2018 - Marxismo e Filosofia Da Linguagem
2018 - Marxismo e Filosofia Da Linguagem
2018 - Marxismo e Filosofia Da Linguagem
, 1
O OC lílOV
(Círculo de Bakhtin)
Valentin Volóchinov
Marxismo
e filosofia da linguagem
Problemas fundamentais do método sociológico
na ciência da linguagem
Ensaio introdutório
Sheila Grillo
editora•34
EDITORA 34
Editora 34 Ltda.
Rua Hungria, 592 Jardim Europa CEP 01455-000
São Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3811-6777 www.editora34.com.br
ISBN 978-85-7326-661-0
CDD - 410
Marxismo e filosofia da linguagem
Problemas fundamentais do método sociológico
na ciência da linguagem
Introdução................................................................. 83
1. Duas tendências
do pensamento filosófico-linguístico................... 143
2. Língua, linguagem e enunciado........................... 173
3. A interação discursiva......................................... 201
4. Tema e significação na língua........................ ...... 227
Anexo
Plano de trabalho de Volóchinov .. .......... ...... .. ............ 325
Glossário,
Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo........ 353
Sobre o autor ... .... ..... .. ......... .... ........ ....... ......... ..... ... . 3 71
Sobre as tradutoras ................................ ... ................ 373
Marxismo e filosofia da linguagem:
uma resposta à ciência da linguagem
do século XIX e início do XX
Sheila Grillo 1
Ensaio introdutório 7
crítica a uma poética sociológica (Contexto, 2012) e Ques-
tões de estilística no ensino da língua (Editora 34, 2013 ), 4 a
tradução de MFL vem acompanhada de um ensaio cujo prin-
cípio norteador é a recuperação e a compreensão de parte do
contexto intelectual de produção da obra, com vistas a pos-
sibilitar o acesso a ·novas camadas de sentido- para o leitor
1
brasileiro. Nosso ensaio inspirou-se no prefác io escrito por
Patrick Sériot à nova tradução francesa (2010) de MFL.
Esse horizonte nos aproxima, por um lado, da hipótese
de trabalho de Tylkowski (2012) , segundo a qual a re~o11s
trução do "macrocontexto_" ou do contexto intelectual geral
da época de um autor desempenha um papel primordial na
interpretação de sua obra. Em outros termos, trata-se de re-
construir parte da "biblioteca virtual do autor" a partir dos
textos citados por ele. Por outro lado, porém, não objetiva-
mos, assim como Tylkowski, comprovar que a obra foi escri-
ta por Volóchinov, 5 tampouco isolar as obras assinadas por
ele das de seus contemporâneos Bakhtin e Medviédev. Limi-
tamo-nos a declarar que na nossa tradução manteremos o
autor que figurava na primeira edição russa de MFL.
O material principal deste ensaio são as fontes primá-
rias obtidas, durante o segundo semestre de 2013, por meio
de fotocópias de originais na Biblioteca Estatal Russa em
Moscou (popularmente conhecida por "Biblioteca Lênin"),
a principal e maior biblioteca da União Soviética e da Rús-
textos disputados, ver Sheila Grillo, "A obra em contexto: tradução, his-
tória e autoria", em Pável Nikoláievitch Medviédev, O método formal nos
estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica, São Pau-
lo, Contexto, 2012, pp. 19-38.
8 Sheila Grillo
1
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10 Sheila Grillo
lançamos mão de dois procedimentos: primeiro, leitura de
manuais de linguística e de história da linguística contempo-
râneos que nos permitissem compreender como os linguistas
russos interpretam o período; e, segundo, observamos a pre-
sença de três textos citados em MFL que traçavam um pano-
rama dos estudos da linguagem à época de sua redação.
É preciso salientar que estas obras e os autores não es-
gotam todas as referências necessárias à compreensão de
MFL. Duas ausências merecem ser justificadas: primeiramen-
te, não serão expostos os princípios da sociologia marxista
de Bukhárin e Plekhánov, por suas obras estarem traduzidas
para o português e serem conhecidas pelo público brasileiro
desde a década de 1970, e pelo fato de a influência da socio-
logia marxista sobre MFL já ter sido suficientemente investi-
gada por autores como Craig Brandist (2002) e Galin Tiha-
nov (2002, 2005); em segundo lugar, as referências da tercei-
ra parte de MFL, que trata da transmissão do discurso alheio,
são suficientemente numerosas e complexas para compor um
longo ensaio na extensão do atual, o que comprometeria o
foco interpretativo.
1. FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Ensaio introdutório 11
filossófskaia entsiklopiédia v tchetiriókh tomákh [Nova en-
ciclopédia de filosofia em quatro tomos] (2010), o verbete
"filosofia da linguagem" ["filossófia iaziká"] começa assim:
12 Sheila Grillo
O primeiro deles refere-se à IQ_rigem' da linguagem ver- _-; ,,
bal humana ou das línguas, tema desenvolvido por pelo me-
nos três importantes interlocutores de MFL: Humboldt, Po-
tebniá e Baudouin de Courtenay. Assim como na maioria dos
trabalhos sobre a linguagem produzidos no século XX, o te-
ma da origem da linguagem verbal humana não é discutido
em MFL, mostrando sua sintonia com o desenvolvimento da
linguística do século XX. Esta posição está presente no tex-
to citado em MFL "A crise da linguística contemporânea"
["Krízis sovremiénnoi lingvístiki"], de 1927, em que Chor, ao
caracterizar duas tendências na linguística contemporânea da
Europa Ocidental, demonstra que a primeira delas propõe o
conceito de língua como um produto do mundo sociocultu-
ral, e não como um produto da natureza. Segundo Chor,
~s_aussurêp aqui também apresentado como o teórico mais ex-
poente da primeira tendência, "separa o problema da origem Y
da linguagem como alheio à linguística" (Chor, 1927, p. 53). G'
O segundo diz respeito à relação entre pensamento e lin-
guagem, aspecto amplamente debatido na primeira parte de
MFL sob um viés sociológico.
Na base da discussão sobre a relação entre pensamento
_e lingua$em está a questão de como o sujeito lida com a al-
,) teridade 'do mundo exterior, _ou seja, como tratar a dicoto-
mia entre o sujeito e o mundo. A resposta do autor de MFL 1
Ensaio introdutório 13
empreendidas por Medviédev e .Bakhtin em relação aos for-
malistas, que propunham, na primeira fase de sua produção,
uma libertação da poética em relação a preocupações estéti-
cas, característica de seu "positivismo científico":
14 Sheila Grillo
pomo da discórdia foi a natureza da linguagem como fenô-
meno social" (2002, p. 97). Tihanov aponta que a recusa de
, Bakhtin, Medviédev e Volóchinov em identificar "linguagem
e arte (literatura)", contrariamente aos formalistas, decorre
da assunção da tese de Cassirer (1874-1945) desenvolvida no
livro A filosofia das formas simbólicas - I. A linguagem, de
que esta é uma forma simbólica autônoma e uma energia ori-
ginal do espírito que não pode ser identificada com as outras
formas simbólicas: mito, religião e arte.
Ernst Cassirer, uma das referências explícitas de MFL, 7
se propõe a pesquisar "as diversas formas fundamentais da
'compreensão' humana do mundo e, em seguida, apreender
cada uma delas, com a máxima acuidade, na sua tendência
específica e na sua forma espiritual característica" (Cassirer,
2001 [1923], p. 1). Para atingir esse objetivo, Cassirer, por
um lado, critica uma vertente do idealismo filosófico repre-
sentado por autores como Karl Vossler, Benedetto Croce e
Hermann Cohen, que ligariam a linguagem à função de ex-
pressão estética e, por outro, assume que somente no terre-
no do idealismo filosófico seria possível encontrar uma solu-
ção para o lugar autônomo da linguagem no espírito huma-
no, aliando-se a Humboldt, para quem a linguagem é uma
forma espiritual independente. Partindo da doutrina platôni-
1 ca das ideias, Cassirer critica a teoria ingênua do conheci-
Ensaio introdutório 15
nos, o conhecimento confere uma significação a eles. 8 Esse
postulado idealista do papel formador do pensamento sobre
o mundo deveria ser acompanhado da identificação de um
campo intermediário e de uma função mediadora que, ao
mesmo tempo, estivesse presente em todas as formas funda-
mentais do espírito (artístico, religioso, científico, linguísti-
co) e conservasse suas particularidades.
Segundo Cassirer, o signo linguístico é o melhor candi-
dato a exercer essa função mediadora, uma vez que a lingua-
gem enquanto sistema de signos fonéticos não apenas comu-
nica o pensamento, mas o constitui e determina o seu conteú-
do; isto é, o "papel da linguagem não consiste em apenas re-
petir as determinações e diferenças que já existem na mente,
e sim em estabelecê-las e torná-las inteligíveis como tais"
(Cassirer, 2001 [1923], p. 64). Em outros termos, a lingua-
gem atribui sentido ao mundo dado das sensações e intui-
ções. Como resultado, as línguas, em todas as suas etapas
evolutivas, constituem formas de expressão tanto do mundo
sensível quanto da ação intelectual (ou faculdade de imagi-
nação da linguagem). Como se dá, segundo Cassirer, esse pro-
cesso de emergência da consciência na linguagem?
Em primeiro lugar, a linguagem interrompe a constante
modificação dos conteúdos da consciência e, apesar de ne-
nhum deles se repetir de modo exato, a linguagem exerce a
função de fixação e de preservação desses conteúdos. Em se-
guida, ao tratar do papel da linguagem como ponte entre o
subjetivo e o objetivo, Cassirer lança mão dos argumentos de
Humboldt sobre o signo fonético que, "por um lado, é fala-
do e, portanto, produzido e articulado por nós mesmos; por
outro, porém, enquanto som escutado, ele faz parte da rea-
lidade sensível que nos rodeia" (Cassirer, 2001 [1923], p. 40).
16 Sheila Grillo
Ao caracterizar as duas perspectivas da filosofia da lin-
guagem - a vertente lógica postuladora da linguagem uni-
versal e a análise psicológica proponente da peculiaridade es-
piritual de cada língua - , Cassirer aponta Humboldt como
o teórico que melhor desenvolveu a concepção de que os sig-
nos da linguagem representam ideias sobre as coisas e os pro-
cessos objetivos, sendo que nestes conceitos "necessariamen-
te há de se refletir não tanto a natureza das coisas quanto o
tipo e a direção individuais da concepção das coisas" (Cas-
sirer, 2001 [1923], p. 115). Por conseguinte, a designação
não se desenvolve a partir de um objeto acabado, mas é uma
atividade constante do espírito sobre o mundo com vistas a
torná-lo cada vez mais determinado. Essa atividade não se
encerra nunca, sendo o caráter indeterminado e flexível da
linguagem o responsável por sua capacidade criadora.
A partir dessa breve exposição do campo de questões
colocado pela filosofia da linguagem, passaremos a expor as
principais ideias de dois autores citados em MFL como ex-
poentes do subjetivismo individualista.
