Revista CEFAC 1516-1846: Issn: Revistacefac@
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ISSN: 1516-1846
[email protected]
Instituto Cefac
Brasil
RESUMO
Estudos mostram que há um déficit importante portadores de Transtorno Autista, com idades
nas habilidades de Atenção Compartilhada em variando entre 5a,9m e 8a,6m, no início do estudo e
crianças autistas 4-13,14, a qual parece estar tam- no término variando entre 6a,1m e 8a,10m.
bém relacionada à severidade dos sintomas sociais Durante todo o período deste estudo, as cinco
apresentados por eles 4. crianças estavam inseridas no mesmo programa
O prejuízo ou a ausência do contato ocular faz educacional em uma escola especial particular, na
com que o bebê autista perca as informações não- cidade de São Paulo, onde foi realizada a pesquisa.
verbais oriundas das expressões faciais, do direcio- Ocorreram 2 momentos de gravações de situa-
namento do olhar e dos gestos de seus cuidado- ções interacionais entre a pesquisadora e as crian-
res, prejudicando a aquisição e o desenvolvimento ças, no início do estudo (1ª gravação) e ao seu tér-
das habilidades pragmáticas e sociais da lingua- mino, após 4 meses (2ª gravação).
gem 4,15. Alguns estudos ainda acrescentam que o No período entre as gravações, as crianças
autista apresenta déficit na percepção de faces e foram submetidas à intervenção fonoaudiológica
expressões faciais 15,16. Estas são, possivelmente, focada na estimulação dos comportamentos comu-
as bases fundamentais geradoras dos déficits apre- nicativos pré-verbais relacionados à habilidade de
sentados pelo indivíduo autista, quanto aos aspec- Atenção Compartilhada, com a mesma terapeuta,
tos sócio-comunicativos 13. na própria escola. As sessões eram individuais, por
Este estudo tem como hipótese que o desenvol- 30 minutos, semanalmente.
vimento da habilidade de Atenção Compartilhada Os critérios de inclusão envolveram: ser diag-
colabora para uma melhor comunicação e interação nosticado por equipe multidisciplinar como porta-
social, mesmo na ausência de comunicação verbal. dor de Transtorno Autista, com base no DSM-IV 1,
Os comportamentos comunicativos não-verbais, ter audição normal, ser não-verbal, frequentar o
o ambiente e o interlocutor são variáveis importan- mesmo programa educacional e adesão dos pais à
tes no estabelecimento da interação comunicativa. pesquisa. O critério de exclusão foi a presença de
Busca-se no presente estudo, correlacionar estas comorbidades como Síndromes Genéticas ou com-
variáveis ao desenvolvimento da habilidade de prometimentos motores.
compartilhar a atenção de crianças com Transtorno Foram aplicados às mães, com o propósito de
Autista, antes e após um período de intervenção caracterizar o perfil de cada sujeito, uma anam-
fonoaudiológica, supondo que haverá evolução da nese não-diretiva e o questionário ABC – Autism
habilidade de compartilhar a atenção neste período. Behavior Checklist Record Form 9 que é uma lista
Outra hipótese levantada é que o adulto seja um de comportamentos relacionados ao espectro
facilitador na aquisição destes componentes sócio- autístico, em que são registrados os comportamen-
comunicativos não-verbais por estimular, conscien- tos que a mãe reconhece em seu filho. A síntese do
temente, os comportamentos comunicativos da perfil dos sujeitos encontra-se na Tabela 1.
criança. A estrutura metodológica deste estudo constou
Os objetivos deste estudo foram: identificar e de três etapas: entrevistas com as mães dos sujei-
caracterizar as habilidades de compartilhar a aten- tos; intervenção fonoaudiológica por 4 meses e dois
ção de crianças portadoras de Transtorno Autista, momentos de gravações de situações de interação
não-verbais, através da observação de comporta- entre as crianças e a avaliadora.
mentos comunicativos; comparar os comportamen- A intervenção fonoaudiológica tinha caracte-
tos comunicativos relativos à Atenção Comparti- rística interacionista, envolvendo atividades que
lhada nas situações de interação: criança e adulto; propiciassem o compartilhar entre os parceiros
dupla/trio de crianças e adulto; crianças entre si; comunicativos.
