Os Saberes em Desenho Raymundo RI PDF

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COLEÇÃO AÇÃO REFERÊNCIA

VOLUME 3

OS SABERES EM DESENHO
DO PROFESSOR Manuel
RAYMUNDO QUERINO
UNIVERSIDADE FEDERAL UNIVERSIDADE ESTADUAL
DA BAHIA DE FEIRA DE SANTANA
reitor reitor
João Carlos Salles Pires da Silva Evandro do Nascimento Silva
vice-reitor vice-reitora
Paulo César Miguez de Oliveira Amali de Angelis Mussi
assessor do reitor
Paulo Costa Lima

UEFS EDITORA
diretor
EDITORA DA UNIVERSIDADE Murillo Almeida Cerqueira Campos
FEDERAL DA BAHIA
assistente editorial
diretora
Zenailda Novais
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
secretária executiva
conselho editorial
Iatiara Chaves de Oliveira Ribeiro
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa conselho editorial

Caiuby Alves da Costa Abílio Souza Costa Neto


Charbel Niño El-Hani Adeítalo Manoel Pinto
Cleise Furtado Mendes Anderson de Souza Matos Gadéa
Evelina de Carvalho Sá Hoisel Antonio César Ferreira da Silva
Maria do Carmo Soares de Freitas Antônio Vieira da Andrade Neto
Maria Vidal de Negreiros Camargo Caio Graço Machado
Jorge Aliomar Barreiros Dantas
Marluce Alves Nunes Oliveira
Nilo Henrique Neves dos Reis

apoio:
COLEÇÃO AÇÃO REFERÊNCIA
VOLUME 3

OS SABERES EM DESENHO
DO PROFESSOR Manuel
Raymundo Querino
Gláucia Maria Costa Trinchão
Suely dos Santos Souza
organizadoras

Amanda Freire da Costa Rios


Carla Borges de Andrade
Carolina Nascimento Pereira
Cecília de Alencar S. e Sepúlveda
Cláudia Sepúlveda
Gláucia Maria da Costa Trinchão
Karla de Jesus Souza
Lívia Jéssica Messias de Almeida
Lysie dos Reis Oliveira
Maria Rita Santos
Suely dos Santos Souza

salvador feira de santana


edufba uefs editora
2021
2021, autores.
Direitos dessa edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
capa, projeto gráfico e editoração
Gabriel Cayres
revisão
Mariana Santos
normalização
Sandra Batista
apoio técnico
Ronald Souza de Oliveira (FAPESB-IC)
coordenadora
Anastácia Manzono (FAPESB – AT)
Inabela Dias (FAPESB – IC)

Sistema de Bibliotecas – UFBA

S115 Os saberes em desenho do professor Manuel Raymundo Querino / Gláucia Maria Costa
Trinchão, Suely dos Santos Souza, organizadoras. - Salvador: EDUFBA; Feira de Santana:
UEFS Editora, 2021.
312 p. : il. (Ação Referêcia - FAPESB; v.3)

ISBN: 978-65-5630-208-9
978-65-89524-03-8

1. Intelectuais negros – Brasil - História. 2. Desenho – Estudo e ensino – História.


3. Desenho industrial – Livros de referência. I. Trinchão, Gláucia Maria Costa. II. Souza,
Suely dos Santos.
CDU: 744:37.02

Elaborada por Geovana Soares Lira CRB-5: BA-001975/O

Editora filiada à

Editora da UFBA UEFS Editora


Rua Barão de Jeremoabo, s/n Av. Transnordestina
Campus de Ondina s/n - Campus da UEFS - CAU III
40170-115 – Salvador – Bahia 44.036-900 - Feira de Santana - BA
Tel.: +55 71 3283-6164 Tel.: +55 75 3161-8380
www.edufba.ufba.br www.uefseditora.uefs.br
[email protected] [email protected]
SUMÁRIO
Apresentação 7
Gláucia Maria Costa Trinchão

prefácio
Manuel Querino: O negro, cidadão, 9
desenhista, militante e educador
Carlos Augusto Lima Ferreira

parte 1: o cidadão, o desenhista e o educador


Manuel Raymundo Querino: a vida de um intelectual negro 13
Carla Borges de Andrade e Karla de Jesus Souza

De mãos e mente atadas às artes 27


Lysie Reis

A trajetória do intelectual negro Manuel Querino: 57


um tema para projetos interdisciplinares de educação
das relações étnico-raciais
Cecília de Alencar S. e Sepúlveda e Cláudia Sepúlveda

parte 2: contexto socioeducacional, políticas


de distribuição e adoção de livros didáticos
Brasil pós abolição: referência para a compreensão 81
das ideias pedagógicas de Manuel Querino
Suely dos Santos Souza

Espaços escolares para despertar vocações artísticas 99


para formar mão de obra fabril
Carolina Nascimento Pereira e Gláucia Maria Costa Trinchão
A política do livro didático no início do século XX 113
e os contextos de produção de Manuel Querino
Lívia Jéssica Messias de Almeida e Maria Rita Santos

parte 3: produção didática e os livros


de desenho de manuel querino
Manuel Querino: outros saberes além do de desenho 129
Amanda Freire da Costa Rios e Gláucia Maria Costa Trinchão

O ensino de desenho para a expansão 149


da mão de obra industrial
Gláucia Maria Costa Trinchão

caderno de imagens 1 155

O desenho para artífices e filhos de operários: 191


elementos de desenho geométrico (1911)
Gláucia Maria Costa Trinchão

caderno de imagens 2 197

O ensino de desenho: útil para a mão 279


de obra artística e técnica
Gláucia Maria Costa Trinchão

referências 287
sobre os autores 307
7

APRESENTAÇÃO

O livro Os Saberes em Desenho do Professor Manuel Raymundo


Querino representa o terceiro volume da Coleção Ação Referência
- Fapesb, financiada pela Universidade Estadual de Feira de San-
tana (UEFS) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia (Fapesb), através do projeto “História e memória da disci-
plina de desenho: a produção de livros didáticos por professores/
autores brasileiros no século XX”, que concorreu ao Edital Ação
Referência em 2010. A coleção é fruto de estudos desenvolvidos
nos grupos de pesquisa: Estudos Interdisciplinares em Desenho e
História e Memória do Desenho como Objeto de Ensino: saberes,
materiais, agentes e políticas educacionais, ambos vinculados ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), que traz o desenho compreendido como campo de conhe-
cimento e linguagem, e o livro didático como dispositivo e registro
de memória, documento histórico e fonte de pesquisa.
O estudo aqui apresentado envolve questões de ordem política,
econômica, educacional e histórica que caracterizam o pensamento
e a prática do ensino do desenho no Brasil da passagem do século
XIX para o século XX. Segue no caminho da análise do conteúdo do
livro didático investigando sobre conceitos, concepções e modos de
compreensão do desenho e como esse campo de conhecimento foi
ensinado e difundido. Este volume mostra como, e em que contexto
sociopolítico, econômico e educacional o conhecimento em dese-
nho chegou às salas de aula do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia
e o do Colégio dos Órfãos de São Joaquim, espaços de formação
de mão de obra técnica para pobres, ex-escravos e filhos de operá-
rios, no Brasil republicano do final do século XIX e início do século
XX. Neste volume, a investigação se deu através da análise das duas
obras de Manuel Querino que tratam do Desenho. São obras raras
8  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

de difícil aquisição ou acesso até em bibliotecas e arquivos públi-


cos e privados. O primeiro livro didático de desenho foi lançado em
1903, com o título Desenho linear das classes elementares e o outro foi
lançado em 1911, intitulado Elementos de desenho geométrico.
A base metodológica adotada e que identifica a coleção na análise
do livro didático segue quatro etapas: a construção da identidade do
“autor” através de sua biografia, a partir da investigação de itens con-
tidos na obra: capa, índice, prefácio, nota introdutória, cartas envia-
das ao autor, dedicatórias, citações ou referências, bibliografia citada
e notas do editor, que formaram o lócus das informações necessárias
à análise do autor e da obra; identificação e caracterização da “obra”,
através dos aspectos quantitativos de apresentação e ilustrações, itens
identificados na capa e no corpo do livro, e abrangência da área de
adoção do mesmo a partir da identificação do número do exemplar
que está sendo analisado; e “construção do saber”, que envolve a aná-
lise detalhada de todos os itens da obra, a partir de um olhar crítico e
interdisciplinar. Além disso, levou-se em conta também, o modo de
descrição dos exercícios, sugestões de trabalhos e comentários, lista de
materiais, gradação e encaminhamento dos exercícios, comentários
pessoais e entendimento dos processos didáticos; e, por fim o “leitor”,
através das referências sobre qual programa educacional oficial para a
disciplina de desenho a obra está inserida, caso exista, e pela indicação
dos níveis escolares para os quais o livro fora elaborado.
Para isso, a obra é compreendida como dispositivo e registro de
memória, por preservar o processo de construção do conhecimento
acadêmico, bem como o modo de transposição do saber científico
do professor/autor ao saber escolar materializado em suas páginas,
além de socializar as ações didáticas do educador e os conteúdos
selecionados para o processo ensino-aprendizagem. O autor é tido
como sujeito responsável pela criação e recriação do conhecimento,
gerando a construção de novos saberes e conteúdo; o conteúdo,
como material fruto de recriações didáticas; e o leitor identificado
como público-alvo a quem está destinada a obra.

Dr.a Gláucia Maria Costa Trinchão


Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Coordenadora dos Projetos: Estudos Interdisciplinares em
Desenho e História e Memória do Desenho como Objeto de
Ensino: saberes, materiais, agentes e políticas educacionais.
9

PREFÁCIO

Manuel Querino: O negro, cidadão,


desenhista, militante e educador

A publicação intitulada Os Saberes em Desenho do Professor Manuel


Raymundo Querino, organizada pelas professoras Gláucia Maria
Costa Trinchão e Suely dos Santos Souza, vem em um momento
singular. Singular pelo personagem, singular por ser ele, um
expoente negro, na luta contra a escravidão, e consequentemente,
contra o racismo. Tinha o desenho e sua voz de intelectual como
arma na sua luta e defesa da cultura negra no Brasil.
O livro apresenta, em dez artigos que tratam do cidadão, dese-
nhista e educador e militante político, Manuel Raymundo Que-
rino, baiano de Santo Amaro da Purificação (1851-1923), profes-
sor de desenho, diplomado desenhista da seção de Arquitetura em
1882, pela Academia de Belas Artes, posteriormente transformada
em Escola de Belas Artes. Teve sua vida dedicada às artes, assim
como se debruçou sobre o papel dos afro-brasileiros na forma-
ção da sociedade brasileira, notadamente no contexto de racismo
muito presente no Brasil, quer seja de forma velada, quer seja de
forma explícita. Em 1884, segundo Maria das Graças de Andrade
Leal, apesar de ser estudante de arquitetura, no seu último ano,
Querino não conseguiu prestar exames por falta de professor para
a cadeira de resistência dos materiais e estabilidade das constru-
ções, o que lhe impossibilitou obter o diploma de arquiteto.
Trata-se de um adequado e acertado trabalho de como se é pos-
sível realizar a conjunção de vários textos acadêmicos, que nos
10  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

trazem à tona um tema de grande importância, especialmente


como contribuição a área do desenho e da cultura, e mais que isso,
nos apresenta a atuação de um intelectual fundamental para sua
época e com uma obra mais que atual. Ou como nos diria Helen
Sabrina Gledhill Barreto (2008, p. 52) “[...] Um negro que conquis-
tou um lugar no meio da elite branca, tentou utilizar sua posição
para divulgar uma mensagem que nenhum de seus contemporâ-
neos – negro ou branco – podia proferir”. Trata-se, deste modo, de
um conjunto de artigos pesquisados e escritos criteriosamente e
muito bem documentada.
Na Parte I, intitulada “O cidadão, o desenhista e o educador”,
tem os seguintes capítulos: “Manuel Raymundo Querino: a vida
de um intelectual negro”, escrito por Carla Borges de Andrade,
“De mãos e mente atadas às artes”, de Lysie dos Reis Oliveira; e
“A trajetória do intelectual do negro Manuel Querino: um tema
para projetos interdisciplinares de educação das relações étnico-
-raciais”, de Cecília Sepúlveda e Cláudia Sepúlveda. As autoras
nos apresentam o papel de Professor Manuel Querino, que foi
também conhecido como um homem “militante”, que se utilizou
do jornal A Província, lançado por ele em 1887, para divulgar as
suas ideias e opiniões. É a trajetória “[...] sob dimensões variadas:
­etnológica, histórica, política, sociológica, antropológica e artís-
tica”. Destacam também um homem e sua expressão como, “[...]
um exemplo singular daqueles que souberam agarrar e transfor-
mar as poucas oportunidades que lhes eram concedidas ante ao
preconceito de raça e de classe, conduzindo sua luta em trilhas
estratégicas de resistência em prol da emancipação e liberdade”.
Portanto, é a apresentação de um intelectual baiano que em muito
contribui com a história da arte brasileira. Ou como nos dizem
Sepúlveda e Sepúlveda: “explorar o imenso potencial que a trajetó-
ria e a produção deste intelectual negro apresentam para promo-
ver educação das relações étnico-raciais e contextualizar a aborda-
gem de conteúdos curriculares das diferentes áreas do saber.”
Na Parte II, “Contexto socioeducacional, políticas de distribui-
ção e adoção de livros didáticos”, a autora Suely dos Santos Souza
discorre sobre o “Brasil pós-abolição: referência para a compreen-
são das ideias pedagógicas de Manuel Querino”; Carolina Nasci-
mento Pereira e Gláucia Maria Costa Trinchão nos apresentam
prefácio | 11 

“Espaços escolares para despertar vocações artísticas para formar


mão de obra fabril” e, por último, Lívia Jéssica Messias de Almeida
e Maria Rita Santos escrevem sobre “A política do livro didático no
início do século XX e os contextos de produção de Manuel Que-
rino”. Neste capítulo, as autoras apresentam o contexto da sua luta
por uma sociedade justa e igualitária e que continuavam presen-
tes marcando fortemente suas ações. São as marcas do ativismo de
Manuel Querino que buscou incessante reafirmar as suas origens
de matriz africana, bem como a contribuição dos negros na cons-
trução de valores e nos traços culturais que alicerçaram a constru-
ção do Brasil. Ou nas suas palavras: “Isso ressalta sua importância,
não somente enquanto escritor, ou militante, mas especialmente
enquanto educador, consciente de seu papel, comprometido com
a realidade e principalmente com a população para quem empe-
nhou suas forças em grandes lutas e embates todos os dias de sua
vida, e, ainda que tenha sucumbido sem conseguir ver os frutos
efetivos de sua luta, seu compromisso e amor pela pátria e pelo
povo o elevam à categoria de grande homem da história brasileira
e, sobretudo, da história baiana”.
Na Parte III, “Produção didática e os livros de desenho de
Manuel Querino”, as autoras nos brindam com uma produção
sobre o contributo de Querino ao universo da educação, com a
apresentação dos textos “Manuel Querino: saberes além do de dese-
nho”, por Amanda Freire da Costa Rios e Gláucia Maria Costa Trin-
chão; “O  ensino de desenho linear para as classes elementares”
(1903) por Gláucia Maria Costa Trinchão, “O desenho para artífices
e filhos de operários: elementos de desenho geométrico” (1911) de
Gláucia Maria Costa Trinchão, e, finalmente, “O ensino de dese-
nho: útil para a mão de obra artística e técnica” também de Gláu-
cia Maria Costa Trinchão. As autoras não só apresentam Querino
como um professor que nos deixou um legado de estudos históri-
cos, cuja marca se deu no registro das contribuições dos africanos e
dos afrodescendentes para a formação do Brasil, mas também, nos
agraciam com a publicação completa de duas obras raras, de difícil
aquisição e até mesmo acesso em bibliotecas e arquivos públicos e
privados. Trata-se dos livros didáticos de desenho escritos por Que-
rino, o que dá o toque de ineditismos e marca o diferencial na pro-
dução deste volume da Coleção Ação Referência. Foi, sem dúvida,
12  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

entre outras qualificações, um historiador das artes, marcando na


nossa historiografia a contribuição dos africanos e suas influên-
cias culturais, nos alimentos, na dança, nas artes, e na religião de
matriz africana que em muito contribuíram com a formação da
identidade nacional. É o cérebro de um sujeito inquieto, adiante
do seu tempo, com ampla atuação nos campos políticos e sociais.
Foi a voz de quem defendeu o valor da cultura afro no Brasil.
A obra traz a mensagem e atuação de um intelectual que expôs
no Brasil oitocentista a marca de uma história de 300 anos de escra-
vidão. Uma chaga, que ficou enraizada no inconsciente coletivo da
sociedade brasileira. Um livro para fazer-nos lembrar que não pode-
mos aceitar a ideia de que negros, índios ou qualquer outra raça,
seja inferiorizada e permitir que em um país tão diverso a discrimi-
nação racial ainda exista. Ou como Artur Ramos (1938, p. 22) obser-
vou: “Nota-se como, já no seu tempo, Manuel Querino se insurgira
contra o preconceito de inferioridade antropológica do Negro, atri-
buindo o seu atraso a contingências sócioculturais, e não a inferio-
ridade de raças”.
Aos leitores, fica o convite para “degustar” um livro que nos
oportuniza, a partir de textos instigantes, conhecer a trajetória
daquele que foi um dos mais destacados intelectuais baianos, pro-
fessor de Desenho Industrial e autor de uma significativa obra
didática sobre desenho, considerado, pelo professor Jeferson Bace-
lar, como um dos fundadores da antropologia brasileira. A obra
revela um Querino, que: “[...] lutava pela valorização de classes –
artística e técnica –, e tinha como bandeira de luta a inserção social
dos negros saídos da escravidão”.

Salvador, Bahia, julho de 2020

Prof. Dr. Carlos Augusto Lima Ferreira


Professor Pleno do Departamento de Educação
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
PARTE 1

O CIDADÃO,
O DESENHISTA E
O EDUCADOR
15

Manuel Raymundo Querino:


A VIDA DE UM INTELECTUAL NEGRO
Carla Borges de Andrade
Karla de Jesus Souza

AS ORIGENS
Oriundo das camadas populares, Manuel Raymundo Querino
(1851-1923) tornou-se intelectual ilustre, político, jornalista, profes-
sor, artista, pintor, historiador, etnógrafo, advogado e deputado pelo
Partido Liberal, praticava o Espiritismo e era Doutor em Filosofia
pela Universidade de Tubinga, na Alemanha. Este homem negro
viveu intensamente os acontecimentos históricos e significativos
do Brasil e da Bahia de seu tempo, destacando-se pelas muitas con-
tribuições que proporcionou à sociedade de então. “O Dicionário de
Arte da Bahia, da UFBA, recebe seu nome e registra sua vida e obra
em detalhes, pelas biógrafas Maria das Graças de Andrade Leal e
Helen Sabrina Glendhill”. (GUIA..., 2015, grifo do autor)

Imagem 1 –
Manuel Raymundo Querino

Fonte: Machado (2013).


16  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Manuel Raymundo Querino era filho do carpinteiro José Joa-


quim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita, ambos negros
livres que faleceram durante a epidemia de cólera que flagelou
a região do Recôncavo Baiano. (NASCIMENTO; GAMA, 2009)
Manuel Querino, como ficou conhecido, nasceu na cidade de Santo
Amaro da Purificação, a 28 de julho de 1851, sendo batizado aos
cinco meses de idade na Igreja Matriz local, “A sua infância foi atri-
bulada como, aliás, toda a sua vida. A epidemia de 1855, em Santo
Amaro, levara-lhe os pais”. (PALMARES; BRIAND, 2014)
Ficando órfão de pai e mãe aos quatro anos de idade, fora
entregue ao seu tutor “[...] que o iniciou nas primeiras letras”
(PALMARES; BRIAND, 2014), o bacharel, professor e político
Manuel Correia Garcia, pelo Juiz dos Órfãos, “mas só permane-
ceu sob a tutela do mesmo até os seus 16 ou 17 anos de idade”.
(NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 8) Jovem, “Querino casou-se
com Ceciliana do Espírito Santo Querino, com quem teve quatro
filhos”. (GUIA..., 2015)
O habilidoso Manuel Querino não fora criado para ser serviçal,
como de costume, mas tem seu destino alterado pela ação “[...] de
uma família de classe média branca. De fato, mais inesperado e inu-
sitado foi o modo como tal família branca o criou, desenvolvendo
suas aptidões para as artes e os ofícios manuais”. (GUIMARÃES,
2004, p. 9)
Seu tutor, Garcia, procurou envolver o seu tutelado na prática
intelectual despertando nele o amor pelo estudo. “Procurou enca-
minhar o tutelado nos trabalhos mentais e conseguiu incutir-lhe a
paixão do estudo, o amor aos livros que havia de acompanhá-lo até
o túmulo”. (VIANA, 1928, p. 306)

O MILITAR
Querino havia frequentado apenas o curso primário1 e, “[...] aos
17 anos (1868), alistou-se em solo baiano como recruta, viajando
pelos sertões de Pernambuco e Piauí, e aí unindo-se a um con-
tingente que se destinava ao Paraguai”. (PALMARES; BRAND,

1 Atualmente chamado Ensino Fundamental.


manuel raymundo querino: a vida de um intelectual negro  |  17 

2014) Serviu na qualidade de inferior no Exército Brasileiro, de


28 de julho de 1869 a 6 de setembro de 1870. Entretanto, não fora
mandado para a guerra por motivos de saúde; seguiu “[...] para
o Rio de Janeiro no mesmo ano, ficou empregado no escritório
do quartel”, “[...] onde trabalhou como escrita do seu batalhão”.
(­MUSEU AFRO-BRASIL, 2014)
Em 1870, foi promovido a cabo de esquadra, e logo depois teve
baixa no serviço militar, retornando à terra natal: “Em 1970, findada
a guerra, voltou para a Bahia, onde passou a trabalhar como pin-
tor durante o dia e estudar humanidades à noite, no recém-criado
Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, sendo aluno de Miguel Navarro
y Cañizares”. (GUIA..., 2015; MUSEU AFRO-BRASIL, 2014, p. 1)

O ARTISTA...
Com seu retorno à Bahia, Querino começa “a trabalhar nas fainas
modestas de pintor e decorador. Sobrava-lhe tempo, porém, para
estudar francês e português, no Colégio 25 de Março e no Liceu
de Artes e Ofícios, de que foi um dos fundadores”. (PALMARES;
BRIAND, 2014)
Entretanto, são suas inclinações para o desenho que o levaram
a se matricular nos cursos “[...] de Desenho e Arquitetura na Aca-
demia de Belas-Artes, tendo obtido destaque como exímio dese-
nhista geométrico”. (MUSEU AFRO-BRASIL, 2014) Querino se
distinguia entre os alunos dos dois cursos, e recorrentemente obti-
nha reconhecimento através de premiações. “Obteve o diploma de
desenhista em 1882. Seguiu depois o curso de arquiteto, com apro-
vações distintas. Obteve várias medalhas em concursos e exposi-
ções promovidos pela Escola de Belas Artes e o Liceu de Artes e
Ofícios”. (PALMARES; BRIAND, 2014)
Como artista plástico, Querino não foi conhecido, pois todas as
suas obras e principais trabalhos foram realizados em locais aber-
tos, como pinturas em paredes de residências, edifícios públicos,
anúncios em bondes e pano de boca de teatros, além de pintura de
cavalete. Auxiliou a realização da pintura do pano de boca do Teatro
São João de Salvador, em 1880. (NUNES, 2007) Como decorador,
“[...] executou algumas obras em relevo, tais como nas paredes da
Santa Casa de Misericórdia e na Igreja da Nossa Senhora da Graça,
18  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

na qual auxiliou o pintor Manuel Lopes Rodrigues (1861-97)”. Sua


obra “[...] pictórica era conceituada, pois recebeu várias premiações,
entre medalhas de bronze, prata e ouro e menções honrosas, tanto
no Liceu de Artes e Ofícios quanto na Academia de Belas Artes”.
(NUNES, 2007, p. 239)
Honrado pelo seu destaque entre os fundadores da Academia,
em 1883 criou um plano, no Rio de Janeiro, intitulado “Modelos de
casas escolares adaptados ao clima do Brasil”, pelo qual fora muito
elogiado, por ter sido o primeiro trabalho de arquitetura do referido
estudante. Querino só não obteve o diploma de licenciatura por falta
de professores que lecionassem a cadeira “Resistência dos materiais
e estabilidades das construções”. Foi considerado, portanto, o que
mais se empenhou para o levantamento das artes na Bahia.
Essa experiência lhe trouxe motivações que o impulsionaram
a um novo pensar. Com isso, viu-se incluído nas lutas sofridas
pela sociedade, principalmente as das camadas mais populares
e escravizadas, refletindo que esse ganho intelectual poderia ser
usado para sua sobrevivência individual e coletiva, como negro e
pobre. Assim, “carregava na bagagem experiências vividas no con-
texto de manifestações sociais e políticas no império Brasileiro
que alteraram os modos de pensar a sociedade especialmente por
partes das camadas populares e escravizadas” (QUERINO, 2009,
p. 14), as quais culminaram na abolição da escravatura e procla-
mação da República.

O POLÍTICO
Tornando-se político, engajou-se nas causas do Partido Liberal e
assinou o Manifesto Republicano relacionado às causas da liber-
dade, da democracia e da cidadania do povo, sendo assim aboli-
cionista e republicano. Aliado dos movimentos sociais foi um dos
fundadores do Partido Operário (1876). “Com outros do grupo
da Sociedade Libertadora Sete de Setembro, assinou o manifesto
republicano de 1870. Fundou os periódicos ‘A Provincia’ e ‘O Tra-
balho’, onde defendeu os seus ideais republicanos e abolicionistas.
Manuel Querino foi um dos mais ativos trabalhadores do grupo”.
(PALMARES; BRIAND, 2014) Nesse período, escreveu para a Gaze-
ta da Tarde uma série de artigos sobre a extinção do elemento servil:
manuel raymundo querino: a vida de um intelectual negro  |  19 

“Manifestou-se nas cessões da Sociedade Libertadora Baiana e no


jornal Gazeta da Tarde, onde escreveu uma série de artigos denun-
ciando o absurdo da escravidão e proclamando a necessidade da
abolição imediata e redentora”. (MUSEU AFRO-BRASIL, 2014)
Acreditava que a desigualdade de negros e brancos constituía-se
pela falta de oportunidades; defendia muito o direito da abolição e
dos operários, e que os ex-escravos deveriam ser preparados para o
mundo do trabalho assalariado.
Na busca de garantir salários dignos para os trabalhadores, para
sua sobrevivência e de sua família, “A luta pela existência ficou
mais ostensiva, pois possuía uma família de quatro filhos, com o
último nascido em 1894”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 16)
Retirou-se da política e dedicou seu tempo à publicação de livros e
artigos, abordando temas relacionados, entre outros, aos costumes
negros de Salvador e a arte.
“Manuel Querino espiritualiza-se” (QUERINO, 1954, p. 6), mas
escrever não gerava renda, além de sobreviver, tinha família para
sustentar: foi professor de desenho geométrico do Liceu de Artes
e Ofícios da Bahia, mesma disciplina que lecionava no Colégio
dos Órfãos de São Joaquim e em casas particulares, além de ser
funcionário público da Secretaria de Obras por mais de 20 anos,
de 1893 a 1916. (NUNES, 2007, p. 239) As suas armas mudaram:
trocou a militância política pública por uma solitária operação
intelectual, porém os objetivos continuaram, e isso lhe proporcio-
nou uma grande união com as classes operárias e uma força de
vontade coletiva.
“Em 1975, Manuel Querino participou ativamente das diversas
reuniões entre operários da construção civil, que resultaram na
fundação de uma das primeiras cooperativas de trabalho do Bra-
sil, a Liga Operária Baiana”. (MUSEU AFRO-BRASIL, 2014) Essa
cooperativa quebrou o monopólio dos arrematantes de obra, que
reduziam os salários dos operários, e realizou inúmeras obras para
particulares e para o Governo.
“No entanto, a Liga veio a desfazer-se no final da década de
1870. Apesar da decepção com a extinção da Liga Operária, Manuel
Querino não desanimou e seguiu a luta em favor da classe ope-
rária e da República”. (MUSEU AFRO-BRASIL, 2014) Em 1887,
lançou o seu jornal chamado A Província, que circulou desde
20  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

20 de novembro de 1887, dia do lançamento, até o final de 1888.


Querino produziu o que se chamaria hoje de um “jornalismo mili-
tante”, não era jornalista por profissão, mas utilizava o seu jornal
para difundir as suas ideias e opiniões.
Candidatou-se a Deputado Federal pelo Partido Operário (1890),
sendo eleito delegado da classe no Congresso Operário Brasileiro,
no Rio de Janeiro, alarmando assim um grande temor por partes
das elites, principalmente os patrões e industriais.
À frente da liderança do Partido Operário, foi nomeado mem-
bro e “Intendente” do Conselho Municipal da cidade de Salvador:
“terá sido nomeado, entre 1890 e 1891, para suceder a um dos
‘Intendentes’ inicialmente escolhidos pelo Governador do Estado”.
(VIANA, 1928, p. 308) Foi convocado a suplente como substituto
depois da renúncia ao mandato do Dr. Diocleciano Ramos; per-
deu a eleição da vaga, mas ainda permaneceu no Conselho até 26
de dezembro de 1899. Nesse mesmo período, renunciou à polí-
tica devido às repressões dos poderosos. “Mais tarde, no início da
década de 1890, Manuel Querino tornou-se um dos membros do
diretório geral do Partido Operário, criado em 1890”. (MUSEU
AFRO-BRASIL, 2014) No entanto, o partido “dissolveu-se dando
origem a um movimento de classe sem finalidades eleitoreiras,
batizado Centro Operário da Bahia”. Ainda ao longo da década de
1990, Querino tomou parte no Conselho Municipal de Salvador
(atual Câmara Municipal) por duas ocasiões, entre 1890 e 1891 e
posteriormente entre 1897 e 1899, antes de abdicar da política em
favor da carreira de intelectual.

O PESQUISADOR E ESCRITOR
Após desistir da vida política, desiludido, Manuel Querino dedi-
cou-se a pesquisas “das manifestações populares e da cultura afro-
-brasileira, tendo escrito inúmeros livros sobre o tema, com ênfase
na história da Bahia, em artes e costumes” (MUSEU A ­ FRO-BRASIL,
2014), pelas quais é lembrado por sua fundamental importância
para a história das Artes Plásticas no Brasil. “Esses estudos tinham
dois objetivos. Por um lado, ele queria mostrar a seus irmãos de
cor a contribuição vital que deram ao Brasil; e por outro desejava
lembrar aos Brasileiros da raça branca a dívida que tinham com a
manuel raymundo querino: a vida de um intelectual negro  |  21 

África e com os Afro Brasileiros”. (PALMARES; BRIAND, 2014)


Assim publicou, em 1906, “Os artistas Bahianos, um artigo de
62 páginas na Revista do Instituto Histórico e Geográfico da
Bahia, seguido de 1908 a 1914 por numerosos estudos especiali-
zados na mesma revista” e, em “1909, uma coletânea de artigos
escritos para o ‘Diário de Notícias’ sob o título ‘Contribuição para
a História das Artes na Bahia’. No mesmo ano publicou no Rio Ar-
tistas baianos – Indicações Biográficas, (225 páginas), revisada e
ampliada em 1911”. (PALMARES; BRIAND, 2014)
Este intelectual valorizava e considerava as contribuições da
descendência africana em nosso país como precursoras da nossa
cultura. Dedicou-se a resgatar informações importantíssimas sobre
artes, artistas e artesãos da Bahia. Escrevia sobre os afro-brasilei-
ros, e os defendia: chamava “a atenção dos oficiais municipais às
perseguições existentes aos praticantes das religiões Afro-Bahia-
nas”, bem como criticava a polícia, que rotulava “[...] essas religiões
como bárbaras e pagãs, frequentemente apareciam nos terreiros
onde haviam as cerimônias destruindo propriedades e ferindo os
participantes”. (PALMARES; BRIAND, 2014) Querino defendia a
comunidade junto aos líderes do governo local e, com isso, revelava
de todas as formas sua intenção de aproximar as culturas e clas-
ses sociais diferentes: “[...] ele conhecia com intimidade os hábi-
tos, aspirações e frustrações dos Afro-Brasileiros”. (PALMARES;
BRIAND, 2014) Sobre suas fontes de pesquisa, Querino dizia que
“muitas de suas informações vinham diretamente de Afro-Brasi-
leiros idosos que conversavam com ele sem inibição, pois o viam
como um amigo”. (PALMARES; BRIAND, 2014)
Em 1894, suas atividades intelectuais foram consolidadas no
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, do qual o mesmo era efe-
tivo fundador. Com essas atividades, “viabilizou a divulgação dos
seus estudos. Como sócio efetivo fundador, depois honorário, esteve
envolvido no seu funcionamento, participando das suas sessões e
integrando Comissões”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 17)
No seu envolvimento com a arte, elaborou estudos didáticos sobre
desenho linear e geométrico. “Foi lente de desenho geométrico no
Liceu de Artes e Ofícios e no Colégio dos Órfãos de S. Joaquim.
Publicou um manual de desenho em 1903 e outro logo depois”
(PALMARES; BRIAND, 2014), quais sejam os livros: Desenho
22  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

linear das Classes Elementares (1903) e Elementos de Desenho Geomé-


trico (1911), “[...] supondo-se serem as primeiras produções intelec-
tuais dedicadas à arte, na perspectiva do que atualmente concebe-
-se como design”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 17)
“Querino foi capitão da Guarda Nacional da Bahia. Foi profes-
sor de Desenho Industrial, na Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São
Joaquim e no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, onde trabalhou
gratuitamente”. (GUIA..., 2015) Foi sócio benfeitor de instituições
filantrópicas, sócio correspondente do Instituto Histórico do Ceará
e sócio da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris.
Também fora considerado pioneiro historiador da arte, a partir
de estudos e pesquisas firmadas na oralidade, que até hoje são de
suma importância para estudiosos da área, tais como: As Artes na
Bahia e Artistas Bahianos.
Seus testemunhos históricos foram bem considerados diante
de suas participações e observações vividas em períodos de mui-
tas transformações, sob dimensões variadas: etnológica, histórica,
política, sociológica, antropológica e artística. Suas preferências
como inspiração para tamanha expressão de conhecimento foram
o povo trabalhador, os artistas e os operários. “Querino surgiu
como o primeiro Brasileiro – afro ou branco – a detalhar, analisar e
fazer justiça às contribuições Africanas ao Brasil. Apresentou suas
conclusões num clima na melhor das hipóteses indiferente, e na
pior racista e até hostil”. (PALMARES; BRIAND, 2014)
Inserido no seu contexto de relação com as diversas expres-
sões das artes, Querino lançou o livro As Artes na Bahia (1913),
diante do processo de transformações vivenciadas pelos artistas.
Nele, iniciou uma discussão a respeito da falsa democracia que
negligenciava e não reconhecia as tradições e culturas africanas
representadas pelo povo trabalhador, e a partir dessas manifesta-
ções, deu-se rompimento e, “Certamente, foi quem iniciou uma
discussão a respeito da preservação do patrimônio e do reconhe-
cimento da matriz cultural africana, somente aberta nos anos de
1930”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 19) E ainda ratificou
estas contribuições em seu livro O colono preto como factor da Civi-
lização Brasileira, enfatizando a participação e contribuição africa-
nas na constituição da civilização brasileira. Mas, mesmo assim,
não deixou de expressar sua angústia na conclusão da obra, sobre
manuel raymundo querino: a vida de um intelectual negro  |  23 

as humilhações e discriminações culturais, principalmente dire-


cionadas à origem da sua raça.

O LÍDER DAS CLASSES OPERÁRIAS


Querino, através de sua oralidade e audácia, criticava e registrava
descaminhos adotados pela elite republicana, ora ironizando ora
provocando, apontando o lado oposto e desmascarando a implanta-
ção dita como mudanças do regime que previa a igualdade demo-
crática. “A atitude intelectual de Manuel Querino é incontestável,
analisou dados, os confrontou, tirou conclusões na qualidade de
pesquisador meticuloso e investigador preocupado com a crítica
documental”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 20)
Querino incomodava, pois se tornara “um verdadeiro líder da
classe, em campanhas memoráveis pelas causas trabalhistas e
operárias que o conduziram à Camara Municipal”. (PALMARES;
BRIAND, 2014) Entretanto, numa atitude política de fazer voltar
aos seus cargos vários funcionários dispensados por uma reforma
injusta, não alcançou a reeleição, “[...] retirando-se satisfeito para
a sua obscuridade, desvanecido de que soubera cumprir o seu
dever, ficando bem com a sua consciência de funcionário público”.
(­PALMARES; BRIAND, 2014)
Sua posição causava insatisfação para alguns intelectuais e elite
da época. Nas críticas que tecia, sempre deixava claro seu descon-
tentamento pelo desprezo às “[...] raízes culturais e sociais que
pesaram sobremaneira na constituição da sociedade brasileira e
tentar infiltrar valores europeus que destoavam do pulsar cultural
da população”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 23) Com isso,
atraía para si toda espécie de discriminação e preconceito: “No seu
modesto cargo de 3o Oficial da Secretaria da Agricultura, sofreu os
mais incríveis vexames. Foi consecutivamente preterido em todas
as ocasiões em que lhe era de justiça a promoção”. (PALMARES;
BRIAND, 2014)

A CULINÁRIA BAIANA
Buscou aspectos na culinária que enobreciam a cultura da popula-
ção baiana em A arte culinária na Bahia, o primeiro e um dos mais
24  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

importantes registros da culinária africana, obra lançada em 1928,


cinco anos depois de sua morte.

Deixou um valioso registro da cultura africana no Brasil, atra-


vés da coleta de fontes orais, em livros como Costumes Afri-
canos no Brasil, A arte culinária na Bahia, A Bahia de Outrora
e Costumes e Lendas no Brasil, além de artigos publicados nos
jornais da época. (IPAC, [20--], grifo do autor)

Através de suas publicações de obras e artigos, Querino militou,


posicionou-se em busca de ideal e luta e tinha como força a própria
origem, o ser negro, denunciando os sofrimentos e humilhações
enfrentados pelas camadas populares. “Deixou transparecer uma
profunda angústia ao chegar à conclusão de que o povo, além de
humilhado socialmente, era humilhado e discriminado cultural-
mente”. (NASCIMENTO; GAMA, 2009, p. 21)
Tinha a terra baiana como berço de interpretação e visualização
do futuro que era esperado pelo povo em sua diversidade, qual o
lugar do negro na sociedade e do povo na República. Ao ser refor-
mado administrativamente em 1916, viu-se amargurado e des-
crente, e procurou refúgio no “Matatú Grande, com sua família,
seus amigos, ou nas reuniões do Instituto Geográfico e Histórico.
No mesmo ano participou do 5° Congresso Brasileiro de Geogra-
fia na Bahia” (PALMARES; BRIAND, 2014), cujas anais contêm
A raça africana e os seus costumes (294 páginas), e publicou A Bahia
de outrora – Vultos e fatos populares (310 páginas).

O INTELECTUAL SE FOI: CONSIDERAÇÕES FINAIS


Querino teve uma vida longa e profícua. Morreu aos 71 anos, em
uma quarta-feira de cinzas, 14 de fevereiro de 1923, na saída de sua
casa, no Matatu Grande, às 16 horas, vítima de malária. Deixou es-
posa (Laura Querino) e dois filhos vivos: o músico Paulo Querino
e Maria Anatildes Querino, sendo enterrado no cemitério da Igreja
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Salvador.
Suas ideias, na contemporaneidade, foram seguidas, e suas pers-
pectivas opostas sendo mencionadas por uma grande parcela da
intelectualidade brasileira. Suas contribuições foram estabelecidas
manuel raymundo querino: a vida de um intelectual negro  |  25 

por intermédio de dois paradigmas novos os quais tratam o negro


como colonizador e como promotor de civilização, “[...] invertendo
a tradicional associação do ‘preto’ com a ‘barbárie’ e como ele-
mento objeto da obra civilizadora do branco português”, concei-
tos absolutamente revolucionários para sua época. (GUIMARÃES,
2004, p. 12-13) Morreu reivindicando, defendendo o africano e
seus descendentes.
O destacado intelectual baiano “é considerado pelo professor
Jeferson Bacelar (UFBA) como um dos fundadores da Antropolo-
gia brasileira”. Recebeu digna e devidamente inúmeras homena-
gens após sua morte, por diferentes instituições pelas quais passou,
tais como a Câmara Municipal de Salvador, o Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia (IGHB), o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola de
Belas Artes. Em todos esses lugares, “contribuiu com sua luta, sua
inteligência e seu talento” (MUSEU AFRO-BRASIL, 2014), além
de suas ideias explícitas e cheias de repercussões no âmbito da his-
toriografia da arte brasileira. Não se pode deixar de mencionar sua
frase mais famosa: “o Brasil possui duas grandezas reais: a uber-
dade do solo e o talento do mestiço”. (QUERINO, 1980, p. 157) Por
tudo isso, merece ter seu nome para sempre lembrado.
27

DE MÃOS E MENTE ATADAS ÀS ARTES


Lysie Reis

A Arquitetura ‘começou como qualquer escripta’. Primeiro


veio o alfabeto. ‘Erguia-se uma pedra ao alto, e era uma le-
tra e cada letra era um hieroglypho e sobre cada hieroglypho
repousava um grupo de idéias, como o capitel sobre a colu-
na’. A arquitetura, desde então, ‘foi a grande escripta do gê-
nero humano’ até a chegada da imprensa com Gutenberg,
a Arquitetura foi ‘a escrita principal, a escripta universal’.
(QUERINO, 1912, p. II)

O autor da epígrafe acima não dispensa comentários, ao contrá-


rio, difícil é não o comentar, pois apesar dos inúmeros textos pu-
blicados sobre ele e sua obra, em cada conto há como se aumen-
tar um ponto de vista. São diversas as facetas de Manuel Querino,
cujos dias parecem ter sido de horas intermináveis. Optei por re-
cortar a cultura dos homens de cor1 no século e na Salvador em

1 A expressão “homem de cor” é usada aqui, tal como Mattoso (1996), para
diferenciar os mestiços dos brancos estrangeiros e dos “brancos da terra”,
“[...] mestiços de pele clara ou mais ou menos clara que, graças à sua dili-
gência ou ao patrocínio de pessoas influentes, conseguiam transpor a linha
da demarcação racial e, por conseguinte, também a social”. Araújo (1999,
p. 101) também usa a expressão e a contextualiza para se referir àqueles
indivíduos que desempenharam “[...] todo trabalho de negro, ou seja, todo
trabalho manual que os possa desqualificar como superiores”. Nos docu-
mentos do século XIX, a cor do indivíduo geralmente é destacada, o que
possibilita hoje um entendimento mais detalhado da relação de cor com
posição social. O branco podia ser brasileiro ou europeu, o crioulo era
a denominação atribuída ao negro, filho de africanos, nascido no Brasil.
Fruto da miscigenação, o cabra era um indivíduo com características físi-
cas entre o crioulo e o mulato e a cor da pele entre parda e preta, fruto da
28  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

que Querino viveu grande parte dos seus dias e, neste contexto,
desenhar “um” Manuel Querino, sua posição enquanto homem
das artes e ofícios, papel que ele representou entre os seus e a so-
ciedade de então.

