Polifonia: Estudos Linguísticos

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eISSN 22376844

polifonia

33
programa de pós-graduação
em estudos de linguagem
Estudos Linguísticos

Dossiê
Estudos críticos do
discurso e realismo crítico:
Universidade Federal de Mato Grosso contribuições e divergências
polifonia NÚMERO 33 – 2016
eISSN 22376844

Estudos Linguísticos
Dossiê
Estudos críticos do discurso e realismo crítico:
contribuições e divergências
UFMT
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Reitora Conselho Consultivo


Maria Lúcia Cavalli Neder Ana Antônia de Assis-Peterson – UFMT
Ana Regina e Souza Campello – UFSC
Vice-Reitor Lúcia Regiane Lopes-Damásio – UNESP
João Carlos de Souza Maia Manoel Mourivaldo Santiago Almeida – USP
Marilda C. Cavalcanti – UNICAMP
Simone de Jesus Padilha – UFMT
Pró-Reitora Administrativa
Solange Maria de Barros – UFMT
Valéria Calmon Cerisara
Sônia Aparecida Lopes Benites – UEM
Walkyria Monte Mor – USP
Pró-Reitora de Ensino de Pós-Graduação Vânia Cristina Casseb Galvão – UFG
Leny Caselli Anzai Vera Lúcia Menezes de O. e Paiva – UFMG

Pró-Reitor de Pesquisa Conselho Editorial


Joanis Tilemahos Zervoudakis Célia Maria Domingues da Rocha Reis – UFMT
Maria Inês Pagliarini Cox– UFMT
Dánie Marcelo de Jesus – UFMT
Pró-Reitora de Ensino de Graduação
Roberto Leiser Baronas – UFSCAR
Irene Cristina de Mello
Editor gerente
Pró-Reitora de Assistência Estudantil Célia Maria Domingues da Rocha Reis
Myrian Thereza de Moura Serra
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica
Téo de Miranda — Editora Sustentável
Pró-Reitor de Cultura, Extensão e Vivência
Luis Fabrício Cirillo de Carvalho Revisão de Língua Inglesa
Solange Maria de Barros
Diretor do Instituto de Linguagens
Roberto Boaventura da Silva Sá Revisão de Língua Espanhola
Marcia Romero Marçal
Coordenador do Programa de Pós-graduação
Tradutor/intérprete de LIBRAS
em Estudos de Linguagem – PPGEL
Fábio Vieira de Souza Júnior
Dánie Marcelo de Jesus
Organizadores
Coordenadora da Editora Universitária Solange Maria de Barros
Lúcia Helena Vendrúsculo Possari Viviane de Melo Resende
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Av. Fernando Corrêa da Costa, 2367
Bairro Boa Esperança – Campus Universitário Gabriel Novis Neves
CEP: 78.060-900 – Cuiabá-MT – Brasil

POLIFONIA
Periódico do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem – Mestrado e Doutorado
Instituto de Linguagens – Piso 2, sala 42
Universidade Federal de Mato Grosso/ Cuiabá-MT – Brasil
Fones: 0XX- 65 - 3615.8408 – Fax 0XX - 65-3615.8418
Endereço eletrônico: www.periodicoscientificos.ufmt.br/polifonia
E-mail: polifonia@ufmt.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P767 Polifonia / Estudos literários [recurso eletrônico]. – v. 23,


nº 33 (jan-jun. 2016). – Cuiabá: UFMT, Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem, 2016, 239p.
Semestral.
Modo de acesso: internet
<htpp://www.periodicoscientificos.ufmt.br/polifonia>
ISSN 22376844

1. Estudos literários – Periódicos. I. Universidade


Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação
em Estudos de Linguagem.
CDU – 81’1

Associado a: Bases indexadoras:

Os autores são expressamente responsáveis pelo conteúdo e


imagens dos respectivos trabalhos publicados neste periódico.
Pareceristas desta edição:
Profa. Dra. Elaine Mateus (UEL)
Profa. Dra.  Francisca Cordélia Oliveira da Silva (UnB)
Prof.Dr. Fernando Vesz (UFMT)
Prof. Dr. Frédéric Vanderberghe (IESP-UERJ)
Prof. Dr. Guilherme Rios (UnB)
Profa. Dra. Izabel Magalhães (UFC)
Profa Dra. Laura Pardo (Universidad de Buenos Aires)
Prof. Dr. Lésmer Antonio Montecino Soto (Pontifícia Universidad Católica de Chile)
Profa. Dra. Maria Inês Cox (UFMT)
Profa. Dra. Neuza Benedita Zattar (UNEMAT)
Prof. Dr. José Ribamar Lopes Batista Júnior (UFPI)
Profa. Dra. Solange Maria de Barros (UFMT)
Profa. Dra. Veralucia Guimarães Souza (IFMT)
Profa. Dra. Viviane Vieira (UnB)
Profa. Dra. Viviane de Melo Resende (UnB)
polifonia eISSN 22376844

Sumário

Apresentação......................................................................................................... 8

Dossiê: Estudos críticos do discurso e realismo crítico:


contribuições e divergências............................................................................. 10
Realismo crítico e análise de discurso crítica: hibridismos de fronteiras
epistemológicas.............................................................................................11
Solange Maria de Barros (UFMT)
Viviane Vieira (UnB)
Viviane de Melo Resende (UnB)
A brief introduction to the philosophy of meta-reality..................................29
Gary Hawke (University of Greenwich)
The role of the school in tackling the exclusion of students within the
framework of inclusive education: a perspective from critical realism...........37
Areti Stylianou (Institute of Education – London)
Análise de discurso crítica e filosofia da meta-realidade:
reflexões sobre ética e identidades................................................................51
Viviane Vieira (UnB/PPGL)
Juliana de Freitas Dias (UnB/PPGL)
Estratégia como prática sob o olhar do realismo crítico e da análise
crítica do discurso: fundamentos filosóficos e reflexões metodológicas.......70
Odemir Vieira Baeta (UFV)
Mozar José de Brito (UFLA)
Rosália Beber de Souza (UFV)
Agência e poderes causais: analisando o debate sobre a inclusão de ideologia
de gênero e orientação sexual no plano decenal de educação – Brasil.................89
Maria Carmen Aires Gomes (UFV/MG)
Discurso, corpo e cidadania em acórdãos sobre o aborto............................110
Débora de Carvalho Figueiredo (DLLE/PPGI/UFSC)
A relação da esfera pública e da esfera privada na visão da mídia hegemônica:
a quem pertencem as praias cariocas?................................................................130
Bruna Avelar (CMA, Unifal/Varginha-MG)
Gustavo Ximenes Cunha (UFMG/Belo Horizonte-MG)
Reading the code of dehumanisation: the animal construct deconstructed.....149
Paul Jobst (University of Duisburg, Germany)
Obituário: Roy Bhaskar (1944-2014).............................................................179
Frédéric Vandenberghe (IESP-UERJ)

Outros lugares................................................................................................... 183


Critical literacy for difference: teachers’ perceptions of the english
language curriculum in Brazil ......................................................................184
Dánie Marcelo de Jesus (UFMT)
O gênero textual apresentação em Powerpoint na sala de aula:
um estudo de caso.......................................................................................203
Fabíola de Jesus Soares Santana (UEMA)

Entrevista............................................................................................................ 226
Mervyn Hartwig: Roy Bhaskar and the philosophy of critical realism..........227
By Solange Maria de Barros

Chamada de Artigos Polifonia................................................................................233


polifonia eISSN 22376844

Apresentação
Estudos críticos do discurso e realismo crítico:
contribuições e divergências
Com imenso prazer, apresentamos aos/às leitores/as o periódico científico Polifonia
número 33, periódico articulado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso.
Na seção Dossiê estão publicados artigos que abordam, centralmente, temas relacio-
nados aos estudos críticos do discurso, mas também ao realismo crítico, especialmente
suas contribuições e convergências epistemológicas para os estudos discursivos. Para fe-
char essa seção, apresentamos um obituário de Roy Bhaskar, filósofo fundador do realis-
mo crítico, falecido em 2014, e em cuja homenagem este volume foi organizado.
O primeiro texto do Dossiê, Realismo crítico e análise de discurso crítica: hibridismo
de fronteiras epistemológicas, é de nossa autoria e também conta com a participação
da colega Viviane Vieira. Nele, trazemos um ensaio teórico voltado para reflexões sobre o
hibridismo de fronteiras entre o realismo crítico e a análise de discurso crítica. Buscamos
explorar aproximações e algumas implicações oriundas da porosidade entre suas fronteiras
interdisciplinares e epistemológicas. Por isso decidimos apresentar o artigo como abertura
do volume: traçamos algumas linhas gerais sobre as quais os demais artigos do dossiê, em
maior ou menos medida, também se apóiam. No artigo seguinte, A brief introduction to the
philosophy of metareality, Gary Hawke faz uma reflexão filosófica acerca da metarrealidade
no realismo crítico, introduzindo o/a leitor/a a dois elementos importantes: a não-dualidade e
a teoria da transcendência. No terceiro artigo, The role of the school in tackling the exclusion
of students within the framework of inclusive education: a perspective from critical
realism, Areti Stylianou analisa, sob a perspectiva do realismo crítico, o papel da escola no
combate à exclusão de estudantes, no âmbito da educação inclusiva. No quarto, Análise de
discurso crítica e filosofia da meta-realidade: reflexões sobre ética e identidades, Viviane
Vieira e Juliana Dias abordam limites, alcances e possibilidades dos estudos críticos do
discurso, bem como dos desdobramentos científicos do realismo crítico, trazendo reflexões
sobre o mal-estar social e individual nos tempos-espaços atuais, de exploração capitalista
e sofrimento. Odemir Baeta, Mozar Brito e Rosália de Souza, Estratégia como prática sob
o olhar do realismo critico e da análise crítica do discurso: fundamentos filosóficos e
reflexões metodológicas, no quinto artigo do volume, exploram aspectos emergentes e
subjetivos das organizações contemporâneas, apoiando-se na análise crítica do discurso
para desvelar ações organizacionais no processo de formação da estratégia como prática.
No artigo seguinte, Agência e poderes causais: analisando o debate sobre a inclusão de

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ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Decenal de Educação – Brasil, Maria


Carmem Gomes analisa a inclusão de ideologia de gênero e orientação sexual no Plano
Decenal de Educação, traçando um diálogo transdisciplinar que considera ontologia,
epistemologia e metodologia nos estudos discursivos críticos, e trazendo considerações
sobre identidades de gênero e a forma como comentários em redes sociais têm contribuído
para a construção de opiniões e ações éticas (ou não) na esfera pública. No sétimo artigo,
Discurso, corpo e cidadania em acórdãos sobre o aborto, Débora Figueiredo analisa
representações de casos de abortamento produzidas pelo judiciário brasileiro, tendo como
fundamentação teórica os estudos críticos do discurso e a linguística sistêmica funcional. A
reflexão da autora contempla um conjunto de 11 acórdãos produzidos entre 1991 e 2014.
No oitavo, A relação da esfera pública e da esfera privada na visão da mídia hegemônica:
a quem pertencem as praias cariocas?, Bruna Carvalho Avelar e Gustavo Ximenes Cunha
analisam um texto midiático, publicado em revista semanal brasileira, visando provocar
questionamentos sobre a interpretação de discursos hegemônicos, com vistas a ancorar
pontos de resistência. Os autores utilizam a abordagem da análise crítica do discurso para
analisar a reportagem “Sol, Mar e Organização”, veiculada na Revista Veja. O artigo seguinte,
Reading the code of dehumanization, assinado por Paul Jobst, e localizado no âmbito da
análise de discurso crítica da escola de Duisburg, examina os modos como o discurso moral
ocidental codifica a exclusão de certos grupos sociais por meio de sua desumanização. O
autor analisa como o princípio do binarismo produz imagens de uma “humanidade ideal”
como opostas a traços “não humanos”, animalizados, atribuídos a grupos sociais específicos.
Finalizando a seção Dossiê, apresentamos um obituário de Roy Bhaskar, escrito pelo
sociólogo Frédéric Vanderbergh.
Na seção Outros lugares, Dánie Marcelo de Jesus, no décimo artigo deste volume, Critical
literacy for difference: teachers’ perceptions of the English language curriculum in Brazil,
analisa a percepção de professores/as brasileiros/as sobre o currículo de língua inglesa, nos
cursos de graduação, sob a lente do letramento crítico. No último artigo, O gênero textual
apresentação em powerpoint na sala de aula: um estudo de caso, Fabíola Santana analisa
a produção de textos como prática mediadora das relações interpessoais entre professores/
as e alunos/as no curso de Letras, enfocando, em especial, as apresentações em PowerPoint.
Na seção Entrevista, o editor chefe do Journal of Critical Realism, Mervyn Hartwig,
responde a perguntas sobre a filosofia do realismo crítico. Discorre também sobre a vida
pessoal e profissional de Roy Bhaskar, sobre a criação do realismo crítico, sobre a virada
espiritual do filósofo, sobre as críticas de estudiosos/as e pesquisadores/as e sobre o futuro
do realismo crítico.
Agradecemos aos/às pesquisadores/as que contribuíram com seus artigos para a
preparação deste número do periódico Polifonia bem como aos/às pareceristas que
participaram do processo de avaliação dos textos submetidos à publicação neste volume.
Desejamos a todos uma agradável e proveitosa leitura!

Solange Maria de Barros


Viviane de Melo Resende

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Dossiê
Estudos críticos do
discurso e realismo crítico:
contribuições e divergências
polifonia eISSN 22376844

Realismo crítico e análise de discurso crítica:


hibridismos de fronteiras epistemológicas
Critical realism and critical discourse analysis:
hibridisms of epistemological boundaries
Realismo crítico y análisis de discurso crítico:
hibridismos de fronteras epistemológicas
Solange Maria de Barros (UFMT)
Viviane Vieira (UnB)
Viviane de Melo Resende (UnB)

Resumo
Neste artigo buscamos refletir sobre o hibridismo de fronteiras entre o realismo crítico e a análise
de discurso crítica. Procuramos mostrar as aproximações entre essas duas abordagens, bem
como algumas implicações possíveis como consequência da porosidade entre suas fronteiras
disciplinares e epistemológicas. Começamos por tecer considerações sobre a filosofia do realismo
crítico, formulada por Bhaskar (1998, 2000, 2002a, 2002b), para, em seguida, explorar o potencial
explanatório da análise de discurso crítica, buscando discutir algumas implicações do realismo
crítico para os estudos da semiose. Também argumentamos que a complexidade da relação entre
as dimensões intransitiva (ontológica) e transitiva (epistemológica) da ciência, quando se trata
do mundo social, pode ser coerentemente explorada em abordagens discursivas.
Palavras-Chave: Realismo crítico, análise de discurso crítica, hibridismo

Abstract
In this article we reflect on hybridity of boundaries between critical realism and critical discourse
analysis. We explore similarities between these two approaches, as well as some possible
implications of porosity between their disciplinary and epistemological boundaries. We begin
with some considerations on the philosophy of critical realism, formulated by Bhaskar (1998,
2000, 2002a, 2002b), to then explore the explanatory potential of critical discourse analysis,
seeking to discuss some implications of critical realism for semiotic studies. We also argue that the
complexity of the relationship between intransitive (ontological) and transitive (epistemological)
dimensions of science, when it comes to the social world, can be consistently explored in
discursive approaches.
Keywords: Critical realism, critical discourse analysis, hybridity

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 11-28, jan-jun., 2016

Resumen
En este artículo se reflexiona sobre el hibridismo de fronteras entre el realismo crítico y el análisis
de discurso crítico. Buscamos mostrar las aproximaciones entre esas dos perspectivas, así como
algunas implicaciones posibles como consecuencia de la porosidad entre sus fronteras disciplinares
y epistemológicas. Empezamos por plantear consideraciones sobre la filosofía del realismo crítico,
formulada por Bhaskar (1998, 2000, 2002a, 2002b), para enseguida explorar el potencial de
exposición del análisis de discurso crítico, tratando de discutir algunas implicaciones del realismo
crítico a los estudios de la semiosis. Asimismo, argumentamos que la complejidad de la relación
entre las dimensiones intransitiva (ontológica) y transitiva (epistemológica) de la ciencia, cuando se
trata del mundo social, puede ser coherentemente explorada en perspectivas discursivas.
Palabras Clave: Realismo crítico, análisis de discurso crítico, hibridismo

Introdução
Nos últimos quinze anos, a abordagem da análise de discurso crítica (ADC), ou análise
crítica do discurso (ACD), inicialmente proposta por Fairclough (1989; 1999; 2001, 2003a,
2010), tem se colocado nos cenários nacional e internacional como uma proposta teórico-
metodológica relevante para os estudos do discurso. É um campo de ensino e pesquisa
transdisciplinar que tem sido amplamente difundido nas ciências sociais e humanidades em
geral. Recentemente, Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2003a) incluíram em seus
estudos a ontologia social crítico-realista em busca da construção de uma crítica explanatória
para explicar a vida social. Na perspectiva realista, a vida é compreendida como um sistema
aberto, governado por mecanismos oriundos das estruturas e de que resultam os eventos
sociais. Eventos e estruturas são partes da realidade social, e estabelecem, nessa perspectiva,
relação transformacional. Essa visão crítico-realista da vida social se baseia nos estudos de
Bhaskar (1978, 1998, 2000, 2002a, 2002b), Collier (1994), Sayer (2000), entre outros.
A abordagem científica para estudos sobre como o discurso constitui o social,
sobretudo nos aspectos mais problemáticos de assimetria de poder, tem sido utilizada
e reelaborada para as questões do contexto sociopolítico, histórico e geográfico latino-
americano, a exemplo dos trabalhos das pesquisadoras Barros (2008, 2009, 2010, 2015),
Berardi (2003), Gomes (2011), Magalhães (2009, 2010), Papa (2005, 2008), Pardo Abril
(2007, 2008), Pardo (2008, 2011), Ramalho (2009, 2010a, 2010b, 2013), Ramalho e Resende
(2011), Resende e Ramalho (2004, 2005, 2006, 2011, 2013), Resende (2009a, 2009b, 2010,
2013a, 2013b), Silva e Ramalho (2008a, 2008b), Silva e Pardo (2010), para citar algumas
das contribuições latino-americanas aos estudos críticos do discurso.
Isso nos aponta pelo menos duas notáveis transposições de fronteiras. Primeiro, entre
realidades sociais distintas, já que os países da América Latina são afetados pela política
econômico-cultural hegemônica da América do Norte e Europa, mas esses não partilham das
mesmas questões sociais problemáticas da “semi-periferia do capitalismo” (SANTOS, 2002).
Segundo, uma transposição de fronteiras epistemológicas, impulsionada pela necessidade de
repensar teoricamente (e também ontológica e metodologicamente, como discutimos aqui)
a nossa realidade nesse contexto de relações de exploração capitalista em escala global, o

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que motiva um movimento de “descolonização epistemológica” em direção ao “pensamento


latino-americano” autônomo, independente, que vem se consolidando (DUSSEL, 2015).
Neste texto, apresentamos uma reflexão teórica acerca do diálogo entre o realismo
crítico (RC) e a ADC para pensar questões situadas da realidade brasileira, especificamente.
Procuramos mostrar as aproximações entre essas duas abordagens, bem como algumas
implicações possíveis como consequência da dissolução entre fronteiras disciplinares
e epistemológicas. Dividimos este ensaio em duas seções. Na primeira, tecemos
considerações sobre a filosofia do RC formulada por Bhaskar (1978, 1998, 2000, 2002a,
2002b). Na segunda, exploramos o potencial explanatório da ADC, buscando explorar
algumas implicações do RC para os estudos da semiose. Argumentamos, concordando
com Fairclough, Jessop e Sayer (2010), que a semiose não pode ser reduzida somente a
um jogo de sinais, sem identificar e explorar as condições sociais que a tornam possível
e garantem a sua efetividade. Acrescentamos que isso vale tanto para as interações e
mudanças sociais favoráveis que desejamos para nosso contexto social quanto para a
legitimação de crenças e práticas sociais que trazem desigualdades, injustiças, sofrimento,
(auto)destruição, e que precisamos superar como indivíduos e como sociedade.

1. Realismo crítico e teorias sociais críticas

O realismo crítico, inicialmente proposto por Roy Bhaskar, é um movimento


internacional na filosofia e nas ciências humanas, considerado uma alternativa para as
ciências naturais e sociais, destacando a ontologia – questão do ser –, em que o real é mais
denso, ou seja, em que se distingue uma superfície de algo mais profundo. O RC defende
uma ontologia não empiricista, em que o mundo não é feito somente de acontecimentos
ou fatos; o mundo (material ou social) é governado por mecanismos ou poderes causais,
oriundos de estruturas e de que se informa a realização de eventos.
Bhaskar (1998) denominou de “falácia epistêmica” algumas proposições sobre
o ser. Para ele, há um equívoco metafísico em querer adotar questões ontológicas
como se fossem epistemológicas. Esse pensamento, segundo ele, teria levado a uma
dissolução da ontologia. Na visão do filósofo, os objetos de conhecimento não são
os fatos ou eventos atômicos (empirismo), nem fenômenos apreendidos por meio de
construções mentais (idealismo), “mas estruturas reais que operam e agem no mundo
independentemente do nosso conhecimento, nossa experiência” (BHASKAR, 1998, p.
19). Segundo essa perspectiva, o RC distingue duas dimensões do conhecimento: uma
intransitiva e outra transitiva.
Conforme Resende (2009a) e Ramalho (2013), a dimensão intransitiva refere-se
à realidade independente do conhecimento, ou aos objetos do mundo (dimensão
ontológica). A dimensão transitiva refere-se, por seu turno, a nosso conhecimento sobre
a realidade ou sobre os objetos (dimensão epistemológica). Assim, quando reduzimos
a realidade (dimensão intransitiva e ontológica) a nosso conhecimento sobre a realidade

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(dimensão transitiva e epistemológica), incorremos num erro epistêmico. Essa postura


distancia o RC do realismo empírico, que identifica o potencial com o empírico, “como
se o mundo correspondesse ao espectro de nossos sentidos, sendo idêntico àquilo que
experimentamos” (SAYER, 2000: 09). Isso não significa, entretanto, assumir uma postura
ingênua de que nosso conhecimento não afetaria o mundo social; ao contrário, as relações
entre essa dimensão ontológica/ intransitiva e a dimensão epistemológica/ transitiva é
mais complexa no mundo social que no mundo natural.
Na esteira de Barros (2015), Bhaskar conseguiu desenvolver uma crítica às visões
racionalistas e empiristas de ciência. O filósofo procurou demonstrar que a teoria humana
de leis causais levou a uma deterioração da própria teoria e, consequentemente, da
questão ontológica. Elaborou, então, uma alternativa de explicação da ciência, valorizando
a ‘ontologia’ que antes era desprestigiada pelas correntes positivistas e empiristas.
Com base na ‘filosofia da práxis’ de Marx (Chouliaraki & Fairclough, 1999: 35), a
perspectiva de Bhaskar (1986) sustenta que a ciência deve revelar algo que sirva para
transformar a realidade social. Porém, a realidade possui dimensões profundas, as quais
não são diretamente observáveis: existe ‘algo que está abaixo da superfície’, ou seja,
existe alguma coisa mais profunda que não é possível descobrir diretamente na empiria.
É isso que interessa aos/às cientistas sociais críticos/as que comungam o pensamento
do realismo crítico. O conhecimento precisa fazer sentido para que a realidade possa ser
transformada; é preciso penetrar as raízes dos problemas sociais, com suas estruturas,
mecanismos e poderes, visualizando uma ‘crítica explanatória’ que possa gerar argumentos
críticos à transformação social. Em suas palavras:

a ciência é, de fato, um processo contínuo, mas é um processo com


um propósito central: aprofundar o conhecimento dos mecanismos
transfactualmente ativos sempre mais profundos da natureza [e da
sociedade]. (BHASKAR, 1986, p. 50)

Ao defender a ontologia social, Bhaskar (1986) sustenta que as práticas científicas


devem ser estudadas transcendentalmente. Conforme o filósofo – e muitos/as
pesquisadores/as qualitativos/as concordariam com isso –, toda e qualquer prática
científica pressupõe uma visão de mundo antes mesmo da investigação. Sobre esse
entendimento, ele formula a seguinte pergunta: “Como deve ser o mundo para que a
ciência seja possível?” (BHASKAR, 1978, p. 36). Se o mundo é constituído de mecanismos
(e não só de eventos observáveis), então esses mecanismos devem gerar fluxos de
eventos, formando, consequentemente, os acontecimentos do mundo ao nosso redor.
É por essa razão que o filósofo sugere não sermos totalmente livres: “Essa é a árdua
tarefa da ciência: a produção do conhecimento sobre aqueles mecanismos da natureza,
duradouros e continuamente ativos, que produzem os fenômenos [ou reproduzem os
processos sociais] do nosso mundo” (BHASKAR, 1978, p. 47, acréscimo nosso).
Processos sociais são significativos e, portanto, devem ser compreendidos e não
medidos. Nesse sentido, é preciso entender que no realismo crítico qualquer tipo de

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significado vai exigir uma visão interpretativa por parte do/a pesquisador/a. Significa
também dizer que o realismo crítico é parcialmente naturalista, pois também usa
métodos da ciência natural para a explicação causal, mas diverge no que se refere à visão
interpretativa (SAYER, 2000). Da mesma forma, entende ser compatível a adoção ampla
de métodos de pesquisa como a etnografia, a análise de discurso etc., pois a seleção de
determinados métodos depende sempre da natureza do objeto de estudo, do problema
e das questões de pesquisa, dos objetivos da investigação (RESENDE, 2009a).
O RC busca compreender conexões entre os processos estudados, e não regularidades
entre eles. Reconhece a necessidade de interpretar significados, embora não seja a
única alternativa para explicações causais, considerando que razões podem ser causas.
É caracterizado também pela ‘emergência’ de processos sociais, ou seja, quando duas
ou mais características de um determinado fenômeno ou processo dão origem a outros
novos que emergem. Por exemplo, processos sociais são emergentes de fenômenos
biológicos que, por sua vez, são emergentes dos estratos do físico e químico, e assim
por diante (BHASKAR, 1998). E reconhecer isso não significa advogar a necessidade de
se estudarem os fenômenos primários em uma cadeia de emergência, mas reconhecer a
complexidade sistêmica da vida natural e social.
Na visão de Outhwaite (1983, p. 322), o RC vê a ciência “como uma atividade humana
que visa descobrir uma mistura de experimentação e razões teóricas, as entidades,
estruturas e mecanismos – visíveis ou invisíveis – que existem e operam no mundo”.
Nessa mesma esteira, Vanderberghe (2010) compara o/a pesquisador/a com um mineiro,
escavando profundamente, movendo-se entre estratos da realidade – dimensão vertical
–, descobrindo uma multiplicidade de mecanismos gerativos que explicam relações entre
eventos – dimensão horizontal. Mas sem a necessidade de ‘descobrir’ regularidades, já
que, como dissemos antes, não é isso o que move o empreendimento.
Em escritos mais recentes, Bhaskar (2002b) avançou na discussão sobre o aspecto
transcendental de sua abordagem filosófica, o que definiu como ‘filosofia da meta-
Realidade’. Em linhas gerais, partindo da visão transformacional do mundo – concebido
como uma totalidade sistêmica que engloba diversos estratos dialeticamente
interconectados (físico – químico – biológico – psicológico – semiótico – social – ambiental
etc.), cada qual com seus mecanismos gerativos e poderes causais particulares –, o autor
aprofundou a questão do ser como fonte de agência causal no mundo e como parte do
todo universal profundamente interconectado.
Dessa vez posicionando-se em epistemologias de base oriental, mais holísticas
sobre totalidades integradas, em convergência com Morin (2005), Demo (2012), Capra
([1982]2004), dentre outros/as pensadores/as de teorias da complexidade, o autor
focalizou a questão da autoestruturação interna do ser no mundo como caminho para a
emancipação humana coletiva. Com foco no potencial humano criativo, observou que
a ‘falsa’ separação, fragmentação, alienação da totalidade universal desune as pessoas,
desconectando-as das totalidades integradas. Nessa dinâmica de ‘falsa’ separação,
de ‘dualidade’, o ser humano se reconhece como ‘superior’ às demais formas de vida,

15
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legitimando, por exemplo, a percepção do meio ambiente natural como algo ‘fora’ e não
como parte de sua própria natureza, de sua própria realidade. A mesma fragmentação
também leva ao não reconhecimento de si mesmo no outro, naturalizando práticas
de competitividade, concorrência, agressividade, violência, exclusão. Na linha do
que também discutem Dussel (2000), Weil, Leloup & Crema (2012), entre outros/
as, Bhaskar (2002b) problematizou como tais posturas no mundo, na vida social,
atuam potencialmente como elemento causal relacional de desigualdades, guerras,
discriminações, explorações, infelicidades, opressões, resultando em autodestruição,
destruição do meio ambiente, violência, sofrimento.
Assim sendo, o RC lança luz sobre a questão ética e moral do ser no mundo, consciente
de sua agência humana integrada a uma totalidade transcendental que é pura unidade
e cooperação. Assim, a crítica sobre estruturas de poder (incluindo estruturas políticas,
históricas) perpassa, de modo transformacional, a crítica sobre a (inter)ação do ser no
mundo, isto é, inclui uma ‘estrutura fina’ – que é a autoestruturação interna do ser (BHASKAR
2002b; BARROS, 2008, 2015) – como mecanismo causal fundamental da emancipação
humana coletiva. Nos termos de Bhaskar (2002b, p.8),

a filosofia da Meta-Realidade descreve a maneira como o mundo


depende, é sustentado e existe somente em virtude da energia livre,
amorosa, criativa, inteligente e de ações em estados não-duais de nosso
ser e de nossa atividade. Ao nos tornarmos conscientes disso, começamos
o processo de transformação e superação da totalidade das estruturas de
opressão, alienação, mistificação e miséria que temos produzido.

Avança-se, desse modo, numa compreensão não eurocêntrica, superando o


cientificismo racional, mecanicista, que, nas palavras de Capra (2004, p. 9), concebeu “o
universo como um sistema mecânico que consiste em objetos separados”, que “ainda está
na base da maioria de nossas ciências e continua a exercer uma enorme influência em
muitos aspectos de nossa vida”. Para Capra, isso

levou à bem conhecida fragmentação em nossas disciplinas acadêmicas


e entidades governamentais e serviu como fundamento lógico para
o tratamento do meio ambiente natural como se ele fosse formado de
peças separadas a serem exploradas por diferentes grupos de interesses.
(CAPRA, 2004, p. 29-30)

O foco no sistema econômico, tecnológico, assim como no conflito e na luta como


forças propulsoras de mudanças sociais (CAPRA, 2004) abre espaço para possibilidades
de mudanças, inicialmente emergentes na base da formação humana holística, integrada
e fundada na não dualidade (ou seja, na unidade), nas quais, conforme Bhaskar (2002b),
estão importantíssimos mecanismos (com seus poderes causais) que podem se
movimentar para a superação de estruturas sociais de opressão e sofrimento, as quais
são, em grande medida, reproduzidas inconscientemente por nós mesmos/as.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 11-28, jan-jun., 2016

Como pontua Mészaros a respeito das “elites científico-tecnológicas”,

as forças materiais correspondentes às determinações estruturais


da sociedade produzem as pessoas de que elas precisam em cada
aspecto da vida, inclusive a ciência, mediante a qual podem impor
seus imperativos estruturais destrutivos sobre a sociedade como um
todo, sem levar em conta as consequências. (MÉSZAROS, 2004, p. 283,
destaques nossos)

Na linha de pensamento transformacional do RC, desigualdades, guerras,


discriminações, exploração, injustiças, infelicidade, opressão, (auto)destruição,
violência, sofrimento, medo são tanto efeitos causais do sistema de exploração
capitalista quanto seu sustentáculo, reproduzido ou questionado em cada (inter)ação
em eventos sociais.
Como filosofia de cunho emancipatório, o realismo crítico tem servido de base
para reflexão teórica e metodológica de estudiosos/as do discurso, interessados/
as em questionar a vida social em termos políticos, ideológicos e morais, visando
contribuir para a superação de desigualdades e injustiças sociais. Os/As que
comungam dessa visão sustentam que pesquisadores/as não devem se pretender
neutros/as; ao contrário, devem ser críticos/as, de modo a contribuir para a superação
dos problemas sociais em que se engajam (BARROS, 2015).
Em RC, pesquisas sociais não são feitas pela investigação de eventos que se
sucedem com regularidades empiricamente observáveis, uma vez que eventos
sociais, por não serem predeterminados e dependerem de condições contingentes,
podem ocorrer de muitas maneiras diferentes (SAYER, 2000, p.14-5). A constituição
do mundo social como um sistema aberto, em que um mesmo poder causal pode
produzir resultados diferentes, pressupõe um movimento transformacional entre
agência humana e estrutura social.
A sociedade existe como efeito causal da agência humana, mas não é redutível
a ela, e vice-versa. Como Sayer (2000, p. 19) exemplifica, ações sempre pressupõem
recursos pré-existentes e meios – “falar pressupõe uma língua; uma língua, uma
comunidade e recursos materiais, como cordas vocais ou outros meios de se efetuar
sons inteligíveis” –, o que implica relações causalmente interdependentes.
A concepção transformacional discutida aqui implica a existência de uma entidade
intermediária em cujo cerne está a noção de discurso da ADC: as práticas sociais, como
retomaremos adiante. Considerando esses princípios epistemológicos e ontológicos,
o RC propõe uma abordagem crítico-explanatória para estudos sociais, procurando
contemplar a natureza estratificada da realidade, incluindo as entidades, estruturas e
mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam no mundo (BHASKAR, 1989,
p. 12). Na próxima seção, nossa reflexão focalizará algumas implicações possíveis
dessa filosofia transcendental sobre estudos discursivos críticos.

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2. Análise de discurso crítica e realismo crítico:


hibridismos de fronteiras

A abordagem da ADC proposta por Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough


(2003a) dialoga com o RC de Bhaskar por considerarem o mundo social como um
sistema aberto, em constantes transformações. Conforme Fairclough (2003a), a ADC
está baseada numa ontologia social realista, em que eventos concretos e estruturas
sociais são parte da realidade social. Em suas palavras:

A perspectiva social em que me baseio é realista, fundamentada


em uma ontologia realista: tanto eventos sociais concretos como
estruturas abstratas, assim como menos abstratas ‘práticas sociais’ ,
são parte da realidade. Podemos fazer uma distinção entre o Real e
o Realizado – o que é possível devido à natureza (constrangimentos
e possibilidades) de estruturas sociais e práticas, e o que acontece de
fato. Ambos precisam ser distinguidos do ‘empírico’, o que sabemos
sobre a realidade. (FAIRCLOUGH, 2003a, p. 14).

O mundo se constitui em potencialidades que afetam e limitam a construção


textual (ou discursiva) do social. Podemos textualmente construir (representar,
imaginar etc.) o mundo social de modos particulares, porém a nossa representação
irá depender de vários fatores contextuais. Os textos – orais, escritos, multimodais –
podem trazer mudanças em nosso conhecimento (crenças, atitudes, valores etc.), e
podem também produzir efeitos causais, gerando guerras ou consolidando a paz etc.,
como já refletimos na seção anterior a respeito do RC. Textos podem, então, contribuir
para mudanças na sociedade, já que são uma parte importante de nossa ação social.
Seus efeitos incluem mudanças no mundo material, na arquitetura urbana, nas
atitudes das pessoas, nas relações sociais e no mundo material (FAIRCLOUGH, 2003a),
o que possibilita que cada contexto sócio-político, histórico, geográfico possa fazer
explanações críticas situadas sobre sua própria realidade.
Como Pardo Abril (2007, p. 32) observa, a chegada dos estudos discursivos críticos
à América Latina constituiu uma de suas principais razões de crescimento e expansão,
pois se desenvolveram múltiplas aplicações dos princípios teóricos na análise de
situações e problemáticas concretas, o que resultou no desenvolvimento das teorias
e dos métodos, e na ampliação de perspectivas (RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 19).
Aqui na América Latina, não é difícil notar os efeitos causais de discursos capitalistas
neoliberais, dualistas e sustentadores da exploração sem fronteiras na organização
espacial das grandes cidades, que cria disparidades político-sociais absurdas, a
exemplo do que ocorre em São Paulo, ilustrado pela imagem seguinte que circulou
nas redes sociais em 2014:

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Figura 1 – Comunidade de Paraisópolis, localizada em


um dos bairros mais ricos de São Paulo, o Morumbi

https://languageinmotionblog.wordpress.com/2014/10/16/9-coisas-que-so-quem-mora-em-sao-
paulo-sabe-9-things-only-people-living-in-sao-paulo-know-about/

Esse é um exemplo explícito da ‘separação’, evidenciada pela imagem que capta a


linha divisória, demarcada pelo muro, entre grupos sociais enriquecidos e empobrecidos,
lucro e empobrecimento – em sentido amplo, grupos exploradores do sistema capitalista,
que dele tiram oportunidades de manutenção de seus privilégios, e grupos explorados
pelo mesmo sistema –, mas há muitas outras ‘separatividades’ sustentadas inclusive pelo
discurso e que trazem sofrimento e (auto)destruição.
Um mapeamento de notícias publicadas pela Folha de S. Paulo, por exemplo, sobre
a população em situação de rua, permite analisar como se constrói discursivamente a
segregação na cidade higienista. Para citar apenas poucos exemplos, as notícias “Centro social
para morador de rua provoca discórdia em Santa Cecília” e “‘Pobre incomoda’, diz presidente
de centro social de Santa Cecília”, veiculadas na Internet pela Folha de S. Paulo em 4 de junho
de 2013 e relacionadas por hiperlink, constroem modo particular de representação em que
a situação de rua é “percebida apenas pelo viés de seus efeitos sobre populações outras,
em relações de sentido que estabelecem vínculos fortes entre pessoas em situação de rua
e sujeira, lixo, dejetos; sem alguma vez associar a situação de rua aos problemas sociais mais
profundos que a encadeiam” (RESENDE, 2015a, p. 122), modo de representação recorrente,
mapeado por Resende (2015b) em vários textos realizando diferentes gêneros discursivos.
Discursos semelhantes, de risco e de incômodo, estão presentes em textos mais
recentes, como na notícia “Condomínios pagam segurança para espantar moradores
de rua” , publicada pelo mesmo jornal em 7 de abril de 2015, em que a dualidade

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continua sendo o escopo da cobertura jornalística de um problema social tão grave


como a situação de viver nas ruas. Como efeito, (re)constrói-se a dualidade de grupos
antagônicos: um composto por pessoas para as quais se reconhece a legítima demanda
pelo espaço público; outro composto por pessoas para as quais se nega o direito à cidade,
com várias consequências, inclusive no campo das políticas públicas (RESENDE; SILVA,
2015a) e do acesso à justiça (RESENDE; SILVA, 2015b, apenas para citar dois exemplos
dessa complexidade.
Pesquisas que abordam a construção discursiva da realidade social, pela perspectiva
dos estudos críticos do discurso, podem ser úteis para confrontar a complexidade da
relação entre as dimensões intransitiva (ontológica) e transitiva (epistemológica) do
conhecimento quando se trata de ciências humanas e sociais, afastando perspectivas
reducionistas, tanto as da via do realismo empírico quanto as da via do construtivismo
relativista. Por isso, é preciso ter claro que não se trata de buscar causalidades simples.
Não podemos, por exemplo, dizer que exemplos particulares de textos podem trazer
mudanças no conhecimento ou comportamento das pessoas. Podemos aceitar,
conforme Fairclough (2003a, p. 9), que o mundo social é textualmente construído, mas
não numa versão extrema.
Inspirados no RC, Chouliaraki e Fairclough (1999) organizaram uma abordagem
analítica que possibilitasse identificar mecanismos causais de problemas sociais,
materializados em textos orais, escritos, multimodais. Essa abertura de possibilidades
transdisciplinares fez com que a ADC ganhasse cada vez mais espaço na ciência social
crítica, permitindo uma compreensão ampliada da vida social, principalmente em relação
aos elementos micro e macrossociais.
Chouliaraki e Fairclough (1999), em conformidade com Bhaskar (1986), entendem
que pesquisas em ACD devem estar voltadas para problemas práticos da vida social,
visualizando uma ‘crítica explanatória’ (BHASKAR, 1986; 1998; 2002b), construída com
base na crítica e no desvelamento de problemas sociais, oriundos das práticas sociais,
e, a partir delas, buscar soluções para a sua superação. Isso significa que a ADC parte
da compreensão da semiose como um estrato da realidade (o estrato semiótico) e
como um momento irredutível de práticas sociais, que constitui outros momentos não
essencialmente semióticos (ação e interação; relações sociais; pessoas, com suas crenças,
atitudes, histórias; mundo material) assim como é constituído por eles. Por isso, questões
sociais são parcialmente questões discursivas (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999).
Pode-se dizer, sucintamente, que a principal tarefa da ADC, como ciência social
crítica, é mapear conexões entre semiose e (aspectos não essencialmente semióticos
da) sociedade, com o objetivo de, primeiro, localizar mecanismos semióticos, e suas
causas e efeitos de sentido potencialmente ideológicos, para, em seguida, suscitar
possíveis maneiras de superar relações assimétricas de poder parcialmente sustentadas
pelo discurso. Essa tarefa também encontra subsídios na operacionalização do RC, num
movimento que implica superar fronteiras entre disciplinas e transformá-las, ao contrário
de, simplesmente, “aplicá-las”, como um “modelo”, à ADC (FAIRCLOUGH, 2003a).

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A concepção transformacional de constituição do social discutida aqui implica um


trabalho com as práticas sociais, em cujo cerne está a noção de discurso da ADC e que
consiste em uma entidade intermediária situada entre estruturas mais fixas e agência/
eventos mais flexíveis. Como a linguagem é um momento constituinte do social, e
constituído por ele, a ADC busca mapear conexões entre aspectos sociais semióticos e não
essencialmente semióticos para “mostrar como o momento discursivo trabalha na prática
social, do ponto de vista de seus efeitos em lutas hegemônicas e relações de dominação”
(CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 67), como sintetizam Resende e Ramalho (2006).
Isso significa que, embora textos representem o principal material empírico da análise
de discurso crítica, análises textuais não são suficientes para mapear conexões entre
linguagem e (aspectos não essencialmente semióticos da) sociedade. Fairclough (2003a,
p. 14) observa que a análise textual é

inevitavelmente seletiva: em toda análise, escolhemos responder a


determinadas questões sobre eventos sociais e textos, e não a outras
questões possíveis. Há sempre motivações particulares na escolha de
certas questões sobre textos e não outras. [...] Não existe análise ‘objetiva’
de um texto, pois não é possível descrever simplesmente ‘o que está lá’
sem a participação “tendenciosa” da “subjetividade” do analista [...] nossa
capacidade de saber ‘o que está lá’ é inevitavelmente limitada e parcial,
e a questão que procuramos responder deriva necessariamente de
motivações particulares.

A interpretação de textos, como detalham Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 67),


é um processo complexo que engloba duas partes: a compreensão e a explanação. Um
texto pode ser compreendido de diferentes maneiras, já que diferentes combinações
das propriedades do texto e do posicionamento social, conhecimentos, experiências e
crenças do/a leitor/a resultam diferentes compreensões. Parte desse trabalho, portanto, é
análise de compreensões, o que envolve descrições e interpretações. Entretanto, a ADC,
como esclarecem a autora e o autor,

não advoga uma compreensão particular do texto, mas uma explanação


particular. Uma explanação re-descreve propriedades de um texto
(incluindo o conjunto de compreensões), usando um arcabouço teórico
particular para localizar o texto na prática social. [...] os conceitos do
arcabouço são relacionados a material empírico, construindo o objeto
de pesquisa (as relações relevantes para a análise), seu funcionamento
(como essas relações são articuladas), bem como suas potencialidades
(não apenas seus efeitos reais, mas também sua função potencial).

A etapa da explanação situa-se na interface entre conceitos e material empírico, por


meio da qual conceitos são usados para re-descrever propriedades de textos, localizando-
os na prática social situada. Resende e Ramalho (2006) explicam que, além de incluir
essas duas etapas – a compreensão e a explanação –, a análise de discurso é orientada,
simultaneamente, para a estrutura e para a (inter)ação discursiva. Isto é, para os recursos

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sociais (ordens de discurso) que possibilitam e constrangem a interação, bem como para
as maneiras como esses recursos são articulados em textos.
A concepção de textos como parte de eventos específicos, que envolvem pessoas,
(inter)ação, relações sociais, mundo material, além de discurso, situa a análise textual
na interface entre ação, representação e identificação, os três principais aspectos do
significado. Esse tipo de análise implica uma perspectiva social detalhada de textos, por
permitir abordar os textos “em termos dos três principais aspectos do significado, e das
maneiras como são realizados em traços dos textos” (FAIRCLOUGH, 2003a, p. 28). Nessa
interface, mapeiam-se conexões “entre o evento social concreto e práticas sociais mais
abstratas”, pela investigação dos gêneros, discursos e estilos, com seus traços textuais,
selecionados nas (redes de opções de) ordens do discurso, e das maneiras como são
articulados em textos verbais, visuais, orais. A análise discursiva é, portanto, explanatória:
conjuga teoria e material empírico para investigar (sentidos de) textos tendo em vista
seus efeitos sociais (RAMALHO; RESENDE, 2011).eventos
Como ciência crítica, a ADC tece críticas explanatórias sobre efeitos ideológicos que
(sentidos de) textos possam ter sobre relações sociais, ações e interações, conhecimentos,
crenças, atitudes, valores, identidades (FAIRCLOUGH, 2003a; THOMPSON, 2002),
reconhecendo que sentidos ideológicos dominantes são representações do mundo que
servem ao consenso, a assimetrias de poder, à disseminação de interesses particulares
para estabelecer e sustentar relações de dominação.
Como a função do discurso na prática social é dialética/ transformacional, entende-se
que representações ideológicas (discursos ideológicos) circulam e são disseminadas nas
ações e interações no mundo (gêneros discursivos), e inculcadas em modos de identificar e
de ser, na ‘estrutura fina’ do self (estilos, identidades), reproduzindo ou não representações
ideológicas em ações e interações no mundo (gêneros discursivos), e assim por diante.
Para citar apenas um exemplo, Thompson (2002) aponta que pelo modo de operação
da ideologia da legitimação relações de dominação são representadas como sendo justas
e dignas de apoio. Há estratégicas típicas de construção simbólica da legitimação, como
a racionalização e a universalização. A estratégia da racionalização consiste em utilizar
fundamentos racionais, apelos à legalidade, a bases jurídicas para legitimar relações
assimétricas de poder. A universalização, por sua vez, diz respeito à estratégia de difundir,
disseminar representações particulares como se fossem de interesse geral, universal.
Podemos partir da própria discussão que desenhamos aqui para exemplificar a
função do discurso na legitimação, por meio da racionalização e da universalização
de um único sistema econômico-político-cultural como se fosse o único, o mais
eficiente, até “o mais justo”, por permitir a “concorrência livre entre mercados”, por
exemplo. Ou na legitimação dos conhecimentos (discursos particulares, portanto)
das “elites científico-tecnológicas” que sustentam o eurocentrismo como um suposto
“pensamento universal”, ou a visão cartesiana, mecanicista de mundo para seus fins e
projetos particulares, o que Dussel (2015, p.1) define como “irracionalismo moderno”.
Ou, ainda, a legitimação da segregação de uma parcela da população urbana por meio

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da vinculação sistemática dessa população a discursos de risco e incômodo, e a sentidos


pejorativos que a vinculam a violência e a sujeira.
Certamente, no movimento em busca da superação de fronteiras disciplinares, a ADC
apresenta-se também, por seu turno, como suporte para o RC realizar críticas explanatórias
que levem em conta o discurso, como parte da realidade e um momento irredutível do
social. Assim, é possível explanar a função do discurso nas maneiras de (inter)agir, de
representar e de identificar(se) que, de modo transformacional, causam efeitos no social,
seja na construção de ‘falsas separatividades’, nas individualidades em competição, nos
medos, nas ameaças e demais imperativos estruturais destrutivos sobre a sociedade.
Conforme Fairclough (2003a), a semiose é parte crucial da vida social. Embora ela
seja um aspecto de qualquer prática social, nenhuma prática – e muito menos todos
os comportamentos – é redutível apenas à semiose. A semiose tampouco pode ser
reduzida somente ao jogo de sinais, como se ela sempre fosse uma questão puramente
intra-semiótica, sem referência externa, sem se identificar e explorar as condições extra-
semióticas que a tornam possível e garantem sua efetividade. Também é necessário
refletir, então, sobre importantes contribuições da ADC para o RC, lembrando que a crítica
social está situada no sociodiscursivo, numa perspectiva mais complexa e integrada dos
aspectos da realidade, o que envolve crenças, posturas no mundo, histórias, mundo
material, relações sociais entre pessoas e com o meio ambiente, e assim por diante.
Daí a relevância de refletir sobre efeitos do discurso na legitimação e disseminação
da dualidade, da diferenciação, da dispersão de antagonismos, vistos como elementos
causais de segregação, competição, comparação, medo, ansiedade, desconfiança,
violência institucional, tudo o que em cadeias de eventos reiterados sustenta sistemas
de sofrimento e (auto)destruição. Partilhamos com Dowbor (2015, p. 3) da inquietação
acerca dos discursos de ódio que se disseminam hoje “para encobrir o interesse com
um véu de ética”, distanciando-nos da verdade das “85 famílias donas de mais riqueza
acumulada do que 3,5 bilhões de pessoas na base da pirâmide social”. A explicação para
nosso consentimento diante dessa realidade, justaposta aos milhões de pessoas em
situação de pobreza no mundo, pode ser alheia ao discursivo?

À guisa de conclusão
Neste texto, apresentamos uma reflexão teórica sobre fronteiras porosas entre o RC e
a ADC, algumas das quais ainda por aprofundar. Considerando que, conforme Bhaskar, os
objetos de conhecimento não são os fatos ou eventos atômicos, nem fenômenos apreendidos
por meio de construções mentais, mas estruturas reais cuja potencialidade opera e age no
mundo mais ou menos independentemente do nosso conhecimento, refletimos sobre
possibilidades analíticas possibilitadas pela via do discurso em ciência social crítica.
Discutindo a relação proximal entre essas duas abordagens, dado que textos
operam mudanças no nosso sistema de crenças, bem como produzem efeitos causais,
enfatizamos que a semiose não pode ser reduzida a um jogo de sinais, sem identificar e

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explorar as condições sociais que a tornam possível e garantem a sua efetividade, tanto
para as interações e mudanças sociais favoráveis que desejamos para nosso contexto
social quanto para a legitimação de crenças e práticas sociais que trazem desigualdades,
injustiças, sofrimento, (auto)destruição.
Partindo de realidades sociais do nosso contexto, enfocamos a questão da ética
e da moral do ser no mundo, consciente de sua agência humana integrada em uma
totalidade transcendental que existe em virtude da cooperação, de redes autênticas, da
força humana inteligente e criativa, e não da competição, do ódio e da separação. Se, por
um lado, modernidade é “justificação de uma práxis irracional de violência”, por outro
pode ser emancipação, numa visão positiva, que implica “superação da imaturidade por
um esforço da razão como processo crítico, possibilitando um novo desenvolvimento
histórico do ser humano” (DUSSEL, 1992 apud OLIVEIRA; DIAS, 2012, p. 93).
Com Bhaskar, refletimos que a ADC pode nos auxiliar a construir a mudança em
direção à conscientização linguística crítica, que é também uma conscientização social,
como via de (auto)transformação e superação das estruturas de opressão, alienação e
miséria. Uma postura alinhada com o movimento de descolonização epistemológica de
um suposto ‘pensamento universal’ dualista e mecanicista predominante nas ciências,
na economia, em favor de uma postura ética mais respeitosa no mundo, e da qual
somos parte:

La teoría surge de la praxis, y la praxis va por tanteos. Lo que sí puedo


hacer es criticar con vehemencia al sistema actual y sus límites que
se han vuelto peligrosos porque van hacia la extinción de la especie
humana. En ese sentido Bolivia es el país más interesante hoy, porque las
comunidades indígenas no han perdido sus tradiciones, estuvieron antes
de la modernidad, durante y estarán después de la modernidad. Tienen
criterios ejemplares como el respeto a la naturaleza, que es una actitud
metafísica y ética que hay que recuperar. (DUSSEL, 2015, p. 3)

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Recebido em 02 de setembro de 2015.


Aprovado em 05 de março de 2016.

Solange Maria de Barros

Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP
(2005). Pós-doutorado no Instituo de Educação (IOE) da Universidade de Londres, sob supervisão
de Roy Bhaskar, com apoio financeiro da CAPES (2012-2013). Docente e pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal do Mato Grosso
E-mail: solmarbarros@gmail.com

Viviane Vieira

Docente e pesquisadora da Universidade de Brasília/Programa de Pós-Graduação em Linguística


(UnB/PPGL). Membro do Núcleo de Estudos de Linguagem e Sociedade (NELiS) e sócia da
Asociación Latinoamericana de Estudios del Discurso (ALED). Doutora em Linguística/Área
Linguagem e Sociedade, pela UnB. E-mail: vivi@unb.br

Viviane de Melo Resende

Docente e pesquisadora nos programas de pós-graduação em Linguística e em Desenvolvimento,


Sociedade e Cooperação Internacional da Universidade de Brasília. Membro do Núcleo de
Estudos de Linguagem e Sociedade (NELiS/UnB) e de várias associações científicas em estudos
discursivos, como ALED, REDLAD e EDiSo. Coordenadora do Laboratório de Estudos Críticos do
Discurso – LabEC/UnB. Pesquisadora do CNPq. E-mail: viviane.melo.resende@gmail.com

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polifonia eISSN 22376844

A brief introduction to the philosophy of meta-reality


Uma breve reflexão à filosofica da meta-realidade
Una breve reflexión a la filosófica de la meta-realidad
Gary Hawke (University of Greenwich)

Abstract
Bhaskar’s Philosophy of meta-Reality (PMR) referred to as his spiritual turn, first began with his
book From East to West: Odyssey of a Soul (2015b the second edition), and continued within the
three main books of meta-Reality. This paper attempts to place PMR within the stream of Critical
Realism (CR) and introduce to the reader two of the most importance elements of PMR, non-
duality and the theory of transcendence. PMR further suggests that the serious of our philosophy
in theory and practice comes from the account that it can make for its power of emancipation.
Keywords: Spirituality, meta-Reality, Bhaskar

Resumo
A filosofia da meta-Realidade (FMR) de Bhaskar refere-se a sua virada espiritual. Começou com
o livro Do Leste para o Oeste e continuou com mais três livros. Este trabalho procura colocar a
FMR na corrente do realismo crítico. Introduz o leitor a dois elementos mais importantes: a não-
dualidade e a teoria da transcendência. A FMR sugere que a série de nossa filosofia, em teoria e
prática, leva em conta o poder da emancipação.
Palavras-Chave: Espiritualidade, meta-Realidade, Bhaskar

Resumen
La filosofía de la meta-Realidad de Bhaskar se refiere a su viraje espiritual. Empezó con el libro
“Do Leste para o Oeste” y siguió con más tres libros. Este trabajo busca colocar la filosofía de
la meta-Realidad en la corriente del realismo crítico. Introduce al lector a dos elementos más
importantes: la no dualidad y la teoría de la trascendencia. Tanto en la teoría como en la práctica,
esa filosofía considera el poder de la emancipación.
Palabras Clave: Espiritualidad, meta-Realidad, Bhaskar

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 29-36, jan-jun., 2016 29


Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 29-36, jan-jun., 2016

Forward
By way of orientating the reading to this introduction, I would like to explain something
of my own dharma and how Bhaskar’s Philosophy of metaReality has influenced it. For 10
years I have, as a dramatherapist, run workshops and retreat that one could call spiritual, or
transpersonal. The aim of my work is to support the experience of non-duality. However, my
greatest frustration was when the west took the eastern spiritual traditions idea of non-duality
and spoke of it as being an awakening experience or an experience of enlightenment that you
either experience spontaneously or worked hard to experience (Gilbert, E (Ed) 2011).
This idea of spontaneously v hard work made little sense to me; if, I argued, at an
ontological level, there is freedom, all we need to do is take away the blocks to the
experience of that freedom. Then in 2012, I came across the three books that form
the constellation of Bhaskar’s work on his philosophy of metaReality - Reflections on
metaReality: Transcendence, Emancipation and Everyday Life, Sage Publication (2002),
Reprint Routledge (2011), From Science to Emancipation: Alienation and the Actuality
of Enlightenment, Sage Publications (2002), Reprint Routledge (2012), The Philosophy of
metaReality: creativity, love and freedom, Sage Publications (2002), Reprint Routledge
(2012). I was profoundly struck by the simple idea that non-duality is not a mystical
metaphysical concept, that we work hard to achieve, or we just happen to spontaneously
experince, it is the very causal power what allows society to interact, it is the meta-level,
or cosmic envelope, without which you and I would not be able to understand each other
as embodied personalities.
I was, and still am, overwhelmed by this simple explanation of the non-dual. It has
changed my work, my ideas, and my view of what true or alethic freedom is. It is my hope
that you too may though this short introduction begin to experience what I began to
experience as I learnt to understand metaReality, a connection to the pulse of freedom.

The paper
In this paper, my aim is to introduce the reader to Bhaskar’s Philosophy of metaReality
(PMR). However, I do not believe that it is possible to do justice to PMR without situating
the philosophy within the stream of Bhaskar’s development of Critical Realism (CR). There
is also the further problem of the spiritual turn (Cravens S, 2010) and how best to navigate
Bhaskar’s use of eastern spiritual philosophical ideas into his philosophy.
Through out this paper I would recommend that the reader maintain a connection to
two vital ideas within CR – The Intransitive dimension and the Transitive dimension. The
Intransitive is the dimension where things exist even if we have no knowledge of them.
And in CR things are not just objects, they can be reasons, or relationships, anything can
be a thing so long as it has causal power, so for example within PMR Love is a thing that
exits as it has causal power.

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The Transitive is the dimension in which we have knowledge of things or when the
thing has effect on us. For example, “I did not know you loved me until you shared your
love for me”.
It could also be possible to say that because you have not had an experience of the
existence of God, (or as we get deeper into this introduction, the non-dual), does not
mean that God does not exits. This argument is made in such CR books as Transcendence:
Critical Realism and God (2004) and A Fresh Look at Islam in a Multi-Faith World: a philosophy
for success through education (2015).
It is the structure of this argument that enables Bhaskar to maintain adherence to
the CR principle of “seriousness in your philosophy” when he speaks of one of the most
important elements of PMR the non-dual.
It is here in the area of the non-dual that I would like to begin this introduction.
In. Reality and Self-Realization: Bhaskar’s Metaphilosophical Journey Toward Non-Dual
Emancipation. Mingyu Seo (2014) suggested that we could see the development of CR as
a move from dualism to dualistic to non-dual.
Original CR developed by Bhaskar in his first two books A Realist Theory of Science and
The Possibility of Naturalism is a project of the re-vindication of ontology in both social
science and natural science. It attempts this by noticing the split between ontology and
epistemology, and how philosophy commits the epistemic fallacy, taking what we know
for what is, which makes a philosophy anthropocentric. Dualism here is the mind body
problem, the split between facts and values, or society and individual. Dualism is the
demi-real, a term used by Bhaskar to indicate that we may feel that something is real but
this is ultimately based on a false belief.
If we acknowledge that the world is stratified and within the stratification, there are
emergence properties, synchronic emergent properties material (Bhaskar 2015a: 97) offers
that mind is an emergence property of matter, but cannot be reduce to matter. Appling
explanatory critique (Bhaskar 2015a: 120) we can see that facts all things considered can
become values. The transformational model of social activity (Bhaskar 2015a: 34) shows
that an individual is thrown into a society but has the power to effect change within that
society, so society exits before me, but I can chance society.
With dualism addressed and ontology placed back within philosophy, Bhaskar moves
onto the next stage of CR that of engaging with the dualistic world or the world of the
relative realm. Why is the relative realm the dualistic world, Seo suggests that this can
best be answered by seeing the dualistic world as a domain of mediation between the
dualism of demi real and non-dual of the metaReal, the dualistic world is the relative real
world that we live in.
Within this real we find the constellational aspect that is brought out through the
dialectic, yet unlike Hegel’s dialectic that aims to create a closed totality of the world,
Bhaskar in Dialectical Critical Realism (DCR) shows that the world is an open totality
subject to change and difference. It is only within a dialectical moment of non-identify
can we come to know the world or know the concert universal/singular.

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The structure of DCR is best described through how Bhaskar applies his MELD schema
to the relationship of being, the first level (1M) is a level, which thinks or understands
being as such and being as non-identity. The second level, (2E), explores being as process,
being as involving negativity, change and absence. The third level (3L) explores being as
together as internally related and as a whole. The fourth level (4D) understands being as
incorporating transformative praxis. (Bhaskar 2012b preface xlix)
The dialect then is a deepening process of knowing the stratified constellational
nature of being.
If CR is a philosophy of science and DCR is a philosophy of dialects, PMR is a philosophy
of freedom, love, and creativity; it is a philosophy about you and me, a philosophy that
offers identity over difference, unity over split, it is also a philosophy of the non-dual.
Let me stop for a moment and recall a story that Bhaskar use to tell when he talked
about PMR, as you move about a busy street how is it that you do not bump into people,
even though you may be lost in your thoughts as you walk down the street, you still do
not bump into people. What is happening here is a moment of non-duality, you are one
with the mass of people, and yet you are an individual. When you watch a movie or read
a book, or even as you read this paper, you are moving beyond yourself, entering into
something that is not you, you are removing yourself from yourself, this is the non-dual.
When we listen to each other, in the moment of listening this is the non-dual. The non-
dual for PMR is not just an eastern spiritual metaphor for being enlightened, it is a real
thing, it is an intransitive causal power that when actualised transitively allows both you
and I to meet, it allows society to flourish.
In The Philosophy of metaReality: Creativity, love and freedom (2012), Bhaskar describes
the non-dual as:

The basis or ground of the realm of duality, which is non-duality as the


non-dual being of ground-state and cosmic envelope. The way in which
we communicate with other beings, especially human beings, but even
more generally, perceive, see, read, follow, understand things in the world;
and as a necessary component for any action at all, including speech,
thought, etc. The deep interior or fine structure of any aspect of being,
which through the power of perception, of awareness can be traced
back to its ground-state, which provides, as we shall see, a powerful way
of disconnecting elements and forms of heteronomy both inside and
outside the field of an embodied personality. (Bhaskar 2012b: 2)

There are three things that need to be explored here, as we begin to understand PMR,
the cosmic envelope, ground-state, and embodied personality. The cosmic envelope is
the space, from which all things manifest, we have encountered a similar idea before in
DCR the concrete universal, all thing are interconnected at the cosmic envelope, both
you and I are one within the cosmic envelope. When I am at my ground-state or I am at
concrete singular, I am in flow, or I have dropped free of my ego, I no longer live in the
demi-real, I am, to use a yogachara term, free of our kleshas, unwholesome mind and

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thoughts. Free of these egoic contradictions I am then able to engage in the world in right
action as an embodied personality at the level of interpersonal relationships, the level of
our material transaction, such as work, and social settings, on the level of intrapersonal
relationships, and at the level of the natural world.
To extend the MELD scheme to included PMR the fifth level, (5A), understand being
as reflexive and generally interior. The sixth level, called (6R) understands being as being
re enchantment. The seventh level (7Z) understands being as incorporating the primacy
of identity over difference and unity over split and in particular understands being as
non-duality.
In the closing paragraph of Dialectic: The Pulse of Freedom (2008: 385) Bhaskar writes:

“Alethic truth, as optimally grounding reason, can be the rational cause of


transformative negating agency in absenting constraints on self-emancipation,
that is, on the liberation of our causal powers to flourish. For to exist is to be able
to become, which is to possess the capacity for self-development, a capacity
that can be fully realized only in a society founded on the principle of universal
concretely singularized human autonomy in nature. This process is dialectic; and
it is the pulse of freedom.”

This idea of the pulse of freedom is taken up and becomes the manifesto of PMR:

“The philosophy of metaReality describes the way in which this very world
nevertheless depends upon, that is, is ultimately sustained by and exists
only in virtue of the free, loving, creative, intelligent energy and activity of
non-dual states of our being and phases of our activity. In becoming aware
of this we begin the process of transforming and overthrowing the totality
of structures of oppression, alienation, mystification and misery we have
produced; and the vision opens up of a balanced world and of a society in
which the free development and flourishing of each unique human being
is understood to be the condition, as it is also the consequence, of the free
development and flourishing of all.” (Bhaskar 2012: vii)

Having set out the aims of PMR, explored the use of the non-dual, and shown how
PMR links back to CR and DCR it becomes possible to see how the 17 basic principles of
PMR are sublations of Bhaskar’s early works.

1. The Principle of the Inexorability of Ontology (irreducibility of being)


2. The Principle of the All-inclusiveness of Ontology
3. The Principle of Dispositional Realism
4. The Principle of Categorical Realism
5. The Principle of Alethic Realism
6. The Principle of the TINA Formation
7. The Definition of Liberation as Shedding;

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8. The Understanding of Liberation as Dependent on Asymmetry


9. The Theory of the Ground-state;
10. The Theory of the Cosmic Envelope
11. The Theory of Transcendence
12. The Principle of Transcendental Identification in My Consciousness
13. The Principle of Co-presence
14. The Principle of the Primacy of Self-Referentiality
15. The Principle of Re-enchanting Reality
16. The Principle of an Unlimited or Unbounded Self
17. The Principle of MetaReality

Within this paper, it is not possible to explore all of the 17 principles, what I would
like to do therefore is take time to explore just one principle, which I also think will be
beneficial to the reader, when thinking about how one might apply PMR. This is also inline
with my own personal journey into Critical Realism.
I first contacted Roy Bhaskar in 2012, as I wanted to explore the unpublished volume
four of PMR: The Workins. Bhaskar believed that if we wanted emancipation from
occlusions we needed to work on the blocks, just as we work out in the gym, he felt that
we should work in, to explore our own embodied personality and look to how one creates
a deeper finer connection to the non-dual, which is at the heart of the metaReal.
Principle 11 the theory of transcendence states there are four ways in which we can
experience transcendence or the non-dual.
Transcendence into or Transcendental Retreat or Clearing, this is a sense, in which
we step back from objectivity and notice our own subjective experience, a great gestalt
exercise here is to ask, what do I see, what do I notice, what do I feel, what do I know, what
do I not know. In keeping with the first Moment and second Edge of MELD - this is non-
identify, and absence, we do not just accept the object or thing we step back notice the
gap between observer and observed and within the gap ask what is there.
Transcendence into or Transcendental Identification in consciousness, as we move
fully into the object or things, noticing our connection, we become part a new level or
totality of connectedness, which related to the 3L of MELD, this can be simply experience
when we look at a flower, a sunset, or a beautiful painting, there is no longer a gap.
Transcendence On or Transcendental Agency, this is when we are completely active
within the act, it is both being mindful and mindless, our agency is focused, it is alive, and
it is free. I began writing this paper at 8 am it is now 6 pm, and throughout that time, I have
focused completely on the creative act of writing, not aware that so much time has gone by.
Transcendence With or Transcendental Teamwork, this is the moment when you and I
work mindfully, when there appears to be one mind at work, such as when playing sports,

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it is the group unity in the moment. Both Transcendental teamwork and Agency are the
transformative praxis of 4D within MELD.
For me the four Ts are at the heart of PMR, for without transcendence there can be
no love, and without love can be no creativity, and without creative there is no drive for
freedom, and without a drive for freedom, we will never break the blocks that occlude our
emancipation.
The philosophy of metaReality is a philosophy of emancipation; it calls us out to, be
more that we are. It demands that we do the work of freeing not just ourselves but all
sentient beings, it has a profound ecology, we are both of the world and in the world,
and as such, we need to protect the world. It is a philosophy allowing for difference as an
aspect of identity. It makes room for both western and eastern philosophy, and it extends
Bhaskar’s project of maintaining the importance of the intransitive and transitive.
It paves the way for the next step in CR, interdisciplinary, and Bhaskar’s move into
education, disability studies, well being, ecology, and conflict management.
Moreover, it is a philosophy of love.

