A Educação Muda o Cérebro

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A educação muda o cérebro

Nos últimos dez anos, uma profunda transformação conceitual ocorreu na


neurociência: caiu por terra a ideia de que o nosso cérebro é todo formado
durante a vida embrionária, nada mais restando após o nascimento senão
aproveitar as nossas capacidades congênitas para aprimorá-las.

Essa concepção conservadora do cérebro como um órgão rígido, pré-formado


sob estrita ordenação genética, agride o senso comum, mas possivelmente se
cristalizou no século 20 pela grande influência de Santiago Ramón y Cajal
(1832-1934), pesquisador espanhol que estabeleceu a doutrina do neurônio
como unidade básica do sistema nervoso.

Cajal analisou ao microscópio – e revelou ao mundo por meio de belíssimas


ilustrações a bico de pena que ele mesmo fazia –¬ milhares de neurônios de
variadas formas, e centenas de circuitos neurais de diferentes composições,
em cérebros de diversas espécies de animais, inclusive humanos.

Dotado de forte espírito imaginativo, Cajal viu além das formas que desenhou,
propondo mecanismos e funções para os neurônios e seus circuitos. Apesar
disso, via formas, mapas, circuitos. Talvez por essa razão, opinou sempre que
o sistema nervoso adulto seria rígido e invariante. Um paradoxo, tendo em vista
a grande flexibilidade comportamental e cognitiva de que somos todos dotados.

Novas técnicas revelaram o funcionamento dinâmico dos circuitos neurais


dentro do cérebro vivo
A segunda metade do século 20, entretanto, trouxe novas técnicas capazes de
revelar não apenas o mapa dos circuitos neurais, mas seu funcionamento
dinâmico, dentro do cérebro vivo, no animal ou na própria pessoa em plena
ação. Foi possível registrar os sinais emitidos por neurônios isolados, grupos
de neurônios ou regiões inteiras do cérebro, relacionados a funções corporais,
comportamentos e até sensações, sentimentos e operações cognitivas.
A ilustração A é um dos desenhos originais de Cajal, baseados em
neurônios reais impregnados com prata, como se vê na foto B, tirada por
Janaína Brusco, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,
em Ribeirão Preto.
O cérebro mutante

Resultou desse esforço de pesquisa uma nova concepção: o cérebro é


mutante, e não estático! Responde aos estímulos ambientais não apenas com
operações funcionais imediatas, mas também com alterações de longa
duração, algumas das quais podem se tornar permanentes. Emergiu o conceito
de neuroplasticidade, que sintetiza essa capacidade dinâmica, mutante,
transformadora.

A neuroplasticidade implica mudanças na transmissão de informações entre os


neurônios, tornando alguns mais ativos, outros menos, de acordo com as
necessidades impostas pelo ambiente externo e pelas próprias operações
mentais.

Ao conversar com alguém, é preciso que você mantenha na sua memória por
algum tempo as frases que emitiu e os assuntos que abordou. No dia seguinte,
talvez isso não seja tão necessário. Essa é a chamada memória operacional,
de curta duração, baseada apenas na persistência das informações nos
circuitos neurais durante minutos ou horas. Os informatas a chamariam de
memória RAM do cérebro.

O hardware cerebral se modifica com o treinamento e a aprendizado


Fenômenos neuroplásticos mais duradouros ocorrem com o treinamento e a
aprendizagem. Nesses casos, os circuitos neurais envolvidos tornam-se fortes
e permanentes. O hardware cerebral se modifica, com a emergência de novos
circuitos entre os neurônios e o fortalecimento daqueles mais utilizados.
A informação obtida persistirá durante muito tempo, às vezes durante toda uma
vida. Quem não lembra até a morte o nome de sua mãe, a data do seu
aniversário, o primeiro beijo apaixonado, ou como andar de bicicleta e amarrar
o sapato?

Neuroplasticidade e educação

Se o cérebro é plástico, mutável, como poderíamos aplicar esse conceito na


educação? Não é a educação a prática social que objetiva mudar as pessoas,
capacitá-las a realizar tarefas e comportamentos, ensiná-las a executar
operações mentais sofisticadas e complexas e viver em sociedade segundo
normas vantajosas para a coletividade? Mudar as pessoas é mudar o seu
cérebro. Sendo assim, existiria uma ciência da educação? Neuroeducação?
Em outras palavras: de que modo os avanços da neurociência poderiam ser
aplicados na educação?

Muitos neurocientistas trabalham para esclarecer e viabilizar essa


possibilidade, e já aparecem alguns resultados de pesquisa que nos autorizam
a pensar em mecanismos cerebrais específicos envolvidos com os diversos
aspectos relevantes para a educação.

Resultados recentes sugerem que há mecanismos cerebrais específicos


envolvidos com a aprendizagem
Há poucos meses, a Fundação Dana, uma organização privada norte-
americana dedicada a apoiar a ciência, a saúde e a educação, com ênfase
particular na neurociência, lançou o número de 2010 de Cerebrum, um livro
anual que debate os avanços e perspectivas dessa disciplina. Nessa edição,
sobressai uma interessante discussão com vários especialistas sobre as
relações entre as ciências do cérebro e a educação. Dentre os resultados
relatados e discutidos nesse livro, dois me chamaram a atenção.

