Texto 8 - África PDF
Texto 8 - África PDF
Texto 8 - África PDF
JOÃO PESSOA
2012
II
JOÃO PESSOA
2012
III
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Professora Doutora Regina Maria Rodrigues Behar
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Orientadora
___________________________________________________
Professor Doutor Alberto da Silva
Professor da Université Rennes II
Examinador Externo
___________________________________________________
Professor Doutor Raimundo Barroso Cordeiro Júnior
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Examinador Interno
___________________________________________________
Professor Doutor Élio Chaves Flores
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Examinador Interno
___________________________________________________
Professor Doutor Iranilson Buriti de Oliveira
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal de Campina Grande
Suplente Externo
___________________________________________________
Professora Doutora Solange Pereira da Rocha
Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal da Paraíba
Suplente Interna
IV
Franz Kafka
Walter Lippman
VI
AGRADECIMENTOS
Provavelmente eu não acharia João Pessoa essa cidade tão maravilhosa que
acho se não fossem as pessoas maravilhosas que me acolheram aqui. Aos meus colegas
de copo e de cruz gostaria de agradecer pessoalmente por terem tornado tão suave
minha estadia. Dentre a minha turma não posso deixar de nomear alguns que estiveram
mais próximos nesse processo: meu querido Almair Morais e a inseparável e
maravilhosa sousense Rafaela Dario; a querida Jandynéa Gomes; o demônio do Geisel
Márcio Macedo; a aracajuana arretada Carla Karinne; a sempre serena e zen Juliana
Barros; o todo-coração Vanderlan Paulo; o esquisitão gente boa João Batista; a flor de
Itaporanga Fabíolla Furtado; a enigmática Sylvia Brito; a futura primeira
VII
Um grupo de pessoas que não vive em João Pessoa também foi fundamental
para minha chegada e estadia aqui, de uma forma ou de outra. Se não fosse Alfredo
Neto ter me explicado o que é vestibular, em julho de 2004, nada disso teria sequer
começado, por exemplo. Quero agradecer à Rúbia de Kássia, à tia Mary, à Manoela
Ferreira, a Tito Silva, a meu pai, a Lula (meu único e querido tio, não o presidente), e a
Celso Amorim (meu querido irmão, não o ministro) por toda a ajuda que me
estenderam. Em cada momento, ela foi fundamental.
RESUMO
ABSTRACT
The image of Africa in contemporary hegemonic film does not make up a mere object to be
aesthetic appreciation or depreciation, and moreover, that image is a tangible indicator of a
contemporary political practice whose roots are embedded in the Eurocentric colonial discourse
of the nineteenth century. In this dissertation, the intellectual effort is directed towards showing
the ways in which hegemonic contemporary cinema represents the African continent, what is
done after a historical review of how this image of Africa was built by European intellectuals in
the late nineteenth century , which served the interests invented this image, which supplied him
with arguments legitimizing support and ways by which this image was popularized. At the end,
is made a sketch of the bridge that connects the political situation of the late nineteenth century,
which spawned the invention of Africa, the beginning of the century, which means that the
image remains popular, and some considerations on the relationship between films and craft of
the historian. More than mere curiosity or pursuit of scholarship, this dissertation is a conscious
attempt to engage in a broad intellectual effort of decolonization of knowledge.
SUMÁRIO
A falácia da Descolonização 25
Estereótipos 43
Um percurso 71
Imperialismo 126
FILMOGRAFIA 216
Vocês mostram, vocês fixam uma realidade sem ver a evolução. O que eu
tenho contra você e os africanistas é que vocês nos olham como se fôssemos
insetos.
Ousmane Sembene, em conversa com Jean Rouch.
1
Análise apurada sobre as causas e consequências da Primeira Guerra Mundial, incluindo o citado papel
desempenhado pela participação popular em sua deflagração, pode ser encontrada na obra “A Sagração da
Primavera”, de Modris Ekteins. EKSTEINS, Modris. A Sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento
da era moderna. Trad. de Rosaura Eichenberg. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.
2
uma rua de Sarajevo em 1914 – e seus companheiros de causa. Com o fim do Império Austro-
Húngaro, os estados balcânicos, agora livres de sua influência, formaram uma confusa
entidade conhecida a partir de então como Iugoslávia, a terra dos eslavos do sul. Estado
natimorto, posto que destinado a tentar congregar povos cujas lideranças tinham interesses
diametralmente opostos, a Iugoslávia foi, no decorrer do século XX, palco de inúmeras
atrocidades, culminando na terrível guerra da Bósnia que, na década de 1990, trouxe
novamente Sarajevo para as primeiras páginas de jornais do mundo inteiro. Os horrores da
limpeza étnica e os traumas causados pela separação de famílias, vizinhos e amigos, em
função da etnia, religião e nacionalidade e das tentativas de desmembramento das várias
nações que formavam a Iugoslávia (que atualmente são seis países independentes e uma
„pendência‟, o Kosovo) deram origem, como ocorre sempre em decorrência de eventos dessa
natureza, a uma série de manifestações culturais retratando esse período conturbado, de teses
acadêmicas e livros a filmes e histórias em quadrinhos.
Nessa onda, em 1998 foi lançado o filme Um tiro no coração (Shot Through the
Heart, David Attwood, 1998). Drama feito nos EUA e Canadá para a TV, baseado numa
história verídica, esse filme conta a desventura de dois atiradores olímpicos, amigos de longa
data, que se veem transformados em oponentes inconciliáveis lutando em lados opostos na
guerra civil que assolou a Iugoslávia. Mas o que esses prolegômenos têm a ver com o tema
desse trabalho, cujo título indica tratar-se de um estudo sobre a imagem que o cinema
contemporâneo divulga sobre o continente africano? Todo esse circunlóquio tem como
objetivo contextualizar o filme citado para poder chamar a atenção a um detalhe, uma pista
infinitesimal, no dizer do historiador Carlo Ginzburg (GINZBURG, 1989, p. 150), que servirá
de mote para introduzir o estudo aqui proposto. Em dado momento de Um tiro no coração,
quando o cerco dos sérvios a Sarajevo antecipa os terríveis acontecimentos que estão por vir,
Slavko (Vicente Pérez), sérvio, cristão ortodoxo, alistado nas fileiras de Radovan Karadizic,
oferece para a família do melhor amigo, Vlado (Linus Roache), que é bósnio muçulmano,
passagens de avião para que fujam da Iugoslávia prestes a se esfarelar. Segue-se uma acirrada
discussão em que a esposa de Vlado diz: “E que diabos nós vamos fazer em Viena? Ser
refugiados?” 2 A essa opção, o próprio Vlado, erguendo-se num arroubo de orgulho nacional
ferido, grita: “Não, não e não. Nós não vamos ser refugiados! Isso é coisa de terceiro mundo!
Aqui é Sarajevo, não é a Somália! Pelo amor de deus, nós somos europeus!” Em versões do
2
Em toda a dissertação, as transcrições de diálogos dos filmes virão sempre em itálico e entre aspas, a fim de
destacá-las das demais citações.
3
Esse trabalho não é sobre a história de África. É sobre a imagem (ou o conjunto de
imagens) produzida sobre aquele continente, historicamente situada. Imagem fabricada em
contraponto a uma concepção específica do significado do que é ser europeu, como bem
definido por Vlado. Isto é, trata-se de um trabalho muito mais sobre política do que sobre uma
linguagem: imagem, como um dos suportes para uma ideologia. Imagem num sentido lato,
algo próximo mas que extrapola o sentido de imagem canônica, no uso que faz de tal conceito
o historiador Elias Tomé Saliba:
vista da narrativa cinematográfica, de se afirmar que não se está em África? Por que justapor
precisamente a África a uma situação extremamente indesejável? Para dizer que ainda pode
ficar pior, que ainda não se chegou ao último estágio da degradação humana?
Escolhi como ponto de partida um filme que não se passa em África, mas apenas cita o
continente uma única vez, para exemplificar qual a pretensão desse trabalho como um todo.
Mesmo um filme com essas caracterìsticas pode contribuir para o „entendimento geral‟,
reforçando o discurso histórico hegemônico sobre a África. Que dizer então dos filmes que se
propõem a retratar algum aspecto específico da realidade africana? De um modo genérico, nos
filmes que tratam da África ou de outras partes do Terceiro Mundo, “a superioridade branca
não é afirmada, ela é simplesmente presumida” (SHOHAT & STAM, 2006, p. 290), muito
embora em alguns casos particulares, como Um tiro no coração mostra, podemos ver a
“superioridade branca”, europeia, ser declarada abertamente em relação ao continente
africano. Este trabalho é uma análise sobre como a linguagem cotidianizada tem o poder de
disseminar, de maneira muitas vezes quase subliminar, uma ideologia específica. Por
exemplo, um leitor mais atento certamente encarou com estranheza a maneira como me referi
à Europa no primeiro parágrafo desse texto: subcontinente. A intencionalidade desse modo
inusitado de caracterizar a Europa está em demonstrar sucintamente o poder da linguagem, a
que se dedicará o presente estudo; quantas vezes costumamos ver o elemento antepositivo
“sub” associado à Europa? Sub, como aponta o dicionário3, tem uma série de acepções que
3
HOUAISS, Antônio & VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.
5
Este estudo tem suas raízes em um projeto de Iniciação Científica, financiado pela
FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco), a que me
dediquei durante a graduação em História, na Universidade de Pernambuco. A pesquisa,
vinculada ao grupo de pesquisa em história antiga Leitorado Antiguo, intitulava-se “A África
Antiga e o ensino de História da África: o Kebra Nagast e suas raízes bíblicas”, tendo sido
ensejada em parte pelas disposições da Lei 10.639/03, que tornou, pela primeira vez no Brasil,
obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, incentivando
consequentemente a pesquisa historiográfica na área. Tinha como objetivo, a partir do
cruzamento de artefatos culturais hebraicos e africanos antigos – a saber, o assim chamado
“Velho Testamento” e o Kebra Nagast, epopéia nacional etíope – e da escassa historiografia
sobre o tema, trazer à tona a importância de uma civilização africana antiga, a Etíope, no
contexto maior do espaço geográfico que envolve o eixo Mediterrâneo Oriental/Mar
Vermelho/Oceano Índico. De nação fundamental na conjuntura da virada da era cristã, dos
pontos de vista cultural, econômico e militar, que foi o segundo Estado nacional a se
converter oficialmente ao cristianismo, antes mesmo de Roma, elencado na Bíblia como uma
das mais poderosas e temidas nações da Antiguidade, a Etiópia se tornou, na historiografia
eurocêntrica, algo como os participantes de reality shows que desaparecem do „meio artìstico‟
depois de fazerem algum sucesso no programa. Ela é, de maneira quase absoluta,
simplesmente ignorada, como comprovam os livros didáticos a que têm acesso os estudantes
6
O fato é que aquela pesquisa produziu um “efeito colateral” inesperado. Por sua causa,
me vi quase que forçado a discutir a questão dos estereótipos acerca do continente africano
alardeados nos meios de comunicação, e que grassam também no meio acadêmico (que
supostamente deveria estar isento de determinismos baseados em preconceitos). Cada
apresentação em encontros acadêmicos era necessariamente seguida por várias expressões de
admiração dos ouvintes em relação a tais “maravilhas” – as informações divulgadas pela
pesquisa – referentes à África, que a maioria sequer tinha ouvido falar: “Literatura na
África?” “Construções monumentais?” “Estado nunca colonizado por europeus?”. E a cada
vez eram necessários argumentos a favor de uma concepção não reducionista da África.
Tendo em vista que apenas muitíssimo recentemente, como dito, medidas legais vieram tornar
obrigatória a inserção de história da África nas instituições de ensino de nosso país, os
veículos midiáticos, e em especial o cinema, têm sido, ao longo das décadas, o principal
difusor de conhecimento sobre o continente africano para a população em geral. Esse fato é
plenamente compreensível quando consideramos a condição de recepção permanente de
imagens e sons midiáticos a que a sociedade humana se habituou a estar exposta no decorrer
do século XX, tal qual resumido por Todd Gitlin: “A plenitude icônica é a condição
contemporânea, e é tida como lìquida e certa” (GITLIN, 2003, p. 25), e ainda mais
sucintamente por Guy Debord no título de sua obra mais famosa: vivemos em uma Sociedade
do espetáculo, saturada de todo tipo de experiência estética. A essa constatação somou-se a
percepção de que a África é objeto de um discurso específico no cinema, em que
determinados temas e tropos são repetidos exaustivamente, denunciando alguma espécie de
intencionalidade por parte de seus realizadores. Assim, era necessário afirmar, vez após vez,
que a África não é apenas isso que os filmes mostram...
Mas o que é, exatamente, “isso” que os filmes mostram sobre a África? Por que a
África apresentada em produções cinematográficas do início do Século XXI tem medidas
equivalentes de desgraça, miséria e dependência que a África apresentada pelos romances
imperialistas do Século XIX? Tais foram os questionamentos que conduziram ao estudo que o
leitor tem em mãos. Na primeira década do Século XXI pôde ser observada uma profusão de
filmes oriundos da indústria cinematográfica hegemônica (estadunidense e europeia) que
retratam de alguma forma o continente africano em seus enredos, filmes que têm ampla
7
Assim, trabalho com um recorte bem específico. Não vou procurar mapear os
discursos produzidos pelo cinema mundial sobre a África. O próprio cinema africano não será
incluído. Não que não exista, conforme reza mais um estereótipo sobre aquele continente – a
indústria cinematográfica da Nigéria, apelidada de Nollywood, por exemplo, foi citada pelo
8
jornal The Economist como a terceira maior indústria do segmento no mundo4. Analisarei o
discurso eurocêntrico presente nas representações de África feitas por filmes de
entretenimento produzidos pela indústria cinematográfica hegemônica no recorte cronológico
citado, tanto os filmes classificados como hollywoodianos como aqueles de origem europeia,
empregando a acepção de hegemonia oriunda da obra de Antonio Gramsci, ou seja,
entendendo hegemonia como um termo não limitado à questão do controle político direto,
mas que
busca descrever um predomínio mais geral que inclui, como uma de suas
características centrais, um modo particular de ver o mundo, a natureza
humana e as relações. É diferente, nesse sentido, da noção de “visão de
mundo”, na medida em que os modos de ver o mundo, a nós mesmos e aos
outros não são apenas fatos intelectuais, mas políticos, expressos em um
leque que vai das instituições até as relações e a consciência. Também difere
de IDEOLOGIA (v.), na medida em que se considera que hegemonia
depende, para seu domínio, não apenas de sua expressão dos interesses de
uma classe dominante, mas também de sua aceitação como “realidade
normal” ou “senso comum” por aqueles que, na prática, lhe são
subordinados (WILLIAMS, 2007, p. 199).
Não assumo uma postura que alinha as produções europeias e as assim chamadas
hollywoodianas num mesmo nível estético, mas, conforme se demonstrará no decorrer do
trabalho, tais produções, apesar das diferenças formais e estéticas, compartilham e
reproduzem um mesmo discurso essencialista sobre o continente africano, com diversas
nuances. E, claro, juntas essas produções dominam o mercado mundial contemporâneo. O
objetivo não é fazer uma genealogia dos avanços, mudanças e permanências das
representações de África pelo cinema hegemônico ao longo de todo o século XX, projeto
certamente de grande interesse, mas que demandaria esforços além dos possíveis para a
escrita do presente estudo.
Muito embora o cinema africano não vá figurar como protagonista nesse trabalho,
simplesmente pelo fato de que analisá-lo não é o objetivo aqui pretendido, acredito ter
reservado para ele um lugar de honra, uma forma de homenagem indireta. O título que escolhi
faz referência a uma célebre fala do cineasta senegalês Ousmane Sembene, considerado por
muitos o maior cineasta africano de todos os tempos. Em 1965, durante uma conversa com o
francês, e também cineasta, Jean Rouch, este perguntou a Sembene: “Gostaria que você me
dissesse por que não gosta dos meus filmes puramente etnográficos, aqueles nos quais nós
mostramos, por exemplo, a vida tradicional?”. A resposta de Sembene, de certa forma,
4
http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u462864.shtml Acessado em 02/03/2012. A esse
respeito, consultar a obra de referência Cinema no mundo, v.1: MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema no
mundo: indústria, política e mercado: África. São Paulo: Escrituras Editora, 2007 a.
9
antecipa o cerne das questões que serão trabalhadas nesse estudo: “Porque vocês mostram,
vocês fixam uma realidade sem ver a evolução. O que eu tenho contra você e os africanistas é
que vocês nos olham como se fôssemos insetos.”5 A crítica de Sembene aos filmes
etnográficos é parte central das críticas que estendo aos filmes de entretenimento que retratam
em algum momento a África: a a-historicidade. A África e os africanos representados como
uma sociedade de pessoas congeladas no tempo. Seja em Diamante de sangue ou em Hotel
Ruanda, a „situação africana‟ não é mostrada como parte de um processo, mas sim como uma
situação de instabilidade permanente.
Cumpre observar que o objetivo da dissertação, como diz Edward Said a respeito do
seu Orientalismo (SAID, 2007, p. 51), não é buscar a existência ou não de um possível
vínculo entre a representação de África nos filmes e a “realidade” do continente, muito
embora, obviamente, essa seja uma abordagem válida para um estudo. Além de válida, essa
seria uma abordagem factível, uma vez que existem numerosas fontes com as quais seria
possìvel „contrastar‟ o discurso fìlmico hegemônico sobre a África e assim traçar um paralelo,
num esforço de desmistificar os estereótipos quase que totalmente negativos sobre aquele
continente que, como veremos no decorrer desse estudo, são a ordem do dia nos filmes sobre
a África produzidos pela grande indústria do cinema contemporâneo.
Para ficar em apenas um exemplo, posso citar o possível contraste entre dois relatos a
respeito de meninos-soldados em África, um verídico e outro ficcional. Ishmael Beah, jovem
serra-leonense que hoje mora nos Estados Unidos, foi forçado a se tornar soldado-mirim e
conseguiu sobreviver à guerra civil dos anos 1990 em seu país. Após conseguir refúgio nos
EUA, ele escreveu um relato autobiográfico em que conta os horrores daquela guerra. Em
2005, o mundo conheceu a representação fílmica de um menino soldado fictício que passou a
ser considerada icônica, o personagem Dia Vandy (Kagiso Kuypers), do filme Diamante de
sangue (Bloody diamond, Edward Zwick, 2005). Vamos ao contraste entre os dois relatos.
Beah, falando de sua infância e pré-adolescência na Serra Leoa pré-guerra, conta que até os
doze anos de idade as únicas guerras que conhecia eram aquelas sobre as quais lia ou ouvia
5
Fonte: The Short Century: Independence and Liberation Movements in Africa 1945-1994, editado por Okwui
Enwezor, p. 440. Munich, London, New York: Prestel, 2001. Transcrito por Albert Cervoni e traduzido para o
inglês por Muna El Fituri. <http://africabrasis.blogspot.com/2011/02/cinema-e-historia.html> acessado em
04/04/2011.
10
falar na TV e no rádio (citando filmes como Rambo: programado para matar). Mais
importante, ele diz:
O presente estudo também não toma como premissa uma estética da verossimilhança.
Aqui, procuro não tomar como pressuposto um ideal de simplicidade no que toca à “verdade”
sobre a África, que implica dizer que “as mentiras que os filmes contam” podem ser
apontadas e desmascaradas sem grande esforço. O continente africano, como todos os outros,
é por demais complexo para que um estudo sobre suas representações no cinema eurocêntrico
se resuma a apontar os “erros” supostamente cometidos pelos cineastas. Um argumento
simples para invalidar essa perspectiva teórica é a simples existência de diversas versões e
visões do que é o “mal” por parte de analistas e do público em geral (SHOHAT e STAM,
2006, p. 261).
11
Escolher iniciar esse estudo falando da Primeira Guerra, como origem primordial da
Guerra da Bósnia, tem também um significado simbólico. Em teoria, o ano de 1914 encerra o
período do Imperialismo histórico, ou pelo menos o processo da assim chamada „Partilha da
África‟. O período que vai de 1875 até a Primeira Guerra será alvo de atenção no terceiro
capítulo, onde buscarei analisar o período histórico conhecido como Imperialismo, e assim
deslindar as origens históricas das representações da África que continuam tão populares no
cinema contemporâneo, mergulhando na memória discursiva de que se alimentam essas
representações. De modo que no terceiro capítulo é analisada a „invenção da África‟, como
essa imagem da África foi construída pela intelectualidade europeia, em fins do século XIX, a
que interesses essa imagem atendia e de que modo tal imagem foi popularizada. Nesse
capítulo busco fazer algumas considerações sobre a relação entre os filmes e o ofício do
historiador, dedicando espaço às teorias que relacionam história e cinema, especialmente a
que advoga que os filmes podem ser considerados uma forma de escrita da história, em que o
cineasta encarnaria o papel do historiador. Analisando os filmes sobre a África como um
estudo de caso de uma historiocinegrafia (neologismo criado para suprir a inexistência de um
termo preciso para esse conceito, a ser discutido) específica sobre um tema, nesse capítulo
busco apresentar a ideia de que novas formas de escrita da história estão já se
institucionalizando, e mesmo usufruindo de maior status operacional que a história
„tradicional‟, e que é urgente que os historiadores penetrem nesse debate, sob pena de uma
possível obsolescência de suas análises dos fenômenos históricos e de como estes são
apreendidos pela população em geral.
Uma das epígrafes que escolhi para essa dissertação é uma famosa parábola de Franz
Kafka. Ela sempre me vem à mente quando penso no discurso sobre a África que o cinema
hegemônico insiste em repisar; o que mais me impressiona é como este se configura em um
discurso de permanente eficiência, não questionado pela maioria, mesmo entre aqueles que
fazem parte da academia. É um discurso tão prolongado, tão duradouro, tão confortavelmente
instalado na mente das pessoas, que se tornou amplamente aceito, senso comum, cultura
histórica. Foi „incorporado ao ritual‟ da „normalidade‟. Como todo projeto carrega uma
esperança, a minha é que este possa fazer uma contribuição, ainda que modesta, para que esse
paradigma narrativo tão amplamente aceito comece a ser questionado. Lembrando as palavras
de Josep Fontana sobre a função social da história6, a pretensão desse estudo não é
6
“As legitimações históricas estão por trás de grande parte dos conflitos políticos atuais, e não somente dos
conflitos entre países e etnias, mas daqueles que se produzem no próprio interior das sociedades de cada país”
(FONTANA, 2004:18).
13
Qualquer coisa que a filosofia possa fazer para libertar um pouquinho nossa
imaginação é de grande serventia política, pois, quanto mais livre for a
imaginação do presente, maior será a probabilidade de que as práticas sociais
futuras sejam diferentes das passadas. (...) Mas, ao contrário do que
infelizmente nos ensinou a crer a tradição marxista, a filosofia não é uma
fonte de instrumentos para um trabalho político inovador. Nada de
politicamente útil acontece enquanto as pessoas não começam a dizer coisas
que nunca disseram antes – com isso nos permitindo visualizar novas
práticas, e não apenas analisar as antigas (Apud ŻIŻEK, 1996, p. 231).
14
A FALÁCIA DA DESCOLONIZAÇÃO
7
Um discurso dessa escritora, em que alerta para o perigo das interpretações eurocentradas da história da África,
e de outros lugares, pode ser assistido na íntegra no seguinte endereço eletrônico:
http://www.ted.com/talks/lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html Acessado em
10/03/2012.
15
qualificado como sendo a retirada completa dos europeus do continente africano, através de
negociações diplomáticas, em alguns casos, ou expulsos por vias militares, em outros. O que
nivela todas as novas nações africanas surgidas após a „descolonização‟, no padrão da
„história oficial‟, quer tenham alcançado a independência por meios pacìficos ou violentos, é a
extrema pobreza de que são vítimas. As supostas condições subumanas de vida na África
depois da saída dos europeus corroboram, nessa leitura da história, as interpretações
analisadas no capítulo anterior, que classificam a África e os africanos como inerentemente
inferiores à Europa e aos europeus. Sem a presença europeia, a África estaria entregue
novamente à barbárie na qual supostamente estava imersa antes da presença organizadora do
europeu e sua missão civilizadora.
Assim cruamente exposta, essa interpretação pode parecer inaceitável; pode aparentar
ser impossível que atualmente tal visão seja aceita por membros da intelectualidade
„ocidental‟. Mas o fato é que se trata de uma interpretação tão em curso que há correntes
dentro dessa intelectualidade que defendem seriamente uma urgente recolonização da África
por razões humanitárias, como apontam Serrano e Waldman:
A ideia de que o colonialismo e a dominação estrutural tiveram fim com o ciclo das
independências, que teve seu auge na década de 1960, exime os países do „Primeiro Mundo‟
de qualquer responsabilidade sobre o que aconteceu no continente africano (e em outros
lugares) desde então. Também culpabiliza em absoluto „o pobre pela sua pobreza‟, por assim
dizer: com a suposta saída dos europeus, todas as calamidades que supostamente atingem
cotidianamente o continente africano são consequências da própria incapacidade africana de
auto-gestão. A expressão „pós-colonial‟ oculta, desse modo, o antigo viés racista calcado em
justificações pseudocientíficas que alegam a incapacidade dos “povos inferiores” e, portanto,
a necessidade de intervenção estrangeira, já que a responsabilidade pelos diversos problemas
que assolam a África desde a “saìda” das potências estrangeiras – fome, guerra, pobreza –
seria desses povos que não sabem se cuidar. Justifica assim discursos como o
reabilitacionista. Referendando a análise de N‟Krumah, Shohat e Stam escrevem que “para os
8
Em Palavras-chave pode ser encontrada a seguinte definição de „estudos pós-coloniais‟: “têm como origem
desenvolvimentos teóricos produzidos por intelectuais radicados em centros acadêmicos metropolitanos, mas
provenientes de regiões consideradas periféricas, especialmente de antigas colônias britânicas e francesas. Entre
esses intelectuais, destacam-se Edward Said, Homi Bhabha, Gayatri Chakravorty Spivak e Ranajit Guha, que
deram impulso a uma crítica epistemológica profunda que evidenciou a relação entre as práticas colonialistas
ocidentais e a produção de imagens estereotipadas das culturas não metropolitanas. Na construção teórica
ocidental do Oriente e da África, com o intuito de legitimar os valores ocidentais e de forjar uma cultura
homogênea para melhor subjuga-los, atribuíram-lhes estereótipos como: irracional, primitivo, sensual, vicioso,
cruel, retrógrado e preguiçoso, entre outros (...). O caráter polissêmico do termo “pós-colonial’ produziu certo
grau de insatisfação entre alguns autores (que, no entanto, continuam a utilizá-lo. Uma das razões para isso é
que a nomenclatura sugere, erroneamente, que a era do controle e da exploração ocidental sobre países não-
ocidentais cessou, embora se saiba que esse domínio ocorre por outros meios na atualidade. A maioria das ex-
colônias ainda está longe de deixar de sofrer influência ou controle colonial; dessa forma, não pode ser
considerada pós-colonial literalmente” (WILLIAMS, 2007, pp. 427, 428. Grifos meus).
18
Samir Amin não considera essa uma opção realística, uma vez que a o Estado tende a
atuar como apaziguador e árbitro de conflitos internos entre os interesses do capital em jogo.
Além disso, ele afirma que “o Estado é hoje o agente de execução necessário, a serviço
exclusivo dos segmentos dominantes do capital (justamente os que são “mundializados”),
como ele foi (e pode se tornar novamente) o agente de outras coalizões de forças sociais (é
esse o sentido da democracia)” (AMIN, 2005, p. 5). Podemos ter uma percepção humanizada
da natureza do modelo de atuação neocolonial recorrendo a uma grande e atual obra literária.
No belíssimo As vinhas da ira (1939), livro em que descreve os terríveis efeitos humanos da
irresponsabilidade financeira que levou à Grande Depressão nos EUA, há uma passagem
memorável em que o escritor e ativista estadunidense John Steinbeck descreve a
incredulidade do agricultor ante ao fato de estar sendo expulso de suas terras e simplesmente
não existir alguém que se possa responsabilizar:
– É uma pena, sentimos muito. Mas não temos culpa. A culpa é dos bancos.
E um banco, já sabe, um banco não é como um homem.
– Sim, mas os bancos são dirigidos por homens.
– Não, vocês estão muito enganados, completamente enganados. Um banco
é muito diferente. Acontece que todos os que trabalham nos bancos detestam
o que os bancos têm que fazer, mas eles obedecem, porque os bancos assim
mandam. (...) Vocês têm que sair daqui.
– Nós podemos pegar nas nossas armas, como nossos avós fizeram quando
vinham os índios. Podemos, sim.
– Não, agora é diferente. Primeiro vem o xerife, depois vêm os soldados,
tropas. Vocês serão presos se insistirem em ficar, serão mortos se tentarem
lutar para ficar. Agora é diferente; o monstro não é homem, mas pode tornar-
se homem quando quiser (STEINBECK, 1982, p. 44).
20
Pode ser que, no futuro, haja uma história da África para ser ensinada. No
presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na
África. O resto são trevas... e as trevas não constituem tema de história.
21
Para essa contextualização, me utilizo das reflexões do intelectual egípcio Samir Amin
e sua concepção de Imperialismo Coletivo. Como dito anteriormente, Amin entende que “a
expansão global do capitalismo foi imperialista em todas as etapas de sua história e assim
permanece por todo o futuro vislumbrável (enquanto o sistema permanecer essencialmente
fundado sobre a lógica do capitalismo)” (AMIN, 2005, p. 6), de modo que o imperialismo, na
sua concepção, é o “estágio permanente do capitalismo mundializado realmente existente”
(AMIN, 2005, p. 6). Samir Amin compartilha da visão de sistema-mundo moderno de
Immanuel Wallerstein, sendo que o elemento que mais difere no pensamento de Amin em
relação ao que já foi exposto sobre o conceito de sistema-mundo é a noção de „imperialismo
coletivo‟.
Acredito que a revisão desse vocabulário teórico é fulcral para estabelecer um quadro
nítido onde se possa avaliar com segurança a atual produção de imagens eurocêntricas sobre o
continente africano (e sobre outras áreas „periféricas‟ do globo, por extensão), pois, como diz
o próprio Samir Amin, “a desordem completa que caracteriza nossa época alimenta e se
alimenta de um convite à inação” (AMIN, 2005, p. 5). O quadro maior, o contexto
estruturante amplo onde a história do mundo, inescapavelmente, se encaixa desde o final da
„Idade Média‟ é a conjuntura de expansão violenta do sistema-mundo capitalista e as reações
a ela. Essa expansão atingiu seu auge em fins do século XIX e começo do século XX, na fase
que denomino de Imperialismo. E atualmente essa expansão continua, numa forma que Samir
Amin denomina Imperialismo Coletivo, mas que eu, como já apontei, optei por chamar de
Neocolonialismo, em virtude de sua conotação de repetição de um modelo já posto em
prática, mas com diferenças que marcam a sua contemporaneidade. Cada escolha
terminológica tem uma relevância polìtica, de modo que “não se trata de decidir se
determinado esquema conceitual está “errado” e outro “correto”, mas de perceber que cada
esquema explica apenas parcialmente as questões em jogo”, e as escolhas feitas para esta
23
9
Ver páginas 123,124 desta dissertação.
25
10
Eis o conceito de democracia advogado pelo próprio Wallerstein: “Quando o conceito de democracia quer
dizer algo mais amplo, com o controle genuíno da tomada de decisões pela maioria da população na estrutura
governamental, a capacidade real e constante de qualquer tipo de minoria exprimir-se política e culturalmente e a
aceitação da legitimidade e da necessidade constante do debate político aberto, parece bastante claro que essas
condições precisam amadurecer internamente nos diversos países e regiões e que, em geral, a intervenção
externa é contra-indicada por associar o conceito de democracia ao controle externo e aos fatores negativos
provocados pela intervenção” (WALLERSTEIN, 2007, pp. 58, 59).
11
Sobre a temática especìfica do “Império Americano”, ver PIETERSE (2009), LOSURDO (2010), LENS
(2006), CHOMSKY (1996, 1999, 2002).
26
parar no título de um artigo de 1993, transformado em sequência num livro (1995), escritos
por Samuel Huntington: “O choque de civilizações?” – o título do livro não possui a
interrogação – consiste no seguinte, nas palavras do autor:
não é, nem pretende ser, uma obra de ciência social. Ao contrário, ele visa
ser uma interpretação da evolução da política mundial depois da Guerra Fria.
Ele almeja apresentar uma moldura, um paradigma, para o exame da política
mundial que tenha significado para os estudiosos e seja de utilidade para os
formuladores de políticas (HUNTINGTON, 1997, p. 12. Grifo meu).
O livro de Huntington divide o mundo entre “o ocidente e o resto” (HUNTINGTON,
1995, p. 22), classificando de modo por vezes grosseiro o „ocidente‟ – composto pela Europa
Ocidental, América do Norte e Austrália – como o centro de um sistema em torno do qual
giram as outras sete civilizações do mundo elencadas pelo autor: a sínica (a que chamou
primeiro de confunciana), a japonesa, a hindu, a islâmica, a ortodoxa, a latino-americana e a
africana, colocando após esta última um „parênteses‟: (possivelmente). O autor afirma que “os
principais estudiosos de civilização, com exceção de Braudel, não reconhecem uma
civilização africana distinta” (HUNTINGTON, 1995, pp. 50-54). A perspectiva adotada no
trabalho de Huntington e nos que seguem essa linha de raciocínio é a do confronto. Ele
enumera as reações possìveis das outras civilizações ao „ocidente‟, que vão do „rejeicionismo‟
à „ocidentalização‟, e, como ele expõe no trecho grifado supra, indica para os polìticos os
caminhos a tomar para manter o domìnio „ocidental‟.
