Medo

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De Lovecra a King: Uma análise


histórica e estrutural do medo na
literatura a partir da leitura dos
contos “A ...
Adriana Falqueto Lemos

Textos Completos do XII painel - As arquiteturas do medo e o insólito ficcional

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DE LOVECRAFT A KING: UMA ANÁLISE HISTóRICA E


ESTRUTURAL DO MEDO NA LITERATURA A PARTIR DA LEITURA
DOS CONTOS “A COR qUE VEIO DO ESPAçO” E “A EXCURSãO”
E DOS CONCEITOS DE ART-HORROR, DE CARROLL

Adriana Falqueto Lemos1

INTRODUçãO

Para Zygmunt Bauman (2006), o medo é certamente algo que se


origina do desconhecido, da incerteza que temos sobre o que nos ameaça e
das respostas a que não temos acesso. Ele diz que “Nossa vida pode ser tudo,
menos livre de medo” (BAUMAN, 2006, p. 8, tradução nossa). Nós tentamos
nos proteger, estarmos atentos ao que nos possa afligir, estarmos seguros,
evitarmos riscos e termos certeza que estamos fazendo o melhor no sentido
de manutenir a vida no estado em que a vivemos. Mesmo com todas as portas
trancadas, policiais nas ruas, médicos e remédios que podem nos curar, o medo
persiste em nos assaltar. Não é surpresa: esse sentimento reside no coração
humano e em sua linguagem desde a Idade da Pedra.
Howard Phillips Lovecraft (1973) diz que o medo é uma das emoções
humanas que são primitivas e que, por isso, o conto de horror é tão antigo quanto
a própria fala. O terror faz parte dos mais antigos contos e estórias folclóricas
e é também parte de rituais antigos e de mistérios desconhecidos que estão
incrustados nas práticas sociais que existem desde então. Esses elementos
ficcionais são a base da literatura fantástica. Sendo algo tão primitivo e ao mesmo
tempo tão moderno, reside no imaginário do homem e se transforma em produto
cultural por meio da criatividade. Neste texto, entenderemos o medo como um
elemento da natureza humana e os aspectos da narrativa que trabalham essa
emoção. Trataremos da Art-Horror, conceito de Noël Carroll (1990), e do tratamento
dessa arte em dois contos, “A cor que veio do espaço”, de H.P. Lovecraft (1927), e
“A Excursão”, de Stephen King (2002), com o objetivo de verificar as similaridades
entre a construção das narrativas e do objeto do medo.

O MEDO

Esse sentimento tão poderoso e intenso foi e é de interesse de vários


teóricos. Mais atualmente, o conceito e suas implicações na pós-modernidade

1 Mestranda em Letras, área de concentração: Estudos Literários, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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são trabalhados por Bauman (2006). Ele diz que o medo da morte é o medo
mais primitivo e que os homens, diferentemente dos animais, são os únicos
que sabem que ela é inevitável. Desde muito antes do que imaginamos, a raça
humana tem estado maravilhada e confusa com os mistérios da vida, com
coisas que ela não sabe e com coisas que não pode saber. É esse fascínio pelo
desconhecido que faz com que os homens procurem por respostas e avancem
em seus estudos sobre o mundo e sobre as coisas que desejam compreender,
afinal, essa curiosidade faz parte da cultura humana. Para o teórico, o objeto do
medo é a impotência diante do perigo da morte. A humanidade a teme, mesmo
que ela faça parte estruturalmente da nossa vida.
Essa ambiguidade que reside no medo de algo, como o medo da morte,
que faz parte do nosso cotidiano e que, por isso, deveríamos estar íntimos, foi
pesquisada por Sigmund Freud (1919) no estudo da palavra “estranho” (Uncanny,
tradução nossa) e sua força semântica. Para ele, o conceito do que seja estranho
não é ambíguo, mas o sentido do que seja estranho só pode ser compreendido
por meio do sentido produzido pelo conjunto de ideias da palavra alemã Heimliche
(familiar) e de seu antônimo, Unheimliche (estranho), pois

[...] e se por um lado significa o que é familiar e agradável, por outro


nos remete ao que está fora da nossa percepção. [...] por isso, o que
é estranho, na realidade, não é nada novo ou alienado, mas algo
que nos é familiar e já estabelecido na mente e que tem seu sentido
alienado por meio de um processo de repressão (FREUD, 1919, p.
241, tradução nossa).

De acordo com o psicanalista, o conceito de Unheimlich se compreende


na ideia de que algo que deveria permanecer em segredo e escondido veio à
tona. Para exemplificar a ideia do medo e da repressão, Freud cita o medo da
morte, de corpos mortos, do retorno dos mortos, de espíritos e fantasmas, dizendo
que esse medo, especificamente, é assumidamente inerente aos homens. Para
ele, esse tipo de medo mudou muito pouco desde “[...] os tempos mais remotos,
e suas formas descartáveis se mantêm completamente preservadas debaixo
de um disfarce sutil, assim como nossa relação com a morte”. Uma das razões
para isso “[...] é a insuficiência de conhecimento científico a respeito do assunto”
(FREUD, 1919, p. 242, tradução nossa). O teórico ainda ressalta que:

