História - A História Do Quilombo Na Amazonia
História - A História Do Quilombo Na Amazonia
História - A História Do Quilombo Na Amazonia
Segundo Bezerra Neto (2001: 56) o Brasil desde o período colonial teve como
base da economia a mão-de-obra escrava primeiramente indígena e depois, ainda no
século XVI passou-se a utilizar a negra. A primeira leva de negros vindos da África teria
chegado ao Brasil por volta de meados do século XVI. “A coroa portuguesa a partir de
1559 autorizou a importação de negros da África para a desumana escravidão que se
implantou no país *...+” (CASTRO apud Castro, 2005). A partir de então a escravidão
indígena passou a conviver simultaneamente com a escravidão negra. Assim “Formou-
se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de
exploração econômica, hibrida de índio - e mais tarde de negro - na composição”
(FREYRE, 1976: 5).
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O tráfico negreiro se transformou em um negócio de grande rentabilidade para
os traficantes de escravo, do ponto de vista econômico foi um dos mais importantes
empreendimentos comerciais do mundo Atlântico, chegando até a organizar
associações para o melhor funcionamento do negócio. Na África os traficantes se
aproveitavam das guerras entre as várias tribos existentes no território, onde os
vencidos eram aprisionados e vendidos aos traficantes no litoral africano (WEHLING,
1994: 192).
A região amazônica por muito tempo utilizou o trabalho cativo dos índios. “Na
Província do Grão-Pará e Maranhão o indígena constituiu em quase todo o período
colonial a força motriz de um sem número de atividades” (COELHO, 2005: 135). Para
Flávio dos Santos Gomes (1997: 72) a base do trabalho escravo na Capitania do Grão-
Pará até meados do século XVIII foi à mão-de-obra indígena. Segundo Vicente Salles
(2005: 54-55) coube aos ingleses no final do século XVI e início do XVII a primazia da
introdução do trabalho escravo do negro na foz do rio Amazonas e na costa do Amapá,
porém essa dinâmica só se acentua a partir de meados do século XVIII com a criação
da Companhia Geral de Comércio do Grão- Pará e Maranhão. A partir de então passou
haver uma maior inserção do contingente de escravos negros na Amazônia (FUNES,
1995: 29).
No Pará a vivência do negro foi marcada por uma trajetória de trabalho forçado
e repressão tanto física quanto ideológica, diante dessa situação vale ressaltar que os
negros nunca aceitaram pacificamente a escravidão, de acordo com Vicente Salles
(2005: 208) a fuga de escravos na Província do Grão-Pará tornou-se um processo
rotineiro e até certo ponto incontrolável. Foram várias as formas de resistência ao
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trabalho escravo, desde atos de resistência individual como suicídio ou assassinato de
feitores e senhores, até atos de resistências coletivas, como seus cantos à noite nas
senzalas, ou a fuga para as matas e sertões. A fuga para os sertões significava em
muitos casos a formação de comunidades negras independentes do domínio dos
brancos. Essas comunidades eram chamadas de quilombos (MONTELLATO; CABRINI;
CATELLI, 2002: 170).
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De acordo com a oralidade local, na região às margens do rio Guamá onde está
situada a vila de Jacarequara existiam várias fazendas nas quais era comum a
existência do trabalho escravo. Além disso, essa região fica muito próxima à zona
bragantina e à fronteira com o Maranhão onde também existia uma intensa presença
de escravos. “Nas terras do alto rio Guamá alcançando os rios Gurupi, Turiaçu e Caeté,
encontravam-se fazendas grandes e médias, e pequenos sítios” (CASTRO, 2006: 14).
Para Vicente Salles (1998: 255) a rota de escravos vindos do Maranhão pelo Gurupi,
era intensa. De acordo com Edna Castro (2006: 11) a região bragantina está entre as
áreas com maior presença de escravos, entre os séculos XVIII e XIX no Pará, para essa
pesquisadora, ali o negro era a mão de obra fundamental, principalmente nos
engenhos.
ESCRAVOS FUGIDOS
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Desde 15 de janeiro de 1841
Quando se fala de quilombos é muito difícil se ter uma data precisa de sua
formação. No caso do Jacarequara não é diferente, o que se pode ter até agora são
apenas hipóteses, nesse sentido o antigo quilombo teria sido formado nas primeiras
décadas do século XIX, pois é comum na fala dos moradores mais velhos da
comunidade, ao serem indagados sobre a origem do quilombo, uma resposta que está
relacionada ao período a partir da década de 30 do século XIX, isso é perceptível
quando relatam sobre o movimento da cabanagem para eles chamados de “pega-
pega” que teria sido o principal motivador da formação do Jacarequara, segundo eles
os cabanos subiam o rio, invadiam fazendas, se apossavam dos animais e levavam os
“pretos” para a “guerra”, então com medo dos cabanos e oprimidos pelos seus
senhores, muitos escravos fugiam para o meio da mata e passavam a se organizarem
em comunidades independentes, uma delas viria a ser o Jacarequara.