HuMBOLDT E PoTEBNIÁ
Ensaio introdutório 17
dessa distinção no desenvolvimento intelectual do gênero hu-
mano. Introdução à linguística geral" (2013 [1859]), da obra
de Potebniá, Pensamento e linguagem: psicologia do pensa-
mento poético e prosaico (2010 [1892] ), e da análise de Cas-
sirer (2004 [1923]) sobre as ideias de Humboldt desperta-
ram-nos, por um lado, para o fato de que o pensador alemão
é fundamental à compreensão do pensamento de Potebniá,
um dos fundadores da linguística russa no século XIX, e, por
outro, para a importância de Humboldt e Potebniá para o
conhecimento do contexto acadêmico de MFL.
A influência do pensamento humboldtiano sobre as teo-
rias da linguagem na Rússia e na União Soviética pode ser
atestada por meio da leitura da obra Istória iazikoznánia
[História da linguística], de 2008, em que Humboldt é apon-
tado como o fundador da linguística teórica, criador de um
sistema da filosofia da linguagem no século XIX e precursor
de quase todas as posições do Curso de linguística geral, de
Ferdinand de Saussure. Diferentemente dessa visão, no Bra-
sil, a exposição dos princípios sassurianos que originaram os
estudos sincrônicos praticados no século XX costumam apa-
recer no início dos manuais de linguística (Lopes, 1995; Bor-
ba, 1998), nos quais os trabalhos de Humboldt não constam
da bibliografia. A nosso ver, uma exceção é o texto "Estu-
dos pré-saussurianos" (2007), no qu(\l'.l Faraco desenvolve a
ideia de que a teoria saussuriana tem s;Jas-Ó;igens no concei-
to de língua como sistema autônomo, formulado, entre ou-
tros, por Wilhelm von Humboldt no século XIX.
A importância de Humboldt para a linguística geral é
destacada por Cassirer (2001 [1923]) que, em sua reconstru-
ção histórica da filosofia da linguagem, argumenta longa-
mente ter Humboldt aplicado a filosofia a um novo ramo da
ciência, a Linguística, possibilitando, com isso, uma nova es-
truturação dessa disciplina. Apesar de assinalar a complexi-
dade e a obscuridade do pensamento humboldtiano, Cassi-
rer sintetiza, com extrema clareza, três grandes oposições pre-
18 Sheila Grillo
sentes na obra de Humboldt, conforme podemos atestar nos
excertos a seguir.
Primeiramente, Humboldt propõe a separação e a supe-
ração da oposição entre o espírito individual e o espírito ob-
jetivo por meio da mediação da linguagem. Em outros ter-
mos, a essência da linguagem é ser mediação entre os homens
e deles com o mundo. Por um lado, a linguagem é o meio de
ligação entre a individualidade, manifesta na aquisição du-
rante a infância, e a coletividade, presente nas línguas: "Fa-
lar - mesmo nas formas mais simples da fala - significa
unir o seu sentido individual à natureza geral humana. O
mesmo pode ser dito sobre a compreensão daquilo que foi
comunicado" (Humboldt, 2013 [1859], p. 52). Para Hum-
boldt, a língua é o elo entre os homens, pois este só com-
preende a si mesmo depois de certificar-se da compreensão
de suas palavras pelos demais. Por outro, a língua liga o ho-
mem à natureza, pois a subjetividade da linguagem é o meio
de objetivar as impressões sensoriais, sendo que a faculdade
individual de representação é inseparável da língua:
Ensaio introdutório 19
Segundo Gaim (1898), a síntese humboldtiana entre sub-
jetividade e objetividade na linguagem é realizada mediante
duas influências: de um lado, a influência da filosofia kantia-
na sobre o papel das leis da razão na construção do conheci-
mento e sobre a essência da liberdade humana; de outro, a
influência da filosofia estética romântica de Schelling e Hegel
da indiferenciação entre subjetivismo e objetivismo. Para
Humboldt, que operou a união da força da sensibilidade com
as leis da razão nos fenômenos do espírito humano, "na lín-
gua, o mundo exterior se aprofunda e se humaniza" (Gaim,
1898, p . 409).
A dependência mútua entre pensamento e linguagem le-
va à conclusão de que as línguas concernem a concepções de
mundo que lhes são inerentes.
20 Sheila Grillo
temente, a forma interna da língua não representa os obje-
tos, mas conceitos sobre eles, formados de modo autônomo
pela mente no instante do surgimento da palavra.
A segunda oposição é a conhecida formulação de que a
linguagem não é uma obra (érgon [1€pyov]), mas uma ativi-
dade (enérgeia [&vÉpyEto]), e por isso todo estudo da lingua-
gem deve ser genético no sentido de que a compreensão da
estrutura concluída da linguagem só será obtida pela com-
preensão de suas leis geradoras.
Ensaio introdutório 21
taura a unidade do objeto, sendo que a vinculação de uma
propriedade a um objeto é efetuada pelo sujeito. A forma lin-
guística é a atividade do juízo que confere estabilidade con-
ceitua! às propriedades materiais apreendidas pelos sentidos.
22 Sheila Grillo
a pesquisa, que se inicia com elementos isolados,
encontrar a unidade do ponto de vista." (Hum-
boldt, 2013 [1859], pp. 45 -6)
º
1 O filólogo russo-ucraniano Aleksandr Potebniá (1835-1891) pes-
Ensaio introdutório 23
ma muitos conceitos do pensador alemão, desenvolvendo,
em particular, a complexa questão da anterioridade do pen-
samento em relação à linguagem e da constituição da cons-
ciência humana por meio da linguagem.
Potebniá inicia a obra Pensamento e linguagem investi-
gando duas teorias sobre a invenção da linguagem: uma, a
de que seria uma criação humana intencional para adaptar-
-se a uma necessidade social de comunicação do pensamen-
to, outra, que concebia a linguagem como uma criação divi-
na. Ao defender a criação da linguagem pelo homem, Pote-
bniá argumenta que o pensamento precede a linguagem e é
independente dela, e critica o fato de as teorias assumirem
que o sentido é criador da palavra, sem seguir adiante e de
modo consequente com a ideia de que na língua domina a ar-
bitrariedade (2010 [1892], p. 27 ). Ao investigar as ideias de
Humboldt, Potebniá expõe:
1) A linguagem é um trabalho do espírito que existe ape-
nas em sua atividade;
2) A linguagem encerra uma contradição: é ao mesmo
tempo subjetiva e objetiva. Essa contradição está presente em
diversas dimensões da relação entre pensamento e linguagem,
a saber:
a) o pensamento, atividade interior e subjetiva, torna-se ex-
terior e sensível na palavra que, por meio da escuta, re-
torna como objeto para o falante;
b) a fala (rietch) só existe por meio da compreensão (poni-
mánie), pois o pensamento pessoal modifica-se na com-
preensão pelo outro e por meio dela torna-se conscien-
te da sua diferença. A língua, de fato, desenvolve-se na
sociedade justamente porque o homem compreende a si
próprio apenas depois da experiência da compreensão
de suas palavras por outras pessoas;
c) a linguagem é um elo entre o mundo dos objetos cog-
noscíveis e o sujeito cognoscente. A palavra forma-se da
percepção subjetiva e tem sua marca não a partir do pró-
24 Sheila Grillo
prio objeto, mas do reflexo desse objeto no espírito. Co-
mo o sentimento e a realidade do homem dependem da
representação, e a representação depende da linguagem,
então toda a relação do homem com o objeto exterior
constitui-se na linguagem.
Ensaio introdutório 25
realiza-se sem elas; o matemático rejeita a linguagem e reali-
za sua ciência por meio de fórmulas;
3) A palavra é necessária para a pré-formação das for-
mas inferiores do pensamento no conceito e, consequente-
mente, deve aparecer quando no espírito já existe algum ma-
terial que essa pré-formação supõe;
4) O espírito (dukh), no sentido de atividade mental
consciente, pressupõe o conceito, que só se constitui por meio
da palavra. Para Potebniá, o acontecimento da linguagem no
espírito é a passagem do pensamento inconsciente para o
consciente.
26 Sheila Grillo
qll · o conceito é, por um lado, influenciado pela percepção
do o bjeto e, por outro, uma interpretação dele. Trata-se aqui
do onceito de "forma interna da palavra" proposto primei-
rn mente por Humboldt, conforme já exposto, e desenvolvi-
do por Potebniá na obra Pensamento e linguagem, onde en-
·ontramos as seguintes definições: modo de representação do
·onteúdo extralinguístico e representação mais a forma eti-
mo lógica da palavra. Ela é um fenômeno ligado ao momen-
t o da criação de uma palavra, mas não necessariamente ao
s ' li funcionamento cotidiano. O processo de perda da for-
ma interna é denominado "perda da etimologia" (deetimo-
loguizátsia).
Do ponto de vista da relação com o pensamento (misl),
a palavra permite a sua decomposição, bem como sua to-
mada de consciência. A presença da palavra propicia o con-
tato com o conceito; nessa relação palavra/conceito come-
ça a se formar no homem tanto uma relação distanciada com
n palavra quanto a concepção de arbitrariedade. Outra fun-
ão importante da palavra na sua relação com o pensamen-
to é a tendência a integrar um sistema; essa tendência pre-
para o caminho não só para o desenvolvimento do conceito
como também para o conhecimento científico: "A palavra
prepara o caminho para a ciência" (Potebniá, 2010 [1892],
p. 144) .
Do ponto de vista psicológico, o conceito tem uma uni-
dade interior que se forma por meio da representação e da
palavra, ou seja, a palavra expressa tanto a imagem senso-
rial (relação palavra/mundo) quanto o conceito (relação pa -
lavra/pensamento):
Ensaio introdutório 27
tão a representação é o conhecimento dessa cons-
ciência." (Potebniá, 2010 [1892], p. 148)
11
Gustav Chpiet (1879-1937) é um dos mais importantes filósofos
russos do século XX. Sua filosofia é uma resposta às proposições da feno-
menologia de Husserl e da hermenêutica. Nos anos 1920, Chpiet foi o di-
retor do Instituto de Filosofia Científica [GAKhN - Gossudárstvennaia
Akadiémia Khudójestvennikh Nauk] . Em 1935, foi preso e em seguida exi-
lado em Tomsk, onde foi fuzilado em 1937.
28 Sheila Grillo
na introdução, seus livros Estetítcheskie fragmiénti [Frag-
mentos estéticos] e Vnútrenniaia forma slova [A forma inter-
na da palavra] são citados como exemplos da importância
dada, à época, aos problemas da filosofia da linguagem; em
seguida, no primeiro capítulo da segunda parte, o livro de
Chpiet Vnútrenniaia forma slova: etiúdi i variátsi na tiému
Gúmboldta [A forma interna da palavra: estudos e variações
nos temas de Humboldt] é citado como uma leitura perspi-
caz da obra de Humboldt, e o livro Vvediénie v etnítcheskuiu
psikhológuiu [Introdução à psicologia étnica] é referido co-
mo uma boa apresentação da ideia de Wundt ao mesmo tem-
po em que critica a sua concepção geral; por fim, no último
capítulo da segunda parte, "Tema e significação na língua",
se faz uma crítica à separação operada por Chpiet entre o sig-
nificado objetivo e o cossignificado valorativo. A partir des-
sas referências e da leitura das obras mencionadas, pergun-
tamo-nos: em que MFL e Chpiet se encontram e se distan-
ciam? e, principalmente, como essa relação pode nos ajudar
a compreender melhor as opções feitas em MFL?