A biologia ainda não conseguiu decidir se a morte é um destino


inevitável de cada ser vivo ou se é um evento regular da vida que
pode ser, talvez, evitado. É verdade que a frase ‘todos os homens
são mortais’ vem sendo repetida exaustivamente em livros de lógica
como um exemplo de proposição geral, mas nenhum ser humano

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a compreende de fato, e, em nosso inconsciente, entendemos isso


apenas em um sentido de moralidade dentro da própria proposta.
[...] É como se o nosso medo ainda tivesse suas raízes em velhas
crenças de que os mortos se tornassem inimigos dos sobreviventes
e que tentassem, assim, carregá-los consigo para que pudessem
compartilhar a mesma vida nova que eles agora têm. Considerando
que nossas atitudes diante da morte não mudaram, devemos avaliar
as consequências da repressão, que é a condição necessária para
que um sentimento primitivo se torne recorrente na figura de algo que
nos é estranho. Todas as pessoas supostamente educadas pararam
de acreditar, oficialmente, que os mortos podem se tornar espíritos
visíveis e que suas aparições dependam de condições remotas e
improváveis. A atitude emocional dessas pessoas diante da morte,
no entanto, é altamente ambígua e ambivalente e se transformou em
uma abstração mental que virou um sentimento de piedade (FREUD,
1919, p. 242, tradução nossa).

Podemos entender, então, que o conceito da morte nos é estranho


(Unheimlich) como um objeto que nos é familiar e, ao mesmo tempo, alienado. A
morte torna-se alienada por um processo de repressão, porque o homem é incapaz
de entendê-la e explicá-la cientificamente ou mesmo de aceitar seu destino como
uma regra geral. Algumas ideias sobre repressão do medo e do reaparecimento
dessas representações são discutidas por Carroll (1990) e Schoolman (2001) e
estão relacionadas com as noções que foram disseminadas pelo Iluminismo.
A certeza e a segurança são parte das nossas rotinas como algo dado desde
que as ideias propostas pelos filósofos do Iluminismo foram fomentadas. A maioria dos
nossos medos foi posta de lado pelo aparato social, que foi construído para manter
nosso status como seres racionais. Explicações, fórmulas, medicamentos e soluções
tecnológicas foram providos para resolver todos os problemas da humanidade. Para
Nick Mansfield (2000), porém, isso não foi suficiente.

HIV, o vírus Ebola, TB, estafilococo-dourado resistente às drogas,


aquecimento global, Anos 2000, o buraco na camada de ozônio,
o colapso da biodiversidade: em contraste com as ameaças
estratégicas que alimentam a paranoia e a política de nossos avós
(o triunfo da ideologia rival, a invasão de uma raça alienígena, [...].
Não há fronteiras nacionais para nos proteger desses assassinos
silenciosos. [...] Nosso medo é uma conflação histérica do real
e do fantástico. Nós não podemos ignorar essas ameaças sem
nos despatriarmos dessa situação complexa do mundo, que está
permitindo o desenvolvimento desse sentimento. [...] O sentimento
que define a pós-modernidade é o medo (MANSFIELD, 2000, p.
170, tradução nossa).

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O medo da morte e do que pode acontecer depois da morte é um


sentimento naturalmente primitivo e que faz parte do ser humano como seu
constituinte, mas este vem sendo, através dos tempos, reprimido e alienado.
A promoção do intelectualismo e da razão feita pelo Iluminismo impulsionou
ainda mais essa repressão. A imagem do homem que controla a vida reprimiu
a noção do homem como suscetível aos problemas, dúvidas e incertezas. Na
pós-modernidade, porém, o homem não está no controle da vida, mas sua vida
está em arbitração do mundo. Vivemos na era do medo, por isso é de suma
importância que esse tema possa ser explorado, discutido e tratado na literatura
e nas artes em geral. O estudo do tratamento dessa emoção por meio do que
é feito com ela nas artes em geral nos auxilia na compreensão dos processos
sociais e pessoais pelos quais o homem moderno passa e se transforma.
Os dois contos que são analisados neste trabalho têm como tema
principal o medo do desconhecido e a curiosidade humana, por isso recorremos
ao trabalho desenvolvido por Morton Schoolman (2001), em Reason and Horror.
Schoolman (2001) explica a origem do medo e do desconhecido, afirmando
que o que é acreditado por ser a verdade do mundo é, em parte, nada mais
do que uma ilusão. Já que a maior parte das nossas percepções é ilusória,
o mundo é simplesmente incompreensível. De acordo com o pesquisador, a
razão humana é incapaz de avaliar quanto do mundo lhe é apreensível, daí o
surgimento do medo. Nesse sentido, declara que:

O Iluminismo (primeiro como um processo histórico-mundial


que se estendeu do nascimento do pensamento evolutivo
e, posteriormente, como a culminação desse processo de
autoconhecimento cultural Ocidental designado ‘Iluminismo’) é a
razão que incansavelmente persegue o conhecimento do mundo
que é, em parte, ilusório, mesmo sem deter uma compreensão
reflexiva do que seja a natureza ilusória do conhecimento. [...] A
ilusão da razão não é meramente uma malformação do pensamento.
É, principalmente, a malformação de um objeto de pensamento,
a malformação do que é um mundo apreensível e que sempre
será diferente de toda a percepção da razão. Porque se o mundo
é incompreensível como um todo, por outro lado a razão (e sua
determinação de abolição de todos os seus medos do que possa
ser desconhecido) cria uma imagem ilusória do mundo como um
objeto que sempre excede o alcance do pensamento, então, a
ilusão da razão inventou o mundo que, objetivamente, é o oposto
disso. A razão impôs forma em um mundo que é incompreensível
e essencialmente diferente do modo como ele é representado em
pensamento (SCHOOLMAN, 2001, p. 3, tradução nossa).