comparar os comportamentos comunicativos rela- O material selecionado para as gravações
tivos à Atenção Compartilhada, em dois momen- envolveu instrumentos musicais de percussão por-
tos com intervalo de 4 meses; observar se a inter- que, além de favorecer a interação, é uma forma
venção fonoaudiológica contribui para a interação de comunicação não-verbal, é facilmente adaptá-
sócio-comunicativa das crianças autistas e para vel a contextos terapêuticos 18, de fácil manuseio e
o desenvolvimento das habilidades de Atenção era utilizado rotineiramente na aula de Musicaliza-
Compartilhada. ção das crianças. Cada sessão de gravação teve
a duração de 20 minutos envolvendo as seguintes
MÉTODOS situações de interação, elaboradas pelas autoras:
1 – criança-terapeuta em situação não-dirigida
Este é um estudo de corte 17 do tipo longitudi- (Individual Não-Dirigida);
nal de um grupo de crianças autistas durante um 2 – criança-terapeuta em situação semi-dirigida
período de 4 meses. Os sujeitos foram 5 meninos (Individual Semi-Dirigida);
Desvio
Comportamentos Média Mediana Tamanho IC p-valor
Padrão
Alcançar/ 1ª Grav 1,43 1 0,74 28 0,27
0,434
Pegar 2ª Grav 1,56 1 0,77 36 0,25
1ª Grav 2,00 1,5 1,20 26 0,46
Uso Funcional 0,433
2ª Grav 1,77 1 1,18 26 0,45
1ª Grav 1,67 1 1,15 3 1,31
Uso Simbólico 1,000
2ª Grav 1,67 2 0,58 3 0,65
1ª Grav 4,98 3 4,83 51 1,32
Olhar p/ Ter 0,084#
2ª Grav 6,20 4 6,37 60 1,61
1ª Grav 3,17 3 1,80 23 0,74
Olhar p/ Co 0,283
2ª Grav 2,70 2 1,79 27 0,68
1ª Grav 2,11 2 1,36 9 0,89
Imitar 0,357
2ª Grav 1,43 1 0,53 7 0,40
1ª Grav 2,64 1 2,62 11 1,55
Alternar 0,801
2ª Grav 2,27 2 1,74 11 1,03
1ª Grav -x- -x- -x- 0 -x-
Apontar -x-
2ª Grav 1,00 1 -x- 1 -x-
1ª Grav -x- -x- -x- 0 -x-
Mostrar -x-
2ª Grav 1,50 1,5 0,71 2 0,98
1ª Grav 1,00 1 0,00 3 -x-
Dar 0,873
2ª Grav 1,13 1 0,35 8 0,24
1ª Grav 1,50 1 1,22 6 0,98
Pedido 0,752
2ª Grav 1,33 1 0,52 6 0,41
1ª Grav 1,00 1 -x- 1 -x-
Provocação -x-
2ª Grav -x- -x- -x- 0 -x-
1ª Grav 1,00 1 -x- 1 -x-
Convite 1,000
2ª Grav 1,00 1 0,00 2 -x-
Legenda: Grav = Gravação; Ter =Terapeuta; Co = Colega
Sujeitos 1 2 3 4 5
Gravações 1ªG 2ªG 1ªG 2ªG 1ªG 2ªG 1ªG 2ªG 1ªG 2ªG
IÑD 30 39 37 37 6 23 7 14 7 13
ISD 100 109 50 55 23 16 20 36 34 45
GÑD 25 25 12 31 7 8 20 20 12 15
GSD 38 45 16 17 3 13 17 22 22 27
Legenda: IND= Situação Individual Não-Diretiva; ISD= Situação Individual Semi-Diretiva; GND= Situação Grupo Não-Diretiva; GSD=
Situação Grupo Não-Diretiva; 1ªG= Primeira gravação; 2ªG= Segunda gravação
1 2 3 4 5 Total
Sujeitos
N % N % N % N % N % N %
1ª Gravação 193 100 115 100 39 100 64 100 75 100 486 100
2ª Gravação 218 100 140 100 60 100 92 100 100 100 610 100
Aumento % 24 12,4 24 21,7 21 54 28 43,8 25 33,4 122 25
Legenda: N = quantidade de comportamentos; %= porcentagem
0
Uso Simbólico
Uso Funcional
Pedido
Alcançar/Pegar
Dar
Olhar p/ Co
Convite
Olhar p/ Ter
Imitar
Alternar
Apontar
Mostrar
Provocação
1ª Gravação 2ª Gravação
5 4,20
3,90
3,63
3,48
4
2,53
2,30 2,40
3
2,11
0
IÑD ISD GÑD GSD
1º Gravação 2º Gravação
Figura 2 – Gráfico demonstrativo das médias dos comportamentos comunicativos por gravação e
em cada situação interacional
A avaliação da AC em crianças com suspeita de exceção do sujeito 2, as crianças deste estudo pas-
um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) saram a apresentar menos este comportamento,
faz-se de fundamental importância, tanto para fins após 4 meses sob intervenção, talvez pelo fato de
diagnósticos, como para a elaboração individua- estarem mais atentos ao interlocutor, e também,
lizada da intervenção educacional e clínica 7,11,13, por estarem desenvolvendo as habilidades de com-
além de ser um déficit específico do Transtorno partilhar a atenção, interessam-se menos em brin-
Autista 5-11,13. car sozinhos.