Para Said, os escritos de Huntington podem ser entendidos como “um manual muito
curto e grosseiramente articulado da arte de manter uma situação de tempo de guerra nas
mentes dos americanos e de outros povos”, chegando a afirmar que as argumentações dele
assumem propositalmente o “ponto de vista dos planejadores do Pentágono e dos executivos
da indústria de defesa que talvez tenham perdido suas ocupações depois do fim da Guerra
Fria, mas descobriram agora uma nova ocupação” (SAID, 2003, p. 318). Mas o principal
questionamento que Said levanta é: nós queremos ou precisamos de um choque? É evidente a
ligação entre a ideia do „choque de civilizações‟ e a atual „guerra contra o terror‟, uma vez
que o 11 de Setembro reafirmou muitas das convicções preconceituosas dos neoconservadores
sobre o mundo islâmico, perdendo de vista que, assim como no „ocidente‟ há discordância
sobre a própria noção de „ocidente‟, há um intenso debate e muita oposição secular à posturas
radicais entre a imensa maioria dos muçulmanos, e não um simplista e „furioso‟ surto de
fundamentalismo. O posicionamento intelectual do „choque das civilizações‟ não apenas
incentiva o confronto, mas o justifica. Faz com que ele aparente ser inevitável em virtude da
alegada incompatibilidade entre as civilizações. Ora, Braudel é apenas um dos teóricos sobre
civilização que demonstrou que a própria ideia de civilizações isoladas é impossível. Mais do
que uma simples análise do comportamento das civilizações, trata-se de uma teoria que
receita o acuamento permanente das „outras‟ civilizações pelo „ocidente‟, incitando e
justificando um conflito permanente. É nessa perspectiva que a doutrina da „democracia mais
direitos humanos‟ é colocada em prática nos nossos dias, substituindo sutilmente o racismo
que justificava o Imperialismo por um „preconceito‟ estendido à „civilização‟ inteira da qual o
Outro faz parte. O „racismo 2.0‟ colocado em prática pelo Neocolonialismo atualmente pode
ser percebido em situações como a apontada por Tariq Ali:
racismo tem uma forma diferente do que tinha nos impérios antigos, mas
ainda existe (ALI, 2006, p. 30,31).
Esse tipo de ação política concreta só é possível porque tem ideias legitimadoras –
levar a democracia, os direitos humanos e a liberdade de mercado – que o justificam, ideias
que, por mais incoerentes que possam ser, são popularizadas pela grande mídia, a rede
informacional contemporânea, que possui, dentre outros meios e suportes, na indústria
cinematográfica hegemônica um de seus mais potentes canais para chegar ao grande público.
Grandes narrativas cinematográficas, os chamados sucessos de bilheteria, continuam
celebrando a pretensa superioridade eurocêntrica, „ocidental‟, no dizer de Samuel Huntington.
Filmes que sempre tem personagens brancos euro-estadunidenses exercendo o papel central e
o ponto de vista privilegiado, o „homem branco‟ como salvador do oprimido de qualquer raça,
em qualquer lugar e em qualquer época – e até em lugares e época inventados. Basta
recordarmos filmes célebres e populares nas últimas décadas, como Star Wars Episódio VI: O
Retorno de Jedi (Star Wars Episode VI: Return of the Jedi, George Lucas, 1983), Mississipi
em chamas (Mississipi burning, Alan Parker, 1988), Dança com lobos (Dances with wolves,
Kevin Costner, 1990), O último samurai (The last samurai, Edward Zwick, 2003), Avatar
(James Cameron, 2009), Histórias cruzadas (The help, Tate Taylor, 2011), Lágrimas do Sol
(entre tantos outros que se passam em África), para perceber como essa retórica está presente,
sob diversos disfarces, em nosso cotidiano. É nesse contexto político, de uma falsa percepção
da „descolonização‟ bem como de relações neocoloniais precisas, em moldes polìticos e
intelectuais que guardam similaridades mas com revisões em relação aos modelos do
Imperialismo, que se enquadram os filmes alvo de estudo desta dissertação. Assim como os
romances do século XIX e começo do século XX, esses filmes não são moldados
automaticamente pela ideologia de nossa época, mas “estão profundamente ligados à história
de suas sociedades, moldando e moldados por essa história e suas experiências sociais em
diferentes graus. A cultura e suas formas estéticas derivam da experiência histórica” (SAID,
1995, p. 23).
30
12
Tomo o conceito de „figuração de memória‟ do historiador Eduardo França Paiva: “imagens de memória,
aquelas que trazemos conosco, em nosso cotidiano, muitas vezes sem percebermos e que nem sempre têm uma
representação plástica invariável” (PAIVA, 2004, p. 14).
13
Muito embora O rei leão não se inclua no recorte apresentado anteriormente para a pesquisa, aqui cito
especificamente uma figuração de memória pessoal; além disso, e mais importante, a franquia O rei leão
continuou „dando frutos‟, sendo, por exemplo, O rei leão 3: Hakuna Matata, produzido em 2004, portanto
dentro do recorte da pesquisa, basicamente uma releitura do primeiro filme sob o ponto de vista de outros
personagens, utilizando as mesmas imagens.
14
A letra da música citada, Circle of Life, de autoria do cantor britânico Elton John em parceria com o letrista
Tim Rice (indicada ao prêmio de melhor canção de 1994 da academia de cinema de Hollywood), pode ser
encontrada no seguinte endereço eletrônico (inclusive a tradução para o inglês dos trechos em zulu):
http://www.lionking.org/lyrics/OMPS/CircleOfLife.html. Acessado em 08/08/2011.
31
inovadores ângulos, dirige-se em massa para um imenso rochedo onde um babuíno, que por
algum motivo inferimos que seja sábio, apresenta para todos os animais reunidos – que agora
compreendemos como sendo um imenso e exultante grupo de súditos composto por elefantes,
zebras, macacos, antílopes e várias outras espécies – o filhote de leão herdeiro do „trono da
selva‟, após um ritual de unção com tons mágicos. Logo descobrimos que esse leãozinho se
chama Simba e que ele será o protagonista do drama em tons shakespearianos que segue. O
título do filme aparece com a última batida da música, encerrando essa sequência de abertura.
ESTEREÓTIPOS
A palavra estereótipo tem origens nas oficinas de imprensa francesas dos séculos
XVIII e XIX, no hoje praticamente esquecido processo manual de estereotipia. Os
estereótipos, ou clichês, eram as chapas nas quais as imagens ou os textos eram impressos.
Assim conta Gregory Bateson a origem desse termo:
Não obstante constitua algo cuja ressonância parece ser inerentemente ruim, como um
determinado preconceito malevolamente imposto de forma subliminar ao indivíduo, a
construção de estereótipos se relaciona com a própria inteligibilidade das realidades
simbólicas, constituindo, assim, algo inerente e aparentemente inescapável à condição
intelectual humana. O jornalista Walter Lippmann começa um artigo clássico sobre os
estereótipos explicando a razão da afirmação que acabei de fazer:
15
In O guardador de rebanhos, II. PESSOA, Fernando. Obra poética: volume único. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 2007, p. 204.
35
precisão e consistência introduzidas depende de quem as introduz”, uma vez que “na grande
confusão florida e zunzunante do mundo exterior colhemos o que nossa cultura já definiu para
nós, e tendemos a perceber o que colhemos na forma estereotipada, para nós, pela nossa
cultura” (LIPPMANN, 1972, p. 151). Isto é, estereótipos são efetivamente necessários, mas
isso não significa que eles sejam isentos de intencionalidade, ou mesmo honestos. Eles são
objetos construídos, e não dados naturais. São feitos (não necessariamente de modo
consciente) para remeter a determinados aspectos de uma realidade de forma esquemática,
para tornar didático e fácil o acesso a determinada informação, mas, no mais das vezes, não
correspondem (em virtude de sua própria natureza) à inteireza daquela realidade. Assim, a
confiança social que pode levar o indivíduo a defender com unhas e dentes a afirmação de que
desertos são quentes e a Groenlândia é coberta de gelo, com base nos estereótipos socialmente
construídos e consolidados sobre tais lugares, pode ser abalada ao se descobrir que existem
desertos gelados (o que os caracteriza, afinal, é a baixa precipitação pluviométrica, e não a
temperatura), e que em outros períodos históricos a Groenlândia não era coberta de gelo (tanto
que a palavra Groenlândia, em dinamarquês Grønland, significa “terra verde”).
Cabe ressaltar que tanto W. Lippmann como E. Bosi, e muitos outros autores, fazem
uma ressalva fundamental, no que diz respeito à percepção estereotipada das coisas: ela não
está apenas atrelada à confiança social no relato de outros sobre a tal coisa em questão, pois
“nem mesmo a testemunha ocular traça um quadro ingênuo da cena” (LIPPMANN, 1972, p.
149). O fato de estar presente a uma situação ou ver algo „com os próprios olhos‟ em hipótese
alguma isenta uma pessoa de ter uma percepção estereotipada ou de fazer um relato
estereotipado, uma vez que “a nossa percepção das coisas é, mais do que uma recepção, uma
construção, uma tarefa sobre o mundo” (BOSI, 1977, p. 104). Para explicar esse fato W.
Lippmann cita uma famosa experiência em que vários psicólogos, „observadores treinados‟,
são testemunhas de uma briga encenada por atores. A encenação foi feita durante um evento
que reunia esses profissionais, e, sem que eles soubessem, os seus depoimentos posteriores
sobre a briga foram analisados e chegou-se à conclusão que praticamente todos simplesmente
descreveram uma cena que não acontecera. Por quê? Pela simples razão de que “eles tinham
visto o seu estereótipo de uma briga. No correr de suas vidas, todos haviam adquirido uma
série de imagens de brigas e essas imagens lhes dançavam diante dos olhos” (LIPPMANN,
1972, p. 152).
Nesse ponto, pode-se ter uma ideia dos motivos para a percepção negativa que o termo
estereótipo costumeiramente evoca: ele perigosamente classifica o todo a partir de uma (ou
algumas) das partes que o constitui. Os exemplos dados, mostrando a problemática que pode
envolver essa parcialidade ou incompletude característica dos estereótipos, se referiam a
localizações geográficas – os desertos, a Groenlândia –, mas esses problemas se tornam bem
mais agudos quando o assunto em pauta é a caracterização do “Outro”, escrito com O
maiúsculo em muitos estudos culturais a esse respeito. Um dos mais relevantes desses estudos
(que não usa o “O” maiúsculo, diga-se de passagem), é O espelho de Heródoto, onde François
Hartog busca apreender “como os gregos da época clássica representaram para si os outros, os
não-gregos”, traçando para isso um amplo “esboço da história da alteridade” – o subtítulo da
obra, significativamente, é “ensaio sobre a representação do outro” (HARTOG, 1999, p. 37).
Em seu estudo, Hartog mostra que ao longo do tempo se desenvolveram, por toda
parte onde aconteceram encontros entre culturas diferentes ou a necessidade de um membro
16
MÁRQUEZ, Gabriel García. Crônica de uma morte anunciada. Tradução Remy Gorga, filho. Rio de Janeiro:
Record, 2006.
37
de uma cultura descrever uma cultura diferente para os seus iguais, o que ele chama de
“retóricas da alteridade próprias das narrativas que falam sobretudo do outro”. Como um
membro de uma cultura a pode explicar, de maneira inteligível, para os membros da sua
própria cultura a existência e as características de uma cultura b? Em outras palavras, como é
possível reunir o mundo desconhecido que se conta ao mundo conhecido em que se conta?
Diante desse problema, que é um problema de tradução, Hartog demonstra que os relatos de
viagem e as utopias recorreram quase sempre a um grupo de figuras narrativas que se
encontram à disposição para suprir a necessidade de dizer o outro, figuras que possibilitam
várias formas de classificação do diferente. Um exemplo é a cômoda figura da inversão, em
que a “alteridade se transcreve como um antipróprio”, pois a explicação mais apreensìvel do
outro seria aquela calcada no fato de que ele é a negação, o contrário, do eu (HARTOG, 1999,
p. 229). Hartog também aponta a comparação e a analogia, além da inversão, como figuras
utilizadas nas retóricas da alteridade, ambas apontadas como ferramentas de tradução do
outro, na medida em que filtram o desconhecido no conhecido, „fazendo ver‟ o diferente
(HARTOG, 1999, pp. 240,245). Ele descreve o processo de eterna descrição do outro,
exemplificado com o seu objeto de estudo, as Histórias de Heródoto, como um “trabalho
incessante e indefinido como o das ondas quebrando na praia”, algo não rigidamente
estrutural. Ao invés disso, é composto por marcas de enunciação específicas que marcam
diferenças de nìvel e “processos que desengancham os enunciados sucessivos”, ou seja, uma
dimensão vertical de figuras que se auto-referenciam dentro da narrativa (HARTOG, 1999, p.
228).
A confiança social faz com que um hipotético guatemalteco que nunca visitou o Brasil
tenha convicção de que todo brasileiro é fanático por futebol, porque diversos canais
disponibilizados pela sua cultura – desde algo abrangente, como a televisão, até a restrita
opinião de um amigo que tenha vindo ao Brasil – preenchem a lacuna na sua experiência
pessoal em relação aos brasileiros17. Se lhe for perguntado como ele sabe que todos os
brasileiros apreciam tal esporte, ele provavelmente não responderá que colheu essa
informação já de forma estereotipada, para ele, pela sua cultura. O ponto é que a informação
estereotipada que assegura ser todo brasileiro apreciador do esporte de origem inglesa
provavelmente não seria causa de nenhum transtorno diplomático, caso fosse dita pelo
representante de um governo estrangeiro qualquer, o da Guatemala, por exemplo. Mas, e se a
informação fosse de que todo brasileiro é preguiçoso? Ou sujo? Se o guatemalteco citado
tivesse conhecido um brasileiro desonesto, por exemplo, e estendesse essa característica, em
seus discursos, para todos os brasileiros, como seria? Obviamente, isso seria motivo para
grande revolta por parte de qualquer brasileiro honesto (e desonesto também) que soubesse
dessa caracterização. Isso porque lidamos, agora, com o cerne do problema: os estereótipos
negativos. Mas, obviamente, uma única afirmação de um guatemalteco mal informado sobre a
lisura ou higiene do povo brasileiro não constitui um estereótipo. Para se tornar um, essa
informação precisaria ser objeto de divulgação repetitiva por um amplo espectro de
mediações culturais de modo que pudesse ser dita como algo comum e natural. A estratégia
de estereotipização (negativa) é definida por Durval Muniz de Albuquerque Jr. do seguinte
modo:
17
Mutatis mutandis o que foi exposto anteriormente sobre a experiência pessoal dos fatos.
39
18
Além da óbvia disponibilidade em diversas mídias, cabe lembrar que em Agosto de 2011 O rei leão voltou às
telas de cinema mundiais em versão 3D, comemorativa de seus 17 anos de lançamento. Finalmente assisti ao
filme numa tela grande.
41
Quero aqui apresentar uma argumentação em favor de uma metodologia de análise dos
filmes que vá além do estudo dos estereótipos, mas sem deixar de levar em conta a
importância destes. Em primeiro lugar, ressaltarei a relevância do estudo focado nos
estereótipos, em seguida suas limitações e, em virtude dessas, a minha opção metodológica.
Deixar nítido o terreno onde pisaremos na discussão sobre a imagem de África na produção
cinematográfica hegemônica do século XXI é fundamental para que essa discussão seja o
mais frutuosa possível.
Iniciei esse capítulo remetendo à sequência inicial de O rei leão, cuja representação de
África remete a uma figuração de memória minha. Mas devo remeter a filmes que dizem
respeito ao recorte cronológico proposto pela pesquisa; portanto, o farei em relação à
sequência inicial de um filme também destinado ao público infantil, e que provavelmente
marcará as figurações de memória que muitas crianças carregarão sobre o continente africano:
Madagascar (Madagascar, Eric Darnell e Tom McGrath, 2005). A abertura desse filme
remete aos mesmos elementos de O rei leão: um sol enorme e laranja e uma „selva‟, a vida
selvagem, o contato com a natureza, a paisagem, os sons. Uma zebra corta a paisagem numa
paródia da imagem clássica de Tarzan gritando enquanto cruza a floresta balançando num
cipó. Enquanto a zebra corre livre pela paisagem e animais fazem coreografias à sua volta, um
leão aparece de trás de uma moita, ameaçador, mas, ao invés de atacar a zebra, dá-lhe um
susto que a acorda do devaneio. Tudo não passava da imaginação de Marty, uma zebra do
zoológico da cidade de Nova Iorque, onde tem como companheiros inseparáveis um leão,
chamado Alex, além de uma girafa macho, Mellman, e de um hipopótamo fêmea, Glória.
Todos “domesticados”, com gírias e hábitos urbanos e característicos da cultura
estadunidense, que contrastam com o anseio de Marty por conhecer „a natureza‟, que será o
motivo condutor do filme. Não há dúvidas quanto à intencionalidade do filme em „pregar
uma peça‟ no espectador, dando a entender que o filme se passará em África desde o começo,
nem quanto ao processo de reconhecimento por parte dos espectadores, o mesmo que citei
antes em relação a O rei leão: certamente ninguém acha que o filme se passará na China. Sem
saber exatamente por que, sabemos automaticamente que o que estamos vendo e ouvindo na
tela se passa em território africano.
plumas na cabeça com uma festa chamada carnaval, comemorada no Brasil; ou então uma
imagem de mulheres seminuas dançando a „dança do ventre‟ com véus no rosto com algo que
chamamos invariavelmente de harém e o situamos em uma região indistinta que chamamos de
Arábia. Com esses exemplos, quero afirmar, desde já, que não considero o continente africano
uma „vìtima‟ isolada da ação de estereótipos negativos. Como dito anteriormente, a
construção de estereótipos está relacionada com a própria inteligibilidade das realidades
simbólicas, sendo inerente à condição intelectual humana.
Desse modo, a análise de estereótipos sobre o continente africano, a que se propõe este
estudo, não implica num entendimento de que é ele o único aspecto da nossa realidade vítima
de estereótipos negativos e, portanto, de preconceitos, mas se configura simplesmente como
uma opção e como um recorte, com intenções políticas definidas. O poder do cinema,
enquanto construtor e consolidador de estereótipos negativos, posto que veículo privilegiado
de discursos políticos, é muitas vezes subestimado. W. Lippmann lembra a tendência que
existe, secularmente, de que as características atribuídas a certos grupos na ficção sejam
transferidos para a realidade, e a esse respeito assevera:
Muito ainda será dito a esse respeito nesta dissertação. É muito simplista atribuir os
„avanços‟ citados no que diz respeito à imagem dos negros estadunidenses a uma „evolução‟
ou „progresso‟ do gênero humano como um todo. É como as falas que podemos ouvir
cotidianamente de que em pleno século XXI não há mais lugar para preconceitos, sexismo,
racismo, homofobia etc., que a humanidade já „superou‟ tais coisas, e que a existência de tais
elementos se deve unicamente ao atraso de indivíduos específicos. Enquanto historiador, e
principalmente como humanista, é difícil não reconhecer a falácia desse argumento, bastando
citar alguns exemplos das permanências (e mesmo do perigo de revivência institucional)
desses preconceitos, para deitá-lo por terra. Se não fosse a luta histórica dos movimentos
negros, feministas e pelos direitos dos homossexuais, certamente não teria havido „avanço‟
algum, e o fato de esses „avanços‟ estarem sob constante ameaça mostra a necessidade, em
contrapartida, de constante vigilância por parte desses grupos. O que quero dizer é que não se
há de cair do céu a desmistificação do continente africano, se faz necessária uma luta
intelectual consciente e consistente nesse respeito; este trabalho se insere num contexto maior
de esforço nessa direção.
American films19, tem o mérito de explicitar as maneiras pelas quais estes estereótipos
negativos são enxertados na indústria cinematográfica de maneira quase imperceptível. Em
seu estudo, Bogle demonstra que vários estereótipos racistas preexistentes foram reutilizados
nas representações de negros no cinema hollywoodiano,20 remetendo cada um desses
estereótipos a um personagem-padrão evocado no título de seu livro: Tom, o empregado
servil; Coon, o negro ingênuo; o “mulato trágico” ou demonizado; a Mammy (“figura
feminina da empregada gorda, falante, mas de bom coração”); e Buck, o negro brutal e
hipersexualizado (SHOHAT e STAM, 2006, p. 286). De abordagens como essa, centradas na
análise de estereótipos e de “constelações repetidas e perniciosas de traços de personalidade”,
Ella Shohat e Robert Stam apontam inegáveis méritos, pois elas
19
Disponível para consulta parcial no site Google Livros, onde pode ser encontrado no seguinte link:
http://books.google.com.br/books?id=Sz7K1c9QSoMC&printsec=frontcover&dq=Toms,+coons,+mulattoes,+m
ammies,+and+bucks&hl=pt-BR&ei=-
Q5UTp63BZDBtgf11ejdBQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CCoQ6AEwAA#v=onepage
&q&f=false (Acesso em 20/08/2011)
20
Ella Shohat e Robert Stam citam diversos outros estudiosos, cujas obras também em sua maioria não estão
traduzidas para o português, que estudam os estereótipos dessa mesma perspectiva, entre eles Daniel Leab,
James Snead, Jim Pines, Jacquie Jones, Pearl Bowser, Clyde Taylor e Thomas Cripps (SHOHAT e STAM, 2006,
p. 286).
45
continente africano? A resposta para todas essas perguntas parece indicar que se os africanos
pudessem retratar a si mesmos (como se eles não pudessem e o fizessem), a imagem da África
seria muito diferente.
ofensivas por diversas organizações de defesa dos direitos humanos21. Acusado de quebra de
decoro parlamentar, sua defesa pública incluiu a alegação de que o irmão de sua esposa é
negro e de que ele tem entre seu pessoal funcionários homossexuais. Acusações em termos
pessoais e defesa em termos pessoais caracterizaram todo o processo, do qual o deputado
acabou absolvido. A grande oportunidade perdida nesse episódio foi o que Shohat e Stam
chamam de uma pedagogia anti-racista, e no caso anti-homofóbica, também: uma questão que
é largamente política e social, que envolve todo o conjunto da sociedade brasileira, foi
ideologicamente reduzida a um debate sobre a ética pessoal de um único indivíduo. O
sensacionalismo midiático que permeou a cobertura televisiva do episódio, ao dar atenção
quase que exclusivamente à moralidade individual, e quase nada discutir acerca das
configurações de poder que engendraram as afirmações alegadamente racistas e homofóbicas
do político, repetiu o que esses autores chamam de “premissa oculta da análise do
estereótipo”: o individualismo. Na análise centrada nos estereótipos, o ponto de referência é
um personagem individual, ao invés das categorias sociais mais amplas em que ele está
inserido – “raça”, classe, gênero, nação, orientação sexual etc. (cf. SHOHAT e STAM, 2006,
p. 293). No caso da análise de um filme, pode-se acabar conjecturando a respeito da
moralidade de um personagem, um indivíduo que sequer existe, e perder de vista os
elementos gerais mais relevantes apontados por Shohat e Stam. Esse individualismo, que
caracteriza a análise centrada nos estereótipos, faz com que tais estudos busquem estabelecer
uma essência, tentando simplificar, enquadrar, “tipificar” os estereótipos. O exemplo do livro
de D. Bogle, independentemente de seus méritos, demostra isso claramente: ele estabelece
cinco tipos de estereótipos negativos que seriam modelo de todas as representações negativas
dos negros no cinema hollywoodiano, e busca enquadrar todos os personagens negros do
cinema em algum deles. Bogle pode ter realizado essa operação com maestria, mas esse tipo
de análise ignora o fato de que, nas palavras de H. Bhabha,
21
A citada entrevista foi concedida pelo deputado ao quadro “O povo quer saber”, do programa humorìstico
“Custe o Que Custar”, da Rede Bandeirantes de Televisão, em 28 de março de 2011. Segundo notìcia no site da
própria emissora, durante a entrevista, “o deputado foi perguntado pela cantora Preta Gil qual seria sua reação
caso seu filho se apaixonasse por uma negra e respondeu que não “corria risco” porque os filhos foram “muito
bem educados” e não viveram “em ambiente de promiscuidade”, como o dela. Também declarou que não
participaria de uma parada gay porque tal evento “promove os maus costumes”. “Acredito em Deus, tenho uma
famìlia, e a famìlia tem que ser preservada a qualquer custo, senão a nação simplesmente ruirá”, completou.”
Fonte: www.band.com.br/noticias/brasil/noticia/?id=100000417073 Acessado em 04/02/2012.
47
Por fim, e esta não tenciona ser uma lista exaustiva das limitações da abordagem
centrada nos estereótipos, cabe lembrar que “os procedimentos eurocêntricos podem
caracterizar fenômenos culturais complexos como práticas grotescas sem utilizar estereótipos”
(SHOHAT e STAM, 2006, p. 295). Isto é, se for entendido que a única maneira de se
combater o preconceito é isolando e destruindo estereótipos negativos, muita coisa certamente
vai escapar a esse filtro. Uma instituição social, uma prática cultural, uma região geográfica
ou uma característica histórica é passível de um retrato preconceituoso e ofensivo sem que
obrigatoriamente hajam personagens ou situações estereotipadas na narrativa. Nas palavras
de Shohat e Stam,
mãos, é fulcral. Preciso citar um trecho, um tanto longo, em que Eni P. Orlandi explicita a
base de sustentação do meu trabalho:
“Historicizar sempre!” é o “mantra” repetido por Fredric Jameson que serve de norte
para as escolhas metodológicas desta pesquisa (JAMESON, 1992, p. 9). Tendo essa assertiva
em vista, dentre a vastidão de usos e acepções em que os termos „discurso‟ e „análise do
discurso‟ são tomados atualmente no campo intelectual, a opção feita foi por aquela que é
chamada de “escola francesa de análise do discurso”, uma vez que essa „corrente‟ tem entre
seus pressupostos precisamente a união entre reflexão sobre o texto e sobre a história e
sociedade que o rodeiam. Dominique Maingueneau explica a origem dupla da AD
(abreviatura que ele convenciona para se referir à „escola francesa de análise do discurso‟, e
que adotarei no mesmo sentido a partir de agora) na conjuntura intelectual dos anos 1960,
quando “sob a égide do estruturalismo, viu articularem-se, em torno da reflexão sobre a
“escritura”, a linguìstica, o marxismo e a psicanálise”, de modo que na França a análise do
discurso se configurou, a partir daquela década, como uma disciplina com base
transdisciplinar; e ao mesmo tempo na tradicional prática escolar caracteristicamente francesa
de „explicar os textos‟, “presente sob múltiplas formas em todo o aparelho de ensino, da
escola à Universidade” (MAINGUENEAU, 1997, p. 10).
Não obstante as considerações explicativas que serão feitas sobre a AD, justificando a
sua „adoção‟, seria uma digressão imprópria em relação ao objetivo deste texto fazer o que o
próprio D. Maingueneau chama de “policiamento terminológico” em torno das acepções do
termo „discurso‟ e do sintagma „análise do discurso‟. Por essa razão, considero inconveniente
discorrer acerca de cada termo e justificar o uso de cada uma das expressões teóricas de que
me utilizo, uma vez que a explicitação de todo e qualquer termo (excetuando-se os casos em
que tal exposição contribua para o andamento do texto) certamente tornaria
desnecessariamente intrincada a leitura; porém, levando em conta a necessidade de evitar
possíveis confusões semânticas, ressalto desde já que o vocabulário teórico que utilizo,
quando se remete aos elementos da análise de discurso, diz respeito especificamente às
51
formulações e à maneira como esse vocabulário é tomado e entendido pela AD, em todas as
instâncias. Assim, para evitar mal entendidos no que tange a expressões que porventura eu
não venha a expor com a precisão devida, tenha-se presente que tomo como referenciais
primordiais nesse campo Michel Pêcheux e Dominique Maingueneau e o vocabulário
pertinente às formulações desses autores, e nas acepções utilizadas por eles.
“ciência das ideias”, mas muito cedo Napoleão Bonaparte revestiu a palavra de uma
significação negativa, como sendo uma “teoria abstrata, não prática ou fanática”
(WILLIAMS, 2007, pp. 212-13). Esse sentido pejorativo foi reproduzido ao longo do século
XIX, mas, ainda assim, foi em decorrência dos postulados de Marx e Engels que o termo
ideologia passou a ter a carga semântica negativa que tem na maioria dos significados
apontados por Eagleton. Em consonância com sua interpretação da história pelo prisma da
dominação do homem pelo homem, dentro da espiral da luta de classes, Marx e Engels
argumentaram em favor de um entendimento de ideologia como a demonstração das ideias da
classe dominante em dado momento histórico:
Estado: o Aparelho Ideológico de Estado religioso, o escolar, o jurídico, o cultural etc. Ele
especifica: “se existe um Aparelho (repressivo) de Estado, existe uma pluralidade de
aparelhos ideológicos de Estado” (ALTHUSSER, 1980, p. 44). Tais aparelhos ideológicos só
funcionam pela violência em última instância, são diversificados mas unificados, apesar das
suas contradições, por estarem todos submetidos à ideologia dominante, a da classe
dominante (ALTHUSSER, 1980, p. 48), e são centrais no estudo de Althusser por serem os
responsáveis mais diretos pela reprodução das relações de produção, ou, em outras palavras,
por tentar “forçar a classe dominada a submeter-se às relações e condições de exploração”
(BRANDÃO, 2004, p. 23).
Em primeiro lugar, P. Ricouer discorre sobre a função geral da ideologia, que seria
mediar a coesão social do grupo, estando ligada à “necessidade, para um grupo social, de
54
análise do discurso, e, por sua vez, como as propostas metodológicas desta serão utilizadas na
análise dos filmes, cabe referenciar também o outro conceito basilar da AD: o discurso.
aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição
dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes,
determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)
(PÊCHEUX, 2009, p. 147).
Tal é o alcance e importância dessa formulação que D. Maingueneau a estabelece
como baliza para determinar, sem equívoco, o objeto de estudo da AD, nos casos em que a
confusão polissêmica de discurso se manifeste – ou seja, onde se lê discurso, na AD, entenda-
56
textos anteriores constituídos tendo-o como base. Interdiscurso é “aquilo que se fala antes, em
outro lugar, independentemente”, e é uma condição sine qua non do intelecto humano, pois é
“o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído,
o já-dito que está na base do dizìvel, sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 2000,
p. 31). Relacionando ao que foi discutido anteriormente sobre os estereótipos, fica evidente
seu imbrincamento com o interdiscurso. Isso implica dizer, concordando com a constatação
de E. Orlandi, que “o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia. As
palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não
sabemos como se constituìram e que no entanto significam em nós e para nós” (ORLANDI,
2000, p. 20). Toda a carga acumulada de teoria nesses parágrafos tem, como já dito, a função
de situar o terreno onde será feita a análise pertinente a esta pesquisa, e serão feitos
desdobramentos a seu respeito mais detalhados, quando oportuno, no decorrer da análise.
Posso fazer um balanço do exposto até aqui da seguinte maneira: ao invés de focar
apenas nos estereótipos sobre o continente africano, que se pode constatar existirem na
produção cinematográfica hegemônica que representa aquele continente, na abordagem aqui
pretendida esses estereótipos serão compreendidos como partes integrantes de algo maior, um
discurso que os engendra. Este é o discurso colonial, a que já me referi rapidamente e ao qual
voltarei mais detidamente em breve. Porém, isto não basta. Já vimos como Pêcheux
demonstrou que toda formação discursiva está encaixada em uma formação ideológica
(PÊCHEUX, 2009, p. 147), e que ambas se alimentam de uma memória discursiva dispersa
sobre o tema. A formação discursiva a que chamamos discurso colonial só é possível, por sua
vez, por situar-se ela mesma no bojo de uma formação ideológica mais ampla, o
eurocentrismo.
quando agimos normalmente quando uma pessoa de pele clara entra num ambiente em que
estamos, mas temos um leve sobressalto quando uma pessoa de pele escura se aproxima de
nós, pois “os traços residuais de séculos de dominação europeia axiomática dão forma à
cultura comum, à linguagem do dia-a-dia e aos meios de comunicação, engendrando um
sentimento fictìcio de superioridade nata das culturas e dos povos europeus” (SHOHAT e
STAM, 2006, p. 20). O eurocentrismo é uma “perspectiva paradigmática que vê a Europa
como a origem única dos significados, como o centro de gravidade do mundo, como
“realidade” ontológica em comparação com a sombra do resto do planeta” (SHOHAT e
STAM, 2006, p. 20). Sob o entendimento eurocêntrico, o mundo se divide em “o ocidente e o
resto”, e é visto a partir de um único ponto de vista, adotado como “o correto”.
Uma discussão mais detida sobre esse tema tem lugar no próximo capítulo, mas, desde
já, convém situá-lo. O pensamento eurocêntrico surge no momento histórico em que o poder
econômico e militar de alguns países europeus os levou a ocuparem posições de dominação
em relação a outros lugares do mundo, precisando assim ser tecido um discurso de
justificação para o colonialismo. Aijaz Ahmad, ao explicitar as razões de não considerar a
categoria orientalismo, proposta por Edward Said, adequada para as análises a que se propõe,
nos diz que prefere “pensar no que Samir Amin chama de “eurocentrismo” – uma ideologia
que, segundo ele, começa com o início da expansão colonial – ou, mais estritamente,
imperialismo cultural, que eu creio ser um fenômeno muito mais moderno e mais enraizado
em relações transnacionais de trocas materiais e culturais desiguais” (AHMAD, 2002, p. 11).