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O conceito de Schoolman do Iluminismo se baseia nas ideias de


Horkheimer e Adorno. Para ambos, o Iluminismo é apenas uma abolição das
disparidades que existem no mundo, porque o mundo iluminado teria que ser
racionalizado como um todo. Por meio da ciência e da tecnologia, o homem
teria poder para “[...] afetar toda uma transformação do mundo com base em
suas representações ilusórias” (SCHOOLMAN, p. 3, tradução nossa).
O estudo do que seja o gênero do horror e de temas como o medo
do desconhecido, encontrados em ambos os contos analisados neste estudo,
promovem um caminho entre a concepção de medo como sentimento inerente
ao ser humano, do que lhe seja estranho (Unheimlich), e a sua repressão.
Diante da possibilidade de revelação de que o mundo não nos é compreensível
e que a segurança da ciência, dos dados, da tecnologia, da matemática e da
medicina é apenas ilusória, sentimos medo.
Por outro lado, a arte é a única ferramenta da qual o homem dispõe para
se expressar e que, dentre outros propósitos, permite que ele possa vivenciar as
sensações e angústias que foram reprimidas pela sociedade, tornando-se livre
da alienação por meio da compreensão de seus sentimentos mais profundos.
Afinal, “[...] arte não é uma fuga da vida, mas sim uma introdução nela” (CAGE,
2000, p. 211, tradução nossa).

ART-HORROR

A filosofia de Aristóteles serviu de parâmetro analítico para muitos dos


produtos de vários gêneros literários por causa do seu conceito de mimesis.
Para Aristóteles, a literatura é a arte da imitação, e, para escrever, o autor deve
imitar as pessoas e seus comportamentos durante sua vida. Consequentemente,
a audiência passa a imitar a literatura.
Guy Debord (2006) afirma que o que ele chama de “espetáculo” é, ao
mesmo tempo, “[...] o resultado e o objetivo do modo dominante de produção”
(DEBORD, 2006, p. 6, tradução nossa). O espetáculo é representativo, tomando
a vida como um modelo e modelando a vida ao mesmo tempo. Por meio da
contemplação do espetáculo, existe a absorção. Nesse sentido, “[...] a realidade
surge com o espetáculo, e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a
essência e o suporte da sociedade vigente” (DEBORD, 2006, p. 8, tradução nossa).
A função da literatura é evocar compaixão e medo, purificando a mente
de desprezíveis, porém, naturais tendências humanas. Essa purgação dos
sentidos foi concebida como carthasis (Grego – purging-cleansing). Carroll
(1990), em seu Philosophy of Horror, explica que a dimensão filosófica do terror

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não foi encontrada no trabalho de Aristóteles. Isso cria o que foi chamado pelos
escritores do século XVIII de “paradoxo do coração”. Segundo o teórico, existem
duas perguntas nesse paradoxo: “1) como alguém pode sentir medo de algo
que ele sabe que não existe? 2) por que alguém se interessaria pelo horror, já
que se sentir aterrorizado é tão desagradável?” (CARROLL, 1990, p. 8, tradução
nossa). Ele ressalta que, de maneira muito interessante, a resposta para essas
perguntas é: “[...] isso deve ter sido construído como compensação para o
que foi suspenso pelo Iluminismo, operando como uma válvula de escape;
ou foi concebido como uma espécie de explosão do tipo que nos é negado”
(CARROLL, 1990, p. 56, tradução nossa). O autor diz que esse retorno ao que
foi reprimido pelo Iluminismo é uma das hipóteses que explica o caso. Talvez,
afinal, sendo expostos à mídia de gênero de horror, somos dragados até uma
parte da nossa racionalidade que vem sendo reprimida desde muito tempo. A
literatura de horror (ou Art-Horror em geral) carrega uma imensa importância
ao lidar com essa repressão. Ele acrescenta ainda que “O romance de horror,
assim como os poemas como The Erl King, de Goethe, podem ser um retorno
ao que foi reprimido pelo Iluminismo” (CARROLL, 1990, p. 56, tradução nossa).
Mas como dito anteriormente, o uso da arte para expressão e retorno
do que nos é reprimido é justificável. Para a audiência, a apreciação desse
tipo de arte também eleva o autoconhecimento. Remo Cesarini (2006) afirma
que o leitor, por meio da experimentação de sensações emocionantes no ato
da leitura de eventos narrados, é levado a descobrir dentro de si mesmo fatos
ou sentimentos que estão há muito tempo esquecidos na cultura presente. Por
meio de narrativas, nós podemos experimentar situações que são enigmas,
como a morte e a pós-morte. “Nós somos movidos pela ficção de maneira tão
vívida que nos sentimos como se fôssemos parte dela, especificamente, somos
levados a pensar como se fôssemos o protagonista” (CAROLL, 1990. p. 90,
tradução nossa). Art-Horror, de modo geral,

[...] se refere ao produto de um gênero que se cristalizou,


minimamente falando, por volta da época da publicação do
Frankenstein – entre cinquenta anos antes ou depois disso - e que
persistiu, ciclicamente, em romances e peças do século XIX, em
quadrinhos, em revistas de banca de jornal e em filmes do século
XX (CARROLL, 1990, p. 13, tradução nossa).