Em resposta à teoria da linguagem de Humboldt e à fe-
nomenologia de Husserl, o autor de MFL e Chpiet trabalha-
ram com alguns desafios teóricos comuns no terreno da filo-
sofia da linguagem:
1) Lidaram com a questão comum de saber como o su-
jeito se relaciona com a alteridade do mundo exterior (Ra-
dunovic, 2009);
2) Buscaram uma resposta para a natureza do sentido
na linguagem;
3) Procuraram identificar a constituição do sujeito com
base na formação da consciência linguística.
Ensaio introdutório 29
seleção, lei e fundamento da criação lógico-verbal a serviço
da expressão, da comunicação, da transmissão de sentido"
(Chpiet, 2009 [1927], p. 98). Chpiet busca fugir do que ele
chama de subjetivismo de Kant, para quem o conceito do ob-
jeto é uma criação espontânea das leis da razão, acarretando
no fato de que "o sujeito (razão) usurpou o direto dos obje-
tos, tirando deles toda a origem [... ], a existência autônoma
deles" (Chpiet, 2009 [1927], p. 135). Seguindo Humboldt,
Chpiet assume que a forma interna é uma enérgeia, um de-
senvolvimento constante que faz a mediação entre as formas
externas (fonológicas e morfológicas) e as formas do objeto
do conteúdo material. Essa enérgeia é de natureza coletiva,
social, o que garante certa estabilidade ao sujeito na sua re-
lação com o mundo material: "As formas internas são as leis
e algoritmos objetivos do sentido existente, essas são formas
mergulhadas na própria existência cultural e sua organização
interna". O objeto torna-se social pela significação, ato her-
menêutico (Chpiet, 2009 [1927], pp. 203-4). Chpiet tenta
garantir uma autonomia para o mundo material independen-
te do sujeito: "o conteúdo objetual, como tal, permanece in-
dependente do sujeito, porém sua composição, passada atra-
vés da consciência dele, através da sua 'cabeça' e 'mãos',[ ... ]
é fortemente pintada nas cores da subjetividade" (Chpiet,
2009 [1927], p. 194). Na constituição do conceito, essa au-
tonomia se dá por meio do componente lógico da forma in-
terna da palavra. Com isso, Chpiet "permanece fiel à positi-
vidade ontológica do objeto" (Brandist, 2009, p. 203).
O segundo grande desafio da filosofia de Chpiet é deter-
minar a natureza do sentido na linguagem, questão estrei-
tamente relacionada com o conceito de forma interna da pa-
lavra. Em Estetítcheskie fragmiénti [Fragmentos estéticos]
(2007 [1922-23]), Chpiet observa que o estudo fonético dos
sons da língua é de natureza puramente física e, ao se dar sem
a consideração do sentido, não atinge aquilo que faz de uma
palavra uma palavra: o sentido. Diferentemente, as formas
30 Sheila Grillo
1norfológicas só podem ser estudadas na sua relação com a
ignificação, e aqui penetramos na natureza da linguagem hu-
111nna, a saber: sua capacidade de produzir sentido. Uma vez
qu ·o que faz diferença entre um simples som da natureza e
um signo sonoro é o fato deste último ser dotado de signifi-
l'nção, Chpiet afirma que somente a Semiótica pode dar con-
ta dessa diferença. No mesmo movimento do desafio ante-
rior, Chpiet busca a natureza do sentido na relação entre a
linguagem e o mundo, dividindo o sentido da palavra em três
t 0111ponentes:
Ensaio introdutório 31
a função expressiva que abarca as representações individuais
e subjetivas.
32 Sheila Grillo
11.111 ·n começa a reconhecer e a nomear os objetos, e depois
1 111111preender e comunicar; por fim, ela relaciona essas vi-
' ll l i.1 s com a expressão de suas emoções.
Essa distinção entre forma lógica e forma expressiva
1111 1ll n a divisão entre duas disciplinas científicas operada
11111 ( ;hpiet em sua obra Vvediénie v etnítcheskuiu psikholó-
l\nsaio introdutório 33
de: a psicológica e a histórica. Já Chpiet separa essas duas or-
dens, estabelecendo uma distinção entre a pessoa individual
como objeto da psicologia e como objeto da história: na pri-
meira, ela é autoconsciência individual em um dado contex-
to social e histórico; ela não é uma realidade histórica, uma
vez que não está envolvida com nenhuma organização social
e portanto não pode ser uma categoria social (cidadão, pes-
soa jurídica, sujeito político etc.); na segunda, a pessoa indi-
vidual é a portadora de certa combinação de potenciais his-
tóricos e sociais objetificáveis; ela é um signo cuja interpre-
tação revela instituições e organizações sociais específicas;
aqui, o sujeito só é uma totalidade nas relações com os de-
mais sujeitos sociais. Em sua Vvediénie v etnítcheskuiu psi-
khológuiu [Introdução à psicologia étnica], esse indivíduo
histórico e social ganha uma formulação mais desenvolvida:
34 Sheila Grillo
problema colocado por Husserl sobre a vida da consciência
"pura" e as relações das ideias "puras", cuja questão de ba-
l' " o ato de compreensão. A solução para a questão da com-
pr ·ensão é encontrada por Chpiet na metodologia históri-
l ,\: a compreensão é a apreensão de ideias realizadas, no sen-
Ensaio introdutório 35
tante não apenas para a compreensão de MFL, mas também
para a história da linguística e da filosofia da linguagem na
União Soviética e na Rússia, conforme podemos atestar no
manual russo Istória iazikoznánia: possóbie dlia studién-
tcheskikh víschikh utchiébnikh zavediéni [História da linguís-
tica: manual para estudantes de instituições de ensino supe-
rior] (2008), em que Amírova, Olkhóvikov e Rojdiéstvenski
dedicam uma seção considerável do capítulo "Crítica da neo-
gramática e busca de uma abordagem nova da língua no fi-
nal do século XIX e início do século XX" à exposição do pen-
samento de Vossler, que se opõe ao positivismo dos neogra-
máticos. Os principais aspectos da obra de Vossler são:
36 Sheila Grillo
social na linguística sociológica de Saussure); mas
o fenômeno espiritual da linguagem - e portanto
o objeto da linguística - consiste no ir e vir de um
polo a outro [... ] pois a criação individual nasce
orientada pelas condições do sistema, e o sistema
da língua não tem nem funcionamento possível nem
história sem a intervenção dos indivíduos concre-
tos que a falam." (Alonso, em Vossler, 1963 [1923],
p. 16)
Ensaio introdutório 37
entre dois polos opostos: por um lado, a expressão matemá-
tica em que uma categoria ou menção psicológica (por exem-
plo, o valor número 100) pode assumir diferentes expressões
(50+50, 4x25, 700-600 etc.); por outro, a fantasia do artis-
ta que é capaz de criar para cada categoria ou menção psico-
lógica uma expressão original e única. Esses dois polos são
complementares, uma vez que o estilo artístico individual só
pode ser adequadamente avaliado mediante a existência de
um uso geral, firme e unitário da língua (as formas gramati-
cais da comunidade).
Em um terceiro momento, Vossler propõe que a língua
é uma "inquieta mediadora entre a comunidade e o indiví-
duo" (Vossler, 1963 [1923], p. 176), proporcionando a este
possibilidades expressivas não toleradas pela comunidade.
Essas possibilidades são oferecidas por meio de figuras de lin-
guagem como o anacoluto (ruptura sintática), elipses, pleo-
nasmo (entendido como um realce ou acumulação dos meios
expressivos), porém são os conceitos de permutação e arcaís-
mo, advindos da antiga retórica, que fornecem a Vossler os
instrumentos para expor a tensão entre a permanência e a
mudança na língua. A permutação é a mudança do sentido
de uma forma pela ação do indivíduo sobre as possibilidades
oferecidas pela língua; por exemplo, o uso do futuro com a
função de imperativo nos mandamentos bíblicos "Não mata-
rás" ou a personalização do Estado na célebre frase de Luís
XIV "O Estado sou eu". O arcaísmo tem por autor a comu-
nidade, sendo oferecido como possibilidade para o indivíduo
que "aceita e segue irrefletidamente as formas de expressão
herdadas" (Vossler, 1963 [1923], p. 207) dos antepassados
da comunidade; por exemplo, a supressão do artigo no fran-
cês antigo que possibilitava expressões como "Poverté n'est
pas vice" 13 (em francês moderno, "La poverté n'est un vi-
38 Sheila Grillo
ou "Tout ce qui reluit n'est pas or" 15 (em francês mo-
11 1, . ) 14
F.nsaio introdutório 39
obra Filosofia da linguagem (1963 [1923]), em cujo último
ensaio encontramos a afirmação de que "em todas as línguas
se guarda certa tensão entre o caráter prático e o artístico"
(p. 261). Essa conclusão é tirada do princípio geral de que
"onde o ornamento aparece em sua função original, ele reú-
ne o belo com o útil" (1963 [1923], p. 257). Esse princípio é
exemplificado com a ajuda de elementos da arquitetura (co-
lunas, janelas, portais góticos etc.) que reúnem simultanea-
mente o uso prático e o estético. O pensamento de Vossler
nos pareceu muito mais equilibrado e multifacetado do que
é apresentado no manual russo de história da linguística.
40 Sheila Grillo
formas linguísticas e a atividade constante dos sujeitos falan -
tes e, nesse sentido, as leituras russas desse autor, aí incluída
~, presente em MFL, são um tanto parciais, pois acentuam
apenas o polo da criatividade artística e individual.
Ü CONCEITO DE DIÁLOGO
EM lAKUBÍNSKI E VINOGRÁDOV
Ensaio introdutório 41
dov, Sobre a poesia de Anna Akhmátova (1925); esses dois
últimos serão objeto de nossa exposição a seguir.