A escolha de um estudo baseado em observa- O comportamento Olhar para o Colega tam-
ção comportamental recaiu sobre o fato de este bém apresentou decréscimo no período estudado
procedimento poder ser aplicado 19 a crianças de (Figura 1), apesar de as crianças estarem em
qualquer idade, nível cognitivo e de linguagem e contato diário por estarem frequentando a mesma
também pela característica não-verbal dos sujeitos classe escolar.
estudados. Mesmo com um tempo maior de convivência
O presente estudo permitiu, a partir dos resul- entre si, as crianças apresentaram quantidade
tados objetivos, análises individuais e qualitativas, maior de comportamentos comunicativos nas situ-
possibilitando uma melhor caracterização do Trans- ações individuais com a terapeuta (Tabelas 3 e 4,
torno Autista em que as características apresenta- Figura 2).
das podem ser melhor descritas em termos qualita- É possível supor, a partir destes dados, que a
tivos do que quantitativos 31,33. terapia individual causou um efeito positivo nos
Analisando os comportamentos, observou-se sujeitos deste estudo, trazendo benefícios, mesmo
que o Olhar foi o comportamento comunicativo de considerando o grau de severidade da patologia
maior ocorrência em todas as situações e conside- que apresentam, concordante com estudos anterio-
rando os 5 sujeitos, como mostra a Figura 1. res 29,33,34. E também, parece ser o cenário mais pro-
O Olhar para Terapeuta (Tabela 2) apresentou dutivo para o desenvolvimento de comportamentos
um crescimento estatisticamente significante após comunicativos e de AC 14,35.
os 4 meses de intervenção fonoaudiológica. O comportamento Imitar ocorreu em maior
O uso funcional de um objeto, em geral, não número na situação ISD (Tabela 4) e a média do
envolve necessariamente o compartilhar. Os dados comportamento Imitar diminuiu na 2ª gravação
encontrados (Figura 1 e Tabela 2) revelaram que (Tabela 2). Pode haver alguma relação entre o
houve uma diminuição do comportamento Uso Fun- decréscimo do comportamento Imitar após o perí-
cional no intervalo do período estudado, sem sig- odo da intervenção e o aumento dos comporta-
nificância estatística. No entanto, é possível supor mentos Apontar e Mostrar no mesmo período. Na
que haja uma relevância clínica nestes dados. Com evolução da habilidade de compartilhar a atenção,
os meninos passaram a usar comportamentos mais Esta pesquisa sugere que, se os demais com-
interativos espontaneamente, diminuindo as mani- portamentos relacionados às habilidades de Aten-
festações imitativas, as quais, não exigem necessa- ção Compartilhada levam mais tempo para emer-
riamente uma consciência ou intenção de comparti- gir do que o comportamento Olhar, esforços não
lhar algo com alguém. devem ser medidos, nas intervenções terapêu-
Os comportamentos Alternar, Apontar e Mostrar ticas, para estimular o desenvolvimento destes
são considerados comportamentos relacionados comportamentos. Neste ponto, estudiosos da área
diretamente à AC 3,8.
7,12-14,20,23,24,27,28,34,36,37
são concordantes que é impor-
tante incluir nos programas terapêuticos, aspectos
Os resultados desta pesquisa indicaram que o
que envolvam desenvolver comportamentos comu-
comportamento Alternar foi o que mais apareceu
nicativos relacionados à Atenção Compartilhada,
(Tabela 4, Tabela 2) dentre eles. O Alternar é um
como o contato ocular, o apontar e o mostrar, pois,
comportamento que envolve o Olhar (que alterna
as crianças autistas se beneficiam destas estraté-
entre o interlocutor e o objeto/evento) e carrega um
gias por adaptá-las ao mundo social.
significado que é expresso através dele próprio,
sem a necessidade de um gesto para garantir sua É possível verificar, através da Figura 2, que a
média da 2ª gravação é sempre maior que a média
manifestação. E é um indicador que a criança está
da 1ª gravação. Portanto, o estudo mostra a tendên-
compartilhando uma consciência do objeto/evento
cia de crescimento quantitativo de comportamentos
em foco com o parceiro interacional 4,25, isto é, o
comunicativos, após um período sob intervenção
processo de dividir a atenção está iniciando 2,4.
fonoaudiológica focada na Atenção Compartilhada
Os comportamentos Apontar e Mostrar podem (Tabela 5).
