca um conflito travado em 1940, entre irmandades e o padre da época, Expedito
Medeiros, que não permitia a execução da dança do Espontão e a Coroação de Reis
dentro da igreja, podendo acontecer, na época, somente no pátio da igreja.
Atualmente, além da Comunidade Boa Vista dos Negros, a festa do Rosário é
realizada nas cidades de Caicó e Jardim do Seridó no estado do Rio Grande do Norte.
Segundo Gois (2006), a grande festa do Rosário é realizada em Jardim do Seridó entre
os dias 30 de dezembro e 1 de janeiro. Em sua programação, há cortejos da imagem
para a chegada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, recitação do Rosário
de Nossa Senhora e procissões com batucadas e espontões dos Negros do Rosário e,
em seguida, o hasteamento das bandeiras quando a festa se inicia. Nos dias 30 e 31 de
dezembro se realizam duas novenas e no dia 1 de janeiro, dia da festa em Jardim do
Seridó, ocorre a reunião das irmandades negras, missa e a procissão de encerramento.
A líder quilombola da comunidade Boa Vista dos Negros relatou, durante a realização
da entrevista, que no último dia da festa o reinado é maior do que na comunidade:
8 Sobre as irmandades negras no Brasil e em outros municípios do Rio Grande do Norte, ver a obra “Tronco, ramos
e raízes! História e patrimônio cultural do Seridó negro”, organizada por Julie Cavignac e Muirakytan de Macêdo
(2016).
32
juíza perpétuos. Há também o porta-bandeira (bandeirista), que
acompanha os dançarinos (lanceiros) comandados pelo capitão de
lança, geralmente uma pessoa experiente [...]. Essa hierarquia é
cumprida rigorosamente para que os irmãos possam dançar juntos e a
tradição seja seguida (CAVIGNAC, 2008, p. 21).
33
As manifestações religiosas aqui relatadas compõem os itinerários simbólicos
que sucedem durante períodos específicos ao longo do ano nas comunidades Pega,
Arrojado e Boa Vista dos Negros; e demarcam determinados espaços
temporariamente, transformando-os em territórios simbólicos nos quais as
identidades são reforçadas a partir dessas práticas sociais.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão aqui apresentada constitui mais uma proposta de aprofundamento
de um tema que ganha espaço de maneira considerável, sobretudo nas pesquisas
acadêmicas. A oportunidade de elaborarmos a nossa interpretação geográfica sobre as
comunidades quilombolas sob a ótica cultural e política, representa mais uma abertura
para que temas como este sejam explorados.
A proposta deste artigo constitui alguns dos possíveis caminhos conceituais e
discursivos acerca das dinâmicas territoriais das comunidades quilombolas do Pega,
Arrojado e Boa Vista dos Negros. Sem dúvida, os elementos aqui apresentados foram
a base para elaborarmos a nossa interpretação sobre o processo de territorialização do
negro no território potiguar, bem como sobre as territorialidades expressas e
ressignificadas pelas manifestações culturais e outras práticas cotidianas das
comunidades.
Ao apresentarmos as transformações e a permanência das práticas culturais
religiosas, não negamos o fato de estar havendo processos contraditórios à
continuidade das festas. Entretanto, nossa intenção foi destacar que mesmo em meio
aos processos migratórios que se tornam cada vez mais frequentes nas comunidades,
envolvendo principalmente as populações mais jovens, há uma resistência das
tradições, e essas ações permanecem principalmente pelo incentivo, ainda que
mínimo, que essas comunidades têm recebido dos agentes locais, poderes religiosos,
lideranças políticas internas e movimentos sociais.
Acreditamos na necessidade de trazermos aos estudos geográficos temas como
esse, em que as manifestações culturais expressam seu caráter político muitas vezes de
forma implícita, o que tende a despertar o interesse e as várias interpretações para
essas ações. É imprescindível a importância que as festividades do Pega, Arrojado e
Boa Vista dos Negros têm para a manutenção das tradições culturais e o estímulo às
gerações futuras que, mesmo migrando para outros municípios e regiões, dificilmente
perdem os laços estabelecidos com os seus lugares de origem.
Ressaltamos que comunidades dessa natureza ainda se constituem um tema
novo na Geografia potiguar, principalmente, por serem mais abordadas sobre a
perspectiva antropológica. Trata-se de um desafio teórico e metodológico de pesquisa
para aqueles que as têm como foco de análise e reflexão. É inegável o fato de que tais
comunidades representam importantes grupos sociais que permitem a compreensão
de categorias como identidade territorial e territorialidade, uma vez que elas,
majoritariamente, têm na terra o seu referencial espacial, tanto no sentido simbólico
quanto material.
34
5. REFERÊNCIAS
ANJOS, Rafael. Sanzio Araújo dos. Quilombos: geografia africana – cartografia
étnica – territórios tradicionais. Brasília: Mapas Editora & Consultoria, 2009.
CORREA, Roberto Lobato. Espacialidade da cultura. In: Oliveira, Márcia P.; COELHO,
Maria C. N.; CORREA, Aurenice M. (Orgs.). O Brasil, a América e o Mundo:
espacialidade contemporânea. Rio de Janeiro: Lamparina/FAPERJ, 2008, p.301-352.
35
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Comunidades quilombolas
reconhecidas. Disponível em:
http://www.palmares.gov.br/?page_id=88&estado=RN Acesso em: Jul. 2019.
GEERTZ, Cliford. Estar lá, escrever aqui. Diálogos, São Paulo, v. 22, n. 3, p. 58 – 63,
1989.
GOIS, Diego Marinho de. Entre estratégias e táticas: enredos das festas dos negros
do rosário em Jardim do Seridó – RN. Monografia apresentada ao Curso de História)
– Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Caicó, 2006.
LOPES, Fátima. Ordem e disciplina na construção do espaço urbano das vilas de índios
no Rio Grande do Norte (século XVIII). In: BUENO, Almir de Carvalho. Revisitando
a história do Rio Grande do Norte. Natal, RN: EDUFRN, 2009. p. 53 – 83.
MAIA, Carlos Eduardo Santos. Ensaio interpretativo da dimensão espacial das festas
populares: proposições sobre festas populares. In: ROSENDAHL, Zeny; CORRÊA,
Roberto Lobato. Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ,
1999, p. 191 – 218.
MONTEIRO, Denise Mattos. Vila de Portalegre: notas para uma história. In:
Portalegre do Brasil: história e desenvolvimento: 250 anos de fundação de
Portalegre / CAVALCANTE, Maria Bernadete; Dias, Thiago Alves (Org.). Natal, RN:
EDUFRN, 2010. p. 57 – 70.
36
PEREIRA, Camila da Silva. Política de regularização de terras quilombolas:
identidades e territorialidades negras em Portalegre – RN. 2014. 157 f. Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-
Graduação em Geografia, Natal – RN, 2014.
37
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 2
O SAL DE ONTEM E AS SALINAS DE
HOJE – ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE
SAL MARINHO NO RIO GRANDE DO
NORTE
38
O SAL DE ONTEM E AS SALINAS DE HOJE – ANÁLISE DA PRODUÇÃO
DE SAL MARINHO NO RIO GRANDE DO NORTE
1. INTRODUÇÃO
As salinas têm sido utilizadas pelo homem há milênios, onde as primeiras
referências sobre a extração de sal a partir da água do mar foram da China, durante a
dinastia do Imperador Huang, há 2.500 a.C. O procedimento usado era o mesmo
utilizado nas salinas tradicionais de algumas partes da África, América do Sul e
Oceania, consistindo em represar a água do mar em diques de argila e aguardar a
precipitação de sal, com uma predominância de NaCl e alto conteúdo de sais de cálcio,
magnésio, etc. (BAAS-BECKING, 1931).
Atualmente, entendem-se as salinas solares brasileiras como ecossistemas
artificiais de supramaré, explorados para a extração de sal marinho. Este sistema é
composto por uma série de tanques rasos (20 – 200 cm) e interconectados
(evaporadores, concentradores e cristalizadores), nos quais a água do mar/estuário é
captada e transferida de um tanque para outro por gravidade ou por bombeamento. Ao
longo desse circuito, esta água vai evaporando gradativamente, o que aumenta a
saturação de sais até se atingir uma salmoura com saturação de 240 gL-1 de sais, já no
estágio final de cristalização do cloreto de sódio (COSTA, 2013).
Todavia, as salinas brasileiras são muito pouco estudadas em nível da dinâmica
econômica e processos ecológicos, onde mesmo as características hidrogeoquímicas
das salmouras ainda não foram suficientemente caracterizadas (e.g. DE MEDEIROS
ROCHA; CÂMARA, 1993; BARBOSA et al., 2000; COSTA et al., 2010, 2013, 2014a; DE
MEDEIROS ROCHA, 2011). No Rio Grande do Norte, as salinas são elementos
intrínsecos na paisagem encontrada junto aos principais estuários do litoral
setentrional do Estado. Esses corpos d’água são constituídos de tanques evaporadores
de grande extensão, que contribuem para tornar a região um ambiente úmido.
Dentro da economia regional, as empresas salineiras são responsáveis pela
geração de empregos diretos e indiretos nos municípios onde estão instaladas,
abarcando uma demanda ainda considerável de mão-de-obra (DE MEDEIROS
ROCHA et al., 2009). Ainda com relação à importância das salinas do Rio Grande do
Norte, também é necessário considerar antes de tudo o forte apelo econômico
representado pelo setor salineiro no Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte (RN),
desenvolvendo uma atividade de fundamental utilidade pública para o País. O RN é
responsável por cerca de 95% da produção nacional, ao lado do Rio de Janeiro, do
Ceará e do Piauí, que dividem a porcentagem restante (COSTA et al., 2013).
Visando contribuir com o aprofundamento da discussão sobre a importância da
produção de sal marinho para o Estado do Rio Grande do Norte, este capítulo tem o
39
objetivo de abordar a interface meio ambiente e produção salineira no ambiente
costeiro, assim como ilustrar sua importância para a construção territorial e econômica
do Estado do Rio Grande do Norte.
O texto que segue tem início com uma breve explanação sobre a evolução
histórica da extração de sal marinho no Rio Grande do Norte, pontuando alguns dos
principais fatos que marcaram essa tragetória. Em seguida, tem-se a uma discussão
sobre a influência de macroaspectos ambientais na produção de sal marinho,
juntamente com a descrição das salinas do nordeste brasileiro. Por fim, encerra-se o
texto com uma argumentação sobre a importância ecológica das salinas, juntamente
com o enquadramento da atividade salineira como utilidade pública.
40
à exploração do sal marinho no Brasil. A primeira, que abrange o litoral nordestino
compreendido desde o Rio Grande do Norte até o Maranhão. A segunda, localizada na
região Sudeste, engloba Araruama e Cabo Frio, no Rio de Janeiro, com nítidas
desvantagens naturais em relação à primeira (ANDRADE, 1995). Inserido nesse
quadro propício, o Rio Grande do Norte possui particularidades naturais que o
dotaram para a produção do sal marinho “como num processo coordenado da natureza
em função desse tipo de indústria” (FERNANDES, 1995, p.50), onde a combinação de
diversos fatores naturais como relevo, clima, solo, ventos e elevada salinidade da água
marinha nos estuários proporciona a obtenção do processo produtivo do sal via
evaporação (PAIVA FILHO, 1987; COSTA et al., 2010).
Cascudo (1955) e Santos (2010) comentam que, “já em 1607 havia exportação
do sal para o Sul. [...] As salinas de Mossoró, litoral de Areia Branca, Açu e Macau,
começavam sua exploração a partir de 1802, marco inicial da exploração ordenada das
salinas”. “O próprio D. João VI não recebeu mais carregamento de sal de Portugal e
assinou a carta régia em 1801, que aboliu o monopólio lusitano sobre o sal brasileiro e
determinava o carregamento de sal do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro, Ilha
de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. [...] Este fato resultou no aumento da produção
e na expansão das salinas”.
Como em Portugal, o sal marinho era produzido no Brasil pelo armazenamento
de uma parte da água do mar em sucessivos compartimentos de diferentes dimensões.
“Barragem” era chamado o primeiro compartimento, com área entre 1.000 e 3.000 m2,
onde entrava diretamente a água do mar. Para o melhor aproveitamento das energias
do vento e do sol, tem-se o uso das primeiras tecnologias e métodos de produção (e.g.
cata-ventos e diques para produção de sal em zonas mais elevadas topograficamente).
Na barragem, a água começava a evaporar e daí era distribuída para os cercos, que
eram espaços menores (600-1000 m2) com uma profundidade entre 80 cm e 100 cm.
Depois dos cercos, a salmoura ainda passava pelo compartimento chamado
“chocador”, que media entre 400 e 800 m2. No último compartimento, o cristalizador,
de 50 a 400 m2, ocorria a precipitação do cloreto de sódio, que era recolhido com o uso
de instrumentos rudimentares (e.g. picaretas, chibancas, pás), castigando duramente
o trabalhador (KATINSKY, 1995; NEVES, 2005).
Nos dias atuais, pouco resta da produção salineira artesanal no RN, apenas
algumas pequenas salinas artesanais que ainda se utilizam cataventos, pás e carros-de-
mão para realizar a colheita do sal, restritas apenas a pequenos núcleos nos municípios
de Grossos, Mossoró, Areia Branca e Guamaré. Além da importância para a economia
local, estas áreas representam um patrimônio histórico, natural e arquitetônico ainda
pouco reconhecido no país. Essa importância se traduz pelo fato que nelas ainda são
replicadas as técnicas de construção e gestão típica dos primórdios dessa atividade
(COSTA et al., 2013).
De fato, a consolidação da indústria salineira potiguar só ocorreu no período
que vai de 1930 ao final dos anos 50. A partir de então, o Rio Grande do Norte
apresentou produção sempre superior a 50% da nacional, onde o município de Macau
41
tornou-se o verdadeiro coração da indústria salineira brasileira (ANDRADE, 1995;
SOUSA, 2007).
Antes da chegada dos grupos estrangeiros – ocasionando o processo de
desnacionalização das salinas do Rio Grande do Norte, ocorrido no período de 1969 a
1975 (COSTA, 1993) –, é preciso compreender o ambiente político que propiciou tal
fato (CARMO JÚNIOR, 2006). Na década de 1950, o governo de Juscelino Kubitschek
com sua política desenvolvimentista baseada na industrialização como forma de
promover o crescimento econômico e atenuar as enormes diferenças sociais nas
regiões Sudeste – que se desenvolvia avassaladoramente –, e o Nordeste – que
despontava como uma das áreas mais pobres do mundo –, criou o Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) (COSTA, 1993). O documento elaborado
por este grupo resultou na criação de um organismo para executar a política proposta
que se chamou Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
(CARMO JÚNIOR, op. cit.).
Segundo Carmo Júnior (2006), com a incorporação das pequenas empresas
iniciada em 1968, a obtenção das melhores áreas salineiras e com a introdução da
tecnologia ao processo. Em resumo, Fernandes (1995) e Santos (2010) comentam que
os primeiros anos da década de 1970 foram marcados pelo processo de modernização
do parque salineiro do Estado, caracterizando-se sobretudo pela formação de grandes
unidades produtoras, que vinham paralisando e abandonando as pequenas e médias
salinas, com graves consequências sociais. Segundo Santos (2010, p. 294), “o
desemprego era um dos grandes problemas da região. As terras salinas desativadas
constituíam uma área de milhares de hectares que, depois, descobriram a possibilidade
de sua utilização para a criação de camarão, a exemplo do que se fazia no Japão e em
outros países.”
Com relação às grandes indústrias salineiras, desde a última década do século
XX a maioria dessas salinas voltaram a ser adquiridas por empresas de capital
nacional, sendo atualmente a extração de sal marinho uma das principais atividades
econômicas de todo o litoral setentrional do Rio Grande do Norte. O parque salineiro
do Estado é responsável por 95% da produção brasileira de sal marinho, sendo
comercializado com vários Estados brasileiros e exportado principalmente para os
Estados Unidos, África e Europa (RIO GRANDE DO NORTE, 2003; SIESAL, 2010).
42
necessidade de se destacar quais os macroaspectos geográficos/ambientais
responsáveis por essa hegemonia das salinas e que permitiram a atual configuração
dos parques salineiros do Rio Grande do Norte.
Nesse trecho litorâneo, as salinas surgiram como uma das unidades mais
presentes na paisagem encontrada nas margens dos estuários (AMARO et al., 2005;
FERREIRA et al., 2005; MELO et al., 2005; COSTA et al., 2010), onde o seu
funcionamento está expressamente relacionado com a variável espacial
(KOROVESSIS; LEKAS, 2009; COSTA et al., 2010). Portanto, as salinas representam
um componente paisagístico predominate nessas regiões estuarinas, evidenciando-se
a combinação de elementos que propiciam a auto-organização da paisagem ao longo
da zona costeira.
43
3.1. Litoral Semiárido e as Zonas Salineiras
3.1.1 Geomorfologia
Alguns dos primeiros estudos sobre as planícies hipersalinas se deram com a
descoberta de faciologias evaporíticas costeiras na Costa Trucial do Golfo da Pérsia
(CURTIS et al., 1963), atual território dos Emirados Árabes Unidos. Por definição,
evaporito é todo depósito constituído por rocha sedimentar química que se formou por
precipitação na água, em função da evaporação em ambiente salino (KENDALL;
HARWOOD, 1996).
Essas planícies são zonas de supramaré essencialmente de baixo aporte de
sedimentos clásticos, com altas taxas de evaporação e formação natural de crostas de
sais (evaporitos/rochas sedimentares químicas), sendo denominadas primeiramente
pelos árabes como "sabkhas" (salt flats em inglês) (KENDALL, 1984; KENDALL;
HARWOOD, 1996). Tais ambientes estão propensos à inundações periódicas e
deposição evaporítica, dominada por carbonatos, halitas e/ou sulfatos, podendo
ocorrer em zonas interiores ou costeiras. São comuns em áreas costeiras de regiões
áridas com topografia plana, desenvolvendo-se em resposta a duas condições
ambientais: a deflação de sedimentos de superfície, acumulação de sedimentos em
uma lagoa/depressão, ou por uma combinação de ambos processos (EVANS, 1970; AL
FARRAJ, 2005).
Nestas áreas, a cota topográfica é mais elevada em relação às áreas de infra e
meso maré onde os manguezais são encontrados (Figura 02), sendo superfícies planas
suavemente inclinadas, com altitude de 0 a 2 metros em relação ao nível das águas
estuarinas, inundadas apenas em períodos de cheias anuais (descarga fluvial) e nas
marés de sizígia. Às margens dos leitos atuais e/ou no interior em forma de ilhas, sua
origem está relacionada com o assoreamento (natural) das áreas de intermarés,
atualmente sujeitas à dinâmica flúviomarinha, transbordamentos dos canais durante
as cheias e as grandes marés, sendo constituída principalmente por depósitos aluviais
de sedimentos argilo-arenosos não consolidados (SUGUIU, 1973). Apenas a vegetação
herbácea halófita (campo salino - IBGE, 1992) é identificada nestas áreas (COSTA et
al., 2010), uma vez que a vegetação de mangue não suporta o elevado teor de sais do
solo (COSTA et al., 2014b).
44
Figura 02: Perfil das diferentes zonas identificadas nas planícies de maré
Fonte: Elaborado por Costa (2013) a partir dos descritos em Suguiu (1973).
3.1.2 Solo
Desde a publicação de Curtis et al. (1963), a Costa Trucial (Emirados Árabes
Unidos), a Península de Qatar e a Baja Califórnia tornaram-se áreas clássicas para o
estudo da formação de evaporitos em planícies hipersalinas. Essas zonas assumiram
um relevante interesse econômico em virtude dessa associação de fácies sedimentares,
tais como esteiras algálicas formadas na região intermaré, nódulos e estruturas
enterolíticas de sulfato de cálcio, tanto gipsita como anidrita, além dos cubos de halita
característico da zona de supramaré, sendo todas evidências para a identificação de
um ambiente do tipo “sabkha” (SILVA et al., 2000), além de serem importantes para
o início da formação do petróleo (AL FARRAJ, 2005).
No Brasil, esses ambientes foram descritos apenas no litoral do Estado de
Sergipe e Rio de Janeiro (KJERFVE et al., 1996; SILVA et al., 2000), porém ocorrem
em grandes áreas dos Estados do Rio Grande do Norte e Ceará, conforme atestam
algumas pesquisas sobre solos hipersalinos (Gleissolo sálico – EMBRAPA,
1999/Solonchaks – FAO, 2006) nestes estados (e.g. MOREIRA et al., 1989; MENDES
et al., 2008; COSTA et al., 2014c) (Figura 02). Estas áreas assumiram especial
importância desde a colonização do Brasil, sendo ocupadas para construção de salinas
solares, principalmente em virtude das características específicas desse tipo de solo,
como alta salinidade e impermeabilidade (KENDALL; HARWOOD, 1996; COSTA et
al., 2013).
É necessário frisar que a maior parte das salinas foi historicamente construída
efetivamente nas áreas onde ocorria naturalmente o processo de formação natural do
cloreto de sódio, ou seja, através da evaporação da água das marés acumulada nas
45
suaves depressões das planícies hipersalinas (sabkha, salt flat ou deserto salino)
(Figura 03 e 04).
46
Figura 04: Planície de supramaré (1973)9, situada à leste da cidade de
Grossos-RN, ocupada ao longo do tempo por salinas (2010)10
Estes solos são de caráter alcalino (pH > 8,0), apresentando um horizonte sálico
(1:1 em água), com Cl- > SO42- > HCO3-, caracterizado por uma saturação de sódio
(100Na+/CTC) maior ou igual a 15% em alguma época do ano (condutividade elétrica
no extrato de saturação maior ou igual a 7 dS/m, a 25ºC), sendo largamente limitados
a zonas de clima árido e semiárido e regiões costeiras. Essa descrição é claramente
identificada nas zonas de supramaré das planícies de inundação flúviomarinha
encontradas no litoral semiárido brasileiro, onde as salinas foram construídas, sendo
submetidas a inundações sazonais de marés com alturas até 3,80 metros (COSTA et
al., 2014c).
3.1.3 Clima
Em termos climáticos, o litoral semiárido brasileiro abrange um território a
partir do limite leste do Ceará e todo o litoral setentrional do Estado do Rio Grande do
Norte (Figura 05). Este trecho litorâneo da Região Nordeste encontra-se sob influência
do clima tropical quente e seco ou semiárido (NIMER, 1989), apresentando uma
distribuição das precipitações irregular e concentrada entre o verão e o outono
(fevereiro a junho), com uma longa e pronunciada estação seca (~ 8 meses), cuja
pluviosidade média anual (< 1.250 mm.ano-1) é inferior à evapotranspiração potencial
da região (1.500 – l.600 mm.ano-1). Devido a esses fatores, durante a maior parte do
ano (período de estiagem – abril à dezembro) os estuários dessa zona litorânea se
47
tornam hipersalinos, atingindo valores de salinidade acima de 45 g.L-1 (COSTA et al.,
2010).