O primeiro refere-se ao processo conhecido como transferência próxima. São


experimentos realizados por um grupo de neurocientistas liderados por
Gottfried Schlaug e Krista Hyde, do Instituto de Neurologia de Montreal, no
Canadá, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

O grupo de pesquisadores acompanhou durante 15 meses crianças de 6 anos


de idade sob treinamento musical, comparadas a outras sem essa atividade.
Mesmo nesse curto período foi possível detectar alterações cerebrais
estruturais nas regiões motoras envolvidas com os instrumentos musicais
empregados (teclados), nas regiões auditivas e no circuito de integração entre
os dois hemisférios cerebrais.
As regiões apontadas pelas setas são aquelas que se modificam nas
crianças sob treinamento musical durante 15 meses. À esquerda a área
motora, à direita a área auditiva. Modificado de Hyde e colaboradores
(2009).
A neuroplasticidade estrutural no cérebro de músicos adultos já havia sido
demonstrada anteriormente, mas persistia a dúvida sobre se o fenômeno era
causado pelo treinamento ou se esses indivíduos eram previamente dotados
de maior volume cortical nas regiões associadas ao processamento musical.
No experimento do grupo norte-americano, isso ficou esclarecido, pois o estudo
comparou as imagens obtidas antes e depois de um treinamento musical de 15
meses.

O termo transferência próxima, utilizado acima, pode agora ser entendido:


refere-se ao efeito do treinamento sobre regiões funcionais relacionadas à
função aprendida. Nesse caso, as regiões motoras e auditivas são obviamente
relacionadas à aprendizagem musical.

O segundo grupo de resultados é mais impressionante, mas menos bem


documentado cientificamente. Aborda um processo mais sofisticado chamado
transferência distante. Aqui, a influência do treinamento (educação) se dá
sobre funções menos relacionadas (distantes).

O treinamento focalizado em música, dança ou teatro poderia fortalecer o


sistema atencional do cérebro
Uma avaliação do estado-da-arte nesse aspecto da neuroplasticidade foi feita
em Cerebrum 2010 por Michael Posner, professor emérito da Universidade de
Oregon, e especialista nos mecanismos neurobiológicos da atenção.

O sistema em questão, neste caso, é o sistema atencional do cérebro, por meio


do qual somos capazes de focalizar nossas operações cognitivas sobre um
único alvo, e desse modo realizá-las de forma mais eficiente.

A ideia subjacente é que o treinamento focalizado em uma forma de arte que


atraia fortemente o interesse de uma criança – música, dança, teatro –
fortaleceria o sistema atencional do cérebro, repercutindo positivamente na
cognição em geral. Para aprender, é preciso prestar atenção. E pode-se
aprender a prestar atenção.
 

Efeito Mozart

O “efeito Mozart” não foi reproduzido pela comunidade científica. Não deve
ter ajudado nem o próprio… (montagem a partir de retrato de Mozart
pintado em 1819 por Barbara Krafft).
Um primeiro experimento feito com essa perspectiva foi publicado em 1993 na
revista Nature, e ficou conhecido como “efeito Mozart”. Os autores do estudo
sustentaram que estudantes universitários expostos à música erudita por
breves períodos de tempo (Mozart, especialmente) melhoravam suas
habilidades de raciocínio espacial, também temporariamente. Os resultados
causaram sensação, na época, mas jamais foram reproduzidos por grupos
independentes de pesquisadores.

Mais recentemente, as tentativas de reproduzir esse efeito empregaram


tempos maiores de exposição e treinamento musical ativo. Neste caso, alguns
resultados mais animadores começaram a aparecer. Em 2004, o grupo de E.
Glenn Schellenberg, da Universidade de Toronto (Canadá) relatou que crianças
participantes de um programa de treinamento musical durante um ano
apresentavam um aumento do seu QI, em comparação com crianças que não
participaram do treinamento.

É verdade que o QI costuma ser criticado como medida comparativa da


inteligência. No entanto, no estudo em questão, o mesmo teste era realizado
longitudinalmente nas mesmas crianças, antes e depois do treinamento.

A transferência distante ainda é um fenômeno mal demonstrado, e a busca por


demonstrá-lo atrai o interesse dos neurocientistas e psicólogos, pela sua óbvia
repercussão em educação.

Será que chegaremos algum dia a poder orientar os sistemas educacionais


segundo princípios científicos, mais do que segundo a nossa intuição de pais e
professores?

Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
      
Sugestões para leitura:
F.H. Rauscher e colaboradores (1993) Music and spatial task
performance. Nature vol. 365: p. 611.

E.G. Schellenberg (2004) Music lessons enhance IQ. Psychological


Science vol. 15: pp.511-514.

K.L. Hyde e colaboradores (2009) Musical training shapes structural brain


development. Journal of Neuroscience, vol. 29: pp.3019-3025.

Dana Foundation (2010) Cerebrum. Emerging ideas in brain science. Nova


York: Dana Press, 222 pp.

M. Posner e B. Patoine (2010) How arts training improves attention and


cognition. In Cerebrum 2010, pp. 12-22.

Neuroplasticidade: capacidade do cérebro de ser influenciado pelo


ambiente
A sinapse, que é a passagem de uma informação de um neurônio para
outro, pode ser, PASSADA, MUDADA E ATE CANSELADA. AS SINAPSES SÃO
MUITO PLASTICAS.

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