“Love in fact may be thought of as being a basic or defining characteristic of


transcendental identification or union as such, a binding characteristic at the
level of the cosmic envelope, and a cohering or binding force in social life”.
(Bhaskar 2012b: 7)

The philosophy of metaReality, is a philosophy of theory/practice consistency, it


offers a view of the world in which we are at the deepest and finest level connected, it
suggested, that this deep ontological level, can be known if we are prepared to undertake
the practice of letting go of the personal and social blocks that occlude our freedom. It is
a radical departure from what went before within critical realism, but when viewed within
the stream of the development of critical realism, from dualism to duality to non-dual, it is
possible to retroduct metaReality thinking within Bhaskar’s early stages of critical realism.
I would go as far to say that the philosophy of metaReality under-labours for original
critical realism and dialectical critical realism. At the beginning of critical realism Bhaskar
asked what must the world be like for science to exists, with metaReality Bhaskar now
asks what must the world be like for you and I to live free.

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Recebido em 31 de agosto de 2015.


Aprovado em 15 de fevereiro de 2016.

Gary Hawke

Trained as a Dramatherapist at the University of Roehampton and a teacher at the University of


Greenwich. His work has seen him provide dramatherapy for the homeless, people dealing with
substance misuse, children, young adults on the autistic spectrum, the elderly and corporate
clients. He began to integrate critical realism into his therapy work in 2012 and was support
by Roy Bhaskar in developing a critical realism therapeutic approach called alethic coaching. In
2013 and 2014, he presented on the alethic coaching model at the international conference on
critical realism, since then he has delivered a number of presentations on the model to students
at the Institute of Education in London. In 2014, he worked with Roy Bhaskar on a video project,
which aimed to introduce the three stages of critical realism to a wider audience. Gary is currently
working with the transcription of the video series and hopes to publish the text as a Beginners
Guide to Critical Realism. E-mail: alethic.coaching@gmail.com

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polifonia eISSN 22376844

The role of the school in tackling the exclusion


of students within the framework of inclusive
education: a perspective from critical realism
O papel da escola no combate à exclusão de estudantes no
âmbito da educação inclusiva: perspectiva do realismo crítico
El papel de la escuela en el combate a la exclusión de
estudiantes en el ámbito de la educación inclusiva:
perspectiva del realismo crítico
Areti Stylianou (Institute of Education – London)

Abstract
In this article, I argue that the critical realist idea of open versus closed systems provide a framework
for theorising the contested relationship between the school vs. society in tackling the exclusion
of students, within the framework of inclusive education. Data collected through semi-structured
interviews with teachers, as part of a PhD thesis, are used to examine if the school is an open or
closed system and how this affects the exclusion of students. In particular, teachers’ views, working
at two highly diverse schools in Cyprus, are used, to shed light on the relationship between
students’ disadvantage, in terms of their immigrant and low socio-economic background, and
their exclusion, in terms of their academic achievement at the school. Further, teachers’ views
are used to examine if through its functioning the school responds to students’ disadvantaged
circumstances. This research suggests that the school cannot tackle students’ exclusion because,
even though it is an open system, it operates as a closed system.
Keywords: Open and closed systems, inclusive education, poor ethnic minority students

Resumo
Neste artigo argumento que a ideia do realismo crítico de sistemas abertos vs sistemas fechados for-
necem um quadro para teorizar a relação controvertida entre a escola e a sociedade, na luta contra
a exclusão de alunos no âmbito da educação inclusiva. Os dados coletados, por meio de entrevistas
semiestruturadas com os professores, fazem parte de uma tese de doutoramento, usados para exami-
nar se a escola é um sistema aberto ou fechado e como isso afeta a exclusão dos alunos. Em particular,
os pontos de vistas dos professores que trabalham em duas escolas diversas, em Ciprus, são utilizados
para lançar luz sobre a relação entre alunos que estão em desvantagem, por serem imigrantes e de
baixa condição socioeconômica, e a sua exclusão em termos de seu desenvolvimento na escola. Além
disso, os pontos de vista dos professores são usados para examinar se, através do seu funcionamento,
a escola atende os estudantes desfavorecidos. Esta pesquisa sugere que a escola não pode combater
a exclusão dos alunos porque, apesar de ser um sistema aberto, funciona como um sistema fechado.
Palavras-Chave: Sistemas abertos e fechados, educação inclusiva, estudantes pobres de minorias étnicas

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Resumen
En este artículo, argumento que la idea del realismo crítico de sistemas abiertos y sistemas
cerrados proveen un cuadro para teorizar la relación controvertida entre la escuela y la sociedad,
en la lucha contra la exclusión de alumnos en el ámbito de la educación inclusiva. Los datos
recogidos, por medio de entrevistas semiestructuradas con los profesores, forman parte de
una tesis de doctorado, usados para examinar si la escuela es un sistema abierto o cerrado y
como eso afecta la exclusión de los alumnos. En particular, se utilizan los puntos de vista de los
profesores que trabajan en dos escuelas diversas, en Ciprus, para lanzar luz a la relación entre
alumnos que están en desventaja, por ser inmigrantes y de baja condición socioeconómica, y a
su exclusión en términos de su desarrollo en la escuela. Además, se usan los puntos de vista de
los profesores para examinar si a través de su funcionamiento la escuela atiende a los estudiantes
desfavorecidos. Esta investigación sugiere que la escuela no puede combatir la exclusión de los
alumnos porque, a pesar de ser un sistema abierto, funciona como un sistema cerrado.
Palabras Clave: Sistemas abiertos y cerrados, educación inclusiva, estudiantes pobres de minorías
étnicas

Introduction
The abandonment of the notion of students’ integration and the adoption of the
notion of inclusive education shifted the emphasis from viewing students’ difficulties
as rooted within the individual to transforming the school as a whole (UNESCO, 2009a).
Restructuring the school concerns such things as changing teachers’ training, giving
extra resources and providing a differentiated curriculum in order to meet the needs of all
students in the mainstream classroom. Changes are expected to have a positive impact in
the education of students, reduce their exclusion from the social and academic life and,
potentially increase their inclusion. There are, however, some theorists, who emphasize
that the school not only does not tackle the exclusion of students, but rather it reproduces
and reinforces it (e.g. SLEE, 2012).
In this paper, I look at teachers’ perspectives concerning the role of the school in tackling
the exclusion of students, as it is set in the framework of inclusive education. Teachers’
perspectives are important to be reported concerning this issue, because their role is
considered centripetal in tackling the exclusion and fostering the inclusion of students. Their
perceptions can illuminate normalized and taken-for-granted assumptions about the role of
the school and be used to shed light on possible shortcomings or contradiction, which may
exist in society, affecting the school (MESHULAM AND APPLE, 2014; MUNN AND LLOYD, 2005).
To better uncover the role of the school in the exclusion of students, especially in
relation to vulnerable groups, I make use of the critical realist notion of open and closed
systems. According to the founder of the critical realism, Roy Bhaskar, this differentiation
helps transcend reductionist explanations with regards to how social phenomena function
(BHASKAR, 1998). I wish to suggest, that by theorising the way schools function, a better
understanding of its ambiguous role concerning the exclusion of students is going to
be reached and hence, alternative theories and practices will be developed which could
help more students to be successfully included.

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In the following sections, I begin with an overview of what is coined as inclusive


education nowadays and how it historically developed from the notion of integration.
Then, I explain how the role of the school is approached by different theorists in the
inclusive education discourse, particularly in relation to the notion of exclusion, before I
turn to present the critical realist notions of the open and closed systems and how these
relate to school. I give a description of the methodology and then I discuss some quotes
from the interviews with teachers working in two highly diverse schools, offering some
concluding remarks.

1. Inclusive education

Inclusive education pertains to accepting and celebrating learners’ diversity in terms


of their differences. Differences may refer to such things as ability, ethnic origin, religion,
sexual orientation, race, economic class etc. (UNESCO, 2009b). In the core of inclusive
education is a care for catering for and addressing the individual and diverse needs of all
students and increasing their participation in ‘learning, cultures and communities’ so that
to tackle their educational as well as their social exclusion (UNESCO, 2009a).
Historically, inclusive education has been a descendant of the notion of integration,
as it was proposed for the first time in the famous Warnock report (WARNOCK, 1978).
Mary Warnock has criticized the placement of ‘children with special needs’ to segregated
settings for being an exclusionary practice. Instead, she argued for their integration in
mainstream schools, where a special educational needs (SEN) provision should be offered,
along with their peers. Thus, integration came to contradict the notion of segregation
(Norwich, 2012) and related to attempts to overcome children’s physical marginalization.
Despite the fact that integration has been a move towards including students in the
mainstream classroom, it has been particularly criticized, for disregarding the differences
of people and for tending, instead, to assume that children should be acculturated and
assimilated into an already existing, stable and fixated educational system. Thus, by
overcoming children’s physical exclusion from schools did not necessarily omit their
social or academic exclusion (SLEE, 2011; SLEE 2012).
Inclusion on the other hand came to accept and celebrate students’ differences, having
a broader reference concerning diversity (e.g. gender, ethnicity, etc.) (NORWICH, 2012). To
use Corbett’s metaphor: ‘Whilst integration was the square peg struggling to fit the round
holes, inclusion is a circle containing many different shapes and sizes, all interrelating
into the whole […] (CORBETT AND SLEE, 2000, p. 140). What came to be identified as the
chief difference between integration and inclusion pertained to the need for changing
and transforming both the school as well as the wider educational and social systems in
order to meet children’s needs. The restructuring of the school regarded modifications
of a variety of things, including content, approaches, and strategies (UNESCO, n.d.).
Indeed, modification attempts have been tacitly directed from the fact that inclusion

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inherently carries the following meanings: the refusal of the belief that some children
are uneducable and should be left behind, the transcendence of the categorization of
children (e.g. children with special needs, poor children, ethnic minority children etc.),
and the accommodation of the needs of all children.

School vs. society in inclusive education

Theorists from the field of inclusive education perceived the role of the school as very
important for contributing to the inclusion of people in society and the creation of a fair world
(AINSCOW, BOOTH AND DYSON, 2006; RYAN, 2006). The idea that education and the school
as an institution should address social matters, such as social justice and social cohesion
(UNESCO, 2009a) and act as a path for tackling exclusion in society is not new, since it has
been used during 1960’s (EDWARDS, GREEN AND LYONS, 2002) and it is still under emphasis
(APPLE, 2015). In particular, the school as an institution is perceived as a centripetal force
for dealing and addressing social matters like social justice and social cohesion (UNESCO,
2009a). The main idea is that through radical transformation of the school as a whole school
approach (ALLAN, 2005; UNESCO, 2009b) the marginalization of students and then people
in society, will be tackled. Admittedly, schooling is also perceived as a means for escaping
from the route of poverty and engaging in better life opportunities. That is why families put
so much emphasis on educating their children (MURRAY, 2012).
Nonetheless, there are those who are reluctant to accept that education can compensate
for society’s injustices (BERNSTEIN, 1970; EDWARDS, GREEN AND LYONS, 2002; FREIRE, 1970),
let alone change society to a fairer place. For instance, some researchers argue that, even
though attempts in the form of small scale reforms may tend to take place to compensate
for inequalities, in school, they may render it impossible to sustain a consistency for the
restructuring of society, in terms of enabling the continuation of the participation of students
as adults (e.g. through employment opportunities) in the societal level (ARMSTRONG, 1999).
It is also argued, that, even nowadays, despite attempts for restructuring, schools constitute
places of exclusion. Slee (2011) argues that the ‘regular’ or the ‘normal’ school, may still be a
dreadful experience for students, who are either disabled or poor or of colour or refugees
or travelers or Aboriginals. Departing from the same point, other authors accentuate that
poor and coloured children are the victims and the recipients of failing schools, unprepared
teachers, low resources and inequitable learning procedures (GAUSE, 2011).
Moreover, it has been argued that students’ unequal trajectories, especially pertaining
to race and family income, shape their achievement at schools (REARDON, 2011). The
social and cultural reproduction models, focus on the way that schools reproduce
‘an unequal society by socializing students to take and accept their place in society’
(BUSTILLOS AND SOLORZANO, 2012, p.1855). In particular, what has been underscored in
these theories concerned the mirroring of the rules, values, norms and skills of a capitalist
workplace in the classroom encounter, what came to be name as the correspondence
principle (BOWLS AND GINTIS, 2011). The school, by promoting certain values and forms

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of knowledge and speaking, which tend to privilege dominant classes, reproduces their
dominance, while by marginalizing others which are characteristic of subordinate groups
or classes, it reproduces their subordinance.
Munn and Loyd (2005) argue that to be able to explore students’ exclusion, one
should define its nature and extend. They suggest that the exclusion of students from
the school should take into account the following three elements: relativity, agency and
dynamics. Relativity suggests that the exclusion of students from school is judged based
on others’ circumstances, e.g. boys, poor and students with special needs experience
more exclusion than other groups. Agency concerns the identification of the source of
exclusion, e.g. individual’s behaviours or school’s rules. The dynamics of exclusion, which
is pertinent to this research, shifts the emphasis from the policy and practices applied
at the school, to the set of disadvantaged students’ circumstances, e.g. adverse home
conditions, which hinder their academic achievement, their employment ambitions and
their social mobility, amongst others. Further, even though there are different forms and
levels of exclusion, e.g. social exclusion, for reasons of practicality, in this paper, the notion
is going to be approached as the low academic achievement of students.
In the following section, I present the idea of open systems, as developed by critical
realists, and I draw links with the notion of the school.

2. Critical realism: open versus closed systems


Transcending the idea, typically based on Hume’s theory of causal laws, which
embodied the assumption that the world is flat (it has got no structure), undifferentiated
and unchanging (repetitive), critical realism’s new ontology suggests that the world is
stratified, differentiated and changing. The main index of ontological differentiation turns
on the distinction between open and closed systems while the main index of ontological
stratification is the distinction between the real and the actual. In this paper, I will focus on
the differentiation between closed and open systems and relate it to the field of education.
In the closed system, the scientist triggers and activates the mechanism he investigates
and, second s/he prevents interferences of other mechanisms with the mechanism under
study, for such interferences would not allow a unique relationship or description of the
operation of the mechanism under study (BHASKAR ET AL, 2010). The notion of the closed
system is used, for example, in experiments conducted in laboratories, where different
variables are controlled and others are tested against a specific hypothesis.
Bhaskar argues for the open systemic character of all social phenomena (BHASKAR, 1998).
Open systemic phenomena are generated and explained by a multiplicity of mechanisms and
structures (BHASKAR ET AL, 2010), i.e. social events must be seen as ‘conjunctures’ and social
things as ‘compounds’ (BHASKAR, 2009). In particular, a system pertains to a combination
of structures while a nexus pertains to a combination of an event’s aspects. The critical
realist idea of the open systems have been used in different disciplines and fields, such as
economics (e.g. MEARMAN, 2006; BIGO, 2006), education (EGBO, 2005; BROWN, 2009) and,

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gender studies (PRICE, 2014). Other widely used model or heuristic device which accentuate
the use of multiple mechanisms for the explanation of social phenomena include the socio-
economic-bio-physical model used by the World Health Organisation for different subjects,
e.g. research disability and inclusive education etc.
Being anchored in critical realism ontology, Brown (2009) wrote the article ‘The
ontological turn in education’ where he argued that learning environments are open
systems1. To put it in his own words:

Learning environments are open systems, not in the weak sense of having
porous borders (which they do), but in the strong sense of responding to
both internal and external factors, and morphogenetically changing over
time as a result (BROWN, 2009, p.19).

The openness of the school suggests that there are a number of reasons both within
and outside the school which interact with regards to students’ learning. Following the
same stream of thought, the environment of the school respond, to use Brown’s exact
word, to internal and external factors, causing the inclusion or the exclusion of students.
This idea is not exactly new, since other theorists argued about the interaction of different
levels of reality for explaining a phenomenon. For instance, Bronfenbrenner’s ecosystem
theory (1979) suggests that the individual interacts with five environmental systems,
namely microsystem, mesosystem, exosystem, macrosystem and chronosystem. The
microsystem refers to institutions that directly affect the child, e.g. family and school. The
mesosystem foregrounds that there are relationships between microsystems, e.g. between
families and schools. The exosystem refers to links in systems that are not directly related
to the child, e.g. parents’ influence by other parents at work, The macrosystem describes
the particular culture which a student and his family find themselves in, for example in
terms of ethnicity and values. The chronosystem relates to the socio-historical as well as
transitional circumstances, which might affect a student, e.g. parents’ divorce.
What critical realism offers to the discussion about the role of the school in the
inclusion/exclusion of students is not so much the idea about the school as an open
system, but rather the idea of the school as a closed system. Brown, provided several
examples to illustrate that educational systems worldwide perceive learning environments
as closed systems. For instance, he called attention to the fact that educational systems
are concerned with control. This is illustrated through decisions about such things as
uniforms, a centralized curriculum and setting boundaries within the school as well as
between the school and society. The target is to offer the same things, such as curriculum
and resources to all, by isolating the school from the wider socio-cultural environment
and thus, ‘equalize’ opportunities at the school level. As he stresses (2009, p.18):

1 Brown (2009) developed a model for learning environments, consisting of a set of other elements,
besides the open and closed system.

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Attempts at control in educational settings are attempts to control


events. The ideal is to produce events-students behaviours and learning
outcomes-reliably. One rationale for this ideal is to provide equitable
learning outcomes between schools, teachers and students from different
backgrounds, in short, between variables.

Of course, by foregrounding the idea of the closeness of the school system, critical
realism helps to explore a phenomenon, by investigating if it shares certain characteristics
which indicate that it operates an a closed system. Further, the closed system is opposed
to the idea of the school as an open system. What I mean, is that even if the idea of the
closeness and the openness of the school could be serve independently as heuristic devices,
i.e. to identify aspects of the closed and open systems, they can also help investigate an
issue under the rubric of the interconnectness of the two systems. Brown, for instance,
argues, that the fact that not all students perform in the same way, casts doubt on the
idea of the closeness of the school system. Further, he suggests that the emphasis placed
on schools, teachers and parents concerning the provision of additional/ differentiated
help to students in order to meet the curriculum needs illustrates the openness of the
school system. Also, by taking into account both the idea of the closed and open systems,
Brown argues that the mismatch between the curriculum content and the experiences of
students indicates that schools are situated in wider contexts.

3. Methodology

The research objective was to disambiguate the role of the school vs. society, in
tackling the exclusion of students, within the context of inclusive education. Towards this
end, I examined if the school was a closed or open system. Data were yielded from ten
semi-structured interviews with teachers working at two urban highly diverse schools,
consisting of a vast majority of poor, ethnic minority students. Teachers answered in
questions concerning students’ personal circumstances in terms of ethnic and socio-
economic background and whether these affected their learning at the school. Further,
they provided insights on the way the schools operated in terms of such things as the
curriculum and rules. My choice of a qualitative study allowed the investigation of complex
phenomena in the context they occur (BAXTER AND JACK, 2008). However, this study was
not concerned with comparing teachers’ comments in the two schools, but rather uses
them to shed light to the role of the school in the inclusion/exclusion of students, within
the framework of inclusive education.
Taking into account that the distinctive features of a case are important in order
to gain essential information (DESCOMBE, 2003), I used purposeful sampling to select
the school site and the participants. This kind of sampling is grounded in the careful
and deliberate selection on the part of the researcher as to what, where and whom to
study (CHMILIAR, 2009). To gather information with regards to the criteria of the socio-

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economic background of the school, I asked for recommendations from key informants
(MILES AND HUBERMAN, 1994) to whom I had access. Furthermore, I contacted former
teacher colleagues and their friends who had been working at different schools in Cyprus.
Drawing information from key informants was necessary because there were not any
official external criteria or reports with regards to the above criteria (e.g. Offsted reports),
which would indicate the characteristics of the school. I arranged to conduct semi-
structured interviews with teachers during non-teaching periods in empty classrooms.
This type of interview is appropriate in the sense that it is ‘open to following the leads of
informants and probing into areas that arise during interview interactions’ (HATCH, 2002,
p. 94). Interviews extended from almost a 45-minute period to a course of an hour and
a half. All participants were interviewed individually and no one else was allowed to be
present during interviews. NViVo qualitative data analysis software, has been a helpful tool
in the process of the thematic analysis (MAXWELL, 2012) I undertook. It supported me to
deal with the complexity and wealth of qualitative data, through organizing the data and
seeing relationships between them by drawing models (CRESWELL AND MILLER, 2000).
However, in the analysis process as well as in all other phases of the qualitative research,
the main tool has been the researcher herself.

4. Are schools open or closed systems?

In this section I report teachers’ views on whether students’ disadvantaged


circumstances, i.e. poverty and ethnic minority background, affected their exclusion, in
terms of their academic achievement, at the level of the school. Further, I provide teachers’
comments on how the school responds to the disadvantage of students. My attempt is
to examine if the school is an open system, i.e. affected by society or a closed system, i.e.
not affected by society.
Teachers at the two schools suggested that the majority of their students were on
the breadline and that parents were mostly concerned with meeting the family’s basic
needs, such as having enough food and clothes. To put it in a teacher’s own words:
‘parents would rather feed and clothe their children and themselves rather than spend money
on their children’s education; it makes sense, doesn’t’ it?’ Additionally, teachers emphasized
that the majority of parents were unable to support students’ learning at home, due to
lack of money and time. For instance, parents could not afford to pay tutoring lessons for
providing extra support, even though additional help was quite important for students
because they did not speak the instruction language, i.e. Greek. According to a teacher:
‘Perhaps parents may want to help their children but they are not in the position because
they work until late at night and they have to think about where they will find the money
to pay the rent’. The first grade teacher also added that, if parents helped their students
from the outset, perhaps they would not have fallen behind later on. Besides the lack
of material resources, teachers suggested that parents in Karma school lacked also the

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time to help their children because they were not physically at home or they worked
until late at night. The vast majority of parents were unskilled labour workers who had to
work until very late at night in order to earn a living, even though this was not enough
for meeting their basic needs. According to a teacher: ‘most parents are employees in
stores and work until late, until 6:30 or 7:00 o’ clock or even later; they work at bakeries, do
gardening or clean houses’. Moreover, teachers said that, students had limited experiences
compared to other students in other schools, e.g. travelling abroad, due to their parents’
economic deprivation: ‘travelling abroad or going skiing is a dream for our students’ while
they also emphasized that students were going through very stressful situations at home,
e.g. divorces and alcoholism. Children attending Karma school had been going through
very stressful situations at home, pertaining to alcoholism or divorces among parents:
‘students in this school suffer from social plus economic problems and in turn parents have
problems with divorces and alcoholism’.
According to teachers, students’ social, economic and cultural problems, amongst other
things, led to a lack of interest and engagement at school. As a teacher comments: ‘Students
in general are very bored and there is a very low level of engagement to the lesson. This may be
due to the fact that they do not understand the lesson’. Another one said: ‘Most of the children
do not have their handouts with them, thus they are not able to follow the lesson’. Teachers had
to deal with low academic achievements on the part of the students. For example, students’
workbooks had only a few written works and these were of a very poor quality and not
up to the standards for the particular grade in terms of spelling and grammar, based on
the curriculum goals: ‘The academic level is very low in this school’. Moreover, teachers could
not control the numerous discipline problems raised by the misbehaviour of students.
According to a teacher: ‘No one can control them: not me, not the school, not their parents, not
the principal’.
With regards to how the school functioned in terms of issues, such as the curriculum
and rules, teachers uncovered that the two schools had no control over decisions about
staff allocation, rules, curriculum and reading materials. Instead, they functioned in the
same way, as any other school unit in Cyprus. Teachers disclaimed that they had to teach
the content of a centrally determined curriculum: ‘we function in the same way as all schools
in Cyprus; we have to teach the content of the curriculum, despite students’ differences’. The
curriculum informed educational practice since it included the broad goals for education,
e.g. the creation of a democratic and humane school. Teaching and assessment procedures
were in Greek, despite that fact that the majority of students were non-native speakers:
‘Of course, our tests are in Greek’. Further, any additional material, e.g. handouts, movies,
songs were in Greek. Both schools seemed to be regulated by the same rules which were
determined centrally by the Ministry of Education Officials. According to a teacher:

all children are obliged to wear the same uniform. The timetable is the
same for all: children have specific teaching and break times while the
head teachers and teachers have a certain amount of teaching and non-
teaching periods according to the years of service.

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5. Are schools open systems, functioning as closed systems?

In this section I argue that teachers’ views shed light to schools as being open systems,
functioning as closed systems. The open systemic character of the school was illustrated
by the fact that the exclusion of students pre-existed schooling due to the wider socio-
economic and cultural circumstances they found themselves in. Poor students from
ethnic backgrounds found themselves from the outset in a double disadvantaged
position compared to their native peers. One aspect of their disadvantage related to their
immigrant status and the other to the economic coupled with educational lack of their
parents (OECD, 2009, p. 7). This may reside to the fact that people who migrate are already
vulnerable and have low education in their own country. From this perspective, ethnic
minorities may experience higher levels of poverty and generally be more vulnerable than
the native groups of people who are poor. According to a European network of experts:

The bulk of labour migrants, refugees and other migrant groups who
have come to Europe after World War II with their families are people
with a mostly rural background from less developed countries and little
education […]. Many immigrants belong to the low income and vulnerable
groups in their new societies (NESSE, 2008, p. 44).

Students seemed to belong to ‘exclusion’ categories, because of their families’


circumstances, e.g. unemployment, before they entered school. These circumstances
affected school due to its open systemic character. For instance, parents of students from
disadvantaged backgrounds were ‘less involved in their children’s schooling for a variety of
economic and social reasons’ (BREAKSPEAR, 2012, p. 6). The impact of the wider societal
structures at the school, have been also documented in the case of India, where poverty
urged parents to discontinue the education of their younger children in order to be able
to retain their older children at school (NAMBISSAN, 2014). Further, experiencing ill health,
malnutrition and violence or insecurity in their lives affected their school life. One could
argue, at this point, that Berstein’s (1970) question of whether the school can compensate
for society could be changed to whether society can compensate for the school.
At the same time, the number of internal controlling attempts, such as a given
curriculum, uniforms, certain rules and processes illustrated that the school functioned
as a closed system. As Brown (2009, p.20) maintains:‘Centralised curriculum development,
assessment and resourcing of schools, including staffing, is also premised on an assumption
that teachers and schools can create and maintain systems that are sufficiently closed to
operate despite adverse environmental factors’. The operation of schools as closed systems
seemed to have left students’ disadvantaged starting point, as described by teachers,
largely un-addressed. Attention was diverted from the broader economic and social
framework that students found themselves in as well as the wider societal structures,
which may have included or excluded students from the outset (MUNN AND LOYD, 2005).
Labonte (2004, p.117) however, succinctly poses the following question:

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But are there risks in pursuing policies and programs that assume a priori
that income redistribution and human rights are solidly in place, when
most of the evidence for much of the world is that they are not?

Further, the structures of society did not allow students to be included in the school
because membership to specific ‘inclusion’ categories, e.g. have money and support, was
out of the sphere of students’ control (MACFARLANE, 2010). Instead, students already
suffering from poverty because of their families’ socio-economic situation, seemed to
experience exclusion disproportionately at school (Munn and Lloyd, 2005) in relation to
other students whose families had resources. For instance, students had limited experiences
because their parents could not afford it. Labonte (2004, p.115) again wonders: ‘[…] how
can one ‘include’ people and groups into structured systems that systematically ‘excluded’
them in the first place?’. It seems that the schools judge the student only in terms of their
normalcy to adjust to a set of ‘controlled variables’ at the school, e.g. their knowledge in
the instruction language, their previous learning and their ability to achieve.
Drawing from the above, schools seemed to have a limit to what they could do to
compensate for the effects of society, e.g. poverty (VAN DE BERG, 2008). This could be explained
by the fact that the school is an open system, operating as a closed one. In other words, while
the academic achievement of students is being affected by wider socio-economic factors,
the school functions as if though, these differences, which a priori disadvantage and exclude
students, do not exist. If schools continue to operate as closed systems, are more likely to
reproduce the pre-existing students’ situation of ‘exclusion’ categories, thus, within a closed
school system, the included remains included and the excluded remains excluded.

Conclusion

Teachers’ comments illustrated that the school is an open system, because students’
wider socio-economic and ethnic background seemed to affect their academic achievement
at the school. At the same time, however, the school operated as a closed system in terms of
controlling certain aspects, e.g. curriculum and uniforms, as it happens in a laboratory. The
school closeness with its porous boundaries to the wider society left unaddressed students’
a priori ‘exclusion’ categories and resulted in their reproduction at the school. The paper calls
attention to a reconceptualisation of the notion of the school, within inclusive education,
as an open system. This suggests that broader economic and social problems should be
addressed, before implementing inclusion policies at the school. Further, it foregrounds the
need for an interdisciplinary approach for analysing possible reasons which might affect
the education of students, and particularly, vulnerable groups, at the level of the school.
A number of stakeholders from a variety of disciplines should tune in their endeavours to
resolve the issue of students’ exclusion, e.g. economists, educationalists, psychologists etc.
Further research should focus on the different mechanisms at the different levels of reality
and how these interact with the school.

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Recebido em 28 de agosto de 2015.


Aprovado em 18 de fevereiro de 2016.

Areti Stylianou

Areti Stylianou has a PhD in Education from the UCL, Institute of Education, UK. She has
been supervised by the world scholar Roy Bhaskar, who is considered to be one of the main
representatives of critical realism. After Roy’s death and during the end of her studies, Professor
David Scott and Michalinos Zembylas took over the supervision of the thesis. Currently she
is working at the Pedagogical Institute, Ministry of Education in Cyprus at the Curriculum
Development Unit. She has also worked as a primary school teacher in public school sin Cyprus,
as a teachers’ trainer at the Teachers’ Training Department and as a researcher at the Centre for
Educational Research and Evaluation. Her research interests concern the application of critical
realism in empirical research, especially as far as concerns the phenomenon of teachers’ dis/
empowerment within the context of inclusive education. Email: aretoulla@gmail.com

50
polifonia eISSN 22376844

Análise de discurso crítica e filosofia da meta-realidade:


reflexões sobre ética e identidades
Critical discourse analysis and philosophy of meta-reality:
reflections on ethics and identities
Análisis de discurso crítico y filosofía de la meta-realidad:
reflexiones sobre ética e identidades
Viviane Vieira (UnB/PPGL)
Juliana de Freitas Dias (UnB/PPGL)

Resumo
Com base em princípios da Análise de Discurso Crítica em leituras latino-americanas, neste
artigo levantamos reflexões sobre limites, alcances e possibilidades dos estudos críticos
do discurso, bem como dos desdobramentos científicos do Realismo Crítico, denominados
por Bhaskar como Filosofia da meta-Realidade, para abordar a questão premente do mal-
estar social e individual nos tempos-espaços atuais de exploração capitalista. Para tanto,
refletimos sobre a compreensão de discurso como prática social, passando por princípios
da meta-Realidade e a autoestruturação do ser. Também estabelecemos um paralelo com
contribuições da Psicologia transpessoal e da Antroposofia, e sua visão holística da vida
e dos nossos problemas sociais, em nossa busca inicial por transcender a centralização
meramente estrutural e econômica no debate sobre mudanças sociais e discursivas, para,
enfim, atermo-nos à ênfase nas questões identitárias nos estudos críticos do discurso. A
discussão nos aponta a urgência de discutir questões éticas e humanitárias, ou seja, do ser
no mundo, que envolvem o cuidado e o respeito consigo, com outrem, com o universo como
um todo, vislumbrando um mundo que faça sentido para todos nós, de paz, união, respeito,
cuidado e cooperação, em vez de competição.
Palavras-Chave: Discurso, identidades, meta-Realidade.

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Abstract
Based upon the Latin-American readings on the Critical Discourse Analysis principles, in this
article we reflect on the limits, range and possibilities of the critical discourse studies, as well as
the scientific developments of Critical Realism, termed Philosophy of meta-Reality by Bhaskar,
to approach the pressing question about the social and individual unease on the contemporary
time-spaces of capitalist exploitation. To achieve so, we contemplate the comprehension of
discourse as social practice, going through the principles of meta-Reality and self-structuring
of being. We also establish a parallel between contributions of Transpersonal Psychology and
Anthroposophy, and their holistic view of life and our social problems, in our initial attempt to
transcend the purely structural and economical centralization on the debate about social and
discursive changes, to, at last, focus on the identity questions in the critical discourse studies.
The discussion leads to the urgency of discussing ethical and humanitarian questions, that
is, about the being in the world, which involve care and respect for oneself, for others, for the
universe as a whole, disclosing a world that makes sense to all of us, with peace, union, respect,
care and cooperation instead of competition.
Keywords: Discourse, identity, meta-Reality.

Resumen
Con base en principios del Análisis de Discurso Crítico en lecturas latinoamericanas, en este
artículo planteamos reflexiones acerca de los límites, alcances y posibilidades de los estudios
críticos del discurso, así como de los despliegues científicos del Realismo Crítico, denominados
por Bhaskar como Filosofía de la meta-Realidad, para abordar la cuestión apremiante del
malestar social e individual en los tiempos-espacios actuales de explotación capitalista. Para ello,
reflexionamos sobre la comprensión de discurso como práctica social, pasando por principios
de la meta- Realidad y la auto estructuración del ser. Asimismo, establecemos un paralelo con
contribuciones de la Psicología transpersonal y de la Antroposofía, y su visión holística de la vida
y de nuestros problemas sociales, en nuestra búsqueda inicial por trascender la centralización
meramente estructural y económica en el debate sobre cambios sociales y discursivos, para, por
fin, atenernos al énfasis en las cuestiones identitarias en los estudios críticos del discurso. La
discusión nos señala la urgencia de discutir cuestiones éticas y humanitarias, o sea, del ser en el
mundo, que implican el cuidado y el respeto con uno mismo, con el otro, con el universo como
un todo, vislumbrando un mundo que tenga sentido para todos nosotros, de paz, unión, respeto,
cuidado y cooperación, en lugar de competición.
Palabras Clave: Discurso, identidades, meta-Realidad

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No pensar, lucidez
No sentir, afeição
No querer, ponderação
Se eu aspiro a estas,
Então eu posso esperar
Que eu saberei orientar-me
Nas trilhas da vida
diante de corações humanos
No âmbito do dever
Pois, lucidez provém da luz da alma
Afeição, mantém o calor do espírito
E ponderação revigora a força vital.
Steiner

Apresentação
Neste ensaio, trazemos algumas reflexões iniciais, surgidas no âmbito dos nossos
projetos “Corpos e identidades como práticas discursivas: estudos em análise de discurso
crítica”(RAMALHO, 2013) e“Identidades da pós-modernidade, autoria criativa e consciência
linguística crítica: estudos discursivos” (DIAS, 2015), aos poucos, amadurecidas em nossas
práticas-teóricas na universidade, em eventos científicos, na atuação docente e na vida
cotidiana também. Filiadas a princípios da Análise de Discurso Crítica (CHOULIARAKI
e FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2003), em leituras latino-americanas (DIAS, 2011;
2015; RAMALHO e RESENDE, 2011; RESENDE e RAMALHO, 2006; VIEIRA, 2013), bem como
do Realismo Crítico, de Bhaskar (1998, 2002, 2012), nos vimos instigadas por questões
relacionadas a ética, identidade/s e questões de base moral do ser e (con)viver no mundo,
em um contexto situado de “crises de dimensões intelectuais, morais, espirituais”, como
observa Capra (2004[1982]).
Tais problemáticas, resultantes também das crises relações de exploração e
sofrimento impostas pelo capitalismo avançado e que emergem diariamente em
nossas vidas cotidianas, na universidade na convivência com jovens, nos noticiários,
nas teorias atuais, nos levaram a leituras e debates iniciais inquietantes acerca dos
alcances e limites da nossa prática-teórica fundamentada na ADC e no Realismo
Crítico no que diz respeito à crítica e potencial intervenção em questões sociais
(sociodiscursivas, mais apropriadamente) relacionadas a ética, a moral, a ser e estar
no mundo, a identidades, a inter-relações sociais, vislumbrando um mundo de paz,
união, respeito e cuidado de si e do outro.
Nesse movimento de inquietação e busca, encontramos respostas em leituras de base
humanista-universalista: na filosofia da meta-Realidade, de Bhaskar (2012); no movimento
decolonialista da filosofia da libertação, de Dussel (2015); na física quântica, de Capra (trad. de
2004); no ecofeminismo, de Warren (2000), que chegou a nós pela leitura de Rosendo (2015);

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na Antroposofia, de Steiner (trad. de 2006 e 2011) na Filosofia perene, de Guénon (trad. de


2010); na Psicologia transpessoal, abordada em Weil, Leloup e Crema (2012), dentre outros
pensamentos convergentes com nosso anseio acerca do necessário diálogo transdisciplinar
com práticas-teóricas que transcendessem, principalmente: o materialismo racional; o ponto
de partida em “problemas”; as mudanças conquistadas por meio de “lutas”; assim como o foco
na estrutura/sistema econômico e social, e, ainda que considerada sem a devida profundidade,
a agência humana.
Neste trabalho, buscamos, então, reunir essas reflexões iniciais, pondo teorias universa-
listas situadas em diálogo com a ADC na busca de bases teórico-metodológicas científicas
mais integrativas, holísticas e fundadas em uma ética sensível ao cuidado, nos termos do eco-
feminismo de Warren (2000), em que se considere o potencial da autoestruturação do ser
como caminho para a emancipação humana coletiva (BHASKAR, 2012).

1. O discurso como prática social: poder-saber-ser

Como uma abordagem transdisciplinar para a crítica do funcionamento da


linguagem nas práticas sociais, a Análise de Discurso Crítica (ADC) é politicamente
comprometida com problemas sociais relacionados a poder e a justiça. Ampliando tal
noção de “justiça” (mais atrelada a um sistema legal racional), propomos, com Rosendo
(2015, p. 114), associar a discussão sobre poder e “cuidado”, já que “o cuidado é central
para a vida humana, ao contrário do direito e da utilidade, pois o cuidado envolve os
relacionamentos interpessoais e a consciência cultural que as questões morais requerem”,
conforme a autora. Dessa forma, buscamos traçar caminhos teórico-metodológicos
ética e politicamente comprometidos com questões sociais relacionados a poder e ao
cuidado – de si, de outrem, do mundo.
A ADC concebe a relação linguagem-sociedade como dialética, entendendo questões
sociais como parcialmente discursivas, e vice-versa (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH,
1999, p. vii). Valoriza, então, a transdisciplinaridade como percurso de investigação,
especialmente no que tange à compreensão dos fenômenos sociais que têm sofrido
profundo impacto na atualidade. Os autores ressaltam o lugar da ADC no interior dessa
análise social mais ampla que envolve os processos implicados na pluralidade da vida
social e na fragmentação dos agentes sociais como processos de natureza discursiva:
“fragmentação e diferenciação são parcialmente constituídos na proliferação de
linguagens” (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p. 5, 16).
Nas palavras dos autores, essa perspectiva teórica “reúne uma variedade de teorias em
diálogo, em especial teoria sociais de um lado e teorias linguísticas de outro”. Desse modo,
o caráter transdisciplinar da ADC advém do “rompimento de fronteiras epistemológicas”
com teorias sociais, por meio do qual constrói sua própria abordagem sociodiscursiva
assim como subsidiam os estudos discursivos no bojo das pesquisas sociais (RESENDE
e RAMALHO, 2006, p. 14). Da mesma forma, estudos em Análise de Discurso Crítica

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concebem, com base em (BHASKAR, 1998), a relação entre agência individual e estrutura
social como transformacional, ou seja, a estrutura social possibilita e constrange a agência
individual, a qual impacta na (re)produção da estrutura social, de modo que agência-
estrutura, ou sujeito-objeto, (re)criam-se simultaneamente, transformacionalmente.
Assim, Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 21) consideram a vida social como um
sistema aberto formado de práticas – modos habituais, relativos a tempos e lugares, nos
quais as pessoas empregam recursos materiais ou simbólicos para interagirem no mundo.
Tais práticas podem ser consideradas práticas de produção, não no sentido de produção
econômica, mas na medida em que as pessoas produzem seu mundo social em suas
próprias práticas. Toda prática da vida social articula em conjunto diversos elementos/
momentos e, nesse sentido, diversos mecanismos. O discurso é um desses elementos/
momentos e possui seus próprios mecanismos em uma perspectiva dialética com relação
aos demais elementos, pois ajuda a constituir os outros elementos da mesma forma que
é por eles constituído. Cada momento da prática internaliza os outros momentos sem
ser redutível a nenhum deles. Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 61) identificam quatro
principais momentos de uma prática: a atividade material (vozes, marcas no papel); as
relações sociais e processos (relações, poder e instituições); fenômenos mentais (crenças,
valores e desejos) e o discurso.
O conceito de articulação é bastante adequado, tanto para a análise da interação
de tais momentos componentes de uma prática, como para a análise da relação de
internalização entre eles, pois “cada prática pode, simultaneamente, articular juntamente
com muitas outras de múltiplas posições sociais e com diversos efeitos sociais”, conforme
Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 24).
Dessa maneira, o discurso (o aspecto semiótico da prática social) é visto como parte
integrante da vida social, em constante co-criação em maneiras de agir e interagir no
mundo, em relações sociais, que envolvem pessoas, com suas crenças, valores, atitudes,
histórias. Com base nos três grandes eixos da obra de Foucault (1994) – o eixo do poder,
o eixo do saber e o eixo da ética, conforme retomam Ramalho e Resende (2011, p. 52),
assume-se que o discurso funciona simultaneamente nas práticas sociais como maneiras,
socialmente legitimadas, de agir e interagir (ou seja, como gêneros discursivos), como
maneiras de representar (ou seja, em discursos particulares) e, ainda, como maneiras de
identificar, a si e a outrem (por meio de estilos).
Daí advêm os três principais significados dialéticos do discurso: significado inter-
acional, relacionado a poder; significado representacional, relacionado a saber e significado
identificacional, relacionado a éticas situadas. O significado inter-acional relaciona-se
ao eixo do poder, ou seja, a “relações de ação sobre os outros”. Nessa perspectiva é que
se entende que gêneros, como maneiras de (inter)agir e relacionar-se discursivamente,
implicam relações com os outros, mas também ação sobre os outros e poder. O significado
representacional relaciona-se ao eixo do saber. Discursos, como maneiras particulares
de representar aspectos do mundo, pressupõem controle sobre as coisas e conhecimento.
O significado identificacional, nessa cadeia dialética, por fim, relaciona-se ao eixo da

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ética. Estilos, maneiras de identificar a si e aos outros, pressupõem identidades sociais e


individuais, ligadas às “relações consigo mesmo”, ao “sujeito moral”.
Dialeticamente, entendemos, por exemplo, que o controle sobre as coisas (saber)
é mediado pelas relações com/sobre os outros (poder), assim como as relações com/
sobre os outros pressupõem relações consigo mesmo (ética), e assim por diante.
Consequentemente, Fairclough (2003, p. 29) lembra que “discursos particulares
(representação/saber) são mediados por gêneros (ação/poder), assim como gêneros
pressupõem estilos (identificação/ética)” ou, ainda, que “representações particulares
(discursos) podem ser legitimadas em maneiras particulares de ação e relação (gêneros),
e inculcadas em identidades particulares (estilos)”.
Para nós, colocar em debate teorias humanistas-universalistas na ADC implica um
olhar (ainda que sempre dialético em relação aos demais eixos) mais voltado para o eixo da
ética, da “prática de si”, das identidades, dos estilos nos gêneros e discursos, das “relações
consigo mesmo/a”, do “sujeito moral”, das maneiras processuais e performáticas de ser e
de se identificar no mundo, em práticas particulares (FOUCAULT, 1994; 2010[1984]).

2. Princípios da Filosofia da meta-Realidade e autoestruturação


interna do ser
A última década de produção bibliográfica de Bhaskar (2002[2012]) é dedicada a
desenhar sua filosofia da meta-Realidade, com base no princípio de que “a mudança
deve ocorrer de dentro para fora” (BARROS, 2015, p. 50). Em linhas gerais, Bhaskar (2012)
avança nas reflexões sobre a concepção transformacional de constituição da sociedade
para propor uma compreensão do mundo como um todo universal profundamente
interconectado, e uma concepção do ser como fonte de agência causal no mundo. Em
tal compreensão, convergente com epistemologias mais complexas e holísticas sobre
totalidades integradas, a dualidade é reconhecida como causa-efeito de desigualdades,
guerras, discriminação, dominação, exploração, opressão, infelicidade, sofrimento, (auto)
destruição (BHASKAR, 2012).
Como Barros (2015, p. 50-1) ainda explica, “essa nova posição filosófica vai além do
realismo crítico”, “abarcando um pensamento transcendental radical”, uma vez que enxerga
a realidade em estados de não dualidade e fases do ser”, pois “para entrar no mundo da
Metarrealidade, é preciso compreender as limitações deste mundo de dualidade”, “em
que nós estamos alienados de nós mesmos, uns aos outros”, empurrando-nos para a
autodestruição. Para Bhaskar (2012), como explica a autora, “o ‘ego’ é um ‘eu’ separado
que está em oposição a todos os outros ‘eus’”, e “é essencial para o discurso filosófico
da modernidade, para o capitalismo e para muitas instituições sociais existentes, que
pressupõem um sujeito isolado.”
Bhaskar (2012) desenha sua filosofia apresentando “Momentos-chave da Filosofia da
meta-Realidade mapeados nos domínios da realidade do Realismo Crítico”, sua elaboração
teórica anterior. Ilustramos uma pequena parte desse mapeamento proposto pelo autor:

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Quadro 1 - Momentos-chave da Filosofia da meta-Realidade mapeados nos


domínios da realidade do Realismo Crítico

Domínios da Real Realizado Empírico/Conceitual


realidade experiências, conceitos experiências, conceitos e experiências, conceitos e
e signos signos signos
eventos eventos [eventos]
mecanismos [mecanismos] [mecanismos]

Estratos da realidade Realidade absoluta Realidade relativa Falsa realidade

Princípios meta- não-dualidade dualidade dualismo (alienação,


filosóficos (unidade, uma falsidade)
propriedade da
consciência)

Adaptado de Bhaskar (2012, p. 06)

Partindo de princípios do Realismo Crítico (BHASKAR, 1998; RESENDE, 2009), são


mantidos os mesmos domínios da realidade anteriormente propostos (real, realizado
[actual], empírico) assim como a compreensão de mecanismos gerativos com poderes
causais que geram efeitos imprevisíveis nas práticas sociais e nos eventos. Como
resumem Ramalho e Resende (2011, p. 163), para o Realismo Crítico o mundo é concebido
como estratificado, mutável e aberto, daí a existência de três domínios da realidade: o
potencial[real], o realizado [actual] e o empírico (BHASKAR, 1998).
O “potencial”[real] é o domínio dos objetos, suas estruturas, mecanismos e poderes
causais. Sejam físicos, como minerais, ou sociais, como burocracias, esses objetos têm
uma certa estrutura e poderes causais. O potencial é, portanto, o domínio das estruturas,
mecanismos e poderes causais dos objetos, e o “realizado”[actual] refere-se “ao que
acontece se e quando estes poderes são ativados”, ou seja, àquilo que esses poderes
fazem e ao que ocorre quando eles são ativados (SAYER, 2000, p. 10). Assim, o potencial é
o domínio dos poderes causais; o realizado é o domínio dos eventos em que se acionam
esses poderes, e o “empírico”, por fim, é o que se experiencia do potencial e do realizado.
Repensando isso nos termos da Filosofia da meta-Realidade, no aspecto que nos
interessa aqui em relação à ADC, Bhaskar (2012) reavalia como, no potencial da “realidade
absoluta”, da não-dualidade, mecanismos podem oferecer poderes causais para a
construção tanto da dualidade, nos eventos na vida social, quanto do dualismo no domínio
do empírico/conceitual, gerando uma “falsa realidade” sustentada em experiências,
conceitos e signos. Para nós, parcialmente sustentada pelo discurso.
O discurso (experiências, conceitos e signos), portanto, aparece no arcabouço de
Bhaskar (2012) como mecanismo fundamental para a construção e sustentação de uma
“falsa ideologia” de separatividade, mas também como recurso para a retomada da não-
dualidade (característica da “realidade absoluta”), da consciência de unidade do todo, do
absoluto, do “envelope cósmico” (BARROS, 2015, p. 53).

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A convergência do diálogo transdisciplinar com os estudos críticos do discurso está,


por exemplo, no foco em efeitos ideológicos, e contra-ideológicos, que (sentidos de) textos
podem ter sobre relações sociais, ações e interações, saberes, crenças, atitudes, valores,
normas, identidades. A diferença é que na ADC já não nos restringimos à noção de ideologia
como “falsidade”, já que entendemos, com Thompson (2002), que há outras maneiras como a
ideologia pode operar nos eventos para fins de dominação, como por meio de estratégias de
legitimação, de padronização, de universalização, de fragmentação, dentre outras, além da
dissimulação, que se aproxima do que seria um “falseamento da realidade”.
Bhaskar (2002, 2012) ainda traz muitas outras contribuições, como a ênfase na questão
da agência humana, das identidades, dando relevo à discussão sobre o que define como
a “autoestruturação interna do ser” como caminho para a emancipação humana coletiva.
Entendemos, com Barros (2015), no âmbito dos estudos críticos do discurso, que“a autorrealização
individual é o único caminho para a autorrealização universal”. Com foco no potencial humano
criativo, observa que a ‘falsa’ separatividade, fragmentação, alienação da totalidade universal
desune as pessoas, as desconecta das totalidades integradas. Nessa dinâmica de ‘falsa’
separação, de ‘dualidade’, o ser humano se reconhece como ‘superior’ às demais formas de vida,
legitimando, por exemplo, o meio ambiente natural como algo ‘fora’ e não como parte de sua
própria natureza, de própria realidade, e, ainda, não reconhece si mesmo no outro, naturalizando
práticas de competitividade, concorrência, agressividade, violência, exclusão.
Na linha do que também discutem Rosendo (2015), Weil, Leloup e Crema (2012),
dentre outros, Bhaskar (2012) problematiza como tais posturas do “eu” no mundo, na vida
social, atuam potencialmente como elemento causal relacional de desigualdades, guerras,
discriminações, exploração, infelicidade, opressão, autodestruição, destruição do meio
ambiente, violência, sofrimento.
Assim sendo, lança luz na questão ética e moral do ser no mundo, consciente de sua
agência humana integrada em uma totalidade universal que é constituída de unidade
e cooperação. Assim, a crítica sobre estruturas de poder (incluindo estruturas políticas,
históricas) perpassa, transformacionalmente, a crítica sobre a (inter/intra)ação do ser no
mundo, isto é, inclui o que define como a “estrutura fina”, que consiste na autoestruturação
interna do ser (BHASKAR, 2012; BARROS, 2015), como mecanismo causal fundamental da
emancipação coletiva. Nos termos de Bhaskar (2012, p. 08),
a filosofia da meta-Realidade descreve a maneira como o mundo depende,
é sustentado e existe somente em virtude da energia livre, amorosa, criativa,
inteligente e de ações em estados não-duais de nosso ser e de nossa
atividade. Ao nos tornarmos conscientes disso, começamos o processo
de transformação e superação da totalidade das estruturas de opressão,
alienação, mistificação e miséria que temos produzido.
Avança-se, desse modo, numa compreensão que ultrapassa o cientificismo racional, ma-
terialista, mecanicista, que, nas palavras de Capra (2004, p. 9), concebeu “o universo como um
sistema mecânico que consiste em objetos separados”, que “ainda está na base da maioria de
nossas ciências e continua a exercer uma enorme influência em muitos aspectos de nossa vida”.
O foco no sistema econômico, tecnológico, assim como no conflito e na luta como
forças propulsoras de mudanças sociais (CAPRA, 2004), abre espaço, nessa epistemologia

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e ontologia sistêmicas, para possibilidades de mudanças inicialmente emergentes na


base da formação humana holística, integrada, na qual, conforme Bhaskar (2012), estão
importantes mecanismos (com seus poderes gerativos causais) que podem se movimentar
para a superação de estruturas sociais de opressão e sofrimento, as quais são, em grande
medida, (re)produzidas inconscientemente por nós mesmos/as.
Nessa linha de pensamento, as desigualdades, guerras, discriminações, exploração,
injustiças, infelicidade, opressão, (auto)destruição, violência, sofrimento, medo são
tanto efeitos causais do sistema de exploração capitalista quanto seu sustentáculo, (re)
produzido em cada (inter/intra)ação na vida social. Podemos usar esta própria discussão
para exemplificar a função do discurso na legitimação dos conhecimentos (discursos
particulares, portanto) das “elites científico-tecnológicas” que sustentam um suposto
“pensamento universal eurocêntrico”, nos termos de Dussel (2015), ou a visão cartesiana,
mecanicista de mundo, para seus fins e projetos particulares.

3. Fazendo parar a roda da (auto)destruição


Tal postura converge, também, nesse diálogo transdisciplinar, com princípios da
Psicologia transpessoal, que nos oferece uma leitura adicional sobre a “fantasia da
separatividade”:
Diagrama 1 – Roda da Destruição

Fonte: Weil, Leloup e Crema (2012, p. 78)

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 51-69, jan-jun., 2016

No âmbito da Psicologia transpessoal, os autores Weil, Leloup e Crema (2012) observam


que o sistema da “roda da destruição” da atualidade abarca vários níveis (cultura, corpo,
emoções, mente) para construir o que identificam como a principal doença da atualidade, a
normose: um “conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar e agir
aprovados por um consenso ou pela maioria de pessoas de uma determinada sociedade,
que levam a sofrimentos, doenças, mortes” (WEIL, 2012, p. 18). Bem próximos do que propõe
Bhaskar (2012), apresentam, no nível da cultura situada, “consensos dualistas”, “fragmentação
multidisciplinar”, “leis destrutivas”; no nível da vida política e social, “competição”, “exclusão”; no
nível da mente (discursos, para nossa concepção de prática social) “fantasia da separatividade,
“fragmentação”; no nível das emoções, “ódio”, “indiferença”, e assim por diante.
Para nós, é certo que tal “conjunto de normas legitimadas que levam a sofrimentos,
doenças, mortes” sustenta-se também por meio do complexo informação-discurso
no capitalismo tardio. Conforme Hardt e Negri (2004, p. 42-60), na atual “sociedade de
controle”, o poder é exercido por sistemas de comunicação e redes flexíveis e flutuantes de
informação que organizam internamente as práticas diárias e comuns, ou seja, por “uma
máquina comunicacional de alta tecnologia, que representa uma fonte de ‘normatividade,
legitimação e sustentação da hegemonia’.
Se, com Castells (2001, p. 22), entendemos que a identificação é, parcialmente, um
“processo de construção de significado, baseado em atributos culturais inter-relacionados
que prevalecem sobre outras fontes de significado”, é parte de nossa agenda crítica lançar
luz e dar visibilidade a vozes e discursos contra-hegemônicos, de modo a abrir caminhos
para a divulgação de saberes, poderes e éticas orientados para a solidariedade, a união,
buscando superar o sistema de (auto)destruição vigente.
Guénon (2010) contribui com esse diálogo ao desconstruir a ilusão das estruturas
binárias que regem nosso mundo, de modo que uma suposta polaridade é, na realidade,
a imagem invertida da outra polaridade, o que traz como consequência imediata o
falseamento da própria realidade. O autor destaca que a maioria das pessoas está voltada
para um mundo calcado em quantidade, o que ele denomina de ‘reino da quantidade’
e que, para essas, a ilusão perdura. Em outras palavras, é preciso demarcar pontos de
observação, além do paradigma dualista de mundo e da visão quantitativa da realidade,
para que os germes do futuro possam ser vislumbrados no seio das pesquisas críticas
da contemporaneidade. Nesse esforço, é preciso se concentrar nas manifestações
produzidas entres as polaridades ‘qualidade’ e ‘quantidade’, entre ‘essência’ e ‘substância’,
entre ‘discurso’ e ‘estrutura social’, no nosso caso especificamente.
O autor chama a atenção para o fato de existir uma ‘fabricação’ da realidade, por meio
do mecanismo da ‘solidificação’ da vida, de acordo com o qual os seres humanos tornam-
se, cada vez mais, impenetráveis e presos ao uso científico que alimenta sua razão, ou seja,
preso àquilo que reafirma seu estado sólido, denso e real. Guénon (2010) ressalta que

é preciso que o homem, pelo próprio fato desta ‘materialização’ ou


desta ‘solidificação’ que se opera naturalmente nele, e que modifica

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notavelmente a sua constituição ‘psico-fisiológica’, tenha perdido o uso


das faculdades que lhe permitiam normalmente ultrapassar os limites do mundo
sensível (2010, p.113).

Nessa fabricação ideológica da realidade, o ser humano foi levado a se prender a artefatos
e simulacros exclusivamente de base material, no seio das relações de produção nas sociedades
de consumo, o que hoje ganha nuances novas com a tecnologização da vida.

4. Por uma ética sensível ao cuidado: transcendendo a


centralização econômica

A essas reflexões acreditamos ser imprescindível acrescentar as contribuições da


Antroposofia, uma ciência relacionada à cosmovisão do ser humano, na voz de seu
proponente maior, Rudolf Steiner, para quem a vida deve ser olhada de fora, pois o que
se chama hoje de ‘realidade’, nada mais é do que ‘mundo visível’. A pergunta “Onde está o
mundo ao qual pertenço” está arraigada na própria constituição de vida do ser humano
na Terra. Steiner considera que a angústia que assola o ser ao se deparar com essa questão
mantém relação estreita com o avanço da civilização, pois mais intensamente se torna
movimento do ‘pensar’ nas pessoas. Para nós, na Análise de Discurso Crítica, podemos
relacionar essa ideia ao que Chouliaraki e Fairclough chamam de ‘reflexividade’, que é
uma faceta inerente a toda prática social, uma vez que as pessoas sempre produzem
representações do que elas fazem como parte daquilo que fazem.
De acordo com Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 26), a reflexividade possui dois aspectos
essenciais: (i) ela é alcançada por meio da luta social, visto que o saber sobre as práticas cria
posições particulares dentro da própria prática ou fora dela; (ii) a reflexividade de uma prática
“acarreta que todas as práticas possuam um aspecto discursivo irredutível”, não só no sentido
de que todas as práticas envolvem, em algum grau, a linguagem, como também no sentido
de que as “construções discursivas das práticas são em si mesmas partes das práticas”.
Steiner (2006[1919]) chama de vida cultural ou espiritual essa parcela da existência
humana que está além da realidade sensível do mundo concreto e palpável, o que
converge com o conceito de meta-Realidade de Bhaskar (2012, p. 175), que inclui a
“ideia da transcendência, isto é, a ideia de um nível além ou atrás ou entre a realidade”.
Steiner (2006) trata da trimembração do ser humano em seu pensar, sentir e querer,
quando relaciona o ser e a natureza, uma vez que o ser humano torna a natureza
exterior presente e desenvolve sentimentos sobre ela, atuando por meio de sua vontade.
Rudolf Steiner explora o que está plasmado no subconsciente do ser humano e aborda
o pensamento como um processo imaginativo que plasma, no interior do ser, meras
imagens evanescentes que passam e flutuam. Os sentimentos e os impulsos do querer,
plasmados pelo corpo do ser humano, são sentidos como menos valiosos no campo dos
nossos desejos, crenças e valores no nosso mundo contemporâneo. Em suas palavras:

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 51-69, jan-jun., 2016

O pensamento passa; é uma imagem que continua a surgir e a desaparecer,


uma imagem flutuante que vem e vai, que se contenta com sua existência
de imagem. No entanto, se o ser humano olha para dentro de sua alma,
nada encontra senão imagens representadas. E só pode dizer que sua
alma consiste dessas imagens representadas (2006, p. 22).

De acordo com a Antroposofia, o modo como o ser humano comumente se relaciona


com a realidade e com seu pensar, no seio dessa mesma realidade, é um processo calcado
em representações, muitas vezes, ilusórias e superficiais das coisas. É, pois, objetivo dessa
ciência universal e espiritual provocar mudanças na relação entre o ser humano e o seu
pensar, com seu sentir e com seu querer, bem como na maneira como essa trimembração
encontra ecos de resistência e de consciência na sua realidade interior e exterior. Possibilitar
a penetração do ser nesses aspectos da realidade é o caminho que Steiner propõe para
superar a própria dualidade ‘dentro’ e ‘fora’, de modo que seja possível, ao ser humano não
apenas levar o seu ‘eu’ pelo mundo que o cerca, deixando de ‘fora’ o mundo e a sua natureza.
É somente quando o ser vivencia, nos âmbitos do ‘sentir’ e do ‘querer’ essa aparência da
natureza, representada por meio de imagens mentais, que se torna possível desenvolver,
em sua interioridade, seu sentimento de existir e de pertencer a esse mundo.
Steiner alega que a humanidade desenvolveu, nos últimos séculos, uma vida espiritual-
cultural dependente de forças econômicas no seio das instituições estatais. Defende que
o homem, para transcender essa relação de dependência, precisa resistir à sua própria
capacidade de adaptação, que foi construída ao longo do tempo e cristalizada em sua
essência subjetiva mais profunda. A caotização da vida social da atualidade resulta
exatamente, para Steiner, dessa dependência entre vida espiritual e cultural dos seres
humanos e o Estado econômico. Considerando processos de resistência e conscientização,
assim como os estudos da ADC, Steiner propõe que a liberdade do ser humano está
fortemente atrelada à plena autogestão dos processos sociais, incluindo a educação, o que
converge com as reflexões de Bhaskar (2002), na leitura de Barros (2015, p. 50), ao propor
que “não há contradição entre espiritualidade e mudança social, e que a educação tem,
portanto, o compromisso com a transformação das estruturas sociais e a emancipação”:

Emancipação não pode ser imposta de fora, a emancipação sempre vem


de dentro [...] Como isso funciona exatamente? A partir de uma inspiração
espiritual, você passa a ter uma experiência política, que o leve a um
compromisso com a mudança social radical. (BHASKAR, 2002, p. 301, apud
BARROS, 2015, p. 50).

Na visão da Antroposofia, “todo educador deve dedicar ao ensino apenas o tempo


que ainda lhe permita ser um administrador em seu campo de atuação” (STEINER,
2011[1919], p.18). Para Steiner a questão social, que hoje tem sido tão debatida entre
cientistas, políticos/as e educadores/as, é parte integrante da vida humana civilizada que
carrega em seu centro o elemento antissocial, que precisa sempre ser superado, a cada
nova etapa da vida da humanidade. O autor propõe que as reivindicações por ajustes

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 51-69, jan-jun., 2016

e mudanças nessa vida social é preciso dialogar com soluções ainda não cogitadas, a
partir da força geradora do ‘querer’ social de uma humanidade que esteja cada vez mais
consciente de seus objetivos. Para isso, o primeiro passo é considerar a questão social
como questão econômica, político-jurídica e espiritual/cultural.
Para Steiner, a trimembração do ser humano, em seu ‘pensar’, ‘sentir’ e ‘querer’ está
intimamente relacionada com a trimembração da sociedade em sua organização e
funcionamento nas três esferas: vida cultural/espiritual, vida jurídica e vida econômica.
Segundo Steiner, podemos buscar uma ética da paz e transcender a centralização na
esfera econômica quando associarmos, na nossa vida prática, o seguinte:
Quadro 2 - Trimembração do ser humano em relação com a sociedade e valores éticos

Vida cultural/espiritual--------------- pensar----------------------------LIBERDADE


Vida Jurídica----------------------------- sentir-----------------------------IGUALDADE
Vida econômica------------------------ querer----------------------- FRATERNIDADE

Na vida cultural e espiritual, está o ‘pensar’ do organismo social, é aqui que os sujeitos
percebem sua inspiração, sua capacidade de mobilização, seu entusiasmo. Já a esfera
econômica está na base do organismo social e se relaciona com o ‘querer’; é a partir dela que
se percebe as necessidades, primeiramente, e que se satisfaz necessidades, posteriormente.
O que é muito comum na “pós-modernidade” é uma perda da capacidade dos
seres humanos de perceberem suas próprias necessidades, o que dificulta a satisfação
delas e o que, por sua vez, gera descontentamento e sensações de medo, risco e
insegurança na vida atual. A vida jurídica atualiza o ‘sentir’ do organismo social e é
uma instância mediadora entre a vida cultural/espiritual e a vida econômica. É na vida
jurídica que são firmados acordos e decisões coletivas que deveria ter como foco o
bem-estar de todos, sem distinção.

5. A ênfase nas identidades em pesquisas críticas sociais


Fica claro que para caminharmos na direção de aliar nossas pesquisas ao que foi
apontado neste ensaio sobre ética, cuidado, emancipação, é preciso repensar o espaço
reservado em nossas práticas-teóricas para a questão da/s identidade/s. Chouliaraki e
Fairclough (1999) apresentaram uma proposta de explanação crítica com orientação
declarada para análise de práticas problemáticas, que traça um caminho que pode culminar
em mudança dessas práticas. Isso se deve ao fato de essa abordagem metodológica
articular o discurso com outros momentos da prática social e das redes de práticas na
qual a prática se insere, além de enfatizar o panorama conjuntural da prática focalizada e
os modos de superar os desafios e obstáculos encontrados nas análises.
Esse arcabouço analítico tem servido de base para os estudos críticos explanatórios
da ADC. Todavia, percebemos a relevância de debatermos sobre de que modo

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focalizaremos, em termos metodológicos, os aspectos discutidos nesse artigo


centrados em uma visão de mundo humanista, sistêmica-global e espiritual. Nesse
sentido, entendemos, assim como proposto em Dias (2007; 2011; 2015) que a questão
da identidade se torna parte crucial das análises críticas realizadas no bojo dos estudos
discursivos na pós-modernidade. Para Giddens (2001), as identidades e as auto-
identidades são reflexivamente organizadas, de maneira que “cada um de nós não
apenas ‘tem’, mas vive uma biografia reflexivamente organizada em termos de fluxo
de informações sociais e psicológicas sobre possíveis modos de vida” (GIDDENS, 2001,
p. 20). A pergunta “como devo viver” faz parte do projeto reflexivo do eu baseado em
narrativas biográficas coerentes, que são continuamente revisadas. Apresentamos a
seguir o arcabouço de Dias, sobre o qual tecemos aqui algumas considerações.