No artigo que acabamos de citar, Iakubínski objetiva
mostrar que o diálogo é um fenômeno especial do discurso e
apontar em que consiste esse caráter "especial". Com esse
propósito, afirma que a linguagem é um comportamento hu-
mano ao mesmo tempo psicobiológico e sociológico, e con-
sidera que o estudo da língua na dependência das condições
de comunicação (ordem sociológica) é uma base fundamen-
tal da linguística da época. A importância da diversidade fun -
cional da língua na comunicação discursiva é relacionada ao
interesse pela linguagem literária ou poética, surgido no final
de 1916 e início de 1917 em trabalhos da Sociedade para o
Estudo da Língua Poética (OPOYAZ), da qual faziam parte
Viktor Chklóvski (1893-1984), Iuri Tiniánov (1894-1943),
Boris Eikhenbaum (1886-1959), Viktor Jirmúnski (1891-
1971) e o próprio Lev Iakubínski (1892-1946). Viktor Vino-
grádov (1895-1969) abordava a literatura do ponto de vista
da linguística, aproximando-se, com isso, de posições do
OPOYAZ. A distinção entre linguagem prática e linguagem
poética proposta, nesse momento, por esses autores é consi-
derada imprecisa por Iakubínski, que se lança a investigar as
diferentes formas do enunciado discursivo (retchevoe viskázi-
vanie), em particular a distinção entre monólogo e diálogo.17
Iakubínski investiga as formas humanas diretas (face a
face) em ligação com as formas diretas de interação discur-
42 Sheila Grillo
siva, constatando a possibilidade de formas monológicas (no
tribunal, em cerimônias) e dialógicas (conversas rápidas). No
artigo, Iakubínski concentra-se nas formas dialógicas diretas,
com base no trabalho de Lev Scherba, 18 que concluiu ser o
monólogo uma forma linguística artificial e o diálogo, natu-
ral, uma vez que em determinados dialetos não havia monó-
logos, apenas diálogos entrecortados.
Iakubínski defende a naturalidade do diálogo por meio
de uma série de exemplos: a tendência do nosso organismo é
a reação, havendo uma relação estreita entre representações,
julgamentos e emoções com a manifestação discursiva exte-
rior que desperta uma reação discursiva; a observação de en-
contros para discussão de temas científicos mostra que as
apresentações são interrompidas por réplicas, que se trans-
formam em conversas com uma tendência ao diálogo (mes-
mo quem se calava nesses encontros tinha expressões faciais
de quem queria falar); em conferências científicas, por exem-
plo, observa-se a tendência ao diálogo, à réplica manifesta
no discurso interior, que acompanha a escuta da apresenta-
ção; frequentemente, essa escuta é acompanhada de anota-
ções no papel que revelam as réplicas interiores; até mesmo .
a percepção de um monólogo escrito (livro, artigo) desperta
interrupção e réplica, às vezes mentalmente, às vezes em voz
alta e às vezes por escrito - com a ajuda de grifos, observa-
ções nas margens, listas etc. Ao fim desses exemplos, Iaku-
bínski conclui que o diálogo é natural, tanto por ser um fe-
nômeno cultural (fato social da interação) quanto por ser um
fenômeno biológico (reação psicofísica).
Ensaio introdutório 43
Com base nessa concepção, Iakubínski descreve uma sé-
rie de caraterísticas do diálogo direto (ou conversação, em
termos mais atuais):
1) A percepção visual e auditiva do interlocutor (sua mí-
mica ou expressão facial, gestos, movimentos corporais) tem
enorme importância como fator determinante da percepção
do discurso e, consequentemente, da própria fala;
2) A expressão facial e os gestos às vezes desempenham
o papel de réplica no diálogo, substituindo a expressão ver-
bal. Muitas vezes, a réplica por meio da expressão facial res-
ponde antes da verbal;
3) A expressão facial e os gestos têm, com frequência,
uma importância semelhante à da entonação, isto é, determi-
nadas imagens modificam o sentido das palavras. A mímica
(expressão facial) e os gestos, sendo companheiros constan-
tes de qualquer reação do homem, são meios comunicativos
constantes e poderosos. Na comunicação direta, a manifesta-
ção discursiva sempre se une à mímico-gestual. Para ilustrar
a importância da entonação e da imagem do interlocutor,
Iakubínski reproduz um fragmento do Diário de um escritor
de Dostoiévski, mesmo exemplo utilizado em MFL;
4) A alternância de réplicas caracteriza o diálogo, sendo
que as interrupções fazem parte dele e determinam sua orga-
nização. De modo geral, a mudança de réplica ocorre de for-
ma que uma "ainda não acabou", mas outra "continua";
5) Como não há preparação para o diálogo, a réplica de
maneira frequente ocorre sem muita reflexão e simultanea-
mente à percepção do discurso alheio;
6) No diálogo, a resposta a uma pergunta demanda me-
nor quantidade de palavras que na manifestação de uma to-
talidade de pensamento;
7) A compreensão do discurso alheio depende não só do
discurso exterior, mas também de nossas experiências inter-
nas e externas anteriores, da "massa aperceptiva" de dado
indivíduo ou, em termos atuais, dos conhecimentos prévios
44 Sheila Grillo
dos interlocutores. A importância geral da apercepção da
compreensão do discurso como fator de diminuição da sig-
nificação dos próprios estímulos discursivos é bem mais cla-
ra no discurso dialógico que no discurso monológico;
8) Considerando que nossa existência cotidiana está
cheia de padrões repetitivos, nossas interações discursivas são
acompanhadas por padrões constantes;
9) Na comunicação dialógica, a situação cotidiana é um
dos fatores de percepção do discurso, um de seus aspectos, e
possui um significado comunicativo. Em consequência disso,
o papel dos estímulos discursivos diminuem; eles se deslocam
um pouco para o pano de fundo e não estão sujeitos a uma
percepção nítida. Na produção da própria fala, ocorre um
cálculo inconsciente do significado comunicado por meio da
situação cotidiana, e por isso essa fala pode ser menos com-
pleta, menos nítida;
10) Na experiência diária, podemos observar como mui-
tas vezes não expressamos a inteireza de nosso pensamento,
omitimos palavras necessárias, pensamos uma coisa mas fa-
lamos outra: nossa intenção discursiva não corresponde à
realização. Tudo isso é condicionado pelos temas e outras leis
psicofisiológicas; a própria ação livre dessas leis é condicio-
nada pela falta de concentração que controla a atenção aos
signos do discurso. Disso, Iakubínski conclui, com a ajuda
de exemplos de mudanças fonético-fonológicas descritas por
diversos linguistas russos da época, que o caráter mais pro-
gressista do diálogo em relação ao monólogo está no fato de
que a mudança da língua, a criatividade "discursiva", não
ocorre de forma consciente (posição defendida por Vossler,
por exemplo), mas está ligada ao caráter inconsciente da
"pronúncia", da qual está ausente a concentração da aten-
ção; isto é, está ligada ao fenômeno da automatização.
Ensaio introdutório 45
rias, de onde ele próprio extrai boa parte de seus exemplos,
deve ser feito com cautela.
Vinográdov, em seu livro sobre a poesia de Anna Akh-
mátova, 19 publicado apenas dois anos após o artigo de Iaku-
bínski, busca compreender "o estilo poético individual co-
mo um sistema fechado de meios linguísticos e particularida-
des que emergem mais claramente sobre o plano de fundo
das formas gerais do discurso cotidiano e suas diferentes fun-
ções" (1925, p. 5). Citando Saussure, Vinográdov propõe o
estudo sincrônico da unificação individual-estética, para mos-
trar a mudança de um sistema em outro ou a formação de
um sistema particular estável. Com essa base teórica, o au-
tor descreve os procedimentos mais essenciais da utilização
de palavras na linguagem poética de Anna Akhmátova, por
intermédio dos quais são esclarecidas simultaneamente algu-
mas questões gerais e particulares da semântica ou simbóli-
ca do discurso poético.
É no último capítulo da obra (chamado "Caretas do diá-
logo") que Vinográdov aborda o papel do diálogo como me-
dida tomada por Akhmátova para evitar, parcialmente, o pe-
rigo da padronização da linguagem a se repetir de um poe-
ma a outro. Vinográdov elenca as seguintes caraterísticas do
diálogo na poesia da autora russa:
1. O diálogo define a composição do poema, reduzindo
a narração (skaz) à descrição dos detalhes situacionais. A
poeta pode apresentar-se simultaneamente na condição de
narradora, que compõe o plano de fundo da ação, e de par-
ticipante do diálogo no qual sua réplica cresce para tornar-
-se um monólogo, novamente encerrando em si fragmentos
do discurso dialógico;
46 Sheila Grillo
2. Em outro grupo de poemas, o diálogo também não é
completo: a narração ocorre com vocativo e lirismo apelati-
vo, porém nela são introduzidas palavras alheias. Isso acon-
tece de dois modos: uma observação breve que às vezes com-
põe o sustentáculo do poema por meio de um desabafo emo-
cional e de recordações contrastivas, e um discurso longo ou
monólogo dirigido à protagonista;
3) Por fim, em um terceiro grupo de poemas, o diálogo
- com suas réplicas lacônicas e agitadas, além de ligeiras de-
formações entonacionais - serve ao esclarecimento da ação,
aguçando a percepção da mudança das diferentes etapas dos
acontecimentos e elucidando seu curso de modo emocional.
São especialmente representativos aqueles poemas em que a
ação está contida no diálogo, cuja construção é investigada
em duas direções: primeira, a relação do tom do diálogo e da
composição verbal de suas réplicas com as formas da narra-
ção e a composição frasal dentro das réplicas; segunda, o sis-
tema de alternância de réplicas.
Ensaio introdutório 47
Ü OBJETIVISMO ABSTRATO DE
BAUDOUIN DE COURTENAY E MIKOLAJ KRUSZEWSKI
48 Sheila Grillo
te por meio de documentos escritos; já ele se dedicou ao es-
tudo das línguas vivas e de dialetos, pois considerava que a
essência da língua está na atividade da fala. Baudouin de
Courtenay se opunha à tendência filológica de estudo das lín-
guas antigas e mortas:
Ensaio introdutório 49
fósseis de animais, com a paleontologia? Somente
o estudo das línguas modernas pode ser capaz de
descobertas das variadas leis da língua, no momen-
to desconhecidas, pois é impossível ou muito mais
difícil descobrir isso nas línguas mortas que nas mo-
dernas." (Kruszewski, 1964, pp. 288-9)
50 Sheila Grillo
em um todo pela intuição de determinado povo [co-
mo conjunto (reunião) de unidades sensoriais e in-
conscientemente generalizantes] que fazem parte da
mesma categoria, do mesmo conceito específico ba-
seado na língua comum a eles todos." (Baudouin
de Courtenay, 2010 [1870], p. 33)
Ensaio introdutório 51
2. O MÉTODO SOCIOLÓGICO
DE MARXISMO E FILOSOFIA DA LINGUAGEM
EM DIÁLOGO COM
O CONTEXTO INTELECTUAL
A SÍNTESE DIALÉTICA
ENTRE IDEALISMO NEOKANTIANO
E SOCIOLOGIA MARXISTA
origem etimológica, a dialética é a arte da disputa, tal como ela foi desen-
volvida e fixada na prática política própria à cidade grega : a dialética en-
volve intermediários (dia) e tem relação com o discurso (logos), tomado
como princípio essencial de determinação do real e do pensamento. Ape-
sar de presente em diferentes sistemas filosóficos, a dialética é uma catego-
ria técnica da filosofia com um valor geral. Sempre de acordo com o dicio-
nário, a dialética se torna, em Kant, uma doutrina das faculdades e da dis-
52 Sheila Grillo
logia marxista, 23 entre subjetivismo individualista e objeti-
vismo abstrato, entre o psíquico e o ideológico:
tinção de seus usos, isto é, examinar algo em seus limites, a fim de avaliar
a sua legitimidade. Em Hegel, a dialética é um procedimento filosófico que
trabalha sobre a contradição entre A e não-A, termos recíprocos, que se-
rão ultrapassados para o surgimento de uma nova contradição. Por fim, a
dialética de Marx se propõe a ser o inverso da de Hegel e se funda sobre
dois princípios: 1) O primado do real sobre o conhecimento ou o prima-
do do existir sobre o pensamento; e 2) A distinção entre o real (o existir)
e seu conhecimento. A dialética de Marx é uma contradição real, apoiada
sobre uma alteridade primitiva entre os termos que a compõem (o existir
e o pensar).