O começo daqui, eu era criança nesse tempo, mas eu ouvi, escutei o meu pai, o
meu avô falarem que isso era do tempo da escravatura né, e isso tudo aqui era mata
virlgem [virgem], não tinha morador nenhum, aí chegou um negócio de tal de pega-
pega, naquele tempo andavam agarrando os outros para levar pra guerra, aí eles
fugiram e subiram de rio acima a depois se colocavam num lugar pra fazer sua
barraquinha e, já iam butavam um roçadinho, já plantava a sua manivinha pra puder
dar de comer prus filhos. (Antonia Alexandrina dos Reis, 63 anos - Jacarequara/2008).
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Dessa forma os primeiros moradores teriam vindo de fazendas, engenhos, de
vários lugares às margens dos rios Guamá, Capim, Acará e outros, ou de cidades e vilas
como Ourém, cidade mais próxima e, até mesmo da região bragantina e do próprio
Maranhão.
(...) Não foi encontrado nenhum documento escrito que comprove o nome dos
fundadores do antigo quilombo, apenas sabe-se que eram escravos fugidos e mulatos
livres. Até mesmo entre os mais velhos da comunidade não se sabe ao certo. Sobre a
origem do quilombo o morador Raimundo Nogueira relatou “O quilombo foi formado
assim, tem coisa que ficou no espaço, a vovó morreu aqui, e a gente se baseia por ela,
porque quando ela morreu, ela já tinha 114 anos, agora, eu não sei dizer se foi ela ou
se foi os pais dela” (Raimundo Nogueira dos Santos, 68 anos – Jacarequara/2008). No
entanto, certos moradores citam alguns nomes dos quais para eles teriam sido os
primeiros habitantes do Jacarequara.
1 Segundo o grande estudioso da Cabanagem, Domingos Antonio Raiol, João Nogueira, Jacinto
Nogueira, Zé Nogueira e Antonio Nogueira eram mulatos livres que lutaram na Cabanagem, em prol dos
cabanos, mas que, depois da retomada do poder pelos legalistas em 13 de maio de 1836, teriam fugido
para escapar da prisão e até mesmo da morte. Para mais detalhes ver: RAIOL, Domingos Antonio.
Motins Políticos ou História dos Principais Acontecimentos Políticos na Província do Pará desde o ano de
1821 até 1835. Quarto volume. Rio de Janeiro: Typografia Hamburgueza do Lobão, 1884. pp. 9, 337.
2 O verbo “quarar”, em algumas regiões do Brasil significa o mesmo que “corar”, ou seja, expor ao sol
para “clarear”.
Fonte: ALMEIDA, Rozemberg Ribeiro. XXVI Simpósio Nacional de História. Natal : Julho, 2013. Extraído
em 14 Abr. 2021.
Tudo começou a partir da segunda metade do século 18, quando muitos negros
africanos foram levados para as fazendas de gado e cacau de Óbidos e Santarém, no
Pará, e de lá fugiram em busca de liberdade.
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margens do rio Erepecuru. “O meu avô me contou a história dos tempos em que
houve os fugitivos. Inclusive minha bisavó era desses fugitivos”.
Acima das cachoeiras, protegidos pelas barreiras naturais da selva e das quedas
d’água do rio Trombetas, os negros compartilharam o rio e a floresta com os povos
indígenas que lá já estavam. Naquela região presença humana é antiga, habitada por
indígenas Tunayana, Tiriyó, Txik’yana, Katxuyana e Kah’yana. Lá os negros fundaram os
primeiros quilombos, como o quilombo Maravilha, maior e mais famoso da região.
Todas essas informações estão reunidas no livro Entre Águas Bravas e Mansas.
Índios e Quilombolas em Oriximiná organizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo e
o Iepé Instituto de Formação e Pesquisa Indígena.
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Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) diz que:
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos.
Se seguir o ritmo atual deste processo, o Brasil levará mais mil anos para titular
todas as comunidades quilombolas, segundo a organização Terra de Direitos.
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Fundada em julho de 1989, a ARQMO surgiu como uma resposta às ameaças
contra os territórios quilombolas na região e hoje é a principal representante daquelas
comunidades na luta por seus direitos fundamentais.
“A terra faz parte da nossa vida. A primeira bandeira de luta, a minha bandeira
de luta nessa associação é que os nossos territórios todos estejam titulados.”
Claudinete Colé, coordenadora da ARQMO, comunidade Boa Vista, Pará.