Figura 1 – Arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999) na releitura de Dias (2007)

1) Questão motivadora

2) Aprofundando a questão:

a) Análise da conjuntura;
b) Análise do discurso:
(i) Análise interdiscursiva
(ii) Análise linguística
c) Análise das identidades

3) Definindo os principais desafios


4) Reconfigurando a questão
5) Refletindo sobre a análise

A mudança no foco em “problema” para “questão motivadora” é produtiva no sentido


de retratar o aspecto selecionado para a pesquisa sem enquadrá-lo, de antemão, como
problemático. Após a realização do segundo tópico do arcabouço – definindo os principais
desafios – será possível, ao analista, compreender se a questão selecionada, de fato, faz
parte da agenda a ADC, com base em uma análise concreta e teoricamente sustentada.
A fim de analisar um aspecto discursivo da vida social é necessário ampliar o olhar
analítico, o que será feito a partir das três análises propostas no arcabouço, para entender as
razões motivadoras e as implicações estruturais da questão focalizada. Essa etapa se chama
Aprofundando a questão. Destacamos três tipos de análise fundamentais para orientar o
processo dessa tarefa: análise da conjuntura; análise do discurso; análise das identidades.
Na primeira etapa da pesquisa de cunho sociodiscursivo, uma análise conjuntural
pode esclarecer o quadro da prática social em que o discurso se localiza. Essa análise
envolve o cruzamento entre instituições, vozes, sujeitos, práticas e materiais que compõem
tal prática social. É uma análise contextual comprometida a ir além da descrição estanque
do tempo e do espaço que enquadra o problema; ela propicia uma visão tridimensional
ao priorizar o entrelaçamento dos fatores múltiplos que caracterizam a prática em foco.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 51-69, jan-jun., 2016

A segunda análise prioriza um olhar assentado na linguagem; trata-se da análise do discurso


propriamente dita. É baseada na suposição de que a linguagem é uma parte irredutível da
vida social, dialeticamente interconectada com outros elementos da vida social, de modo que
a análise e pesquisa social sempre têm a ver com linguagem (FAIRCLOUGH, 2003). A análise
de discurso com duplo foco na estrutura e na interação possibilita, pois, um aprofundamento
linguístico no problema focalizado na pesquisa. Aqui também é realizada a análise que coloca
em diálogo os momentos da(s) prática(s) em foco, a saber: atividade material, relações sociais
e processos, fenômenos mentais (crenças, valores e desejos) e discursos.
E, finalmente, a terceira análise focaliza um estudo acerca das identidades, a partir da
qual é possível investigar não apenas as representações das identidades focalizadas na
questão de pesquisa, como também a relação do ‘eu’ com as identidades sociais coletivas,
a partir de sua biografia de vida cultural e espiritual, nos termos da Antroposofia, de modo
a se focalizar em traços identitários, a modos de ser, à ética, conforme a ADC. Chouliaraki e
Fairclough (1999) ressaltam que a incerteza das identidades é considerada um dos temas
mais difundidos na “modernidade tardia”. Do ponto de vista metodológico, a análise das
identidades encontra-se, prioritariamente, no seio da análise discursiva. Todavia, essa
etapa pode contar com uma articulação com a etnografia crítica, por exemplo, ou outra
abordagem que auxilie o/a pesquisador/a a realizar a análise de processos de identificação.
O diário de campo, as narrativas dos participantes de pesquisa e as entrevistas abertas são
excelentes instrumentos para gerar dados para análises de processos identitários coletivas
e individuais (SILVA e VIEIRA, 2002).
Além disso, um olhar analítico sobre as construções de auto-identidades possibilitará
um entendimento das atividades reflexivas do indivíduo em suas rotinas. Diferentemente
da noção de identidade que ainda supõe continuidade do tempo e no espaço, a auto-
identidade e as identidades sociais, culturais e espirituais tem essa continuidade
reflexivamente interpretada pelo ser que vive em um mundo não apenas material, mas
metafísico e intuitivo também. Essa é uma análise particularmente relevante porque é
exatamente por meio dela que o/a analista poderá incluir um espaço na sua análise para
enxergar e procurar compreender o que está na realidade profunda, de base não material,
escondida pela cultura do simulacro. Nesse sentido, é possível capturar elementos
importantes acerca das relações sutis de poder, dominação, exclusão, possibilitando,
nesse processo em construção, alcançar a “estrutura fina” da autoestruturação interna do ser
(BHASKAR, 2012; BARROS, 2015), como mecanismo causal fundamental da emancipação.
A título de exemplo, na pesquisa de Dias (2007, 2015) sobre práticas discursivas
conflitantes na constituição das identidades de obstetras e de gestantes no que concerne
ao tipo de parto escolhido, a autora focaliza as relações de poder existentes entre o papel
do/a obstetra e da mulher grávida, que possui implicações ideológicas na esfera discursiva
e social. Faz uma reflexão fundamentada na análise dos discursos dos(as) médicos(as) e das
mulheres (mães e gestantes) acerca do processo de nascimento inserido no contexto da
medicina atual, por meio de percursos que incluem uma visão social, cultural, ideológica
e discursiva do tema. De cunho qualitativo, assentada nas bases da ADC e da etnografia
crítica, o estudo objetiva analisar a constituição das identidades e das práticas discursivas

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 51-69, jan-jun., 2016

e sociais referentes à parturição, com vistas a contribuir para uma visão mais humanizada
dos nascimentos, possibilitando, assim, um entendimento das atividades reflexivas do
indivíduo em suas rotinas.
Na etapa chamada Definindo os principais desafios, há um redirecionamento da análise
científica social com base na lógica relacional para a baseada na lógica dialética. Isso
significa que, nessa etapa da análise, interessa não mais focalizar a estabilidade relativa
das práticas, mas sim analisar a estabilidade como um efeito de poder e como um fator
de reprodução das relações assimétricas, cujo foco recai sobre a tensão dialética entre as
estruturas e as atividades práticas das pessoas engajadas na prática social em foco.
Na etapa Refletindo sobre a análise, insere-se a relação entre a prática teórica do/a
analista e as ‘práticas’ analisadas. Todo/a pesquisador/a parte de uma determinada
posição dentro do campo teórico, possuindo um interesse de conhecimento particular
que acarreta, consequentemente, perspectivas orientadas para problemas, poder,
ideologia etc. Uma pesquisa crítica social pode ser reflexiva no sentido de inserir uma
reflexão sobre o ponto de vista a partir do qual a pesquisa é efetuada.
O objetivo na etapa Reconfigurando a questão é discernir os recursos que são possíveis
para modificar as coisas em seus modos de ser usuais. O foco desta etapa ultrapassa as
estruturas reprodutivas para ressaltar os percursos que as pessoas fazem em determinadas
condições estruturais. O importante é focalizar as estruturas como sistemas abertos para
a ação transformadora, o que geralmente caracteriza-se pelas tensões e contradições no
interior de uma prática, em ocasiões particulares.
O que interessa, então, é retomar a questão inicial que foi destacada, caracterizada
e analisada ao longo de todo o processo proposto pelo arcabouço, para finalmente ser
possível a visualização de novos aspectos não antes vislumbrados. É importante, portanto,
destacar os caminhos que se abriram a partir da análise feita a fim de que uma visão
inovadora da questão inicial seja lançada no mundo social.

Considerações finais
Como apontamos inicialmente, a ADC busca, com sua postura crítica, alcançar
“níveis mais profundos, suas entidades, estruturas e mecanismos que existem e operam
no mundo”. Por isso, sua abordagem teórico-metodológica baseia-se em análises
de mecanismos causais e de seus efeitos potenciais em contextos particulares, com
atenção voltada para causas e efeitos envolvidos em relações de poder (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999, p. vii). Para nós, isso implica colocar em debate teorias humanistas-
universalistas na ADC com atenção voltada, ainda que dialeticamente, para o eixo da
ética, da “prática de si”, das identidades, dos estilos nos gêneros e discursos, das “relações
consigo mesmo/a”, do “sujeito moral”, das maneiras processuais e performáticas de ser e
de se identificar no mundo, em práticas particulares (FOUCAULT, 1994; 2010[1984]).
Nessa perspectiva, defendemos que um trabalho teórico-analítico mais cuidadoso
com a questão das identidades, do “eu”, e da postura ética do ser no mundo tem muito

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a nos revelar sobre mecanismos causais de manutenção de sofrimentos e opressões


internalizadas, assim como sobre recursos potenciais para sua superação. Buscamos,
assim, desenvolver estudos tendo em vista mudanças sociais em direção à emancipação
humana (BARROS, 2015) e à superação de crises morais, éticas, espirituais, dando espaço e
visibilidade a discursos locais de resistência, contra-hegemônicos, criativos, libertadores.
Com Bhaskar (2012), refletimos que a ADC pode nos auxiliar a construir a mudança
em direção a conscientização universal crítica, e não só uma conscientização linguística,
o que consiste em uma conscientização social como caminho para a emancipação,
em uma postura alinhada com o movimento de descolonização epistemológica de
um suposto ‘pensamento universal’ dualista e mecanicista predominante nas ciências,
na economia, em favor de uma postura ética sensível ao cuidado, à empatia e mais
respeitosa no universo.
Steiner (2011) nos ajudou, principalmente, nesse esforço ontológico-epistemológico-
metodológico, a conceber uma visão do mundo cultural e espiritual com base na
trimembração do ser humano, em seu pensar, sentir e querer e nos mostrou como
que esse mesmo processo pode ser espelhado no organismo social. Nesse sentido,
destacamos que a trimembração social nos revela que o âmbito do ‘pensar’ está aliado
à vida cultural espiritual de modo mais estreito e que mobiliza nossas capacidades de
estar e de atuar no mundo, de forma a nos acender a LIBERDADE. Revela também que o
‘sentir’ do organismo social está atrelado à estruturação das relações e dialoga com os
acordos e normas que regem a vida social, o que é expresso pela vida jurídica (associada
ao ‘cuidado’) da sociedade e que deveria trazer em seu cerne a IGUALDADE. Por fim, no
âmbito do ‘querer’, Steiner nos mostra como a satisfação das necessidades se relaciona
com a vida econômica que deveria estar assentada no lema da FRATERNIDADE.
Vislumbramos a relevância de incluirmos nas reflexões e análises em ADC a instância
das identidades, no sentido de focalizarmos as mudanças sociais a partir do foco no
sujeito social, cultural e espiritual que vive nesse mundo de base não apenas materialista.
Lançamos como questões para o futuro a proposição de um diálogo entre a trimembração
do organismo social, proposta por Steiner, e os momentos da prática social, propostas por
Chouliaraki e Fairclough (1999), tendo em vista caminhos teórico-metodológicos ética e
politicamente comprometidos com questões sociais relacionados a poder e ao cuidado –
de si, de outrem, do mundo.
Destacamos, para finalizar, que uma ideia comum marca essa rede de teorias que
dialogaram nesse artigo que pode ser resumida pelas seguintes palavras: a vida é sempre
maior que as teorias sobre a vida, ou ainda, as teorias nada mais são do que práticas
teóricas, pois as próprias teorias estão engajadas em uma série de outras práticas, o que
as caracteriza, primordialmente, como uma construção a posteriori da vida. Para encerrar,
destacamos a indicação de Steiner (2011) de que não devemos lançar mão das teorias
para um exercício de natureza meramente intelectual, uma vez que seu caráter prático e
sua aplicação prática são partes inalienáveis da ciência proposta. Cremos que a mesma
indicação vale para todas as teorias postas em diálogo neste trabalho.

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Recebido em 03 de setembro de 2015.


Aprovado em 12 de março de 2016.

Viviane Vieira

Docente e pesquisadora da Universidade de Brasília/Programa de Pós-Graduação em Linguística


(UnB/PPGL). Doutora em Linguística/Área Linguagem e Sociedade, pela UnB. E-mail: vivi@unb.br

Juliana de Freitas Dias

Docente e pesquisadora da Universidade de Brasília/Programa de Pós-Graduação em


Linguística (UnB/PPGL). Doutora em Linguística/Área Linguagem e Sociedade, pela UnB.
E-mail: ju.freitas.d@gmail.com

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polifonia eISSN 22376844

Estratégia como prática sob o olhar do


realismo crítico e da análise crítica do discurso:
fundamentos filosóficos e reflexões metodológicas
Strategy as a practice under the perspective
of critical realism and critical discourse analysis:
philosophical foundations and methodological reflections
Estrategia como práctica bajo la mirada del
realismo crítico y del análisis crítico del discurso:
fundamentos filosóficos y reflexiones metodológicas
Odemir Vieira Baeta (UFV)
Mozar José de Brito (UFLA)
Rosália Beber de Souza (UFV)

Resumo
Apresentamos a nova perspectiva da estratégia que contempla os aspectos emergentes e
subjetivos, ao invés da visão deliberada, vigente e dominante nas organizações contemporâneas.
Ressaltamos a necessidade de melhor compreender esta nova abordagem por meio de diálogos
com diferentes campos do conhecimento. O interesse pelo discurso aplicado à formação
estratégica tem aumentado nos últimos anos, contudo, ainda permanece teoricamente
subdesenvolvido e pouco explorado. Discutimos que boa parte desse fazer estratégia ocorre
pela linguagem, uma vez que são os aspectos linguísticos e de discurso que orientam as práticas
estratégicas. Assim, discutimos e recomendamos a análise crítica do discurso para os estudos
da linguagem que visam alcançar níveis mais profundos do domínio potencial bhaskariano,
possibilitando desvelar as ações organizacionais e como as interações cotidianas dos sujeitos
ocorrem durante o processo de formação da estratégia como prática.
Palavras-Chave: Estratégia como prática, realismo crítico, análise crítica do discurso

Abstract
This article presents the new perspective of the strategy which includes emerging and subjective
aspects, rather than the deliberate vision, effective and dominant in contemporary organizations.
We emphasize the need to better understand this new approach through dialogue with different
fields of knowledge. The interest in discourse applied to strategic training has increased in recent
years. However, it remains theoretically undeveloped and unexplored. We argue that much of
this strategy is to make the language in the form of text. Even as they are linguistic and discourse
aspects that guide the strategic practices. Thus, we discuss and recommend the critical discourse
analysis for language studies aimed at achieving deeper levels of potential domain bhaskarian
enabling unveil the organizational actions and how these everyday interactions of subjects occur
during the process of strategy as practical training.
Keywords: Strategy as practice, critical realism, critical discourse analysis

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Resumen
Presentamos la nueva perspectiva de la estrategia que contempla los aspectos emergentes
y subjetivos, en lugar de la visión deliberada, vigente y dominante en las organizaciones
contemporáneas. Resalta la necesidad de mejor comprender esta nueva perspectiva por
medio de diálogos con diferentes campos del conocimiento. El interés por el discurso aplicado
a la formación estratégica ha estado aumentando durante los últimos años, sin embargo aún
permanece teóricamente subdesarrollado y poco explorado. Discutimos que buena parte de
ese hacer estrategia ocurre por el lenguaje, ya que son los aspectos lingüísticos y de discurso
que orientan las prácticas estratégicas. Así, discutimos y recomendamos el análisis crítico del
discurso a los estudios del lenguaje que tienen el objetivo de alcanzar niveles más profundos
del dominio potencial bhaskariano, posibilitando desvelar las acciones organizacionales y
como las interacciones cotidianas de los sujetos ocurren durante el proceso de formación de
la estrategia como práctica.
Palabras Clave: Estrategia como práctica, realismo crítico, análisis crítico del discurso

Introdução

O desenvolvimento de estratégias de maneira racional e lógica nas organizações é


atraente e, por isso mesmo, não surpreende que essa visão tenha sido predominante
na educação gerencial nas últimas décadas. Os textos e casos estratégicos são
tradicionalmente formulados colocando ênfase na racionalidade da análise, do
planejamento e da implementação como um processo dividido em várias fases. De modo
geral, as organizações adotam esse pensamento que induz mecanismos e sistematizações
formais de planejamento estratégico com o objetivo de analisar, de forma abrangente,
seus ambientes internos e externos. Tais organizações desenvolvem estratégias, produzem
objetivos e metas que formatam a condução do processo de implementação.
Contudo, esse enfoque apresenta problemas, principalmente por não considerar
os aspectos sociais, culturais, políticos e reflexivos dos seus sujeitos sociais durante
o processo de formação das estratégias. Ao contrário de tal visão deliberada, uma
nova perspectiva, denominada Estratégia como Prática (ECP), contempla os aspectos
emergentes e subjetivos presentes na organização, bem como sua influência crítica nesse
processo de formação estratégica.
Nas pesquisas que consideram essa perspectiva busca-se compreender como a ação
e as estruturas se articulam no processo de constituição da Estratégia, além de procurar
evidenciar onde e como as atividades de fazer Estratégia acontecem, quem as realiza, quais
as competências necessárias para exercê-las e como foram adquiridas. Isso possibilita
compreender os pequenos conjuntos de atividades desempenhadas pelos sujeitos sociais
que, de algum modo, são responsáveis pela formação das estratégias organizacionais.
Nos estudos da estratégia, essa abordagem emergente , surge no início dos anos 1990 e,
progressivamente, ganha espaço e interesse no campo das Ciências Sociais e das Ciências
Sociais Aplicadas. Em virtude de sua hodiernidade, ressaltamos a necessidade de ampliar

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a compreensão da estratégia sob esse novo olhar. Em razão disso, Johnson et al. (2007)
afirmam que é necessário desvelar, na profundidade das ações organizacionais, como as
interações cotidianas dos indivíduos ocorrem. Desse modo, Jarzaboswki e Spee (2009)
e Whittington (2006) também corroboram o imperativo posicionamento para o estudo
da práxis, de maneira que seja possível entender os eventos cotidianos na organização,
sejam estes reuniões, encontros, workshops e conversas informais, o que contempla, em
sentido lato, todas as atividades formais e informais. Mesmo com a similaridade entre os
conceitos de práxis e prática, pois ambos estão relacionados ao que foi praticado, cabe
destacar que a práxis se refere ao que é realizado no momento, ao strategizing, enquanto
a prática se relaciona a quem é o praticante, o que ele faz e como faz, bem como às suas
interações cotidianas na formação da estratégia (WHITTINGTON, 2006).
Quanto ao conceito de strategizing, este se relaciona à atividade administrativa e à
maneira como os estrategistas fazem estratégia (WHITTINGTON, 1996). Na perspectiva
de Jarzabkowski e Spee (2009), a estratégia como prática se define como atividade
realizada socialmente. Portanto, o strategizing compreenderia as ações, as interações e
as negociações dos diversos atores sociais. Já para Balogun et al (2003), os estudos em
strategizing compreendem os praticantes e suas práticas no contexto de trabalho em que
estes estão inseridos.
Assim sendo, Chia e Mackay (2007) propõem que a busca pela melhor compreensão
da estratégia enquanto fenômeno organizacional também exige alternativas de pesquisa
para desvelar as dificuldades e complexidades na compreensão do processo de formação
da estratégia, partindo do pressuposto de que elas não são constituídas deliberadamente.

Considerações iniciais

Inicialmente, apresentamos a utilização de abordagens de pesquisas qualitativas


interdisciplinares que possam inovar os estudos das práticas cotidianas, conforme
recomendação de pesquisadores como Samra-Fredericks (2004) e Chia e Mackay
(2007). Estas abordam a necessidade de romper com comprometimentos filosóficos,
metodológicos e com as unidades de análise das pesquisas tradicionais usualmente
aplicadas nos estudos da ECP.
Em razão disso, Rasche (2005) já afirmava que o processo de fazer estratégia significa
pensar dentro da ação. Por conseguinte, não haveria uma distinção entre decisão e
implementação, sendo indispensável ao pesquisador seu posicionamento ontológico,
para que a estratégia possa ser compreendida como uma “estruturação linguística da
realidade” que a constitui pelas “performative speech acts” (RASCHE, 2005, p.17). Assim,
na esteira desse pensador, Chia e Mackay (2007) recomendam inovações na forma de
conduzir as pesquisas nesse campo, mas ressaltam que este é um desafio metodológico
para os pesquisadores organizacionais, dada a concepção da estratégia como inconsciente
e não deliberadamente formulada.

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Além disso, Samra-Fredericks (2004) defende não só a necessidade de estudar


estratégia considerando sua formação, como também se ocupa da questão do discurso
na estratégia, enfatizando a necessidade de analisar como se dá o uso da linguagem nos
caminhos dos quais os sujeitos a utilizam para desenvolver um discurso da estratégia.
É por meio das interações conversacionais que, informalmente, muitos estrategistas
estabelecem e negociam significados, moldando as percepções e legitimando os juízos de
valor individuais e coletivos, de modo que a estratégia seja um objeto social formado por
meio do discurso e da fala dos membros organizacionais que participam das atividades
cotidianas nas quais a estratégia é discutida e formada.

1. Estratégia como prática social


O desenvolvimento dos estudos da prática como elemento fundamental da
realidade social em muito contribuiu para o avanço dos estudos da estratégia, tanto que
estes possibilitam questionamentos de onde e como ocorrem as atividades cotidianas
do fazer estratégia, quem de fato a executa e quais as competências necessárias para o
seu desenvolvimento.
Nos estudos de estratégia, a abordagem por meio da perspectiva sociológica como
prática se insere como uma importante corrente de pesquisa que aborda a estratégia
como prática social. O que diferencia a perspectiva clássica da estratégia - que acompanha
modelos e prescrições - da ECP é a compreensão da prática que os próprios sujeitos
desempenham no cotidiano.
Em razão disso, a ECP, enquanto abordagem emergente e alternativa ao modelo
ortodoxo e clássico, teve como ponto de partida a necessidade de buscar novas
compreensões para o fenômeno da estratégia, tanto que, ao justificar essa nova forma
de estudá-lo, Jarzabkowski (2005) apresenta alguns motivos para tal mudança, tais
como o sentimento de decepção para com os modelos instituídos que fazem parte da
administração estratégica tradicional e dominante, o papel periférico reservado aos
praticantes estrategistas na concepção e a definição das estratégias organizacionais.
Sabe-se que, tradicionalmente, a estratégia sempre foi entendida como um processo
inerente e de posse das organizações, como se estas detivessem os direitos autorais e de
propriedade intelectual da formação e execução da estratégia. Ao contrário dessa máxima,
Whittington (1996) define a estratégia como algo que os sujeitos fazem diariamente nas
organizações por meio das ações cotidianas.
Nessa dinâmica organizacional, segundo Tureta (2007), temos três situações distintas:
a prática, os praticantes e as práticas. A primeira diz respeito às atividades organizacionais
em fluxo que processam o fazer estratégia; a segunda abarca os sujeitos que se envolvem
direta ou indiretamente nestas atividades e, por último, têm-se os meios pelos quais os
sujeitos instrumentalizam, no cotidiano organizacional, as próprias práticas.
Além disso, tais situações estão posicionadas em três momentos diferentes, quais
sejam: as práticas administrativas, que se desenvolvem racional e instrumentalmente

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pelos indicadores a serem alcançados com o planejamento e o orçamento formalmente


constituídos; as práticas discursivas, que possibilitam o processo de interação
estratégica por meio dos recursos linguísticos e simbólicos e, por fim, o que podemos
denominar práticas instrumentalizadas, que são os gêneros discursivos e proporcionam
os momentos em que estes ocorrem para promover as interações sociais, tais como
reuniões, oficinas, seminários e outros momentos cotidianos intermediados pelas
atividades sóciodiscursivas.
Igualmente, conforme Johnson et al. (2007), o resgate da importância do sujeito
nas pesquisas organizacionais é central quando se busca evidenciar um processo
interacional típico na ECP, que são as atividades cotidianas de trabalho. Para
esses autores, o resgate de protagonismo reservado ao sujeito contempla várias
possibilidades no campo de pesquisa da estratégia: o primeiro é ter como objeto os
próprios sujeitos praticantes da estratégia; o segundo é compreender, em maior grau
de profundidade, as particularidades do fazer estratégia; já o terceiro traz contribuições
significativas a todo o campo da estratégia, inclusive em nível macro; por fim, o quarto
possibilita uma experiência flexível na adoção de diferentes caminhos epistemológicos
e metodológicos que muito podem contribuir para o estudo do campo da estratégia.
Tal posicionamento ainda direciona para uma perspectiva de análise mais humana e
circular, típica das pesquisas qualitativas.

2. Estratégia como prática discursiva

As práticas estratégicas discursivas comportam um conjunto amplo, dentre as quais


se destacam dois tipos principais: o discurso de estratégia e as ferramentas e técnicas
de estratégias que proporcionam uma linguagem cotidiana para esse discurso (BARRY;
ELMES, 1997; HARDY ET AL., 2000; JARZABKOWSKI, 2005). Ademais, tais práticas suportam
recursos linguísticos e simbólicos para a interação estratégica e, para além encontram-se
presentes as denominadas práticas episódicas, tais como reuniões, seminários e encontros
externos ao ambiente de trabalho, o que possibilita, também, criar oportunidade para a
interação entre os praticantes ao formarem as estratégias.
Por conseguinte, é importante salientar que os indivíduos os quais têm o direito a
produzir textos e, segundo Hardy et al. (2000), estão envolvidos em práticas discursivas,
também têm a possibilidade de moldar conceitos, objetos e posições de sujeito. Assim,
pela perspectiva faircloughiana, os gêneros discursivos situados são constituintes de uma
rede de prática social, em uma estrutura social comunicativa específica.
Historicamente, o interesse pelo discurso também aplicado à formação de estratégias
tem aumentado nos últimos anos, principalmente na estratégia como prática social,
em estudos que examinam a natureza linguística de estratégias e as formas em que a
linguagem molda as práticas estratégicas (CORNELISSEN ET AL., 2011; FENTON; LANGLEY,
2011; ROULEAU; BALOGUN ET AL., 2011; SPEE; JARZABKOWSKI, 2011; VAARA, 2010).

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Porquanto, durante a última década, de acordo com Cederström e Spicer (2014),


tem havido um foco crescente sobre a relação entre o discurso e as organizações,
demonstrando a proliferacão de pesquisa e o rico potencial da abordagem das
práticas discursivas aplicadas às estratégias e nos mais diferentes episódios que
conduzem o processo de estrategização, tais como jantares de negócios, conforme
ilustrado pelo estudo de Sturdy et al (2006) - que examinou as interações entre
os atores sociais - e os episódios dos ambientes externos pelas influências dos
consultores de planejamento apontados pelas pesquisas de Laine e Vaara (2007) e
Sminia (2005).
Logo, outros artefatos materiais e posicionamentos físicos nos mais diferentes
episódios estratégicos podem ser trabalhados em conformidade com o que foi
apresentado por Jarzabkowski e Spee (2009), sejam eles das gargalhadas, das
frustrações, da raiva, da excitação, da antecipação, do aborrecimento e das próprias
manobras e jogos políticos que acompanham o pacote de práticas estratégicas.
Por outro lado, e ao mesmo tempo, mostra-se a necessidade de sistematizar e
integrar várias abordagens para criar uma visão geral do que pode acontecer com o
discurso aplicado à estratégia. A abordagem poderá possibilitar novas questões de
pesquisa em níveis e análises específicas (VAARA, 2010).
Apesar desse crescimento, Balogun et al. (2009) argumentam que o papel do
discurso em estratégia permanece teoricamente subdesenvolvido e empiricamente
pouco explorado. Cabe destacar, também, que muitos estudos têm se centrado
nas estratégias como práticas discursivas (CORNELISSEN ET AL. 2011; MANTERE;
VAARA, 2008; ROULEAU; BALOGUN, 2011; SPEE; JARZABKOWSKI, 2011; VAARA, 2010),
principalmente na prática cotidiana de gestores de estratégias (JARZABKOWSKI,
2005) e na natureza interpretativa em elaboração de estratégias (DENIS ET AL., 2007).
Assim, a estratégia é algo que os membros de uma organização fazem, ao
invés de algo que as organizações têm (HENDRY ET AL., 2010), pois boa parte desse
fazer estratégia ocorre pela linguagem em forma de conversa e texto. Segundo
Whittington et al (2004), são justamente essas questões de onde e como as atividades
de formação das estratégias ocorrem, quem as realiza e com quais competências elas
são desenvolvidas que passam a ser consideradas na pauta da pesquisa no campo
da Estratégia.
No entanto, é importante observar que os estudos de ECP identificaram como
os estrategistas fazem uso do discurso na formação de estratégias (LAINE; VAARA,
2007; ROULEAU, 2005; VAARA ET AL., 2004), quais sejam: os discursos como narrativas
(VAARA; TIENARI, 2011), os discursos como retórica (ERKAMA; VAARA, 2010; MANTERE;
SILLINCE, 2007), as lutas discursivas (BARROS, 2014) e os discursos como metáfora
(CORNELISSEN ET AL., 2008; 2011). Outras pesquisas ainda trazem as atividades
discursivas para justificar, legitimar e naturalizar as ações (VAARA; TIENNARI, 2002),
o que nos permite perceber as diferentes as formas das quais os atores se apropriam
e como mobilizam discursos particulares para fins estratégicos (HARDY ET AL., 2000).

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Igualmente, segundo Balogun et al. (2011) e Vaara et al. (2010), a estratégia é uma
formação discursiva, de modo que os pesquisadores de ECP exploram os significados
e como estes desempenham um papel importante no modo pelo qual as estratégias
são compreendidas e implementadas.

3. Realidade da pesquisa brasileira


As pesquisas no campo da ECP têm trabalhado com diversas abordagens
qualitativas. Mesmo assim, Jarzaboswki e Spee (2009) incentivam alternativas
de abordagens para novas possibilidades de pesquisa na área. Do mesmo modo,
alguns estudos também têm considerado alternativas na escolha dos suportes e dos
materiais artefactuais, como em Tureta (2007) e Kaplan (2011), que verificaram o uso
das apresentações em power point enquanto instrumentos para consumo do discurso
e meios de ressignificar determinadas práticas de estratégia. Portanto, o discurso tem
sido o principal insumo para a pesquisa na área, reforçado, ainda mais, de acordo com
Costa e Antônio (2012), pela necessidade de considerar a importância do discurso
para a melhor compreensão da prática, mesmo porque são os aspectos linguísticos e
de discurso que orientam estas práticas.
Dentre os estudos organizacionais brasileiros que evidenciam o discurso em suas
análises destacam-se os de Rosa et al. (2006), que abordaram as práticas discursivas, a
construção de sentidos e o construcionismo social aplicados à análise organizacional.
O discurso sócio-ambiental é mencionado por Carrieri e da Silva (2007) em uma
empresa de telecomunicações que adota práticas discursivas persuasivas do discurso
ambiental e ecológico, bem como o mesmo discurso incorporado na responsabilidade
social (CARRIERI ET AL, 2009). Já a pesquisa de Souza e Carrieri (2012) apresenta
uma proposta teórico-metodológica para os estudos organizacionais, identidade e
práticas discursivas, em um trabalho de campo que trata da formação identitário-
discursiva dos profissionais garçons na cidade de Belo Horizonte (DINIZ ET AL., 2013).
Quanto às práticas discursivas, Murta et al. (2010) observam a escassez de estudos
que contemplem essa temática e nos apresentam a importância de considerar as
práticas discursivas na formação das estratégias em organizações gastronômicas.
Consequentemente, apesar dos avanços da abordagem, a agenda de pesquisa
ainda apresenta algumas lacunas, dentre elas a necessidade de uma melhor
compreensão de como são formadas as estratégias em termos de práticas discursivas,
de identidades, de legitimidade, além dos processos hegemônicos e ideológicos
presentes nos diversos contextos organizacionais. Sendo assim, apresentamos o
Realismo Crítico como possibilidade para desenvolver uma melhor compreensão
desse fenômeno organizacional.

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4. Realismo Crítico (RC): fundamentos filosóficos


A concepção filosófica de Bhaskar (1998) apresenta bases emancipatórias do sujeito
e uma síntese entre agentes e estruturas e tem sido o alicerce de reflexões teóricas
e metodológicas de vários cientistas sociais que buscam melhor compreender as
interrelações dos indivíduos com os fenômenos e a sociedade. Segundo o mesmo autor,
para o campo dos estudos das Ciências Humanas e Sociais, o RC oferece maior profundidade
na fundamentação filosófica do conhecimento, em distintos níveis, bem como possibilita
o enriquecimento na capacidade explicativa dos pressupostos teóricos de modo que, para
viabilizar essa interpretação, o acesso fiel deve ocorrer na realidade em si.
A principal argumentação de Bhaskar (1989) está em desafiar as aparências e os
conhecimentos vigentes sobre determinada realidade que, uma vez estabelecidos,
geralmente dificultam mais do que facilitam o desvelamento da realidade e de seus
mecanismos e estruturas causais presentes, independentemente do que conhecemos
ou entendemos a respeito do que se encontra em foco.
Cabe destacar que as estruturas causais são intermediadas pelos agentes causais,
recorrentes na literatura do RC e que se referem à causa da análise aristotélica, isto é,
um princípio que influi no ser de alguma coisa do acontecimento de um fenômeno. Foi
Kant, em 1781, quem melhor definiu o conceito de causa e admitiu a impossibilidade
de derivá-la somente pela experiência, como defendiam os racionalistas. Para ele,
a causalidade não poderia ser entendida somente pelas repetidas experiências
ocorridas no domínio empírico bhaskariano. Aliás, ela deve ser compreendida como
uma categoria a priori da experiência que, segundo Bhaskar (1989), está localizada no
domínio do potencial. Isso justifica o RC defender a causalidade de qualquer fenômeno
da realidade fora da aparência do empírico. Dessa maneira, um determinado fenômeno
existe a priori do conhecimento que se tem dele, sendo necessário compreender
as camadas mais profundas da realidade nas quais estão velados os determinantes
causais, incluindo os agentes causais e seus poderes. Por isso, Bhaskar (1998) afirma que
conhecer as causas dos fenômenos é transcender os fatos, o empírico, a experiência
e as aparências dos eventos; é desvelar a realidade, as estruturas, os mecanismos e
tendências geradoras destes eventos.
Enfim, é com base em tais argumentos que Bhaskar (1989) apresenta a fundamental
perspectiva transformacional da relação entre estrutura e ação social para a abordagem
crítica, quando procura estudar e investigar questões problemáticas na vida social.
A par dessa necessidade é que as estruturas são reconhecidas como previamente
existentes aos eventos estudados, mesmo que sejam naqueles historicamente
formados, reificados e transformados. Paradoxalmente, não perceber as estruturas
causadoras de muitas das estratégias deliberadas e emergentes nas organizações
contemporâneas, por exemplo, como prévia às interações e aos eventos, acabaria por
apresentar uma inconsistência ontológica grave, com consequências epistemológicas
para a explanação do processo de formação da estratégia nas organizações.

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5. Análise crítica do discurso (ACD):


possibilidade de transformação organizacional
Fairclough (2001) entende, assim como Bhaskar (1998), que há várias dimensões da
vida social e que elas têm estruturas distintas, com efeitos gerativos nos eventos por meio
de mecanismos particulares. Assim, Fairclough (2001) organizou seu modelo analítico a
partir dessa base ontológica, a fim de permitir identificar fenômenos e problemas sociais
materializados nos gêneros discursivos, e tal proposta interdisciplinar fez com que a ACD
projetasse visibilidade e permitisse uma compreensão cada vez mais ampliada da vida social.
Em razão disso, o modelo analítico da ACD deve ser direcionado para os problemas
práticos da vida social, autorizando uma crítica potencial e explanatória construída com
base no desvelamento, conforme coloca Bhaskar (1998), dos problemas identificados
nas práticas sociais, assim como é indispensável, também, partir da análise de como os
significados foram e são formados na prática social.
Dessa maneira, a ACD se define por instituir relações interdisciplinares no campo
das Ciências Sociais, além de estabelecer reflexões das relações sociais intermediadas
pela linguagem que possam ser investigadas por meio da análise situada de textos. Não
obstante, para Fairclough (2003), os textos são elementos de eventos sociais que têm
efeitos causais, ou seja, acarretam mudanças. Os efeitos causais dos textos em longo prazo
contribuem para a formação das identidades das pessoas, de modo que, nessa dimensão,
podem estabelecer mudanças materiais.
Destarte, as mudanças são mediadas pela construção dos significados, isto é, o autor
ainda reforça que tais efeitos na causalidade não implicam na regularidade ou em um
padrão de um tipo particular de texto. Todavia, as práticas sociais se encontram no nível
intermediário do nível social que convergem no nível da linguagem com as ordens do
discurso, definidos por Fairclough (2003, p.220) como “combinações particulares de gêneros,
discursos e estilos, que constituem o aspecto discursivo de redes de práticas sociais”.
No que concerne à segunda dimensão do modelo analítico de Fairclough (2001),
prática discursiva, o autor explica que os aspectos intertextuais e interdiscursivos devem
ser avaliados numa combinação da micro e da macro análise. Para ele, é a natureza da
prática social que determina a prática discursiva. Além disso, a terceira dimensão – prática
social – possibilita buscar explicações micro e macrossociais desta prática, procurando
uma compreensão de como as estruturas sociais moldam os textos e suas respectivas
implicações, uma vez que é da análise da prática social que emergem os efeitos ideológicos
e políticos que são carregados nos textos e, por conseguinte, ao ser capaz de identificar a
natureza da prática social, é também capaz de explicar os seus efeitos sobre ela.
Fairclough (2003) deixa claro que sua perspectiva social tem como base o RC e
apresenta a estratificação da realidade de Bhaskar (1989) entre a distinção do potencial
e do realizado – o que é possível devido à natureza das estruturas sociais e práticas -, e o
que acontece de fato. Ambas as estruturas sociais são distintas do empírico, ou seja, do
que sabemos sobre a realidade.

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Essa abordagem téorico-metodológica da ACD é uma proposta para estudos da linguagem


que visam alcançar níveis mais profundos que os do domínio potencial de Bhaskar (1989), os
quais compreendem suas entidades, estruturas e mecanismos existentes e operantes no
mundo. Assim, Chouliaraki e Fairclough (1999) recomendam que as investigações sejam
baseadas em análises de mecanismos causais e de seus efeitos potenciais em contextos
particulares, com atenção voltada para causas e efeitos envolvidos em relações de poder.
Isto posto, para proceder à ACD, como defende Fairclough (2003), é necessário contar
com a análise de conjuntura da relação do discurso com outros momentos essencialmente
não discursivos. A análise da conjuntura e da ECP e seus processos sociais presentes nas
organizações garantem a contextualização da análise discursiva, isto é, uma garantia de que
os gêneros discursivos analisados possam ser relacionados às suas causas mais amplas e a
seu contexto particular, de tal modo que venham de encontro ao principio da profundidade
ontológica bhaskariana, preconizada inicialmente. Partindo desse pressuposto, na análise
discursiva devem-se buscar gêneros discursivos que figurem como principal material
empírico, pesquisando as conexões entre mecanismos discursivos na formação da estratégia.

6. Reflexões filosóficas e metodológicas no campo da estratégia


A característica fundamental que permite a junção das diferentes dimensões -
ontológicas, epistemológicas, teóricas e metodológicas - é uma só: abordagem crítica
do processo de estratégias como práticas discursivas. Em comum, tais abordagens
apresentam a mesma interpretação do realismo de um mundo real, do qual faz parte o
mundo social em que ocorre a estratégia e que independe da nossa existência, do nosso
conhecimento e da concepção deste.
O RC e a ACD demonstram o comprometimento ético com a realidade social do
processo de formação de estratégias e com a consciência linguística crítica que, conforme
Fairclough (2001), fornece conhecimento para iniciar mudanças em suas próprias práticas
discursivas nas organizações, de modo que a experiência possibilite aos sujeitos se tornarem
conscientes da prática em que estão envolvidos como produtores e consumidores de textos.
De acordo com Bhaskar (1978), este mundo é constituído de distintas formas: a física,
a biológica, a semiótica, a química, dentre outras. O autor também o apresenta como um
espaço permeado por domínios da estratificação da realidade social, quais sejam, o real,
o potencial e o empírico. Considerando essa realidade em constante mudança, admite-se
a ideia de um processo de transformação e de reconstituição das atividades sociais, o que
significa implicações consideráveis para o campo da estratégia como prática social.
A vida social, cada vez mais, é mediada por textos e o papel destes está em todos os
campos da atividade humana (FAIRCLOUGH, 2006). Pressupondo o texto e a linguagem, o
discurso pode ser considerado o principal insumo de trabalho para as pesquisas em ECP.
Este discurso se configura como uma forma de agir no mundo, bem como mediá-lo, uma
vez que os indivíduos formam sua realidade social e atuam no contexto sócio-histórico e
nas interrelações micro e macrossociais em que o poder opera (FAIRCLOUGH, 1989).

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Dessa maneira, ao buscar a compreensão e o melhor entendimento de como e


por que os sujeitos sociais das organizações atuam na formação das estratégias, está-
se considerando a prática da estratégia como resultado de várias atividades sociais e
discursivas, em contínuo processo de transformação no ambiente organizacional.
A pesquisa em ECP deve ser conduzida, inicialmente, com base na discussão e na
reflexão ontológica, considerando o modo como se entendem a natureza do mundo social
e os seus componentes. Mesmo que a essência do mundo social possa parecer evidente,
há perspectivas ontológicas alternativas quanto à percepção da composição da realidade
social, mas, mesmo assim, não há uma verdade universal a ser seguida como tácita.
Contudo, na perspectiva de Mason (2006), a adoção de um pressuposto ontológico
claro do mundo social deve ser o primeiro passo na definição e condução de uma pesquisa.
Assim, antes do planejamento da metodologia e da entrada no trabalho de campo, faz-se
necessária a reflexão sobre as perspectivas ontológica e epistemológica com potencial
chance de contribuição.
O RC, enquanto pressuposto ontológico, apresenta-se, nesse contexto, como uma
nova abordagem ainda incipiente nos estudos da ECP. Todavia, a adoção recente dessas
novas abordagens ontológicas contrapõe concepções institucionalizadas nos mais
diversos campos acadêmicos e busca impulsionar estudos, principalmente nas Ciências
Sociais Aplicadas.
Nesse âmbito, o RC contribuirá para os estudos organizacionais, em particular no
campo dos estudos de estratégia, pois, sendo um novo paradigma filosófico e científico,
possibilita a adequada capacidade de explicar os novos questionamentos que vêm à
tona por meio das práticas emergentes. Logo, é preciso que qualquer pesquisa tenha,
na definição do embasamento filosófico, os primeiros passos metodológicos. Ademais, a
ausência nessa escolha prévia tem sido um obstáculo considerável ao desenvolvimento
das pesquisas em estratégias, sobretudo no que se refere ao afastamento da academia
e de seus integrantes quanto aos questionamentos ontológicos iniciais sobre a questão
primordial: o que é estratégia?. Outrossim, justifica-se a necessidade de apresentar e de
compreender as implicações e as contribuições decorrentes da sua adoção, para melhor
superar os problemas de análise comuns ao campo da estratégia.
O RC se apresenta como base filosófica para fundamentar, consistentemente, a
melhor compreensão discursiva e sociológica da formação da ECP, que considera os
processos interativos cotidianos e a subjetividade presente nas decisões da realidade
organizacional, assim como os efeitos destas nas estruturas organizacionais. Ele não
nega a realidade dos eventos e dos discursos, pelo contrário, insiste na sua existência e
acrescenta os mecanismos causais que não são espontaneamente aparentes no padrão
observável dos eventos, como querem os positivistas, mas tão somente podem ser
identificados por meio do trabalho investigativo prático e profundo na realidade.
Por isso, Tsoukas (1994) coloca a estratégia como um processo preponderantemente
criativo e que não pode ser apreendido fora seu contexto, advindo, daí, a necessidade de
descrever significados atribuídos por praticantes em processos específicos. Isso ocorre, de

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acordo com Clegg et al. (2004), porque a realidade é ilusória na abordagem deliberacionista,
porque esta se encontra muito distante da realidade e, por consequência, gera uma
falsa ordem dos planos futuros e das estratégias previamente formuladas, uma vez que
a realidade organizacional é bem diferente ao ser caracterizada pela imprevisibilidade,
pelo poder e pelos processos interacionais entre os sujeitos.
Então, a objetividade, como um dos elementos do RC, possibilita extrapolar as
aparências das estratégias organizacionais, ora prescritivamente modeladas, e buscar
profundidade do fazer estratégia na prática, além da falibilidade que traz a necessidade
de reflexão e do questionamento de que o mundo aparente em que estão situados os
modelos das estratégias deliberadas não são infalíveis, de modo que a possibilidade de
uma análise subjetiva passe a ser real e demandada quanto ao processo de fazer estratégia
do ponto de vista dos praticantes dessa ação.
Do mesmo modo, somente a transfenomenalidade possibilitaria ir além das aparências,
potencializando ainda mais a concepção da ECP, no intuito de desvelar o que, de fato, os
praticantes da estratégia fazem no seu dia a dia. Isso quer dizer que, como buscam os
autores Whittington (1996), Jarzabkowski (2008) e Orlikowski (2010), essa possibilidade
objetiva e real é capaz de trazer à tona, de emergir e apreender os significados mais
subjetivos da prática. Todos os elementos que compõem o RC apresentam potencialidades
e contribuições necessárias para o avanço do processo de análise das práticas sociais da
estratégia. De fato, ao considerar a estratificação da realidade, conforme demonstram os
estudos de Bhaskar (1989), de modo que nos possibilita buscar em seus desdobramentos,
as entidades, as estruturas e mecanismos explícitos e implícitos que determinam a
operação e execução do mundo social.
Dessa maneira, e com o objetivo de enriquecer a análise e compreensão do fenômeno
social da estratégia, apresentam-se também as contribuições e implicações da estratégia
como prática discursiva, para que os estudos do campo linguístico de Fairglough (2001;
2003) possam complementar e potencializar avanços cada vez maiores dos estudos da
ECP, o que somente será possível dada à flexibilidade no processo de elaboração da
investigação científica das pesquisas qualitativas.
De outro modo, encontraríamos limitações caso a abordagem fosse
predominantemente positivista, clássica e ortodoxa, pois tal abordagem inviabilizaria que
a pesquisa seguisse caminhos epistemológicos, teóricos e metodológicos distintos, rumo
aos possíveis e novos esclarecimentos. Por isso, são defendidas as várias possibilidades
de diálogos nos diferentes campos do conhecimento, de forma que, assim, evite-se um
resultado parcial ou fragmentado. Ao combinar a ontologia do RC com a ECP, é possível
explicar as deliberações reflexivas dos sujeitos, observando o potencial para expandir o
trabalho do RC e da ECP, de maneira a enfrentar os desafios maiores da complexidade na
formação de estratégias nas organizações.
As ideias do RC possibilitam o desenvolvimento de conceitos mais consistentes das
relações dos distintos níveis entre sociedade - linguagem, organização, sujeito e suas lógicas,
contextos e ações -, o que permite refletir sobre a forma como os sujeitos vivem as organizações

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e os passos metodológicos que precisam ser desenvolvidos, para apresentar como ocorre a
utilização do pressuposto teórico da ECP. O avanço fundamental do pressuposto ontológico
do RC é propiciar a devida atenção às capacidades reflexivas do sujeito que reconhece a
importância das experiências passadas na definição e se ele (o sujeito) avalia circunstâncias
situacionais as quais podem facilitar ou dificultar os processos estratégicos. Deve-se considerar
mais atenção às conversas informais durante as práticas episódicas dos sujeitos estrategistas e
as influências de suas biografias pessoais e organizacionais.
A questão explicativa chave será o desvelamento de como essa relação entre as
ações estratégicas foram ora descartadas, ora implementadas. Como Archer (2003)
bem observou (querendo ou não), as lógicas dos poderes causais podem restringir ou
permitir o que pode e deve ser realizado, pois elas constituem constrangimentos ou
capacidades de realizações, dependendo da natureza da relação entre eles e a formação
das estratégias pelos sujeitos.
Esses insights, elaborados com inspiração no RC, examinam a forma como os sujeitos
sociais atuam nas organizações. O foco, nas interações sociais, é de suma importância,
uma vez que, nesse nível de análise, demonstra-se a capacidade de acessar as negociações
em nível micro. Ao avaliar as diferentes interações e arranjos, será possível refletir sobre as
diferenças no âmbito das ações, dentro da formação das estratégias.
Segundo Archer (2003), a reflexão crítica entre as ações dos sujeitos sociais e
organizacionais ajudam a superar a crítica de que a abordagem está excessivamente focada
na interação da agência. Dessa forma, a autora também chama a atenção para a importância
de uma ontologia estratificada, porque o objeto da análise é desvelar o domínio potencial, a
manifestação dos mecanismos gerativos que possuem potenciais poderes causais.
O RC muda a ênfase dos estudos existentes a partir de um único momento de análise -
a interação social - para uma que incorpora três momentos distintos: (i) o condicionamento
estrutural e as lógicas institucionais; (ii) a interação de tais lógicas no nível do potencial; e (iii)
o resultado empírico de tal interação, os quais possibilitam interpretar o passado em relação
ao presente e que significam não perder de vista tanto as origens quanto as complexidades
da agência para as mudanças ou estabilidades das estratégias organizacionais.
Dito de outra forma, Reed (2012) afirma que o RC combina uma abordagem
baseada em ação com uma baseada numa posição tal que a complexa interação entre
as estruturas de poder institucionalizadas e as dinâmicas de poderes emergentes podem
ser exploradas simultaneamente. Isso exige que as informações permitam uma imersão
histórica dos dados coletados no período imediato, logo, torna-se essencial compreender
os antecedentes das atividades da formação da estratégia antes mesmo que seja
possível explicar possíveis conflitos e negociações aparentes, na medida das diferenças
que emergem dentro das estratégias, isto é, compreender a complexidade da natureza
negociada desses processos em dados detalhados da formação da estratégia.
O RC antecipa e avalia as propriedades emergentes das estruturas em seus poderes
causais, ao longo do tempo, e oferece um melhor entendimento dos resultados dessas
múltiplas causalidades in loco. As estruturas sociais possuem um potencial transfactual

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que visam exercer influência sobre (mas não determinam) a ação. Elas, assim, funcionam
como mecanismos gerativos, objetivando moldar, constranger e possibilitar as ações.
Desse modo, os resultados estão sujeitos à avaliação empírica e às explicações causais.
A discussão dos pressupostos filosóficos e explicativos do RC muito tem a contribuir
na proposta analítica e interpretativa para a melhor compreensão da ECP, no entanto,
esse pressuposto filosófico deve ser usado para a reflexão não só teórica, mas também
metodológica. Aliás, a reflexividade interdisciplinar possibilita uma melhor formulação da
teoria e da metodologia, em busca da promoção da fundamental coerência dos modelos
e das técnicas de pesquisa a serem adotados.
A contribuição da dimensão ontológica possibilita um auxílio preponderante no
poder explicativo do processo de formação da ECP. Com efeito, ao referendar e embasar a
ideia de um continuum do sujeito e da sociedade, da estrutura e do agente, da parte e do
todo, do micro e do macro, legitimará o processo de investigação que poderá contemplar
as relações sociais e suas interelações típicas da ECP, numa abordagem contextual mais
ampla que possa abarcar mais indícios e situações, as quais não seriam possíveis caso a
opção fosse por uma análise mais pontual e isolada, ora na estrutura, ora nos sujeitos.
Ademais, essa posição ontológica é reforçada por Chouliaraki e Fairclough (1999) ao
apresentarem os componentes ontológicos do mundo social como um continuum entre
estruturas e ações sociais, práticas, posições e relações sociais, eventos, identidades,
ideologias, discursos e textos.
Acredita-se, realmente, que as contribuições no campo da ECP possam vir de distintas
abordagens, embasadas também por diferentes propostas filosóficas e evidências empíricas
e teóricas. Destarte, cabe sustentar, assim como destaca Orlikowski (2010), que, nos
estudos sobre estratégia, as evidências empíricas são cotidianas, sendo verdadeiramente
foco de interesse o que os sujeitos sociais fazem e como se relacionam e interpretam suas
situações e vivências com base na percepção prática de mundo. Igualmente, a alternativa
filosófica ora apresentada corrobora na apreensão das evidências empíricas enquanto
um enfoque sociológico da ECP, bem como numa abordagem linguística da estratégia
como prática discursiva para novos caminhos possíveis e relevantes de diálogos na análise
desse campo de estudo. Logo, emerge a necessidade de transcender os domínios do
conhecimento estabelecido no campo dos estudos de estratégia, de modo a reconhecer
os desenvolvimentos científicos ontológicos, epistemológicos e metodológicos realizados
por outras áreas, tais como a filosofia, a sociologia e a linguística.
Desta feita, para operacionalizar a pesquisa com base no RC, é preciso se concentrar
em perguntas como por que, por que não e como, tanto em relação aos sujeitos de
pesquisa quanto a nós mesmos, além de outras fontes ou interlocutores. Com base no
RC, será necessário diferenciar, na investigação, o locus da administração estratégica
organizacional deliberada e o locus das práticas efetivamente estratégicas no meio
cotidiano organizacional. Daí será possível, inicialmente, identificar o domínio do empírico,
usualmente o mais utilizado por pesquisadores ortodoxos da estratégia na obtenção dos
seus dados de pesquisa – e os domínios potencial e realizado, que são os loci onde, de

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fato, as decisões, práticas sociais e discursivas como os mecanismos estratégicos ocorrem.


Por isso, questões agora postas potencializam a importância do embasamento filosófico
do RC para a complexa atividade investigativa de desvelarem, segundo o critério da
plausibilidade, os mecanismos e as estruturas do domínio do potencial que mais fazem
diferença na formação da Estratégia.
Do mesmo modo, durante a coleta e geração de dados, é necessário garantir que os
sujeitos não apenas descrevam, mas que também expliquem, com o máximo de precisão, o
processo de estratégia. Fulcrados no critério de plausibilidade de Bhaskar (1989), os dados
coletados e gerados, as teorias utilizadas, os resultados e o desenvolvimento analítico
devem ser constantemente debatidos na área de Estratégia porquanto de outras áreas, ao
longo da pesquisa, até que seja avaliada a capacidade de descrever e explicar a realidade.
Tendo em vista as considerações apresentadas, o RC se apresenta como um importante
e promissor caminho para se fazer ciência, em particular, e para redescobrir e reelaborar
a dinâmica, bem como a forma de atuação no campo da Estratégia, mesmo porque,
ao se apropriar desse embasamento filosófico, é possível ampliar qualitativamente e
empoderar a perspectiva de explicação para contribuir na produção e na disseminação
do conhecimento integrado em ECP.

Considerações finais
O delineamento analítico da ECP deve se concentrar mais na formação das estratégias
do que em como as organizações mudam. Faz-se imprescindível, pois, compreender
melhor as interações pelas quais a estratégia se revela ao longo do tempo. Por isso, a adoção
dos pressupostos ontológicos do RC e do teórico-metodológico da ACD possibilitam a
leitura da realidade a qual irá conduzir a uma maior riqueza de dados coletados e gerados
que resultarão no sentido pretendido de explicar e melhor compreender o fenômeno
estratégico. A combinação da ECP com o RC e ACD fornecem, assim, um enquadramento
que irá permitir não só a avaliação das orientações dos atores como também os resultados
prováveis em termos de manutenção ou transformação das estratégias.
O foco da análise das estratégias como práticas sociais e discursivas nas organizações
com base nas perspectivas do RC e da ACD poderá acrescentar a aplicação endereçada a
outras questões cruciais nos estudos organizacionais contemporâneos. Daí o imperativo
de continuidade da pesquisa em ECP ser analisada teórica e empiricamente, para melhor
entendimento dessas atividades, processos e práticas que caracterizam a estratégia
organizacional e o fazer estratégia.
Vale ressaltar a predominância qualitativa nos estudos de ECP por estes exigirem
lidar com descrições, interpretações e explicações a partir dos dados interpretativos,
conferindo-lhe uma forma de pesquisa potencialmente crítica, uma vez que abarca as
relações entre estrutura e ação naturalizadas nos contextos sócio-político-histórico-
culturais das organizações, de modo que a realidade, transcendente da estratégia que se
encontra implícita, possa ser observada e desvelada.

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Portanto, a ideia não é impor uma concepção filosófica da realidade nos estudos da
ECP, conforme preconiza Ritzer (1980), mas apresentar contribuições para o campo de
estudos sob a perspectiva da abordagem crítica, que se fundamenta na ótica de que os
sujeitos sociais formam e reconstituem constantemente, bem como preservam simbólica
e socialmente as próprias realidades organizacionais das quais fazem e são partes, de
modo que as formações dos sujeitos sociais passem e se constituam pelas práticas
sóciodiscursivas. De acordo com Brito (2013), esse processo é dialético, já que contribui
tanto para o fortalecimento das estruturas sociais quanto são responsáveis por mudanças
sóciodiscursivas, modificando, por conseguinte, tais estruturas.
Em razão disso, o objetivo e o interesse nessa nova possibilidade de pesquisa é a
busca pela compreensão e pelo entendimento da realidade organizacional em que o
desenvolvimento da estratégia ganha espaço e se notabiliza, projetando estabilidade
junto aos sujeitos organizacionais e passando a se constituir como estratégias também
reconhecidas e legitimadas nas organizações.

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Recebido em 30 de julho de 2015.


Aprovado em 28 de janeiro de 2016.

Odemir Vieria Baeta

Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras/UFLA; Mestre em


Administração; Especialista em Gestão Estratégica; Professor Assistente II da Universidade
Federal de Viçosa/UFV. Linha de Pesquisa: Estratégia como Prática; Organizações Públicas; Gestão
Universitária; Práticas de Gestão; Estudos Organizacionais. E-mail: odemirbaeta@posgrad.ufla.br

Mozar José de Brito

Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo/USP; Professor Adjunto IV do


Programa de Pós-graduação em Administração/PPGA da Universidade Federal de Lavras/UFLA.
Endereço: DAE/UFLA, Caixa postal 3034, Campus universitário, CEP 37200.00, Lavras-MG, Brasil.
E-mail: mozarjbrito@gmail.com

Rosália Beber de Souza

Doutoranda em Administração pela Universidade Federal de Lavras/UFLA; Mestre em Estudos


Linguísticos; Especialista em Linguística e Literatura Comparada; Professora Assistente II da
Universidade Federal de Viçosa/UFV. Linha de pesquisa: Estratégia como Prática; Análise de
Discurso Crítica; Discurso Político; Marketing Político; Mídia e Arquivologia. Endereço: Rua Espírito
Santo, 1056/201 – Centro – 36010-041 – Juiz de Fora – MG . E-mail: rosaliabeber@posgrad.ufla.br

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polifonia eISSN 22376844

Agência e poderes causais: analisando o debate


sobre a inclusão de ideologia de gênero e orientação
sexual no plano decenal de educação – Brasil
Agency and causal powers: analysing the debate on
inclusion of gender ideology and sexual orientation in the
plano decenal de educação - Brasil
Agencia y poderes causales: analizando el debate
sobre la inclusión de ideología de género y orientación
sexual en el plan decenal de educación – Brasil
Maria Carmen Aires Gomes (UFV/MG)

Resumo
Neste trabalho problematizarei, por meio dos usos da linguagem em práticas sociais, o evento
inclusão da Ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Decenal de Educação. Meu esforço
analítico partirá de um cotejamento entre a Teoria da Estruturação de Anthony Giddens, a
discussão ontológica de Roy Bhaskar, e os princípios de uma Ontologia social do discurso, como
propõem Norman Fairclough (2001, 2003) e Chouliaraki & Fairclough (1999), a fim de compreeder
como os discursos se constroem e se constituem no âmbito da esfera pública, para, em seguida,
traçar uma conjuntura sobre o referido evento discursivo. Esse estudo objetiva ainda apontar não
só algumas contribuições potenciais desse diálogo epistemológico/ontológico para os estudos
discursivos críticos, mas também apontar algumas considerações sobre a discussão a respeito
das identidades de gênero e da forma como os comentários em redes sociais produzidos por
cidadãos têm contribuído para a construção de opiniões e ações éticas (ou não) na esfera pública.
Palavras-Chave: Ideologia de gênero, práticas midiáticas, ontologia

Abstract
In this paper I will reflect, through the use of language in social practices, gender event Ideology
and inclusion of sexual orientation in the Plano Decenal de Educação. My analytical effort as a
base a mutual comparison between the theory of Anthony Giddens Structuring the ontological
discussion of Roy Bhaskar, and the principles of social ontology of speech, as proposed by Norman
Fairclough (2001, 2003) and Chouliaraki & Fairclough (1999) compreedermos to how discourses are
constructed and are in the public sphere, to then draw a scenario of discursive event. The goal of
this study also point out not only some potential contributions of this epistemological / ontological
dialogue for critical discourse studies, but also draw some considerations about the discussion
of gender identities and how the comments on social networks produced by citizens They have
contributed to the construction of opinions and ethical actions (or not) the public sphere.
Keywords: Media practices, gender ideology, critical realism

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 89-109, jan-jun., 2016 89


Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 89-109, jan-jun., 2016

Resumen
En este estudio problematizaré, por medio de los usos del lenguaje en prácticas sociales, el
evento inclusión de la Ideología de género y orientación sexual en el Plan Decenal de Educación.
Mi esfuerzo analítico partirá de una comparación entre la Teoría de la Estructuración de Anthony
Giddens, la discusión ontológica de Roy Bhaskar, y los principios de una Ontología social del
discurso, como propone Norman Fairclough (2001, 2003) y Chouliaraki & Fairclough (1999),
para que comprendamos como los discursos se construyen y se constituyen en el ámbito de
la esfera pública, para, enseguida, describir una coyuntura sobre el referido evento discursivo.
Ese estudio tiene como objetivo aún señalar no sólo algunas contribuciones potenciales de
ese diálogo epistemológico/ontológico a los estudios discursivos críticos, sino también indicar
algunas consideraciones sobre la discusión respecto a las identidades de género y a la forma
como los comentarios en redes sociales producidos por ciudadanos vienen contribuyendo a la
construcción de opiniones y acciones éticas (o no) en la esfera pública.
Palabras Clave: Ideología de género, prácticas de los medios de comunicación, ontología

Considerações iniciais
Neste artigo, irei apresentar questões culturais, políticas e sociais sobre o debate
que envolve a inclusão da ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Nacional
de Educação brasileiro, para tentar mostrar, de maneira sintética, como essa discussão
se desenvolveu, na cidade de Viçosa-MG, por meio da manifestação de alguns cidadãos
na rede social Facebook. Tais questões são problemas sociais vigentes e parcialmente
discursivos que devem ser analisados de forma crítica e ética, pois apresentam linhas
de tensão, sofrimentos, violências, desinformações que tendem a bloquear certas ações
emancipatórias e práticas éticas voltadas à compreensão da diferença, da diversidade
cultural, social e política. O funcionamento da linguagem será analisado de forma a
identificar nos textos as causas sociais e políticas daqueles que se dizem responsáveis
pelas questões morais, éticas e educacionais e os meios e oportunidades que se utilizam
para “resolvê-los” (BHASKAR, 1986; WODAK, 2004; RESENDE, 2009).
A minha análise de problemas socialmente discursivos parte, em primeiro lugar, da
compreensão de uma “ontologia social do discurso” (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999) o
que nos permite pensar no discurso como um elemento semiótico das práticas sociais, ou
seja, momentos discursivos que se internalizam de diferentes formas em práticas sociais.
Dadas às diversas características das práticas sociais, e considerando a vida social como um
sistema aberto (portanto não previsto, mas sim contingencial), onde eventos são governados
por mecanismos ou procedimentos de poder executados, na maioria das vezes, por sujeitos
pré-posicionados política e historicamente, há que se compreender não só que os discursos
tem diversos funcionamentos sociais, mas que as mudanças nas práticas discursivas são
parte das mudanças também nas práticas sociais, como hastes de uma estrutura dialética
(GIDDENS, 1991). Esse caráter contingencial e emergencial da vida social é recontextualizado
por Chouliaraki & Fairclough (1999), Fairclough (2003) e Fairclough e Fairclough (2012), das
discussões de Roy Bhaskar, no Realismo Crítico e da Teoria da Estruturação de Anthony Giddens

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 89-109, jan-jun., 2016

(1991), como veremos nas próximas seções deste texto. A centralidade da minha proposta
explanatória crítica de refletir sobre a inclusão da ideologia de gênero e orientação sexual no
espaço escolar procura explicar como as“realidades são como são, e como elas são sustentadas
ou alteradas pela sociedade.” (FAIRCLOUGH e FAIRCLOUGH, 2012, p.79), dialogando com a
afirmação de Roy Bhaskar de que a realidade é complexa, estratificada e estruturada e integra
um mundo natural que existe independentemente do homem e um mundo social que
depende da atividade social humana, individual, coletiva, cega ou esclarecida. Pelo fato de a
vida social ser um sistema aberto está sujeita a interferências contingenciais, fazendo emergir
as mais diversas relações e possibilidades históricas, culturais e políticas.
Investigarei quais são os possíveis agentes causais (seus poderes e tendências) do
evento inclusão da Ideologia de gênero e orientação sexual no Plano decenal de Educação.
Para a explanação crítica de problemas sócio-discursivos, sigo a proposta de Chouliaraki
e Fairclough (1999), baseada na investigação crítico-explanatória de Bhaskar (1986), que
parte da identificação de um problema social com aspectos semióticos, analisado a partir
de três momentos: (i) análise da conjuntura, (ii) análise da prática particular e (iii) análise
do discurso, a fim de mostrar como tais momentos operam na prática social, como causa
e consequência de lutas hegemônicas e relações de poder (CHOULIARAKI & FAIRCLOUH,
1999). As discussões que trago fazem parte de problematizações desenvolvidas no
projeto Corpo na mídia impressa e televisiva: representações de vulnerabilidade social e
diferença na sociedade contemporânea que tem como objetivo refletir sobre a construção
do corpo diferente, aquele que não atende aos padrões hegemônicos impostos pela
matriz heteronormativa, patriarcal e atributiva.