Considerando a salinidade (da água ou do sedimento) como uma das
variáveis estratégicas para a localização ideal de se construir uma salina (COSTA et al.,
2010), Silva (2004) e Silva et al. (2009) caracterizam os estuários situados no litoral
semiárido como “estuários negativos ou hipersalinos” (MARGALEFF, 1973;
MIRANDA et al., 2002). Segundo esses autores, em consequência das condições
climáticas locais, as taxas de evapotranspiração potencial nas bacias de drenagem dos
rios são maiores do que a precipitação, assim como as taxas de escoamento superficial
são praticamente desprezíveis. Somando-se com a intensa evaporação diária (5
cm/m3), ventos constantes e altas temperaturas (> 30ºC) durante a maior parte do
ano, estes estuários se tornam hipersalinos, podendo-se encontrar valores até
aproximadamente duas vezes acima da salinidade encontrada no mar (36 g.L-1) nas
zonas do alto estuário. Dessa maneira, Costa et al. (2010) afirmam que o corpo d’água
funciona como um evaporador natural das águas, beneficiando as salinas que já
captam a água com um elevado teor de saturação de sais.
Nesse sentido, Silva (op. cit.) e Silva et al. (op. cit.) identificaram a formação
de um gradiente longitudinal da salinidade a partir da foz e ao longo dos estuários
localizados no litoral semiárido brasileiro, com o aumento progressivo desse fator,
encontrando-se valores entre 50 e 90 g.L-1 na porção do alto estuário. Essa condição é
alterada sazonalmente com o aumento da descarga fluvial, “re-estabelecendo a zona
de mistura do estuário clássico” (MIRANDA et al., op. cit.). Ainda segundo estes
autores, tais condições de hipersalinidade caracterizam os ambientes de elevada
evapotranspiração, podendo estar associado aos valores extremos de amplitude de
48
maré (3 metros) e/ou período de estiagem prolongada, ambos evidenciados nesse
trecho litorâneo.
Figura 06: Salina artesanal com a colheita manual do sal no estuário do Rio
Apodi-Mossoró, município de Grossos-RN
Estas salinas produzem um sal considerado de segunda qualidade por parte das
indústrias químicas, especialmente por seu conteúdo de impurezas orgânicas e
inorgânicas, e por originar cristais miúdos e quebradiços. Durante seu manejo, as
salmouras de distintos tanques e salinidades são misturadas constantemente, e por
isto estas salinas não possuem um gradiente definido de salinidade entre cada
evaporador. É prática usual recircular uma salmoura do final do circuito (salinidade
de 250 g.L-1) e introduzi-la nos primeiros evaporadores para incrementar a salinidade
de toda a salina, aumentando a temperatura da água e provocando a precipitação do
cloreto de sódio mais rapidamente.
49
Por sua vez, as salinas mecanizadas produzem mais de 150.000 toneladas
de sal por ano, ocupando áreas de produção acima de 500 hectares. O tempo de
retenção das salmouras é mais longo e a água marinha captada pela salina chega como
salmoura concentrada na zona de cristalização aproximadamente três meses mais
tarde (Figura 07).
50
(1973), de acordo com a solubilidade dos vários elementos e moléculas. Assim, a
precipitação de sais inclui os compostos menos solúveis na base, até o mais solúvel na parte
superior da sequência. Verifica-se a relação direta entre a elevação da saturação de sais na
salmoura, onde os diferentes sais formados apresentam limites diferentes de dissolução no
ambiente, vindo a precipitar-se quando atingem saturações máximas (OREN, 2002).
11°Bé (grau baumé) – Trata-se de uma medida de salinidade calibrada em uma escala de um densitômetro, onde
1°Bé equivale aproximadamente a 10gL-1 (DE MEDEIROS ROCHA, 2011).
51
Salienta-se que este processo é ininterrupto ao longo de todo o ano, onde as
transferências de salmora dar-se de maneira gradativa, preferencialmente por
gravidade (exceto nos locais onde a topografia não permite, sendo então utilizadas
bombas elétricas). No geral, o tempo de retenção das salmouras é longo e a água
marinha captada chega como salmoura concentrada na zona de cristalização,
aproximadamente três meses mais tarde.
52
(MgSO47H2O), a biscofita (MgCl2.6H2O), a carnalita (KCl.MgCl2.6H20) e a polialita
(K2SO4.MgSO.2CaSO4.2H2O), associam-se à halita em alguns depósitos com
saturações de sais superiores a 280 g.L-1, constituindo-se em importantes fontes de
potássio e magnésio. Também é considerada a presença de outros compostos, de
acordo com variações físicas e químicas da solução salina durante as várias fases de
evaporação (BASEGGIO, 1973; KENDALL; HARWOOD, 1996).
53
Todavia, após a maior parte do NaCl precipitar-se para o substrato das salinas
(entre 240 e 270 g.L-1), ainda permanecem salmouras concentradas (“água-mãe” ou
"bitterns" em inglês), contendo principalmente concentrações elevadas de magnésio
(Mg2+), potássio (K+), cloreto (Cl-) e sulfato (SO42-). Estas salmouras são geralmente
descartadas no mar ou para processamento adicional, para a colheita de potássio ou
outros sais (DAVIS, 2000; OREN, 2002).
Em resumo, quando todo o carbonato de cálcio, sulfato de cálcio, e 83% da halita
é cristalizada a partir d’água do mar por evaporação solar e manejo da salmoura, a
“água-mãe” é com poucas exceções colocada de volta para o mar. Em alguns casos,
como na Espanha, são utilizadas para a produção de alguns sais, como a epsomita,
biscofita e bromo, mas não para a produção de sais de potássio. Porém, no
prosseguimento da evaporação, uma mistura complexa de halita, silvita, além de sais
duplos de potássio, sódio e magnésio começam a cristalizar, onde a recuperação de
produtos comercializáveis torna-se difícil e ineficiente. No entanto, na ausência ou
quase ausência de sulfato, a “água-mãe” pode ser facilmente processada para recuperar
a alta pureza da silvita, epsomita, biscofita e hexa-hidrato de cloreto de magnésio com
excelente eficiência por uma combinação de evaporação solar e cristalização fracionada
(FERNÂNDEZ-LOZANO, 1973).
Com a precipitação do cloreto de sódio têm-se o início da fase de “colheita do
sal”, a qual se dá com o auxílio de máquinas colheitadeiras e tratores-caçambas ou
caminhões-caçamba. A máquina colheitadeira colhe a laje de sal 12 precipitada (± 15
cm) e em seguida depositam nos tratores-caçambas, que transportam o sal para o
lavador (fase de lavagem do sal13); logo após, o sal é estocado no aterro, em forma de
pilhas, que atingem em média 15m de altura e 400 - 1.200m de comprimento. Por
último, o sal é retirado do aterro e transportado para as diversas unidades de
beneficiamento locais, para serem destinados aos diversos mercados de consumo,
tanto moído como refinado (Figura 12).
Analisando-se a produção salineira do Estado do Rio grande do Norte, verifica-
se a formação de 04 pólos produtivos, onde o nome aqui atraído a cada pólo representa
o município mais produtivo: 1) Pólo Mossoró, 2) Pólo Porto do Mangue, 3) Pólo Macau
e 4) Pólo Galinhos-Guamaré (Figura 13 e Tabela 01). Considerando-se o volume total
produzido pelo estado em 2013 (6.413.478,00 toneladas), verificou-se que o Pólo
Mossoró foi o maior produtor deste ano (43,9%), englobando os municípios de Areia
Branca, Grossos e Mossoró (maior produtor do Pólo - 27,7%), representando um total
de 27 salinas.
54
Figura 12: processo de empilhamento em uma salina mecanizada do RN.
Tabela 01: Produção de sal marinho no Estado do Rio Grande do Norte em 2013.
PÓLOS PRODUTIVOS
1. Mossoró 2. Porto do Mangue 3. Macau 4. Galinhos-Guamaré
6.413.478
Fonte: Sindicato da Indústria da Extração do Sal no Estado no Rio Grande do Norte (SIESAL).
55
de município como maior produtor nacional (39,7%), com um total de 13 salinas. Por
sua vez, o Pólo Porto do Mangue é o 3º maior produtor estadual (9,3%), embora
possua apenas 03 salinas no município homônimo, seguido do Pólo Galinhos-
Guamaré, 4º maior produtor (6,1%). Este último pólo engloba os municípios de
Galinhos e Guamaré. Um fato a ser ressaltado é que embora o município de Galinhos
possua apenas 01 salina, esta é responsável pela maior produtividade do pólo, onde
mesmo com 10 salinas, o Guamaré apresenta menos de 1% da produção estadual
(Figuras 13 e 14, Tabela 01).
56
Figura 14: Produção de sal marinho no Estado do Rio Grande do Norte (A –
Produção por Pólo: 1) Mossoró - 43,9%, 2) Porto do Mangue - 9,3%, 3) Macau -
39,7% e 4) Galinho-Guamaré - 7,1%; B – Produção por município (ton): 1 – Grossos /
445.782, 2 – Mossoró / 1.777.268, 3 – Areia Branca/590.145, 4 – Porto do
Mangue/599.000, 5 – Macau/2.547.000, 6 – Guamaré/60.000 e 7 –
Galinhos/394.283).
57
Úmidas (IUCN, 1971), enquadram-se nesta classificação as "áreas de pântano, charco,
turfa ou águas superfícies, sejam eles naturais ou artificiais, permanente ou
temporária, parada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água
marinha em que a profundidade na maré baixa não exceda seis metros" (MATTHEWS,
2013)
Enquanto áreas úmidas, as salinas representam um rico ecossistemas de apoio
à vida, cumprindo funções ecológicas fundamentais. Contribuem também para a
estabilidade climática, por meio de seu papel nos ciclos globais de água e carbono
(fixação do CO2 pelas microalgas), constituindo-se em um recurso de grande
importância econômica, científica e cultural (COSTA et al., 2014a).
O uso racional destas áreas úmidas é definido como "a manutenção de seu
caráter ecológico, através da implementação de abordagens do ecossistema, no
contexto do desenvolvimento sustentável". "Utilização razoável", portanto, tem no seu
cerne a conservação e o uso sustentável das áreas úmidas e seus recursos, para o
benefício da humanidade (KOROVESSIS; LEKAS, 2009).
Em todo o mundo, as aves aquáticas usam as salinas como locais para descanso,
alimentação e reprodução (MASERO, 2003; LÓPEZ et al., 2010). Esta guilda de
espécies é frequentemente considerada com relação à avaliação do valor natural dessas
zonas úmidas para a conservação de áreas protegidas. Nesse sentido, as salinas são
consideradas habitats de alta qualidade de alimentação para muitas espécies,
meramente com base no número elevado de alimentação de aves que suportam, mas é
possível que as aves podem também ser encontradas em altas densidades em habitats
de baixa qualidade. Há confirmação empírica de que salinas são realmente habitats de
alimentação para várias espécies migratórias que dependem de habitats intertidais
(MASERO, 2003).
Portanto, a perda de salinas ainda poderia causar um movimento e até mesmo
um aumento na mortalidade das aves. Do ponto de vista funcional, o fator chave para
a salina é o gradiente de salinidade. O processo de produção de sal determina a
repartição ecológica dentro do sistema. Essa segregação ecológica é muito importante
para a conservação destes ambientes, pois a heterogeneidade espacial pode fornecer às
espécies uma grande diversidade de tipos de habitats, representando nós de
conectividade ecológica para as aves aquáticas migratórias (LÓPEZ et al., 2010).
As salinas solares, enquanto ecossistemas representativos como áreas úmidas,
cujo Brasil é um dos países signatários apresentam elevada fragilidade frente aos
processos naturais e às intervenções humanas na zona costeira (DAVIS, 2000). Essa
fragilidade é mais elevada, sobretudo nas salinas localizadas na porção nordeste do
Brasil, onde as condições climáticas adversas e um processo acelerado de ocupação da
zona costeira, que inclui a expansão urbana, dentre outras atividades, resultam em
pressões ambientais permanentes sobre esses ecossistemas.
Analisando em termos de cadeia alimentar, Davis (2000) comenta que a biota
dos tanques iniciais das salinas é semelhante à encontrada nas águas do estuário e que
fluem através do manguezal (Figura 02). Essa biota é composta por crustáceos,
gastrópodes, peixes, moluscos, plâncton, etc., a qual vai tendo sua diversidade
58
reduzida ao longo do circuito da salina, principalmente pelo aumento gradativo da
salinidade, mas também por se constituir em alimento por predadores, como peixes
maiores e aves (muitas delas migratórias).
Ao passo que a diversidade de indivíduos vai diminuindo (SANTOS, 2014), os
indivíduos halotolerantes aumentam sua população com vistas na ocupação do novo
espaço, com ênfase ao microcrustáceo Artemia spp. (Crustacea, Branquiopoda), o qual
atua na filtragem de impurezas do corpo d’água, garantindo a qualidade ideal da água
para a produção de sal (DAVIS, 2000). Nesse sentido, a manutenção efetiva desse
microcrustáceo na salina depende em grande parte da cadeia de detritos orgânicos que
vai se acumulando ao longo do circuito da salina, detritos estes oriundos direta e
indiretamente do manguezal. Somente a partir dessa contínua filtragem exercida pela
Artemia, a água dos tanques das salinas atinge sua composição orgânica ideal para a
formação dos cristais de cloreto de sódio. Analisando por esse viés, tem-se uma estreita
relação entre a qualidade do sal produzido e o ecossistema de manguezal no seu
entorno, aplicando-se nesse caso um valor inestimável para a produção desse produto
relevante na balança comercial do Estado do Rio Grande do Norte.
14 Empregou-se a escrita “situadas geograficamente em APP” para se explicitar que o empreendimento foi
construído dentro dos limites métricos das APPs delimitados pelo Código Florestal de 1965 (pós construção), mas
que sem as salinas, essa APP corresponderia a um ambiente não de manguezal mas sim de uma planície hipersalina,
típicos das margens dos estuários do litoral setentrional do Rio Grande do Norte.
59
Esta afirmativa enquadra claramente a produção de sal marinho como de
utilidade pública (inclusive com abrangência nacional), sendo por isso possível a sua
permanência e/ou ocupação de APPs para o desenvolvimento da atividade salineira,
mediante autorização do órgão ambiental competente. Todavia, ressalta-se que esta
prática apenas poderá ocorrer de maneira constitucional e válida, atendendo a todas
as determinações dos órgãos ambientais competentes, inclusive através de medidas
mitigadoras e compensatórias de eventuais impactos ambientais.
8. CONCLUSÕES
De acordo com o apresentado ao longo do texto, fica explícito que o
estabelecimento das salinas no litoral semiárido brasileiro se deu por vários fatores
condicionantes, como o aproveitamento das várzeas salinas dos rios, clima e tipo de
solo. Portanto, conclui-se que as condições ambientais influenciam diretamente no
processo produtivo da atividade salineira e constituem o componente do sistema
ambiental físico, o qual proporciona as condições necessárias para o desenvolvimento
dessas indústrias no litoral setentrional do Rio Grande do Norte.
Todavia, devem ser planejadas novas estratégias sobre as práticas de gestão e
manejo das áreas atualmente ocupadas pelas salinas, uma vez que estas são o único
sistema biológico capaz de ser instalado nessas planícies sem a necessidade de
intervenção geotécnica e correção química do solo. Assim, em termos econômicos e de
reduzido impacto ambiental, as salinas podem ser consideradas uma alternativa para
a ocupação dessas planícies com elevada concentração de sais na superfície do solo
(e.g. CaCO4, NaCl, MgCl2, NaBr).
Ainda vale ressaltar que a indústria salineira do Rio Grande do Norte vem
passando por um processo gradativo de modernização, que exige um produto cada vez
mais competitivo no mercado nacional e internacional. Esse processo de modernização
é principalmente voltado para a obtenção de um maior grau de pureza e qualidade do
sal marinho produzido, aliada com a preocupação em se obter um produto que seja
fruto de um manejo biológico adequado e em respeito às normas ambientais vigentes
no país.
Por fim, há uma necessidade urgente de estabelecer uma estratégia que
promova a inclusão das salinas solares brasileiras como unidades de conservação, em
cujos limites só podem ser desenvolvidas atividades que não prejudicam a estabilidade
ecológica desses ecossistemas importantes e únicos.
9. REFERÊNCIAS
AL-FARRAJ, A. An evolutionary model for sabkha development on the north coast of
the UAE. Journal of Arid Environments, v. 63, p. 740-755, 2005.
60
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SOUZA, A. S. Uso de imagens IKONOS de alta resolução como base para o
mapeamento temático em escala 1:10.000 do Sistema Estuarino Apodi-Mossoró e seus
entornos no Litoral Setentrional do Rio Grande do Norte. In: Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto, 12., 2005, Goiânia, Brasil. Anais... Goiânia: INPE, 2005. p.
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Proceedings of the Fourth Symposium on Salt. Houston. Coogan: Open
Library, 1973. p. 351-358.
61
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por salinas tropicais. 2013. f. Tese - Universidade de Aveiro, Aveiro - Portugal.
2013. 220 pg.
DAVIS, J. Structure, function, and management of the biological system for seasonal
solar saltworks. Global NEST Journal, n. 2, v. 3, p. 217-226, 2000.
62
EVANS, G. Coastal and nearshore sedimentation: a comparison of clastic and
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KENDALL, A. C. Evaporites. In: WALKER, R.G. (Ed.). Facies Models. 2 ed. Geoscience
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63
MATTHEWS, G. V. T. The Ramsar Convention on Wetlands: its history and
development. Re-issued Ramsar Convention Secretariat, 2013. 87 p.
MELO, B. S.; SILVA, D. R. V.; SOUZA, A. S.; LIMA, F. B.; FERREIRA, A. T. S.; SOUTO,
M. V. S.; ARAÚJO, A. B.; SOUZA, F. E. S.; AMARO, V. E. Mapeamento do uso e
ocupação do solo e unidades geoambientais, na escala de 1:10.000, da região de
Guamaré-Galinhos/RN, com base na interpretação de produtos de sensoriamento
remoto com alta resolução do sistema IKONOS. In: Simpósio Brasileiro de
Sensoriamento Remoto, 12., 2005, Goiânia. Anais... Goiânia: INPE, 2005. p. 2267-
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OREN, A. Saltern evaporation ponds as model systems for the study of primary
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56, p. 193–204, 2009.
64
SANTOS, M. J. L. F.; LEITE, R. A. O conceiton (sic) de utilidade pública aplicado ao
setor salineiro e a controvérsia envolvendo a autorização para supressão de Áreas de
Preservação Permanente – manguezais. Revista Direito Ambiental e Sociedade,
n. 1, v. 1, p. 389-408, 2011.
65
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 3
CULTURAS DE ORDENAMENTO
TERRITORIAL DO MUNICIPIO DE PAU
DOS FERROS-RN
66
CULTURAS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL DO MUNICIPIO DE
PAU DOS FERROS-RN
1. INTRODUÇÃO
O presente capítulo visa discutir o ordenamento territorial (OT) desenvolvido
no município de Pau dos Ferros-RN, considerando as particularidades locais nos
processos de ordenação. Para tanto, fizeram-se necessárias as hodiernas concepções
teórico-metodológicas de OT, que visam compreender as culturas de territórios, ou
seja, os elementos socioculturais, políticos e econômicos locais, como fatores
intervenientes no processo de efetiva ordenação. O recorte espacial de estudo é o
município de Pau dos Ferros, que tem como sede uma pequena cidade15 que se destaca
na região do Alto Oeste Potiguar, estado do Rio Grande do Norte, por polarizar diversas
outras cidades da região e de estados adjacentes, devido sua intensa oferta de bens e
de serviços, fato esse que vem permitindo, inclusive, que recentes pesquisas afirmem
Pau dos Ferros enquanto uma cidade média, devido seu poder centralizador regional,
como a de Dantas (2014).
O percurso metodológico perpassa pela construção teórica de autores como
Knieling; Othengrafen (2009), Ferrão (2011), Albrechts (2006), Gullestrup (2009),
Allmendinger; Haughton (2008) dentre outros, que visam discutir como as “culturas
de territórios” ou as “culturas locais de territórios” são fundamentais para que existam
diferentes culturas de ordenamento territorial.
Buscou-se, ainda, dados secundários em órgãos como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, especificamente na publicação Perfil dos Municípios
Brasileiros (IBGE, 2012), que visa informar a estrutura da administração pública do
município de Pau dos Ferros-RN, bem como a coleta de dados primários a partir de
entrevistas realizadas com gestores públicos locais, objetivando a aquisição de dados e
informações a respeito da atuação da gestão municipal no território, permitindo
vislumbrar como as condutas políticas locais e demais elementos, ou seja, a cultura
local de território, influenciaram diretamente no ordenamento territorial do município
em questão.
O recorte temporal foi construído no decorrer da pesquisa, limitando-nos até a
década de 1930 aos dias atuais, período esse em que informações de ações públicas de
cunho territorial puderam ser verificadas e constatadas as suas devidas importâncias
para a contribuição da formatação territorial do município de Pau dos Ferros-RN tal
como é hoje.
O capítulo divide-se em três partes. Na primeira parte são abordadas as bases
teórico-conceituais do ordenamento territorial e das culturas de OT como mecanismo
de compreender e identificar os elementos definidores para diferenciadas formas de
15Pequena cidade de acordo com os parâmetros populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE (2010).
67
planejamento e de ordenamento territorial. A segunda etapa busca entender as ações
e políticas empreendidas pela elite política local que permitiram com que Pau dos
Ferros-RN se destacasse perante um contexto territorial e socioeconômico homogêneo
de pequenas cidades do Semiárido nordestino, ou seja, visando identificar políticas de
cunho territorial empreendidas que contribuíram significativamente para o destaque
urbano-regional do referido município no Alto Oeste potiguar. E, por fim, na terceira
parte preocupa-se em compreender em que medida o planejamento das ações de
ordenamento territorial municipal foram e são fomentadas pela gestão pública, por
meio de planos e projetos locais, assim como analisar a maturidade institucional
municipal, através de um estudo sobre a estruturação da administração pública.
68
em transição. Saiu de uma compreensão positivista e passou pelo paradigma
estruturalista até chegar ao pós-estruturalismo ou pós-moderno, tal como o
conhecemos hoje (FERRÃO, 2011; ALBRECHTS, 2006; STEAD; NADIN, 2009).
Temática em franca expansão de estudos, o ordenamento territorial vem se
fixando como importante ramo acadêmico, fazendo-se necessária à formação de
profissionais de áreas voltadas para o planejamento do território, tais como geógrafos,
arquitetos, engenheiros, agrimensores e planejadores de um modo geral. Vários são os
autores, em nível nacional e internacional, que deram e ainda dão importantes
contribuições no que tange ao ordenamento territorial. Não obstante, um documento
importante que traça diretrizes gerais para o entendimento do ordenamento territorial
é a Carta Européia de Ordenação do Território – CEOT, de 1983 (CEMAT, 2011), que
caracteriza o OT com três grandes facetas, que necessitam ser compreendidas de modo
articulado. Simultaneamente, o ordenamento territorial é: a) um ramo acadêmico-
científico; b) uma política pública e c) uma ferramenta do planejamento.
Detendo-se nas características de cada faceta, o ordenamento territorial
enquanto ramo acadêmico e de conhecimento, é identificado por Becker (2005) pela
sua natureza prospectiva e interdisciplinar, visando à transformação do espaço, de
modo a qualificá-lo. Embora academicamente a discussão do OT seja algo
contemporâneo, vale destacar que a essência teórico-conceitual do OT não é algo novo,
pois o ato de “pensar” o território, com racionalidade e estratégia a partir de ações do
Estado, remonta da necessidade de reorganização fronteiriça e interna dos Estados
nacionais, principalmente nos momentos pós-grandes guerras. Baseado nos estudos
de Mastop (1998), Albrechts (2006) afirma que, na Europa ocidental, as primeiras
ações de ordenamento do território datam por volta de 1920-1930, pois os governos
europeus passaram a associar, intimamente, a necessidade de ordenamento territorial
com a ideia de Estado-Nação. Esse fato não foi comum apenas aos países europeus,
mas também em outros continentes, como a Austrália – objeto de análise de Albrechts
(2006), que também reflete um país influenciado pelo inicial processo de
“europeização” do planejamento do espaço. (ALBRECHTS, 2006, p. 1151; FERRÃO,
2011).