ser usados com função instrumental ou social e
Apesar da ausência de significância estatística,
necessitam da habilidade de direcionar a atenção
pode-se observar uma significância clínica, isto é,
do outro para emergir 36. Além disso, envolvem tam-
um valor positivo para o trabalho terapêutico, pois,
bém uma ação motora, o que sugere que sejam
destaca-se a tendência dos sujeitos a responde-
mais complexos e, portanto, podem levar mais
rem positivamente à intervenção fonoaudiológica
tempo para surgirem. Portanto, o intervalo de 4
com foco na AC, mesmo após alguns meses, como
meses entre as gravações, pode ter sido curto para
no caso da presente pesquisa, concordante com
o desenvolvimento destes comportamentos, nos outros estudos 20,33-35,38,39.
sujeitos deste estudo.
Um estudo realizado com crianças autistas em
Concordante com outros estudiosos 22,26,34 que idade pré-escolar 40 demonstrou que atividades
demonstraram a importância do olhar para o desen- de Atenção Compartilhada favoreceram o engaja-
volvimento da linguagem e da própria AC, este mento destas crianças com seus pares. Uma pes-
estudo entende que o comportamento Olhar pode quisa anterior 41 havia demonstrado que crianças
ser o degrau inicial em direção à Atenção Comparti- autistas entre 3-4 anos sob terapia individual focada
lhada, o primeiro canal de interesse sobre o outro, o na Atenção Compartilhada, 30 minutos diários,
que propicia o início de uma interação comunicativa. durante 5-6 semanas, apresentaram maior evolu-
Os comportamentos Dar e Pedido ocorreram ção em comportamentos comunicativos do que um
em maior quantidade na Situação Individual Semi- grupo controle inserido numa abordagem menos
dirigida (Tabela 4), refletindo uma significância clí- específica, durante 6 horas diárias, no mesmo
nica importante: o interlocutor adulto facilita o sur- período.
gimento de comportamentos comunicativos por ser Apesar das diferenças comportamentais exis-
mais estimulador e também mais atento à interação tentes entre as crianças deste estudo, as quais
do que outras crianças também autistas, conforme caracterizam o quadro do Transtorno Autista 12,42,
observado em outro estudo 12. mudanças foram observadas em todos os sujeitos
Os comportamentos Provocação e Convite e, sempre apontando para o processo de desen-
considerados pelas pesquisadoras como os mais volvimento das habilidades de AC. A presença
complexos na habilidade do compartilhar por exi- da adulta-terapeuta provocou um efeito positivo,
gir, além da ação em direção ao interlocutor, uma atraindo a atenção para si e para o compartilhar.
consciência da realidade circundante e modificá-la Consequentemente, o comportamento Olhar, pri-
com a intenção de interagir, ocorreram em número meiro passo para a efetivação da AC, progrediu
reduzido, sem significância estatística ou clínica quantitativamente.
(Tabela 4, Tabela 2). Estes dados sugerem que A heterogeneidade, característica do Transtorno
os sujeitos desta pesquisa encontram-se no prin- Autista concedeu análises e conclusões do tipo
cípio do processo de desenvolvimento da Atenção mais qualitativas do que quantitativas e mais indivi-
Compartilhada. dualizadas do que grupais 42.
ABSTRACT
Purpose: to identify and characterize abilities of Joint Attention of non-verbal autistic children through
the observation of communicative behaviors. Methods: the research involved 5 boys, between 5,9
and 8,6-year old, diagnosed as Autistic Disorder (DSM IV, 2002), recorded in two instances with a
four months interval. Meanwhile, the children were submitted to a language therapy mediation based
on Joint Attention stimulation. Each recording was 15 minutes long and involved one child or group of
2-3 children with the therapist within non-directed and semi-directed interaction situations, at school
where they studied. We observed and registered behaviors regarding Joint Attention abilities. The
used material involved percussion instruments. Data were analyzed in relation to time, interaction
and interlocutor. Results: the gaze behavior showed the greatest growth in each subject. Data
analysis revealed that the subjects showed qualitative trends for evolution of the Joint Attention ability
revealing important clinical meaning although there was lack of statistical significance. Each subject
showed characteristics and evolution of the communicative behaviors regarding Joint Attention in an
individualized manner. After the period of language therapy intervention, we observed a quantitative
behavioral growth in the 5 subjects, specifically under child-therapist interaction. Conclusions: the
gaze behavior is an important step for the development of others behaviors toward Joint Attention.
The adult-child interaction situation facilitates the appearance of communication behaviors and
sharing. Language therapy with focus on the Joint Attention abilities seems to contribute positively for
communication development of autistic children.