ARTISTA, ARTÍFICE, DECORADOR OU ARQUITETO?


Na implantação das cidades no Brasil colonial, aqueles que se ocu-
pavam com as obras locais tinham mãos que grafavam, executa-
vam e mentes criativas. Eram chamados oficiais. O termo ofício
designava o trabalho, e aquele realizado manualmente e/ou com o
auxílio de instrumentos era um “ofício mecânico”. Por sua vez, o
“oficial mecânico”, por vezes chamado de “artista mecânico” ou ar-
tesão, teve variadas designações, como artista e artífice, e ambas re-
ceberam acepções sobrepostas dos dicionaristas dos séculos XVIII
e XIX.2 Quase na virada para o século XX, com o avanço da in-
dustrialização e da difusão do termo operário, Candido Figueiredo
(1889) qualifica o artista como aquele que cultiva as artes liberais,
mas ressalta que popularmente este era também chamado de ope-
rário, ou mesmo artífice.
É nesse século que a designação “operário” começa a aparecer
com mais frequência e apesar de essa designação ter como objetivo
demarcar um novo conceito relativo ao exercício profissional, aten-
dendo aos requisitos de um mercado emergente que substituía a

mistura do branco com o negro que, por vezes, era também definido como
pardo. Já o negro podia ser definido como negro crioulo ou negro africano,
mas também era comum ser chamado apenas de preto que, no final do
século XIX, passa a ser a descrição para o negro brasileiro ou africano.
Consultar Andrade (1988, p. 28) e Reis (2000, 2003, 1987). Já o caboclo
tinha características do indígena brasileiro, mestiço de índio com negro ou
com branco, que apresentava cabelos de variados tipos. Além disso, entre
os africanos havia uma diferenciação que ia além das cores, pautada numa
divisão étnica de cada grupo em uma “nação”. Essa segregação sociorra-
cial e étnica da sociedade se reflete no estatuto legal e nas relações sociais
nas quais se inserem os africanos e seus descendentes. Sobre estas defini-
ções, consultar Andrade (1988) e Reis (2000, 2003).
2 Sobre estas denominações consultar Reis (2006).
de mãos e mente atadas às artes  |  29 

mão de obra escrava pela livre e que se aparelhava industrialmente,


não se dissociava inteiramente da concepção de artista e de artífice
de então. Todos continuaram a ser identificados por designações
sobrepostas, já que partilhavam um universo produtivo. Essas for-
mas de tratar o artífice têm, no vocabulário corrente dos séculos
XVI, XVII e XVIII, conotações sobrepostas, e só a partir da concep-
ção moderna de arte, que floresce ao longo do século XIX, passam,
muito lentamente, a ter acepções distintas.
A complexidade da distinção está associada à divisão das artes
em “mecânicas” e “liberais”. Segundo Pereira (1957, p. 34), a
“[...] discriminação das artes em liberais e mecânicas surgiu com
conceito de Aristóteles, considerando mecânicas todas as artes que
alteram as inclinações naturais do corpo e todos os trabalhos que
são mercenários”. A dicotomia, segundo Santos (2005), foi conce-
bida na Idade Média, quando as artes liberais se estruturavam na
divisão formal do Trivium, no qual se inseria o estudo da gramática,
da dialética e da retórica e do Quadrivium, composto da aritmética,
da geometria, da astronomia e da música. À margem destas, as
artes mecânicas englobavam a fabricação de armas, a medicina, a
caça, os lanifícios, a navegação, a agricultura e as artes cênicas. No
entanto, para a cultura do século XIX, as “artes liberais” eram vis-
tas como

[...] a tradução rigorosa da expressão dada pelos antigos


àquelas que o homem livre podia exercer sem decair’, por
oposição às ‘artes mecânicas’ ou ‘manuais’, destinadas aos
escravos. São fruto da imaginação, do sentimento, e podem
ser dirigidas para o espírito, de onde as Belas Letras (Arte
do Pensamento), ou para o sentido estético formal, de onde
as Belas Artes ou Artes Plásticas (Artes da Forma). As pri-
meiras compreendiam a Gramática, a Retórica, a Dialética,
a Geometria, a Música, a Aritmética, a Teologia, a Filosofia e
as últimas a Arquitetura, a Escultura e a Pintura. (JACKSON
apud LEAL, 1996, p. 77)

A própria expressão “artes mecânicas” revela o quanto suas rea-


lizações, embora de ordem “mecânica”, não eram dissociadas da
intervenção criativa.
30  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Como exemplo, temos um dado essencial da história da uma


associação de indivíduos unidos por uma cultura de classe e de
cor na Bahia oitocentista, a Sociedade Montepio3 dos Artistas na
Bahia: embora essa entidade abrigasse muito mais artífices do que
artistas, seus membros preferiam ser identificados como artistas
e amantes da arte, conforme registro nos estatutos da corporação.
(SILVA, 1998) A partir dos novos pressupostos técnicos da Revo-
lução Industrial, “[...] foram percebendo os eruditos as diferenças
crescentes entre as atividades mecânicas como que repetidas, exi-
gindo menor intervenção criativa e as atividades artísticas, enten-
didas muito mais como frutos de tendências e inclinações inatas”.
(SILVA, 1998) O artista diferencia-se à medida que a modernidade
do século XIX lhe confere o status de criador e, identificado por
suas faculdades criadoras, passa a gozar de condição social mais
elevada que o artífice.
No Brasil, o uso corrente dos dois termos fez com que perma-
necessem imbricados e a imprecisão vigorasse ao longo do século
XIX, seja pela dificuldade de especialização dos indivíduos ou pela
constatação de que os artífices executores eram também os criado-
res. Acredito que um dos motivos para essa sobreposição esteja no
fato de, mesmo ao artífice, ser cobrado, como afirma o dicionarista

3 As sociedades mutuárias de artífices e operários surgem nas primei-


ras décadas do século XIX, no contexto de uma Bahia burocrática e reli-
giosa, em que predominavam atividades agrícolas voltadas para o comér-
cio, com o braço escravo como sustentáculo das atividades de produção e
uma indústria ainda muito incipiente. Guardam traços das corporações de
oficiais portuguesas, embora diversos costumes tenham sido adaptados.
Além das diferenças no arcabouço administrativo, as sociedades mutuá-
rias daqui não agremiavam portugueses, pois as mãos que aqui se ocupa-
ram dos ofícios passam a ser, majoritariamente, negras. A princípio os ofí-
cios eram desempenhados por portugueses, que logo trataram de comprar
escravos e lhes adequar ao labor oficinal, e assim os ofícios foram apropria-
dos pelos negros e seus descendentes, passando a ser uma arma de luta
pela emancipação social, sendo libertos ou escravos. A predominância de
africanos e seus descendentes nas sociedades mutuárias de artífices, que
também funcionava como escola, foi uma forma por eles encontrada de
conquistar espaço social, político e econômico entre os trabalhadores cita-
dinos, expandindo seu prestígio nas negociações com autoridades.
de mãos e mente atadas às artes  |  31 

António Moraes e Silva (1789) “[...] conhecimento de regras e pre-


ceitos, além de perícia adquirida pelo uso e exercício”, o que não o
impedia de se adequar às mudanças na forma do produto, um pro-
cesso envolvendo arte e técnica, do qual ele participava.
A afirmação de Manuel Querino (1913, p. 1), na abertura do seu
livro As artes na Bahia, de que “[...] a arte é a expressão de uma
necessidade e não de um capricho”, talvez seja a que melhor expli-
cite a visão que seus pares tinham de sua atuação profissional. Não
seria diferente, pois o próprio Querino atou no mercado de traba-
lho nesta condição.
Se o parâmetro para distinção entre artista e artífice for o ensino
formal, no caso da experiência brasileira do século XIX, poucos
poderiam receber a qualificação de artista, haja vista a escassez de
instituições de ensino destinadas às artes. Além disto, os currícu-
los de instituições educacionais voltadas para a formação do artífice
evidenciam, no conjunto das disciplinas oferecidas, a intenção de
dotá-lo de uma capacidade tanto técnica quanto artística. Quase na
virada do século, os dicionaristas Antonio José de Carvalho e João
de Deus (1895) definem arte como “[...] um conjunto de regras para
fazer alguma coisa”. Para as camadas abastadas,

[...] o artista exercia mais uma função de lazer, enquanto o ar-


tífice o labor aplicado a uma razão pragmática, não só do que
produzia, mas também para que produzia, isto é, o sustento,
a sobrevivência. O que se pode explicar pelo autodidatismo
de artistas e artífices decorrente da ausência de especializa-
ção sistemática. Em geral, artesãos de maior ou menor talen-
to. (SILVA, 1998, p. 25)

Em sua pesquisa, Lycurgo Santos Filho encontrou em um Livro


de Razões da construção de um sobrado no Recôncavo, em 1812, a
descrição que o proprietário fez de todas as despesas que teve na
obra. O mestre que desenhou a planta é registrado como Francisco
Antônio dos Santos, de alcunha o “Ciência” – pelo apelido com
que era conhecido, um “sabe tudo”. (SANTOS FILHO, 1956) Entre
as camadas abastadas também não havia resistência em contra-
tar artífices para capitanear a construção de edificações de grande
vulto. Para exemplificar tal ocorrência, destaco o caso do Barão de
32  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Jeremoabo4 que, no final do século XIX, durante a construção de


seu solar do Camuciatá, contrata o que Álvaro Dantas de Carva-
lho Júnior (2000, p. 214) define como “[...] mão-de-obra especia-
lizada, o artista Pedro de Alcântara Santos para supervisionar os
trabalhos dos pedreiros e Francisco Xavier de Carvalho, para orien-
tar os carpinteiros”. Carvalho Júnior destaca que tal sobrado não
denotava simplicidade, tal como aquela observada por naturalistas
e viajantes nas residências do sertão nordestino. Quando questio-
nado sobre a suntuosidade de uma casa de fazenda, o Barão res-
pondia sem arrependimento: “[...] não bebo, não jogo, não gasto
com mulheres, mas tenho direito de ter dois vícios: um é a política,
outro é esta obra”. (CARVALHO JÚNIOR, 2000, p. 217)
O conhecimento dos mestres Pedro, Francisco Antônio e Fran-
cisco Xavier respondia às necessidades dos que os contratavam.
A falta de um arquiteto ou de um engenheiro não era sentida. Nem
podia ser, visto serem coisa rara, por vezes importada. Na Bahia,
também era restrito o número de engenheiros. Só havia os vindos
do exterior ou da “Escola Central do Rio de Janeiro” que, a par-
tir de 1874, passou a se chamar “Escola Politécnica”. Um curso
de arquitetura, com duração de apenas três anos, começou a ser
ministrado a partir de 1877, na Escola de Belas Artes. Além disso,
os poucos engenheiros e arquitetos que estavam na Bahia não
eram os responsáveis pelas construções das unidades de caráter
civil. Trabalhavam basicamente na administração pública das ques-
tões urbanas e com as arquiteturas de caráter militar e religioso.
Segundo Flexor (1974, p. 16), tanto engenheiros quanto arquite-
tos eram considerados profissionais liberais, geralmente engaja-
dos como militares, independendo “[...] da licença da Câmara para
exercerem suas profissões”. Na Bahia, somente no final do século,
houve formação para essas habilidades no Curso de Arquitetura da
Academia de Belas Artes. Alguns indivíduos consagravam-se como

4 Cícero Dantas Martins era fazendeiro e senhor de engenho. Tornou-se


Barão de Jeremoabo em 1880. Proclamada a República, foi eleito senador,
chegando a ser presidente do Senado até 1895, um ano após a construção
de seu solar em posição privilegiada e estrategicamente situado na zona
intermediária do sertão baiano.
de mãos e mente atadas às artes  |  33 

arquitetos por terem determinados requisitos, tais como o conhe-


cimento de modelos clássicos, destreza nos desenhos ou a pró-
pria origem, como foi o caso, por exemplo, de alguns estrangeiros
que, em seus países nativos, haviam frequentado Liceus de Artes e
aqui se apresentaram ou foram recebidos como arquitetos. Mesmo
diante da ausência desses profissionais, não faltavam edificações,
mobiliários e artefatos5 que expunham um nível elevado de conhe-
cimento técnico e artístico. Na maior parte deles, artistas, artífices e
operários deram conta do traço e da execução, embora, em muitos
casos, sua produção não se pautasse rigidamente nos cânones, nas
regras e nos tratados artísticos presentes nas igrejas, nas fortifica-
ções, nos palacetes e nos solares. Para essas tipologias, recorria-se
à cópia de modelos estrangeiros. Mesmo assim, foi a mão dos nos-
sos artífices que executou os requintados detalhes do barroco e do
rococó, os pisos de mármore de várias cores em desenhos rebus-
cados, tetos com entalhes e pinturas, portas de jacarandá delicada-
mente esculpidas etc.
A mão de obra que executou também esteve diretamente envol-
vida com a produção da arquitetura, do mobiliário e dos artefatos
das edificações destinadas à habitação, ao comércio e a outros usos.
Por ter sido adaptada tanto aos materiais disponíveis quanto ao
clima, essa mão de obra, que ainda se formava, não teve um caráter
internacional. Conquanto não seguisse regras clássicas, essa pro-
dução promoveu, ao longo do tempo, uma reelaboração dos esti-
los ditos acadêmicos ou eruditos. Como resultado disso, nas edi-
ficações mais populares, também se incluem ornatos, detalhes e
todo um repertório simbólico que envolvem tanto a criação quanto
a adaptação de formas, vocabulários estilísticos, escala e cores na
produção artística, compondo ambientes que denotam e identifi-
cam o que pode ser apreendido enquanto popular, mas não isolado
do erudito, visto que com ele dialoga.

5 Artefato pode ser definido tanto como o produto de trabalho mecânico,


objeto, dispositivo, artigo manufaturado quanto como aparelho, engenho,
mecanismo construído para um fim determinado. Artefato aqui está rela-
cionado às imagens, peças do culto sacro, telas e todas as demais formas
de cultura material ou produto deliberado da mão de obra humana.
34  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

DE APRENDIZ A MESTRE DAS ARTES E OFÍCIOS,


UM DOS CAMINHOS DE QUERINO
Foi a partir do século XVIII e, mais incisivamente, no século XIX,
que a sociedade baiana idealizou instituições de acolhimento para
crianças pobres e desvalidas. Entre outras motivações para isso, tal-
vez a mais importante tenha sido a adoção da ideologia do filantro-
pismo e, através desta, o da disciplina e da educação das crianças
para que não se corrompessem. (MARCÍLIO, 1998)
Nesse contexto, a Casa Pia Colégio dos Órfãos de São Joaquim,
cumpriu o papel de amparar a infância pobre. Foi inaugurado em
1799, como orfanato, pelo esforço pessoal do irmão leigo, o catari-
nense Joaquim Francisco do Livramento. Em artigo sobre o Colégio
dos Órfãos de São Joaquim, Querino (1946) adverte que atendia não
só à infância desvalida, como também a alunos externos, em troca
de uma módica contribuição. Era o caso de candidatos a cursos
superiores que ali fizeram seus estudos preparatórios até a funda-
ção do antigo Liceu Provincial, em 1832. Diversos dos que lá estuda-
ram seguiram posteriormente para Portugal ou para a França, diplo-
mando-se em Medicina, Letras, Ciências Jurídicas, e se destacaram
em seu meio social. Foi o caso dos Barões de Pirajá, Alagoinhas
e o de Santiago, entre outros. (QUERINO, 1946) Fonseca (1961)
aponta essa entidade como a primeira instituição brasileira desti-
nada a reverter, através da educação, o destino de menores órfãos.
Cabia ampará-los, profissionalizá-los e transformá-los em trabalha-
dores urbanos, mas não só isso. De acordo com dados da época:

O Colégio é pura e ùnicamente asilo dos órfãos desampara-


dos, onde recebem a instrução primária, e são obrigados a
aplicar-se ás oficinas existentes ou que venham a estabele-
cer-se até que completando a idade de 17 para 18 anos sejam
reclamados por seus pais ou parentes, ou empregados no
comércio e em estabelecimentos fabris. (NOTÍCIA..., 1962)

Só podiam ser admitidos com idade de 7 a 9 anos, desde


que fossem comprovados filiação, óbito dos pais, seus atestados
de vacina e pobreza das mães. Até 1899, haviam sido admitidos
1.197 órfãos dos quais faleceram 55, sendo que seis foram víti-
mas de “cholera-murbus” e 1.057 “sairam para diversos misteres”.
de mãos e mente atadas às artes  |  35 

(NOTÍCIA..., 1962) Nesse período, além do curso “da aula pri-


mária” e de francês, os meninos frequentavam aulas de desenho
industrial, música vocal e instrumental e ginástica. Habilitavam-se
nas oficinas de alfaiataria, sapataria, marcenaria e tipografia, todas
dirigidas por um mestre renomado na cidade. Durante o verão,
faziam exercícios de natação.
Não sem propósito, as aulas de desenho industrial e música
eram confiadas, respectivamente, “à alta competência dos pro-
fessôres Cap. Manuel Raymundo Querino e Guilherme Pereira
de Mello, que foi aluno do estabelecimento”. (NOTÍCIA..., 1962)
A essa altura, Querino já era um mestre famoso e também dava
aulas no Liceu de Artes e Ofícios, do qual foi aluno. Mas quem
fora antes?
Sobre sua origem não há dados precisos. Sabe-se que des-
cendente de africanos, nasceu em 28 de julho de 1851, em Santo
Amaro da Purificação, no Recôncavo da Bahia, e logo aos quatro
anos de idade ficou órfão de pai e mãe, vítimas da epidemia do
cólera que assolara, em 1855, todo o Recôncavo baiano. Seu destino
não haveria de ser tão diferente de tantos outros órfãos do período.
São de Leal (2004) as informações que trago sobre sua trajetória:
com a morte dos seus pais, uma vizinha o acolheu. Sem condições
de criá-lo, solicitou, junto ao Juiz de Órfãos, seu encaminhamento.
Foi entregue ao Professor e Bacharel Manuel Correia Garcia,6

6 Ainda jovem foi para a Europa, com a missão de adquirir conhecimen-


tos pedagógicos, recebendo o diploma de professor em primeiro grau pela
Escola Normal de Paris. Diplomou-se advogado. Foi o idealizador e sócio
fundador do primeiro Instituto Histórico da Bahia, criado em 1856. Foi
deputado provincial em duas legislaturas e conselheiro municipal, lente
da Escola Normal, professor do Colégio dos Órfãos de São Joaquim, mem-
bro do Conselho Superior da Instrução Pública, sócio-correspondente da
Sociedade Propagadora das Bellas-Artes, sócio efetivo do Conservatório
Dramático, escreveu uma tese em latim sobre A Pena de Morte, subme-
tida à apreciação da Universidade de Tubingue, Alemanha, valendo-lhe o
diploma de doutor em filosofia. Leal ressalta que Manuel Correia Garcia
participou da Mesa Administrativa, eleita em 1840, da referida Casa Pia.
Exerceu a função de procurador. Em 1845, eleito consultor, teve a posse
reprovada pelo governo, que para o cargo nomeou outro. Nos anos de
36  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

que passou a ser seu tutor. Renomado professor da Escola Nor-


mal, educado na Europa e dedicado ao ensino, teria introduzido
Querino no estudo das primeiras letras e no aprendizado do ofício
de pintor-decorador. Chama atenção a forma com a qual o próprio
Querino a ele se refere em 1896. Na “Notícia Biográfica” que assina
sobre este, narra cronologicamente sua trajetória de advogado, ora-
dor, repentista, poeta, professor, político, escritor, jornalista. Exal-
ta-o como excelente prosador, convicto apreciador das Belas Artes,
por seu contributo ao desenvolvimento das letras e das ciências na
Bahia. Não deixa de registrar sua tendência à polêmica e à sátira,
apesar do “nobre caráter”. Ultrapassando os limites de uma “notí-
cia biográfica”, Querino discorre sobre uma passagem que guar-
dara na memória. Descreve o episódio em que estava assistindo,
na casa do professor Cãnizares,7 às aulas do professor Lellis Pie-
dade sobre as belas-artes no Egito. De repente, Dr. Garcia entra e
“dá um aparte”, completa a lição e, ao fim dela, retira-se, “deixando
a todos satisfeitos”. (LEAL, 2004, p. 306) De acordo com a convin-
cente observação de Leal, há aí uma admiração que aguça o ímpeto
de lhe ser semelhante. Não menos importante, para entender esta
identificação, é o fato de o próprio Garcia também ter ficado órfão
na infância bem como ter sido professor do Colégio dos Órfãos de
São Joaquim. Não é difícil imaginar o quanto a presença desses
três indivíduos reforçava nos meninos a esperança de um futuro
melhor. Querino e Mello um dia estiveram sentados à frente de
um mestre, como eles estavam, falando das obras que realizavam
na cidade. Os dois mestres haviam experimentado a orfandade, a
pobreza e o aprendizado de um ofício.
Na trilha do interesse em qualificar as classes pobres, cabe
destacar a o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, objeto de pes-
quisa minuciosa. Leal (1996), sua autora, faz referência aos

1870, Correia Garcia reaparece nas atas, apresentando requerimentos para


a admissão de crianças para o orfanato. Cf. outros dados em Leal (2004,
p. 223, 307).
7 O nome de Miguel Navarro y Cañizares, pintor espanhol, está ligado ao
desenvolvimento do ensino das artes na Bahia, tendo ficado à frente do
projeto da sua Escola de Belas Artes.
de mãos e mente atadas às artes  |  37 

interesses envolvidos em sua fundação a partir de duas perspectivas:


a do operariado e a do Estado. Para o primeiro grupo, que já estava
organizado em sociedades mutuárias e reivindicava a organização
do liceu, esta era mais uma vitória. Eles “[...] absorviam a estraté-
gia da burguesia, unindo-se e questionando-se sobre a sua situa-
ção cultural e educacional”. (LEAL, 1996, p. 120) Desejavam que
a instituição ultrapassasse os limites da beneficência. Percebiam
que, mesmo diante do preconceito, as ocupações manuais, ativi-
dades próprias dos “de cor” e altamente vinculadas ao trabalho do
escravo no Brasil não eram dispensáveis. Seus antepassados e eles
próprios haviam sido, em geral, excluídos do sistema de ensino
público. O ensino secundário, baseado no humanismo, era a tri-
lha percorrida por aqueles que poderiam ingressar no ensino supe-
rior. Pela regra social, esse sonho não lhes cabia. Já o especializado,
técnico e profissionalizante, era desmerecido. Caberia incrementá-
-lo. Somente a constatação de que o Brasil se tornaria uma nação
obsoleta se não acompanhasse os avanços industriais, bem como
os sociais, dentre os quais a extinção do trabalho escravo, fez os
governantes se comprometerem com as mudanças. Essa foi a pers-
pectiva das elites econômicas. Nada haveria de ser mudado, seus
filhos continuariam ingressando nos cursos superiores, mas os
filhos dos pobres estariam recebendo instrução para ocuparem
suas mãos com o labor industrial e técnico.
Querino foi aprovado com distinção para ser professor de Dese-
nho Geométrico do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia em 1885,
como também lecionou a disciplina Desenho Industrial no Colégio
de São Joaquim. No seu livro As Artes na Bahia (1905) ele é bem
claro sobre a importância do Liceu e da Escola de Belas Artes para
a classe operária, considerando-as instituições que funcionavam
como “instrumentos de educação do povo de quem se respeitavam
os intuitos nobres”. Ressalta ainda que, junto aos arsenais da mari-
nha e de guerra eram “as maiores oficinas públicas”. (QUERINO,
1909, p. 7)
Ainda segundo Leal (1996), até o fim do Império, os propósitos
fundadores do liceu não haviam sido alcançados. Em sua opinião, o
liceu era “uma academia popular de Belas Artes” e os seus alunos mais
qualificados, ao completarem o curso, ingressavam na Academia de
Belas Artes da Bahia em busca de continuidade e aperfeiçoamento.
38  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

A proposta do liceu não é a mesma da Academia de Belas


Artes da Bahia.8 Esta, tanto quanto aquele, durante as primeiras
décadas de existência, apesar de cobrar de quem podia e flexi-
bilizar o ingresso dos que não podiam fazê-lo através de bolsas
(em 1887, eram 145 alunos pagantes e 133 gratuitos) – ou até por
esse motivo – também não conseguiu efetivar todos os seus pro-
pósitos iniciais. A despeito de as duas instituições serem dife-
rentes uma da outra, havia harmonia de interesses e, principal-
mente, já era notório que, se a sociedade iria receber arquitetos,
empreiteiros e desenhistas formados em nível superior, eles deve-
riam aprender a lidar com os que davam conta da produção, os
operários. A trajetória do mestre Manuel Querino, ex-aluno do
liceu que, matriculado na Academia de Belas Artes, em 1882, dela
recebeu diploma de desenhista de arquitetura pode ser tomada
como exemplo. Além de participar da fundação e da instalação
desta Academia, realizou nas suas instalações serviços de pintura.
Motivado, no ano seguinte, matriculou-se no curso de arquite-
tura. Foi até o terceiro ano, mas não pôde prestar os exames por-
que não havia quem lecionasse a disciplina de “Resistência dos
Materiais e Estabilidade das Construções” – o curso regular de
arquitetura durava três anos, embora tenha sido interrompido
várias vezes por falta de verbas e professores qualificados. Não
se tornou arquiteto diplomado por essa escola nem por nenhuma
outra, mas não deixou de produzir arquitetura. Ainda enquanto
estudante de arquitetura no ano de 1883, instigado pelo propó-
sito do Congresso Pedagógico do Rio de Janeiro, elaborou um
plano “Modelos de casas escolares adaptadas ao clima do Brasil”.

8 Fundada em 1877, a Academia de Belas Artes foi a segunda instituição de


ensino superior da Bahia, depois da Faculdade de Medicina. Foi empreen-
dida pela iniciativa particular de diversos professores, mas funcionava em
edifício cedido pelo governo da província. Se não é possível concluir que foi
formada pelas classes menos favorecidas, pelo menos observa-se que não
houve a intenção de excluí-los. Em 21 de outubro de 1879, essa instituição
se ofereceu para receber gratuitamente os alunos do Colégio dos Orfãos de
São Joaquim. A eles estavam disponibilizadas as seções de pintura, escul-
tura, arquitetura e música. Deviam provar que eram órfãos de pai e mãe,
provar boa conduta e pobreza. (LUDWIG, 1977)
de mãos e mente atadas às artes  |  39 

É Graça Leal (2004) que nos conta que o Jornal de Notícias não lhe
poupou elogios, lhe atribuiu o status de “artista de merecimento”,
elogiou a astúcia do então estudante de arquitetura, que demons-
trava sua grande aptidão nessa arte:

Todo esse trabalho do sr, Querino há de, sem dúvida, merecer


a aprovação do Congresso Pedagógico, a quem o apresentará
um dos seus membros, o nosso distinto comprovinciano o
professor Bahia, que se acha habilitado para fazer valer como
ele merece. (JORNAL DE NOTÍCIAS, 1883 apud LEAL,
2004, p. 318)

Por tudo que tratei no início deste texto, minha sugestão é de


que Querino há muito produzia arquitetura, matriculou-se no
curso oferecido pela Academia de Belas Artes para obter o diploma
e, com este, poder apresentar-se formalmente como arquiteto. Não
só para ele, mas para diversos artistas e artífices, o saber fazer, o
modus operandi florescia na prática dos canteiros, nas oficinas, nas
mutuárias, nos liceus e, especialmente, na convivência com outros
mestres do ofício.
Em 1871, Querino já trabalhava como pintor e, à noite, fazia o
curso de humanidades do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, onde
também estudou desenho e pintura e de onde, posteriormente,
entre 1905 e 1921, tornou-se professor de desenho geométrico e
industrial, cargo que desempenhava gratuitamente e que lhe ren-
deu o título de sócio benemérito. Depois, foi professor do Colégio
dos Órfãos de S. Joaquim, das mesmas disciplinas. Foi também
funcionário da Secretaria de Agricultura e oficial da Diretoria de
Obras Públicas do Estado, além disso, executou a decoração dos
bondes que circulavam em Salvador. Não menos importante é
destacar seus escritos sobre desenho linear e geometria, cuja pes-
quisa da professora Gláucia Trinchão (2008) desvelou diversos
aspectos importantes.
Querino durante muito tempo foi professor de desenho e um
defensor de que seu ensino começasse logo no ensino primário,
dada sua importância para a compreensão de outras matérias corre-
lacionadas e, sobretudo, para a inserção daquele que tinha origem
40  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

proletária no mercado que estava na órbita do labor técnico.9


Não por acaso dois de seus cinco livros abordaram especificamente
o tema: Desenho linear das classes elementares (1903) e Elementos de
desenho geométrico: primeira parte (1911).10
Como nos conta Leal (2004, p. 317), em 1881, ao ser exami-
nado nas matérias do curso que o formaria desenhista, ficou repro-
vado por não ter realizado os exames de desenho linear. Não se
fez inerte, justificando que a referida matéria “não correspondia
às exigências do curso, considerando ter sido negligência por parte
da Congregação”. Foi além, recusou-se a cursá-la com o professor
da cadeira, Austricliano Francisco Coelho, solicitando ser aluno do
Professor Manuel Lopes Rodrigues, assim:

A Congregação deliberou a suspensão do julgamento en-


quanto o aluno se habilitasse na matéria aonde quisesse,
desde que fosse com o Professor da casa. Dois meses depois
Querino declarava-se apto a ser examinado em desenho Li-
near, enquanto solicitava providências para fazer funcionar
o 2o. ano da seção de desenhista do curso de Arquitetura,
sendo necessário um professor de Geometria Descritiva.
Neste sentido, Manuel Querino desejava dar continuidade
aos estudos a fim de diplomar-se arquiteto. Intento que não
conseguiu realizar. (LEAL, 2004, p. 317)

Ser contestador e polêmico foi uma marca de Querino em todas


as áreas em que atuou e, enquanto desenhador, professor de dese-
nho, não poupou críticas às mudanças da educação promovida por
republicanos, alegando que foram prejudiciais, tanto para o “povo”

9 Rui Barbosa também evocou este discurso que, ademais, era influenciado
pelos avanços obtidos na Europa e nos Estados Unidos com os inventos
que emergiam das mentes criadores e do conhecimento da matéria Dese-
nho, contribuindo na formação de mão de obra artística e técnica. Sobre-
tudo era esta a opção de emancipação para aqueles que saiam da escravi-
dão e que tinham, neste tipo de instrução uma forma de emancipação.
10 Sobre outros temas Querino publicou: Os artistas da Bahia: indicações bio-
gráficas (1905); Contribuição para a história das artes na Bahia: José Joaquim
da Rocha (1908) e Teatro na Bahia (1909).
de mãos e mente atadas às artes  |  41 

quanto para os discentes que davam aulas de desenho, bem como


aqueles de música e mecânica, que tinham, durante o império,
os mesmos direitos e deveres que os demais. Protestava quanto a
repercussão deste descaso com a área de desenho, que incidia na
má formação daqueles profissionais dedicados às atividades mecâ-
nicas e artísticas.
Na segunda edição do seu livro Elementos de desenho geométrico
(1912) logo na introdução, ele escreve sobre “Arte do Desenho”,
indicando-o como a base fundamental de todas as artes. De acordo
com Trinchão (2008, p. 435), que analisou o conteúdo de todos
livros de desenho de Querino, este livro

[...] pela sua simplicidade e clareza no encaminhamento do


conteúdo, se enquadrou perfeitamente nos propósitos de seu
autor: organizar um livro capaz de atender os espaços esco-
lares públicos, e assim incrementar a inserção do Desenho
Industrial, ou Geométrico, nos espaços de formação da classe
operaria e artística. Sua recriação didática, apesar de se situar
nas primeiras décadas do Brasil Republicano, tem seus prin-
cípios fundamentados em pressupostos teóricos e metodoló-
gicos oriundos dos tempos de Pestalozzi, Froebel e, princi-
palmente Fracoeur, com a divisão do Desenho pela forma de
execução, com ou sem instrumentos, além de Rui Barbosa e
Abílio César Borges. Essa Distinção findou por consolidar o
Desenho Geométrico como a base do Desenho Industrial, na
concepção de Querino.

Querino era um dos “filhos do povo” que ascendera pelo ensino


técnico, o que se evidencia na sua militância para que o desenho
fosse ensinado aos oriundos das classes menos abastadas. Nas suas
multifaces artísticas, na pintura, design ou arquitetura, o desenho
estava atrelado não só à utilidade, como à artisticidade. Como nos
aponta Leal (2004, p. 243), “o Desenho foi à área de especialidade
de Manuel Querino”.
42  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

DICIONARISTAS E CRÍTICOS DE ARTE VERSUS QUERINO,


O ARTISTA
Poucos são os trabalhos desenvolvidos em torno do tema “artistas
e artífices”, no Brasil e na Bahia em particular. Querino (1905) es-
creveu biografias de alguns que se destacaram; Carlos Ott (1957)
fez um levantamento sobre os que aqui aportaram, vindos de Por-
tugal, e descreveu a participação de outros em determinadas obras;
Marieta Alves (1976) os dicionarizou, utilizando, para isso, os con-
tratos de obras. A primeira pesquisadora que os abordou enquanto
grupo foi Maria Helena Flexor (1974). Deteve-se nos oficiais mecâ-
nicos em Salvador durante a vigência das corporações de ofícios no
século XVIII. Posteriormente, duas instituições fundadas por esses
artífices, no século XIX, foram objeto de estudo. Júlio Braga (1987)
abordou a Sociedade Protetora dos Desvalidos, já Maria Conceição
da Costa e Silva (1998), o Montepio dos Artistas de Salvador. Mais
recentemente, duas instituições que cuidaram de sua instrução
também foram pesquisadas, o Liceu de Artes e Ofícios, por Maria
das Graças Leal (1996) e a Casa Pia dos Órfãos de São Joaquim, por
Alfredo Eurico Matta (1999). Numa abordagem sobre sua produ-
ção, há o estudo sobre a talha neoclássica baiana, realizado por Luís
Alberto Freire (2000), e o estudo sobre o gradil de ferro na Salva-
dor do século XIX, de autoria de Dilberto Araújo de Assis (2003).
Em 2004, Leal produziu sua tese de doutorado sobre a trajetória
de Manuel Querino, um expoente em meio a esses indivíduos. Em
2006, defendi minha tese de doutorado abordando a cultura e prá-
ticas sociais dos artífices baianos do século XIX.
Para Maria das Graças de Andrade Leal (1996, p. 61), “escra-
vos adestrados para os ofícios qualificados” foram substituindo
os artífices assalariados. Cid Teixeira (1985, p. 46) já afirmara:
“alguém adestrava negros e os alugava para se beneficiar dos
lucros de seus ofícios”. Não concordo com a ideia de adestra-
mento utilizada pelos autores, que muito se aproxima da ideia de
imitação, preconizada por Raimundo de Nina Rodrigues (1988,
p. 170), que considerou que os “pretos da colônia” eram “[...] dota-
dos de grande poder de imitação, em chegando ao Brasil [...] se
converteram em excelentes oficiais, ou mestres de ofício, de
cujos trabalhos retiravam grandes proventos os seus senhores”.
de mãos e mente atadas às artes  |  43 

Jaelson Britran Trindade (1988, p. 119) seguiu a mesma linha,


atestando que o escravo era somente uma mercadoria e, como
tal, “não pode decidir, nem interferir, nem participar”. Como rela-
tei, muitos negros que aqui chegavam já traziam conhecimentos
artísticos, como foi o caso dos ferreiros. Outros, ao serem inicia-
dos em determinado ofício, mostravam-se habilidosos e aptos a
desempenhar, com suas próprias mãos, as encomendas. A linha
que separa habilidade e criação é muito tênue e, não raro, em
uma cópia, pode haver recriação, principalmente sendo fruto da
atividade humana, manual. Como visto, o preconceito em rela-
ção ao artífice “de cor” é constante na historiografia, na qual as
obras – de todas as artes – realizadas por eles são menosprezadas
pelo sentido de “cópia mal feita”. José Mariano Filho (1943 apud
­FLEXOR, 1974, p. 73), historiador das artes brasileiras, observa:

[...] a rudeza com que foi executado entre nós o estilo D. João
V, se justifica pelas condições gerais em que foi executada a
obra de marcenaria a cargo de artistas mestiços excelentes,
sob o ponto de vista do ‘metier’, mas sem a necessária cultu-
ra para respeitar os dogmas fundamentais do estilo [...] se o
estilo D. João V foi barbarizado entre nós pela mão de obra
ingênua dos marceneiros incultos, a responsabilidade desse
fato não pode ser lançada aos jesuítas.

Contudo, de acordo com Flexor, Mariano Filho erra duplamente.