O principal mecanismo da ficção de horror, como o pesquisador


explica, está “[...] nas emoções que a audiência deve espelhar, aquelas que
são as características humanas positivas em certos, mas não todos, aspectos”
(CARROLL, 1990, p. 13, tradução nossa). O teórico ainda acrescenta que

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“O que se espera das nossas respostas, idealmente, é que elas estejam em


paralelo com as dos personagens” (CARROLL, 1990, p. 12, tradução nossa).

O que se espera das nossas respostas é que elas aproximem-se


(mas que não exatamente dupliquem) daquelas dos personagens;
como os personagens, nós julgamos o mostro como uma espécie
de ser horripilante (mas diferente dos personagens, nós não
acreditamos na sua existência). Esse efeito de espelhamento,
mais ainda, é a característica chave do gênero de horror. Não são
todos os gêneros, no entanto, que dependem da sensação de
repetição dos elementos do estado emocional dos personagens.
[...] Se Aristóteles está correto sobre catarse, por exemplo, o estado
emocional da audiência não imita o do Rei Édipo ao final da peça
homônima. Nem estamos com ciúmes quando Otelo está. [...] Mas
no terror, as emoções dos personagens e as da audiência são
sincronizadas em certos aspectos pertinentes (CARROLL, 1990, p.
18, tradução nossa).

Carroll (1990) entende que se nós pensarmos que nossas emoções


estão espelhando as dos personagens, então, nós podemos retratar a Art-Horror
como produto das emoções que os escritores/criadores atribuem aos objetos
de terror, de ameaça. O autor finalmente resume essa ideia das emoções com
a proposta do que ele chama de teoria “cognitivo-avaliativa”, dizendo que “[...]
um estado emocional é imbuído de uma sensação física anormal de agitação,
que é causado pela percepção cognitiva e pela avaliação da situação do
sujeito” (CAROLL, 1990, p. 27, tradução nossa). Ele ressalta também, em outras
páginas, que “[...] nós não somos amedrontados pelo pensamento da queda,
mas pelo que nos remete essa queda – talvez a imagem mental da queda em
alta velocidade através do espaço” (CAROLL, 1990, p. 80, tradução nossa).

Finalmente, seria considerado um fato da nossa natureza humana


nos emocionarmos com as personalidades e situações de outras
pessoas... [...], e me refiro às pessoas e personagens sobrenaturais,
ou pelo menos românticos; ao mesmo tempo, enquanto fazemos
transferência da nossa natureza interior, um interesse humano e uma
semelhança com a verdade são suficientes para que possamos
procurar nessas sombras de imaginação aquele desejo pela
suspensão do descrédito, por um momento, constituindo a fé poética
(COLERIDGE, apud CARROLL, 1990, p.65, tradução nossa).

O sentimento de participação e de espelhamento pode ser resumido,


simplesmente, como a sensação de que “[...] nos emocionamos pela ficção de
forma tão vívida que nos sentimos como se estivéssemos dela participando;
especificamente, a ideia é de que possamos nos sentir como se fôssemos o
protagonista” (CARROLL, 1990, p. 90, tradução nossa).

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Carroll (1990) discute como esse envolvimento da audiência com a


construção da trama ocorre e, por isso, discorre a respeito do que ele chama
de quatro “movimentos” ou “funções” que um enredo comum de ficção de
horror deve ter. Eles são o que podemos chamar, na nossa tradução, de
“preparação da ameaça, descoberta, confirmação e confronto”. O elemento
chave da narrativa, para o pesquisador, é o suspense, e uma das melhores
caracterizações desse tema foi feita por Roland Barthes, em seu livro intitulado
Análise Estrutural da Narrativa.

Suspense é claramente uma das mais privilegiadas – ou


exacerbadas - formas de distorção: por um lado, mantendo
uma sequência aberta (por meio de um procedimento enfático
de adiamento ou de renovação), ele reforça o contato com o
leitor (o ouvinte), tem uma função manifestadamente fática; por
outro lado, oferece uma agonia de uma sequência incompleta,
de um paradigma em aberto (se, assim como acreditamos,
toda sequência tiver dois polos), o que podemos dizer de uma
perturbação lógica sendo a perturbação o que se consome com
ansiedade e prazer (e tudo o mais, porque tudo se encaixa no final).
‘Suspense’, no entanto, é um jogo com estrutura, desenhado para
enredá-lo e glorificá-lo, constituindo um thrilling de inteligibilidade
crível: porque representa a ordem (e não uma longa série) em
sua fragilidade, o ‘suspense’ compreende a ideia primordial de
linguagem... (BARTHES, 1977, p. 119, tradução nossa).

