O Homem Horizontal (Márcio Thamos)
O Homem Horizontal (Márcio Thamos)
O Homem Horizontal (Márcio Thamos)
O HOMEM HORIZONTAL
eda
2COQUEIROS
O HOMEM HORIZONTAL
Márcio Thamos
Edição © 2Coqueiros
Araraquara - SP
2021
ISBN
978-65-00-34617-6
O HOMEM HORIZONTAL
Sumário
O homem horizontal 11
Canção do tempo 012
Três rios 14
Flor essência 15
Dádiva de agosto 16
Borboleta amarela 17
No meio da rua 18
Invenção do poeta 20
O livro 22
Verbo haver 23
Fábula complexa 24
Bem-te-vi no amanhecer 27
Solitude 29
Infantil 31
Nonsense 32
Etílica 33
Feriado 34
Roteiro para um curta-metragem 35
O amor e a bandeira 39
Aula de literatura (1º semestre) 41
Poesia e imitação 42
Sucesso inédito da minha banda 43
Silêncio adentro 44
Figuras no olhar 46
Boizinho bailarino 47
Os cavalos cantores 49
A aurora hoje cedo 50
O verão que não verei 51
O mar convida 53
A fábula da estrela 54
Charada para Maurice Béjart 57
Bailarinas 58
Ritmos sofísticos 59
Fumaça 61
Vertigem vertical 62
Resumo de vida 63
Descartes dramático 64
Fábula verossímil 65
Aula de literatura (2º semestre) 66
Dona Maria Italiana 67
Mais nova canção do exílio 68
Um olho roxo 70
Os cadernos de Solano 72
O carrinho do Renan 73
O segredo do bichinho da goiaba 74
Crepúsculo lilás 75
Vedete enigmática 76
Almofada macia 77
Homo erectus 79
Monstrengo do tédio 80
Além de Deus 81
Três transmutações 82
Aula de filosofia 84
Girassol alemão 85
O caroço 86
O médico decreta,
depois de analisar o exame:
Andar, não pode.
Sentar, não pode.
Não pode tocar violão.
Dei-ta-do, que a coluna arriou!
11
Canção do tempo
Não há pressa.
Não há inimigos
nem há perfeição.
Antes e depois de agora,
muito antes e depois de nós
– durante, durando sempre –,
somente o tempo.
12
O tempo niilista,
cantando uma canção dadá
saída da
memória de tudo o
que já foi e ainda
será.
O tempo inconformista,
cantando uma canção revolucionária,
que promete no refrão
um dia ser revogada a lei
da gravidade.
13
Três Rios
14
Flor essência
15
Dádiva de agosto
16
Borboleta amarela
17
No meio da rua
18
O negócio era ver
se eu tirava um poema
de uma lata vazia
que tinha no meio da rua
por onde eu vinha um dia
cheio de sonhos na cabeça e sentindo
a perda que eu não sabia de quê,
a perda que me seguia pela rua
escura e sem saída.
19
Invenção do poeta
Já poeta é melindroso;
e mesmo pós-moderno,
tem sempre umas frescuras.
Olha pro arco-íris e fica lembrando
um outro poema colorido,
só pra ver se sabe de cor.
Enquanto isso, lá na frente, a poesia
já pulou no pote de ouro!
Quando o poeta vai ver...
— Cadê o poema que estava aqui?
20
Parece que não era esse...
E não era mesmo!
21
O livro
É um livro artesanal,
encadernação de capa dura,
as folhas do miolo
costuradas com capricho.
22
Verbo haver
23
Fábula complexa
24
Valendo-se de sua razão,
agora mais bem desenvolvida
pelo longo exercício de existir
(ou de pensar, o que, afinal,
dava na mesma!), o homem
tratou de adotar uma justificativa
mais popular, que pudesse ser
amplamente aceita.
E, então, apegando-se às mais modernas
técnicas de marketing pessoal,
acabou por reciclar
antigas crenças que julgava ultrapassadas
e criou de si mesmo uma imagem
e, a partir dela, um deus,
o qual, à sua própria imagem
e semelhança, teria criado o homem.
25
aos seus semelhantes, devido à semelhança
dele com o deus que ele mesmo criara.
Não obstante, às vezes, sem qualquer motivo,
uma risada que soltasse de avesso a hiena
em conversa sem importância, o homem
chegava a duvidar, ele próprio, da plena
convicção que tinha e caía em depressão.
26
Bem-te-vi no amanhecer
27
em que não exerce a função
de sujeito da oração,
equivalendo ao
oblíquo objetivo direto da
terceira pessoa do sing.,
mesmo que a tal inadequação
fosse apontada até, como aqui,
para o gasto de qualquer
conversa corriqueira
em lírica ligeira.
28
Solitude
Estou só.
O dia todo, o telefone não tocou.
Nenhuma voz doce pronunciou
meu nome do outro lado da linha.
A chance de alguém aparecer
me trazendo uma caixa de bombons
praticamente não existe.