1. Condições para uma ontologia social do discurso

Nesta seção, apontarei alguns pontos de convergência entre os estudos desenvolvidos


por Roy Baskhar e Anthony Giddens que foram apropriados por Norman Fairclough para
construir seu projeto político discursivo crítico transdisciplinar integracionista que mobiliza
dialeticamente alguns campos epistemológicos e ontológicos nos limites teóricos das
fronteiras disciplinares. Norman Fairclough recontextualiza alguns aspectos desenvolvidos
pelo movimento filosófico britânico contemporâneo conhecido por Realismo Crítico (RC), que
busca atender às demandas da crítica social na contemporaneidade capitalista (PRADO, 2007).
Hamlin (2000, p.1), em Realismo crítico: um programa de pesquisa para as ciências sociais,
argumenta que uma das características mais importantes do RC é a dimensão ontológica
da ciência, ou como aponta Bhaskar (1986) “a dimensão intransitiva do conhecimento”,
que é constituída não só pelas coisas, mas também “pelas estruturas, poderes, mecanismos
e processos responsáveis pela permanência relativa, pelo movimento incessante e
pelas transformações que ocorrem na realidade.” (PRADO, 2007, p.3). Segundo Hamlin
(2000, p.3), “Bhaskar reconhece que a realidade só pode ser expressa por intermédio do
pensamento e da linguagem, e que estes apresentam uma dimensão social inevitável.” À

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dimensão epistemológica, Bhaskar atribui o domínio transitivo, isto é, relativo, porque é


social e historicamente contingente.
Para compreendermos o mundo, ou mesmo para encontrarmos explicações adequadas
para ele, temos de, inicialmente, conforme Bhaskar, pensar que o mundo explicado pelo viés
das ciências naturais, por meio de atividades experimentais, trata-se de um sistema fechado,
o que difere das condições e explicações dadas ao mundo real, aberto e contingencial das
humanidades. Hamlin (2000, p.5) afirma que “em sistemas abertos, os mecanismos operam
e tem seus efeitos afetados por outros mecanismos que operam ao mesmo tempo: há uma
co-determinação causal[...]”. Considerando tais reflexões, a realidade deve ser concebida
como estratificada: o empírico (acessado por experiências a partir da observação direta), o
actual (inclui experiências e eventos que podem ou não ser observados; ou seja, o que ocorre
quando os poderes são ativados) e o real (inclui os mecanismos processos ou estruturas
subjacentes que geram eventos, ou seja, quando os poderes causais são usados ou não)1.
Esses domínios da realidade nos permitem, discursivamente, por exemplo,
compreender que “o que ocorre na realidade não é necessariamente percebido da forma
como ocorre [...] algo pode existir sem que seja diretamente percebido, apenas inferido
a partir dos efeitos que gera.” (HAMLIN, 2000, p.5). O fato, por exemplo, de os tópicos de
ideologia de gênero e orientação sexual não serem ainda tematizados e discutidos no
âmbito da escola não quer dizer que não tenha agentes construindo tais saberes em outras
instâncias, ou mesmo de forma não-oficial nas escolas, porque há movimentos sociais e
acadêmicos operando potencialmente tais tendências sócio-discursivas e ideológicas a
todo momento na esfera pública, ainda que, muitas vezes, bloqueados/impedidos de se
manifestarem por forças contravenientes, como, por exemplo, famílias, igrejas e Estado.
Observe que a forma como o mundo é explicado deve-se à ideia de causalidade, ou
de relações causais, que introduz a noção de agência: “diz respeito aos poderes causais de
um objeto, que podem ou não ser efetivados ou manifestos, mas que estão operantes (ao
menos potencialmente) e que definem a própria natureza daquele objeto.” (HAMLIN, 2000,
p.5). No entanto, as relações entre agência e estrutura e a possibilidade de transformação
social e emancipação passam não só “pela mudança de consciência, mas pelas práticas”
(PAPA, 2009, p.144). Ou seja: deve passar, segundo Bhaskar (1998), pela transformação dos
agentes envolvidos por meio de suas ações, práticas, poderes causais e tendências: seus
efeitos e causas. Essa reflexão sobre a atividade social, em especial sobre a relação entre
agência, estrutura e potencial emancipatório, diz respeito ao que Roy Bhaskar chama de
domínio ontológico das ciências sociais.
A nossa vida social, portanto, é inseparável da atividade e dos comportamentos humanos,
além de ser instável e mutável, já que depende obviamente das ações dos seres humanos
que são sociais, ou seja, “o que nós fazemos enquanto seres sociais também é afetado pela
sociedade e pelos nossos esforços no sentido de transformá-la.” (ARCHER, 1995).

1 Para uma discussão mais aprofundada de tais estratos e sua implicação com os princípios e
fundamentos da Análise de Discurso Crítica, ver Resende (2009).

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Estrutura e agência se relacionam de maneira dialética, e esta relação é mediada por


cadeias ou relações de práticas sociais, ou seja, pela práxis. Assim, há certas leis causais e
regularidades na vida social que ora podem ser percebidas, ora podem estar opacas (ou
não manifestas) à compreensão dos agentes (SAYER, 2000). Portanto, as generalidades, as
possíveis tradições, construções universais podem ser vistas como resultantes das ações
dos poderes causais de um tipo de agente, entendido como “qualquer coisa que seja capaz
de operar uma mudança em algo (inclusive em si próprio)” (BHASKAR, 1999, p.109). Cohen
(1999, p.409), afirma que, para Roy Bhaskar, há um pressuposto fundamental de que as
estruturas sociais são mecanismos geradores da vida social, produzidas por meio da práxis
social, por isso são relativas e contingenciais. Dessa forma, do ponto de vista ontológico,
o modelo transformacional de Bhaskar estabelece as seguintes características para as
estruturas sociais, segundo HAMLIN (2000, p.9): 1)“não existem independentemente das
atividades que governam; 2) das concepções dos agentes acerca do que estão fazendo
em suas atividades; e 3) são apenas relativamente duradouras [...]”.
Discutindo a relação entre agência e estrutura, Fairclough (2003, p.121) afirma que “os
sujeitos são posicionados ideologicamente, mas também são capazes de agir criativamente
no sentido de realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que
são expostos e de reestruturar as práticas e as estruturas posicionadoras”. Essa afirmação
faircloughiana é respaldada não só pelas reflexões e discussões empreendidas por Anthony
Giddens sobre o papel dos agentes na produção/reprodução da estrutura, mas também
pelo conceito de “relações posição-práticas” de Roy Bhaskar (1998 [1979]) – também
adotado por Giddens (1991). Para Giddens, os agentes sociais podem “fazer diferença” na
reprodução da estrutura mesmo que de forma inconsciente, uma vez que toda reprodução
é contingente e histórica, ou seja, segundo o sociólogo, não há garantia que os agentes irão
reproduzir as condutas e comportamentos como o fizeram anteriormente. Dessa forma,
os agentes podem agir de forma diferente como sempre o fazem; podem se reelaborar,
fazer a diferença e transformar as questões. O conceito de posição-práticas refere-se, nessa
reflexão, aos modos de condutas “esperados” de determinadas identidades, à “clausura” de
determinadas relações sociais (Cf. COHEN, 1999, p.439-440).

1.1 Dialogando Bhaskar, Giddens e Fairclough:


agência, estrutura e discursos

Principal nome da sociologia britânica, Anthony Giddens discute a vida social por
meio da Teoria da Estruturação na modernidade tardia, debatendo de maneira mais
transcendente a relação entre agência e estrutura. A teoria da estruturação se concentra,
pois, nas preocupações ontológicas: preocupar-se com o ser humano, do fazer humano,
com a reprodução social e a transformação social. (COHEN, 1999, p. 397). Neste sentido,
a constituição da vida social ocorre em função das descontinuidades históricas, das
circunstâncias e da produção e reprodução de ações.

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As abordagens voltadas para a agência “estão nos agentes, conscientes de si


mesmos – sua intencionalidade, conhecimento e habilidade para construir, criar ou fazer
o mundo social em que se encontram.” (LOYAL, 2009, p.118). Esse movimento focado na
produção e reprodução da vida social à luz de uma constituição ontológica da vida
social enfatiza, conforme pontua Cohen (1999, p. 395), a existência de uma “agência que
produz ações e práticas sociais que são relativamente estáveis”. Para Giddens (1991), a
noção de agência envolve os seguintes aspectos: 1) a relação entre poder e agência, 2)
a questão da reflexividade e 3) a segurança ontológica e a noção de confiança. Para o
sociólogo, um agente deixa de sê-lo se perde a habilidade de “agir de outra maneira”,
ou a capacidade de fazer a diferença, ou seja, de buscar transformar algum aspecto
de um processo ou evento. Loyal (2009, p.120) pondera que dificilmente perdemos a
agência, uma vez que há a possibilidade de transformação por meio da reflexividade,
embora, claro, haja uma força paradoxal que envolve ao mesmo tempo autonomia
e dependência. Isso quer dizer que embora não identifiquemos explicitamente as
relações de poder, ou onde elas estão, ou o exercício delas, isso não quer dizer que elas
não continuem potencialmente operantes.
Para Giddens (1991, p.45), “a reflexividade da vida social moderna consiste no fato de
que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação
renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter.”.
Sobre confiança e segurança ontológica, o sociólogo afirma que “segurança ontológica é
uma forma, [...] muito importante de sentimentos de segurança no sentido amplo.”, ou seja,
a crença de que há uma regularidade e constância nos ambientes, espaços de ação, além
de uma sensação de confiança e de fidedignidade de pessoas e coisas. (GIDDENS, 1991,
p.95). Quando essas rotinas são questionadas, os sentimentos de segurança e confiança
das pessoas tornam-se ameaçados, levando-as a gerar mecanismos para bloquear tal
intervenção. Para o autor, o dualismo entre agência e estrutura é sustentado por meio do
trabalho intelectual e reflexivo sobre as tradições e hegemonias.
Resgatando as ideias de Bhaskar e Giddens e recontextualizando-as numa proposta
ontológica social do discurso, Chouliaraki & Fairclough (1999) argumentam que é, no
quadro das instituições e estruturas sociais, que as práticas têm relativa permanência,
já que estão expostas às mudanças e transformações dos modos de ação produzidas
por aquelas. As práticas então podem significar experiências com base em perspectivas
particulares. No entanto, como bem pontua Fairclough (2001, p.93), “A constituição
discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas,
mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais,
concretas, orientando-se para elas.” A ênfase na agenciação merece destaque porque
frequentemente as identidades são constituídas por discursos institucionais que podem
ser alvos de discursos globalizantes, pois se relacionam com outros discursos na ordem do
discurso; no entanto temos de pensar que embora sejamos constrangidos pelas estruturas,
temos de fortalecer nossa capacidade de não só nos auto avaliarmos continuamente,
mas também às nossas práticas sociais decorrentes das estruturas (Cf. ARCHER, 2000).

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 89-109, jan-jun., 2016

Para Fairclough (2003) e Chouliaraki & Fairclough (1999), o conceito de prática torna-se
fundamental então para refletirmos acerca da crítica social, uma vez que, para os autores,
a vida social se constitui de práticas sociais, sendo o discurso um dos elementos destas
práticas. Assim, as questões sociais podem ser problematizadas discursivamente, já que a
linguagem opera como elemento central das práticas sociais contemporâneas (Cf. ao Giro
Linguístico2). Além disso, “há muito se reconheceu a importância das ideias e conceitos
da vida social, que se manifestam no discurso” (FAIRCLOUGH e FAIRCLOUGH, 2012, p.79),
justificando o entendimento da realidade social conceitualmente mediada. Para tanto, os
tipos e formas de discursos que existem precisam ser socialmente explanados, e a vida
social precisa ser explanada nos termos dos efeitos discursivos.
Na dinamicidade da vida social, nossos eventos sociais cotidianos se internalizam em
outras práticas, que vão ora se entrecruzando, ora colonizando umas às outras (BHASKAR,
1986; GIDDENS, 1991; ARCHER, 2000). É neste sentido que discursos são socialmente
construídos em relação às posições sociais que as pessoas ocupam nos variados eventos,
práticas e instituições sociais; por isso, discurso é compreendido “como momento
irredutível da vida social, ou seja, em práticas sociais a linguagem figura como discurso”
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p.41).
A vida social, segundo Fairclough (2003) e Fairclough e Fairclough (2012), pode ser
analisada e conceitualizada como uma ação recíproca entre três níveis da realidade
social: estruturas e eventos são mediados pelas práticas, que são relativamente estáveis
(e duráveis). Para circunscrever a significação de prática discursiva como prática social,
Chouliaraki & Fairclough (1999) afirmam que é no quadro das instituições e estruturas
sociais que as práticas têm relativa permanência, já que estas estão expostas às mudanças
e transformações dos modos de ação produzidas por aquelas. No entanto, as relações
entre eles são mais complexas: práticas ajudam/colaboram, mas não determinam
acontecimentos, e as mudanças nos eventos podem, cumulativamente, levar a mudanças
nas práticas, que podem levar a mudanças nas estruturas. (FAIRCLOUGH e FAIRCLOUGH,
2012, p.82). Assim que estruturas, práticas e eventos (nível social) tem um aspecto semiótico,
que são compreendidos, respectivamente como sistema linguístico, ordens do discurso
e (práticas de agir/gênero, ser/estilo e representar/discurso), textos. Já os campos sociais,
instituições e organizações são constituídas por múltiplas práticas sociais e suas redes de
práticas dão origem semioticamente às (redes de) ordens do discurso. (FAIRCLOUGH e
FAIRCLOUGH, 2012).
Na próxima seção, seguindo as discussões empreendidas por Furlani (2011) e Louro
(2007), apresentarei alguns aspectos conjunturais que envolvem o debate sobre a inclusão
da ideologia de gênero e a orientação sexual no Plano Decenal de Educação (2014-2024).

2 Giro Linguístico (ou Virada Linguística) caracteriza-se como o movimento que ocorreu não só na
Filosofia, mas também em várias ciências humanas e sociais, em que a linguagem assume, nos
anos 1970 e 1980, papel crucial na análise dos fenômenos e contribui para novas concepções do
mundo e de como interpretá-lo.

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2. Conjunturas políticas, culturais e sociais e a construção do


respeito à diversidade

Concordando com Chouliaraki e Fairclough (1999, p.22), a vantagem de se


apresentar conjunturas é que elas nos permitem compreender, na descontinuidade
histórica, os efeitos gerados/resultantes não apenas dos eventos individuais, mas de
uma série de eventos ligados conjunturalmente, que atuam tanto na manutenção,
quanto na transformação de (re) articulação das práticas. As conjunturas “são conjuntos
interinstitucionais de práticas em torno de projetos específicos” (CHOULIARAKI
& FAIRCLOUGH, 1999, p.38), ou seja, são formas particulares e/ou perspectivas
internalizadas e articuladas em uma rede de práticas sociais que constituem a estrutura
social. Ao analisarmos a conjuntura, poderemos perceber (e localizar) como os discursos
se constituem em determinados momentos e contextos, de que forma se ligam às suas
circunstâncias e processos de produção e consumo, e como orientam determinadas
interpretações e análises dos agentes e entidades.
Dessa forma, ao traçarmos as conjunturas políticas, históricas e culturais que fizeram
emergir o debate sobre ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Decenal
de Educação, nos deparamos de imediato com construções ideológicas distintas,
disseminadas nas mais variadas práticas sociais cujas perspectivas particulares deixaram
transparecer contradições, dilemas, de acordo com os interesses e projetos de dominação
(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.26).
O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), depois da Emenda Constitucional nº
59/2009 (EC nº 59/2009), não se trata mais de uma disposição transitória da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), mas de uma exigência constitucional
com periodicidade decenal, isso significa que o PNE é considerado agora o articulador do
Sistema Nacional de Educação, cuja função é servir de base para a elaboração dos planos
estaduais, distrital e municipais, que, ao serem aprovados em lei, devem prever recursos
orçamentários para a sua execução.3
Os compromissos e metas apresentados no PNE (2014-2014) são o resultado de
debates sobre pontos e questões estratégicos salientados por várias entidades: União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED), União dos Conselhos Municipais de Educação
(UNCME), Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE) e do Conselho
Nacional de Educação (CNE). Todas essas orientações foram discutidas no CONAE 2010,
as quais foram aprimoradas na interação com o Congresso Nacional (principalmente em
2011, com a produção de um caderno pedagógico, resultante de ações do Programa
Brasil sem Homofobia, apelidado por correntes congressistas conservadoras de “kit gay”,

3 Disponível em: http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf. Acesso: 28 de


julho de 2015.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 89-109, jan-jun., 2016

e acusado de promover a promiscuidade e homossexualidade, levando o Governo a vetar


tal esforço) e levados a cabo em 2014. O referido Plano contempla 20 metas, que incluem
preocupações desde a educação infantil até o ensino superior no tocante às questões
de infraestrutura, financiamento, valorização da carreira, até reorganização da matriz
curricular de forma a tentar incorporar os princípios do respeito aos direitos humanos, à
sustentabilidade socioambiental, à valorização da diversidade e da inclusão. A meta 21
incluiria questões sobre raça, sexo, gênero e os indígenas, o que levou a seu veto.
Em 25 de junho de 2014, após a não aprovação do Congresso Nacional da Meta 21,
a Presidenta da República, Dilma Rousseff, sanciona a Lei N. 13 005, cujo Artigo 1o  trata
da aprovação do Plano Nacional de Educação - PNE, com vigência por 10 (dez) anos, a
contar da publicação desta Lei. São, portanto, as diretrizes do PNE: (I) Erradicação do
analfabetismo; universalização do atendimento escolar, (II) superação das desigualdades
educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as
formas de discriminação; (III) melhoria da qualidade da educação; (IV) formação para
o trabalho e para a cidadania, nos valores morais e éticos em que se fundamenta a
sociedade; (V) promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;
(VI) promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; promoção
humanística, (VII) científica, cultural e tecnológica do País; (VIII) estabelecimento de meta
de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno
Bruto (PIB) que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de
qualidade e equidade; (IX) valorização dos(as) profissionais da educação e (X) promoção
dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade
socioambiental. Podemos observar que as diretrizes, (ii, iv e x), em destaque, dizem
respeito, especificamente, de maneira geral, à redução das desigualdades, à valorização
da diversidade e aos direitos humanos, orientações fundamentais para a equidade da
vida social, e não saberes específicos que devam ser tratados no âmbito da escola (sexo,
gênero, raça, indígenas).
No entanto a aprovação do PNE (2014-2024) não foi tão simples e tranquila. Houve
intensos debates acerca principalmente da tentativa de inclusão das questões sobre
gênero e de igualdade racial, regional e de orientação sexual, como pontos importantes
para a erradicação das desigualdades educacionais. Reis (2015) nos relata que a versão do
PNE enviada pela Câmara dos Deputados ao Senado Federal destacou tais questões com
base em pesquisas e evidências, para que pudessem ser priorizadas no planejamento
decenal, mas “a versão do PNE sancionada como lei se limitou a um objetivo genérico de
erradicação de todas as formas de discriminação.”, como pudemos obervar nos incisos II,
IV e X, descritos acima.
Reis4 (2015) aponta ainda que o debate “começou, em abril de 2014, quando a ala
conservadora do Congresso Nacional conseguiu suprimir do PNE questões que tratavam

4 Toni Reis.  http://www.anped.org.br/news/a-ideologia-de-genero-a-equidade-e-os-planos-de-


educacao . Acesso em 17 de jun 2015.

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sobre o debate de gêneros nas escolas, além de tópicos de igualdade racial, regional e
sexual.” O Senado retirou essa proposição e consensualmente aprovou que cada município
decidiria sobre a inclusão ou não da ideologia de gêneros e orientação sexual, nos seus
planos de educação. A Presidenta Dilma vetou e determinou também que cada município
legislaria sobre os temas, causando polêmicas e divergentes opiniões na sociedade. Para
alguns, essa retirada foi o resultado de uma articulação religiosa e conservadora que ainda
admite o determinismo biológico e cromossômico, além do reforço da tese do patriarcado.
Thais Moya, representante da ONG Visibilidade LGBT, afirma: “É tão evidente que se
trata de perseguição às populações LGBT, que foi apresentada a emenda que assegurava
a prevenção de violências no ambiente escolar, sem menção alguma de gênero ou
sexualidade, e a bancada governista teve a audácia anticonstitucional de rejeitar.”5 Em
consonância com a ativista, a professora Tatiane Cosentino Rodrigues, do Departamento
de Teorias e Práticas Pedagógicas da UFSCar, afirma que “A retirada dessa meta é um
retrocesso a esse reconhecimento e parece atender mais aos interesses da ‘onda’
conservadora que polariza o país desde o final das eleições.”6
O veto e a sanção à proposta da Meta 21 dissonam não só de várias políticas
públicas propostas e executadas pelo próprio governo, das pesquisas, estudos e projetos
desenvolvidos nos centros de pesquisa e universidades, mas também do longo processo
de mobilização dos movimentos sociais não só do Brasil como também do exterior. É
o que nos chama atenção Rodrigues (2015) ao afirmar que “Em 2004, o MEC, ao criar
a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, hoje Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, reconheceu formalmente
a necessidade de que as temáticas de gênero, sexualidade, raça, educação do campo,
educação indígena, educação ambiental, quilombola e outras deveriam ser transversais a
toda e qualquer política pública de educação.”7
Com o veto do Congresso Nacional e o decreto da Presidenta em 2014 de que caberia
às Câmaras Municipais empreender tal debate para inserir ou não os tópicos referentes à
ideologia de gênero e orientação sexual, iniciou-se nova batalha já que os Planos Estaduais e
Municipais deveriam ser aprovados até 24 de junho de 2015, tomando por base não só as 20
metas, mas também as deliberações dos sete eixos da Conferência Nacional de Educação
(CONAE), inclusive as do Eixo II Educação e Diversidade: Justiça Social, Inclusão e Direitos
Humanos e princípios do ensino estabelecidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (1996), que destacam a igualdade de condições para acesso e permanência na
escola, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância.

5 http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/06/metas-para-area-da-educacao-
ignoram-questoes-de-genero-e-geram-polemica.html. Acesso em 04 de ago 2015.
6 http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/06/metas-para-area-da-educacao-
ignoram-questoes-de-genero-e-geram-polemica.html. Acesso em 04 de ago 2015.
7 http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/06/metas-para-area-da-educacao-
ignoram-questoes-de-genero-e-geram-polemica.html. Acesso em 28 de julho de 2015.

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No entanto quando as discussões chegaram aos municípios e estados, observou-


se uma “cruzada” fundamentalista e religiosa organizada principalmente pela CNBB.
Grande parcela da sociedade, então, se mobilizou contrária à inclusão de tais questões
amparada em discursos centrados principalmente no conceito biparental de família. Reis
(2015) refutando tal veto, opiniões e comportamentos critica que “Há um descompasso
chocante entre o obscurantismo de alguns setores e legisladores(as) e a realidade do Brasil
contemporâneo.” Resgatando os dados do Mapa da Violência 2012, o sociólogo aponta
que “nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92
mil mulheres, 43,7 mil só na última década. O número de mortes nesse período passou
de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%,”. Além da violência visível
contra as mulheres, Reis nos informa ainda que “O Relatório sobre Violência Homofóbica
no Brasil: ano de 2012, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, revela que naquele ano houve 9.982 denúncias de violações dos direitos
humanos de pessoas LGBT, bem como pelo menos 310 homicídios de LGBT no país.”8
Mesmo diante de tais dados, a Meta 8 do PNE prevê apenas as questões do campo, de
classe social (pobres), regionais (regiões de menor escolaridade no País), e a igualdade
entre negros e não negros (Cf.PNE/BRASIL9, 2014, p.11-12). O descompasso entre
as políticas públicas é tão grande que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s),
lançado em 1997, já apontavam para a necessidade de se discutir tanto “os domínios
do saber tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações
contemporâneas com o meio ambiente, com a saúde, com a sexualidade e com
as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à
solidariedade [...]”. (BRASIL, 1997, vol.8, p.5).

2.1 PNE, Educação Sexual e as questões Queer

Preocupações em torno das questões de gênero, orientação sexual e respeito à


diversidade sempre estiveram presentes nas reflexões acerca de um currículo mais
crítico no sistema escolar (LOURO, 2007; BRITZMAN, 2007; FURLANI, 2011). Segundo
Furlani (2011, p.52), a escola “precisa incluir na sua agenda pedagógica a multiplicidade
cultural, os saberes populares advindos de movimentos sociais e os saberes advindos das
experiências subjetivas dos sujeitos.” Essa inclusão, segundo a pesquisadora, trata-se antes
de tudo de uma política de visibilidade cultural e histórica e não apenas de acesso, pois
todos os dias crianças e jovens sofrem atos discriminatórios no espaço escolar, gerados
por não só crianças, jovens, mas também pelo corpo docente e administrativo, além dos
pais. Essa opressão violenta não só aqueles que querem viver (ou desfazer) outros gêneros

8 Toni Reis.  Disponível em: http://www.anped.org.br/news/a-ideologia-de-genero-a-equidade-e-os-


planos-de-educacao . Acesso em 17 de jun 2015.
9 Disponível em: http://pne.mec.gov.br/conhecendo-o-pne. Acesso em 28 de julho de 2015.

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(LGBT), mas também as relações entre as feminilidades e as masculinidades, porque o


que fazemos todos os dias como homens e/ou mulheres não são tão normais, naturais ou
simples como imaginamos (ou somos levadas a imaginar), (PEREIRA, 2012).
Esse debate é tão importante que a Revista Nova Escola, de fevereiro de 2015, trouxe
como matéria de capa a imagem de Romeo – um garoto britânico de 5 anos – que foi
expulso da escola pelo fato de usar vestido. O texto apresenta outros casos ocorridos
no Brasil e questiona qual seria o papel da escola nessa discussão. Muitos pais, líderes
religiosos, políticos, educadores, se questionam, pois acreditam que cabe à família, ou
mesmo à Igreja fazer tal formação ética. Mas sabemos que isso é impossível, pois “cada
um de nós interioriza as estruturas do universo social e transforma-as em jeitos de ver o
mundo que orientam nossas condutas.” (SOARES, 2015, p.27). As tendências e preceitos
religiosos, as tradições culturais e históricas mais sexistas, moralistas, biológicas podem
gerar (e geram) mecanismos, poderes e processos que mantém a exclusão, o preconceito,
por meio de alguns agentes: família, Igreja, grupos de orações, relações de amizade,
confrarias, entre outros. É papel da escola, sim, criticar os universalismos, as explicações
naturais e essencialistas, “problematizar os modos convencionais de produção e
divulgação do que é admitido como ciência, desconstruir o caráter permanentemente
das oposições binárias.” (Cf. LOURO, 1999, p.29).
Para Furlani (2011, p.67), a educação sexual deve começar na infância e não apenas
na adolescência e refuta argumentando que “esse entendimento educacional é limitado e
parece se amparar na ideia de que a ‘iniciação sexual’ só é possível a partir da capacidade
reprodutiva (puberdade). Com isso a escola está sempre atrasada,” não só em relação às
expectativas e experiências dos/as aluno/as, mas também na possibilidade transformativa
de gerar novos conhecimentos, e fazer circular informações relevantes. A pesquisadora
justifica ainda a importância de tal debate na infância uma vez que a vivência da
sexualidade nesta fase “está inserida num processo permanente, que inicialmente se
justifica pela descoberta corporal vista como um ato de autoconhecimento. À medida que
descobertas sexual-afetivas ocorrem, aumentamos nossa capacidade de socialização e
interação interpessoal.” (FURLANI, 2011, p.68), gerando sensações de prazer e construções
emocionais e psíquicas. Ou seja: crianças que se sentem bem com seus corpos, com
as relações de amizade, com as noções de privacidade e intimidade podem construir
uma noção saudável, positiva sobre sexo, sexualidade e gênero (BRITZMAN, 2007). À
escola cabe entender que separar brincadeiras entre homens e mulheres, assim como
brinquedos, o uso de cores (rosa e azul), ou mesmo certos assuntos para x ou y, pode
contribuir para a manutenção e legitimação das desigualdades (PEREIRA, 2012). Falas
iterativas do tipo: homem não chora, mulher não se senta de pernas abertas, mulheres
são mais emotivas, homens não podem usar saias, mulher tem de falar baixo, justificam
muitas violências, assédios, exclusões e agressões. Isso também é ideologia de gênero e
tópicos de educação sexual! Essas relações precisam então ser discutidas nas escolas.

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Louro (2004, p.48) afirma que “uma pedagogia e um currículo queer10 estariam
voltados para o processo de produção das diferenças e trabalhariam, centralmente, com
a instabilidade e a precariedade de todas as identidades.” Levar o queer para a escola é
levar o questionamento e a crítica constante aos pensamentos normativos e às tendências
universalizantes. É “problematizar as redes de poder e os interesses que definem as
representações negativas, inferiores e propositadamente excluídas dos currículos acerca
do gênero, das sexualidades, das raças e etnias.” (FURLANI, 2011, p.37).
Na próxima seção, observaremos o que os agentes fizeram em relação à tentativa de
incluir os tópicos sobre sexualidade, sexo e gênero no espaço da sala de aula.

3. Identificando agentes, mecanismos e poderes causais:


modo queer e discursivo de se olhar para as práticas sociais
Y: É preciso conscientizar a população. As pessoas precisam aprofundar
seus conhecimentos e desenvolver uma visão crítica.
X: Defendo a família do jeitinho que Deus criou! Estão querendo mudar
o projeto de Deus, que é perfeito. Que absurdo, que tempos difíceis
estamos vivendo.
Y: Tem mais por trás disso que imaginamos X.

Continuo a minha reflexão identificando a função do problema na prática. Retomo,


para tanto, o diálogo entre dois atores, na rede social Facebook, contrárias ao evento
inclusão da ideologia de gênero e orientação sexual no Plano Decenal de Educação
do Município de Viçosa – MG/Brasil. Essa epígrafe apresenta construções discursivas
hegemônicas natualizadas atreladas principalmente a dois grandes eixos: (i) tradição
religiosa-radica e (ii) explicações biomédicas.
A proposição principal desenvolvida neste diálogo é a ameaça à concepção tradicional
de família cristã e aos seus valores e preceitos, como se coubesse à Igreja regular a vida
social e íntima das pessoas, por meio de práticas e discursos da moral e da política (Cf.
Michel Foucault). Segundo Furlani (2011, p.21), “o uso literal da Bíblia tem sido usado, hoje,
nas investidas pela manutenção da família patriarcal e pela volta da ‘submissão’ da mulher,
tal como se dava nos tempo remotos das antigas escrituras.” A pesquisadora relata ainda
que o avanço das igrejas evangélicas, o movimento católico, a renovação carismática, a
comunidade Canção Nova tem levado as pessoas a reproduzirem e reforçarem a necessidade
“inconteste” de que a violência sofrida, a visibilidade de novas identidades, ou qualquer tipo
de descontrole social, ou sofrimento, deva às novas reconfigurações familiares.

10 Abordagem queer, segundo Furlani (2011, p.35) “recusa, rejeita a posição de um essencialismo
sobre a identidade sexual”. Caracteriza-se por ser então uma Política da Diferença, cujo objetivo é
desconstruir, rejeitar, colocar em xeque todo e qualquer naturalização, normatização e estabilidade
acerca das formações identitárias.

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Nessa interação, observamos explicitamente a verdade inconteste dos discursos


produzidos e reproduzidos por agentes causais do ordenamento discursivo religioso:
“estão querendo mudar o projeto de Deus, que é perfeito”. Essa fala revela uma insegurança
ontológica atrelada a uma supervalorização da confiança nos valores morais, preceitos
e princípios cristãos: que não se pode mudar o que Deus fez e não se pode fazê-lo
porque “os dogmas sagrados como a fé e Deus são intocáveis”, assim como a sua obra
(SETZER, 1987, p.101). Essa fala não passa de reproduções de estudos bíblicos, estudos
de oração, pregações coletivas, missas e cultos, que são construções de conhecimento
(saber) atravessadas por relações de poder, produzidas por sujeitos posicionados em
determinadas instituições religiosas, realizadas em práticas específicas.
A ativação desses mecanismos geradores (a manifestação da população de Viçosa e
do Brasil), foi arquitetada principalmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) e orquestrada por algumas Igrejas por meio de grupos de oração, reuniões e por
chamada a rede social, Facebook, sob a acusação de que a inclusão destes tópicos no
plano municipal de educação “desconstrói o conceito de família, que tem seu fundamento
na união estável entre homem e mulher.”, afirmou, em nota, a CNBB, sem seu site.11
Como se percebe, o problema está, a meu ver, na acepção moralista e sexista, baseada
no modelo do patriarcado12, de que só é legítima aquela relação consolidada por homem
e mulher e ainda construída de maneira estável. Como se uma família constituída por
dois homens, ou duas mulheres não se fundamentassem também em valores humanos,
éticos, morais e cristãos, como a nota do CNBB deixa presunçosamente transparecer: “O
pressuposto antropológico de uma visão integral do ser humano, fundamentada nos
valores humanos e éticos, identidade histórica do povo brasileiro, é que deve nortear os
Planos de Educação.” O discurso da CNBB permite que desvelemos certos poderes causais
que são reproduzidos pelos seus agentes: só tem valores éticos e humanos aqueles que
têm relacionamento heterossexual centrado “no sexo reprodutivo marital” (BRITZMAN,
2007). O que seria a identidade histórica do povo brasileiro? Provavelmente uma estrutura
discursiva baseada na matriz da heteronormatividade, de caráter orgânico, essencialista
(as características sociais e culturais são reflexo das diferenças biológicas) e hierárquico:
branco, cristão, macho/homem, mulher/fêmea, heterossexual.
Quando Y, na interação dialógica, afirma à X que “Tem mais por trás disso que imaginamos
X”, revela um temor capaz de desequilibrar as relações estáveis entre confiança e risco,
segurança e perigo (Cf. GIDDENS, 1991). O sentimento de segurança psicológica e “moral/
religiosa” em relação à sexualidade, sexo e gênero sofre um grande colapso de forma a
deixar a sociedade em risco já que “outras formas” de saber estão sendo propostas. A

11 Disponível em: http://www.parfatima.com.br/nota-da-cnbb-sobre-a-inclusao-da-ideologia-de-


genero-nos-planos-de-educacao. Acesso em 20 de jun 2015.
12 Segundo Heywood (2010, p.26), “as feministas usam o conceito de patriarcado para descrever a
relação de poder entre homens e mulheres. O termo literalmente significa ‘governo do pai’, ou seja,
[...] governo do homem dentro da família e fora dela”.

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quebra da rotina, do hábito, em função da introdução de um currículo mais progressista/


crítico e emancipatório, focado na diversidade, no respeito à diferença e principalmente na
desconstrução de discursos tradicionais e universais, criam o sentimento de insegurança
e desconfiança (tem mais por trás disso). O discurso de desconfiança de Y produz/reproduz
discursos veiculados pela instituição a qual se vincula e dela é um agente causal.
O excerto abaixo é um post do Padre Paulo Ricardo compartilhado por Y, em sua
timeline, no Facebook:
A Ideologia de Gênero nos Planos Municipais de Educação. O perigo está
mais próximo do que você imagina. O plano para introduzir a Ideologia de
Gênero nas escolas saiu do Congresso Nacional e está nas Câmaras Municipais
de todo o país, bem perto da sua casa. Afinal, o que está acontecendo? Como
agir... padrepauloricardo.org

Tanto na fala de Y quanto na do supracitado Padre há uma associação de ideias e


tendências que constrói uma realidade social em que há um agente maquiavélico que
elabora um “plano perigoso” (diria até demoníaco) para introduzir tópicos que irão
ameaçar os bons costumes da família tradicional e conservadora brasileira. Ao utilizar
os itens lexicais “perigo, plano para introduzir, bem perto da sua casa, como agir”, o texto
produz um esvaziamento da complexidade desse problema social, descartando reflexões
sobre a temática uma vez que já o apresenta como algo negativo, ameaçador, desviante,
algo que colocará em risco crianças, adolescentes, pais, ou seja, o modelo biparental de
família. Observe que a fala do Padre reforça a cultura do medo diante do novo, o tabu
de se falar sobre sexo, sexualidade e gênero, além da manutenção da cultura sexista
pautada nos preceitos da biomedicina e do criacionismo. Giddens (1991, p.111) afirma
que a “religião e tradição sempre tiveram uma vinculação íntima, e esta última é ainda
mais solapada do que a primeira pela reflexividade da vida social moderna, que se
coloca em oposição direta a ela. [...]”. Dessa forma, esse tom de desconfiança e a visível
privação da informação científica reproduzidos pela Igreja geram mecanismos capazes
de bloquearem a transformação social, cultural e política sobre tais temáticas, levando a
discursos que legitimam não só a homofobia, transfobia, mas também a manutenção das
relações essencialistas e atributivas entre homens e mulheres.
Esses discursos reforçam a tese de que não se pode questionar externamente, na
esfera pública, mesmo que na Escola, algumas áreas da vida pessoal/privada, ou seja, a
regulação da vida íntima cabe apenas à Família à luz dos preceitos da Igreja e do controle
do Estado. Essa ideia de que cabe às famílias supervisionarem a moral de seus entes,
principalmente os mais novos e as mulheres, é ainda uma reprodução dos discursos
acerca da disciplina sexual dos séculos XVI e XVII (DABHOIWLA, 2013 [1969]). Ou seja: não
são questões que possam ser deixadas à mercê do julgamento do indivíduo, pois podem
incorrer em pecados, desequilibrando a coesão social. Embora na contemporaneidade,
não haja esse controle disciplinar sexual, em função das práticas de alguns agentes,
entidades e movimentos, como o Feminismo, a Política de Identidades e o projeto Queer,
além de uma ampla discussão sobre os direitos humanos e sexuais, ainda assim há um

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crescente movimento em favor dos valores de moral tradicionalmente conservadores que


pregam a intolerência com as práticas sexuais e a existências de Outridades, defendendo
a castidade antes do casamento e reforçando o modelo biparental familiar.
São perceptíveis as marcas das construções discursivas intolerantes reveladas pela
organização macrosemântica da narrativa do perigo, do risco das ações de determinados
agentes transgressores, como se observa abaixo na nota emitida pela CNBB, em sua
timeline e reproduzida por vários agentes, como X, Y:

A introdução dessa ideologia na prática pedagógica das escolas trará


consequências desastrosas para a vida das crianças e das famílias. O
mais grave é que se quer introduzir esta proposta de forma silenciosa
nos Planos Municipais de Educação, sem que os maiores interessados,
que são os pais e educadores, tenham sido chamados para discuti-la.13

O uso recorrente de itens lexicais atitudinais representa de forma negativa e perigosa


a proposta de inclusão de tais temáticas no Currículo escolar (desastrosa, mais grave) de
forma ainda pouco detalhada, reducionista e vaga (dessa ideologia) e falaciosa (de forma
silenciosa). Quando leio essa referência, me pergunto à qual ideologia a CNBB está se
referindo, pois as questões de gênero não se reduzem às questões do LGBT, mas também
à cultura sexista, como já foi dito. Da mesma forma que se reporta ao conceito de família,
cuja função, me parece, é desencorajar o debate sobre a diversidade sexual e fragilizar as
práticas emancipatórias. O discurso da CNBB, a meu ver, despolitiza a família, por meio de
narrativas ficcionais, retrógradas e essencialistas, reforçando a exclusão, os preconceitos,
como se observa no diálogo abaixo entre os agentes Y e Z:

Y: é preciso reagir ... está tudo sendo feito silenciosamente


Z: Há tanto o que ensinar às crianças e que já poderiam ser matéria
curricular, como o trânsito, por exemplo! Este tipo de orientação aqui, pra
mim, cabe unicamente à família.

A CNBB busca construir um discurso de furtividade levando os seus agentes a


acreditarem que algo está sendo arquitetado às escuras, sorrateiramente e invisível, aos
olhos da sociedade, criando ansiedades ontológicas baseadas na desconfiança, risco e
perigo, uma onda ameaçadora capaz de desequilibrar a principal instituição do patriarcado,
a família. A chamada deôntica de Y, “é preciso reagir”, no contexto emancipatório, não
se apresenta como uma tomada de consciência, ou como alguém disposto a fazer a
diferença, mas como um agente que procura manter o condicionamento e o ajustamento
essencialista e a moral cristã.

13 http://www.parfatima.com.br/nota-da-cnbb-sobre-a-inclusao-da-ideologia-de-genero-nos-
planos-de-educacao. Acesso em 20 de jun 2015.

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Não cabe à escola explicar este tipo de conhecimento (de saber) porque, para alguns
deles, cabe à família (“unicamente à família”) explicar tal questão, mas me pergunto:
como as crianças e adolescentes terão em casa uma educação sexual mais emancipatória/
queer se os próprios pais acham que a família ainda só pode ser formada por homem e
mulher? Caso tenha uma criança com o gênero distinto do filho/a as explicações estarão
atreladas às abordagens biológicas (e aí a criança pode ser considerada um ser anormal,
monstro), abordagens terapêuticas (de que essa criança é doente e precisa ser curada),
ou abordagens religiosas diversas: (criança está demonizada, possessão demoníaca),
(criança não foi bem educada pelos pais; desvio de conduta), (criança não teve amor, é
carente). Ou que a culpa é da mulher, já que a criação dos filhos, na abordagem religiosa,
é delegada a ela, ou à omissão do pai.
Segundo Giddens (1991, p. 95), a segurança ontológica “trata-se de um fenômeno
emocional ao invés de cognitivo, e está enraizado no inconsciente.” Ao ser chamada
atenção, por uma colega X, da complexidade do assunto, e das inúmeras violências que
crianças e adolescentes sofrem nas escolas em função de suas sexualidades e gêneros, Y se
contradiz, pois deixa revelar, em sua fala, uma política de moralidade (quase uma cruzada
moral), por meio de imprecisões informativas, argumentos falaciosos e a reprodução do
determinismo biológico:

Y: Concordo X. O que não concordo é em fazer crianças pequenas


acreditarem que elas tem crescer desde pequenas com conhecimentos
sobre relações sexuais de forma precoce e estimular ests criança a fazer
experiências diversas, inclusive com adultos e animais afim de escolher
qual a sua opção.
Y: A questão é política e tem intenções que estão ocultas. A discussão é
importante mas devia acontecer antes de uma votação iminente. Não é possível
negar a diferença cromossômica entre os sexos, fazer escolhas baseadas em
afetividade e outros parâmetros é direito de cada ser humano, assim como
respeito e dignidade. Não é isso que está sendo proposto. sou a favor de
uma ideologia da tolerância e da solidariedade e do amor ao próximo. Só
não conheço e desconfio das intenções de quem nos quer obrigar de forma
sutil e sem alarde a aprovar algo que devia acontecer naturalmente, que é o
desenvolvimento e maturidade da criança, a ser precocemente estimulada a
aprender ainda em tenra idade sobre dúvidas que talvez nunca tenha sobre sua
sexualidade.

A recusa de Y parece recair principalmente sobre a inclusão da ideologia de gênero


e orientação sexual na infância, como se as crianças não tivessem maturidade para
construir conhecimentos ou saberes sobre isso. Este é o primeiro ponto que gostaria
de problematizar uma vez que é visível a confusão feita por Y entre educação sexual e
práticas sexuais. Furlani (2011, p. 65) citando Haffner (2005) afirma que a educação sexual
na infância se justifica pelo fato de podermos ajudar na construção de um indivíduo
sexualmente saudável, o que significa ser aquele que se sente bem com seu corpo. A ideia
de que a educação sexual só poderia ser discutida a partir da 5ª série, para Furlani (2011,

105
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p. 67), é bastante limitada porque reduz o debate à “capacidade reprodutiva (puberdade)”,


como se o saber sobre a sexualidade se constituísse apenas pelo viés da reprodução,
procriação. Ao assumir isso, reforça a tese de que a criança não tem e nem expressa a sua
sexualidade, o que é uma inverdade, uma vez que as crianças descobrem seus corpos,
brincam com os genitais, reconhecem a diferença entre os corpos fisicamente femininos
e masculinos, além de expressarem seus afetos e emoções.
Dessa forma, a inclusão da ideologia de gênero e a orientação sexual busca, neste
sentido, rejeitar as teses não só do determinismo biológico, mas também as relações de
poder de caráter relacional, atributivo e hierárquico entre homens e mulheres, de forma
a contribuir para a formação de um cidadão mais respeitoso em relação à diferença
e à diversidade. A proposta de educação sexual, assim, não se reflete na afirmação
passional, emotiva e maliciosa de Y de que as crianças serão estimuladas “a fazer
experiências diversas, inclusive com adultos e animais”. Podemos assumir junto a Giddens
(1991), que essa fala demonstra antes uma insegurança passional e emotiva do que
lógica e racional. O sociólogo argumenta ainda que “embora sejam livres para escolher,
os agentes seguem rotinas de modo a evitar a insegurança ontológica e qualquer
ruptura do sistema de segurança básico internalizado durante a infância.” (GIDDENS,
1991, p.120), leva-os a distorções, confusões e desconfianças, como podemos perceber
na fala de Y, embora para esta agente sua segurança esteja pautada nos poderes causais
ativados pela Igreja a que pertence.
Ao afirmar que “Não é possível negar a diferença cromossômica entre os sexos, fazer
escolhas baseadas em afetividade e outros parâmetros é direito de cada ser humano, assim
como respeito e dignidade.”, Y justifica erroneamente seu argumento no determinismo
biológico sexual para falar sobre sexualidade. Essa confusão conceitual reverberada por
Y provavelmente seria explicada na escola aos/às alunos/as, com a inclusão dos tópicos
sobre gênero (identidade cultural, social e histórica de masculinidades e feminilidades),
sexo (macho/fêmea) e sexualidade (objeto de desejo sexual, afeto) de forma a desconstruir
essa normatização e naturalização acerca da sexualidade, por exemplo.
Outra construção discursiva que merece ser problematizada na fala de Y é a ênfase
no discurso da tolerância, da solidariedade e do amor ao próximo. Refutando o “impulso
aparentemente generoso”, Silva (2001, p.88) afirma que “a ideia de tolerância, por exemplo,
implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra ‘tolerância’.”, uma vez
que podemos indagar quem tolera o quê exatamente e por qual motivo? Já a noção de
‘respeito’, segundo Silva, “implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenças
culturais são vistas como fixas”, estabelecidas, cabendo-nos apenas ‘respeitá-las’ (p.88).
Para avançarmos nisso, é preciso que a diferença seja constantemente problematizada,
colocada em xeque, trazendo situações autênticas para serem discutidas na escola, “de
forma a desestabilizar o canôn oficial” (LOURO, 2005, p.45).
O debate sobre a inclusão de ideologia de gênero e orientação sexual não se reduz
ao fato de que crianças e jovens aprenderão promiscuidades, mas à compreensão de que
não somos um único corpo, uma única identidade, um único ser homem, ou ser mulher,

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mas que somos fluidos, situacionais, históricos e performatizados (Cf. JUDITH BUTLER). É
preciso sim que a escola produza conhecimentos sobre sexo, sexualidade e gênero, pois
crianças, adolescentes hoje sofrem todo o tipo de humilhação: desde piadas, chacotas,
assédio psicológico, exclusão social, até agressões físicas, que as levam inclusive à morte.

Considerações finais
A seleção dos discursos de tolerância, respeito ao próximo, além dos discursos
centrados na manutenção das relações atributivas, hierárquicas e essencialistas entre
homens e mulheres, do determinismo biológico (macho/fêmea), e a ênfase no discurso
do Patriarcado, cuja instituição é o modelo biparental, são mecanismos que bloqueiam
a capacidade transformativa dos agentes e seus poderes causais que neles acredita e
reverbera tais formas de se pensar a vida social e as identidades que dela fazem parte.
O currículo seria, portanto, um agente crucial da afirmação e reconhecimento dos processos
de generificação nas escolas, isso porque, segundo Pereira (2012, p.68-69), “o currículo é uma
estrutura institucional que proscreve e prescreve determinados tipos de conhecimento, os
organiza hierarquicamente e por vezes posiciona (explícita ou implicitamente) certas disciplinas
e áreas como masculinas e outras como femininas.” A aceitação da inclusão desses tópicos no
Plano Decenal de Educação poderia funcionar como um mecanismo de transformação, mas
também como manutenção de discursos conservadores e biológicos, se considerarmos que
os alunos terão acesso às questões sobre corpo, masculinidades e feminilidades apenas em
aulas de ciências, educação física ou educação sexual.
Ao representarem a inclusão de ideologia de gênero e orientação sexual como
“perigo”, “algo oculto”, “risco”, os informantes atribuem aos agentes que defendem tal
inclusão representações e poderes negativos, assim como atribui à família e à igreja
poderes causais positivos já que possuem mecanismos que legitimam ações e práticas
morais, éticas. A falta de informação (ou informações imprecisas, vagas e falaciosas) limita
uma leitura mais crítica e reflexiva que por sua vez limita ações emancipatórias sobre
ideologia de gênero. Esses agentes expostos a textos bíblicos ou a grupos de oração são
afetados e formados como “pregadores”, mas os textos também podem gerar mudanças,
como, por exemplo, o projeto de lei que propunha a Meta 21. Assim como “textos podem
ter efeitos causais identificáveis, também há causas sociais implicadas na construção de
textos” (FAIRCLOUGH, 2003; RESENDE, 2009, p.24).
É preciso compreender que o bloqueio de possibilidades é contingente e
contextualizado, quem sabe os discursos intolerantes, a ansiedade acerca das
Outridades, o pânico gerado pela inclusão desses novos saberes que construirão novas
relações de poder não serão transformados no futuro próximo? O conhecimento gerado
pelos estudos discursivos críticos, o Feminismo, os estudos Queer, os fundamentos do
Realismo Crítico e as discussões de Giddens podem produzir novas práticas sociais
capazes de levar a sociedade a repensar os tópicos sobre ideologia de gênero e
orientação sexual no espaço escolar.

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Recebido em 27 de julho de 2015.


Aprovado em 08 de março de 2016.

Maria Carmen Aires Gomes


Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. É professora do Programa de Pós-
graduação em Letras da Universidade Federal de Viçosa (UFV/MG) e colaboradora, desde 2015, do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da UFMG. Filiada à ALED. Pesquisa os seguintes
temas: Identidades de gênero, Corpo, Práticas midiáticas, discursos e gêneros discursivos multimodais.
Email: mcgomes@ufv.br

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polifonia eISSN 22376844

Discurso, corpo e cidadania em


acórdãos sobre o aborto
Discourse, reproduction and citizenship in
appellate decisions about abortion
Discurso, cuerpo y ciudadanía en
sentencias sobre el aborto
Débora de Carvalho Figueiredo (DLLE/PPGI/UFSC)

Resumo
Esse trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento sobre as representações do
aborto produzidas pelo judiciário brasileiro, tendo como fundamentação teórica a análise
crítica do discurso, a linguística sistêmico- funcional, assim como pesquisas provenientes
das áreas dos estudos jurídicos feministas, das ciências sociais e da saúde pública. Nesse
estágio inicial do meu percurso investigativo, apresento algumas reflexões sobre os
julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) a respeito da IVG (interrupção
voluntária da gravidez), partindo de um conjunto de 11 acórdãos produzidos pelo TJSC
entre 1991 e 2014. A análise dos dados aponta que a criminalização do aborto cumpre
um papel político e ideológico de biopoder – o controle do corpo, da sexualidade e da
capacidade reprodutiva das mulheres, aspectos da vida do indivíduo diretamente ligados
à sua autonomia, atuação política e cidadania plena.
Palavras-Chave: Direitos reprodutivos e sexuais, aborto, acórdãos

Abstract
This article is part of an ongoing research about the representations of abortion produced by
the Brazilian judicial system, from the theoretical perspectives o Critical Discourse Analysis,
Systemic Functional Linguistics, coupled with discussions from the areas of feminist legal
studies and public health. The purpose of the present work is to present some initial reflections
about decisions of Santa Catarina’s State Court (TJSC) on cases of pregnancy termination,
based on a set of 11 appellate decisions produced by TJSC between 1991 and 2014. The
analysis so far indicates that the criminalization of abortion plays primarily a biopolitical role
– the control of women’s bodies, sexuality and reproductive capacities, aspects of women’s
lives directly linked to their autonomy, political action and full citizenship.
Keywords: Reproductive and sexual rights, abortion, appellate decisions

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Resumen
Ese artículo pertenece a una investigación en marcha acerca de las representaciones del aborto
producidas por el judicial brasileño, teniendo como fundamentación teórica el análisis crítico del
discurso, la Lingüística Sistémica Funcional, así como investigaciones provenientes de las áreas
de los estudios jurídicos feministas, de las ciencias sociales y de la salud pública. En esa fase inicial
de mi trayectoria investigativa, presento algunas reflexiones sobre los juzgados del Tribunal
de Justicia de Santa Catarina (TJSC) respecto de la IVG (interrupción voluntaria del embarazo
“da gravidez”), partiendo de un conjunto de 11 sentencias producidas por el TJSC entre 1991 y
2014. El análisis de los datos apunta que la criminalización del aborto cumple un papel político e
ideológico de biopoder – el control del cuerpo, de la sexualidad y de la capacidad reproductiva
de las mujeres, aspectos de la vida del individuo directamente ligados a su autonomía, actuación
política y ciudadanía plena.
Palabras Clave: Derechos reproductivos y sexuales, aborto, sentencias

Introdução
O discurso desempenha um importante papel no controle da sexualidade. Em sua obra
“A Historia da Sexualidade” (1984), Foucault argumenta que as proibições, exclusões e limita-
ções legais sobre a sexualidade estão ligadas a certas práticas discursivas. Dessa perspectiva,
podemos dizer que o controle do comportamento sexual feminino é alcançado através de
proibições e regulamentações sobre a sexualidade estabelecidas por diversos discursos de
poder, como o médico e o jurídico (EDWARDS, 1981). O judiciário entende o corpo e suas ati-
vidades como uma área de jurisdição legal. Desde o surgimento das primeiras leis codificadas
até o presente momento, o corpo feminino (particularmente em suas capacidades sexual e
reprodutiva) tem sido objeto de regulamentação, controle e punição jurídicos (SMART, 1989).
Um exemplo do controle jurídico sobre o corpo das mulheres é a criminalização
do aborto. No Brasil, o aborto induzido, ou interrupção voluntária da gravidez (IVG)1,
é considerado crime de acordo com o Código Penal Brasileiro (CPB)2, sendo permitido

1 Neste trabalho, utilizo as expressões ‘aborto’ e ‘IVG’ (interrupção voluntária da gravidez) de forma
intercambiável, como sinônimos.
2 Artigos referentes ao aborto no CPB:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento.
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze)
anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça
ou violência.
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em
consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal
de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

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apenas para salvar a vida da gestante, ou se a gravidez resultar de estupro, ou em caso


de anencefalia do feto. Entretanto, a criminalização não evita a prática cotidiana da IVG.
Apesar da criminalização e das restrições, o elevado número de IVGs no Brasil e no mundo
indica a importância da discussão sobre o tema. Como parte desse debate, no presente artigo
exploro um gênero específico do discurso jurídico, acórdãos em casos de aborto induzido,
para investigar o discurso judicial como uma instância de supervisão e controle dos corpos
femininos, em particular no que diz respeito à sexualidade e à capacidade reprodutiva.
Esse trabalho faz parte de uma pesquisa em andamento sobre as representações
do aborto produzidas pelo judiciário brasileiro, tendo como fundamentação teórica
a análise crítica do discurso (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2010;
VAN LEEUWEN, 2008), a Linguística Sistêmica Funcional (HALLIDAY, 2004), assim como
pesquisas provenientes das áreas dos estudos jurídicos feministas (EDWARDS, 1981;
MACKINNON, 1989; SIEGEL, 2007; SMART, 1989), das ciências sociais (FOUCAULT, 1984;
AGAMBEN, 2002) e da saúde pública (GRIMES, 2003; KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009).
Nesse estágio inicial do meu percurso investigativo, apresento algumas reflexões, ainda
bastante embrionárias, sobre os julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) a
respeito da IVG, partindo de um conjunto de 11 acórdãos3 produzidos entre 1991 e 2014.
Os acórdãos são documentos de acesso livre, e foram coletados na página eletrônica do
TJSC4, na aba ‘Jurisprudência’, a partir dos termos de busca ‘aborto’ e ‘aborto induzido’.
Em termos organizacionais, o artigo está dividido nas seguintes seções: 2. ‘Questões de
fundo na criminalização do aborto’, na qual discuto os valores culturais e sociais implicados
no estigma do aborto; 3. ‘Aborto, direitos reprodutivos e direitos sexuais’, na qual discuto
o aborto no marco dos direitos humanos das mulheres, mais especificamente dos direitos
reprodutivos e sexuais; 4. ‘O papel da linguagem nas práticas sociais: A perspectiva da Análise
Crítica do Discurso e do Realismo Crítico’, na qual apresento a perspectiva dos estudos
críticos do discurso; 5. ‘O aborto no TJSC’, que contém uma visão panorâmica do conjunto
de 11 acórdãos do TJSC que compõem os dados dessa pesquisa; 6. ‘Representações do
aborto no acórdão 6’, onde analiso, em um acórdão específico, como o evento ‘aborto’ é
recontextualizado e como seus participantes são representados; e 7. ‘Considerações finais’.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:


Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (Aborto humanitário)
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal.
3 “Acórdão: decisão judicial proferida em segundo grau de jurisdição por uma câmara/turma de um
Tribunal. Os julgados recebem este nome por serem proferidos de forma colegiada e refletirem o
acordo de mais de um julgador. Este acórdão pode ser unânime ou não unânime.” (Fonte: http://
www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/7/Acordao)
4 http://www.tjsc.jus.br/

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1. Questões de fundo no estigma e na criminalização do aborto

A IVG é um dos procedimentos ginecológicos mais comuns, e talvez a maioria das


mulheres do mundo faça ao menos um aborto induzido durante a vida. Em termos globais,
cerca de 81 abortos são realizados por minuto (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009). Sete
milhões de mulheres são internadas por ano por complicações de saúde provocadas por
abortos clandestinos (SINGH; MADDOW-ZIMET, 2015). Em termos nacionais, segundo
um estudo de 2010 comandado pelos pesquisadores Débora Diniz e Marcelo Medeiros
(UnB) e tido como referência pela Organização Mundial de Saúde (OMS), uma a cada
cinco mulheres brasileiras com mais de 40 anos já fizeram ao menos um aborto na
vida (CASTRO et al, 2014). Entretanto, em vários países do mundo, incluindo o Brasil, o
aborto permanece ilegal (ainda que largamente praticado), o que torna particularmente
importante questionar porque essa prática continua estigmatizada, silenciada e ignorada.
O debate sobre os direitos reprodutivos é marcado por posições polarizadas. Embora
haja ampla evidência de que a criminalização do aborto não reduz sua incidência e que o
aborto clandestino tem consequências trágicas para a saúde coletiva e individual (GRIMES,
2003; GRIMES et al., 2006, OMS, 2008; SINGH; MADDOW-ZIMET, 2015), a opinião pública
resiste a mudanças: “questões envolvendo moralidade, religião e tradição, combinadas à
oposição de grupos hegemônicos que defendem interesses particulares, constituem um
imenso obstáculo para a expansão dos direitos reprodutivos [das mulheres]” (CAIVANO;
MARCUS-DELGADO, 2012)5.
Essa polarização de opiniões nos faz pensar sobre o que há no teor e no
encaminhamento da demanda pela descriminalização do aborto de tão insuportável para
uma parcela da sociedade (tanto no Brasil quanto em vários outros países), fazendo com
que a IVG continue sendo vista como um “comportamento estigmatizado” (GOFFMAN,
1963), aquele tipo de comportamento que diz respeito mais à ‘desgraça’ social que recai
sobre o indivíduo que se comporta ‘mal’ do que às evidências físicas dessa ‘má’ ação.

5 Nos EUA, por exemplo, dentre as ações da coalisão anti-escolha (formada por católicos, evangélicos
e políticos do Tea Party) para coibir o aborto estão cortar as verbas públicas para a ONG Planned
Parenthood (que oferece, dentre outros serviços de saúde reprodutiva (SSR), o aborto seguro),
aprovar emendas constitucionais sobre a ‘pessoalidade fetal’, exigir exame de ultrassonografia
pré-aborto e impor regulamentações restritivas às clinicas e médicos que realizam o procedimento.
No quadro norte-americano atual, com as poderes legislativos estaduais fortemente polarizados,
os ativistas pró-escolha precisam constantemente recorrer a cortes federais para manter o direito
ao aborto seguro, garantido nos anos 1970 pelo clássico caso Roe v. Wade (CAIVANO; MARCUS-
DELGADO, 2012).

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Como ponto inicial na discussão desse estigma, é importante lembrar que, longe de
ser uma ‘verdade universal’, o estigma do aborto é construído socialmente e reproduzido
em nível local de diversas formas e em diversas esferas socioculturais (a mídia, a igreja,
o judiciário, o legislativo, a família, a comunidade, etc.) com base nos papéis patriarcais
de gênero, no desejo de controlar a sexualidade feminina e na noção da maternidade
compulsória. O ‘estigma do aborto’ pode ser definido como a atribuição de características
negativas às mulheres que recorrem a uma IVG e que as marca, interna ou externamente,
como inferiores aos ideais patriarcais de feminilidade (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009).
Embora o conceito de ‘feminilidade’ varie em distintos contextos sociais e períodos
históricos, as mulheres que abortam desafiam noções enraizadas no senso comum sobre
a ‘essência’ ou a ‘natureza’ das mulheres, o que as leva ao estigma e ao silenciamento.
A experiência do aborto transgride três arquétipos culturais do feminino: a sexualidade
destinada à procriação, a inevitabilidade da maternidade e o instinto de proteger um
ser vulnerável (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009). Interromper intencionalmente uma
gravidez desestabiliza a noção da mulher como ‘geradora de vida’, ao mesmo tempo em
que declara a autonomia das mulheres, ambos gestos profundamente ameaçadores para
a moral patriarcal dominante.
Nesse sentido, as dinâmicas de poder presentes na prática e na representação
discursiva do aborto (incluindo sua criminalização) fazem parte de lutas ideológicas de
gênero mais amplas a respeito dos significados de família, maternidade e sexualidade. As
atividades sexuais, sobretudo as atividades sexuais das mulheres, são centrais no estigma
do aborto uma vez que o exercício da livre sexualidade transgride normas tradicionais que
regem porque, como, onde e quem pode fazer sexo (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009).
Do ponto de vista dos direitos humanos (ver seção 4 abaixo), podemos argumentar que a
legalização do aborto protege liberdades fundamentais das mulheres: o direito à vida (em
razão dos riscos apresentados pelo aborto inseguro), o direito à liberdade (por reconhecer
o caráter soberano das mulheres sobre seus corpos e por entender a reprodução como
escolha livre e não como destino biológico, cultural ou jurídico inescapável) e o direito à
dignidade (somente uma vida com liberdade e segurança pode ser considerada digna).
A alta incidência de abortos clandestinos em todo o mundo indica o estado alarmante
dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. Se tomarmos o acesso ao aborto seguro
como parte dos direitos universais das mulheres à vida, à liberdade e à dignidade, podemos
apontar o nó górdio da resistência à legalização dessa prática: a autonomia das mulheres
e seu status de cidadãs plenas, ou seja, o direito de decidirem sobre sua sexualidade,
seus corpos e sua reprodução. Segundo Ardaillon (1997), a questão de fundo no aborto,
aquela que assombra os conservadores e fundamentalistas, é: teríamos nós, mulheres, o
direito de decidir sobre a reprodução da sociedade e, portanto, sobre sua permanência?
Também é importante, no debate do aborto, não perder de vista os aspectos
pragmáticos e situacionais, ou a gama de fatores que influencia tanto a disponibilidade para
a maternidade quanto a decisão de terminar a gravidez, incluindo status socioeconômico,
ocupação, raça/etnia e idade. Esses fatores, por sua vez, são moldados por forças sociais

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mais amplas de regulação da vida, como as estruturas econômicas, médicas e políticas


(sobre biopolítica, cf. AGAMBEN, 2002). Para muitas mulheres, a decisão pela interrupção
da gravidez pode se dar com base em uma “ética situacional” (KUMAR; HESSINI; MITCHELL,
2009) ou “moralidade da situação” (ARDAILLON, 1997), i.e., embora a moral/religião/lei/
cultura rejeite o aborto induzido, a realidade da vida pode exigir a aplicação de uma ‘ética
ad hoc’, tolerando o comportamento proibido ou rejeitado em determinadas condições.
Prova disso é o fato de, apesar das restrições impostas pela cultura e pela lei, milhares de
mulheres continuarem recorrendo à IVG, o que evidencia que a prática do aborto constitui
um espaço dinâmico (prático e simbólico) onde as mulheres mostram agência e resistência.
Os cenários morais onde o aborto ocorre e é debatido envolvem controvérsias sobre
a fisiologia reprodutiva, a sexualidade normativa, políticas relativas ao aborto, normas
culturais e religiosas, tendências demográficas e políticas e dinâmicas familiares. O estigma
do aborto é resultado de vários processos interligados: a simplificação de situações
complexas; a criação de estereótipos negativos para mulheres que decidem interromper
a gravidez, profissionais que realizam o procedimento e ativistxs que defendem o direito
à escolha, o que impede que esses atores falem publicamente sobre suas experiências;
o silenciamento e o medo de sanções sociais, que faz com que muitas pessoas evitem se
posicionar pró-escolha, fortalecendo ainda mais o estigma; e, por fim, a discriminação
aberta, que toma inúmeras formas, desde a falta de acesso a informações médicas
precisas, os preços muito altos cobrados por clínicas particulares, os riscos de abuso físico
ou verbal, a perda de emprego, a humilhação pública, a perda de prospectos matrimoniais
e o ostracismo social, até os serviços de baixa qualidade ou o atendimento realizado por
pessoas não qualificadas em condições inseguras (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009).
O estigma do aborto, como outros estigmas, revela a presença de profundas
desigualdades sociais. A criminalização de um procedimento médico bastante comum que
apenas as mulheres necessitam é mais uma indicação de como a discriminação de gênero
pode se materializar no nível da lei e das políticas públicas (CENTRE FOR REPRODUCTIVE
RIGHTS, 2008). As mulheres mais vulneráveis às restrições aos direitos reprodutivos (e
ao acesso a serviços de saúde reprodutiva) são mulheres indígenas, moradoras de áreas
rurais ou das periferias urbanas pobres (CAIVANO; MARCUS-DELGADO, 2012).
Ao criminalizar o aborto e isola-lo do conjunto de serviços públicos ligados à saúde
reprodutiva, o estigma é reforçado. Uma evidência de como as políticas institucionais
ajudam a manter o estigma do aborto é a falta de treinamento sobre procedimentos de IVG
nas escolas de medicina (cf. HOTIMSKY, 2015 sobre o impacto negativo da criminalização
do aborto na formação obstétrica em dois hospitais-escola do estado de SP).
Em resumo, o estigma do aborto tem diversas consequências danosas: apaga,
esconde e/ou disfarça um procedimento médico legítimo; desacredita e desmoraliza xs
profissionais que o praticam e as mulheres que o buscam; e demoniza quem defende
a descriminalização e o acesso ao aborto seguro (KUMAR; HESSINI; MITCHELL, 2009),
o que mostra a importância de investigar a relação entre a legislação, o judiciário e a
manutenção desse estigma.

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2. Aborto, direitos reprodutivos e direitos sexuais

Questões relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos pertencem ao escopo


mais amplo dos direitos humanos, e dizem respeito ao exercício da cidadania plena. No
quadro mundial, vemos uma legitimação tardia e ainda incompleta da ideia de direitos
humanos das mulheres, assim como da existência de abusos de direitos humanos no
âmbito privado, como é o caso da violência doméstica, da cultura do assédio e do estupro,
e do femicídio (CORREA; ALVES; JANUZZI, 2006).
Ainda assim, a partir dos anos 1990 a nova agenda demográfica mundial passou a
focalizar não mais o controle da natalidade (um exemplo é a recente liberação do 2º. filho
na China), mas agora a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos como parte dos direitos
humanos das mulheres. O argumento aqui é que a autonomia sexual e reprodutiva é
pauta básica nas lutas pelos direitos femininos (CORREA; ALVES; JANUZZI, 2006).
Os direitos reprodutivos fazem parte dos direitos humanos, estabelecidos desde 1948
pela Declaração Universal da ONU. A evolução dos direitos humanos se deu da construção e
conquista de direitos civis até os direitos políticos e sociais (que incluem direitos econômicos
e culturais). Os direitos reprodutivos e sexuais estão vinculados tanto aos direitos civis e
políticos (liberdade de expressão, liberdade individual, direito de ir e vir), quanto aos direitos
econômicos, sociais e culturais (ambiente favorável à autonomia sexual e reprodutiva). No
Brasil, a proteção aos direitos humanos é garantida pela Constituição Federal de 1988, por
legislação complementar e ordinária (por ex. Lei Maria da Penha) e pela adesão a tratados e
convenções internacionais (CORREA; ALVES; JANUZZI, 2006).
Uma vez que a gestação ocorre no corpo da mulher e tem repercussões em termos
de sua saúde, atuação profissional e liberdade individual, os direitos reprodutivos tem um
significado especial e particular na vida das mulheres. Entretanto, no contexto público do
Judiciário e no contexto privado das relações heterossexuais, o controle da autonomia
reprodutiva das mulheres continua fortemente marcado por desigualdades de gênero.
Já os direitos sexuais constituem um conceito muito mais recente do que o de direitos
reprodutivos, e é importante distinguirmos entre eles. Como apontam Correa, Alves e
Januzzi (2006, p. 48):

Em certa medida, a constante reabsorção da sexualidade na reprodução está


associada, de um lado, à tendência de fusionar gênero e sexualidade e, de
outro, às pressões do conservadorismo moral no sentido de que a regulação
da sexualidade seja sempre orientada para a reprodução. Assim sendo, é
muito importante compreender que gênero, sexualidade e reprodução são
esferas da vida humana que se tangenciam – e, eventualmente, confundem-
se – mas que ao mesmo tempo correspondem a terrenos distintos em
termos de representação, significado e prática sexual.