Porém, a linha divisória entre o OT em sua perspectiva acadêmico-conceitual,
para o OT enquanto política pública ou ferramenta do planejamento, está na forma de
como o Estado efetiva o “pensar” do território. Segundo Moraes (2000; 2005), o
Estado é o principal agente na produção do espaço e age por meio de ações públicas.
Por exemplo, ao dotar o território de infraestruturas, põe em prática ações públicas que
ordenam o território, formuladas a partir da outra faceta do ordenamento, que é seu
caráter de “ferramenta” do planejamento. Nessa perspectiva, para a compreensão
conceitual do ordenamento territorial, faz-se necessário compreender a que se objetiva
o contexto de análise.
Com essa introdução, pretende-se iniciar a definição conceitual de OT a partir
do pensamento da venezuelana Rosa Estaba (1999), que afirma o ordenamento
territorial como
69
a sistematização do desenvolvimento no espaço [...] em direção à
modernidade e amarrada à descentralização [...] refere-se às ações
cordenadas e dirigidas pelo Estado para encontrar uma organização do
uso da terra com base na redistribuição de oportunidades para
expansão e identificação de necessidades, potencialidades, limitações
e vantagens comparativas e competitivas. Sua realização é promover
um sistemade cidades "harmônica" e, eficientemente, integrado na
globalização, tanto meta desafiadora, porque significa salvaguardar as
desvantagens de integração da globalização e aproveitar as forças da
fragmentação e a diferenciação espacial com a finalidade de
fortalecimento dos centros com capacidade de competir com a [...]
força dominante, [...] também implica na superação de contradições
como exploração econômica e conservação da natureza, a eficiência
econômica e a qualidade do ordenamento” (ESTABA, 1999, p. 6).
(tradução nossa)16.
16 “la sistematización del desarrollo en el espacio geográfico [..] estrategia hacia la modernidad y atada a la de la
descentralización [...] refiere a aquellas acciones del Estado concertadas y dirigidas a buscar una organización del
uso de la tierra, con base en la redistribución de oportunidades de expansión y la detección de necesidades,
potencialidades, limitaciones y ventajas comparativas y competitivas. Su consecución supone propiciar un sistema
de ciudades "armónico" y eficientemente integrado a la globalización, comprometedora meta porque significa salvar
las desventajas de las fuerzas de integración de la globalización y aprovechar las fuerzas de la fragmentación o
diferenciación espacial a los fines de fortalecer centros con capacidad para competir con los dominantes; [...]
También implica la superación de contradicciones como explotación económica y preservación de la naturaleza,
eficacia económica y calidad de la ordenación (ESTABA, 1999, p. 6).
70
instalações militares, etc.). Trata-se de uma escala de planejamento
que aborda o território nacional em sua integridade, atentando para a
densidade da ocupação, as redes instaladas e os sistemas de engenharia
existentes (de transporte, comunicações, energia, etc.). Interessam a
ele as grandes aglomerações populacionais (com suas demandas e
impactos) e os fundos territoriais (com suas potencialidades e
vulnerabilidades), numa visão de contiguidade que se sobrepõe a
qualquer manifestação pontual no território.
71
Nesse entendimento da existência de culturas de territórios, baseada em autores
como Steinhauer (2011) e Knieling; Othengrafen (2009), Alves afirma que
17planning culture might be understood as the way in which a society possesses institutionalized or shared
planning practices. It refers to the interpretation of planning tasks, the way of recognizing and addressing
problems, the handling and use of certain rules, procedures and instruments, or ways and methods of public
participation. It emerges as the result of the accumulated attitudes, values, rules, standards and beliefs shared by
the group of people involved. This includes informal aspects (traditions, habits and customs) as well as formal
aspects (constitutional and legal framework).
72
estudos das culturas de OT apresentando modelo teórico-metodológico para análises
comparativas sobre culturas de ordenamento territorial.
Segundo os autores, faz-se necessária a caracterização de três ambientes,
diretamente relacionados às práticas de ordenamento do território, que são: a) o
ambiente social, b) o ambiente de planejamento e c) os artefatos de
planejamento. O ambiente social objetiva descrever os pressupostos inerentes aos
valores sociais, econômicos e políticos do território, que correspondem a “tradição do
local”, observando a multiplicidade de práticas políticas, sociais e quadros culturais
que moldam o ordenamento do território; o ambiente de planejamento refere-se às
diferentes estruturas espaciais e estruturas de ordenamento do território, ou seja, a
maturação organizacional e institucional do sistema administrativo e de gestão dos
estados, municípios e nação. Pode ser avaliada a partir da implementação e efetivação
das políticas públicas, bem como a coerência de suas práticas às leis e normas, visando
uma integração que reflita na coesão territorial; e, por último, os artefatos de
planejamento dizem respeito aos instrumentos físicos de planejamento, como planos
e produtos técnicos de ordenação do território, e como estes últimos foram
influenciados pelos demais ambientes, que são o social e o de planejamento.
(KNIELING; OTHENGRAFEN, 2009b).
Partindo do modelo apresentado pelos autores, constata-se que as culturas de
ordenamento não são estáticas, estando expostas a alterações, principalmente no que
se refere às mudanças no sistema político-administrativo e nas práticas políticas que
vão se modificando ao longo do tempo.
Com o objetivo de contribuir ao entendimento da cultura de ordenamento
territorial, põe-se em questão o município de Pau dos Ferros que, mesmo inserido em
um contexto territorial homogêneo no que tange a realidade de pequenas cidades com
baixos indicadores socioeconômicos e cravada em região Semiárida do Nordeste (NE)
brasileiro, vem conseguindo obter destaque no seu crescimento territorial urbano.
Como caminho metodológico dos estudos das culturas de OT, o entendimento de
alguns elementos do ambiente social, do ambiente de planejamento e dos artefatos de
planejamento, assim como apontam Knieling; Othengrafen (2009b), fazem-se
necessários para trilharmos o trabalho empírico.
73
destaca por sua capacidade de polarizar um contexto urbano-regional com
características socioeconômicas historicamente precárias, devido posicionamentos
políticos locais e estadual que relegaram a região do Alto Oeste Potiguar à margem das
políticas de desenvolvimento socioeconômicos advindas da escala federal.
Figura 01: Município de Pau dos Ferros no contexto da região do Alto Oeste
potiguar, estado do Rio Grande do Norte
74
dadas referiram-se à construção da sede da prefeitura e do pavilhão municipal,
iniciando os primeiros projetos urbanos voltados a sede urbana e governamental do
município, não obtendo a década de 1940 relevância em ações de ordenação.
Porém, já no governo de José Fernandes de Melo (1953-1958), algumas ações
mereceram destaque, como a vinda do Banco do Nordeste (1955), banco criado com o
objetivo de fornecer linhas de financiamento específicas à realidade do NE e semiárida
para atender pequenos produtores rurais, tendo em vista que o município era
abastecido pelo setor primário da economia. Denota-se ainda, a fundação do Hospital
Centenário Dr. Nelson Maia (1956) e a edificação do Obelisco (1956), monumento
histórico-cultural local, como forma de manter na memória as origens de formação e
criação do município. A vinda do Banco do Nordeste inicia o processo de polaridade
regional de Pau dos Ferros, ao passo que começa a girar em torno de sua sede
municipal um fluxo específico de capital, que visava subsidiar essa região do Alto
Oeste, mormente agrícola e ruralizada, tendo no primeiro setor da economia sua
principal fonte de subsistência.
A gestão de Pedro Diógenes Fernandes (1963-1969) é marcada pela construção
da barragem (1967), por meio da Inspetoria Nacional de Obras Contra Secas (INOCS),
atual Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Essa obra constitui-
se como uma das primeiras politicas de açudagem desde o desmembramento
municipal, sendo até hoje principal fonte de abastecimento hídrico local. Representou,
ainda, uma das principais marcas da política hídrica em vigor até os dias atuais, que
privilegiaram a construção de fontes de água em propriedades particulares de terra à
construção de sistemas de adutoras, fazendo com que houvesse maior controle político
local das populações muito dependentes de condutas e ações patriarcais por parte da
política local.
É importante destacar ainda que nesse período não havia uma diretoria DNOCS
implantada. Sua concretização só veio nos anos 1970 com o governo de José Edmilson
Holanda (1970-1973), quando viabilizou a participação do município em programas
federais como o Programa de Recursos Hídricos do Nordeste (PROHIDRO), que tinha
como objetivo abastecer as atividades agrícolas com o fornecimento de água para
irrigação.
Tornou-se, pois, a década de 1970 bastante significativa para o desenvolvimento
do território pau-ferrense, merecendo destaque a segunda gestão de José Fernandes
de Melo (1973-1976) com a implementação da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte, a partir de seu Campus Avançado denominado Prof.ª Maria Elisa de
Albuquerque Maia (1976), atual Campus Avançado de Pau dos Ferros (CAPF), em
referência a matriarca da família política dominante local, demonstrando o papel das
elites políticas, enquanto historicamente detentoras fundiárias e pertencentes do
quadro dirigente local, em personificar o território local à imagens e personalidades
políticas. O campus recebeu esse nome em virtude de a família Maia ter doado o
terreno para construção da citada universidade, sugerindo com isso a efetivação de
Maria Elisa de Albuquerque Maia como a sua primeira diretora.
75
O centro universitário representado pela UERN em Pau dos Ferros passou a
fortalecer a educação local e regional, o que permitiu com que o município passasse a
atender não apenas aos seus munícipes, mas os advindos de toda a região. Tal condição
foi corroborada pela questão locacional de Pau dos Ferros, situada no centro regional,
iniciando nessa década os prelúdios para uma centralidade fortalecida pelos
equipamentos públicos e privados de educação superior, denotando um específico
ordenamento territorial pautado no fortalecimento desse serviço, visando os que
vinham de fora para se estabelecer no município.
Até meados da década de 1970, Pau dos Ferros já disponibilizava serviços
básicos elementares, como água, luz, telefone, saúde e agencias bancarias (Banco do
Nordeste e Banco do Brasil, instalado no município em 1970), a fim de atender às
necessidades diárias da sua população (local e pendular). E todas as ações foram
importantes para o delineamento espacial da sede municipal, que iniciara seu processo
de expansão, assim como sua centralidade urbano-regional.
Em sua terceira administração, o governo de José Fernandes de Melo ganhou
evidência na década de 1980 quando inaugurou o terminal rodoviário (1986), que se
tornou de relevância para o contexto municipal, visto proporcionar uma nova forma de
integração territorial por via de transportes intermunicipais, estaduais e
interestaduais, com ênfase para os transportes rodoviários, responsáveis pela
interligação de Pau dos Ferros com os principais centros urbanos do estado e do país,
como Mossoró, Natal, Fortaleza e São Paulo.
Embora tenha sido outro importante elemento agregador para a efetivação de
Pau dos Ferros na polarização regional, o transporte formal no município não explica
por si só o intenso tráfego de movimento pendular feito em ampla escala por
transportes alternativos/informais, que trafegam pelo município, efetivando a relação
socioeconômica intermunicipal. Apesar de um importante equipamento para a
infraestrutura urbana de qualquer município, até os dias atuais a condição da
rodoviária municipal encontra-se a mesma que há trinta anos, quando fora
inaugurada, não acompanhando o processo de crescimento populacional tanto
municipal, quanto regional, e contribuindo com a realidade factual de que até hoje não
se tenha efetivado uma política de mobilidade espacial, enquanto uma das mais
importantes e estratégicas no processo de ordenação territorial, tendo em vista que a
busca da integração do território para com os demais é condição sine qua non nos
preceitos da organização espacial pelo ordenamento, como proporcionar a
competitividade dos espaços, a descentralização, sobrepondo-se a qualquer
manifestação pontual no território, como visto no referencial teórico.
Tal fato permitiu com que houvesse uma gama significativa de transportes
realizados de modo sobremaneira precários, que se valem inclusive de carros “pau-de-
arara”, para proporcionar o direito das populações irem e virem, tornando-se mais que
necessária a efetivação de uma política de integração.
Na década de 1990, Pau dos Ferros é marcada pela criação da Feira
Intermunicipal de Educação, Cultura, Turismo e Negócios do Alto Oeste Potiguar
(FINECAP), no governo do prefeito Aliatá Chaves de Queiroz (1993-1996). A feira é
76
criada para comemorar os 139 anos de emancipação política do município em 1995
que, na verdade, foi uma estratégia de manter a convergência populacional regional
em Pau dos Ferros, promovendo aumento e movimentação na economia local,
concomitantemente com a divulgação da cultura e da educação regional, por meio de
exposições realizadas durante a feira. Inicia-se uma das modalidades de pensar o
turismo no município, a partir do que hoje compreende-se como turismo de eventos,
responsável por um fluxo considerável de pessoas em Pau dos Ferros, que chega a
triplicar sua população nos dias da feira.
Ao longo dos anos, a FINECAP ganhou espaço no calendário de eventos local
até se consolidar como o evento mais importante para o município, tendo em vista que
a proporção de participação da população local, intermunicipal, estadual e
interestadual alargou gradativamente a cada ano. Significou, também, uma forma
justificada na promoção do turismo e da cultura local em dar continuidade às práticas
políticas locais que visualizavam as grandes festas como mecanismos históricos de
manutenção no poder, tendo em vista a aceitação da população aos grandes eventos.
Tais momentos tinham e continuam tendo a capacidade de promover a imagem
política municipal no âmbito regional e trazer os de fora, ou seja, populações de outros
municípios, como uma das poucas formas de intercâmbio populacional.
Assim, é possível destacar a FINECAP como elemento relevante para o
ordenamento territorial pau-ferrense, visto ter mobilizado infraestruturas urbanas
para atender demandas necessárias à sua concretização, criando espaços de lazer e de
serviços no urbano municipal como formas de subsidiar o grande evento. Em
compensação, ações infraestruturais básicas, como saneamento ambiental municipal,
plano regional de transportes (que privilegie as massas populacionais) e demais planos
e políticas para ações estruturantes ainda esperam entrar na pauta de execução,
perpetuando antigas condutas políticas de festejos populares que se tornam espaços de
projeção de personalidades e grupos políticos.
O fim da década de 1990 e o início dos anos 2000 podem ser divididos em dois
períodos no que se refere ao ordenamento do território do município de Pau dos
Ferros. O primeiro corresponde à gestão do prefeito Francisco Nilton Pascoal de
Figueiredo (1997-2004) e o segundo momento se refere ao governo do prefeito
Leonardo Nunes Rego (2005-2012/2017-2020), marcado por uma postura
empreendedora da máquina de gestão territorial, ambas com características de grupos
oligárquicos locais.
Embora as práticas voltadas ao assistencialismo se caracterizem, entre outras
coisas, por melhorar o nível de renda da população, eles não representam uma
alternativa viável a longo prazo no município. Assim, compete mencionar Carvalho
(1987) ao afirmar que as elites agrárias, que se tornaram as representantes políticas
locais, não eram as únicas responsáveis pelo atraso da região Nordeste, mas também o
Estado-nação por propiciar a perpetuação das elites latifundiárias no poder, tendo em
vista a oferta dos “recursos materiais e simbólicos para o exercício do paternalismo e
clientelismo, que marcaram a política regional nordestina” pelo Estado maior (op. cit.,
p. 199). Logo, Yazbek (2004) aponta ser necessário a superação do assistencialismo
77
decorrente de décadas de clientelismo, que acabaram por consolidar uma cultura
tuteladora dos usuários dessa política no NE.
Pautando-se nas ideias dos autores supracitados, é possível afirmar que o
período de gestão de Francisco Nilton Pascoal de Figueiredo não trouxe grandes
equipamentos urbanísticos/infraestruturais para o município de Pau dos Ferros,
refletindo, inclusive, um período de crise e de acirrado neoliberalismo no âmbito
nacional, representado pelo governo federal no final da década de 1990 e início dos
anos 2000, com baixos investimentos em políticas públicas de modo geral no país,
especialmente no semiárido brasileiro onde se situa Pau dos Ferros.
Ou seja, é necessário afirmar que o governo municipal também reflete
parcialmente a agenda política nacional, principalmente quando essas não privilegiam
a interiorização de políticas e ações públicas para redistribuição de renda e de
infraestruturas, que ordenem o território de modo sistemático e objetivo. Nilton
Pascoal de Figueiredo, que iniciou sua gestão local no ano de 1997 à 2004, perpassou
por toda a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), um dos governos que mais
concentrou riquezas e que as políticas de desenvolvimento regional obtiveram grande
momento de estagnação, a exemplo do Nordeste o qual obteve poucas ações vinculadas
ao seu território.
Nesse sentido, entendendo o local como ligado e conexo às demais escalas
geográficas e de gestão nacionais e internacionais, assim como numa esfera federativa
específica, não se pode compreender um município e seu papel regional sem a
compreensão de qual momento político nacional este se encontrava.
O segundo período refere-se ao governo do prefeito Leonardo Nunes Rego
(2005-2012), que coincide com o período das gestões de Luís Inácio Lula da Silva no
governo federal, período de grande expansão do Estado enquanto promotor do
desenvolvimento, por meio de políticas públicas, como as de expansão e interiorização
do ensino superior, voltando suas políticas ao aparelhamento infraestrutural dos
espaços, como subsídio ao capital, mas em contrapartida com significativo impacto
social.
Essa personalidade política busca o rompimento de antigas oligarquias do
município de Pau dos Ferros-RN, embora ser representante da elite política de outro
município adjacente e pertencente a região do Alto Oeste Potiguar. A partir dessa
gestão, cria-se um novo pacto oligárquico local, na medida em que se iniciou novo
processo de manutenção de uma nova família no poder, que atualmente já se encontra
em sua 3º gestão.
Como resultado dessa visão empreendedora da máquina pública, bem como o
resultado de todo esse contexto histórico que já havia iniciado os passos de
favorecimento da centralidade geográfica de Pau dos Ferros, no período de 2005 a
2008 o município apresentou um relevante fortalecimento de seu comércio, por meio
da chegada de um leque de empresas privadas, como: concessionárias de carros
(DICAL), redes de supermercados (Queiroz), instituições privadas de ensino superior
(Ex: Faculdade Evolução do Alto Oeste Potiguar – FACEP; Anhanguera – EAD) entre
78
outras, que vieram a fortalecer a polaridade educacional, a economia local,
consequentemente a centralidade e a pendularidade do fluxo populacional.
O então prefeito efetivou parcerias como os governos estadual e federal,
concretizando a construção da praça de eventos Nossa Senhora da Conceição (2005),
que se consolidou como uma das estruturas fundamentais para realização da
FINECAP, mostrando uma ligação entre antigas e novas práticas de gestão pública, em
que nem quer corromper antigos laços e culturas sociais, mas também cria novos traços
e ações à administração pública. Tais condutas são bem referenciadas por Felipe
(2010) quando discute a transição de práticas agrárias e coronelistas na gestão pública
em um Rio Grande do Norte agrário, para a entrada de novas formas de governança,
que criam alianças entre os interesses das elites locais, mas voltam-se a modernização
do território.
Outra importante ação ainda feita durante o primeiro governo do referido
gestor, foi a revitalização da Avenida Independência, a principal do município, que veio
a favorecer o tráfego diário de, em média, 50 mil pessoas que passam pela cidade, assim
como importante via para o fluxo e integração do município com a BR-405, que divide
a sede municipal em lado leste e oeste.
Contudo, embora relevantes para um município com poucas ofertas de
manifestações culturais e carente de infraestruturas urbanísticas de maior porte, essas
ações ainda foram pontuais se comparadas às advindas em sua segunda gestão (2009-
2012), como a chegada o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte (IFRN) no ano de 2009, a Universidade Federal Rural do Semiárido
(2012)18, a ampliação do número de cursos no campus da UERN, que concretizam Pau
dos Ferros como um polo universitário da microrregião e fundamentaram o município
enquanto polarizador regional, fundamentais no processo de ordenamento territorial
municipal.
Diferentemente do momento político nacional vivenciado por Nilton Pascoal de
Figueiredo no início dos anos 2000, o então prefeito Leonardo Rêgo fez sua gestão em
determinado momento em que agenda da gestão pública nacional privilegiou políticas
transversais, que modificaram sobremaneira a economia de regiões interiorizadas,
beneficiando o Semiárido.
Não apenas as universidades e institutos federais foram descentralizados dos
antigos centros urbanos, historicamente concentradores de poder e de oportunidades,
para áreas interiorizadas do país, incluindo Pau dos Ferros, mas toda uma gama de
políticas de redistribuição de renda, além das de habitação que dinamizaram a
economia dessas pequenas cidades do interior.
As construções do Instituto Federal e da Universidade Federal do Semiárido
proporcionou um reordenamento territorial urbano no município, haja vista que o
poder público teve que subsidiar acessos e proporcionar, direta ou indiretamente, uma
gama de empreendimentos que pudessem dar vasão a quantidade de pessoas que
passaram a residir e fazer movimentos pendulares em Pau dos Ferros.
79
A cidade se expandiu para as zonas e bairros de influência desses órgãos
públicos de educação, permitindo significativo processo de ocupação do solo, de
especulação imobiliária, de valorização fundiária e consolidando definitivamente a
centralidade ora exercida pelo município. A Figura 02 apresenta o mapa com a
localização de algumas estruturas dentro do município de Pau dos Ferros,
especificamente de sua sede, em que as infraestruturas educacionais que consolidaram
tendências territoriais, fazendo com que dinâmico processo de expansão territorial
passasse a ocorrer. Apresenta a expansão de Pau dos Ferros a partir da inserção dessas
e outras estruturas que são relatadas no decorrer deste trabalho. Percebeu-se o
crescimento do território urbano municipal e a influência que essas áreas em destaque
passaram a exercer a partir da implantação desses serviços, concomitantemente a isso
verificou-se um aumento da mobilidade urbana19 para essas áreas.
19Segundo, CORRÊA (2010, p. 280), mobilidade urbana é entendida “como parte integrante da existência (e
reprodução) e do processo de transformação social e não como puros e simples deslocamentos de pessoas,
mercadorias, capital e informação no espaço”.
80
Deste modo, traça-se outra configuração territorial, que antes o urbano
concentrado no perímetro do centro municipal, escalona-se para áreas adjacentes e
periféricas, iniciando um processo de reestruturação urbana e a criação de novas
centralidades, tendências comuns a cidades médias a grandes, não tão aparentes em
cidades de pequeno porte20 como Pau dos Ferros.
Assim, o traçado político é visto no ordenamento territorial, já que esse último só
é permitido e efetivado de acordo com visões e posicionamentos políticos da gestão
pública, que privilegiam determinadas ações e áreas em detrimento de outras,
proporcionando a compreensão da existência de distintas culturas de OT no
planejamento e efetivação de ações públicas territoriais em gestões municipais. Ou
seja, compreende-se que o novo quadro político nacional, firmado em alianças e em
posicionamentos locais, pactuaram com a efetivação dessas infraestruturas de escopo
territorial especificamente nesse município, embora Pau dos Ferros inserido em uma
microrregião composta por municípios muito similares no que condiz às condições
socioeconômicas e de formação do território regional.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), outro equipamento de
uma política federal, e os Bombeiros, de cunho do Governo Estadual, chegaram no ano
de 2012 na cidade, caracterizam-se como duas importantes ações para o território
municipal. Logo, ambos passaram a buscar atender às demandas do Alto Oeste
potiguar e alocados ao lado do Instituto Federal. Evidencia-se que o relacionamento
do então prefeito, aliado politicamente com o então governo estadual e com políticos
da oligarquia local representados na Assembleia Legislativa estadual, juntamente com
o fato de conterem um território alvo de políticas de desconcentração territorial do
governo federal, teve a oportunidade de projetar um novo cenário político local,
baseado na execução de infraestruturas com fins específicos que corroboraram para a
construção de uma nova imagem ao município.