De modo que o eurocentrismo consiste, assim, no “modelo de mundo do colonizador”, mas
não deve de modo algum ser confundido com o discurso colonialista em si, e neste trecho
Shohat e Stam explicitam a razão:
UM PERCURSO
Eni P. Orlandi afirma que “cada material de análise exige que seu analista, de acordo
com a questão que formula, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas
(outras) questões” (ORLANDI, 2000, p. 27). O que decorre dessa constatação é o imperativo
de distinção entre o dispositivo teórico, escolhido pelo pesquisador entre outros possíveis para
a análise, sustentado (no caso de se escolher a AD como referencial) em princípios gerais da
AD, enquanto uma forma de conhecimento com seus conceitos e métodos, e o dispositivo
analítico, que cada pesquisador constrói o seu para cada análise que fará, definido pela
questão posta, a natureza do material e a finalidade da análise (ORLANDI, 2000, p. 27). O
dispositivo teórico escolhido para esta análise já foi exposto com certa exaustão, cabe uma
breve apresentação do dispositivo analítico. Dito de modo simples, a análise dos filmes feita
aqui não segue especificamente nenhuma das diversas possibilidades metodológicas sugeridas
pela escola francesa de análise do discurso, mas, ao invés disso, o percurso da análise segue o
próprio percurso teórico de constituição dessa disciplina. Assim, o primeiro passo é ler o texto
por si mesmo, e não em busca de um pressuposto significado oculto, não sucumbindo à
tentação de “superar o filme”, mas tornando-o “o ponto de partida e o ponto de chegada da
análise” (GOLIOT-LÉTÉ e VANOYE, 1994, p. 15). É o que será feito ainda neste capítulo, a
descrição do como o cinema hegemônico contemporâneo descreve o continente africano. Os
passos seguintes consistem em ir ampliando o foco, e tentar definir a formação discursiva que
essas narrativas constituem, em que formação ideológica elas se encaixam e de qual memória
discursiva elas se apropriam. Essa será a tarefa dos capítulos que seguem. Não posso deixar
de recordar, nesse momento, e de me identificar, com o que Edward Said diz do método por
ele utilizado em Cultura e imperialismo: “Meu método é enfocar ao máximo possìvel
algumas obras individuais, lê-las inicialmente como grandes frutos da imaginação criativa ou
interpretativa, e depois mostrá-las como parte da relação entre cultura e império” (SAID,
1995, p. 23).
respeito especificamente à imagem de África. Que relação social de poder faz com que ao
pensar em África eu me lembre de um sol laranja nascendo na savana e de vários animais, e
não de um grupo de jovens se divertindo numa praia, por exemplo? O objetivo não é verificar
uma realidade qualquer, e sim questionar e participar de um espaço de construção de olhares
diversos sobre o real.
Annie Goliot-Lété e Francis Vanoye, em seu estudo clássico sobre a análise fílmica,
afirmam que o analista que se propõe a analisar filmes “deverá estabelecer um dispositivo de
observação do filme se não quiser se expor a erros e ou averiguações incessantes”, além de se
proporcionar “redes de observação a serem fixadas e organizadas em função dos eixos
escolhidos” (GOLIOT-LÉTÉ e VANOYE, 1994, p.12). Assim, exponho de pronto o
„dispositivo de observação‟ de onde observo os filmes que são as fontes históricas do presente
trabalho. Ressalto primeiramente que o entendimento de filme tomado aqui não o compreende
apenas enquanto espetáculo unicamente cinematográfico, que demanda todo o ritual de se
estar fora de casa, compartilhando um ambiente especialmente a isso destinado com outras
pessoas que ali estão com o mesmo objetivo – em outras palavras, demanda a pipoca e a sala
escura (e quase sempre, no Brasil, atualmente, o shopping). O filme é pensado enquanto
fenômeno mais disperso e presente no dia-a-dia, inserido não apenas no fluxo televisivo,
alcançável na sala de casa, característica já percebida por Marc Ferro, quando afirma que a
televisão “vampirizou um pouco o cinema. Mas os dois componentes desse par de siameses
não podem mais viver um sem o outro: o cinema não poderia mais existir sem a ajuda da
televisão; a televisão, sem filmes, perderia igualmente seu público” (FERRO, 2010, p. 10);
mas, tendo em vista o mundo real a nosso redor, principalmente no „megafluxo‟ virtual,
alcançável teoricamente em qualquer lugar.
baixados do ano, por exemplo22 (algo, diga-se de passagem, assaz difícil de acreditar que se
possa determinar com precisão). Esse caráter “popular” do objeto de pesquisa, longe
configurar alguma espécie de problema, na verdade se constitui em uma vantagem, pois, na
medida em que não se investigará a questão da recepção, de um modo indireto essa
característica preenche silenciosamente a sua lacuna, pois como observam Shohat e Stam,
“embora intelectuais progressistas muitas vezes desprezem produtos da cultura popular, é
precisamente na esfera popular que o eurocentrismo tem sua base principal, fundada na vida
cotidiana” (SHOHAT e STAM, 2006, p. 27).
de produção do discurso são um dos pontos chave nesse debate, e conduz à questão da
autoria.
A questão do sujeito discursivo é mais um ponto nodal para a AD, e cito mais uma vez
D. Maingueneau para situar também o sujeito do corpus fílmico a ser analisado, fundamental
no percurso ora descrito. Levando em conta a definição de formação discursiva exposta
anteriormente – “conjunto de regras anônimas (...) que definiram em uma época dada (...) as
condições de exercìcio da função enunciativa” (FOUCAULT, 2008, p. 138) –, ou seja, o já-
dito onde se inscreve o possível de ser dito, chegamos à seguinte proposição:
virtude das relações de força que constituem a nossa existência empírica. Para citar um
exemplo simples, basta imaginar a diferença de significado de uma frase como “a vida só é
dura para quem é mole” se dita por um pedreiro ou por um executivo. Dita pelo pedreiro, ela
tem a acepção de luta árdua diária pela sobrevivência honesta. Pelo executivo, adquire
contornos de zombaria em relação aos pobres que “reclamam da vida”. O que está em jogo e
que confere significações diferentes ao mesmo enunciado não é o lugar empírico ou as
posturas políticas de um pedreiro ou de um executivo reais, do ponto de vista sociológico, e
sim a posição dos sujeitos no discurso. “O lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo
do que ele diz” (ORLANDI, 2000, p. 39), por isso os filmes hollywoodianos sobre a África
serão analisados a partir da direção ideológica do lugar social que determina a posição de seus
sujeitos discursivos:
Em um primeiro momento, assumirei uma postura que toma como ponto não passível
de questionamento esse fato, partindo imediatamente para a análise dos filmes, no percurso
recém-exposto. A minha tentativa de contribuição ao debate teórico sobre o estatuto dos
filmes na produção historiográfica terá lugar no quarto capítulo, onde serão levadas em conta
as explicações da análise feita no terceiro capítulo dos filmes cuja descrição se encontra logo
adiante, ainda nesse capítulo. Para além das balizas teóricas estabelecidas pelos historiadores
pioneiros no uso de filmes como fonte histórica, representados por nomes como Pierre Sorlin,
Georges Sadoul, Michèle Lagny e marcadamente Marc Ferro, as considerações do historiador
65
Robert A. Rosenstone, teórico da ideia de que os filmes podem ser considerados uma
linguagem historiográfica específica, inclusive com uma aceitabilidade e difusão maior entre
o público em geral do que a história produzida na academia, serão de grande relevância nesse
momento. Segundo ele, precisaríamos de um neologismo para definir o tipo de história
produzida pelos filmes, mas que em todo caso não deixa de ser „história‟ como a acadêmica,
compartilhando semelhanças em pelo menos dois aspectos: “referem-se a acontecimentos,
momentos e movimentos reais do passado e, ao mesmo tempo, compartilham do irreal e do
ficcional, pois ambos são compostos por conjuntos de convenções que desenvolvemos para
falar de onde nós, seres humanos, viemos” (ROSENSTONE, 2010, p. 14). Ainda de acordo
com Rosenstone, deixar de lado a televisão ou o cinema – os „principais meios para transmitir
as histórias que nossa cultura conta para sim mesma‟ – quando, historiadores, analisamos
nossa relação com o passado, significa “nos condenar a ignorar a maneira como um segmento
enorme da população passou a entender os acontecimentos e as pessoas que constituem a
história” (ROSENSTONE, 2010, p. 17).
Para além dessa característica e do que já foi dito, o conceito de inconsciente político
de Fredric Jameson também encontra eco nessa escolha analítica, e também está
silenciosamente entranhado na abordagem dos filmes. Sua afirmação de que nunca
apreendemos um texto qualquer no “frescor da coisa-em-si-mesma”, mas sim por meio de
“camadas sedimentadas de interpretações prévias” (JAMESON, 1992, p. 9) poderia
perfeitamente ter sido escrita para caracterizar o corpus fílmico que essa pesquisa abrange.
Sempre atento a não cair na armadilha de tentar alcançar o „mito da descrição exaustiva do
filme‟, e considerando a afirmação de Raymond Bellour de que o texto fìlmico é “impossìvel
de encontrar”, não é citável, o primeiro movimento de análise consistiu em assistir o corpus
fílmico seguindo a recomendação de Vanoye e Goliot-Lété, de “soltar as rédeas” na hora da
análise: “O conselho, aqui, evidentemente não pontifica parar por completo qualquer
atividade intelectual. Propõe modificar e flexibilizar uma metodologia que a angústia tende às
vezes a tornar rìgida”, ou, mais sucintamente, “perguntar sem buscar” (GOLIOT-LÉTÉ e
VANOYE, 1994, p.19,20).
Esse contato prévio com os filmes, vendo-os por si mesmos, sem questionamentos
secundários, pôde ressaltar, de imediato, que é facilmente perceptível uma repetição de temas.
Existem alguns estereótipos sobre o continente africano e seus habitantes que são
marcadamente recorrentes. O meu primeiro impulso foi fazer uma extensa e pormenorizada
lista de temas que se repetem em todos os filmes que remetem à África, e então analisá-los
um a um, mas logo essa abordagem não apresentou nenhuma vantagem analítica. De modo
geral, estão presentes em todos os filmes, variando o grau de sutileza e a recorrência, temas
vários que eu nomeei provisoriamente como o tema da África misteriosa, a figura do
mediador, a África selvagem, a África primitiva, a África indigente, a África sombria, a
África inviável, para citar alguns. Todos estes são temas que se repetem, independente do
gênero ou julgamento de valor que se possa fazer a respeito dos filmes. Mas são temas
escorregadios, é um processo complicado isolar e analisar cada um individualmente, uma vez
que se interpenetram e fazem referências entre si. O movimento de ver e rever os filmes fez
com que fosse possível apurar, cada vez mais, estes temas, recorrendo a uma baliza teórica
situada por Hayden White: A teoria dos tropos se configurou como o meio mais adequado de
enquadrar os temas sobre a África a que fazem referência os filmes. Embora as considerações
de H. White sobre os tropos, em Trópicos do discurso, sejam voltadas especificamente para
como o elemento trópico funciona dentro dos discursos que se propõem realistas,
especificamente as chamadas ciências humanas, não há motivo para não transferi-las para
67
discursos ficcionais como os filmes aqui analisados, até porque esses discursos teoricamente
são o campo de ação privilegiado dos tropos (WHITE, 1994, p. 14). Para H. White, todo
discurso contém um elemento trópico, ao qual ele se refere nos seguintes termos:
Não serão tentadas descrições exaustivas de cada filme, não se trata de algo
absolutamente necessário. No correr do trabalho, as descrições e análises focarão em
sequências específicas, especialmente reveladoras dos tropos relacionados. Do ponto de vista
historiográfico, essa opção certamente se apoia no conceito de paradigma indiciário conforme
explicitado por Carlo Ginzburg, que a respeito dos métodos usados por Freud e Morelli,
aplicando ao ofício do historiador, diz que “a personalidade deve ser procurada onde o esforço
69
pessoal é menos intenso”, nas „pistas infinitesimais‟ (GIZNBURG, 1989, p. 146). Nas
„orelhas de Morelli‟, nos pormenores de um filme onde aparentemente não há esforço de seus
realizadores em „mostrar nada‟, talvez encontremos os indícios mais relevantes sobre a
formação discursiva de que fazem parte, na perspectiva do „sentido abrangente do passado‟
que é por eles transmitido, de que fala Rosenstone. Bárbara Tuchman e sua referência ao
“importante princìpio da historiografia” a que ela chama de detalhe corroborativo também
respalda, historiograficamente, a opção pela análise de sequências. Muito embora ela exponha
a ideia de detalhe corroborativo em sua defesa da prática de uma história “em gramas”, isto é,
do uso de peculiaridades contemporâneas ao assunto como estratégia tanto para dar graça à
escrita da história como para revelar ou reforçar (corroborar) determinados aspectos do
relato23, o reconduzo aqui para a própria leitura da escrita das fontes. Com isso quero dizer
que a descrição feita por B. Tuchman do detalhe corroborativo o aproxima da ideia de pista
infinitesimal, no sentido de que não é um conceito relevante „apenas‟ para a escrita do
historiador, mas também para a análise das fontes, uma vez que determinados detalhes na
fonte podem ser, à moda da pista infinitesimal, “igualmente revelador da personalidade”
(TUCHMAN, 1995, p.26-36).
Infelizmente, nem a todos os filmes poderá ser atribuída a mesma relevância neste
estudo. Ainda que todos compartilhem os mesmos pressupostos narrativos e possam ser
igualmente utilizados, alguns serão apenas mencionados ou deles se extrairá apenas alguma
pista infinitesimal, enquanto alguns outros serão analisados com mais apuro. Esse
inconveniente se deve antes de tudo à questão espaço-temporal que configura a escrita de uma
dissertação, mas também à redundância de se dizer as mesmas coisas referentes a uma série
razoavelmente longa de fontes. Os filmes „privilegiados‟ o serão no mais das vezes em função
de seu caráter paradigmático, por serem mais explícitos e fazerem referências mais constantes
e diretas aos tropos narrativos sobre África, e também em função de sua recepção e contato
com um público mais numeroso. Essa recepção é apenas presumida levando em conta
informações sobre números de bilheteria, premiações popularmente reconhecidas e os
holofotes daí decorrentes, singularmente o prêmio da academia de cinema de Hollywood, o
popular Oscar, ou a presença de atores e atrizes particularmente populares, as „estrelas‟.
23
A autora se coloca em oposição a uma prática da história “aos quilos, cujos fornecedores estão mais
preocupados em estabelecer o significado e propósito da história do que com o que aconteceu”, lembrando que a
história pode “ser considerada e estudada por si mesma, como registro do comportamento humano, o mais
fascinante dos assuntos” e considerando mais prudente “chegar uma teoria através dos fatos do que o inverso”
(TUCHMAN, 1995, p. 27,28).
70
Agora, antes de passarmos à descrição dos filmes, permita-me fazer uma breve digressão em
função de uma ampliação da noção de estereótipo, já nossa conhecida.
71
Como aponta de modo aguçado Todd Gitlin, a respeito do poder dos sons, “as
instituições usam rotineiramente o som para orquestrar um sentimento coletivo, para “apor
uma marca” ao espaço, explorando o fato de que podemos optar por não ver com muito mais
facilidade do que não escutar” (GITLIN, 2003, p. 83). Podemos perceber a relevância das
considerações de T. Gitlin se as deslocarmos da sociedade midiatizada em geral, que ele
analisa, para o caráter comercial do cinema: “estados de espìrito tem valor monetário” e
“estìmulos psicológicos podem ser cientificamente programados” (GITLIN, 2003, p. 85, 86).
Se acontece de associarmos a imagem de uma determinada paisagem inconscientemente à
África, essa reação pode ser potencializada pelos sons, tendo em vista que o ouvido
discrimina menos do que o olho, sendo aqui, portanto, a utilização de metáforas auditivas e
musicais objeto de atenção tanto quanto os estereótipos visuais.
73
Além disso, são-me caros dois conceitos, oriundos de escritos de dois historiadores
brasileiros, que entendo como intimamente relacionados à ideia de estereótipo. Sendo
desdobramentos dessa ideia central, pretendo utilizá-los no decorrer da dissertação. O
primeiro é o de imagem canônica, apontado por Elias Tomé Saliba. Esse tipo de imagem
constitui o que ele chama de “pontos de referência inconscientes sendo, portanto, decisivas
em seus efeitos subliminares de identificação coletiva” (SALIBA, 2007, p. 88). Segundo ele,
tais imagens podem ser também chamadas de “imagens coercitivas”, visto que estariam tão
plenamente incorporadas em um imaginário coletivo que sua identificação seria praticamente
instantânea, impondo uma determinada figura “reproduzida infinitamente em série, tão
infinitamente repetitiva que não mais nos provocava nenhuma estranheza”, “não nos levava
mais a distinguir, a comparar – em suma, não nos levava mais a pensar” (SALIBA, 2007, p.
88,89). É provável que fosse a esse tipo de imagem que Martine Joly se referia ao falar de
“tudo aquilo que reconhecemos no tempo de um zapping, o tempo que demora a pressão do
dedo sobre um botão, e que nos diz onde estamos”, constituindo um imenso e difuso
“conjunto de imagens mediáticas memorizadas” (JOLY, 2002, p. 203).
no que diz respeito ao continente africano, por exemplo. Passemos agora, finalmente, à
descrição dos grandes tropos de África encontrados no corpus fílmico estudado.
75
Falcão negro em perigo (Black hawk down, Ridley Scott, 2001) é um dos filmes que
mais motivaram a escrita desta dissertação, em parte por ser tão gritantemente panfletário, e
em parte por estigmatizar de modo tão contundente o continente africano. Difícil escolher
outro filme para começar a falar do tropo da inferioridade africana quando se tem em mente
uma sequência inesquecível desse filme para ilustrar o tema. Falcão negro em perigo é
inspirado numa operação malsucedida do exército dos EUA em território somali, em 1993,
fazendo parte, portanto, da tradição hollywoodiana de ganhar nas telas as guerras que seu país
perde nos campos de batalha – vide Os boinas verdes e a cine-série Rambo, por exemplo. O
tropo da inferioridade, onipresente na produção, aparece com destaque quando a presença de
militares estrangeiros em território africano é legitimada, em um diálogo que precede a
enxurrada de violência que caracteriza esse filme, uma vez que se trata de um „thriller de ação
ininterrupta‟.
universo diegético do filme, pois os outros perguntam, numa reação entre caçoada e
sobressalto, ao sargento em questão: “Sargento, o senhor gosta dos somalis?!” A resposta
evasiva do sargento, dizendo que “não é o caso de gostar deles ou de não gostar, eu respeito
eles”, dá ensejo para a pergunta que traz à tona a fala do sargento que sublinha o paradigma
da inferioridade. Recorrendo ao único meio que disponho para introduzir a narrativa
cinematográfica no texto escrito, substituo imagens em movimento e sons pela escrita: “Olhe,
o que vocês não se tocam é que o sargento ali é muito idealista. Acredita nessa missão até a
raiz do cabelo, não é, sargento?” E temos então a emblemática resposta, o detalhe
corroborativo: “Escutem, essas pessoas não tem trabalho, não tem emprego, nem comida e
nem educação. Não tem nenhum futuro. Eu só acho que temos duas opções: ou a gente ajuda,
ou senta e fica vendo o país se destruindo pela CNN.” Após essa „defesa‟ do povo somali, a
conversa continua: “Não sei vocês, mas eu fui treinado para lutar. Foi treinado, sargento?”
“Eu acho que fui treinado para fazer a diferença, Kurt.” “É como o homem disse, é um
idealista”.
Os diálogos dessa sequência são bastante explícitos, mas, em todo caso, permita-me
apontar o tropo da inferioridade gritando nessas falas. Em primeiro lugar, uma aura de
exotismo e curiosidade pitoresca é lançada sobre as relações sociais, jurídicas e políticas
africanas: a referência à organização em clãs e à prática „bizarra‟ de camelos serem utilizados
como pagamento por homicídios obviamente contrasta com o ordenamento racional da
sociedade de onde aqueles personagens são originários. O fato de o perpetrador do crime
aparentemente não ser punido, mas sim o seu „clã‟, distancia ainda mais a suposta realidade
africana do individualismo que caracteriza a „civilização ocidental‟. Um tom de sarcasmo e
desprezo permeia toda a sequência, em que os soldados se indagam sobre as peculiaridades
daquela gente pitoresca que obviamente não possui recursos intelectuais para cuidar dos
próprios assuntos, e necessita da presença deles ali para colocar ordem na situação. É o tropo
da inferioridade por meio da infantilização, não referida aqui a um indivíduo específico, mas a
todo o povo. Esse tropo é deslocado, logo em seguida, para um personagem individual, o
somali „bom‟ que está trabalhando como espião para as forças militares estadunidenses.
Diante do acovardamento do espião de seguir diante com a missão, por medo de ser baleado,
o comandante afirma pelo rádio que se ele não fizer o combinado “eu mesmo vou dar um tiro
nele”, e que se ele não cumprir a tarefa não receberá o pagamento. Quando o espião leva
adiante o plano, o comandante comenta sarcasticamente com seu staff na sala de comando que
“o último informante deu um tiro na cabeça brincando de roleta russa em um bar”. Essa
77
informação se soma a muitas outras, nesse e em outros filmes, que estabelecem como
característica intrínseca dos africanos uma incompetência sistemática. Em Falcão negro em
perigo, em diversas ocasiões é feita caçoada da capacidade militar dos somalis, por exemplo:
“eles têm péssima pontaria”, “cuidado com os somalis que atiram pedras”.
uma paisagem sonora de sons de música sinfônica europeia e sons „amenos‟. Em Falcão
negro em perigo, os militares estrangeiros são mostrados ao som de música moderna como
Elvis Presley e Jimi Hendrix, – Voodoo child toca enquanto seus helicópteros decolam, numa
sequência alternada que mostra “enquanto isso” os „rebeldes‟ somalis emoldurados por sons
de tambores e vocalizações lamentosas, entrecortados por riffs de guitarra que sublinham a
tensão dos preparativos deles para o combate. Essa mesma trilha sonora acompanha situações
de suspense, medo e ameaça aos personagens estadunidenses durante o filme.
Essa guerra de sons, que seguramente é apreendida, mas não percebida, pela maioria
dos espectadores, é a transfiguração máxima do tropo da inferioridade: a África é
representada por sons considerados (dentro do nosso universo cultural regido pela memória
discursiva eurocêntrica) „primitivos‟, que supostamente não exigem grandes recursos
intelectuais para serem executados, enquanto os estrangeiros são representados por
sofisticados sons „modernos‟, que denotam um suposto refinamento e capacidades
„intelectuais‟ avançadas. A pecha de música „tradicional‟ sempre é utilizada em relação à
musicalidade africana, como se todos os países do mundo não tivessem as suas próprias
canções „tradicionais‟, e na África não existisse outro tipo de música. Essa descrição pode ser
considerada um exagero, mas quero lembrar toda a questão que envolve a memória
discursiva, já abordada. Muito embora aqui esteja sendo feita apenas a descrição dos tropos
usados pelos filmes para contar a África, e a análise vá ser realizada adiante, é impossível não
descrevê-los nos termos da memória discursiva, segundo a qual, na diegese fílmica, está
colocado que à inferioridade dos somalis em outros aspectos correspondem os sons de
tambores e cantos tradicionais, e à superioridade euro-estadunidense correspondem a guitarra
elétrica e o piano de cauda. É através de tal memória introjetada que essa guerra de sons
(presente não apenas em Falcão negro em perigo, mas na maioria dos filmes aqui analisados),
conjuntamente com outros recursos descritivos, transmite a mensagem de suposta
inferioridade intrínseca do continente africano. Desde o começo do filme, se não por outro
recurso narrativo, a música nos faz saber quem são os „bandidos‟ e quem são os „mocinhos‟
do universo diegético, e indica do lado de quem devemos (na intenção dos realizadores) ficar.
da diegese, mas com uma às vezes explícita função pedagógica. Primitivo (Primeval, Michael
Katleman, 2007) brinda o espectador com um exemplo notável de momento pedagógico, uma
apresentação pedagógica da África. O filme narra a história de uma equipe de jornalistas
estadunidenses que são enviados ao Burundi para fazer uma reportagem sobre um crocodilo
gigantesco que há anos vem vitimando pessoas naquele país. Enquanto sobrevoam a
vegetação exuberante da África em um pequeno avião, Aviva Masters (Brooke Langton),
jornalista de quem partiu a iniciativa para o trabalho, e caracterizada como ingênua e fútil,
comenta que o país é lindo. Então explode mais uma pista infinitesimal a corroborar o nosso
tropo da inferioridade. O protagonista Tim Manfrey, interpretado por Dominic Purcell, astro
de uma das séries da TV dos EUA mais bem sucedidas comercialmente, Prison Break,
dispara acidez e dá uma „lição‟ de „realidade‟ na frivolidade de sua colega: “É lindo visto
aqui de cima. Burundi é o país mais pobre do mundo, é o número um. Nos últimos quarenta
anos estão em guerra civil entre hutus e tutsis. Você tem fome, doenças, terrorismo,
corrupção, mas tirando isso é um paraíso.” A óbvia inferioridade com o que o país é descrito
se estende à toda África, e pode-se dizer que serve apenas de entrada para um desfile de
representações estigmatizadas do continente, confirmando em todos os aspectos a descrição
de Manfrey/Purcell.
máquina assassina mais perfeita da natureza”, mas de enfrentar o dilema ético de decidir se
devem envolver-se com as questões locais. À exemplo do Sargento Eversmann, em Falcão
Negro em Perigo, decidem não ficar de braços cruzados e deixar os africanos se matarem, e
quando passam a intervir na política também precisam escapar da ira assassina de um tiranete
local. Não há um momento no filme, praticamente, em que a inferioridade africana não esteja
sendo ressaltada. Por exemplo, na afirmação do câmera da equipe, Steven Johnson (Orlando
Jones), não por acaso um negro que exerce a função de personagem secundário ajudante do
protagonista branco, quando, fugindo do crocodilo e dos „rebeldes‟ ao mesmo tempo, é vìtima
de uma desventura após outra, e então exclama: “Eu odeio essa droga de África!”
O último rei da Escócia (The last king of Scotland, Kevin McDonald, 2006) (que
apesar de alegar ser “inspirado em pessoas e eventos reais” logo no primeiro minuto, tem
como protagonista um personagem fictício), pode parecer, a um primeiro contato, quebrar
essa repetição de tropos negativos. Apenas parece. O filme começa na Europa, com a
formatura de um jovem médico escocês fictício que decide fugir do tédio familiar burguês
aventurando-se como médico voluntário em África. É através de seus olhos e de sua
perspectiva, obviamente de estranhamento e fascinação com o exotismo, que o continente
africano é apresentado. Não é grande a surpresa de que a paisagem seja constituída de
imagens canônicas sobre a África, como estradas poeirentas, ônibus velhos apinhados de
pessoas negras “entre cabras e muito suor”, veículos de guerra ocupados por militares e
notícias de um golpe militar, tudo ao som dos indefectíveis tambores. Uma pista infinitesimal
do tropo da inferioridade está em uma das pequenas cenas que compõem a sequência que
acompanha sua viagem de chegada à África, enquanto passam os créditos do filme, quando
ele chama a atenção por ser o único passageiro branco do ônibus e acaba indo para a cama
com uma passageira negra em uma das paradas. Na cena, durante o ato sexual, o médico
Nicholas Garrigan (James McAvoy) grita triunfante para o teto: “Sou um oficial médico no
exterior!”.
O lado pretensamente positivo vem do contato de Nicholas com o próprio Idi Amin,
cuja interpretação deu a Forest Whitaker o prêmio da academia de cinema de Hollywood de
melhor ator em 2007. Amin é mostrado como um político excêntrico, genial e fascinante, que
defende apaixonadamente a África e tem hábitos pessoais peculiares, e essa personalidade
ganha a admiração incondicional de Nicholas. A decepção deste com o trabalho de médico no
posto de saúde, atendendo a população negra pobre, é realçada para reforçar o motivo de ele
aceitar o convite de Amin para ser seu médico particular – a cena em que ele observa a fila de
82
pessoas pobres doentes esperando atendimento e expira pelo canto da boca fazendo uma
careta demonstra seu descontentamento. Já Amin parece representar outra África, longe do
tédio modorrento dos doentes da aldeia. O realce de uma África positiva é demonstrado na
sequência de um jantar de luxo para autoridades políticas, quando Amin profere um discurso
em que, com a interrupção constante de entusiásticos aplausos, afirma o seguinte:
investida, de um tempo sem história em que os problemas se repetem, em uma situação que
não pode ser remediada porque sua população está adaptada a tal ritmo de coisas, a sofrer
resignadamente, pois este é o tão decantado „ritmo da África‟. A frase „o ritmo da África é
diferente‟ é repetida em muitos desses filmes.
O star system necessariamente cria uma larga camada de personagens subalternos que
não tem como rivalizar com a importância atribuída aos protagonistas encarnados por astros
consagrados de Hollywood, sejam eles os mocinhos ou os bandidos da história. Toda a
produção do cinema dominante está „contaminada‟ por tal paradigma narrativo, e
praticamente não há exceções a esse modelo24. O fato é que, no que tange aos filmes que são
objeto desta pesquisa, os personagens subalternizados são invariavelmente os africanos. Na
maior parte dos filmes eles são meros coadjuvantes que, para usar a expressão popular,
entram mudos e saem calados dos filmes. Essa mudez que os caracteriza nem sempre é literal,
mas muitas vezes metafórica, já que o pouco que eles falam no decorrer da narrativa não
advém de nenhum conteúdo dos próprios personagens. Eles servem simplesmente como
ganchos para as falas dos astros, como dispositivos para dar ao espectador acesso ao que se
passa na cabeça dos protagonistas. Num desdobramento do tropo da infantilização, os
africanos são representados sempre numa dicotomia inescapável: ou o ignorante feliz, puro,
servil, de braços abertos à presença europeia, a criança, ou o selvagem, rebelde, maléfico
assassino.
É assim, por exemplo, no remake de As minas do rei Salomão feito em 2004 (King‟s
Solomon mines, Steve Boyum, 2004). Os africanos negros são apenas degraus para dar a
conhecer as qualidades do Alain Quatermain de Patrick Swayze, e fica sempre indefinido qual
seria exatamente o status deles nas expedições (uma vez que sua função é clara): são
empregados, servos, amigos ou o quê de Quatermain? No decorrer da narrativa o chamam de
„chefe‟, como quando um deles é baleado e se desculpa dizendo que “é só minha perna,
chefe”. Essa indefinição aliada à percepção estereotipada de pessoas negras como sendo
escravos, e ao fato de que no curso da narrativa esses personagens aparecem inteiramente à
disposição das ordens de Swayze/Quatermain – que nunca pede, simplesmente manda, e suas
ordens são prontamente atendidas –, adicionando-se ainda o fato de que as boas ideias e as
soluções dos problemas partem exclusivamente dos personagens europeus brancos, é
suficiente para criar uma imagem subliminar de inferioridade do africano, e de África, por
24
Sobre o star system, consultar MORIN, Edgar. As estrelas: mito e sedução no cinema. Tradução Luciano
Trigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
85
Dentro de uma curiosa vertente de filmes que mostram histórias de mulheres europeias
(quase sempre loiras) vivendo alguma desventura em África, a imagem de inferioridade dos
personagens africanos é patente também. Quando a personagem de Kim Basinger chega à
fazenda no interior do Quênia para onde se mudou com o filho e o marido (abandonando o
conforto e a segurança da Itália, nas palavras da sua mãe), no filme África dos meus sonhos (I
dream of Africa, Hugh Hudson, 2000), os empregados africanos simplesmente surgem do
nada e começam a trabalhar na recuperação da casa depredada, sem que se precise sequer
chamá-los, e muito menos oferecer qualquer tipo de contrato que seja. Nessa narrativa
fílmica, que se repete em outros filmes, a mensagem implícita parece ser de que onde há um
europeu branco em território africano, surgirão espontaneamente negros africanos fiéis à sua
inteira disposição, sem que seja necessário ao branco se dirigir ou escutar qualquer coisa
desses negros, que estão ali para aprender tudo que „os brancos‟ tem a ensinar. A fórmula
pode parecer caricata e exagerada, mas é exatamente o que esse aspecto desses filmes deixa
transparecer. Em O fazendeiro e deus (Faith like potatoes, Regardt van der Berg, 2006) essa
subalternidade inerente do negro/africano é mostrada explicitamente no seguinte diálogo entre
personagens secundários negros, quando ficam sabendo da chegada do protagonista branco –
não obstante esse protagonista seja africano, sem dúvida encarna a cultura europeia, ainda
mais por se passar o filme na África do Sul ainda sob Apartheid – ao lugar: “Há um novo
homem branco no lugar de Dixon, precisamos ir ver se ele pode nos dar trabalho.” Esse
tropo narrativo sugere de que em todo o continente africano não há ocupação alguma para os
„nativos‟ que não seja a disponibilizada pelo „homem branco‟, numa repetição da metáfora do
europeu paternal e do africano infantilizado.
britânico vivido pelo astro adolescente Heath Ledger durante a guerra do império da rainha
Vitória contra o Mahdi, no Sudão; o Owuor (Sidede Onyulo) que trabalha como cozinheiro
para uma família de judeus alemães refugiados no Quênia durante a Segunda Guerra Mundial
em Lugar nenhum na África (Nirgendwo in Afrika, Caroline Link, 2001) e caminha várias
semanas a pé para continuar servindo-os quando a família se muda, e só depois de anos de
convivência a patroa fica sabendo que ele tem três esposas que mal vê porque “a senhora
branca precisa de mais proteção”; o Jojo (Gabriel Malema) que se dispõe a cumprir qualquer
tarefa ou trabalho para os jornalistas em Primitivo, desde que o levem para os Estados Unidos
ao fim da caçada; entre muitos outros.
Seguindo a citada vertente fílmica que retrata a saga de europeias loiras desbravando a
África, A massai branca (Die weisse massai, Hermine Huntgeburth, 2005) é mais um filme
paradigmático. Esse filme alemão é por vezes elogiado em virtude de uma suposta mensagem
de conciliação entre povos diferentes. Ele conta a história de Carola Lehman (Nina Hoss),
uma suíça em viagem de férias ao Quênia que abandona tudo ao se apaixonar por um
guerreiro massai chamado Lemalian (Jacky Ido), e resolve ir morar com ele na sua „tribo‟. No
começo, o filme mostra a atração de Carola por Lemalian basicamente como um fascínio pelo
seu aspecto exótico, as roupas tradicionais e o cabelo comprido, como uma curiosidade quase
etnológica que desperta um lado „animalesco‟ na psique de Carola que deseja de modo
ardente o contato sexual com aquele homem de tantos modos „primitivo‟, na concepção dela.