Por conta dessa confusão conceitual e da atual onda conservadora, no cenário


brasileiro o debate sobre a descriminalização do aborto tem se centrado na questão

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da saúde pública (devido ao grande número de internações e mortes de mulheres


decorrentes de abortos clandestinos), uma vez que setores conservadores seculares e
religiosos rejeitam o argumento do direito da mulher dispor sobre seu corpo, assumindo
a defesa do “interesse” do embrião (ARDAILLON, 1997; BERALDI, 2013).
Nossa perspectiva jurídica ainda concebe a sexualidade como fato natural, privilegia
a norma escrita e pensa o Direito como forma de regulação das práticas sociais e sexuais
(perspectiva do enforcement). Como aponta Correa (2006, p. 109), “nas sociedades latinas,
em geral, não pensamos a lei e o Direito como uma espinha dorsal do contrato social que
pode e deve se transformar à medida que se transformam os sujeitos que o produzem (e
suas relações). Mas sim como um arcabouço quase mítico (platônico, poderíamos dizer)
que ‘determina a realidade’”.
A criminalização do aborto evidencia o forte controle do Estado sobre os corpos e a
sexualidade das mulheres na medida em que, através de leis e políticas públicas, o Estado
determina o grau de possibilidade de as mulheres tomarem suas próprias decisões sobre
assunto tão íntimo e pessoal quanto o momento da reprodução. Do ponto de vista da
igualdade de sexo em termos de direitos reprodutivos, qualquer lei que restrinja o acesso
à contracepção e ao aborto seguro deve ser vista como suspeita, como uma tentativa
de preservar a orientação do sexo para a procriação e a pressão sobre as mulheres para
ocuparem papéis ligados à família (SIEGEL, 2007).
Em termos de igualdade de direitos, a ilegalidade do aborto no Brasil constitui uma
grave contradição entre democracia e autonomia: embora a constituição brasileira garanta
direitos iguais a todos os cidadãos, as mulheres têm vedado o poder de decidir sobre seus
corpos. Como bem aponta Télia Negrão, o ambiente moral brasileiro acha mais aceitável
uma mulher que engravida sem planejar e tem filhos indesejados do que uma mulher
que não quer ser mãe ou que decide abortar, o que indica que o que está em questão na
penalização do aborto não é de fato a proteção do feto ou da família, mas sim o cerceamento
do direito da mulher de controlar seu corpo e sua sexualidade: “a sexualidade das mulheres
ainda é um campo a ser conquistado e reconhecido” (NEGRÃO, 2012).
Justamente como forma de defender a autonomia das mulheres sobre suas vidas
e seus corpos, a perspectiva da igualdade de direitos sexuais e reprodutivos opõe-se
a quaisquer leis que restrinjam o acesso ao aborto porque essas restrições: refletem e
reforçam convenções e normais desiguais de gênero relativas à expressão da sexualidade
e da parentagem6; restringem majoritariamente a vida e a saúde de mulheres pobres e
em situação vulnerável; punem as mulheres por serem sexualmente ativas, o que não
ocorre com os homens; usam a legislação para punir, e não para apoiar, as mulheres no
processo de parentagem (SIEGEL, 2007).

6 Estou utilizando aqui o termo ‘parentagem’ como uma possível tradução para a palavra inglesa
‘parenting’ (que não marca gênero), evitando assim ter que optar entre as versões portuguesas
existentes (‘maternidade’ e ‘paternidade’), ambas marcadas em termos de gênero.

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3. O papel da linguagem nas práticas sociais: a perspectiva da


análise crítica do discurso e do realismo crítico
A ontologia que embasa a atual abordagem da ACD (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999;
FAIRCLOUGH, 2003) provém de um diálogo transdisciplinar com o Realismo Crítico (RC)
proposto pelo filósofo Roy Bhaskar (1978, 1989, 1993, 1998). Bhaskar considera o mundo
um sistema aberto, em constante mudança, composto pelos domínios do real, do atual e
do empírico, e por diferentes estratos – o físico, o biológico, o social, o semiótico, etc. –, que
possuem estruturas e mecanismos gerativos distintos situados no domínio do real.
O domínio do real corresponde a tudo que existe, natural ou social, empírico ou não.
Trata-se do domínio dos objetos, com suas estruturas, mecanismos e poderes causais. No
domínio do real, mecanismos gerativos de diversos estratos (físico, biológico, semiótico,
etc.) operam simultaneamente com seus poderes causais, provocando efeitos sobre os
outros domínios (RAMALHO, 2008). Essa interdependência causal significa que qualquer
operação de um mecanismo gerativo de um dos estratos é sempre mediada pela operação
simultânea dos demais.
Enquanto o domínio do real corresponde às estruturas, mecanismos e poderes causais
dos objetos, o atual refere-se àquilo que os poderes causais fazem e ao que ocorre quando
eles são postos em ação. O sistema semiótico, ou a potencialidade para significar, pode ser
associado ao domínio do real, enquanto que os sentidos do texto podem ser relacionados
com o domínio do atual (o significado em si). Dessa forma, o atual é o domínio dos eventos,
que podem ou não ser vividos por nós, localizado entre o domínio mais abstrato (estruturas
e poderes) e o mais concreto (eventos vivenciados). O empírico, por fim, é o domínio das
experiências efetivamente vividas, a parte do real e do atual que atores sociais específicos
vivenciam. Em outras palavras, o empírico é o que sabemos do real e do atual, mas não
esgota as possibilidades do que tenha ocorrido ou poderia ter ocorrido (RAMALHO, 2008).
Da perspectiva da ACD e do RC, as semioses produzem efeitos reais sobre as práticas so-
ciais, as instituições sociais e sobre a ordem social como um todo, daí a ênfase na análise da na-
tureza das semioses usadas na comunicação humana (micro-análise) e do papel das semioses
na lógica social mais ampla (análise social – explicação) (FAIRCLOUGH; JESSOP; SAYER, 2010).
Segundo Bhaskar, estudar o mundo ‘real’ de forma ‘objetiva’ é uma “falácia epistêmica”,
uma vez que só podemos investigar o real através do filtro de nossas experiências, assim
como é reducionista e falacioso considerar que o mundo é constituído apenas pelo que
vivenciamos, ou seja, pelo domínio do empírico. Esse é um ponto fundamental de ligação
entre a ontologia crítica de Bhaskar e a abordagem da ACD: ambas apontam a impossibilidade
de pesquisas “objetivas” em análise do discurso, que teriam acesso à “realidade”. Entretanto,
apesar de admitir a impossibilidade de análises objetivas do ‘real’, o trabalho de análise
textual, como parte da análise discursiva crítica, “é científico porque conjuga compreensão,
descrições e interpretações de propriedades do texto, e explanação, processo situado entre
conceitos e material empírico, em que propriedades de textos particulares são ‘redescritas’
com base em um arcabouço teórico particular” (RAMALHO, 2008, p. 48).

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A partir dessa perspectiva, chega-se à premissa de que o discurso tem efeitos na


vida social, mas esses efeitos não podem ser investigados somente com base no aspecto
discursivo das práticas sociais. A lógica da ACD é relacional/dialética, ou seja, “orientada
para acessar como o momento discursivo funciona dentro da prática social, do ponto
de vista de seus efeitos sobre lutas pelo poder e relações de dominação” (CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 1999, p. 67). Assim, o foco da abordagem proposta pela ACD não está na
estrutura social, fixa e abstrata, nem nas ações individuais, flexíveis e concretas, mas sim
na entidade intermediária entre esses dois níveis: as práticas sociais.
Com relação ao papel da semiose nas práticas sociais, Fairclough argumenta que
“podemos entender a vida social como uma série de redes interconectadas de práticas
de diferentes tipos (econômicas, políticas, culturais, etc.). E cada prática tem um elemento
semiótico” (2003, p.180). As práticas sociais constituem formas mais ou menos estáveis
de atividades sociais, por exemplo, aula, noticiário de TV, refeição em família, consulta
médica (CHIAPELLO; FAIRCLOUGH, 2002). No presente trabalho, me interessa entender a
prática social do aborto, em particular a forma como essa prática é recontextualizada no
discurso judicial e que impactos práticos essas recontextualizações têm sobre as decisões
de nossos tribunais de justiça.
O discurso judicial (ou jurisprudencial), objeto de análise desse trabalho, expressa o
estado de direito, afeta os litigantes e influencia decisões judiciais futuras, assim como
a opinião pública em geral (COATES; BAVELAS; GIBSON, 1994). Dessa perspectiva, as
decisões judiciais, das quais os acórdãos aqui discutidos são um exemplo, constituem um
espaço jurídico, cultural e discursivo de grande poder. Esse status de discurso dominante
depende fortemente da linguagem, ferramenta e elemento central de qualquer interação
e gênero jurídico. Entretanto, de um ponto de vista discursivo crítico, devemos lembrar
que os acórdãos não são as práticas que eles descrevem e avaliam, mas somente uma
recontextualização dessas práticas e eventos, recontextualização que nunca é neutra ou
ingênua, mas cultural e historicamente situada.
Em face das discussões apresentadas nas seções 2, 3 e 4, na seção 5 apresento uma
análise panorâmica de 11 acórdãos do TJSC em termos de quem recorre (a abortante; o
terceiro que a auxiliou; o Ministério Público) e por que, assim como das decisões tomadas
pelo tribunal estadual.

4. O aborto no TJSC
Apesar do clima de condenação moral existente no Brasil, ao analisar processos
pelo crime de aborto nos anos 1990, Ardaillon (1997) observou um baixo percentual de
condenação de mulheres (na maior parte das vezes não sendo possível a configuração
delitiva), acompanhado de um alto número de inquéritos policiais arquivados. A
pesquisa de Ardaillon indicou que é difícil determinar a autoria e a materialidade
do crime de aborto, sendo em torno desses dois polos que gravitavam os processos
judiciais estudados pela pesquisadora.

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Quase 20 anos depois, os acórdãos do TJSC parecem seguir as mesmas as tendências


observadas por Ardaillon, como podemos ver na tabela 1:

Tabela 1: Descrição dos acórdãos coletados junto ao TJSC

11 acórdãos em processos por aborto, produzidos pelo TJSC


Quantidade/ período histórico
entre 1991 e 2014

Terceiro que realizou o procedimento abortivo – 9 recursos


Recorrentes Abortante – 1 recurso
Ministério Público (MP) – 1 recurso

Terceiros
Art. 125 – provocar aborto sem o consentimento da gestante
– 1 caso
Recorrentes incursos nas penas dos seguintes Art. 126 - provocar aborto com consentimento da gestante –
artigos do CPB 8 casos
Abortante
Art. 124 – provocar aborto em si mesma ou consentir que
outro lho provoque - 1 caso

Terceiros: pedido de despronúncia devido ao


questionamento da materialidade e da autoria do crime
Abortante: pedido de despronúncia devido ao
Pleito base do recurso ao TJSC
questionamento da materialidade do crime
MP: pedido de anulação da decisão absolutória produzida
por júri popular

Terceiros
Acórdãos 2, 3, 4, 5, 7, 10, 11: Sete pedidos de despronúncia
pelo crime de aborto negados por considerar-se haver
indícios de materialidade e autoria (em outras palavras,
foram mantidos os indiciamentos feitos em juízo de primeiro
grau, sendo os recorrentes sentenciados a serem julgados
por júri popular)
Decisão do TJSC Acórdão 9: sentença anterior anulada por ausência de
motivação
Acórdão 12: extinção de punibilidade da perpetrante por
prescrição do crime
Abortante (acórdão 6): despronúncia da perpetrante por falta
de provas
MP (acórdão 13): sentença absolutória produzida por júri
popular mantida

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Esses dados iniciais parecem apontar para um baixo percentual de indiciamento e


condenação das abortantes: dos 11 acórdãos coletados, em apenas cinco processos a
abortante havia sido indiciada pelo crime de aborto (art. 124 CPB). Os acórdãos também
confirmam, até agora, que de fato a autoria e a materialidade do crime permanecem teses
centrais discutidas em nível de recurso, porém nos acórdãos analisados essas teses são
levantadas não pela abortante e sim pelos terceiros que teriam realizado o procedimento
abortivo: dos 11 acórdãos coletados, em nove deles o recorrente é o terceiro que
realizou o aborto, questionando, sobretudo, a autoria do crime e solicitando, assim, sua
despronúncia. Em somente um caso a recorrente é a abortante.
Segundo Ardaillon, nossa jurisprudência indica que os operadores do direito tendem a
adotar uma “intenção condenatória ou absolutória” ao julgar crimes de aborto no Brasil. Essa
tendência é confirmada pelos dados até agora coletados da jurisprudência catarinense, que
parece adotar uma ‘intenção absolutória’ ou mais leniente em relação às abortantes, e uma
‘intenção condenatória’ em relação aos terceiros perpetradores do aborto, posições que se
refletem no julgamento dos recursos impetrados junto ao TJSC e nas penalidades impostas
às abortantes e aos perpetradores: das cinco abortantes indiciadas pelo crime de aborto, duas
receberam suspensão condicional da pena (acórdãos 4 e 5), uma foi isenta (despronunciada)
da acusação por falta de provas (acórdão 6), uma teve a punibilidade extinta por prescrição
(acórdão 12), e uma não recorreu da sentença de pronúncia.
Os perpetradores, por outro lado, são tratados de forma condenatória: os 11 acórdãos
coletados envolvem nove pessoas indiciadas pela realização de aborto em gestante
(arts. 125 e 126 do CPB). Desses nove indiciados, a maioria (7) teve seu recurso negado
e a pronúncia mantida (ou seja, foram julgados por júri popular pelo crime de aborto
realizado por terceiro).

5. Representações do aborto no acórdão 6

Para investigar se a tendência a certa leniência com relação às mulheres que abortam
se mantinha no nível da organização léxico-gramatical dos acórdãos, analisei em um
acórdão (acórdão 6 - http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=marivete%20
de%20almeida&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAABAADnRGAAC&categoria=ac
ordao) as representações do evento ‘aborto’ e de seus participantes. A análise foi norteada
pelas seguintes perguntas propostas por Fairclough (2010) e Van Leeuwen (2008) para
investigar que discursos e representações estão presentes em um texto:

• Que discursos são mobilizados no texto, e como são combinados em sua textualização?
• Como os atores sociais são representados?
• Que elementos da prática social do aborto são incluídos ou excluídos, e que elementos
incluídos são mais salientados?

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Quanto à primeira pergunta (Que discursos são mobilizados no texto, e como são
combinados na textualização?), o acórdão 6, como todas as decisões judiciais modernas,
apoia-se em vários sistemas e discursos peritos (GIDDENS, 1991) para se valer de
cientificidade e legitimidade, e também como forma de compartilhar a responsabilidade
pelo processo decisório judicial (FIGUEIREDO, 2000). Podemos identificar os discursos
presentes em um texto através de suas relações intertextuais, ou seja, por meio da forma
como o texto relata, ecoa, etc. outros textos.
O acórdão 6 recontextualiza (seja por relato direto ou indireto, ou por paráfrases) a fala
de outros operadores do direito produzidas em distintas instâncias do processo judicial que
culminou com a pronúncia da recorrente (referidas por meio de expressões como instância a
quo; comarca de Chapecó, 1ª Vara Criminal; a defesa; o representante do Ministério Público;
Tribunal Popular; a douta Procuradoria-Geral de Justiça), o discurso da doutrina (“Segundo
A. Almeida Júnior”; Segundo Julio Fabbrini Mirabete) e da jurisprudência (“Acerca do tema,
duas decisões:”), assim como o discurso médico-legal (laudo cadavérico, laudo pericial; “feto
formado com placenta e cordão, sem sinais de trauma. Idade gestacional +/- 6 meses”).
Como discutido acima, as semioses podem gerar variação, produzir efeitos seletivos e
contribuir para as distintas formas de retenção e/ou institucionalização de fenômenos sociais.
Por meio da seleção de (ou ênfase em) certos discursos para interpretar eventos, legitimar ações
e representar fenômenos sociais, combinada a estratégias de exclusão de outros discursos,
certos aspectos semióticos dos fenômenos sociais são selecionados e retidos ao longo do
tempo nas práticas e estruturas sociais, enquanto outros são eliminados (FAIRCLOUGH; JESSOP;
SAYER, 2010). No acórdão 6, por exemplo, ordens semióticas da lei e da segurança pública
se articulam com ordens semióticas da medicina legal, gerando um texto técnico-científico
(calcado principalmente no discurso jurídico criminal e no discurso médico-legal), que focaliza
basicamente tecnicalidades referentes à autoria e à materialidade do crime. Quaisquer referências
às condições sócio históricas nas quais o evento ocorreu são filtradas e excluídas do texto.
Quanto à segunda pergunta (Como os atores sociais são representados?), em termos de
inclusão e exclusão de atores sociais (VAN LEEUWEN, 2008), o acórdão 6 inclui o Judiciário
(em suas várias instâncias e operadores), a ‘abortante’ e o feto, como podemos ver na tabela 2.

Tabela 2: Inclusão e exclusão de atores sociais no acórdão 6 (no. de referências)

Excluído Incluído Suprimido


Judiciário 25 10
Abortante 22 4
Feto 11 0
Pai √

O judiciário é o agente mais frequentemente mencionado e enfatizado no acórdão,


seguido pela abortante. O ‘pai’ é inteiramente excluído do texto. Em termos de alocação
de papéis para os três agentes inclusos no texto, o Judiciário é o mais frequentemente
apresentado como participante ativo (sensor em processos mentais, ator em processos

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materiais), agindo tanto sobre o processo legal (o recurso, o parecer, o julgamento) quanto
sobre as partes nesse processo (a recorrente, o denunciado).
• ACORDAM [os desembargadores], em Segunda Câmara Criminal, por votação
unânime, dar provimento ao recurso em parte, para despronunciar a recorrente, com
relação ao crime de aborto.
• No prazo legal, a defesa interpôs recurso em sentido estrito...
• O julgador só não pronunciará o denunciado porque a acusação deixou de ter
fundamento razoável ...
• Lavrou o parecer o Exmo. Sr....
• Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Des. ....;

Seguindo a proposta sócio-semântica de van Leeuwen (2008) para o estudo das


representações dos atores sociais, podemos ver que a ativação de um ator central como
o Judiciário não precisa se dar apenas pela posição de agente (sujeito) de processos, o
Judiciário também é ativado no acórdão 6 por circunstancialização, ou seja, através de
circunstâncias de lugar que incluem as preposições no/na, do/da, pelo/pela:
• Devendo ser aplicado, na instancia a quo, ...;
• devendo, na instancia a quo, ter continuidade ...;
• devendo à espécie ser aplicado, na instancia a quo, ...;
• Elemento a ser dirimido no tribunal popular;
• A competência para o julgamento pelo Tribunal de Júri;
• a ser o réu submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Entretanto, o Judiciário também é mais frequentemente suprimido que a abortante,


basicamente através de sua eliminação como agente de orações passivas, como podemos
ver nos exemplos abaixo:
• Vistos, relatados e discutidos [por nós, desembargadores Ø] estes autos de recurso
criminal
• Na comarca de Chapecó, 1ª Vara Criminal, Abortante7 foi denunciada [pela promotoria
Ø] pela prática dos crimes definidos nos artigos 124  (aborto provocado pela gestante)
• Contra-razões apresentadas [pela promotoria Ø] às fls. 122/126, no sentido de ser
mantido o que foi decidido [pelo juízo a quo Ø].
A ideia por trás desse apagamento da agência parece ser a de que as instâncias e

7 Para fins de anonimização, substituí o nome completo da abortante/recorrente pela expressão


‘abortante’.

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procedimentos de um processo-crime são de certa forma óbvias e, portanto, não precisam


ser explicitadas, o que na verdade não se aplica aos leitores externos à comunidade
discursiva jurídica (leia-se leigos), para quem a recuperação dos agentes dessas orações
seria bastante difícil, senão impossível.
Quanto aos papéis que lhes são atribuídos no texto, alguns membros de alto-escalão
do Judiciário e teóricos do Direito são nomeados, formalizados e funcionalizados:
• Des. Maurílio Moreira Leite;
• A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Valdir Vieira
• Julio Fabbrini Mirabete; A. Almeida Júnior [teóricos do Direito];
• Des. Irineu João da Silva e Sérgio Roberto Baasch Luz
• O Exmo. Sr. Dr. Valdir Vieira
• Maurílio Moreira Leite, presidente e relator.

Com exceção desses operadores de ‘alta patente’, entretanto, o Judiciário é incluído como
participante via representantes identificados por sua função (a Justiça, por seu Promotor; a
defesa; o representante do Ministério Público; o juiz; o julgador; os desembargadores [Ø]), ou por
circunstancialização espacial, como argumentado acima. Essas estratégias de nomeação geram
uma intrincada rede de funcionalizações e referências espaciais que representam o Judiciário e
seus operadores de modo formal, abstrato, remoto e provavelmente obscuro para o leitor leigo.
A abortante, por sua vez, tem um espaço de ação muito mais restrito que o Judiciário.
Ela aparece como agente de um processo relacional (que explicita seu status jurídico no
recurso interposto ao TJSC: “é recorrente”) e de processos verbais (em trechos do acórdão
que recontextualizam sua versão do suposto crime por meio de verbos de relato):
• Segundo afirmou a ré
• que alega a declarante que devia estar grávida de dois meses
• que alega [a declarante Ø] que suas colegas de estágio e funcionários do hospital não
sabiam de sua gravidez
• que nega a declarante ter praticado aborto, porém confirma ter tomado remédios.

Os únicos processos materiais nos quais a abortante é agente são aqueles que dizem
respeito ao suposto aborto induzido. Quem recebe sua ação é seu próprio corpo, objetos
e o feto:
• A denunciada [...] dirigiu-se até um banheiro daquele estabelecimento e, fazendo uso
de uma caneta, introduziu-a em seu órgão genital, provocando a expulsão do feto.
• Depois do gesto brutal, a acusada despejou o embrião no vaso sanitário daquela peça,
puxando a descarga.

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Quanto aos papéis que desempenha, a abortante, a um só tempo acusada e recorrente,


é nomeada através de seu nome completo ou do uso de pronomes pessoais (Abortante; ela
[Ø]; esta; desta), porém na maior parte das vezes ela é classificada por meio de seu status
no processo-crime (a recorrente; a denunciada; a acusada; a declarante; a ré; a indiciada). Ela
também é classificada como grávida e funcionalizada (grávida de dois meses; [estagiária
de] auxiliar de enfermagem), ou é impessoalizada e objetificada por somatização, isto é,
por meio de referências metonímicas a partes de seu corpo relacionadas à reprodução:
ventre materno; seu órgão genital; vagina; sua gravidez.
De acordo com van Leeuwen (2008), a somatização confere certa alienação ao participante
representado: no acórdão em tela, é como se a abortante não estivesse envolvida ela própria
como participante do evento aborto, mas sim seu corpo (ou partes dele). Em resumo,
as formas de nomeação da abortante no acórdão 6 focalizam seu status como parte num
processo crime e as partes de seu corpo envolvidas no suposto delito, o que a representa
como indeterminada ou abstrata, ao mesmo tempo que evidencia o direito legal de examinar,
julgar e punir seu corpo, sobretudo em suas funções sexuais e reprodutivas.
Em termos de participação, o feto é ativado apenas em processos relacionais encontrados
em orações encaixadas (que o feto encontrava-se vivo quando da prática abortiva; as dúvidas
existentes sobre se o feto estava ou não vivo; de que o corpo do feto, natimorto não pode ser
definido como cadáver) relativas a seu estado vital quando da expulsão (vivo ou morto) e sua
consequente definição jurídico-criminal (natimorto ou cadáver). O feto também é incluído
como paciente das ações de outros agentes (a abortante e os peritos forenses): Depois
do gesto brutal, a acusada despejou o embrião no vaso sanitário; “Examinado [por médicos
forenses] feto formado com placenta e cordão, sem sinais de trauma”.
Considerando sua nomeação, o feto é pessoalizado e classificação através de termos
do discurso da medicina legal: o feto; corpo do feto; feto formado com placenta e cordão,
sem sinais de trauma; natimorto; cadáver; o embrião. Entretanto, e curiosamente, já que
o acórdão claramente define o aborto como um crime contra a vida humana, filiando-
se, portanto, ao discurso anti-escolha e supostamente ‘pró-vida’, o feto também é
impessoalizado e despido do traço semântico +humano ao ser referido por meio dos
termos produto e produto abortado.
Por fim, o aborto, embora não seja um participante, mas o evento em si objeto de
escrutínio jurídico, é o mais frequentemente mencionado no acórdão (31 referências)
e claramente enquadrado como crime: aborto (sete referências); crime de aborto (oito
referências);  crime definido no artigo 124 (aborto provocado pela gestante); prática abortiva;
a interrupção da gravidez e a morte do feto; expulsão; expulsão prematura do feto ainda com
vida; o crime; a prática dos atos tidos por abortivos; gesto brutal; a ação tida por delituosa; um
fato caracterizador de aborto;  conduta tida por delituosa; abortos por traumas acidentais;
instrumento abortivo; abortos chamados “espontâneos”; crime doloso contra a vida.
Quanto à terceira pergunta (Que elementos da prática social do aborto são incluídos
ou excluídos, e que elementos incluídos são mais salientados?), os aspectos mais salientes
do aborto no acórdão 6 são aqueles relativos à materialidade e autoria do crime, isto

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é, se a acusada/reclamante de fato provocou um aborto (fato delituoso) ou se teve um


aborto espontâneo (fato não delituoso). Não há qualquer informação sobre o perfil sócio-
econômico da abortante, tais como referências a sua classe social (exceto talvez a menção
ao estágio como técnica de enfermagem, uma área dos serviços de saúde geralmente
ocupada por mulheres provenientes dos extratos sociais pobres), seu estado civil, se
tinha filhos ou não e, sobretudo, dados sobre as circunstâncias envolvendo a concepção
do feto (o pai é inteiramente excluído do texto, o que nos permite inferior que, na leitura
preferencial concebida pelos produtores textuais - os desembargadores-, não se espera
que (e tampouco se encoraja) o leitor do acórdão a recuperar esse ator social tão essencial
num caso de aborto). O aborto e seus participantes são separados de seu entorno sócio
histórico, enfatizando-se as tecnicalidades do processo penal relativas ao ‘delito’ (questões
relativas à materialidade e autoria do crime).

Considerações finais
Nesta etapa inicial de um ciclo de pesquisa e reflexão a respeito dos discursos jurídicos
sobre o aborto, os dados da jurisprudência catarinense até aqui analisados corroboram os
resultados da pesquisa de Ardaillon, indicando ainda haver no Brasil “uma incongruência
entre o enorme investimento da sociedade na proibição [do aborto], basicamente um
policiamento da sexualidade feminina, e o pouco interesse de fato, por parte dos jurados
– representantes dessa mesma sociedade – [e por parte do judiciário como um todo] na
sua penalização” (1997, p. 4). O acórdão 6 segue essa mesma linha, uma vez que resultou
na despronúncia (e portanto absolvição) da perpetrante/abortante.
Apesar da absolvição da abortante, o acórdão 6 constrói uma grande distância
hierárquica entre os operadores do direito que o produzem e a mulher indiciada. Há um
borramento da agência de vários processos realizados pelo judiciário e seus agentes,
formalizando e obscurecendo o funcionamento da justiça; a abortante é ativada
como agente de processos verbais e de apenas um tipo de processo material – os atos
envolvidos no suposto aborto induzido; não há menção a quaisquer dados do contexto
sócio-histórico envolvendo o aborto e a abortante. Essas escolhas semióticas resultam
em um texto extremamente formal, abstraído da realidade na qual a prática social do
aborto ocorre, focalizando basicamente tecnicalidades jurídicas.
Isso me permite propor, como hipótese de trabalho, que a criminalização do aborto
(implementada na práxis pelas práticas e discursos da lei e da ordem) cumpre na verdade
um papel político e ideológico de biopoder – o controle do corpo, da sexualidade e da
capacidade reprodutiva das mulheres, aspectos da vida do indivíduo diretamente ligados à
sua autonomia, atuação política e cidadania plena. O tabu e estigma do aborto escondem
também uma questão econômica de fundo: para o modo de produção capitalista e
patriarcal, é essencial que os cuidados da casa e das crianças sejam concebidos como formas
de amor inerentes à ‘essência’ ou a ‘natureza’ das mulheres e não como trabalho feminino
não pago expropriado pelo capital. A partir dessa compreensão, vemos como é do interesse

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do sistema que o aborto seja concebido no imaginário coletivo como uma ‘negação da
natureza’ maternal e cuidadora das mulheres, portanto um ato quase ‘monstruoso’.
Segundo Correa (2006), as ações de criminalização do aborto no Brasil não visam
aprisionar as pessoas que cometem esses ‘crimes’, mas sim criar uma atmosfera de
‘condenação moral’. Isso revela o caráter pedagógico dos julgados de nossos tribunais:
eles funcionam também como instrumentos para ‘educar’ as mulheres que usam sua
sexualidade de forma livre, assim como as pessoas que as apoiam, além de constituírem
jurisprudência que poderá ser usada como base para futuras decisões judiciais. Em outras
palavras, a jurisprudência em casos de aborto pode ser vista como um conjunto de ‘formas
culturais’ que dialogam com o social, ocupando o papel didático de ‘ensinar’ as mulheres
qual é seu status cidadão, que direitos possuem sobre a suas vidas e seus corpos, e qual
deve ser sua participação na organização da sociedade (SIEGEL, 2007).
Nesse sentido, a ambivalência do tratamento jurídico do aborto no Brasil
(criminalização em nível de legislação, baixa penalização em nível judicial, tendência
condenatória em relação aos terceiros perpetradores, certa ‘leniência’ em relação às
abortantes), somada à permanência do estigma e do tabu do aborto no senso comum,
nos discursos conservadores e religiosos pró-vida e no próprio judiciário, representam
um embate entre a epistemologia contemporânea da sexualidade (que compreende
as práticas e identidades sexuais como fluídas e instáveis), a teoria e prática do Direito
(ancoradas em binarismos como ‘adequado’ e ‘inadequado’, ‘normal’ e ‘patológico’, ‘moral’
e ‘imoral’) e o discurso capitalista patriarcal sobre sexo e reprodução.

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Recebido em 04 de setembro de 2015.


Aprovado em 10 de fevereiro de 2016.

Débora de Carvalho Figueiredo

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1990), mestrado em
Letras e Linguística Aplicada (Inglês e Literatura Correspondente) pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1995) e doutorado em Letras e Linguística Aplicada (Inglês e Literatura Correspondente)
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000). Suas publicações nacionais e internacionais
incluem artigos em periódicos e livros, como Language and Law/Linguagem e Direito, Vol. 1(1), 2014
(Universidade do Porto), Systemic Functional Linguistics and Critical Discourse Analysis (London:
Continuum, 2004),  Language in the Legal Process (London: Palgrave Publishers, 2002), e edições
de livros e periódicos, como Linguagem em (Dis)curso: Análise crítica do discurso - Perspectivas
textuais e discursivas, no. especial, v. 4, 2004; Linguagem e Gênero no Trabalho, na Mídia e em Outros
Contextos (Florianópolis: Editora da UFSC, 2006), Genre in a changing world (Fort Collins: The WAC
Clearinghouse/Parlor Press, 2009). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal de
Santa Catarina. Tem experiência em Linguística Aplicada e ensino de LE, atuando principalmente
nas áreas da Análise Crítica do Discurso e da Linguística Sistêmico-Funcional. Seus interesses
de pesquisa se voltam para questões de gênero, poder e identidade nos discursos midiáticos e
jurídicos.  Email: deborafigueiredo@terra.com.br

129
polifonia eISSN 22376844

A relação da esfera pública e da esfera


privada na visão da mídia hegemônica:
a quem pertencem as praias cariocas?
The relationship of the public sphere and the private sphere in
view of the mainstream media: who owns Rio’s beaches?
La relación de la esfera pública y de la esfera privada en la
visión de los medios de comunicación hegemónicos: ¿a quién
pertenecen las playas cariocas?
Bruna Avelar (CMA, Unifal/Varginha-MG)
Gustavo Ximenes Cunha (UFMG/Belo Horizonte-MG)

Resumo
Investigamos a propensão da mídia hegemônica em representar os espaços públicos como se
fossem ou como se devessem ser privados, através do discurso como instrumento de poder e
construção social da realidade. Para tanto, utilizamos a Análise Crítica do Discurso, com base na
obra de Fairclough, para analisar a reportagem “Sol, Mar e Organização”, veiculada na Revista
Veja. Conclui-se com a ideia de que existe uma relação dialética entre discurso e estrutura social,
uma vez que, durante as análises, restou claro que essa reportagem contribui para construir um
senso comum de supremacia de classe e domínio socioeconômico. Pode-se perceber a utilização
do discurso como prática social com o fim de representar o posicionamento ideológico do
autor, comprometendo o caráter democrático da comunicação. Nesse contexto, a análise crítica
realizada apontou que a mídia hegemônica busca naturalizar hierarquias sociais.
Palavras-Chave: Público, privado, análise crítica do discurso

Abstract
We investigated the propensity hegemonic media to represent the public as if they were ou
should be as private through the discourse as power tool and social constrution of reality. For
so much, we use critical discourse analysis based on Fairclough. We analyse the report “Sun,
Sea and Organization”, broadcast on Review See Magazine. We conclude with the idea that
there is a dialectic relationhsip between discourse and social structure. The analysis shows that
this report contributes to build a common sense of class and socioeconomic supremacy. The
use of discourse as social practice represents the author ideological position, committing the
democratic character of comumunication. In this context, critical discourse analysis performed
pointed that the media hegemonic search naturalize social herarchies.
Keywords: Public, private, critical discourse analysis

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 130-148, jan-jun., 2016 130


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Resumen
Investigamos la tendencia de los medios de comunicación hegemónicos a representar los
espacios públicos como si fuesen o como si debiesen ser privados, a través del discurso como
instrumento de poder y construcción social de la realidad. Para ello, utilizamos el Análisis Crítico
del Discurso, con base en la obra de Fairclough, para analizar el reportaje “Sol, Mar e Organização”,
publicado en la Revista Veja. Se concluye con la idea de que existe una relación dialéctica entre
discurso y estructura social, ya que durante los análisis, quedó claro que ese reportaje contribuye
a construir un sentido común de supremacía de clase y dominio socioeconómico. Se puede notar
la utilización del discurso como práctica social con la finalidad de representar el posicionamiento
ideológico del autor, comprometiendo el carácter democrático de la comunicación. En ese
contexto, el análisis crítico realizado señaló que los medios de comunicación hegemónicos
buscan naturalizar jerarquías sociales.
Palabras Clave: Público, privado, análisis crítico del discurso

Introdução
Os meios de comunicação constituem um dos instrumentos centrais na disputa
pela hegemonia nas sociedades contemporâneas. Segundo Lima (2004), as sociedades
podem ser consideradas “media-centered”, ou seja, dependem da mídia para a construção
do conhecimento público que possibilita a tomada de decisões. Ainda Gramsci (2004)
conceitua o jornalismo como o veículo de formação, organização e difusão de consensos e
concepções de mundo, de forma que o jornalismo não somente pretende satisfazer todas
as necessidades de certa classe, mas pretende também criar e desenvolver necessidades,
produzindo informações através de recortes da realidade.
Conforme Arendt (2007), quanto mais a sociedade moderna rejeita a distinção entre
o que é particular e o que é público, mais ela introduz entre o privado e o público uma
esfera social na qual o público é transformado em privado e vice-versa. A autora critica a
perda da importância em “fazer distinções”, pois, na medida em que não se distinguem
conceitos, “cada um de nós tem o direito de definir seus termos”. E essa rejeição em
distinguir as esferas pública e privada se mostra de modo acentuado nos discursos que
veicula a mídia hegemônica nacional.
Por isso, com essa pesquisa propomos a abordagem da relação entre a esfera pública
e a esfera privada por meio de um texto midiático, isto é, a reportagem, para provocar
um questionamento na interpretação do discurso hegemônico, com vistas a criar pontos
de resistência, bem como construir perspectivas contra hegemônicas. Especificamente,
neste trabalho, avaliamos como as categorias de análise linguística se conectam com
as categorias de análise social, bem como sua interação com a estruturação social,
investigamos a propensão da mídia hegemônica em representar os espaços públicos
como se fossem ou como se devessem ser privados, através do discurso enquanto
instrumento de poder e construção social da realidade.
Essa investigação baseia-se, em especial, nos trabalhos de Fairclough (2008, 2012),
para quem o discurso é, ao mesmo tempo, uma prática social, uma prática discursiva e

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uma prática textual. Como complementação à abordagem do Fairclough, serão utilizadas


as contribuições de Habermas (1984) com relação a seus estudos sobre a mudança
estrutural da esfera pública, para oportunizar a análise da dimensão das práticas sociais.
Inicialmente, explicitamos a relação entre a Análise Crítica do Discurso e a Ciência
Social e como elas podem contribuir para as pesquisas críticas sobre mudança social.
Em seguida, realizamos uma discussão teórica acerca dos conceitos de poder, ideologia
e hegemonia, evidenciando não só sua definição, mas abordando sua relação com a
ideologia capitalista. Ainda, em breve análise, destacamos a tendência de a esfera pública
ser transpassada pela ótica da esfera privada numa possível tensão entre a subjetividade
individual e a subjetividade coletiva.
Por fim, procedemos à Análise Crítica do Discurso da reportagem “Sol, Mar e
Organização”, veiculada na edição da revista Veja de 06/01/2010. Subjaz a essa análise o
pressuposto de que o mundo (as estruturas sociais) em que os jornalistas estão inseridos
inevitavelmente influencia a forma como eles (re)constroem os acontecimentos ou o
mundo representado no discurso. Para dar conta desse jogo de influência, analisamos
a dimensão das práticas socais, por meio de breve discussão da situação conjuntural;
a dimensão da prática discursiva, caracterizando o gênero do discurso; e a dimensão
textual, com a análise linguística do texto.

1. Esfera pública sob a ótica da esfera privada

Os bens de uso comum do povo trazem como traço distintivo o fato de poderem
ser utilizados por todos em igualdade de condições, de forma que a soberania popular
há de exercer-se no âmbito da sociedade como um todo. Santos (1994) remete-se
à descontextualização da identidade na modernidade expondo as tensões entre
subjetividade individual e subjetividade coletiva; subjetividade contextual e subjetividade
universal. O paradigma da modernidade aspira a um equilíbrio entre a regulação social
e a emancipação social. Essa trajetória social não é linear, mas é caracterizada pelo ápice
do desenvolvimento capitalista resultando na proposta hegemônica da resolução da
identidade moderna. Assim, em uma tensão entre subjetividade individual e subjetividade
coletiva, a prioridade é dada à subjetividade individual. Na tensão entre subjetividade
contextual e subjetividade abstrata, a prioridade é dada à subjetividade abstrata. O autor
relata o triunfo da subjetividade individual propulsionado pelo princípio do mercado e
da propriedade individual que inviabiliza a emancipação da sociedade civil, de forma que
quem perde é o princípio da comunidade.
Contribui Comparato com as seguintes considerações (2010, p. 552):

Para conjugarmos o risco de consolidação da barbárie, precisamos


construir urgentemente um novo mundo, uma civilização que assegure a
todos os seres humanos, sem embargos das múltiplas diferenças biológicas
e culturais que os distinguem entre si, o direito elementar à busca da

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felicidade. Constitui efetivamente um opróbio verificar que, no momento


histórico em que parecemos nos tornar, enfim, senhores e possuidores
definitivos da natureza, como anunciara Descartes, as condições de vida
de três quartos da humanidade representam a negação objetiva desse
direito inerente à condição humana.

Em perspectiva semelhante, Habermas (1984) critica o caráter puramente formal


do Direito burguês, enfatizando que a autonomia garantida pelo direito privado só
beneficiaria igualitariamente a todos os sujeitos de direito, à medida que iguais chances
de êxito econômico permitissem a realização da igualdade juridicamente estatuída. Sob
o mesmo ponto de vista, Polanyi (2000) argumenta que os interesses de uma classe se
referem mais diretamente à sua posição e lugar, ou seja, ao seu status, de forma que
eles são basicamente sociais e não econômicos. A causa da degradação social não é,
portanto, a exploração econômica, como se presume muitas vezes, mas a desintegração
do ambiente cultural.
Ao explicar sobre a mudança na estrutura social da esfera pública, Habermas (1984,
p. 191) afirma que a cultura burguesa não era mera ideologia, que possuía um caráter
político e se baseava no sentido grego de uma emancipação das necessidades existenciais
básicas. O autor comparou os modelos de cultura burguesa, que antes possuíam caráter
literário em sua matéria, aos que circulam hoje,

com o segredo de uma fabricação intencional de uma patenteada indústria


cultural, cujos produtos, divulgados publicamente através dos meios de
comunicação de massa, provocam, por sua vez, primeiro na consciência
dos consumidores, a aparência de privacidade burguesa.

Para tanto, Habermas (1984) contextualiza a cultura no âmbito do consumo, quando


os problemas passam a ser definidos como questões de etiqueta, e os conflitos, que,
antes, tinham um tono de polêmica pública, passaram a ser desviados para o nível dos
atritos pessoais.

2. Análise Crítica do Discurso e ciência social


Essa pesquisa tem como base teórica a obra de Fairclough (2008, 2012) no que tange
à Análise Crítica de Discurso (ACD), com foco na Ciência Social, de forma a destacar a
contribuição que essa análise pode trazer a pesquisas críticas sobre mudança social.
Segundo essa perspectiva, a vida social é permeada de práticas, nas quais o discurso
é caracterizado como um de seus elementos, incorporando a visão de língua como um
elemento integrante do processo social. As práticas são modos habituais de ação social,
situados em um contexto particular. As práticas envolvem diversos elementos da vida,
como: atividade material, relações sociais e processos, fenômenos mentais e discurso,
que são articulados entre si. Quando esses elementos se reúnem em uma prática, passam
a ser considerados como momentos dessa prática.

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Dessa maneira, a vida social é vista como uma rede interconectada de práticas sociais
de diversos tipos, econômicas, políticas, culturais etc, abastecida por relações de poder. A
ideologia integra a relação do discurso com os outros momentos da prática social.
Neste interim, a ACD almeja investigar criticamente como a desigualdade social
é expressa e legitimada através do discurso, considerando que o uso sistemático
de mecanismos gramaticais possui a função de estabelecer, manipular e naturalizar
hierarquias sociais. Conforme estabelece Wodak (2004), a ACD procura mediar o
desenvolvimento de uma consciência latente de classe, de luta por emancipação, a fim de
despertar nos agentes a consciência de que, frequentemente, são enganados a respeito
de suas próprias necessidades e interesses.
Essa ideia leva à conclusão de que os textos da mídia, após uma análise crítica, apresentam
uma versão da realidade, podendo ser percebidos como reprodutores de posições sociais,
interesses e objetivos daqueles que o produzem. Portanto, a ACD interessa-se pelo discurso
como instrumento de poder e controle; além do discurso como construção social da realidade.
Nessa abordagem, ganham importância central as noções de poder, ideologia e
hegemonia. A partir de uma economia baseada no capitalismo, conhecimento e informação
passam a ter um novo e decisivo significado, fruto de uma economia baseada no discurso
operando novas formas de agir e de interagir, ditando a consecução de identidades
hegemônicas. Assim, conforme Fairclough (2012), o poder pode ser traduzido a partir da
análise de três objetos: dominação, diferença e resistência. Primeiro, a supremacia de um
grupo se manifesta de dois modos, como “domínio” e como “direção intelectual e moral”.
O segundo traz a reflexão sobre quem tem ou não tem acesso às formas dominantes,
desmitificando a falácia da presunção de que as formas dominantes são as únicas existentes.
Já a resistência associa os estilos dominantes a novos domínios colonizadores.
Da mesma forma, as relações de dominação podem ser mantidas pela fragmentação
que segmenta indivíduos e grupos em que um se torna dominante com relação a outros,
constituindo diferenciações sociais. De acordo com Fairclough (2008, p. 117):

As ideologias são significações/construções da realidade (o mundo


físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas e
que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de dominação.

Ainda conforme o mesmo autor, a hegemonia é liderança, tanto quanto dominação


nos domínios: econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. O conceito
de hegemonia destaca a importância da ideologia para construir e manter as relações de
dominação e permite aprofundar a questão de poder como dominação. Gramsci (1978)
também conceitua hegemonia, ao dizer que é comum um determinado grupo social,
em situação de subordinação em relação a outro grupo, adotar a concepção do mundo
deste, mesmo que ela esteja em contradição com a sua atividade prática. Ademais, ele
ressalta que esta concepção do mundo atribuída mecanicamente pelo ambiente exterior
é desprovida de consciência crítica e coerência, é desagregada e eventual.

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Thompson (1995, p. 79) confirma essa posição, ao afirmar que a análise de ideologia
interessa-se pelas maneiras como as formas simbólicas se entrecruzam com as relações
de poder. Assim, ele conceitua ideologia “em termos das maneiras como o sentido,
mobilizado pelas formas simbólicas, serve, para estabelecer e sustentar relações de
dominação”. E ainda cita que as relações de dominação podem ser estabelecidas pela
universalização, apresentando acordos institucionais que atendam aos interesses de
alguns como se servissem aos interesses de todos.
No mesmo sentido, Santos (1994) defende que os interesses de classe são o veículo
natural da mudança social e política, já que o “desafio” é para a sociedade como um
todo, porém a “resposta” chega através de um grupo, seções ou classes. Assim, os meros
interesses de uma classe não podem oferecer explicação satisfatória para o processo
social em longo prazo.
Trata-se da ideologia capitalista global geralmente construída como imutável e
inquestionável, um simples fato da vida com que devemos nos conformar. Não há nada
que tenha sido criado socialmente que não possa ser modificado no mesmo âmbito. Essas
representações e distorções, que contribuem para a manutenção de relações desiguais
de poder, são meramente ideológicas.

3. Análise Crítica do Discurso da reportagem


“Sol, mar e organização”

Esse item tem por objetivo a Análise Crítica do Discurso da reportagem “Sol, Mar e
Organização”, veiculada na Revista Veja, em 06/01/2010, e que se encontra no anexo deste
trabalho. Foi selecionada tal reportagem por ela tratar da forma como a prefeitura do Rio
de Janeiro promoveu o aumento da fiscalização em praias da zona sul dessa cidade. Essa
análise é importante para se atingir a finalidade deste trabalho de investigar se a mídia
hegemônica tem propensão em representar os espaços públicos, as praias, como se
fossem ou como se devessem ser privados, através do uso do discurso como instrumento
de poder e construção social da realidade.
Vale destacar que a escolha desse veículo de comunicação – Revista Veja – aconteceu
pelo fato de ele ser considerado um veículo hegemônico, voltado para um público elitista.
Segundo informações da Editora Abril (2015), as plataformas de VEJA têm uma audiência
de 12 milhões de pessoas, sendo: 9,3 milhões de leitores na versão impressa; 150 mil na
versão digital; 2,5 milhões de visitantes únicos no portal Veja.com; 36 mil leitores no app
VEJA Notícias, por semana. Além disso, a publicação ainda conta com mais de 3 milhões
de seguidores de VEJA no Twitter - uma das trinta contas mais populares do Brasil – e a
primeira entre os sites de notícia.
Além disso, a revista Veja é um veículo de comunicação que pretende ser hegemônico,
o que fica evidente em sua missão. Conforme a Editora Abril (2015), é missão dessa revista

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Ser a maior e mais respeitada revista do Brasil. Ser a principal publicação


brasileira em todos os sentidos. Não apenas em circulação, faturamento
publicitário, assinantes, qualidade, competência jornalística, mas também
em sua insistência na necessidade de consertar, reformular, repensar e
reformar o Brasil. Essa é a missão da revista. Ela existe para que os leitores
entendam melhor o mundo em que vivemos.

A apresentação das notícias selecionadas e manipuladas, sob a ótica de quem detém


o poder, caminha, a priori, em detrimento da consciência crítica do cidadão a respeito de
questões de subjetividade coletiva e busca, a posteriori, a naturalização de hierarquias sociais.

3.1 Identificação do problema

A ACD pressupõe a identificação de um problema relacionado ao discurso na


estrutura social. Esse problema pode referir-se a atividades da vida social, ou à
construção reflexiva da prática social. As noções de “esfera pública”, “esfera privada”,
“espaço público”, “espaço privado” têm mudado de significado ao longo dos tempos,
verificando-se uma tensão permanente entre o público e o privado que se intensifica
à medida que as sociedades se tornam mais complexas, como acontece no mundo
contemporâneo. De acordo com Habermas (1984), na esfera pública, os indivíduos são
sempre entendidos como cidadãos, seja na condição de usuários do espaço público,
seja submetidos a leis e normas impostas pelo Estado; enquanto na esfera privada os
indivíduos são encarados como pessoas que defendem interesses individuais.
Sendo assim, quanto ao público a que a reportagem “Sol, mar e organização” é
destinada, ele deveria ser constituído pelos cidadãos, porque a reportagem envolve
acontecimentos em espaços públicos que interessam à coletividade. Mas o autor se
dirige a uma instância privilegiada da sociedade, ao considerar, como veremos mais
adiante, que as instituições públicas devem estar a serviço da manutenção da “ordem”,
no espaço público subjetivamente tido como individual, ou seja, que deveria pertencer
exclusivamente a essa classe.
Dessa maneira, o interesse geral é substituído por interesses privados, que tomam
conta da esfera pública. A subversão do espaço público moderno é, assim, protagonizada
pelos meios de comunicação e pela cultura de massas.

3.2 Análise das práticas sociais

O Discurso como prática social diz respeito à dimensão macrossocial do discurso,


isto é, a situação conjuntural marcada por contextos sociopolítico, histórico e ideológico
mais amplos. A conjuntura é a combinação ou a ocorrência de acontecimentos num
dado momento. Assim, a análise se volta para a configuração de práticas em que o
discurso em questão se situa.

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Para tanto, vale salientar a implantação do Estado Democrático Social de Direito,


instituído com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º. Sob o
prisma do direito altruístico, parte-se de uma concepção neoconstitucionalista, ou ainda
de constitucionalismo pós-moderno, que busca a eficácia do texto constitucional, sob a
perspectiva de que ao constitucionalismo social seja incorporado o constitucionalismo
fraternal e de solidariedade, afirma Lenza (2010).
Dessa maneira, cita-se, também, o artigo 3º, incisos III e IV da Carta Magna que
constitui como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: “erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais”; e “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. Esse compromisso normativo foi imposto pela Constituição como dever
da busca pela igualdade, ou seja, compromisso que busca a igualdade real, substancial
e efetiva. Pretende-se, portanto, a concretização das prestações materiais prometidas
para a sociedade, que possui como meta eliminar as desigualdades sociais e assegurar a
plenitude do novo modelo jurídico social.
Sendo assim, consubstancia-se que ao Estado cabe a atividade interventiva nos
processos de interação social a fim de eliminar todas as formas de privilégios de classes
em detrimento de outras. Numa análise da conjuntura mais imediata, necessário se faz
relacioná-la aos processos de produção e consumo.
Aqui, cabe uma breve discussão teórica sobre a interação entre Estado e Sociedade,
a partir do ponto de vista de interesses que se chocam, com base no princípio da
supremacia do interesse público. Por ser o Brasil um Estado de direito democrático, de
economia capitalista, é importante notar que a convivência das esferas pública e privada
– tem capacidade de intervenção na questão de ordem e poder do espaço público.
Assim, a forma como a sociedade desenvolve-se é determinada por um conjunto de
forças e interesses dos indivíduos, do governo e das organizações de forma complexa.
Dentro dessa perspectiva, percebemos o conceito de interesse público enquanto
produção de cidadania.
Os meios de comunicação, de certa forma, legitimam o poder das camadas elitistas. A
hegemonia é consolidada com armas ideológicas e culturais como se fossem uma “vontade
coletiva” sobre a ordem vigente, de forma que a sociedade submete-se a esses padrões,
conforme Moraes (2010). Assim, a mídia hegemônica é o reflexo das elites, utilizando-se do
monopólio dos meios de comunicação, em que as grandes empresas estão nas mãos das
mesmas famílias por anos, como o caso do jornal paulista “Estadão” com a família Mesquita,
o jornal “Folha de S. Paulo” com os Frias, a Rede Globo com os Marinho entre outros
conglomerados (VELOSO 2009). Essa dominação informacional são as “amarras capitalistas”
que cercam as empresas jornalísticas, de acordo com Ramonete, (1999).
Diante disso, surge a premissa de que as mídias hegemônicas transmitem ideologias
que beneficiam a sua classe dominante, ou seja, enquadram suas matérias a fim de levar
a esse direcionamento. Nessa perspectiva surge o questionamento de como essas mídias
referem-se à esfera pública a partir da ótica da subjetividade individual.

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Numa visão subjetivamente privada do espaço público, espera-se discutir as fronteiras


criadas entre espaço coletivo de sociabilidade e espaço individual de desigualdade, no
que tange ao distanciamento entre classes sociais, ideologicamente construído, causando
um empobrecimento do horizonte cultural. Tal colocação incita remeter às proposições
de Habermas (1984), que caracteriza o Estado como poder público, cuja atribuição de ser
público carrega a tarefa de promover o bem público, o bem comum a todos os cidadãos.
Cita ainda que a própria “esfera pública” se apresenta como uma esfera em que o âmbito
do que é setor público contrapõe-se ao privado.

3.3 Análise da prática discursiva

Neste momento, a análise se volta para o estudo da prática discursiva, que procura
localizar o Discurso em relação ao gênero, discurso e vozes, bem como caracterizar de que
ordem de discurso estes são. Fairclough (2008) define gêneros como aspectos discursivos
das formas humanas de ação e interação em eventos sociais, isto é, os gêneros são formas
particulares de relações sociais entre agentes sociais (indivíduos, organizações e Estado).
Do ponto de vista da ACD, portanto, a análise de gêneros focaliza o papel dos gêneros nas
ações e interações que ocorrem nas práticas sociais.
Ainda nos termos de Fairclough (2008, p. 90-91):

Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de linguagem como


forma de prática social e não como atividade puramente individual ou
reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro,
implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas
podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como
também um modo de representação. [...] Segundo, implica uma relação
dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente
tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma
condição como efeito da primeira. [...] O discurso é uma prática, não
apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo,
constituindo e construindo o mundo em significado.

Uma das características fundamentais da Análise Crítica do Discurso trabalhada


por Fairclough (2008) é o entendimento da ordem do discurso sob o ponto de vista do
processo de mudança de ordens discursivas. Esse tipo de mudança é possível por ser o
Discurso uma prática social que pode provocar ressignificações dos sujeitos, do seu papel
em sociedade, da vida social, bem como o estabelecimento de novas relações de poder e
novas hegemonias. Isso explica como o processo de produção, circulação e recepção dos
discursos ocorre em contextos institucionais particulares.
Incita ressaltar aqui as contribuições do trabalho de Foucault (1996) para as teorizações
da ACD, buscando não só evidenciar a existência do discurso como um lugar, mas sim
estabelecer suas ligações com o poder, tornando-o um lugar de poder. O discurso, dessa
forma, não seria só o meio através do qual se exerce o poder, mas também o lugar pelo qual

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se luta para exercê-lo. Luta-se por meio do discurso, no discurso e pelo discurso. O poder
dentro desse lugar é uma questão de inscrição na “Ordem do Discurso”, de legitimação
como pessoa que tem o direito de fala.
Assim, o texto examinado compreende o discurso jornalístico e pertence ao
gênero reportagem. A análise dessa prática acontece em função da maneira como os
interlocutores se representam e representam uma atividade específica. Nesse caso, o
produtor da reportagem a ser analisada, “Sol, Mar e Organização”, quer fazer crer que
a praia (espaço público) deve ser reservada para o lazer de certa classe econômica,
reafirmando a hipótese de dominação e poder da classe que defende – a elite. Assim, o
autor dialoga com um leitor que faz parte de uma classe economicamente privilegiada,
com o fim de propiciar um consenso de supremacia de uma classe e domínio
socioeconômico do espaço público.

3.4 Análise da prática textual


Quanto à análise do texto, esta se orienta para como o discurso articula os recursos
linguísticos e semióticos. Neste item, apresentamos um estudo de toda a reportagem,
focalizando os recursos textuais e discursivos que pareceram relevantes para esta análise.
O título e o subtítulo da reportagem trazem nas palavras destacadas um sentido
pejorativo da ocupação recente das praias cariocas. Assim, já num primeiro momento resta
clara a presença da antítese ordem/ desordem, de forma que se percebe, pelos elementos
destacados, qual o posicionamento ideológico o autor irá evidenciar no decorrer do texto.

1. Sol, mar e organização - A prefeitura do Rio promove um choque de ordem para acabar
com a balbúrdia em que se transformaram as praias cariocas.

No início do texto, observa-se uma forte carga apelativa construída pelo autor por
meio da citação de dois famosos cantores de Música Popular Brasileira (MPB), e de uma
canção emblemática, numa comparação entre a ocupação das praias do Rio de Janeiro no
ano de 1962 e de atualmente.

2. Quando Tom Jobim e Vinicius de Moraes compuseram Garota de Ipanema, em 1962, o


Rio de Janeiro tinha metade do número de habitantes de hoje. Havia espaço de sobra
para que a musa andasse, em doce balanço, a caminho do mar – sem tropeçar. Nos
últimos anos, porém, as praias cariocas tornaram-se lugares quase intransitáveis. Não
apenas porque há mais gente.
Sob o mesmo enfoque, esse trecho cria uma antítese com as expressões “lugar de sobra” e
“lugares quase intransitáveis”, para dizer que a falta de ‘espaço’ não se deu apenas pelo aumento
do número de pessoas, mas deixa em suspense o motivo, para retomar na próxima oração.

3. O maior tumulto é provocado pela turba de barraqueiros, camelôs e flanelinhas que


tomou conta do pedaço.

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O termo “maior tumulto” remete à presença das pessoas indesejadas, que o autor
chama de “turba de barraqueiros”. A escolha da palavra “turba” para referir os trabalhadores
informais é repleta de significado. Segundo o dicionário informal online (2007): “A ‘turba’ é um
fenômeno social primitivo das cidades pré-capitalistas. Pode-se dizer que a ‘turba’ era formada
pelos pobres urbanos, assalariados ou não, que, em tumulto ou em rebelião, saíam pelas
ruas fazendo arruaça e saques”. Já a palavra “barraqueiros” possui um duplo sentido. Pode ser
entendida como aqueles que montam suas barracas, mas também pode ser entendida como
pessoas que costumam causar algazarras, atrapalhar a ordem, pessoas que “fazem barraco”.
Percebe-se, portanto, como a coesão lexical, ao utilizar palavras que pertencem ao
mesmo grupo semântico “tumulto”, “turba”, “barraqueiros”, e ainda “camelôs” e “flanelinhas”
(ao invés de trabalhadores informais), representa um modo significativo de trabalho
ideológico do produtor do texto. Quanto à expressão “tomou conta do pedaço”, pode ser
traduzida como “apropriou-se do que não é seu”.
Nessa mesma perspectiva, o autor continua seu texto, associando a convivência de
pessoas pertencentes a diferentes classes sociais no mesmo espaço (público) como falta
de organização:

4. A ideia de que a orla do Rio era um espaço de convivência extremamente democrático


serviu apenas como pretexto para a falta de organização. A baderna se espalhou.

Não por acaso, essa convivência é categorizada por ele como “baderna”.
No trecho a seguir, merece destaque a metáfora “pôr ordem na casa”, que remete a
um diálogo com o leitor, ou seja, por ordem na “nossa” casa, com o fim de propiciar um
consenso de supremacia de uma classe e domínio socioeconômico do espaço público.

5. Neste verão, a prefeitura do Rio resolveu pôr ordem na casa.

São passagens como essa, da comunicação voltada para a compreensão e baseada


no reconhecimento do outro do discurso (o interlocutor), através de uma comunicação
persuasiva, que propiciam aos meios de comunicação estar no centro de um processo de
ruptura entre as estruturas de comunicação da sociedade e as demandas comunicativas
da democracia – ou seja, caracteriza-se na manipulação informativa. Da perspectiva da
liberdade como autonomia, esse é um problema grave, pois os cidadãos, ou melhor, os
sujeitos privados que constituem a opinião pública são alienados de sua função crítica
nas discussões públicas (BOBBIO, 1992).

6. A primeira providência foi dar um banho de loja nas barracas que funcionam como
ponto de venda de bebidas e de aluguel de cadeiras e guarda-sóis. Em vez das tendas
improvisadas e das caixas de isopor imundas, espalhadas pela areia, só serão permitidas
barracas padronizadas e caixas térmicas de plástico.

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Nesse trecho, o autor trabalha com a expressão “banho de loja” para dar status de
prestígio à providência tomada. Propositadamente também utiliza uma antítese, marcada
pela expressão conectiva “em vez de”, para fazer transparecer como essa ação foi, sob seu
ponto de vista, benéfica, através do jogo de palavras “tendas improvisadas”/ “barracas
padronizadas”, “caixa de isopor imundas”/ “caixas térmicas de plástico”.

7. Desde o início do ano, a prefeitura já vinha tentando acabar com a bagunça provocada
pelos barraqueiros. Eles estacionavam Kombis velhas nos melhores pontos em frente à
praia apenas para servir como depósito de seus produtos.

Nesse trecho, vale chamar a atenção para a oração “Eles estacionavam Kombis velhas nos
melhores pontos em frente à praia”. Nessa oração, identifica-se o uso de um verbo de ação
“estacionavam” e a caracterização dos veículos dos “barraqueiros” como “kombis velhas”. O
fato de o autor utilizar a expressão “Kombis velhas” para se referir aos veículos utilizados pelos
trabalhadores informais nas praias cariocas traz uma reflexão a respeito da concentração de
poder cultural e comunicativo que busca a naturalização de hierarquias sociais. Essa oração
é seguida por esta oração adverbial final: “apenas para servir como depósito de seus produtos”.
Com essa oração subordinada, o autor demonstra indignação em relação ao fato de os veículos
mencionados ocuparem “os melhores pontos”, aqueles que deveriam ser reservados a certa
classe social, de forma que essa colocação pode representar um foco de luta ideológica. A
análise desse trecho mostra que, ao tratar de temas da esfera pública de maneira subjetiva, a
reportagem em análise compromete o caráter democrático da comunicação. Afinal, sob um
discurso aparentemente neutro e informativo, defende que há segmentos sociais superiores
a outros e que cada classe deve ocupar o seu lugar reservado na desigualdade de poder.

8. Depois de algumas tentativas de driblar a fiscalização, as sucatas desapareceram e


um esquema de abastecimento racional foi adotado. Mas persistiam as barracas, de
aparência lastimável, que começam a ser removidas agora.

Ao examinar esse trecho, verifica-se que as pessoas a quem o autor se refere são
por ele representadas como pessoas que buscam infringir uma lei, porque tentam
“driblar a fiscalização”. Continuando suas considerações, o autor mantém a coesão lexical
abordando de forma pejorativa os veículos e barracas por meio das expressões “sucatas”
e “de aparência lastimável”.
No trecho, há duas ocorrências de orações na voz passiva: “um esquema de
abastecimento racional foi adotado” e “as barracas, de aparência lastimável, que começam
a ser removidas agora”. Nessas construções, foram omitidos os agentes. Essa omissão
pode se dever à busca do jornalista por ocultar os agentes repressores, que, em sua ação
de remover os trabalhadores informais, podem ter se valido de ações violentas. Ligando
os enunciados, o conectivo “mas” é um conectivo contra-argumentativo, que opõe as
ideias de “abastecimento racional” e “barracas de aparência lastimável”, a fim de fortalecer
a mensagem de soberania da esfera privada em detrimento do princípio da comunidade.

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O trecho a seguir é significativo, por duas razões. Em primeiro lugar, mostra que,
para o jornalista e para a classe social a que pertence, a inspeção ou a ação dos agentes
reguladores/repressores deve ser rigorosa. Por isso, ele pode dizer que “a inspeção ainda
deixava a desejar”. Ele deseja, portanto, uma fiscalização mais enérgica. Em segundo lugar,
os vendedores são representados como criminosos, já que vendem “produtos proibidos”:

9. Até a semana passada, a inspeção ainda deixava a desejar. Vendedores com produtos
proibidos estavam em atividade, havia animais na areia e praticantes de futebol na
beira d’água.

O leitor pode ser levado a entender que não há problema algum no fato de a fiscalização
agir de forma enérgica e violenta contra os vendedores, pois, afinal, são criminosos.

10. Os ambulantes esperavam o momento em que os fiscais iam embora para invadir a praia.

Essa formulação atinge o ápice da mensagem que o autor quer passar. Ela traz a ideia
de que esses “ambulantes” invadem um espaço que não lhes pertence. O verbo “invadir”
deixa bem clara a visão subjetivamente privada que o autor passa desse espaço público.
Da forma como foi apresentado, esse argumento traduz como podem figurar os processos
de luta hegemônica sobre a estrutura das ordens de discurso.
No trecho abaixo, o trabalho de “barraqueiros”, “ambulantes”, “flanelinhas”, “camelôs” é
categorizado como um “problema”, que tende a ser resolvido.

11. A prefeitura garante que vai resolver o problema. Desde 1999, por exemplo, a prefeitura
procura implantar um estilo de quiosque que substitua os pesadões modelos de madeira
por instalações modernas, de ferro e vidro. Elas funcionam como ponto avançado de
restaurantes conhecidos da cidade e contam com banheiros e cozinha no subsolo.

No trecho abaixo, como único entrevistado da reportagem, o “secretário municipal


de Ordem Pública” fala da ‘fiscalização’, e o jornalista o representa prometendo agir
com severidade. Verifica-se, assim, a incorporação de apenas um único ponto de vista,
exatamente o ponto de vista do agente repressor. Não se ouvem as vozes dos vendedores
afetados pelas medidas excludentes.