23 Conforme justificamos no início, não exporemos os princípios da
Ensaio introdutório 53
Já na introdução de MFL, justifica-se a importância do
trabalho com a filosofia da linguagem por sua abordagem de
aspectos essenciais para o marxismo, entre eles a psicologia:
54 Sheila Grillo
ciências individuais. E a própria consciência indivi-
dual está repleta de signos. Uma consciência só pas-
sa a existir como tal na medida em que é preenchi-
da pelo conteúdo ideológico, isto é, pelos signos,
portanto apenas no processo de interação social.
Apesar das profundas divergências metodoló-
gicas, a filosofia idealista da cultura e os estudos
culturais psicológicos cometem o mesmo erro cru-
cial. Ao localizarem a ideologia na consciência,
eles transformam a ciência das ideologias em uma
ciência da consciência e suas leis, sejam elas trans-
cendentais ou empírico-psicológicas." (Volóchinov,
2017 [1929], p. 95)
Ensaio introdutório 55
de vista do seu conteúdo subjetivo interior, é um te-
ma da língua, e esse tema se desenvolve e se diver-
sifica na direção das construções linguísticas mais
estáveis. Por conseguinte, não é a palavra que ex-
pressa a personalidade interior, mas a personalida-
de interior que é uma palavra externalizada ou in-
ternalizada. A palavra, por sua vez, é uma expres-
são da comunicação social, da interação de perso-
nalidades materiais e dos produtores. As condições
dessa comunicação inteiramente material determi-
nam e condicionam a definição temática e constru-
tiva que a personalidade interior receberá em uma
dada época e em um dado ambiente, como ela con-
ceberá a si mesma, quão rica e segura será essa au-
toconsciência, como ela motivará e avaliará os seus
atos." (Volóchinov, 2017 [1929], p. 311)
56 Sheila Grillo
"Do ponto de vista do conteúdo ideológico
não há e não pode haver fronteiras entre o psiquis-
mo e a ideologia. Qualquer conteúdo ideológico,
sem exceção, independentemente do tipo de mate-
rial sígnico em que ele estiver encarnado, pode ser
compreendido e, por conseguinte, assimilado psí-
quicamente, isto é, pode ser reproduzido no mate-
rial sígnico interior. Por outro lado, qualquer fenô-
meno ideológico passa, no processo de sua criação,
pelo psiquismo, por ele ser uma instância necessá-
ria. Reiteramos: qualquer signo ideológico exterior,
independentemente do seu gênero, banha-se por to-
dos os lados nos signos interiores, ou seja, na cons-
ciência. Esse signo exterior tem sua origem no mar
dos signos interiores e nele continua a viver, pois a
sua vida se desenvolve no processo de renovação
da sua compreensão, vivência e assimilação, ou se-
ja, em sua inserção contínua no contexto interior.
[ ... ]
Se, por um lado, o conteúdo do psiquismo in-
dividual é tão social quanto a ideologia, por outro,
os fenômenos ideológicos são tão individuais (no
sentido ideológico da palavra) quanto os psíquicos.
Cada produto ideológico carrega consigo a marca
da individualidade do seu criador ou de seus cria-
dores, mas essa marca é tão social quanto todas as
demais particularidades e características dos fenô -
menos ideológicos.
[... ]
O antipsicologismo tem razão ao recusar de-
duzir a ideologia do psiquismo. Mais do que isso,
o psiquismo deve ser deduzido da ideologia. A psi-
cologia precisa apoiar-se sobre a ciência das ideo-
logias. Era necessário que a palavra primeiramen-
te nascesse e amadurecesse no processo da comuni-
Ensaio introdutório 57
os seus personagens usam a mesma linguagem), o discurso
alheio alcança, do ponto de vista gramatical e composicio-
nal, um isolamento máximo e uma solidez escultural.
Ensaio introdutório 59
Neste longo fragmento é realizada, a nosso ver, uma sín-
tese dialética entre o idealismo de Humboldt, Potebniá e Cas-
sirer, postuladores do papel ativo da consciência humana na
determinação da sua existência, e o materialismo histórico,
defensor da tese oposta: de que a existência determina a cons-
ciência humana. 25 O autor de MFL não assume nenhum des-
ses dois polos, mas realiza a seguinte síntese: a consciência
materializada em signos e objetificada em sistemas ideológi-
cos particulares (ciência, arte, ética, direito) é, por um lado,
uma parte da existência, uma de suas forças e, por outro, ca-
paz de influenciar, de transformar a existência material. Com
isso, o autor assevera que a relação entre existência e cons-
ciência é uma via de mão dupla: por um lado, a existência
material influencia na constituição da linguagem e, por ou-
tro, a consciência age sobre a existência material, isto é, a
consciência humana, ao formar-se nos signos ideológicos, é
capaz de exercer uma influência transformadora sobre a ba-
se econômica, principal elemento da existência material na
visão marxista.
Outro princípio importante expresso nesse fragmento é
o de que a objetificação da consciência se dá não apenas por
meio de signos verbais, mas também musicais e plásticos, o
que, a nosso ver, ecoa a tese de Potebniá de que não há igual-
dade entre pensamento e palavra, uma vez que a criança pen-
sa antes de falar, que o pensamento artístico do pintor, do es-
cultor, do músico se realiza sem palavras; e o matemático em-
preende sua ciência por meio de fórmulas. Com isso, quere-
mos evidenciar que, em MFL, o papel ativo do pensamento
humano na constituição das linguagens verbais e não verbais
60 Sheila Grillo
e dos sistemas de referência por meio dos quais se tem aces-
so ao real são influenciados pelas teses idealistas lançadas por
Humboldt e retomadas por Potebniá e depois Cassirer.
Outra síntese importante iniciada no fragmento acima
e completada abaixo é a relação dos signos ideológicos com
a consciência.
Ensaio introdutório 61
Em MFL, a relação entre psiquismo e sistema de signos
é outro elemento em que se revela a busca de uma síntese dia-
lética do idealismo psicológico de Humboldt e sobretudo de
Potebniá com as teses sociológicas marxistas. No mesmo pa-
rágrafo, assume-se, por um lado, que "A realidade do psi-
quismo interior [é] a realidade do signo. Não há psiquismo
fora do material sígnico" (Volóchinov, 2017 [1929], p. 116),
ou seja, o materialismo dialético impõe-se sobre o modo de
pensar o psiquismo que só existe materializado em signos,
diferentemente do que propõem Humboldt e Potebniá. Por
outro, a visão humboldtiana de que a linguagem faz a me-
diação entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo está pre-
sente em afirmações como "o organismo e o mundo se en-
contram no signo" (Volóchinov, 2017 [1929], p. 116).
A QUESTÃO DO DIÁLOGO
COMO FORMA ESSENCIAL DA LINGUAGEM
62 Sheila Grillo
totalidade, é traduzido por nós para outro contex-
to ativo e responsivo. Toda compreensão é dialógi-
ca." (Volóchinov, 2017 [1929], p. 232)
Ensaio introdutório 63
que ela tem um sentido determinado para o falan -
te, mas no fato de que ela é capaz de ter um senti-
do em geral. A palavra pode ser um meio de com-
preensão do outro somente porque o conteúdo de-
la é capaz de crescer." (Potebniá, 2010 [1892], pp.
162-3 )
26
Concordamos com Tihanov (2002, p. 89) que a expressão "beha-
64 Sheila Grillo
plos utilizados em MFL para ilustrar o método sociológico
são quase todos retirados de obras literárias (La Fontaine,
Púchkin, Dostoiévski).
Outra proximidade entre MFL, Humboldt e Potebniá
está na crítica construída contra o conceito de sistema lin-
guístico. Ao assumir uma concepção de linguagem como ati-
vidade e não como produto, Humboldt afirma que o que se
entende por língua (léxico e gramática) é resultadb da ativi-
dade científica e não a condição natural da língua. Semelhan-
temente, ao criticar a realidade do sistema linguístico, o au-
tor de MFL afirma:
vioural ideology" não é uma boa tradução para a expressão russa jíznen-
naia ideológuia.
Ensaio introdutório 65
do por meio da interação sociodiscursiva dos falantes" (Vo-
lóchinov, 2017 [1929), p. 224).
Em MFL, o diálogo é a forma básica de compreensão do
outro e de si mesmo, bem como a forma mais importante da
interação discursiva. Essa centralidade do diálogo na filoso-
fia da linguagem tem sua origem, como vimos, nos trabalhos
filosóficos de Vossler, nas obras de Vinográdov e Iakubínski.
Vale relembrar que, para Vossler, o diálogo é, em primeira
instância, a forma mais natural dos discursos retórico e coti-
diano e, em última instância, a forma estruturadora de toda
a linguagem, pois o monólogo nada mais é que uma conver-
sa consigo mesmo e as obras literárias não podem ser conce-
bidas fora do endereçamento a um público. De acordo com
Iakubínski, o diálogo é a forma mais natural da linguagem e
sua presença marcante na linguagem prático-cotidiana reves-
te-se de um caráter automático e inconsciente a ser desauto-
matizado na linguagem poética. Se a concepção de diálogo
de MFL parece, por um lado, muito próxima da de Vossler,
por outro, ela é resultado de uma leitura crítica das proposi-
ções de Iakubínski e Vinográdov. A excelente caracterização
do diálogo direto em Iakubínski funda-se em uma análise da
situação mais imediata de comunicação, que em MFL é ape-
nas um dos elementos, ao lado do contexto valorativo e do
horizonte social mais amplo. Isso fica claro na análise que en-
contramos, tanto no texto "Sobre o discurso dialógico" de
Iakubínski, quanto em MFL, de um fragmento do Diário de
um escritor de Dostoiévski: em ambos os textos enfatiza-se
o papel da entonação na constituição do enunciado oral, po-
rém Iakubínski a teoriza do ponto de vista do sujeito falan-
te individual, enquanto em MFL desenvolve-se o conceito do
papel das avaliações sociais expressas na entonação para a
constituição do sentido do enunciado. Em MFL não encon-
tramos formulações a respeito do caráter automatizado do
diálogo cotidiano, apenas sobre a sua constituição sociológi-
ca e sua importância, como gênero da ideologia do cotidia-
66 Sheila Grillo
no, na crítica dos produtos dos sistemas ideológicos consti-
tuídos. Em MFL, a situação social, imediata e ampla, é to-
mada como um dos elementos constitutivos do material ver-
bal e, diferentemente de Iakubínski, não explica a falta de
atenção ao componente verbal.