Com a satisfação dos desejos sexuais reprimidos e da curiosidade pelo modo de vida do seu
objeto de desejo, esses sentimentos são substituídos paulatinamente na protagonista por um
crescente incômodo em relação a esse modo de vida, e especialmente à recusa ao „progresso‟
demonstrada por Lemalian. O olhar de Carola diante de tudo é permanentemente de alguém
que tem o poder de analisar, e sugerir „melhorias‟, nos estranhos – leia-se: primitivos –
hábitos daquelas pessoas que não possuem os mesmos recursos, intelectuais e materiais, que
as pessoas do lugar de onde ela vem. A massai branca é paradigmático pois percorre
precisamente os três tropos narrativos que afirmo permearem a filmografia hegemônica do
Século XXI que retrata a África: essa percepção da inferioridade dos africanos por parte de
Carola a leva a intervir em seu modo de vida „primitivo‟, e a frustração dessa intervenção por
sua vez conduz à sua fuga da África.
nesse aspecto25. À parte toda a polêmica que envolve essa prática, a maneira como ela é
encenada ilustra muito bem o paradigma da inferioridade africana. Ao presenciar um ritual de
mutilação genital feminina, Carola dirige-se primeiro a Lemalian, para que ele intervenha de
alguma maneira naquela prática monstruosa. Ante a recusa do marido em interferir, alegando
tratar-se da tradição de seu povo, ela recorre ao padre que tem uma missão no local,
expressando uma fúria imensa pela passividade do padre Bernardo (Antonio Brester) diante
desse ato selvagem. O padre argumenta que é a tradição deles e que não pode interferir, e fica
clara a mensagem, através das reações da protagonista, de como aquelas pessoas são
asquerosamente primitivas e bárbaras para os seus padrões, ponto de vista com o qual o
espectador invariavelmente coadunará, em virtude do „barbarismo‟ intrìnseco a essa prática,
mostrada como paradigmática dos costumes primitivos dos africanos.
Em outra sequência tão forte quanto esta, Carola tenta socorrer uma mulher que está
tendo dificuldades em um parto e a quem ninguém ajuda. O próprio Lemalian se recusa a
ajudar, e quando ela pergunta indignada a razão, descobre que ninguém socorre a mulher
porque ela foi „amaldiçoada‟. Carola tenta desesperadamente salvar a mulher, numa sequência
de esforços titânicos que ressaltam as deficiências estruturais com que o filme dota a África,
como a dificuldade de acesso a médicos e a inexistência de estradas. Mais uma vez seu
heroísmo é frustrado, e a culpa da morte da mulher é atribuída às estruturas religiosas
primitivas e preconceituosas africanas. Essa sequência torna clara a suposta inferioridade
absoluta africana, em todos os aspectos (estruturais e culturais), que guia todo o eixo narrativo
de A massai branca.
25
A circuncisão feminina, mais corretamente denominada como excisão ou mutilação genital feminina, é uma
prática religiosa supostamente ancestral realizada por algumas etnias em regiões da África e do Oriente Médio, e
muitas vezes associada ao Islamismo (não é o caso de A massai branca). Consiste na remoção de parte dos
tecidos que compõem a genitália da mulher ou da menina, e pode ser de três tipos básicos: a clitoridectomia, que
é a remoção da pele sobre o clitóris; a excisão, que consiste na remoção total do clitóris e do lábio menor; e a
infibulação, que é remoção do clitóris, do lábio menor e de partes do lábio maior, além da costura das laterais
deixando apenas um diminuto espaço para a passagem de urina e fluxo menstrual. Fonte:
http://islamicchat.org/fgm.html (acessado em 20/08/2011). Sobre o debate contra essa prática, ver especialmente
ALI, Ayaan Hirsi. Infiel – a história de uma mulher que desafiou o Islã. Tradução Luiz A. de Araújo. São Paulo:
Cia das Letras, 2007; e MANJI, Irshad. Minha briga com o Islã: o clamor de uma mulher muçulmana por
liberação mudança. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Francis, 2004. Um outro filme incluído no
corpus dessa pesquisa trata remete a esse tema: Flor do deserto (Desert flower, Sherry Horman, 2009).
88
vida em África. Tal condição torna impossível que haja naquele continente o aprofundamento
cultural que só a vida na Europa civilizada pode proporcionar, por isso a cultura africana é
sempre superficial.
Em 24 horas – A redenção (24: Redemption, John Cassar, 2008) uma das primeiras
cenas mostra um diplomata estadunidense no banco de trás de um carro numa estrada
africana, empapado de suor e se enxugando com um lenço, dizendo com arrogância para o
motorista negro: “Achei que tivesse pedido para aumentar o ar condicionado!” e a resposta
“sim, senhor, eu já fiz isso” o deixa com uma expressão ainda mais forte de insatisfação. Vale
salientar que o personagem negro não está molhado de suor como o branco. Esse sol opressor
aparece visualmente com o título de O último rei da Escócia, no de Lágrimas do sol e no de
Madagascar, para citar alguns exemplos esporádicos, e é onipresente em todos esses filmes,
nas fusões para mostrar passagens de tempo ou demonstrar a vastidão selvagem africana.
Paisagens associadas ao calor, deserto, florestas sufocantes, são imagens canônicas sobre
África. Quando não há tais imagens, como na sequência dos créditos de Em minha terra
(Country of my skull, John Boorman, 2004), estão lá os estereótipos auditivos, identificando
que aquela paisagem litorânea (a ilha Robben, onde Nelson Mandela esteve preso) é africana.
A música da cena faz com que saibamos que estamos vendo a África na tela, mesmo que não
vejamos imagens canônicas que associamos imediatamente ao continente.
mundial de boxe realizada de 1974, entre Muhammad Ali e George Foreman. Quando Ali está
se exercitando pelas ruas de Kinshasa e se desvia de sua equipe, continuando a corrida
acompanhado apenas pela população local, aparecem diversas dessas imagens canônicas,
como casebres de palha, crianças esfarrapadas, ruas de chão batido e outras correlatas, com
uma melodia de Salif Keita a ilustrar auditivamente. O texto fílmico parece sugerir que se
trata de algo essencialmente „africano‟, essa sequência de imagens acompanhada por esses
sons, e parece ser isso que o Ali interpretado por Will Smith, um dos astros mais bem pagos
de Hollywood, se dá conta quando observa os desenhos nas paredes das casas paupérrimas,
retratando-o como um herói. Sua expressão parece indicar que, nesse momento, ele se dá
conta de que está realmente na África, e a música enobrece o momento.
Para completar o sentido que essa análise atribui à sequência, temos o único diálogo
do filme que se refere diretamente à África. Ali encontra sua esposa no quarto do hotel, e ao
receber dela uma garrafa d‟água ele diz: “Hum, água engarrafada. Bifes congelados.
Trouxemos todas essas coisas como se na África não tivesse carne.” Ao argumento dela de
que ele “pode pegar algum parasita” Ali responde que “Mobuto [presidente do Zaire] come
isso!”. Então ela diz: “Mobuto cuida de Mobuto. Ele rouba as riquezas e manda pra Suíça.
(...) Estamos aqui porque Don King [empresário de Ali] conseguiu que Mobuto patrocinasse
dez milhões de dólares. Don King não liga pra África”. As presenças do tropo da
inferioridade nessa sequência demonstram exemplarmente a especificidade da linguagem
fílmica: os sons, as imagens em movimento e os diálogos dos personagens se complementam
para reforçar um tropo narrativo que é apreendido de modo inconsciente pelo espectador
enquanto se diverte vendo um filme.
qualquer parte da África, além de doenças endêmicas como a malária, ou de grandes surtos de
fome. Resumindo, a inferioridade da África é um tropo narrativo presente nas grandes e
pequenas características atribuídas ao continente nos filmes, desde uma frase sem importância
como “eu quero uma cerveja decente, e não essa porcaria local”, dita por um jornalista em
Tiros em Ruanda (Shooting dogs, Michael Caton-Jones, 2006), até na afirmação categórica do
tenente Waters, interpretado por Bruce Willis, que resume toda a penosa narrativa de
Lágrimas do sol: “Deus já deixou a África!”, quando o capelão de uma aldeia prestes a ser
massacrada abençoa o grupo de refugiados e diz o tradicional “Vão com deus!”. O tropo da
inferioridade é o primeiro e principal, e os outros a que me refiro são todos dele decorrentes.
As descrições dos dois outros tropos narrativos principais sobre a África podem ser
legitimamente consideradas continuações da descrição do paradigma da inferioridade,
somente com focos diferentes.
91
“Somália, Leste da África, 1992. Anos de guerra entre clãs rivais causam
fome em proporções bíblicas. 300.000 mil civis morrem de inanição.
Mohamed Farrah Aidid, o mais poderoso dos senhores da guerra, controla
a capital, Mogadíscio. Ele assalta carregamentos de comida vindos de
outros países nos portos. Fome é a sua arma. O mundo responde. Com a
ajuda de 20.000 fuzileiros navais dos EUA a comida é entregue e a ordem
restaurada. Abril, 1993. Aidid espera até que os fuzileiros se retirem para
depois declarar guerra às forças de paz das Nações Unidas que ficaram. Em
junho, a milícia de Aidid embosca e mata 24 soldados paquistaneses e passa
a ameaçar os norte-americanos. No final de agosto soldados do Comando
Delta, Infantaria e o 160º Regimento da Aeronáutica de Operações
Especiais são mandados a Mogadíscio para remover Aidid e restaurar a
ordem. A missão deveria durar três semanas, mas depois de seis semanas
Washington começa a ficar impaciente”.
92
Toda essa longa contextualização histórica do “evento real” no qual o filme se baseia
objetiva justificar o que o filme vai mostrar: soldados estadunidenses entrando na capital da
Somália para sequestrar membros do governo local, a resistência inesperada oposta pelos
somalis e a matança indiscriminada perpetrada pelos estrangeiros pegos em uma arapuca
inesperada pelos „ineptos‟ somalis. Gostaria de fazer um “fichamento” que resume o texto de
abertura do filme com as seguintes frases: “Anos de guerra entre clãs rivais”, “O mundo
responde”, “com a ajuda de 20.000 fuzileiros navais dos EUA a comida é entregue e a ordem
restaurada”, “remover Aidid e restaurar a ordem”. Está colocada a incapacidade africana de
manter-se em ordem, reforçada no mesmo filme pelo diálogo entre os soldados citado no
tópico anterior, que mais do que justificar, impõe a necessidade da intervenção estrangeira,
retrata como um fardo moral carregado pelos EUA como força policial mundial e manter a
ordem em toda parte.
Em Atirador os mesmos elementos estão presentes, mas de forma bem mais sutil e
aparentemente crítica da intervenção. A sequência de abertura se passa na Etiópia, onde dois
fuzileiros navais participam de uma missão e são abandonados quando alguma coisa dá errada
e os „rebeldes‟ descobrem sua presença. Um deles morre, e o outro, chamado Bob Lee
Swagger, interpretado pelo astro Mark Whalberg, sobrevive e se retira das forças armadas. A
trama principal gira em torno do assassinato de um arcebispo etíope em território dos EUA,
ato que foi manipulado por membros do governo e transformado, na mídia, em tentativa
fracassada de assassinar o presidente estadunidense, tendo o assassino vitimado por engano o
arcebispo. A execução do atentado é atribuída a Swagger, que passa então a buscar vingança e
provar sua inocência. E onde se encontra nessa trama clichê de filmes de ação o invariável
tropo da dependência e intervenção quando o assunto é a África no cinema? Ora, a presença
do arcebispo nos EUA objetiva, na diegese, denunciar atrocidades cometidas por militares
estrangeiros na Etiópia, que massacram pessoas para proteger interesses econômicos de
grandes corporações, e por isso foi assassinado. O arcebispo, além de denunciar, iria solicitar
publicamente ajuda do governo estadunidense para parar a onda de crimes e buscar punição
para os responsáveis. A impotência africana de sempre, a mesma incapacidade de se defender
e de cuidar dos próprios problemas, mostrada em diversos outros filmes. A infantilização que
conduz à justificação de que devem ser ajudados, mesmo que não queiram. Mesmo que o
filme intencione denunciar práticas escusas do governo dos EUA em território africano, fica
patente mais uma vez que os africanos não se bastam, precisam sempre de ajuda de fora para
resolver seus problemas. A questão não é se a representação é positiva ou negativa, o que
93
ressalto é que ela está lá, presente, mesmo que a intenção política aparente ser oposta à de
Falcão negro em perigo, e o fato de estar lá reforça o paradigma de que, para o bem ou para o
mal, a África precisa sempre de ajuda externa.
A África é apenas o palco onde a ação do europeu corre livre, exercendo seu papel
patriarcal de proteger os africanos de si mesmos, mesmo que isso custe um enorme sacrifício
ao renegado homem europeu. Os africanos são maus e precisam ser combatidos, e nunca é
revelado o que esses „rebeldes‟ reivindicam, são apenas vilões sedentos de poder. Os europeus
são bons e suas motivações para estar ali não são mostradas, apenas infere-se que sejam boas
e honrosas, e o espectador é irreversivelmente conduzido pelo ponto de vista desses
personagens. Os africanos são mostrados como populações incapazes de autogestão que
precisam ser controladas, e só. E todas as velhas imagens canônicas e estereótipos auditivos
94
inferiorizantes estão lá para confirmar que a África de fato precisa daqueles europeus para lhe
salvar de si mesma.
caricatural, mostra antipatia gratuita por Bauer e, quando chegam boatos de que Juma estaria
organizando um golpe, ele ironiza e diz que não há ameaça alguma. Quando o perigo se torna
evidente e os „heróis‟ pegam em armas para defender as crianças dos „rebeldes‟, o funcionário
da ONU se acovarda e se esconde junto com as crianças, numa cena patética. Quando é
descoberto pelos „rebeldes‟, denuncia prontamente Bauer. De modo que, nesse filme, não
apenas todos os estrangeiros presentes na África são retratados como heróis, mas aqueles que
criticam a política intervencionista são ridicularizados e caricaturizados.
merda dos africanos é civilizada como a dos europeus. E enquanto eles se divertem ali, sem
fazer nada a respeito, duas mil crianças morrem de fome no campo “dele” na África. O
motivo alegado para o corte das verbas estrangeiras que mantinham a África ao menos em
estado vegetativo, já que, diante deste quadro, a morte é certa, complementa o tropo da
inferioridade inserindo no quadro a questão da política.
“Podemos ajudar ou podemos ficar de braços cruzados e ver o paìs se destruir pela
TV”. Esse mesmo discurso, proferido em circunstâncias tão diferentes em Falcão negro em
perigo e filmes que seguem o viés „militar‟, é o cerne da fala do personagem de Clive Owen.
Uma demonstração irrefutável da necessidade de intervenção, da responsabilidade dos euro-
estadunidenses em relação à África e uma convocação a agir. Tal convocação é aceita pelo
personagem de Angelina Jolie, que usa até as próprias economias para ir até a África ajudar.
A confirmação de que sua ajuda é absolutamente necessária vem com as imagens de África
mostradas quando ela chega ao continente. Além das imagens de estradas de terra e tudo o
mais, temos nesse filme a terrível cena em que Sarah está no caminhão carregado de comida
que cruza um deserto coalhado de pessoas esqueléticas vagando como fantasmas e de corpos
espalhados e vê um bebê a ponto de ser devorado por um abutre. Ela desce do caminhão para
resgatar o bebê, e a imagem é chocante. A criança extremamente desnutrida e a mãe
moribunda a alguns metros, com o ventre já rasgado pelo abutre, são levados por Sarah até o
campo de Nick, onde tentará salvá-los. A cena parece remeter à famosa foto com que Kevin
Carter ganhou o prêmio pulitzer de fotojornalismo em 1994, de uma criança prestes a ser
atacada por um abutre. A discussão ética gerada pela foto, devido à alegação do fotógrafo ter
esperado vários minutos para ver se o abutre se aproximava, tinha como central justamente a
questão da intervenção, sobre qual seria o papel das pessoas que tem o „poder‟ de ajudar a
100
África26. No filme, não há hesitação da parte de Sarah, que intervém e resgata a criança
imediatamente.
Para tanto, entra em contato com o capitão do time, o bôer François Piennar, papel de
Matt Damon, e o estimula a levantar o moral de sua equipe e fazer tudo para vencer o torneio
mundial de rúgbi, a ser disputado ali mesmo, na África do Sul. A pista infinitesimal da
presença estrangeira no filme está no seu título, e é revelada quando Mandela conta a Pienaar
o que o motivou a resistir e levar em frente a luta durante os 27 anos de prisão, e faz com que
o segredo passe às mãos do jogador. Invictus é o título de um poema vitoriano, isto é, escrito
por um britânico durante o auge do imperialismo. Essa partícula da cultura europeia motivou
a resistência solitária de Mandela e motiva a superação dos limites do capitão Piennar e da,
até então, periclitante seleção de rúgbi. Se for levado em conta que no livro em que o roteiro
se baseia simplesmente não há menção ao referido poema, ele pode ser entendido como um
recurso especificamente fílmico utilizado para ligar a bem aventurança sul-africana à herança
cultural europeia. Sutil, mas presente, o tropo da necessidade de ajuda estrangeira.
Em filmes cujo público alvo é o infantil e por acaso se passam na África esses tropos
continuam presentes, adaptando-se e modificando-se ao teor da narrativa. Em Madagascar
26
Para mais informações sobre Kevin Carter, sua foto polêmica e premiada e o seu suicídio, supostamente
causado pela repercussão da foto, consultar http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,981431,00.html
(Extensa reportagem da revista estadunidense Time, em inglês, sobre o caso. Acessado em 10/09/2011.) ou
http://bitaites.org/artamente/as-varias-mortes-de-kevin-carter/ (Acessado em 10/09/2011).
101
(Madagascar, Eric Darnell e Tom McGrath, 2005) a inferioridade do lugar aonde chegam os
animais fujões do zoológico de Nova York é presumida o tempo todo nas falas dos
personagens, no desejo de voltar pra casa, nos hábitos estranhos e repulsivos dos habitantes
locais. Ao som de uma música que é considerada um clássico do repertório estadunidense,
What a wonderfull world, os animais saudosos de casa passeiam por território africano e são
surpreendidos com uma ameaça após outra, como o meigo beija-flor que é devorado pela
planta, o ratinho que come a cobra que o ataca e logo em seguida é comido por uma ave de
rapina, e o patinho que tentam proteger colocando num lago onde é instantaneamente
devorado por um crocodilo enorme. A inferiorização através da ameaça constante. É
significativo que a narrativa do filme passa a girar, depois que eles chegam a Madagascar, em
torno da “primitivização” de Alex, o leão. Acostumado a ser alimentado no zoológico, Alex
civilizara-se e vivia em plena harmonia com seus amigos herbívoros, uma zebra, um
hipopótamo e uma girafa – numa cena ainda no zoológico, Marty, a zebra, enfia a cabeça na
boca de Alex e este não esboça a menor ameaça. Porém, a chegada a um ambiente „selvagem‟
desperta os instintos animalescos de Alex, que se isola por passar a representar uma ameaça
para os amigos. Instando-o a lembrar-se quem é de verdade e da onde vem, Marty, seu amigo
zebra, cantarola New York, New York, mostrando a eterna presença estrangeira, a marca
estadunidense em território africano. Em uma das tentativas de serem resgatados, Alex
constrói uma fogueira em formato de estátua da liberdade – o monumento símbolo da cidade
de Nova York e dos EUA, por extensão – para dar sinal a algum navio que passar.
spray de cabelo, e aproveitando a admiração geral ante seu feito, inicia um curioso discurso
motivacional:
Um dos filmes em que o tropo da necessidade de fuga se faz presente de modo mais
contundente do início ao fim é Minha terra África (Matériel blanc, Claire Denis, 2009). Esse
filme francês, integrante da filmografia de uma cineasta muitas vezes cultuada por setores
intelectualizados da população, é uma amostra de que não faz sentido ser apenas o chamado
cinema hollywoodiano objeto desse estudo. Minha terra África não se enquadra nos padrões
narrativos comerciais e palatáveis dos blockbusters, nem busca fórmulas fáceis de
identificação com o espectador. Sua diretora, Claire Denis, além de uma obra considerada
possuidora de refinamento estético, tem um longo histórico de militância esquerdista e de
cunho anticolonialista, e busca nesse filme construir uma alegoria do fracasso do colonialismo
francês em África. Apesar disso, Minha terra África apresenta um continente africano onde
104
estão presentes todos os tropos narrativos eurocêntricos apontados nesta dissertação27. Mostra
uma visão essencializada de África; mesmo que apontando como responsáveis pela situação
caótica do continente os colonizadores, a imagem de África é a mesma que em outros filmes
com bem menos „qualidades cinematográficas‟. O filme dispõe-se a recriminar o
colonialismo, mas o faz utilizando o vocabulário imagético criado por esse mesmo
colonialismo para descrever a África, como fazem todos os outros filmes citados nessa
dissertação, independente das variações em termos de qualidade estética, sutileza ou
posicionamento político dos realizadores. Por exemplo, a despeito do posicionamento social
da realizadora, o seu lugar social (intelectual europeia) se impõe desde a escolha dos
protagonistas: todos europeus (ou filhos de europeus), brancos, cristãos. É forçoso lembrar as
palavras de Edward Said sobre o orientalismo, substituindo o termo por eurocentrismo e
aplicando-as à imagem de África nos filmes, para entender a aparente contradição da diretora:
27
Sobre o assunto, recordar o que já foi dito nesta dissertação sobre o sujeito discursivo, nas páginas 59 e 60.
105
transmite de forma contínua, integral, uma sensação de ameaça iminente, de que se precisa
fugir urgentemente de algo terrível que está prestes a acontecer. Minha terra África,
harmonizando-se à classificação de filmes considerados „de arte‟, não possui nenhum clímax,
parece se perder entre tantos vaivéns temporais, e não acontece nenhum evento catártico para
toda a tensão acumulada na narrativa, como seria o caso em um filme considerado
hollywoodiano. De modo que, mesmo talvez não sendo a intenção da narrativa, o que ela
aparenta fazer é realçar deliberadamente a sensação de permanente insegurança transmitida
pela África. Certamente podemos atribuir a filmes como Minha terra África ou Hotel Ruanda
o relevante mérito de buscar instigar no espectador uma reflexão séria sobre as situações
complexas e violentas a que são submetidas diversas populações africanas, mas o que ressalto
e analiso nesta dissertação, sem intencionar diminuir ou desmerecer esse mérito, é a utilização
pelo cinema hegemônico contemporâneo, para descrever África, de um repertório comum de
tropos narrativos subalternizantes.
Em Minha terra África, a narrativa fílmica tem como linha mestra o discurso
imagético, com escassas falas dos personagens. Longas sequências sem diálogos mostram a
mulher do início em várias situações em temporalidades diferentes. Em um dado momento,
ela está com um sorriso no rosto pilotando uma motocicleta em uma estrada de terra, entre
árvores, fechando os olhos e abrindo a mão (aparentemente suja de terra vermelha), numa
referência à „sensação de liberdade‟. O sol é mostrado difuso entre os galhos secos das
árvores. Ela para ao encontrar roupas e um rádio de pilhas no caminho, mas nenhuma
presença humana, e então se aproxima um helicóptero de onde alguém grita num megafone:
“Senhora Vial! Esse é o último aviso! Tem de sair imediatamente! O exército francês está
saindo! Vamos embora! Você será morta! Pense nisso, senhora Vial! Pense em sua família!
Estamos caindo fora!” A imagem de dentro do helicóptero só mostra a nuca do homem
branco que está gritando essas coisas. A senhora Vial demonstra indiferença e mesmo asco às
palavras e/ou à pessoa que as pronuncia. O homem insiste: “Você deve ir embora logo!” O
helicóptero se aproxima e levanta muita poeira, e ela faz um gesto obsceno em sua direção.
Jogam vários pacotes do helicóptero, que de perto se vê que são kits de sobrevivência. A
mulher os chuta. E assim o filme segue, numa montagem entrecortada, de sequências em
paralelo que mostra acontecimentos em temporalidades diferentes mas não muito distantes,
todas com esse nível de angústia e ameaça de perigo iminente.
O confuso enredo de Minha terra África pode ser resumido da seguinte maneira:
apropriando-se da maioria dos clichês sobre a África, o filme apresenta um país africano não
106
identificado, onde „rebeldes‟ que utilizam meninos soldado como combatentes estão se
aproximando da região onde uma mulher francesa, Maria Vial, interpretada por Isabelle
Huppert, tem uma fazenda de café. Todos à sua volta insistem para que ela abandone o país e
fuja enquanto é tempo, inclusive o seu ex-marido, interpretado pelo ator Christopher Lambert,
mas ela mantém uma resistência inquebrantável em ficar. Há um personagem secundário
chamado Boxeador que é um lìder „rebelde‟ em fuga também, aparentemente ferido. Como eu
disse, tudo e todos nesse filme estão fugindo de algo o tempo todo. A África é referida como
ininterruptamente ameaçadora, as imagens mostram sempre lugares desolados, recentemente
abandonados pelos moradores.
Em outra cena, Maria Vial encontra vários homens negros descendo uma estrada de
bicicleta. São seus empregados fugindo, por causa do aviso do helicóptero. Ela diz que precisa
deles para não perder a safra: “Só mais cinco dias. Cinco dias não é nada, as coisas já estão
ruins há meses.” Mas os empregados dizem que até os capatazes estão fugindo e que eles têm
que fugir antes de serem atingidos. Ela tenta parar a fileira de homens de bicicleta, em vão. A
forma que ela se dirige a esses trabalhadores negros representa-os como fortemente
amedrontados pela nebulosa razão nunca explicitada: “Fique aqui, fique aqui! Por que está
partindo?” Um homem negro para e responde: “Há sofrimento e guerra em todo lugar!”
“Uma semana, só uma semana!”, insiste a mulher, mas a resposta é não.
Tudo isso, na narrativa fílmica, acontece sem que seja dito de que se deve ter medo ou
fugir. Na diegese, o medo em território africano é abstrato, onipresente e inerente, parece não
precisar provir de algo concreto. Repetidamente são mostradas imagens de cinzas, de casas,
árvores e coisas calcinadas. Ela se dirige ao capataz, que também encontra em fuga: “Você
não pode ir, Maurice. Falta apenas uma semana para a colheita. Você viu as culturas.” Um
dado interessante é que, mesmo não sendo apresentado o perigo que todos correm, ele é
nitidamente um perigo mortal, no universo diegético do filme, e mesmo assim a mulher
insiste arrogantemente que seus empregados negros arrisquem a vida por causa de sua
colheita. Aparentemente a vida de empregados negros vem em um lugar bem abaixo dos
lucros na lista de prioridades de mais essa aventureira branca na África. No filme nada se
explica ao mesmo tempo em que tudo fica facilmente apreensível – a sugestão é de que se
trata simplesmente de uma situação indeterminada que pode acontecer a qualquer momento
em qualquer lugar da África, situação instável causada pela colonização. Ao final, o filme
parece indicar que a mulher recebe um castigo „pedagógico‟ por não levado a sério o perigo
que a África representa e fugido: seu filho racista é morto por soldados, ela mesma mata um
107
homem com golpes de facão e o filme acaba sem sabermos mas prevendo o que acontece com
ela na desolada fazenda incendiada pululando de soldados sanguinários. Assim, o tropo de
que a fuga da África é premente pontua o filme da primeira à última cena.
Diamante de sangue é um dos filmes paradigmáticos sobre a África, de modo que uma
breve análise dele permite rever a presença dos três tropos negativos sobre a África nos
filmes. O filme se passa no final da década de 1990, em Serra Leoa, país africano então
assolado por uma tenebrosa guerra civil. O título do filme faz referência ao fato de Serra Leoa
ser um grande produtor de diamantes, e a venda clandestina dessas pedras no mercado
internacional ser um dos maiores financiadores da carnificina interna. Nesse contexto, o
espectador é convidado a acompanhar a trajetória de dois personagens muito diferentes entre
si, mas que irão participar juntos de uma jornada no meio da guerra em busca de um
valiosíssimo diamante cor de rosa: um deles é um ex-mercenário do Zimbábue, agora
traficante de diamantes, chamado Danny Archer, interpretado pelo astro Leonardo DiCaprio;
108
o outro é Solomon Vandy, um „simples‟ aldeão pescador, interpretado pelo ator beninense
Djimon Hounsou, que ficou conhecido pela interpretação que fez do líder de uma revolta em
um navio negreiro no filme Amistad, de Steven Spielberg.
O tal diamante foi encontrado por Solomon enquanto trabalha forçadamente em uma
mina, após ter sido capturado por „rebeldes‟ e perdido contato com sua famìlia. Expondo-se a
ser sumariamente executado, ele esconde o diamante, e no meio de um ataque das forças do
governo, é preso como rebelde. Na prisão para onde é mandado está preso Danny Archer, e lá
este fica sabendo da existência do diamante, passando, a partir de então, a assediar Solomon
para que o leve até onde está escondida a pedra. Os dois desejam intensamente se apossar da
pedra, mas as motivações dos dois homens são diferentes, pois enquanto Archer quer
encontrar o diamante para ficar rico e poder ir embora do continente africano, que considera
amaldiçoado, Vandy quer a todo custo reunir os meios de reencontrar sua família.
economicamente. Em filmes de ação como Falcão negro em perigo ou Lágrimas do sol, toda
a violência é justificada por que os americanos são os heróis que estão ali para salvar os
africanos deles mesmos.
Concluindo, posso dizer que o papel desses filmes não é necessariamente criar o saber
que eles expõem e que nós aceitamos como correto, usual, sobre a África, embora também
possam fazê-lo, em certa medida. O que eles fazem de forma mais contundente é reproduzir,
reinterpretar e reforçar um conhecimento que já existe e está disperso em nossa cultura. Tais
filmes são fontes históricas por excelência, testemunhos da sociedade que os produziu, uma
vez que nenhuma produção cinematográfica, assim como nenhuma outra atividade humana,
está isenta dos condicionamentos sociais e culturais da época em que foi produzido. É no
campo desses condicionamentos culturais que pretendo adentrar agora.
112
Bem, quando eu era pequeno, tinha paixão por mapas. Eu ficava horas
olhando a América do Sul, ou a África, ou a Austrália, e abandonava-me às
glórias da exploração. Naquela época, havia muitos espaços em branco no
mundo, e, quando enxergava um que parecia particularmente convidativo no
mapa (mas todos pareciam assim) colocava o dedo ali e dizia: „Quando
crescer vou para lá‟. (...) Havia um, no entanto – o maior, o mais branco, por
assim dizer –, que me atraía especialmente. É verdade que, nessa época, já
não era mais um espaço em branco. Tinha sido preenchido, desde minha
adolescência, por rios, lagos e nomes. Cessara de ser um espaço em branco
ou um delicioso mistério (...). Tornara-se um lugar tenebroso.
Joseph Conrad, em O coração das trevas (1902)
lugar onde estivera estendido toda a noite, para velar por ela. O fato de o
saber ali era o que lhe havia permitido dormir em tão profunda paz e
segurança. Perto dele, quem poderia ter medo? Jane pensou se haveria no
mundo algum outro homem junto do qual uma moça pudesse sentir-se tão
segura no coração da selva africana. Nem mesmo os leões e as panteras a
assustavam agora. (...) Compreendeu que se sentia completamente satisfeita,
sentada ali, ao lado daquele gigante sorridente, a comer deliciosos frutos,
naquele paraíso silvestre, nas profundezas da selva africana – que se sentia
satisfeita e muito feliz. Não conseguia entender isto. A razão dizia-lhe que
devia sentir-se torturada pela ansiedade, acabrunhada pelo medo, dilacerada
por ideias sombrias. Mas, em vez disso, o seu coração parecia cantar, e ela
sorria em face do sorriso do homem junto dela.
Edgar Rice Burroughs, em Tarzan dos macacos (1912)
STAM, 2006, p. 20). Qual a razão dessa imagem do mundo, que considera a Europa – de
modo consciente ou não – inerentemente superior, ser hoje considerada natural?
28
Para fins de precisão no que diz respeito à nomenclatura adotada na dissertação, quero ressaltar o
entendimento em que o termo „europeia‟ é aqui empregado, tomando o pressuposto de Mary Louise Pratt:
““europeia”, nesta acepção, se refere antes de tudo a uma rede de europeus alfabetizados do norte,
principalmente homens dos níveis mais baixos da aristocracia e da média e alta burguesia” (PRATT, 1999, p.
78). Também utilizo o termo em algumas ocasiões como sinônimo de „eurocêntrica‟, ou seja, fazendo referência
à visão de mundo nascida na Europa mas que não se restringe apenas a europeus.
29
Essa interpretação anacrônica perde de vista caminhos que poderiam ter sido tomados no „jardim de Destino‟;
um exemplo suficientemente forte é o caso chinês: no século XV o Império Chinês possuía condições técnicas e
econômicas para „mundializar‟ o planeta a seu gosto e mesmo „descobrir‟ e conquistar a Europa, o que poderia
ter acontecido caso não se tivesse voluntariamente desistido do projeto do imperador Yung Lo (século XV,
dinastia Ming), que enviou 60 juncos (navios de grande porte que a tecnologia europeia à altura nem de longe
possuía) com uma tripulação estimada em 30 mil homens, que exploraram o oceano índico, a costa oriental da
África e chegou a dobrar o Cabo da Boa Esperança no sentido contrário ao de Vasco da Gama, quase cem anos
antes do navegador português (SERRANO & WALDMAN, 2007, p. 185). Immanuel Wallerstein analisa
detidamente o caso chinês, inclusive elaborando algumas possíveis explicações para a retração voluntária da
expansão chinesa (WALLERSTEIN, 1990, pp. 58-68).