12. “Quero ver como o esquema funciona durante duas semanas de praias lotadas, antes
de ampliar as ações”, diz o secretário municipal de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem. “A
fiscalização será severa”, afirma.

Neste outro trecho, o autor utiliza-se do verbo “civilizar” para fortalecer a ideia de que
esse espaço pertence à classe social dominante, como construção da realidade a partir de
sua identidade social.

13. As tentativas de civilizar a orla do Rio não são recentes.

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Nessa perspectiva, o jornalista procura articular a ideia de dominação do espaço


público, já que, para o jornalista, “civilizar” significa banir da praia quem é da periferia e da
favela, locais que representam, em sua ótica, um outro mundo ou o lugar da desordem,
do crime, da violência.

14. Apenas em 2005 se começou a tirar a ideia do papel, mas a iniciativa esbarrou em uma
série de pendências judiciais, promovidas pelos chatos de plantão. A consequência é
que somente 28 dos 309 quiosques previstos ficaram prontos. Eles deveriam ocupar
quase toda a orla balneável da cidade, desde as praias da Zona Sul até a Prainha, ponto
extremo da Zona Oeste. Por causa dos tropeços nos tribunais, foram instalados apenas
no Leme e em parte de Copacabana, e não há previsão para a retomada do projeto.

Nessa parte da reportagem, o autor passou uma imagem pejorativa do judiciário por
causa das “pendências judiciais”, e ainda os Juízes são chamados de “chatos de plantão”
por interromper as atividades de “civilização” da orla das praias. Desconsiderou-se o
Poder Judiciário como responsável pelo exercício da jurisdição, consistente na atividade
pela qual o Estado presta tutela jurisdicional. A expressão “tropeços nos tribunais”
reforça a mensagem da visão do Judiciário apenas como um problema ou um entrave
para a consecução dos objetivos desejados. Essa construção tende a contribuir para a
desarticulação da correlação dialética entre ordem e poder através da transcendência da
ordem de discurso societária.
No segmento abaixo, o uso da expressão “choque de ordem” pode ser percebida como
reprodutora de interesses e objetivos de seu autor ou do lugar ideológico de que ele faz parte.

15. As próximas praias a receber o“choque de ordem”serão justamente Leme e Copacabana.

Em diálogo interdiscursivo, essa expressão faz lembrar “choque de gestão”, noção


própria da ideologia neoliberal. No modelo neoliberal, as decisões políticas nem sempre
tratam do bem-estar da comunidade, mas sim das regras de manutenção e conquista
do poder. Nesse ponto, o embate entre noções de interesses privados e públicos, no
âmbito da concepção do constitucionalismo pós-moderno, diverge daquela impetrada
pela ortodoxia liberal: enquanto a primeira vê a concentração da propriedade como
um problema, a segunda nega a própria existência desse problema, apoiando-se no
argumento da competição e do livre mercado (LENZA, 2010).

16. A prefeitura elevou o número de fiscais. Antes eram apenas vinte para os 43 quilômetros
de praia da cidade. Agora são 143, quantidade que, se não resolve o problema,
aumenta a capacidade de vigiar pelo menos os pontos mais frequentados. Em um
único fim de semana do alto verão circulam no trecho entre Arpoador, Ipanema
e Leblon 400 000 pessoas, o equivalente à população de Porto Velho, capital de
Rondônia. Em breve, haverá o reforço da tecnologia. Serão usadas miniaeronaves para
monitorar as operações na areia. Importadas de Israel, elas têm câmeras acopladas
que transmitem a imagem em tempo real e chegam a 4.500 metros de altura.

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Mais uma vez, nesse trecho, cria-se uma identidade negativa desses ‘ocupantes’
indesejáveis da praia, demonstrando que o fato de a prefeitura ter “elevado o número
de fiscais” “aumenta a capacidade de vigiar”, além do “reforço da tecnologia”, tudo
favorecendo a manutenção da privacidade subjetiva de uma esfera privada de ocupantes
que merecem desfrutar do espaço público da praia.
No segmento final do texto, o artigo definido “o” e a oração restritiva “que aplaude
o pôr do sol em Ipanema” especificam o carioca com quem o jornalista dialoga, ou seja,
aquele que se identifica com essa reportagem, o cidadão “civilizado”, pertencente à
classe social dominante que vai à praia não para vender “produtos proibidos” ou montar
“barracas com aparência lastimável”, mas sim para aplaudir o pôr sol em Ipanema.

17. Nada disso será suficiente, no entanto, se os próprios banhistas não fizerem sua parte.
O carioca que aplaude o pôr do sol em Ipanema precisa aplaudir a organização e não
burlar a lei.

Em toda a reportagem, essa versão estereotipada da esfera pública, que remete a


interesses de uma determinada classe, representa a desigualdade social expressa e
legitimada através do discurso.

Considerações Finais

Com base nas análises, pode-se verificar que os mecanismos utilizados na reportagem
contribuem para reforçar o caráter ideológico de subjetividade privada em que se
apresenta a esfera pública. A imprensa contribui para construir um senso comum de
supremacia de classe e domínio socioeconômico, favorável aos interesses hegemônicos,
utilizando o Discurso como prática social para manter e estabelecer esses interesses.
Essa dominação informacional, protagonizada pelos meios de comunicação,
constitui a subversão do espaço público, haja vista a missão da Revista Veja deixar
claro que esse veículo pretende “consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil”, a
fim de que seus leitores entendam melhor o mundo. Que mundo? Esse é representado
pelo posicionamento ideológico do autor, através de uma comunicação persuasiva
com seu interlocutor, a fim de promover um processo de ruptura entre as estruturas
de comunicação da sociedade e as demandas da democracia, utilizando-se da
manipulação informativa.
Na perspectiva adotada neste trabalho, não basta conhecer o significado literal das
palavras. É preciso saber reconhecer que o sentido das palavras pode variar de acordo
com as intenções do falante e as circunstâncias de sua produção. Ao entender o uso da
linguagem como prática social, concebe-se o Discurso como um modo de ação, com o
qual o locutor pode agir sobre o mundo e sobre os outros. Explica Foucault (1996, p.10) que
“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação,
mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.

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Essa luta hegemônica sobre a estrutura das ordens do discurso, como fez o autor
na construção de seu texto, incorporando apenas o ponto de vista do agente repressor,
compromete o caráter democrático da comunicação, representando a construção da
realidade a partir de sua identidade social. Essa concentração de poder comunicativo e
cultural suscita o empobrecimento do horizonte cultural.
Destarte, a significação do enunciado é obtida pela relação entre a linguagem e o
mundo, de forma que existe uma relação dialética entre discurso e estrutura social, ou
seja, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social. O discurso contribui para
formar relações consensuais de identidade sociais.
Nesse contexto, a análise crítica realizada apontou que a mídia hegemônica busca
naturalizar hierarquias sociais. Portanto, essa aproximação da Linguística com as Ciências
Sociais contribui para a interpretação das relações sociais e ilumina a luta por emancipação,
encorajando a resistência ao discurso como construção social da realidade.
Essa concepção contra hegemônica pretendida nesse trabalho busca atentar para a
perspectiva do princípio do interesse público enquanto produção da cidadania, em prol
de um bem comum a todos os cidadãos, com o fim de se reduzirem as desigualdades e
de se promover o bem, sem quaisquer formas de discriminação.
No entendimento de Habermas (1984), o que é determinante é o argumento racional
e não o poder e os privilégios, a classe social ou qualquer outro tipo de influência. Uma
vontade individual ou de grupos não pode ser imposta. Por isso, as vontades individuais
precisam ser transformadas em uma vontade geral. Esta deve ser construída racionalmente.
Sendo assim, o caminho para uma autêntica esfera pública seria a construção de uma
opinião pública que leve a uma tomada de decisões que atendam a essa vontade geral.

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243, 2004.

Recebido em 11 de maio de 2015.


Aprovado em 15 de março de 2016.

Bruna Avelar

Possui graduação em Letras bacharelado pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino


Octávio Bastos/ UNIFEOB-SP; graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade José do
Rosário Vellano/ UNIFENAS-MG, cursa mestrado em Gestão Pública e Sociedade na Universidade
Federal de Alfenas/ UNIFAL-MG - campus Varginha. Trabalha na sociedade de advogados M.
Sarques Advocacia Especializada. Email: brunacmouraavelar@hotmail.com

Gustavo Ximenes Cunha

É doutor em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG e Professor Adjunto da


Faculdade de Letras dessa mesma instituição. Email: ximenescunha@yahoo.com.br

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ANEXO – REPORTAGEM COMPLETA

Sol, mar e organização

A prefeitura do Rio promove um choque de ordem para acabar com a balbúrdia


em que se transformaram as praias cariocas

Quando Tom Jobim e Vinicius de Moraes compuseram Garota de Ipanema, em 1962,


o Rio de Janeiro tinha metade do número de habitantes de hoje. Havia espaço de sobra
para que a musa andasse, em doce balanço, a caminho do mar – sem tropeçar. Nos
últimos anos, porém, as praias cariocas tornaram-se lugares quase intransitáveis. Não
apenas porque há mais gente. O maior tumulto é provocado pela turba de barraqueiros,
camelôs e flanelinhas que tomou conta do pedaço. A ideia de que a orla do Rio era um
espaço de convivência extremamente democrático serviu apenas como pretexto para
a falta de organização. A baderna se espalhou. Neste verão, a prefeitura do Rio resolveu
pôr ordem na casa. A primeira providência foi dar um banho de loja nas barracas que
funcionam como ponto de venda de bebidas e de aluguel de cadeiras e guarda-sóis.
Em vez das tendas improvisadas e das caixas de isopor imundas, espalhadas pela areia,
só serão permitidas barracas padronizadas e caixas térmicas de plástico. O número de
barraqueiros, agora uniformizados, foi reduzido. No primeiro trecho em implantação, que
compreende as praias do Arpoador, Ipanema e Leblon, baixou de 300 para 193.
Desde o início do ano, a prefeitura já vinha tentando acabar com a bagunça provocada
pelos barraqueiros. Eles estacionavam Kombis velhas nos melhores pontos em frente à
praia apenas para servir como depósito de seus produtos. Depois de algumas tentativas
de driblar a fiscalização, as sucatas desapareceram e um esquema de abastecimento
racional foi adotado. Mas persistiam as barracas, de aparência lastimável, que começam
a ser removidas agora. Essa é a parte mais visível do plano, que inclui o aumento da
fiscalização para fazer valer uma série de restrições que já existiam e não eram cumpridas.
É o caso dos jogos de frescobol ou das onipresentes rodas de jogadores que controlam a
bola de futebol sem deixá-la cair no chão. Até a semana passada, a inspeção ainda deixava
a desejar. Vendedores com produtos proibidos estavam em atividade, havia animais na
areia e praticantes de futebol na beira d’água. Os ambulantes esperavam o momento
em que os fiscais iam embora para invadir a praia. A prefeitura garante que vai resolver o
problema. “Quero ver como o esquema funciona durante duas semanas de praias lotadas,
antes de ampliar as ações”, diz o secretário municipal de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem.
“A fiscalização será severa”, afirma.
As tentativas de civilizar a orla do Rio não são recentes. Desde 1999, por exemplo, a
prefeitura procura implantar um estilo de quiosque que substitua os pesadões modelos
de madeira por instalações modernas, de ferro e vidro. Elas funcionam como ponto

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avançado de restaurantes conhecidos da cidade e contam com banheiros e cozinha no


subsolo. Apenas em 2005 se começou a tirar a ideia do papel, mas a iniciativa esbarrou em
uma série de pendências judiciais, promovidas pelos chatos de plantão. A consequência
é que somente 28 dos 309 quiosques previstos ficaram prontos. Eles deveriam ocupar
quase toda a orla balneável da cidade, desde as praias da Zona Sul até a Prainha, ponto
extremo da Zona Oeste. Por causa dos tropeços nos tribunais, foram instalados apenas no
Leme e em parte de Copacabana, e não há previsão para a retomada do projeto.
As próximas praias a receber o “choque de ordem” serão justamente Leme e
Copacabana. A prefeitura elevou o número de fiscais. Antes eram apenas vinte para os
43 quilômetros de praia da cidade. Agora são 143, quantidade que, se não resolve o
problema, aumenta a capacidade de vigiar pelo menos os pontos mais frequentados.
Em um único fim de semana do alto verão circulam no trecho entre Arpoador, Ipanema e
Leblon 400 000 pessoas, o equivalente à população de Porto Velho, capital de Rondônia.
Em breve, haverá o reforço da tecnologia. Serão usadas miniaeronaves para monitorar as
operações na areia. Importadas de Israel, elas têm câmeras acopladas que transmitem a
imagem em tempo real e chegam a 4.500 metros de altura. Nada disso será suficiente, no
entanto, se os próprios banhistas não fizerem sua parte. O carioca que aplaude o pôr do
sol em Ipanema precisa aplaudir a organização e não burlar a lei.

(Revista Veja, 06/01/2010)

148
polifonia eISSN 22376844

Reading the code of dehumanisation:


the animal construct deconstructed
Lendo o código de desumanização:
o construto animal desconstruído
Leyendo el código de deshumanización:
el constructo animal desconstruido
Paul Jobst (University of Duisburg, Germany)

Abstract
The article examines the way Western moral discourse is traditionally encoding the exclusion of
humans from the human moral community, resulting in their forceful subjection. The analysis
focuses on the principle of binarism producing images of ideal “human” and deficient “non-
human” (animal) features. While the latter center about “purely” bodily functions encoding “pure”
egotism and immediate consumption, the “human” ego-ideal (civilization) is defined as the “total”
subjection to collective ends of accumulation.
Keywords: Moral discourse, binarism, body

Resumo
Este artigo examina os modos como o discurso moral ocidental tradicionalmente codifica a
exclusão de pessoas da comunidade reconhecidamente humana, por meio de sua desumanização.
A análise focaliza como o principio do binarismo produz imagens de uma ‘humanidade ideal’
como opostas a traços “não humanos” (animalizados). Enquanto esses últimos traços estão
centrados em funções “meramente” corporais e na satisfação de necessidades imediatas, as
imagens do “ego-ideal” humano (civilização) são definidas por sentidos de coletividade, de
divisão do trabalho e de hierarquias permanentes e bem definidas.
Palavras-Chave: Discurso moral, binarismo, corpo

Resumen
Este artículo examina los modos como el discurso moral occidental tradicionalmente codifica
la exclusión de personas de la comunidad reconocidamente humana, por medio de su
deshumanización. El análisis focaliza como el principio del binarismo produce imágenes de una
‘humanidad ideal’ como opuestas a rasgos ‘no humanos’ (animalizados). Mientras esos últimos
rasgos están centrados en funciones ‘meramente’ corporales y en la satisfacción de necesidades
inmediatas, las imágenes del ‘ego-ideal’ humano (civilización) se definen por sentidos de
colectividad, de división del trabajo y de jerarquías permanentes y bien definidas.
Palabras Clave: Discurso moral, binarismo, cuerpo

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Introduction

Approaching the questions of dehumanisation and animalisation, one has to


bear in mind the bitter lessons of Western history. Its rhetoric of dehumanisation
not only triggered immeasurable violence and destruction, but also had paralysing
effects which helped put its cultural catalysts behind a veil of ‘ignorance’ or of
‘natural’ inevitability and thus keep its potential intact and available. Coping with
this mystification is certainly one of the most challenging tasks when analysing the
rhetoric of dehumanisation.
However, it may be even more demanding to face the complementary side to
demystification, i.e. the startling simplicity and banality of dehumanising scripts, set
against the background of their monstrous effects throughout history. This contrast
puts the spotlight on occidental culture as a whole, on its institutions and its power
tools throughout the ages, in the sciences, in philosophy, in (Christian) theology,
in education and in the media.1 Thus the rhetoric of dehumanisation has not only
been shielded by its paralysing effects, but also by the defensive works of Western
Geistesgeschichte (cf. MILLS, 1997, p. 18-19).
Having clarity in this area can be a tremendous help for analysis. The system
could not have become as powerful and enduring as it is without a simple code as
its Archimedean point that was able to penetrate cultural, intellectual and societal
structures alike and could be immediately understood and used by everyone.
By the same token, however, the code, when being decoded, can turn the system’s
Archimedean point into its Achilles’ heel. Identifying and de-mystifying the code,
to question its overall power, is therefore an academic task of considerable weight
(IVESON, 2011, p. 4).

1. The binary code

Critical research has already taught us a lot about this code and in particular about
what has been called its moral binarism, or dualism, or dichotomy, or Manichean
character, or ‘exceptionalism’ and its production of the self (or the us) as good and
better solely by drawing a decrepit other as the bad, the dangerous or the evil.

1 Mills, 1997, p. 88: “a depersonising conceptual apparatus”.

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There is also a consensus that Western moral discourse2, its dehumanising vectors
included, stems – as Charles W. Mills puts it – from the “writings of Plato and Aristotle” and from
“the Greek and Roman Stoics,” evolving “over the next two millennia” up to the present day
(MILLS, 1998, p. 172). It was Thomas Aquinas (ibid.) who placed Aristotle’s speculation in the
midst of the Christian dogma and of occidental philosophy, whence it made its way into even
the remotest classrooms of white Europe, into scientific axioms, into laws, into the media and
the arts - and into imperial practice: the “characterisation of oneself by reference to what one
is not” has left an indelible stamp on Western culture. The binary categories determine each
other reciprocally: the “secondariness” of sub- or non-persons is “essential to the primariness
of the European” (MILLS, 1997, p. 43, 58f; citing WHITE, 1972, p. 5, and SAID, 1972, p. 70).
For Johan Galtung (1996, p. 2, 17, 202) this dichotomy is continually being etched “in
religion and ideology, in language and art, in science and law, in media and education”, “to
legitimize direct and structural violence”, i.e. repression and exploitation. Niklas Luhmann
(2006, p. 262) speaks of “distinctions”, implying the “higher evaluation” of the “better”
side. These are “classifications according to a specific order of species and genus as they
were already conceived by Plato and logically elaborated by Aristotle. What matters is
to exclude one side of the distinction from the other, one species from the other, one
determination from its opposite.”
Stuart Hall (1996, p. 306, 307; 1997a, p. 21; cf. HULME, 1986, p. 49-50) calls ‘stereotypical
dualism’ a regular feature of Western moral discourse, dividing the world “into good-bad,
us-them, attractive-disgusting, civilised-uncivilised, the West-the Rest”. Susanne Kappeler
(1995, p. 323-324) holds that Western ideological tradition constructs an interrelated
set of ‘others,’ “each on a different axis of a dualistic opposition”, creating “a hierarchy
between the superior norm and the deviant ‘other’: man/woman, white/black, adult/
child, First World/Third World, national/foreign, human/animal, (human) culture/nature,

2 I follow here the definition of discourse proposed by Link (1983, p. 60) and Jaeger (1993, 1999)
in their Foucauldian adaption of critical discourse analysis (CDA). Link defines discourse in a
condensed way as: “... an institutionally consolidated concept of speech inasmuch as it determines
and consolidates action and thus already exercises power.” Jaeger complementarily understands
discourse to be “the flow of knowledge – and/or all societal knowledge stored – throughout all
time determining individual and collective doing and/or formative action that shapes society, thus
exercising power. As such, discourses can be understood as sui generis material realities.” ‘Moral
discourse’ can therefore be roughly understood as the assembly of statements and utterances, or
of clusters of statements and utterances, forming the hegemonic knowledge in one, i.e. the moral
or prescriptive realm in a given (historical, social, cultural) context. Other realms may be – among
many others - juridical, medical, political, or medial, with knowledge crossing borders freely. Cf.
Siegfried Jaeger’s comprehensive overview and his German-English CDA-Glossary in JAEGER
2005. For centuries, however, philosophy has served as a central hegemonic institution to define
what ‘can be said’, to sanction what ‘cannot be said’ (JAEGER 2005), and to distribute knowledge
among a variety of disciplines, departments, and social and cultural levels. Consequently, drawing
upon philosophy in my paper does not reflect a disciplinary or historic interest, as such, but is a
means to understand the (still effective) discursive ways of reproduction, the ‘meaning’, and the
hegemonic status of the code of dehumanisation (as a cluster of statements).

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heterosexual/homosexual, Aryan/Jew, Christian/Jew, Christian/Muslim, healthy/sick,


abled/disabled, civilised/primitive, and so forth.”
For Sander Gilman (1985, p. 17, 27), stereotypical dualism forms the “deep structure of
our own sense of self and the world”, and it has – according to Peter Hulme (1986, p. 49, 50; cf.
SALISBURY, 2011, p. 80) – “proved stubbornly immune to all kinds of contradictory evidence.”
However, speaking of a ‘deep structure’ of Western moral discourse should not tempt
us to prematurely believe that by identifying binary logic as its basic feature we had already
grasped the code in question which, by its very form, would produce moral judgments
– or rather, verdicts. It is the mingling of the plain, the simple and the obvious with the
seemingly unintelligible, even the fantastic, which has for centuries been supplying
Western dehumanising routines with perplexing fortifications. As Charles W. Mills (1997,
p. 119) put it: “…one has to think against the grain”.
Consequently, we may not be in the position to understand the functioning of
Western moral discourse, unless we consider additional intermediary encodings beneath
its binary logic.

2. The animal category

It is, of course, the animal category which has been identified as one of the most
obvious intermediary categories in Western moral discourse. In fact, moral binarism
cannot be adequately explained without referring to the narration of animal and man as
its two dramatis personae.
According to Marilyn French (1985, p. 341), Western paternalist tradition is based on the
assumption “that man is distinct from the animals and superior to them”. As a reason she
suggests the idea that only man is in contact “with a higher power/knowledge called god,
reason, or control” and therefore obliged “to shed all animal residue and realize his ‘divine’
nature, the part that seems unlike any part owned by animals - mind, spirit, or control.”
For Richard Iveson (2011, p. 8, 9, 10), by defining ‘the human’ through the exclusion
of ‘the animal’, “the privative determination of ‘animality’” started “mutely padding”
throughout Western philosophy. Judith Butler (1993, p. 7-8) agrees that “the construction
of the human is a differential operation that produces the more and the less ‘human’, the
inhuman, the humanly unthinkable. These excluded sites come to bound the ‘human’ as
its constitutive outside, and to haunt those boundaries as the persistent possibility of
their disruption and re-articulation.”
According to Giorgio Agamben (2004, p. 21), “determining the border between human
and animal” is “a fundamental metaphysico-political operation in which alone something
like ‘man’ can be decided upon and produced”. Agamben concludes that without this
‘operation’ “not even the divine” would any longer be thinkable. In other words: without
defining man by rejecting the animal Western moral philosophy could lose its raison d’être,
its condition of possibility, altogether.

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Jacques Derrida (2004, p. 21/22, 63; cf. HALL, 1990, p. 229) even dedicated his complete
Œuvre to the de-construction of the human-animal binarism.3 From this opposition all the
attempts to delimit “what is ‘proper to man’, the essence and future of humanity, ethics,
politics, law, ‘human rights’, ‘crimes against humanity’, ‘genocide’, etc.” are derived. Derrida
questions the ‘humanism’ of “the most powerful philosophical tradition within which we
live” (DERRIDA 2008, p.135): “Wherever something like ‘the animal’ is named, the gravest,
most resistant, also the most naive and the most self-interested presuppositions dominate
what is called human culture (and not only Western culture); in any case they dominate the
philosophical discourse that has been prevalent for centuries” (DERRIDA, 2004, p. 63).
Thus, as a ‘deficient’ antagonist to what may be defined as the human, the philosophical
animal (DERRIDA, 2008, p. 23) has been and is still ascribed not only to innumerable
animals4, but also to human ‘minorities’ ad libitum. It supports violence against (real)
animals, as it commands “all other structural excludings” in human contexts on the basis
of “race, gender, class, sexuality, and so on”, impacting people due to their various societal
roles in a cumulative, intersectionist way (IVESON, 2011, p. 7; HUND, 1999, p. 10-11, 14).
Consequently our search for the operating code of Western moral discourse should
not be distracted by an essentialist notion that there is a multiplicity of codes of exclusion
in accordance with the group they are launched against (COHEN, 1986, p. 85, 129). We
should rather put up with the code’s uniform, multivalent5 character, which can be traced
back to Greek philosophy.
There is, however, another distraction offered by Western moral discourse which must
be rejected, namely, that the philosophical animal (i.e. the properties which it ascribes to
humans) has anything to do with empirical biology. Rather, it was biological camouflage
which ancient rhetoric, i.e. its analogical machine, supplied to the philosophical animal so
that it could produce natural or even scientific ‘effects’.

3. The analogical machine

In turning to the analogical machine behind the moral code of the West we should
address one more intermediary layer: as Rosemary Ruether (1992, p. 138-139) has pointed
out, binary tradition explains “the superiority of the human to the animal” to mean the
rule of the ‘rational’ soul’ (man) over the ‘body’ and “the embodied world” (animal). To

3 He refers to his central terms, such as “difference”, “logocentrism”, “trace, gramma or grapheme”.
4 The ‘animalisation’ of animals (ROBERTS, 2008, p. xi) as a prerequisite of the Western Cartesian
treatment of animals must be seen as an intrinsic, systemic function of the animal construct. Although
this extensive, extremely weighty aspect cannot be dealt with in this paper, it should be clear that the
discursive deconstruction of the animal construct may be crucial for any cultural changes of attitudes
towards animals. We should not forget, however, that the construct is and has been ascribed even to
plants (PAUL, 2004, p. 320ff). For the Jewish perspective on animals, cf. GROSS, 2012.
5 Cf. my typology of modes of dehumanisation in: PAUL, 2004, p. 95-152.

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deny certain groups “the capacity for reason and self-rule” has been taken as permission
to treat them as sub-humans. As Greek philosophy lined up women, slaves and animals
“in descending order of inferiority,” Western tradition was to take ‘rationality’ as the
“defining requirement for membership in the moral community” (ADAMS/ DONOVAN,
1995, Introduction). Alongside conquered peoples, these were used “as means of labor”
for the benefit of their rulers (RUETHER, 1992, p. 139).
The sketchy summary echoes the absurd argument back and forth, from human
individuals to collectives or types of animals, from human classes to ‘human animals’ and
so forth, originally proposed by Plato and Aristotle. One may rightly call the analogical
machine a philosophical camouflage, which was subsequently exploited as justification
for the universalist and “transcendental claims” of the West “to speak for everyone, while
being itself everywhere and nowhere” (HALL, 1996, p. 166, 167).
Forging this device, Aristotle6 draws on an undifferentiated narration of evolution,
which he then applies, by way of daring analogies, to whatever domain he can.7 He
holds that if nature ‘steps up’ from matter to plants and animals and only then up to man,
societal order can be declared to be a mirror of that order, with slaves at the bottom and
philosophers at the top (cf. LOVEJOY, 1936).
Aristotle further claims that the human body reflects this order, consisting of matter
(flesh), the circulatory, vegetative system (the plant kingdom), the stimulus-response
system (the animal kingdom) and the soul monad (human selfless reason). Aristotle then
declares the human soul as also being divided into analogous parts, with the ‘pure’ spirit
again placed on the top and the vegetative soul8 on the bottom rung, with the animal
(involuntary/instinctive) soul in between.
However, certain complements inspired by Aristotle’s description of the ‘animal soul’
were of vital importance for the development of Western dehumanising traditions. He
not only concedes to this the potential of involuntary (if self-centered) feelings, but also
that of instrumental reason, the faculty to satisfy one’s ‘purely’ bodily desires even when
obstacles are encountered – or to hold them back until they can be satisfied. However, this
pseudo-cerebellum which, of course, does not in the least mingle with the superseding
‘human rationality’, forms only the first part of the biological camouflage.9

6 For the following cf. De Anima III.1, 4–7, II.1, 413a23; Politics, I,5. 1254a21-24, I,6. 1255b11-12, I,7.
1255b37-40, I,13.1260a12; Nikomacheaen Ethics I, 1095b17–19, and X. Ch. 7–8. Cf. also HUND,
2006: 23-25, 34 (FN).
7 Hund (1999, p. 35) mentions the ancient practice of analogising between the four seasons, the four
elements, the four cardinal directions, the four ages of man, the four humours, and the four human
temperaments.
8 Cf. also the term vegetable- or cabbage-existence for highly disabled persons. Cf. LANTOS/
MEADOW, 2006, p. 118.
9 Ironically, René Descartes‘ minor role in the history of dehumanisation is due to the fact that in his
machine concept of animal – which had other disastrous effects – an Aristotelian type of animal soul is
omitted and cannot therefore be used as a means of creating a human animal analogy. Cf. REISS, 2005.

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To achieve its full version, its central motif had to be worked out, i.e. the stimulus-
response stereotype. Western tradition has codified this stereotype by way of three ‘purely
bodily’, ‘involuntary’ functions within the beast (the ‘body’), which – to intensify the effect
– can also be combined:
• excessive gorging, devouring, eating up, biting apart, biting into pieces and biting to
death (food, flesh etc.)
• excessive sex, i.e. massive procreation/ multiplication,
• excessive production of excrement and bodily fluids.
As these motifs are to signify the absence of ‘rational’ control in the beast, the message
can also be summed up as the stupidity of the philosophical animal, in short: as its being
without a head.

4. The animal construct


Thus we have before us a comprehensive script which I have elsewhere called the
animal construct (PAUL, 2004).10 In the following section I will sketch out a summarising
map (a) of the ‘animal’ narrative. I will then address the narrative’s function to establish
a moral relation between the speakers and their victim groups (b). Finally I will suggest
three examples of the animal construct in action (c).

a. The narrative

The individual speaker decides where to enter it and how to exploit its nuances. The
choice made may betray the speaker’s relationship to the people addressed, for example,
in terms of militancy or paternalism, or in terms of nearness or distance, etc.
Speakers may claim to be merely ‘joking’ (LOCKYER/ PICKERING, 2005), they may
shift from the beast’s (the victim’s) voluptuousness to its sensuality or even to its ‘natural’
artistic faculties - inspired by its ‘primitive’ nature. They may allude to the victim’s ‘childlike’

10 within statement analysis [Aussagenanalyse] and one more tool in the CDA toolbox. For a detailed
discussion of methodical, discourse-theoretical, discourse-analytic questions, of the topical character
of the construct, and of text corpora and dossiers cf. PAUL, 2004, p. 24-45. The core of the construct
could be deduced from a very compact dossier, accumulated from the everyday vocabulary of verbal
abuse. The results were used in an inductive way to review a broad and diversified fund of historical
and contemporary sources participating in the moral discourse. Part of the fund were philosophical-
theological, scientific-epistemological, social and political sources, but also contemporary sources
from the media dealing with questions of ‘good and bad’. The search was supported by consulting
research literature and thematic-historical vocabulary collections. For former debates on animal
categories cf. LEACH, 1964, and HALVERSON, 1976. As one important working step in a sequence of
investigative steps within Jaeger’s CDA-procedure (JAEGER, 2010) is the identification and the analysis
of statements or of clusters of statements contained in the material examined, the identification and
the analysis of the animal construct can be a considerable help

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or apish pretension and stupidity, to ‘effeminate’ submission or to doggish servility, as an


outcome of successful domestication. Or they may decry the beast’s deceitfulness - as a
lamentable outcome of its instrumental reason. But they will always insist on the beast’s
lurking character and its potential to ‘hit back’. The script’s full potentials can even be
condensed into one-word ethnic11 or animal insults, such as dog, swine or ape12, to make
the dehumanising message more manageable in everyday or media communication.
That the narrative threads mentioned above enable powerful speakers to pursue a vast
array of strategies of marginalising, degrading and exploiting minorities is bad and sad
enough. It is, however, one of the most disturbing features in the history of dehumanisation
that the script allows for massive intensification which has consequently even served to
underpin policies of mass murder and genocide conceptually and rhetorically.
As already indicated, stereotypes which combine the sexual/ procreative, the
devouring/ gorging, and the excremental motifs and thus ascribe to minorities super-
vitalistic features have brought about the most destructive rhetorical effects.
The rat stereotype, for example, combines the aspect of excessive procreation, i.e. the
horrifying image of steadily multiplying squadrons of ‘body’ machines, with the narrative
of the rats’ excessive and aggressive biting apart and gnawing to death of their ‘human’
prey. It is, however, the stereotypical rats’ immunity to and spreading of the pathogens
and contaminants in the biological (human) waste on which they live which completes
the extremely vitalistic image of the rat stereotype.13
We should here, however, be aware of the fact that the devastating narrative of
infectious agents alone, of ‘viruses’, ‘bacteria’, ‘pathogens’, or ‘germs’, ascribed to minorities,
functions as an extremely reductionist symbol for a kind of bestial feeding (human
blood, bodily fluids) and procreation, which could not be more aggressive, explosive or
threatening. Consequently, by playing on this additional intensification, the rat stereotype
appears to allude to hierarchical beast categories, the one overbidding the next in terms
of appetite, of procreative speed, and therefore of threat impact.
In a similar, if in an only slightly less inflammatory manner, vermin, cockroach, and the
worm stereotypes combine the sex/ procreation and the nutrition motifs with the aspect
of spreading pathogens and contaminants from human decay.
While all these stereotypes are mainly based on the aspect of collective troops of
devourers, the parasite stereotype, on the other hand, tends to turn an additional spotlight
onto a concrete kind of ‘germ’ living directly on human flesh, blood, or bodily fluids. It
intensifies not so much the beast’s procreative features, but the aspect of the parasite’s

11 List of ethnic slurs URL: <http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_ethnic_slurs>. Viewed 06 March 2016.


12 Stereotypes of animals URL: <http://en.wikipedia.org/wiki/Stereotypes_of_animals>. Viewed 06
March 2016.
13 German Nazi propaganda made the most excessive use of the rat stereotype against Jews to
legitimise the extermination of European Jewry (BARSAM, 1992, p. 205). In a far less aggressive
manner the stereotype was used to ridicule the Irish. Sibley (2002, p. 28) calls this dehumanisation
even “a necessary part of the colonial relationship between Britain and Ireland.”

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uncompromising instrumental drive to satisfy its individual appetite. In fact, by ascribing


an exceptional instrumental reason, or the status of master mind, to minorities, Western
tradition has formed an influential indirect alternative to stereotypes playing directly
upon sex/ procreation- and the nutrition-motifs. This variant opens the animal construct
to a vast array of conspiracy or ‘evil empire’ rhetoric.14

b. The ‘moral’ camouflage

It must be underlined that the dehumanising function of the animal construct and
its calculus of exploitation and violence is, as we already noted above, not an accident,
but a structural part of the moral philosophy of the West and central to its value system.
Consequently, Jean François Lyotard (1990, 27, 29) calls “negative dialectics” an “inevitable
fashion of occidental thought” which does not affect “entities that will have been here
and now and can, in this future perfect, be collected in the Erinnerung” but affects “what
cannot be interiorized, represented, and memorized.” According to Lyotard humanism
takes even “care of this adjustment because it is of the order of secondary repression.”
Similarly Charles Mills reminds us that

… racial self-identification, and race thinking” are “not in the least


‘surprising,’ ‘anomalous,’ ‘puzzling,’ incongruent with Enlightenment
European humanism15, but required by the Racial Contract as part of the
terms for the European appropriation of the world. So in a sense standard
contractarian discussions are fundamentally misleading, because they
have things backward to begin with: what has usually been taken (when
it has been noticed at all) as the racist ‘exception’ has really been the rule;
what has been taken as the ‘rule,’ the ideal norm, has really been the
exception. (1997, p. 122)

For Niklas Luhmann (2006, p. 271) “our concepts, European concepts”, such as
“humanitas, of ius gentium, of humankind or of human rights” were entirely compatible
with defining “barbarians” and “other ethnicities, the pagans, the savages” and the freedom
“to convert them or to enslave them, or to cheat them when exchanging goods.”
But even then, it is the crucial function of the animal construct and of its ascriptions,
to give moral meaning to dehumanisation, to establish a moral relation between the
speakers and the victim groups, i.e. to proclaim a moral need for action towards or against
them. In the narrower sense, however, it is the ascription of limited instrumental reason
which has mostly served as a justification for victim groups to be subjected to poisonous
education, i.e. forceful ‘domestication’ in order to subject them to ‘civilised’ ends.

14 In particular, it is and has been turned against Jews and Judaism (PIEPER, 1999; RIEDMANN,
2002). Cf. also the standard symbolism of binary science fiction, namely ‘bloodless’ bodies with
oversized heads.
15 Mills (1997, p. 16) adds that this language of equality “echoes in the American and French
Revolutions, the Declaration of Independence, and the Declaration of the Rights of Man”.

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This was true in the case of external colonialism, where the construct served as a
means of victim blaming, i.e. as a justification for forcefully subjecting distant peoples, or
groups, who did not in the least exert any power on the speakers and who did not even
have the potential to develop that impact. In such a case, in order to cover up the calculus
of exploitation and subjection under the guise of moral ends, the animal construct was
used to label these distant victim groups as associated and as social applicants in urgent
need of disciplinary and regulatory treatment.
A complementary moral relation was established in the case of local colonialism. The
ascriptions provided by the animal construct were used, for example, in the course of the
19th century by hegemons such as the English against the Irish, or as the white US majority
against the black minority, or as the Christian and folkish fundamentalist majority against
the Jewish minority in Germany to alienate these victim groups and – in the real sense of
the word – to a-sociate them, in order not to collide with what the (Christian) doctrine of
unselfish loving one’s neighbour might have prescribed (MICHIE, 1993, p. 48-50).
However, the construct was not only there to morally justify the forceful subjection
and ‘domestication’ of victim groups. The ascription of insidious behaviour, or of the
‘beast’s’ refusal to be domesticated, of its absolutely uncontrollable, egoistic bodily
passions, and also, as mentioned above, of an excessive form of instrumental reason to
design (as master mind) deceitful plots have been used as justifications to fight and even
annihilate victim groups as dangerous to civilisation.
As Jacques Derrida (among others) has pointed out, the occidental thought of the
last two thousand years was formed by philosophers who based their manipulative
deductions on the human vs animal binary and on the resulting figure of the monstrous
‘human animal’. By trading this narrative virtually unaltered through the centuries,
hegemonic philosophy has used the ‘philosophical animal’ as a rhetorical key to deduce
the social ‘chain of being’, i.e. the personhood of some and the non-personhood of others.

c. The animal construct in action

Philosophy has thus also served as an established or even normative source of


inspiration for literature, for political satire, and also for the creation of long-standing
stereotyping routines in everyday speech (RICHTER, 2011). I will suggest three examples:
Swift’s Yahoos as an example of combining the excremental, sexual and gorging motives,
a satire in Punch16(1862) as an example of the catachrestic use of the construct against
various addressees, and Louis Agassiz’ racist Letter to his Mother as an example of the
literary and dramatic potentials of the construct.

16 Punch was a British weekly satirical magazine published 1841-1992 (and 1996-2002). During the
19th century Punch was known to be Anti-Irish. Cf. SPIELMANN (1895).

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Swift’s Yahoos (1726)


It was Jonathan Swift who – in chapter IV of Gulliver’s Travels – created one of the most
spectacular literary incarnations or embodiments of the philosophical animal, or of the
human beast par excellence. Swift’s Yahoos17 may, therefore, be representative of the full
narrative range of the animal construct (BARTRA, 1997, p. 75ff; MILLS, 1997, p. 155-156;
PAUL, 2004, p. 188-196; SAX, 2001, p. 11-12, 163. Cf. LENFEST, 1966).
Swift tells us (ch. 9) that the Yahoos are not native to Houyhnhnm Land, the home of
the rational horses who live according to Platonic maxims (ROTHSTEIN, 2007, p. 59-72).
It is, of course, only when Yahoos on their part enter Houyhnhnm Land and demonstrate
their limited intellect that they are tamed and enslaved.18 Consequently, Swift’s central
focus is the cause for the Yahoos’ stupidity, namely, their extraordinary physical greed.
Consequently, Swift indulges in the Yahoos’ excremental, sexual and gorging practices:19

... if ... you throw among five Yahoos as much Food as would be sufficient
for fifty, they will, instead of eating peaceably, fall together by the Ears,
each single one impatient to have all to itself. ... If their Prey held out, they
would eat till they were ready to burst, after which Nature had pointed
out to them a certain Root that gave them a general Evacuation (SWIFT,
1999, p. 276, 278).

Swift even creates a crescendo of excremental and gorging motifs. For example, if
the Yahoos become sick (because of their greed), they are administered “… Hnea Yahoo,
or the Yahoo’s-Evil; and the Cure prescribed is a Mixture of their own Dung and Urine,
forcibly put down the Yahoo’s Throat” (ibid., p. 278, 279).20
In another passage, Swift binds the sexual, the gorging and the excremental motifs
together with ‘doggish’ servility and bodily deformity:

… in most Herds there was a sort of ruling Yahoo (…) who was always
more deformed in Body, and mischievous in Disposition, than any of the
rest. That this Leader had usually a Favourite as like himself as he could
get, whose Employment was to lick his Master’s Feet and Posteriors, and
drive the Female Yahoos to his Kennel; for which he was now and then
rewarded with a piece of Ass’s Flesh. This Favourite is hated by the whole

17 For the reciprocal use of the animal construct, cf. PAUL, 2004, 80-81. The role of Swift’s Yahoos
in founding the Yahoo-Internet corporation was confirmed by Joanna Gurnitsky in: What Does
>Yahoo< Stand For? URL: <http://netforbeginners.about.com/od/internet101/f/yahoostory.htm>.
Viewed July 2012.
18 We also learn (IV, 9) that the Houyhnhnms debate the question of whether the Yahoos should be
wiped off the face of the Earth. Gulliver himself uses the skin of young Yahoos as material for his
canoe sail. Cf. MILLS, 1997, p. 155–156.
19 However, Swift (IV, 7) establishes a distinction between ‘European’ Yahoos and ‘Houyhnhnm Land’
Yahoos, with the former being somewhat tidier but also falser and with a brutish nature.
20 The fantasies and practices of torturers for centuries have followed and still follow the same lines.

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Herd, and therefore to protect himself, keeps always near the Person of
his Leader. He usually continues in Office till a worse can be found; but the
very Moment he is discarded, his Successor, at the Head of all the Yahoos
in that District, Young and Old, Male and Female, come in a Body, and
discharge their Excrements upon him from Head to Foot (ibid., p. 279).21

Swift also uses the excremental motif to depict the Yahoos’ lack of educability and of
communicative faculties, and to justify their status as slaves:

... I once caught a young Male of three Years old, and endeavoured by all
Marks of Tenderness to make it quiet; but the little Imp fell asqualling, and
scratching, and biting with such Violence, that I was forced to let it go (...)
while I held the odious Vermin in my Hands, it voided its filthy Excrements
of a yellow liquid Substance, all over my Cloaths (...) the Yahoos appear to
be the most unteachable of all Animals, their Capacities never reaching
higher than to draw or carry Burthens (ibid., p. 281).

While Swift seems to use the Yahoos as a caricature of the English intruders in
Ireland, others – encouraged by the Darwinian debate – conversely take Swift’s Yahoos
(and Shakespeare’s Caliban (Cf. BARTRA, 1997, p. 51, 16, 239; CORBEY, 1995, p. 360-363;
FANON, 1967, p. 142-143) as a means to reciprocally arrange for the animalisation, i.e. the
‘simianisation’ of the Irish.

A satire in Punch (1862)22


We find one famous example in a satirical commentary in Punch23 with the title The
missing link, which is also an example of the catachrestic use of the animal construct
against various addressees.
The anonymous author of the satire starts by pointing at the philosophers, “who
maintain themselves to be the descendants of the Gorilla”. He goes on to question the
philosophers’ thesis of the Negroes being the missing link and instead suggests “the
lowest species of the Irish Yahoo”, a “climbing animal”, “laden with a hod of bricks”, which
could be seen “in some of the lowest districts of London and Liverpool”.
However, he continues by complaining of large numbers of Irish Yahoos also gathering
in Hyde Park “… and molesting the people there assembled to express sympathy with
Garibaldi and the cause of United Italy”. The Yahoos’ devotion to the Pope “urges them to
fly at all manner of persons who object to grovel under the Papal tyranny … Nevertheless
they will howl for their own liberty to do what they please like so many Calibans.”

21 Swift/ Gulliver adds: “... any Swine (...) may be a sweeter Quadruped than a Yahoo” (ibid., 280).
22 Cf. the full text of the satire in the Appendix to this paper: Anonymous, The Missing Link.
23 The missing Link, October 18, 1862 (cf. Appendix). Cf. also: CAULFIELD, 2004; FOSTER, 1993;
PAZ, 1986; NIE, 2004.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 149-178, jan-jun., 2016

Moreover, the author blames the Irish Yahoos for having been organised “by the Pontifical
Government to fight the Italians, at Castelfidardo, where they failed”, because they could not
handle rifles but fought with “clubs and stones”. They are more successful in another field
of battle, however: “their numbers, strength, and ferocity have struck such terror into the
minds of the authorities that the latter have judged it expedient to yield to them. … Is it not
wonderful that creatures so like the Gorilla should frighten anybody; let alone the Lord Mayor.”
The satire merges formal and ‘moral’ features typical of the animal construct. The
catachrestic way of aiming at changing addressees is typical of the construct in the
broader sense, for example, its turning from philosophers to the Irish, to the blacks, to the
Irish Catholics (the Pope), but also to the gutless, who feel intimidated by the ‘Irish Yahoos’.
Moreover, the latter’s howling “for their own liberty to do what they please” suggests
that the Irish when meddling in political affairs, their own political liberty included, are
doomed to failure because of their lusty character (‘howling’) and poor reason (‘clubs and
stones’), resulting in their fate in the docks of London.

A Letter to his Mother by Louis Agassiz (1846)


According to Lewis Perry Curtis, however, cartoons with the “full-blown image of the
apelike Irishman” appeared earlier than the Darwin debate, namely, at just about the same
time “as information about the great apes … was disseminated in newspapers, popular
magazines, and scientific journals”. But the Irish were not the only, or foremost, addressees,
as “the ape, the monkey, and orangutan had become the interchangeable counterparts”, to
be turned, as “the next of kin”, against blacks (SHARPLEY-WHITING, 1999, p. 24).
In 1846, in his Letter to his Mother, Louis Agassiz (1981, p. 44-45), the Swiss-born
biologist and Darwin critic, gives an authentic example of the animal construct turned
against blacks in that period. Describing his first “prolonged contact with Negroes” in the
USA, Agassiz makes it clear, that his is an imposed encounter, that it is the “domestics in
my hotel”, all of whom are “men of color”, who – in his perspective – move near him.
The encounter evokes pain in him and feelings “contrary to all our ideas about the
confraternity of the human type and the unique origin of our species”. On the one hand,
Agassiz experiences “compassion” in thinking “that they are really men”. But at the same
time, he feels “pity at the sight of this degraded and degenerate race” which “are not of the
same blood as us”. But he does not regret the fate of the black “domestics”, their deportation,
enslavement, and exploitation. He would rather mourn the “unhappiness” of the white race
“to have tied their existence so closely with that of Negroes in certain countries”.
What Agassiz thus calls a “prolonged contact with Negroes” seems to be a fearful kind
of non-contact, or rather the attempt to avoid the ‘ties’ which he deplores so much “in
certain countries”. By referring to blacks as “a degenerate race” with a different “blood”
Agassiz moreover hints at a bodily, or even sexual dimension of the ‘ties’ in question. His
almost panicking outcry “God preserve us from such contact!” lends a rather dramatic
undertone to his following narrative of “domestics” nearing him:

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In seeing their black faces with their thick lips and grimacing teeth, the
wool on their head, their bent knees, their elongated hands, their large
curved nails, and especially the livid colour of the palm of their hands, I
could not take my eyes off their face in order to tell them to stay far away.
And when they advanced that hideous hand towards my plate in order to
serve me, I wished I were able to depart in order to eat a piece of bread
elsewhere, rather than dine with such service.

Apparently, the choice of a table situation in a hotel is far from accidental. It enables
Agassiz to elaborate one of the marks dividing the world of ‘man’ clearly from the world of
the philosophical animal – the intake of food. Agassiz claims civilised, modest dining (“a
piece of bread”) as part of his human identity, while he seems to assume quite different
(“hideous”) aspirations in his vis-à-vis, a waiter, who is provided with textbook components
of the ape stereotype (“thick lips”, “grimacing teeth”, “bent knees”, “elongated hands”).
Nevertheless, the author’s main objective is obviously not aesthetic consistency,
but lighting fireworks of moral verdicts, encoded in situational and descriptive details.
Speaking of the “wool on their head”, for example, may superficially be consistent with the
ape stereotype, but could also go with the sheep stereotype, which conveys the verdict of
stupidity. However, the abundance of hair (in the context of dehumanising rhetoric) may
also be interpreted as sign of excessive sensuality or even sexuality24.
A further possibility is that abundant hair may designate the (dirty) breeding place
of bugs and the hearth of diseases, thus pointing at the unconquerable vitality of ‘them’,
and the civilised sensitivity of ‘us’. While the same binary aspect of cleanness and sterility
vs dirt and pathogens/ procreation may apply to Agassiz’ insinuation mentioning “large
curved nails”, we may also read this detail as an allusion to the carnivorous appetites of
the ‘predator’ before him.
While only an extensive interpretation of the complete passage (cf. PAUL, 2004, p.
97-101) may provide us with the whole picture, Agassiz does not conceal his overall
narrative objective to demonstrate how easily he sees through the deceptive attempts of
the ‘creatures’ before him (“grimacing teeth”, “hideous hand”) - to devour him.

5. The human construct and the morals of collectivism:


Social insects and the sacrifice of intelligence

So far, we have been spelling out the dimensions of the animal construct from a
top-down, i.e. the ‘human’ perspective which the construct seems to suggest exclusively.
However, it is the crucial point about binary statements and judgments that they reveal
or produce their ‘ethical’ (non-)substance only by the exclusion of opposites.

24 For the role of the abundance of hair in early commercials of the Yahoo-Internet Corporation cf.
URL: <https://www.youtube.com/watch?v=QKHjIq5Ieec>. Viewed 06 March 2016.

162
Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 149-178, jan-jun., 2016

Consequently, we may not be in the position to read the code of dehumanization,


i.e. to fully spell out the concrete values, clad in binarisms such as them/ us, evil/ good;
body/ mind, animal/ man, animality/ rationality, civilised/ non-civilised, without adopting a
bottom-up perspective and now scrutinising the contents of the Western binary narrative
of the ‘human’, as well.
What is behind the “inalienable free will” or, behind the “ontologically exceptional
status” (IVESON, 2011, p. 10) which European humanism claims on its own behalf, if seen
as a mere reciprocal product of excluding the non-human?
Ironically, it is the ‘social insects’ (wasps, ants, bees, and termites) with their total,
unconditioned work-ethic which, for supporters of a binary type of morality, have served
as an inspiration to define what should be the core ‘human’ rational virtues opposed to
the animal ethics of ‘pure’ self-interest.25
Plato, for example, predicts, that the souls of the purest of all men, of the philosophers,
will eventually reincarnate “into some such social and gentle species as that of bees or
of wasps or ants” (Phaidon, 82b). In his footsteps, Edward O. Wilson (1978, p. 208), the
leading American myrmecologist and sociobiologist, calls for the use of techniques
which have become available “for altering gene complexes by molecular engineering and
rapid selection through cloning” in order to change mankind genetically by imitating “the
harmonious sisterhoods of the honeybees”.
Wilson also echoes what before him William Morton Wheeler, the American
entomologist and myrmecologist, envisioned in 1924 when he stated that we

… can hardly fail to suspect that the eventual state of human society
may be somewhat like that of the social insects—a society of very low
intelligence combined with an intense and pugnacious solidarity of the
whole.” A future human society “might be quite as viable and quite as
stable through long periods of time as the societies of ants and termites,
provided it maintained a sufficient control of the food supply” (WHEELER,
1927, p. 37, cit. in LUSTIG, 2004, p. 305).

In the same year, Thomas Nelson Annandale (2003, p. 144), the Scottish anthropologist,
also praised the “gregarious instinct” in termites and ants as having “reached heights
which may be called political”. In his view, the two groups of insects

… discovered, long before the evolution of man, the benefits both of


eugenics and of socialism, and were able to make use of this discovery
because they were not hampered by the vagaries of human personality.
They evolved a state of society in which only certain individuals were
capable of reproducing their kind, while every individual worked for
the benefit of the community and not himself, and only performed the
particular kind of work for which he was physically and mentally fitted.

25 For animal worship, animal categories as deities or as symbols of perfection, cf. REGENSTEIN
1991 and PAUL 1990.

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In our own days, Marlene Zuk (2011, p. 8-9), the American biologist, holds that bees
and ants already “mirror most of our familiar behaviors”, because they “live in sophisticated
hierarchical societies, with specialised tasks assigned to different individuals and an ability
to make collective decisions that favor the common good.”
Certainly, there is a surprising point in these suggestions. The authors not only hold
that the perfect human is defined by his/ her subjection to collective ends and by the
division of labour within defined and permanent hierarchies, but they also suggest that
individual intelligence, or the “vagaries of human personality” are dispensable for humans,
who have been streamlined in favour of collective objectives.
But would not ‘human rationality’ then amount to little more than to limited
instrumental reason originally ascribed to domesticated ‘human animals’ or slaves?26 And,
if ‘perfect humans’ are obedient to collective ends without intellectually participating in
framing them, who, then, is there to define these objectives? Science, dictators, or the
media? Are there any ‘values’ or objectives at all? The blatant normative deadlock, which
seems to be inherent to the binary concept of ‘animal’ and ‘man’ and which reveals its
virtually ‘empty’ values, here brings to the surface its underlying authoritarian function.

6. The philosophical legacy27

We can easily trace back the dilemma to its prototype, namely, to the values of the good
and the rational, held by the top elites in Plato’s ideal republic. Not surprisingly, Plato does
not allow these elites to use their own rational capacities, in order to define these values.
Assigning himself the part of a super-speaker he points at philosophy as the éminence grise
to administer maxims to the elites by way of brainwashing. In order to rear “best guardians”,
who have made “the interest of the State” the rule of their lives (Republic III, 412E), they may
be supplied with “memorials of honour” (414A). However, Plato claims that myths of the
‘Phoenician’type – i.e.“lies”(HUND, 1999, p. 23-24; HUND, 2006, p. 160. Cf. BERNAL 1987), as he
blatantly calls them, are far more effective (Republic III, 389B).28 According to the philosopher,
however, these stories should be at the exclusive disposal of ruling philosophers29, in much
the same way as he sees the administering of drugs being restricted to physicians.
Plato even sketches out a model myth, to be told to the elite personnel, according to
which their earthly existence is only “a dream”. In reality, they are told, they were sent from
the womb of their mother “earth” to their country, their “nurse”, “to defend her against
attacks” (414E).

26 For my analysis of the ‘authoritarian paradox’ cf. PAUL, 2004, p. 105-107, 143, 160.
27 Cf. OSBORNE, 2007.
28 Plato distinguishes between guardians “in the fullest sense”, and guardians as “auxiliaries and
supporters of the rulers”. Republic III, 414B-C. Cf. LEHMHUS, 2008, p. 38-39.
29 “… we must assume a control over the narrators of this class of tales as well as over the others”
(Republic III, 386B).

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The rest of society, Plato goes on, should be addressed differently, however:

Citizens, we shall say to them in our tale, you are brothers, yet God has
framed you differently. Some of you have the power of command, and
in the composition of these he has mingled gold, … others he has made
of silver, to be auxiliaries; others again who are to be husbandmen and
craftsmen he has composed of brass and iron …” (415A).

The success of the brainwashing cannot, of course, be expected “in the present
generation”, Plato contends. But “their sons may be made to believe in the tale, and their
sons’ sons, and posterity after them” (415D).
Plato’s instruction confirms the purely propagandistic function of analogies, i.e. their
role as a philosophical camouflage, which we have already met in Aristotle’s teaching.
But he also reveals the one single moral maxim to be instilled by the tale, namely, to be
absorbed by the collective good, by its defence against enemies, whatever this ‘good’
may be, and whoever may proclaim it.
Obviously, Plato views total submission as the central moral, i.e. ‘human’ dimension,
as spiritual ennoblement of the rational business of organising ‘civilisation’, as opposed
to self-sufficient, egotistic, i.e. ‘animal’ instrumental reason. And indeed, following Plato,
Aristotle defines all those as human animals and barbarians to whom he ascribes
unwillingness or incapacity to submit to collective imperatives: women, the handicapped,
slaves, revolutionaries and those living the life of wild animals (PAUL, 2004, p. 179-188).
The Church fathers translated most of these positions into the doctrine of the
(Christian) corporate state (BUSCHE, 2001, p. 1; GRESHAKE, 1986). Thomas Aquinas, for
example, not only reiterates the distinction between man, beast and human animal, but
following Aristotle and pointing at the various intellectual conditions among the people
of a state, he defines the ‘human’ mission as the fulfilment of predetermined societal
roles (Summa Theologica II-II:183.1) orchestrated by a “principle and director” (a king)
who is there to further the common good (I:96,4). To this end he may “kill those who
are guilty of a capital offense”, or “seize property from the infidels, or in pursuit of a just
war”. Consequently, on behalf of “the authority of the ruler” his soldiers may “kill enemy
soldiers”, etc. (II-II:64.2, II-II:66.8, and II-II:64.3 ad 1. Cf. PORTER, 2005, p. 110).
According to Jean Porter (2005, p. 100), the concept of the common good provides
Aquinas with “the rationale for political authority.” It serves “to justify the ruler in some
courses of action that would be closed to private citizens” (p. 101). However, while
Plato intends the philosophers to be the super-speakers near to the rulers’ ears, Aquinas
assigns this function to Christian priests (De Regno 15, §111), or the Pope himself (§110),
associating the pursuit of the common good and the hierarchic division of labour with
“the divine government of the world” (§102). Ascending from the pursuit of the pure
life (“animals and slaves”) to corporeal needs and the accumulation of wealth, to the
“knowledge of truth”, to the pursuit of the “virtuous life”, Aquinas’ ladder now ends with
the “virtuous life” dedicated to the Church (§106). Consequently, Aquinas attracts future

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kings by reminding them that “the higher the end to which a government is ordained”,
the more powerful (“loftier”) that government is (§108).
Jean Porter (2005, p. 107) observes, however, that Aquinas has little to say about “what
the common good is”: at no point “does he develop anything like a substantive account
of the good society under the rubric of the common good.” As a consequence, there is a
“kind of public authority that is good and natural”, but “without qualification.”
As it seems, Western thought, even when framing more sophisticated concepts of work
and progress during the successive colonial, capitalist, and imperialist periods, did not add
much to the empty imperatives ruling a ‘civilised’ and ‘human’, as opposed to an ‘animal’ or
‘savage’ existence. As both states – due to the limits of binary reasoning – had to be depicted
in their total differentness, the human part, namely the submission to collective service,
the sacrifice of intelligence in favour of a central intelligence and the waiving of physical
freedom, were bound to result in sobering, depressing or even schizophrenic portraits.
Among others, Thomas Hobbes (1839, p. 113)30, David Hume (2013, p. 166)31, John
Locke (2002, p. 17-19)32, Emer de Vattel (1797, p. 34-36), Immanuel Kant (1983, p. 55-
5633; MARX, 1853) translated human – i.e. European – ‘greatness’ as set against a savage
existence ‘out there’ mainly in the terms of collective and dependent work as the source
of added value, i.e. in the terms of the warlike occupation and cultivation of land, of
agricultural storage and supply economy, the accumulation and defence of wealth and
property, or of the sophistication of production – within a political and social system of
discipline, obedience and absolute rule.
Certainly, these projections of ‘human’ civilisation fell dramatically short of the claims
raised by the enormous human halo produced by the rhetorical rejection (and creation) of the
‘beast’. Instead, the invocations of the ‘human’ proposed no definition of good and evil, nor of
‘values’, such as human equality, the ethical responsibility for the ends of actions, or individual
spiritual independence. Nevertheless, the dissonance surfaced in quite unexpected or revealing
inconsistencies. The category of war, in particular, had intoxicating and confusing effects on
political theorists who were willing to accept war as a prerequisite of ‘human’, i.e. civilised, life.
Gottfried Wilhelm Leibniz, for example, points out that “the most rigid censor of inner
conscience” would “not only approve but even order the war” as a means of “promoting
culture and religion among barbarians”, the more so as war which is applied with
“moderation which reason dictates” does not tend “to the extermination nor the servitude
of a people but to wisdom and happiness and the emendation of human kind.” To further
exactly this, namely “piety” and the “welfare of a great part of human kind”, Leibniz
suggests that wars should “not be waged on men but on beasts (that is, barbarians), and
not for killing but for taming”, and by doing so, “an affair of God and the spirit is certainly
put in motion” (LEIBNIZ, 1931, p. 379, cf. PERKINS, 2004, p. 111).

30 Leviathan, Part I, XIII: Of the Natural Condition of Mankind as Concerning Their Felicity and Misery.
31 Dialogues Concerning Natural Religion.
32 Second Treatise of Government, Ch. V (Of Property), §37-41.
33 Speculative beginning of human history.

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According to Peter Fenves (2006, p. 11-12), Leibniz also followed this line of thought in
his role as a political adviser to Louis XIV in 1671/2, when he presented to the Sun King his
Consilium Aegyptiacum, or Egyptian Plan, with which he thought to “divert France’s imperial
aspirations away from Holland and direct them toward the Turkish ‘barbarians’ (Leibniz’
term)”. In his paper Leibniz proposes “to resolve the contradiction between humanistic
universalism and Christian particularism – by representing non-Christians as nonhuman”.
A “powerful and wise monarch” would not wage war “against human beings but against
beasts (that is, barbarians), and not for the purpose of massacre but to defend his interests”.
With respect to the nature of the warriors serving in a (human) war against barbarians,
Leibniz – revealing a rigorously tactical and instrumental stance towards the ‘human’
construct – offers a cynical and indeed shocking answer. In an addendum to his Consilium
Aegyptiacum he suggests a Method for Instituting a New, Invincible Militia, That Can
Subjugate the Entire Earth, Easily Seize Control over Egypt, or Establish American Colonies34:

A certain island of Africa, such as Madagascar, shall be selected, and all


the inhabitants shall be ordered to leave. Visitors from elsewhere shall be
turned away, or in any event it will be decreed that they only be permitted
to stay in the harbor for the purpose of obtaining water. To this island slaves
captured from all over the barbarian world will be brought, and from all
of the wild coastal regions of Africa, Arabia, New Guinea, etc. To this end
Ethiopians, Nigritians, Angolans, Caribbeans, Canadians, and Hurons fit the
bill, without discrimination. What a lovely bunch of semi-beasts! But so that
this mass of men may be shaped in any way desired, it is useful only to take
boys up to around the age of twelve, as this is better than [attempting to]
transform girls and adults (LEIBNIZ, 1931, p. 408–410).

Despite his contemptuous air, Leibniz admits the thoroughly ‘human’, even classical
build-up of the prospected militia as he compares its super-warriors, who “will easily
conquer the mightiest European fortifications”, even to Achilles, and „other ancients”.
Moreover, the militia is to be divided into “as many classes as nations that is languages”.
Consequently, it is – as Peter Fenves points out – essential in Leibniz’ plan “that the
captives speak as little as possible, that they be forced into virtual silence”, because
otherwise rebellion will result: “Take care lest troops of diverse languages ever get used
to one another and thereby understand one another .... The same things must be guarded
against among men of the same language. Let a Pythagorean taciturnness be introduced
among them; let them be permitted to say nothing among themselves except when
necessary or when ordered.”

34 Modus instituendi militiam novam invictam, qua subjugari possit orbis terrarum. Facilis execution
tenenti Aegyptum, vel habenti coloniam Americanam. English translations by Justin E. H. SMITH.
URL: <http://www.jehsmith.com/philosophy/2009/01/a-method-for-instituting-a-new-invinvible-
militia.html>. Viewed 06 March 2016.

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In other words, the so-called ‘semi-beasts’, thought by a philosophical super-speaker to


be the military masters of the world, turn out to be utterly exploited and maltreated humans
themselves. They are “not born into this condition but, rather, made so, and the process of
creating such a link between inarticulate beings and articulate ones consists at bottom in
denying those who can speak access to their own tongues” (FENVES, 2006, p. 14-15).35
A century later, Immanuel Kant is obviously well aware, that scaling down free human
reason to the size of a treadmill might tempt some to look at ‘animal’ freedom or ‘savage’
idleness with envy. Moreover, he cannot help but concede that living in a ‘human’, i.e.
civilised state means living in questionable moral conditions. Consequently, a “reflective
human being”, wearied of civilised life, might well develop “the empty longing” for “an age
where one is freed from all the imagined needs that luxuriousness loads upon us, where
a modest life with only the needs of nature is supposed to exist, a universal equality of
human beings, an everlasting peace among them, in a word, the pure enjoyment of a
carefree life of lazy daydreaming or a life frittered away with childish games.”
According to Kant, it is the philosopher’s task to counter this longing by demonstrating
that human affairs only gradually develop from worse to better, that war, for example, is
“an indispensable means of bringing about progress in culture”. Only after culture has
been perfected will “a lasting peace” be salutary for us and “only through such culture” will
it become possible (KANT, 2006, p. 24-36, here: 36).36 In other words:

Before this last step (the federation of nations) can be taken […] human
nature must endure the harshest of evils, which pass in disguise as
external well-being; and as long as we have not reached this last stage to
which our species has still to climb Rousseau was not so far from right in
preferring the state of savages (KANT, 1983, p. 36).37

Rousseau, however, would not have accepted Kant’s binary logic, or moral double
standards, but, instead, describes their deforming authoritarian results: for Rousseau the
citizen is always

… in motion, is perpetually sweating and toiling, and racking his brains


to find out occupations still more laborious: he continues a drudge to his
last minute; nay, he courts death to be able to live, or renounces life to
acquire immortality. He cringes to men in power whom he hates, and to
rich men whom he despises; he sticks at nothing to have the honour of
serving them; he is not ashamed to value himself on his own weakness
and the protection they afford him; and proud of his chains, he speaks
with disdain of those who have not the honour of being the partner of his
bondage (ROUSSEAU, 2002, p. 137).38

35 Obviously, Leibniz had put together his military programme from various contemporary sources.
36 Conjectural Beginning of Human History.
37 Idea for a Universal History with a Cosmopolitan Intent (1784). Seventh Thesis.
38 A Discourse Upon the Origin and the Foundation of the Inequality Among Mankind. Part II.