Primeiro, em relação à mão de obra, que seria branca; segundo, em
relação à datação do mobiliário, já que os móveis que Mariano Filho
classifica como ao estilo D. João V foram feitos no século XIX, numa
tendência a retornar à moda de móveis entalhados, próximos do
século XVIII. Para além dos erros apontados pela pesquisadora, é
forçoso evidenciar o preconceito de Mariano Filho, expresso no jul-
gamento do que pensou serem obras de mestiços, ingênuos e incul-
tos, limitados a copiar. No intuito de problematizar ainda mais a
análise, sugiro a observação da metodologia de pesquisa de Marieta
Alves (1976), uma das historiadoras que mais se destacou nessa
área, investigando artistas e artífices na Bahia do século XVIII e XIX.
O conjunto de fontes por ela analisado restringiu-se aos documen-
tos das Ordens Terceiras (Carmo, São Domingos e São Francisco),
44  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Salvador, da Santa


Casa, dos Registros das Provisões da Casa da Moeda da Bahia e
dos Registros das Marcas dos Ensaiadores de Ouro e Prata da
Cidade do Salvador (1725-1845). Dos 424 artistas e artífices do
século XVIII, por ela mencionados, apenas quatro são homens “de
cor”, incluindo o destacado José Teófilo de Jesus.11 Além dele, Alves
relaciona mais um pintor, Veríssimo de Freitas;12 um entalhador,

11 Pardo e forro, José Teófilo de Jesus trabalhou em Salvador, Itaparica e Ser-


gipe. Dos trabalhos documentadamente comprovados por Marieta Alves
em Salvador, destacam-se quatro painéis para as paredes laterais da Capela
do Sacramento da Sé (executados antes de junho de 1793); em 1802 pintou
quatro painéis para a Ordem Terceira de São Francisco e, depois, aproxima-
damente em 1844, volta a pintar seis painéis para as bocas dos nichos dos
altares da nave da igreja dessa mesma Ordem. Para a capela de SS. Sacra-
mento, da Igreja Matriz de São Pedro realizou, em 1812, a pintura do retá-
bulo, painéis com as molduras douradas, com seus emblemas, dois anjos
dourados, seis castiçais, urna e grade. Por volta de 1816, pintou e dourou
toda a talha da nova Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Em 1822, pintou
dois retratos de Irmãos para a Ordem Terceira de São Domingos e, no ano
seguinte, para a mesma ordem, pintou 14 tochas para a festa do Senhor
do Bonfim. Entre 1836-1837 realizou seis grandes painéis para a sacristia
da Igreja do Bonfim, onde também fez, entre 1838-1839, nos corredores,
trinta e quatro painéis menores. Em Itaparica, no ano de 1823, fez o altar
do Senhor dos Milagres. Foi aluno de José Joaquim da Rocha, um notável
pintor baiano que premiou sua notoriedade, enviando-o, às suas custas, a
Portugal. Para tanto, Rocha tomou de empréstimo da Santa Casa de Mise-
ricórdia da Bahia, 150$000 (cento e cinquenta mil-réis). A constatação de
que tal viagem ocorreu foi realizada por Carlos Ott, que encontrou seu
nome nas relações de viajantes entrados no Tejo no ano de 1794. Em Lis-
boa, Teófilo teve acesso ao famoso mestre Pedro Alexandrino de Carvalho e
chegou a cursar a Escola de Belas Artes, mas, já no começo do século XIX,
estava de volta à Bahia, como registra José Roberto Teixeira Leite (1988).
12 Outro aprendiz de José Joaquim da Rocha. Era classificado como pardo.
Sobre ele, Marieta Alves levanta que, em 1794, retocou a pintura da
capela do Cemitério da Santa Casa, construído sob a sacristia da igreja.
Já Teixeira Leite afirma que Freitas colaborou com seu mestre na Igreja
da Palma e pintou os tetos dos conventos da Lapa e de São Francisco do
Conde. Por comparação estilística, atribuem-se a Veríssimo diversos qua-
dros de cavalete, pertencentes ao Mosteiro de São Bento em Salvador.
de mãos e mente atadas às artes  |  45 

Antonio de Souza Santa Rosa;13 e um escultor, Manuel Pedro de


Barros.14 Vale ressaltar que os quatro eram pardos, exerciam ofí-
cios considerados nobres e tinham a igreja como cliente principal.
Já no século XIX, de todos os 162 artistas e artífices relaciona-
dos, 15 eram homens “de cor”: seis escultores, três ourives, dois
pintores, um dourador, um entalhador, um pedreiro e um marce-
neiro.15 Por opção, Alves só utilizou duas referências bibliográficas

Entrou no século XIX atuando e, em 1819, colaborou na decoração interna


da Igreja dos Perdões ainda em Salvador, como relata também José
Roberto Teixeira Leite (1988).
13 Segundo pesquisa de Marieta Alves, em 1791, Antonio de Souza Santa Rosa
tinha sua oficina registrada no Senado da Câmara. Em 1795, fez sete sobre-
portas e duas credências para a Igreja de N. Sr.ª da Conceição da Praia.
No período de 1816 e 1821, executou vários trabalhos para a Igreja do Bon-
fim: forro da capela-mor, tribunas, dois altares e duas portas para o corpo
da igreja, obras do telhado do Consistório, toda a obra de talha do corpo
da igreja, cinco molduras para os passos dos retábulos, obras de talha da
sacristia, duas credências e os remates para cima dos espelhos. Ainda pra-
teou 80 castiçais. Em 1818, fez a obra de talha da sacristia e oito molduras
para os painéis da Igreja Matriz de Santana. Entre 1823 e 1824, executou
52 castiçais para o trono da capela-mor da Igreja da Ordem Terceira do
Carmo. Para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Boqueirão, em
1837, fez o arco-cruzeiro e dois altares.
14 Este pardo forro era filho do Capitão João Caetano de Barros e irmão do
Sargento-mor José Raimundo de Barros, oficial do Regimento da Infanta-
ria Auxiliar dos homens pardos da guarnição da Bahia. Em 1772, executou
uma imagem de Cristo de “vulto grande” para a procissão de Cinzas da
Ordem Terceira do São Francisco, em 1792, confeccionou o retábulo de um
órgão do Convento do Desterro. Esses também são dados publicados por
Marieta Alves (1976).
15 Os escultores são: Luiz Teixeira Gomes (crioulo), Feliciano Machado Peça-
nha (pardo), Antônio Reduzindo (pardo), Domingos Pereira Baião (pardo),
Henrique da Penha Nogueira (pardo), Francisco de Assis Machado Peça-
nha (pardo). O entalhador é Francisco Álvares Pegas (pardo); o marce-
neiro é Maximiliano Pereira Pita (pardo); os ourives são Inácio Alves
Nazaré (pardo), Teodoro José de Sant’Ana Gomes (crioulo) e Joaquim
Rodrigues de Almeida (pardo); o pedreiro é Bonifácio Furtado Conceição
(pardo); o dourador é Vitorino Eduardo Oliveira (pardo); e o marceneiro é
46  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

que também se atêm ao mesmo tema: Carlos Ott (1947) e Serafim


Leite (1953). Deixa de fora Querino como referência, mas o inclui
enquanto artista. Justifica sua opção pelo fato de Querino fornecer,
em Artistas Bahianos (1905, 1909), informações não comprovadas
por documentos.16 Antes de Alves, Ott publica que o conteúdo da
obra não é de autoria de Querino, e sim de José Rodrigues Nunes,
um pintor de recursos limitados, a cujo texto manuscrito o próprio
Ott (1947) teve acesso na Biblioteca Nacional.17 Ele não usa meios-
-termos para expressar sua opinião sobre o método e, sobretudo,
sobre o próprio oficial mecânico, o negro Manuel Querino:

[...] Podemos desculpar-lhe o deslize, considerando que nos


primeiros anos de sua vida era simples oficial mecânico (pin-
tor de paredes; posteriormente professor de desenho), e que,
entusiasmado pelo estudo da arte na Bahia, procurou reunir
tudo quanto pôde a este respeito. Seu foi o mérito de salva-
guardar para a posteridade inúmeras informações, que de
outro modo se perderiam irremediavelmente, já que outros
mais bem dotados para estes estudos não cogitaram de fazê-
-lo. Ao mesmo tempo divulgou erros, já repetindo enganos
cometidos pelo seu informante anônimo, no que diz respeito
às obras executadas antes de 1820, já contradizendo o seu in-
formante sem motivo sério aparente [...] Manuel Querino não
cogitou de pesquisar os papéis velhos e, imprudentemente,
foi repetindo a tradição oral sem investigar a sua veracidade.
[...] A publicação deste manuscrito sobre a procedência da

Maximiliano Pereira Pita (pardo). Suas obras podem ser consultadas em


Alves (1976).
16 A primeira publicação é de 1905. As reedições datam de 1909 e 1911. Em
tal obra, Querino reuniu 216 registros biográficos de escultores, pintores,
músicos, entalhadores, marmoristas, agrimensores e arquitetos.
17 Na Revista Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Carlos Ott
relata ter conhecido, em 1946, o manuscrito, que é composto por um con-
junto de pequenas biografias e respectivas obras comentadas sobre pinto-
res e escultores baianos que se destacaram. Tal manuscrito, segundo Ott
(1947), encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ref. II – 33, 34,
10 – microfilme.
de mãos e mente atadas às artes  |  47 

arte de pintura e escultura na Bahia é um passo avante para a


melhor discriminação do valor das fontes. Manuel Querino,
com o seu prestígio abalado, cederá parte da sua autoridade
ao autor anônimo que, por ter escrito 30 a 40 anos antes, su-
pomos ter captado mais límpidas as águas da fonte da tradi-
ção. Contudo, ambos fazem parte do mesmo gênero duvido-
so de fontes: da tradição oral, onde há muito joio misturado
ao trigo. (OTT, 1947, p. 200-203)

Diferentemente da argumentação de Ott (1947), existem


outras favoráveis a Querino. Algumas ressaltam que “pequenas
omissões” não poderiam desmerecer uma obra daquele vulto e
que a outros pesquisadores, com o tempo, atribuir-se-ia a tarefa
das devidas retificações. Essas são opiniões de Antonio Vianna,
Clarival Valladares, Frederico Edelweiss, Jaime Sodré e Maria das
Graças de Andrade Leal, que fez uma minuciosa e abrangente
pesquisa sobre a atuação de Manuel Querino em todos os seus
campos de atuação, da qual resulta sua tese de doutorado. Vejo
que, por ser ele próprio um artífice negro, portanto habituado à
tradição da oralidade em meio aos seus, não titubeou em aceitar
os manuscritos de Nunes como fontes fidedignas. Afinal, possi-
velmente, o próprio Nunes também partilhou dessa mesma tra-
dição e, quem sabe, destinou a Querino a tarefa da publicação,
tendo em vista a projeção por ele alcançada, cabendo-lhe trazer à
tona algo a que talvez Ott (1947), na sua crítica cega pelo precon-
ceito racial, nunca tivesse acesso ou sequer autoridade para enten-
der, por ser fruto de uma história oral, que circulava entre artífi-
ces, alheio à sua tradição escrita. Foi Alves, à luz do seu método, a
autora das retificações que considerou necessárias.
Na sua lista de artistas baianos, Querino já havia citado os “de
cor”, José Teófilo de Jesus e Veríssimo de Freitas, além dos escultores
Chagas (cuja alcunha era “Cabra”, provavelmente numa alusão à sua
cor) e do pintor Antonio Joaquim Franco Velasco. Estes dois últimos
não são citados por Alves. Se sua pesquisa resulta num catálogo téc-
nico que relaciona a tríade contratado-contratante-obra, com a devida
comprovação dos contratos, Querino segue em outra direção.
Ao se referir a José Teófilo de Jesus, Querino (1911) afirma que,
em 1855, seu retrato, com a legenda “o genio proprio o exalça, o da
48  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

pintura o immortalisa”, foi colocado no salão nobre da sociedade


Montepio dos Artistas de Salvador, mutuária de artífices “de cor”,
da qual era agremiado. Chama Teófilo de “Raphael baiano”. Diz
que D. Pedro I, em visita à Bahia, fez questão de conhecê-lo, mas a
modéstia de Teófilo não permitiu tal encontro. Exalta ainda “seus
dotes intellectuais, energia e vigor do seu pincel amestrado”. Sobre
Veríssimo Freitas, acentua que foi um mestre que deixou discípu-
los que muito contribuíram para as artes na Bahia. Sobre Chagas,
o “Cabra”, Querino (1911, p. 11) lamenta não poder precisar as datas
de seu nascimento e morte,

[...] porque ninguém ignora o pouco apreço a que são votados


os homens que levantam por esforço próprio, glorificando a
terra de seu berço; e assim é que inteligências peregrinas por
aí vegetam, desprovidas do bafejo áulico, desde o tempo do
despotismo aterrador até hoje, em plena civilização de pala-
vras, unida a uma democracia que se tem distinguido por
banquetes e desfalques, sem ideal decente, sem escrúpulos,
e balda de patriotismo. Apesar disso, a memória do grande
artista ficará, imperecível, na justiça da posteridade.

Refere-se também a Antonio Joaquim Franco Velasco como um


órfão que foi entregue a José Joaquim da Rocha, de quem se tornou
discípulo. Na opinião de Querino (1911, p. 65), Velasco “ardia em
desejos de crear um estylo que correspondesse á sua ardente ima-
ginação e ao enthusiasmo que tinha pela pintura”. Ter-se-ia divor-
ciado, inclusive, do estilo do mestre Rocha, tamanha era a “liber-
dade de seu pincel”, com o qual apresentava um estilo novo, “uma
escola mais adiantada”. (QUERINO, 1911, p. 65) Cabe ressaltar que,
ao mesmo tempo em que exalta a genialidade, a mestria, o virtuo-
sismo, o rigor, o caráter inovador e a liberdade na criação, Querino,
em nenhum momento, sublinha a classificação racial do artista,
como faz, por exemplo, José Roberto Teixeira Leite ao se referir a
Velasco como um artista “de cor”. Apesar de sua trajetória de mili-
tante abolicionista, Querino não fala “da cor”, mas das qualidades
artísticas desses indivíduos e de todos os outros que destaca em
Artistas Bahianos. Seu silêncio pode ter um sentido de provocação.
de mãos e mente atadas às artes  |  49 

Mas quando fala, move sua crítica em outras direções: opina con-
tra a memória forjada e aclamada pelo ideário de civilização de
então, o que pode ser observado na sua indignação com o pro-
gresso e com a tradição escrita, que destinava ao mestre Chagas o
lugar do esquecimento.
Querino não foi um crítico/historiador da arte que não fez arte,
ao contrário, faz-se presente ao classificar-se em sua obra. Em tom
laudatório, tão comum na época, fornece diversas informações
relevantes para o presente trabalho. Fala do seu nascimento em
Santo Amaro, da sua trajetória como aluno do Liceu de Artes e Ofí-
cios da Bahia, do seguimento que deu aos estudos, matriculando-
-se na primeira Escola de Belas Artes da Bahia, da qual, em 1882,
recebeu diploma de desenhista de arquitetura. Isso o motivou, no
ano seguinte, a se matricular no curso de arquitetura, para o qual
prestou exames de trigonometria, perspectiva, teoria de sombra e
luz, mecânica elementar etc. Passou pelo primeiro e segundo ano
e, no terceiro, frequentou aulas de máquinas de vapor e hidráu-
licas, empregadas em construção civil. Estudou composição de
edifícios, história da arquitetura, anatomia das formas do corpo
humano, estética, cópia de gesso e pintura a óleo. Não pôde pres-
tar os exames desse ano porque não havia quem lecionasse a dis-
ciplina de “Resistência dos Materiais e Estabilidade das Constru-
ções”, o que fez com que nem ele, nem tampouco qualquer um de
seus colegas, pudesse ter o diploma de arquiteto, oriundo da única
escola baiana que existia até então. Querino descreve as medalhas
que ganhou, tanto no liceu quanto na Escola de Belas Artes, além
do seu projeto “Modelos de casas escolares adaptadas ao clima do
Brasil”, apresentado no Congresso Pedagógico. Por ele, recebeu
elogios do Jornal de Notícias, em 1883, por estar “[...] nas melho-
res condicoes de hygiene, de fiscalisação interna, de commodidade
material nos parece que está elle levantado, devendo custar pouco
dinheiro a sua realização, tendo tambem a vantagem de apresentar
simples mas graciosa perspectiva”. (QUERINO, 1911, p. 140) Pelo
visto, o diploma de arquiteto não lhe fez falta, tampouco lhe colo-
cou limites, pois chegou, inclusive, a escrever livros sobre dese-
nho e outros, de temáticas variadas. Os de desenho foram mate-
rial didático nas diversas escolas profissionalizantes que formaram
artífices no século XIX, nas quais também lecionava.
50  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Como fez questão de frisar Ott (1947), Querino foi pintor de


paredes. De fato, na sua biografia, não desmerece essa atividade,
diz que se encarregou da pintura de casas públicas e particulares,
de bondes, do Hospital da Santa Casa de Misericórdia e de auxiliar
seu mestre Cañizares na pintura do pano de boca do teatro São
João. Na sua contramão, Ott, crítico e historiador da arte, fonte de
Alves (1976), referindo-se à falta de habilidade de José Teófilo de
Jesus para o desenho em perspectiva, diz que ele ficava mais à von-
tade “quando se sentava em frente ao cavalete, à maneira de seus
bisavós portugueses ou espanhóis, pintando quadros destinados a
serem pendurados na parede”.
Para além desta discussão, ressalto que nem sempre aquele
que consta no contrato foi o executor da obra. Isto, a meu ver, é
requisito para avaliar qualquer pesquisa sobre a autoria das artes
no período em questão. Alves (1976) faz, de fato, uma pesquisa
importante e de inegável utilidade para a história da arte brasi-
leira. No entanto, traz à tona sujeitos que estavam oficialmente
habilitados a serem contratados e, por outro lado, trata de obras
contratadas para instituições de caráter religioso, que eram as que
mais utilizavam os serviços das artes consideradas mais liberais
do que mecânicas. Com o declínio das irmandades, no século XIX,
as igrejas católicas perdem poder econômico e passam a contratar
menos artistas e artífices. Raras são as grandes obras de arquite-
tura, talha e pintura. Esse foi um dos motivos pelos quais o mon-
tante geral de sujeitos presentes na documentação pesquisada por
Alves é menor no século XIX; no entanto, em relação aos sujeitos
“de cor” que aparecem na documentação do período, o número é
três vezes maior do que no século anterior, o que se explica pelo
fato de que já não havia mais restrições da Câmara ao exercício
dos homens “de cor”, que, nesse período, eram hegemônicos nos
ofícios mecânicos.
No início do século XIX, artífices brancos ainda prevaleciam
como licenciados pela Câmara para atuar como mestres e, como
tinham escravos, usavam-nos como seus oficiais e aprendizes.
Também trabalhavam com libertos e forros por “jornal”, que sig-
nificava um pagamento diário. Logo, o conhecimento é adquirido
e os mais hábeis também se tornam mestres e vão em busca de
liberdade. Concomitantemente a essa nova situação do século XIX,
de mãos e mente atadas às artes  |  51 

a competição gerada pela intensa presença de homens “de cor”


ocupando postos de trabalho diminui o status dos artífices bran-
cos, que passam a não ter tantas posses como antes: “[...] os que
mantinham uma situação de destaque possuíam ainda, seus ins-
trumentos de trabalho, para a garantia de sobrevivência, e, muito
raramente, eram donos de oficinas”. (LEAL, 1996, p. 61) Segundo
Flexor (1974, p. 39), desde o século XIX,

[...] os homens de condição escrava participavam mais das


tarefas de acabamento de edifícios, móveis, ferragens, etc.,
assimilando as técnicas, tornando-se rivais de seus próprios
mestres de ofício, como observou Debret em relação ao Rio
de Janeiro e Koster em Pernambuco.

Até o atual estágio da pesquisa que faço sobre o tema, não tive
conhecimento de pesquisas documentais que comprovem que
os artesãos brancos do século XIX eram a maioria, nem mesmo
que era entre eles que se recrutavam contramestres e administra-
dores de grandes obras. Mesmo quando a Câmara Municipal ofi-
cialmente restringia a aprendizagem e o exercício de muitos ofí-
cios aos homens “de cor”, os mestres brancos, que recebiam as
licenças, os tinham como oficiais e aprendizes. Pela bibliografia
consultada e pelos relatos dos viajantes, acho pouco provável que,
ainda no século XIX, permanecesse a dicotomia ofícios nobres
(realizados por brancos) X ofícios rudes (realizados por homens
“de cor”), embora alguns autores insistam nesta afirmação, mesmo
sem apresentar dados estatísticos baseados em análises documen-
tais. Há exceções, como Freyre (1936 apud VERGER, 1981, p. 221),
segundo o qual os escravos não só carregavam as ferramentas,
como também preparavam as tintas e “os senhores quase não suja-
vam os dedos”. Por outro lado, entre os estudos pesquisados, mui-
tos afirmam que não era por considerar socialmente degradante o
trabalho manual que o branco não queria realizá-lo, e sim por sua
predileção pelo ócio, tendo, inclusive, essa observação se tornado
uma máxima. A citação de Ferdinand Denis (1955 apud VERGER,
1981, p. 122), que, no século XIX, trabalhou três anos como empre-
gado do consulado da França na Bahia, é interessante. Dando notí-
cias à sua terra natal, ele relatou:
52  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

[...] nada mais difere da nossa classe operária do que os ope-


rários brasileiros, sobretudo se eles pertencem à raça branca.
Acostumados a ter negros sob suas ordens, e deixando cair
sobre eles o cuidado dos trabalhos mais grosseiros, eles sen-
tem tão bem a dignidade da mestria em seus ofícios que se
manda buscar um marceneiro para consertar um móvel, um
chaveiro para abrir uma porta, ele evitará vir carregando suas
ferramentas e só se apresentará vestido de fraque negro e as
vezes com chapéu tricórnio.

Luis dos Santos Vilhena (1969, v. 3, p. 915) compartilha da opi-


nião de Denis (1955) e, nos seus relatos, a escassez de brancos exer-
cendo ofícios mecânicos justifica-se porque, além “[...] de serem
muito poucas as artes mecânicas [...] em que possam empregar-
-se, nelas mesmos não o fazem, pelo ócio que professam, e a con-
seqüência que daqui pode tirar-se, é que infalivelmente hão de
ser pobríssimos”. Resta saber se de fato podem ser considerados
“pobríssimos”, como afirma o autor, pois alguns, além de se des-
tacarem pela mestria, principalmente nas “artes liberais”, tinham
escravos oficiais ao seu dispor.
Freyre (1936 apud FLEXOR, 1974, p. 37) observa que, no século
XVIII, certos oficiais brancos que tinham algum aporte econômico
conquistavam posição em irmandades, com isso alcançavam a
vereação e, nesta condição, defendiam o ingresso de negros no ofí-
cio. Diz também que esses oficiais brancos chegaram a ser “fidal-
gos”. Flexor, que pesquisou oficiais mecânicos no século XVIII
em Salvador, afirma que não encontrou dados semelhantes e que,
nesta cidade, juízes de ofícios e escrivães faziam uma pré-seleção
dos examinados, ficando a confirmação final da carta de examina-
ção a cargo da Câmara. Como apontei no capítulo anterior, os ofi-
ciais (juízes e mestres) não eram vereadores. Sua distinção inferior
ficava estabelecida, inclusive, na forma de seus assentos. Enquanto
aos vereadores cabiam cadeiras de espaldar, eles se sentavam em
bancos afastados e mais baixos. Fonseca (1887, p. 182), ao expli-
car “a negação dos homens livres para o trabalho mechanico” diz
que o brasileiro livre não trabalhava senão no exercício das artes
liberais e para as mecânicas não se podia “contar senão com o tra-
balho do escravo”. Registra ainda que isso não se explicaria pelo
de mãos e mente atadas às artes  |  53 

“aviltamento d’este pela escravidão”, mas sim “levianamente pela


índole do brazileiro”. Independente disso, entre os pesquisadores
locais, há um consenso sobre o vínculo racial dos oficiais mecâni-
cos no século XIX. Leal (1996, p. 61) intitula de O trabalho é negro
um dos tópicos de seu livro. Para Silva (1998, p. 28),

[...] parece fora de dúvida serem todos direta ou indiretamen-


te oriundos do processo de metamorfose fenotípico e sócio-
-econômico vivido pelo escravo até alcançar a condição de
homem livre [...] não podemos afirmar fossem em maioria
diretamente ex-escravos, mas deles descendentes na herança
dos mesmos ofícios mecânicos e artísticos, trazendo os estig-
mas raciais que os registros de óbitos atestam.

Preguiça ou status são fatores que, isoladamente, não sustentam


a minha opinião sobre o que fez o conhecimento passar de uma
mão à outra, mas, alguns fatores combinados me levam a crer que
os ofícios mecânicos foram, no século XIX, apropriados majorita-
riamente pelos homens “de cor”. Primeiro, porque eram o contin-
gente disponível para o trabalho manual e tais ofícios constituíam
as atividades que lhes restavam, numa sociedade segregadora e
preconceituosa. Segundo, porque, além de serem a minoria, os
brancos tinham, na cor da pele, a garantia de mais oportunidades,
tal como educação formal e emprego público. Portanto, no Brasil,
o último desejo de um oficial mecânico branco seria o de ver seu
filho seguindo sua profissão, visto que este, certamente, teria opor-
tunidades mais favoráveis de galgar qualquer outra carreira. Como
exemplificou o artífice Querino (1913, p. 39), que viveu o século
XIX, “quem era medianamente afortunado não admitia que seus
descendentes aprendessem um ofício, e, tornaram extensiva essa
desconsideração às artes liberais”. Só para enfatizar a observação
de Querino, relembro Freyre (1936 apud VERGER, 1981, p.  57),
para quem a “classe” de bacharéis e doutores que se integrava à
sociedade brasileira do século XIX era composta, algumas vezes,
de “filhos e netos de artesãos e mascates portugueses que viveram
com mulheres de cor”. Terceiro, porque a ocupação do tempo dos
homens “de cor” em atividades braçais era vista como uma forma
de evitar as transgressões que pudessem cometer e como forma de
54  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

“civilizá-los”. Sobre isso, a consideração de Spix e Martius (1976,


p. 65) é bem interessante: “[...] os artesãos trabalham com seus pró-
prios escravos pretos, que sob severa disciplina dos seus senhores
aprendem, além da habilidade e aptidão no ofício, também a vir-
tude da ordem civil”.

RÉGUA, COMPASSO, PONTA DO LÁPIS E LÍNGUA AFIADA


Manifestando uma posição política, Querino (1913), que foi um dos
fundadores da Liga, denuncia que, entre 1874 e 1875, os operários
baianos estavam em desvantagem, já que, para arrematar obras pú-
blicas, era necessário apadrinhamento político, o que, segundo ele,
“a classe oprimida em suas vantagens profissionais” não tinha. Era
um homem negro, de origem humilde, lutava com as armas dispo-
níveis para se estabelecer na sociedade destacando-se em diversos
setores, não é difícil imaginar o quanto incomodava. Um dos epi-
sódios pouco esclarecidos de sua trajetória foi o fato de ele ter sido
expulso da Sociedade Protetora dos Desvalidos no início da década
de 1890 do século. Depois de dois anos solicitando readmissão, ela
lhe é concedida em 1894, o que leva Braga a crer que sua insistên-
cia se deveu ao prestígio que pertencer a essa sociedade lhe oferece-
ria, haja vista suas aspirações sociais. Afinal, a esta altura, Querino
já era um professor de inegável projeção, ao tempo que também
tendia a se consolidar como líder de uma parcela da população ne-
gra na Bahia. Corroborando com suas aspirações, a sociedade rein-
tegra-o ao seu quadro e ainda o nomeia escriturário, colocando,
mais tarde, seu retrato na sala das sessões.
Sempre foi um militante político, engajado principalmente na
defesa dos trabalhadores escravos e livres que com ele compartilha-
vam a raça e a cor. Foi um dos fundadores da Liga Operária Baiana
(1876), participou de agremiações abolicionistas. Fundou também
dois periódicos (A Província e O Trabalho) nos quais a bandeira era
o direito do operariado.
Nove anos antes da Proclamação da República, a “Sociedade
Liga Operária” encontra-se no ápice do seu declínio, apesar de
todos os seus esforços, chegando a não mais poder pagar os alu-
guéis de sua sede na rua da Sé e “[...] sem esperança de que esse
estado de cousas melhore, vem pedir a V.E. a graça de conceder
de mãos e mente atadas às artes  |  55 

que a referida Sociedade funcione em algum dos cômodos, mesmo


inferiores do palacete onde se acha collocada a Academia de Bellas
Artes”.18 Com uma nostalgia contraditória, Querino (1913, p. 27)
expõe saudades do tempo do Império, em que os presidentes da
província “não se desdenhavam de proteger e animar a cultura
artística”. Lembra ainda que o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola
de Belas Artes eram sempre contemplados “com o auxílio pecunia-
rio e de outra ordem, para o seu desenvolvimento” e que o Barão de
Lucena “[...] auxiliou a fundação “Sociedade Liga Operária Baiana”
e deu-lhe preferência em todos os trabalhos públicos, executados
naquella época”. Decepcionado com a República que tanto dese-
jou, tendo em vista a melhoria das condições de vida da sua classe,
Querino (1913, p. 28) afirma que, no novo regime, está “divorciado
o poder público do elemento popular”, salientando que isto se “tem
refletido nas artes”, já que “[...] ninguém adquire um quadro, não
se encomenda uma obra de escultura; o entalhador circunscreve-se
a ligeiros trabalhos de marcenaria”.
Depois da República, ajudou a fundar o Partido Operário da
Bahia que, em 1894, se transformou em Centro Operário da Bahia.
Foi vereador entre 1897 e 1899, por eleição popular, e, depois, desi-
ludido com a política, optou por lecionar no Liceu de Artes e Ofícios
da Bahia. Foi sócio fundador e honorário do Instituto Geográfico e
Histórico a Bahia (IGHB). Foi artífice, arquiteto, designer, profes-
sor, vereador etc., e foi, sobretudo, um exemplo singular daqueles
que souberam agarrar e transformar as poucas oportunidades que
lhes eram concedidas ante ao preconceito de raça e de classe, con-
duzindo sua luta em trilhas estratégicas de resistência em prol da
emancipação e liberdade.

18 Carta encaminhada ao Governo em 9 de julho de 1880, Sociedade Liga


Operária Baiana (1876). Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBA),
Seção de Arquivo Colonial e Provincial. Livro: Inventário dos Documentos
do Governo da Província 1ª parte. Série: Administração - Atos do Governo
Imperial. Março 1575 – Série Sociedades (1833-1889).
57

A TRAJETÓRIA DO INTELECTUAL NEGRO


Manuel QUERINO: UM TEMA PARA PROJETOS
INTERDISCIPLINARES DE EDUCAÇÃO DAS
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Cecília de Alencar S. e Sepúlveda
Cláudia Sepúlveda

INTRODUÇÃO
Neste capítulo, pretendemos argumentar que a vida e obra de Ma-
nuel Querino, e especificamente, o exame de sua trajetória de in-
serção no meio intelectual baiano na transição do século XIX para o
XX, podem constituir um tema adequado a propostas pedagógicas
que busquem atender às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana. (BRASIL, 2004)
Como apontado em outros capítulos desta coletânea, Manuel
Querino nasce e se torna adulto durante a vigência da escravidão.
Negro, órfão, artista, professor, sindicalista e funcionário público de
carreira modesta, Querino teve que confrontar as barreiras coloca-
das pelo racismo e pela lógica oligárquica da sociedade brasileira da
Primeira República para conquistar um nicho em espaços frequen-
tados pela elite culta e branca. O exame das estratégias de inserção
social que ele desenvolveu em seu percurso pela academia, pela
política, pelo funcionalismo público e, principalmente, pelos espa-
ços de interação da intelectualidade baiana do período, nos per-
mite dar conta dos principais princípios e objetivos da educação
das relações étnico-raciais: promover compreensão dos meandros
das relações raciais no Brasil, propor caminhos de enfrentamento
do racismo, e inspirar pertença étnico-racial positiva.
58  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Ademais, a obra de Querino – destacando-se O colono preto como


fator da civilização brasileira e A raça africana e seus costumes na Bahia
– é resultante de seu empenho e insistência para que a história nacio-
nal considerasse as raízes africanas, a presença e influência dos afri-
canos e suas contribuições para a formação da sociedade brasileira.
Segundo Gledhill (1986, 2012), Querino foi o primeiro afrodescen-
dente a apresentar sua perspectiva da história nacional, buscando
reequilibrar a ênfase da experiência europeia no Brasil e fazer justiça
às contribuições africanas ao seu país. Neste sentido, ele é precursor
do reclame social que dá origem à Lei n0 10.639/2003.
Essa lei, uma modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (Lei n0 9394/96) que tornou obrigatório o ensino de
História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na educação básica em
instituições públicas e privadas, é um dos dispositivos legais1 que bus-
cam induzir uma política educacional voltada para a afirmação da
diversidade cultural e da implementação da Educação das Relações
Étnico-Raciais nas escolas. (GOMES; JESUS, 2013) A partir de uma
breve análise desses documentos governamentais, concluímos que as
expectativas postas para a educação das relações étnico-raciais pelas
políticas públicas de Estado e pelos movimentos sociais, cujas reivin-
dicações as mesmas buscam responder, giram em torno de três eixos:

1. conhecimento e valorização da história e cultura da população


afrodescendente;
2. construção, reconhecimento e fortalecimento da identidade, do
pertencimento étnico-racial positivo e do direito à diferença; e
3. formação para combate ao racismo e formas de discriminação.

A despeito de dez anos de promulgada, a Lei n0 10.639/2003


ainda encontra uma série de obstáculos para um maior enraizamento

1 Estamos nos referindo a Lei nº 11.645/2008 que introduz a obrigatoriedade


do ensino de História e Cultura dos Povos Indígenas Brasileiros, à Resolu-
ção CNE/CP nº 1/2004, que define Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004), fundamentada no Parecer CNE/
CP nº 3/2004.
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  59 

e institucionalização nas escolas e sistemas de ensino. Um estudo


realizado em âmbito nacional a este respeito (GOMES; ­JESUS, 2013)
apontou, por exemplo, que os conhecimentos dos professores sobre
as relações étnico-raciais e sobre história da África são ainda superfi-
ciais, cheios de estereótipos e confusos; as práticas pedagógicas, em
geral, ainda que tenham sucesso em sensibilizar e informar os estu-
dantes sobre a dimensão ética do racismo, oferecem pouco conheci-
mento sobre a África e suas inter-relações com as questões brasileiras.
Pretendemos com este capítulo prestar uma pequena contribui-
ção para superação destas lacunas, ao sugerir caminhos por meio
dos quais a vida e obra do intelectual negro Manuel Querino podem
se constituir em temática para planejamento de projetos interdisci-
plinares que atendam a expectativas da educação das relações étni-
co-raciais, articulando-as a conteúdos curriculares de disciplinas
escolares como biologia, sociologia, história, literatura e artes.

TRAJETÓRIA DE INSERÇÃO DE MANUEL QUERINO NO MEIO


INTELECTUAL BAIANO E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO
BRASIL DA PRIMEIRA REPÚBLICA
Um aspecto da vida de Manuel Querino que saltará aos olhos do
leitor ao percorrer os diversos capítulos desta coletânea, certamen-
te, será o pluralismo da sua atuação como intelectual e homem pú-
blico do estado da Bahia na transição entre o século XIX e o século
XX. Querino atuou em campos tão diversos quanto a política, a
arte, o jornalismo, o folclore, o movimento operário, a etnografia, o
magistério e o artesanato (CALMON, 1995) e, em um período mar-
cado por acontecimentos significativos da nossa história, relativos
aos anos finais do Império e às décadas iniciais da República.
Nesta seção, examinamos o modo como Querino, integrante e
representante da classe trabalhadora afrodescendente, construiu a
sua inserção social entre a “elite pensante” baiana, predominan-
temente branca. Procuramos evidenciar os aspectos das relações
étnico-raciais2 que constituíram barreiras e possibilidades explora-

2 Entendidas como aquelas “[...] estabelecidas entre os distintos grupos sociais,


e entre indivíduos destes grupos, informadas por conceitos e ideias sobre as
60  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

das por ele em seu percurso; e aspectos de sua trajetória que são
comuns e peculiares a trajetória de intelectuais negros atuantes
nas primeiras décadas do século XX. A proposta é gerar reflexões
sobre possíveis estratégias de enfrentamento do racismo, a partir
deste exemplo histórico.
O acesso à cultura letrada e às artes foram proporcionados a
Manuel Querino por meio de um revés, que lhe marcou toda a
infância, e o conduziu por caminhos que destoam do destino típico
dos garotos negros e pobres de então. Tornou-se órfão por volta dos
quatro anos de idade, quando seus pais faleceram em consequên-
cia da epidemia de cólera que assolou a região do recôncavo baiano.
Foi entregue a uma família de classe média branca, tendo por tutor
o Bacharel Manuel Correia Garcia, professor da Escola Normal da
Bahia, que o inicia nas primeiras letras e o encaminha para o ofício
de pintor.
Um dos primeiros privilégios proporcionado a Querino pelo
domínio da leitura e da escrita foi ter sido poupado do campo de
batalha, quando de sua convocação para a Guerra do Paraguai, per-
manecendo como escriturário no batalhão no Rio de Janeiro.
Em 1870, Querino consegue baixa do serviço militar e no seu
retorno à Bahia se dedicou ao trabalho, aos estudos e à política.
Entre os anos 1871 e 1882, aprendeu línguas no Colégio 25 de
Março, cursou Humanidades no Liceu de Artes e Ofícios, depois
Desenho e Arquitetura, na Academia de Belas Artes. Após comple-
tar a sua formação, Manuel Querino trabalhou como professor de
desenho geométrico no Colégio dos Órfãos de São Joaquim e no
Liceu de Artes e Ofícios.
Ingressou na política como integrante do Partido Liberal, como
abolicionista e militante do movimento Republicano. Tornou-se
ativista da causa operária, participando da fundação da cooperativa
Liga Operária em 1875 e do Partido Operário em 1890. Ocupou
uma cadeira no Conselho Municipal por duas legislaturas – 1891 a
1893 e 1897 a 1899. Como funcionário público, exerceu várias fun-
ções na Diretoria de Obras Públicas e na Secretaria da Agricultura.

diferenças e semelhanças relativas ao pertencimento racial destes indivíduos e


dos grupos a que pertencem”. (VERRANGIA; SILVA, 2010, p. 709)
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  61 

Na imprensa, Manuel Querino colaborou com diversos jornais e


foi proprietário de dois periódicos de curta duração, A Província
(1887-1888) e O Trabalho (1892) – o primeiro ligado à causa aboli-
cionista e o segundo vinculado à luta operária.
Apesar dessa atuação marcante em setores diversos da sociedade
baiana, Querino sofreu várias decepções, ao confrontar entraves às
suas ambições como profissional e homem público. Em 1899, ao
final da segunda legislatura como Conselheiro Municipal – na qual
atuou em favor da cidade e da classe trabalhadora, desprezando o jogo
de interesses individuais (LEAL, 2009) – Querino não conseguiu se
reeleger e se retirou da política. No funcionalismo público, foram
muitas as tentativas frustradas de obter uma promoção.
As barreiras que Manuel Querino encontrou na política e no
serviço público não impediram, no entanto, que ele se tornasse
uma personalidade da sociedade baiana. O testemunho de ami-
gos revela que Querino encontrou refúgio para a sua militância no
meio intelectual.
Embora não tenha obtido sucesso no campo político, propria-
mente dito, foi por meio deste que Querino teve acesso ao meio
intelectual. Dois espaços onde foi acolhido como negro e repre-
sentante da classe trabalhadora foram o Partido Liberal e o movi-
mento abolicionista. O Partido Liberal, segundo informações do
próprio Manuel Querino, abrigava cidadãos de classes sociais
variadas, e em seus comícios discursavam desde Rui Barbosa ao
sapateiro Roque da Cruz. (QUERINO, 1946) A inserção de Que-
rino neste partido pode ser atribuída, em parte, ao caráter inclu-
sivo do mesmo, mas também e decisivamente, à credencial que
sua relação com o Conselheiro Dantas, Presidente do partido na
Bahia, lhe provia.
No movimento abolicionista, a convocação de brasileiros negros
e livres na luta contra o cativeiro em favor dos “irmãos de raça”
era uma bandeira importante (FONSECA, 1887), pela qual era
franqueada a participação de trabalhadores negros, os chamados
“artistas mecânicos” e “oficiais”.3 Este contexto propiciou a Manuel

3 Trabalhadores manuais que possuíam ofícios – oficial de marceneiro, ofi-


cial de alfaiate, oficial de sapateiro etc.
62  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Querino integrar a Sociedade Libertadora Baiana, organização


notória do movimento abolicionista, que se reunia na Gazeta da
Tarde. Tais sessões eram, à época, espaços de convívio de perso-
nalidades da elite intelectual. A participação neste meio, garantiu
a Querino acesso aos jornais, como escritor, por meio do contato
com jornalistas e proprietários de periódicos, membros da referida
sociedade. Uma das primeiras publicações de autoria de Querino,
das quais se tem registro, referem-se à série de textos, de sua auto-
ria, sobre o fim da escravidão, publicada na Gazeta da Tarde em
1887. (BARROS, 1946, p. 14)
O reconhecimento de Querino como intelectual, no entanto,
foi conquistado através de sua atuação no Instituto Geográfico
e Histórico da Bahia (IGHB), instituição da qual era membro
fundador desde 1894, mas onde começou a publicar trabalhos
apenas em 1905. Cabe notar que o acesso a esta instituição só
foi possível graças ao seu esforço em instruir-se, obtendo desta-
que como aluno do Liceu de Artes e Ofícios e da Escola de Belas
Artes e, posteriormente, como professor primário. Ao  atuar
no magistério, Manuel Querino acessa um importante veículo
de mobilidade social do século XIX (LEAL, 2009), utilizado
por afrodescendentes.4
O público majoritário do IGHB era composto pela elite econô-
mica tradicional (SILVA, 2006) – herdeiros da aristocracia, profis-
sionais liberais, funcionários públicos. O modo como os escritos
de Manuel Querino se inseriram na linha editorial da revista deste
instituto sugere um percurso estratégico para romper com o con-
servadorismo, inserindo a sua perspectiva como intelectual negro
identificado com a classe trabalhadora.
No IGHB, Manuel Querino inicia a sua produção intelectual,
tratando de temas relacionados à sua formação profissional como
artista. Os cinco primeiros artigos publicados na revista são sobre a
história das artes na Bahia e a biografia de artistas baianos. Esta pro-
dução inicial é uma evidência de que Querino até o momento era
reconhecido apenas como estudioso prático. Esta  inserção no

4 O próprio Querino (1923) comenta que ao final do Império a maior parte


dos professores de Salvador e arredores eram negros.
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  63 

campo intelectual, limitada a uma área de conhecimento, dificul-


tava que sua voz se fizesse ouvir nas discussões sobre temas his-
tóricos, sociológicos e políticos. Este reconhecimento inicial, como
artista de formação acadêmica, e o seu caráter restritivo, sugere
quão sistemática, paulatina e árdua teve que ser a construção de
sua legitimidade como intelectual.
Apenas em 1913, Manuel Querino publicou um artigo sobre a
história da Bahia, “Episódio da Independência”, por ocasião de um
ciclo de palestras promovidas pelo instituto. É importante salientar
que a participação de Manuel Querino como escritor, pela revista
do IGHB inicia-se em um período de instabilidade da instituição,
marcado por dificuldades financeiras e pelo desinteresse de seus
associados, fatores que podem ter favorecido a sua participação na
revista, tendo em vista que a sua interpretação dos fatos históricos
e sociológicos, forçosamente, confrontava o discurso progressista
republicano. (SEPÚLVEDA, 2014)
Em março do mesmo ano, o autor iniciou uma série de colu-
nas no Jornal de Notícias sobre a memória de acontecimentos e
costumes da Bahia do Segundo Império, publicadas sob o título
A Bahia de Outrora, reunidas em um livro homônimo em 1916.
Estes escritos marcam uma evolução no seu reconhecimento
como intelectual, de uma atuação limitada ao campo da histó-
ria da arte baiana a uma reflexão sobre temas históricos de inte-
resse geral. Mais que isso, ao explorar temas de história, etnogra-
fia e folclore, Manuel Querino se inscreve no âmbito da temática
chave que anima as discussões do meio intelectual brasileiro do
período, o nacionalismo. (PÉCAUT, 1990) Foram estes trabalhos
que garantiram a perpetuação da sua obra nas décadas seguintes
ao seu falecimento, consagrando-o como estudioso de tradições.
Desse modo, percebemos que, em seu caminho de ascensão,
Manuel Querino encontra a política como meio de inserção social,
a instrução e o magistério como portas para uma colocação no mer-
cado de trabalho – como profissional ilustrado – e base fundamen-
tal para o reconhecimento intelectual. Este só foi alcançado através
da sua ação como articulista e palestrante no IGHB.
Dois aspectos merecem ainda ser destacados nesta trajetória,
uma vez que a caracterizam como a biografia de um brasileiro
afrodescendente que viveu a transição do século XIX para o XX:
64  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

o apadrinhamento por membros da elite branca e o rótulo de auto-


didata como demarcação da condição distinta dos acadêmicos.
Em sua passagem pela política e pelo meio intelectual, Manuel
Querino teve que contar com a proteção de personalidades brancas
influentes. O Conselheiro Pinto de Souza Dantas e o seu tutor o
Bacharel Manuel Correia Garcia intercederam em sua vida como
“padrinhos da elite”, sem a ajuda dos quais a inserção social de
Querino se tornaria ainda mais difícil.5
À maneira de outros intelectuais negros, atuantes nas primei-
ras décadas do século XX, Querino nunca desfrutou do prestí-
gio de um “homem de ciência”, o reconhecimento que dispôs no
meio intelectual o aproxima da imagem do autodidata, antropó-
logo leigo, curioso, jornalista. (GUIMARÃES, 2004) O seu perfil
o identifica como intelectual egresso das camadas populares, o
que demanda dele o trabalho de forjar um universo próprio de
reconhecimento social, para estar entre os bacharéis e douto-
res do IGHB. Como um “mestiço cultural” ele ocupa um espaço
entre a cultura de elite e a cultura popular. Embora tenha garan-
tido um lugar no meio culto, ele jamais alcançou o patamar dos
cientistas. (BACELAR, 2009)
Os espaços restritos de consagração que Querino dispôs,
como o IGHB e os congressos geográficos, mais uma vez, revela
os limites da participação dos intelectuais negros no Brasil até a
década de 1940. (GUIMARÃES, 2004) De outro lado, com esse
breve exame biográfico de sua trajetória como intelectual, pre-
tendíamos argumentar que Querino consegue tornar-se uma voz
nos círculos de interação da intelectualidade baiana, ao explo-
rar, talvez de forma pioneira, as brechas existentes para forjar o
seu pertencimento neste meio, a despeito das barreiras impos-
tas pelo preconceito vinculado à origem africana, e ao fazê-lo
insere a perspectiva da classe trabalhadora negra. De modo que

5 O Bacharel Manuel Correia Garcia, como fundador do primeiro Instituto


Histórico Baiano o IHB, possivelmente, intercedeu de modo favorável à
participação de Manuel Querino como membro fundador. Pereira (1932)
relata que Querino contou também com os políticos Miguel Calmon e José
Marcelino para a publicação da segunda edição do livro Artistas Baianos.
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  65 

o resgate da biografia de Manuel Querino é um exemplo emble-


mático do protagonismo da intelectualidade negra como produ-
tora de conhecimento no Brasil, e pode consubstanciar a per-
tença positiva de brasileiros afrodescendentes.