115
IMPERIALISMO
econômicas, conseguiu ao longo do tempo um poder cada vez maior sobre os outros setores
da sociedade europeia. Tomaram a dianteira no processo de formação das monarquias
nacionais (século XIV), a fim de livrarem-se dos entraves impostos às suas atividades pela
forma de organização polìtica fragmentária, feudal. Patrocinaram um „renascimento‟ cultural
e uma „reforma‟ religiosa a fim de obter legitimidade. Financiaram essas monarquias e as
atividades expansionistas de seus impérios ultramarinos nos séculos XV e XVI, fiéis à sua
política do lucro – com essa expansão, é inaugurado o que Immanuel Wallerstein chama de
“economia-mundo moderna”, da qual se falará mais adiante. Foram protagonistas de várias
revoluções que visaram acabar com as monarquias por eles mesmos financiadas, no momento
em que imaginaram ter condições de assumir o controle político de seus países. Até que, em
finais do século XVIII e no correr do XIX, a Revolução Industrial, que inaugura e “depois
acentua a ruptura em relação a milênios de produções predominantemente agrícolas de
sociedades predominantemente rurais” (BEAUD, 2004, p. 140), proporciona uma riqueza até
então desconhecida pela burguesia europeia, – riqueza que faz dela uma nova classe dirigente,
proporcionando definitivamente a sua emancipação política, considerada por Hanna Arendt
condição sine qua non para o surgimento do fenômeno novo apontado por Hobsbawn, o
Imperialismo. Nas palavras de M. Ferro, “a diferença fundamental entre a expansão colonial
dos séculos XVI-XVII e o imperialismo que se segue é que a Revolução Industrial dá a este
meios de ação que transformam de cabo a cabo a relação entre metrópoles e colônias”
(FERRO, 1996, p. 36).
30
Desconheço qualquer tradução deste importante trabalho para o idioma de Camões.
118
ovelhas, no dizer de Thomas Morus, as multidões expulsas dos campos e empurradas para
uma vida de miséria nos centros urbanos. Nas palavras de H. Arendt, “o fato novo da era
imperialista foi que essas duas forças supérfluas – o capital supérfluo e a mão-de-obra
supérflua – unirem-se e, juntos, abandonaram seus paìses” (ARENDT, 1989, p. 180). O
Imperialismo pode ser considerado uma transposição do princípio que orienta e confere
sentido ao capitalismo (acumulação incessante de capitais, acumular por acumular) para a
posse de territórios. “A expansão como objetivo permanente e supremo da política é a ideia
central do imperialismo. Não implica a pilhagem temporária nem a assimilação duradoura,
caracterìsticas da conquista” (ARENDT, 1989, p. 155). O Imperialismo marca, na concepção
de H. Arendt, a emancipação política definitiva da burguesia europeia.
A pergunta acima provavelmente soa estranha, tendo em vista que a Partilha da África
é um evento histórico aparentemente incontestável. A expressão, associada quase sempre à
Conferência de Berlim, é assaz comum em livros que abordam a temática do Imperialismo,
onde abundam dados estatísticos sobre a rapidez e extensão da ocupação da África no último
terço do século XIX. Em livros didáticos são recorrentes exposições resumidas da „Partilha‟,
que deixam implícita uma suposta inferioridade dos africanos, teoricamente facilmente
subjugados pelos europeus. Alguns rápidos exemplos:
foi tão breve quanto espetacular. Quando a partilha começou, por volta de
1880, a expansão europeia em outras partes do mundo já se desenvolvia há
séculos (...). Os europeus adotaram o processo de repartir o continente a uma
velocidade estonteante. Vinte anos depois, a partilha estava quase terminada.
O que restou não passava de um pós-escrito. Quase toda a África, mas de 17
milhões de quilômetros quadrados, fora colocada sob o domínio europeu.
(...) Próximo ao final do século, os europeus governavam virtualmente o
continente inteiro, uma área equivalente a cerca de 10 vezes o da Índia
(WESSELING, 2008, p. 13).
Definição basicamente igual à que consta nos livros didáticos. A partilha da África
negra, de Henri Brunschwig (BRUNSCHWIG, 2006), outro livro tomado como referência
sobre a temática, comparte desse mesmo modo de entender e interpretar o fenômeno, a partir
de um prisma eminentemente eurocêntrico. Em determinada altura de sua descrição da
„Partilha‟, Brunschwig afirma que
civilização ocidental” (HERNANDEZ, 2005, p. 83). Antes de discorrer sobre a dita partilha, a
fim de averiguar a maneira como esta foi colocada em prática simbólica e concretamente,
convém tentar entender em que contexto essa interpretação do fenômeno „Partilha da África‟
se encaixa: a consolidação da racionalidade europeia.
33
Na tradução portuguesa: O sistema mundial moderno, em três volumes (WALLERSTEIN, 1990).
127
No capítulo anterior desta dissertação já foram feitas referências às maneiras como tais
argumentos se apresentam, quando da discussão sobre os modos estereotipados de
representação do Outro. Adentremos agora especificamente na maneira como o sistema-
mundo capitalista, através das estruturas de saber que desenvolveu, representa a todo o Outro,
ou seja, todo o não-europeu, e como essa representação busca legitimar a dominação desse
Outro. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a institucionalização e a própria criação
desse sistema-mundo não seria possível sem o recurso à violência. Ela é a primeira
legitimadora do poder. Como afirmou Henry David Thoureau, o ativista político
estadunidense que, em meados do século XIX desenvolveu a noção de desobediência civil,
129
populações do mundo, pois possuem alguma coisa “boa” que os outros não possuem, e então
cabe a esses dominadores a responsabilidade de distribuir esse “bem” mundo afora. A
natureza de tal “bem” variou pelos séculos: no primeiro momento da expansão, a partir do
século XVI tratava-se da „lei natural‟ e do cristianismo, que objetivava „salvar‟ as almas e os
corpos dos ameríndios. Quando da consolidação da dominação mundial, no século XIX, esse
“bem” passou a ser a ser resumido na ideia de missão civilizadora, que, nas palavras de
Edward Said, “tem como pressuposto a ideia de que algumas raças e culturas têm um objetivo
mais elevado na vida do que outras” (SAID, 2003, p. 321), o que daria ao mais poderoso o
status de mais „civilizado‟ e confere à colonização traços de nobreza, popularizada na
expressão „fardo do homem branco‟34, isso com base em teorias pseudocientíficas. No
próximo capìtulo veremos em que esse “bem” foi convertido no final do século XX e começo
do século XXI.
34
"The White Man's Burden" ("O Fardo do Homem Branco") é o título de um poema escrito em 1899 pelo
britânico Rudyard Kipling, um dos luminares culturais da era imperialista. O poema celebrava a conquista das
Filipinas pelos EUA, e a expressão que lhe dá título se consagrou como resumo de uma percepção do
Imperialismo como um empreendimento nobre. Pode ser lido na íntegra em
http://pt.wikisource.org/wiki/O_fardo_do_Homem_Branco Acesso em 20/02/2012.
35
Para citar apenas alguns exemplos de intelectuais de origem eucocêntrica que se postaram contra a colonização
ao longo da expansão do sistema-mundo moderno, podemos lembrar nomes célebres como Michel de
Montaigne, Jonathan Swift, Denis Diderot, Mark Twain e Jean-Paul Sartre.
36
Para mais detalhes sobre o debate entre Sepúlveda e Las Casas, consultar “Lenda cor-de-rosa e lenda negra”,
capítulo 5 de FERRO (1996, p. 194), em especial o tópico “Bartolomeu de las Casas e a defesa dos
colonizados”, assim como “Quem tem o direito de intervir? Os valores universais contra a barbárie”, capítulo
1 de WALLERSTEIN (2007, p. 19). É pertinente ressaltar que o humanismo de Las Casas se restringia à
concepção de que os ameríndios deveriam ser poupados por poderem ser convertidos à fé católica, sendo para
ele o alvo correto do extermìnio o “infiel” muçulmano, além de defender e buscar legitimar e regulamentar a
escravidão de africanos (Cf. SOUZA, 2006).
131
esses são os quatro argumentos básicos que têm sido usados para justificar
todas as “intervenções” subsequentes dos “civilizados” do mundo moderno
em zonas “não-civilizadas”: a barbárie dos outros, o fim de práticas que
violam os valores universais, a defesa de inocentes em meio aos cruéis e a
possibilidade de disseminar valores universais. Mas é claro que essas
intervenções só podem ser realizadas quando se tem poder político-militar
para isso (WALLERSTEIN, 2007, p. 35).
Todas as legitimações, inclusive científicas, para a expansão violenta do sistema-
mundo capitalista, são variações desses quatro argumentos. O que Edward Said notabilizou
como Orientalismo, por exemplo, não é nada mais que um dos desdobramentos do „modo
Sepúlveda‟. Senão vejamos, o liame entre as estruturas de saber eurocêntricas e o pressuposto
de superioridade dos povos europeus é ressaltado por Mariutti na continuação de sua
exposição do pensamento de Wallerstein, segundo quem a correlação entre esses fatores “fica
ainda mais nítida se levarmos em conta a grande questão que subjaz a todas as disciplinas das
ciências sociais: explicar a ascensão do “Ocidente”, isto é, explicar o processo geral do qual
as próprias ciências sociais são uma expressão” (MARIUTTI, 2009, p. 38). As próprias
denominações que o fenômeno tem recebido, tais como “expansão da Europa”, “origem da
modernidade”, “transição do feudalismo para o capitalismo” e “milagre europeu”,
demonstram como essas explicações estão sempre comprometidas com a visão eurocêntrica,
partindo de visões apriorísticas da realidade que entendem sempre a Europa como superior ou
central.
É um exemplo a explicação proposta por Max Weber para a questão que ele mesmo se
propõe a responder no primeiro parágrafo da sua introdução d‟A ética protestante e o espírito
do capitalismo, a saber:
37
Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/entrevista-ian-morris-geografia-sempre-
vence-650505.shtml Acessado em 19/02/2012.
38
Não se trata de uma percepção determinista ou maquiavélica da cultura europeia; desde já é interessante
ressaltar que compartilho o modo como Edward Said entende essa ligação, conforme apresenta no seguinte
trecho: “Acreditar que a política na forma de imperialismo tenha relação com a produção de literatura, erudição,
teoria social e escritos históricos não equivale de modo algum a dizer que a cultura é, portanto, algo aviltado ou
difamado. Bem ao contrário: (...) podemos compreender melhor a persistência e a durabilidade de sistemas
hegemônicos saturadores como a cultura quando percebemos que suas coerções internas sobre os escritores e os
pensadores foram produtivas, e não unilateralmente inibidoras” (SAID, 2007, p. 43).
134
(PRATT, 1999, p. 78). Pratt atribui uma grande importância ao projeto da história natural,
pois a partir do estabelecimento dos seus padrões de autoridade – o urbano, letrado e
masculino como superior em qualquer parte do planeta (por isso o uso constante do termo
“homem europeu” nesta dissertação) – se estabelecem uma série de práticas semânticas e
sociais que serão determinantes em todo o discurso produzido pela Europa sobre o Outro a
partir de então.
39
Sobre a temática, recomendo incisivamente a leitura de A falsa medida do homem, onde Stephen Jay Gould
historiciza e demonstra “a debilidade cientìfica e os contextos polìticos dos argumentos deterministas” e tece
uma crìtica abalizada ao, nas suas palavras: “mito que diz ser a ciência uma empresa objetiva, que se realiza
adequadamente apenas quando os cientistas conseguem libertar-se dos condicionamentos de sua cultura e
encarar o mundo como ele realmente é”, defendendo uma compreensão da ciência como fenômeno social,
portanto sujeito a influências culturais (GOULD, 1991, p. 5). Sobre os testes de Q.I. contemporâneos, por
exemplo, que classifica como uma continuação do determinismo biológico do século XIX, Gould afirma que “os
argumentos deterministas para classificar pessoas segundo uma única escala de inteligência, por mais refinados
que fossem numericamente, limitaram-se praticamente a reproduzir um preconceito social” (GOULD, 1991, p.
12).
139
40
Sem falar, obviamente, nas permanências do pensamento racista e nas práticas danosas que engendrou ao
longo do século XX (em especial casos como as leis segregacionistas em vigor no país cuja classe política o
denomina de “terra da liberdade”, os EUA, até a década de 1960, e o inominável regime de Apartheid sul
africano, até os anos 1990) e até nossos dias.
140
da imagem do Outro com a imagem da África, objeto de estudo desta dissertação? Ora, o
estigma de subalternidade atribuído aos povos não-europeus é, num desdobramento lógico,
estendido aos territórios ocupados por esses não-europeus: “a estratégia de inferiorização do
outro foi também estendida ao território habitado pelas populações não-europeias,
impregnando de modo simultâneo o espaço, as sociedades e as culturas dos demais
continentes com todos os signos da negatividade”, sendo o continente africano “laureado pelo
pensamento ocidental com imagens particularmente negativas e excludentes” (SERRANO &
WALDMAN, 2007, p. 24), em função justamente do pouco conhecimento que o europeu
tinha até então a seu respeito, como demonstra o exemplo de Burton.
De modo que aquela imagem negativa da África que permanece na cultura „ocidental‟,
especialmente nos filmes produzidos pela indústria cinematográfica hegemônica, como visto
no capítulo anterior, foi fixada precisamente nesse período e nesse contexto. A racionalidade
moderna, em função do Imperialismo e legitimando-se na ideia da superioridade europeia,
inventa uma África condizente com os interesses da classe dirigente do continente europeu:
inferior em todos os aspectos, sem história e sem cultura, habitada por seres aquém da sua
noção de humanidade. A célebre passagem da Filosofia da história universal em que o
filósofo alemão Friedrich Hegel explica a África para o leitor europeu talvez seja o
monumento escrito que demarca a invenção da África:
regime pan-óptico” (SHOHAT & STAM, 2006, p. 141) não são fenômenos contemporâneos
por obra do mero acaso, são todos interdependentes. Vejamos a seguir como a África,
inventada pela intelligentsia europeia, foi paulatinamente transformada em senso comum,
tornando-se parte do dia-a-dia do homem europeu, através do que J. Ki-Zerbo chamou de o
“ministério da curiosidade europeia”. Entender o processo de vulgarização da África
inventada é fundamental para compreender como essa imagem pôde permanecer no cinema
ao longo do século XX e nos alcançar em pleno século XXI.
142
Os viajantes que tornaram isso possível eram membros dos mais variegados estratos
da fauna humana europeia, e são figuras centrais na constituição da visão do Outro
eurocêntrica, sendo incontestavelmente os portugueses os pioneiros nesse processo. Como
afirma A.J.R. Russel-Wood, as viagens de exploração portuguesas, iniciadas em 1419,
configuraram “um esforço prolongado no tempo, mantido por mais de um século”, atingiram
“todos os continentes à excepção da Antártida e, possivelmente, da Austrália”, fizeram com
que os portugueses se confrontassem “com uma grande diversidade de regimes polìticos e de
práticas comerciais, bem como todas as principais religiões”, e fizeram com que os
portugueses fossem “protagonistas de uma série de “encontros” (...), durante mais de um
século, em África, na Ásia e na América” (RUSSEL-WOOD, 1998, pp. 21,22). Foram os
portugueses os primeiros a contar o mundo para a Europa moderna, tomando como referência
em suas descrições todos os padrões que a racionalidade europeia desenvolvia para ordenar o
mundo. Mas com o papel cada vez menos relevante de Portugal na expansão do sistema-
143
mundo moderno, os viajantes dos países líderes dessa expansão ocuparão paulatinamente o
lugar dos portugueses na descrição do mundo para o europeu.
Eu recuso usar o termo “exploradores” por pressentir que há algo de elogioso em tal
classificação, como define Felipe Fernández-Armesto: “os viajantes se autodenominam
exploradores quando pensam pertencer a uma cultura superior à do povo entre o qual estão
viajando” (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2000, p. 28). Esses viajantes, mais do que homens,
foram uma função: foram os olhos do império, como M.L. Pratt os nomeia no estudo que fez
dos seus relatos. Relatos de viagem são produzidos constantemente durante todo o processo
de expansão do sistema-mundo moderno, mas o século XIX representa o auge desse gênero
de literatura. Nesse século, vai se consolidar uma “vìvida retórica imperial” dos viajantes, que
passam a descrever as “descobertas” geográficas que faziam como “vitórias” inglesas, ou de
seus respectivos países, e incluíam assim a população em geral – para quem não faria a menor
diferença saber onde diabos fica a nascente do Nilo – no empreendimento imperialista
(PRATT, 1999, p. 339,340).
Essa retórica é tão poderosa que é adotada por uma gama de escritores, literatos que
farão uso dos relatos dos viajantes como fonte para empolgantes aventuras de grande apelo
popular nos últimos anos do século XIX e no começo do século XX, como demonstram as
citações de alguns deles no início deste capítulo. Homens que participaram em pessoa do
empreendimento colonial, como o anglo-polonês Joseph Conrad, exercem uma autoridade
narrativa similar à de outros que nunca colocaram sequer um dos pés em solo africano, como
o estadunidense Edgar Rice Burroughs, que é ironicamente o responsável pela imagem mais
solidificada do continente: a casa de Tarzan, o “detestável ìcone colonialista que assinala,
metaforicamente, a suposta incapacidade dos povos africanos de se governarem e de serem
senhores do próprio destino”, nas palavras de Serrano e Waldman, uma vez que “Tarzan
simboliza o homem branco que não sucumbe à selva e cuja índole o transforma no senhor do
meio natural em que vive” (SERRANO & WALDMAN, 2997, p 207). Tarzan, que é o
segundo personagem mais utilizado em filmes na história do cinema, atrás apenas do conde
Drácula. Cinema, indústria que manteve em uso a retórica imperialista nas descrições que fez
da África ao longo do século XX e a trouxe para o século XXI. Detenhamo-nos um pouco nas
descrições imperialistas, a fim de poder ter um parâmetro de comparação com a imagem da
África apresentada pelos filmes contemporâneos, comentada no capítulo anterior. Marc ferro
nos informa que
144
mesma. Ela apenas se “torna” real quando o viajante volta para casa e a evoca através de
textos” (PRATT, 1999, p. 342). É fundamental atentar para o que a análise de Pratt significa.
A “descoberta” em si não é nada, o relato da “descoberta” é tudo: “eis aqui a linguagem
encarregada por si só de fazer o mundo, e com altos interesses em jogo” (PRATT, 1999, p.
343). Sobre o poder das narrativas, Tzvetan Todorov afirma:
Nesse momento podemos fazer uma breve pausa nas considerações sobre as
descrições imperialistas e recordar as descrições contemporâneas feitas nos filmes, vistas no
capítulo anterior, apenas a título de comparação e para não perder de vista o que se busca
analisar. As cenas panorâmicas de „pôr-do-sol africano‟ na savana, por exemplo, tão
recorrentes, seguramente podem ser classificadas como releituras da cena do „monarca-de-
tudo-o-que-vejo‟. Tais cenas, de óbvio apelo estético para os padrões „ocidentais‟, podem ser
classificadas, em si mesmas, como simples elementos identificadores da paisagem africana;
mas se forem levadas em conta as outras mensagens a elas agregadas, podem também ser
146
Gebara faz dos relatos de Richard Burton, portanto, podemos concluir que os viajantes criam
a paisagem que descrevem, inventam a África e todo o resto do mundo para o europeu
comum.
Quem eram esses viajantes que abriram caminho para a invasão da África pelos
europeus e tornaram possível o Imperialismo? J. Ki-Zerbo nos diz que “as três figuras
principais desta cadeia de acontecimentos [i.e., a intervenção imperialista em África] são os
missionários, os mercadores e os militares” (KI-ZERBO, 2002, p. 68), continuando que
“poder-se-ia fazer uma galeria de retratos bastante característicos destes pioneiros, que vão do
missionário a arder de compaixão ao inadaptado social mais ou menos desequilibrado,
passando pelo colecionador de troféus de caça e pelo pesquisador de ouro” (KI-ZERBO,
2002, p. 68). O avanço europeu no interior do continente africano só foi possível em virtude
das atividades de tais homens. Um exemplo é o “jovem médico escocês de vinte anos” (KI-
ZERBO, 2002, p. 71), Mungo Park, que viajou para o interior da África nos últimos anos do
século XVIII e nos primeiros do XIX e escreveu um livro de viagens de grande sucesso à
época. Financiado por uma aliança de aristocratas e homens ricos sediada em Londres,
sugestivamente chamada „Associação para a Promoção da Descoberta das Áreas Interiores da
África‟, que foi a responsável pela exploração britânica da África em fins do século XVIII e
nas primeiras décadas do século XIX (mais tarde incorporada à Royal Geographical Society),
Park foi encarregado (em 1795) de descobrir o percurso do rio Níger e estabelecer contato
diplomático e comercial com quem quer que habitasse a região. A associação Africana,
abreviatura pela qual era conhecida, não escondia seus interesses práticos no financiamento
das viagens – o próprio Park escreveu que “receberia de seus financiadores o salário de quinze
xelins por dia “somente caso conseguisse fazê-los conhecer melhor a geografia da África,
abrir-lhes à ambição, ao comércio, à indústria novas fontes de riquezas”” (Apud FERRO,
1996, p. 31); o que interessava era estabelecer contatos comerciais, e interesses científicos não
são sequer mencionados em seu manifesto:
ela” (PRATT, 1999, p. 131) 41. Diversas expedições anteriores fracassaram, e o próprio Park,
do ponto de vista prático, falhou tanto em descrever o curso no Níger quanto em atingir
Timbuktu, importante centro comercial da África ocidental. A sua vitória foi não ter morrido
no decurso de uma série de agruras e escrito um relato peculiar a respeito da sua viagem,
relato que marca a “erupção do estilo sentimental na narrativa europeia sobre a zona de
42
contato” (PRATT, 1999, p. 137). De fato, Mungo Park inaugura o estilo do relato de
viagem do oitocentos, trazendo a fronteira imperial, sob uma ótica sentimental, para perto do
leitor comum. Ele “não escreveu uma narrativa de descoberta, observação ou de coleta
geográfica, mas sim uma narrativa pessoal e de aventura” (PRATT, 1999, p. 137); Park
descreve sua própria experiência corporal e emocional diante dos muitos momentos de crise
que enfrentou (torturado durante um mês por um potentado fulani, abandonado à morte no
deserto, etc.) recorrendo sempre a uma autodramatização extrema. Pratt avalia que o relato
sentimental, assim como o científico, por mais diferenças que possam ter entre si, têm em
comum a construção da presença europeia no território do Outro: “o expansionismo europeu é
tão esterilizado e mistificado na literatura sentimental quando no modelo
cientìfico/informacional” (PRATT, 1999, p. 142). Estão sempre presentes as noções
preconcebidas de superioridade europeia sobre todos os elementos nativos encontrados – a
medicina versus a superstição, por exemplo –, e a atribuição de inferioridade ao Outro, bem
como a ausência de crítica às ideologias europeias, por mais incompatíveis que fossem com as
ações de viajantes como Park. Não obstante seu caráter sentimental, o relato de Park também
possui um lado informacional importante que o tornou valioso para os homens de negócios
que financiaram sua aventura, dando „nova intensidade‟ às fantasias mercantis da Associação
Africana: “Park fez contato de primeira mão com os vastos e prósperos reinos Fulani e
41
Ki-Zerbo aponta as razões de tal dificuldade: “O principal enigma geográfico do interior era então o curso do
Níger, que, por causa do relevo, nasce a algumas centenas de quilômetros da costa, mas faz uma curva de 4000
quilômetros pelo interior, antes de atingir o golfo da Guiné. Os geógrafos europeus só conheciam deste grande
rio aquilo que dele havia dito Plínio, que falara de Nigir, depois Idrisi e Leão-o-africano. Ora este último
complicara as coisas, pretendendo que o Níger corria para o ocidente. Chocavam-se as hipóteses mais fantasistas
(...). Ora, as embocaduras do delta do Níger, onde os barcos europeus aproavam desde há séculos, eram
consideradas simples entrelaces de cursos de água costeiros. Era um quebra-cabeças no qual entravam as
controvérsias sobre a velha cidade sudanesa de Tomboctu. Ora, tendo em vista o crescimento do “comércio
legìtimo”, era vital, sobretudo para a Grã-Bretanha, o conhecimento desta via natural de comunicação (...). Ora, a
curva do Níger era defendida pelo deserto e pela hostilidade dos Mouros ou dos sultões muçulmanos do norte,
enquanto, ao sul, a grande floresta lhe levantava uma barreira” (KI-ZERBO, 2002, pp. 70,71).
42
M.L. Pratt elabora alguns conceitos a fim de abordar os relatos de viagem de maneira dialética e historicizada;
um destes é a expressão Zona de Contato, que a autora utiliza para se referir ao “espaço de encontros coloniais,
no qual as pessoas geográfica e historicamente separadas entram em contato umas com as outras e estabelecem
relações contínuas, geralmente associadas a circunstâncias de coerção, desigualdade radical e obstinada”
(PRATT, 1999, p. 31).
149
Pelas descobertas do Sr. Park, uma porta foi aberta para toda nação mercantil
entrar e comerciar da extremidade ocidental à oriental da África. (...) Com as
devidas informações e empenho do crédito e iniciativa britânicos, é difícil
imaginar a extensão potencial a que pode chegar a demanda pelas
manufaturas de nosso país, por parte de países vastos e populosos (Apud
PRATT, 1999, p. 133).
No início do século XIX as viagens ao interior da África permanecerão escassas, pelas
razões apontadas por Pratt: “A exploração do interior era bloqueada pela doença em boa parte
do mundo tropical e pela resistência indìgena” (PRATT, 1999, p. 134), e, especialmente no
caso da África: “Graças à malária, febre amarela e disenteria, a exploração do rio Nìger, nas
cinco décadas seguintes [à viagem de Park], foi esporádica até que o Dr. William Bailkie
decidiu testar a eficácia do quinino contra as febres mortais que haviam ceifado todos os
sonhos de expansão naquela área” (PRATT, 1999, p. 153).
Park sucumbiu na sua segunda expedição à África, em 1806, junto com todos os
companheiros. Expedições irregulares são enviadas até a metade do século XIX, quando as
viagens à África são retomadas com força, e alguns nomes ganham destaque. Richard Burton,
John Speke, Pierre Savorgnan de Brazza, Henri Barth, David Livingstone e Henry Morton
Stanley talvez sejam os mais conhecidos, mas fazem parte de verdadeiros exércitos de
viajantes que abriram caminho África adentro para os interesses burgueses, destacando-se em
função de seus relatos. Como já dito suficientemente, o empreendimento expansionista
precisava de legitimidade, e esses relatos foram fundamentais para alcançar essa legitimidade
entre as elites e entre a população em geral. Marc Ferro nos diz que
vai ser financiado pela RGS, ainda na década de 1850, para a famosa expedição em busca da
nascente do Nilo, o grande enigma da África oriental para os europeus (1856-1859), auxiliado
por John Speke, seu companheiro mais jovem e rival. A relação conturbada e a longa
desavença entre os dois em função das opiniões diferentes sobre a localização da nascente do
Nilo teve uma cobertura jornalística e foi acompanhado pelo público inglês de modo
comparável às intrigas das celebridades de hoje em dia44.
A partir dos anos 1860, Burton vai exercer funções diplomáticas para o governo inglês
em diversas partes do mundo, desde a África ocidental (alvo do estudo de A. Gebara) até o
Brasil. Além de uma personalidade descrita repetidamente como cativante e polêmica, a
popularidade de Burton pode ser atribuìda principalmente aos seus talentos literários. “Como
se tornou praxe para Burton, cada uma de suas viagens deu origem a novos volumes de
narrativa” (GEBARA, 2010, p. 24), narrativas em que emprega com excelência os recursos
narrativos apontados por M. L. Pratt, citados anteriormente. A vívida retórica utilizada por
Burton, que descrevia a si mesmo como um aventureiro corajoso e temerário, sua abordagem
de temas controversos para a época (como homossexualidade e pornografia), além de seu
conhecimento de dezenas de línguas não-europeias, que lhe possibilitou fazer a tradução de
obras importantes da literatura mundial para o inglês (desde o Kama Sutra hindu até
brasileiríssimo O guarani), fizeram de sua vasta obra um sucesso comercial, e um referencial
na construção da imagem europeia do restante do mundo, em especial a África. Burton
valoriza ao máximo sua experiência em terras não europeias, se colocando, como já dito,
numa posição de autoridade não só em relação aos não-europeus, mas também aos próprios
europeus. Ele era os olhos do império, e os filmes contemporâneos aqui analisados
demonstram que sua visão ainda permanece popular. Além disso, de acordo com a análise de
A. Gebara, Burton pode ser considerado um imperialista antes do Imperialismo, e isso
certamente vaza em seus escritos. Em vários de seus despachos é possível notar qual o padrão
considerado ideal por Burton, no que diz respeito à atuação consular na costa ocidental
africana: à bordo de um navio de guerra, o cônsul deveria impor as condições inglesas de
44
Em 1990 foi produzido um filme que busca retratar a viagem e a relação conturbada de Burton e Speke,
intitulado no Brasil As montanhas da lua (Mountains of the Moon, Bob Rafelson, 1990). A respeito deste filme,
vale citar uma nota de rodapé de M.L. Pratt: “A primavera de 1990 viu o lançamento de uma heroica versão
hollywoodiana da aventura de Burton e Speke intitulada The Mountains os the Moon. Levando adiante uma
tendência vigente nos anos 1980 (... Entre dois amores, A jóia da coroa (minissérie televisiva), Passagem para a
Índia e Greystoke – A lenda de Tarzã, o rei da selva), a nostalgia imperialista fornece uma resposta cultural para
o absoluto fracasso de uma modernização da África que obedeça o estilo ocidental” (PRATT, 1999, p. 343).
152
45
A. Gebara afirma isso a partir da análise dos relatórios de Burton em sua atuação consular no começo dos anos
1860: “Logo em seus primeiros despachos surgem constantes solicitações para o envio de um cruzador, para
ficar a sua disposição. Depois de realizar a primeira visita aos “Rios do Óleo” à bordo de um navio da African
Steamship Company, ainda no final de 1861, Burton mencionou em despacho para o F.O. [Foreign Office] a
“necessidade” de contar com um barco de guerra sob seu comando. Em janeiro do ano seguinte, o autor voltou a
mencionar a importância dos cruzadores para organizar o comércio na região do baixo Nìger. Segundo ele: “As
vilas hostis são em número de cinco ou seis [...] elas irão requerer alguma coerção. [...] Isto pode ser facilmente
conseguido por dois barcos de guerra. Com tais navios, eu poderia ir até lá em julho próximo e garantiria que
depois de seis meses nenhum tiro seria disparado novamente no baixo Nìger.” Desta forma, Burton propôs uma
missão ao F. O., qual seja, destinar dois cruzadores para uma patrulha constante do Delta do Níger, com intuito
de coagir os nativos locais à aceitar as práticas comerciais inglesas” (GEBARA, 2010, P. 107).
46
H. Wesseling nos informa que o trabalho missionário de Livingstone durante seus anos em África teve como
fruto a conversão de um único africano, que posteriormente abandonou a fé cristã (WESSELING, 2008, p. 94).
153
notado no relato de Albert Schweitzer, um médico alemão que se sentiu impelido a viajar à
África e colaborar na missão civilizadora. O relato que fez do período em que atuou na África
equatorial, Entre a água e a selva, muito contribuiu para torná-lo famoso e ser galardoado
com um Nobel da Paz; a sua justificativa para a ida à África é emblemática da noção de
missão civilizadora:
Era, antes de mais nada, um pastor. Dilacerado pelo comércio sangrento que
encontrava em cada passo, veio a desejar a colonização da África como
único remédio: “Que Deus abençoe amplamente”, diz ele, “todo o homem,
seja ele americano, inglês ou turco, que possa ajudar a sarar essa chaga” (KI-
ZERBO, 2002, p. 74).
Foi o primeiro europeu a entrar em contato com diversas populações africanas e fez
diversas “descobertas”, como as cataratas do Zambeze a que batizou de Victoria Falls,
homenageando a rainha inglesa. O sucesso popular de seus relatos, mais o seu valor
estratégico, o faz ser contratado pelo governo inglês. Na busca pela nascente do Nilo, o
“queridinho da opinião pública inglesa” (WESSELING, 2008, p. 94) fica meses sem
estabelecer contato e é dado como morto, até que o jornal New York Herald envia o jornalista
galês naturalizado estadunidense Henry Morton Stanley à sua procura, com uma expedição
fortemente equipada e financiada. Ao encontrar, após meses, um adoentado Livingstone,
Stanley pronuncia a famosa frase “Doutor Livingstone, eu presumo”, e ambos levam adiante o
mapeamento da região dos lagos centrais da África. Os relatos do agora também famoso
154
Stanley (que, além de encontrar Livingstone, finalmente prova que o Nilo nasce do lago
Vitória e resolve a querela entre Burton e Speke), um grande homem de negócios e verdadeiro
“showman”, serão fundamentais na invasão da África, numa cadeia de eventos que ele mesmo
não poderia prever. Sua descrição das „riquezas inexploradas‟, do potencial econômico da
região – ele vê e descreve as grandes populações do interior africano como um imenso
mercado consumidor à espera de vendedores ambulantes –, a violência com que reprime
qualquer resistência ao contato (“os selvagens só respeitam a força”, escreve (KI-ZERBO,
2002, p. 74)), terão um grande impacto em toda e a Europa. Eis como H. Wesseling descreve
o efeito das viagens de Stanley:
47
Sobre a noção de „Estado Livre do Congo‟ que Leopoldo II desejava implantar: ““O Rei, como particular,
deseja somente possuir propriedades na África. A Bélgica não quer nem colônias nem territórios” (...) Isso não
significava o estabelecimento de uma soberania estrangeira, visto que o Rei não agia enquanto chefe do Estado
belga. Tal procedimento criava na África um Estado africano novo, cujo chefe seria o comitê, quer dizer,
Leopoldo (...). O sonho de Leopoldo: reunir ao tìtulo de Rei dos belgas o de soberano de um Estado negro”
(BRUNSCHWIG, 2006, pp. 31,32).
155
Bélgica é um país que praticamente não entrara nas contas da expansão do sistema-mundo
moderno, até que as aspirações de Leopoldo II ao Congo a tornarão peça-chave na invasão do
continente africano. A região do Congo passou a interessar à praticamente todas as potências
europeias, tanto as antigas, como Portugal, que alegava possuir direitos históricos à região
desde o tempo de Diogo Cão, quanto as novas, como a recém-unificada Alemanha, ávida por
mercados consumidores, sem falar na Inglaterra, que deseja, mais que tudo, o livre-comércio
que seria tornado impraticável caso a região passasse à tutela francesa (que tinha um „direito‟
de preempção ao Congo) e suas altas tarifas. Vendo Stanley, sem a mínima cerimônia,
empenhado em estabelecer postos belgas e assinar tratados com autoridades locais no Congo,
Portugal clama por uma conferência internacional, no que é prontamente atendido pelo
chanceler alemão, Otto von Bismarck, ansioso por dar à Alemanha uma relevância cada vez
maior na política europeia.