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In short, “we have nothing to show for ourselves but a deceitful and frivolous exterior,
honour without virtue, reason without wisdom, and pleasure without happiness. (p. 138).”39
Another line of thought, however, fully internalises the ‘re-valuation of values’. John
Macpherson (1768, p. 136; cf. FAIRCHILD, 1928, p. 5), for example, a high British colonial
official, in 1768 calls hospitality “one of those virtues, which, if not peculiar to, is most
commonly met within a state of barbarity. It is after property has taken absolute possession
of the mind, that the door is shut against the stranger”. Showing a generous disposition
may, therefore, “carry along with it, in the eyes of the polite part of mankind, a degree of
rudeness ...”40
Gouverneur Morris, an author of large sections of the Constitution of the United
States and one of its signitories, even argues that it is not “life and liberty” which was most
valuable and “the main object of society”, but property. Consequently, only people who
have “not acquired a taste for property” prefer the savage state “which is more favourable
to liberty than the civilised; and sufficiently so to life”. Morris argues that these values have
to be “renounced for the sake of property”, which can “only be secured by the restraints of
regular government.” In other words, there “never was, nor ever will be, a civilised society
without an aristocracy” (THATCHER (VII), 1902, p. 346, 351).
In our own days, Joseph Cardinal Ratzinger (later Benedict XVI) has voiced what
he thinks to be a modern version of the ‘human’ construct. Ratzinger celebrates man’s
greatness as a European heritage, forwarded to the Church by the ancient cultures. Man’s
ambiguous nature, to achieve higher and even higher ends as well as utmost destruction,
is for Ratzinger the Godly gift of freedom:
“A gnat can do what is in it to do, no more and no less. Man, however, with all
humanity, holds in his hands the entire sum of hidden human potential: he can in the end
develop methods of destruction that are beyond the capability of any other living thing”
(BENEDICTUS, 2002, p. 119).
Ratzinger does not tell us anything about the moral contents of “greatness”. He rather
pities the European man as being seized by thrilling shudders as a bystander of his own
monstrous deeds. ‘Man’ should try to do better, of course, but is best advised to share
God’s trust in ‘man’:

39 Rousseau echoes Michel de Montaigne’s critique of European conditions which he contrasts


with the savage state in which “the very Words that signify, Lying, Treachery, Dissimulation,
Avarice, Envy, Detraction, and Pardon” have never been heard of. Cf. Of Cannibals. In:
MONTAGNE, 1743, p. 229.
40 According to Elsie B. Michie (1993, p. 152), Charles Dickens managed to establish his position
as a popular author mainly by ascribing voluntary subjection and the collective, non-egotistic
mentality of unselfishness and self-sacrifice to the working class, as opposed to the ‘civilised’
egoism of the upper class.

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Sometimes we even feel like saying to God, If you had only made man a
little less great, then he would be less dangerous. If you hadn’t given him
his freedom, then he would not be able to fall so far. And yet, we don’t
quite dare to say it in the end, because at the same time we are grateful
that God did put greatness into men. And if he takes upon himself the risk
inherent in man’s freedom and all the falls from greatness it involves, then
we feel horrified by the thought of what that might mean, and we have
to try to summon up all the positive forces at our command, but we also
have to share in God’s fundamental attitude of putting trust in man (ibid.).

On the other hand, Ratzinger underlines the European nature of greatness by ascribing
inferiority to African “tribal religions”. They showed their inferiority, because “when they
encounter the great civilizations, they open themselves up from within to these new
elements”. In contrast, Asian cultures (cf. MILLS, 1997, p. 72) are already “highly developed
cultures” in which “religion, national identity, and social order – think of the caste system
– are woven into an indivisible whole and have been taken to a high spiritual level” and
they “unite to confront what is alien” (BENEDICTUS, 2002, p. 374). Consequently, it is the
faculty to form disciplined social orders (including castes), and to confront the “alien”
which, in Ratzinger’s perspective, makes civilisations great, the Asian cultures41 being
second-best behind the Europeans.

Conclusion
The preceding remarks have, of course, only been able to skim over some aspects of
how an analysis of the animal construct may actually proceed. Obviously, this analysis
may not be feasible within the boundaries of traditional thematic studies, such as race,
class, or gender studies. It should be conducted as binary studies.
Such studies will have to take a more systematic account of the fact that
dehumanising strategies in a world of migration, flight and expulsion are still embedded
in a comprehensive calculus of power. Part of that calculus is not only the multitude of
pretexts42 under which minorities can be stigmatised, but also the arbitrariness with
which powerful speakers and their supporters ‘define’ victim groups.
Depending on specific interests and opportunities, speakers tend to switch back
and forth between, or to conjoin racist, sexist, bodyist, social Darwinist and classist,

41 According to Elsie B. Michie (1993, p. 63-65), for 19th century authors, such as Charlotte and Emily
Brontë, Elizabeth Gaskell, George Eliot, and also for Charles Dickens and Karl Marx, the Asian
stereotype – as opposed to the European ego-ideal – was mainly characterised by ‘forced’, but not
voluntary subjection of people to the ‘common good’ and the absence of private property, i.e. the
accumulation of property in the hands of ‘oriental despots’. Being led by blind passion, not by rational
(European) foresight, these despots tended to lose everything and to destroy in a moment the already
deficient political order they had temporarily created, leaving chaos behind them. Cf. LOGAN, 1787.
42 For the opportunism of stereotyping cf. COHEN, 1986, p. 94–96, 135-136; HALL, 1992, p. 306.

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authoritarian, anti-Semitic, or other dehumanising modes (PAUL, 2004, p. 95-156). We


also have to study more closely the complementary roles of speakers and their audiences
and how exactly binary verdicts manage to create hierarchies and chains of obedience.
In fact, we will have to review not only the legacy of the rhetorical arts and of speech act
theory, but also the comprehensive research, conducted in the 1950s and 1960s on the
‘authoritarian personality’43.
Above all, we should develop a toolbox to identify how speakers/ writers exactly
shape the sexual, gorging and excremental potentials of the ‘philosophical animal’, how
they mould the motifs of instrumental reason and stupidity in textual, in visual (PAUL,
2011), or in combined forms. At the same time, we must be aware of strategies of turning
to indirect allusions and euphemisms, i.e. of evading bold dehumanising messages (DIJK,
1993). In short, we must cope with an incalculable contextual and thematic multitude of
possible realisations of the script.

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43 As introductions cf. ADORNO et al., 1950; WELLS, 1953; MCKINNEY et al., 1960.

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Recebido em 31 de julho de 2015.


Aprovado em 10 de março de 2016.

Jobst Paul

Ph.D., Duisburger Institut fuer Sprach- und Sozialforschung, Duisburg, Germany. Reserch associate
at the Duisburger Institut für Sprach- und Sozialforschung (DISS), Duisburg, Germany. His research
focuses on binary reductionism and on didactic concepts against racism and anti-Semitism,
but also on Jewish-Christian relations and on Jewish social ethics. In 2004/2005 he conducted
a comprehensive historical discourse analysis (CDA) of Writings of German Jewish authors of the
19th century on the subjects State, Nation, Society. Starting in 2006 he has been coordinating an
edition with the same title which is published by the Böhlau publishing company in Cologne in
cooperation between the Duisburger Institut für Sprach- und Sozialforschung and the Salomon
Ludwig Steinheim-Institut für Deutsch-Jüdische Geschichte an der Universität Duisburg-Essen.
Email: jobstpaul@diss-duisburg.de

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Appendix
Anonymous, The Missing Link44
Doubt not which is the preferable side in the Gorilla controversy. It is clearly that of
the philosophers who maintain themselves to be the descendants of the Gorilla. This is
the position which commends itself to right-minded men, because it tends to expand
the sphere of their affections, inasmuch as it gives them a broader view of their species.
Hitherto, however, there has been one argument against the Gorilla theory very difficult
to get over, namely, that there is no known fact whatever which affords it the least
foundation. This is a deficiency which we trust we are about to supply.
A gulf, certainly, does appear to yawn between the Gorilla and the Negro. The woods
and wilds of Africa do not exhibit an example of any intermediate animal. But in this, as
in many other cases, philosophers go vainly searching abroad for that which they would
readily find if they sought for it at home. A creature manifestly between the Gorilla and
the Negro is to be met with in some of the lowest districts of London and Liverpool by
adventurous explorers. It comes from Ireland, whence it has contrived to migrate; it
belongs, in fact, to a tribe of Irish savages; the lowest species of the Irish Yahoo. When
conversing with its kind it talks a sort of gibberish. It is, moreover, a climbing animal, and
may sometimes be seen ascending a ladder laden with a hod of bricks.
The Irish Yahoo generally confines itself within the limits of its own colony, except
when it goes out of them to get its living. Sometimes, however, it sallies forth in states of
excitement, and attacks civilised human beings that have provoked its fury. Large numbers
of these Yahoos have been lately collecting themselves in Hyde Park on a Sunday and
molesting the people there assembled to express sympathy with Garibaldi and the cause
of United Italy. The Yahoos are actuated by the abject and truculent devotion to the Pope,
which urges them to fly at all manner of persons who object to grovel under the Papal
tyranny, and all others who assist or even applaud them in the attempt to throw it off.
Nevertheless they will howl for their own liberty to do what they please like so
many Calibans. They were organised by the Pontifical Government to fight the Italians,
at Castelfidardo, where they failed, perhaps from want of sufficient dexterity to handle a
rifle. Here they assail the friends of the Italian monarchy with the weapons which come
more natural to them: clubs and stones. In this sort of warfare they are more successful
than they were on the field of battle; and their numbers, strength, and ferocity have struck
such terror into the minds of the authorities, that the latter have judged it expedient to
yield to them. They have accordingly succeeded in the attempt to stifle the expression
of public sentiment by intimidation. It is not wonderful that creatures so like the Gorilla
should frighten anybody; let alone the Lord Mayor.
The somewhat superior ability of the Irish Yahoo to utter articulate sounds may suffice
to prove that it is a development and not, as some imagine, a degeneration of the Gorilla.
It is hoped that the discovery, in the Irish Yahoo, of the Missing Link between Man and
the Gorilla, will gratify the benevolent reader, by suggesting the necessity of an enlarged
definition of our fellow-creatures, conceived in a truly liberal and catholic spirit.

44 In: Punch, October 18, 1862, p. 165.

178
polifonia eISSN 22376844

Obituário1
Roy Bhaskar (1944-2014)
Frédéric Vandenberghe (IESP-UERJ)

Roy Bhaskar, o fundador do realismo crítico, faleceu no dia 19 de novembro de 2014.


Nascido de uma mãe inglesa e de um pai indiano, Ram Roy Bhaskar cresceu em Londres
e foi para a Universidade de Oxford. Defendeu seu Ph.D. em filosofia, sob a orientação de
Rom Harré. Seus manuscritos de seis volumes sobre Problemas acerca da explanação nas
ciências sociais foram rejeitados pelos/as examinadores/as, não somente porque eram
muito extensos, mas também, alegadamente, por não conterem nada de novo. Seu Ph.D
tornou-se, no entanto, a base para os três livros subsequentes que iriam revolucionar
a filosofia das ciências naturais (A teoria realista da ciência 1975), a filosofia das ciências
sociais (A possibilidade do naturalismo, em 1979) e da teoria crítico-analítica (Realismo
científico e emancipação humana, em 1986).
A teoria realista da ciência, seu primeiro e mais importante livro, é um clássico e
merece ser classificado juntamente com a Lógica da descoberta científica, de Popper,
com a Estrutura das revoluções científicas, de Kuhn, e com o Novo espírito científico, de
Bachelard. Escrito de forma densa e de difícil prosa, ele trouxe de volta a ontologia. O
que importa na ciência são as próprias coisas, suas propriedades causais, e não as teorias
e conceitos que nós, humanos/as, usamos para acessar a realidade que não criamos.
Aqueles/as que confundem nosso conhecimento e modelos de realidade com a própria
realidade cometem a falácia epistêmica. Como Kuhn, eles pensam que a cada mudança
de paradigma o mundo também muda. O mundo é o que é. Não é, como se pensava
Wittgenstein, a totalidade dos fatos, mas sim a totalidade das coisas complexas, dos
processos interativos e das relações estruturais com propriedades causais.
A grande contribuição de Bhaskar para a humanidade é ter demolido a filosofia
positivista da ciência, tábua por tábua. Por meio de uma investigação filosófica de
experimentos científicos, ele mostrou que o modelo hipotético-dedutivo de Mill, Popper
e Hempel é mal concebido. Os/As cientistas não procuram conjunções constantes
entre os eventos (‘leis de cobertura´), mas eles olham para a existência de mecanismos
gerativos que explicam o nexo causal entre os eventos como uma condição necessária.
Ao rebaixar o critério empirista, Bhaskar concebe que os mecanismos geradores podem

1 Tradução de Solange Maria de Barros

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 179-182, jan-jun., 2016 179


Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 179-182, jan-jun., 2016

não ser observáveis, mas isso não os torna não-científicos. Ele cuidadosamente distinguiu
o Real/Potencial2, o Realizado3 e o Empírico e argumentou que os mecanismos geradores
(como campos eletromagnéticos) mesmo sendo reais, podem não ser realizados ou
ativos (se outros mecanismos bloqueiam suas operações) ou podem ser realizados, mas
não acessados empiricamente (se não há ninguém para observá-los).
Se o positivismo não se sustenta nas ciências naturais, como é possível que as pessoas
tenham procurado aplicá-lo no campo das ciências sociais e humanas por tanto tempo?
Se os átomos não se comportam de maneira previsível, como se poderia eventualmente
pensar que os seres humanos agiriam assim? No seu segundo livro, A possibilidade do
naturalismo, Bhaskar estendeu sua refutação transcendental do positivismo com uma
investigação das condições de possibilidade, não somente das práticas científicas, mas
também das práticas sociais, em geral. Ele pescou nas mesmas águas de Giddens, em As
novas regras do método sociológico, de Habermas, em A lógica das ciências sociais, de Gillian
Rose, em Hegel contra a sociologia, e propôs uma exploração praxeológica dos limites do
naturalismo e da hermenêutica. O resultado de sua crítica filosófica das ciências sociais foi
uma ontologia social que sistematicamente integrou a concepção relacional de estrutura de
Marx, com a teoria das práticas de Wittgenstein. Diferentemente da teoria da estruturação4,
o Modelo Transformacional da Atividade Social de Bhaskar (TMSA) reconheceu plenamente
o fenômeno da emergência e a autonomia relativa das estruturas sociais. Teóricos sociais
como William Outhwaite, John Urry, Derek Layder, Ted Benton, Bob Jessop, Andrew Sayer e
Margaret Archer reconheceram a importância do argumento de Bhaskar e saudaram o seu
livro como um divisor de águas na filosofia das ciências sociais.
Se a Possibilidade do naturalismo elaborou uma crítica filosófica das ciências sociais,
o Realismo científico e emancipação humana lançou uma crítica sociológica às filosofias
do positivismo de Winch e Rorty. Inspirado pela crítica da economia política de Marx,
Bhaskar desenvolveu uma leitura sintomática das teorias positivistas, analítico-idealistas
bem como das teorias pragmáticas da ciência, assim como tantas ideologias prejudicadas
pelo déficit filosófico e sociológico. Elas não são apenas incapazes de pensar o mundo
independentemente da ciência (antropomorfismo), mas também de pensar a ciência
como produto e prática social (fetichismo). Ao subverter as ortodoxias humenianas e
weberianas relativas à distinção fato/valor, Bhaskar desenvolveu uma crítica explanatória
como também uma crítica hermenêutica de libertação da dominação. Se uma teoria
é filosoficamente inadequada, deve-se avançar a investigação para uma crítica das
condições sociais que as fazem parecer adequadas.

2 No original, Real ou Potencial. O termo potencial é utilizado por Fairclough (2003a) para explicitar
que o domínio da realidade está ligado aos poderes dos objetos sociais potencialmente ativados
em eventos (N.de T.).
3 A despeito de haver traduções como ‘Atual’ (Actual), considero essa tradução equivocada, uma
vez que não possui o mesmo significado de ‘Actual’, em inglês. Opto, nesse caso, pelo termo
Realizado (N.de T.).
4 De Giddens (N. de T.).

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Juntos, os três livros – assim como sua crítica mordaz a Rorty, em a Filosofia e a Idéia de
liberdade (1991), que, infelizmente, não recebeu a atenção que merecia e que realmente
deveria ser republicado sob outro título – forneceram as bases para uma renovação radical
da teoria social. O Trabalho de Bhaskar foi tão emocionante e promissor que desencadeou
o realismo crítico como um movimento filosófico na vanguarda das ciências sociais e
humanas. Com uma investigação de alta qualidade em sociologia e disciplinas afins, ele
teve seu apogeu no Reino Unido, no início dos anos 90. Graças aos bons serviços de Phil
Gorski, Margarita Mooney, Doug Porpora, Chris Smith e George Steinmetz, a hora para o
renascimento realista da teoria social pode agora, finalmente, chegar nos EUA.
Bhaskar nunca escondeu seu radicalismo e abertamente professou sua fidelidade ao
marxismo. A virada dialética do realismo crítico não veio como uma verdadeira surpresa.
Quando publicou Dialética: o pulsar da liberdade, em 1993, muitos simpatizantes (inclusive
eu) ficaram desapontados com a impenetrabilidade de sua prosa. Ao desenvolver
seu próprio sistema filosófico, sua própria linguagem e seus próprios diagramas
N-dimensionais, a lucidez da primeira onda de realismo crítico se perdeu em uma
floresta de neologismos. Não obstante as dificuldades inerentes aos sistemas dialéticos
interanimados, interligados, autoreflexivos, aloplásticos, e dos conceitos totalizantes, a
Dialética encontrou seus leitores/as. Graças à dedicação altruísta de Mervyn Hartwig, o
Friedrich Engels do realismo crítico foi quem escreveu todas as introduções dos 11 livros
de Bhaskar, editou o Dicionário do realismo crítico e fundou o Jornal do Realismo Crítico,
DCR (realismo crítico dialético) promovido e discutido atualmente como um dos grandes
trabalhos da filosofia contemporânea.
Como sempre, a dialética é tentada pelo Absoluto. A virada dialética com o do
realismo crítico foi logo seguida pela virada espiritual e por um retorno à totalidade.
Tendo abraçado o Reiki, Ram percorreu todo o caminho de volta para a Índia. Seguindo a
tradição de Buda (a quem ele certa vez descreveu como “um dos maiores sociólogos”), de
Shankara e Aurobindo, ele começou a meditar sobre a não-dualidade e expôs a sabedoria
de algo maior, mais profundo, divino, um ´eu´ alético. Na virada do milênio, ele saiu do
armário espiritual e desenvolveu a filosofia da meta-Realidade5 como um complemento
espiritual para o realismo crítico. Sua linguagem tornou-se mais inspiradora e poética, sua
filosofia tornou-se mais intuitiva, esotérica e generosa.
Ram Roy Bhaskar foi um homem de muitas vidas e de muitos projetos. Alto, obeso,
com longos cabelos negros e camisas coloridas, ele era uma figura bastante marcante que
praticou a sério o que pregou. Era uma pessoa generosa, sempre alegre e positiva, nunca
amargurado ou sarcástico. Não que sua vida fosse fácil. Ele perdeu todo o seu dinheiro há
uma década e, mais tarde, também o pé direito. Apesar de suas dificuldades financeiras e
médicas, ele nunca reclamou. Ele também não se considerava um gênio ou um guru. Se as
pessoas se envolviam com o realismo crítico, ele se sentia feliz, embora, incansavelmente,

5 Termo utilizado por Bhaskar, com hífen e com uma letra inical maiúscula apenas na segunda
palavra (N. de T.).

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tentasse vender o pacote inteiro do realismo crítico (não apenas a primeira onda ou o
realismo crítico clássico, mas também o realismo crítico dialético e a filosofia da meta-
Realidade) para qualquer pessoa que se aproximasse dele. Bhaskar agora se foi, mas o
realismo crítico continua vivo como um poderoso sistema filosófico que desafia certezas
empiristas, ortodoxias positivistas e explorações colonial-industrial-capitalistas do eu, do
outro, do mundo e do universo.

Frédéric Vandenberghe (IESP-UERJ, Rio de Janeiro)

Graduação em Ciências Sociais e Políticas (RU Gent, Belgíca, 1988), mestrado em Sociologia (Ecole
des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris, 1989) e doutorado em Sociologia (Ecole des Hautes
Etudes en Sciences Sociales, Paris, 1994). Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais
e Politicos (IESP, o succesor do IUPERJ) na UERJ. Coordenador do Nucleo de Pesquisa Sociofilo. Tra-
balha com Teoria Social, Teoria Sociológica e Filosofia das Ciências Sociais. Membro do conselho
de Sociological Theory, European Journal of Social Theory, Revue du MAUSS e Revue canadienne
de sociologie. Membro da International Association for Critical Realism (IACR, Londres), Center for
Cultural Sociology (CCS,Yale University), Mouvement Anti-Utilitariste en Sciences Sociales (MAUSS,
Paris) e Kosmopolis Institute (Utrecht, Holanda). E-mail: Frederic@iesp.uerj.br

182
Outros lugares
polifonia eISSN 22376844

Critical literacy for difference: teachers’ perceptions


of the english language curriculum in Brazil
Letramento crítico para diferença: percepção de professores
sobre o currículo de língua inglesa no Brasil
Letramento crítico para diferencia: percepción de profesores
sobre el currículo de lengua inglesa en Brasil
Dánie Marcelo de Jesus (UFMT)

Resumo
Esta pesquisa investiga a percepção de professores brasileiros sobre o currículo de língua
inglesa, nos cursos de graduação, relacionado à questão de diversidade, bem como o caminho
que eles negociam com esta questão no seu cotidiano. Os dados foram analisados pela lente
do letramento crítico. O estudo envolve o uso de questionário aberto aplicado a vinte três
professores educadores de língua inglesa. Dentro de uma metodologia interpretativista, a análise
identificou percepções que emergiram da resposta dos participantes. Os dados sugerem que o
currículo de ensino de língua inglesa foca ainda o conteúdo. Professores acreditam que eles não
foram adequadamente preparados para lidar com a diversidade no contexto educacional, porém
alguns tratam deste tópico intuitivamente (gênero/etnicidade). Outros já discutem diversidades
com seus alunos para aumentar a consciência deles sobre diferenças culturais. Este estudo
apresenta algumas implicações para o uso da perspectiva do letramento crítico para a formação
de professores, e ressalta a necessidade de revisão dos programas de ensino de língua inglesa no
ensino superior para abranger questões relacionadas com a diversidade.
Palavras-Chave: Letramento crítico, diversidade, formação de professor

Abstract
This research investigates Brazilian teachers’ perceptions about the English language curriculum
in their undergraduate courses as related to the issue of diversity, as well as the way they deal with
this issue in their daily routine. Data is analyzed through a critical literacy lens. The study involved
the use of an open questionnaire with twenty-three English language educators. Through an
interpretative research methodology, the analysis identified perceptions that emerged from
participants’ answers. Data suggests that the ELT pre-service teacher curriculum focuses on
content. Teachers also believe they have not been adequately prepared to face diversity in their
educational settings, but some claim to cope with this topic intuitively (gender, ethnicity). Others
have been discussing diversity with their students to raise their awareness of cultural differences.
This study presents implications for the use of critical literacy in teacher education, and highlights
the need for reviewing ELT programs in higher education to encompass diversity-related issues.
Keywords: Critical literacy, diversity, teacher education.

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016 184


Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

Resumen
Esta investigación examina la percepción de profesores brasileños sobre el currículo de lengua
inglesa, en los cursos de graduación, relacionado a la cuestión de diversidad, así como el camino
que ellos negocian con esta cuestión en su cotidiano. Los datos fueron analizados desde la
perspectiva del letramento crítico. El estudio implica el uso de cuestionario abierto aplicado a
veintitrés profesores educadores de lengua inglesa. Dentro de una metodología interpretativista,
el análisis identificó percepciones que emergieron de la respuesta de los participantes. Los datos
sugieren que el currículo de enseñanza de lengua inglesa enfoca aun el contenido. Profesores creen
que no los prepararon adecuadamente para manejar la diversidad en el contexto educacional,
sin embargo algunos tratan este tópico intuitivamente (género/etnicidad). Otros ya discuten
diversidades con sus alumnos para aumentarles la conciencia sobre diferencias culturales. Este
estudio presenta algunas implicaciones para el uso de la perspectiva del letramento crítico para
la formación de profesores, y resalta la necesidad de revisión de los programas de enseñanza de
lengua inglesa en la universidad para abarcar cuestiones relacionadas a la diversidad.
Palabras Clave: Letramento crítico, diversidad, formación de profesor

Introduction
In the past decade, the issue of difference has been addressed through various
theoretical perspectives (COPE; KALANTZIS, 2000; MONTE MÓR, 2008; MENEZES DE SOUSA;
ANDREOTTI, 2008), which clearly demonstrates the need to question and understand our
social lives in a supposedly globalized world. English Language Training (ELT) research
has shown that the English language classroom has become a rich scenario to develop
studies which focus on critical education1 and which reassess language teaching practices
and curricula in a way that is more responsive to diversity (MONTE MÓR, 2007; SILVA,
2011). There is a need to understand the impact of this issue in the curriculum and how it
is based on critical literacy2.
These theoretical trends have suggested changes to educational curricula in teacher
training courses developed throughout the world. In Brazil, for instance,  educational
policies have given importance to multicultural themes such as ethnicity, sexual
identities, and cultural diversity by legally incorporating the Brazilian Sign Language
(Libras) to teacher education programs. Therefore, there are mandatory subjects in
teacher education undergraduate courses. Despite the advancement of such policies, ELT

1 Critical education examines how political ideologies shape educational settings as a way of
perpetuating hegemonic, mainstream notions (Marxist view). In this sense, critical education seeks
to stimulate education as an instrument of social change and as a means of obtaining social,
cultural, and economic equity.
2 In recent years, critical literacy has amplified Paulo Freire’s ideas, and the critical literacy curriculum
is usually associated with his work. Following its premise that language is always used in power
relationships and that all texts are spoken or written by someone for a particular purpose, a
curriculum based on this orientation does not consider language as transparent and strives to help
students understand texts’ discursive mechanisms. It is constructed, in short, to raise students’
awareness about political issues.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

teachers’ pre-service courses continue to produce curricula based on the four traditional
communicative skills (reading, writing, speaking, and listening) and on well-defined
grammar sequences. This type of curriculum maintains a linear view of learning, avoiding
the complexity of the issue of diversity in ELT contexts.
This paper derives partly from my dissatisfaction with ELT teacher education in general.
This has acted as a stimulus for reflecting upon education and the issue of ‘difference’,
which is becoming increasingly evident in contemporary education but which schools
rarely seem to take into account. In a number of situations teachers may feel insecure
about dealing with topics related to ‘difference’, while in others they may be prejudiced
or simply not interested. Perhaps as a result of teaching a culture which is too concerned
about the rationality of homogenizing our students, we generally tend to neglect their
diverse forms of behaviour.
Taking this into account, I realized there are few research studies on Brazilian
ELT teachers’ curriculum-related perceptions3, particularly considering the evidence
associated with the issue of ‘difference’ – involving cultural, ethnic, linguistic, and other
factors in English language teaching contexts. With this in mind, I decided to focus on the
development of English teacher courses in Brazilian universities.
Recent research in Brazil has shown the need to investigate this topic with the
importance it deserves, specifically in terms of the effect on pre-service English teachers’
perceptions on language teaching/learning. Special consideration is given to one of
the most critical realities of contemporary education, i.e. how to deal with ‘otherness’
in an educational setting. Within this framework, teachers need to manage knowledge
which is seen as relational, negotiated, and fluid (KALANTZIS & COPE, 2006). Following
on from this idea, the notion of meaning becomes plural and is markedly influenced by
‘difference’. Any curriculum embracing this assumption needs to take into account that
conflict is an integral element in the modus operandi. Any interpretation of this bias
should be regarded as contingent. It is in such complex sociocultural circumstances that
an understanding of the dialectical relationship between the local and the global is built.
In other words, locality is not just about space, it also reveals divergence of meaning
which involves heterogeneity, i.e. it is not necessarily connected to a universal knowledge
created by our globalized world (BRYDON, 2011). Any understanding of ‘difference’ poses
an extraordinary challenge for language teachers around the world, even in Brazil, where
students from diverse linguistic and cultural backgrounds engage in the mainstream
curriculum. Therefore, it is crucial to produce a curriculum which values the notion of
‘difference’ and its various social, political, and cultural manifestations.

3 Perception is not only a cognitive process in which one recognizes and repeats sensory stimuli.
In this paper, it is also understood as a social, cultural, and political representation of the world.
In other words, our perception is not fixed, but changeable, and it is constructed in our daily
social interaction.

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

Within the field of multiliteracies there are limited examples of how teachers develop
their understanding of teacher education curriculum and ‘difference’, as well as their impact
on teaching. This research concentrates on teachers’ perceptions about curriculum and
‘difference’ and the implications of teaching ELT to develop a critical perspective about
language. Moreover, it proposes a theoretical and empirical analysis of data collected
with the aim of improving the quality of teacher education in Brazil and coping with local
problems to foster a more critical education. In this respect, I believe that education should
widen its acceptance of diversity. We live in troubled times when traditional truths are
under constant challenge. In dealing with such questions, it is important that educators
insist on dealing with ‘difference’. Tensions in this area may in part be explained by the
fact that teachers are generally insecure in managing the practical side of ‘difference’.
In summary, my aim is to promote a deeper understanding of critical literacy theory,
to elaborate on an approach which contributes to the teaching of English as a second/
foreign language, and to collaborate with projects that raise awareness about diversity.
I begin by summarizing the theoretical section. It presents some concepts linked to
critical literacy and critical curriculum and how they relate to my research. Finally, in the
concluding part of this paper, I discuss findings and their implications for teacher education.

1. Critical literacy for difference


Over the past few years, many language researchers (KALANTZIS; COPE, 2000;
KALANTZIS; COPE, 2006; 2012; LANKSHEAR; KNOBEL, 2006; MONTE MÓR, 2007; MENEZES
SOUZA, 2011; MONTE MÓR, 2011) have taken into consideration the importance of
critical language teaching in the school syllabus, and the social and political dimensions
have been regarded as inseparable aspects of language teaching and learning. However,
there is still relatively little detailed empirical research examining the efficiency of critical
education in English language teaching in Brazil (MONTE MÓR; 2007; SILVA, 2011).
Likewise, there is an evident lack of the practical experience which promotes conditions
that enable schools to develop critical literacy practices.
The challenge in teacher education to approach thematic issues surrounding the
diversities in English language teaching goes beyond its social or even educational
relevance. It is increasingly common for undergraduate students to raise questions
about teaching and ‘difference’. They usually do not know how to deal with prejudice
and symbolic violence (BOURDIEU, 1998/2012) in the classroom. They perceive a gap
between government claims and the aims of critical literacy in education. In this case,
symbolic violence should be understood as unconscious acts of violence which seek to
discipline individuals according to hegemonic behavior. This type of violence is a way of
legitimizing heteronormativist, monolingualist or racist discourses. One of the strategies
of symbolic violence is to give attention to the visibility of differences, for example, how
people speak, behave, and dress. This strategy usually makes gender/racial/linguistic/
cultural dichotomies visible to reinforce the hegemonic position and legitimize the norms

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

of conventional cultural ideas of gender/race/language/culture. This situation inspires


the need to deconstruct norms in terms of gender, race, language, and culture.
I believe it is very important to rebuild educational practices in Brazil, and teachers
need to understand the importance of redirecting their teaching to a more open attitude
towards their work and responsibilities in a contemporary world influenced by various social
and technological changes in the last few decades. We are diverse. Our social performance
relies, to a greater or lesser extent, on the possible ways of being human along dimensions
of similarity and difference. Many of us may be close to the ideal-type culture in many ways,
but, all in all, we often feel like outsiders in many other situations (LEMKE, 2010).
In Brazil, the concept of literacy (KLEIMAN, 1995) started being used to differ from the
social impact of writing in relation to non-formal educational settings, particularly with
regard to illiterate adults. Thus, literacy was the name given to Brazilian federal programmes
for non-formal instruction. Recently, this notion has embraced the idea of multiliteracies
and critical literacy (COPE; KALANTZIS, 2000; MENEZES DE SOUZA, 2011) and is now defined
by plural, social, and situated practices which reflect on the cultural, political, ideological,
and linguistic value of a certain social group. Thus, ‘multiliteracies’ is a term which refers
to meaning-making, an aspect strongly marked by multimodal communications, revealing
new forms of social agency in the world. By employing it, Kalantzis and Cope (2014) claim
that our technological society has been characterized by the spread of a massified culture
of images and other modes of expression. Such images are not neutral; they produce
meaning which may reinforce or question stereotypes. Magazines, for example, show
models who represent a globalization and standardization of beauty ideals that eliminate
all types of bodily ‘imperfections’. Multimodality also includes meaning-making processes
that flow from one mode to another, such as visual, spatial, gestural, written, and audio
modes (KALANTZIS; COPE, 2014). Therefore, it would be naive to consider an image as a
simple illustration of a text. These pluralities of meaning – known as multiliteracies – also
evoke a teaching practice based on issues of ‘otherness’, heterogeneity, and power relations
in dominant and subaltern literacies (MENEZES DE SOUZA, 2010). In this sense, I recognize
the need to broaden the scope of school views so it may encompass ‘differences’ and their
multisemiotics; their political and sociocultural aspects.
Thus, we chose the perspective of critical literacy and multiliteracies as theoretical
tools which can be put into practice and help researchers interested in understanding
the heterogeneity of human interaction. A curriculum that stresses ‘difference’ is crucial in
constructing a new educational ethos which accepts individuals’ diverse manifestations
on any given subject. In the name of inclusive discourse, this can mean transforming
the issue through folklore themes. For example, Brazil celebrates Indian Day and
Slavery Abolition Day. These practices have the potential to highlight the binary poles
(homosexual and heterosexual, black and white) which are a source of stigmatization in
our society. This polarization rejects the wide range of human expression; for instance,
in terms of gender perception, men tend to be shown as naturally robust and dominant,
whereas women are gentle and delicate. Gender studies (XXXX, 2012), on the other

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

hand, argue that some individuals may establish and identity with different labels,
depending on their social contexts.
Similarly, the notion of race has been historically constructed to distinguish ethnic
groups and to establish inequality between people with different ethnic backgrounds.
In addition, this binary concept of the world has also supported the notions of canonical
and non-canonical culture. Thus, Western cultures are seen as prestigious, whereas
African ones are considered exotic. In other words, the problem of dividing humans into
categories of men and women, black and white, exotic and familiar is quite arbitrary and
tends to promote an oversimplified vision of the world. In this sense, teachers should
cautiously consider how to employ inclusive discourses so that they avoid promoting
discrimination inadvertently and actively foster diversity.
Literacy for ‘difference’ demands understanding language within the sphere of social
practices which are not only symbolic, but which relate to the way our own world is
organized. Social discourse practices influence the ‘identity’ of individuals and their social
relationships, representations, and knowledge. Hence power relations and ideologies are
essential to understanding the social dimensions of literacy (COPE; KALANTZIS, 2000).

2. Critical curriculum for ELT: English teaching for difference


The school curriculum, understood as a list of topics to be covered by the teacher, has
always served as a guide for educational practices within the school. In the case of foreign
language teaching, the curriculum is usually based on textbooks which cover well-defined
grammar sequences, ranging from the most simple, generally the verb ‘to be’, to more complex
ones like the present perfect tense. Oral activities are presented to introduce a real-life context
for the target language using the linguistic topics studied throughout the book. This whole
process is mediated by a cultural view that is based on the perspective of an ideal English
native speaker, often describing differing versions of an utopic Anglo-Saxon world.
This concept of curriculum is currently being questioned, especially after the advent
of the Internet, which has motivated the rise of new textual genres that have, in turn,
dramatically changed our social interactions in relation to knowledge in general (COPE
& KALANTZIS, 2000). These transformations may be seen in virtual communities, in chat
rooms or in on-line discussion forums inspired by a new time and space order. This new
trend is actually modifying the way we see ourselves.
Individuals who wish to participate in this new multimodal reality need to be aware
of this culture’s new signs and how this context is constantly being reinterpreted by new
cyberspace communities. In this respect, the dawning of the digital culture has not been
the same for everyone. Thus, heterogeneity is unavoidable among individuals who take
part in the digital environment (CASTELL, 2003).
This argument has foregrounded the fact that the teaching and learning of English is more
than a naive vision of the four traditional communicative skills (reading, writing, speaking,
and listening). The theory of critical literacy illustrates that there are new forms of literacies

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which include multimodal and multisemiotic elements in language learning (COPE, B &
KALANTZIS, 2000). For this reason, a curriculum incorporating such new multiliteracy issues
should necessarily include their cultural varieties. As such, this view offers an alternative to
the asocial and, therefore, abstract and decontextualized representations of language that
have been typical of, for instance, the mainstream tradition in English language teaching.
According to this view, studies based on multiliteracies, critical literacy, and literacy
for ‘difference’ may provide resources for a curriculum supported by both the ‘difference’
and conventional approaches. It is not merely intended to include questions related to
homosexuality and racism, as well as linguistic varieties which are apparently self-evident.
Curricula would be founded on tolerance or on the simple binary questions of right and
wrong, and it is well to take into account the fact that students’ attitudes seem to encourage
the categories of abnormal or normal between individuals when they are confronted with
something different (JESUS, 2012). Thus, a critical curriculum – in English language teaching
– would not focus strictly on grammar aspects or linguistic skills, but also be concerned with
a multiplicity of meanings that are manifested within power struggles, and how the reader
takes a position in his/her interpretation of this reality (MONTE MÓR, 2010).
In a critical language curriculum, the notion of dialogue seems to be essential
(FREIRE, 1970), involving more than the acceptance of ideas from others. Dialogue in
Freire’s notion relates to freeing education for both the oppressed and the oppressor.
The critical literacy perspective has redefined dialogue as an inquiry approach that
examines multiple perspectives (INNEY, 2014). As a result, the critical curriculum seeks to
problematize different views in order to understand why people relate to various loci of
enunciation, i.e. how they stand in relation to sociopolitical issues and the consequence of
this positioning. The notion of dialogue invites us to consider a wide variety of discourses
which allow learners to develop the language of critique. Thus, they may also learn how
readers are positioned by texts. In this type of language teaching, there are no truths
because they are contingent and situated. A teacher who assumes this paradigm may
be more open-minded to deal with ‘difference’. Once faced with the fact that we live in a
heterogeneous world, students might widen their scope of learning to understand how
power relationships are formed in society.

3. Methodological perspective
This work is based on an interpretative view of research (ERICKSON, 1986/1990),
which assumes that the natural context and participants define what takes place in a
given social situation. The aim of this approach is to clarify the meaning of actions in
social life, as well as to share an interpretation of the interaction between the various
members of the environment studied. Erickson (1986/1990) considers that the goal of
interpretive research is to comprehend the universe of human language microscopically.
Despite focusing on the microstructure, this approach considers the macrostructure.
By observing microroutines we can also understand the overall macrostructure, so the

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relationship between micro- and macro- proceeds dialectically. This research approach
also claims that each individual’s sociocultural environment determines his/her social
behaviour. It has been applied to educational research because teachers’ experiences
are neither homogeneous nor easily controlled or predictable. This approach provides
information about teachers’ perceptions on language teacher education curriculum and
‘difference’ and also their personal reflections about their work and diversity.
Data was collected via a questionnaire sent by e-mail to teachers (Appendix A) from
September to October 2014. The main goal was to understand their perceptions about
language teacher curriculum as well as the impact of this curriculum in their practices in
relation to the issue of ‘difference’. Data analysis began with a thorough familiarization
with teachers’ discourses in order to establish a thematic framework. Themes were
identified following King and Horrocks’ (2010) guidelines. Firstly, the authors suggest
that data analysis always involves choosing what to include, what to discard, and how
to interpret participants’ words. Secondly, themes imply some degree of repetition in
the data. Thirdly, such themes should be distinct from each other. Therefore, they are
‘recurrent and distinctive features of participants’ accounts, characterizing particular
perceptions and/or experiences, which the researcher sees as relevant to the research
question’ (KING; HORROCKS, 2010). Prominent themes were established and then used
as a reference point for the questionnaire’s subsequent analysis. Following, I focused on a
critical literacy approach and on theories about difference in the school because I believe
these theoretical lenses promote a critical look at teachers’ discourses that are common
in the ELT area in Brazil.
Discourse, according to Fairclough (1992/2001), is understood as a set of social practices
which are not only symbolic, but which relate to the way group worlds are perceived.
Discursive social practices help compose the ‘identity’ of individuals and their social
relationships, representations, and knowledge. In this perspective, power relationships
and ideological standpoints are essential in understanding the social dimensions of
teachers’ perceptions. An ideology in this sense should be understood as that which
constructs reality through the dimensions of discursive practices and their contribution
to the production, reproduction or transformation in relationships. Discursive practices
constitute the dimension of language in use, which in turn is involved in a process of
production, distribution, and consumption of texts, which naturally vary according to the
types of discourses and social factors involved.
At the beginning of September 2014, I sent messages to Brazilian teachers who were
in my friends’ list on Facebook. I provided them with a brief description of the research,
including purpose, procedures, and confidentiality. Those interested chose to take part
in it. The investigation involved a total of twenty-three English language teachers with
varying critical literacy knowledge and experience. Teachers were already familiar with
critical teaching. Their age ranged from 25 to 50 and they were from different cultural
and social backgrounds, as well as from different Brazilian states. All had graduated from
ELT programs in Brazil. Ten of them had been working as teacher trainees, eight were

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enrolled in graduate courses, and five had just finished their undergraduate course. All of
them were teachers, hence they had developed professional identities as teachers. This
data could give a brief insight into the ELT community in Brazil. Interpretative research, of
course, involves analytical limits. In that sense, the understanding of teachers’ discourse
and my comprehension of their voices should be viewed as partial, practiced from within
subject positions in the production of particular discursive power relations.

Two research questions guided the present investigation:


1. How do teachers perceive the issue of diversity in the ELT curriculum?
2. How do teachers perceive the issue of diversity in the classroom as a learning context?

4. Results

4.1 How the English language curriculum in higher education is perceived by


English language teachers

The ELT curriculum4 still seems to privilege content, for knowledge continues to be
guided by the notions of repetition, reproduction, and transmission. Students are required
to portray facts from memory, for example, reciting verbs or reproducing canonical texts.
In this pedagogical approach, learners have to prove their knowledge with empirical facts
by repeating the correct answers (KALANTZIS & COPE, 2012). They are passive, whereas
the teacher is regarded as the source of knowledge. This educational practice in the ELT
context is also evident in whole-class recitation activities, question-answer tasks, multiple-
choice tests, etc.
It tends to have a traditional orientation with well-defined grammar sequences
and a biased view of an ideal English native speaker. Topics are normally organized
in continuous and sequential syllabi (English Language 1, English Language 2, etc.).
Furthermore, the traditional curriculum is inflexible and does not allow students to
choose their subjects. Such inflexibility is also due to the widespread belief that future
teachers should learn content. Consequently, students have few interdisciplinary
experiences, regardless of their major. However, the Brazilian Ministry of Education
has recently stimulated changes in higher education, incorporating issues of diversity,
as well as increased the number of teachers who are interested in critical language
teaching. This situation is directly tied to teacher education, as is shown by the
following excerpts (emphasis added):

4 Almost all research participants stated that the curriculum in their ELT undergraduate courses was
content-focused.

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1. Although the coordinator of the course is very accessible I still feel


the curriculum for the course has a great deal of traditional paradigm.
That is perceived when they describe the role of the professor towards
the students, that is, the only one in class who has the knowledge, instead
of that one who mediates it. I have the impression the undergraduate
program doesn’t consider the students as autonomous people, full of
experiences, and that they are also responsible for their knowledge
building (Teacher Cristina5).
2. Most of the undergraduate curriculum is still focus on a traditional
paradigm. When I deal with teachers in teacher trainings, I try to insert
critical thinking into the discussions, through questions that are not
usually present in Didactic Materials or in the curriculum elaboration. I
believe that, by doing this, it is possible to start some kind of change, but,
in a nutshell, it seems to be still hard to use a more critical approach, once
students and teachers in training still expect more traditional approaches,
with very objective questions and ‘right’ answers (Teacher Maria).
3. In relation to the undergraduate curriculum, I think the approach of
teaching was through the traditional paradigm, due to lack of flexibility
in the choice of subjects to be attended, however, with respect to class I
think that is focused on a critical approach because in many of them
criticism and reflection were present through debates, discussions and
group dynamics (Teacher Carlos).
4. If I consider the curriculum I can affirm it didn’t offer me great professional
perspectives related to diversity issues. I recently pursued my masters’
degree which was about the critical literacies theories and teaching
education and I now I can say that my undergraduate in Letras was not
focus on a critical perspective. Of course we became more critical when
we begin to study at university. It seems a natural process. But if I take in
consideration the teaching approach I had been in contact I never had
something close to the critical approach. I learned about those theories
in my masters (Teacher Elaine).

In the previous excerpts, the ELT teachers seem to admit that the Brazilian higher
education curriculum is still remarkably fragmented and unresponsive to a critical
approach. All of them consider teaching to be teacher-centered: ‘the undergraduate
program doesn’t consider the students as autonomous people.’ This concept can,
therefore, be described as a way of teaching in which students are seen as passive
recipients of information. Consequently, teacher education programs may be expressly
marked by the idea that the aim of training is merely to produce technically and
linguistically competent teachers and to provide them with pedagogical knowledge
and classroom management skills. Monte Mor (2011) believes the restrictive goals of
isolated practices in educational settings aim to reinforce values in which pedagogical
efficiency and effectiveness are mediated by a technique-methodology competence.
Such technicist thinking, according to Kleiman and Silva (1999), may enhance curriculum

5 Teachers’ names in the excerpts are pseudonyms.

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fragmentation. This view reveals that this type of curriculum may seek to homogenize
students and does not value their individual differences.
Despite the dominant paradigm in the ELT curriculum, research participants have
become more aware of the critical issue and have brought forth a potential prospect
to rethink the curriculum. However, this new discussion still seems to be restricted to
graduate courses (‘I learned about those theories in my masters’) or to pioneering teachers
who have been implementing the new syllabi to encourage students to build knowledge
(‘I try to insert critical thinking into the discussions’). In this framework, the aim of the
curriculum is dialogic teaching (FREIRE, 1970) as the result of a symmetrical relationship
between teachers and students. This does not mean that power relations disappear, since
people are socially situated. In other words, people represent the world according to how
they stand in relation to sociopolitical issues.
As the fragmentation of the university curriculum still predominates, ELT teachers
may feel lost in dealing with ‘difference’. Within this framework, teacher education has
become dissociated from the issue of ‘othernesses’, and perhaps this is one of the reasons
why teachers avoid engaging with conflicts related to issues of ‘difference’. The following
excerpts are further examples of such dissociation (emphasis added):
1. Back in my undergraduate days, I guess the focus was more on people
with disabilities. Diversity regarding gender, for example, didn’t get any
approach. Overall, I don’t think it prepared us in any particular way
to deal with differences. Classes were pretty teacher-centered, though
some teachers tried to pass a different image of this (Teacher Eduardo).
2. In terms of diversity I never had a discipline or a learning program which
brings this topic specifically. In fact I had a lot of difficulties when I start
to teach professionally. My first professional experience was in Adults
Education (EJA) context and when I was at university I never had the
chance to study or discuss about this kind of teaching modality. The
students had a different background. It was hard in the beginning but
it was an amazing experience. I already have participated in courses
and lectures about culture and gender but mainly in terms of gender I
don’t feel comfortable enough to bring those aspects in my classroom
(Teacher Elaine).
3. Although I had some professors who were really open-minded to many
kinds of discussions, I can surely affirm that I wasn’t prepared during my
undergraduate course to deal with the diversity, neither cultural, ethnic
and gender differences. At the time, we used to listen to many things
being discussed on the media about inclusion, but my undergraduate
colleagues and I weren’t prepared for that. The poor information I got
was by reading some articles on the internet. So, definitely, I was prepared
to deal with any cultural, ethnic and gender differences (Teacher Cristina).
4. Not really. When I took my undergraduate course the discussions about
diversity were still mainly about physical disabilities (deafness). We had
specific classes to learn how to deal with these students, but discussions
about the several types of diversity we face nowadays were not the main
topic (Teacher Elis).

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

Teachers claim they acquired a fairly limited knowledge of how to deal with the issue
of diversity in their classrooms. Eduardo states his concern about his lack of preparation
for working with this topic: ‘I don’t think it prepared us in any particular way to deal with
differences.’ Elaine, in turn, states that at the beginning of her career she did not have a
clear idea about how to negotiate with students from different social backgrounds; she
declares she learned by herself. Cristina observes that a similar situation happened to her,
and she heard about diversity through the media. In many cases, diversity is regarded as
a way to deal with disabled students, as Elis reports.
To tackle the stigmatization of Afro-Brazilian culture, the Brazilian Ministry of Education
has created policies to implement proposal guidelines which discuss ethnicity-related
issues. However, diversity should not be limited to race or disability. Changing family
composition, religion, gender, socioeconomic status, etc. all are evident in the classroom.
Teachers, on the other hand, do not know how to engage with these situations, given that
their culture may be very different from that of students (ERICKSON, 1986/1990).
Given that many ELT courses are content-oriented, this seems to produce a neutral
education where teachers are seen as carriers of knowledge who explain curriculum
contents rationally (MONTE MÓR, 2000). However, as Fairclough (1992/2001) points out,
apparent neutrality in traditional education is an illusion, revealing instead ideological
acts in which teachers and students are encouraged to reinforce fixed values. Thus, this
concept of education does not concern the development of a critical approach which
questions the modus operandi and, consequently, the essentialist view of the world.
Hence it seems natural that teachers face difficulties in managing an education which
sees knowledge as relational, negotiated, and fluid (MOITA LOPES, 2003).

4.2 How do English teachers negotiate with the issue of difference


in their educational setting?6

ELT educators are normally not trained to teach using a diversity- and critique-
oriented approach; they tend to incorporate a content-focused discourse, thus helping
to maintain the status quo. However, this does not mean teachers cannot bring this issue
to the classroom, as can be seen in the following excerpts (emphasis added):

1. Nowadays, the institution where I work doesn’t address those issues either.
In meetings and teacher training sessions, these topics are never in the
agenda of discussions. But teachers do face diversity in their classrooms
and my impression is that they try to deal with it as well as they can, and,
in general, they succeed in it. But not because they’ve been instructed
in their formation neither do they receive any specific support or training

6 In Brazilian public schools, English lessons usually take place once or twice a week in 45-minute
periods. Many teachers complain about the limited amount of time they have to develop learning
as a social practice.

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from the institution where they work. I would say they do it instinctively
and out of their passion for what they do and their love and respect for
their students (Teacher Eloisa).
2. What I see in these institutions, especially in the public ones, is that
they have problems to deal with differences because they find it hard
to do a lot of things they consider important in the learning process,
like evaluate and access students learning, if differences are taking into
consideration. What I see is that they try to make everything the most
homogeneous as possible, in order to try and be ‘more fair’ and accurate
in evaluating the whole process. And when it comes to dealing with
differences in the themes they address in class, teachers usually avoid
it because they think that grammar and functions are more important
than discussing social issues – what, in their opinion, may be a waste of
the class time, since students usually have a few hours of English classes
per week in these institutions (Teacher Marcia).
3. I have clear in my mind that these situations are becoming more common
every day. But actually it has not been my focus since I do not feel
prepared to deal with diversities, so I have to try harder to prepare my
lessons focusing on differences (Teacher Elis).
4. I do believe diversities are a rich resource for our classes. We can learn a lot
from them in terms of language, behavior, ideology and world. I am fond of
the Multiliteracies paradigm, and according to that we HAVE to bring those
issues to the classroom, otherwise we are not dealing with Multiliteracies.
Once the idea is to form people ready to critically interfere (or not) in their
world, I believe it’s only possible by bringing diversities into the classroom.
During my last English class, for example, I showed them some
short videos with love stories. Two of them had a gay couple. I also
showed some comic strips portraying the difference between a woman
asking a man to light her cigarette and another with a man asking
a man to light his cigarette. We had a great discussion about that.
So, answering how I deal with diversities, I always bring them into my
classroom. I listen to different points of view, give them the opportunity
to talk and always have a reading suggestion if I don’t know how to
answer something (Teacher Cristina).

Eloisa describes her school setting as a place where diversity is not the focus of
her teaching. However, more and more classrooms include students with different
backgrounds, and teachers are forced to face this challenge. Without academic support,
teachers have to learn intuitively how they should work with their students. According to
Eloisa, teachers may succeed because of their commitment to teaching. Eloisa seems to
believe that committed teachers are concerned with their students’ learning, so one may
deduce from her comment that such teachers may overcome the problem. Nevertheless,
non-critical engagement may encourage a view of stability in social relationships.
Rhetorically, teachers may acknowledge differences exist but, due to the lack of clarity
about this issue, they may simply ignore them. Thus, we may have a model of hegemonic
education which communicates teachers’ profession as a mission. In this sense, teachers’
actions are justified in the name of developing relationships with their students. In

196
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other words, teachers need to be passionate educators rather than critical thinkers.
Consequently, they may advocate a ‘soft’ attitude towards the ‘difference’ issue, ignoring
political and social implications.
Marcia considers teachers’ inability to deal with diversity at school and why this issue
is directly related to them being unable to talk about it. She also observes that ELT teachers
usually focus only on the target language. She suggests that teachers do not seem to
strive to contribute to equity in students’ learning experiences. This inability to consider
diversity leads some educators to ignore the fact that the school setting is populated by
individuals who may differ from conventional norms (JESUS, 2012). Pedagogical practices
that might reflect upon these differences and their social and cultural effects are not
permitted. Thus, the school system tends to encourage hegemonic standards to spread
the homogenization of teaching. However, this situation is constantly being questioned
and shows that social boundaries may not be entirely controlled. Naturally, teachers do
not know how to embrace the issue of ‘difference’. They are accustomed to promoting
a discourse that may neglect diversity with the goal of avoiding any action which may
change well-established rules (JESUS, 2012).
Elis assumes that she does not have enough confidence to deal with diversity
(‘I do not feel prepared to deal with diversities.’). However, she looks for ways to
address students’ differences (‘so I have to try harder to prepare my lessons focusing
on differences.’). On the other hand, without reflections on diversity, teachers may
intuit that they need to address the issue. This intuition is probably linked to the
implementation of National Curriculum Parameters (BRASIL, 1998), official guidelines
which have drawn much attention to the question of diversity. Seminars, conferences,
and meetings have spread over Brazil to discuss this issue. Despite all the fruitful
discussions, there are still only a few practical implementations of activities which
embrace the issue of diversity in Brazilian English language classrooms. Consequently,
intuition-guided teachers might promote a discourse that can reinforce stereotyped
images about minorities. This may lead students to be silenced and to take on an
assimilation attitude so that they can be more conventionally accepted (JESUS, 2012).
In some cases, teachers may reinforce symbolic violence (BOURDIEU, 1989/2012) in
the classroom as a way to legitimize hegemonic discourse. For example, in a recent
research, Jesus (2012) draws attention to the clear difficulties that minority boys face
when they do not behave appropriately. Teachers’ strategy usually involves making
gender dichotomy visible to reinforce hegemonic positions and legitimize the norms
of conventional, gender-related cultural ideas.
In excerpt 4, Cristina implies that diversity enriches our understanding of the
world, defending that she is affiliated with multiliterate epistemology: ‘I am fond of
the Multiliteracies paradigm, and according to that we HAVE to bring those issues
to the classroom.’ For this reason, she tries to create opportunities through which she
can implement topics that problematize this issue. In this perspective, students are
encouraged to see language as a social practice. Teaching a language, in turn, is not seen

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as a series of functional grammar modules, but as an activity that takes into consideration
a multicultural competence according to which language is not transparent and carries
ideological components which collaborate to construct reality. It is understandable
that through language we choose the way we name the world around us, we highlight
‘differences’, and we create symbols of unity and collective identification that represent
voices we want to express (MONTE MOR, 2008).
Despite some of the teachers’ complaints about their lack of academic preparation
to cope with diversity, there has been progress in recent years in relation to preparing
teachers to meet difference in some contexts. Consequently, some university educators
now have greater awareness of the need for student teachers to be responsive to the issue
of ‘difference’. However, this awareness seems to be more related to individual practices of
some teacher trainers, as can be seen in the following excerpts (emphasis added):

1. I tried to bring questions to class that allowed the students to see the
intercultural issue is not easy to deal with. I guess I was very lucky to
have an engaging group of students who were willing to talk about
diversity. They prepared their seminars based on complex and productive
discussions on ethnic and gender differences that I was not even
expecting to see. They really surprised me! What I keep thinking about
this experience and asking myself is what about if this group of students
didn’t want to talk about the hidden complexities in the discussions of
diversity? Or to what extent am I responsible to raise these issues in
class? (Teacher Marcela).
2. As much as possible, I try to include cultural, ethnic and gender
differences in my language classes. As I teach Phonetics and English, most
semesters, I believe it’s important to use different authentic materials
portraying people from different backgrounds, in order to understand
that we are different from one another, and that we shouldn’t consider
somebody better than another. I also believe it’s necessary to analyze
what textbooks and other resources show regarding these differences
(Teacher Carolina).
3. I try to do it as much as possible, and to be careful not to take a militant
stance on it. I focus more on cultural and ethnic differences because
they seem to be more relevant in my context. And perhaps because
gender differences don’t come up so frequently in discussions and texts.
In that case, I might try to make up for this deficiency by introducing the
topic myself, but I usually allow my students to choose their own topics
for the classes and sometimes gender difference comes to the fore. In any
case, I try not to be patronizing and allow them to see difference as
something to be seriously addressed and not just respected or, worse
still, ignored (Teacher Joana).

In excerpt 1, Marcela reveals her worries about intercultural issues (‘the


intercultural issue is not easy to deal with’). It seems she focuses on cultural and
linguistic differences. Nevertheless, her students bring to the classroom questions
related to gender and ethnicity in order to promote discussion. She was surprised

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

and satisfied when these questions emerged (‘on ethnic and gender differences that
I was not even expecting to see. They really surprised me!’). Although she appears to
doubt that her duty is to raise this type of debate in her classroom, as an educator
she can provide her students with strategies to deal with diversity. This point also
reveals that our educational system maintains teachers in a position of fragility when
it comes to ‘difference’. They are given little or no support or supervision regarding
this question, considering that they are normally trained with a focus on transmitting
theoretical content (MONTE MÓR, 2011).
Carolina, in turn, strives to include ‘cultural, ethnic and gender differences’ in her
lessons. She searches through textbooks or didactic materials which demonstrate that
we are all different: ‘materials portraying people from different backgrounds, in order
to understand that we are different from one another.’ However, it is necessary but not
sufficient to show that we are different; we need to rethink what it means to be different
in terms of power relations. Carolina may reinforce a multicultural sensitivity model of
acceptance of other cultures without actually questioning cultural hegemony. This view
may enhance binary poles (masculine/feminine, black/white, canonical/non-canonical
culture) which maintain the logic of domination and exclusion. Therefore, educators may
ignore the fact that even the hegemonic discourse of homogenization is not factual,
but only constructed from a social and historical basis (MENEZES DE SOUSA, 2011). To
understand this issue, we need to bear in mind that identities are discursively characterized.
From this point of view, it is clear that human relationships are mediated by constant
power struggles that are not always transparent or obvious to those involved (MONTE
MOR, 2008). It is also clear that the legitimacy of discourse does not occur randomly, but
is the result of a game with hegemonic rules, ideologically constructed to show how we
should behave and move in our social theatre.
In the last excerpt, Joana affirms that she worries about cultural and ethnic issues,
but stresses that she takes care not to act as a militant. She does not address gender
differences because this topic is not visible in her classroom. However, other studies
(MOITA LOPES, 2003; JESUS, 2013) have shown that teachers do not clearly realize
there are a plurality of genders in the school setting. This can also be understood as a
consequence of little debate inside graduate courses, suggesting that more attention
needs to be given to teachers constructing educational practices which are culturally
sensitive (ERICKSON, 1996) to gender issues, for example. Maybe this is a reason why
Joana thinks this question never arises in her classroom. In this situation, we always
need to take into account that teacher training is based on an educational model which
is remarkably fragmented and unresponsive to diversity. On the other hand, in a critical
literacy that strives for difference, teachers are invited to deconstruct norms regarding
gender, ethnicity, culture, and language.

199
Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 184-202, jan-jun., 2016

Final remarks
In this paper we have discussed ELT teachers’ perceptions about diversity and
curriculum in their undergraduate courses and how they have been dealing with this
issue in their daily educational routine. The data was generated by a questionnaire sent
to teachers via Facebook. To support my idea, I used a critical literacy framework. These
theoretical perspectives are particularly interesting for questioning normalization and
contradictions in ELT teachers’ discourse.
The questionnaire attempted to capture teachers’ perceptions about diversity and
teaching. There was a general belief that teacher education courses still focus on content
rather than on production of meaning. Teachers reported they are worried about their
preparation to deal with diversity (ethnic, gender and cultural). In spite of this, they meet
these challenges intuitively. Some teachers who are aware of diversity have attempted to
design lessons with topics which embrace questions about ‘difference’.
Given that this interpretative research used only one instrument to analyze data, it may be
problematic to provide generalizable conclusions. This particular group of participants may not
reflect other professional contexts. However, this research does provide insights into current
ELT programmes. Firstly, a single subject on diversity, such as Sign Language or Ethics, may
not enable teachers to fully appreciate the issue at hand. This may be one of the reasons why
many teachers fail or feel insecure about addressing this topic. Secondly, teachers carry beliefs
about what diversity means. At university, their training is strictly content-focused, devoid of
reflection on the question of diversity in the ELT context. They would not even have had much
chance to perceive the world as marked for cultural and social ‘differences’. There is a significant
focus on linguistic competence rather than on political awareness in the educational setting.
This view of teaching seems to be so rooted in our culture that it is very difficult to undergo
change. It would be desirable if all curriculum components were consistently reformulated to a
genuine appreciation of diversity and if such knowledge were applied in the classroom. Without
constant and appropriate discussions in ELT programmes, it will be difficult for future teachers to
successfully deal with changes required for embracing diversity in our world.

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University, Detroit, Michigan, 2014.

Recebido em 03 de setembro de 2015.


Aprovado em 15 de fevereiro de 2016.

Dánie Marcelo de Jesus

Doutor em Linguística Aplicada e Estudos de Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo. Realizou estágio de pós-doutorado na USP (2013) e na Universidade de Illinois, EUA,
(2014). É vice-coordenador do GT “Linguagem e Tecnologia” da ANPOLL (Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) no biênio de 2014 a 2016. Foi secretário da
ALAB (Associação Brasileira de Linguística Aplicada). Atualmente é professor e Coordenador no
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso.
Organizador, em conjunto com Ruberval Maciel, da coletânea Olhares sobre tecnologias digitais:
linguagens, ensino, formação e prática docente (2015), e autor do livro Navegando pela aprendizagem
de professores de lingua inglesa em cursos online (2014). E-mail: daniepuc@gmail.com

APPENDIX A

TEACHERS’ PERCEPTIONS ABOUT LANGUAGE TEACHER CURRICULUM

Instructions: Please answer the following questions which address your experiences
about language teacher curriculum. Remember this questionnaire will be kept confidential,
and will be not linked you in anyway. Thank your for your collaboration.
1. How do you describe your undergraduate curriculum in terms of its teaching
approach? Do you think it is focused on a critical or a traditional paradigm?
2. How can you analyse your undergraduate course in terms of diversity? Do you think
it prepared you to deal with any cultural, ethnic and gender differences?
3. How does your school deal with differences?
4. How do your teachers used to deal with cultural, ethnic and gender differences in
their classrooms?
5. How do you deal with diversities? Do you prepare lessons with focus on cultural,
ethnic and gender differences?

202
polifonia eISSN 22376844

O gênero textual apresentação em Powerpoint


na sala de aula: um estudo de caso
The genre powerpoint presentation in the classroom: a study case
El género textual presentación en Powerpoint en el aula:
un estudio de caso
Fabíola de Jesus Soares Santana (UEMA)

Resumo
Neste artigo, abordamos o gênero apresentação em PowerPoint no contexto da sala de aula a partir
da perspectiva da nova retórica de linha americana e da multimodalidade textual. Para tanto, analisamos
as apresentações usadas nas aulas de Semântica de Língua Portuguesa no curso de Letras. Os resultados
revelam que, nesse contexto, o gênero apresentação em PowerPoint apresenta intertextualidade
intergenérica. Quanto ao aspecto formal, há um rompimento com a estrutura característica do gênero,
pois ocorre uma sobrecarga de textos verbais. A organização retórica das apresentações analisadas
baseia-se na modalidade text-flow.
Palavras-Chave: Escrita, gênero textual, interação

Abstract
In this article, we approached the genre PowerPoint presentation in the context of the classroom
from the perspective of the new rhetoric and textual multimodality. To do so, we analyzed the
presentations used in semantic classes of Portuguese Language in the Course of Letters. The
results show that, in this context, the genre PowerPoint presentation presents intertextuality
intergeneric. About the formal aspect, there is a rupture with the genre characteristic structure,
as there is an overload of verbal texts. The rhetorical organization of analyzed presentation is
based on text-flow mode.
Keywords: Writing, textual genre, interaction

Resumen
En este artigo, tratamos del género presentación en PowerPoint en el contexto del aula a partir
de la perspectiva de la nueva retórica de línea americana y de la multimodalidad textual. Para
ello, analizamos las presentaciones usadas en las clases de Semántica de Lengua Portuguesa
en el curso de Letras. Los resultados revelan que, en ese contexto, el género presentación en
PowerPoint presenta intertextualidad intergenérica. En cuanto al aspecto formal, hay una ruptura
con la estructura característica del género, pues ocurre una sobrecarga de textos verbales. La
organización retórica de las presentaciones analizadas se basa en la modalidad text-flow.
Palabras Clave: Escritura, género textual, interacción

Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 203-225, jan-jun., 2016 203


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Introdução
Estudar os gêneros textuais usados em situações tipificadas e perceber como as
pessoas dão significados e representações que denotam o seu papel participativo
nas relações sociais por meio de seu conhecimento individual e coletivo, permite-nos
apreender melhor como se desenvolvem a interação e a organização de atividades
que demarcam o ambiente cotidiano dos indivíduos componentes de uma sociedade
estruturada.
É interessante perceber como um gênero acaba envolvendo outro, criando uma
relação de interdependência que segue uma linha de organização que possibilita que as
pessoas se situem e participem de qualquer estágio desse processo, desde que possuam
o entendimento necessário para poder captar o que se espera delas. Os gêneros textuais,
por seu caráter sociocomunicativo, criam certa expectativa no interlocutor e ajudam a
preparar o interlocutário para a reação esperada, ou ao menos o auxilia neste sentido
A partir da perspectiva da nova retórica de linha americana, autores como Marcuschi
(2010), Miller (1984, 2009), Bazerman (2005, 2006, 2007), Devitt (2004), Bateman
(2007, 2008) compreendem os gêneros textuais como um grupo aberto possuidor de
características sociocomunicativas, cognitivas e institucionais, isto é, gêneros como tipos
de ações retóricas que as pessoas desempenham em seu cotidiano. De acordo com essa
visão, os gêneros textuais, sejam eles orais ou escritos, desempenham um papel muito
importante na organização e estabilização das atividades sociais humanas.
Cada gênero se encontra integrado em atividades sociais estruturadas e dependem
de gêneros anteriores que influenciam a atividade e a organização social. Juntos, os textos
estão inseridos em um conjunto de gêneros que atuam em um sistema de gêneros e
este, por sua vez, insere-se no sistema de atividades que direciona a ação humana. Assim,
compreender a forma e a circulação de textos nos sistemas de gêneros e nos sistemas de
atividades pode nos ajudar a compreender como parar ou mudar os sistemas inadequados
por meio de eliminação, acréscimo ou modificação de um tipo de documento, como
postula Bazerman (2005, p. 31).
Os gêneros textuais podem ter uma configuração simples ou ser apresentados de
forma mais complexa, dependendo das necessidades ou estratégias do interlocutor. Em
alguns casos, o gênero pode apresentar uma forma diferente da que o caracteriza ou
pode assumir funções para as quais não foi produzido inicialmente. Esse fenômeno é
conhecido como intertextualidade intergêneros ou intergenericidade. O gênero pode,
ainda, apresentar, em sua constituição, múltiplas semioses, isto é, vários modos de exibição
de informações em um mesmo gênero. Nesse caso, o gênero textual é reconhecido como
um documento multimodal.
Apesar de possuir um grande poder preditivo e interpretativo das ações humanas em
qualquer contexto comunicativo, de acordo com Marcuschi (2010, p. 19), os gêneros não
são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa, uma vez que o conhecimento
comum muda, assim como os gêneros e as situações exigem mudanças. Diante dessa

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flexibilidade e a partir dos estudos acerca da Teoria dos Gêneros, em especial da Nova
Retórica, de linha americana, é que investigamos a produção de gêneros escritos como
instrumentos mediadores das relações interpessoais entre professores e alunos no curso de
Letras da Universidade Estadual do Maranhão, enfocando, em especial, as apresentações
em PowerPoint. Para isso, identificamos e caracterizamos, primeiramente, os conjuntos e os
sistemas de gêneros textuais produzidos nas interações professor-aluno, os “scripts” de aulas
para averiguar de que maneira essa produção e circulação de gêneros escritos tipificam ações,
relações e identidades sociais e organizam o sistema de atividades desses agentes sociais.
Nesse contexto, os objetos de análise compõem-se de gêneros textuais escritos
produzidos pelo professor, principalmente as apresentações em PowerPoint usadas em
sala de aula.