Por isso ainda não tomei banho
nem quis escovar os dentes.
O asseio só faz sentido quando existe
a possibilidade da sedução.
Mas passei desodorante nos sovacos
e comi uma maçã.
Quero aproveitar para tomar sol
enquanto a noite não vem.
29
Não preciso de mais nada que não seja
um bom disco pra ouvir bem alto
e esta garrafa de vinho tinto.
30
Infantil
31
Nonsense
32
Etílica
saciar a sede
sustentar a calma
sufocar o medo
seduzir o instinto
transbordar o copo
naufragar o corpo
ancorar a mente
afogar a dor
33
Feriado
34
Roteiro para um curta-metragem
Me formo na faculdade.
Tanto faz, de medicina ou de direito.
Seja como for, aprendi um pouco de latim
para impressionar minhas tias da capital
e alguma namorada no interior.
Depois, escolho no mapa
uma cidade de praia
– dessas onde ainda não chegou
reciclagem de alumínio
por falta de lata pra catar –,
compro uma rede de dormir,
uma barraca fácil de montar
e vou.
Levo o diploma na bagagem
só para provar que sou doutor
e passo o dia ao sol fazendo pose,
de óculos escuro na cara
e uns livros de filosofia no colo.
Quando passa uma moça bonita,
eu faço um verso;
quando o tempo ameaça chover,
eu faço outro.
Quando a moça volta com pressa,
não acho a rima;
quando o céu começa a pingar,
eu fecho a quadra.
35
Entro na barraca e fico
tomando água de coco
– não tem coisa mais saudável.
Quando a chuva para,
vou caminhar pela areia
e fazer alongamentos
pra cuidar bem da coluna.
O mar eu deixo pros peixes.
De vez em quando, dou um mergulho,
mas volto logo pra descansar.
De repente, começo a sentir
um tédio dessa vida.
Ameaço me afogar na bebida,
mas monto uma jangada de pescador,
telefono pra uns amigos bem relacionados
e vamos fazer um filme documentário
patrocinado pelo governo.
No filme, eu sou um caiçara.
Moro na beira do mar,
acordo cedo todo dia pra pescar,
só volto à noite, com a maré baixa,
nem sempre trago peixe na rede.
Lá em casa, tem um monte de gente
que depende de mim. Eu sofro.
Depois, cansei desse enredo
e entreguei o filme para a montagem
sem terminar. Na edição,
a gente põe umas panorâmicas bonitas
com o sol se afundando no mar
e a silhueta da jangada ao vento, ao longe.
Isso e uma canção cantada por Caymmi
resolve tudo: o filme vira cult.
36
O sucesso da fita me incomoda
– os críticos me comparando ao Orson Welles.
Eu faço um discurso tranquilo:
só pra marcar posição,
agradeço ao Ministério da Cultura,
elogio a lei Rouanet,
e anuncio meu retiro
para um balanço de carreira.
Pego um trem pra Machu Picchu,
apareço em São Tomé das Letras.
De vez em quando, eu fico
lembrando a moça da praia.
Solto uns suspiros pelas montanhas,
bate um vento no meu rosto,
e eu faço uma cara de triste.
Começo a sentir muita sede,
uma sede progressiva
(é uma sequência conceitual):
a cada dia preciso beber
um copo a mais de água.
Depois é Carnaval e chove muito:
a sede passa.
A saudade faz de conta
que vai se esquecer de mim,
eu também disfarço
e nunca me lembro dela.
Assim longe do mar, é mais fácil mentir,
não tem a brisa que amolece a gente.
Reparo nisso de estalo e aproveito
– agora, diante do espelho,
eu pisco um olho e já sei:
é tudo verdade!
37
Pego minha jangada
(aqui, um erro de continuidade
que pouca gente percebe)
e vou atrás da moça dos versos
que ficou na praia
sem ver meu filme.
38
O amor e a bandeira
39
Apago a luz, e no escuro
ele aviva seu neon
traçando incompreensíveis
mensagens pelas paredes.
Me faz sorrir como criança.
Nesse momento eu quase perdoo
os militares sisudos
que dispensaram o amor...
40
Aula de literatura (1º semestre)
Depois de se formar,
o pior aluno da turma
dava aulas de Filologia
e publicava em revistas indexadas
pelo menos dois
artigos acadêmicos por ano
em que dissecava
obras poéticas.
41
Poesia e imitação
O poeta é imitador
e a verdade não revela,
finge o mundo com sua arte,
com sua arte bagatela.
O difícil é saber
por que precisamos dela:
a verdade será triste,
e sem arte não há trégua?
42
Sucesso inédito da minha banda
43
Silêncio adentro
44
Silêncio...
Silêncio cor da aurora.
Vou despertar devagarinho,
já quase que amanheço agora.
45
Figuras no olhar
46
Boizinho bailarino
47
berrando, berrando, vindo
e voltando, quadrupedando
astuto na penumbra do abajur.