O resultado dessa cadeia de eventos, iniciada pelos relatos de viagem de Stanley, será
a célebre Conferência de Berlim, realizada na capital alemã entre 15 de Novembro de 1884 e
26 de fevereiro de 1885 (BRUNSCHWIG, 2006, p. 41), com a participação de catorze países,
incluindo os EUA. Em vista das circunstâncias econômicas já apresentadas, com a
necessidade crescente de exportar os capitais „excedentes‟ na Europa, compreende-se a
convergência dos interesses econômicos e políticos das potências europeias em torno do
continente africano na época da Conferência de Berlim. A África descrita pelos olhos do
império configurava um espaço „ideal‟ para realizar as lucrativas operações financeiras
almejadas, e em Berlim é decidido como isso vai ser feito. Essa reunião e seus
desdobramentos servem em grande medida para demonstrar as linhas gerais do que essa
dissertação inteira se propõe a discutir: o poder da linguagem, das imagens criadas pelas
narrativas. Ora, Henri Brunschwig diz que “até cerca de 1860, não ocorreria ao espírito de
nenhum Ministro do Exterior [francês] provocar um conflito com a Inglaterra por causa de um
pedaço da África negra” (BRUNSCHWIG, 2006, p. 16), mas nos anos 1870 e 1880 houve na
Europa uma “valorização da África negra, que atraiu o interesse de círculos mais extensos que
os dos humanitaristas, dos sábios e dos comerciantes britânicos” (BRUNSCHWIG, 2006, p.
18), ou, em palavras mais diretas, “o descobrimento do Congo atraiu, repentinamente, a
cobiça dos europeus” (BRUNSCHWIG, 2006, p. 28). Em função das narrativas de viajantes
como Stanley, surge um interesse político-econômico tão premente pela África que a
Conferência de Berlim foi a maneira encontrada por esses europeus para estabelecer regras
que minimizassem os conflitos de interesses, e possíveis conflitos militares, entre si. Por outro
156
lado, a narrativa só surgiu, ela mesma, por causa da demanda expansionista do próprio
sistema-mundo capitalista, e em sintonia com suas fórmulas narrativas. Da Conferência de
Berlim, o principal beneficiário foi o rei belga, “cujo tìtulo de soberano proprietário do Congo
foi reconhecido por todos” (FERRO, 1996, p. 101). Ao fim, a ata geral da Conferência
estabelece os seguintes princípios básicos:
monarca belga para extrair as riquezas do Congo, Serrano & Waldman citam o relatório de
um funcionário inglês, de 1903:
[...] havia métodos ainda mais desumanos, como o corte de orelhas e outras
formas de mutilação fazendo parte de um macabro sistema de contabilidade.
Em 1899, um agente do governo (...) disse a um missionário americano: cada
vez que um cabo sai para buscar borracha, recebe cartuchos. Deve trazê-los
todos intactos; e para cada cartucho usado, deve trazer uma mão direita.
Com, ou sem precisão, o funcionário informou ao missionário de que em
seis meses o Estado tinha usado 6.000 cartuchos no rio Momboio, o que
significa que 6.000 pessoas foram mortas ou mutiladas. Na verdade, mais do
que 6.000, pois me contaram que, frequentemente, os soldados matavam
crianças com os cabos das armas. (Apud SERRANO & WALDMAN, 2007,
p. 222).
Um homem chamado Joseph Conrad, considerado um dos maiores escritores de língua
inglesa de todos os tempos, vai ser testemunha ocular dos horrores belgas no Congo 48, e
transformará essa experiência naquele que foi considerado por Jorge Luìs Borges como “o
mais intenso de todos os relatos que a imaginação humana jamais concebeu” 49: o romance O
coração das trevas. Infelizmente o mestre argentino não estava totalmente correto quanto ao
fato de ter sido O coração das trevas pura invenção humana, mas o fato é que aqui podemos
perceber nitidamente a ligação entre um „setor‟ do “ministério da curiosidade europeia”, os
relatos de viagem, e outro, os romances imperialistas, aqueles servindo de fonte a estes ou
sendo escritos pelos próprios agentes imperialistas, como é o caso de Conrad. A despeito do
caráter filosófico-reflexivo sobre a condição humana, ou denunciativo do „horror, o horror‟, a
célebre frase do personagem Kurtz, Conrad está imiscuído na cultura imperialista de missão
civilizadora, e a leva para o leitor. No seguinte trecho, por exemplo, um personagem justifica
os abusos cometidos na „colonização‟ do Congo: “A conquista da terra, o que na maior parte
significa tirá-la daqueles que têm uma fisionomia diferente ou narizes ligeiramente mais
achatados que os nossos, não é uma coisa bonita quando você olha demais para ela. O que a
redime é somente a ideia” (CONRAD, 1997, p. 11). A ideia é a missão civilizadora, claro.
Esse „fardo‟ que o „homem branco‟ carrega em benefìcio dos „selvagens‟.
Nesse ponto da dissertação chegamos à tese defendida por Edward Said em Cultura e
Imperialismo, seu trabalho posterior à Orientalismo, onde ele buscou “descrever um modelo
mais geral de relações entre o Ocidente metropolitano moderno e seus territórios
ultramarinos” (SAID, 1995, p. 11). O objetivo desta dissertação não é analisar os romances
48
Para um aprofundamento na história do genocídio promovido pelo governo belga no Congo, consultar
HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na África
colonial. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
49
A afirmação encontra-se na contracapa da edição de O coração das trevas da Editora L&PM (CONRAD,
1997).
158
terra, o espaço físico. Não é nada abstrato. Porém, quando se trata de decidir ou julgar quem
possui o direito pela terra, o direito de viver e trabalhar nela, de invadi-la e expulsar quem
nela viva ou de lutar por ela, todas essas questões “foram pensadas, discutidas e até, por um
tempo, decididas nas narrativas. (...) O poder de narrar, ou de impedir que se formem e surjam
outras narrativas, é muito importante para a cultura e o imperialismo, e constitui uma das
principais ligações entre ambos” (SAID, 1995, p. 13).
Mais uma vez, retomo a questão da autoria. A cultura, para Said, é uma “espécie de
teatro em que várias causas polìticas e ideológicas se empenham mutuamente” (SAID, 1995,
p. 14), teatro no qual as pessoas – nós, cidadãos comuns, historiadores, cineastas, romancistas
– tomam parte quer queiram quer não. É desejo de muitos que a cultura seja percebida como
uma esfera da existência separada dessas questões „práticas‟, por assim dizer; essa percepção
de cultura como algo divorciado do mundo cotidiano torna muitos intelectuais “incapazes de
estabelecer a conexão entre, de um lado, a longa e sórdida crueldade de práticas como a
escravidão, a opressão racial e colonialista, o domínio imperial, e, de outro, a poesia, a ficção
e a filosofia da sociedade que adota tais práticas” (SAID, 1995, p. 14). Essa relação não
pressupõe um determinismo mecânico, como se um cidadão inglês de fins do século XIX não
pudesse ser anti-imperialista ou um cidadão estadunidense do início do século XXI não
pudesse ser avesso à ideia do destino manifesto50. As palavras de Said a esse respeito
traduzem a atitude adotada nesta dissertação, mutatis mutandis:
50
A estadunidense doutrina do „Destino Manifesto‟ é uma mistura de ideias de superioridade racial com uma
suposta missão, outorgada pela divina providência, de levar o “bem” para o resto do mundo, utilizada como
justificativa para a recente guerra no Iraque, por exemplo. Suas origens remontam ao século XIX: “Em 1885 o
pastor Josiah Strong escreveu que os anglo-saxões estavam encarregados pela divindade de ser os guardiães da
espécie humana e que Deus os havia preparado para a guerra final entre as raças”, e no mesmo ano “o historiador
John Fiske endossava essas ideias em um ensaio intitulado Manifest destiny” (BRUIT, 1988, p. 12).
160
cegá-lo para outras histórias, outras culturas e outras aspirações” (SAID, 1995, p. 19). O olhar
de Conrad só percebe o mundo dominado pelo eurocentrismo, e as resistências que se
levantam contra essa dominação apenas confirmam a iniquidade do próprio eurocentrismo.
“O que Conrad não consegue ver é uma alternativa a essa cruel tautologia. Ele não podia
entender que a Índia, África e América do Sul também possuíam vidas e culturas com
identidades não totalmente controladas pelos reformadores e imperialistas gringos deste
mundo” (SAID, 1995, p. 19). Assim,
Verne encarna e exemplifica bem o tipo de literatura de grande sucesso popular, que
vai exercer a função precisa dentro do „ministério da curiosidade europeia‟ de vulgarizar a
África inventada pela racionalidade moderna. Trata-se do
de um simples talento visionário, essa característica revela o quão este autor estava
impregnado pela noção de progresso, tão cara à racionalidade moderna, como já visto. Para
Verne, “a ideia de progresso – do progresso da civilização ligado ao da técnica – impõe-se a
qualquer outra consideração. O direito dos povos só existe de fato quando estes participam da
civilização” (FERRO, 1996, p. 196), e é desnecessário lembrar que a concepção de civilização
moderna só incluía a própria Europa. De modo que os professores-exploradores que
protagonizam a maioria dos romances de Verne são, sem exceção, incrivelmente atualizados
com todas as inovações científicas e tecnológicas de seu tempo (como demonstra a citação de
Cinco semanas em um balão que abre este capítulo), exercendo a dupla função de 1) levar
para o grande público o empreendimento imperial em detalhes, reafirmando a superioridade
da civilização europeia, e 2) justificar constantemente, a partir dessa noção que nunca se
permite olvidar de que o progresso é sinônimo de superioridade, todos os empreendimentos
coloniais e seus recorrentes “excessos”. Quem recusa o progresso, inevitável, não merece a
simpatia de Verne:
Acredito ter traçado as linhas gerais do imenso painel em que se formou a imagem da
África divulgada pela indústria cinematográfica hegemônica contemporânea. Todos os tropos
narrativos analisados no capítulo anterior – os tropos da inferioridade africana, da necessidade
de intervenção estrangeira e da necessidade de fuga – se encaixam nessa formação ideológica
ampla sobre a África, desenvolvida no contexto de legitimação intelectual e moral da
expansão imperialista do sistema-mundo moderno. Tal contextualização, mais do que simples
curiosidade ou erudição, evidencia uma tentativa consciente de participar em um esforço
intelectual amplo de descolonização do conhecimento. Ser antieurocêntrico, como esta
dissertação tenta, não significa de modo algum ser antieuropeu ou antiestadunidense, muito
menos eurofóbico, como demonstra a extensa lista de conceitos e autores europeus que utilizo
na feitura da dissertação.
desde os escritos de Conrad e Verne até os filmes contemporâneos, não os acuso de uma
atitude política consciente no sentido de dominar simbolicamente a África, justificando sua
exploração concreta. O eurocentrismo, revisando o que já foi dito, é a “visão “normal” da
história que a maioria das pessoas no Primeiro Mundo (e até no Terceiro Mundo) aprendem
na escola e assimilam através dos meios de comunicação” (SHOHAT & STAM, 2006, p. 24).
Em consequência dessa naturalização de um único ponto de vista histórico como „o correto‟, é
possível que um indivíduo seja declaradamente (e de modo sincero) contra o racismo, mas
tenha uma posição implicitamente eurocêntrica. Para exemplificar com um tema candente em
nossa sociedade contemporânea: muitas pessoas que, de modo consciente, se dizem anti-
homofóbicas, entendendo que os homossexuais são cidadãos como quaisquer outros,
merecedores de respeito, dignidade e direitos civis, nas atitudes práticas inconscientes do
cotidiano se mostram em larga medida repetidoras do pensamento dominante – machista,
sexista e homofóbico –, de inegável origem eurocêntrica. As ideias discriminatórias racistas e
sexistas são profundamente imbrincadas, como demonstra Stephen Jay Gould:
51
Uma análise pertinente do vínculo histórico entre racismo e machismo, tendo como objeto a experiência
colonial ibérica, é o artigo da antropóloga espanhola Verena Stolcke intitulado O enigma das interseções: classe,
”raça”, sexo, sexualidade. A formação dos impérios transatlânticos do século XVI ao XIX (STOLCKE, 2006).
163
por “darem cabimento”; e é exatamente essa atitude que esta dissertação aponta no que diz
respeito ao eurocentrismo, em filmes que alegadamente se destinam a „ajudar‟ a África, como
Diamante de sangue (ver análise posterior), mas que repetem com precisão todos os tropos
imperialistas com todos os signos que inferiorizam a África em todos os sentidos. O esforço
intelectual dessa dissertação é colaborar na percepção de que o eurocentrismo (e todas as
formas de discriminação dele decorrentes, como o racismo, a homofobia e o machismo) não é
uma herança genética, é tão somente um discurso historicamente situado e aprendido. Como
afirmou há tanto tempo Simone de Beauvoir, a rejeição a noções como o „eterno feminino‟, a
„alma negra‟ e o „caráter judeu‟ é uma atitude política necessária, uma vez que essas noções
que subalternizam o Outro, em sua origem eurocêntrica comum, tiram “seus argumentos do
estado de fato que ela criou”, citando uma famosa frase de George Bernard Shaw: “O
americano branco relega o negro ao nível do engraxate; e concluí daí que só pode servir para
engraxar sapatos” (BEAUVOIR, 1970, p. 18). As justificativas pseudocientíficas para o
eurocentrismo já vêm sendo intelectualmente combatidas há muito tempo, e essa dissertação
apenas se lança em mais um flanco que precisa ser aberto nesse combate, pois, mais uma vez
citando Beauvoir, “diga-se mais uma vez, não é a fisiologia que pode criar valores. Os dados
biológicos revestem os que o existente lhes confere” (BEAUVOIR, 1970, p. 57).
cinema contemporâneo), uma vez que, levados em conta, os fatores a seguir arrolados
certamente implicariam em representações significativamente diferentes daquele continente.
165
Em seu último romance, Caim, o escritor José Saramago remete àquela categoria de
fatos que os historiadores gostariam de “condenar ao esquecimento, em definitiva quarentena,
no limbo daqueles sucessos que, para tranquilidade das dinastias, não é conveniente arejar”
(SARAMAGO, 2009, p. 71). Certamente, a tranquilidade do pensamento eurocêntrico
repousa em grande parte na espécie de acordo tácito estabelecido pela historiografia
hegemônica euro-estadunidense no que se refere à resistência africana à tão propalada
„partilha da África‟ – fato inconveniente de se arejar. O povo judeu organizado não permite
em parte alguma do globo, com absoluta razão, que o Holocausto nazista seja negado ou
esquecido. O governo do país que perpetrou a barbárie participou de muitos modos de
reparação às vítimas e seus descendentes. Hitler e Klaus Barbie, cognominado “carrasco de
Lyon”, só a tìtulo de exemplo, são cotidianamente citados como o pior exemplo do que a
sociedade humana pôde produzir. Correto. Mas porque não é feito o mesmo em relação a
Guilherme II e Lothar von Trotha? E a Leopoldo II e todos os outros protagonistas da invasão
à África, para não parecer que se deseja apontar apenas genocidas alemães? Por que o
Holocausto é ensinado como absolutamente hediondo e a „Partilha da África‟ simplesmente
como um conteúdo a mais no currículo, arrematado em um parágrafo ou dois na maioria dos
livros didáticos? A resposta pode ser inferida a partir das falas, referidas algumas páginas
atrás, de Marc Ferro e de Aimé Cesáire52: Os genocidas e os funcionários que participaram do
massacre de populações africanas no contexto do Imperialismo não são assim classificados na
historiografia hegemônica pela simples razão de que as teorias que justificaram aqueles atos
ainda são, em larga medida, implicitamente aceitas. De modo que àqueles acontecimentos não
é concedido o status de Genocídio, definido como "a recusa do direito à existência de inteiros
grupos humanos", termo jurídico criado especificamente no contexto da Segunda Guerra
Mundial para designar um tipo específico de crime contra a humanidade:
52
Página 132 desta dissertação.
166
Percebe-se uma cruel e velada tautologia nesse estado de coisas: se os africanos não
se encontram no mesmo patamar de „humanidade‟ que os europeus, não podem ser vítimas de
genocídio, nem mesmo em casos como o já citado massacre dos herero na África do
Sudoeste53. A negação do genocídio africano do período imperialista passa pela alegação de
facilidade do empreendimento, inclui dizer que se tratou de uma simples „partilha‟, que os
europeus simplesmente ocuparam vastos territórios escassamente povoados por tribos
desorganizadas. Envolve silenciar a respeito da resistência africana, e das características das
diversas sociedades e Estados africanos. Envolve esquecer quem foi, a título de exemplo, o
Lothar von Trotha que acabei de citar e que muito provavelmente o leitor desconhece, e deve
estar reclamando da ausência de contextualização ante a inserção desse personagem na
narrativa. O que quero denunciar é exatamente isso: o fato de o nome desse criminoso de
guerra e genocida não ser ensinado nas escolas é um indício contundente da atitude geral da
cultura eurocêntrica em relação ao Imperialismo e à invasão do continente africano. Uma
indesculpável e permanente condescendência.
Marc Ferro afirma: “Na América, as revoltas dos negros foram extremamente
numerosas – mas, por terem fracassado, a não ser a última, no Haiti, não tiveram o direito de
entrar para a História” (FERRO, 1996, p. 141). O mesmo pode ser dito a respeito das
resistências africanas – no plural, pois obviamente não existiu uma „frente unificada‟ de
resistência aos invasores. Nesse ponto da dissertação, a intenção é mostrar uma visão a
contrapelo, realizando uma breve discussão sobre as resistências africanas a fim de contrapor
aos fatos que „entraram para a História‟, e que resultaram na imagem da África que os filmes
repetem atualmente, visão que, levada em conta, muda significativamente a percepção de
África. Tendo em vista as limitações da abordagem de um tema tão amplo em um espaço tão
exíguo de uma dissertação que, ela mesma, não comportaria uma merecida análise profunda,
quero registrar a sugestão de algumas leituras básicas sobre a temática: o sétimo volume da
coleção História Geral da África, A África sob dominação colonial, organizado por Albert
Adu Boahen, contém vários capítulos dedicados às iniciativas e resistências africanas à
53
Cabe ressaltar que em 2004 o governo alemão ofereceu sua primeira apologia formal para o massacre do povo
herero, embora tenha ainda descartado a possibilidade de compensação financeira para os descendentes das
vítimas, sob o argumento de que as leis internacionais a respeito de genocídios ainda não estavam em vigor por
ocasião do massacre. Os herero atualmente movem uma ação judicial nos EUA contra o governo alemão. Não
obstante, o que está sendo discutido na dissertação é a atitude da historiografia eurocêntrica sobre tais fatos, não
posicionamentos legais de governos específicos. Para mais informações, inclusive sobre o campo de
concentração da ilha Shark, consultar: http://afraf.oxfordjournals.org/content/106/422/113.abstract /
http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/3565938.stml http://jornalorebate.com.br/site/internacional/4499-o-genocidio-
esquecido--a-revolta-dos-hereros-e-nama-na-namibia. Acessados em 10/02/2012.
167
invasão, divididos por região (ADU BOAHEN, 2010)54; o capìtulo “A invenção da tradição
na África colonial”, de autoria de Terence Ranger, na obra A invenção das tradições
(HOBSBAWN & RANGER, 1997); o capìtulo “A visão dos vencidos”, na obra História das
colonizações, de Marc Ferro (FERRO, 1996); e “A resistência africana”, tópico no terceiro
capítulo de História da África negra Vol. II, de Joseph Ki-Zerbo (KI-ZERBO, 2002). Antes
de adentrar no tema, porém, gostaria de tomar a liberdade de fazer uma breve digressão, a fim
de corroborar a afirmação de que a África foi inventada no contexto do Imperialismo,
refletindo sobre como a Europa compreendia o continente antes desse período.
Ibi sunt leones. Aí existem leões. A frase, estampada por muito tempo pela cartografia
europeia em seus mapas e portulanos, citada por J. Ki-Zerbo em sua introdução geral ao
primeiro volume da coleção História Geral da África (KI-ZERBO, 1982, p. 21), resumiu
durante muito tempo o conhecimento que a classe intelectual europeia possuía acerca do
continente africano. Era um enorme „espaço em branco‟, onde a entrada em massa de
europeus esteve vedada por séculos, dando azo às mais esdrúxulas conjecturas a seu respeito
desde a Antiguidade. Não obstante, registros históricos como os relatos bíblicos, as
Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo, o Kephalaia persa, ou os escritos de autores gregos
como Heródoto e Cláudio Ptolomeu dão conta de que em priscas eras o continente africano
gozava de reputação muito distinta da que passou a possuir no século XIX. Povos africanos
eram listados entre as mais temíveis classes de guerreiros conhecidos, nações africanas eram
listadas entre os reinos mais importantes e influentes do mundo55. Em suma, apesar de não
existir um conhecimento aprofundado, a imagem da África era concebida em termos de
igualdade com as outras regiões conhecidas pelo homem.
Isso significa que para os gregos, por exemplo, os africanos, apesar de serem “homens
de elevada estatura e muito belos e de uma longevidade excepcional” (HERÓDOTO, p.185),
eram compreendidos como bárbaros, tais como os citas ou os celtas, uma vez que é bem
conhecida a noção de bárbaro que permeava a sociedade grega, e posteriormente a romana:
54
Lembrando que os 8 volumes da coleção História Geral da África se encontram disponíveis para download
gratuito em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16146 Acessado em
11/03/2012.
55
Alguns exemplos de referências bíblicas à Etiópia: Naum 3: 9 (“A Etiópia era sua plena força, e também o
Egito”); 2 Reis 19: 9 (“Ouviu então dizer a respeito de Taraca, rei da Etiópia: “ele saiu para lutar contra
ti”. Quando ouviu, enviou imediatamente mensageiros a Ezequias dizendo...”); Salmo 68: 32 (“Do
Egito venham os grandes, e a Etiópia estenda as mãos para Deus”); 2 Crônicas 14: 8-12 (“saiu contra
eles Zerá, o etìope, com um exército de um milhão de homens e trezentos carros...”).
168
bárbaro é aquele que balbucia, que não sabe falar – isto é, qualquer não-grego, qualquer
estrangeiro que não falasse grego, ou latim. Puro etnocentrismo; uma das mais fortes
características do gênero humano, e não apenas de gregos e romanos. No capítulo anterior
apontei as considerações feitas por François Hartog tendo essa característica em vista, aquilo
que ele chama de “retóricas da alteridade próprias das narrativas que falam sobretudo do
outro” (HARTOG, 1999, p. 229). Assim, viajantes como Heródoto, no século V antes de
nossa era, utilizaram esse tipo de fórmula para contar aos seus iguais os Outros que
encontraram em suas viagens. Ora, os povos africanos não escaparam dessas formulações, e
foram objeto de especulações as mais esdrúxulas, como já dito. Cabe ressaltar que a utilização
de mecanismos simbólicos de exclusão não é uma „tradição‟ exclusivamente europeia, todos
os povos em todas as épocas utilizaram algum recurso que os diferenciasse do „Outro‟,
embora não necessariamente menosprezando-o; entrementes, é óbvio que as formulações
oriundas do legado cultural europeu têm nitidamente mais influência sobre nossa sociedade
do que qualquer outra. A questão que desejo sublinhar é que, muito embora em escritos de
viajantes, geógrafos ou historiadores europeus desde a Antiguidade a África seja descrita
muitas vezes de forma negativa, isso não resulta de uma vilania especialmente direcionada, de
um preconceito específico em relação àquele continente, uma vez que essa era (e
provavelmente ainda é) a regra quando o assunto é a descrição do Outro. Não é daí que vem a
imagem negativamente estereotipada da África que perdura ainda hoje. Os povos germânicos,
por exemplo, foram alvo de descrições, por parte dos romanos, certamente tão negativas
quanto os africanos, ou até piores, mas dificilmente podemos afirmar que seus descendentes
contemporâneos carregam a pecha de „povos bárbaros‟, que era atribuìda aos seus ancestrais.
Como afirmam Shohat e Stam, “durante séculos, houve um contato considerável entre a
África e a Europa, e até 1492 o estado de desenvolvimento dos dois continentes era
relativamente igual” (SHOHAT & STAM, 2006, p. 93). Citando John Thornton, esses autores
lembram que
56
Importante ressaltar que esse tipo de comparação não objetiva “parabenizar a África por ter atingido critérios
eurocêntricos de civilização”, mas sim “questionar o abismo supostamente intransponìvel entre a Europa e a
África” (SHOHAT & STAM, 2006, p. 94).
169
foi ocupada ainda no século XVI pelos europeus, tal como se deu com as regiões que viriam a
ser conhecidas como América portuguesa e espanhola? Ora, como argumenta M. Ferro, “não
foi a falta de interesse pela África que freou o avanço dos diversos colonizadores dos séculos
XV a XIX, e nem suas opções comerciais, mas, de fato, a capacidade africana de se defender”
(FERRO, p. 226).
Façamos uma pausa para refletir no que M. Ferro acaba de nos dizer. Convido o leitor
a fazer um pequeno exercício mental, no sentido de rever uma ideia solidificada, de tentar
reelaborar algo que é provável que esteja internalizado em sua concepção de mundo desde
que se entende por gente. A África resistiu ao ímpeto colonialista europeu por mais de
trezentos anos. Foi o último continente a ser conquistado pela militaria europeia. Dar-se conta
disso implica deitar abaixo o mito de que a África não ofereceu resistência às grandes
potências, e acaba com a surpresa da „incrìvel rapidez‟ com que se deu a „partilha da África‟
no auge do Imperialismo, nas últimas décadas do século XIX. De fato, entre os anos de 1885
e 1914 – a „Era dos Impérios‟ – noventa por cento do território africano foi oficialmente
invadido e repartido por potências imperialistas europeias, mas a mesma tradição colonial
(aqui poder-se-ia ler/escrever: „historiografia eurocêntrica‟) que nessa época cuidou em criar
uma imagem subalterna e desqualificante para a África e os africanos, preocupou-se também
em esconder meticulosamente o fato de que, mal colocaram o pé em solo africano, os
europeus tiveram que começar a lidar com as acerbas resistências dos mais diversos povos
africanos. Em muitas regiões, ditas „colonizadas‟ e „ocupadas‟, transcorreram algumas
décadas até que essas resistências fossem razoavelmente „neutralizadas‟ 58. Ainda assim, de
uma maneira global, os custos para manter à força tais colônias era tão grande, tão
desvantajoso economicamente, que antes de meio século de dominação a maioria das grandes
potências começou a cogitar seriamente a possibilidade de „converter‟ tais colônias em
„parceiros‟ comerciais, como nações independentes. É o caso especialmente da Inglaterra.
Portugal foi a maior exceção. Como diz Edward Said,
58
Alberto da Costa e Silva apresenta um panorama muito didático e preciso da resistência processual africana à
ocupação europeia na sétima conversa de sua obra A África explicada a meus filhos (SILVA, 2008).
171
Além disso, creio que um dado de grande relevância geralmente escapa às análises
que ressaltam a celeridade da „Partilha da África‟ – aquelas já citadas afirmações
„estarrecidas‟ sobre como é impressionante o fato de que em algumas poucas décadas a maior
parte do continente foi militarmente ocupada pelos europeus (o que provaria a tese da
superioridade europeia) –; esse dado é o simples fato de que nunca antes na história havia se
investido tanto esforço e dinheiro em tecnologia e logística militar, como enfatiza Terence
Ranger:
59
“Além disso, os dirigentes africanos não sabiam que as espingardas que eles usavam e armazenavam ate então,
de carregar pela boca (os franceses tomaram 21365 espingardas dos Baule da Costa do Marfim, depois de
esmagada a sua ultima revolta, em 1911), estavam inteiramente fora de moda, não podendo ser comparadas aos
novos fuzis dos europeus, de carregar pela culatra, com cadência de tiro quase dez vezes superior e carga seis
vezes mais forte, nem às novas metralhadoras Maxim, ultrarrápidas” (ADU BOAHEN, 2010, p. 7). “Os exércitos
europeus dispunham de armas modernas: artilharia pesada, carabinas de repetição e sobretudo metralhadoras
Gatling e Maxim, além de contarem com a artilharia pesada das forças navais. Como Laroui assinala, os
europeus chegaram a empregar, no decorrer das últimas campanhas, veículos motorizados e aviões (UZOIGWE,
2010, p. 45).
172
conclui que qualquer dos paìses europeus é „inferior‟ ou „primitivo‟ por ter sido arrasado
(como praticamente todos o foram) quando esse poder de fogo foi usado contra eles mesmos
no decorrer da Primeira Guerra Mundial, mesmo todos os lados possuindo acesso
basicamente à mesma tecnologia bélica. Então dizer que a África é inferior por ter sido
combalida sob esse mesmo fogo cerrado só se justifica com o uso dos argumentos de
superioridade natural europeia.
Vejamos a „lista‟ com as razões que explicam a conquista da África pelos europeus,
feita por Godfrey N. Uzoigwe em um dos capítulos do volume da História Geral da África há
pouco citado. Primeiro: em razão dos já comentados extensos relatos de viagens, “os europeus
sabiam mais a respeito da África e do interior do continente – aspecto físico, terreno,
economia e recursos, força e debilidade de seus Estados e de suas sociedades – do que os
africanos a respeito da Europa”; Segundo, por causa das inovações da tecnologia médica, “os
europeus temiam menos a África do que antes de meados do século XIX”; Terceiro, a óbvia
disparidade entre os recursos materiais e financeiros que a burguesia europeia se esforçava em
acumular, e que não fazia parte da cultura de nenhum Estado ou povo africano, o que
significava que “se as potências europeias podiam gastar milhões de libras nas campanhas
ultramarinas, os Estados africanos não tinham condições de sustentar um conflito armado com
elas” (UZOIGWE, 2010, p. 44); e quarto, talvez o mais significativo:
60
A fim de somar no esforço de desmistificação do repertório semântico utilizado para descrever a África,
gostaria de lembrar a etimologia de escravo, palavra consagrada como sinônimo de negro na retórica
eurocêntrica. Nas palavras de Serrano e Waldman: “O ápice da escravização na Europa ocorreu entre as
populações eslavas do Leste. Abrigando pequenos grupos que no alvorecer da Idade Moderna ainda
permaneciam “pagãos”, essas populações foram alvo de cruzadas implacáveis que reduziram muitos dos grupos
capturados à condição de escravos vendidos para países estrangeiros. No mundo muçulmano, as altas
personalidades viviam cercadas por escravos sakaliba, termo procedente de Eslavônia, topônimo que definia
regiões por eslavos. Não por acaso, a expressão eslavo teminou etimologicamente identificada à classe de
pessoas privadas de liberdade. É de eslavo que procedem: slave, em inglês; sklaven, em alemão; esclave, em
francês; esclavo, em castelhano; e escravo, em português” (WALDMAN & SERRANO, 2007, p. 198).
174
concepções e ilusões culturais e pretensões polìticas de seu próprio tempo” (RESTALL, 2006,
p. 18), analisando não só os relatos escritos à época dos acontecimentos, pelos „vencedores‟,
mas também a versão dos fatos engendrada pelos historiadores que se proclamam imparciais e
objetivos. Restall elege alguns tropos narrativos repetidos nos relatos e na historiografia sobre
a „conquista da América‟, e dedica um capìtulo à análise de cada um desses mitos
historiográficos. A análise de Restall mostra, por exemplo, que as versões da história que
apresentam os espanhóis como um punhado de aventureiros intrépidos e destemidos
“dissimulam o caráter prolongado e incompleto da Conquista, bem como os papéis cruciais
desempenhados por “aliados” americanos nativos” (RESTALL, 2006, p. 21), aliados que
nomeia como „guerreiros invisìveis‟, já que não entram na conta do relato na historiografia
hegemônica. Quando se leva em conta que milhares de guerreiros tlaxcaltecas, inimigos
históricos dos mexicas, lutaram ao lado de umas parcas centenas de espanhóis na conquista de
Tenochtitlán, o mito da superioridade espanhola não se sustenta (RESTALL, 2006, pp. 98-
106). Será que se fosse levado em conta, e constasse nos livros didáticos, o fato de que “as
potências europeias, independentemente dos exércitos próprios, podiam engajar mercenários e
recrutas africanos, o que lhes dava, quando necessário, superioridade numérica” e que a maior
parte dos exércitos invasores “recrutava tropas entre os africanos, sendo europeus apenas os
oficiais” (UZOIGWE, 2010, p. 45) no decorrer da „partilha da África‟, o mito da
superioridade europeia nesse caso também se sustentaria?
toda noite, eles iam despejar água fervendo nas mudas de cacau que os
haviam obrigado a plantar. Foi só mais tarde que perceberam que o produto
lhes rendia algum dinheiro que poderiam utilizar. Esses mesmos agnis
passavam por inaptos para o trabalho manual, e até para qualquer trabalho: a
verdade é que tinham uma etiqueta complicada, a qual respeitavam, e que os
proibia, sobretudo às classes superiores, de trabalhar em público. Eram
taxados de “preguiçosos”, quando na verdade mostraram que podiam ser
extremamente ativos. A inadaptação ao “progresso”, tal como entendido pelo
colonizador, podia se manifestar sob outras formas de “resistência”
cultural... (FERRO, 1996, p. 37)
Referindo-se à resistência armada no extremo sul do continente, a título de exemplo,
Marc Ferro informa que no Transkei os xhosas barraram o avanço europeu por mais de um
século, determinando assim “os locais de implantação dos colonos, que se instalaram ali onde
puderam” (FERRO, 1996, p. 261); o mesmo fizeram os zulus no Natal, os sothos nas
planícies centrais, os bapedis no Transval e os nandabeles no Zambeze. Nos parágrafos
176
iniciais do tópico Contra-história da resistência africana, Ferro faz a seguinte afirmação, que,
apensar de potencialmente questionável no que diz respeito ao Brasil, revela a dimensão da
resistência armada em diversos lugares na África:
A situação das sociedades e Estados africanos antes e durante a invasão europeia era,
assim como qualquer outra sociedade humana, “infinitamente complexa” (RANGER, 1997. p.