VIDA E OBRA DE QUERINO COMO PLATAFORMA PARA


PROMOÇÃO DE PERTENCIMENTO ÉTNICO-RACIAL POSITIVO
O movimento de luta do povo negro em prol de uma política edu-
cacional afirmativa, cuja pressão social levou a promulgação da
Lei no 10.639/03, parte do reconhecimento de que a condição
primeira para a cidadania de afrodescendentes é o reconheci-
mento de sua identidade, a compreensão, respeito e valorização
de sua história.
Para que o jovem negro possa reconhecer, enfrentar e com-
bater o racismo, especialmente um racismo velado, ambíguo, e
de controle social como o da sociedade brasileira, é preciso que
esteja fortalecido por uma identidade negra e pertencimento
étnico-racial positivos.
Gomes (2005, p. 43) nos adverte do desafio desta tarefa da edu-
cação das relações étnico-raciais, ao nos lembrar o quão é difí-
cil construir identidade negra positiva em “[...] uma sociedade
em que [...] desde muito cedo [ensina-se aos negros] que para ser
aceito é preciso negar-se a si mesmo [...]”. Para tanto, a autora con-
sidera importante ter em conta a dimensão política da construção
desta identidade, o que implica como argumenta Munanga (1994),
a tomada de consciência deste segmento étnico-racial da contribuição
econômica, por meio de trabalho gratuito como escravizados, e tam-
bém cultural que prestaram em todos os tempos na história do Brasil.
De maneira pioneira, essa parece ter sido a intenção de Manuel
Querino em O colono preto como fator da civilização brasileira, obra
em que desenvolve a tese de que o conhecimento e o trabalho do
africano escravizado foi um fator imprescindível na colonização e na
civilização do Brasil. Por meio de uma abordagem historiográfica,
em O colono preto como fator da civilização brasileira, Querino defende
sua tese articulando os seguintes argumentos: os portugueses teriam
sido incapazes de levar adiante a colonização do Brasil, sem o braço
do colono preto, conhecedor das “diversas aplicações materiais do
66  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

trabalho”; o comportamento parasitário do colono branco – “tan-


gido de esperanças e preocupações de fortuna rápida e fácil” – favo-
receu aos homens de cor a se especializarem e ocuparem diferentes
ofícios; as qualidades de “trabalhador, econômico e previdente” do
africano escravo o levaram a prover seus descendentes, sempre que
possível, de uma profissão; extenuados por uma série de luta cons-
tantes, o africano escravo passou a confiar no próprio trabalho como
recurso para obter sua liberdade. Após discorrer sobre cada um des-
tes argumentos, por meio de uma interpretação da história do afri-
cano no Brasil Colônia, Querino conclui:

Foi o trabalho do negro que aqui sustentou por séculos e sem


desfalecimento, a nobreza e a prosperidade do Brasil: foi com
o produto de seu trabalho que tivemos as instituições cientí-
ficas, letras, artes, comércio, indústria, etc, competindo-lhe,
portanto, um lugar de destaque, como fator da civilização
brasileira. (QUERINO, 1980, p. 156)

O próprio título da obra de Querino já anuncia uma importante


estratégia enunciativa na promoção de pertencimento étnico-racial
positivo e enfrentamento do racismo: o africano passa de escravo a
colono. Como nos chama atenção Cunha (2010), o racismo brasi-
leiro se perpetua por meio de ideias ambíguas, erradas e preconcei-
tuosas que desqualificam o povo negro, e que são tornadas verdades
de tal modo que não vemos as falácias e as estratégias de controle
social que estão por detrás delas. Uma das mais centrais e nefastas
é a representação dos africanos e afrodescendentes como “escravos”
que chegam ao Brasil, nus, desprovidos de conhecimento, como
mão de obra bruta, como força apenas de massa muscular e não pen-
sante. Na visão de Cunha, a ideia de “escravos” empregada na educa-
ção e cultura brasileira, tem dificultado até mesmo os historiadores
a investigarem a amplitude das contribuições que conhecimentos e
tecnologias de origem africana tiveram na construção do Brasil.
Os reduzidos estudos sobre história da tecnologia na África e
na Europa nos períodos anteriores ao século XVIII, resenhados
por este autor, no entanto, parecem suficientes para confirmar a
tese de Manuel Querino, ao trazer evidências de que a tecnologia
para produção dos diversos produtos da Colônia, como o exemplo
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  67 

emblemático do açúcar, não era de conhecimento dos europeus, e


que o sucesso dos ciclos econômicos só foi possível graças a tecno-
logia trazida pelos africanos escravizados. A respeito do papel do
africano no desenvolvimento de diferentes ofícios, Cunha Junior
(2010, p. 36) argumenta que a “a imigração forçada de africanos
de diversas regiões trouxe um elenco surpreendente de profissio-
nais [...]”, em campos tão diversos quanto mineração, engenharia
civil, artes, arquitetura, agricultura, produção têxtil, metalurgia,
química, farmacologia, marcenaria e náutica.
As estratégias de enfrentamento do racismo e da cultura do
esquecimento utilizadas por Querino foram inúmeras, não se res-
tringindo à obra do “Colono Preto...”. Esse intelectual negro, cuja
trajetória em si já inspira pertença étnico-racial positiva, conservou
sua militância em favor da classe trabalhadora, dos negros e da
cultura popular, mesmo no âmbito das limitações impostas pelo
IGHB – organização, à época, comprometida com o projeto civi-
lizatório do governo republicano, engajado na superação da cul-
tura mestiça e na adoção do padrão europeu de modernidade. Para
tanto, desenvolveu a engenhosa estratégia de vincular sua luta polí-
tica a temas de interesse prioritário do instituto como: a preserva-
ção da memória histórica do estado da Bahia e a reconstrução da
biografia de baianos ilustres.
Querino associou a história da data magna do estado, o 2 de
julho, com a defesa das classes populares, ao enaltecer o papel
patriótico do povo nos festejos da Independência. Ademais, a nar-
rativa das tradições, costumes e fatos do passado estiveram associa-
das à defesa dos hábitos e das práticas do povo mestiço da Bahia.
Dois exemplos emblemáticos do modo como Querino soube
associar a sua militância política aos objetivos do IGHB são os
artigos Candomblé de caboclo e Os homens de cor preta na História.
No  primeiro, Querino desenvolvendo uma perspectiva sincrética
sobre a religião de matriz africana, confrontando as premissas do
determinismo racial, ao interpretar as origens do candomblé de
caboclo como produto da fusão cultural entre as religiosidades euro-
peia, indígena e africana. No segundo, Querino antecipou uma das
estratégias adotadas pela militância do movimento negro, a se
estruturar apenas na década de 1930. Ele reagiu contra a invisibili-
dade do negro na história, ao construir uma lista de personalidades
68  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

negras notáveis, verdadeiro panteão de homens de cor capaz de


inspirar as gerações futuras. (BACELAR, 2009)

O COMBATE INTELECTUAL DE QUERINO AO RACISMO


CIENTÍFICO E O ENFRENTAMENTO DO RACISMO
Como vimos nas seções anteriores, Manuel Querino desenvolveu
sua trajetória intelectual no período em que a sociedade brasileira
vivia a transição entre o Império e a República, contexto em que a
elite intelectual – médicos, naturalistas, literatos e bacharéis de di-
reito – tinha como maior preocupação a construção de uma identi-
dade nacional e a transformação do Brasil em um estado moderno.
Este desafio foi interpretado pelos intelectuais brasileiros, deste
período, por meio de modelos raciais de análise dos problemas
sociais, em grande parte estruturados em torno da noção de dege-
neração racial, segundo a qual o resultado da mistura de raças seria
sempre danoso. Tais modelos tiveram origem nas teorias raciais da
Europa dos oitocentos que entraram tardiamente no Brasil e foram
recebidas entusiasticamente pela “reduzida elite pensante nacional”.
(SCHWARCZ, 1993, p. 14)
Diferentes instituições – museus de história natural e etnográ-
ficos, faculdades de medicina, escolas de direito, institutos histó-
ricos – e seus atores produziram interpretações diversificadas dos
modelos racialistas europeus e propuseram soluções alternativas
ou complementares para o problema do atraso que a mestiçagem
poderia representar para o projeto e modernização da nação. Entre
elas, se destaca a ideologia do branqueamento – a esperança de
que, em consequência de uma política eugenista de migração, que
facilitava ingresso de europeus e dificultava a entrada de africa-
nos e asiáticos, e da própria seleção sexual darwiniana, mestiços e
negros se extinguiriam, ao longo das gerações.
A essa perspectiva otimista, sustentada, por exemplo, por João
Baptista Lacerda (1911 e 1912), diretor do Museu Nacional do Rio
de Janeiro, distinguia-se a perspectiva pessimista, por exemplo, de
Nina Rodrigues (1899), que estimando ser impossível o branquea-
mento, especialmente, na região nordeste (­SANCHÉZ-ARTEAGA,
2009), propunha um código legal distinto para negros, baseado
em uma etiologia do crime, a qual, com base em medidas
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  69 

antropométricas e outros condicionantes biológicos, fazia inferên-


cias sobre criminalidade nata de mestiços e negros.
Daremos destaque aqui às ideias deste eminente professor da
Faculdade de medicina da Bahia do final do século XIX, consi-
derado o principal teorizador da inferioridade biológica e inte-
lectual do negro no Brasil (SANCHÉZ-ARTEAGA, 2009), ideias
em respostas às quais Manuel Querino organizou seu embate ao
racismo científico.
Nascido em 1862 no Maranhão, Nina Rodrigues viveu em
estreito contato com descendentes africanos, uma vez que seu pai
havia sido um coronel proprietário de escravos e dizia ter enorme
simpatia pelo povo negro. (SANCHÉZ-ARTEAGA, 2009) De fato,
podemos encontrar nas obras e ações de Nina Rodrigues demons-
trações de sua admiração pela cultura do povo negro: a realização
de um extenso trabalho de campo de natureza etnográfica sobre os
costumes, crenças e práticas religiosas, e difusão da língua afro-
descendentes no Brasil – sistematizado nas obras O animismo feti-
chista dos negros baianos (1896) e Os africanos no Brasil (1900) – e a
defesa às comunidades do Candomblé, perante as ações de perse-
guição policial, as quais repudiava.
No entanto, tendo estudado medicina nas faculdades da Bahia
e do Rio de Janeiro, por volta de 1891, Nina Rodrigues se dedica
ao estudo e à cátedra de medicina legal, a partir da reformulação
de ideias e práticas da antropologia criminal de Cesare Lombroso,
segundo a qual o maior contingente de criminalidade advém das
raças inferiores, sendo um traço nato de negros e mestiços.
Tanto o índice de criminalidade, como a incidência de certas
doenças mentais entre as massas negras e mestiças, eram interpre-
tados por Nina como evidências da degeneração racial (ODA, 2001;
SANCHÉZ-ARTEAGA, 2009; SCHWARCZ, 1993), resultante do
cruzamento entre raças em diferentes graus de evolução, a qual
gerava híbridos inviáveis e degenerados do ponto de vista físico,
intelectual e moral. Desconsiderava-se assim as condições sociais,
econômicas e sanitárias as quais estes grupos humanos eram sub-
metidos, em detrimento dos supostos determinantes biológicos
do comportamento. Esta perspectiva é exemplificada em trechos
da obra As raças humanas e a Responsabilidade penal no Brasil, tais
como o reproduzido a seguir:
70  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

[...] a cada fase da evolução de um povo, e ainda melhor, a cada


fase da evolução da humanidade, se se comparam raças an-
tropologicamente distintas, corresponde uma criminalidade
própria, em harmonia e de acordo com o seu grau de seu de-
senvolvimento intelectual e moral. (RODRIGUES, 1957, p. 47)

Uma das frentes de Manuel Querino, em seu embate intelectual


contra o racismo científico, é justamente se opor à naturalização das
diferenças entre negros e brancos e as afirmações sobre a inferiori-
dade antropológica do Negro pautadas em tal determinismo biológico
e racial, tomado do darwinismo social pelos médicos da escola de Nina
Rodrigues. Segundo a historiadora Wlamyra Albuquerque (2009, p.
224), Querino “descredenciava a própria noção de raça propagada
pela ciência em franco desenvolvimento na Faculdade de Medicina da
Bahia”, ao deslocar a constituição da diferença entre negros e brancos
do campo da natureza para o da história. Esta operação é realizada, por
exemplo, no argumento apresentado na introdução de A raça africana
e seus costumes na Bahia de que as qualidades negativas atribuídas ao
africano com intuito de denegri-lo não seriam congênitas, mas sim os
resultados de uma condição circunstancial: a escravidão.

[...] deixamos aqui consignado o nosso protesto contra o modo


desdenhoso e injusto por que se procura deprimir o africano,
acoimando-o constantemente de boçal e rude, como qualida-
de congênita e não simples condição circunstancial, comum,
aliás, a todas as raças não evoluídas. Não. Primitivamente,
todos os povos foram passíveis dessa boçalidade e estiveram
subjugados à tirania da escravidão, criada pela opressão do
forte sobre o fraco. (QUERINO, 1938, p. 21)

Querino segue em sua argumentação, apresentando, para tanto,


duas evidências da capacidade intelectual dos negros: a interpreta-
ção de Booker Washinton de que por meio da organização política do
Quilombos Palmares, os africanos teriam sido pioneiros em instituir
o primeiro regime republicano no Brasil, e a referência elogiosa de
Padre Vieira aos clérigos de Cabo Verde:

A luta que nobremente sustentou, no Brasil, o elemento afri-


cano, com heroísmo inigualável, em favor de sua liberdade,
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  71 

mereceu de ilustre escritor patrício estes memoráveis concei-


tos: ‘quem havia de pensar que estes homens sem instrução,
mas só guiados pela observação e pela liberdade, foram os
primeiros que no Brasil fundaram uma república, quando
é certo que não se conhecia tal forma de governo no país?’.
(QUERINO, 1938, p. 23)
O padre Vieira, referindo-se aos naturais da Ilha de Cabo Ver-
de [...], externou-se assim: ‘Há aqui clérigos e cônegos tão
negros como o azeviche, mas tão compostos, tão autorizados,
tão doutos, tão grandes músicos, tão discretos e morigerados
que fazem invejas aos que lá vemos nas nossas catedrais’.
(QUERINO, 1938, p. 23)

Como resultado desta argumentação, Querino (1938, p. 23) con-


clui com a defesa da tese de que não havia nenhum impedimento
biológico para que os africanos evoluíssem, desde que tenham
acesso à instrução: “Do exposto devemos concluir que, somente a
falta de instrução destruiu o valor do africano”.
Outro alvo do combate de Querino ao racismo científico foram
as teses relativas ao papel que a raça exercia no processo civilizató-
rio da sociedade brasileira oitocentista. Como vimos na seção ante-
rior, em um contexto em que uma elite intelectual branca buscava
um fundamento científico e histórico para criar “um mito funda-
dor” para as origens da nacionalidade (GLEDHILL, 1986, 2012), e
se debatiam com o problema da mestiçagem cultural e biológica
do Brasil, Manuel Querino desenvolve a tese de que o escravo afri-
cano, por ele designado de “colono negro”, foi um fator imprescin-
dível na colonização e na civilização do Brasil.
Nestas duas últimas seções buscamos apresentar as seguintes asser-
tivas articuladas por Manuel Querino nas obras O colono preto como
fator da civilização brasileira e A raça africana e seus costumes na Bahia,
e sistematizadas por Santos (2001 apud A ­ LBUQUERQUE, 2009,
p. 224): os africanos prestaram uma contribuição cultural e material
inestimável para a formação da sociedade brasileira – constituindo-se
um fator positivo para a civilização do país – e “não havia incompatibi-
lidade entre os egressos do cativeiro e o ideal de civilização”.
Nossa intenção foi argumentar que ambas fazem parte de
um combate pioneiro (GLEDHILL, 1986, 2012) deste intelectual
72  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

negro ao racismo científico propagado na Faculdade de Medicina


da Bahia entre 1870 e 1930, e os coloca em um ponto equidistante
ao posicionamento defendido pela escola de Nina Rodrigues “na
arena intelectual do período em torno das teorias raciais e dos pro-
jetos para a sociedade pós-abolição”. (ALBUQUERQUE, 2009,
p. 224) Manuel Querino cumpre, portanto, um importante papel
no contexto intelectual da Bahia do século XIX ao constituir-se
em uma das poucas vozes que se insurge contra o discurso quase
hegemônico da degeneração racial.

TENDA DOS MILAGRES: A ABORDAGEM DO COMBATE ENTRE


QUERINO E NINA RODRIGUES POR MEIO DA LITERATURA
A metáfora de encontro, e possível embate, entre Manuel Querino
e Nina Rodrigues, tem sido empregada por historiadoras e historia-
dores como Wlamyra Albuquerque (2009), Sabrina Gledhill (1986),
Carlos Antônio dos Reis (2009), tendo em vista que a obra dos dois
autores assumem posicionamentos diversos sobre as mesmas temá-
ticas. No entanto, não há registro ou relato documentado de um pos-
sível encontro entre estes dois personagens, o qual seria factível dado
o conhecimento de que frequentavam alguns lugares em comum,
como o terreiro do Gantois e agremiações carnavalescas, como o Pân-
degos D´África, presidido por Querino, e cujos desfiles foram objetos
de descrições críticas de Nina. (ALBUQUERQUE, 2009; REIS, 2009)
Carente de evidências documentais, este encontro ganha vida
nos personagens Pedro Archanjo e Nilo Argolo em Tenda dos Mila-
gres, obra ficcional de Jorge Amado publicada em 1986. O romance
se constitui em duas narrativas paralelas. Uma que narra a vida de
Pedro Archanjo (1869-1943), mestiço pobre que se transforma em
pesquisador da formação étnica e cultural da Bahia; e outra que
narra a história da “redescoberta” da obra de Archanjo, em 1969,
pela imprensa e os intelectuais, a partir do impacto dos elogios de
um professor universitário norte-americano.
Archanjo era bedel – uma espécie de empregado de estabele-
cimento de ensino – da Faculdade de Medicina da Bahia, em cujos
corredores circulavam as teorias raciais. Tais ideias, as quais causa-
vam revolta ao mulato, eram propagadas nas obras de Nilo Argolo,
catedrático de Medicina Legal, nas quais propunha a tese de que a
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  73 

mestiçagem, “a criação de uma sub-raça no calor dos trópicos, sub-


-raça degenerada, incapaz, indolente, destinada ao crime” constituía
“o perigo maior, anátema lançado contra o Brasil”. (AMADO, 1982,
p. 152)
Além da escola de Medicina, onde era tratado como sujeito
menor e de pouca credibilidade, a história de Pedro Archanjo era
tecida na Tenda dos Milagres, a oficina de seu amigo Lídio Corró,
onde, conhecido como o respeitado Ojuobá – alto cargo em uma
Casa de Santo –, assumia o papel de estudioso, líder e difusor da
cultura negra. Foi nesta oficina, com ajuda de Lídio, que publicou
artesanalmente quatro livros, nos quais revelava a influência afri-
cana na cultura local, bem como aspectos da mestiçagem étnico
racial nas famílias tradicionais da Bahia, e defendia a tese de que a
mestiçagem seria o traço maior da identidade brasileira.
Como argumenta Reis (2009, p. 135), em toda a narrativa, a
figura de Pedro Archanjo se sobressai à de Nilo Argolo, de modo
que o “reles bedel” é elevado a herói e o “eminente cientista” é
ridicularizado. Reis concorda com a interpretação da antropóloga
Goldstein de que, por meio desta estratégia, Jorge Amado, de modo
maniqueísta, tornam Manuel Querino e Nina Rodrigues em herói
e vilão, respectivamente, “condicionando características do que é
‘bom’ ou do que é ‘mal’ a partir da posição que cada criatura sua
toma diante da ‘mestiçagem’”. (REIS, 2009, p. 131)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos argumentar que a vida e a obra de Manuel Querino
têm grande potencial para promover educação das relações étni-
co-raciais, ao entendê-la, assim como propõem Verrangia e Silva
(2010), como processos educativos que promovem a superação de
preconceitos raciais, o engajamento em lutas por equidade social
entre os distintos grupos étnico-raciais, e construção de uma iden-
tidade étnico-racial positiva.
Ao longo das seções anteriores, tivemos a intenção de mostrar
que toda a obra de Manuel Querino foi construída como estratégia
de enfrentamento do racismo, por uma dupla via: a de produzir
modelos teóricos e evidências empíricas que se contrapunham às
teorias racialistas de interpretação do papel do negro e do mestiço
74  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

na formação da sociedade, quase hegemônicas entre intelectuais


baianos na transição do império para a república; e a de dar visi-
bilidade e valorizar a cultura, a produção intelectual e artística, e
as diversas profissões exercidas por africanos e afrodescendentes
escravizados e livres no Brasil, desde a colonização. Ademais, a
trajetória de Querino permite, ela em si, inspirar pertencimento
étnico-racial positivo, ao percebermos sua capacidade de encon-
trar brechas e construir caminhos de inserir-se no meio intelec-
tual branco, e ainda de modo a representar e fazer-se ouvir a voz
de negros da classe trabalhadora. Ao fazê-lo, Querino nos deixa
um importante legado: um exame das relações étnico-raciais na
Bahia oitocentista, um apanhado do acervo tecnológico, cultural e
artístico africano e afrodescendente no Brasil colonial, imperial e
da primeira república, ambos, interpretados sob a perspectiva de
um afrodescendente.
Esperamos que a leitura deste texto inspire professoras e pro-
fessores a desenvolverem propostas pedagógicas interdisciplina-
res estruturadas ou contextualizadas por meio do exame da tra-
jetória intelectual e da obra de Manuel Querino. Para atingir este
objetivo, a seguir, sugerimos alguns objetivos educacionais e con-
teúdos curriculares, relativos a disciplinas escolares do ensino
médio que podem ser abordados a partir desta temática. A des-
peito de termos experiência de prática docente apenas em duas
disciplinas, a sociologia e a biologia, respectivamente, o faremos
não só para estas disciplinas, como também para história, língua
portuguesa e artes, a partir de nossa leitura de documentos da
política nacional de educação,6 e algumas experiências de inter-
venções educacionais interdisciplinares.7

6 Estamos levando em conta os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)


(2000) e o documento relativo a segunda versão da Base Nacional Curricular
Comum (BNCC) (2016), uma vez que até o momento da revisão final deste
texto não havia sido lançada a terceira versão da BNCC para o ensino médio,
documento que, ademais, as autoras deste capítulo não reconhecem como
legítimo, pelo processo autoritário que levará a sua escrita e promulgação.
7 Nos referimos, por exemplo, a Exposição Ciência, Raça e Literatura, desen-
volvida por meio de uma curadoria coletiva entre professores da área de
ensino, filosofia e história das ciências da UFBA e UEFS, e estudantes da
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  75 

Consideramos que em relação ao campo da sociologia, é possível


examinar o papel que o positivismo, evolucionismo e darwinismo
social tiveram na interpretação e determinação das relações sociais
no século XIX. Este exame pode ser realizado conjuntamente com
uma análise histórica de como o século XIX foi marcado pelo apa-
recimento e difusão de teorias científicas de cunho determinista.
E em relação à história do Brasil, é possível analisar como essas
matrizes foram apropriadas pela elite intelectual brasileira na tran-
sição do império para a república em suas interpretações racialistas
a respeito dos desafios e problemas sociais do período – mudan-
ças na organização do trabalho, fim do sistema escravista, modi-
ficação do regime político – e em seus projetos de construção de
identidade nacional e modernização da nação. (CARULA, 2009;
SCHWARCZ, 1993)
Essa abordagem demanda um diálogo com a biologia, que poderá
promover uma compreensão das ideias que estruturam o pensa-
mento darwinista e suas implicações sociais, em especial, aque-
las que estiveram envolvidas em discursos e práticas do racismo
científico (SANCHÉZ-ARTEAGA, 2009), combatido por Manuel
Querino e propagados por médicos da Faculdade de Medicina da
Bahia. Entre eles, importante examinar os conceitos de competi-
ção inter-racial e extinção racial apresentados por Darwin em sua
obra A origem do homem e seleção sexual de 1871, geralmente pouco
explorados no ensino de Biologia, e os conceitos tradicionalmente
abordados no currículo, como competição, seleção natural, adapta-
ção, sobrevivência e reprodução diferencial, e o modo como foram
apropriados pelo darwinismo social.
É possível também nesta disciplina escolar, examinar o desen-
volvimento histórico do conceito de raça por esta ciência, a polê-
mica contemporânea sobre seu estatuto científico, em decorrência
dos estudos sobre variabilidade genética humana, e os estudos de

licenciatura de Biologia da UEFS e Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e


História das Ciências (UFBA/UEFS), com consultoria de pesquisadoras da
área de História (Wlamyra Albuquerque, UFBA; Karoline Carula, ­UNICAMP)
e museologia (Luciana Conrado Martins). Para saber mais sobre a exposi-
ção consultar Dias e demais autores (2014), Dias (2016) e acervo digital
provisório no endereço: https://expocrl.wixsite.com/avaliacao.
76  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

composição étnica de populações com uso de marcadores gené-


ticos de ancestralidade, a exemplo dos estudos coordenados pelo
geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) (PENA et al., 2000), e suas implicações nos processos
de construção de identidade étnico-racial e políticas afirmativas.
(SANTOS; MAIO, 2005)
Em relação ao ensino da língua portuguesa, a partir da análise
de modo como a vida e produção de Manuel Querino são incorpo-
radas na composição da personagem Pedro Arcanjo no romance
de Jorge Amado, pode-se promover um exame da representação
dos afro-brasileiros, seu papel na formação cultural do Brasil, e sua
relação com visão da identidade nacional, na literatura brasileira. É
possível fazê-lo, por exemplo, desde os romances realistas e natu-
ralistas, influenciados pelas teorias raciais e ideologia do embran-
quecimento, as obras posteriores a 1930 que “enaltecem virtudes
da miscigenação e da democracia racial brasileira”, até a produ-
ção de uma “literatura negra” a partir do final da década de 1970.
(MÉRIAN, 2008) Por meio desse exame, o estudante poderá com-
preender o processo de constituição da literatura brasileira, vin-
cular os textos ao seu contexto de produção, e analisar vozes que
representam ideologias com as quais compartilha ou rompe.
Ainda na área das linguagens, a obra de Querino nos apresenta
uma extensa contribuição sobre a história das artes na Bahia colo-
nial e imperial. Nas obras Os artistas baianos (1905) e As artes na
Bahia (1913), podemos encontrar, além da biografia de artistas baia-
nos, uma compreensão dos ofícios que ele considerava arte; um
exame do padrão arquitetônico e urbanismo da Bahia colonial e
sua relação com o padrão de ocupação da cidade de Salvador; um
registro dos conhecimentos tradicionais sobre a arte baiana; uma
crítica a postura de representantes da elite brasileira de ridiculari-
zar a produção artística local em detrimento da arte europeia, espe-
cialmente, no que diz respeito à música. (FREIRE, 2009) De modo
que no ensino das artes, a análise de sua obra poderá propiciar o
estudo dos aspectos históricos dos produtos e processos artísticos
brasileiros, a problematização de narrativas eurocêntricas a res-
peito desses processos e das diversas categorizações da arte, objeti-
vos educacionais propostos na segunda versão das Bases Curricu-
lares Nacionais para o Ensino Médio (2016).
a trajetória do intelectual negro manuel querino  |  77 

Essas sugestões são apenas indicações para motivar os pro-


fessores a buscarem diversos caminhos de explorar o imenso
potencial que a trajetória e a produção deste intelectual negro
apresentam para promover educação das relações étnico-raciais
e contextualizar a abordagem de conteúdos curriculares das dife-
rentes áreas do saber.
PARTE 2

CONTEXTO
SOCIOEDUCACIONAL,
POLÍTICAS DE DISTRIBUIÇÃO
E ADOÇÃO DE LIVROS
DIDÁTICOS
81

BRASIL PÓS ABOLIÇÃO: REFERÊNCIA


PARA A COMPREENSÃO DAS IDEIAS
PEDAGÓGICAS DE Manuel QUERINO
Suely dos Santos Souza

INTRODUÇÃO
Enquanto militante pelos segmentos sociais populares menos fa-
vorecidos, Manuel Querino teve papel significativo no cenário po-
lítico oitocentista, porém sua maior contribuição veio pela luta no
setor educacional para a formação de mão de obra profissional de
segmentos sociais como o operário e o artista, valorizando o saber
em desenho nos espaços escolares.
A força de sua atuação sociopolítica e cultural se destaca no ce-
nário baiano por ele ser negro, ou afro-descendente, que lutou pela
educação destes segmentos, como meio de capacitação da mão de
obra operária, ou técnica, no país, em meio ao contexto social dos
momentos finais do Brasil Império, lócus de luta pelo fim da escra-
vização da população negra no país. Importantes transformações
que culminaram na República estavam ocorrendo, época essa, de
grandes lutas e embates sociais abolicionistas.
Com a crise instaurada em torno da política imperial, na luta
pelo fim do trabalho forçado e escravizado, na economia, dentre
outros, as diferenças sociais se acentuavam. Com vistas a inserir o
país no processo de desenvolvimento houve, então, uma motivação
para medidas liberais a partir de novos ideais. Ideias liberais, cien-
tificistas, defendidas pelas elites letradas, de visão mais progres-
sista, passaram a influenciar a busca de alternativas para inserir o
país, e a Bahia, no projeto de modernização.
82  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Nesse aspecto, em constatação da falta de instrução da maioria


da população, passou-se a pensar na ideia de estender a escolari-
zação às classes artísticas e operárias, como parte da política civili-
zatória, pois isso fazia parte da visão de modernização e progresso,
passou-se, então, a abrir espaço para a participação popular em ins-
tituições antes destinadas apenas à elite, como é o caso das escolas.
(LEAL, 2004)

O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL E A QUESTÃO


RACIAL NO BRASIL
O professor e desenhista Manuel Raymundo Querino (1851-1923),
nasceu e viveu em um momento em que o Brasil passava por um
período de transição no seu sistema de governo. Nasceu em 1851, ain-
da na Monarquia, no segundo reinado com D. Pedro II, e faleceu em
1923, já na República, viveu e experienciou uma fase de fortes e sig-
nificativas mudanças de governo brasileiro, em que o Império passou
por transformações políticas, econômicas e, principalmente, sociais
consideráveis para o estabelecimento da República.
Manuel Querino, como é mais conhecido, nasceu no momento
em que o império brasileiro era marcado por uma continuação da
condição agrícola da nação, e, nesse sistema, a exportação de pro-
dutos agrícolas constituía a base da economia. Os latifúndios so-
breviveram a partir do trabalho escravo, e as elites beneficiavam-se
da produção agrícola, cujas intenções eram de preservar as estru-
turas tradicionais de produção. (COSTA, 1999)
No entanto, na segunda metade do século XIX, fenômenos
como a cessação do tráfico no ano de 1850, a transição do trabalho
escravo para livre e a abolição no Brasil em 1888, seguido da pro-
moção da imigração europeia, a implantação da rede ferroviária e
ainda ações iniciais de industrialização, introduziram modificações
nas estruturas do país, estimulando o processo de urbanização.
O aparecimento de indústrias começa a acentuar as diferenças
entre os grandes centros e as cidades do interior e delineia dife-
renças marcantes também entre as regiões do país e a atividade in-
dustrial começa a se destacar. (COSTA, 1999)
No que se refere à situação econômica, o Brasil passa por mu-
danças significativas, de uma nação agrícola com produção extra-
brasil pós abolição  |  83 

tivista em locais isolados, cuja força trabalhadora era constituída


de escravos negros, para um país em franco desenvolvimento
com transformações significativas na estrutura produtiva, com
vistas a superar o sistema mercantil escravocrata. A intenção era
a busca pela modernização e pelo progresso, fatores decisivos na
trilha da civilização.
Precedida por ações legislativas que ensaiaram a libertação da
classe escrava, como a Lei do Ventre Livre, em 1871, que libertava
todos os filhos de mulheres escravas e a Lei do Sexagenário, em
1885, que estabelecia a liberdade para todos os escravos com mais
de 60 anos, a abolição da escravatura foi um marco no contexto
socioeconômico da nação, delineando uma nova situação social,
o que torna necessário entender seus desdobramentos para com-
preender a sociedade brasileira e alguns conceitos que se refletem
até os dias de hoje.
O subgrupo de libertos fora a população que mais crescera em
relação aos demais grupos e nesse momento,

A grande quantidade de negros e mestiços no Brasil, que


durante o período escravista deixava os senhores extremamente
temerosos de revolta- principalmente após a revolta do Haiti-
e deixava viajantes espantados com o modo de vida tido como
extravagante e quase animalesco dessa população, sempre foi
uma pauta de discussão das camadas dirigentes do Estado.
A partir da segunda metade do século XIX, porém, uma nova
perspectiva de encarar esse ‘problema’ ganharia força. As teo-
rias raciais, populares entre os intelectuais na Europa, entra-
riam de maneira fulminante no país. (AMORIM, 2013, p. 65)

A abolição da escravatura em todo o cenário mundial, ao mesmo


tempo que trazia respostas aos militantes abolicionistas e ao ideal
de liberdade, igualdade e fraternidade, advindo da Revolução Fran-
cesa e apregoado pelo novo projeto iluminista de sociedade passou
a conduzir o desenvolvimento dos grandes centros europeus, dei-
xava também os grupos brancos dominantes sob um forte senti-
mento de temeridade com a sociedade que se projetava perante
um futuro em que os grupos se igualassem, e sobretudo amea-
çados em sua posição hierárquica.
84  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

A partir desse contexto, nos meios científicos passou a nascer


formas de se pensar e entender a população de homens que se
distinguia em suas características físicas, principalmente nas re-
giões dos trópicos. As teorias raciais nasceram do esforço em dis-
tinguir os povos e explicar as diferenças, essencializando as raças,
e é então,

[...] sobretudo a partir da segunda metade do séc XIX, que a


raça torna-se – de fato – uma ‘categoria biológica’, i. é, uma
‘categoria essencializada’. Cientistas europeus e norte-ameri-
canos buscavam as causas das diferenças humanas no ‘corpo
humano’, e postulavam que as ‘características físico-bioló-
gicas’ fossem o fator determinante de todas as diferenças
observáveis na ‘vida social’. (HOFBAUER, 2003, p. 52)

Nos postulados dessas teorias, os negros, mestiços e povos dos


trópicos eram entendidos como pessoas incivilizáveis, degene-
radas, com tendência à debilidade, à embriaguês e ao mal, seres
amorais e portadores naturais de certos tipos de doenças. Sendo
necessário evitar a miscigenação e a mesma era condenada, de ma-
neira a evitar que a mistura trouxesse a decadência para as “raças
puras”, cujas características físicas, morais e intelectuais eram de-
sejáveis para uma sociedade em progresso.
Ao chegarem ao Brasil, momento de nascimento da Repú-
blica, mesmo apesar de sua condição miscigenada, essas teorias
se adequaram perfeitamente ao projeto de sociedade da elite na-
cional, protagonista do jogo do poder que sempre pautava as re-
lações, e, nesse contexto, o que estava em jogo era a referência de
autoridade e a hierarquia. Dessa forma, as teorias raciais cum-
priram um importante papel, o de naturalizar as diferenças e a
organização social extremamente desigual que sempre delineou
a sociedade brasileira em que, enquanto um grupo se mantinha
no poder as custas de toda e qualquer forma de persuasão, outro
lutava com todas as forças para sobreviver e encontrar seu lugar
social. (AMORIM, 2013)
Dessa forma, tais concepções foram recebidas no Brasil sem re-
flexões mais aprofundadas, como forma de construir argumentos e
uma justificativa teórica para basear a ideologia racial que iria fun-
brasil pós abolição  |  85 

damentar as relações sociais e econômicas. Dado o contexto brasi-


leiro, que já era um país miscigenado, adaptações foram pensadas
de forma que a nação não fosse excluída do desenvolvimento e pro-
gresso perseguido naquele momento. Buscou-se então, formas de
pensar uma ideologia que se adequasse à sua realidade, mas que
fundamentalmente atendesse aos seus interesses. Assim, o pensa-
mento racial brasileiro, segundo Schwarcz (1993, p. 19): “[...] em
seu esforço pela adaptação, atualizou o que combinava e descartou
o que de certa forma era problemático para a construção de um ar-
gumento racial no país”.
Nesse esforço pela adaptação, uma ideia, concebida como sendo
genuinamente brasileira tomou corpo e passou a ser defendida:
a ideia de branqueamento. Tal ideologia foi pensada como forma
de melhorar e “purificar” a população, pressupondo a predomi-
nância da raça branca em detrimento da negra, e, para essa última,
a intenção, de acordo com tal ideia, era que nas gerações futuras a
incidência de nascimentos negros fosse gradativamente se extin-
guindo até que, consequentemente, chegasse ao fim.
Tal ideia, de acordo com Hofbauer (2003, p. 60),

[...] serviu à elite política e econômica do país também para


promover uma grande campanha de importação de ‘mão-
-de-obra’ branca européia – o que teria como efeito colateral,
a ‘marginalização’ dos negros na nova sociedade de classes
que estava surgindo nos centros urbanos.