No decorrer da década de 2010, Pau dos Ferros ainda teve mais duas gestões
municipais, representadas por Fabrício Torquato e, mais uma vez, Leonardo Nunes
Rêgo, que representam a continuidade de crescimento da dinâmica voltada ao terceiro
setor no município, como a ampliação de serviços/clínicas médicas e demais
vinculadas a área da saúde, construção de shoppings centers e de supermercados de
porte médio a grande voltados ao comércio atacadista, além da chegada de outro
importante órgão de cunho do governo estadual do RN, que foi o Instituto Técnico-
Científico de Perícia (ITEP).
A Figura 03 apresenta uma linha do tempo com as principais ações públicas
empreitadas pelo governo (em escalas municipal, estadual e federal) para
ordenamento do território pau-ferrense, onde é perceptível visualizar a concentração
de ações públicas de acordo com as gestões municipais ora relatadas, aglutinando
sempre à análise o contexto nacional como elemento fundamental que proporcionou
ou não a efetivação dessas ações públicas.
81
Figura 03: Linha do tempo da implementação de ações públicas para o
ordenamento territorial do município de Pau dos Ferros
Fonte: Elaborado pelas autoras, por entrevistas e pesquisa de campo com antigos gestores
municipais, 2020.
82
4. O AMBIENTE E OS ARTEFATOS DE PLANEJAMENTO DA
GESTÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE PAU DOS FERROS-RN:
INSTITUCIONALIZAÇÃO PARA O ORDENAMENTO TERRITORIAL
Foram apontadas ações importantes para a efetivação do ordenamento do
território pauferrense, reafirmando o fato de que cada local apresenta contextos
particulares do território na formulação e concretização de suas ações públicas.
Contudo, entendendo ainda que o ordenamento territorial necessita, pois, da
visão prospectiva de futuro, a partir do planejamento do espaço, levando em
consideração suas potencialidades, limitações, vantagens comparativas e competitivas,
além do delineamento de ações de impacto territorial em consonância com sua base
ambiental, pesquisou-se quais são os planos e programas do governo local que buscam
ordenar o território municipal, de acordo com a referência metodológica de Kneling;
Orthengrafen (2009), ao propor pesquisar os artefatos de planejamento.
O acesso aos Plano Plurianual (PPA) correspondente aos quadriênios 2014-
2017, e 2018-2021, o site da prefeitura municipal e a realização de entrevistas com os
gestores públicos objetivaram angariar informações sobre a existência de
planejamento no processo de ordenamento territorial municipal, mostrando assim
instrumentos e capacidade de planejamento direcionado ao espaço pauferrense.
Partindo da compreensão de Gullestrup (2009) quando afirma que cultura de
território significa formas de concepção de mundo de uma sociedade, seus valores
morais, normas, comportamentos políticos, bem como a forma de como se auto-
afirmam a partir de elementos tanto materiais quanto imateriais, construídos por suas
próprias experiências pessoais e de sociedade, as culturas fazem com que cada
território delineie sua trajetória no processo de construção de sua particularidade, o
que é perceptível no caso de Pau dos Ferros-RN.
Entra nesse bojo a capacidade do território, ou seja, das pessoas que o compõem
tanto a gestão pública, quanto a sociedade civil, de organização frente ao seu espaço,
entendendo esse último enquanto elemento estratégico de ação para o ordenamento.
Pontua-se tanto a gestão pública pela sua efetiva capacidade de ordenação, já que é
desta a competência de gerir investimentos financeiros à manutenção no território,
quanto da sociedade civil, enquanto pertencente a esse quadro através de mecanismos
de participação e controle social.
Nessa lógica, na busca de informações concretas sobre o papel da gestão e de
sua sociedade no planejamento territorial, destaca-se primeiramente a carência de
informações no que condiz aos planos de governo de escala municipal, já que encontra-
se disponível apenas informações pontuais referentes às ações da gestão pública nos
órgãos competentes.
Assim, percebe-se que dados e informações qualitativas e quantitativas sobre a
organização, institucionalização e planejamento da gestão municipal, foco na gestão
territorial, ainda são pouco disponibilizadas devido serem pouco efetivadas. Vários são
os argumentos para a pouca capacidade de planejamento municipal, como a baixa
autonomia financeira dos municípios, ausência de capacidade técnica e de quantidade
83
de funcionários públicos municipais, fazendo com que o planejamento territorial ainda
não se encontre efeito e claro na agenda política dos municípios.
Especificamente no município de Pau dos Ferros, o Plano Plurianual (PPA) das
gestões municipais 2014-2017, 2018-2021 foram os únicos documentos público a que
se teve acesso durante a realização da pesquisa, apresentando de modo genérico o
planejamento das ações públicas a serem futuramente efetivadas. Não obstante, é
valido ressaltar que o PPA da atual gestão (2018-2021), não apresenta delineamentos
de projetos, restringindo-se a descrição financeira municipal. Evidencia-se, mais uma
vez, as dificuldades de se ter acesso aos instrumentos públicos de planejamento,
principalmente no que se refere a gestões anteriores.
Baseando-se na pesquisa feita e na análise do PPA 2014-2017 do município, é
possível aferir o pouco direcionamento dado à gestão municipal no que concerne ao
planejamento do território em sua totalidade. Mesmo Pau dos Ferros tendo uma
Secretaria de Planejamento especifica, as ações destinadas ao território não se
apresentam de modo evidente nos planos municipais, ficando claro que a base
territorial-institucional do município ainda não é compreendida de modo estratégico
de acordo com as perspectivas de OT que visam a análise do território de forma macro,
ficando a capacidade de planejamento e de ordenamento do território comprometida.
É necessário que as gestões públicas de ambas as escalas federativas criem medidas
que visem a melhor conexão das informações sobre a gestão pública para com a
sociedade, com fins a subsidiar tanto o controle social, como na própria perspectiva de
organização do espaço territorial, visando suas fragilidades e tendências ao
desenvolvimento territorial.
Embora não concebendo o ordenamento territorial como uma ferramenta do
planejamento e da ação pública, assim como as concepções teóricas da CEMAT (2011)
e Becker (2005), o PPA municipal aborda de modo sintético a questão do OT para o
município, não fazendo o detalhamento do que é necessário no planejamento de ações
com impacto territorial para o desenvolvimento desse último. De acordo com o
fluxograma apresentado na Figura 04, extrato do PPA municipal, visualiza-se a
estrutura de planejamento das ações por setor da prefeitura, sendo possível perceber
que ações de impacto territorial se apresentam de modo fragmentado, divididas em
projetos a serem desenvolvidos em programas específicos.
Vê-se, por exemplo, as ações voltadas para habitação fora do contexto das ações
voltadas aos resíduos sólidos e ao esgotamento sanitário, que por sua vez
desvinculadas à infraestrutura urbana, à promoção do turismo e à mobilidade urbana.
84
Figura 04: Fluxograma dos programas e projetos para o município de Pau dos
Ferros
85
melhorar a integração de diferentes formas de atividade de desenvolvimento
espacial.”21
Acordando com os autores, entende-se que para a efetivação do OT os gestores
devem articular suas políticas de forma que as ações não sejam efetivadas de modo
fragmentado, possibilitando uma visão totalitária do espaço e, consequentemente, sua
maior integração.
O município conta unicamente com um plano ainda não acabado especifico de
saneamento ambiental, dividido nas quatro áreas básicas de atuação do saneamento:
água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos. Tal plano foi iniciado na gestão de Leonardo
Rêgo em parceria com a CAERN, tendo como dois objetivos principais: a construção
do aterro sanitário regional e do saneamento total do município. O plano foi iniciado
tendo em vista às demandas nacionais que obrigam os municípios com mais de 20 mil
habitantes conterem seus respectivos planos municipais, já que, caso contrário, esse
ente federativo fica impossibilitado do recebimento de recursos financeiros por parte
da esfera federal.
Ou seja, é notável que as ações empreitadas no município de Pau dos Ferros
tiveram outra projeção com a gestão dessa última personalidade política citada não
apenas pelo fato da sua capacidade de gestão administrativa, mas devido a
concomitância desse prefeito num governo nacional em que levou a desconcentração
de recursos e infraestruturas para pequenos municípios. Dessa forma, entender Pau
dos Ferros a partir de meados da década de 2000 e sua mudança no cenário urbano,
político e econômico no estado do RN é entender antes de tudo a mudança de cenário
nacional, que levou governos populares ao poder com um programa de trabalho
formalizado a partir de políticas transversais, que atingiram e dinamizaram vários
setores econômicos, a exemplo, educação e habitação.
Nessa descentralização e destinação de infraestruturas e recursos federais em
municípios, a instância nacional exige também que o institucional do município, ou
seja, a administração pública e sua capacidade de planejamento, também esteja em
consonância com os requisitos das políticas nacionais (a exemplo, apoio financeiro à
obras de saneamento ambiental condicionadas a apresentação do Plano municipal de
saneamento ambiental), fazendo com que a existência de produtos frutos de
planejamento em municípios não seja também mérito apenas da maior consciência de
gestão territorial municipais, mas sim pelas exigências de acesso aos recursos federais.
Porém, não se pode retirar o esforço que esses entes federativos (municípios) fazem
para que tais ações sejam efetivadas de acordo com a nova postura do governo federal.
O plano municipal de saneamento foi concluído na gestão de Fabrício Torquato
(2013-2016), com prioridade na construção do aterro sanitário, também exigido em
legislação federal a partir da Lei 12.305/2010, denominada de Lei da Política Nacional
de Resíduos Sólidos, que exige a extinção dos lixões municipais.
21“Reform of territorial management that aims to improve integration of different forms of spatial development
activity” (ALLMENDINGER & HAUGHTON, 2008, p. 04).
86
O Plano Plurianual aponta de maneira geral os dados quantitativos e qualitativos
da gestão pública, com foco na questão orçamentária e na estrutura organizacional do
poder local, não lançando evidência ao planejamento dos projetos a serem
desenvolvidos para o avanço e a ampliação do território de forma ordenada. Entende-
se que a visão da gestão municipal continuaria a reproduzir o modelo de ordenamento
do território comuns aos municípios brasileiros, que é a não compreensão do território
enquanto elemento estratégico.
Corroborando com essa compreensão, é possível avaliar que o município ainda
caminha para a construção de uma gestão pública estratégica no que concerne ao
território, tendo em vista que para efetivo ordenamento, necessita-se de condições
íntegras de planejamento e gestão da organização espacial.
Assim, toda a ação pública é resultante de processos gerados em seus próprios
territórios, que adquirem concretude de acordo com a capacidade de gestão e
maturidade institucional de seus governos, em concordância com a conscientização
política de sua sociedade, bem como demais elementos, vistos nas seções anteriores,
como a conjuntura nacional de determinado período do tempo.
É nessa perspectiva de compreensão da necessidade de planejamento do
território, a partir de sua maturidade institucional22 que pontua-se a necessidade do
conhecimento do ambiente de planejamento, de acordo como metodologia
proposta do Kneling; Othengrafen (2009).
Nessa perspectiva de trabalho, toma-se como fonte de dados o estudo Perfil dos
Municípios Brasileiros (IBGE, 2018), que é uma pesquisa de informações básicas de
todos os municípios do país junto às prefeituras, devido a necessidade de coleta de
dados sistematizados sobre a gestão pública municipal voltadas ao planejamento
territorial. Nesse estudo do IBGE (2018) são destacados os principais eixos da gestão
e estrutura institucional dos municípios, como: 1. Recursos Humanos; 2. Legislação e
Instrumentos de Planejamento; 3. Recursos para Gestão Municipal; 4. Comunicação e
Informática; 5. Transporte; 6. Cultura; 7. Assistência Social; 8. Segurança Alimentar e
Nutricional; 9. Segurança Pública; 10. Meio Ambiente; 11. Cooperação Internacional e;
12. Variáveis.
Porém, especificamente para o conhecimento da gestão do território do
município de Pau dos Ferros, focou-se nos eixos 2. Legislação e Instrumentos de
Planejamento; 5. Transporte e; 10. Meio Ambiente enquanto os eixos que apresentam
ações mais efetivas de impacto territorial.
A partir do Quadro 01, onde mostra-se os indicadores selecionados aos relativos
eixos de estudo, compreende-se a necessidade de melhor estruturação dos municípios
no que diz respeito a sua capacidade de planejamento do território em ambas as suas
esferas.
Especificamente no Eixo 2, que aborda Legislação e instrumentos de
planejamento, percebe-se a inexistência de importantes instrumentos de controle
87
social, bem como territorial voltado ao espaço urbano de Pau dos Ferros, fato que ainda
precisamos avançar e melhorar. Foco deve ser dado a ausência de código de obras e
demais instrumentos como os de zoneamento ou uso e ocupação do solo, tão
importantes para a prática do ordenamento urbano.
88
EIXO 10 - Meio Ambiente
Válido informar ainda que o país atualmente (2020) passa por graves retrocessos
no que diz respeito às representatividades no controle social de políticas públicas,
sendo extinto, inclusive, os conselhos das cidades. Dessa forma, no município em
questão, o conselho ativo ainda é o de meio ambiente.
Os planos e legislações de ambos os Eixos (2, 5 e 10) não se encontram
elaborados, como legislações de áreas específicas; inexistência de Plano Diretor
Municipal (PDM); leis de zoneamento de perímetro urbano; de código de obras; de
parcelamento do Solo ou de operação Urbana Consorciada, a exceção apenas do código
de posturas e IPTU progressivo, bem como a inexistência de planos municipais de
transportes, e meio ambiente, como lista o Quadro 01, além da inexistência de demais
planos municipais, como o de habitação, resíduos sólidos e saneamento ambiental,
constatados em entrevistas e pesquisas de campo feitas junto à prefeitura municipal.
Tal falta de estruturação das administrações públicas municipais em cidade de
pequeno porte populacional, como o município de Pau dos Ferros, ainda demonstra
que a ausência de planejamento territorial ainda é uma realidade. Embora de grande
importância para o contexto de polaridade regional do município, Pau dos Ferros
recebeu grandes equipamentos de serviços sem o suporte urbano infraestrutural
necessário para melhores condições de vivência humana nesse território, tal como
melhoria nas condições e integração de transportes públicos, efetivação do saneamento
ambiental, bem como melhoria nos serviços de assistência social e saúde que dê vasão
ao significativo número populacional residente, assim como sua população flutuante
que realiza movimento pendular.
Tal fato mostra que as particularidades do território, assim evidenciadas na seção
teórica desse trabalho como culturas de território, são fatores de total interveniência
nas ações públicas de rebate territorial. Demonstrou-se que as condições políticas e
institucionais de gestão pública do território de Pau dos Ferros são frágeis no que diz
respeito ao seus artefatos e ambiente de planejamento, apesar do contexto do ambiente
social que mostrou que as ações de seus representantes políticos foram importantes
para uma nova dinâmica vivenciada no município a partir de meados da década de
2000.
89
Portanto, pode-se afirmar que, embora o município tenha tido várias ações que
ordenaram e que venham ordenando o território de Pau dos Ferros, estas ações foram
pautadas de acordo com as particularidades, ações econômico-políticas e
condicionantes sociais locais e nacionais de uma gestão pública municipal ainda
carente de melhor estrutura em seu planejamento, gestão e ordenamento territorial.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho partiu da ideia de que cada território apresenta
características particulares da história, de valores culturais e políticos que, encadeados
e articulados entre si, explicam diferentes formas de ordenamento territorial que o
poder público executa em seu território.
Sendo o foco principal da pesquisa compreender a interferência da cultura de
território no ordenamento territorial do município de Pau dos Ferros, é perceptível que
apesar de Pau dos Ferros ser um município polo, ainda se encontra em processo de
expansão territorial e econômica, dotando-o de particularidades e potencialidades que
apontam para a necessidade de entender as práticas políticas locais e melhorias em
suas infraestruturas de gestão.
O município esteve durante muito tempo preso a antigos modos de gestão do
território, pautados em práticas coronelistas de concentração de renda e poder,
provocando durante muito tempo determinada estagnação no que condiz a uma
melhor estruturação nas suas bases estruturais territoriais.
Com a chegada de um novo modelo de gestão municipal, a partir de uma nova
elite que se consolida no poder, bem como de um novo momento político no cenário
nacional, o município amplia o seu leque de ações, favorecendo a expansão de vários
setores entre eles, o da construção civil e a prestação de serviços de educação,
considerados elementos relevantes para atenderem as necessidades impostas pela
polaridade municipal. Contudo, é importante salientar que esse novo quadro só foi
possível devido ao contexto nacional, que proporcionou novas estruturas de
oportunidades para o interior do Brasil pós-2003.
Tais elementos são elencados enquanto definidores da cultura de OT local,
contudo, analisando o planejamento estratégico e a visão integrada do território, assim
como indicam os postulados teóricos do OT, é possível afirmar que o município de Pau
dos Ferros ainda caminha para a construção de um planejamento que ordene seu
território enquanto um elemento estratégico, com vistas à desconcentração, a
redistribuição de oportunidades de expansão, na detecção de necessidades,
potencialidades, limitações e vantagens comparativas e competitivas em prol de sua
sociedade.
6. REFERÊNCIAS
ALBRECHTS, Louis. Shifts in strategic spatial planning? Some evidence from Europe
and Australia. In: Environment and Planning A. CIDADE. EDITORA. 2006. v. 38, pp.
1149 -1170.
90
ALLMENDINGER, P.HAUGHTON, G. Soft spaces, fuzzy boundaries, and
metagovernance: the new spatial planning in the Thames Gateway. In: Environment
and PlanningAadvance online publication. Pion Ltd and its Licensors, 2008.
91
FERRAO, J. O ordenamento do território como política pública. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
STEAD, Dominic.; NADIN, Vicent. Planning Cultures between Models of Society and
Planning Systems. In: KNIELING, Jörg; OTHENGRAFEN, Frank. (Org.). Planning
Cultures in Europe. Decoding Cultural Phenomena in Urban and Regional
Planning.Farnham e Burlington: Ashgate, 2009.
92
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 4
TECNOESFERA E PSICOESFERA DO
PLANEJAMENTO CORPORATIVO
SELETIVO NO RIO GRANDE DO NORTE,
BRASIL
93
TECNOESFERA E PSICOESFERA DO PLANEJAMENTO CORPORATIVO
SELETIVO NO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL23
1. INTRODUÇÃO
O planejamento do território é um dos temas mais caros à Geografia e, ao longo
da trajetória dessa ciência, tem sido recorrentemente abordado para compreender a
ação do Estado e das empresas em diferentes países (GOTTMANN, 1952; MELO, 1963;
LABASSE, 1966; ROCHEFORT, 1995; BOMFIM, 2007; SANTOS, 2011). No caso do
Brasil, a prática do planejamento, sobretudo o planejamento regional, tem sua origem
nos anos de 1950 com a formulação do Plano de Metas que ocorreu no governo de
Juscelino Kubitschek (LAFER, 1970; ARAÚJO, 1993). Foi entre os anos de 1960 e 1970
que, segundo Bomfim (2007), a Geografia apresentou maior engajamento,
participando de discussões e colaborando ativamente em comissões, na formulação de
projetos e ações com vistas a dirimir desigualdades regionais em diferentes países.
Entre estes, o Brasil que a partir da promulgação da Constituição de 1988 retornou o
planejamento ao âmago das discussões sobre o futuro da sociedade brasileira e do
desenvolvimento econômico. Todavia com uma forte inclinação para implantação de
ações a curto e médio prazos e, fortemente vinculado a questões de natureza
orçamentária.
No estado do Rio Grande do Norte24 (RN), o governo tem utilizado o
planejamento como importante estratégia de ação política desde os anos de 1960,
quando Aluízio Alves, eleito governador, publicou o Decreto N. 3.804 de 01 de fevereiro
de 1961, por meio do qual foi criado o Conselho de Desenvolvimento Econômico (CED).
Através desse conselho foi elaborado o primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico
e Social do Rio Grande do Norte (1961-1965), com assessoria da Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e da Superintendência para o
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).
A prática do planejamento norte-rio-grandense vem sendo ressignificada ao
longo dos anos e se, por um lado, ela ajudou a promover um processo de modernização
territorial no estado, por outro contribuiu para tornar o uso do território cada vez mais
seletivo.
Atualmente, as ações de planejamento no Rio Grande do Norte são atribuídas à
Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças – SEPLAN, criada pela Lei
Complementar n. 139/1996, à qual cabe a responsabilidade de planejar, coordenar,
executar, supervisionar, controlar e avaliar os sistemas estaduais de planejamento,
orçamento e finanças. O planejamento ora praticado obedece às diretrizes de políticas
23 Este texto parte de reflexões contidas na tese “Planejamento territorial e modernizações seletivas: a expansão do
meio técnico-científico-informacional no Rio Grande do Norte, Brasil”, defendida em 2004 na FFLCH/USP, sob
orientação da Prof.ª Dra. Maria Adélia A. de Souza.
24 Estado da federação brasileira situado na Região Nordeste, com área de 52.796,8 km 2, cuja população de
3.168.027 habitantes, de acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, é
distribuída em 167 municípios.
94
brasileiras25, que define o território como uma “plataforma de integração das políticas
públicas” (BRASIL, 2008, p.10), e tem como foco dessas políticas o combate às
desigualdades regionais e sociais, o que para o governo federal implica na promoção
do desenvolvimento das regiões menos dinâmicas do país.
A ideia central deste texto é que as ações conduzidas pelo governo do RN têm
sido formuladas considerando a importação de paradigmas externos ao seu território
que, muitas vezes, não estão completamente afinadas com as demandas locais. Além
disso, sua apropriação pelas oligarquias locais contribuiu para a criação de um
planejamento corporativo seletivo que tem priorizado o uso seletivo do território em
detrimento ao uso de todos.
Para que as ações do governo, federal, estadual e municipal, sejam
implementadas, verifica-se a existência de uma tecnoesfera e de uma psicoesfera do
planejamento no Rio Grande do Norte.
A tecnoesfera do planejamento potiguar pode ser representada pela distribuição
das secretarias municipais de planejamento (Mapa 01) no território norte-rio-
grandense onde, dos 167 municípios existentes no estado, cerca de 50 possuem esse
tipo de secretaria.
25 PolíticaNacional de Desenvolvimento Regional – PNDR, criada pelo Decreto N. 6.047 de 22 de fevereiro de 2007,
e a Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT. Esta última, mesmo não tendo sido implementada,
apresenta definições e conceitos que servem de orientação às ações de planejamento do governo em suas distintas
escalas de atuação (federal, estadual e municipal).