Nosso estudo será feito por meio desses quatro movimentos descritos
por Carroll, tomando o enredo como estruturador do suspense e a ideia do
medo do desconhecido presente em ambos os contos analisados.

ANÁLISE DOS CONTOS

Ambos os textos analisados neste artigo são contos, ou seja, foram feitos
para serem lidos em curto espaço de tempo. Originalmente, esses textos foram
feitos para serem publicados em jornais. O conto “A cor que veio do espaço”
foi publicado, inicialmente, em uma revista chamada Amazing Stories, em 1927.
Já o conto “A Excursão” foi publicado, originalmente, em 1981, na Twilight Zone
Magazine. Ambos são contos de horror contendo elementos de ficção científica.
“A cor que veio do espaço” narra a trágica estória de uma família cujo
desaparecimento está ligado a uma série de eventos que se sucederam depois
que um meteorito caiu no jardim de sua casa. Já o conto “A Excursão” narra o
trágico evento que ocorre quando pai e filho estão para serem teletransportados
(jaunted, tradução nossa) para Marte.

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Os textos se desenvolvem por meio da fala do narrador. Em “A cor que


veio do espaço”, tudo o que a audiência sabe é que o narrador é um pesquisador
que foi enviado à cidade de Arkham para fazer avaliações no terreno onde será
feito um reservatório de água. O que o motiva a conhecer e a narrar a estória é
o que se fala no vilarejo. Ali, as pessoas dizem que o local é uma terra maldita.
Tentando encontrar vestígios do passado e os motivos pelos quais o local do
futuro reservatório é chamado de “cratera da charneca” (tradução nossa), ele
vai até Ammi Pierce, um velho morador do lugar. A narrativa é construída pelo
ponto de vista de Ammi, apesar de usar a visão de primeira pessoa do narrador
que é o pesquisador, e não Ammi. O que se apresenta é um conto narrado em
primeira pessoa, este não sendo a real testemunha dos fatos sendo narrados. À
medida que o conto é lido, a audiência se permite esquecer que o narrador é o
pesquisador e absorve a narrativa do ponto de vista de um narrador onisciente ao
seguir cada passo de Ammi. Essa impressão de viagem ao passado, à medida
que a audiência esquece-se da presente narrativa, é algumas vezes interrompida
pelas impressões do narrador, como vemos neste trecho: “Ammi não me proveu
nenhum detalhe particular dessa cena, mas a forma no canto não reaparece
nesse conto como um objeto móvel” (LOVECRAFT, 1927, p. 17, tradução nossa).
Em “A Excursão”, os protagonistas são Mark e Ricky, pai e filho, além
de Pat, a outra filha, e a mãe. No conto, é narrado o momento em que a família
está se preparando para a primeira viagem que faria através de um sistema
de teleporte chamado Jaunt, um meio de locomoção com mais de 300 anos
de uso, de acordo com informações providas pelo narrador. O narrador é uma
terceira pessoa que consegue ver o que se passa no agora e no passado,
como percebemos neste trecho: “O DTP não tinha mudado muito nos últimos
mais ou menos 300 anos” (KING, 2002, p. 145).
O narrador é onisciente, mas temos, além dele, outra pessoa narrando:
Mark. O pai conta aos filhos, Ricky e Pat, tudo o que aconteceu nos últimos
trinta anos em resposta aos questionamentos das crianças no que diz respeito
ao Jaunt. Enquanto fala sobre a estória do Dr. Carune, o cientista que inventou
o Jaunt, a narrativa fica onisciente, como um flashback, provendo à audiência
detalhes enquanto esta vai e volta através da linha do tempo da narrativa.
Em ambos os contos, temos o pesquisador e Mark como os narradores que
não detêm o conhecimento sobre os fatos que estão sendo narrados. Eles estão
apenas interpretando os fatos e os reorganizando em uma sequência inteligível:

Frequentemente, eu tinha que relembrar o falante onde ele estava,


juntar informações científicas as quais ele apenas sabia pela

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repetição de memória, como um papagaio, que ele fazia da fala


dos Professores, ou então preencher lacunas onde seu senso de
lógica e continuidade já haviam se desintegrado (LOVECRAFT,
1927, p. 5, tradução nossa).
– Até onde sabemos – começou ele – a Excursão foi inventada a
cerca de 320 anos, por volta de 1987, por um indivíduo chamado
Victor Carune. Ele fez isso como parte de um projeto privado de
pesquisa, que foi financiado por algum dinheiro do Governo... E,
eventualmente, o governo tomou o projeto dele, é claro. No final, o
projeto ficou entre o governo, que tomou as rédeas, é. Por fim, a
coisa foi passada para o governo e também para as companhias de
petróleo. O motivo de ignorarmos a data exata é porque Carune era
um tanto excêntrico... (KING, 2002, p. 146).

No fim, os narradores, o pesquisador e Mark têm suas vidas mudadas


pelos efeitos causados pelas suas próprias narrativas.
Tratando agora do enredo, falaremos das quatro funções já citadas
anteriormente por Carroll (1990) e que são parte da construção de qualquer
ficção de horror.
A Preparação da ameaça diz respeito às

[...] cenas e sequências envolvendo as manifestações do monstro,


anteriormente à descoberta do monstro; a caracterização da ameaça
pode acontecer de maneira extensa como evidência. Na maior parte
das vezes, na forma de assassinatos ou eventos perturbadores que
se acumulam antes que alguém (vivo) tenha uma ideia do que está
acontecendo (CARROLL, 1990, p. 101, tradução nossa).