257), em larga medida incompreensível para os europeus, que não conheciam (e podemos
inferir que não se interessavam em conhecer) as características próprias de cada uma daquelas
sociedades, e então simplesmente as enquadraram nos padrões europeus, rotulando-as de
inferiores; a África „precisou‟ ser explicada, harmonizada a modelos inteligíveis para os
europeus, ao pensamento cartesiano. “As pessoas precisavam ser “reconduzidas” a suas
identidades tribais”, de maneira que foram inventadas tradições africanas para a própria
África, a fim de torná-la inteligível para o modo de pensar europeu, que só considera legítimo
algo que, na sua concepção, é tradicional (RANGER, 1997. p. 255). As palavras do
177
61
Sobre as lacunas no conhecimento das sociedades africanas, convém considerar o estudo de Pierre Clastres A
sociedade contra o Estado (CLASTRES, 2003), que analisa a dinâmica de sociedades que rejeitam a perspectiva
eurocêntrica de organização social, bem como Costumes em comum (THOMPSON, 2002), onde E.P. Thompson
mostra como a ascensão da burguesia está relacionada com profundas mudanças na organização social europeia
– em muitos aspectos, como a relação com o tempo, por exemplo, as sociedades europeias pré-ascensão do
sistema-mundo capitalista guardam similaridades com as sociedades africanas à época do Imperialismo.
178
período que antecedeu a invasão imperialista, e mesmo sobre as contradições desse período –
a exemplo, mínimo, das obras acima citadas –, os filmes sempre dão a entender que a África
sem a presença europeia era „degenerada‟, se constituìa num vazio de humanidade, carecendo
desde sempre de intervenção dos „homens civilizados‟. Embora haja abundante e relevante
material contemporâneo que explica a complexidade das atuais sociedades africanas, os
filmes, mesmo os produzidos sob a égide das „boas intenções‟, continuam utilizando-se de
tropos narrativos carregados de ideologia subalternizante.
Para o negro maometano, nada está realmente bom. Pode-se construir para
ele estradas de ferro, abrir-lhe canais, gastar centenas de milhares de francos
para a irrigação das terras que ele cultiva; isso não lhe impressionará em
nada, pois é visceralmente indiferente a tudo quanto seja europeu, seja qual
for a vantagem que lhe propiciarmos (SCHWEITZER, 2010, p. 23).
Eis a reação que o europeu espera dos „nativos‟, e sua indignação quando ela não vem:
surpresa sempre que ela expelia vapor, e procuravam explicar uns aos outros
como era que tal máquina podia se pôr em marcha. Já numa cidade do
continente de população muçulmana, havíamos utilizado a força hidráulica
para a instalação de iluminação elétrica e esperávamos que a população se
surpreendesse com tamanha claridade! Pois logo na primeira noite em que as
lâmpadas se acenderam, todos combinaram de permanecer em suas casas e
choupanas para deixar patente sua apatia ante tal inovação (SCHWEITZER,
2010, p. 24).
A atitude resumida na frase do líder argelino Ferhat Abbas, que lutou na libertação da
Argélia do jugo francês, era incompreensível para o colonizador mergulhado na ideia de
missão civilizadora: “Pouco me importa se instalam luz elétrica na minha casa, se a casa não é
minha” (Apud FERRO, 1996, p. 268). Ao contrário da tão presumida, na historiografia
hegemônica, passividade africana, que é uma releitura do tropo da inferiorização por meio da
infantilização do „nativo‟, foi justamente a resistência encarniçada – entendida pelo invasor
como recusa ao progresso – um dos elementos que mais contribuiu para o retrato do africano
como bárbaro, como vimos a respeito do retrato que Júlio Verne pinta dos africanos que
resistem aos invasores franceses.
180
“Faça isso, mas não diga nada a ninguém.” Esse foi o conselho de Fernand Braudel a
Marc Ferro no começo dos anos 1960, quando este último expressou o desejo de estudar
filmes como documentos históricos. Pierre Renouvin acrescentou: “Antes, defenda sua tese de
doutorado” (FERRO, 2010, p. 9). A postura que então caracterizava uma heterodoxia tão
patente tornou-se lugar comum em nossos dias: rarissimamente se encontra um historiador
que questione a legitimidade de filmes como documentos históricos. Já nos anos 1970 o
cinema havia sido “elevado à categoria de “novo objeto”, definitivamente incorporado ao
fazer histórico dentro dos domìnios da chamada História Nova” (MORETTIN, 2007, p. 39).
Muito debate marcou e continua sendo parte distintiva dessa área de estudos históricos, e é
certo que a imensa maioria dos historiadores se utiliza de outras fontes, mas o estatuto de
fonte histórica adquirido pelos filmes não é mais combatido. Numerosas teses de doutorado
são produzidas a partir de tais fontes. De modo que não vejo a necessidade de adentrar num
debate sobre esse mérito, tendo em vista que o considero o próprio pressuposto legitimador
desta dissertação em si mesma.
recomendadas, e os principais teóricos da área estão listados ao fim deste texto nas referências
bibliográficas62.
Não sendo o objetivo desta dissertação esse debate formal em si, tomo como ponto de
partida os pressupostos contemporaneamente aceitos da relação cinema-história, para discutir
dois temas que são recém-chegados ao debate, por assim dizer, e que podem ser relevantes
para o objeto aqui analisado, os filmes contemporâneos e seu discurso recorrente sobre a
África. O primeiro é a noção de Cultura Histórica, área de concentração do Mestrado em
História do Programa em Pós-Graduação da UFPB, onde esta dissertação está sendo
produzida. Farei uma breve análise da possibilidade de filmes poderem ser considerados parte
de uma cultura histórica. O outro é um tema tão heterodoxo hoje quanto era a proposta de
Ferro a Braudel nos anos 1960: é a proposição de que o cineasta pode ser também historiador.
Comecemos pela Cultura Histórica.
O cinema em seu início era considerado uma simples curiosidade técnica, atração de
quermesse surgida no bojo dos muitos „avanços‟ cientìficos alcançados pela ciência moderna.
Para muitos intelectuais, como escritor francês Georges Duhamel, o cinema era um espetáculo
de párias, “uma máquina de idiotização e de dissolução, um passatempo de iletrados, de
criaturas miseráveis exploradas por seu trabalho” (Apud FERRO, 2010, p. 28). Dessa origem
inglória, pouco promissora, “o cinema acabou por se transformar numa das mais importantes
formas de entretenimento de massa do século XX” (RAMOS, 2002, p. 14); Alcides Ramos
enuncia a concretude em que vivemos: “o material audiovisual (Cinema e Televisão) está
definitivamente incorporado à nossa vida cotidiana, constituindo-se em grande fonte de
informação (especialmente a Televisão) e divertimento de massa” (RAMOS, 2002, p. 15). De
que modo esse fenômeno tão amplo, tão abrangente, se relaciona com o conceito de Cultura
Histórica? Atualmente, o debate no campo da história sobre a definição desse conceito está
em pleno andamento, não havendo uma definição consensual entre os historiadores. Porém, a
maioria dos que o utilizam concorda em seus pressupostos básicos, que acredito estarem
resumidos nas seguintes assertivas de Oldimar Cardoso, em artigo onde analisa a didática da
história na concepção de autores como Klaus Bergmann, Jörn Rüsen, e Hans-Jürgen Pandel:
Cultura Histórica como “manifestações culturais da História sem forma cientìfica” e ao
mesmo tempo “a forma como uma sociedade lida com seu passado e sua História”
(CARDOSO, 2008: 158). A expressão é oriunda de um escrito de Jacques Le Goff, que se
62
AUMONT (1995 a), AUMONT (1995 b), FEIGELSON (2009), FURHAMAR & FOLKE (1976), GARDIES
(2007), GAUDREAULT & JOST (2009), KRACAUER (1988), METZ (1971), METZ (1972), RAMOS (2011),
RAMOS (2005), SANTANA (2007), SORLIN (1984), SPINK (2000), VIRILIO (2005), XAVIER (1984).
182
apropriou do seu uso por Bernard Guenée e ampliou seu raio de atuação: “Sob este termo,
Guenée reúne a bagagem profissional do historiador, a sua biblioteca de obras históricas, o
público e a audiência dos historiadores. Acrescento-lhes a relação que uma sociedade, na sua
psicologia coletiva, mantém com o passado” (LE GOFF, 1990, p 48), aproximando cultura
histórica da ideia de mentalidade histórica de uma época, fazendo todas as ressalvas possíveis
à impressão de generalização que esta última expressão pode acarretar. O termo foi utilizado
no Brasil destacadamente por Ângela de Castro Gomes, segundo quem “a proposta de
História do Brasil construída durante o Estado Novo marcou a cultura histórica de nosso país
por muito tempo”, com destaque para sua afirmação de que
industria del entretenimento aumeta su poder como instancia legitimadora de los saberes
compartidos, em detrimento de los canales formales y disciplinarios” (CARRETERO, 2007,
p. 70). A esse respeito, mas sem se referir diretamente a esse fato, Marc Ferro falou de uma
contra-História que seria construída tanto pelo cinema como por outras formas de expressão,
contradizendo a História institucionalizada (FERRO, 2010. p. 25). Em alguns casos, como o
analisado por esta dissertação, parece que contra-história de Ferro, a história cotidiana de
Carretero, o front ideológico de Żiżek, a Cultura Histórica de LeGoff – ou seja, aquela
imagem estereotipada da África que é veiculada nos meios de comunicação de massa,
especialmente o cinema – usufrui mais status de institucional do que a acadêmica, uma vez
que a escolar é praticamente nula. Josep Fontana, embora também não recorra ao termo
Cultura Histórica, expõe a sua maneira de atuação. Do mesmo modo que a „história oficial‟, a
Cultura Histórica
Chegamos aqui ao final do percurso proposto para esta dissertação: partindo dos
próprios textos, os filmes por eles mesmos, vimos „a África que os filmes mostram‟, no
capítulo 2; no capítulo 3, mergulhamos com certa profundidade no interdiscurso, na memória
discursiva que torna possíveis os enunciados feitos pelos filmes contemporâneos,
estabelecendo assim em que formação ideológica eles se encaixam e de que memória
discursiva específica eles se apropriam, lembrando o que diz Eni P. Orlandi sobre o
interdiscurso:
num museu francês até a década de 197063. O filme, esteticamente distante dos modelos
hollywoodianos, considerado „de arte‟, apresenta desde o começo longas sequências da
violência a que Saartjie era exposta. Numa jaula, humilhada publicamente como uma
aberração, tendo seu corpo tocado pelo público. Obrigada a obedecer ao seu “empregador”
europeu nas tarefas mais sórdidas, e buscando refúgio no álcool para o seu sofrimento, sempre
com uma expressão de impassível resignação. Nenhuma contextualização é feita, o filme atira
o espectador para dentro da narrativa e esta segue sem maiores explicações. A compreensão
do sentido de Vênus Negra não se consubstancia apenas por suas falas e imagens, pelo texto
fílmico em si, mas pelo processo de relação inconsciente operado pelo receptor entre esse
texto e sua exterioridade (a sociedade racista em que vivemos) mais as suas condições de
produção, elementos que podem ir, e com frequência vão, além da intencionalidade dos
sujeitos produtores dos textos. Assim, para além de qualquer intenção do diretor franco-
tunisiano Abdellatif Kechiche de combater e expor o racismo, seu filme torna presente de
maneira acrítica essa questão, especialmente em função da memória, que é um dos elementos
fundamentais das condições de produção (entendidas não em sentido estrito, as circunstâncias
da enunciação, o contexto imediato, mas em um sentido amplo, de contexto sócio-histórico e
ideológico). Ao filme Vênus Negra podem ser aplicadas as palavras de Orlandi:
63
Ver a análise do caso feita por Stephen Jay Gould no artigo Vênus Hotentote, incluído na obra O sorriso do
flamingo: reflexões sobre a história natural (GOULD, 1990).
186
Von Trier, que narra a história de uma mulher também vítima de abusos e da sordidez
humana, mas o fato de ser branca e estadunidense obriga a narrativa fílmica a tecer toda uma
explicação plausível para o abuso a que é submetida, sendo esta discussão, ademais, o
propósito mesmo do filme. O fato de a protagonista de Vênus Negra ser negra, no entanto,
normaliza o abuso, dentro da narrativa, e dispensa a necessidade de qualquer explicação.
Said diz que a ideia de raça “inferior” era uma noção amplamente aceita no século
XIX, não questionada pelos produtores de cultura dos países imperialistas (pelo contrário,
como vimos, estes atuavam majoritariamente como divulgadores das ideologias imperialistas)
e colocada em prática pelos seus funcionários. Pode-se dizer que essa ideia fazia parte da
Cultura Histórica daquela época, pois, como explica José Luiz Fiorin, “a partir do nível
fenomênico, constroem-se as ideias dominantes numa dada formação social. Essas ideias são
racionalizações que explicam e justificam a realidade.” (FIORIN, 2007, p. 28). Então, para a
nossa contemporaneidade, temos uma Cultura Histórica sobre a África formada pelos
seguintes elementos: uma formação ideológica segundo a qual a África é um continente
subalterno e passível de exploração, e uma formação discursiva que pode ser resumida como
um conjunto de temas (discursos), imagens e sons que materializam essa visão de mundo.
64
“A geopolìtica da África começa por jogos de representação e de denominação, mas também de
conceitualização. As ciências sociais têm vocação universal, mas também são elaboradas dentro de contextos
sócio-históricos. Além disso, tende-se à mera transposição dos esquemas analíticos, com os riscos que isso
envolve. O passado escravagista e colonial da África não tem o mesmo significado para africanos e europeus.
Essa clivagem memorial associa-se atualmente a uma clivagem territorial e histórica entre Europa e a África”
(HUGON, 2009, p. 12).
190
Fiorin diz que a semântica discursiva é o campo das determinações inconscientes, pois “o
conjunto de elementos semânticos habitualmente usado nos discursos de uma dada época
constitui a maneira de ver o mundo de uma determinada formação social” (FIORIN, 2007, p.
19).
Nos filmes, apesar das diferenças entre si, percebe-se a repetição dos mesmos
elementos. O tropo da inferioridade da África, da permanente necessidade de ajuda
estrangeira, por exemplo, se traveste de formas distintas, como já exemplificado com os
filmes Falcão Negro em perigo, onde tal tropo é direto e óbvio, e Atirador, onde essa mesma
mensagem é transmitida de forma mais sutil65. Mais uma vez, “a análise não se interessa pela
“verdadeira” posição ideológica do enunciador real, mas pelas visões de mundo dos
enunciadores (um ou vários) inscritos no discurso” (FIORIN, 2007, p. 51). Em termos
puramente linguísticos, pode-se dizer que a Cultura Histórica aqui analisada é um mesmo
discurso invariável com elementos semânticos invariáveis, propagado sob formas sintáticas
variáveis. Essa percepção é fundamental para compreender a noção de Cultura Histórica
presentemente advogada, pois independente das intenções dos realizadores de um filme,
65
Ver as páginas 83 e 84 desta dissertação.
191
simultâneas sobre os diversos aspectos da vivência humana. O professor Elio Chaves Flores
faz um apanhado do entendimento de Cultura Histórica que resume o tema:
Ferro inicia a argumentação apresentado sua concepção de objeto da história, que seria
não somente conhecer fenômenos passados, mas também “a análise dos elos que unem o
passado ao presente, a busca de continuidades, de rupturas” (FERRO, 2010, p. 181). Essa
preocupação, que perpassa toda esta dissertação, é potencializada, para Marc Ferro, pela
condição mais marcante da sociedade contemporânea, já descrita por outros autores, mas que
nas suas palavras é a seguinte:
(FERRO, 2010, p. 182). Trazendo essa questão para o tempo que vivenciamos, repito o
argumento com que iniciei o segundo capítulo: que imagem, que figuração de memória, nos
vem à mente quando pensamos em África? Certamente alguma imagem divulgada pelos
meios de comunicação de massa, muito provavelmente pelo cinema hegemônico – tal como O
rei leão o foi por muito tempo, em meu caso. Ferro diz que “hoje, com o cinema e a televisão,
a História conhece uma nova forma de expressão” (FERRO, 2010, p. 182), e passa a
questionar de que forma essa nova forma de expressão afeta a inteligibilidade da história.
Resumindo a argumentação de Ferro nesse ponto, ele diz, com muitos floreios, circunlóquios
e análises de casos, que sim, determinados filmes e cineastas “contribuem, de modo criativo,
para que certos fenômenos históricos se tornem inteligìveis” (FERRO, 2010, p. 184), ou seja,
atuam como agentes fazedores de história, elevando-se do estatuto de meras fontes e
documentos para o trabalho do historiador para fazerem, eles mesmos, isso que chamamos
história. Ferro faz uma divisão que pretendo questionar adiante: para ele, filmes que podem
ser assim classificados (fazedores de história) são apenas aqueles que trazem uma nova
interpretação para um fato histórico, os que realizam uma contra-análise da sociedade:
muito embora tenha ele mesmo uma historicidade que não se estende por mais de dois
séculos, é tido como imutável, mas as mudanças sociais inevitavelmente inserem novos
elementos nesse conjunto, e cabe ao historiador escolher entre a simples resistência ao novo,
ou à sua análise crítica e posterior aceitação ou recusa. É nesse ponto experimental que esse
trecho da dissertação se situa. Não se trata de questionar os pressupostos da tradição da
história escrita, suas conquistas, nem muito menos negar o seu valor intrínseco, mas
simplesmente de pensar a respeito de outras possibilidades para a história, possibilidades que
de modo algum anulam o que já foi estabelecido e firmado na constituição da disciplina, mas
na verdade ampliam o seu raio de atuação. Diante da possibilidade de representar o passado
por meio das mídias visuais, Rosenstone afirma o seguinte:
(ROSENSTONE, 2010, p. 58). Nesse modo de se analisar os filmes é que reside o nó górdio
desatado por Rosenstone. Ele afirma que essencialmente o que tem sido feito nas últimas
décadas, desde que os historiadores começaram a analisar os filmes como documentos, é
tentar “fazer com que o longa-metragem dramático se adapte às convenções da história
tradicional, encaixar à força o que vemos em um molde criado pelo discurso escrito para si
mesmo” (ROSENSTONE, 2010, p.61), alimentando uma necessidade de apontar e explicar os
erros e invenções dos cineastas. Ele diz que já é momento de superar esse modo de interpretar
os filmes históricos, e que os historiadores devem começar a “sugerir que tais obras já vêm
fazendo história, se, com a expressão “fazer história”, indicarmos não uma participação
naquele discurso tradicional (algo que os filmes claramente não podem fazer), mas uma
tentativa séria de dar sentido ao passado” (ROSENSTONE, 2010, pp. 61,62. Grifos do
autor). Segundo ele,
É importante destacar que Rosenstone não defende que todo e qualquer filme é
„história‟, nem que todo cineasta é historiador. Ele estabelece critérios que diferenciam os
diretores que buscam no passado simplesmente um cenário ocasional para suas narrativas, o
197
que é mais comum, daqueles diretores que têm “uma espécie de interesse pessoal pela
história”; segundo ele, esses cineastas
A crítica se refere ao fato de Rosenstone, assim como Ferro (FERRO, 2010, p. 185),
considerar como historiador apenas o cineasta que contesta a história consagrada pela
historiografia. Rosenstone, definindo historiador como “alguém que dedica uma parte
significativa de sua carreira a criar um significado (em qualquer mìdia) a partir do passado”,
afirma que essa atribuição de significado para o cineasta ocorre, no mínimo, de três maneiras
diferentes: ao criar obras que “visualizam, contestam e revisam a história” (ROSENSTONE,
2010, p. 54). Até onde eu sei, nenhum acadêmico perde o status de historiador por ser
conservador. Então porque apenas cineastas que fornecem “interpretações que contradizem o
conhecimento tradicional” desafiando visões consolidadas de eventos ou questões especìficas,
ou “mostram o passado de maneira nova e inesperada” (ROSENSTONE, 2010, p. 175),
198
A referência à legitimação de conceitos hegemônicos nos traz de volta aos filmes que
são o objeto desta dissertação. O conceito de Rosenstone de cineasta como historiador é bem
objetivo, e não se aplica ao conjunto de filmes aqui analisado, uma vez que são obras de
diretores diversos, cada um com interesses também diversos, mas que em algum momento de
suas carreiras resolveram filmar narrativas que se passam ou fazem referência ao continente
africano; porém, desejo não afirmar, mas sugerir uma ideia que extrapola esse conceito de
Rosenstone, mas se adequa à sua concepção e à de Ferro de que os filmes podem ser
considerados uma forma legítima de se fazer história. Para além do conceito de Cultura
Histórica, já analisado, esse grupo de filmes, que „descende‟ em linha direta de uma longa
linhagem de filmes imperialistas e coloniais no decorrer de todo o século XX, escrevem a
história da África apreendida como „verdade‟ histórica pela maior parte do público. Uma
história que não vai de encontro às políticas concretas das potências dominantes, não contesta
nem revisa a versão „oficial‟ dos fatos, divulgada na historiografia escrita, mas que na verdade
supera essa história e é parte integrante das estratégias de legitimação do Neocolonialismo de
forma ainda mais aguda e intensa. O que eu me pergunto, e desejo dividir a dúvida os leitores
desta dissertação, é se esse grupo de filmes pode ser considerado como uma espécie de escola
ou tradição historiográfica específica sobre a África. O neologismo historiocinegrafia me
ocorreu para designar esse fenômeno, caso ele possa ser testado e quem sabe validado.
Este não é o objetivo desta dissertação, que buscou analisar as raízes históricas da
imagem da África no cinema contemporâneo, por isso deixo o aprofundamento dessa questão
para um trabalho futuro, meu ou de outro colega historiador que deseje se arriscar pelas
beiradas do universo de Clio. Imagino se as ideias provocativas de Rosenstone não podem ser
buriladas e ampliadas teoricamente a ponto de se criar uma abordagem específica para grupos
de filmes que tratem de temas específicos; nessa lógica, esta dissertação seria sobre a
199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais do que qualquer outra disciplina, a história é uma ciência humana, pois
ela sai bem quente da forja ruidosa e tumultuada dos povos.
Estamos em 2012, o vídeo insiste em repetir, e diz isso para ressaltar a importância das
redes sociais online na nossa vida. Há mais pessoas no Facebook hoje do que existiam
habitantes na terra há duzentos anos, o vídeo inicia dizendo. É inédita na história humana a
possibilidade de compartilhar qualquer – qualquer mesmo – tipo de informação, seja um
texto, uma foto, ou um vídeo caseiro, instantaneamente com milhões de pessoas ao redor do
globo. Eu digo que não importam os suportes – um vídeo no YouTube, uma informação
compartilhada no Facebook, um link no Twitter, uma apresentação em power point enviada
como „corrente‟ por e-mail, uma exposição colonial em Paris com „nativos‟ expostos como
66
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=LE_DgntYbpw Acessado em 11/03/2012.
67
De acordo com http://br.noticias.yahoo.com/v%C3%ADdeo-kony-2012-atinge-marca-100-milh%C3%B5es-
visualiza%C3%A7%C3%B5es-201313659.html Acessado em 18/03/2012.
68
Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/video-viral-sobre-criminoso-de-guerra-de-uganda-
provoca-polemica Acessado em 11/03/2012.
201
Tariq ali afirma que nos EUA “as pessoas aprendem a esquecer a história” (ALI,
2006, p. 10), para explicar a razão de justificativas absurdas para os atos do governo
estadunidense serem aceitas pela população. “É um fracasso completo da imaginação
ocidental ver apenas Adolf Hitler como inimigo”, afirma, mostrando como em todas as
circunstâncias desde os anos 1950 a retórica Neocolonial estadunidense equipara seu „inimigo
da vez‟ ao lìder nazista, de Gamal Abder Naser à Osama Bin Laden, passando por Slobodan
Milosevic e, claro, Saddam Hussein (ALI, 2006, p. 10). Esse pobre recurso da lógica falaciosa
moderna, descrito pela primeira vez pelo filósofo político Leo Strauss em sua obra Direito
natural e história (1950), chama-se reductio ad Hitlerum. Eis as palavras do autor que
introduziram o termo no léxico contemporâneo:
Não é de admirar que em certa altura do vídeo Kony 2012, esse líder militar – warlord
(senhor da guerra) na expressão que a mídia estadunidense gosta de usar – ugandense seja
comparado à Hitler. Para Tariq Ali, “eles só conseguem escapar impunes com tais caricaturas
grosseiras porque a história tem sido completamente subestimada” (ALI, 2006, p. 11), e
acrescenta que nos EUA dos últimos quinze anos a história contemporânea deixou de ser
ensinada: “Eles têm uma cultura essencialmente provinciana que gera a ignorância. Tal
ignorância é muito útil em tempos de guerra, porque pode incitar uma fúria rápida em
69
Com a expansão do uso da Internet, nos anos 1990 surgiu no meio virtual, a partir da fórmula reductio ad
Hitlerum, a chamada Lei de Godwin, formulação atribuída a um advogado estadunidense chamado Mike
Godwin, segundo a qual “À medida que cresce uma discussão online, a probabilidade de surgir uma comparação
envolvendo Adolf Hitler ou nazismo aproxima-se de 100%”. De acordo com a Wikipedia, “há uma tradição em
listas de discussões e fóruns que, se tal comparação é feita, é porque quem mencionou Hitler ou os nazis ficou
sem argumentos.” http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Godwin Acessado em 11/03/2012.
202
populações mal informadas e levá-las à guerra contra qualquer paìs” (ALI, 2006, p. 10). Os
EUA certamente não detém um monopólio sobre a ignorância da história. A colocação de Ali
pode e deve ser estendida para outras partes do mundo, inclusive o nosso Brasil, onde Kony
2012 teve milhões de compartilhamentos online, por exemplo.
Acreditar que incentivar (e fazer pressão por) uma intervenção militar estadunidense
em Uganda para capturar um militar sádico local é a melhor opção para o bem estar das
crianças ugandenses só é concebível com um grande desconhecimento, ou, mais
especificamente, um entendimento enviesado da história, e não a história da „partilha da
África‟, mas da história que se desenrola diante dos nossos olhos. Em 1996, pouco antes da
invasão ao Iraque, Madaleine Albright, embaixadora dos EUA na ONU, quando perguntada
se valia a pena pagar o preço pela morte de 500 mil crianças iraquianas em função do impacto
das sanções impostas ao Iraque, respondeu: “Achamos que o preço é justo” (ALI, 2006, p.
31). Essa é a intransigente opinião do governo conclamado pelo vídeo para salvar as crianças
ugandenses das garras de mais um „Hitler‟ africano.
Não obstante estas críticas, o peso dos milhões de visitas e do apoio recebido pela
ideia do vídeo é indicador do quão aceita é sua mensagem. O recorte da dissertação é a
primeira década do século XXI, mas a quantidade de filmes que foram produzidos apenas no
biênio 2011/2012 sobre a temática é impressionante, e não entram na conta da dissertação.
Filmes como Redenção (Machine Gun Preacher, Marc Foster, 2012), que conta a história de
um ex-viciado em drogas interpretado pelo astro Gerard Butler, que se torna pastor e vai para
o Sudão realizar trabalho missionário, mas acaba se vendo “obrigado” a recorrer aos métodos
de seu passado violento para ajudar as crianças vítimas de ninguém menos que o Joseph Kony
de Kony 2012, se tornando o grotesco „pastor metralhadora‟ do tìtulo original. Coincidência?
Síndrome de John Wayne à flor da pele, Cultura Histórica, saber histórico difuso.
Ao contrário do que pensa Tariq Ali, não acredito que a credibilidade das legitimações
para as práticas do Neocolonialismo pressupõe um desconhecimento da história por parte da
maioria das pessoas. Pelo contrário, se das 100 milhões de pessoas que assistiram Kony 2012,
ao menos os milhões dentre estes que o compartilharam pelas redes sociais e se engajaram na
„campanha humanitária‟ que ele propõe acham que invadir um paìs africano militarmente é a
melhor solução para os problemas daquele país, é porque estas pessoas têm uma visão muito
bem consolidada de uma versão específica da história da África. A questão é o que Tariq Ali e
a maioria de nós entendemos por história:
Entendemos que a história são palavras em uma página e não imagens numa
tela. A história é alguma coisa que vamos trilhando com nosso próprio ritmo,
um texto que podemos analisar à vontade, e não um ataque de imagens em
movimento e sons que passa por nós a 24 quadros por segundo. No entanto,
mais de um século após a invenção do cinema, parece estar na hora de
admitir que boa parte do que aprendemos sobre o passado é transmitida ao
público por meio dessa mídia visual (ROSENSTONE, 2010, p. 83).
70
BRECHT, Bertolt. A resistível ascenção de Arturo Ui. In PEIXOTO, Fernando. Bertolt Brecht – Teatro
Completo Vol. 8. Tradução Angélika Köhnke. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
205
FILMOGRAFIA
24 HORAS – A REDENÇÃO. Título original: 24: Redemption. País de origem: EUA. Gênero: Ação.
Duração: 86 minutos. Ano de lançamento: 2008. Estúdio/Distribuição: Fox Filmes. Direção: Jon
Cassar. Roteiro: Howard Gordon. Elenco: Kiefer Sutherland (Jack Bauer), Cherry Jones (Allison
Taylor), Bob Gunton (Ethan Kanin), Colm Feore (Henry Taylor), Hakeem Kae-Kazim (Coronel Iké
Dubaku).
2012. Título original: 2012. País de origem: EUA/Canadá. Gênero: Aventura. Duração: 158 minutos.
Ano de lançamento: 2009. Estúdio/Distribuição: Sony Pictures. Direção: Roland Emmerich. Roteiro:
Harald Kloser e Roland Emmerich. Elenco: John Cusack (Jackson Curtis), Amanda Peet (Kate Curtis),
Oliver Platt (Carl Anheuser), Danny Glover (Presidente Thomas Wilson).
ÁFRICA DOS MEUS SONHOS. Título original: I dreamed of Africa. País de origem: EUA. Gênero:
Drama. Duração: 120 minutos. Ano de lançamento: 2000. Estúdio/Distribuição: Columbia Pictures.
Direção: Hugh Hudson. Roteiro: Paula Milne e Susan Shilliday, baseado em livro de Kuki Gallman.
Elenco: Kim Basinger (Kuki Gallman), Daniel Craig (Declan Fielding), Vincent Pérez (Paolo), James
Ngobese (Luca), Ian Roberts (Mike Donovan).
ALI. Título original: Ali. País de origem: EUA. Gênero: Drama. Duração: 167 minutos. Ano de
lançamento: 2001. Estúdio/Distribuição: Columbia Pictures/Sony Pictures. Direção: Michael Mann.
Roteiro: Stephen J. Rivele, Christopher Wilkinson, Eric Roth e Michael Mann, baseado em história de
Gregory Allen Howard. Elenco: Will Smith (Muhammad Ali), Jamie Foxx (Drew “Bundini” Brown),
Mario Van Peebles (Malcom X), Jeffrey Wright (Howard Bingham).
A MASSAI BRANCA. Título original: Die Weisse massai. País de origem: Alemanha. Gênero:
Drama. Duração: 131 minutos. Ano de lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: Europa Filmes.
Direção: Hermine Huntgeburth. Roteiro: Johannes W. Betz, baseado em livro de Corinne Hofmann.
Elenco: Nina Hoss (Carola Lehmann), Jacky Ido (Lemalian), Antonio Prester (Padre Bernardo), Katja
Flint (Elizabeth).
AMOR SEM FRONTEIRAS. Título original: Beyond borders. País de origem: EUA. Gênero:
Drama/Romance. Duração: 127 minutos. Ano de lançamento: 2003. Estúdio/Distribuição: Mandalay
Pictures/Camelot Pictures/CP Medien AG/MP Film Management UNLS Produktion ando Co. KG.
Direção: Martin Campbell. Roteiro: Caspian Tredwell-Owen. Elenco: Angelina Jolie (Sarah Jordan),
Clive Owen (Nick Callahan), Teri Polo (Charoltte Jordan), Linus Roache (Henry Bauford), Noah
Emmerich (Elliot Hauser).
AS MINAS DO REI SALOMÃO. Título original: King’s Solomon mines. País de origem: EUA.
Gênero: Aventura. Duração: 173 minutos. Ano de lançamento: 2004. Estúdio/Distribuição: Hallmark
Entertainment. Direção: Steve Boyum. Roteiro: Steven A. Berman, baseado em livro de Henry Rider
Haggard. Elenco: Patrick Swayze (Allan Quatermain), Alison Doody (Elizabeth Maitland), Roy
Marsden (Capitão Good), Sidede Onyulo (Umbopa), Hakeem Kae-Kazim (Twala), Ian Roberts (Sir
Henry).
ATIRADOR. Título original: Shooter. País de origem: EUA. Gênero: Ação. Duração: 125 minutos.
Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: Paramount Pictures. Direção: Antoine Fuqua.
206
Roteiro: Jonathan Lemkin, baseado em livro de Stephen Hunter. Elenco: Mark Wahlberg (Bob Lee
Swagger), Michel Peña (Nick Memphis), Danny Glover (Coronel Isaac Johnson).
BABEL. Título original: Babel. País de origem: EUA/México. Gênero: Drama. Duração: 143
minutos. Ano de lançamento: 2006. Estúdio/Distribuição: Paramount Pictures. Direção: Alejandro
González Iñarritu. Roteiro: Guillermo Arriaga, baseado em ideia de Guillermo Arriaga e Alejandro
González Iñarritu. Elenco: Brad Pitt (Richard), Cate Blanchett (Susan), Gael García Bernal (Santiago),
Kôji Yakusho (Yasujiro), Mohamed Akhzan (Anwar).