95
Com vistas a compreender a relação existente entre a tecnoesfera (ministérios,
secretarias, superintendências, autarquias e fundações, considerando a infraestrutura
necessária para o seu funcionamento) e a psicoesfera (normas, estudos, diagnósticos,
planos, programas, projetos, orçamentos, execução das peças de planejamento e o
monitoramento das ações) do planejamento praticado no RN e o uso corporativo e
seletivo do território, foi empregada a seguinte metodologia: pesquisa documental, por
meio da qual consultou-se a existência de: 2 Mensagens de Governo (governo Aluízio
Alves, 1962, e a Mensagem N. 37/GE de 1963); 1 Estudo (Regiões Polarizadas do Rio
Grande do Norte, 1968); 1 Diagnóstico (Diagnóstico Estrutural do Rio Grande do
Norte, 1974); 9 Planos de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte 26.
Também foram realizadas 5 entrevistas com personalidades políticas e técnicos que
lidam com o planejamento no RN27.
Neste capítulo, a discussão acerca da tecnoesfera e psicoesfera do planejamento
corporativo seletivo praticado no Rio Grande do Norte foi formulada considerando três
grandes eixos. O primeiro diz respeito à genealogia do planejamento corporativo
seletivo, onde, além de identificar a origem da ação planejada no território, são
esclarecidos o conceito de planejamento corporativo seletivo e por qual motivo ele é
interessante para o estudo que originou este texto. O segundo eixo diz respeito às
influências externas e internas na elaboração dos planos regionais de
desenvolvimentos formulados para o estado, considerando a sua importância para o
processo de modernização do território. No que concerne ao terceiro eixo de discussão,
serão apresentados os legados do planejamento corporativo seletivo no Rio Grande do
Norte.
26 Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte (1997); Plano de Desenvolvimento Sustentável
da Região do Seridó (2000); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral Norte (2002); Plano de
Desenvolvimento Sustentável do Agreste e Trairi (2004); Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região do Alto
Oeste (2006); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Médio Oeste (2007); Plano de Desenvolvimento
Sustentável da Região Metropolitana de Natal (2007); Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região
Mossoroense (2009); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Vale do Açu (2009).
27 Os entrevistados foram: 1) ex-secretário de Planejamento do governo Cortez Pereira no período de 1971-1975,
entrevistado no dia 30 de junho de 2014; 2) ex-secretário eexecutivo do CED, entrevista concedida no dia 18 de
julho de 2014; 3) assessora técnica da Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças – SEPLAN/RN e da
Federação de Municípios do Rio Grande do Norte – FEMURN, entrevistada no dia 23 de setembro de 2013; 4) ex-
secretário estadual de Educação no período de 1991-1995, entrevista realizada no dia 01 de julho de 2014; 5) chefe
da Assessoria Econômica da Secretaria Municipal de Planejamento, Fazenda e Tecnologia da Informação de Natal
– SEMPLA, concedida em 11 de setembro de 2013.
96
Todavia, a ação pública não sofreu grandes mudanças, contribuindo para a
insatisfação da sociedade brasileira que passou a exigir uma nova perspectiva para
lidar com os problemas do Nordeste. Com isso, criou-se o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), em 1958, sob a coordenação de Celso Furtado,
a partir do qual teve origem a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), em 1959. Essa superintendência foi inspirada na subsidiária de energia
elétrica do governo estadunidense, Tennessee Valley Authority (TVA) (DINIZ, 2009;
MIDLIN LAFER, 1970; ANDRADE, 1985), cujo modelo de atuação era apreciado até
mesmo por geógrafos franceses como Gottmann (1952), que a considerava a mais
célebre experiência de planejamento regional do século XX. Por isso, segundo este
autor, representava um modelo a ser seguido por sociedades capitalistas, como o
Brasil, ou socialistas, a exemplo da União Soviética.
A criação da SUDENE, como nos ajuda a refletir Oliveira (1981), ao mesmo
tempo que desempenhou um papel importante para tentar dirimir o contexto de
desigualdade regional, contribuiu para, a partir do estabelecimento de uma divisão
regional do trabalho, ratificar o Nordeste como suporte para as atividades industriais
do Sudeste brasileiro. No Rio Grande do Norte não foi diferente, é o que demonstra a
pesquisa desenvolvida por Costa (1977), ao apontar que as indústrias ali instaladas
concentravam-se em Natal e Mossoró e atendiam às demandas e aos interesses do
centro econômico do país. Nos demais municípios potiguares, a produção industrial
utilizava-se de técnicas menos sofisticadas e atendiam ao mercado consumidor do
estado (COSTA,1977).
É evidente que o planejamento praticado no Rio Grande do Norte não se explica
por ele mesmo, pois tem relação com eventos que ultrapassam a escala do seu
território. Essa prática está ancorada na importação de paradigmas e metodologias que
foram incorporados no planejamento e na gestão do território.
Essa importação de paradigmas não é recente, como também não é a inserção
da Geografia nesse processo (ABREU, 1994). Na França, um dos primeiros geógrafos
a dar relevância ao planejamento regional foi Jean Labasse (1955), ao desenvolver
pesquisas sobre a rede bancária de Lyon que serviram de base para inspirar estudiosos
como Lebret (1958), para o qual a obra de Labasse apontava para uma nova
compreensão das estruturas regionais e sua evolução.
A propagação dos estudos produzidos pela geografia francesa se estendeu ao
Brasil, tendo influenciado também alguns geógrafos nordestinos, como Melo (1963) e
Andrade (1970, 1971). O último, inclusive, foi um dos responsáveis por propor a
utilização da política francesa de “aménagement du territoire28” juntamente com a
teoria dos polos de desenvolvimento no Nordeste brasileiro.
28 Essa política foi desenvolvida na França ao final da Primeira Guerra Mundial (1939-45) num esforço de
reconstrução do país. Segundo Andrade (1971 p. 34), “O ‘aménagement du territoire’ é aquele tipo de estudo, aquela
disciplina que é utilizada na formulação do diagnóstico de um país, para estabelecer as diferenças existentes entre
o desenvolvimento das diversas aéreas, pesquisar as causas da diferença e desse desenvolvimento e procurar indicar
aos administradores e programadores os caminhos que devem ser seguidos para fazer com que as regiões mais
atrasadas alcancem os níveis de desenvolvimento das regiões mais adiantadas; é, assim, uma arma extraordinária
da planificação regional e da prospectiva”.
97
O modelo da política francesa inspirou geógrafos que, no período compreendido
entre as décadas de 1960 e 1970, atuaram junto ao governo brasileiro na formulação
de políticas públicas. Era o período de vigência do regime militar (de 1964 até 1985),
no qual foram criadas normas e incentivou-se a formação de técnicos com vistas a
institucionalizar o planejamento e a exercer o controle do território nacional. Ressalte-
se o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, por meio do qual se estabeleceu o
planejamento como princípio fundamental da administração pública, e a Lei N. 6.036
de 01 de maio de 1974, que criou a Secretaria Nacional de Planejamento.
A influência francesa pró-aménagement du territoire foi tão forte no Brasil que
marcou a formação de geógrafos como Maria Adélia A. de Souza, que aplicou à
realidade nacional metodologias referentes à regionalização que aprendera com os
franceses na II Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU); além de Lysia
Bernardes, Nilo Bernardes e Pedro Geiger, os quais tiveram uma atuação destacada no
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob a liderança do geógrafo
francês Michel Rochefort.
Pode-se notar, ainda, a relevância que o planejamento do território nacional
adquiriu no regime autoritário, através da criação de 3 cursos de nível superior em
planejamento no Brasil, durante o período de 1970 a 1975. São eles: Planejamento
Urbano e Regional (1970), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em
Porto Alegre-RS; Planejamento Urbano e Regional (1972), Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), no Rio de Janeiro-RJ; Desenvolvimento Urbano (1975),
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife-PE (PIQUET e RIBEIRO,
2013).
No Rio Grande do Norte este também foi um período emblemático. De acordo
com o ex-secretário de Planejamento do governo Cortez Pereira, no período de 1971-
1975, que via na SUDENE uma perspectiva de desenvolvimento regional alvissareira e
na Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF), através da expansão de
energia elétrica para o estado, o incentivo para a chegada de novos equipamentos
industriais29. É importante dizer que foi apenas no início dos anos de 1970, ainda de
acordo com o entrevistado, que os militares passaram a exigir dos estados o adequado
planejamento de suas ações.
Até os anos de 1970, a CEPAL, o Instituto Latino-americano e do Caribe de
Planificação Econômica e Social (ILPES) e a SUDENE tiveram grande relevância na
formação de técnicos para a atuação nas instituições de planejamento no Rio Grande
do Norte, tendo com isso influenciado Geraldo Melo, secretário executivo do CED no
perído de 1961-1966 que tornou-se governador do estado (1987-1991) e, também,
Marcos César Formiga, ex-secretário de planejamento do governo de José Cortez
Pereira (1971-1975) e, posteriormente, prefeito de Natal (1983-1986).
Nesse sentido, entre os anos de 1960 a 1970, o governo do estado do RN investiu
na formação de técnicos e na criação de um sistema de planejamento para colocar em
prática uma racionalidade desenvolvimentista. Conforme Rezende (2009, p. 6), “a
criação do Sistema Federal de Planejamento em 1972 (Decreto 71.353) dá um caráter
98
formal a um processo de planejamento que alcança todas as suas fases”. Por meio desse
sistema foi possível não apenas modernizar os instrumentos de administração e ação
pública, como também coordenar e acompanhar a execução de planos e programas,
conferindo maior controle das práticas políticas estaduais e municipais.
No território potiguar um processo de racionalização territorial ocorria ao
mesmo tempo em que se instituía a burocratização da ação política. A burocracia,
estudada amplamente por Max Weber, configura um dos tipos de dominação por ele
descritos: a dominação legal. Segundo Saint-Pierre (2004), ela é o meio mais racional
de exercício do poder, sustentado pelo saber profissional especializado. Ela também
pressupõe uma solidariedade entre ciência e ação com vistas a vislumbrar estimativas,
ou seja, pôr em prática o exercício da prospecção.
Ao que tudo parece indicar, os militares conheciam bem a importância do
significado da burocracia para exercer o controle das instituições públicas e do
cotidiano do povo brasileiro. Neste sentido, a formação de quadros técnicos para lidar
com o planejamento foi muito valorizada, haja vista que para Weber (1999, p. 225),
“[...] a burocracia oculta, na medida do possível, o seu saber e o seu fazer da crítica”.
Além do conhecimento técnico especializado e acrítico, o regime autoritário
que, no entendimento deste texto, se aproxima dos princípios da dominação legal,
baseada na burocracia weberiana, cuidou de dotar o território brasileiro de bases
técnicas para facilitar a sua ação racional. Para Weber (1999, p. 211), “o grau de
desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte constitui, para a
possibilidade de uma administração burocrática, uma condição de importância
decisiva, ainda que não seja a única”. Desta feita, o governo, em suas três instâncias,
passou a promover, cada vez mais, grandes obras de engenharia com a finalidade de
personificar a sua ação política e, através das infraestruturas de comunicação e
transporte, atrair investimentos de grandes empresas (nacionais e estrangeiras).
Após a redemocratização do país, as ações de planejamento do governo federal,
bem como dos governos estaduais e municipais, foram modificadas. Uma das
principais modificações trazidas pela Constituição Federal de 1988 refere-se à
instituição do Plano Plurianual (PPA) como principal instrumento de planejamento de
médio prazo. O PPA passou a ser formulado de maneira integrada com a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei do Orçamento Anual (LOA), articulando
instrumentos de curto e médio prazo, submetidos à apreciação do poder legislativo.
A partir da década de 1990 começou-se a considerar o território como unidade
de planejamento, tomando como referência os Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento, o Programa Brasil em Ação (governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso), a Política Nacional de Ordenamento do Território (PNOT)30,
Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) e, mais recentemente, o
Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC).
30Essa Política nunca foi de fato implementada, pois até os dias atuais o governo federal não a transformou em lei.
Trata-se apenas de um texto que tem sido observado na definição de algumas políticas que vêm se denominando
como territoriais.
99
Como destacou Santos ([1979] 2007), o planejamento brasileiro seguiu o
direcionamento de paradigmas externos que em nada se assemelhavam à realidade do
território nacional. Suas críticas estavam direcionadas, sobretudo, à maneira como o
planejamento foi sendo concebido e aplicado, mediante a influência determinante de
agentes hegemônicos externos, em detrimento dos interesses da nação. No Rio Grande
do Norte não foi diferente, é o que se verá a seguir.
31A metodologia desenvolvida por Michel Rochefort foi empregada para atender a uma demanda do Centro de
Estudos Econômicos e Sociais do Ministério da Construção (governo francês), e tinha como objetivo identificar o
nível das metrópoles regionais. Para maiores informações sobre a metodologia ver Rochefort (1967).
100
regionalizações adotados continuam a direcionar a ação planejada para basicamente
os mesmos problemas e subespaços”. As cidades polos consolidaram-se como os
principais centros regionais (serviço, economia, administração) e, como se não
bastasse, concentraram um maior contingente populacional de pobres.
Com base no estudo Regiões Polarizadas do Rio Grande do Norte (1968), a
Região de Natal era composta por cinco áreas de influência: 1) área de influência direta
de Natal; 2) área de influência de João Câmara; 3) área de influência de Macau; 4) área
de influência de Santa Cruz; 5) área de influência de Nova Cruz. A Região de Campina
Grande por duas áreas de influência: 1) área de influência de Currais Novos; 2) área de
influência de Caicó. A Região de Mossoró, por sua vez, é composta por cinco áreas de
influência: 1) área de influência direta de Mossoró; 2) área de influência de Patu e
Umarizal; 3) área de influência de Pau dos Ferros; 4) área de influência de Alexandria;
5) área de influência de Angicos (Mapa 02).
No estudo foram definidos quatro distintos níveis de hierarquia regional,
identificados a partir do exame das atividades industriais e urbanas e sua relação com
o terciário. São eles: Natal e Mossoró (1º nível); Caicó e Currais Novos (2º nível); Nova
Cruz, Santa Cruz, Açu, Pau dos Ferros e Patu (3º nível); Umarizal, Angicos, João
Câmara e Alexandria (4º nível). No que diz respeito às atuais regiões de influência, de
acordo a cartografia apresentada por Paz (2013), Recife e Fortaleza continuam a
exercer sua influência no território norte-rio-grandense; mas São Paulo, Rio de Janeiro
e Brasília, metrópoles nacionais, também se destacam.
É importante lembrar que no período de realização do estudo da década de 1960
estavam ocorrendo frutuosos diálogos entre a geografia francesa e a geografia
brasileira, que culminou na realização de alguns eventos, dentre os quais destaca-se o
seminário internacional do Centre National de la Recherche Scientifique (C.N.R.S), La
Régionalisation de l’espace au Brésil, realizado no Centre de d’Etudes de Géographie
Tropicale de Bordeaux em 1968. Na ocasião, estiveram presentes Pierre Monbeig
(organizador), Bernard Kayser, Pierre George, Michel Rochefort, Manuel C. de
Andrade, Lysia Bernardes e Milton Santos. O evento, além de servir para a divulgação
das pesquisas produzidas sobre o Brasil, serviu para solidificar a relação entre a
geografia francesa e a geografia brasileira, tendo o objetivo de desenvolver reflexões a
respeito do planejamento regional brasileiro.
101
Mapa 02: RIO GRANDE DO NORTE: regiões de influência, 1968
102
fondamentaux pour la planification d’une ville brésilienne32, L’Université Paris VIII,
1969, cujo autor é Jorge de Rezende Dantas, tendo como orientador Yves Lacoste.
Ao analisar os planos que respaldam a prática do planejamento no Rio Grande
do Norte nos anos 1960 e 1970, é notória a influência de profissionais de origem
francesa, como: Henri Méot, Jean Paul Barriou. Henri Méot, por exemplo, foi
consultor da CEPAL e atuou na elaboração do Diagnóstico Estrutural do Rio Grande
do Norte (1975). Como resultado, o diagnóstico propôs a divisão do Rio Grande do
Norte em 8 zonas homogêneas continentais (litoral oriental, Mossoroense, Alto do
Apodi, Agreste, Caicó, Currais Novos, Litoral Norte e Serras Centrais) e 3 zonas
homogêneas marítimas (plataforma continental, talude continental, abissal
desconhecida). As 8 zonas homogêneas continentais permanecem sendo a base para a
regionalização das ações do planejamento atual, seja para as ações de médio prazo,
como o PPA (mapa 3), ou de longo prazo, como os Planos Regionais de
Desenvolvimento Sustentável.
103
por intermédio de uma parceria entre o governo estadual e o Instituts Universitaires
de Formation des Maîtres, através da contratação do consultor Michel Brault, o qual
foi incubido de implantar o modelo francês para a formação de professores33.
A importação de paradigmas externos ao território potiguar para dar suporte às
ações do governo do estado ainda é uma realidade. Contudo, desde os anos de 1990,
quando a concepção de desenvolvimento sustentável passou a ter relevância na
elaboração das políticas públicas, há de se considerar a participação de outros agentes
que têm exercido influência no planejamento corporativo seletivo potiguar. São eles:
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA); Banco Mundial
(BM), Banco Internacional para a Reconstrução do Desenvolvimento (BIRD), Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID); Agência Japonesa de Cooperação
Internacional (JICA).
Ressalte-se, nesse contexto, a participação de consultores cuja atuação se
verifica não apenas no âmbito regional, mas em todo território brasileiro, como: a
Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE (FADE); a Consultoria Econômica e
Planejamento (CEPLAN), que, com a primeira, atuou na elaboração dos Planos
Regionais de Desenvolvimento Sustentável; a empresa de consultoria MacroPlan, com
experiência em construção de cenários e prospecção de futuros, planejamento
estratégico baseado em cenários e gestão estratégica orientada para resultados, que
participou da elaboração do PPA-RN 2016-2019. Além disso, destaca-se a participação
da Sociedade Civil Organizada, através da Federação de Municípios do Rio Grande do
Norte (FEMURN). Ressalte-se ainda que, diante da possibilidade de estabelecer
parcerias com instituições públicas e empresas privadas para a produção de estudos,
planos, programas e projetos, a formação de quadros técnicos do governo do estado do
Rio Grande do Norte, promovida entre os anos de 1960 e 1970, perdeu a importância.
104
Outro marco normativo relevante deu-se durante o governo de José Cortez
Pereira (1971-1974), que através da Lei N. 3.957 de 1971, criou a Secretaria de
Planejamento e Coordenação Geral e a Secretaria de Administração. Ressalta-se ainda
a publicação da Lei N. 4.414 de 04 de novembro de 1974, a qual criou o Sistema
Estadual de Planejamento (SISPLAN), regulamentado pelo Decreto N. 7.304 de 01 de
março de 1978.
Em se tratando do segundo legado, ainda durante o governo Aluízio Alves, nota-
se um esforço de modernização territorial através da criação da Companhia Telefônica
do Rio Grande do Norte (TELERN) e da Fundação de Habitação Popular, ambas
criadas em 1963. Em continuidade ao seu governo, Monsenhor Walfredo Gurgel (1965-
1970) promoveu a eletrificação rural (1965) e a criação da Companhia de Fomento
Econômico do Rio Grande do Norte (1967), tendo como objetivo incentivar a
industrialização no estado.
Sendo assim, desenvolveu-se um esforço de transformação da base material do
território norte-rio-grandense; fazendo com que a chegada da luz, dos telefones e da
construção e melhoramento de estradas e rodovias, por exemplo, contribuísse para que
alguns municípios pudessem dispor de uma infraestrutura mínima a fim de
apresentarem-se mais competitivos diante das demandas das empresas (indústria,
comércio e bancos).
Forjava-se, sobretudo nos anos de 1970, uma racionalidade econômica para o
planejamento do território potiguar que tinha no governo de José Cortez Pereira (1971-
1974) o seu suporte. A maioria dos projetos alavancados durante seu governo focava
no aspecto produtivo do estado, como o Projeto Boqueirão, voltado à produção de coco
na Região de Touros; o Projeto de Sericultura em Canguaretama; e as primeiras
pesquisas para o cultivo de camarão em cativeiro.
Parece então fazer sentido a reflexão proposta por Kahil (2010, p. 481), pois, ao
pensar assim o território norte-rio-grandense, o então governador também ajudava a
promover o uso corporativo do território.
105
Promovia-se no Rio Grande do Norte uma nova configuração territorial que no
final dos anos 1970, sobretudo a partir do governo de Tarcísio Maia (1975-1979), via na
atividade turística uma aposta para promover maior dinâmica econômica na capital. A
Construção da Via Costeira – estrada que faz a ligação entre o litoral norte e o litoral
sul do estado – foi um marco dessa nova configuração.
A partir da segunda metade dos anos de 1970 ocorreu a expansão de rodovias e
instalação de postos de serviços da TELERN. Mesmo com a expansão dos serviços de
comunicação e energia elétrica, por exemplo, – e também com a presença de novos
objetos técnicos (poços de petróleo, estradas, rodovias, porto, etc.) – o planejamento e
a ação das administrações federal, estadual e municipal ainda tinham relevância, mas
precisavam se ressignificar para adequarem-se aos novos contextos mundiais.
Esses novos contextos, sob a égide das grandes instituições dos governos e das
sociedades capitalistas, colocavam em questionamento o planejamento centralizador e
demandavam outras preocupações. Segundo Piquet e Ribeiro (2013, p. 145-146),
No Rio Grande do Norte, de acordo com Tinoco (1993), desde 1982 o estado
experimentava um período de crise no planejamento, o qual teria perdido sua força
porque os planos não refletiam a problemática estadual e não contemplavam uma
preocupação com a formação e a renovação dos quadros técnicos. Além disso, a
SEPLAN/RN teria se tornado executora e coordenadora do planejamento estadual e,
com isso, não conseguia exercer o seu papel de liderança junto às secretarias setoriais
e ao SISPLAN/RN.
No entendimento deste texto, o que Tinoco (1993) denomina de crise é na
verdade uma readequação da prática do planejamento no RN a um novo momento
histórico, o qual é reflexo de um conjunto de mudanças ocorridas no mundo. Essas
mudanças possuem relação com discussões político-ideológicas sobre o meio ambiente
e sua importância na formulação das políticas, sejam elas do Estado ou das empresas.
O governo do Rio Grande do Norte também absorveu essas mudanças,
incorporando em seus Planos o conceito de Sustentabilidade, que passou a ser
estimulado e requerido pelos organismos internacionais, como critério para obtenção
de créditos e financiamentos às suas ações (PIQUET e RIBEIRO, 2013).
A partir de 1994, deu-se início a elaboração de 9 Planos Regionais de
Desenvolvimento Sustentável para o território norte-rio-grandense, que seguem as
orientações definidas no Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do
Norte (1997). O plano considera a necessidade de compatibilizar o crescimento
econômico com a conservação ambiental e a equidade social. Ele contempla, portanto,
5 grandes dimensões: econômica, social, ambiental, tecnológica e político-
institucional.
106
De acordo com a assessora técnica da Secretaria de Estado do Planejamento e
das Finanças – SEPLAN/RN e da Federação de Municípios do Rio Grande do Norte –
FEMURN, apenas em 2005 – ou seja, mais de 10 anos após o início da elaboração do
Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte (concluído em 1997) –
é que começou a ser discutido no estado o processo de capacitação dos técnicos
municipais que deveriam executar a política de meio ambiente. Ainda segundo a
entrevistada, apenas 6 municípios do Rio Grande do Norte estavam aptos em 2013 a
realizar licenciamentos ambientais para a liberação de obras e empreendimentos,
sejam estes da iniciativa pública ou privada34.