48
Os cavalos cantores
Os cavalos cantores,
passeando na noite,
se divertem nas nuvens
e desdenham do açoite.
Os cavalos cantando
trotam livres ao léu,
vão fazer serenata
às estrelas do céu.
Os cavalos cantores
não tropeçam em nada,
ferraduras macias
de pisar madrugada.
Os cavalos cantando
perambulam sem rumo,
inventando canções,
assobiam, e eu durmo.
49
A aurora hoje cedo
50
O verão que não verei
51
O verão vai passar,
e eu não vou com ele.
Vou estar aqui,
vendo o sol na janela
e sonhando com o mar.
52
O mar convida
Aquela conchinha
ao lado da cama
é o mar que me chama.
A tarde cedeu,
o sol arriou,
a noite surgiu.
A tarde caiu,
o sol despencou,
a noite desceu.
E a voz da conchinha,
baixinho a chiar
me chama pro mar.
53
A fábula da estrela
54
teimava em despontar do chão,
apontando ainda para o céu.
Levei a estrela para casa,
e ela não brilhava, estava seca,
sem luz e fria.
55
lentamente dentro da noite
até se fixar, radiante, no alto do céu.
56
Charada para Maurice Béjart
O que há de comum
no revoo dos pássaros,
no farfalhar das folhas,
no balanço do barco,
no tremular da chama?
– A dança!
57
Bailarinas
58
Ritmos sofísticos
O tempo se dispersa
lentamente pela casa
em grandes baforadas
de um cachimbo ruim.
Silêncios intermitentes
jorram ritmos sofísticos
na tarde que agoniza até a lua aparecer.
59
a aurora, clarinha,
chora baixinho
uma chuva fina
que lava-me a alma
e enche a piscina.
60
Fumaça
Acabou o cigarro,
não veio a inspiração...
61
Vertigem vertical
jogar-
-se
num
abismo e
continuar
caindo
dentro
dele
sem
poder
prever
o
ponto
final
...
62
Resumo de vida
63
Descartes dramático
64
Fábula verossímil
65
Aula de literatura (2º semestre)
Depois de se formar,
o melhor aluno da turma
dava aulas de Filologia
e publicava em revistas indexadas
pelo menos dois
artigos acadêmicos por ano
em que dissecava
obras poéticas.
66
Dona Maria Italiana
67
Mais nova canção do exílio
68
Mas depois, é bem capaz
que me desgoste a palmeira,
que o sabiá me aborreça,
que me bata uma saudade
oca como uma cabaça,
e eu volte de mala e cuia,
cansado de tanta paz.
69
Um olho roxo
70
Mas que faço que ainda aqui permaneço,
por que não entreabri a porta da rua?
71
Os cadernos de Solano
Amor à liberdade,
amor e generosidade,
amor incondicional
foi o que encontrei
nos cadernos de Solano.
72
O carrinho do Renan
73
O segredo do bichinho da goiaba
74
Crepúsculo lilás
75
Vedete enigmática
76
Almofada macia
77
seja lá o que com isso
eu queira dizer; talvez
que a forma vale a expressão.
Escrevo este poema agora
não por medo de esquecê-lo,
mas porque se deixar para
mais tarde ele será outro.
Nenhum deles servirá
para lapidar meu espírito,
mas com sílabas eleitas
doma-se às vezes o caos
que vai por dentro da gente,
cria-se a doce ilusão
de que a beleza é adestrável,
chega-se a acreditar
que a natureza tudo aconchega
no ardor de seu afago primordial.
78
Homo erectus
É um prodígio comovente
cada homem vertical.
Aquele que se põe inteiramente reto,
esticando bem os braços,
numa noite dessas é capaz
de alcançar uma estrela no céu.
79
Monstrengo do tédio
80
Além de Deus
81
Três transmutações
82
o camelo, totalmente enrouquecido,
trilava esbravejante o pardalzinho,
Should I stay or should I go now?
Should I stay or should I go now?
83
Aula de filosofia
84
Girassol alemão
85
O caroço
86
De acordo com Darwin,
mais cedo ou mais tarde,
desapareço de vez.
Por mim, faço questão
de não deixar rastro sequer:
minha contribuição
por amor à espécie.
87
O autor e suas bagatelas
89
Título O homem horizontal
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 90
Ilustrações
Chapa da coluna 1 p. 4
Chapa da coluna 2 p. 8
Chapa da coluna 3 p. 10
Chapa da coluna 4 p. 88
A QUEM INTERESSAR POSSA, ADVERTE-SE QUE ESTE LIVRO FOI COMPOSTO PELA GRÁFICA ARTESANIA
PARA A EDITORA 2COQUEIROS & ASTERISCO, AMBAS CODINOMES DA “EDITORA DO AUTOR”,
EM NOVEMBRO DE 2021, DURANTE A PANDEMIA.
É um prodígio comovente
cada homem vertical.
Aquele que se põe inteiramente reto,
esticando bem os braços,
numa noite dessas é capaz
de alcançar uma estrela no céu.