1. A Nova Retórica e suas noções básicas


De acordo com Bazerman (2005), a noção de gêneros transcende a uma mera
aglomeração de palavras e assume uma participação especial como instrumento incitador
da ação humana diante das necessidades e situações de uma determinada sociedade.
Para o autor, os gêneros devem ser compreendidos como fenômenos de reconhecimento
psicossocial, uma vez que necessita da atuação dos indivíduos na construção de sentidos,
na percepção e compreensão de significados e nos usos criativos da comunicação. O ato
comunicativo não tem o indivíduo como um participante passivo, isto é, a comunicação
não se dá unilateralmente. É necessário que o interlocutor e o interlocutário empreguem os
seus conhecimentos enciclopédicos e tenham um entendimento do que se está abordando.
Marcuschi (2010), assim como Bazerman, não se prende à visão formal e estrutural dos
gêneros, mas valoriza sua natureza funcional e interativa, compreendendo a língua como
atividade social histórica e cognitiva. Portanto, no contexto sociointeracional, os gêneros
devem ser considerados por seus usos e condicionamentos sociopragmáticos, devendo ser
compreendidos como práticas sociodiscursivas. O autor afirma, também, que os gêneros
surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem.
Miller (1984) apresenta os gêneros textuais como instrumentos constitucionais de
discurso com base em uma grande escala de tipificação de ação retórica, isto é, gêneros
utilizados por um agente, ou um grupo deles, com um alto índice de repetição para
concretizar a ação retórica humana gerada pelo contexto social. Esse índice de repetição
proporciona um padrão de atuação da ação humana, o que permite ao receptor ter uma
ideia do que se espera dele e como proceder corretamente em determinada atividade.
Para a retórica, o estudo dos gêneros é valioso porque enfatiza alguns aspectos sociais e
históricos que outros estudos não fazem.
Grande parte dos autores que estudam a língua em seus aspectos discursivos e
enunciativos, e não tendo como foco principal suas características formais, adota, segundo
Marcuschi (2010, p. 22), a posição de que “é impossível se comunicar verbalmente a não
ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por

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algum texto”. Esse posicionamento, ao mesmo tempo que afirma o caráter indeterminado
dos gêneros, pois a compreensão de um gênero pode variar de uma pessoa para outra,
afirma a atividade constitutiva da língua, isto é, visão da língua como atividade social,
histórica e cognitiva.
Bazerman (2010, p. xi-xii), ao prefaciar o livro Genre: an introduction to history, theory,
research, and pedagogy, disserta acerca do valor dos gêneros como formas que moldam
e são moldadas (pel)o processo de interação social. O linguista americano explica que
“muitos aspectos da comunicação, dos acordos sociais, do fazer significar humano estão
amalgamados no reconhecimento de um gênero.” Argumenta ainda que os gêneros
tanto caracterizam o complexo de regularidades da vida humana como também a
individualidade de cada palavra situada. Ao tecer suas considerações conceituais sobre a
função do gênero na vida social revela-nos a riqueza e ao mesmo tempo a complexidade
da concepção dessa terminologia quando nos diz:

Os gêneros estão associados a sequências de pensamento, a estilos


de autoapresentação, a posições e a relações de autor audiência, a
contextos e organizações específicos, a epistemologias e ontologias,
a emoções e prazeres, a atos de fala e realizações sociais. [...] moldam
práticas comunicativas regularizadas que juntas delimitam organizações,
instituições e sistemas de atividades. [...] por identificarem contextos e
planos para ações também focalizam nossa atenção cognitiva e juntos
projetam/configuram/desenham a dinâmica de nossa mente em busca de
relações comunicativas específicas, desse modo, exercitam e desenvolvem
meios/formas particulares de pensar. (BAZERMAN, 2010, p. xi)

Assumindo essa noção de gênero textual como ações sociais recorrentes, dinâmicas,
mutáveis e  culturalmente constituídas, e não como conjuntos de traços textuais
estáveis, acreditamos que os gêneros podem representar um valoroso instrumento das
interações sociais.
A nova retórica tem orientado estudos sobre questões socioculturais envolvidas na
produção, circulação e consumo dos gêneros textuais. Mais importante do que descrever
elementos textuais é verificar a maneira como os gêneros respondem a diferentes
exigências socioculturais. Essa perspectiva está mais concentrada na ação social propiciada
pelo gênero e executada pelo indivíduo do que nos conteúdos presentes no texto, como
asseverou Miller (BAZERMAN; MILLER, 2011, p. 67) em encontro na UFPE.

Carolyn Miller – Eu acho que aqueles que utilizam o termo, e com quem es-
tou familiarizada, querem [...] distinguir nova retórica de retórica antiga, rejei-
tando a ideia de que retórica é comunicação necessariamente deliberada, ou
estratégica, que efetivamente apresenta propósitos ostensivos sobre as pes-
soas e, portanto, é entendida como manipuladora. A nova retórica, pelo con-
trário, envolve a compreensão de que nossas intenções retóricas podem não
ser totalmente conhecidas por nós, de que nem sempre estamos totalmente
conscientes do que ou por que estamos fazendo e (esta é a percepção de

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Kenneth Burke) de que essa retórica pode ser subconsciente, inconsciente,


de que a comunicação, a linguagem em uso, sempre contém uma dimensão
persuasiva que pode não estar inteiramente sob nosso controle.

Na seção a seguir, apresentamos um histórico sobre o surgimento do gênero


apresentação em PowerPoint.

2. O surgimento do gênero apresentação em PowerPoint

A partir da segunda metade do século XX, os recursos visuais passaram a compor o


ambiente empresarial. A comunicação de ideias e planos de trabalho tornou-se mais dinâmica
com o auxílio de retroprojetores, máquinas que utilizam transparências, ou overhead slides,
para refletir em paredes, quadros, etc. as informações que se desejava transmitir. Essas
informações eram produzidas à mão ou digitadas em máquinas de escrever em papel branco
e depois eram fotocopiadas em slides de 35 mm. O ato comunicativo era facilitado por essa
prática, mas o processo de produção ainda não era rápido.
Como assegura Ian Parker (2001 apud VIEIRA, 2011, p. 41), não era uma prática comum,
nas empresas, as apresentações formais com uso de recursos visuais em suas reuniões de
trabalho, “antes de existirem apresentações, existiam conversas, que se pareciam com apre-
sentações”, mas que eram diferentes porque não usavam tantos marcadores. Porém, em uma
esfera em que o mundo se torna cada dia mais competitivo, a necessidade de velocidade em
passar informações sem que se perca muito tempo nesse processo e com baixo custo exigiu
o desenvolvimento de um programa de computador que pudesse suprir essas necessidades.

Para os padrões tecnológicos da época, o que Gaskins sugeria era o


investimento da empresa no desenvolvimento de um software para criar
slides para retroprojetor (além de handouts (folhetos) para a audiência e
notas impressas para o apresentador), que integrasse molduras, logo, texto
verbal escrito em fontes de tamanhos e estilos diversos, diagramas, quadros,
mapas, fluxogramas, desenhos e tabelas alimentadas como planilhas, cujos
dados gerassem gráficos, além da disponibilização dos famosos templates
ou modelos de estrutura e design. Entre os benefícios que o aplicativo traria
ao usuário/empresa, a proposta proclamava a redução ‘dramática’ do tempo
de preparo de apresentações; a redução também ‘dramática’ de custos;
a facilidade para fazer mudanças e revisões de última hora; a melhoria na
eficácia do conteúdo; uma maior clareza na apresentação de materiais
complexos; a comunicação de alta qualidade; a manutenção de um padrão
nas apresentações da empresa; o controle da apresentação por parte de
quem domina o conteúdo. (VIEIRA, 2011, p. 44-45)

Nesse sentido, a Microsoft Corporation apresentou para o mundo dos negócios o


PowerPoint®, um grande sucesso comercial na área de softwares para apresentações visuais,
criado por Robert Gaskins com a ajuda de Dennis Austin, originalmente, para ser um aplicativo
dos PCs da Apple. A primeira versão do PowerPoint foi lançada em 1987 quando Robert

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Polifonia, Cuiabá-MT, v. 23, nº 33, p. 203-225, jan-jun., 2016

Gaskins se deu conta do potencial que a geração de apresentações gráficas representava para
o então recém surgido segmento de computadores com recursos gráficos mais sofisticados.
No mesmo ano, o software foi comprado por Bill Gates e passou a integrar o pacote do Office.
As ferramentas fornecidas por esse software propiciou o surgimento do gênero textual
conhecido como apresentação de negócios, isto é, um gênero que facilita a transmissão de
dados relevantes em reuniões de trabalho. Assim, esse gênero era fundamentado no objetivo
de auxiliar a “venda” de um produto ou ideia em um ambiente comercial.
Sabemos que os objetivos almejados para o software foram tão efetivos e satisfatórios
que, de acordo com Vieira (2011, p. 38), “ganhou forte adesão e reconhecimento de seus
usuários” e, com o tempo, o uso do mesmo ampliou-se para outros ambientes das interações
sociais, tais como reuniões familiares, salas de aula, seminários, cultos religiosos, etc. A partir
do gênero apresentação de negócios emergiu, assim, o gênero apresentação em PowerPoint,
que atende as novas exigências em vários contextos sociocomunicativos. Vieira (2011, p. 38)
afirma, ainda, que esse percurso foi possível graças à habilidade das pessoas em se adaptar
e improvisar no uso de estruturas organizadoras, como é o caso dos gêneros, e a capacidade
dos gêneros de se transformar e variar.
Para Yates e Orlikowski (2007), a apresentação em PowerPoint, que foi moldada, principal-
mente, pelo gênero apresentação de negócio e pelas tecnologias disponibilizadas para apre-
sentações visuais, é um gênero da esfera da oralidade em que um ator social apresenta suas
ideias a uma audiência, usando textos em PowerPoint com auxílio visual. As autoras chamam
a atenção para o estabelecimento de distinções entre ações comunicativas e recursos semióti-
cos que apresentam a mesma nomenclatura em um dado sistema de atividades. Essa preocu-
pação justifica-se na medida em que algum conflito pode ocorrer quando se trata do software
PowerPoint®, ferramenta usada na criação de apresentações visuais, do texto apresentação em
PowerPoint e do gênero oral apresentação em PowerPoint, como nos alerta Vieira (2011).
Essa distinção nos auxilia na compreensão das expectativas geradas por cada uma dessas
perspectivas. Muitas vezes, as pessoas usam o termo PowerPoint tanto para o aplicativo
quanto para o texto produzido por ele, bem como utilizam apresentação em PowerPoint
para designar o texto e o evento comunicativo. Muito comum, também, é a confusão sobre
os eventos comunicativos. Uma aula expositiva, por exemplo, não deixa de ser uma aula
expositiva porque o professor utiliza a apresentação em PowerPoint. Tampouco podemos
afirmar que nessa situação ocorre somente um evento comunicativo. Há pelo menos dois
eventos comunicativos ocorrendo: aula e apresentação em PowerPoint.

3.1 A organização retórica das apresentações em PowerPoint


Os documentos que admitem uma relação complexa entre seus elementos
estabelecida pela interação, cooperação e integração de diferentes semioses –
documentos multimodais – tornam-se cada vez mais acionados nas práticas sociais
humanas como ações discursivas tipificadas para realizar objetivos comunicativos em
situações recorrentes. Observamos, na seção anterior, que o acesso à computadores e a

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popularidade do aplicativo oferecido pela Microsoft, o PowerPoint®, propiciou a inserção


das apresentações em PowerPoint nas relações sociodiscursivas atuais.
Em seus estudos sobre análise de gêneros, Bateman (2008) aborda a organização
retórica de gêneros multimodais. O autor afirma que esse tipo de documento é constituído
por uma ou mais páginas multimodais configuradas por elementos verbais ou text-flow
e elementos visuais (imagem, áudio, vídeo, etc.). Tais elementos atuam na página sob
uma organização page-flow, isto é, a leitura tradicionalmente linear do texto é rompida
pela disposição espacial dos elementos constitutivos da página, o que possibilita vários
pontos de acesso à leitura.
O modelo de Bateman propõe que o documento multimodal é constituído de
múltiplas camadas caracterizadas a partir dos elementos presentes nelas (BATEMAN,
2008, p. 108). As principais camadas são reconhecidas como camada de GeM (Gênero
Multimodal) ou básica, de layout, retórica, de navegação e do gênero. A camada GeM ou
camada básica configura os elementos básicos fisicamente presentes em uma página.
Geralmente é a primeira camada de análise porque suas unidades definem todos os
elementos visuais que podem desempenhar funções em outras páginas. A camada de
layout apresenta as propriedades e as estruturas do layout. A camada retórica traz uma
abordagem detalhada das relações retóricas entre o conteúdo expresso pelos elementos
na página e seus propósitos comunicativos. A camada de navegação é onde atuam os
elementos que auxiliam no acesso à página e à navegação na página. A camada do
gênero representa agrupamentos de elementos de outras camadas como configurações
reconhecidas e distintivas, gêneros particulares ou tipos de documentos. O diagrama a
seguir representa a distribuição de unidades básicas em documentos multimodais.

Diagrama de distribuição de unidades básicas

Fonte BATEMAN, 2008, p. 109


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Há, claramente, uma separação entre duas categorias de camadas: a categoria que
envolve a camada de layout, que oferece informações de apresentação do documento,
e as camadas de conteúdo, camadas cujos elementos trazem informações semânticas
sobre a página. No centro do diagrama, estão representadas todas as unidades básicas,
que correspondem às informações visualmente identificadas no artefato multimodal
pelo contato direto da visão, que formam a estrutura básica. Na decomposição de um
documento/página em partes ou unidades básicas, é necessário que se estabeleçam
parâmetros que possam definir essas partes. As unidades básicas concebem o mais
alto grau de granularidade possível que uma unidade de análise pode apresentar, isto
é, a divisão é feita a partir de um limite mínimo de conservação do conteúdo ligado a
essas partes básicas, para que a parte resultante (unidade mínima de análise) tenha vida
própria fora da unidade visual a que pertence e não perca sua autonomia de realização
nas páginas do documento.
Se, por um lado, a estrutura básica aponta os elementos mínimos de percepção visual
direta, por outro lado, a estrutura de layout nos direciona para agrupamentos desses
elementos na página, buscando apreender informações espaciais implícitas no desenho
visual da página multimodal e explicitamente representá-las como informações estruturadas.
Nesse sentido, a disposição espacial dos elementos determina os agrupamentos de layout,
observando a presença de blocos com diferentes texturas, com recursos de saliências
– que tornam os elementos de layout mais ou menos atrativos à percepção visual (cor,
contraste, caixa de texto, espaço em branco, etc). –, recursos de framing – que conectam ou
desconectam elementos em uma página multimodal – e valor informativo, que corresponde
ao valor da informação ligado ao posicionamento de elementos em zonas.
Para absorver os agrupamentos visuais presentes na página, verificamos a
segmentação do layout, que se refere às unidades mínimas do layout, a realização visual
da informação, que envolve as propriedades tipográficas e outras propriedades de
unidades de layout, e a informação da estrutura de layout, referente ao agrupamento
de unidades em elementos mais complexos e o estabelecimento de relações especiais
entre eles. Na realização visual da informação de estrutura de layout, identificamos
proximidades, separações, similaridades, diferenças, conexões, presença ou ausência de
framing, tamanhos relativos, centralidades e marginalidades no posicionamento, etc.
Além dos aspectos da organização visual e espacial dos elementos que compõem a
página do documento multimodal, a organização retórica é imprescindível para a análise
das funções e propósitos que esses elementos assumem e transmitem, isto é, fundamental
para “identificar as contribuições funcionais particulares feitas por elementos de um
documento para o propósito comunicativo desse documento como um todo” (BATEMAN,
2008, p. 144). A organização retórica de qualquer documento está relacionada à divisão
de trabalho entre os diversos sistemas semióticos envolvidos na construção do texto e
às relações que conectam essas contribuições semióticas entre si. A representação e a
apresentação do conteúdo são dadas por essa organização, que usa as relações retóricas
para ligar, integrar e relacionar os elementos constitutivos do texto.

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A Teoria da Estrutura Retórica (TER) propõe uma abordagem de coerência textual


voltada para as evidências textuais que englobam as funções desempenhadas pelas
partes constituintes do texto, sem se preocupar com a produção, leitura e interpretação.
Nesse sentido, cada porção de texto coerente apresenta uma função comunicativa
definida, clara e aceitável para o leitor.
A teoria sugere que se pode observar certo número de estruturas nos textos, percebidas
como tipos distintos de unidades fundamentais, descritas em dois níveis de análise: o nível
da nuclearização e das relações, representadas por dois segmentos ou unidades textuais
que têm entre si uma relação assimétrica do tipo núcleo-satélite, e o nível dos esquemas,
que envolve as relações de apresentação, que levam o leitor a seguir um caminho ou
aumenta sua vontade de agir de determinada forma – como aceitar melhor o núcleo –, e as
relações de conteúdo, que levam o leitor a reconhecer a relação que se apresenta.
De acordo com Bateman (2008), a aplicação da abordagem da TER em documentos
multimodais, que em lugar da linearidade se apoiam na espacialidade da página para se
expressar, necessita ser ampliada em alguns aspectos. Devemos romper o pressuposto
da sequencialidade dos segmentos textuais e inserir a lógica espacial da simultaneidade,
inerente às páginas multimodais, e ampliar as relações que os segmentos constroem
entre si, relações que podem vir de todas as direções e não somente com os segmentos
que estão à direita ou à esquerda. Nos documentos multimodais, é difícil definir a relação
núcleo-satélite por envolver textos verbais e elementos visuais, assim, essa relação exige
flexibilidade no reconhecimento dos elementos e nunca pode adiantar qual dos dois será
expresso por qual semiose.
Após abordar a organização retórica das apresentações em PowerPoint proposta por
Bateman (2008), a seção a seguir traz as características desse gênero que favorecem e
proporcionam os propósitos comunicativos que envolvem o meio educacional.

3.2 A apresentação em PowerPoint na esfera educacional

Nas práticas pedagógicas as apresentações em PowerPoint são usadas para


“representar conteúdos, para sistematizar conhecimentos e expressar experiências”
(ROCKWELL, 2000 apud VIEIRA, 2011, p. 165). Nesse contexto, seu propósito
comunicativo, em linhas mais gerais, é ensinar apresentando informações sobre um
determinado assunto a partir de uma proposta didático-pedagógica que possibilite ao
aluno construir conhecimento e desenvolver habilidades e competências. O conteúdo
particular do gênero é definido de acordo com o propósito e a situação comunicativa.
Independente da esfera de circulação, entretanto, alguns aspectos do conteúdo
são inerentes ao gênero em sua caracterização, como a quantidade, organização e
distribuição de informações. A proposta do gênero é conter informações não muito
aprofundadas e detalhadas. O que aponta o caráter facilitador, mas também restritivo,
que o gênero impõe e que influencia as escolhas e ações discursivas materializadas nas

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páginas. Enquanto material didático, a apresentação em PowerPoint atua na didatização


do conteúdo, direcionando o tratamento dedicado às informações e conceitos presentes
no documento.

Essa proposta orientadora da produção do texto pressupõe um ponto


de partida, um ponto de chegada e um desenvolvimento que avance
entre esses dois marcos sem que se perca a percepção do todo, isto é, a
relação das partes constitutivas da apresentação entre si e com o todo
e em relação ao propósito mais amplo daquela apresentação. (VIEIRA,
2011, p. 166)

Na dinâmica de uso das apresentações em PowerPoint como material didático não


se deve esquecer a relação que o gênero conserva com textos anteriores e posteriores.
O que foi ministrado em aulas anteriores e o conhecimento prévio do aluno, bem como
o que vai ser ensinado depois, influenciam as escolhas do professor e a produção do
material, além de influenciar no tratamento dispensado ao conteúdo da apresentação.
As apresentações em PowerPoint, bem como todos os gêneros textuais que são
produzidos e/ou que circulam no ambiente cotidiano de uma sala de aula, evidenciam
que a escrita assume um papel relevante nas práticas sociais estabelecidas entre
professores e alunos. Para melhor compreender esse papel dos gêneros textuais
escritos, analisamos apresentações de PowerPoint utilizadas em salas de aulas do Curso
de Letras e as situações pedagógicas e sociointeracionais em que se inserem.
Para a análise das apresentações em PowerPoint, foi feito o levantamento dos modos
de apresentação encontrados em três documentos analisados e a frequência com que
são utilizados nas respectivas estruturas de conteúdo para que auxiliem na compreensão
das estratégias utilizadas pelo professor, bem como identificar as características comuns
e diferentes dos documentos entre si. A seção a seguir traz informações desde a coleta do
corpus até sua análise final.

4. Análises das apresentações em PowerPoint em sala de aula

As apresentações em PowerPoint inserem-se no Curso de Letras da Universidade


Estadual do Maranhão como material didático produzido e/ou utilizado pelo professor
para ser trabalhado em aulas de Semântica da Língua Portuguesa. Foram produzidas com
as ferramentas fornecidas pelo aplicativo PowerPoint®. A apresentação em PowerPoint 1 –
(APP 1) tem propósito, no sentido mais amplo, de ensinar Semântica, e seu propósito mais
específico é abordar os aspectos tratados pela Semântica. Esse documento é constituído
de 18 slides e apresenta no slide de abertura, o primeiro slide, a identificação da disciplina,
entretanto não identifica o tema da aula, o que só ocorre no título do slide seguinte.

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APP 1 – Slide 1*

APP 1 – Slide 2*

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Se por um lado a identificação do tema da aula ocorre no slide 2, a introdução do


assunto é apresentada indiretamente no Slide 1 a partir da leitura e da construção
dos sentidos do texto verbal sobre “substância semântica”, gerando nos alunos uma
expectativa sobre o que se vai estudar.
A apresentação em PowerPoint 2 (APP 2) tem como propósito mais amplo
ensinar aspectos semânticos, e o propósito mais específico abordar a classificação
e a organização dos semas e de predicações semânticas nos textos. A APP 2 é
constituída de 4 slides. No primeiro slide, o de abertura, elementos verbais são
utilizados para identificar o tema da aula. A apresentação em PowerPoint 3 (APP
3) tem o mesmo propósito da APP 1, no sentido mais amplo, mas em caráter mais
específico seu propósito é tratar de aspectos verbais e aspectos de pontuação na
semântica. Essa APP é constituída de 12 slides. Diferentemente do que ocorre na
APP 1 e 2, o primeiro slide, o de abertura, além de identificar o primeiro tema a
ser abordado (aspecto verbal) introduz a informação de como os alunos devem
compreender “aspecto verbal”.
Em sua composição total, essas apresentações em PowerPoint trazem elementos
verbais que são utilizados para identificar a disciplina, identificar o tema da aula, dar
título a slides, elementos de identificação, tópicos e corpos de texto, e elementos
visuais como listas de marcadores, tabelas e imagens. Nos exemplos a seguir, é
possível identificar alguns desses elementos presentes nos slides das apresentações
em PowerPoint.

Quadro de unidades básicas do slide 7 da APP 1

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Unidades básicas no fragmento do slide 12 da APP 3

As três apresentações em PowerPoint foram produzidas pelo mesmo professor para


serem utilizadas no mesmo tipo de evento comunicativo (aula), bem como para ensinar a
mesma disciplina (Semântica). Entretanto, em nenhuma das apresentações há um slide de
abertura em que haja uma identificação com nome do autor/apresentador, a instituição de
ensino ou o evento comunicativo para o qual foram produzidas. Apenas uma apresentação
identifica a disciplina. Apesar de serem produzidas pela mesma pessoa e serem voltadas
para o mesmo objetivo (ensinar), as apresentações em PowerPoint trazem semelhanças e
diferenças entre si, como se pode observar nos slides de abertura de cada uma delas. De
acordo com Yates e Orlikowski (2007, p. 81), em um nível mais básico de características
estruturais do conteúdo das apresentações em PowerPoint, esperamos encontrar uma
introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. As apresentações em PowerPoint
analisadas não apresentam um slide típico de encerramento, trazendo elementos como
referências ou um resumo dos tópicos abordados na aula.

A presença desses elementos no slide cria ou confirma a expectativa


do leitor sobre o encerramento da apresentação. [...] Consideramos
que há no uso de referências uma função fática também, que se
junta à função mais central de informar as fontes de consulta, que
não diz respeito ao conteúdo em si mesmo, mas à localização mais
recorrente desse tipo de elemento ou desse conteúdo na estrutura da
apresentação. (VIEIRA, 2011, p. 173)

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Com a ausência do slide de encerramento nas três apresentações, o professor utilizou


a modalidade oral da língua ou o ato de fechar o software PowerPoint no computador e o
projetor para sinalizar o fim da apresentação.
Em relação ao tratamento dado ao conteúdo, a APP 1 inicia-se com a introdução de um
conceito mais amplo (substância semântica) e em seguida passa para aspectos relevantes
na semântica e os termos utilizados em análises semânticas estruturalistas. Poemas, uma
charge e uma crônica são utilizados para que o professor possa demonstrar em sua exposição
como analisar um texto e auxiliar os alunos nesse sentido. Já a APP 2, traz uma crônica e um
texto publicitário como um instrumento de apoio na exemplificação de organização de
semas e predicações semânticas em textos. A APP 3 começa com as noções sobre aspectos
verbais e passa para uma sequência de tabelas com as noções aspectuais e os aspectos em
si. Em seguida, aborda os sinais de pontuação e sua função semântica.
A estratégia pedagógica percebida nas APPs 1 e 2 é a apresentação gradual de termos
e suas noções partindo de um conceito mais amplo até chegar a um mais específico,
construindo a compreensão sobre o tema da aula. Na APP 1, para cada novo conceito
introduzido ao longo da APP, são apresentados exemplos que envolvem a aplicação direta
desses conceitos nas análises propostas. Há, assim, um processo indutivo que direciona o
raciocínio do aluno à ideia central da APP em questão.
Quanto ao modo de exibição das informações, consideramos que as apresentações
em PowerPoint analisadas, ainda que demonstrem e reforcem a tendência observada
no gênero de apresentar uma diversidade de informações em uma variedade de
modalidades, trazem uma multimodalidade apresentada com diferentes níveis de
ocorrência. O levantamento dos modos de apresentação encontrados nos três PowerPoints
e a frequência com que são utilizados nas respectivas estruturas de conteúdo podem ser
visualizados no gráfico a seguir.

Gráfico de ocorrência dos modos de exibição nas APPs

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As estruturas de conteúdo apontam que a forma como as informações apresentadas


são distribuídas nas apresentações em PowerPoint analisadas é diferente, apesar de
apresentarem igualdade de ocorrência em alguns itens. Nas APPs 1 e 2, prevalece o
texto verbal (62,5% e 71,4%, respectivamente) com o maior número de ocorrências de
informações na forma de blocos de texto e títulos. Na APP 3, contudo, a maioria das
informações apresentadas são distribuídas por elementos não verbais (53,44%) com a
maior ocorrência de desenhos e formas. Dos modos de apresentação das informações
levantados no gráfico, apenas a APP 2 apresenta a ocorrência de link e somente a APP 3
traz tabelas/quadros em sua estrutura.
Se, por ventura, encontramos distinções no modo de apresentação de informações
nas apresentações em PowerPoint analisadas, em relação à organização retórica desses
elementos é principalmente baseada na modalidade text-flow nas três APPs, pois a maior
parte do trabalho semiótico apresentado nas páginas se sustenta na sequencialidade
do texto escrito. Nesse sentido, “a natureza dos slides em si não carrega significados
importantes” (VIEIRA, 2011, p. 184), com exceção do slide 4 da APP 2 e do slide 8 da APP 3,
que estão organizados na modalidade page-flow.

APP 2 – Slide 4*

Fonte: Disponível em: http://plugcitarios.com/. Acesso em 17 set. 2013.

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APP 3 – Slide 8*

Fonte: Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/. Acesso em 17 set. 2013.

A leitura do slide da APP 2 pode ser iniciada a partir de qualquer ponto da página
sem que a informação que se deseja passar seja prejudicada ou cause confusão no
leitor. Já o slide da APP 3 indica um caminho de leitura a ser seguido com a presença
do título da página e a numeração no canto inferior esquerdo de cada bloco de
elementos. Apesar disso, após a leitura do título da página, o leitor não é obrigado a
seguir a indicação dada pelo autor, uma vez que os balões de textos podem ser lidos
na sequência desejada pelo leitor sem causar prejuízo ao conteúdo, assim como o
slide da APP 2. Para a análise retórica, vejamos a fragmentação da estrutura do slide 1
da APP 1 no quadro a seguir.

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Quadro de fragmentação dos elementos do slide 1 da APP 1

A organização retórica que o slide 1 apresenta pode ser apreendida de forma


direta, uma vez que todos os seus elementos constitutivos estão copresentes na tela
ou no papel impresso, assim como em todos os slides das apresentações em PowerPoint
analisadas, e aponta indiretamente para o propósito comunicativo mais específico de
abordar os aspectos tratados pela semântica a partir de um conceito mais abrangente.
O slide, inicialmente, foi segmentado em duas unidades de análise, o título e o bloco de
texto verbal, que mantém uma relação entre si de orientação ao apresentar a disciplina e
preparar os alunos para informações presentes no elemento mais complexo, o bloco de
textos, que é o núcleo dessa relação. Em seguida, dividimos esse núcleo em outros dois
segmentos retóricos menores, o tópico “Substância semântica” e o corpo de texto verbal,
que apresentam uma relação retórica de preparação, pois orienta e/ou motiva os alunos
a ler e interpretar as informações ali expressadas. O núcleo dessa relação é o segmento
retórico que apresenta uma noção para “substância semântica”.
A partir da modalidade linear de leitura a disposição espacial dos elementos
distribuídos, perceptíveis no contato direto da visão, explicitam dois movimentos retóricos
nesse slide: a apresentação inicial, com a subfunção de apontar a disciplina na qual a APP
se insere, e a introdução de conceitos semânticos, com a subfunção de introduzir o tema
da aula. A proposta didático-pedagógica percebida na página é permitir que os alunos
construam significados e conhecimentos por etapas, isto é, causar expectativas no aluno
sobre o conteúdo a ser estudado.

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O slide 2 da APP 1, inicialmente, foi segmentado em duas unidades de análise, o


título, que expressa o propósito comunicativo mais específico da apresentação, e a lista
de marcadores. Essas unidades mantém uma relação entre si de preparação, pois, ao
apresentar o tema da aula, o título orienta e motiva os alunos para ler as informações
presentes no elemento mais complexo, a lista de marcadores, que é o núcleo dessa
relação, e construir significados a partir da leitura feita e do conhecimento prévio do
aluno. Em seguida, dividimos esse núcleo em outros oito segmentos retóricos menores,
que apresentam uma relação retórica de lista, um exemplo de relação multinuclear por
meio da qual o leitor pode reconhecer conteúdos naturalmente simétricos e comparáveis
entre si. O resultado dessa segmentação pode ser vista no quadro a seguir.

Quadro de fragmentação do slide 2 da APP 1

Para facilitar a leitura retórica da segunda fragmentação apresentada no quadro


anterior, enumeramos as unidades retóricas na tabela a seguir.

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Tabela de unidades retóricas da segunda segmentação do slide 2 da APP 1

Uma possibilidade de leitura retórica desse fragmento é considerar que as unidades


1, 3, 4,5, 6, 7 e 8 tenham sido mobilizadas para proporcionar informações adicionais e/
ou detalhes acerca do assunto que é apresentado na unidade referente ao título de slide,
configurando uma relação de elaboração entre esses dois conjuntos de unidades, além
da relação de preparação mencionada anteriormente. Outra leitura possível é de que as
unidades 1 e 2 expressam entre si uma relação de fundo, o que implica necessariamente
a existência de um segmento retórico (o satélite), cuja leitura vai “facilitar” a compreensão
do núcleo (unidade 1). Assim, pressupomos que o professor tenha considerado provável
que a leitura do segmento apresentado como exemplo ajude os alunos a recordarem e
questionarem o conceito de “sinonímia”, pois é isso que o texto de Quintana sugere.
O slide 2 dessa Apresentação em PowerPoint oferece dois movimentos retóricos: a
apresentação inicial, com a explicitação do tema da aula, preparando os alunos para
as informações subsequentes, e a lista de marcadores, com a subfunção de apresentar
alguns dos aspectos tratados pela semântica.
A partir do extrato dos slides 1 e 2 da APP 1 e das características verificadas nas três
apresentações em PowerPoint, identificamos que a estratégia didática do professor na
produção desses gêneros é a de permitir que o aluno possa desenvolver e apreender
o conhecimento que o professor quer passar por meio de um processo gradual de
construção de sentidos que proporcionarão ao aluno as competências necessárias para
que se faça a análise semântica de textos.

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Um aspecto interessante, observado nas apresentações em PowerPoint analisadas, é que


todas elas trazem outros gêneros textuais inseridos em sua constituição. Em alguns casos,
apresenta a intertextualidade intergêneros (seção 1.2 do item 2), como se verifica no slide 10
da APP 1, e outras vezes apenas insere um outro gênero na página, como é o caso das tabelas
presentes na APP 3. Identificar a intertextualidade intergêneros nem sempre é uma tarefa
fácil, mesmo porque definir qual seja determinado gênero torna-se uma tarefa um tanto
complicada, às vezes. Para que seja reconhecida a intertextualidade, é preciso que haja uma
evidente relação entre gêneros distintos, essa relação sempre é de interdependência, ou seja,
aspectos funcionais e aspectos formais concorrem para o surgimento de um determinado
texto. No slide 4 da APP 2, por exemplo, há um texto publicitário expresso na página, entretanto
ele não está ali para divulgar algo – função básica de um texto publicitário – e, sim, para servir
como exemplo do conteúdo da aula. Nesse sentido, temos um texto publicitário expresso
em uma apresentação em PowerPoint assumindo uma função que não é a função para a qual
foi produzido originalmente, mas sem perder a sua essência por causa disso. Diante disso,
para identificar uma intergenericidade é preciso estar atento ao contexto em que o gênero foi
inserido, a função que ele exerce e o local onde foi expresso.
Quanto à forma de apresentação do conteúdo, notamos um rompimento com a
estrutura característica do gênero em si. Vejamos os slides a seguir.

APP 1 – Slide 3*

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APP 2 – Slide 9*

O gênero apresentação em PowerPoint, de um modo geral, apresenta como característica


particular páginas com título e corpos de texto em forma de tópicos, cuja estrutura de layout
limita a quantidade de informações presentes na apresentação visual, isto é, o conteúdo
deve ser exposto na página, sem gerar congestionamento, com informações que devem
ser complementadas pela exposição oral. Nas apresentações em PowerPoint analisadas
alguns slides não apresentam um título e há uma sobrecarga de textos verbais causados
pela proximidade espacial dos itens apresentados (tópicos, lista de marcadores, etc.) ou pela
grande quantidade de palavras ali presentes ou, ainda, pela mescla das duas ocorrências.
Marcadores são utilizados para indicar parágrafos longos (exemplo da APP 2), o que rompe
com o caráter do gênero de passar o máximo de informações com o mínimo de conteúdo
expresso, e para formar listas de marcadores que parecem parágrafos (exemplo na APP 1).

Considerações Finais
A tecnologia, os materiais e até mesmo os próprios gêneros impõem restrições
que deixam marcas que caracterizam seus textos, como é o caso das apresentações em
PowerPoint, uma declaração de matrícula, um ofício, etc. Apesar disso, as estratégias,
escolhas e o conhecimento prévio que se têm sobre os gêneros operam inevitável e
incisivamente na produção desses artefatos com o objetivo de alcançar os propósitos
comunicativos desejados. Nesse sentido, o fato do interlocutor/produtor usar ou não,
em uma apresentação em PowerPoint, recursos oferecidos pelo software como animação,

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fragmentar o texto para apresentá-lo em lista de marcadores ou seguir uma sequência de


slides simples ou mais complexos, está relacionado diretamente ao espaço em que atuam
as estratégias humanas, ou seja, o interlocutor é guiado por suas características pessoais,
por suas intenções e pelo contexto em que o gênero se insere.
No contexto da sala de aula, as apresentações em PowerPoint analisadas neste
estudo não apresentaram um slide típico de encerramento, trazendo elementos
como referências ou um resumo dos tópicos abordados na aula. Quanto ao modo de
exibição das informações, ainda que as APPs demonstrassem e reforçassem a tendência
observada no gênero de apresentar uma diversidade de informações em uma variedade
de modalidades, elas trouxeram uma multimodalidade apresentada com diferentes
níveis de ocorrência. Além disso, as estruturas de conteúdo apresentaram igualdade de
ocorrência em alguns itens. Em relação à organização retórica, a modalidade text-flow
foi recorrente nas três APPs, pois a maior parte do trabalho semiótico apresentado nas
páginas se sustentou na sequencialidade do texto escrito.
Um outro aspecto recorrente na composição do gênero APP é a intertextualidade
intergêneros como uma estratégia de didatização do conteúdo a ser abordado em sala de
aula. Quanto à forma de apresentação do conteúdo, notamos um rompimento com a estrutura
característica do gênero em si por conta de uma sobrecarga de textos verbais causada pela
proximidade espacial dos itens apresentados (tópicos, lista de marcadores, etc.) ou pela
grande quantidade de palavras ali presentes ou, ainda, pela mescla das duas ocorrências.
Acreditamos que a análise do uso de gêneros oriundos do contexto das tecnologias
da informática e utilizados com fins didático-pedagógicos configura-se como temática
importante a ser considerada na esfera educacional em que devem ser investigados
aspectos ligados às várias dimensões de organização desses gêneros, tais como o propósito
comunicativo, conteúdo e forma, além do caráter das interações sociais mediadas por
eles e sua eficácia na relação ensino-aprendizagem.

Referências
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eletronic newspapers. In: ROYCE, T. D; BOWCHER, W. L. (Eds.), New directions in the
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BAZERMAN, Charles; MILLER, Carolyn R. Gêneros textuais. In: DIONISIO, Angela P. et al (Orgs).
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PARKER, I. Absolute PowerPoint: can a software package edit our thoughts? The New
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e multimodalidade do PowerPoint educativo. Tese de doutorado apresentada à
Universidade Federal de Pernambuco. Recife: 2011.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In DIONÍSIO,
Ângela Paiva; MACHADO, Ana Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. Gêneros textuais e
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ROCKWELL, E. Teaching Genres: A Bakhtinian Approach. Anthropology & Education
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VIEIRA, Ana Regina Ferraz. Retórica e multimodalidade do PowerPoint educativo. Tese
de doutorado apresentada à Universidade Federal de Pernambuco. Recife: 2011.
YATES, J.; ORLIKOWSKI, W. The powerpoint presentation and its colloraries: how genres
shape communicative action in organizations. Amityville, NY: Baywood Publishing
Company, 2007.

Recebido em 18 de maio de 2015.


Aprovado em 10 de fevereiro de 2016.

Fabíola de Jesus Soares Santana

Possui doutorado em Letras, área de concentração em Linguística, pela Universidade Federal de


Pernambuco. É professora do Departamento de Letras da Universidade Estadual do Maranhão.
Desenvolve pesquisa sobre gêneros acadêmicos apoiada pela FAPEMA. Membro do Núcleo de
Investigações sobre Gêneros Textuais (NIG) e do grupo de pesquisa Multimodalidade textual e
ensino. Email: fabiolajsantana@yahoo.com.br

225
Entrevista
polifonia eISSN 22376844

Mervyn Hartwig:
Roy Bhaskar and the philosophy of critical realism
By Solange Maria de Barros

I invited Mervyn who kindly answered some questions about Roy and
the philosophy of critical realism. I am very grateful for this opportunity
to have this interview. He is founding editor of Journal of Critical
Realism and editor and principal author of Dictionary of Critical Realism.
He recently completed a series of introductions to new Routledge
editions of all Roy Bhaskar’s solo-authored books. He taught history and
philosophy of the social sciences for many years at the University of Sydney and Macquarie
University. He is now retired and lives in London. Email: mhartwig@betinternet.com

Solange – Tell us about Roy’s personal life and professional career.

Mervyn – Your questions seem to assume that the philosophy of Roy Bhaskar and critical
realism (CR) amount to pretty much the same thing. It’s important to understand that
critical realism has always been a collective project, involving distinguished social theorists
and scientists as well as philosophers. Roy was always careful to say that he was the chief
architect, not of CR, but of the philosophy of CR, and there is of course an important
difference. That said, his philosophy is undoubtedly really important because it provides
a justification and orienting metatheory for the CR research programme at the highest
level, so in the spirit of your questions I’ll confine my remarks largely to Roy’s contribution.
Ram Roy Bhaskar was born in 1944 and grew up in the middle class suburb of Teddington
in London. His father was an Indian who trained as a GP (medical practitioner) before
migrating to England in the late 1930s and setting up a thriving practice in London. His
mother was an English nurse who administered the practice with great success. Roy
(who dropped ‘Ram’ from his name when he was the victim of racist bullying at school)
undertook his primary and secondary education at posh London public schools. His
younger brother Krishan told me that as a child he (Krishan) gave up trying to compete
with his brilliant brother because Roy could do things like tell you in a flash what day of
the week July 25th 2021 will be. Roy made several trips to India with his family during his

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childhood, and developed an interest in ‘Third World’ poverty and ‘underdevelopment’,


coming to see himself as an ‘insider outsider’ in England and as a proponent of universal
human flourishing. His father was determined that Roy should become a doctor, but Roy
escaped this fate by winning a scholarship to Oxford, where he read PPE (philosophy,
politics, economics) and got a first. At postgraduate level he began work on a thesis in
economics, hoping to get to the bottom of global underdevelopment and poverty, but he
soon discovered that mainstream economics doesn’t allow comparison between theory
and the real world. So he switched to a philosophy thesis to seek out the deep intellectual
underpinnings of this irrealist approach that was blocking the path to emancipation.

Solange – Can you comment briefly on how the philosophy of critical realism was developed?

Mervyn – Roy soon discovered that there was a taboo on talking about the real world in
philosophy too. This had its roots in the injunctions of Hume and Kant not to do ontology
or the philosophical study of being; it was sufficient ‘to treat only of the network, and not
what the network describes’, as the young Wittgenstein put it. So, a generation before
the recent ‘returns to ontology’, Roy conceived a highly ambitious project to revindicate
ontology: to show that ontology was both possible and necessary and to elaborate
a new ontology. This took three forms: a realist theory of science, a realist theory of
social science and the theory and practice of explanatory critique. The project put Roy
very much at odds with then-fashionable linguistic philosophy and postmodernism.
It was already outlined in detail in a 130,000-word thesis he submitted in 1970 for a
DPhil, which his Wittgensteinian examiners declined to read because it was ‘too long’.
A second thesis in 1974 was rejected on the grounds that it did not make an original
contribution to knowledge. A year later it was published virtually unchanged as A Realist
Theory of Science, which is now a classic. Roy held several positions at Oxford (to come
back to your question about his career) before moving to the University of Edinburgh as
a lecturer in philosophy (1973-82). He then withdrew from full-time academic work in
order to concentrate on his writing and promote his philosophy, although he continued
to take up temporary teaching positions in Oxford, elsewhere in the UK and increasingly
in Scandinavia. From 2007 he was a part-time professorial world scholar at the Institute
of Education, University of London.
Roy’s project was carried through in his first three books (A Realist Theory of Science, The
Passivity of Naturalism and Scientific Realism and Human Emancipation, first published
in 1975, 1979 and 1986, respectively). In each case, in a brilliant adaptation of Kant’s
philosophical method, (conditional and relative) transcendental argumentation for realist
positions went hand in hand with immanent (and, in the third book, explanatory) critique
of irrealist positions that were standing in the way of human freedom. Kant’s own so-called
Copernican revolution was shown to be in fact an anti-Copernican counter-revolution
that anthropocentrically relocated humans at the centre of the known universe. The great
irrealist aporia or theory-practice contradiction that Roy latched onto in developing a

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realist philosophy of science was the fact that denial of ontology went hand in hand with
the generation of an implicit empiricist ontology. Its counterpart in the philosophy of
social science was the dualism endemic to that domain: the dichotomies of structure and
agency, individualism and holism, body and mind, causes and reasons, facts and values
that were nested within an overarching dualism of positivistically understood nature
and hermeneutically construed society and were resolved by CR’s new non-positivist
naturalism. The project established that only ontological realism (synchronic emergent
powers materialism) was consistent with the actuality of epistemological relativism
(transcendental or scientific realism) and the possibility of judgemental rationalism
(practical materialism, grounded in the transformational model of social activity). The
metatheory it articulated came to be known first as critical realism and then as basic or
original critical realism (BCR). It provides the fundamental orienting framework for the
thriving CR social theory and social science that we see today. It was further deepened and
developed by Roy in Dialectic (1993) and Plato Etc. (1994), which elaborated an adequate
account of absence, absenting and change; an alethic or ontological theory of truth; an
ethics grounded in the ‘pulse of freedom’ or the human conatus to eudaimonia or ‘the free
flourishing of each as a condition for the free flourishing of all’; and a fundamental critique
of the whole irrealist tradition of Western philosophy and its support for the status quo of
master–slave-type societies.

Solange – Tell us something about Roy’s spiritual turn.

Mervyn – It should be noted that Roy was by no means alone among philosophers and
intellectuals in making a spiritual turn towards the end of the millennium; there were
widespread ‘returns’ to religion and spirituality at this time. One of the main bases of
this phenomenon was undoubtedly (growing awareness of ) the escalating planetary
metacrisis (or ‘crisis system’, as Roy called it) that the human species is now facing – and
promoting. For the first time in history the basis of life itself on planet Earth is being put at
risk by human impact, and there is need for unity and solidarity – the paradigmatic domain
of spirituality – as never before. My own view is that, because the deep dynamical drive of
the capitalist system to greed and growth is the main social cause of this metacrisis, the
fundamental structure of capitalism will have to be transformed; Roy was more guarded,
holding that it can perhaps be radically reformed. However that may be, a concern to
increase the cultural resources of emancipatory movements was undoubtedly one of
Roy’s main motivations in undertaking his spiritual turn. At a more personal level, while
having Reiki in Cyprus late in 1994 Roy had spiritual experience or ‘aha!’ moment that he
took to be revelatory of the deep interior of things, and took a decision to systematically
investigate this domain. There was already a certain developmental logic intrinsic to his
philosophical system that was taking it in the direction of spirituality. Roy later took to
referring to his spiritual turn as ‘so called’, because, I think, he considered that it had been
spiritual all along in its drive to overcome dualism, alienation and split; and certainly a

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strong argument can be made that metaRealism is implicit in the earlier work. That work
arguably does successfully resolve all the main dualisms of Western philosophy and social
theory, but with the exception of the most momentous one of all – the antinomy of slavery
and freedom famously noted by Rousseau: people as such are free, but everywhere in
chains. If realism is true, how is it that irrealism is everywhere dominant? Irrealism is
dominant, Roy reasons, because it reflects the oppressive structures of the master–slave-
type social reality we inhabit, so realism can be conceived to be true only if it reflects a
deeper, more basic level that most of us haven’t fully developed or that is so occluded by
heteronomous structures that we don’t notice it and resign ourselves to living in a half-
world or demi-reality. Not only is this more basic level accessible to people everywhere,
Roy argues, it is already pervasive, if largely unnoticed, in our daily lives, informing and
sustaining everything we do, the indispensable substratum of social life. It is present in
what you are doing now. Indeed, it suffuses the whole of being, without saturating it, for
the universe is now conceived of as a holistic totality in which everything is enfolded or
co-present within everything else at the level of fundamental possibility. It is the ‘arrival’
of this concept of generalized co-presence that enables the sublation of idealism and
materialism, supernaturalism and naturalism in metaRealism and provides the basis for
a truly secular spirituality that can appeal to people of ‘all faiths and no faith’. As I see it,
metaRealism rethinks the meaning of materialism and the natural world for our times
in keeping with Roy’s account of emergence and with modern science. The cosmos is
an open, exponentially expanding and developing implicitly conscious (or, if preferred,
informational) physical system. This new outlook is brilliantly caught in a sentence towards
the end of The Philosophy of MetaReality that may serve as Roy’s epitaph:

It is not that there are the starry heavens above and the moral law within,
as Kant would have it; rather, the true basis of your virtuous existence is
the fact that the starry heavens are within you, and you are within them.

It is important to note that metaRealism is not in competition with religion and theology;
it proceeds at a higher level of abstraction and wants to underlabour for religion and help
it thrive in a manner that promotes universal human flourishing. It does not take a view
as to what lies beyond the cosmos as we know it, except to argue that forms of absence
must be ontologically prior there.

Solange – What were the consequences within critical realism and for Roy of the spiritual turn?
Do you agree that it was strongly resisted by some critical realists?

Mervyn – The spiritual turn was certainly received with considerable hostility by many
critical realists, including myself initially. There have always been prominent critical realists
who are deeply religious and/or spiritual, besides many who are atheists or agnostics,
so there was nothing new about a senior critical realist being spiritual. However, until

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Roy’s turn religious and spiritual critical realists were in the closet about their beliefs. They
would not, and felt they could not, discuss these beliefs in public or in their work, and
so were damagingly split between (private) practice and (public) theory – in CR terms
they were unserious about their religious beliefs. The default position in the academy
outside theology departments and the like was atheism. In sociology and social theory in
particular there was and still is a deeply entrenched taboo on discussing the truth claims
of religion and spirituality that goes by the name of ‘methodological atheism’, which often
translates into active hostility to religion and spirituality. As a result of Roy challenging
this taboo, there is now a flourishing critical realist literature devoted to constructive
discussion and debate of matters religious and spiritual and promoting religious literacy
and tolerance. On the atheist side, an exemplary model for participating in this debate
is the work of Jamie Morgan, who has been sharply critical of the claims of both religion
and metaRealism but on the basis of deep immanent understanding. There are plenty
of models for how not to conduct it, i.e. in an attitude of self-righteous indignation and
intolerance. There has even been talk of nasty schisms and a great deal of orientalist
nonsense about Roy being a ‘guru’ of a CR ‘cult’. Indeed, until recently, in Jamie’s apt phrase,
‘alienated hostility’ has been dominant in the reception of the spiritual turn. One very
material consequence of this was that Roy – the most brilliant of critical realists – couldn’t
even get a proper academic job when he really needed one in the last twelve years or so
of his life. Mutual tolerance and respect is of course what is needed in this area – so long
as it doesn’t preclude constructive critique, which is the lifeblood of CR.

Solange – Why did Roy decide to write about metaReality? What were his motivations?

Mervyn – I’ve already discussed Roy’s motives for the spiritual turn in general in my
answer to your third question. The question now is: Why specifically the philosophy of
metaReality? Basically, while the ‘transcendental dialectical critical realism’ of From East to
West (2000) that launched Roy’s spiritual turn did the necessary metaphysical heavy lifting
for the transition to metaRealism, it did not satisfy the hermetic principle ‘that it should
be applicable to and verifiable by everyone and in the context of everyday life’, as Roy has
put it. So it was necessary to remedy this and to elaborate the bases of the new outlook
and provide complex argumentation and justification for it. This was accomplished in
the three metaReality books published in 2002: From Science to Emancipation, Reflections
on MetaReality, and The Philosophy of MetaReality: Creativity, Love and Freedom. It should
be noted that the main philosophical method deployed is the same as that followed
in providing justification for BCR and DCR: transcendental argument plus immanent
critique. There is no basis that I can detect for the view held by some that, starting with
DCR, Roy was transformed from a postmetaphysical underlabourer into a speculative
metaphysician and master-builder. His position all long has been a post-postmetaphysical
one, with emphasis on the historical relativity, conditionality and fallibility of results.

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Solange – Roy passed away last year. How do you see the future without him? How do you
see the future for critical realists? 

Mervyn – Roy will be remembered I think for three great achievements. First, at the level of
philosophy, his system provides the most adequate solution to the post-Kantian problems
of that discipline that anyone has yet arrived at. This is actually the working hypothesis of a
brilliant young American philosopher, now located in the UK, Dustin McWherter. If borne
out it will rank Roy above the likes of Nietzsche, Heidegger and Derrida. Second, at the
level of metatheory Roy’s work provides the most adequate framework that we have for
orienting the work of the sciences in a manner conducive to human flourishing. Finally, at
the level of metacritique, it articulates the most thoroughgoing and devastating critique
ever penned of capitalist modernity, and offers a roadmap out of it.
Roy’s death is of course a great loss to the international critical realist movement. But Roy
lives on in his work, and the show must go on and is going on. CR is currently on a roll in
many areas of human enquiry in many regions of the planet, and this will undoubtedly
quicken as more and more people come to understand that many aspects of the metacrisis
are indeed causally relatively intransitive to human enquiry and action and have their
tipping points, and so require urgent attention if we are to have a sustainable future. The
crisis system is one crisis that we are indeed all in together: the masters or 1% will have
to change along with everyone else. Not long before he died, Roy completed a 70,000-
word manuscript providing an accessible overview of his entire system, Critical Realism
in a Nutshell. When it is published next year it will undoubtedly give a powerful boost to
the promotion of CR. Although metaRealism goes beyond BCR and DCR, Roy held that it
both presupposes, and is broadly presupposed by them, such that the three form a single
system. This carries no implication, however, that deploying critical realist metatheory
to orient your research entails accepting ‘the whole package’. On the contrary, since the
later phases presuppose the earlier, work making use of any of the phases in either their
specificity or their constellational unity is equally valuable and important. Whatever
CR work you do, it matters! Of course, emancipatory philosophy and science, while
indispensable for a transition to eudaimonia, are not the only, or even the main, thing.
If we are going to get very far with that project, philosophical and scientific work will
need to be creatively articulated with proliferating social and political movements. Our
greatest resource for building eudaimonia is people everywhere and their inexhaustible
capacities for freedom, creativity, love and hope.

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polifonia eISSN 22376844

CHAMADA DE ARTIGOS
POLIFONIA
ISSN 22376844: versão eletrônica

PERIÓDICO CIENTÍFICO ARTICULADO AO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
Universidade Federal de Mato Grosso
Instituto de Linguagens
Fones: 0xx-65-3615.8408 – Fax: 3615.8418
www.ufmt.br/meel

Pesquisadores doutores, brasileiros e estrangeiros, poderão enviar seus trabalhos


inéditos, artigos, resenhas, entrevistas para publicação no periódico científico Polifonia
para o ano de 2017.
Visando atender à demanda de novos pesquisadores e estudiosos da Linguística, o
periódico científico Polifonia está sendo constituído também com vídeos contendo os
resumos dos artigos traduzidos em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), iniciativa que
favorecerá a inclusão da comunidade surda na educação formal. A tradução e a preparação
dos vídeos estão sob a responsabilidade da equipe do periódico.
Nesse sentido, estudiosos e pesquisadores surdos poderão apresentar seus trabalhos
inéditos, nas áreas de estudos linguísticos. Os trabalhos poderão ser apresentados
opcionalmente em LIBRAS, pelo próprio autor ou não, e obrigatoriamente em forma
de texto escrito e revisado por um profissional de Língua Portuguesa, de acordo com
as normas apresentadas neste edital. O artigo na modalidade grafocêntrica tem como
justificativa a partilha dos saberes científicos com a comunidade de pesquisadores e
demais interessados que, em sua maioria, não tem conhecimento da LIBRAS. A preparação
dos vídeos deverá seguir as normas estabelecidas neste edital.
Polifonia - Chamada de Artigos

Os trabalhos apresentados pela comunidade surda passarão pelo mesmo crivo


avaliativo que os demais. Serão submetidos à avaliação de dois pareceristas especializados
nas respectivas áreas de conhecimento, podendo ser aceitos para publicação ou não.

ESTUDOS LINGUÍSTICOS. Vol. 24, nº 35

Organizadores:
Prof. Dr.Dánie Marcelo de Jesus (UFMT)
Prof. Dr.Rodrigo Camargo Aragão (UESC)

Prazo para encaminhamento: até 5 de julho de 2016


Publicação: até junho/2017

DOSSIÊ:
LINGUAGENS E TECNOLOGIAS DIGITAIS MÓVEIS:
DESAFIOS TEÓRICOS, METODOLÓGICOS, PEDAGÓGICOS

As tecnologias digitais móveis são aquelas facilmente portáveis e permitem a


comunicação, computação, captação de vídeo e áudio, posicionamento global e muito
mais, a qualquer momento e a qualquer hora, de acordo com o Diretrizes de políticas
para a aprendizagem móvel da UNESCO (2011). Essas tecnologias móveis – smartphones,
tablets etc, estão transformando nossas práticas em áreas como a da comunicação,
sociabilidade, entretenimento e saúde. A UNESCO reconhece que a integração do celular
à educação pode ter o potencial de romper com paradigmas pedagógicos e pensar em
outras alternativas para os processos de ensino/aprendizagem. A motivação para esta
chamada para publicação parte da ubiquidade da presença das tecnologias móveis
nas práticas sociais com linguagens, que nos apresenta diversos desafios teóricos,
metodológicos e pedagógicos.

Outros lugares: além de pesquisas relativas ao dossiê, podem ser enviados trabalhos
que versem sobre assuntos variados, na área dos Estudos Linguísticos.
Polifonia - Chamada de Artigos

INSTRUÇÕES AOS AUTORES PARA PUBLICAÇÃO


DE ARTIGOS NO PERIÓDICO POLIFONIA

No periódico científico Polifonia são publicados artigos originais, em versão online, nas
Áreas de Estudos Linguísticos e Literários, em português, inglês, francês, espanhol e LIBRAS.

Os trabalhos deverão ser submetidos por meio do Sistema de Editoração Eletrônico


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• Os artigos deverão ser adequados às normas da ABNT e ao novo acordo ortográfico
antes da submissão.
• Dimensão do artigo: deverá ter de 12 a 15 laudas. Fonte 12, espaço 1,5.
• Título do trabalho: em português e em inglês, fonte Times, tamanho 16, alinhado
à direita.
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Resumo:

A palavra “resumo” deverá ser colocada com a inicial maiúsculas, acima do conteúdo
do resumo, centralizada.
Para a preparação do resumo: mínimo de 100 e máximo de 250 palavras, espaço 1,0,
fonte 10. O resumo deverá ser conciso, claro, coeso e completo, apresentando:
1. tema da pesquisa;
2. principais objetivos;
3. metodologia utilizada;
4. principais descobertas do estudo;
5. principais conclusões.

Não inserir nomes de autores e datas no resumo. Não colocar o artigo como sujeito
personificado. Ex: “este artigo reflete”, “este artigo desenvolve”. Ao invés, usar 1ª ou 3ª
pessoa. Ex: “Neste artigo faremos...”. Atenção: seguir as mesmas normas para o Abstract. 4.

Palavras-chave:

Expressão escrita com inicial maiúscula, após o resumo. Deverão ser escritas três
palavras-chave, em letras minúsculas, separadas por vírgula e encerradas por ponto final.
O resumo e as palavras-chave deverão constar em português, inglês e espanhol e
seguir as mesmas normas.
Dar dois espaços após as palavras-chave, antes do título das seções. Dar um espaço
de 1.5 antes e depois de cada título das seções e subseções.

Títulos das seções e subseções:

Numeradas, fonte 14, primeira letra maiúscula e demais minúsculas. Caso o título seja
longo, com mais de uma linha, colocar espaço 1,0 entre essas linhas.
• Caso haja necessidade de destacar algum termo, no texto, e palavras estrangeiras,
fazê-lo apenas em itálico. Palavras, expressões retiradas de textos teóricos e literários
e usadas nas análises etc., deverão ser colocadas entre aspas.
• O artigo deverá ter introdução, desenvolvimento (seções e subseções), considerações
finais e referências.
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Tabelas, quadros:

O conteúdo deve ser colocado em fonte 10, espaço simples. Legendas: fonte 10,
espaço simples, imediatamente abaixo do elemento que referencia.

Citações:

Com mais de três linhas, deverão ser recuadas em 4 cm da margem esquerda. Times,
alinhamento justificado, espaço 1,0, fonte 10, sem itálico, sem aspas, seguida da indicação
bibliográfica. Ex. (CHAUI, 2002, p. 57).

Citação com até três linhas:

Sem recuo, no próprio corpo do texto, entre aspas, seguida da indicação bibliográfica
(CHAUI, 2002, p. 57).

Citações em outras línguas:

1. De fragmentos teóricos: o autor poderá fazer a tradução no próprio corpo do texto,


seguida da referência bibliográfica e da observação “Tradução do autor”. Ex: (FESTINO,
2008, p. 12. Tradução do autor).
2. Poderá também, caso queira, colocar o fragmento na língua original em rodapé, com
a expressão: Cf. o trecho original: e inserir o texto entre aspas.
3. De fragmentos literários: o autor poderá fazer a tradução no próprio corpo do texto,
seguida da referência bibliográfica e da observação “Tradução do autor”.
Ex: (CONRAD, 1994, p. 22-24. Tradução do autor). O autor, obrigatoriamente, deverá
colocar o fragmento na língua original em rodapé, com a expressão: Cf. o trecho
original: e inserir o texto entre aspas.

Notas explicativas:

Evitar notas de rodapé. Se muito necessárias, colocá-las ao final da página. Referências


bibliográficas devem ser apresentadas no próprio texto. Ex: (ANDRADE, 1980, p. 7).
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Referências bibliográficas
Usar só a palavra “Referências” (só a inicial maiúscula). Devem ser apresentadas nas
referências somente as obras que foram efetivamente citadas no texto. Quando citados
no corpo do texto, os títulos das obras devem ser colocados em itálico. Cada referência
deve ser colocada em espaço 1,0. Colocar espaço 1,0 entre uma referência e outra.
• Para referências de entrevistas, consultar a ABNT/NBR 10520: Informação e
documentação – citações em documentos – apresentação. Rio de Janeiro, 2002b.
As Referências devem ser colocadas em ordem alfabética ao final do texto, seguindo
a NBR 6023. Alguns casos de maior ocorrência:

LIVRO
GOMES, L.G.F.F. Novela e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998.
Quando necessário, acrescentam-se elementos complementares à referência, para
melhor identificar o documento:
GOMES, L.G.F.F. Novela e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998. (Coleção Antropologia
e Política, 15). ISBN: 85-228-0268-8.
Obras consultadas on line: colocar informações sobre o endereço eletrônico
apresentado entre os sinais < >, precedido da expressão “Disponível em:” e a data de
acesso ao documento, precedida da expressão “Acesso em:”, opcionalmente acrescida
dos dados referentes a hora, minutos e segundos.
ALVES, Castro. Navio negreiro. (1869) Virtual Books, 2000. Disponível em: <http://
virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/Navio_Negreiro.htm> Acesso em: 10 jan.2002.
Obs: há necessidade de colocar o ano. Se não houver, coloca-se um provável [193?]
ou apenas o século [19?].

ARTIGO EM PERIÓDICO
ANDRÉ, R.M.L.; LACERDA, P.O. O cão e o homem no romance Los perros hambrientos, de
Ciro Alegria. Polifonia, Cuiabá, n. 20, p.151-173, 2009.

CAPÍTULO DE LIVRO
SANTAELLA, L. A crítica das mídias na entrada do século 21. In: PRADO, J. L. A. (Org.) Crítica
das práticas midiáticas: da sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacker Editores,
2002, p. 44-56.

TRABALHO APRESENTADO EM EVENTO


BRAYNER, A R A; MEDEIROS, C.B. Incorporação do tempo em SGDB orientado a objetos.
In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE BANCO DE DADOS, 9, 1994, São Paulo. Anais... São Paulo:
USP, 1994, p.16-29.
Polifonia - Chamada de Artigos

DISSERTAÇÃO OU TESE
COX, Maria Inês Pagliarini. Je est un mot d’ordre: escritas em torno de sujeito, linguagem
e educação. 1989. 196f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, 1989.
DALATE, Sérgio. A escritura do silêncio: uma poética do olhar em Wlademir Dias Pino. 1997.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual
de São Paulo, Assis, SP, 1997.

DOCUMENTO COM AUTORIA DE ENTIDADE


BIBLIOTECA NACIONAL (Brasil). Relatório da Diretoria-Geral: 1984. Rio de Janeiro, 1985, 40p.

ARTIGO E/OU MATÉRIA DE REVISTA, BOLETIM ETC EM MEIO ELETRÔNICO


RIBEIRO, P.S.G. Adoção à brasileira: uma análise sóciojurídica. Dataveni@, São Paulo, ano 3,
n.18, ago.1998. Disponível em: <http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html > Acesso
em: 10 set. 1998.

• São permitidas imagens. No caso de fotografias, deve-se anexar o nome do fotógrafo


e autorização dele para publicação, além da autorização das pessoas fotografadas.

Normas para a preparação dos trabalhos em video (LIBRAS)

1. Na modalidade vídeo não há necessidade de apresentar uma tradução integral do


texto escrito. O autor tem autonomia para apresentar o seu trabalho, utilizando como
recurso linguístico a sua língua materna, a estrutura linguística e gramatical da LIBRAS.
2. Os vídeos poderão ser gravados pelo autor ou por terceiros.
3. Os vídeos não poderão apresentar propagandas de instituições, produtos, eventos e
outros. As filmagens deverão ser feitas com fundo exclusivamente verde.
4. Caso a pesquisa tenha mais de um autor, todos poderão compor o vídeo.
5. A vestimenta de quem fará a apresentação deverá ser obrigatoriamente da cor que
tenha contraste com a tonalidade da sua pele e, também, deverá ser monocromática.
6. Dado o seu caráter científico, a filmagem deverá contemplar o ângulo da cabeça até
a cintura do apresentador.
7. Ao final da gravação não há necessidade de apresentar as referências bibliográficas,
pois estas já estarão constando no texto escrito.

O CONTEÚDO DOS ARTIGOS É DA INTEIRA RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES.

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