Assim como o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, a participação
popular começou a fazer parte da agenda do governo do estado do Rio Grande do Norte
nos anos de 1990. Ao se iniciar a elaboração dos Planos de Desenvolvimento
Sustentável, passou-se a se deparar com demandas vindas da população e dos
movimentos sociais, sobretudo da Região do Seridó, acerca de se promover uma
experiência de caráter participativo (TINOCO, 2005). Ainda que de forma tímida e
pouco inovadora, o estado passou a estimular essa participação através das
Conferências Estaduais das Cidades.
Vê-se que, mesmo em Natal, o planejamento das ações e a participação popular
têm muitos desafios a superar, entre os quais destacam-se: a necessidade de concurso
público para a ampliação do quadro de pessoal técnico qualificado; a ampliação de
canais de debate e de participação popular para a tomada de decisões de interesse
público. Essa situação não é muito distinta nos demais municípios potiguares e é ainda
mais grave nos pequenos municípios, cuja capacidade de arrecadação fiscal e de
investimento nas ações que poderiam contribuir para promover uma maior dinâmica
territorial é limitada.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As influências externas exercidas no território norte-rio-grandense, a
sobreposição dos interesses hegemônicos presentes no estado aos interesses da
população em geral e a adoção de modelos e metodologias baseadas em racionalidades
externas ao território, são características marcantes do planejamento praticado no RN.
Para atender às demandas das empresas e às oligarquias, o governo estadual passou a
se ocupar mais com ações que viessem assegurar a construção de infraestruturas,
sobretudo para, em primeiro lugar, atender aos interesses das empresas e das
oligarquias locais e, apenas secundariamente, às demandas da população.
É evidente que se o território é para uso de todos, ele é também para o uso das
empresas. Nesse sentido, a infraestrutura criada pelo estado e que muitas vezes serve
em primeiro lugar aos interesses do capital e dos agentes hegemônicos é necessária. O
problema é que a historiografia da produção das bases materiais para uso do território
brasileiro se contradiz com os interesses da maioria, fazendo com que o território seja
seletivamente apropriado e utilizado para responder interesses e ordens distantes,
acentuando as desigualdades territoriais.
107
Enquanto um exercício político, o planejamento do território norte-rio-
grandense mostra-se ainda contraditório, pois ao adotar os paradigmas ofertados por
influências externas, o governo federal e o estadual, que alegavam em seus planos
terem como objetivo de suas políticas a redução das desigualdades regionais, acabaram
direcionando um esforço maior para a dotação das infraestruturas com vistas a
viabilizarem o fortalecimento das atividades econômicas. Passando, assim, a valerem-
se da apropriação de conceitos como sustentabilidade com vistas à demonstração de
uma preocupação com o bem-estar das futuras gerações.
6. REFERÊNCIAS
ABREU, Maurício de Almeida. O estudo geográfico da cidade no Brasil: evolução e
avaliação. Contribuição à história do pensamento geográfico brasileiro. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 56, n. 1/4, p. 21-122, 1994.
108
C.N.R.S – Centre National de la Recherche Scientifique (Centre d’Études de
Géographie Tropicale du C.N.R.S – Bordeaux – Talance). La régionalisation de
l’espace au Brésil. Seminaire International du C.N.R.S. Réuni au Centre de d’Études
de Géographie Tropicale du C.N.R.S – Bordeaux. 20 a 22 novembre 1968. Paris:
Éditions du C.N.R.S. 1971.
GOTMMANN, J. Avant-Propos. In: Gotmmann, J.; Sestini, A.; Tulippe, O.; Willatts, E.
C.; Vila, M. A. L’amenagement de l’espace. Planification regionale et géographie.
Paris: Armand Colin. 1952.
LAFER, Betty Mindlin. O conceito de planejamento. In: LAFER, Betty Mindlin (Org).
Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva. 1970. p. 9-28.
109
MELO, Mário Lacerda de. Nordeste, planejamento e geografia. Revista Brasileira
de Geografia. Rio de Janeiro/RJ. jul/set, 1963. p. 327- 342.
PAZ, Diego Tenório. Rio Grande do Norte: interações urbanas e os centros de gestão
do território. Dissertação de Mestrado, CCHLA, UFRN. 2013. 195f.
PIQUET, Rosélia; RIBEIRO, Ana Clara Torres. Tempos, ideias e lugares: o ensino do
planejamento urbano e regional no Brasil. In: RIBEIRO, A. C. T. Por uma sociologia
do presente: ação, técnica e espaço. Vol. 2. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p.133-
156.
SANTOS, Milton. Por uma economia política da cidade. O caso de São Paulo. São
Paulo: EDUSP, 2009 [1ª ed. 1994 – HUCITEC].
______. Economia Espacial: críticas alternativas. São Paulo: EDUSP, 2007 [1ª ed.
HUCITEC 1979], 204p.
110
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 5
TRABALHO ASSALARIADO AGRÍCOLA
NO RN: DEPENDÊNCIA DAS FRUTAS E
DA CANA-DE-AÇÚCAR
111
TRABALHO ASSALARIADO AGRÍCOLA NO RN: DEPENDÊNCIA DAS
FRUTAS E DA CANA-DE-AÇÚCAR
1. INTRODUÇÃO
O trabalho assalariado, uma das características do Sistema Capitalista
Contemporâneo, só relativamente há pouco tempo se tornou uma realidade efetiva na
Agropecuária Brasileira. Existe uma grande distância desde o estabelecimento oficial
do trabalho assalariado urbano com carteira assinada por Getúlio Vargas na década de
1930, até a sua implantação, de fato, no meio agropecuário brasileiro, nas duas últimas
décadas do século XX.
Esse “atraso” se deu, em parte, porque o campo brasileiro, com destaque para
as ocupações agrícolas, sempre foi um reduto do trabalho não-assalariado ao longo do
tempo. Herança arraigada do período colonial, o trabalho agropecuário estava
vinculado ao trabalho em terras do patrão, onde se pagava uma parcela da produção
recolhida - a tradicional renda pré-capitalista em produto - conhecida por termos como
a ‘terça’, a ‘meia’, dentre outros.
Com os novos direitos instituídos pela Constituição de 1988 e a chegada de
grandes empresas capitalistas agropecuárias no campo, esse cenário começa a mudar,
com a implantação gradativa do trabalho assalariado agrícola por todo o país, com
destaque para as regiões com economias agrícolas voltadas para a exportação.
Considerando o contexto de expansão do trabalho assalariado agrícola nos
últimos anos, o presente capítulo deste livro visa analisar e diagnosticar a situação do
trabalho assalariado agrícola no Estado do Rio Grande do Norte, mostrando em que
mesorregiões e municípios esse estado de coisa ocorre com maior densidade. Esta
análise e diagnóstico, se dá a partir das estatísticas do banco de dados da Secretaria de
Trabalho do Ministério da Economia, juntamente com dados de bibliografias sobre a
temática. Além dessa análise, o capítulo também discorre sobre as relações de trabalho,
com ênfase nas que ocorrem no campo brasileiro e na emergência das relações de
trabalho assalariado nos últimos anos.
112
ou valores, mas porque fazia o homem sentir-se, sobretudo, útil, necessário e partícipe
de uma obra que era executada individualmente ou por uma equipe (CAVALCANTI,
2008).
Nesse sentido, todo trabalho humano é tido também como dispêndio de força
de trabalho do homem no sentido fisiológico, sendo na qualidade de trabalho humano
igual ou trabalho humano abstrato que se vai gerar o valor das mercadorias
(RICARDO, 1988, p.13). Bauman (2001, p.157) observa que ao trabalho foram
atribuídas muitas atitudes e efeitos benéficos ao longo da história,
113
o exemplo de várias colônias, como a Austrália, onde “[...] os recursos da propriedade
privada e do Estado foram usados para excluir os trabalhadores do fácil acesso às terras
sem donos, para preservar um conjunto de trabalhadores assalariados no interesse da
exploração capitalista” (HARVEY, 2005, p. 113).
A partir dessas ideias e desse entendimento, este estudo deter-se-á nas relações
de trabalho no campo - relações mais peculiares, por manterem ainda hoje, em diversas
regiões, resquícios de características não-capitalistas associadas ao controle da terra.
114
encontrado com freqüência nas zonas açucareiras de Pernambuco e
Alagoas, está quase ausente das outras lavouras da região. Os
assalariados não atingem um milhão sequer numa população de 20
milhões e nem todos percebem salário a seco, remuneração por
excelência do regime capitalista (sic).
Esse tipo de relação de trabalho desigual no campo era comum também pelo
fato de a Legislação Social e Trabalhista não chegar até ali. A Legislação Trabalhista e
Sindical, aplicada nas décadas de 1930 e 1940 por Getúlio Vargas, sobretudo a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1942, foi fixada para os trabalhadores das
cidades, excluindo por completo os do campo de qualquer lei trabalhista. Isto acontecia
pelo enorme poder das burguesias agrárias (ANTUNES, 2006). Krein e Stravinski
(2008, p.359) observam que
115
que a equivalência de direitos só irá efetuar-se na Constituição Federal
de 1988.
35 Castells (2002) analisa que, com a acumulação flexível, tem-se claramente a difusão de duas classes de
empregados polarizados: A da camada superior de trabalhadores multifuncionais com muita
qualificação e especializados – que têm todos os direitos e estabilidade no emprego, alta remuneração, para
poderem cooperar mais com a empresa; E a da camada inferior sem especialização, trabalhadores com
baixa qualificação – com poucos ou nenhum direito, baixa remuneração, descartáveis, uma vez que, a qualquer
momento, podem ser dispensados. A maioria deles encontra-se no Setor de Serviços.
Antunes (2005, p.32) também analisa e comenta sobre essas duas classes polarizadas:
Criou-se de um lado, em escala minoritária, o trabalhador ‘polivalente e funcional’ da era
informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais
intensidade sua dimensão mais ‘intelectual’ (sempre entre aspas). E, de outro lado, há uma massa de
trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time,
emprego temporário, parcial, precarizado, ou mesmo vivenciando o desemprego estrutural.
Esses trabalhadores com baixa qualificação são os mais afetados pelos padrões flexíveis, que, em muitos casos,
estendem a jornada de trabalho, das tradicionais 35-40h, para mais tempo; não têm estabilidade no emprego,
porque o trabalho flexível é regido por tarefas e não inclui compromisso com a permanência futura no emprego; e
não contam com contrato social entre patrão e empregado - a maioria é autônoma ou terceirizada (que dissimula a
precarização e a redução dos salários) (CASTELLS, 2002; COSTA, 2008).
116
sociedade contemporânea (BUAINAIN; DEDECCA, 2008, p.54)
(grifos meus).
117
exclusivamente com mão de obra familiar. Assim, entre os grandes estabelecimentos,
este percentual era de apenas 36,4%, confirmando que as relações de assalariamento
são mais importantes nos estabelecimentos maiores. Vale lembrar que a maioria das
ocupações agrícolas se concentra na Região Nordeste do país, com a impressionante
marca de 7.698.631 de pessoas ocupadas - quase 50% de todas as ocupações agrícolas
do Brasil (BRASIL, 2009).
Concomitante a isso, o Censo Agropecuário de 2017 mostra outra queda das
pessoas ocupadas em estabelecimentos agrícolas, com o número de 15.105.125. Desse
percentual, cerca de 74% representavam o grupo de trabalhadores com laços de
parentesco. Ainda dentro desses dados, 10,1 milhões de pessoas, ou 67% do total,
trabalhavam em estabelecimentos classificados como de agricultura familiar. Do total
de pouco mais de dez milhões, quase 5 milhões de agricultores familiares estão na
Região Nordeste do país, reforçando a importância da agricultura familiar para a
geração de emprego e renda na atividade agropecuária no Brasil e no Nordeste
(BRASIL, 2019).
Contudo, apesar da diminuição nas ocupações agrícolas, vários estudos, como o
de Campolina e Silveira (2008), mostram uma estabilização do processo migratório
campo-cidade, devido ao crescimento das atividades não-agrícolas ligadas ao
Agronegócio e aos mais variados serviços, como turismo, condomínios rurais, serviços
domésticos, entre outros. Essas atividades devem absorver parte dos desocupados
agrícolas ou vão reforçar a renda agrícola, fora a participação cada vez maior das
aposentadorias e pensões e até das transferências do bolsa-alimentação na
composição da renda domiciliar rural.
A chegada da flexibilização no campo brasileiro nas últimas décadas tem sua
parcela de culpa na continuação da precarização do trabalho e no aumento dos índices
de desemprego. A região Sudeste (São Paulo em destaque) e a Centro-Oeste, absorvem
uma reestruturação produtiva com investimentos baseados na irrigação, mecanização
das colheitas e cultivos adensados com alta tecnologia e que geram mais desemprego
(BASALDI, 2008a). O resultado no estado de São Paulo foi a multiplicação da
produção agrícola nos últimos anos, junto com a multiplicação dos índices de
desemprego, que subiu de 1,5%, em 1989, para 10,3%, em 2005 (POCHMANN, 2008).
Enquanto o rendimento das principais culturas comerciais evoluiu, os salários
e as relações de trabalho nessas mesmas culturas não cresceram. Um exemplo desse
quadro é mostrado por Pochmann (2008), quando se refere ao Setor Sucroalcooleiro
Paulista, mostrando que há duas classes de trabalhadores: a primeira, de técnicos com
maior escolaridade e treinamento com contrato de trabalho formal; a segunda, com
trabalhadores descartáveis, com pouca escolaridade, trabalhando em regime de
contratação temporária. Para os trabalhadores de segunda classe, tem-se uma alta
rotatividade nas ocupações, o que gera insegurança ocupacional e achatamento dos
salários, além da pressão por produtividade, que leva a uma ampliação da jornada de
trabalho acima do tempo oficial de 44h semanais, chegando, em muitos casos, a mais
detinham apenas 30,31% das terras, responderam por 84,36% das pessoas ocupadas em 31.12.2006” (BRASIL,
2009, p.129).
118
de 49h semanais. É importante observar que essa divisão em duas classes de
trabalhadores entre os especializados com estabilidade, de um lado e os trabalhadores
agrícolas temporários com baixa instrução de outro, é frequente em inúmeros ramos
produtivos voltados para o mercado global, como o ramo frutícola, pesquisado
intensivamente por Elias (2006). Além disso, muitas usinas de cana de São Paulo,
seguindo os ditames da flexibilização, passaram a terceirizar a mão de obra ocupada
nas lavouras de cana, agravando as já precárias condições dos trabalhadores rurais,
que perderam as mínimas garantias trabalhistas (RAMOS, 2008).
Ramos (2008) mostra alguns dados relativos à geração de empregos por área
colhida (ha) em 2005. Esses dados, quando comparados com o Censo de 1995/96,
demonstram o resultado do processo de reestruturação produtiva com intensa
mecanização e alta tecnologia, que está sendo aplicado principalmente nas culturas
comerciais voltadas para o mercado global. Um exemplo claro é a cana de açúcar que,
em 1995, gerava 14,78 empregos a cada 100 ha e que, em 2005, passou a gerar 8,83 -
uma redução bastante significativa oriunda do processo de reestruturação produtiva
com o uso de máquinas.
Uma máquina de corte de cana colhe de 800 a 1.000 toneladas por dia,
substituindo, o trabalho de cem homens (cada um cortando entre 8 e 12 t/dia). Em um
futuro próximo, essas máquinas substituirão cerca de 420 mil empregos só na lavoura
de cana (RAMOS, 2008). Belik et al (2003) analisam o impacto das colheitadeiras37
sobre o nível de demanda de mão de obra agrícola. No algodão, uma colheitadeira
equivale a 80 ou 150 pessoas; no café, até 160 pessoas; no feijão, a 100 ou 120 pessoas.
Por causa do intensivo processo de mecanização é que a soja, cultura que ocupa mais
de 28% da área agrícola do país, é responsável apenas por 5,8% da geração de mão de
obra (7o. lugar), ficando atrás de culturas como o arroz (6º), mandioca (4º), feijão (3º)
e milho (1º). Sobre a soja, Belik et al (2003, p.171) destacam que
37É bom observar que os vários programas de modernização agrícola no campo, através da compra de modernas
colheitadeiras e implementos agrícolas, são subsidiados pelo Governo Federal, através do BNDES e ironicamente
através de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (BELIK et al, 2003).
119
tratores e colheitadeiras com relação ao censo passado. Esse alto nível de mecanização
é diretamente proporcional ao aumento do desemprego no setor rural. A própria
agência de notícias do IBGE noticiou em fins de 2019: “Com aumento da mecanização,
agropecuária perde 1,5 milhão de trabalhadores” (BRASIL, 2019a, BRASIL, 2019b).
Outros problemas relativos à flexibilização das relações de trabalho no campo
brasileiro dizem respeito à remuneração, em que se observa, nos últimos anos, o
crescimento da remuneração vinculada diretamente à produção ou à comissão. Entre
2002 e 2006, evidenciou-se um aumento de 16,5% para 19,5% da massa de
assalariados agrícolas no Brasil. Esse tipo de pagamento leva muitas vezes à prática de
sobre jornada de trabalho, já citada anteriormente no Setor Sucroalcooleiro, que afetou
quase 60% dos assalariados agrícolas permanentes e quase 40% dos assalariados
agrícolas temporários no Brasil em 2006, de acordo com dados da PNAD/IBGE
(KREIN; STRAVINSKI, 2008).
É sempre importante lembrar que essas práticas comprometem a saúde do
trabalhador, levando muitos casos a mortes por excesso de trabalho, sem falar na
desorganização do núcleo familiar, pela ausência dos pais trabalhadores, seja pelas
superjornadas de trabalho, seja pelo sistema de folgas praticado por muitas empresas
agrícolas, o 5x1 que, muitas vezes, não inclui folga no domingo, acarretando, com isto,
desencontro familiar (KREIN; STRAVINSKI, 2008). Outro fator que se observa está
nas relações do trabalho: o avanço do comércio exterior e a preocupação internacional
com técnicas e padrões de qualidade para produtos que estão inseridos no comércio
global.
Desse modo, existe o monitoramento de toda a cadeia produtiva através de
certificados internacionais como o ISO. Esse monitoramento internacional, que visa
comprovar técnicas e padrões de qualidade, faz com que ocorram mudanças nas
relações de trabalho no ritmo e nas características do trabalho das regiões produtoras,
gerando uma maior formalização do trabalho e maior abrangência de mecanização da
produção. Isso acontece no Brasil com muita intensidade no ramo de Fruticultura para
exportação (CAVALCANTI, 2004; CAVALCANTI; MOTA, SILVA, 2006).
Também no ramo de Fruticultura brasileira, nos últimos 40 anos, observa-se
um grande processo de mecanização através da Agricultura Irrigada, com a introdução
de inúmeras novidades tecnológicas, muitas das quais, poupadoras de mão de obra,
como o sistema de irrigação autopropelido38, na década de 1970, e do pivô central, na
década de 1980, - aparelho mecanizado, automatizado, que irriga grandes áreas com
mínimas exigências de mão de obra.
Nos anos de 1990, o uso de “comandos informatizados” na Agricultura Irrigada,
aumentou a produtividade do trabalho e a exigência de trabalhadores qualificados e
especializados para manejar as máquinas, resultando no emprego relativo de menor
quantidade de mão de obra nesse setor. Como exemplo, a irrigação controlada por
computador pode ser feita por um homem na metade de seu tempo, em vez quatro
38 O sistema de irrigação por aspersão móvel ou autopropelido é movimentado por energia hidráulica, sendo
composto por um canhão hidráulico (aspersor canhão), montado sobre uma plataforma, que se desloca sobre o
terreno, irrigando-o simultaneamente (CIENTEC, 2010).
120
homens com o equipamento tradicional. Já a fertirrigação, colocação do adubo
diretamente na água - método possível com o sistema de microaspersão - dispensa o
funcionário que faria a adubação. No início da modernização do Vale do São Francisco,
falava-se em seis pessoas ocupadas por ha. Hoje, após o processo de
mecanização/informatização, fala-se em duas pessoas por ha. (CAVALCANTI, 2010;
SANTANA, 1997).
Paralelamente ao processo de incorporação tecnológica, dá-se também no ramo
frutícola, um aprofundamento da precariedade laboral, mediante a multiplicação do
trabalho temporário, subcontratado e em tempo parcial em muitos lugares. Cavalcanti
et al (2010a) observa que existem várias localidades que adotam a fruticultura irrigada
- o Platô de Neópolis, em Sergipe, é um exemplo disto -, que já requer um profissional
‘múltiplo’, polivalente, e que revelam um aumento do trabalho assalariado, em
decorrência da diminuição dos proprietários de estabelecimentos. Quando se faz a
comparação com outros lugares, nota-se que, embora ainda não exista homogeneidade
nas relações de trabalho frutícola, observa-se claramente a emergência comum da
flexibilização, como analisa Cavalcanti (2010, p.12), quando remete para a Argentina:
121
Gráfico 01: Evolução do Trabalho Formal no Brasil (1992 a 2018)
50000000
40000000
30000000
Trabalho formal
20000000
10000000
0
1992 2002 2012 2018
122
Gráfico 02: Evolução do trabalho agrícola formal no Brasil (1992 a 2018)
1600000
1400000
1200000
1000000
800000
Trabalho
600000 agrícola formal
400000
200000
0
1992 2002 2012 2018
250000
200000
150000
Trabalhadores
100000 da
mecanização
50000 agropecuária
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
123
210 mil empregos. Em termos percentuais, foi um crescimento de quase 60% em
apenas dez anos - muito superior ao crescimento dos trabalhadores formais agrícolas
no período e também muito superior à média nacional de crescimento de empregos
formais.
400000
350000
300000
250000
200000
150000 1992
100000 2002
50000 2012
0 2018
A IL O S IA
RI IV CI O R
T C IÇ UÁ
ÚS O ÉR RV C
ÇÃ M
I ND U CO SE PE
T R RO
NS AG
CO
124
mostra um crescimento significativo, os outros Estados estão estáveis em trabalho
assalariado agrícola ou chegaram, inclusive, a diminuir a mão-de-obra nos últimos
cinco anos, como Ceará e Sergipe:
O
AR AUÍ
BA
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CO
AS
Á
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IP
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M
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E
PE
ND
RA
G
O
RI
Gráfico 06: Trabalho assalariado Agrícola nas mesorregiões do RN (de 1992 a 2018)
12000
10000
8000
1992
6000 2002
4000 2012
2018
2000
0
OESTE CENTRAL AGRESTE LESTE
POTIGUAR POTIGUAR POTIGUAR POTIGUAR
125
O gráfico demonstra um grande crescimento do trabalho assalariado agrícola
formal entre 1992 e 2002 em todas as mesorregiões do Estado. Já entre 2002 e 2012,
nota-se que houve uma redução do trabalho assalariado formal nas duas principais
mesorregiões de trabalho assalariado, com destaque para a principal redução na
Mesorregião Leste Potiguar, Zona da Mata, onde se localizam as culturas exportadoras
de cana-de-açúcar que estão cada vez mais mecanizadas. Entre 2012 e 2018, houve
uma pequena recuperação nas duas mesorregiões.
39 A Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, instituída pela Portaria Ministerial nº. 397, de 9 de outubro de
2002, tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos
registros administrativos e domiciliares. As ocupações utilizadas pela CBO-2002 subgrupo para classificar como
trabalhadores agrícolas foram: agrônomos e afins, técnicos agrícolas, produtores agropecuários, produtores
agrícolas, supervisores na exploração agropecuária, trabalhadores na exploração agropecuária em geral,
trabalhadores agrícolas, trabalhadores da mecanização agropecuária, trabalhadores da irrigação e drenagem. Os
efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupações são de ordem administrativa e não
se estendem às relações de trabalho. Já a regulamentação da profissão, diferentemente da CBO, é realizada por meio
de lei, cuja apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores , e levada à sanção
do Presidente da República. (BRASIL, 2014).