Em Vinográdov, encontramos análises de obras literá-
rias nas quais o diálogo é tomado como um procedimento
estético de constituição da semântica ou da simbologia dos
autores. Não percebemos, porém, afirmações sobre a essen-
cialidade do diálogo à compreensão da linguagem humana,
ausência decorrente, provavelmente, de sua recusa em pro-
por princípios gerais de uma teoria da literatura e de sua vi-
são de que a estilística deveria orientar-se pelos resultados e
pela metodologia da linguística.
Ensaio introdutório 67
palavra" (Volóchinov, 2017 [1929], p. 117). Esta formula-
ção é muito próxima das reflexões de Chpiet em Estetítche-
skie fragmiénti [Fragmentos estéticos] (Chpiet, 2007 [1922-
23]), levando-nos a pensar ser esta uma das influências de
MFL nesta questão. Além disso, sob a nítida influência de
Humboldt, ambos os pensadores compreendem que a pro-
dução de sentidos na linguagem é um processo ininterrupto
(enérgeia) de criação regulado por leis socioculturais.
No entanto, ambos os pensadores diferem na orienta-
ção da constituição do sentido da linguagem. Chpiet procura
garantir a autonomia do mundo material em relação à ativi-
dade constitutiva do sujeito por meio do componente lógico
da forma interna da palavra. Essa orientação faz com que o
filósofo estabeleça uma distinção entre o componente onto-
lógico na linguagem, pois é na relação entre esta e o mundo
que se dá a constituição do sentido, e a "cossignificação",
que é a função expressiva e secundária responsável pelas re-
presentações individuais e subjetivas. Essa distinção entre for-
ma lógica e forma expressiva orienta a divisão operada por
Chpiet entre duas disciplinas científicas: a filosofia da lingua-
gem se ocupa do sentido lógico e objetual da linguagem, tan-
to em sua expressão ideal quanto real; e a psicologia étnica
estuda o modo particular como um povo expressa a sua re-
lação com a natureza, consigo próprio, com os outros e com
a cultura; aqui, a significação é tomada como a "expressão"
ou modo espiritual concreto de dado povo.
Em MFL, os signos ideológicos são constituídos no pro-
cesso de interação social em que os interesses das diversas
classes sociais direcionam o processo de construção das re-
presentações materializadas na palavra, ou seja, a relação
entre o sujeito e a realidade ocorre mediada pela interação
entre sujeitos sociais, na qual os signos ideológicos são en-
gendrados. Esses signos, por sua vez, constituem a vivência
psíquica ao fazerem a mediação entre o homem e o meio ex-
terior. Em MFL, a significação se localiza entre os falantes,
68 Sheila Grillo
sendo o significado objetual determinado e transformado pe-
la avaliação social e histórica. Enquanto em Chpiet o com-
ponente valorativo é secundário e pode ser distinto do con-
teúdo ontológico, em MFL não só esses dois componentes
são indissociáveis, quanto a avaliação precede e determina o
conteúdo objetual. Consequentemente, em MFL o sentido ló-
gico e objetual só existe na relação com o modo como dado
povo ou grupo social se relaciona com a realidade natural e
cultural.
Tanto na obra de Chpiet quanto em MFL, a consciência
nasce e existe encarnada na palavra, que é a formadora da
autoconsciência e atribui estabilidade conceituai a ela. Em
ambas as obras tematiza-se a pessoa individual como sujeito
histórico e social, cujas vivências, impressões e reações so-
frem a influência da coletividade do seu grupo por meio da
tradição popular. Entretanto, Chpiet separa o sujeito psico-
lógico - autoconsciência individual em um dado contexto
social e histórico - do sujeito histórico - portador de uma
certa combinação de potenciais históricos e sociais objetifi-
cáveis (cidadão, pessoa jurídica, sujeito político etc.). Já em
MFL distingue-se a "vivência do eu", próxima à reação fisio-
lógica de um animal, e a "vivência do nós", cuja diferencia-
ção ideológica garante firmeza à consciência.
Ü SISTEMA LINGUÍSTICO
E A TRADIÇÃO FILOLÓGICA
Ensaio introdutório 69
"Na base daqueles métodos linguísticos de
pensamento que conduzem à criação da língua co-
mo sistema de formas normativas idênticas está a
orientação teórica e prática para o estudo das lín-
guas estrangeiras mortas conservadas nos monu-
mentos escritos.
É preciso sublinhar com absoluta firmeza que
essa orientação filológica determinou de modo sig-
nificativo todo o pensamento linguístico do mundo
europeu." (Volóchinov, 2017 [1929], p. 182)
70 Sheila Grillo
gêneros conversacionais orais (Iakubínski). 27 É bem verda-
de que a terceira parte de MFL, "Para uma história das for-
mas do enunciado nas construções da língua", é dedicada
à análise de fragmentos escritos de obras literárias, aproxi-
mando-se do material de pesquisa da filologia. A nosso ver,
a escolha desse material para ilustrar a aplicação do método
sociológico é motivada pela atuação de Volóchinov na seção
de metodologia da literatura do ILIAZV (Instituto da Histó-
ria Comparada das Literaturas e Línguas do Ocidente e do
Oriente) e pelo diálogo estabelecido com a tradição de estu-
dos sobre a linguagem: por um lado, o método de estudo do
enunciado concreto está mais próximo do trabalho com tex-
tos da tradição filológica e retórica do que com as unidades
linguísticas (fonema, morfema) estudadas por Potebniá ou
Baudouin de Courtenay; por outro, a análise da língua em
uso, da fala, do papel ativo do interlocutor na compreensão
do enunciado, da relação dos signos ideológicos com a cons-
ciência, são orientações assumidas em diálogo com a filoso-
fia da linguagem e a linguística dos séculos XIX e XX. Tan-
to em um sentido quanto no outro, o autor de MFL operou
uma leitura crítica das tradições, uma vez que o estudo so-
ciológico do enunciado concreto se constituiu em diálogo es-
treito com a tradição.
3. CONCLUSÕES
Ensaio introdutório 71
MFL, formado por filósofos da linguagem e linguistas alinha-
dos tanto ao subjetivismo individualista quanto ao objetivis-
mo abstrato. Esse propósito funda-se na percepção de que o
leitor brasileiro contemporâneo poderá acessar novas cama-
das de sentido de MFL não só por meio de um texto vertido
diretamente do original russo, mas também da recuperação
do seu contexto de produção, que está distante em termos de
espaço, tempo e cultura.
O primeiro dado relevante refere-se às diferenças entre
as referências sobre a linguística do leitor brasileiro contem-
porâneo e do momento de produção e recepção de MFL. Nos
manuais e cursos de Letras no Brasil, o nome que costuma fi-
gurar como o pai da linguística moderna é o de Ferdinand
de Saussure. No contexto acadêmico de MFL, e mesmo no
contexto russo contemporâneo, apesar de Saussure ser uma
forte referência da Linguística do século XX, é Wilhelm von
Humboldt que parece ocupar o lugar de iniciador da linguís-
tica, sobretudo por sua forte influência sobre Potebniá, um
dos fundadores da linguística russa no século XIX. A nosso
ver, a discussão sobre a relação entre pensamento e lingua-
gem presente em MFL pode ser mais bem compreendida com
base nas teorias desenvolvidas por Humboldt e Potebniá, en-
tre outros.
Em MFL, e nas demais obras de Bakhtin, Volóchinov e
Medviédev, a filiação a teorias filosóficas permite uma com-
preensão mais profunda de questões de base da análise da
linguagem- a relação entre pensamento, linguagem e mun-
do, e entre linguagem e sociedade - , assim como o cerne da
polêmica com o formalismo russo.
No que diz respeito à relação entre pensamento e lin-
guagem, os pressupostos idealistas de Cassirer, Humboldt e
Potebniá sobre o papel do conhecimento humano na forma-
ção e não somente na reprodução do real, e a assunção de
que os signos verbais exercem uma função mediadora que ao
mesmo tempo está presente em todas as formas do espírito e
72 Sheila Grillo
conserva suas particularidades, serão fundamentais nas teses
desenvolvidas em MFL sobre: o caráter onipresente dos sig-
nos verbais em todas as esferas ideológicas; a síntese opera-
da com a sociologia marxista em que a ideologia, por um la-
do, é influenciada pelas condições materiais de existência,
mas, por outro, exerce uma influência transformadora sobre
estas condições; a mediação dos signos ideológicos na forma-
ção da consciência e na constituição dos referentes do mun-
do durante o processo de interação discursiva; o papel ativo
do destinatário ou interlocutor na construção do sentido.
Ainda no terreno da filosofia, encontramos reflexos dos
trabalhos do filósofo russo Chpíet em MFL: a produção de
sentidos na linguagem é um processo ininterrupto (enérgeia)
de criação regulado por leis socioculturais, formando a es-
sência da linguagem humana; a consciência nasce e existe en-
carnada na palavra, por meio da qual a pessoa sofre a influên-
cia da coletividade do seu grupo; por fim, o contato com a
obra de Chpiet nos permite compreender por que o sentido
lógico e objetual nunca é descartado nas obras de Bakhtin,
Medviédev e Volóchinov, em que o enunciado e a palavra vol-
tam-se para os objetos do mundo orientados pela interação
discursiva, pelos interesses das diversas classes sociais e pela
ênfase valorativa.
O estudo do diálogo em MFL é influenciado pelas obras
de Vossler, Iakubínski e Vinográdov. Para Vossler, o diálogo,
compreendido tanto como a interação face a face, quanto
presumido em textos escritos, é a forma mais natural de lin-
guagem. Já Iakubínski e Vinográdov caracterizam o diálogo
com base no princípio formalista segundo o qual a lingua-
gem prática e cotidiana é automatizada. Em MFL, opera-se
uma leitura crítica dessas fontes no sentido de orientar odiá-
logo em uma chave sociológica, compreendendo não apenas
os elementos da situação imediata de comunicação, mas tam-
bém as ênfases valorativas, as esferas da atividade humana,
a ideologia do cotidiano, entre outros.
Ensaio introdutório 73
Baudouin de Courtenay e Mikolaj Kruszewski, repre-
sentantes do objetivismo abstrato, também se fazem presen-
tes em MFL, por meio da teorização sobre os gêneros orais
cotidianos, uma vez que, em termos metodológicos, a análi-
se desses gêneros implica o trabalho com línguas vivas em
sua contemporaneidade.