Como parte dessa construção temos dois fatores que foram de-
terminantes à reconstituição da sociedade e que contribuíram de
forma decisiva para acentuar a desigualdade na sociedade brasi-
leira. Fatores esses pautados no preconceito que difundia a menor
capacidade do negro, falta total de qualificação e inferioridade ra-
cial e que defendia que a dificuldade de inserção dos mesmos no
mercado de trabalho era devido à sua inferioridade, e, por outro
lado, pautados na visão do europeu como trabalhador por exce-
lência, como primor do homem racional. (THEODORO, 2008)
A contar, primeiramente, da imigração europeia, que recebeu
total apoio por meio de políticas públicas, foram empreendidos
esforços da parte do governo brasileiro como forma de incentivo,
86  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

e leis foram promulgadas no ano de 1884, como a Lei no 28 que


garantia recursos para financiar a imigração de trabalhadores eu-
ropeus e suas famílias, e ainda o Decreto no 528 que instituía a
livre entrada de europeus nos portos brasileiros, ressaltando que
asiáticos e africanos somente poderiam entrar mediante autori-
zação. (THEODORO, 2008) Unido a isso, campanhas foram reali-
zadas em países como por exemplo a Itália, que passava por séria
crise econômica, e foi acenado aos colonos europeus promessas
de casas, terras e benefícios para encorajar sua vinda para o Brasil.
Por outro lado, para os negros libertos que, aos milhares se es-
palharam pelas estradas e comunidades e engrossavam as fileiras
dos sem teto e sem ocupação, não foi pensada nenhum tipo de
política que promovesse o amparo e apoio aos mesmos, que, des-
protegidos, ficaram totalmente excluídos e “[...] naturalmente se-
gregados num sistema social que lhes oferecia poucas oportu-
nidades econômicas, excluía-os da participação política e onde a
ascensão na escala social só era possível quando autorizada pela
elite branca”. (COSTA, 1999, p. 354)
Os sujeitos negros então, marcados pela herança da escravidão
e recém egressos do cativeiros, foram abandonados à própria sorte,
sem perspectiva de integração ao sistema econômico, em uma so-
ciedade totalmente hostil, em que o preconceito era a marca nor-
teadora das relações sociais entre brancos e negros em uma pos-
tura de total rejeição daqueles, tudo isso sancionado e justificado
pela noção de hierarquia racial.
Nesse contexto, os imigrantes, já experientes como trabalha-
dores e com o sistema trabalhista, foram recrutados para as la-
vouras, no entanto, o processo de industrialização começa a se
delinear no país e, nesse contexto, grande parte dos mesmos as-
sumem os postos de trabalhos criados nas fábricas e indústrias
dos centros urbanos.
Temos então uma realidade social nesse momento da nação em
que o preconceito e a discriminação eram determinantes nas re-
lações sociais e produtivas. Enquanto os imigrantes ocupavam os
postos de trabalhos como operários, em um momento em que a in-
dustrialização estava em estado de efervescência, aos negros eram
relegadas as ocupações mais desgastantes, mal vistas, as que eram
rejeitadas pelos imigrantes e pelos brasileiros brancos, cuja remu-
brasil pós abolição  |  87 

neração era das mais baixas comparadas ao que recebia os demais


trabalhadores, que também eram bastante mal remunerados e sub-
metidos a condições subumanas de trabalho.
Devido à condição de exploração dos operários de uma forma
geral, a primeira década de 1900 foi marcada por grandes greves,
formação de sindicatos de acordo com o ofício, muitos movimentos
e criação de partidos. As reivindicações eram em prol da melhoria
das condições de trabalhos, salários, horários e limite de horas diá-
rias, pela livre associação para a busca de melhorias pelas classes e
contra a carestia de vida. (GIANNOTTI, 1980)
A mobilização dos movimentos negros também surgiu logo nos
primeiros anos da república e os mesmos enquanto lutavam por
sua situação na sociedade, buscando conquistar seu lugar e seus
direitos, engrossavam as fileiras dos trabalhadores que reivindi-
cavam os direitos de cidadãos, em uma república que se procla-
mava democrática. E assim,

As manifestações populares que tiveram os negros como par-


ticipantes efetivos na busca por melhores condições de vida
aconteceram tanto nas zonas do interior do Brasil como foi
o caso de Canudos, como também nos grandes centros urba-
nos como foi o caso da Revolta da Vacina e da Revolta da
Chibata. (SILVA; SANTOS, 2012, p. 4)

A intenção em todos os movimentos ocorridos nesse período,


formados por homens livres brancos, pobres, imigrantes ou brasi-
leiros, e negros e mestiços que passaram a unir as forças, era rei-
vindicar os direitos sociais que foram adquiridos após a abolição
em um país que por décadas manteve grande parte da população
à margem de toda e qualquer participação na vida política e econô-
mica e que, nesse momento, acenava com a possibilidade de parti-
cipação, mas com uma atuação sempre relegada à segunda classe
e, no caso dos negros e mestiços, ainda às classes mais inferiores.
E é nesse contexto que Manuel Querino atua como professor,
militante da luta por melhores condições para a população negra,
trabalhadores nos ofícios de artífices, artistas, operários, dentre
outros. Travando luta primeiramente com a sociedade imperial e
depois republicana, cuja ideologia empreendia esforços para ex-
88  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

pulsar a população pobre e, sobretudo negra, do cenário urbano


e industrial, com lógica vinculada a uma noção de civilização e
progresso que não contemplava todo o povo da nação. A busca
acima de tudo era por uma real conquista da cidadania pra todos
indiscriminadamente.

O CONTEXTO EDUCACIONAL
Nesse contexto, dentre as questões que envolviam a transição para
a República estavam não somente a abolição, mas também a da
transformação da educação como forma de resgatar a ordem social.
Uma política de criação de Liceus de Arte e Ofícios foi assim inicia-
da, com a intenção de acompanhar o progresso que se configurava
internacionalmente, nesse contexto, o desenho, entendido como
saber necessário à formação de mão de obra industrial era integra-
do a essa instituição com o intuito de formar profissionais que se
adequassem a esse ambiente progressista. A intenção era profissio-
nalizar artistas e técnicos. (TRINCHÃO, 2008)
O ensino passou a ser pensado, assim, como forma de instru-
mentalizar esses trabalhadores para que eles, fazendo parte desse
país em desenvolvimento, pudessem contribuir, ou não atrapa-
lhar o progresso pretendido e a maneira como a nação brasileira
era vista pelas demais nações desenvolvimentistas, era pensado de
uma forma totalmente assistencialista.
Leal (2004, p. 228) diz que a aplicação do ensino industrial diri-
gido à classe trabalhadora tinha o objetivo de,

Profissionalizar artistas e operários nas artes úteis, numa


conjuntura de urbanização vinculada à liberação progres-
sista da força de trabalho escravo. O objetivo era de unir dois
aspectos importantes para a ordem social, política e econô-
mica que se vislumbrava com o fim do cativeiro: compelir a
população livre ao trabalho, como forma de reprimir a ocio-
sidade, corrigir infratores, prevenir as lutas de classes, bem
como educá-las para aprender a viver em liberdade.

A concepção que prevalecia era que a educação era uma forma


de garantir a disciplina e a moralização dessa população que, com-
brasil pós abolição  |  89 

posta em grande parte por negros libertos, eram desocupados e es-


tavam dados ao ócio, e assim garantir que essas pessoas, ao mesmo
tempo em que fossem úteis ao progresso, também fossem man-
tidas em ocupação.
Segundo as concepções da época, a educação deveria preparar
a criança para a vida, isso consistindo na aquisição do saber mais
adequado ao desenvolvimento intelectual, sendo esse saber adqui-
rido pela observação e através das ciências exatas, seguindo-se as
artes úteis. (TAVARES, 1968) No entanto, essa educação, enquanto
instrumento de garantia da cidadania não era pensada para a popu-
lação como um todo, principalmente para a de cor de pele negra,
mas somente para uma parte dela, aquela representada pelas
classes da elite.
De acordo com Silva e Araújo (2005, p. 68)

[...] a população escrava era impedida de freqüentar a escola


formal, que era restrita, por lei, aos cidadãos brasileiros –
automaticamente esta legislação (art. 6, item 1 da Constitui-
ção de 1824) coibia o ingresso da população negra escrava,
que era, em larga escala, africana de nascimento.

Essa população, então, tinha pouca ou quase nenhuma perspec-


tiva de instrução.
Mas, com a nova configuração social com a abolição da escra-
vatura, em que não se tinha mais pessoas escravizadas que rea-
lizassem os trabalhos manuais, essa preocupação passou a inco-
modar, e, na medida em que se pensava numa forma de sanar tal
carência, passou-se a se pensar na valorização do trabalho enquanto
uma qualidade social e também moral, passando a ser apregoado
como uma forma de prestígio social para as classes populares.
Uma dualidade educacional se impunha então, pois essa edu-
cação dirigida à população pobre se distinguia da educação ofere-
cida às elites intelectuais, estas eram ensinadas a serem letradas e
intelectuais, enquanto os trabalhados deveriam ser treinados para
o trabalho, profissionalizados, na intenção de capacitar uma mão
de obra qualificada para o mercado interno. A educação, então, re-
presentava um instrumento da dominação que agora se configu-
rava como dominação de força ideológica e não mais escravista.
90  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

O ensino profissional passou a ser ministrado nas Escolas


Normais, no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia de Belas
Artes, o ensino prático e técnico do desenho para as profissões de
pintor, arquiteto, desenhista, ficava restrito a essas instituições.
O Liceu de Artes e Ofício era destinado a formar oficiais mecânicos,
marceneiros e carpinteiros e a academia deveria formar artistas
plásticos. (TAVARES, 1968)
Esse ensino era pensado de acordo com o mercado de trabalho
de cada região, dessa forma,

O Liceu da Bahia era uma associação da sociedade civil da


qual participavam ‘artistas’ e artífices, estava voltado para
a formação de mão-de-obra livre para tarefas manuais ou
manufatureiras; pretendia ainda funcionar como sociedade
de ajuda mútua, além de dar educação aos filhos daqueles
artífices. Sua criação estava também vinculada à formação
dos filhos livres dos escravos, e seus estatutos teriam sido
organizados por advogado ligado às causas dos escravos e
criador de sociedades libertadoras na Bahia. (MENEZES;
SANTOS FILHO, 2007, p. 28)

Em todo esse contexto, a população negra pós-abolição, na prá-


tica, encontrava-se em situação de miséria e penúria, relegada a
uma obsoleta existência social, política, cultural e uma quase ine-
xistência educacional, no entanto, com a expansão do ensino pro-
fissional em alguns estados, grupos negros em reivindicação pela
igualdade de direitos e oportunidades educacionais passaram a
lutar pelo acesso a essas instituições. Essas escolas, então,

[...] propiciaram a escolarização profissional e superior de


uma pequena parcela da população negra, não obstante a
existência de uma conspiração de circunstâncias sociais que
mantinham os negros fora da escola. Pretos e pardos que obti-
veram sucesso nesta direção formaram uma nova classe social
independente e intelectualizada. A mobilização desta classe
configurou-se como um mecanismo de auto-proteção e resis-
tência, servindo de base para a (re)organização das primeiras
reivindicações sociais negras no pós-abolição e o surgimento
dos movimentos negros. (SILVA; ARAÚJO, 2005, p. 73)
brasil pós abolição  |  91 

Temos, então, importantes ações de resistência e mobilização


entre a população negra, e a educação, embora pensada dentro de
uma estrutura de dominação, passou a ser vista como uma maneira
de mudar a dura e cruel realidade do povo negro até então relegado
às margens do progresso iminente da nação em desenvolvimento.
Nesse contexto, Querino se destaca sendo um representante das
bases populares, seu principal objetivo era a conquista de direitos,
com destaque à educação, que naquele momento eram negados à
população, principalmente à população negra.
Nesse aspecto, enquanto estudioso e pesquisador, Querino,

[...] mergulhou numa outra interpretação sobre os caminhos


e descaminhos experimentados pelo povo trabalhador após
a abolição da escravatura até a consolidação da República.
Deixou transparecer uma profunda angústia ao chegar à
conclusão de que o povo, além de humilhado socialmente
era humilhado e discriminado culturalmente, especialmente
por se tratar de sua origem de raça. (NASCIMENTO; GAMA,
2009, p. 21)

Por isso, entender a situação, interpretá-la e lutar para mo-


dificá-la, foram as intenções que motivaram suas ações, sempre
tendo o povo excluído e injustiçado, situação advinda em herança
da história de escravidão e sujeição, como principal alvo de suas
lutas e militâncias.
Seus escritos, então, correspondiam a sua visão crítica sobre
os valores que permeavam o projeto de “país civilizado” e a cons-
tituição de uma sociedade brasileira que caminhava para o pro-
gresso. Sua crítica, dessa forma, ia de encontro aos ideais de li-
berdade e democracia apregoados entre as classes aristocráticas
dominantes. Estudioso, contestador e polêmico, suas lutas expres-
savam a inquietação que possuía em meio a esse contexto e sendo
assim, em sua literatura, bem como em sua trajetória de vida,
Manuel Raymundo Querino,

Explicitou a sua inquietação ao compreender que tudo o que


assistia e experimentava fazia parte de uma política que visava
o desmoronamento moral, político e cultural da sociedade,
92  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

cujos principais alvos eram os pobres, os negros e o povo


em geral. [...] marcou sua presença afirmando a existência
de uma sociedade que pouco a pouco se tornava marginal
nos planos da civilização e do progresso. (NASCIMENTO;
GAMA, 2009, p. 23)

Ou seja, seu olhar atento, crítico, mas familiarizado com a si-


tuação do povo, principalmente do povo negro, compreendeu as
escusas intenções nascidas no seio das elites brancas, que tinham
como alvo a aniquilação moral, social e cultural da população negra,
tudo isso encoberto e mascarado com as prerrogativas dos ideais de
constituição de uma nação civilizada, em formação. Tais ideias pro-
clamavam um projeto de modernização social, que deveria se con-
solidar a partir da criação de uma identidade nacional, na qual não
se intencionava a participação do povo negro.
Com esse entendimento, essa visão e compreensão do mundo,
de acordo com Leal (2007), Manuel Querino dedicou-se a produzir
sua literatura articulando e analisando criticamente, a partir dos sa-
beres popular e erudito, as contradições existentes nessa sociedade,
principalmente a baiana, que se expressavam em uma nova ordem,
a republicana. Por sua condição de cidadão negro e trabalhador,
isso lhe conferiu requisitos necessários para abordar a situação em
dois aspectos básicos: o das artes e o da educação, e, assim tratar
com a situação de artistas e operários nesse novo regime. Ele então
abriu várias frentes de combate e de debate ao articular os temas:
trabalho, educação, ação político-partidária e produção intelectual.
Dentre suas atividades de destaque está então o magistério,
profissão que dedicou-se como professor de desenho, tendo como
público principal as classes populares.

MILITANTE E EDUCADOR DO POVO: SEUS IDEAIS


Manuel Querino foi estudante do Liceu das Artes e Ofícios da
Bahia e também da Academia de Belas Artes da Bahia, sendo apro-
vado para ser professor do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia na dis-
ciplina de desenho geométrico, disciplina esta que também lecio-
nava no Colégio de São Joaquim, assim como desenho industrial.
(NUNES, 2007; TRINCHÃO, 2008)
brasil pós abolição  |  93 

Essas instituições, como mencionado anteriormente, foram


criadas enquanto espaço para formar profissionais das classes po-
pulares, uma formação que deveria garantir à sociedade pessoas
competentes na área das artes técnicas, relacionadas ao desenho.
Na sua atuação acadêmica, enquanto professor de desenho, Que-
rino tornou-se um defensor do desenho industrial e do ensino do
desenho geométrico a partir do ensino primário, conforme o pensa-
mento de Rui Barbosa e Abílio César Borges. (TRINCHÃO, 2008)
Não atuava como disseminador daquela ideologia, seu trabalho
era pensado para muito mais além da simples conformação da so-
ciedade aos ideais das classes e poderes políticos dominantes. En-
quanto professor pensava a educação como um instrumento de va-
lorização e equilíbrio social e político, instrumento esse capaz de
mudar a situação da população marginalizada e excluída, capaci-
tando-a para fazer frente às escusas intenções que permeavam as
concepções educacionais da época. Para ele,

A educação foi considerada como a principal chave de


entrada do país no mundo da civilização e do progresso e,
consequentemente, de inclusão do povo trabalhador no ban-
quete da civilização. O governo deveria ser o responsável pela
sua disseminação, especialmente para as classes populares.
Dedicou-se ao magistério, lecionando desenho. Acreditou na
sua atuação como meio de proporcionar às crianças pobres
a ascensão social, intelectual e profissional que deveria ser
direito de todos. (LEAL, 2004, p. 223)

Nesse aspecto, na condição de professor militante na causa po-


pular, com propriedade, passou a criticar a forma como o ensino
era pensado, tendo como ponto de partida os interesses das classes
hegemônicas, não favorecendo verdadeira e efetivamente os filhos
das classes trabalhadoras. Assim,

Enquanto político militante, defensor dos artistas e técnicos,


e, além de tudo, professor e defensor do saber em Desenho
nos espaços escolares, Querino também criticou a decadên-
cia do ensino desse saber e ressaltou ‘os prejuízos para o
povo’ e para o professorado. Ele alegou que na República as
94  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

mudanças no quadro educacional, principalmente em rela-


ção aos professores de Desenho haviam sido para pior. [...]
mostrou assim, a decadência em que havia caído a classe téc-
nica baiana, na época considerada como os trabalhadores que
se dedicavam às atividades manuais em geral – marceneiros,
pedreiros, sapateiros, serralheiros, alfaiates e pintores, den-
tre outros, logo, das profissões de artistas, artesãs e artífices
que existiram ao longo do século XIX. (LEAL, 2004, p. 425)

Com um olhar mais atento ao que se passava ao seu redor, e se


estabelecia nas rodas sociais e políticas, esse professor conseguia
descortinar as intenções por detrás das políticas e ações. Intenções
essas que estavam pautadas num projeto de sociedade em que
as classes trabalhadoras, principalmente a população negra, não
deveria ser instrumentalizada com a universalização do conheci-
mento, mas deveriam recebem o básico simplesmente para serem
úteis às necessidades de uma sociedade em “desenvolvimento”.
Assim, enquanto militante abolicionista afro-descendente, sua
vida girou em torno desse contexto, de embates entre classes, de
lutas por direitos, e defendeu em todo o tempo a classe artística e
técnica, associado à luta por uma educação de qualidade e trabalho
para as mesmas. Em contraposição à política da época, enquanto
artista e desenhista, Querino defendeu o desenho como umas das
artes úteis à profissionalização dessas classes, principalmente o
desenho técnico, voltado para a indústria. E nesse entendimento
não poderia deixar de pensar nos professores e na forma como os
mesmos eram tratados, defendendo uma maior valorização dessa
classe. (TRINCHÃO, 2008)
No que se referia ao desenho, em todo o tempo, defendia sua
importância, para o desenvolvimento da população e da socie-
dade, mostrando que esse saber era relevante e de fácil inserção
no processo de ensino e aprendizagem, sendo o espaço escolar pú-
blico, em que a predominância de frequentadores era de pessoas
das classes humildes, o lugar onde o povo poderia ter acesso ao
mesmo. O operariado era considerado por ele como a força base de
trabalho para a nação e o conhecimento em desenho seria o que os
instrumentalizaria para uma atuação técnica na indústria. Nesse
brasil pós abolição  |  95 

entendimento, Querino acreditava no papel singular das artes para


o desenvolvimento humano.
Nessa perspectiva, o saber em desenho defendido por ele,

[...] era o mesmo dos ideais iluministas que já vinham sendo


defendidos por vários países da Europa e pelos Estados Uni-
dos, inclusive o Brasil, representado pelas figuras de Abílio
César Borges e Rui Barbosa. O saber no Desenho Linear, ou
Geométrico, como base da instrução pública era considerado
fundamento do progresso e civilidade. Manuel Querino,
entretanto, além de lutar por esses ideais, lutava pela valori-
zação de classes – artística e técnica – e tinha como bandeira
de luta a inserção social dos negros saídos da escravidão. Ele
buscou difundir a ideia da necessidade do ensino do Desenho
como uma forma eficiente de capacitar a mão-de-obra técnica
e artística, assim como Rousseau pensou um dia. Amante das
artes liberais, principalmente o Desenho e a Música, seguiu,
portanto, no discurso da utilidade do Desenho para os mais
variados ofícios, assim como o fizeram também Pestalozzi,
Froebel e Comenius. (TRINCHÃO, 2008, p. 27)

Percebemos que seus ideais, compartilhados por pensadores


importantes, eram voltados à constituição de uma sociedade que
pudesse ser verdadeiramente reconhecida como democrática, ou
seja, uma sociedade que contemplasse a todos os indivíduos que
dela fizessem partes, indistintamente e de forma a proporcionar a
todos condições para uma sobrevivência digna.
Sua luta era pelo final da exclusão resultante da época colonial,
mas que permanecia em interfaces diversificadas, agora sob um
mascaramento de sociedade progressista e democrática, no en-
tanto, uma sociedade que excluía e não proporcionava condições
reais para que os indivíduos pudessem sobreviver, trabalhar e atuar
enquanto cidadãos dessa nação, nessa perspectiva, o cativeiro, ou-
trora físico e massacrante, agora se configurava e expressava em
formas ideológicas que continuavam a aprisionar, mesmo tendo,
os sujeitos, legalmente, condições de liberdade.
Entendia que a situação social e intelectual em que se encontrava
o negro era devido aos anos de exploração, anos em que o homem
96  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

branco europeu exerceu dominação sobre o homem negro africano


e seus descendentes e todo o contexto de miséria e exclusão dessa
população se devia aos efeitos da ação do colonizador português, que
fez do homem e da mulher africanos a máquina inconsciente do tra-
balho. (QUERINO, 1955) Sua ação pedagógica, então se configura a
partir de suas lutas, se traduzem em seus escritos e se expressam em
seus embates políticos, que lhe renderam tantos opositores.
Trinchão (2008, p. 431) ainda diz que,

O pensamento que norteou a recriação didática de Manuel


Querino foi construído e apresentado de forma simples como
foi a vida desse desenhista politizado. Ele vai buscar, nos
primórdios da história da humanidade, as justificativas para
fundamentar suas ideias sobre o Desenho, especialmente o
industrial. Ele não se refere aos seus interlocutores direta-
mente, mas suas colocações transportam o leitor e apresen-
tam sua compreensão do Desenho. No desenrolar de suas
ideias, o Desenho assume conceitos que vão da concepção de
base fundamental de todas as artes; como materializador da
forma, logo como atividade de síntese de todas as ocupações;
como meio de comunicação; como linguagem e precursor
da escrita; como meio estimulador da produção de produtos,
pelo gosto ao belo; por fim, o Desenho Industrial, ou o saber
em Desenho Geométrico, como conhecimento básico a todas
as profissões e necessário à educação de todos os povos.

A visão educacional expressada por esse educador gira em torno


do entendimento da educação e do conhecimento enquanto fatores
de libertação social, tendo o saber em desenho papel fundamental
para aquele momento histórico.
Ao que os escritos sobre a vida desse autor revelam, em todo o
tempo de sua existência sua luta foi direcionada às classes desfa-
vorecidas, à população negra liberta e esquecida, aos trabalhadores
tidos como simples “peças” para a construção de uma sociedade
baseada nos interesses singulares das elites.
Escreveu e registrou a luta, a cultura e a vida da população negra
brasileira, especialmente a baiana, e seu papel enquanto educador
brasil pós abolição  |  97 

foi determinante para uma atuação que se expressava para além das
simples reflexões acadêmicas, do simples registro, mas esse papel
lhe conferiu a autoridade não ficando somente nas letras, mas na
ação concreta do trabalho real pelos sujeitos por quem tanto lutava.
Ao que se tem notícia ainda, Querino encerrou suas atividades
nessa vida, reivindicando para o povo um lugar real e efetivo no
novo regime republicano, no seio de uma sociedade que fosse ver-
dadeiramente justa, inclusiva e igualitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi visto, o que marcou a atuação de Manuel
Querino, principalmente enquanto educador, foi não somente sua
capacidade de identificação e empatia com a população menos des-
favorecida e com os trabalhadores, visto que, ele mesmo era pro-
veniente de tal classe, pois, embora tivesse tido mais oportunidade
de instrução, não se colocou de fora dessa classe. Mas, sobretudo,
sua capacidade de questionar e colocar em evidência o processo
de exclusão e esquecimento pelo qual essa população era relegada
e empenhar suas ações educativas na busca por mudanças para o
povo negro trabalhador.
Embora perseguisse um ideal de sociedade republicana, sua
percepção aguçada permitiu que percebesse a distância existente
entre a república sonhada e aquela que estava sendo realizada,
o que se traduziu em inconformismo, levando-o a denunciar todo
o sofrimento imposto ao povo pobre e negro, e elevando a edu-
cação enquanto importante instrumento de equidade social e para
a construção de uma sociedade justa e igualitária, em que todos
tivessem condições de participar e desfrutar dos direitos sociais.
Isso ressalta sua importância, não somente enquanto escritor,
ou militante, mas especialmente enquanto educador, consciente de
seu papel, comprometido com a realidade e principalmente com
a população para quem empenhou suas forças em grandes lutas
e embates todos os dias de sua vida, e, ainda que tenha sucum-
bido sem conseguir ver os frutos efetivos de sua luta, seu compro-
misso e amor pela pátria e pelo povo o elevam à categoria de grande
homem da história brasileira e, sobretudo, da história baiana.
99

ESPAÇOS ESCOLARES PARA DESPERTAR


VOCAÇÕES ARTÍSTICAS PARA FORMAR
MÃO DE OBRA FABRIL
Carolina Nascimento Pereira
Gláucia Maria Costa Trinchão

INTRODUÇÃO
O Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e o Colégio dos Órfãos de São
Joaquim foram espaços escolares de atuação para Manuel Ray-
mundo Querino enquanto professor de desenho industrial. Sua
história profissional encontra-se imbricada a esses dois espaços
históricos que refletem a relação da Bahia e do Brasil com o fazer
manual no século XIX. Um século preenchido de transformações
políticas, sociais que afetaram a indústria brasileira.
Os anos que culminaram com a independência do país, a abo-
lição da escravatura, a proclamação da República e a construção do
sistema educacional formal brasileiro a partir de 1836, são resulta-
dos da reorganização política no país. Política essa, iniciada com a
fuga da família real portuguesa para o Brasil em 1808, a abertura
dos portos brasileiros às nações amigas e a assinatura do Tratado
de Aliança e Amizade, de Comércio e Navegação com a Inglaterra.
Manobras que contribuíram para novas posturas socioeconômicas
e industriais na conjuntura da nação. O país erguido a partir da
mão de obra escrava e dedicado durante séculos à produção agrí-
cola, inicia uma abertura para a instalação de manufaturas, permi-
tida com o alvará de 1808, proporcionando o surgimento de áreas
de trabalho que exigiam uma formação técnica, situação reforçada
a partir da segunda metade do século XIX.
100  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

“Para os negros, educar os filhos respondia ao desejo de lhes


dar um ofício, como forma possível de prepará-los para as dificul-
dades que enfrentariam na sociedade de então” desejo esse que ins-
tigou o Governo a oferecer “[...] em diversos setores, escolas profis-
sionalizantes que formalizaram a instrução”. (REIS; TRINCHAO,
2012, p. 9)
É dentro deste contexto histórico que discutimos nesse artigo
sobre o cenário que envolveu a criação desses dois espaços esco-
lares de atuação profissional de Manuel Raymundo Querino,
na passagem do século XIX para o XX. Falamos da Casa Pia Colégio
dos Órfãos de São Joaquim e do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia.
Espaços escolares que dialogaram de forma intensa com a conjun-
tura do Brasil recém independente, assim como, de suas respecti-
vas estruturas de ensino.

O CENÁRIO SOCIOECONÔMICO DO BRASIL OITOCENTISTA


A investida no desenvolvimento manufatureiro no Brasil foi uma
etapa que marcou o século XIX e tornou possível a produção de
artefatos, como exemplos, objetos de consumo, maquinário para
lavoura, serralheria, carpintaria, materiais para a cidade e para o
povo, que abre também o incentivo à iniciativa privada. Todas as
ações realizadas a partir do processo de independência e modifica-
ções práticas e políticas no país, resultaram em um aquecimento
do mercado interno e redirecionamento da produção econômica
para as indústrias. Esse cenário suscitou reformas nas estrutu-
ras físicas das cidades e províncias, assim como, na relação traba-
lhista existente no país e o surgimento de instituições de ensino.
(CUNHA, 1979b)1

1 A cidade do Rio de Janeiro que havia assumido o lugar de capital da colô-


nia brasileira em 1763 sofreu alterações em seu aspecto físico a partir da
instalação da corte portuguesa em terras cariocas. (CUNHA, 1979b) Essas
alterações resultaram na expansão das vias públicas, a utilização de novos
meios de transporte, a criação de órgãos como a Biblioteca Nacional e a
Academia da Marinha em 1810, o Jardim Botânico em 1808, a Academia de
Artes em 1820, são alguns dos exemplos que apontam uma reconfiguração
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  101 

Tais reformas eram acompanhadas por um víeis ideológico


que ressaltava a necessidade de alterações na dinâmica urbana em
prol da construção de uma sociedade dita “civilizada”. Com isso,
“[...] o urbano passava a se contrapor com maior nitidez ao rural, à
medida que se buscava alcançar o ‘progresso’ e a ‘modernidade’”.
(LEAL, 1995, p. 23) O desenvolvimento industrial brasileiro será
atravessado pela urgência em formar uma mão de obra especiali-
zada no país, sendo aliada por uma necessidade em retirar pobres e
mendigos das ruas, necessidade esta permeada entre outros pontos
por uma mentalidade higienista e à discriminação com as ativida-
des manuais.
As mudanças no curso do país incidem inevitavelmente na
Bahia, principalmente, na sua capital, Salvador. De acordo com Leal
(1995), a economia baiana do século XIX apresentava um cenário
crítico com a decadência de um modelo econômico ao passo que
tentava dinamizar o comércio interno. Enquanto enfrentava difi-
culdades econômicas provenientes de um padrão de atuação colo-
nial desgastado, Salvador a essa época, ainda assim, era uma cidade
comercial importante para o Brasil. Entre os pontos que contri-
buíam para essa importância, Santos (1990) destaca a existência
de uma produção heterogênea no estado do que o autor chama de
“artigos tropicais” e uma atividade portuária com intensa entrada
e saída de mercadorias. Ainda segundo Santos (1990), esse cená-
rio garantia ao estado da Bahia e, consequentemente à sua capital,
uma relação promissora com mercados externos.
A instalação de manufaturas em terras baianas representava a
possibilidade de abrir o caminho ao dinamismo atrelado aos con-
ceitos progressistas importados de modelos europeus. A cidade de
Salvador foi alvo de reorganizações em sua estrutura urbana, entre
o século XIX e as primeiras décadas do século XX, estimulada
pelo desenvolvimento do comércio, o crescimento populacional e
a circulação de investimento estrangeiro. É possível então desta-
car neste processo medidas que culminaram com a pavimentação
de ruas, o investimento em saneamento e transporte, entre uma

do desenho urbano perceptível no desenvolvimento de outras capitais do


Brasil, incluindo Salvador.
102  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

série de outras mudanças que refletiam o desenvolvimento urbano


e industrial da cidade. (LEAL, 1995; SANTOS, 1990)
Ainda que o surgimento de uma nova configuração citadina
parecesse apontar para o tão idealizado progresso, uma série de
problemas de ordem trabalhista começaram a surgir. Essa inten-
sificação da urbanização, acabou por destacar “[...] no âmbito das
relações de trabalho, a distinção entre trabalho escravo e trabalho
livre”. (LEAL, 1995, p. 18) Essa dicotomia entre as funções desen-
volvidas por trabalhadores livres e escravizados criava uma sepa-
ração pautada em preconceitos em relação à mão de obra negra.
Sendo assim, de acordo com Leal (1995, p. 18), o trabalhador negro
escravizado “era identificado pelas tarefas estigmatizadas, a exem-
plo de transportes de mercadorias e outros serviços pesados”, por
outro lado, o trabalhador livre destacado pela autora “era conside-
rado mais qualificado, em se tratando, sobretudo, dos ofícios e pro-
fissões de conteúdo autônomo”.
A busca em se distanciar dos ofícios manuais relacionados aos
escravos, também discutida por Cunha (2000), colaborava para
que certas profissões estivessem fora do alcance da população
negra, na tentativa de manter o branqueamento do trabalho assala-
riado. Sobre essa realidade, Leal (1995, p. 31) destaca que: “O pre-
conceito em relação aos serviços de transporte de mercadorias e de
pessoas e dos domésticos, cresceu a ponto de atribuir-se lhes o total
desprezo, estendido às profissões manuais”. Ainda que houvesse
um real esforço em manter a estrutura trabalhista engessada nessa
abordagem segregada, o avanço na implantação de manufaturas,
e a necessidade de contratação de mão de obra irão, até certo ponto,
trazer mudanças a essa ordenação. Ainda assim, a resistência em
exercer determinadas profissões continuou impregnando a classe
trabalhadora e contaminou a visão acerca dos ofícios manuais que
“[...] adquiriam o conceito de ocupação socialmente desmerece-
dora, tendo em vista a crescente participação escrava em atividades
antes destinadas aos brancos e livres”. (LEAL, 1995, p. 31)
A liberdade concedida à população escravizada através da possi-
bilidade da alforria e mesmo com a abolição em 1888, não garantiu
direitos que reconhecessem a sua contribuição enquanto cidadãos.
Havia dentro da organização da sociedade do século XIX um prá-
tico esforço em dificultar o acesso do negro ao trabalho assalariado,
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  103 

minando a sua ascensão social e sua participação política nos des-


dobramentos do país. “Na qualidade de escravo exemplificava uma
estrutura social ultrapassada e como livre era um grande incô-
modo; na aparência, na cultura, na religiosidade, no modo de ser”.
(JACINO, 2006, p. 57)
O percurso até a abolição da escravatura, a tentativa de tornar
o Brasil um país urbanizado e progressista dentro das concepções
da época, o aumento da migração de cidadãos da área rural para
a área urbana, a tensão entre um velho e novo modelo de econo-
mia: encontram-se aqui pontos que contribuíram diretamente na
ampliação de uma organização trabalhista precária e que discri-
minava uma parte significativa da população. No que concerne à
população negra que foi paulatinamente conquistando a libertação
de sua condição de escravizada, segundo Jacino (2006), a possibili-
dade de construir um programa de desenvolvimento que incluísse
essa parcela de habitantes foi substituída pelo incentivo à imigra-
ção de trabalhadores europeus que representava a “esperança” de
que a mestiçagem supriria a necessidade de embranquecimento da
população e seu ideal civilizatório.
A dificuldade de muitos cidadãos em obter um trabalho formal
ou mesmo de desenvolver uma profissão em caráter autônomo, era
exacerbada pela dinâmica de uma sociedade preconceituosa e por
ações que não buscava incluir as classes mais pobres, muito menos
os negros libertos. “Desta forma vamos ver no início do Brasil Repu-
blicano uma alta taxa de negros enveredando para os caminhos da
criminalidade ou em ocupações braçais desgastantes e com baixa
remuneração, como a construção civil”. (SILVA; S ­ ANTOS, 2012,
p. 3) Todo esse cenário eclodia também no aumento da mendicân-
cia, em um alto número de pessoas em condições informais de
trabalho, ou seja, um número significativo da população brasileira
que não participava do plano desenvolvimentista, e inconsistente,
em voga no país.
Dentro desta estrutura social e trabalhista e com o aumento
de pessoas desempregadas em condições de vida frágeis, mui-
tos desses habitantes passaram a ser taxados de “vadios”. Sobre
o uso desse termo, Matta (1996, p. 27) destaca que: “Para as clas-
ses dirigentes os vadios eram considerados perigosos, posto que
o desemprego e a miséria muitas vezes levavam a revoltas, ao
104  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

crime e a problemas sociais mais sérios.” Sob essas condições, a


pobreza e a falta de acesso a empregos enfrentadas especialmente
pela população negra jogaram nas ruas da área urbana de Salva-
dor não apenas adultos, mas também, crianças em uma absoluta
condição de vulnerabilidade.
Enquanto a distribuição de trabalho e as divisões de categorias
eram manejadas dentro de um sistema social pouco disposto a pro-
mover o acesso ao emprego assalariado democraticamente, a indús-
tria avançava em sua implementação corroborado pelo discurso
desenvolvimentista. Essa mesma indústria exigia uma mão-de-
-obra operária especializada e, para educar os trabalhadores, aque-
les esperados a ocupar o lugar cativo no labor industrial, passam a
serem alvos do ensino profissionalizante. Dar ocupação e educação
aos filhos de operários e artífices e aos escravizados recém libertos
era também uma forma de promover civilidade e evitar revoltas
diante do contexto social, pós abolição da escravidão no Brasil.
O ensino dos ofícios, a formação de mão de obra industrial, era
destinado a princípio “aos silvícolas, depois fora aplicado aos escra-
vos, e em seguida, aos mendigos”, passando “a atender, também,
outros desgraçados”, ou seja, entendendo-os como os “deficientes
físicos”, diferenciando-os assim “dos “desgraçados sociais”, e dos
que “viviam na miséria material”. (FONSECA, 1961 apud CUNHA,
2005, p. 117)
É dentro deste cenário que surge a Casa Pia Colégio dos Órfãos
de São Joaquim em 1798 e o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia em
1872. Ambas, entidades que fazem parte da história da cidade de
Salvador, com uma longa atuação que assistiu a grandes transfor-
mações, partindo da necessidade de promover um sistema de edu-
cação voltado para a formação profissional daqueles socialmente
marginalizados para ocupar as vagas de trabalho nas novas indús-
trias. Nesses dois espaços, Manuel Querino atuou durante anos
como professor de desenho industrial.

CASA PIA COLÉGIO DOS ÓRFÃOS DE SÃO JOAQUIM:


O ENSINO DE OFÍCIOS PARA JOVENS DESVALIDOS
Nas primeiras décadas do século XIX o número de crianças e ado-
lescentes carentes espalhados pelas ruas de Salvador crescia diante
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  105 

das mudanças socioeconômicas e políticas do país. Ao passar pela


capital baiana na última década dos anos 1700, o catarinense Joa-
quim Francisco do Livramento, conhecido como Irmão Joaquim,
tomou para si a missão de agir positivamente em prol dos jovens
desvalidos. Após andar pelo Brasil realizando trabalhos de cari-
dade e se aliando às ideias franciscanas, Joaquim pede uma auto-
rização à Rainha D. Maria I, para que reunisse doações para a
criação de um espaço com o intuito de abrigar órfãos. Logo ele
consegue agregar “[...] ajuda de particulares, adesão de cidadãos
influentes, autorização da Rainha e apoio do poder público, além
da intenção de destinar-se o Noviciato dos Jesuítas, um prédio
abandonado, mas suntuoso, para o hospital que desejava cons-
truir”. (MATTA, 1996, p. 34)
A rápida adesão de contribuintes para o espaço perpassava
pela mentalidade aristocrática que via na caridade uma ação
nobre e enaltecedora. A criação de um ambiente que abrigasse e
proporcionasse o ensino de ofícios para menores de fato era uma
urgência para uma capital que aglomerava jovens em condição
de extrema pobreza. Mas ainda que qualquer iniciativa na solu-
ção deste problema fosse bem-vinda, é possível tecer uma crítica
a respeito das ideologias civilizatórias da época que enxergava o
pobre como um empecilho. Portanto, é observável que a criação
do Colégio dos Órfãos na virada do século XVIII para o século
XIX buscava não apenas resgatar o lugar digno de cidadãos, mas
também, de mantê-los fora da possibilidade de criar revoltas e
“perturbar” a ordem da cidade. (MATTA, 1996)
Com a consolidação da instituição, a Casa Pia Colégio dos Órfãos
de São Joaquim colocou em prática o seu projeto de não apenas
acolher crianças e adolescentes, mas de proporcionar o acesso a
um projeto educacional restrito à época apenas a elite. Os alunos
eram encaminhados para as oficinas de ofícios manuais, estuda-
vam as primeiras letras paralelamente a uma formação moral e
religiosa e durante muitas décadas foi um espaço importante no
desenvolvimento de mão-de-obra. Ensinar jovens carentes a ler e
escrever era uma importante conquista no cenário baiano, e brasi-
leiro, que ainda era constituído majoritariamente de analfabetos.
Segundo Menezes (2006), em um censo realizado em 1872 – mui-
tos anos após a criação da Casa Pia – foi detectado que 81,43% da
106  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

população livre brasileira era analfabeta, enquanto no estado da


Bahia, essa taxa de analfabetismo entre a população livre chegava a
79,44%. Nas décadas iniciais do século XIX, o país já começava a
vislumbrar o desenvolvimento do ensino formal. Através dos dados
supratranscritos, é perceptível que o país estava muito distante de
uma estrutura educacional de qualidade e disponível igualitaria-
mente a todas as camadas da população.
No estudo realizado por Matta (1996) acerca da história do Colé-
gio dos Órfãos de São Joaquim, o pesquisador apresenta o perfil
daqueles que ingressavam na instituição, assim como, detalhes
sobre o seu programa educativo. O corpo discente do espaço era
formado por meninos, parte deles filhos de mãe solteiras e viú-
vas ou órfãos. Muitos ingressavam na instituição em torno dos
oito anos de idade e o tempo de estadia sob a estrutura educacio-
nal idealizada por Irmão Joaquim variou ao longo dos anos. No
entanto, havia casos de crianças ainda mais novas ou até mais
velhas a ingressar no espaço. Havia o esforço em dividir os alunos
por idade em cada classe na busca de igualar o desenvolvimento
dos grupos de acordo com suas faixas etárias ou de acordo com
suas habilidades. Mas, segundo Matta (1996), diante do contexto
social da época a mistura de alunos com idades diferentes em uma
mesma classe também era possível.
Além da faixa etária, era possível identificar que boa parte dos
ingressos eram provenientes de famílias pobres ou eram mendi-
gos. Em seu estudo, Matta (1996) aponta que a maioria dos jovens
aceitos na instituição entre o século XIX e primeiros anos do século
XX eram brancos. O número de negros que passaram pelo colégio
era significativamente pequena e este dado aponta uma discrimi-
nação racial e a resistência em acolher jovens negros que pudes-
sem ter conexão em algum nível com o trabalho escravo. E sobre
isso, Matta (1996, p. 111) ainda pontua que: “Os dados da Casa Pia
são insuficientes para a demonstração, mas podem servir de indí-
cio de que os negros e escravos foram excluídos sistematicamente
da formação de uma nova classe trabalhadora baseada no trabalho
assalariado e não mais cativo”.
O projeto pedagógico da Casa Pia englobava atividades que reu-
nia uma formação escolar e profissional, algo precursor na Bahia.
A grade curricular do colégio englobava diferentes saberes, como
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  107 

gramática, geometria, desenho de figura e arquitetura, entre outras


disciplinas. Houve também períodos com oficinas como o de sapa-
taria e tipografia, onde tais espaços eram convertidos em prestação
de serviço à sociedade para além dos muros da instituição. Demais
tarefas eram voltadas para atividades físicas com incentivos a práti-
cas como a natação. Os cuidados com o corpo físico não eram res-
saltados apenas pela preocupação com o bem-estar e a saúde dos
alunos, mas também como preparatório para os trabalhos braçais,
ao qual a mão-de-obra que se encontrava naquele espaço em prepa-
ração era destinada. (MATTA, 1996)
Houve períodos em que o colégio ofereceu aulas de música,
desenho, latim, entre outros saberes. Mas a etapa que obtinha des-
taque no programa se concentrava na doutrina cristã e civilizató-
ria. Era imprescindível que os alunos obtivessem um contato diá-
rio com o conhecimento atrelado a religião católica no intuito de
moldar suas condutas enquanto indivíduos em ressonância com a
moral religiosa da época. (MATTA, 1996)
Segundo Reis e Trinchão (2012, p. 21), “Foram muitas as con-
dicionantes que levaram a prática dos ofícios às mãos dos escra-
vos brasileiros. Tornou-se herança, presumível e honrada”. Porém,
outras estratégias foram criadas por parte tanto dos governantes,
“como dos subalternos, que souberam se apropriar do ofício como
uma arma disponível, senão à total liberdade, mas a liberdade pos-
sível dentro de uma sociedade marcada pelo racismo e por severas
fragilidades sociais”. As artes e ofícios passaram a ser “a ocupação
que dignifica o vagabundo, o enjeitado e o filho do proletário”.
O objetivo de formar jovens aptos para exercer funções manuais
destinadas ao trabalho fabril era a mola propulsora do planeja-
mento educacional oferecido pelo espaço do Colégio dos Órfãos
de São Joaquim. A segunda metade do século XIX no Brasil estava
repleta de intenções em promover o ensino profissional como uma
ferramenta indispensável para a construção de uma nação “civili-
zada”. O analfabetismo, o desemprego, e a escravidão não corrobo-
ravam com esta ideologia, porém, os dados históricos aqui discu-
tidos demonstram que o modelo de progresso no país procurava
manter uma estrutura social claramente não igualitária.
Ao longo dos anos o programa educativo da Casa Pia sofreu diver-
sas mudanças, mas manteve o intuito de gerar um conhecimento
108  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

voltado para a formação de jovens nas artes de ofício. Ao final da


vivência na Casa Pia o destino dos ex-alunos era diverso. Alguns
retornavam a casa dos pais (se houvesse) ou parentes, outros
eram adotados. Uma especial minoria continuava sua formação
em outras instituições posteriormente e, no campo trabalhista,
o número de menores que saiam da casa empregados variou ao
longo dos anos de acordo com as particularidades da realidade
econômica da época em diferentes períodos. Todo esse contexto
destrinchado por Matta (1996), nos informa sobre a realidade dos
alunos do colégio e sobre as suas condições após deixarem a insti-
tuição, ressaltando o papel importante que o espaço teve na forma-
ção de diversos jovens, contribuindo para que estes alcançassem
uma melhor qualidade de vida através da educação, dando-lhes a
possibilidade de desenvolver um ofício.
Com isso, a instituição, ainda que seja passível de uma análise
crítica quanto a muitas de suas abordagens em relação ao seu pro-
grama educacional, submetida ao sistema trabalhista e social da
época aqui relatada, sem dúvida, abriu um caminho na formação
de uma parcela de menores e na possibilidade, em algum nível, de
serem alfabetizados e obter uma educação formal.