126
Intermediária de Mossoró, e os municípios que vão ser estudados Mesorregião Leste
Potiguar fazem parte da Região Geográfica Intermediária de Natal.
127
No município de Arês se destaca atualmente a Usina Estivas, pertencente a Pipa
Agroindustrial Ltda, que comanda a maior usina de açúcar da região, junto com o
Grupo Farias. Esse grupo, comprou da multinacional Louis Dreyfus Commodities sua
unidade no ano de 2018. Nota-se também uma redução de funcionários ao longo dos
últimos anos (BIOSEV, 2018).
Em relação aos dados da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, no
município de Baía Formosa, observa-se, em um primeiro momento que, levando em
conta a divisão setorial do IBGE, nos últimos 10 anos, deu-se uma queda na geração de
empregos na Indústria de Transformação, o que representa geralmente 75% dos
empregos formais do referido município, ficando a Agropecuária com menos de 10%
da geração dos empregos formais ao longo dos últimos 10 anos (ver Quadro 01):
Quadro 01: Baía Formosa: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (2009-
2018)
SETOR 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ind. Transformação 3.426 3.280 3.593 3.197 2.884 2.944 2.314 2.424 2.357 2.138
Serv. Indústria 2 2 2 0 0 0 0 2 3 3
Construção Civil 8 0 9 7 7 4 9 13 12 9
Comércio 81 76 71 71 73 76 86 58 52 52
Serviços 73 93 88 91 102 90 301 244 266 86
Adm. Pública 447 409 472 405 412 384 364 339 506 471
Agropecuária40 163 148 291 281 297 211 202 178 182 153
Total 4.200 4.008 4.526 4.052 3.775 3.709 3.276 3.258 3.378 2.912
Fonte: Brasil, 2020b.
40 Lembrando que fazem parte também desse Setor a Extração Vegetal, além da Caça e Pesca.
128
Quadro 02: Perfil ocupacional dos Trabalhadores Agropecuários de Baía Formosa,
de Acordo com a CBO 2002 (2018)
FAIXA DE REMUNERAÇÃO
NÚMERO DE
PERFIL OCUPACIONAL MÉDIA DA MAIORIA DOS
TRABALHADORES
TRABALHADORES (SM)41
Técnicos Agrícolas 10 4a7
Agrônomos e afins 1 15 a 20
Supervisores da Exploração
1 Mais de 20
Agropecuária
Trabalhadores Agropecuários
0 -
em geral
Trabalhadores Agrícolas 1.432 1a2
Trabalhadores da Irrigação e
8 1 a 1,5
Drenagem
Trabalhadores da Mecanização
148 1a2
Agrícola
TOTAL 1.600 -
Fonte: Brasil, 2020b.
41A metodologia empregada para chegar a esses intervalos foi a presença do meio número de vínculos por faixa de
renda, acumulando no máximo as duas faixas que mais apareciam vínculos de emprego formal.
129
setorial do IBGE, apresenta cerca de 5% de todos os empregos formais municipais nos
últimos anos. Nos últimos anos (2009-2018), a Industria de Transformação perdeu
cerca de 50% dos seus funcionários, como demonstra o quadro abaixo:
Quadro 03: Arês: Vínculos ativos por setor de atividade econômica (2009-2018)
SETOR 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Extração Mineral 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Ind. 2.635 1.884 2.086 1.704 1.525 1.604 1.710 1.683 1.424 1.248
Transformação
Serv. Indústria 3 9 9 4 0 0 0 5 0 6
Construção Civil 2 0 0 7 2 2 2 1 4 2
Comércio 47 47 52 68 68 64 78 81 131 122
Serviços 11 17 35 37 48 54 61 39 36 37
Adm. Pública 878 690 719 612 847 770 806 3 782 810
Agropecuária 84 87 104 75 84 86 79 164 130 137
Total 3.660 2.734 3.005 2.507 2.574 2.580 2.736 1.976 2.507 2.362
Fonte: Brasil, 2020b.
Como se pode ver, havia 530 pessoas ocupadas com trabalhos ligados à
Agropecuária em 2018, cerca de 40% a menos que em 2012, em que haviam 914
pessoas ocupadas com trabalhos ligados à Agropecuária. Esses dados, mesmo com essa
queda drástica nos últimos anos, mostram a grande importância do Setor
130
Agropecuário para o município, que representa mais de um quarto de todos os
empregos formais gerados. Vale observar também o grande número de trabalhadores
ligados à Mecanização Agropecuária, com faixa de remuneração média (em salários
mínimos) superior aos trabalhadores agrícolas. O município de Arês é sede da Usina
de Cana “Estivas”, gerando também muitos empregos no ramo da Indústria de
Transformação.
131
Norte - “Polo Assú-Mossoró”, onde se inserem quase todos os municípios com grande
percentagem de trabalhadores assalariados agrícolas, como Mossoró, Ipanguaçu,
Baraúna e Upanema (ver Figura 3). O primeiro se destaca nas exportações de frutas e
castanhas desde a década de 1980; o segundo, na atuação globalizada, desde a década
de 1980, intensificando essa atuação na década de 1990, com a chegada de uma
multinacional de frutas para exportação: a Del Monte Fresh Produce. Já no terceiro
município se destacam médias empresas exportadoras de frutas - a maioria de
propriedade de imigrantes japoneses que ganham fôlego a partir da década de 1990. O
município de Upanema tem destaque de 2015 para cá com o crescimento da
fruticultura de melão para exportação na sua área.
132
Figura 03: Polo Açu-Mossoró – destaque para Mossoró, Ipanguaçu, Upanema e
Baraúna
133
Considerando os dados da Secretaria de Trabalho, do Ministério da Economia
para o setor de atividade em Mossoró, nota-se que, apesar de deter os mais elevados
números absolutos de empregos formais agrícolas, com variação de 2.000 a mais de
4.000 empregos agrícolas formais na série histórica (de 2009 a 2018), em termos
proporcionais, o trabalho na Agropecuária não representa muito mais do que 7% de
todos os empregos gerados no município. Vale lembrar também que muitos empregos
gerados na Indústria de Transformação estão diretamente ligados ao Agronegócio,
como as fábricas que processam castanha de caju para exportação que estão alocadas
em Mossoró, como a Usibras (Ver Quadro 5):
134
Trabalhadores da Mecanização 252
1a2
Agrícola
Trabalhadores da Irrigação e 121
1a2
Drenagem
TOTAL 3.318 -
Fonte: Brasil, 2020b
135
Quadro 08: Perfil Ocupacional dos Trabalhadores Agropecuários de Baraúna
(2018)
FAIXA DE REMUNERAÇÃO
NÚMERO DE
PERFIL OCUPACIONAL MÉDIA DA MAIORIA DOS
TRABALHADORES
TRABALHADORES (SM)
Técnicos Agrícolas 4 2a3
Agrônomos e afins 7 7 a 10
Trabalhadores de Irrigação e 18 1 a 1,5
Drenagem
Supervisores na Exploração 24 1,5 a 3
Agropecuária
Trabalhadores Agropecuários 369 1 a 1,5
em geral
Trabalhadores Agrícolas 772 1 a 1,5
Trabalhadores da Mecanização 90 1a2
Agrícola
TOTAL 1.284 -
Fonte: Brasil, 2020b
136
O referido município está inserido nas exportações de frutas para o mercado
europeu, com destaque para o melão, exportado para o mercado holandês, com mais
de 770 mil dólares de exportações em 2019, de acordo com a Secretaria de Comércio
Exterior (BRASIL, 2020a):
b) Ipanguaçu
A importância de Ipanguaçu como grande gerador de trabalho assalariado se
inicia com a chegada de empresas de Fruticultura Irrigada na década de 1980 e se
aprofunda com a chegada da Multinacional Americana Del Monte Fresh Produce na
década de 1990, alterando não só o mercado de trabalho, mas também o mercado de
terras, com sua intensa compra no município e na região circunvizinha, como nos
municípios de Assú e Carnaubais, que sentiram os efeitos também da Multinacional,
através do assalariamento e da concentração fundiária. Essa Multinacional tem sede
nas Ilhas Cayman e seu principal centro administrativo hoje se encontra nos Estados
Unidos, em Coral Glabes, na Flórida. Trata-se de uma empresa tanto verticalizada, com
empresas por toda a cadeia produtiva da banana, inclusive, transporte marítimo,
beneficiamento e distribuição, quanto horizontalizada, com negócios de investimento
em mercado financeiro, imobiliário e no Setor Turístico (DEL MONTE FRESH
PRODUCE, 2011). É uma Multinacional com todas as características próprias de
grandes multinacionais do Setor Frutícola, conforme Gómez (1999) cita: possui terra e
adquire produções de vários países do Mundo, especialista em produtos de elevado
137
valor, como frutas e vegetais frescos, fruta tropical. Além disso, abastece os mercados
com uma ampla oferta de produtos, etiqueta todos os produtos, utilizando somente
uma marca, encontra-se verticalmente integrada, oferecendo ampla gama de serviços,
desde o cultivo direto ou contrato com os agricultores, financiamento, colheita,
embalagem, frete e comercialização; além de possuir capacidade de coordenar sua
estratégia de mercado para a linha completa de seus produtos em escala mundial:
138
agropecuária, ainda representam cerca de 50% dos empregos com carteira assinada,
ainda superando a administração pública, como maior empregador. Em 2019, de
acordo com dados da Secretaria de Comercio Exterior, Ipanguaçu, exportou mais de 5
milhões de dólares em bananas e mangas, principalmente para o mercado europeu e
americano (BRASIL, 2020a):
139
Bezerra Neto e Moura (1999) afirmam que, com a entrada desse tipo de empresa
multinacional exportadora, novas atividades são criadas no processo de produção, de
modo que essas atividades contribuem para reforçar o caráter não-agrícola dos
empregos na zona rural de Ipanguaçu. São exemplos de atividades novas: a de fiscal,
que monitora as atividades desenvolvidas pelos demais trabalhadores e as
desempenhadas por mulheres, que trabalham com a limpeza, seleção e embalagem nas
empacotadeiras da Del Monte Fresh Produce.
A Multinacional, com a implantação da mão de obra assalariada permanente,
vai de encontro às ideias referentes à jornada flexível. As grandes Empresas
Multinacionais, para baixar os custos, vão implantar diversas formas de flexibilidades
na organização do trabalho, como a subcontratação e terceirização (CASTELLS, 2002).
Contudo, a Del Monte Fresh Produce, junto com as duas maiores exportadoras de
bananas no Mundo, a Dole e a Chiquita, tem evitado trabalhar com a subcontratação e
a terceirização.
Apesar disso, vale salientar que a empresa, mesmo empregando dentro da forma
da lei, com carteira assinada, também já teve inúmeros problemas com a fiscalização
do Ministério do Trabalho, por causa de problemas com excesso de horas extras além
da legislação, dentre outros.
c) Apodi
Por último, temos o único município que não fazia parte dos Polos de
Desenvolvimento Integrado, o município de Apodi. Assim como Upanema,
recentemente, esse município teve o crescimento das suas atividades ligadas a
fruticultura para exportação de melão, com exportações de mais de 3 milhões de
dólares em 2019, para a Inglaterra, Holanda e Alemanha. Tem destaque para várias
empresas especializadas em fruticultura, como a E.W Empreendimentos Agrícola. No
Quadro 14, observa-se que o crescimento dos empregos formais no setor da
agropecuária é muito recente, concentrando-se de 2015 a 2018, quando ultrapassa a
administração pública como maior empregador do município, com 1.563 pessoas,
representando cerca de 40% dos empregos municipais (BRASIL, 2020a):
Quadro 14: Apodi: Vínculos Ativos por Setor de Atividade econômica (2009-2018)
SETOR 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Extração Mineral 32 21 37 37 35 38 37 56 43 55
Ind. 193 211 242 225 204 246 247 208 210 218
Transformação
Serv. Indústria 6 6 6 0 0 0 0 8 13 13
Construção Civil 4 22 34 38 43 31 30 14 33 18
Comércio 385 473 532 572 618 646 591 577 568 579
Serviços 202 234 252 258 269 328 314 304 329 323
Adm. Pública 1.162 1.026 1.154 970 1.098 1.045 1.056 930 1.051 1.285
Agropecuária 115 104 122 180 171 236 829 1.176 1.440 1.563
Total 2.099 2.097 2.379 2.280 2.438 2.570 3.104 3.273 3.687 4.054
Fonte: Brasil, 2020b
140
Desse total, nota-se, em sua maioria, trabalhadores agrícolas que representam
dois terços dos empregos, com salários entre 1 a 1,5 mínimos. Observando o quadro 15,
observa-se também, a importância dos trabalhadores da mecanização agropecuária e
da Irrigação e Drenagem, que representam um volume razoável, podendo-se inferir,
que se trata de trabalhadores ligados a empresas de fruticultura irrigada:
É possível notar que Apodi se destaca como uma área de expansão recente da
fruticultura irrigada, para além das já tradicionais áreas da Chapada do Apodi, com
impactos significativos para o aumento do trabalho formal no município nos últimos
cinco anos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise deste trabalho permite entender que, nas últimas décadas, deu-se no
campo brasileiro um crescimento do trabalho assalariado formal, derivado, sobretudo,
da implementação da Legislação Trabalhista no campo e de um novo ambiente
institucional favorável ao trabalho assalariado nas zonas rurais, com a Constituição de
1988. Contudo, o crescimento do trabalho assalariado no campo brasileiro não é
homogêneo, destacando-se principalmente, em alguns pontos vinculados muitas vezes
ao Agronegócio Exportador e ao avanço da Mecanização Agrícola.
Em se tratando do trabalho assalariado no Rio Grande do Norte, a sua grande
incidência encontra-se restrita a poucos municípios do Estado, que geram um número
relevante de trabalhadores assalariados, na maioria das vezes, os mesmos que constam
como grandes exportadores de produtos agropecuários (fruticultura) e que possuem
grandes empresas de capital nacional e multinacional engajadas no comércio global.
Enfim, pode-se relacionar, de forma clara, o trabalho assalariado formal no Rio
Grande do Norte, principalmente, com as atividades agrícolas voltadas para o Mercado
141
Internacional, exigente, com certificações internacionais e cobranças de tratamento
digno ao trabalhador. Essa conjuntura faz com que muitas empresas prefiram
assalariar o trabalhador e legalizar sua situação com a carteira assinada. Vale lembrar
que o trabalho assalariado agrícola formal representa apenas cerca de um decimo do
total das ocupações nos estabelecimentos agrícolas.
6. REFERÊNCIAS
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do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BELIK Walter, et al. O emprego rural nos anos 90. In: PRONI, Marcelo Weishaupt;
HENRIQUE, Wilnês (Orgs). Trabalho, mercado e sociedade: O Brasil nos anos
90. São Paulo: Editora UNESP; Campinas, SP: Instituto de Economia da UNICAMP,
2003. p. 107-152.
BEZERRA NETO, Pedro dos Santos, MOURA, Olga Nogueira de Sousa. Ocupações
não-agrícolas: novas opções de emprego no campo. ENCONTRO NORTE-NORDESTE
DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 9., 1999, Natal. Anais... Disponível em:
http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/textos/downlo/textos.html Acesso em: 28
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BIOSEV. 2018 (21-09-2018). Biosev anuncia venda da unidade Estivas por R$ 203,6
milhões. Acesso em: https://www.biosev.com/noticia/biosev-anuncia-venda-da-
unidade-estivas-por-r-2036-milhoes/ Disponível em: 15 abr.2020.
142
noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25791-com-aumento-da-mecanizacao-
agropecuaria-perde-1-5-milhao-de-trabalhadores Acesso em: 15 abr. 2020.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CASTRO, Josué de. Sete palmos de terra e um caixão: ensaio sobre o Nordeste,
área explosiva. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1967.
CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa; MOTA, Dalva Maria da; SILVA, Pedro Carlos
Gama da. Transformações recentes nos espaços de fruticultura do Nordeste do Brasil.
In: ELIAS, Denise; PEQUENO, Renato (Orgs). Difusão do agronegócio e novas
dinâmicas socioespaciais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2006. p.117-
150.
143
CAVALCANTI, Josefa Salete Barbosa; SILVA, Ana Cristina Belo da. Globalização,
Estratégias Produtivas e o trabalho de homens e mulheres na fruticultura
de exportação: o caso do Vale do São Francisco. 2010. Disponível em:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/pernambuco/glob.doc Acesso em: 2
jun. 2010.
GROSSI, Mauro Eduardo Del. Dinâmicas dos mercados de trabalho no campo. In:
MIRANDA, Carlos; TIBURCIO, Breno (Orgs). Emprego e trabalho na
144
Agricultura Brasileira. Brasília: IICA, 2008. (Série Desenvolvimento Rural
Sustentável;v.9).p.136-156.
SILVA, Aldenôr Gomes da. Do rural ao local: os reflexos das políticas públicas nos
“municípios rurais” do Nordeste. In: WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel (Org.).
Globalização e desenvolvimento sustentável: dinâmicas sociais rurais no
nordeste brasileiro. São Paulo: Polis; Campinas, SP: Ceres – Centro de Estudos Rurais
do IFCH – Unicamp, 2004. p.33-60.
145
TRIBUNA DO NORTE. 2016 (18-05-2016). Grupo Farias que opera no RN pede
recuperação judicial. Disponível em:
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/grupo-farias-que-opera-no-rn-pede-
recuperaa-a-o-judicial/346527 Acesso em 15 abr. 2020.
146
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
CAPÍTULO 6
PANORAMA DA QUESTÃO
ENERGÉTICA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE: NOVOS ARES DA
ENERGIA
147
PANORAMA DA QUESTÃO ENERGÉTICA DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE: NOVOS ARES DA ENERGIA
1. INTRODUÇÃO
A questão energética está em foco desde os tempos mais primitivos, onde o uso
do calor do fogo revolucionou a perspectiva de aproveitamento dos recursos naturais
pelo homem, permitindo um desenvolvimento de aplicação de energias derivadas das
chamas – inicialmente térmica - “calor”, eletromagnética - “luz”, posteriormente
mecânica - “movimento” e elétrica – “eletricidade”.
Esta tomada inicial do uso da energia passou por revoluções com o
desenvolvimento das ciências que propiciaram a criação de tecnologias aplicadas à
produção, processamento e consumo de energia, que ampliaram o potencial de
desenvolvimento socioeconômico de diversos países. A extensa produção de energia
elétrica pelas termoelétricas e hidrelétricas e a dos combustíveis fósseis com o petróleo
e gás foram as formas mais antigas, e são até hoje, em grande parte dos países, as mais
importantes empregadas.
As limitações de recursos naturais em várias nações implicaram na utilização
de novas tecnologias como o emprego de outras fontes de energia elétrica como as
termoelétricas que utilizam o carvão, xisto e turfa; usinas nucleares, que produzem
energia a partir da fissão/fusão nuclear de elementos químicos radioativos; de usinas
eólicas, que utilizam a força cinética dos ventos para o acionamento das turbinas; e,
biomassas para a produção de combustíveis – etanol de cana-de-açúcar, também
havendo produção a partir do milho e batata-doce.
Dentre as fontes energéticas ainda pouco utilizadas, devido à necessidade de
desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e dos altos custos de implantação,
podemos citar a energia solar, que transforma a radiação eletromagnética do sol em
energia elétrica e a força maremotriz, que emprega a força cinética das correntes
oceânicas ou das ondas.
Estudos recentes tem discutido a utilização de biomassas alternativas para os
biocombustíveis prevendo as futuras crises das reservas de petróleo, já estando
disponível no Brasil o biodiesel. No Brasil, as principais fontes de energia elétrica ainda
são as hidrelétricas distribuídas em todas as regiões do país, mas com grande parte
ainda em construção por parte dos Planos de Aceleração do Crescimento – PAC que
houveram nas gestões anteriores do Governo Federal. Aliadas a estas, temos as grandes
fontes de geração de combustível fóssil, petróleo e gás natural que produzem a maior
parte de combustível consumido no país, oriundos de bacias offshore (oceânicas) e
onshore (continentais).
Especificamente no estado do Rio Grande do Norte, muitas perspectivas das
bases energéticas apontam preocupantes conflitos, tanto socioeconômicos, como
impactos ambientais associados à evolução do consumo e formas de utilização das
fontes energéticas existentes. As fases finais de boa parte dos campos de exploração
petrolífera, a abertura para as empresas estrangeiras, além da ampliação das formas
148
de ampliação de geração da energia elétrica, com base nos campos eólicos e de energia
solar, é marcante nesta segunda década do século XXI no Rio Grande do Norte.
149
anos com os parques eólicos, implantados principalmente nas áreas próximas ao litoral
norte e algumas regiões serranas.
Esta linha de produção foi seguida pelas tendências que já ocorrem em outros
estados, como o Ceará, que tem feito estudos para o aproveitamento das correntes de
ar destas áreas litorâneas que possuem grande potencial eólico. Foi criada em 2008
pelo Governo Estadual a Secretaria de Energia e Assuntos Internacionais, cujo papel
foi realizar os estudos necessários sobre a questão energética e articular a absorção das
tecnologias necessárias ao aproveitamento destes potenciais energéticos. (ver Gráficos
01 e 02)
As regiões Norte e Nordeste apresentaram um grande desenvolvimento na
produção de energia elétrica, enquanto as regiões Sul e Sudeste mantiveram variações
estáveis, principalmente relacionadas aos períodos de anos mais secos que interfere
diretamente na produção das fontes hidroelétricas.
Gráfico 01: Produção de energia elétrica (GWh/ano) por região do país de 2013 a
2019;
150
Gráfico 02: Produção de energia elétrica (GWh/ano) por Estado do Nordeste de
2013 a 2019;
151
Conforme podemos ver na figura 01, o potencial de velocidade média anual e
a densidade anual do ar indicam significativo potencial eólico para a produção de
energia elétrica, mesmo considerando os pontos mais distantes da linha de costa. Este
potencial tem sido explorado de forma intensiva, com a implantação de diversos
parques eólicos em várias microrregiões do estado, totalizando, segundo a estimativa
realizada, 91 parques eólicos até 2016, com investimentos de 12 bilhões de reais
(AECWeb, 2014)
Segundo Pinheiro et al. (2012), “os Estados do Ceará e Rio Grande do Norte,
apresentam, em alguns locais, um fator de capacidade (FC) que pode superar o valor
de 0,4, que comparados com os valores médios da Alemanha (FC de 0,23) nota-se um
grande potencial a ser explorado.” (ver Figura 02)
Figura 02: Visão parcial do parque eólico de Mangue Seco, localizado no município
de Guamaré, com 52 aerogeradores de 2 MW, considerado um dos maiores parques
eólicos do país
152
Figura 03: Parques Eólicos instalados no Rio Grande do Norte até 2020
153
Gráfico 03: Gráfico com as previsões de novas usinas de geração de energia elétrica
previstas até 2026 .
EOL: Usinas Eólicas; UHE: Usinas Hidrelétricas; PCH: Pequenas Centrais Hidrelétricas; UTE: Usinas
Termelétricas; UFV: Usinas Solares Fotovoltáicas
Fonte: ANEEL, 2020
2.2 Petróleo
Em termos de petróleo, como fonte de energia não renovável, o Rio Grande do
Norte se destaca como o principal produtor em poços onshore (no continente) do país,
fato este que impulsiona a economia do estado e dos municípios com royalties, geração
de empregos, manutenção do comércio e mercadorias industriais e serviços técnicos
especializados.