BAKHITA – A SANTA. Título original: Bakhita. País de origem: Itália. Gênero: Drama. Duração:
200 minutos. Ano de lançamento: 2009. Estúdio/Distribuição: Casablanca Filmes. Direção: Giacomo
Campiotti. Roteiro: Giacomo Campiotti, Dino Leonardi Gentili, Filippo Gentili, Filippo Soldi, baseado
em livro de Italo Zanini. Elenco: Fatou Kine Boye (Josefina Bakhita), Stefania Rocca, Fabio Sartor,
Francesco Salvi, Ludovico Fremont, Sonia Bergamasco, Ettori Bassi.
CAÇADOS!. Título original: Prey. País de origem: EUA/África do Sul. Gênero: Terror/Suspense.
Duração: 90 minutos. Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: Playarte. Direção: Darrell
Roodt. Roteiro: Beau Bauman, Darrell Roodt e Jeff Wadlow. Elenco: Bridget Moynahan (Amy
Newman), Peter Weller (Tom Newman), Carly Schoroeder (Jessica Newman), Jamie Bartlett
(Crawford), Conner Dowds (David Newman).
DESONRA. Título original: Disgrace. País de origem: Austrália/África do Sul. Gênero: Drama.
Duração: 118 minutos. Ano de lançamento: 2009. Estúdio/Distribuição: Fortissimofilms. Direção:
Steve Jacobs. Roteiro: Anna Maria Monticelli, baseado em livro de J.M. Coetzee. Elenco: John
Malkovich (David Lurie), Jessica Haines (Lucy Lurie), Antoinette Engel (Melanie Isaacs), Eriq
Ebouaney (Petrus), Charles Tertiens (Ryan).
DIAMANTE DE SANGUE. Título original: Bloody diamond. País de origem: EUA. Gênero:
Aventura. Duração: 141 minutos. Ano de lançamento: 2006. Estúdio/Distribuição: Warner Bros.
Direção: Edward Zwick. Roteiro: Charles Levitt, baseado em história de Charles Levitt e C. Gaby
Mitchell. Elenco: Leonardo DiCaprio (Danny Archer), Djimon Hounsou (Solomon Vandy), Jennifer
Connelly (Maddy Bowen), Kagiso Kuypers (Dia Vandy), Arnold Vosloo (Coronel Coetzee).
DISTRITO 9. Título original: District 9. País de origem: EUA/Nova Zelândia. Gênero: Ficção
científica. Duração: 112 minutos. Ano de lançamento: 2009. Estúdio/Distribuição: Sony Pictures.
Direção: Neill Blomkamp. Roteiro: Neill Blomkamp e Terry Tatchell. Elenco: Sharlto Copley (Wikus
Van De Merwe), Jason Cope (Grey Bradnan), Nathalie Boltt (Sarah Livinsgstone), Joe Summer (Les
Feldman).
DUMA. Título original: Duma. País de origem: EUA. Gênero: Drama. Duração: 100 minutos. Ano de
lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: Warner Home Video. Direção: Carrol Ballard. Roteiro:
Karen Janszen e Mark St. German, baseado no livro de Carol Cawthra Hopcraft e Xan Hopcraft.
Elenco: Alexander Michaeletos (Xan), Campbell Scott (Peter), Mary Makhato (Thandi), Nthabiseng
Kenoshi (Lucille), Hope Davis (Kristin).
Samuel L. Jackson (Langston Whitefield), Juliette Binoche (Anna Malan), Brendan Gleeson (De
Jager), Menzi Ngubane (Dumi Mkhalipi), Sam Ngakane (Anderson).
FALCÃO NEGRO EM PERIGO. Título original: Black Hawk Down. País de origem: EUA.
Gênero: Drama/Guerra. Duração: 144 minutos. Ano de lançamento: 2001. Estúdio/Distribuição:
Columbia Pictures/Sony Pictures. Direção: Ridley Scott. Roteiro: Ken Nolan, baseado em livro de
Mark Bowden. Elenco: Josh Hartnett (Sargento Matt Eversmann), Eric Bana (Sargento Norm Hooten),
Ewan McGregor (Jonh Grimes), Tom Sizemore (Tenente-coronel Danny McKnight).
HISTÓRIA DE UM MASSACRE. Título original: Shake hands with devil. País de origem: Canadá.
Gênero: Guerra. Duração: 86 minutos. Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: Paramount
Pictures. Direção: Roger Spottiswoode. Roteiro: Michael Donovan, baseado em livro de Romeo
Dallaire. Elenco: Roy Dupuis (General Romeo Dallaire), Owen Sejake (General Henry Anyidoho),
John Matshikiza (Presidente Habyarimana), James Gallanders (Major Brent Beardsley).
HONRA E CORAGEM – AS QUATRO PLUMAS. Título original: The four feathers. País de
origem: EUA/Inglaterra. Gênero: Aventura/Drama/Guerra. Duração: 131 minutos. Ano de
lançamento: 2002. Estúdio/Distribuição: Imagem Filmes. Direção: Shekar Kapur. Roteiro: Michael
Schiffer e Hossein Amini, baseado em livro de A. E. Mason. Elenco: Djimon Hounsou (Abu Fatma),
Heath Ledger (Harry Faversham), Kate Hudson (Ethne Eustace), Wes Bentley (Jack Durrance),
Campbell Brown (Dervish Ansar).
HOTEL RUANDA – UMA HISTÓRIA REAL. Título original: Hotel Rwanda. País de origem:
Canadá/Reino Unido/Itália/África do Sul. Gênero: Drama. Duração: 121 minutos. Ano de lançamento:
2004. Estúdio/Distribuição: Lions Gate Films Inc./Imagem Filmes. Direção: Terry George. Roteiro:
Keir Pearson e Terry George. Elenco: Don Cheadle (Paul Rusesabagina), Desmond Dube (Dube),
Hakeem Kae-Kazim (George Rutaganda), Nick Nolte (Coronel Oliver), Fana Mokoena (General
Bizimungu), Sophie Okonedo (Tatiana Rusesabagina), Joaquin Phoenix (Jack Daglish).
INVICTUS. Título original: Invictus. País de origem: EUA. Gênero: Drama. Duração: 133 minutos.
Ano de lançamento: 2010. Estúdio/Distribuição: Warner Bros. Direção: Clint Eastwood. Roteiro:
Anthony Peckham, baseado no livro de John Carlin. Elenco: Morgan Freeman (Nelson Mandela), Matt
Damon (François Pienaar), Tony kgoroge (Jason Tshabalala), Patrick Mofokeng (Linga Moonsamy),
Matt Stern (Hendrick Booyens).
JOHNNY MAD DOG. Título original: Johnny Mad Dog. País de origem: França/Bélgica/Libéria.
Gênero: Drama. Duração: 98 minutos. Ano de lançamento: 2008. Estúdio/Distribuição: MNP
Enterprise, Explicit Films. Direção: Jean-Stéphane Sauvaire. Roteiro: Jean-Stéphane Sauvaire,
baseado em livro de Emmanuel Dongala. Elenco: Christophe Minie (Johnny Mad Dog), Daisy
Victoria Vandy (Laokole), Dagbeth Tweh (Mau Conselho), Joseph Duo (Nunca Morre), Mohammed
Sesay (Borboleta).
KIRIKOU – OS ANIMAIS SELVAGENS. Título original: Kirikou et les bêtes sauvages. País de
origem: França. Gênero: Animação. Duração: 74 minutos. Ano de Lançamento: 2005.
Estúdio/Distribuição: Europa Filmes. Direção: Michel Ocelot e Bénédict Galup. Roteiro: Bénédicte
Galup, Philippe Andrieux, Marie Locatelli, Michel Ocelot. Elenco: Pierre-Ndoffé Sarr (Kirikou - voz),
Awa Sene Sarr (Karaba - voz), Robert Liensol (Le grand-père - voz), Marie-Philomène Nga (La mère
- voz), Emile Abossolo M'bo (L'oncle - voz).
208
LÁGRIMAS DO SOL. Título original: Tears os the sun. País de origem: EUA. Gênero:
Drama/Guerra. Duração: 142 minutos. Ano de lançamento: 2003. Estúdio/Distribuição: Sony Pictures.
Direção: Antoine Fuqua. Roteiro: Alex Lasker e Patrick Cirillo. Elenco: Bruce Willis (Tenente A. K.
Waters), Monica Belucci (Dra. Lena Fiore Kendricks), Eamon Walker (Ellis „Zee‟ Pettigrew), Sammi
Rotibi (Arthur Azuka), Tom Skerrit (Capitão Bill Rhodes).
LUGAR NENHUM NA ÁFRICA. Título original: Nirgendwo in Afrika. País de origem: Alemanha.
Gênero: Drama. Duração: 141 minutos. Ano de lançamento: 2001. Estúdio/Distribuição: Zeitgeist
Films. Direção: Caroline Link. Roteiro: Caroline Link, baseado em livro de Stefanie Zweig. Elenco:
Juliane Köhler (Jettel Redlich), Sidede Onyulo (Owuor), Lea Kurka (Regina), Hildegard Schmahl
(Ina), Merab Ninidze (Walter Redlich).
MADAGASCAR. Título original: Madagascar. País de origem: EUA. Gênero: Animação. Duração:
80 minutos. Ano de lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: DreamWorks SKG. Direção: Eric
Darnell e Tom McGrath. Roteiro: Mark Burton e Billy Frolick. Elenco: Ben Stiller (Alex - voz), Chris
Rock (Marty - voz), David Schwimmer (Melman - voz), Jada Pinkett Smith (Gloria - voz), Sacha
Baron Cohen (Julien - voz), Cedric the Eterteiner (Maurice - voz), Andy Richter (Mort – voz).
MADAGASCAR 2. Título original: Madagascar: Escape 2 Africa. País de origem: EUA. Gênero:
Animação. Duração: 89 minutos. Ano de lançamento: 2008. Estúdio/Distribuição: DreamWorks SKG.
Direção: Eric Darnell e Tom McGrath. Roteiro: Ethan Cohen. Elenco: Ben Stiller (Alex - voz), Chris
Rock (Marty - voz), David Schwimmer (Melman - voz), Jada Pinkett Smith (Gloria - voz), Sacha
Baron Cohen (Julien - voz), Cedric the Eterteiner (Maurice - voz), Andy Richter (Mort – voz), Hernan
Almendarez (Antonio – voz), Bernie Mac (Zuba – voz), Will i Am (Moto Moto – voz).
MANDELA – LUTA PELA LIBERDADE. Título original: Goodbye Bafana. País de origem:
Alemanha/França/Bélgica/África do Sul/Itália/Inglaterra/Luxemburgo. Gênero: Drama. Duração: 140
minutos. Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: Europa Filmes. Direção: Billie August.
Roteiro: Greg Latter, baseado em livro de James Gregory e Bob Graham. Elenco: Dennis Haysbert
(Nelson Mandela), Joseph Fiennes (James Gregory), Diane Kruger (Gloria Gregory), Shiloh
Henderson (Brett Gregory), Faith Ndukwana (Winnie Mandela).
MINHA TERRA, ÁFRICA. Título original: Matériel blanc. País de origem: França. Gênero: Drama.
Duração: 106 minutos. Ano de lançamento: 2009. Estúdio/Distribuição: Imovision. Direção: Claire
Denis. Roteiro: Claire Denis, Marie N‟Diaye e Lucie Borleteau. Elenco: Isabelle Huppert (Maria
Vial), Christopher Lambert (André Vial), Nicolas Duvauchelle (Manuel Vial), Isaach De Bankolé
(Boxeador), William Nadylam (Chérif).
MISSÃO PERIGOSA. Título original: Critical Assignment. País de origem: Inglaterra/África do Sul.
Gênero: Ação. Duração: 110 minutos. Ano de lançamento: 2004. Estúdio/Distribuição: Visual Filmes.
Direção: Marc Gracie. Roteiro: Tunde Babalola, baseado em história de Celia Couchman, Tunde
Babalola e Bob Mahoney. Elenco: Cleveland Mitchell (Michael Power), Nick Boraine (William Le
Trois), Hakeem Kae-Kazim (Jomo), Richard Mofe-Damijo (O presidente), Thami Ngubeni (Sabina
Siko), Moshidi Motshegwa (Anita Chiama).
O ELO PERDIDO. Título original: Man to man. País de origem: França/África do Sul/Inglaterra.
Gênero: Drama. Duração: 122 minutos. Ano de lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: Imagem
Filmes. Direção: Régis Wargnier. Roteiro: Willian Boyd, Michel Fessler, Fred Frougea e Régis
Wargnier. Elenco: Joseph Fiennes (Jamie Dodd), Lomama Boseki (Toko), Cécile Bayiha (Likola),
Kristin Scott Thomas (Elena Van Den Ende), Iain Glen (Alexander Auchinleck), Hugh Bonneville
(Fraser McBride).
O FAZENDEIRO E DEUS. Título original: Faith like potatoes. País de origem: África do Sul.
Gênero: Drama. Duração: 116 minutos. Ano de lançamento: 2006. Estúdio/Distribuição: Sony
209
Pictures. Direção: Regardt van den Berg. Roteiro: Regardt van den Berg. Elenco: Frank Rautenbach
(Angus Buchan), Jeanne Neilson (Jill Buchan), Hamilton Dlamini (Simeon), Sean Cameron Michael
(Fergus Buchan), Casper Badenhorst (Koos).
O JARDINEIRO FIEL. Título original: The constant gardener. País de origem: EUA. Gênero:
Drama/Romance. Duração: 129 minutos. Ano de lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: Focus
Features. Direção: Fernando Meirelles. Roteiro: Jeffrey Caine, baseado em livro de John Le Carré.
Elenco: Ralph Fiennes (Justin Quayle), Rachel Weisz (Tessa Quayle), Hubert Koundé (Arnold
Bluhm), Danny Huston (Sandy Woodrow), Bernard Otieno Oduor (Jomo).
O QUINTO PACIENTE. Título original: The fifth patient. País de origem: EUA. Gênero:
Drama/Suspense. Duração: 95 minutos. Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: CasaBlanca.
Direção: Amir Mann. Roteiro: Amir Mann. Elenco: Nick Chinlund (John Reilly), Isaac de Bankolé
(Capitão Mugambe), Brendan Fehr (Vince Callow), Marley Shelton (Helen).
O REI LEÃO 3: HAKUNA MATATA. Título original: The lion King 1 ½. País de origem: EUA.
Gênero: Animação. Duração: 77 minutos. Ano de lançamento: 2004. Estúdio/Distribuição: Estúdios
Disney. Direção: Bradley Raymond. Roteiro: Tom Rogers, Roger Allers, Irene Mecchi. Elenco:
Mathew Broderick (Simba - voz), Whoopi Goldberg (Shenzi - voz), Robert Guillaume (Rafiki - voz),
Cheech Marin (Banzai – voz), Nathan Lane (Timão - voz), Ernie Sabella (Pumba – voz).
O SENHOR DAS ARMAS. Título original: Lord of War. País de origem: França/EUA/Alemanha.
Gênero: Drama/Ação. Duração: 122 minutos. Ano de lançamento: 2005. Estúdio/Distribuição: Lions
Gate Films Inc. Direção: Andrew Niccol. Roteiro: Andrew Niccol. Elenco: Nicolas Cage (Yuri Orlov),
Jared Leto (Vitaly Orlov), Bridget Moynahan (Ava Fontaine), Ethan Hawke (Jack Valentine), Eamonn
Walker (Andre Baptiste), Sammi Rotibi (Andre Baptiste Junior).
O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA. Título original: The last king of Scotland. País de origem:
Inglaterra. Gênero: Drama. Duração: 122 minutos. Ano de lançamento: 2006. Estúdio/Distribuição:
Fox Filmes. Direção: Kevin Macdonald. Roteiro: Jeremy Brock e Peter Morgan, baseado em livro de
Giles Forden. Elenco: Forest Whitaker (Idi Amin Dada), James McAvoy (Nicholas Garrigan), Kerry
Washington (Kay Amin), (Dr. Junju), Stephen Reangyezi (Jonah Wasswa).
PRIMITIVO. Título original: Primeval. País de origem: EUA. Gênero: Terror/Suspense. Duração: 95
minutos. Ano de lançamento: 2007. Estúdio/Distribuição: Buena Vista. Direção: Michael Katleman.
Roteiro: John D. Brancato e Michael Ferris. Elenco: Dominic Purcell (Tim Manfrey), Orlando Jones
(Steven Johnson), Brooke Langton (Aviva Masters), Jürgen Prochnow (Jacob Krieg), Gabriel Malema
(Jojo).
TENSÃO EM RUANDA. Título original: Um dimanche à Kigali. País de origem: Canadá. Gênero:
Drama. Duração: 114 minutos. Ano de lançamento: 2006. Estúdio/Distribuição: Paramount Pictures.
Direção: Robert Favreau. Roteiro: Robert Favreau, baseado em livro de Gil Courtemanche. Elenco:
Luc Picard (Bernard Valcourt), Fatou N‟Diaye (Gentille), Guy Thauvette (General Romeo Dallaire),
Céline Bonnier (Elise).
UM HERÓI DO NOSSO TEMPO. Título original: Va, vis et deviens. País de origem:
França/Bélgica/Israel/Itália. Gênero: Drama. Duração: 140 minutos. Ano de lançamento: 2005.
Estúdio/Distribuição: ArtFilms. Direção: Radu Mihaileanu. Roteiro: Alain-Michel Blanc, Radu
Mihaileanu, Rémy Chevrin e Rona Doron. Elenco: Moshe Agazai (Schlomo criança), Moshe Abebe
210
(Schlomo adulto), Meskie Shibru Sivan (mãe de Schlomo), Yaël Abecassis (Yaël Harrari), Roschdy
Zem (Yoram Harrari).
VÊNUS NEGRA. Título original: Vénus Noire. País de origem: França/Itália/Bélgica. Gênero:
Drama. Duração: 159 minutos. Ano de lançamento: 2010. Estúdio/Distribuição: Imovision. Direção:
Abdellatif Kechiche. Roteiro: Ghalia Lacroix e Abdellatif Kechiche. Elenco: Yahima Torres (Saartije
Baartman), Andre Jacobs (Hendrick Caezar), Olivier Gourmet (Réaux), Elina Löwensohn (Jeanne),
François Marthouret (Georges Cuvier).
211
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ADORNO, Theodor W. Indústria cultural e sociedade. Tradução Julia Elizabeth Levy. São Paulo: Paz
e Terra, 2002.
ADU BOAHEN, Albert (Org.). História Geral da África, vol. VII: Sob dominação colonial. Tradução
Eduardo Roque dos Reis Falcão. Brasília: UNESCO, 2010.
AHMAD, Aijaz. Linhagens do presente. Tradução Sandra Guardini T. Vasconcelos. São Paulo:
Boitempo, 2002.
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes. Recife: Massangana;
São Paulo: Cortez, 1999.
ALI, Ayaan Hirsi. Infiel – a história de uma mulher que desafiou o Islã. Tradução Luiz A. de Araújo.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
ALI, Tariq. A nova face do império: os conflitos mundiais do século XXI. Tradução Barbara Duarte.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Tradução Joaquim José de Moura
Ramos. Lisboa: Editorial Presença, 1980.
AMIN, Samir (org.). A crise do imperialismo. Tradução Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro, Graal,
1977.
AMIN, Samir. O imperialismo, passado e presente. In Tempo. Rio de Janeiro, nº 18, março de 2005
pp. 77-123.
AMOSSY, Ruth & PIERROT, Anne Herschberg. Stéréotypes et clichés: langue, discours, société.
Paris: Armand Colin, 2011.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. Tradução João Roberto Martins Filho. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
ARENDT, Hanna. A condição humana. Tradução Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010.
ARENDT, Hanna. As origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
ARNAUT, Luiz & LOPES, Ana Mónica. História da África: uma introdução. Belo Horizonte:
Crisálida, 2005.
AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Tradução Marina Appenzeller. Campinas: Papirus,
1995 a.
AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. Campinas:
Papirus, 1995 b.
212
BARROS, José D‟Assunção & NÓVOA, Jorge. Cinema-história: teoria e representações sociais no
cinema. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Tradução Maria Zélia Barbosa Pinto.
Petrópolis: Vozes, 2008.
BATESON, Gregory. Steps to an Ecology of Mind. Chicago and London: The University Press, 1972.
BEAUD, Michel. História do capitalismo: de 1500 até nossos dias. Tradução Maria Ermantina Galvão
Gomes Pereira. São Paulo: Brasiliense, 2004.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In LIMA, Luiz Costa
(Seleção, introdução e comentários). Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e terra, 2000.
BEUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Volume 1: Fatos e Mitos. Tradução Sérgio Milliet. São
Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução Myriam Ávila et al. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
1998.
BOSI, Ecléa. A opinião e o estereótipo. In: Contexto, Hucitec, São Paulo, mar. 1977, n. 2.
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. Tradução J. Guinsburg e Tereza Cristina Silveira da
Mota. São Paulo: Perspectiva, 1978.
BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. Tradução Antonio de Pádua Danesi. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
BRUIT, Héctor H. O imperialismo. São Paulo: Atual; Campinas: Editora da Unicamp, 1988.
BRUNSCHWIG, Henri. A partilha da África negra. Tradução Joel J. da Silva. São Paulo: Perspectiva,
2006.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução Vera Maria Xavier dos Santos.
Bauru, SP: EDUSC, 2004.
CAPELATO, Maria Helena et al. História e Cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo:
Alameda, 2007.
CARDOSO, Oldimar. Para uma definição de Didática da História. In Revista Brasileira de História.
São Paulo, v. 28, nº 55, p. 153-170 – 2008.
CARNES, Mark C. (Org.). Passado Imperfeito – a história no cinema. Tradução José Guilherme
Correa. Rio de Janeiro: Record, 1997.
CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto & GONZÁLEZ (org.). Ensino da história e memória coletiva.
Tradução Valério Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007.
CASAS, Bartolomé de las. O paraíso destruído. Tradução Heraldo Barbuy. Porto Alegre: L&PM,
2001.
CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Tradução Enid Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus,
1995.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: Difel, 1988.
CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Tradução Sistílio Testa e Mariuchka Santarrita.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996.
CHOMSKY, Noam. Segredos, mentira e democracia. Tradução Alberico Loutron. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1999.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado – pesquisas de antropologia política. Tradução Theo
Santiago. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. Tradução Teresa Barros P. Barroso. São Paulo: Martins Fontes,
1979.
COGGIOLA, Oswaldo. Governos militares na América Latina. São Paulo: Contexto, 2001.
CONRAD, Joseph. O coração das trevas. Tradução Albino Poli Jr. Porto Alegre: L&PM, 1997.
DEUSDARÁ, Bruno & ROCHA, Décio. Análise de conteúdo e análise de discurso: aproximações e
afastamentos na (re)construção de uma trajetória. In Alea Vol. 7 N. 2 Julho-dezembro 2005 pp. 305-
322.
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Tradução Silvia de
Souza Costa, Cynthia Cortes e Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2001.
DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Tradução Manuel do Rêgo Braga. São Paulo: Nova
Cultural, 1988.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução Sandra Castello Branco. São Paulo: Editora Unesp,
2005.
EAGLETON, Terry. Ideologia – uma introdução. Tradução Silvana Vieira e Luís Carlos Borges. São
Paulo: Editora da UNESP; Editora Boitempo, 1997.
ERNST-PEREIRA, Aracy. O casaco de Arlequim: uma reflexão sobre a semântica proposta por
Michel Pêcheux. In Estudos da língua(gem). n. 1. pp. 23-30. Vitória da Conquista, 2005.
214
FAGE, J.D. A evolução da historiografia na África. In KI-ZERBO, Joseph (Org.). História da Geral
da África vol. I: Metodologia e pré-história da África. Tradução Beatriz Turquetti et al. São Paulo:
Ática; Paris: UNESCO, 1982.
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. Tradução Wladimir
Araujo. São Paulo: IBRASA, 1983.
FERRO, Marc. Cinema e História. Tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
FERRO, Marc. História das colonizações – das conquistas às independências, séculos XIII a XX.
Tradução Rosa Freire d‟Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FERRO, Marc. O livro negro do colonialismo. Tradução Joana Angélica D‟Ávila Melo. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2004.
FLORES, Elio Chaves. Dos feitos e dos ditos: História e cultura histórica. In Sæculum. Ano 13, n. 16.
João Pessoa, pp. 83-102, jan./jun. 2007.
FONTANA, Josep. A história dos homens. Tradução Heloisa Jochims Reichel e Marcelo Fernando da
Costa. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2008.
FOUCAULT, Michel. Estratégia, Poder-Saber. Tradução Vera Lúcia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010.
FOUCAULT, Michel. História da loucura. Tradução José Teixeira Coelho Neto. São Paulo:
Perspectiva, 1978.
FREITAS NETO, José Alves de. Bartolomé de las Casas: a narrativa trágica, o amor cristão e a
memória americana. São Paulo: Annablume, 2003.
FURHAMMAR, Leif, & FOLKE, Isaksson. Cinema e política. Tradução Júlio Cezar Montenegro. São
Paulo: Paz e Terra, 1976.
GADET, Françoise & HAK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra
de Michel Pêcheux. Tradução Bethania S. Mariani. Campinas: Editora Unicamp, 1993.
215
GADDIS, John Lewis. Paisagens da história: como os historiadores mapeiam o passado. Tradução
Marisa Rocha Malta. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
GAIMAN, Neil. Sandman: Edição Definitiva. Volume dois. Tradução Jotapê Martins e Fabiano
Denardin. São Paulo: Panini Books, 2011.
GARDIES, René (Org.). Compreender o cinema e as imagens. Tradução Pedro Elói Duarte. Lisboa:
Edições Texto & Grafia, 2007.
GAUDREAULT, André & JOST, François. A narrativa cinematográfica. Brasília: Editora UnB,
2009.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. Tradução Federico Carotti. São
Paulo: Cia das Letras, 1989.
GITLIN, Todd. Mídias sem limite. Tradução Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
GOLIOT-LÉTÉ, Anne, & VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica. Tradução Marina
Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994.
GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores: a política cultural do Estado Novo. Rio de
Janeiro: Ed. FVG, 2005.
GOULD, Stephen Jay. A falsa medida do homem. Tradução Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins
Fontes, 1991.
GOULD, Stephen Jay. O sorriso do flamingo: reflexões sobre a história natural. Tradução Luís Carlos
Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
HAGGARD, Henry Rider. As minas do rei Salomão. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin
Claret, 2003.
HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves Leite. A África na sala de aula: visita à história
contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos impérios, 1875-1914. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda
Steidel de Toledo. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
HOCHSCHILD, Adam. O fantasma do rei Leopoldo: uma história de cobiça, terror e heroísmo na
África colonial. Tradução Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
216
HOUAISS, Antônio & VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001
HUGON, Philippe. Geopolítica da África. Tradução Constância Morel. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2009.
JAMESSON, Fredric. O inconsciente político: a narrativa como ato socialmente simbólico. Tradução
Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Ática, 1992.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Appenzeller. Campinas: Papirus,
1996.
JOLY, Martine. A imagem e sua interpretação. Tradução José Francisco Espadeiro Martins. Lisboa:
Edições 70, 2002.
KI-ZERBO, Joseph (Org.). História da Geral da África vol. I: Metodologia e pré-história da África.
Tradução Beatriz Turquetti et al. São Paulo: Ática; Paris: UNESCO, 1982.
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra. Vol. II. Tradução Américo de Carvalho. Lisboa:
Publicações Europa-América, 2002.
LE GOFF, Jacques. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. Tradução Rogério Silveira
Muoio. São Paulo: Brasiliense, 2004.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Bernardo Leitão. Campinas: Editora da Unicamp,
1990.
LÊNIN, Vladimir Ilitch Ulianov. O imperialismo: fase final do capitalismo. Tradução Antônio
Pescada. Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
LIMA, Luiz Costa (Seleção, introdução e comentários). Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e
terra, 2000.
LOPES, Carlos. A pirâmide invertida. Historiografia africana feita por africanos. In Actas do Colóquio
Construção e Ensino da História da África. Lisboa: Linopazes, 1995.
MAGDOFF, Harry. Imperialismo: da era colonial ao presente. Tradução Ruy Jungmann. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
217
MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
MANJI, Irshad. Minha briga com o Islã: o clamor de uma mulher muçulmana por liberação mudança.
Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Francis, 2004.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Crônica de uma morte anunciada. Tradução Remy Gorga, filho. Rio de
Janeiro: Record, 2006.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense,
2003.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tradução Álvaro Pina. São Paulo: Expressão
Popular, 2009.
MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema no mundo: indústria, política e mercado: África. São Paulo:
Escrituras Editora, 2007 a.
MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema no mundo: indústria, política e mercado: Estados Unidos. São
Paulo: Escrituras Editora, 2007 b.
MELLO, José Guimarães. Negros e escravos na Antiguidade. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.
MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Tradução Roland
Corbisier e Mariza Pinto Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
MESGRAVIS, Laima. A colonização da África e da Ásia. Série História Geral em Documentos. São
Paulo: Atual, 1994.
METZ, Christian. A significação no cinema. Tradução Jean-Claude Bernadet. São Paulo: Perspectiva,
1972.
METZ, Christian. Linguagem e cinema. Tradução Marilda Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1971.
MONTAIGNE, Michel de. Dos canibais. Tradução Luiz Antonio Alves Eva. São Paulo: Alameda,
2009.
MONTERO, Rosa. A louca da casa. Tradução Paulina Wacht e Ari Roitman. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004.
MONTESQUIEU, barão de. Cartas persas. Tradução Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Nova
Alexandria, 2002.
218
MORETTIN, Eduardo. O cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro. In CAPELATO, Maria
Helena et al. História e Cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda, 2007.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2000.
PAIVA, Eduardo França. História & Imagens. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PÊCHEAUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução Eni
Puccinelli Orlandi et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2009.
PESSOA, Fernando. Obra poética: volume único. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
PIETERSE, Jan Nederveen. O fim do império americano? Os Estados Unidos depois da crise.
Tradução Tommaso Besozzi. São Paulo: Geração Editorial, 2009.
PRATT, Mary Louise. Os Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Tradução Jézio
Hernani Bonfim Gutierre. Bauru: EDUSC, 1999.
RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos fracos – cinema e história do Brasil. Bauru: EDUSC, 2002.
RAMOS, Alcides Freire & SILVA, Marcos. Ver história: o ensino vai aos filmes. São Paulo: Hucitec,
2011.
REIS, João José. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1996.
219
RESTALL, Mathew. Sete mitos da conquista espanhola. Tradução Cristiana de Assis Serra. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
RICOUER, Paul. Interpretação e ideologias. Tradução Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1990.
ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. Tradução Marcello Lino. São
Paulo: Paz e Terra, 2010.
ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Tradução Antônio Aragonese. Bauru:
EDUSC, 2001.
RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. In Práxis
Educativa. Ponta Grossa, PR. Vol. 1, n. 2, pp. 07-16. Jul./Dez. 2006.
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.
SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. Tradução Rosaura Eichenberg.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Tradução Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2010.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo
atual estado do mais negligenciado aspecto de nosso ambiente: a paisagem sonora. Tradução Marisa
Trench Fonterrada. São Paulo: UNESP, 2001.
SCHWEITZER, Albert. Entre a água e a selva: narrativas e reflexões de um médico nas selvas da
África equatorial. Tradução José Geraldo Vieira. São Paulo: UNESP, 2010.
SERRANO, Carlos e WALDMAN, Maurício. Memória D’África: a temática africana na sala de aula.
São Paulo: Cortez, 2007.
SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2010.
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2003.
SORLIN, Pierre. La storia nei film: interpretazione del passato. Firenze: La Nuova Italia, 1984.
220
SOUZA, Juliana Beatriz Almeida de. Las Casas, Alonso de Sandoval e a defesa da escravidão negra.
In Topoi Vol.7, N. 12, Janeiro-junho 2006, pp. 25-59.
SPINK, Mary Jane P. (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações
teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000.
STEINBECK, John. As vinhas da ira. Tradução Ernesto Vinhaes e Herbert Caro. São Paulo: Abril
Cultural, 1982.
STOLCKE. Verena. O enigma das interseções: classe, “raça”, sexo, sexualidade. A formação dos
impérios transatlânticos do século XVI ao XIX. In Estudos Feministas Florianópolis, Vol. 14(1): 336,
janeiro-abril 2006, pp. 15-45.
STRAUSS, Leo. Direito Natural e História. Tradução Miguel Morgado. Lisboa: Edições 70, 2009.
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
THOUREAU, Henry David. A desobediência civil e outros escritos. Tradução Alex Marins. São
Paulo: Martin Claret, 2001.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Tradução Beatriz Perrone Moisés.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
TUCHMAN, Barbara W. A prática da história. Tradução Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: José
Olympio/Biblioteca do Exército, 1995.
UZOIGWE, Godfrey N. Partilha europeia e conquista da África: apanhado geral. In ADU BOAHEN,
Albert (Org.). História Geral da África, vol. VII: Sob dominação colonial. Tradução Eduardo Roque
dos Reis Falcão. Brasília: UNESCO, 2010.
VERNE, Júlio. A volta ao mundo em 80 dias. Tradução Ana Paula Corradini. São Paulo: Universo dos
Livros, 2006.
VERNE, Júlio. Cinco semanas em um balão. Tradução Otávio Vasconcelos. São Paulo: Hemus, 1975.
VIRILIO, Paul. Guerras e cinema: logística da percepção. Tradução Paulo Roberto Pires. São Paulo:
Boitempo, 2005.
WEBER, Max. A ética Protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1976.
WESSELING, H.L. Dividir para dominar: a partilha da África (1880-1914). Tradução Cecília Brandt.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
221
WHITE, Hayden. Meta-História: a imaginação histórica do Século XIX. Tradução José Laurênio de
Melo. São Paulo: Edusp, 1995.
WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Tradução Alípio Correia de
Franca Neto. São Paulo: Edusp, 1994.
ŻIŻEK, Slavoj. Lacrimae Rerum: ensaios sobre cinema moderno. Tradução Isa Tavares e Ricardo
Gozzi. São Paulo: Boitempo, 2009.
ŻIŻEK, Slavoj (Org.) Um mapa da ideologia. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto,
1996.