O LICEU DE ARTES E OFÍCIOS: O SABER MANUAL,


MECÂNICO E ARTÍSTICO ÀS CLASSES MAIS POBRES
A fundação do Liceu de Artes e Ofício no estado da Bahia, em 1872,
seguiu o padrão do já existente Liceu de Artes e Ofícios do Rio de
Janeiro, fundado em 1856, e de modelos provenientes em espe-
cial da França. Nesse espaço, a junção entre o saber manual, mecâ-
nico e artístico estava a serviço da formação em diferentes ofícios
daqueles pertencentes às classes mais pobres. A sua criação tam-
bém adivinha da necessidade de artistas e operários em possuírem
um espaço que valorizasse as suas profissões. (LEAL, 1995)
Segundo Cunha (1979a), espaços como os dos Liceus e outras
instituições que no Brasil oitocentista surgiram, foram viabilizadas
a partir do apoio do Estado e de civis, no intuito de proporcionar
instrução e formar trabalhadores para as indústrias. Essas institui-
ções eram mantidas pelo argumento de que tais iniciativas contri-
buíam para incentivar a implementação de manufaturas, criando
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  109 

um espaço que motivasse o trabalho e favorecesse os próprios tra-


balhadores que poderiam se qualificar e conquistar melhores salá-
rios. (CUNHA, 2000) No caso do Liceu da Bahia, o seu surgimento
resultou principalmente da formação de uma sociedade de artífices
que estava também voltada para a criação de uma rede de apoio aos
trabalhadores associados e suas famílias. (LEAL, 1995)
Graça Leal (1995), que realizou uma pesquisa sobre a existên-
cia do espaço do Liceu da Bahia entre a sua fundação até o ano
de 1972, destaca em seu estudo os pormenores de sua criação e
impactos na organização socioeconômica na capital baiana e sua
estrutura de funcionamento. O objetivo central do Liceu da Bahia
era oferecer uma formação que contemplava diferentes saberes,
incluindo o artístico, que poderiam ser aproveitados em ocupações
manuais diversas. Nas últimas décadas do século XIX em Salva-
dor, o ofício de artistas e artífices tendia a se misturar e muitos tra-
balhadores livres eram identificados enquanto artistas, artífices e
operários. Na prática, esses trabalhadores abarcavam um número
variado de funções. Assim, “[...] vamos encontrando artistas e ope-
rários atuando num misto de ocupações que iam desde a confecção
de uma obra de arte até a execução de trabalhos destinados a sim-
ples reparos, na construção civil e nas fábricas e oficinas”. (LEAL,
1995, p. 61)
A ausência de uma ordenação educacional até então, contribuía
para que os ofícios relacionados aos saberes artísticos carecessem
de uma disposição que resultasse em reconhecimento e valoriza-
ção do trabalho. Nas primeiras décadas, a partir de sua fundação, o
Liceu de Artes e Ofícios da Bahia tinha como proposta, oferecer um
conhecimento técnico-profissional para cidadãos de classes menos
abastadas a partir do ensino que combinava um conhecimento teó-
rico com aulas práticas.
Em seus primeiros anos de existência, entre as aulas ofereci-
das, configuravam instruções sobre pintura e escultura, o que dava
um caráter semelhante ao de uma Academia de Artes ao espaço
do Liceu.2 Essa abordagem era influenciada pelo incentivo de que

2 Quando o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia iniciou o seu funcionamento


em 1872 ainda não havia a Academia de Belas-Artes da Bahia em Salvador.
110  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

o trabalhador manual não obtivesse meramente o saber manusear


certas ferramentas, mas que possuísse uma noção técnica e esté-
tica, com o auxílio de saberes a exemplo do desenho, pois, para
a indústria brasileira, este saber era entendido como elemento
importante na produção de manufaturas. Por isso, nos espaços
educacionais aqui discutidos, a disciplina de desenho esteve pre-
sente em seus programas educacionais.
Ainda que o ensino oferecido nos liceus brasileiros, especial-
mente no da Bahia, tenha sofrido transformações acompanhando
as mudanças no campo político, social e trabalhista, esse espaço
escolar manteve ao longo de sua existência o intuito de suprir as
vagas de trabalho das indústrias e formar profissionais. Os alunos
matriculados frequentavam aulas práticas e oficinas. Ao longo de
sua existência foram oferecidas oficinas de marcenaria, encaderna-
ção, tipografia, mecânica, entre outras. Assim como o Colégio de
São Joaquim, o liceu também oferecia o ensino de primeiras letras,
além de gramática, francês, música, desenho, entre outras opções
que compuseram, assim, o seu quadro educacional, ainda que este
tenha sofrido modificações com o passar dos anos.
No início do século XX, após uma série de ajustes na disposi-
ção das aulas oferecidas, o Liceu alcançou reconhecimento e era
uma referência na formação profissional de ofícios manuais diver-
sos. Jovens e adultos frequentavam as aulas que eram oferecidas em
diferentes turnos, e houve períodos ao longo de sua história em que
o público feminino chegou a frequentar a instituição tendo acesso,
por exemplo, a aulas de desenho, aprendizagem de corte e costura,
além de primeiras letras. O espaço do Liceu se tornou uma referên-
cia na propagação do saber de um ofício, os alunos ao concluírem o
curso na instituição recebiam um título que era estimado fora dos
muros da escola. Aos mestres das oficinas também era exigido rigor
em suas funções. “Os operários que ali passavam a trabalhar deve-
riam ter, rigorosamente, competência, bom comportamento e gosto

Esta foi fundada em 1877 por Miguel Navarro y Cañizares que foi anterior-
mente professor do Liceu. Hoje a chamada Escola de Belas Artes faz parte
da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
espaços escolares para despertar vocações artísticas...  |  111 

artístico, pois assim as encomendas dali saídas honrariam a tradição


da casa pela feitura e acabamento”. (LEAL, 1995, p. 184)
A estrutura do Liceu da Bahia acolhia pessoas de diversas clas-
ses sociais, mas principalmente uma população pobre, onde esta
não era discriminada pelas suas origens. Os libertos que estive-
ram submetidos à escravidão, e que geralmente eram impedidos
de frequentarem espaços escolares, eram aceitos no liceu. Muitos
de seus alunos ingressavam na instituição com o objetivo de terem
uma educação que lhes proporcionassem uma ascensão, especial-
mente financeira, uma vez que vinham de famílias sob condições
de vida precárias e com poucas ou nenhuma acessibilidade a for-
mações educativas formais e profissionais.
O ideal de modernização e civilização que acabou por criar a
urgência de retirar das ruas aqueles ditos “vadios”, foi também res-
ponsável, em parte, pelo surgimento de um sistema educacional
profissionalizante que muito tem a revelar sobre a história bra-
sileira e a relação do país com os trabalhos manuais. Ainda que
certos traços da mentalidade em voga nos primórdios do Brasil
republicano tenham permeado o liceu e tantos outros espaços edu-
cacionais da época, sem dúvida o seu papel histórico na formação
educacional de centenas de alunos que dificilmente teriam acesso
gratuito a uma formação educacional e profissional é um ponto de
destaque na sua trajetória.
A partir da demanda em suprir a necessidade de escolarização
da mão de obra baiana e de criar uma organização trabalhista, e con-
sequentemente social, sem conflitos, o Liceu de Artes e Ofícios da
Bahia foi bem sucedido na prática de sua proposta. Ao longo de toda
a sua existência, passou por fases, por penúrias, por momentos de
destaque e decadência. E ao analisarmos o seu impacto no desdobra-
mento do ensino formal voltado para práticas manuais e artísticas,
encontramos um ensino precursor em sua estrutura educacional e
sua dedicação em tornar acessível um conhecimento a uma camada
da população pouco contemplada e excluída pela sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto político, econômico e, principalmente, socioeducacio-
nal, que envolveu o estado da Bahia e sua capital, Salvador, teve a
112  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

produção manufatureira, ao longo do século XIX e início do século


XX, diretamente influenciada pela existência da Casa Pia Colégio
dos Órfãos de São Joaquim e do Liceu de Artes e Ofícios. Ambas
instituições com propostas educacionais semelhantes, com uma
história centenária que refletiu diretamente as mudanças ideoló-
gicas, econômicas, sociais, políticas e educacionais na transição do
Brasil Imperial para a República.
Ao pesquisar o funcionamento desses espaços, abarcando o
período que engloba os seus surgimentos e décadas de existência,
entramos em contato com o cenário no qual o professor e dese-
nhista Manuel Raymundo Querino atuou ao longo de sua carreira.
Nos deparamos não apenas com os eventos que definiram e influen-
ciaram em muitos níveis a formação da sociedade e do segmento
social de trabalhadores brasileiros, mas também, com os primeiros
passos no surgimento de programas educacionais voltados para o
ensino de elementos artísticos e trabalhos manuais, com o propósito
tanto de formar mão de obra para a indústria quanto civilizatório.
Ainda que os poderes públicos e a sociedade tenham procu-
rado colocar em prática uma ideia de desenvolvimento com muitos
equívocos, a aprendizagem com bases no conhecimento prático do
desenho e demais saberes artísticos, configuraram enquanto ele-
mentos importantes nas raízes da formação operária do Brasil na
República Velha.
Conhecendo o percurso de tais instituições torna-se visível o
caminho percorrido até o Brasil contemporâneo em sua tentativa
de prover, de forma cambaleante, o idealizado progresso e, conse-
quentemente, uma ascensão social da parcela mais pobre dos bra-
sileiros por meio do acesso à educação e ao trabalho. Os desdo-
bramentos na organização social do país durante todas as décadas
do período aqui apontado reverberam incessantemente em nossas
vivências, nos pondo com uma dívida àqueles que injustamente
permanecem sem o digno acesso à educação de qualidade.
113

A POLÍTICA DO LIVRO DIDÁTICO NO INÍCIO


DO SÉCULO XX E OS CONTEXTOS
DE PRODUÇÃO DE Manuel QUERINO
Lívia Jéssica Messias de Almeida
Maria Rita Santos

INTRODUÇÃO
Discorrer sobre as políticas do livro didático do final do século XIX
às décadas iniciais do século XX remete ao período histórico da
Primeira República (1889-1930), cunhado politicamente em um
ideal nacional republicano, também nomeado de República Velha.
Esse período foi marcado pelas efervescências dos processos de inte-
gração do sistema capitalista, bem como dos seus reordenamentos
sociais e das consequências do período de pós-abolição da escrava-
tura brasileira. Nessa compreensão, situamos as produções de livros
didáticos de desenho, para uso nas escolas baianas para o ensino
primário e secundário, publicadas e utilizadas em escolas brasilei-
ras, principalmente no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, de Manuel
Raymundo Querino (1851-1923), escritor, desenhista e professor
negro de vasta importância no cenário educativo local e nacional e
nas artes, no estado da Bahia, por defender a educação e os interes-
ses das classes artística, técnica e dos trabalhadores livres e escravos.
No campo educacional brasileiro, a escola primária e a secun-
dária passavam por diversas reformas que influenciaram direta-
mente nos contextos de produção e distribuição dos livros esco-
lares, principalmente no que se refere ao método (intuitivo) que
designou novas elaborações de conteúdos e orientações pedagó-
gicas. A maioria dos regulamentos previa a utilização do método
intuitivo, a exemplo do Regulamento para o Serviço de Instrucção
114  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Pública do Estado de Sergipe designando que “O ensino deve


ser feito o mais praticamente possível e pelo processo intuitivo”.
(­SERGIPE, 1915, p. 24)
Lorenz (1994) afirma que a reforma de Benjamim Constant,
logo no início do período republicano, foi a primeira de uma série
de reformas educacionais promulgadas na última década do século
XIX, já a reforma educacional de 1898, de Amaro Cavalcanti foi a
última reforma sobre a qual temos informações dos livros didá-
ticos adotados no século. A autora afirma que entre os anos de
1898 e 1915 foram efetuadas reformas educacionais que mudaram
substancialmente o currículo do ensino secundário. Nesse sen-
tido, a primeira e a segunda foram propostas por Epitácio Pessoa,
o qual, em 1899, e posteriormente em 1901, alterou o currículo,
tornando-o mais tradicional em termos de organização e mais res-
trito na oferta de disciplinas em comparação ao currículo de Caval-
canti. (LORENZ, 1994) Com a reforma de Carlos Maximiliano
em 1915, a redução do currículo secundário atingiu seu apogeu.
O número de séries passou de seis para cinco, o número de maté-
rias na seriação diminuiu e a carga-horária alocada aos estudos foi
uma das mais baixas na história do currículo secundário brasileiro.
(LORENZ, 1994)
Desse modo, neste trabalho, adotamos como livro didático ou
escolares aqueles produzidos especialmente para utilização na edu-
cação das disciplinas e aprovados pela Instrução Pública dos Esta-
dos. Assim, o texto ora apresentado discute as seguintes conside-
rações, a partir da análise de fontes bibliográficas e documentais
(leis, decretos e regulamentos):

a) a política do livro didático estava num processo de consolida-


ção devido às diversas reformas educacionais que o país sofria
nesse período, entretanto, o livro didático já obtinha relevân-
cia adquirida, principalmente, no final do século XIX, com as
grandes editoras Laemmert e Garnier;
b) os livros didáticos eram político-ideologicamente alinhados
com os ideais governamentais, pois sua distribuição e utiliza-
ção dependiam da aprovação dos órgãos de instrução pública; e,
c) a produção didática de desenho de Manuel Querino estava pari
passu com a importância que o ensino de desenho assumia
a política do livro didático no início do século xx...  |  115 

nos currículos, justificando a produção, distribuição e a utili-


zação na educação.

Para refletir sobre as considerações iniciais apresentadas, divi-


dimos o texto em duas partes: a primeira seção, intitulada “As polí-
ticas do livro didático no início do século XX: controle, produção e
distribuição”, discutimos o controle sobre as obras, a ideia de livro
didático (escolar), o mercado editorial e as produções de alguns
estados no processo de distribuição; e, na segunda seção “Livros
escolares de Manuel Querino: contextos de elaboração e aprova-
ção”, discutimos as condições políticas e educacionais de produção
das obras – o lugar do ensino de desenho nos currículos escolares
–, bem como os regulamentos e as leis às quais o autor estava sub-
metido para produção de suas obras.

AS POLÍTICAS DO LIVRO DIDÁTICO NO INÍCIO


DO SÉCULO XX: CONTROLE, PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
Inicialmente, cabe destacar que a educação no Brasil desde o ato
adicional de 1834, colocou as escolas primárias e secundárias sob
a responsabilidade das províncias, renunciando, assim, a um pro-
jeto de escola pública nacional (SAVIANI, 2005, p. 10), desse
modo, ao longo do século XIX, o Poder Público foi normatizando,
pela via legal, os mecanismos de criação, organização e funciona-
mento das escolas, que, nesse aspecto, adquiriram o caráter de
instrução pública. (SAVIANI, 2005, p. 10) Com a modificação de
províncias para estados federados, ocasionadas pela nova estru-
turação do governo brasileiro, essa responsabilidade no início do
século XX pouco foi alterada, cada estado organizava o ensino
de acordo com normas próprias e com poucas orientações gerais
nacionais, por isso, ao longo do texto observaremos diversos regu-
lamentos de instrução pública dos estados e poucas regulamenta-
ções de âmbito nacional.
O livro didático no início do século XX assume um lugar cativo
nas publicações, pois sua produção já estava sob a responsabilidade
das editoras brasileiras desde o final do século XIX, um lugar ante-
riormente ocupado pelos livros estrangeiros, propiciando o início
da expansão do mercado livreiro. Podemos afirmar em consonância
116  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

com Couto (2006) que os autores de livros escolares produziam


para um mercado cada vez mais bem definido, dependendo, sobre-
tudo, da capacidade de comercialização dos editores e de seus
esforços de divulgação.
Tais afirmações podem ser observadas na lista de lançamentos
da Editora Francisco Alves levantada por Razzini ([200-]), identifi-
cando que, desde o início de sua existência, os livros escolares eram
sua especialidade, sendo que na década de 1880 representavam
mais de 80% do catálogo. Segundo a autora, de 1900 a 1909 foram
lançados 129 novos títulos, sendo que 89 eram dirigidos ao ensino
(87 pela classificação do catálogo do centenário, somando 2 títulos
listados como “Literatura”, as Poesias infantis e o Compêndio de his-
tória da literatura brasileira, mas que tinham sido lançados como
livros didáticos). Desses 89 lançamentos didáticos, 35 eram des-
tinados ao nível secundário e 54 ao primário, repetindo a tendên-
cia da década anterior, de investir mais nos produtos dirigidos ao
ensino primário, cuja expansão, neste início de século XX, come-
çava a se alastrar por quase todos os estados brasileiros. (­RAZZINI,
­[200-], p. 6) Nesse período era concebido como livro didático (esco-
lar) aqueles que objetivavam o ensino e estavam de acordo com as
leis para instrução pública da “República dos Estados Unidos do
Brazil” e com os regulamentos específicos dos estados. O cresci-
mento do mercado do livro didático estava em consonância com
as reformas e expansão do ensino para as investidas capitalistas,
pois com as mudanças estruturais de forma de governo, ocorridas
há pouco tempo, necessitava-se de uma ampliação do acesso para
formação de trabalhadores.
Desse modo, o que estava em discussão não se tratava mais
de uma educação para uma minoria (elite) com acesso restrito –
como ocorria no século XIX, no período imperial –, mas a forma-
ção das bases de uma educação ampla, gratuita e leiga para massa
trabalhadora diante das novas relações sociais com o controle do
Estado, conforme observado nos Regulamentos para Instrução
Pública dos Estados:

Art. 20 – O ensino e gratuito, leigo e graduado. (REGULA-


MENTO..., 2006, p. 92)
a política do livro didático no início do século xx...  |  117 

Art. 10 – O ensino primário no Estado de Mato – Grosso será


leigo e administrado à custa dos cofres estatuais, a todos os
indivíduos, de ambos os sexos, sem distinção de classes nem
de origem.
Art. 20 – Haverá para esse fim escolas primárias em todas as
cidades, vilas, freguesias e povoados do Estado; entendendo-
-se por povoados qualquer grupo de habitantes que não resi-
dem em terras de propriedade particular e onde se apure pelo
menos vinte meninos nas condições de freqüentar a escola.
(MATO GROSSO, 1910, p. 1)
Art. 20 É livre a matrícula em qualquer dos graus da ins-
trucção publica, livre e gratuita para a primaria, que se tor-
nará obrigatória logo que permitam as condições do Estado.
(­SERGIPE, 1912)
Art. 20 A instrução tem como objetivo imediato diffundir por
todas as classes sociaes as bases necessarias da educação mo-
ral, intellectual e physica. (REGULAMENTO..., 1910, p. 1)

No estado de São Paulo, considerado vanguardista e que pode


nos apontar perspectivas dos acontecimentos nos outros estados,
Oliveira e Trevisan (2015) afirmam que esses novos reordenamen-
tos demandaram a necessidade de produção de novos materiais
didáticos para garantir, sobretudo, a uniformidade do ensino, coe-
rentemente com a perspectiva adotada pelos reformadores republi-
canos. Para esses autores, a exigência que cada aluno tivesse seu
próprio material escolar tornava insuficiente atender as demandas
da época, que, por sua vez, aumentaram a necessidade de produ-
ção de novos livros didáticos, resultando numa progressiva expan-
são do mercado editorial neste setor. Ainda com Oliveira e Trevisan
(2015), apesar da ampla produção de livros didáticos na cidade de
São Paulo, a circulação destes livros nas escolas públicas, especial-
mente a partir das décadas iniciais do século XX, esteve restrita à
aprovação de comissões nomeadas pela Diretoria Geral da Instru-
ção Pública.
Nessa perspectiva, podemos inferir que as reformas educacio-
nais deste período oferecem as bases para a formação de um novo e
consolidado mercado de livro didático no Brasil, uma vez que já se
118  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

tinha a legitimação legal da política, o público – alunos das escolas


públicas, inclusive particulares, uma vez que a sua criação regula-
mentada pela Lei de Instrução Nacional e pelos Regulamentos dos
Estados – e compradores bem definidos e cativos (Estado e estados
da federação).
As editoras vislumbrando tais possibilidades econômicas lança-
vam seus investimentos na produção de livros escolares, principal-
mente, produzidos pelos professores devido ao seu caráter escolar
e à necessidade da adaptação às séries – que começou a ser cobrado
pelas comissões que designava para quais séries eram indicados –,
sendo este um critério de classificação da comissão de instrução
pública de adoção de livros para uso nas escolas.
Os livros didáticos utilizados no ensino secundário deveriam
ser escolhidos criteriosamente pelo professor, dentre os já apro-
vados pela Diretoria de Instrução Pública. A vigilância do Estado
para a adoção das obras era constante e intensa, facilitada pela
concentração dessas escolas nas principais cidades do país, para
a adoção dos livros didáticos havia uma série de regulamentos de
acordo com os estados, permanecendo a obrigatoriedade da leitura
de obras clássicas. (BITTENCOURT, 1993) Essa vigilância também
abarcava as bibliotecas e estava prescrita desde o final do século
XIX quando as obras deveriam passar pelo crivo do Conselho Supe-
rior de Instrução Pública,
Nesse sentido, Coelho (2008), em seus estudos sobre o livro
didático no estado do Pará na Primeira República, demonstra que
os livros destinados ao uso dos alunos e professores das escolas
públicas eram submetidos à aprovação do Conselho Superior de
Instrução Pública, órgão ligado à Diretoria de Instrução Pública.
Este conselho assegurava o controle ideológico, a qualidade didá-
tica e a adequação científica dos livros aos programas determina-
dos nos regulamentos.
Já no início do século XX, em 1901, a autora destaca que foram
acrescidas uma ementa ao Art. 30 do Regulamento Geral da Ins-
trução Pública: tratava da liberdade do professor público em poder
escolher os livros que usaria em sala de aula, entretanto, estes livros
deveriam ser obrigatoriamente aqueles já aprovados pelo Conselho
Superior de Instrução Pública. Conforme Quadro 1, observamos
que o controle continuava a ser realizados nos estados:
a política do livro didático no início do século xx...  |  119 

Quadro 1 – Controle da Comissão de Instrução Pública de acordo com os


Regulamentos de Instrução Pública dos Estados no Início do século XX

Estado Controle dos livros didáticos nos Ano


Regulamentos
Mato “Art. 29 – Não podem ser admitidos nas Decreto nº 265 ,
Grosso escolas públicas do Estado outros livros e de 10 de outubro
compêndios que não sejam os aprovados de 1910
e mandados adaptar pelo Conselho Supe-
rior da Instrução Pública”. (p. 4)
Sergipe Art. 15 “Não devem aos professores dos Decreto nº 587,
três graus”. de 9 de janeiro
de 1915
Paraná Art. 53 “Os livros que devem ser adop- Decreto nº 93,
tados para o Ensino Primário, serão os de 11 de março
que forem aprovados pelo governador do de 1901
Estado mediante proposta de congrega-
ção”. (p. 98)
Ao Conselho Superior de Instrução Pública “Regulamento
compete: Art. 44, parágrafo 11º “Emitir Organico Publico
parecer sobre livros, compendios, e quaes- do Ensino do
quer obras didácticas que o governo pre- Estado”, 1910
tenda aprovar”. (p. 11)
Espírito Art. 10 “Os livros e os demais utensílios Decreto nº 230,
Santo escolares destinados ao ensino preliminar de 2 de fevereiro
serão approvados pelo governo do Estado, de 1909
por escolha e indicação do inspector
geral”. (p. 7)
Art. 187. “Alem da atribuição geral de Decreto nº 4.325,
dar pareceres que forem solicitados pelo de 17 de abril de
Governo sobre qualquer assumpto relativo 1921
a instrucção, compete especialmente ao
Conselho Superior de Ensino: a) dar pare-
cer sobre livros didaticos destinados as
escolas do Estado”. (p. 10)
120  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Estado Controle dos livros didáticos nos Ano


Regulamentos
Santa Art. 6 “O inspetor geral assumirá a inspe- Lei nº 967, de
Catarina ção e a fiscalização superior em todas as 22 de agosto de
escolas [...]”. 1923
Art. 7 “Cabe privamente ao Inspetor Geral:
a) propor a adopção e eliminação de obras
didácticas”.
Bahia “Art. 16 – Compete do Diretor Geral da Ins- Lei nº 1.846, de
trucção [...] 10º - resolver sobre adopção e 14 de agosto de
distribuição de livros didacticos e material 1925.
escolar”.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Uma vez que os livros já tinham passado pelas comissões da


Diretoria Geral de Instrução Pública, eram considerados aptos e,
por sua vez, eram adotados. A ideia de “adoção” dos livros didá-
ticos, prevista pela maioria dos regulamentos, significava direta-
mente aquisição e distribuição por parte do Estado. Algumas pes-
quisas indicaram que os livros aprovados pelas comissões eram
de professores que já tinham ocupado altos cargos na instrução
pública. Oliveira e Trevisan (2015, p. 123), em sua pesquisa sobre
os relatórios da comissão da diretoria de instrução pública pau-
lista, apontam que

embora os aspectos didáticos pudessem ter sido a base das


ações da Comissão no que concerne à aprovação e adoção de
livros didáticos, as questões interpessoais e as redes de re-
lações estabelecidas entre os que ocupavam os altos cargos
políticos e os autores de livros didáticos também podem ter
interferido nos resultados dessas ações.

Na comercialização dos livros escolares, algumas prerrogativas


eram consideradas, tais como: preço e condições de pagamento
(deveria ser o mais barato possível e oferecer descontos ao Estado),
bem como fácil acesso de compra nas livrarias. O que ofereceria, de
certo modo, uma vantagem significativa às grandes editoras e livra-
rias da época, que já conseguiam disponibilizar seus materiais de
a política do livro didático no início do século xx...  |  121 

forma mais acessível, em maior quantidade e com poder de divul-


gação perante as diretorias de ensino.
Existia, por parte do governo, incentivo para produção de livros
didáticos, como pode ser observado, no “Código dos Institutos
Officiaes do Ensino Superior e Secundário” Capítulo IV, dos mem-
bros do magistério, 1901:

Art. 35. O membro do magisterio que compuzer tratados,


compendios e memorias scientificas importantes acerca de
rnaterias ensinadas no estabelecimento, terá direito á im-
pressão do seu trabalho por conta do Governo, si a congre-
gação, em escrutinio secreto e por dous terços dos votos da
totalidade dos seus membros, o julgar de utilidade para o en-
sino, não excedendo, porém, de tres mil exemplares a edição
impressa á custa dos cofres publicos.

Além disso, observamos que nos processos de distribuição de


livros didáticos, o governo, em 1903, custeava a produção das obras
de alguns autores, conforme “Atos do poder executivo” volume I:

N. 5024 - JUSTIÇA E NEGOCIOS INTERIORES - Decreto


de 3 de novembro de 1903- Abre ao Ministerio da Justiça e
Negocias Interiores o credito extra-ordinario de l0:300$
para indemnização ao lente do Gymnasio Nacional. bacha-
rel José Ribeiro, da despeza feita com a publicação das suas
obras Historia do Oriente e Grecia e Historia do Brazil.
(BRASIL, 1907)

Para Gonçalves (2017), em suas pesquisas sobre o livro didá-


tico no estado de Minas Gerais, desde a última década do século
XIX, até, pelo menos, 1930, houve distribuição de livros didáticos
a estudantes do ensino primário. Essa distribuição, em princípio,
não seria universal, pois os livros deveriam ser destinados apenas
aos estudantes em situação de pobreza que frequentavam as esco-
las primárias do Estado.
Para esse autor, a distribuição de livros para os estudantes do
ensino primário de Minas Gerais perdurou, pelo menos, durante
toda a Primeira República. Em 1913, o governador do estado infor-
mou que, no ano anterior, foram distribuídos 46.523 livros didáticos
122  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

para alunos do ensino primário, 12 anos depois, a informação ofi-


cial era de que 181.700 livros de leitura haviam sido distribuídos
nas escolas primárias do estado no ano anterior. Essa ideia pode
ser também observada no Regulamento do Estado de Sergipe, em
1915, que prevê no Art. 30 e no Art. 81 sobre o fundo escolar que “é
exclusivamente destinado à acquisição de livros e material escolar
para os alumnos pobres das aulas públicas” (SERGIPE, 1915, p. 10),
e, “o Estado fornecerá os compêndios e mais livros indispensáveis
à aprendizagem dos meninos pobres”. (SERGIPE, 1915, p. 34)

LIVROS ESCOLARES DE MANUEL QUERINO:


CONTEXTOS DE ELABORAÇÃO E APROVAÇÃO
O autor de livros didáticos era um prescritor dos programas oficiais
educacionais já estabelecidos pelos regulamentos de cada estado
que se envolviam em grandes processos de divulgação de suas
obras. Para isso, os autores escreviam cartas aos diretores e respon-
sáveis pela instrução pública, além de fazerem vistas para demons-
trar os materiais que construíram de acordo com os regulamentos
vigentes. Dessa maneira, Manuel Querino, por sua vez, para con-
correr e publicar seus livros, deveria adequar suas produções e as
publicações de livros escolares às classificações vigentes na educa-
ção e, especificamente, para o ensino de desenho, prova disso foi a
premiação pelo Conselho de Instrução Municipal diante das obras
publicadas e adotadas para o ensino. A necessidade de aprovação
pelas comissões para ganhar prêmios eram evidenciados nos regu-
lamentos, a exemplo do Regulamento do Estado do Paraná (1909,
p. 7), que previa “Emitir parecer sobre livros didáticos, compêndios
e quaisquer obras didácticas que o governo pretenda imprimir para
instrucção pública, e sobre o mérito das obras cujos autores que o
governo pretenda premiar”.
Coelho (2008) expõe as considerações do professor José Verís-
simo acerca da produção, circulação e apropriação do livro didático,
vale destacar que o Pará se configurava como um grande centro
de impressões de livros escolares no período imperial, e, assume
grande relevância no republicano devido a ascensão do extrati-
vismo da borracha. Desse modo, o livro deve corresponder:
a política do livro didático no início do século xx...  |  123 

1. Que seja composto com clareza, correcção, precisão e methodo.


2. Que seja feito de accordo com as lições mais acceitas da peda-
gogia moderna e segundo os melhores modelos em pratica
nos povos mais adiantados que nós.
3. Que estejam de conformidade com os nossos programmas de ensino,
ou que a elles se possam adaptar sem dificuldade.
4. Que sejam impressos em bom papel, com typo graúdo,
segundo as preocupações da hygiene escolar.
5. Sempre que for possível, sejam copiosamente illustrados, com
boas gravuras,finas, nítidas e de accordo com o texto.
6. Que o seu preço seja o mais módico possível, podendo o poder com-
petente fazer depender a appreciação do preço maximo que fixará.
7. Que sejam sempre postos á venda cartonados e brochados.
(COELHO, 2018, p. 3, grifo nosso)

Os ideais capitalistas já estavam em voga em todo país desde as


reformas educacionais até as medidas sanitaristas. Nessa época, o
desenho seguia tradição do século XIX como presença constante
nas chamadas “matérias” escolares, conforme podemos observar
no Decreto no 6.844, de 6 de fevereiro de 1908, que regulamenta o
ensino secundário, compreendendo crianças de “idade maior de 9
e menor de 13 annos”, para estudar no Colégio Militar:

Art. 40. As materias do curso secundario se gruparão em seis


secções, sendo assim distribuidas: 1a, portuguez, francez e la-
tim; 2a inglez e allemão; 3a, arithmetica, algebra, geometria e
trigonometria, e topographia e legislação de terras; 4a, physica,
chimica, noções de mecanica e histria natural; 5a geographia
universal e noções de astronomia, historia, universal e choro-
graphia e historia, do Brazil; 6a, desenho, instrucção moral,
civica e militar, e gymnastica e natação. (BRASIL, 1908)

Bem como nos Regulamentos de Instrução Pública, como do


Estado do Ceará na definição das disciplinas escolares que deve-
riam compor o currículo:

Art. 13. – O ensino nas escolas publicas primarias com-


prehende:
124  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

I. Língua portugueza [leitura, recitação, exercicios grammati-


caes, lexicologicos, exercicios, de composição].
II. Calligraphia e desenho linear
III. Arithmetica e noções de geometria pratica
IV. Noções de geographia, acompanhadas de elementos de
Historia do Brazil; direitos e deveres do cidadão. V. Licções
de cousas ou primeiras noções scientificas.
VI. Costuras simples e mais trabalhos de agulha – para me-
ninas
VII. Canto. Art. 14. – O curso de estudos integral comprehen-
de cinco classes. Art. 15. – Cada classe durará pelo menos um
anno. (REGULAMENTO..., 2006, p. 93)

A disciplina também era prevista no Regulamento de Instrução


Pública de Sergipe, principalmente, para o ensino primário:

Art. 71 As disciplinas para o Ensino primário são:


a) Lingua materna;
b) Aritmetica até a regra de três;
c) Desenho linear;
d) Noções summarissimas de Geographia geral, especial-
mente do Brasil e as noções de História Pátria, especialmente
de Sergipe;
e) Noções geraes de Sciencias physicas e naturaes; licções das
coisas;
f) Trabalhos manuaes, especialmente os domesticos de utili-
dade quatidiana;
g) Musica (hymnuos escolares e patrióticos, aprendidos por
audição);
h) Gymnastica. (SERGIPE, 1912, p. 24)

O primeiro livro didático escrito por Manuel Querino, cha-


mado Desenho linear das classes elementares foi organizado em 1903,
a política do livro didático no início do século xx...  |  125 

publicado pela Livraria Catilina,1 e o segundo Elementos de desenho


geométrico: compreendendo noções de perspectiva linear, teoria da som-
bra e da luz, projeções e arquitetura, publicado entre 1911-1912, pela
Livraria e Typographia Baptista Costa.2 A produção de suas obras
escolares se configura como as primeiras e acontece em concomi-
tância com sua experiência como professor em que ministra aulas
em diversos colégios, sendo várias vezes premiado por sua atua-
ção. Sobre essas duas obras didáticas que produziu para o ensino
de desenho, Pereira (1932, p. 5), em seus estudos, afirma que
foram “aprovadas pelo Conselho de Instrução Municipal e levadas
à Exposição Nacional no Rio, em 1908, conseguindo por todas elas
recompensas de mérito”. As premiações e o seguimento dos cri-
térios estabelecidos pelos decretos para o ensino possibilitaram as
obras de Manuel Querino serem passíveis de adoção pelas escolas
dos mais variados estados.

1 “Livraria Catilina, fundada em 1835 por Carlos Poggeti e que funcionou


durante 125 anos. Embora tenha iniciado suas atividades como varejista,
exerceu também a atividade de editor, publicando obras literárias impor-
tantes, como afirma Hallewell (2005, p. 134): [...] editou várias obras lite-
rárias de grande importância, inclusive As poesias até agora não reunidas
em volume, de Castro Alves (1913), Os contos escolhidos (1913, reeditados
em 1914), Vargas (1915) e Frutos do tempo (1919), de Coelho Neto, As pági-
nas literárias (1918) e As cartas políticas e literárias (1919) de Ruy Barbosa,
e a 3ª edição de Praieiros (1910?), de Xavier Marques. A firma publicou
também as obras legais de Ernesto Carneiro Ribeiro. Diferentemente da
Europa, a indústria editorial brasileira não surgiu a partir das universida-
des, nem tão pouco foi uma tradição destas instituições possuírem suas
próprias editoras. Coube à iniciativa privada explorar essa atividade no final
do século XIX e início do século XX”. (CASTRO; CASTELLANOS, 2013)
2 A Livraria e Typographia Costa, localizada na cidade de Salvador, publicava
obras no início do século XX sobre ciências variadas desde as produções de
livros escolares, como o publicado por Manuel Querino, até livros da área
do Direito e da Religião.
126  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas análises que se seguiram, consideramos a complexidade que
envolve a política e o próprio livro didático, pois traz consigo aspec-
tos políticos, pedagógicos, sociais e culturais próprios da época em
que foi produzido, sendo, desse modo, um produto do seu tempo
que, por sua vez, constitui-se como resultado de processos de dis-
puta que envolve diversos campos. Nessa perspectiva, a expansão
e a produção crescente da indústria do livro didático no início do
século XX, se serviram das inúmeras reformas republicanas do
período e da popularização do acesso ao ensino primário e, pos-
teriormente, do secundário, como podemos observar em diversos
regulamentos de instrução dos estados.
Essa expansão também significou um maior interesse do Estado
em controlar as produções didáticas, e, por sua vez, o que seria
ensinado nas escolas. Pois, todas as obras deveriam ser aprovadas
pela comissão de instrução pública para serem utilizadas nas esco-
las públicas dos estados, para isso deveriam seguir as indicações
para serem classificadas e passíveis de análise como livro escolar.
No âmbito de distribuição observamos o financiamento do
Estado para distribuir nas obras já aprovadas, uma vez que as
novas ideias educacionais defendiam a necessidade do material
individual de cada estudante, inclusive do livro escolar. Justifi-
cando o pagamento de obras específicas. Dentro dessa lógica, inse-
rimos Manuel Querino, na produção dos seus dois livros escola-
res, diante da necessidade da aprovação do Conselho de Instrução
Pública e das indicações necessárias para produzir o livro. Pode-
mos inferir que obteve êxito em suas adequações aos critérios de
controle dos regulamentos, devido aos prêmios que ganhou e à
exposição que participou no Rio de Janeiro, esse prestígio na pro-
dução também pode ser possível devido à sua formação e à sua
condição de professor no Liceu das Artes da Bahia, uma vez que
diversos livros aprovados pelo conselho eram de professores.
PARTE 3

PRODUÇÃO DIDÁTICA E
OS LIVROS DE DESENHO
DE Manuel QUERINO
129

Manuel QUERINO:
OUTROS SABERES ALÉM DO DE DESENHO
Amanda Freire da Costa Rios
Gláucia Maria Costa Trinchão

INTRODUÇÃO
A exposição da produção intelectual de Manuel Raymundo Que-
rino (1851-1923), tratada aqui como fonte de pesquisa, tem como
propósito socializar um conjunto de nove livros lançados entre
1903 e 1928, dentre eles dois livros didáticos de desenho que
detêm um capítulo especial mais adiante. Sua produção literária
e didática completa mais de 100 anos, pois sua primeira obra foi
lançada em 1903.
Segundo Maria das Graças Leal (2004), a produção acadêmica
de Querino dissemina-se em duas etapas que se complementam:
a primeira, ocorrida entre 1903 e 1916, caracterizou-se pela pro-
dução de ensaios, artigos e crônicas, publicados em periódicos e
livros, retratando criticamente a situação das artes, dos artistas,
dos trabalhadores e do povo em geral. Surgindo livros sobre
desenho, e mais: As artes na Bahia, Artistas baianos e bailes pastoris.
E os artigos: Os artistas, contribuição para a história das artes na
Bahia – José Joaquim da Rocha, 1908; Teatros da Bahia, 1909;
Contribuição para a História das Artes na Bahia – os quadros da
Catedral, 1910; Contribuição para a História das Artes na Bahia –
Notícia biográfica de Manuel Pessoa da Silva, 1910; Episódio da Inde-
pendência, 1913; A litografia e a gravura, 1914; e Primórdios da
Independência, 1916.
Ainda conforme Graça Leal (2004), na segunda fase, entre
1916 e 1922, estudou e narrou a vida do povo e seus costumes
130  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

através da memória e da oralidade. Aí se incluem os livros:


A Bahia de outrora: vultos e fatos populares (1916, 2a ed. 1922,
3a ed. 1946, 4a ed. 1954); a Raça africana e os seus costumes na
Bahia (1916, 2a ed. 1917, 3a ed. 1955); O colono preto como fator
de civilização brasileira (1918, 2a ed. 1954 com o título O africano
como colonizador); A arte culinária na Bahia (1928, 2o ed. 1951);
Costumes africanos no Brasil (1938, coletânea de quarto traba-
lhos, 2a ed. 1988). E os artigos: Candomblé de caboclo, maio de
1919; Notícia histórica sobre o 2 de julho de 1823 e sua comemo-
ração na Bahia, Os homens de cor preta na história e Um baiano
ilustre: Veiga Murici, estes três últimos publicados em 1923.
Querino dedicou o fim da sua vida em descrever e narrar o seu
povo, com o intuito de conhecer e perpetuar suas origens. Assim,
ao se desdobrar nos assuntos sobre história afro, ele se tornou um
visionário, um pioneiro na escrita sobre os povos africanos. Suas
contribuições, então, foram além do desenho e os estudos sobre
geometria linear, os quais se dedicou a lecionar. Manuel Querino
obteve grande contribuição para a história nacional.
A sua literatura respondia criticamente aos valores projetados
para a implantação da Bahia “civilizada”, constatando, historica-
mente, a necessidade de considerar os elementos populares repre-
sentados pelos trabalhadores, africanos e afro-brasileiros como
essenciais na construção da civilização brasileira. A sua pergunta
de fundo era o porquê do desprezo às raízes culturais e sociais
que pesaram sobremaneira na constituição da sociedade brasileira
e das tentativas de infiltrar valores europeus que destoavam do
pulsar cultural da população. Hábitos e costumes franceses foram
registrados por Querino como incompatíveis ao clima da cidade,
por exemplo. Entre tantos elementos que destacou sob a ótica do
oprimido, denunciou o quanto a cultura popular estava sendo rapi-
damente obscurecida sob as luzes da civilização e do progresso.
(LEAL, 2004, p. 9)
Em um período conturbado da história do brasil, da passagem
do regime imperialista ao regime republicano, Manuel Ray-
mundo Querino teve uma longa carreira pública, em paralelo à
sua carreira de escritor, pois era um homem de grande e signifi-
cativa mobilidade e influência nos espaços sociais da época e um
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  131 

abolicionista. “Não obstante todas as pressões sobre o negro bra-


sileiro, Querino se movimentou na sociedade baiana, marcando a
sua presença nos mais variados espaços de sociabilidade”. (LEAL,
2004, p. 1)
Envolto no processo de luta pela abolição da escravatura, foi
um dos primeiros intelectuais a historicizar sobre a cultura afro-
-baiana, deixando assim um legado significativo sobre o negro
e seus costumes, a culinária afro-brasileira e as festas. Foi o seu
envolvimento sociopolítico e cultural que lhe deu respaldo para
fundamentar e transformar os fatos e acontecimentos em his-
tória. Foi vivendo “nas ruas, nas associações artísticas, operárias,
abolicionistas, nos partidos políticos, nas instituições intelectuais
e de ensino, nos botequins, nas festas, nas igrejas ou nos ter-
reiros” que Manuel Querino “passeou, se instalou, se acomodou,
provocando diversas interrogações sobre o lugar em que ocupou
para interpretar e sugerir outros caminhos para aquela sociedade
imperfeita, porém viva”. (LEAL, 2004, p. 1)
Manuel Querino presenciou, portanto, um período significa-
tivo da história brasileira e o momento histórico em que viveu
reflete toda a composição de sua obra. Filho de pais escravos ele
vivenciou a abolição da escravatura, a Proclamação da República
e a industrialização. Esses eventos influenciaram sua existência,
o despertando para a vida pública, fundando partidos políticos e
atuando em sindicados. Já no final da vida, sua escrita foi influen-
ciada pelos movimentos modernistas.