As áreas de exploração de petróleo e gás se dividem em campos, sendo a
maioria (89) concentrada no continente e em poços de exploração marinha (10),
totalizando 99 áreas de exploração em dezembro de 2019.
O potencial de produção petrolífera do estado é um dos maiores descobertos
no país, abaixo apenas das reservas da Bacia de Campos e do pré-sal do sudeste, pois
está localizada em
154
estados mais próximos que iniciaram a exploração mais recentemente, mas ainda não
atingiram o seu nível de produção, sendo que o que tem maiores promessas é o estado
de Sergipe, seguido pela Bahia.
Segundo dados da Superintendência de Controle das Participações
Governamentais da Agência Nacional de Petróleo, sobre os royalties transferidos aos
estados e municípios em todo país, o Rio Grande do Norte apresentou um significativo
aumento na produção e arrecadação, considerando que durante o período até 2013
(Gráfico 03). No período de 2015 há uma grande queda na produção, que inicia um
período de declínio na produção e na arrecadação que vem diminuindo a cada ano até
chegar a um mínimo em 2016. É interessante perceber como a cotação do dólar
manteve, embora a produtividade tenha caído constantemente, uma estabilidade
relativa na arrecadação.
155
Fonte: ANP, 2020
* Valor sem a retenção de 1% (um por cento) de PASEP, conforme disposto no inciso III, do Art.2º da Lei nº 9.715,
de 25 de novembro de 1998, combinado como parágrafo 6º do Art.19 da Medida Provisória nº 2.158, de 24 de agosto
de 2001.
** Referente ao acumulado entre os meses de Janeiro a Setembro de 2020.
Tabela 03: Royalties de petróleo por município no estado do RN, dos 20 maiores
acumulados do ano de 2020 (até Setembro)
VALOR (R$)
Royalties
Royalties
BENEFICIÁRIOS até 5% Acumulado
excedentes Total
(Mês de em 2020
a 5%
Setembro)
1. ALTO DO 122.015,10 3.480.596,86
RODRIGUES-RN 3.358.581,76 23.841.508,21
2. TIBAU-RN - 2.109.792,33
2.109.792,33 12.626.269,18
3. MOSSORO-RN 391.667,08 1.458.857,02
1.067.189,94 11.608.445,55
4. ACU-RN 277.297,92 1.372.910,95
1.095.613,03 10.971.885,99
5. MACAU-RN 295.865,75 745.476,36
449.610,61 8.538.727,57
6. AREIA BRANCA-RN 205.201,36 1.061.077,17
855.875,81 8.534.328,16
7. GOV. DIX-SEPT 86.225,76 808.228,81
ROSADO-RN 722.003,05 6.299.911,51
8. CARNAUBAIS-RN 90.091,23 802.842,32
712.751,09 6.281.809,70
9. APODI-RN 78.027,68 793.068,13
715.040,45 6.224.401,99
10. UPANEMA-RN 91.945,07 745.856,82
653.911,75 6.014.157,11
11. GALINHOS-RN 6.919,97 635.289,96
628.369,99 5.226.448,80
12. SERRA DO MEL-RN 16.388,36 612.659,54
596.271,18 5.099.426,47
13. AFONSO BEZERRA- 136,97 622.704,61
RN 622.567,64 5.047.960,56
14. MONTE ALEGRE- - 622.900,85
RN 622.900,85 5.033.570,17
15. GUAMARE-RN 1.832,47 8.581,73
6.749,26 4.928.946,37
16. PEDRO VELHO-RN - 626.941,85
626.941,85 4.916.718,75
156
17. IELMO MARINHO- - 536.090,53
RN 536.090,53 4.469.188,53
18. GOIANINHA-RN - 523.475,58
523.475,58 4.402.007,79
19. GROSSOS-RN - 10.837,06 2.173.171,71
10.837,06
20. JANDAIRA-RN - 631.760,11
631.760,11 1.197.522,45
Fonte: ANP, 2020
157
Na atualidade o Gás Natural representa uma importante fonte de energia
elétrica aplicada nas quatro termoelétricas do estado, sendo um substituto
ambientalmente mais eficiente e menos impactante que a queima de biomassas ou
carvão mineral como ocorre em muitas outras realidades de funcionamento de
unidades termoelétricas.
2.4 Cana-de-açúcar
Outra importante fonte energética do estado é a cana-de-açúcar, cujo principal
elemento associado é o etanol empregado como combustível veicular e o álcool anidro,
basicamente não mais utilizado comumente como combustível, mas como esterilizante
químico. O resíduo da produção de açúcar, álcool e etanol é o bagaço da cana moída
que por vezes também é utilizado como fonte de geração de energia em sistemas
termoelétricos.
A indústria canavieira está localizada na região oriental do estado, indo do
município de Ceará Mirim (N) a Baía Formosa (S), com ocupação de grandes áreas de
plantio que se sobrepuseram ao importante ecossistema de mata ciliar, processo
oriundo desde a colonização do país, mas que se mantém até hoje em sua exploração
comercial e manutenção econômica. (ver tabela 04)
158
Tabela 04. Lavoura Temporária – Cana-de-açúcar do Estado do
Rio Grande do Norte – 2010 a 2019
CLASSIFICAÇÃO QUANTIDADE UNIDADE
2010 2015 2019
QUANTIDADE 3.962.017 3.724.046 3.849.118 toneladas
PRODUZIDA
VALOR DA 192.814,00 280.543,00 423.916,00 mil reais
PRODUÇÃO
ÁREA PLANTADA 65.326 59.491 64.171 hectares
ÁREA COLHIDA 65.320 59.487 64.171 hectares
RENDIMENTO 60.655 62.603 59.982 kg/hectare
MÉDIO
Fonte: IBGE, 2019.
2.5. Termoelétricas
A principal usina termoelétrica do estado está situada no município de Alto do
Rodrigues, a Usina Termelétrica do Vale do Açu Jesus Soares Pereira (UTE JSP -
Antiga Termoelétrica Vale do Açú). Foi inaugurada em 2008, com capacidade de
geração de 367.920 MW, o que equivale a mais de 50% do consumo do estado no início
das atividades. Outra termoelétrica, a Alto do Rodrigues, de propriedade da Petrobrás,
também está situada neste mesmo município e ambas produzem energia à base de gás
natural. (CPRM, 2010)
Existem ainda mais 08 termoelétricas em funcionamento no estado, destas
apenas mais uma utiliza o gás natural como fonte: a termoelétrica Macaíba, município
de Macaíba. As duas outras do município, a Potiguar I, Potiguar III, funcionam à base
de óleo diesel, bem como as três unidades localizadas no antigo Aeroporto Augusto
Severo em Parnamirim. Soma-se a Termonordeste, situada no município de Santa
Cruz, que também se utiliza do óleo diesel. As duas termoelétricas que fazem uso de
bagaço de cana-de-açúcar como fontes para a produção de energia elétrica estão
localizadas em Baía Formosa (Biomassa) e em Arês (Estivas). (op. cit.)
159
As termoelétricas representam no estado uma forma muito significativa de
geração de energia elétrica, pois não dependem diretamente de mananciais hídricos
para a sua produção, mas, em geral, trabalham na conversão de gás natural em energia
elétrica, o que traz uma relativa independência das tradicionais usinas hidrelétricas,
principalmente nos setores industriais e de exploração, por exemplo, petrolífera que
também necessita de eletricidade para suas unidades de bombeamento e usinas de
processamento.
Uma das questões mais impactantes da utilização de termoelétricas, é a
diferença dos custos de produção em comparação com a gerada por outras fontes, pois
o material adquirido para a produção é pago, diferente de fontes naturais abertas como
os recursos hídricos em hidroelétricas.
160
Figuras 06 e 07: Transporte de lenha em veículos pela BR 304 e queima em
cerâmicas no município de Itajá
161
saúde humana devido à contaminação radioativa do gás radônio (proveniente da
desintegração de tório, urânio e rádio) nos municípios de Equador, Parelhas, Lucrécia
e Lages Pintadas, com contaminação atmosférica e dos reservatórios.
Embora haja um grande potencial de geração de energia elétrica a partir da
energia solar, os altos custos de implantação dos sistemas de captação e
armazenamento ainda tem resguardado a utilização desta fonte energética, embora
alguns equipamentos de pequeno porte já o utilizem como fonte energética, a exemplo
de estações climatológicas.
Estudos e simulações de implantação de campos de produção solar já se
iniciaram com o apoio de empresas e universidades externas, porém ainda é necessário
que sejam estimulados e associados às necessidades de forma adequada e adaptada ao
potencial existente e os índices de consumo.
O estado do RN possui uma das maiores faixas de linha de costa do país, com
aproximadamente 410 km de extensão, sendo a 10º maior do país e correspondendo a
5,7% de todo o litoral brasileiro. Este potencial está associado a altos índices de
correntes direcionais em baixas profundidades devido à largas faixas do talude
continental presentes principalmente no litoral setentrional e faixas de quebra de onda
bastante significativas em alguns pontos dependendo da direção dos ventos em relação
à estrutura continental. Estas características indicam um potencial uso para a geração
de força maremotriz, que ainda não possui estudos ou testes de implementação
conhecidos.
Dentre as fontes energéticas praticamente inexistentes no estado encontram-se
o carvão mineral, muito utilizado para usinas termoelétricas, e o potencial hidrelétrico.
Os três reservatórios do estado que teriam potencialidade relativamente significativa
de geração de energia elétrica são a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves (Açú/Itajá),
a Barragem de Santa Cruz (Apodi) e a Barragem de Umari (Augusto Severo/Upanema).
Porém, a utilização das reservas hídricas para geração de energia é pouco utilizada e
não indicada para áreas de clima semiárido, que é o caso do RN.
Os projetos de biodiesel vêm sendo implementados no estado com a associação
aos pequenos produtores de mamona, girassol e palma, porém os resultados ainda são
pouco significativos devido aos sucessivos adiamentos de abertura e comercialização.
Segundo a BiodieselBR (2014), dados do IBGE indicam que entre 2009 a 2013, o
volume de mamona produzido no RN caiu de 16 para 5 toneladas, enquanto que o de
girassol aumentou de 1,24 mil para 15 toneladas., demonstrando uma adaptação dos
produtores às necessidades do mercado. Estima-se que quando estiver em
funcionamento a produção da refinaria de biodiesel se aproxime do consumo estimado
anualmente pelo estado. (op. cit.)
162
Segundo Castro (2010), o sistema brasileiro de geração de energia está baseado
nas hidrelétricas, sendo superar os 80% da produção total, realidade esta baseada na
existência privilegiada de recursos hídricos, se for tomada como comparação a outras
nações. No caso em análise, esta realidade ainda é vigente, mas como as fontes
energéticas são diferentes, a tendência é uma mudança e uma atualização de diversos
segmentos de produção e consumo, porém enfrentando uma difícil concatenação de
procura e oferta intermediada pelos aspectos climáticos em suas variações cíclicas.
Nesta perspectiva a evolução e substituição das fontes de energia elétrica são
baseadas nas tecnologias aerogeradoreas, sendo outro dilema bastante significativo o
impacto da geração de emprego e renda das usinas eólicas, muito associados aos
períodos de implantação e adequação, em que a concentração dos serviços de
engenharia e construção das estruturas se aplica a grande número de trabalhadores e
prestadores de serviços indiretos, porém, esta vantagem é relativamente temporária,
pois após instalados os aero geradores, os serviços de manutenção e funcionamento
exigem um número bem menor de funcionários.
Este processo pode ser comparado ao de grandes hidrelétricas que durante os
anos de sua construção geram grande número de empregos e que, quando entram em
funcionamento, dispensam a grande maioria gerando aumento das taxas de
desemprego.
O passivo ambiental aplicado em acordo com o governo do estado sobre o
tratamento e a destinação dos resíduos gerados pela exploração e processamento do
petróleo nos últimos 5 anos foi um passo diferencial para a resolução dos impactos
ambientais associados a esta atividade. Através das ações de planejamento e
fiscalização internos da Petrobrás Ambiental, as atividades das empresas prestadoras
de serviço iniciaram um controle mais efetivo e preventivo destas ações. Um dos pontos
ainda mais preocupantes refere-se à exploração submarina, onde os trabalhos de
implementação e fiscalização apresentam relativas dificuldades devido às condições
típicas de perfuração oceânica.
163
Figura 08: Mapa temático com as principais atividades de geração energética no
estado do Rio Grande do Norte e sua tendência de distribuição espacial
Fonte: Adaptação a partir de Imagem Google Earth® (2014) e dados da CPRM (2013), ANP
(2020) e EPE (2020).
164
utilização desta fonte de energia. É preciso observar os sistemas da indústria da energia
solar desenvolvidos pelo mundo afora, onde na Europa, Estados Unidos e China têm
evoluído na utilização e na redução dos custos em projetos. Os municípios de Assú,
Areia Branca e Currais Novos destacam-se na geração de energia fotovoltaica, seja em
grandes parques ou em pequenos parques integrando uma rede.
Observando a Resolução Normativa N° 482, de 17 de abril de 2012, que
“disciplina a micro e mini-geração distribuída aos sistemas de distribuição de energia
elétrica através de painéis fotovoltaicos, nos segmentos: industrial, comercial e
residencial, acarretando assim no balanço de energia entre a quantidade de energia
gerada, injetada na rede e a energia demandada através da distribuidora local”
(ANEEL, 2014, p. 01), vemos que a exploração deste potencial já está legalizada e sendo
estimulada.
A atual tendência dos recursos não renováveis é de haver um aumento da
exploração, conforme vem sido percebido nos últimos dois anos, até que haja uma
estagnação das reservas e um encerramento da exploração de petróleo, por exemplo.
Perspectivas mais otimistas estimam que as reservas permanecerão em condições
técnicas e econômicas de exploração aproximadamente até 2020, outros acreditam
que esta perspectiva se mantenha apenas até 2016.
O aumento do consumo é diretamente proporcional ao crescimento
populacional e regulado pelas novas tecnologias implementadas, um exemplo
significativo é a utilização de sistemas de iluminação de LED que apresentam uma
economia esperada entre 70 a 80%, se comparada aos sistemas mais antigos de
lâmpadas fluorescentes. Em contrapartida o aumento do uso de aparelhos elétricos em
substituição aos movidos a gás, como fornos de micro-ondas, fogões elétricos e demais
equipamentos baseados na energia elétrica, deve interferir diretamente nesta variável
de consumo.
O aumento do consumo segue a proporção do crescimento da população e do
nível de consumo escalonado pela distribuição de renda nas classes sociais, onde a
melhoria da renda familiar se reflete diretamente no maior consumo de diversas fontes
energéticas disponíveis, desde as mais comuns (ex.: energia elétrica, carvão) às mais
restritas (ex.: gasolina, etanol, óleo diesel), implicando em aumento constante de
consumo e nos impactos associados.
Por outro lado, crises previstas pelo término da viabilidade de exploração de
fontes não renováveis no estado, acarretarão em impactos significativos nas
distribuições de recursos associados, como os royalties para a gestão estadual e
municipais, bem como na queda de ofertas de empregos e comércio de produtos
associados às atividades de exploração e processamento (ver Figura 09).
165
Figura 09: Organograma das fontes e relações dos principais tipos de energia do
Estado do Rio Grande do Norte
166
Os veículos elétricos de 2018 para 2019 começaram a sair da categoria de
veículos de alto padrão e aproximar-se dos níveis mais populares, dando início assim
a uma nova geração de meios de transporte 100% elétricos e de capacidade de carga e
autonomia cada vez maiores.
Alternativas de geração de combustíveis de origem das ações antrópicas, como
o biogás originado em aterros sanitários, é uma possibilidade ainda praticamente
ignorada, pois está associada à ausência na grande maioria dos municípios de unidades
de aterros sanitários, onde ainda são mantidos os lixões a céu aberto como único
destino dos resíduos sólidos.
Espera-se que as pesquisas de cunho científico sobre o potencial de exploração
da força maremotriz sejam estendidas e que os reais potenciais sejam avaliados para
que haja um aumento das reservas consideráveis de geração de energia elétrica, a qual
se acredita será a mais significativa e empregada para o futuro.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das observações feitas sobre os potenciais, dilemas e perspectivas da
energia do estado do Rio Grande do Norte, acreditamos que haja uma significativa
possibilidade de auto sustentação energética.
A integração de diferentes formas de energia se faz presente no estado de forma
intensiva como, por exemplo, a utilização da energia produzida nos aerogeradores das
usinas eólicas para estações de bombeamento e refinamento de petróleo. Outro
exemplo é a utilização de gás natural gerado pelas estações de bombeamento para a
termoelétrica geradora de eletricidade. Um processo de duplo sentido de diferentes
fontes.
Típicas formas de uso de determinadas fontes de energia passam por uma
transformação e adaptação relativa às novas tecnologias, com tendência cada vez maior
ao consumo da energia elétrica. Isto terá impactos significativos para a redução no
consumo das fontes mais primitivas como a biomassa da lenha.
A regulação e interação entre governo e empresas é a grande chave de mudanças
deste processo, onde, por exemplo, a utilização de fontes de gás natural e eletricidade
no lugar de biomassa para a queima de cerâmicas, teria um grande impacto na
conservação de áreas de preservação permanente. Embora isto venha a ser
desconsiderado por se tratar de um aumento no custo da produção de tijolos e telhas.
Os parques de energia fotovoltaica, energia solar, representam uma nova linha
de produção energética e que desponta tanto nas grandes áreas de produção, como nas
tendências de autoprodução energética, passando por complexos industriais,
comerciais, estatais e até já residenciais de auto geração de energia elétrica através das
placas fotovoltaicas que também estão se popularizando, por meio da redução média
dos preços e da oferta e concorrência das empresas prestadoras de serviços.
Acreditamos que a relação oferta versus consumo das diferentes formas de
energia no estado enfrentem dois caminhos diferenciados, o primeiro é a evolução dos
processos de geração elétrica a partir do crescimento de unidades de usinas eólicas; e
o segundo é a possível diminuição dos recursos não renováveis como petróleo e gás
167
natural, incluindo-se aí a biomassa nativa da caatinga, onde fica a pergunta: diante do
aumento de consumo ser muito mais rápido que o processo de resiliência, ela pode
mesmo ainda ser considerada uma fonte renovável?
5. REFERÊNCIAS
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Disponível em: http://www.aecweb.com.br/cont/n/rdo/rio-grande-do-norte-deve-
construir-91-parques-eolicos-ate-2016_6744 Acesso em 15.09.2014.
AMARANTE, O. A.. et al. Atlas do potencial eólico brasileiro. Brasília: MME; Rio
de Janeiro: Eletrobrás, 2001. Disponível em:
http://www.cresesb.cepel.br/atlas_eolico_ brasil/atlas-web.htm Acesso em: 20 ago.
2013 às 10:54.
_____. Royalties: Tabelas contendo o valor mensal dos royalties dos beneficiários.
Disponível em: http://www.anp.gov.br/?pg=45387. Acesso em 07.10.2014.
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Disponível em: http://www.anp.gov.br/royalties-e-outras-participacoes/royalties.
Acesso em em 17.10.2020
BOYLE, G. Renewable Energy. 3 ed. England: Oxford University Press, 2012, 470
pp.
BRASIL, MME. Ministério das Minas e Energia, EPE. Empresa de Pesquisa Energética.
Plano Decenal de Expansão de Energia 2020. Brasília: MME/EPE, 2011.
_____. Balanço Energético Nacional 2020: ano base 2019. Rio de Janeiro: EPE,
2020. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-
abertos/publicacoes/balanco-energetico-nacional-2020 Acesso em 05.10.2020
168
_____. Tabelas de dados de produção energética: 2013. Rio de Janeiro: EPE,
2014.
CAMPOS, T.F.C., PETTA, R.A., MALANCA, A., PASTURA, V.F.S., SICHEL, S.E.,
MOTOKI, A. O gás radônio doméstico e a radioatividade natural em
terrenos metamórficos: o caso do município de Lucrecia (Rio Grande do Norte,
Brasil). Revista de Geologia, Vol. 26, nº 2, 85 - 93, 2013.
169
IBGE. Lavoura temporária – Cana-de-açúcar – 2020. Estados@. Disponível
em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil. php?sigla=rn Acesso em 20.09.2020.
MME; Ministério de Minas e Energia. Energia Elétrica. Brasil: 2006. Disponível em:
http://www.mme.gov.br/see Acesso em 15.09.2014.
170
petróleo. Anais do VII Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação. Palmas,
2012.
171
Capítulos de Geografia do
Rio Grande do Norte - Vol. II
SOBRE OS AUTORES
172
Sobre os autores
ALESSANDRO DOZENA
Tornou-se geógrafo pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Rio Claro) e
músico pela Universidade Livre de Música (ULM-São Paulo). É Professor Associado
do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (PPGE-UFRN) e professor do Mestrado Profissional
em Geografia (GEOPROF-UFRN). Realizou mestrado e doutorado em Geografia
Humana na Universidade de São Paulo (USP-São Paulo), com doutorado-sanduíche
na Universidad de Barcelona (UB). Realizou estágio pós-doutoral na Université Paul-
Valéry Montpellier (UPV) como bolsista da CAPES, tendo sido convidado para atuar
como professor na mesma universidade em 2020. Organizou e publicou os livros:
Geografia e Música: Diálogos (2016), Espaço-Tempo: Enredos entre Geografia e
História (2015), A Geografia do Samba na Cidade de São Paulo (2012) e São Carlos e
seu Desenvolvimento: Contradições Urbanas de um Polo Tecnológico (2008). É Tutor
do Programa de Educação Tutorial - PET Geografia (UFRN), Editor da Revista
Geograficidade (seção Traduções), Coordenador da Rede e Observatório de Paisagens
Patrimoniais e Artes Latino-Americanas (OPPALA), e membro do Comitê Géographies
Culturelles vinculado ao Comitê Nacional Francês de Geografia (CNFG).
Contato: [email protected]
173
de Geografia com ênfase na discussão sobre formação docente, práticas de ensino e
Estágio Supervisionado. Além disso, atua na Geografia Agrária com o debate sobre
titulação de territórios quilombolas e conflitos territoriais no campo.
Contato: [email protected]
174
INAU II (Rede Nacional de INCTs/CNPq), coordenando o sub-projeto "Delineamento
e caracterização das áreas úmidas hipersalinas do litoral semiárido do Brasil"
(convênio MCTI/CNPq/CAPES/FAPs - Proc.465436/2014-5/2017-2020). Coordenou
o projeto "Caracterização geoambiental e serviços ecossistêmicos prestados pelas áreas
úmidas salinas e hipersalinas do litoral semiárido do Brasil (RN/CE)" (Edital Universal
- MCTI/CNPQ/Universal Proc.447227/2014-9). Entre 2018 e 2019, foi Bolsista de Pós-
Doutorado Júnior/CNPq no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPB,
coordenando o projeto "Avaliação e mapeamento dos serviços ecossistêmicos entre
Unidades de Conservação de uso sustentável e proteção integral no Seridó (RN)"
(CNPq/PDJ - Processo n° 151922/2018-7).
Contato: [email protected]
175
Programa de Pós-Graduação em Planejamento e dinâmicas territoriais no Semi-árido
- UERN Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Urbana,
atuando principalmente nos seguintes temas: geografia, economia, cidade, território e
lugar.
Contato: [email protected]
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ambientes hipersalinos, impactos ambientais e Projetos de Recuperação de Áreas
Degradadas.
Contato: [email protected]
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178