Por fim, é importante salientar que, embora nosso estu-
do enfatizasse as influências dos autores analisados, MFL não
é apenas uma cópia ou continuação desses autores, mas an-
tes uma resposta ao seu contexto intelectual, pois, sem igno-
rar as formulações anteriores da cadeia da comunicação cien-
tífica na filosofia da linguagem, na estilística e na linguística,
lança as bases para um método sociológico de análise dos
enunciados concretos produzidos no processo social da inte-
ração discursiva.
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Ensaio introdutório 79
As notas de rodapé são de autoria de Volóchinov, com exceção das
notas da tradução, assinaladas com (N. da T.).
Marxismo
e filosofia da linguagem
Problemas fundamentais do método sociológico
na ciência da linguagem
Introdução
Introdução 83
lógicos fundamentais que devem sustentar esse pensamento
na abordagem dos problemas concretos da linguística.
- Nossa tarefa tornou-se mais complexa principalmente
pelo fato de que na literatura marxista ainda não existe uma
definição acabada e reconhecida da realidade específica dos
fenômenos ideológicos. 2 Na maioria dos casos, eles são com-
preendidos como fenômenos da consciência, isto é, do pon-
to de vista psicológico. Tal concepção em muito dificultou a
abordagem correta das particularidades específicas dos fenô-
menos ideológicos, que de modo algum poderiam ser redu-
zidos às particularidades da consciência e da psicologia sub-
jetivas. Foi por isso que o papel da linguagem, concebida co-
mo a realidade material específica da criação ideológica, não
pôde ser avaliado de modo adequado.
É necessário acrescentar ainda que, em todas aquelas
áreas que os fundadores - Marx e Engels - tocaram de le-
ve ou não abordaram em absoluto, as categorias mecânicas
se arraigaram. No geral, todas essas áreas ainda se encon-
tram no estágio do materialismo mecânico pré-dialético. Is-
so se expressa no fato de que, até o presente momento, rei-
na a categoria da causalidade mecânica em todas as áreas da
ciência sobre a ideologia. Além disso, ainda não foi elimina-
da a compreensão ,positivista do empírico: o culto do "fato"
que não é compreendido do ponto de vista dialético, mas co-
mo algo inabalável e firme. 3 Essas áreas ainda foram pouco
tocadas pelo espírito filosófico do marxismo.
cologia.
7
No entanto, isso não ocorreu nos círculos marxistas. Estamos nos
Introdução 85
que a filosofia burguesa moderna passa a se desenvolver sob
o signo da palavra, sendo que essa nova tendência do pensa-
mento filosófico ocidental ainda se encontra bem no início
do seu caminho. Há um embate acirrado em torno da "pa-
lavra" e do seu lugar sistemático, embate comparável apenas
às discussões sobre o realismo, o nominalismo e o conceitua-
lismo que ocorriam na Idade Média. De fato, as tradições
dessas correntes filosóficas da Idade Média começam a res-
suscitar, de certo modo, no realismo dos fenomenologistas e
no conceitualismo dos neokantianos.
Após o medo positivista de qualquer intransigência na
colocação dos problemas científicos e da hostilidade em re-
lação a todas as questões de visão de mundo, esta própria do
positivismo tardio, na linguística tomou-se uma consciência
aguda das suas premissas filosóficas gerais e das suas ligações
com os outros campos do conhecimento. Em decorrência dis-
so surgiu a sensação de que a linguística, incapaz de atender
todas essas exigências, está vivendo uma crise.
A tarefa da primeira parte é mostrar o lugar dos proble-
mas da filosofia da linguagem dentro da unidade da visão de
mundo marxista. Por isso, a primeira parte nãQ. prova nada
e não apresenta nenhuma solução pronta para as questões
colocadas: nela, não focamos tanto as relações entre os fenô -
menos, mas sobretudo as relações entre os problemas.
A segunda pa-rte tenta resolver o problemâ fundamental
da filosofia da linguagem, o problema da re(J,lidade concreta
dos fenômenos linguísticos. Esse problema é o eixo em tor-
no do qual giram todas as questões mais importantes âo pen-
Introdução 87
se discurso, bem como da lei sociológica que o rege, é uma
condição necessária à análise produtiva de todos os fenôme-
nos literários enumerados por nós. 10
Além do mais, a própria questão abordada na terceira
parte não foi explorada na bibliografia russa sobre a linguís-
tica. Por exemplo, o fenômeno do discurso indireto livre na
língua russa (que pode ser encontrado já em Púchkin) ainda
não foi destacado e nem descrito por ninguém. Tampouco
foram estudadas as mais variadas modificações do discurso
direto e indireto.
Desse modo, o nosso trabalho caminha do geral e abs-
~ trato para o particular e concreto: das questões filosóficas
gerais, passamos às questões linguísticas gerais e, a partir
dessas, à questão mais específica que se encontra na frontei-
ra entre a gramática (sintaxe) e a estilística.
l
r \º')'
2
O a utor emprega o adjetivo znákovi que literalmente correspon-
;/' ' de a "de signo" ou "sígnico". Como nem sempre é possível empregar a ex-
r ...
11
~ A ciência das ideologias e a filosofia da linguagem 93
.(
\ '(
.( J
e, {,.
,e.
No interior do próprio campo dos sigf!os, isto é, no in-
terior d~ esfera ideológica, há profundas diferenças, pois fa -
zem parte dela a imagem artística, o símbolo religioso, a fór-
mula científica, a norma jurídica e assim por diante. Cada
campo da criação ideológica possui seu próprio modo de se
orientar na realidade, e a refrata a seu modo. Cada campo
possui sua função específica na unidade da vida social. En-
tretanto, o caráter_ sígnico é um traço comum a todos os fe -
nômenos ideológicos.
Qualquer signo ideológico é não apenas um reflexo, uma
1' sombra da realidade, mas também uma parte material dessa
mesma realidade. Qualquer fenômeno ideológico sígnico é
dado em algum material: no som, na massa física, na cor, no
movimento do corpo e assim por diante. Nesse sentido, a rea-
lidade do signo é bastante objetiva e submete-se unicamente
ao método monista de estudo objetivo. O signo é um fenô -
meno do mundo externo. Tanto ele mesmo, quanto todos os
efeitos por ele produzidos, ou seja, aquelas reações, aqueles
movimentos e aqueles novos signos que ele gera no meio so-
cial circundante, ocorrem na experiência externa.
Essa tese é de extrema importância. Por mais que ela se-
ja elementar ou pareça óbvia, até o presente momento a ciên-
cia das ideologias não tirou dela todas as devidas conclusões.
pressão "de signo", optamos pelo ad jetivo "sígnico'', que é mais fiel ao
sentido original russo. (N. da T.)
3 É necessário mencionar que, no neokantismo moderno, há uma
mudança nesse sentido. Estamos nos referindo ao último livro de Cassirer,
Philosophie der symbolischen Formen, v. I, 1923. Sem abandonar o terre-
no da consciência, Cassirer considera a representação como o seu traço
principal. Cada elemento da consciência representa algo, possui uma fun-
ção simbólica. O todo é dado em uma parte e a parte pode ser compreen-
dida apenas no todo. ~e acordo com Cassirer, a ideia é tão sensorial quan-
uma parte qualitativamente distinta, que possui suas próprias leis especí-
ficas.
t-
cação social de uma coletividade organizada. A consciência
.individual se nutre dos signos, cresce a partir'd~les, reflete em
.
~ e\"''
d\e.. j ("" ,.
\ f.~ cf" .
\'(IV~'j Em latim no original, "refúgio da ignorância';~(N. da T.)
()
lldade é integ~~lmente absorvida na sua funçao _e ser signo.
t' Não há nada na palavra que permaneça indiferente a essa
I
(
98 A importância dos problemas da filosofia da linguagem
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I .,. e;;>z
{.:;;... v,lc.·
'
1
e
nômeno ideológico a-clareza excepcional da sua estrutura
sígnica já seriam suficientes para colocá-la no primeiro pla-
no da ciência das ideologias. É justamente no material da pa-
lavra que se pode explicar, do melhor modo possível, as prin-
cipais formas ideológicas da comunicação sígnica.
ideológica que não pode ser atribuído a uma esfera ideológi-f\.,j e.}.;
ca. Trata-se dá comunicação cotidiana. 6 Essa comunicação é \,1. '
extremamente importante e rica em conteúdo. Por um lado, )f1 '· t
. d . . . , (i
ela entra d iretamente em contato com os processos pro uu- ti t
vos e, por outro, ela se relaciona com as várias esferas ideo- .
lógicas já formadas e especializadas. Ainda voltaremos a \J(/
abordar esse campo específico da ideologia do cotidiano no
capítulo seguinte. Apenas mencionaremos aqui que a pala-
c----·- ·- ·-- -·- . - - - -
municação da vida". Optamos por "cotidiana" por ser o termo que me-
lhor expressa o fenômeno tratado, isto é, as interações que ocorrem no dia
a dia. (N. da T.)
1
~ cessos de compreensão de qualquer fenômeno ideológico (de
' um quadro, música, rito, ato) não podem ser realizados sem
1
O problema da relação
entre a base e as superestruturas
('Y , C-
-/ '
Ao realizar-se no processo da comunicação social, todo
~igno ideológico, inclusive o signo verbal, é determinado pe-
lo horizonte social de uma época e de um grupo social. Até
o presente momento estávamos falando sobre a forma do sig-
no, que é determinada pelas formas da interação social. Ago-
ra abordaremos outro aspecto: o conteúdo do signo e a ên-
fase valorativa que acompanha todo conteúdo.
Em cada etapa do desenvolvimento social existe um con-
junto específico e limitado de objetos que, ao chamarem a
atenção da sociedade, recebem uma ênfase valorativa. Ape-
nas esse conjunto de objetos obterá uma forma sígnica, isto
é, será objeto da comunicação sígnica. O que então determi-
na esse conjunto de objetos que são enfatizados valorativa-
mente?
Para que um objeto, independentemente do tipo da sua
realidade, entre no horizonte social de um grupo e provoque
uma reação ideológica sígnica, é necessário que _ele esteja re-
A filosofia da linguagem
e a psicologia objetiva
-
té. Entretanto, no primeiro caso é necessário ainda conside-
r ar a significação puramente ideológica dessa vivência, pois
o psicólogo não pode compreender o lugar de um pensamen-
to no contexto de um dado psiquismo sem compreender o
sentido puramente cognitivo desse pensamento. Caso abs-
traia a significação cognitiva desse pensamento, não estará
lidando com o pensamento nem com o signo, mas com um
puro processo fisiológico de realização desse pensamento, is-
to é, desse signo dentro do organismo. É por isso que a psi-
cologia do conhecimento deve apoiar-se na teoria do conhe-
cimento e na lógica e, de modo geral, é por isso que a psico-
logia precisa fundamentar-se na ciência das ideologias e não
o contrário.