PRODUÇÃO PARTE 1: DESENHO, ARTE E ARTISTAS


Sua primeira obra veio da sua atuação acadêmica, enquanto pro-
fessor de desenho industrial no Colégio dos Órfãos e no Liceu
de Artes e Ofícios da Bahia, ao publicar o livro para o ensino de
desenho, pois era preciso capacitar os filhos de operários e arti-
ficies para atuar na indústria como mão de obra técnica, desde
a primeira infância. Portanto, sua vida como escritor não se li-
mitou aos livros sobre cultura e costumes afro-brasileiros, sua pri-
meira produção foi o livro didático de desenho, lançado em 1903,
o Desenho linear das classes elementares (Imagem 1).
132  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 1 – Livro lançado em 1903

Fonte: acervo pessoal de Sabrina Gledhil.1

Como um agente social preocupado com sua origem africana


e seu povo, Querino se predispõe a escrever sobre a influência da
cultura africana e dos costumes na construção cultural do povo da
Bahia, tornando-se revolucionário e inovador em suas pesquisas
para a época e que foram além da sua formação acadêmica em
Desenho Industrial. Suas obras refletem a importância da temática
e de seu papel social.
Em 1909, Querino lança mais dois livros: Artistas bahianos: indi-
cações biográficas (225 páginas) e As artes na Bahia: escorço de uma
contribuição histórica. O primeiro livro surgiu a partir de um artigo

1 Sabrina Gledhill, de nacionalidade inglesa, é doutora pelo Programa Mul-


tidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Pós-Afro)
do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia
(CEAO/UFBA).
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  133 

de mesmo título, Os artistas baianos, de 62 páginas, publicado na


Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, em 1906. Nessa
mesma revista, publicou numerosos estudos especializados entre
os anos de 1908 a 1909. E em 1909, publicou uma coletânea de
artigos escritos para o Diário de Notícias nos dois anos anteriores
sob o título Contribuição para a História das Artes na Bahia. (LEAL,
2004, p. 109)

Até o momento nenhum afro-brasileiro havia dado sua pers-


pectiva da História do Brasil. Querino surgiu como o primei-
ro Brasileiro – afro ou branco – a detalhar, analisar e fazer
justiça às contribuições Africanas ao Brasil. Apresentou suas
conclusões num clima na melhor das hipóteses indiferente, e
na pior racista e até hostil. (GUIMARÃES, 2004, p. 9)

Eliane Nunes (2007, p. 247), discorrendo sobre Artistas Baianos,


um dos livros de Querino, diz que o autor traça as biografias de 194
artistas dos séculos XVIII e XIX, incluindo ele mesmo como um dos
biografados, entre “escultores, pintores, estofadores, marceneiros,
entalhadores, pedreiros e músicos, citando ainda nove arquitetos,
dos quais não revela a biografia, mas relaciona as obras”. Segundo
Nunes (2007, p. 247), Querino retoma “o artigo do mesmo nome,
publicado na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
(1906)” e escreve seu livro em 207 páginas, “retoma ampliando-o
consideravelmente, já que neste biografou mais quinze artistas.
Divide a pintura em dois períodos, antes e depois da fundação do
Liceu de Artes e Ofícios, no primeiro são quarenta e três biografias
e no segundo, trinta”.
Manuel Querino, “[...] segue a distinção entre artes maiores
(liberais) e menores (mecânicas), mas não se furta em abordar
amplamente os representantes da última, especialmente em As
Artes na Bahia, de 1909”. (NUNES, 2007, p. 241) Considerando as
artes mecânicas como artes menores e as artes maiores como sendo
arquitetura, escultura e pintura.

O livro Artistas Baianos teve uma reedição em 1911, no qual


Manuel Querino realiza vários acréscimos. Subdivide o item
134  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Escultores, acrescentando um subtítulo: Pequenos esculto-


res e dois dos ‘grandes’ caem de posição: Raymundo Nonato
Vieira Lima e Jovino de Mattos Guimarães. (NUNES, 2007,
p. 248, grifo do autor)

Incorpora ainda a biografia de nove artistas considerados


pequenos escultores. Acrescenta também mais um pintor e mais
um no item pintores de imagens e estofadores. Aumenta conside-
ravelmente nas referências à música, “biografando nove artistas
ausentes na primeira edição” e soma mais três e quatro artistas
entre “os arquitetos e entalhadores, respectivamente”. “[...] o
autor complementa as biografias com novos dados obtidos no
intercurso entre as duas edições”. (NUNES, 2007, p. 248)
Em 2018, esses dois livros raros do intelectual baiano
Manuel Querino, organizado há mais de 100 anos, foram relan-
çados, As artes na Bahia e artistas bahianos (Imagem 2), pela
“Câmara Municipal de Salvador pelo Selo Editorial Castro Alves e
tem como objetivo manter viva a memória cultural baiana e bra-
sileira”. (OBRAS..., 2018) O livro “[...] Artistas Bahianos é como
um dicionário com biografias de diversos trabalhadores e artistas,
As Artes na Bahia traça a trajetória do trabalho na Bahia”.
(OBRAS..., 2018) Segundo Maria das Graças de Andrade Leal,
em entrevista ao Correio, “ele mostra quem construiu os princi-
pais monumentos daqui e traz a importância dos nas primeiras
décadas da República”. (OBRAS..., 2018)
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  135 

Imagem 2 – Livros relançados em 2018

Fonte: Obras... (2018).

Seguindo na sua carreira acadêmica, Querino lança, em 1911,


mais um livro didático sobre desenho, Elementos de Desenho Geomé-
trico: compreendendo noções de perspectiva, teoria da sombra e da luz,
projeções e arquitetura (Imagem 3). Com este livro o artista mostra
a sua preocupação com o ensino público de desenho. O desenhista
Manuel Querino que defendeu o desenho como uma das artes
úteis à profissionalização das classes artística e técnica, principal-
mente o desenho técnico voltado para a indústria, também criti-
cava o sistema de ensino da época e a forma como eram tratados os
professores de desenho.
136  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 3 – Livro lançado em 1911

Fonte: acervo pessoal de Sabrina Gledhil.

Querino não foi apenas um artista, mas, acima de tudo, um pro-


fissional do desenho industrial, um professor e desenhista politi-
zado que militou por causas nobres como a abolição da escravatura
e a inserção social do negro através da capacitação e mão de obra
qualificada pelo saber em desenho.

PRODUÇÃO PARTE 2: FESTAS, COSTUMES E ESCRAVIDÃO


Com a chegada de um novo século, o século XX, Manuel Querino
dedicou seu tempo e energia a estudos históricos, em particular
à pesquisa e ao registro das contribuições dos africanos ao cres-
cimento do Brasil. Dentre outras publicações, destacamos Bailes
pastoris (1914) e A raça africana (1917) e A Bahia de outrora (1916).
Com esses estudos, Querino tinha dois objetivos: queria mos-
trar a seus irmãos de raça a contribuição vital que deram ao
Brasil, e desejava lembrar aos brasileiros da raça branca a dívida
que tinham com a África e com os afro-brasileiros.
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  137 

Imagem 4 – Bailes pastoris (1914) Imagem 5 – Bailes pastoris na Bahia


(1957)

Fonte: Dicionário... (2014). Fonte: Traça Livraria (2020).

Em 1914, Manuel Querino lança o livro Bailes pastoris na Bahia


(Imagem 4), no qual consta, na capa, as informações “trechos
coordenados por Manoel Querino. Edição da Papeleira Almeida,
de Almeida e Irmão. Cidade do Salvador”. Em 1957, esta obra que
tem 272 páginas foi reeditada e na capa consta o nome de Querino
e os nomes de Mello Morais Filho (1844-1919), José Nascimento de
Almeida Prado e Carlos Ott (1908-1997), publicada pela Livraria
Progresso Editora, em Salvador, na Bahia, e inserida na coleção
Estudos Brasileiros: Marajoara, com prefácio de Pinto de Aguiar
(1910-1991) e ilustrações de Carybé (1911-1997) (Imagem 5).
138  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 6 – A raça africana e os Imagem 7 – A raça africana (1955)


seus costumes na Bahia (1917)

Fonte: Dicionário... (2014). Fonte: Philo Librorum (2011).

Seu artigo, apresentado no 50 Congresso Brasileiro de Geogra-


phia, foi publicado em 1917 pela Imprensa Official do Estado, ilus-
trado, com 63p (Imagem 6), com o título A raça africana e seus
costumes na Bahia, memoria apresentada ao 50 Congresso de Brasi-
leiro de Geographia, aprovado pela 4a Commissão do mesmo Con-
gresso com voto de Louvor. Em 1955, foi reeditado com o título
A raça Africana, lançado pela Livraria Progresso Editora, na Coleção
de Estudos Brasileiros – Série Cruzeiro, volume 9 (Imagem 7).
Outras novas reedições e publicações surgiram, nos limitaremos a
mostrar estas duas.
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  139 

Imagem 8 – A Bahia de Outr’ora Imagem 9 – A Bahia de Outrora


(1916)

Fonte: Dicionário... (2014)

O livro A Bahia de outrora – vultos e fatos populares, publicado


pela Livraria Econômica, em 1916, representa uma “Coletânea de
59 títulos, entre artigos, crônicas, narrativas, notícias históricas
comentadas que compõe um mosaico de acontecimentos, à pri-
meira vista desconexos. São temáticas que variam de fatos polí-
ticos relevantes à intimidade de um lar”. Com esta coletânea, Que-
rino tanto “questiona, comenta e critica os caminhos adotados pela
República da “ordem” e do ‘progresso’”, quanto “narra, descreve,
noticia o povo nas diversas cenas da cidade no período de transição
do Império para a República”, assim como, a

[...] implantação do novo regime, abordando temáticas das


festividades, do patriotismo, dos ritos e crenças, das manifes-
tações culturais de origem africana, das cenas do cotidiano,
da educação, do trabalho. São temas, em sua maioria, incluí-
140  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

dos entre os territórios do passado imperial e presente repu-


blicano. (DICIONÁRIO..., 2014)

Em sua narrativa, Querino apresenta “[...] as tradições popu-


lares na Bahia, traduzidas pelas festas, culinária, costumes fami-
liares, cotidiano, religiosidade, fatos históricos, nos quais a pre-
sença do negro, escravo, africano ou livre, o povo em geral, se faz
constante” (DICIONÁRIO..., 2014) e tem como pano de fundo a
crítica à República.
Manuel Querino, na época, trouxe à história do brasil a pers-
pectiva do afro-brasileiro, a crítica aos caminhos seguidos pela
República que ele tanto defendeu, falou de cotidianos de religião,
entre outros assuntos. Morando na comunidade de descendência
africana, ele conhecia com intimidade os hábitos, aspirações e
frustrações dos negros. Falando de suas fontes de pesquisa, Que-
rino revelou que muitas de suas informações vinham direta-
mente de anciãos que conversavam com ele sem inibição, pois o
viam como um amigo, isso trouxe legitimidade à sua pesquisa e
uma valorosa contribuição para a história brasileira.
Com isso, fica evidente a contribuição de Querino para a história
brasileira, seus escritos foram além da sua formação profissional, ele
buscou se auto conhecer e pesquisar sobre suas origens, sendo pio-
neiro em falar da marca africana na cultura brasileira.

PRODUÇÃO PARTE 3: CIVILIZAÇÃO E CULINÁRIA


Outras publicações de Querino trouxeram as questões civilizató-
rias que envolveram o Brasil na passagem do Império à Repú-
blica como o livro O colono preto como fator de civilização brasileira
(1918), e inovou na organização do livro A arte culinária baiana
que trouxe a influência africana na cozinha baiana, infelizmente
essa obra só foi publicada em 1928, lançada cinco anos após seu
falecimento, em 1923. Mais adiante, ainda pós seu falecimento,
em 1938, se publica Costumes africanos no Brasil (1938), que reúne
vários artigos de sua autoria, lançado no Rio de Janeiro.
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  141 

Imagem 10 – O colono preto (1918)

Fonte: Dicionário... (2014).

Esse ensaio de 16 páginas e seis capítulos foi publicado em


1918, intitulado O colono preto como fator da civilização brasileira
(Imagem 10). Essa obra apresenta uma cronologia histórica da
vinda e presença do negro no Brasil. “O colono preto como fator
de civilização brasileira, foi apresentado no 60 Congresso Brasi-
leiro de Geografia, ocorrido em Belo Horizonte, e publicado em
primeira edição em 1918”. Mais tarde, 20 anos depois, “em 1938,
foi inserido na coletânea Costumes africanos no Brasil, organizada
e prefaciada por Artur Ramos e depois em 1988”. Na segunda
edição da coletânea, lançada “em 1954, levou o título de O Afri-
cano como Colonizador.” (DICIONÁRIO…, 2014)
No primeiro capítulo, intitulado “Portugal no meado do
século XVI”, Querino narra a exploração portuguesa em terras
africanas, começando por abordar a exploração indígena e a
ganância portuguesa.
142  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Toda a prata que ascina


Todo o marfim africano
Todas as sedas Chinesas
(QUERINO, 1918, p. 145)

Querino descreve as lutas indígenas, a resistência dos índios


perante os portugueses e a disseminação deles, a colonização e
expansão portuguesa no Brasil, a exploração das matérias primas
do solo brasileiro. Ele narra nesse capítulo o fracasso da explo-
ração indígena e a maneira ou quais as causas que fizeram
com que o colono português partisse para exploração africana.
O fracasso da escravatura indígena levou à escravidão do negro.
O autor discorre sobre esses fatos, mostrando o cenário inicial da
escravidão dos africanos.
O segundo capítulo, “Chegada do africano no Brasil, suas habi-
litações”, discorre sobre as habilidades e aptidões do negro que
fez com que ele fosse escravizado. Mostrando “[...] como prova
de que ele de longa data conhecia diversas aplicações materiais
do trabalho veia-se o que diversos exploradores do Continente
negro dizem de referência ao que sobre o objeto encontraram”.
(QUERINO, 1918, p. 146)
Aborda a influência árabe e mulçumana na cultura africana
em relação à agricultura e pecuária, assim como as condições
climáticas semelhantes entre o Brasil e a África. “Aos trabalhos
da agricultura e a todos os outros misteres. As próprias expedi-
ções bandeirantes não lhe dispensavam o concurso, pois que de
quanto podia servir o negro nada se perdia”. (QUERINO, 1918,
p. 147) Demostrando a visão do português diante a escravatura, e
o tratamento que os mesmos davam aos negros.

Sem esquecimento, já se vê, dos serviços de prata, palan-


quins, cavalos de preço com os respectivos guiões e selas de
ouro, tudo adquirido pelo esforço do herói do trabalho que
era o africano escravo, dócil e laborioso; pois o reino acos-
tumara-se a gozar o fruto do trabalho sem sentir-lhe o peso.
(QUERINO, 1918, p. 149)
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  143 

As palavras de Querino revelam como foi a escravatura do


negro, sua vinda para o Brasil e o tipo de trabalho que se exigia
dele, demonstrando o quanto esse período foi sofrido para essa
população em contraposição à riqueza e comodismo proporcio-
nado por seu trabalho.
No terceiro capítulo, “Primeiras ideias de liberdade, o suicídio
e a eliminação violenta dos senhoris”, narra a tortura e perversi-
dade no tratamento com o negro, assim como as formas de fuga
e captura do negro, ampliando o conhecimento acerca do trata-
mento cruel recebido por esse grupo. Ele inicia sua narrativa com
o poema de Bonifácio:

Nas minhas carnes rasgadas,


Nas faces ensangüentadas
Sinto as torturas de cá;
Deste corpo desgracaclo
Meu espírito soltado
Não partiu – ficou-me lá!
Naquelas quentes areias,
Naquela terra de fogo,
Onde livre de cadeias
Eu corria em desafogo...
Lá nos confins do horizonte...
Lá nas planícies... no monte...
Lá nas alturas do Céu...
De sobre a mata florida
Esta minha alma perdida
Não veio – parti eu.
A liberdade que eu tive
Por escravo não perdia-a;
Minh’alma que lá só vive
Tornou-me a face sombria
O zunir do fero açoite
Por estas sombras da noite
Não chega, não, aos palmares
Lá tenho terra e flores...
Minha mãe... os meus amores...
144  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Nuvens e céus... os meu lares


(BONIFÁCIO, 1850 apud QUERINO, 1918)

Assim, Querino aborda as torturas e humilhações que o negro


sofria no período escravista e como esse tratamento perverso levou
o negro a fugir. Pois somente a fuga traria a liberdade da condição
desumana. “Reconhecida, porém, a ineficácia de todas essas vio-
lências, o próprio africano recuou de horror, tornando por outro
rumo”. Recorreram então à fuga e à resistência coletiva, escondidos
nas brenhas, onde organizaram verdadeiros núcleos de trabalho”.
(QUERINO, 1918, p. 151)
No quarto capítulo, intitulado “Resistência coletiva, palmeiras,
levantes parciais”, Manuel Querino discute sobre o modelo de
escravidão Grego e Romano e que os fundadores dos Palmares não
optaram por esse modelo, assim como não se cultivavam o ódio
pelos brancos, o principal objetivo era a liberdade.
“As juntas para as alforrias”, é o título do quinto capítulo que
trata das formas de obter a liberdade, desde a generosidade dos
senhores, o trabalho para pagá-las e o auxílio mútuo para conse-
gui-las. Por fim, com o capítulo “O africano na família, seus des-
cendentes notáveis”, Querino fecha seu ensaio narrando sobre a
importância familiar para o negro e suas características.

Uma vez removido para o lar doméstico, o escravo negro,


de natureza afetiva, e, no geral, de boa índole e com a sua
fidelidade a toda a prova, a sua inteligência, embora incul-
ta, conquistava a estima dos seus senhores pelo sincero de-
votamento, e sua dedicação muitas vezes até ao sacrifício.
(­QUERINO, 1918, p. 155)

Suas reflexões têm a intenção de mostrar, desta forma as difi-


culdades do negro e a importância do mesmo para a sociedade bra-
sileira. Esse texto foi apresentado por Querino no 6o Congresso
Brasileiro de Geografia, e foi a última publicação do autor, sendo
de grande importância para o ensino de história brasileira, pois foi
o primeiro estudo sobre a temática. Com isso, mostra que Manuel
Querino desenvolvia trabalhos diversos indo além do ensino do
desenho geométrico.
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  145 

Imagem 11 – Arte Culinária na Bahia Imagem 12 – Arte Culinária na Bahia


(1928) (1957)

Fonte: Andrade (2012). Fonte: Pontes (2020).

No prefácio do livro Arte Culinária na Bahia, Bernadino de


Souza exalta o trabalho de Querino como pioneiro da história afri-
cana brasileira. Ele descreve Manuel Querino como exemplar pes-
quisador que muito contribuiu. Bernadino também descreve o
livro, e apresenta as características do mesmo e como é bom ter
uma obra desse teor, aborda que as etnias e povos são caracteri-
zados por sua culinária.

É uma verdade inconteste que, não somente grupos étnicos,


mas também certas nações e países são definidos, por sua
alimentação corrente, por certas e determinadas iguarias pre-
ponderantes na alimentação de suas gentes ou características
de suas cozinhas. (QUERINO, 1957, p. 12-13)

Assim, Bernardinho conclui o prefácio do livro demostrando a


importância da mesma para os estudos de história afro-brasileira.
Exaltando o trabalho do autor para o campo acadêmico, para o povo
brasileiro e para reafirmação da raça negra no Brasil.
146  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

O primeiro capítulo intitulado “Advertência preliminar”, traz


como foi feito o trabalho, como teve a ideia. Cita a contribuição das
raças indígenas como a farinha de mandioca, o português com o
azeite e a africana com os condimentos. E através destas contribui-
ções surge a tradição culinária brasileira. Demonstrando que assim
como nosso povo é mestiço, nossa culinária também é.
“Dos alimentos puramente africanos”, segundo capítulo, Que-
rino elenca os principais pratos da culinária africana. Como: acaçá,
acarajé, arroz de alessá, efó, caruru, écuru, xim-xim, bolas de
inhame, bobó de inhame, feijão de azeite, aluá, dengue, ebó, latipá,
abará, aberém, massa, ipétê, a’do, eguéde, efún-oguedé, eran-pa-
têrê, cada prato citado acima é descrito pelo autor. Ao final desse
capítulo, Querino aborda alguns hábitos na cozinha, como não
usar bebidas alcoólicas e o uso de pimenta.
Em “De algumas noções do sistema alimentar da Bahia”, terceiro
capítulo, o autor fala sobre os pratos baianos adulterados em outros
estados, ou seja, pratos que foram modificados nos seus ingredientes
ou preparo quando foram executados em outras regiões.

Somente o cozinheiro baiano possui o segredo de tornar uma


refeição saborosa e, por isto, de fácil ingestão. Nesta resenha,
me referirei a alguns dos principais alimentos, propriamente
baianos, e que noutro Estados, são barbaramente adultera-
dos. (QUERINO, 1957, p. 45)

Dentre os pratos adulterados estão: feijão de leite, moqueca de


peixe fresco, moqueca de xaréu, moqueca de ovos, escaldado de
peixe fresco, frigideira de camarões, peixe sem espinha, empadas
de camarões, arroz de forno, mocotó, sarapatel, peru cheio, galinha
de molho pardo, galinha de molho branco, feijoada, leitoa assada,
vatapá de galinha e maniçoba.
No capítulo quatro, “Da sobremesa baiana”, o autor destaca a
nula influência africana nos doces baianos.

Inteiramente nula foi, entretanto, a influência africana no


preparo de doces e guloseimas de sobremesa, ao contrário
do regime alimentar. Os conventos da capital e alguns esta-
belecimentos profanos tiveram notória nomeada no enfeite e
manuel querino: outros saberes além do de desenho  |  147 

acondicionamento de bandejas de doces finos, destinados a


casamentos, batizados, bailes e banquetes. A variedade des-
ses doces, tanto em calda como secos, ainda hoje tem muito
apreço, principalmente os de calda, trabalhados em frutos do
país. (QUERINO, 1957, p. 69)

As sobremesas foram divididas em doces de caldas: araçá,


laranja da terra, caju, jenipapo, limão, cidra, banana, abacaxi,
manga, mangaba. E os doces secos: pão-de-ló, bolo inglês, sequi-
lhos, pasteis e bolachinhas de goma. Querino destaca os conventos
que se especializaram nestes tipos de doces, como os conventos
da Soledade, do Desterro, as religiosas da Lapa, e o Convento das
Mercês. Cada estabelecimento tinha sua especialidade.
Além das frutas cultivadas no estado, entre as quais sobressaem
a inexcedível laranja do Cabula (subúrbio da capital), a manga de
enxerto de Itaparica, o imbu sertanejo, as uvas brancas de Itiúba
e Juazeiro, enfeitam a sobremesa baiana estes saborosos pratos.
(QUERINO, 1957) O autor também cita outras sobremesas baianas:
canjica de milho verde, doce de ambrosia, doce de caju, bolo da
Bahia, bolo delicioso, entre outros.
Por fim, no último capítulo, “Do preparo de licores”, o autor
cita os principais licores produzidos na Bahia, entre eles: licor de
banana, cacau, araçá, groselha, umbu e jenipapo.
Em todos os capítulos desse livro, Manuel Querino descreve
o passo a passo das receitas e os ingredientes típicos da culinária
baiana, desta forma podemos observar o seu vasto conhecimento
do assunto e sua dedicação sobre a história afro-brasileira. Sua
dedicação na pesquisa do seu povo mostra a paixão da sua escrita
em narrar com precisão o vasto ramo da culinária baiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Manuel Querino dedicou sua vida a seus propósitos políticos e
educacionais, circulou em diversas áreas do conhecimento, da culi-
nária ao ensino do desenho, foi atuante social e político, na luta
pela abolição, deixou um legado frutífero no campo da história
da cultura afro-brasileira. Na época, trouxe à história do Brasil a
perspectiva do afro-brasileiro, morando na comunidade de descen-
148  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

dência africana, ele conhecia com intimidade os hábitos, aspira-


ções e frustrações do seu povo, o que lhe deu autoridade e proprie-
dade para escrever seus livros.
Ao voltar sua atenção para a História, esperava reequilibrar a
ênfase tradicional na experiência europeia no Brasil. Nenhum afro-
-brasileiro havia até então socializado sua perspectiva da história
do Brasil. Querino surgiu como o primeiro brasileiro – dentre os
negros, afrodescendentes ou brancos – a detalhar, analisar e fazer
justiça às contribuições africanas ao Brasil. Apresentou suas con-
clusões num clima, na melhor das hipóteses, indiferente, e na pior,
racista e até hostil, que existia no Brasil pós-abolição.
Com isso, Manuel Querino assumiu o papel de defensor da
história e do povo africano, mostrando a necessidade de não
esquecer o passado, pelo contrário, compreender esses para dese-
nhar um futuro melhor. Dedicou-se a uma vida de pesquisa e
conhecimento das suas origens, contribuindo para expansão dos
saberes desse povo. Sua dedicação com o assunto mostra o quão
importante esse autor foi no meio acadêmico e social, um autor
que vai além do seu campo de visão, de seus estudos, que pensa
no próximo e no coletivo.
149

O ENSINO DE DESENHO PARA A EXPANSÃO


DA MÃO DE OBRA INDUSTRIAL
Gláucia Maria Costa Trinchão

INTRODUÇÃO
O ensino do desenho a serviço do desenvolvimento da indústria
nos países ocidentais foi o mote das discussões acadêmicas desde
o final do século XVIII, durante todo o século XIX e se fortaleceu
no século XX, inclusive aqui no Brasil. O professor, militante pela
abolição escravagista e pela educação e formação profissional dos
menos abastados do período da primeira república, Manuel Ray-
mundo Querino, produziu dois livros didáticos que tratam do con-
teúdo e ensino para a formação e capacitação de técnicos e artistas
para atuarem no campo do desenho industrial, hoje denominado
também de design de produto e design gráfico. Os conteúdos foram
selecionados para serem ministrados no Liceu de Artes e Ofícios da
Bahia, no Colégio dos Órfãos e na Escola Bahyana, todos situados
em Salvador, na Bahia. “Com o aumento da produção manufatu-
reira, na segunda metade do século XIX, sociedades civis também
se imbuíram do amparo aos menores carentes e fundaram Liceus
de Artes e Ofícios”. (OLIVEIRA; TRINCHÃO, 2012, p. 11) Assim,
conferir um ofício a esses menores fez parte de um projeto educa-
cional nacional, do qual o professor Manuel Raymundo Querino
fez parte.
O material escolar produzido por Querino capacitou mão de
obra, profissionalizando artífices e técnicos para atender à indús-
tria que emergia ainda de forma incipiente na virada do século XIX
para o XX, período em que a abolição estava ainda em fase turbu-
lenta de aceitação das classes operárias. Nesse período o processo
de industrialização brasileira ainda caminhava a passos lentos e
150  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

assim a mão de obra técnica desejada ainda estava em formação.


A economia nacional se baseava prioritariamente em exportação
de produtos agrícolas nacionais ou da produção para consumo
interno. Quanto à indústria brasileira, ainda em projeto incipiente,
era atendida por importação de máquinas e de matérias-primas.
Como professor de desenho, Querino trabalhou para as crianças
pobres e filhos de operários para que conseguissem uma ascensão
social, intelectual e profissional, apostando no papel social que o
conhecimento em desenho tinha na época, formar e capacitar mão
de obra. Manuel Querino seguiu a política de crescimento econô-
mico que vigorava em nível nacional e internacional e visava pro-
mover o avanço da indústria.
O que se propunha como política pública para a educação era
investir na formação de mão de obra técnica para que o Brasil
saísse do status de país agrícola para país industrial, assim era
preciso popularizar o ensino do desenho, pois “[...] a Educação do
Desenho é um agente de transformação da civilização contempo-
rânea brasileira, pois fundamenta e orienta futuros consumidores
e desenhadores da cultura material”. (GOMES, 2004, p. xxv) Ao ler
o relatório de Ruy Barbosa, publicado pela Câmara dos Deputados
na sessão de 12 de setembro de 1882, percebe-se que a inserção do
desenho como conteúdo e disciplina escolar era estimulado nos
mais variados países, como Estados Unidos, França, Inglaterra,
Suíça, Alemanha, Hungria, Dinamarca, Portugal, entre outros, e,
inclusive, no Brasil.
O ensino do desenho era o caminho para promover a expansão
industrial e para isso era preciso que chegasse a todos os níveis
de educação pública para a formação de profissionais capazes de
seguir o caminho das artes aplicadas. (BARBOSA, 1883) Era pre-
ciso espalhar este conhecimento pelos espaços escolares como nos
liceus, escolas de artes e ofícios, cursos ginasiais e colegiais, para se
formar agrimensores, maquinistas e mestres de oficina. O objetivo
era despertar o gosto pela arte e as vocações artísticas para formar a
tão pretendida mão de obra fabril. (BARBOSA, 1883)
Este capítulo, e o que se segue, procura, portanto, destacar do
bojo das produções, a produção didática sobre desenho do pro-
fessor e desenhista Manuel Raymundo Querino e têm como res-
ponsabilidade apresentar, abrir e socializar seus livros para que o
o ensino de desenho para a expansão da mão de obra industrial  |  151 

pesquisador tenha acesso ao conteúdo deste professor de desenho


industrial popularizado no final do século XIX e nas décadas ini-
ciais do século XX. Os seus livros de desenho são obras raras de
difícil acesso e/ou quase inexistente nas bibliotecas e arquivos
públicos nacionais e, quiçá, internacionais, principalmente o seu
primeiro livro: Desenho linear das classes elementares.1
No capítulo seguinte, o livro analisado é exatamente o Elementos
de desenho geométrico compreendendo noções de perspectiva, teoria da
sombra e da luz, projeções e arquitetura, lançado em 1911, o ensino de
desenho para artífices e filhos de operários.

O LIVRO DESENHO LINEAR DAS CLASSES ELEMENTARES (1903)


Levando em conta que o que se defendia para o crescimento do
Brasil, nas décadas finais do século XIX, era a popularização do
ensino do desenho como uma das matérias fundamentais do pro-
grama da escola elementar, a produção didática para o desenho de
Manuel Querino atendeu aos chamados da modernidade.
O primeiro livro investigado é o livro Desenho linear das classes
elementares, lançado em 1903, cujo conteúdo foi selecionado e orga-
nizado para ser ministrado nos espaços escolares públicos baianos
de ensino elementar. O livro possui 30 páginas compostas de textos
informativos, exercícios e ilustrações. Tem como editor Romualdo
dos Santos & C. e como distribuidor a livraria baiana Livraria Cati-
lina, fundada em 1835, situada à Rua Conselheiro Dantas, n0 21,
que é também “Typographia Encadernação e Papelaria”, além de
ser uma casa “Importadora e Exportadora” de livros.2
Na capa do livro Desenho linear das classes elementares encon-
tra-se a referência a Manuel Querino como “artista diplomado pelas
Escola de Bellas-Artes da Bahia e professor livre de Desenho Indus-
trial no Colégio dos Órphãos de São Joaquim, Escola Bahiana, etc.”.
Na página anterior à folha de rosto, curiosamente, consta a indi-
cação do seu segundo livro “Do mesmo autor, Elementos de Desenho

1 As obras analisadas pertencem a Dr.ª Sabrina Gladhil, que gentilmente


cedeu os seus exemplares para que se pudesse reproduzir e analisar.
2 Ver: Caderno de imagens deste livro.
152  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Geométrico, comprehendendo noções de theoria da sombra e da


luz, perspectiva linear e projeções”, pois até onde se pôde inves-
tigar, esse livro só foi lançado em 1911 e até onde se sabe não houve
outra publicação do livro Elementos de desenho geométrico em anos
anteriores ao ano do lançamento do primeiro livro. É provável que
a referência da autoria de seu segundo livro seja apenas uma indi-
cação para publicação futura, porque nas páginas 1 e 2 do livro em
análise consta uma lista de livros que estão à venda na Livraria Cati-
lina e o Elementos do desenho geométrico não faz parte desta lista.
A análise seguiu a ordem cronológica do lançamento dos livros.
Só no segundo livro foi possível identificar as bases pedagógicas e
as referências bibliográficas que embasaram e fortaleceram o dis-
curso de Manuel Querino sobre o desenho, sua prática e seu papel
na formação da mão de obra operária baiana e na educação dos
filhos de operários e artistas. Estas questões serão abordadas no
capítulo seguinte.

PROPOSTA METODOLÓGICA PARA


O PROFESSOR ENSINAR DESENHO
Analisando cada item do livro, em busca de informações impor-
tantes sobre o ensino do desenho na época, observa-se que como
Introdução do seu livro, Querino escreve um item denominado
Conselho aos Professores, onde ele diz como o professor deve
ministrar suas aulas de desenho.
Nesse espaço, ele diz que o ensino deverá ser simultâneo “para
segurança do ensino prático do desenho”. Logo, a aula deverá
“começar pelo trabalho do professor em frente ao quadro negro
(pedra) executando a lição que deseja apprendida pelos seus
alumnos”, explicando didaticamente como traçar. “O professor exi-
gira de cada alumno a execução de um exercicio da lição dada”,
aos alunos caberá representar o que foi executado pelo professor.
Essa é a orientação de Manuel Querino para o ensino do desenho
geométrico, o ensino simultâneo e a cópia do que for desenhado
pelo professor no seu quadro, caracterizando um ensino baseado
na repetição sistemática do modelo.
A primeira tarefa do professor, antes de iniciar seu desenho no
quadro negro, é apresentar e ensinar aos seus alunos quais são
o ensino de desenho para a expansão da mão de obra industrial  |  153 

e como utilizarem os instrumentos de desenho. Como exemplos,


o autor apresenta o compasso, a régua tê, régua e esquadro, instru-
mentos ainda utilizados atualmente no traçado do desenho.

O CONTEÚDO: DO PONTO AOS POLÍGONOS,


PASSANDO PELO TRIANGULO E A CIRCUNFERÊNCIA
O livro está dividido em conteúdos conceitual e explicativo,
seguidos de propostas de exercícios, como um passo a passo para
a resolução do problema indicado, sem apresentar bibliografia e
nem divisão de capítulos e inicia pela concepção de ponto e linha,
dando início à exposição do conteúdo da gramática para a represen-
tação gráfica das formas. Para Querino, um ponto está represen-
tado por uma marca da ponta do lápis no papel e uma linha, reta
ou curva, é formada por uma sequência de pontos.
De uma forma bem simples, Manuel Querino apresenta os
tipos de linha e a posição das linhas reta e curva no espaço seguido
de exercícios que abrangem o assunto estudado. Retificação de
linhas quebradas, traçado de linhas perpendiculares passando por
um ponto determinado e soma de linhas retas, o estudo das linhas
curvas e linhas convergentes, retificação de linhas curvas, divisão
de linhas curvas, e traçado de perpendicular por uma linha curva,
na sequência o estudo dos ângulos, construção de ângulos iguais
e divisão de ângulos, são os assuntos que deverão ser fixados nas
mentes e onde deverão ser testados os instrumentos de desenho.
Trocar por: Após o estudo das linhas, na sequência, Querino
traz o estudo dos ângulos. Esse assunto complementa o que foi
aprendido nos itens anteriores, como o estudo do ponto e da linha.
O próximo passo então, será estudar os ângulos e para fixação
tem-se a aplicação prática por meio de exercícios. Além de mais
exercícios, como se fossem um passo a passo, sobre ângulos e
divisão de ângulo, há também três desenhos, uma cerca e duas
habitações, que representam a aplicação prática dos estudos reali-
zados até agora.
Se inicia o estudo da circunferência, onde ele a definiu como
sendo “uma linha curva fechada que todos os seus pontos con-
servam igual distancia de um ponto interior chamado – centro – é
uma circunferência”. O estudo da circunferência segue, apresen-
154  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

tando seus elementos como diâmetro, raio, tangente, flecha e corda


etc., mostrando a relação do estudo anterior do ponto e linhas retas
e curvas com a construção de formas fechadas e a identificação de
seus elementos. O estudo das circunferências se segue nas páginas
18 e 19 e se completa com o exercício de traçado da meandra. Entre-
tanto, já sinaliza o próximo assunto, espirais, mas apenas apre-
senta o traçado do espiral bi centrica.
A página 20 dá início aos estudos do triângulo e seus elementos,
logo em seguida vem os exercícios de fixação de construção de
triângulos. Na sequência, a introdução do estudo dos polígonos.
Nas páginas finais, segue uma sequência de exercícios abrangendo
os conteúdos estudados e são apresentados em uma organização
similar ao que se faz hoje ainda em alguns livros de desenho geo-
métrico, um passo a passo para a resolução do problema.
Assim, Manuel Querino destina o conteúdo dos elementos
básicos para a alfabetização dos alunos das classes elementares no
campo do desenho geométrico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenho geométrico entra no currículo das escolas elementares
como conhecimento, método e instrumento importante para a
capacitação da mão de obra técnica e fabril que deveria alimentar a
proposta de avanços na indústria nacional preterida pelo governo
brasileiro. O professor de desenho industrial, Manuel Raymundo
Querino, foi um dos responsáveis pela capacitação de crianças e
adolescentes desvalidos do Colégio dos Órfãos e do Liceu de Artes
e Ofícios da Bahia.
CADERNO DE IMAGENS 1
O LIVRO DESENHO LINEAR DAS
CLASSES ELEMENTARES (1903)
Manuel Raymundo Querino
caderno de imagens 1  |  157 

Imagem 1 – Capa do livro Desenho Linear

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


158  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 2 – Folha de Rosto do livro Desenho Linear

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  159 

Imagem 3 – Página I do Livro Desenho Linear

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


160  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 4 – Página II do Livro Desenho Linear

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  161 

Imagem 5 – Página 4 - Conselho aos Professores

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


162  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 6 – Pagina 5 - Ponto e Linhas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  163 

Imagem 7 – Pagina 6 - Exercícios com Linhas Retas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


164  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 8 – Pagina 7 - Exercícios com Linhas Retas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  165 

Imagem 9 – Página 8 - Exercícios com Linhas Curvas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


166  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 10 – Página 9 - Exercícios com Linhas Curvas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  167 

Imagem 11 – Página 10 - Exercícios com Linhas Curvas e Retas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


168  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 12 – Página 11 - Exercícios com Linhas Curvas e Retas

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  169 

Imagem 13 – Página 12 - Estudo e Exercícios com Ângulos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


170  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 14 – Página 13 - Estudo e Exercícios com Ângulos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  171 

Imagem 15 – Página 14 - Exercícios com Ângulos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


172  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 16 –Páginas 15 - Exercícios com Ângulos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  173 

Imagem 17 – Páginas 16 - Circunferência

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


174  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 16 –Páginas 15 - Exercícios com Ângulos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  175 

Imagem 17 – Páginas 16 - Circunferência

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


176  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 18 – Páginas 17 - Circunferência

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  177 

Imagem 19 – Páginas 18 - Circunferência

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


178  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 20 – Páginas 19 - Circunferência

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  179 

Imagem 21 – Páginas 20 - Triangulo

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


180  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 22 – Páginas 21 - Triangulo

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  181 

Imagem 23 – Páginas 22 - Triangulo e Poligonos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


182  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 24 – Páginas 23 - Triangulo e Poligonos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  183 

Imagem 25 – Páginas 24 - Triangulo e Poligonos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


184  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 26 – Páginas 25 - Triangulo e Poligonos

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  185 

Imagem 27 – Páginas 26 - Exercícios

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


186  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 28 – Páginas 27 - Exercícios

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  187 

Imagem 29 – Páginas 28 - Exercícios

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


188  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 30 – Páginas 29 - Exercícios

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 1  |  189 

Imagem 31 – Páginas 30 - Exercícios

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


191

O Desenho para artífices e


filhos de operários: elementos
de desenho geométrico (1911)
Gláucia Maria Costa Trinchão

Este texto, e o que se segue, trazem parte do material já publicado


na tese de doutorado O desenho como objeto de ensino: história de
uma disciplina a partir dos livros didáticos luso-brasileiros oitocentistas,
que foi publicada no livro A história da educação em desenho: ins-
titucionalização, didatização e registro do saber em livros didáticos
luso-brasleiros. Optou-se por publicar este material aqui também
porque o livro de Manuel Querino, lançado em 1911, logo, há mais
de 70 anos, Elementos de desenho geométrico compreendendo noções
de perspectiva, teoria da sombra e da luz, projeções e arquitetura, traz
informações importantes sobre o desenho (conhecimento e lin-
guagem), o ensino de desenho, os teóricos e as concepções peda-
gógicas que influenciaram a sua formação profissional na organi-
zação e atuação nos espaços públicos escolares.
A partir da análise dos elementos editoriais contidos na orga-
nização da obra Elementos do desenho geométrico, observou-se
os conceitos, concepções e modo de organização do saber em
desenho elaborado por Manuel Querino, a didatização do saber,
para ensino nas escolas baianas nas quais ele lecionou como pro-
fessor de desenho industrial. Essas e muitas outras informações
podem auxiliar os amantes do desenho e os pesquisadores sobre
o tema, além disso, para difundir um material tão escasso no
cenário da pesquisa em desenho, inseri todas as folhas do seu
livro aqui neste capítulo.
Como já foi bastante destacado em capítulos anteriores, Manuel
Querino foi um homem que viveu as dores da discriminação
racial e profissional, no período da conflitante transição do Brasil
192  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Império para o Brasil República, e consequentemente das lutas


abolicionistas e de readaptação do negro no espaço de trabalho.
O artista e desenhista Manuel Querino defendeu o desenho como
uma das artes úteis à profissionalização das classes artística e téc-
nica, principalmente o desenho técnico voltado para a indústria, e
criticou o sistema de ensino e a forma como eram tratados os pro-
fessores de desenho naquela época.
Como já visto, Querino não foi apenas um profissional do
desenho industrial, ele foi um professor e desenhista politizado
que militou por causas nobres como a abolição da escravatura e a
inserção social do negro através da capacitação e mão de obra qua-
lificada pelo saber em desenho.