Especificamente, esses dois contos não utilizam monstros alegóricos,


mas uma ameaça desconhecida como o elemento principal que aterroriza. Na
sequência, a função da Descoberta, que é o estabelecimento da existência da
ameaça. Como apontado por Carroll (1990), essa função do enredo não implica
no conhecimento da existência da ameaça/monstro pela comunidade, mas
apenas por uma pessoa. Por isso, a existência da terceira função: a Confirmação.
O teórico sugere que em ambas as funções, Descoberta e Confirmação, “[...]
uma grande quantidade de raciocínio deve ser demonstrada” (CARROLL,
1990, p. 102, tradução nossa). A Descoberta e a Confirmação são também
importantes, porque “Por causa disso, o enredo tem argumentos para provar
que existem mais coisas entre o céu e a terra do que o que se possa conhecer
no nosso conceito de realidade padrão” (CARROLL, 1990, p. 102, tradução
nossa). Por último, o Confronto, no qual uma única pessoa ou comunidade pode
confrontar a ameaça e resolver o problema.

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Em ambos os textos, essas quatro funções aparecem e são distribuídas


seguindo o mesmo padrão que Carroll indicou. Em “A cor que veio do espaço”,
a narrativa inicia-se explicando o interesse do narrador pelos fatos, que é
quando o pesquisador chega a Arkham. Sua relutância em se aproximar do
lugar onde o reservatório será construído o leva a buscar informações sobre o
nome da charneca. As pessoas mais antigas da vila dizem que tudo aconteceu
nos anos 1980, e que uma família havia desaparecido ou sido morta. Na busca
por respostas, o pesquisador visita um homem que testemunhou todos os fatos,
Ammi Pierce. Depois de certa preparação, a Preparação da ameaça se dá
quando o narrador revela a afirmação feita por Ammi: “Tudo começou, o velho
Ammi disse, com o meteorito” (LOVECRAFT, 1927, p. 6, tradução nossa).
Enquanto explica o que ele quis dizer com o meteorito e o que
aconteceu depois, o narrador constrói por completo a Preparação da ameaça.
Esse meteorito havia caído do céu e se instalado no jardim de Nahum. Depois
de uma investigação científica, pedaços da rocha foram testados e, finalmente,
seu núcleo encontrado. Lá havia um grande globo colorido que continha dentro
de si algo como uma substância gelatinosa. Depois de uma batida com um
martelo, os cientistas partiram o globo e aquela coisa dentro desapareceu.
Com o passar do tempo, foi notado que o meteorito também tinha propriedades
elétricas e que atraía raios. Depois de uma semana ou mais, todo o material
coletado pelos cientistas e o próprio meteorito haviam desaparecido, pois iam
diminuindo gradativamente.

Quando se foi, não deixou nenhum resíduo pra trás, e, com o tempo,
os professores se sentiram pouco certos de que eles tinham visto
de fato, com seus próprios olhos, aquele vestígio do insondável
precipício que existe lá fora; aquela solitária e estranha mensagem
de universos e reinos de outras matérias, forças e entidades
(LOVECRAFT, 1927, p. 8, tradução nossa).

Esse é o fim do movimento chamado Preparação da ameaça. Foi dada


a descrição do que aconteceu no início dos fatos e como a ameaça estranha
se consolidou. Não imediatamente ameaçadora, como podemos ver, a ameaça
apareceu como um objeto alienígena com propriedades misteriosas que
desapareceu sem explicações, deixando os professores intrigados. O interior do
globo também desapareceu, o que aconteceria em seguida está ligado a esse fato.
A Descoberta ocorre quando Nahum, o dono da terra onde o meteorito
caiu, percebe os efeitos que a rocha produz no local. No início, ele diz que a terra
foi envenenada, porque perde toda a plantação. Então, os animais parecem se

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tornar coisas estranhas, e Ammi, o vizinho incrédulo, começa a acreditar em Nahum