O LIVRO E O DESENHO DE QUERINO:


ELEMENTOS DE DESENHO GEOMÉTRICO
Compreendendo o livro didático como um espaço de difusão da
recriação didática do autor, destaca-se que a recriação didática de
Manuel Querino está materializada em um compêndio de volume
único, com 72 páginas, no qual se identifica seu processo transpo-
sitivo, organizado metodicamente, o que se transforma em uma
linguagem técnica entre o professor e o aluno. Trata-se de um livro
didático, Elementos de desenho geométrico compreendendo noções de
perspectiva, teoria da sombra e da luz, projeções e arquitetura – Pri-
meira Parte, publicado na Bahia, pela Papelaria e Typographia Bap-
tista Costa, em 1911.
Na contracapa, constam as informações sobre sua formação,
qualificação e reconhecimento por sua arte “artista diplomado, pre-
miado com duas medalhas de prata, menção honrosa, approvado
com distinção no curso de architecto pela escola de Belas Artes,
com as medalhas de bronze, prata e ouro, pelo de Artes e Officios;
professor livre do colégio dos Orphãos de são Joaquim, Lyceu de
Artes e Oficios e outros Collegios”. Além disso, consta a citação
referida a Courrie, “O que entenderdes que é útil, podeis sem
receio publicar”. Esse livro foi dedicado “Ao Exmo. Snr Coronel
José Alves Ferreira Pelos benefícios prodigalizados em favor da
classe operária e dos deserdados da fortuna. Exigua, mas sincera
homenagem. O Autor”.
o desenho para artífices e filhos de operários:  |  193 

Para a construção de sua recriação didática, Querino parte da


concepção do desenho com um conceito geral, enquanto “a arte
de representar, por meio de traço e sombra, o contorno e relevo da
superfície dos corpos”. Em sua concepção, este saber se divide em
desenho à vista, ou aproximado, e desenho exato, ou geométrico.
(QUERINO, 1911, p. 1)
No que se refere ao que Manuel Querino denominou de desenho
aproximado, o mesmo que desenho à vista, ele limita o uso dessa
modalidade ao “traçado do corpo humano, arabescos, folhagens,
costumes, naturezas mortas (copia de peixes, aves, fructos, etc.)”.
Este processo didático seguia o modelo da cópia e recebeu também
o “nome de desenho de imitação”. (QUERINO, 1911, p. 1) Para a
realização desse trabalho, era necessário o uso do papel quadricu-
lado, como meio de garantir a exatidão do objeto que foi copiado,
funcionando como “um auxiliar de precisão”. Esse desenho deveria
exercitar o “lance de olhos”, logo, a observação, e consistia “no tra-
çado do objecto que se quer imitar sem auxílio de instrumento
algum”. (QUERINO, 1911, p. 1)
O desenho industrial ao qual Manuel Querino (1911, p. 1) se
referiu está representado pelo saber em desenho geométrico, que foi
por ele inicialmente definido como desenho exato. Essa modalidade
de desenho se distancia da outra pela precisão dos resultados e pelo
uso dos instrumentos no ato de sua execução. Querino (1911, p. 2)
acreditava que se deveria levar em conta que “a sciencia do desenho
revela-se no modo de reproduzir, sobre qualquer superficie, todos
os objectos da natureza e das artes, em geral”. Assim, parte para a
organização de sua obra didática em uma sequência lógica e dosada
gradualmente de acordo com a capacidade do alunado ao qual essa
obra foi direcionada, o ensino elementar de desenho geométrico
para o Liceu de Artes e Ofícios, Colégio dos Órfãos e outros colégios
de instrução pública, onde Querino lecionava.
Na descrição dos tipos de instrumentos necessários à execução
dessa modalidade, Querino cita a régua, o compasso, o esquadro,
o transferidor e, se diferenciando dos demais, o Tê, ou melhor,
a régua “T”, que foi bastante utilizada até as décadas inicias do
século XXI, e em alguns espaços de educação pública ainda hoje é
usada. Até então, o único autor que havia citado a régua “Tê” como
material usado no traçado do desenho geométrico fora Abílio César
194  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Borges, em seu livro: Desenho Linear ou elementos de geometria


prática popular, lançado em 1882.1
A obra se inicia a partir de definições conceituais de termos
necessários ao bom entendimento do desenho, em especial o
geométrico ou industrial, tais como Matéria - “tudo quanto pode
afectar um ou mais dos nossos sentidos”; Corpo - “toda quanti-
dade de matéria limitada -; Espaço - “a extensão illimitada que cir-
cunda os corpos, e Extensão - “uma porção de espaço limitada”.
Segue ainda definindo e categorizando o conceito de extensão que
se divide em três, tais como:

a) “a extensão de uma só dimensão que é o comprimento -


(linha)”;
b) a “extensão de duas dimensões – comprimento e largura -
(superfície)”;
c) a “extensão de três dimensões, comprimento, largura e altura
- (sólido)”.

Além das definições de altura, ou profundidade, e “em alguns


casos espessura”. Estas se tornam importantes para o entendimento
dos processos de construção e decomposição das formas geomé-
tricas e se tornam a base de todo o entendimento geométrico.
No desenvolvimento da divisão paulatina do conteúdo, Querino
segue com o estudo de linhas, curvas e retas e seus problemas de
divisão, estudos da posição das retas e seus elementos – paralelas
e perpendiculares, e concordância de retas. Segue com estudo dos
ângulos, triângulos, quadriláteros, polígonos e polígonos estre-
lados, círculo e circunferências, envolvendo o estudo dos elementos
geométricos de cada forma plana e seus problemas de construção,
divisão e inscrição e circunscrição no círculo e na circunferência,
além de traçados diversos de espiral.
Todo esse saber se refere ao preâmbulo para a compreensão
tridimensional da forma, pois o conteúdo abrange também o
estudo dos ângulos formados por planos e a relação dos planos

1 Ver mais informações em Trinchão e Juliano (2015).


o desenho para artífices e filhos de operários:  |  195 

entre si, inserindo, assim, de forma simples e descomplicada, as


noções básicas para o futuro estudo das projeções ortogonais, base
da geometria descritiva. Isso tudo, para chegar às figuras sólidas,
prisma, pirâmide, paralelepípedo, cubo, e aos sólidos de revolução,
cone, cilindro, esfera (Imagens 4 e 5). Apesar dessa modalidade de
desenho suscitar o uso rigoroso de instrumentos para o seu tra-
çado, Querino não dedica um capítulo especial sobre os modos de
uso e tipos de instrumentos.
Com uma linguagem simples e direta, sem muita explicação
científica das coisas, todo o conteúdo do livro segue organizado na
estrutura de definição conceitual, acompanhada de um grupo de
exercícios práticos, já resolvidos, para serem repetidos pelo aluno,
como meio de fixação do conteúdo, seguido de explicações descri-
tivas, como um passo a passo dos processos construtivos. Tanto as
explicações conceituais quanto os exercícios estão acompanhados
de imagens ilustrativas. Raros foram os momentos que Querino
inseriu imagens de objetos cotidianos que pudessem estabelecer
uma comparação da explicação teórica com a forma do objeto real.
A produção didática de Manuel Raymundo Querino aqui em
questão, Elementos de desenho geométrico, pela sua simplicidade e
clareza no encaminhamento do conteúdo, se enquadrou perfei-
tamente nos propósitos de seu autor: organizar um livro capaz
de atender os espaços escolares públicos, e assim incrementar a
inserção do desenho industrial, ou geométrico, nos espaços de for-
mação da classe operária e artística. Sua recriação didática, apesar
de se situar nas primeiras décadas do Brasil republicano, tem seus
princípios fundamentados em pressupostos teóricos e metodoló-
gicos oriundos dos tempos de Pestalozzi, Froebel, além de, bem
mais tarde, Ruy Barbosa e Abílio César Borges.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
César Borges, assim como Manuel Querino, também traz à tona a
compreensão do desenho como meio de estimular a indústria de
bens de consumo e o comércio. Isso ao destacar que, pelo estímulo
ao desenvolvimento do gosto pelo belo e da habilidade artística
pela prática do desenho, está se incrementando também o setor
econômico, pelo sistema de mercado de procura e oferta. Com o
196  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

ensino de desenho desde as primeiras letras, entretanto, se estaria


formando um público de artistas que produzem e outro que jul-
garia esse produto.
Para Querino, o investimento no ensino do desenho geométrico
desde o ensino primário, representava um investimento em um sis-
tema voltado para as questões econômicas ao desenvolver o gosto
pelo belo e por valorizar a produção, o produtor, e, acima de tudo,
o produto. Querino, entretanto, ao definir o desenho como base da
produção do luxo e do bom gosto e rico, separou dois mundos: o
do produtor como humilde técnico e o do rico consumidor. Borges
e Querino, então, contribuíram para a difusão de um ensino de
desenho voltado para o que hoje se chama de desenho industrial
ou design de produto.
A obra de Manuel Querino difundiu uma didática específica
para o ensino do desenho geométrico. Organizou o livro sistema-
ticamente direcionado para o saber prático com informações teó-
ricas que facilitam a compreensão do aluno e do professor. Dessa
forma, o ensino do desenho industrial foi registrado na obra, que
foi organizada com base no traçado rígido das formas e para as
resoluções dos problemas geométricos com uso dos instrumentos,
promovendo a habilitação da mão e a precisão da visão, com fins
de utilidade.
CADERNO DE IMAGENS 2
O LIVRO ELEMENTOS DE DESENHO GEOMÉTRICO
COMPREENDENDO NOÇÕES DE PERSPECTIVA,
TEORIA DA SOMBRA E DA LUZ, PROJEÇÕES E
ARQUITETURA - PRIMEIRA PARTE (1911)
Raymundo Manoel Querino
199

Imagem 1 – Contracapa

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


200  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 2 – Dedicatória

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  201 

Imagem 3 – Introdução I

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


202  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 4 – Introdução II

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  203 

Imagem 5 – Introdução III

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.I


204  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

magem 6 – Introdução IV

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  205 

Imagem 7 – Introdução V

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


206  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 8 – Página 1

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  207 

Imagem 9 – Página 2

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


208  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 10 – Página 3

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  209 

Imagem 11 – Página 4

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


210  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 12 – Página 5

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  211 

Imagem 13 – Página 6

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


212  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 14 – Página 7

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  213 

Imagem 15 – Página 8

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


214  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 16 – Página 9

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  215 

Imagem 17 – Página 10

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


216  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 18 – Página 11

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  217 

Imagem 19 – Página 12

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


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Imagem 20 – Página 13

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  219 

Imagem 21 – Página 14

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


220  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 22 – Página 15

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  221 

Imagem 23 – Página 16

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


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Imagem 24 – Página 17

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  223 

Imagem 25 – Página 18

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


224  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 26 – Página 19

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  225 

Imagem 27 – Página 20

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


226  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 28 – Página 21

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  227 

Imagem 29 – Página 22

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


228  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 30 – Página 23

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  229 

Imagem 31 – Página 24

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


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Imagem 32 – Página 25

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  231 

Imagem 33 – Página 26

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


232  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 34 – Página 27

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  233 

Imagem 35 – Página 28

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


234  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 36 – Página 29

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  235 

Imagem 37 – Página 30

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


236  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 38 – Página 31

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  237 

Imagem 39 – Página 32

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


238  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 40 – Página 33

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  239 

Imagem 41 – Página 34

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


240  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 42 – Página 35

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  241 

Imagem 43 – Página 36

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


242  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 44 – Página 37

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  243 

Imagem 45 – Página 38

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


244  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 46 – Página 39

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  245 

Imagem 47 – Página 40

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


246  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 48 – Página 41

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  247 

Imagem 49 – Página 42

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


248  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 50 – Página 43

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  249 

Imagem 51 – Página 44

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


250  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Imagem 52 – Página 45

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


caderno de imagens 2  |  251 

Imagem 53 – Página 46

Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


252  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

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Fonte: acervo particular de Sabrina Gladhil.


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O ENSINO DE DESENHO: ÚTIL PARA A MÃO


DE OBRA ARTÍSTICA E TÉCNICA
Gláucia Maria Costa Trinchão

O desenho, no sistema educacional imperial, havia se tornado


o veículo para se alcançar o progresso e se chegar ao mundo
civilizado do homem trabalhador. Desse discurso, Manuel Ray-
mundo Querino também fez parte, junto com Ruy Barbosa e
Abílio César Borges. Estes últimos, influenciados pelo que acon-
tecia na Europa e nos Estados Unidos, pediam a liberdade de
ensino e a “vulgarização” do desenho pelos espaços escolares bra-
sileiros, desde as escolas primárias. Esses dois políticos discur-
saram sobre a melhoria na educação pública em desenho, inclu-
sive sobre a formação da mão de obra artística e técnica. “Manuel
Querino também observou as vantagens oriundas dos Estados
Unidos, principalmente aquelas que beneficiam os negros saídos
da escravidão, disseminando a instrução pública”, afirma Leal
(2004, p. 233), e acreditava que o modelo de instrução americano
deveria ser imitado pelo Brasil.
Na sua atuação como militante em defesa do desenho indus-
trial e geométrico, ministrados para formação do corpo técnico
brasileiro, conforme afirma Leal (2004, p. 242), Manuel Querino
“esteve atento aos caminhos dados à disciplina considerados nos
países adiantados ensino obrigatório”. Pelo seu envolvimento na
luta pela reforma acadêmica, “Querino buscou a origem da reco-
mendação ao estudo do desenho, encontrando-a em Rousseau”
(1712-1778), entendendo que esse havia sido “quem primeiramente
compreendeu ser o ensino do desenho como uma forma eficiente
de produzir técnicos hábeis e artistas de mérito”.
280  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Manuel Querino seguiu defendendo a importância e a facili-


dade de se aprender e ensinar desenho, principalmente nos espaços
escolares onde o povo de classes humildes como os técnicos filhos
de operários pudessem ter acesso a esse saber escolar. O operariado
era considerado por ele como o braço forte da nação e o desenho era
o saber que dava a base de uma formação técnica industrial. Além
disso, como arquiteto atuante, mesmo sem ter tirado o seu curso,
Querino defendia a arquitetura como um elemento que instigava a
memória de um povo pelos seus monumentos e de cuja base estru-
tural era o desenho, seguindo numa luta que se instaurou durante
todo o Império e que se agravava na República.
Sua defesa também recaiu no discurso da utilidade do saber em
desenho para os mais variados ofícios. Segundo Leal (2004, p. 243),
“o Desenho foi à área de especialidade de Manuel Querino”. Ele
entendia o papel dessa disciplina conforme o pensamento de Ruy
Barbosa, cujo ensino “além de propiciar a formação profissional
para o desenvolvimento da indústria, dignificava a classe técnica
enquanto arte que auxiliava para o nivelamento social e destruía as
inferioridades artificiais”. Entretanto, esse discurso começou com
Comenius, Rousseau, Pestalozzi e Froebel e, no caso do Brasil, foi
seguido por renomados pedagogos e políticos, como foram Abílio
César Borges, Ruy Barbosa e Manuel Querino.
Manuel Querino, portanto, estava ciente dos caminhos que
seguia a educação em desenho na Europa e na América, até porque
ele, com certeza, teve conhecimento do trabalho político de Ruy
Barbosa com seus discursos e projetos para reforma do ensino
público, que dava ênfase à inserção do saber em desenho nos
espaços escolares, iniciando pelas escolas primárias, assim como
das lições de coisas enquanto disciplina e didática de ensino. Nesse
caminho, também teve acesso às obras de Abílio César Borges,
principalmente a que se refere ao ensino de desenho linear, lan-
çada em 1882.
Na defesa de seus ideais de educação pública em desenho, prin-
cipalmente para a classe trabalhadora técnica, Querino acreditava
que as artes tinham um papel singular para o desenvolvimento
humano. Assim, como afirma Leal, esse artista-educador “com-
preendia serem as artes liberais, como música”, e, especialmente, o
desenho e a pintura, “diferentemente das artes mecânicas, aquelas
o ensino de desenho: útil para a mão de obra artística e técnica  |  281 

que eram aprendidas como expansão da inteligência para exprimir


o gosto, o belo, sem o objeto de remuneração imediata”. Sua fala
teve respaldo em sua própria formação de “pintor-decorador, dese-
nhista, arquiteto não diplomado”, além disso, “sua argumentação
se dirigia[iu], sobretudo, às concepções que relacionavam à teoria à
prática, ao belo e o útil”. (LEAL, 2004, p. 251)
Manuel Raymundo Querino buscou difundir a ideia da necessi-
dade do ensino do desenho como uma forma eficiente de capacitar
a mão-de-obra técnica e artística, assim como Rousseau pensou
um dia. Amante das artes liberais, principalmente o desenho e a
música, seguiu, portanto, no discurso da utilidade do desenho para
os mais variados ofícios.

A TEORIA E A PRÁTICA DO DESENHISTA E ARQUITETO


MANUEL QUERINO
A partir da análise da introdução do seu livro Desenho Geométrico,
percebe-se que as motivações e os fundamentos que guiaram a
recriação didática de Manuel Querino e seu conhecimento prático
são frutos de suas experiências e vivências como desenhista, arqui-
teto e o acadêmico que foram oportunizadas por sua inserção no
quadro de professores do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia. Todo
esse conhecimento teórico e prático foi transformado em objeto de
ensino e está materializado e socializado pelos seus dois compên-
dios de desenho: Desenho linear das classes elementares, lançado em
1903 e o Elementos de desenho geométrico compreendendo noções de
perspectiva, teoria da sombra e da luz, projeções e arquitetura-primeira
parte, lançado em 1911.
No item “Introdução”, que Querino intitula de “Arte do Desenho”,
contido em sua obra, ao contrário dos outros autores analisados, ele
não faz referência aos seus interlocutores, mas deixa clara a sua
compreensão do desenho: base fundamental de todas as artes,
como a arquitetura, a pintura, a escultura e a gravura. Em suma,
“as artes como aplicações espécies da arte do desenho”. (QUE-
RINO, 1911, p. I) Para Querino, o desenho era o saber que tinha
o papel de materializar e, ao mesmo tempo, de socializar a
forma. A forma, como o resultado da visibilidade do objeto dado
pelo desenho.
282  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Para justificar suas ideias, Querino vai buscar no passado, de


forma simples, intuitiva e exemplificativa, as raízes do desenho na
origem da vida humana. Dessa forma, salienta que “as manifes-
tações artísticas no homem são anteriores a toda aprendizagem
humana”. O homem apareceu na Terra e por conta das próprias
necessidades inerentes às leis da sobrevivência, ele buscou solu-
ções práticas, o que vinculou o papel do desenho à sua vida prática
e cotidiana. “O seu primeiro cuidado foi acautelar-se das intem-
péries do tempo, evitar o ataque de animais ferozes, abrigando-se
nas cavernas escuras, donde nasceu a architectura ou a arte de
construir”. Nesse momento, salienta ainda Querino, “o homem
ainda não conhecia as instituições e as leis”, entretanto, ele “já
possuía a arte do desenho, que era o meio de communicar seus
pensamentos: o primeiro estado da leitura ou o desenho antes da
escripta”. (­QUERINO, 1911, p. I) Dessa forma, é possível identificar
em sua fala a ideia do desenho como linguagem e precursor da
escrita, exemplificando, assim, as ideias de Pestalozzi, bem mais
tarde defendida por Abílio César Borges e Ruy Barbosa.
A arquitetura “começou como qualquer escripta”. Primeiro veio
o alfabeto. “Erguia-se uma pedra ao alto, e era uma letra e cada letra
era um hieroglypho e sobre cada hieroglypho repousava um grupo
de idéias, como o capitel sobre a coluna”. A arquitetura, desde
então, “foi a grande escripta do gênero humano” até a chegada da
imprensa com Gutenberg, a arquitetura foi “a escrita principal, a
escripta universal”. (QUERINO, 1911, p. II).
Todo esse discurso de Querino sobre a arquitetura era para
demonstrar sua compreensão da arte como “a resultante natural do
organismo humano”. Isso se verifica pela “combinação de formas,
de linhas, de cores, de movimentos, de sons, de rhythmo e de ima-
gens”. (QUERINO, 1911, p.II)
Manuel Querino buscou no homem primitivo os propósitos da
vulgarização do desenho, pois este “para satisfação de suas neces-
sidades fabricava seus instrumentos de musica, de pesca e de
caça”, lançando mão de elementos naturais como “ossos chatos”,
“pedra” e “casca das arvores”, onde cravavam “os delineamentos
de certos animaes e de outros objectos”, realizando seus dese-
nhos e “com uma exatidão sufficiente á sua época”. (­QUERINO,
1911, p. III)
o ensino de desenho: útil para a mão de obra artística e técnica  |  283 

Nesse sentido, Querino trouxe à tona a justificativa para a socia-


lização do desenho industrial nos moldes que desejava Ruy Bar-
bosa (1883). Havia urgência de criar a indústria nacional e para isso
era preciso se constituir a base suprema da prosperidade indus-
trial, da educação do homem, da inspiração do gosto e do ensino da
arte, com isso estimular a confecção de produtos nacionais, dificul-
tando o acesso aos produtos estrangeiros.
A partir daí, as exigências capitais que se seguiram forçaram
o homem a investir em novos equipamentos e objetos de bens
materiais. Segundo Querino (1911, p. III), “em face das exigên-
cias sempre crescentes, da indústria, do progresso da mecânica,
das artes”, o desenho industrial se transformou no conhecimento
básico para a atuação profissional do engenheiro, do técnico, do
fabricante, portanto, a todo indivíduo que quisesse acompanhar o
desenvolvimento industrial de seu tempo. Para Querino, o saber
em desenho industrial estava representado desenho geométrico.
No conceito de Manuel Querino, o desenho de forma geral era
o mais “importante ramo de todas as belas-artes”, referindo-se à
representação “por meio de linhas, sombras e tintas convencio-
naes” de “tudo quanto a natureza encanta a nossa vista, a bella har-
monia que reina no mundo pinturesco”. (QUERINO, 1911, p. III)
Dessa forma, a arquitetura, a pintura, a escultura, e a gravura, pas-
saram a não ser mais apenas “applicações especiaes do desenho” e,
as ciências “como a geometria, a mecânica, a geographia e muitas
outras, não lhe dispensam o concurso para suas demonstrações”.
O desenho, diante da evolução tecnológica e industrial, da
época, passou a ser também “a base de tudo quanto o luxo e o
bom gosto podem imaginar de rico, de encantador e de sublime”.
(QUERINO, 1911, p. IV) Nesse sentido, esse pensamento de Que-
rino vai ao encontro da ideia de Barbosa, sobre a política financeira
do Brasil. Ruy Barbosa (1883) propõe o investimento em um sis-
tema voltado para o aumento da receita, pelo engrandecimento da
importância da produção, do produtor, e, acima de tudo, o produto,
pelo despertar e fortalecimento do trabalho pela arte e o desenho
como saber escolar que deveria estar no currículo escolar desde
as primeiras letras. Segundo Querino (1911, p. IV), “também é o
desenho, a base de tudo quanto o luxo e o bom gosto podem ima-
ginar de rico, de encantador e de sublime”.
284  |  os saberes em desenho do professor manuel raymundo querino

Manuel Querino suscita a ideia desse saber como suporte ins-


trumental para as “sciencias como a geometria, a mecânica, a geo-
graphia e muitas outras” que “não lhe dispensam o concurso para
suas demonstrações”. Dessa mesma forma, ele o definiu como
“o meio communicativo entre o sabio e o operário, e, ao mesmo
tempo língua universal entre os artistas”. Ao continuar sua argu-
mentação, Querino (1911, p. V) salienta que desenho “é de primeira
necessidade em todas as casas de educação; e deve ser ensinado
como ramo indispensável na educação dos filhos do povo”.
O pensamento que norteou a recriação didática de Manuel
Querino foi construído e apresentado de forma simples, como foi
a vida desse desenhista politizado. Ele vai buscar, nos primórdios
da história da humanidade, as justificativas para fundamentar
suas ideias sobre o desenho, especialmente o industrial. Manuel
Querino não se refere aos seus interlocutores diretamente, mas
suas colocações transportam o leitor e apresentam sua com-
preensão do desenho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O saber em desenho que Manuel Querino defendeu para o sis-
tema educacional brasileiro era o mesmo dos ideais iluministas
que já vinham sendo defendidos por vários países da Europa,
pelos Estados Unidos, e inclusive pelo Brasil, representado pelas
figuras de Abílio César Borges e Ruy Barbosa. O saber no desenho
linear, ou geométrico, como base da instrução pública era consi-
derado fundamento do progresso e civilidade. Manuel Querino,
entretanto, além de lutar por esses ideais, lutava pela valorização
de classes – artística e técnica – e tinha como bandeira de luta a
inserção social dos negros saídos da escravidão.
Manuel Querino foi buscar na raiz da história da humanidade
o suporte prático para justificar suas ideias de utilidade e “vulga-
rização” do desenho nos espaços escolares de formação técnica e
artística para tratar sobre a importância do saber em desenho para
o setor industrial do país.
No desenrolar de suas ideias, o desenho assume conceitos que
vão da concepção de base fundamental de todas as artes; como
materializador da forma, logo como atividade de síntese de todas
o ensino de desenho: útil para a mão de obra artística e técnica  |  285 

as ocupações; como meio de comunicação; como linguagem e


precursor da escrita; como meio estimulador da produção de pro-
dutos, pelo gosto ao belo; por fim, o desenho industrial, ou o saber
em desenho geométrico, como conhecimento básico a todas as pro-
fissões e necessário à educação de todos os povos.
Essa distinção desenho de observação e desenho geométrico
findou por consolidar o desenho geométrico como a base do
desenho industrial, na concepção de Manuel Querino. Isso, na
crença do desenho industrial como saber necessário e capacitador
da mão de obra do operariado industrial. Esse saber daria o dife-
rencial no mercado de trabalho, especializando as classes menos
afortunadas. Sua obra foi fruto, assim como os outros, de sua expe-
riência prática e acadêmica enquanto arquiteto, desenhista e pro-
fessor de desenho.
Com uma linguagem simples, e buscando respaldo exempli-
ficativo nos primórdios da história da humanidade, ele justificou
e fundamentou sua proposta de recriação do conhecimento em
desenho, transformando-o em objeto de ensino.
A recriação didática de Manuel Querino trouxe, como contri-
buição ao ensino desse saber, a proposta de substituição da cópia
de estampas ou modelos, tão propagada até então no âmbito dos
educadores de desenho, pela dinâmica do traçado ou construção da
forma no quadro negro pelo professor, que deve ser seguido pelo
aluno, acompanhando e repetindo simultaneamente os passos no
papel. Dessa forma, eles aprenderiam e memorizariam o processo
de construção ou resolução do problema gráfico proposto. Essa
didática do desenhar simultâneo de professor e aluno ainda é pra-
ticada nos dias atuais.
287

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TAVARES, Luis Henrique Dias. Duas reformas da educação na Bahia


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TRAÇA LIVRARIA. Disponível em: hhttps://www.traca.com.br/


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Salvador: Itapoã, 1969. 3 v. (Coleção Baiana).

FONTES IMPRESSAS E MANUSCRITAS


ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEBA)

Seção de Arquivo Colonial e Provincial. 1a e 2a partes, maços 4534,


4535, 4536, 1575, Sociedade (1833-1889).
referências | 305 

SÉRIE TESOURARIA
Carta encaminhada ao Governo em 09 de julho de 1880, Sociedade
Liga Operária Baiana (1876).

Centro de Documentação e Informação Cultural (CEDIC) sobre a


Bahia da Fundação Clemente Mariani

Notícia Histórica sôbre a Casa Pia e Colégio dos Órfãos de São


Joaquim. Por ocasião do primeiro centenário de sua fundação em
1899. Pelo Escrivão Mesário: Cons. João Nepomuceno Côrres.
307

Sobre os autores

AMANDA FREIRE DA COSTA RIOS


Graduada em Licenciatura Letras com Francês pela Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS) (2009). Especialista em Me-
todologia da Educação Superior pela Escola de Negócios de Edu-
cação Baiana (ENEB, 2009). Mestre em Desenho, Cultura e In-
teratividade pela UEFS (2013). Coordenadora de área – Secretária
Municipal de Educação de Santa Bárbara e parte do corpo docente
do Núcleo de Estudos Canadenses – Universidade do Estado da
Bahia (UNEB) Campus V. Experiência na área de Educação e de
Letras, com ênfase em Língua Francesa.

CARLA BORGES DE ANDRADE


Graduada em Licenciatura em Educação Física pela Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS) (2003). Especialista em Psico-
pedagogia Institucional Escolar pela Universidade Castelo Branco
(UCB) - RJ (2006). Mestra em Desenho, Cultura e Interatividade
pela UEFS (2008-2010). Doutora em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) (2021). Professora da UEFS. Tem expe-
riência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física
Escolar, Formação de Professores e Língua Portuguesa, com ên-
fase em Gramática, Correção de Trabalhos Acadêmicos e Produção
de Textos. Atua, principalmente, nos seguintes temas: educação,
gramática, redação, avaliação, educação física, jogos, recreação e
terceira idade.
308  |  os saberes em desenho do barão de macaúbas

CAROLINA NASCIMENTO PEREIRA


Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA) (2012). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação Mestrado
Acadêmico em Desenho, Cultura e Interatividade na Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS) (2019), onde pesquisa o bor-
dado enquanto linguagem artística no século XXI. Em sua prática
profissional, se dedica à investigação prática e teórica do desenho.

CARLOS AUGUSTO LIMA FERREIRA


Possui graduação em História pela Universidade Católica do Sal-
vador (1985), mestrado em Inovação e Sistema Educativo - Uni-
versitat Autònoma de Barcelona (UAB) (1998) e doutorado em
Educação pela UAB (2003). Atualmente é avaliador do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) e professor pleno da Universidade Estadual de Feira de San-
tana (UEFS), atuando no Programa de Pós-Graduação em História
(mestrado) e nos cursos de Graduação em História e Pedagogia
e no Programa de Pós-Graduação em Desenho, Cultura e Intera-
tividade (mestrado). Desenvolve pesquisas na área de Ensino de
História, com ênfase na Formação de Professores, atuando com
os seguintes temas: educação, história, aprendizagem, ensino de
história e novas tecnologias. Coordenador do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Ensino de História (GEPENH) - (Diretório CNPq).
Coordenador do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência (Pibid) Interdisciplinar (História, Geografia e Letras, pe-
ríodo de 2014-2016). Atualmente é coordenador do Laboratório
de Formação de Educadores (LIFE-UEFS) da Pró Reitoria de Gra-
duação (Prograd), coordenador do Projeto História do Programa
Residência Pedagógica (CAPES-UEFS) e vice-coordenador do Pro-
grama de Pós-Graduação em História, triênio (2019-2021).

CECÍLIA DE ALENCAR S. E SEPÚLVEDA


Cecília Sepúlveda é doutora em Ciências Sociais pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA) em co-tutela com a École des Hautes
Études en Sciences Sociales (EHESS - Paris), mestre em Urba-
sobre os autores  |  309 

nismo e Territórios pelo Instituto de Urbanismo de Paris da Uni-


versidade de Paris XII e mestre em Ciências Sociais pela UFBA.
Foi docente do Departamento de Sociologia da UFBA entre agosto
de 2014 e junho de 2016. Seus principais temas de atuação são:
Sociologia da Literatura, História das Cidades e Vida Urbana na
passagem do século XIX para XX e Relações Étnico-raciais no sé-
culo XIX. Atualmente, dedica-se à criação do “Protótipo de aná-
lise da trajetória de intelectuais negros: uma sociologia intelectual
de Manuel Querino, vida e obra” como pesquisadora vinculada ao
projeto Investigação Colaborativa sobre Materiais Curriculares e
Educativos para as Relações Étnico-raciais baseados na História do
Racimo Científico (CNPq/UEFS).

CLÁUDIA SEPÚLVEDA
Professora titular do Departamento de Educação da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), onde ministra as disciplinas
de formação pedagógica do curso de Licenciatura em Ciências Bio-
lógicas. É doutora em Ensino, Filosofia e História das Ciências
pelo programa interinstitucional da Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
no qual atualmente integra o corpo docente. É membro do Grupo
de Pesquisa Caburé - Ciência, Sociedade e Educação, no qual, tem
desenvolvido os seguintes linhas de pesquisa: Gênero e Raça no
Ensino de Ciências; Pesquisa em Design Educacional e Desenvol-
vimento de Inovações Educacionais; História e Filosofia da Ciência
no Ensino de Ciências.

GLÁUCIA MARIA COSTA TRINCHÃO


Graduada em Licenciatura em Desenho e Plástica pela Escola de
Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (EBA/UFBA), em
1984. Mestra em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ar-
quitetura e Urbanismo (FAU/UFBA), desde 1999. Doutora em
Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),
em 2008, no Rio Grande do Sul. Pós-Doutora em Educação pela
Universidade de Lisboa, em 2018. Professora Plena de Desenho na
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Professora da
310  |  os saberes em desenho do barão de macaúbas

Pós-Graduação Lato Sensu (Especialização em Desenho Registro e


Memória Visual) e Stricto Sensu (Mestrado em Desenho, Cultura
e Interatividade e Mestrado em Educação). Lidera o grupo de pes-
quisa Estudos Interdisciplinares em Desenho (CNPq). Coordena
o Programa de Pesquisa Integrada: Estudos Interdisciplinares
em Desenho (UEFS). Tem experiência na área de Artes, com ên-
fase em Desenho, atuando principalmente nos seguintes temas:
desenho, cultura, arte, história da educação, especialmente em
desenho. Autora dos livros: O Parafuso: de meio de transporte a
cartão postal e História da Educação em Desenho: institucionali-
zação, didatização e registro do saber em livros didáticos luso-bra-
sileiros. Organizadora das coleções: Estudos Interdisciplinares em
Desenho (2 volumes) e a coleção Desenho, Cultura e Interatividade
(3 volumes).

KARLA DE JESUS SOUZA


Graduada em Licenciatura em Pedagogia na Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS/BA). Pós-Graduanda em Psicopedagogia
e Docência do Ensino Superior pelo Centro pelo Centro Universi-
tário Leonardo Da Vinci (UNIASSELVI). Coordenadora da Edu-
cação Infantil em uma escola particular. Possui experiência em sala
de aula como professora da Educação Infantil e do Ensino Funda-
mental I. É integrante do Grupo de Pesquisa Estudos Interdiscipli-
nares em Desenho da UEFS. Atualmente, mestranda do Programa
de ­Pós-Graduação em Desenho, Cultura e Interatividade da UEFS.

LÍVIA JÉSSICA MESSIAS DE ALMEIDA


Licenciada em Letras pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC). Especialista em História da Cultura Africana e Afro-brasi-
leira. Mestre em Educação pela UESC. Doutora em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe (UFS). Membro da diretoria da
Associação Baiana de Pesquisadores Negros, do Grupo de Pesquisa
em Relações Etnicorraciais (GPERE) e do Grupo História e Me-
mória do Livro Didático (UEFS). Atua com as temáticas: discursos
raciais, livro didático, políticas públicas educacionais, relações etni-
corraciais na escola e literatura africana e afro-brasileira.
sobre os autores  |  311 

LYSIE DOS REIS OLIVEIRA


Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) (1992). Mestra em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) (1998). Doutora em
História Social na UFBA (2006). Pós-doutorado pela Universi-
dade do Porto, no Centro de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo
(CEAU) (2017). Professora Adjunta da Universidade Estadual da
Bahia (UNEB) do Departamento de Ciências Humanas/Campus I
- Salvador. Ex-professora do Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Desenho, Cultura e Interatividade da Universidade Es-
tadual de Feira de Santana (UEFS). Professora do Bacharelado em
Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Territo-
riais (PROET), na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Atua
como assessora de comunidades inseridas em áreas urbanas de
caráter patrimonial. Área de atuação em história dos desenhadores
anônimos das cidades brasileiras, a educação para cuidar das áreas
urbanas de caráter patrimonial e o empoderamento de grupos so-
ciais nas articulações sobre seu direito à cidade.

MARIA RITA SANTOS


Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade
do Estado da Bahia (UNEB). Mestra em Educação pela Universi-
dade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Licenciada em Filo-
sofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Possuo
especialização em História da Cultura Afro-Brasileira e Africana
pela Faculdade Santo Agostinho/Bahia. Atuo como consultora do
Pré-Universitário para Afrodescendentes (Preafro) em Itabuna-
-Bahia. Desenvolvo pesquisas sobre políticas de ações afirmativas,
com ênfase no Acesso e Permanência no Ensino Superior. Atuo
como professora em cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Edu-
cação e Filosofia, especialmente com as temáticas: educação para
as relações étnico-raciais, políticas educacionais, metodologia da
pesquisa científica; currículo antirracista e decolonial, filosofia da
educação, hermenêutica.
312  |  os saberes em desenho do barão de macaúbas

SUELY DOS SANTOS SOUZA


Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia (2010). Especialista
em Desenho com ênfase em Memória e Registro (2012). Mestre em
Educação (2014) pela Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Doutoranda em Ensino pelo Programa de Pós - Graduação
da Rede Nordeste de Ensino (Renoen). Atualmente, é professora subs-
tituta na UEFS, atuando na área de Política, Gestão e Inclusão Edu-
cacional e membro do Grupo de Pesquisa Estudos Interdisciplinares
em Desenho. Trabalha, principalmente, nos seguintes temas: polí-
ticas públicas e gestão educacional, processos educativos, formação
de professores, relações étnico-raciais, identidades sociais, diversidade
social, ideologias, ideologias raciais, desenho, análise de imagem.
colofão

Formato 16 x 22 cm

Tipologia Scala e Bebas Neue

Papel Alcalino 90g/m2 (miolo)


Cartão Supremo 250g/m2 (capa)

Impressão EGBA

Tiragem 400 exemplares


Essa obra valoriza um dos pontos fundantes da educação brasileira no que diz respeito
ao livro didático, sua relevância e implementação no cenário nacional, o que por si só, já
a deixa carregada de valores e indicações a todo público interessado em descobrir como
os professores do início do século XX compunham suas publicações, como selecionavam
os conteúdos, bem como a quem endereçavam. Dedicar uma pesquisa sobre a obra
genuinamente brasileiro e baiano de um desenhador, professor de Desenho Industrial
e autor negro, como Manuel Raymundo Querino, em tempos como o atual no qual a
valorização das origens é o ponto alto do discurso, vem somar para que esse trabalho tenha
um alcance para além dos amantes da educação e do desenho, tornando-se uma referência
no tocante ao conhecimento e registro da história do país.
Dra. Lilian Quelle Santos Queiroz
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)

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