depois de ver um coelho estranhamente grande correr pela neve. Esse movimento
da Descoberta é muito longo, cobrindo o sofrimento da família de Nahum até o
descrédito da comunidade, incluindo Ammi, que é uma das poucas pessoas que
visita os Gardner. A Confirmação é adiada devido ao medo de Ammi. Além disso,
ele ainda não havia conseguido enfrentar a estranheza dos fatos.
Depois de duas semanas sem ver Nahum e preocupado sobre o que
havia acontecido, Ammi supera seus medos e visita o amigo. A Confirmação
então começa quando Ammi visita o lugar. Ele vê por si próprio o que aconteceu
com os Gardner, a última fala de Nahum e todo o horror da cena. O Confronto
começa quando Ammi notifica as autoridades sobre o ocorrido.
Em A Excursão, o enredo é muito similar. A estória é mais curta, mas os
temas são os mesmos. Muito lentamente, o narrador em terceira pessoa detalha
o cenário da trama. Existe um Terminal, um Terminal de Teleporte. A voz do alto-
falante, que está chamando pelos passageiros, é automatizada. Esse terminal existe
há trinta anos e é um serviço de viagem para Marte. A família de quatro pessoas
entra no Terminal. Esposa e filhos estão animados para viajar pela primeira vez,
enquanto o pai sabe tudo sobre a excursão. Mark, o pai, prometeu às crianças que
contaria tudo sobre o sistema de teleporte, e enquanto eles esperam pela partida,
ele conta sobre como o Dr. Carune, o inventor do meio de transporte.
Quando Mark faz comentários sobre como as pessoas se comportam
antes de passarem pelo teleporte, o narrador estabelece o movimento da
Preparação da ameaça. O leitor não sabe por que as pessoas temem a viagem,
mas há algo em suspense. Mark está totalmente relaxado e confiante, porque ele
está acostumado a fazer essa viagem, mas sua esposa não: “Agora, observando
a palidez de Marilys, ele se perguntou se ela lamentava a decisão” (KING, 2002,
p. 145). Ele decide contar a estória, porque isso “deixaria as crianças menos
nervosas” (KING, 2002, p. 146). A viagem por Jaunt não é tão simples quanto
Mark conta. Eles têm de usar gás, e as crianças poderiam ficar com medo de
algo. Sem especificamente saber o porquê, o leitor, nesse momento, sabe que
existe um problema com o meio de transporte:

Mark sabia que havia duas garrafas de gás; na sacola de malhas


presa ao lado, estavam 100 máscaras descartáveis. Mark continuou
falando, não querendo que os seus vissem os representantes do Lates
antes do momento oportuno. E, se conseguisse tempo suficiente
para relatar toda a história, eles acolheriam de braços abertos os
aplicadores do gás. [...] Pedia a Deus que Pat se acalmasse um
pouquinho: vira crianças que precisavam ser subjugadas em seus
divãs e que, às vezes, gritavam enquanto a máscara de borracha
lhes cobria o rosto (KING, 1985, p. 146).

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Mark prossegue narrando a estória, dizendo aos filhos e à esposa


como Dr. Carune podia teleportar primeiro seus dois dedos e como ele acabou
fazendo testes com quase tudo que tinha em casa, de canetas a calculadoras,
até tomar a decisão de testar com um rato. Nesse momento, entramos na
Descoberta. É muito sutil, porque nesse momento o leitor é o único que pode
compreender de forma completa e ver os fatos reais da estória que Mark conta
aos seus filhos. Ele começa a ocultar detalhes e a contar mentiras, para evitar
que eles fiquem com medo do Jaunt. Mark diz que o primeiro rato se aposentou
depois da primeira viagem, mas, na realidade, o que ele estava pensando era:

– O que aconteceu com os ratinhos, papai? – perguntou Ricky. Mark


vacilou ligeiramente. Aqui, precisaria tomar certa cautela, se não
quisesse amedrontar seus filhos (para não falar na esposa), tornando-
os histéricos minutos antes da primeira Excursão. A questão principal
era deixá-los com a certeza de que tudo agora estava bem, que o
problema havia sido resolvido. – Como eu falei, houve um pequeno
problema... Sim. Horror, loucura e morte. […] Ali havia o que parecia
um rato de museu de cera. Então, (Carune) estalou os dedos diante
dos pequenos olhos rosados do rato. Ele piscou... e caiu morto,
deitado de banda. – Então, Carune decidiu experimentar outro rato –
disse Mark. – O que aconteceu ao primeiro? – perguntou Ricky. Mark
exibiu novamente aquele vasto sorriso. – Foi aposentado com todas
as honras - respondeu. (KING, 1985, p. 151, grifos do autor).

O leitor descobre nesse momento que a viagem por Jaunt foi responsável
por uma morte em algum momento. Não é uma informação sólida, mas Mark
não amenizaria a estória se ela não fosse amedrontadora. A Confirmação
acontece quando Mark explica o que aconteceu com o rato e depois com os
experimentos com pessoas. O fato de que nenhuma criatura com cérebro pode
viajar acordada. A Confirmação acontece quando ele pensa sobre o destino
do homem que fez o teleporte estando consciente. Isso ele não poderia contar
aos filhos. O narrador discorre sobre todos os voluntários que foram testados
acordados em viagens de Jaunt e os problemas decorrentes disso. Depois de
algum tempo, finalmente, Mark diz:

– Bem – disse Mark lentamente enquanto a esposa lhe fazia sinais


com os olhos para que fosse cuidadoso –, até hoje ninguém sabe ao
certo, Patty. Contudo, todas as experiências com animais, incluindo
os ratinhos, pareciam levar à conclusão de que, embora a Excursão
seja quase instantânea fisicamente, demora um longo, longo tempo
mentalmente (KING, 1985, p. 158, grifos do autor).

O confronto ocorre quando, finalmente, Mark acorda depois de ser


teleportado. Ricky, seu filho, ficou curioso demais e tentou fazer a viagem consciente.
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TEMA

Em “A cor que veio do espaço”, Ammi experimenta o medo de um


objeto alienígena que não lhe é natural e o qual não consegue compreender. A
queda do meteorito e o espalhamento da “cor” têm grandes proporções que ele
não consegue compreender ou controlar. Para Mark, em “A Excursão”, a ciência
humana estava a serviço e sob o controle do homem, mas, subitamente, ele se
vê diante de mistérios da vida que não pode entender nem explicar.
Nesse ponto, retorna-se às definições de medo que se relacionam com o
desconhecido, remetendo às representações que os homens criaram para poder
entender o mundo como um todo apreensível, sendo tais tentativas ilusórias. A
promoção da razão e o poder sobre a natureza iniciados, principalmente, pelo
Iluminismo reprimiram as noções do homem como suscetível ao meio ambiente e
aos problemas que estão aquém de seu poder para serem resolvidas.
Os pesquisadores de “A cor que veio do espaço” são homens racionais,
mas não puderam evitar o medo do que as pessoas chamavam de “cratera da
charneca”. Ammi e Nahum eram simples fazendeiros vivendo uma vida simples,
mas quando o meteorito caiu em Arkham, os cientistas tentaram entender tudo
o que podiam a respeito do objeto. Depois de pesquisá-lo exaustivamente, eles
nada compreenderam e, pior, de alguma forma eles causaram os problemas
narrados por Nahum em sua última fala: “aquela coisa redonda que os homens
da universidade cavaram de dentro da pedra... eles quebraram aquilo... e tinha a
mesma cor” (LOVECRAFT, 1927, p. 18, tradução nossa).
No conto “A Excursão”, Mark está seguro e até chega a pensar que
as pessoas que estão com medo do teleporte são “marinheiros de primeira
viagem”. Ele acredita na ciência. Para ele, desintegrar-se em partículas e viajar
por teleporte é completamente aceitável. Ele só não estava preparado ou
protegido de acidentes causados pela curiosidade de seus filhos. Ele sofre e
sente medo, é um misto de frustração e ansiedade.
Em ambos os contos, o que aterroriza os personagens tem origem, ao
mesmo tempo, no choque causado pela impossibilidade de lidar com os novos
fatos que se apresentam diante deles e na falta de conhecimento que eles têm
desses acontecimentos. Em definição, o tema de ambos os contos é o medo do
desconhecido, que vem à tona quando se está diante de fatos que estão além
dos limites do conhecimento humano.

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CONSIDERAçõES FINAIS

Por meio da análise empreendida a partir da leitura de teóricos como


Bauman, Freud, Mansfield e Schoolman, foi possível traçar parâmetros para o
que seja uma possível origem do medo, que faz parte da vida cotidiana do ser
humano. Partindo dessa premissa, este artigo buscou compreender, a partir de
pensamentos de Aristóteles, Debord e Carroll, os caminhos seguidos pela escrita
literária com relação à expressão da promoção da emoção do medo, tendo
como base a análise da recepção da audiência e de padrões estruturalizantes
do que seja a Art-Horror para narrativas de ficção.
A partir de padrões estabelecidos por Carroll (1990), dois contos foram
utilizados para desenvolvermos a análise estrutural da narrativa literária, “A cor
que veio do espaço”, de Lovecraft, e “A Excursão”, de King. Em ambos os
contos, foi possível verificar a presença dos mesmos parâmetros utilizados
como funções estruturais e descritos por Carroll (1990), além do tema: o medo
do desconhecido. Esses padrões que estruturam os contos do corpus podem
servir como orientadores no estudo e na produção de narrativas do gênero de
terror. A análise da emoção do medo pode ser utilizada para a compreensão e
o estudo do tema em outras obras literárias.

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REFERêNCIAS:

BARTHES, Roland. Structural Analysis of Narrative in Image-Music-Text. New York: Hill


and Wang, 1997.

BAUMAN, Zygmunt. Liquid fear. Polity, 2006, pp. 2-20.

CAGE, John. Conversation with Stanley Kaufman, dans Conversations avec John
Cage, Richard Rostelanetz. Paris: Editions Syrtes, 2000, p. 211.

CARROLL, Noël. The philosophy of horror, or, Paradoxes of the heart. New York:
Routledge, 1990.

CESARINI, Remo. O fantástico. Curitiba: Ed. UFPR, 2006.

DEBORD, Guy; KNABB, Ken. Society of the Spectacle. Translated by Ken Knabb.
London: Rebel Press, 2006, pp. 1-18.

FREUD, Sigmund. The “Uncanny”. In: The Standard Edition of the Complete
Psychological Works of Sigmund Freud. Volume XVII (1917-1919). An Infantile Neurosis
and Other Works, 1919, pp. 217-256.

LOVECRAFT, Howard Philips. Supernatural Horror in Literature. Ed. E.F. Bleiler. New
York, NY. Dover, 1973, pp. 11–106.

____________. The colour out of Space. Feedbooks, 1927. Disponível em: http://www.
feedbooks.com/book/19/the-colour-out-of-space. Acesso em: 21 de nov. de 2012.

KING, Stephen. A Excursão. In: Tripulação de Esqueletos. Trad. Louisa Ibañez. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002, pp. 145-159.

MANSFIELD, Nick. Subjectivity: theories of the self from Freud to Haraway. New York:
NYU Press, 2000, pp. 162-174.

SCHOOLMAN, Morton. Reason and Horror. Critical theory, democracy, and aesthetic
individuality. New York: Routledge, 2001.

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