27
Tomamos esse termo emprestado de Gompertz (Weltanschauun-
gslehre). Parece que esse termo foi usado, pela primeira vez, por Otto Wei-
ninger. A impressão total é uma impressão ainda não separada do objeto
como um todo, uma espécie de aroma do todo, que antecede e fundamen-
ta o reconhecimento claro do objeto. Assim, às vezes não podemos lem-
brar de uma palavra ou de um nome, embora os tenhamos na "ponta da
língua"; ou seja, já temos uma impressão total desse nome ou palavra, po-
rém ele não consegue se desenvolver em sua imagem concreta e diferencia-
da. De acordo com Gompertz, as impressões totais são de extrema impor-
tância na cognição. Elas representam equivalentes psíquicos das formas do
todo, contribuindo com a sua integridade.
28 A divisão comumente aceita dos tipos de discurso interior - vi-
sual, auditivo e motor - não está relacionada às ideias expostas acima.
Dentro de cada um dos tipos, o discurso se realiza por meio de impressões
totais: visuais, auditivas, motoras.
29 O termo russo slovo foi traduzido em inglês por speech (V. N. Vo-
Os caminhos da filosofia
da linguagem marxista
1
Duas tendências
do pensamento filosófico-linguístico
2
Uma vez que em russo os termos "linguagem" e "língua" são ex-
pressos pela mesma palavra, iazik, e que é necessário marcar a diferença
entre os dois conceitos, o autor vê-se obrigado a criar uma palavra com-
16 Idem, p. 1'67.
17 Posteriormente ainda voltaremos a uma crítica dessa ideia.
18 Os trabalhos filosófico-linguísticos fundamentais de Vossler, que
saíram depois do livro mencionado acima, foram reunidos em Philosophie
der Sprache (1926). Nesse último livro, Vossler apresenta uma visão com-
pleta da sua concepção filosófica e linguística geral. Entre os trabalhos lin-
guísticos característicos do método vossleriano, mencionaremos o seu
Frankreichs Kultur im Spiegel seiner Sprach entwicklung [A cultura fran-
34
As mais importantes obras da tendência neogramática são: Ost-
hoff, Das physiologische und psychologische Moment in der sprachlichen
Formenbildung [O momento fisiológico e psicológico na construção das
formas linguísticas] (Berlim, 1879); o programa dos neogramáticos foi
apresentado no prefácio do livro de Osthoff e Brugmann, Morphologische
Untersuchungen [Investigações morfológicas], I, Leipzig, 1878.
Ou em outro lugar:
materna como se ela fosse estrangeira. Essa é a razão pela qual a teoria do
objetivismo abstrato diverge tanto dos filosofemas antigos da palavra
alheia.
51
O processo de aprendizagem da língua materna por uma cri ança
é um processo de inserção gradual da criança na comunicação discursi-
va. Na medida em que ocorre essa inserção, sua consciência é formada e
preenchida pelo conteúdo.
A interação discursiva 52
se possível dizer com a alma sem usar palavras" (Afanássi Fet). Essas afir-
mações são absolutamente típicas do romantismo idealista.
54
Sobre a possibilidade de um grupo de vivências sexuais de um
homem ficar fora de um contexto social e a perda da consciência verbal
em decorrência disso, conferir nosso livro Freidizm, Lenotguiz, 1927, pp.
136-7.
[Ed. bras.: Mikhail Bakhtin, O freudismo: um esboço crítico, tradu-
ção de Paulo Bezerra, São Paulo, Perspectiva, 2001. (N. da T.)]
fala N. Ia . Marr não se parece em nada com o sinal ao qual alguns tentam
reduzir a língua, pois aquele sinal que designa tudo é o menos capaz de
realizar a função de sinal. O sinal é muito pouco adaptável às condições
cambiantes da situação e, em essência, a sua mudança resulta na alteração
de um sinal por outro.
67
Em russo, respectivamente: tak-tak, da-da, vot-vot, nu-nu. (N. da
T.)
A teoria do enunciado
e os problemas de sintaxe
Exposição do problema
do "discurso alheio"
10
Trata-se de um período da história da língua francesa, entre os sé-
cu los XIV e XVI, marcado pelo crescente distanciamento do latim vulgar
(perda das declinações, perda da ordem livre das palavras, obrigatorieda-
de do pronome pessoal etc.) e pela presença do francês em textos científi-
cos e administrativos antes reservados ao latim. (N. da T.)
11 Tanto na versão de 1929 quanto na de 1930, encontramos a ex-
13
Existe uma bibliografia bastante grande sobre o papel do narra-
dor na épica. Mencionamos o traba lho fundamental, até o presente mo-
mento, de K. Friedemann: Die Rol/e des Erzahlers in der Epik [O papel
do narrador na épica], 1910. Na Rússia, o interesse pelo narrador foi des-
pertado pelos "formalistas". V. V. Vinográdov determina o estilo discursi-
vo do narrador em Gógol como movimentando-se "em zigue-zagues do
autor na direção dos personagens" (cf. seu trabalho Gógol i Naturálnaia
Chkola [Gógol e a Escola Natural]). Segundo Vinográdov, o estilo lingu[s-
tico do narrador de O duplo encontra-se em relação análoga ao estilo de
Goliádkin (cf. seu trabalho: "Stil peterbúrgskoi poemi Dvoinik" ["O esti-
lo do poema petersburguês O duplo"], na coletânea Dostoiévski, de Do-
línin (org.), tomo 1, 1923, pp. 239 e 241; a semelhança entre a linguagem
do narrador e a linguagem do personagem já tinha sido observada por Bie-
línski). Em seu trabalho sobre Dostoiévski, B. M. Engelhardt aponta de
modo totalmente justo que, no autor, "é impossível encontrar a chamada
14
Os termos russos empregados são nessóbstvenno kósvennaia rie-
tch, literalmente "discurso impropriamente indireto", e nessóbstvenno
priamaia rietch, literalmente "discurso impropriamente direto" (preferi-
mos manter "não propriamente"). O primeiro termo acompanhou ases-
colhas das traduções americana (quasi indirect discourse) e espanhola (dis-
curso cuasi indirecto). O segundo termo refere-se ao fenômeno consagra-
do como discurso indireto livre, o que motivou nossa escolha de tradução.
(N. da T.)
º
2 O erro de Pechkóvski analisado por nós evidencia mais uma vez
21 Itálicos nossos.
22 Itálicos nossos.
23 Itálicos nossos.
24
Itálicos nossos.
25 Itálicos nossos
26 Itálicos nossos.
28 Itálicos nossos.
(ou seja, a mudança de ênfase); a sua interrupção com todo tipo de obser-
vações, colocadas entre parênteses ou simplesmente sinais de exclamação,
de interrogação e de perplexidade ("sic" e assim por diante). Para a supe-
ração da inércia do discurso direto, é de enorme importância a introdu-
ção, nos lugares adequados, de verbos de elocução combinados com co-
mentários e réplicas do autor.
dução de Fátima Bianchi, São Paulo, Editora 34, 2009) . (N. da T.)
38 Itálicos nossos.
"E por que ele, o príncipe, não foi até ele ago-
ra mas se desviou como se nada tivesse notado, em-
MANUSCRITOS DE V. N. VOLÓCHINOV
Sumário
Introdução
326 Anexo
3) O modelo do discurso indireto
4) A modificação analítico-objetual do discurso indireto
5) A modificação analítico-verbal do discurso indireto
6) A modificação impressionista do discurso indireto
7) O modelo do discurso direto
8) O discurso direto preparado
9) O discurso direto reificado
10) O discurso direto antecipado, dissipado e oculto
11) O fenômeno da interferência discursiva
12) Perguntas e exclamações retóricas
13) O discurso direto substituído
14) Exemplo de discurso indireto livre na língua russa
328 Anexo
Plano e alguns pensamentos norteadores do trabalho
Marxismo e filosofia da linguagem: fundamentos do método
sociológico na ciência da linguagem
PRIMEIRA PARTE
O significado do problema da filosofia da linguagem pa-
ra o marxismo
Capítulo 1
1. A palavra, como fenômeno ideológico par excellen-
ce. 2. A palavra, como esquema e como ingrediente real de
qualquer formação ideológica. 3. A ciência das ideologias e
a ciência da linguagem.
Capítulo II
1. Os problemas da relação entre a base e as superestru-
turas ideológicas. 2. A refração da existência na palavra. 3.
A objetivação material da "psicologia social" na palavra. 4.
A história da cultura e a história da língua.
Capítulo III
1. A psicologia objetiva e a "reação verbal". 2. A pala-
vra como medium objetivo da consciência. 3. A união da ex-
periência exterior e interior. 4. A personalidade interior co-
mo ideologema. 5. A teoria do enunciado como revelação in-
terior e exterior do psiquismo consciente.
Capítulo IV
1. A filosofia da linguagem e os problemas da poética.
2. O método formal e o embate com ele.
Capítulo V
1. As tarefas polêmicas do marxismo. 2. O primado da
SEGUNDA PARTE
Capítulo I
1. Filosofia da linguagem e linguística. 2. Formas da lín-
gua e formas do enunciado. 3. Sociologia da linguagem.
Capítulo II
1. Interação discursiva. 2. Os problemas do diálogo. 3.
Diálogo, como unidade real da linguagem.
Capítulo III
1. Estrutura sociopolítica da sociedade e formas da co-
municação discursiva. 2. Gêneros discursivos (tipos de dis-
cursos verbais) na vida e na criação ideológica.
Capítulo IV
1. Teoria sobre as funções da linguagem. 2. Fundamen-
tos comunicativos da linguagem. 3. A "expressão" como as-
pecto da comunicação. 4. A "formação do pensamento" na
linguagem como aspecto da comunicação. 5. Comunicação
[kommunikátsia] e interação [obschênie]. 6. A formação da
linguagem e a formação da comunicação [obschênie]. 5
330 Anexo
Capítulo V
1. O sistema de avaliações sociais na linguagem. 2. A en-
tonação expressiva. 3. Sentido e avaliação. 4. Semântica e
axiologia.
Capítulo VI
1. Linguística e poética. 2. Gramática e estilística. 3.
Gramática e lógica.
Capítulo VII
1. A história da cultura e a história da língua. 2. Exclu-
são dos fatos psicossubjetivos na história da língua. 3. A im-
portância dos fatores fisiológicos. 4. Os pressupostos socio-
econômicos da história da língua.
Capítulo VIII
1. Os fundamentos do método sociológico na linguísti-
ca (balanço das conclusões).
TERCEIRA PARTE
Ensaio de aplicação do método sociológico ao proble-
ma do enunciado na história da língua
Capítulo I
1. A reflexão das condições da comunicação discursiva
na estrutura da língua e nas formas do enunciado (nos dis-
cursos verbais). 2. A revelação e a tomada de consciência das
diferentes formas da palavra em conformidade com as con-
dições cambiantes da comunicação. A dialética da palavra.
Capítulo II
1. O enunciado e o discurso alheio. 2. O reflexo do in-
divíduo falante na língua. 3. O panorama histórico das for-
Capítulo III
1. A vida do enunciado nas condições contemporâneas
da comunicação discursiva. 2. Os tipos predominantes da co-
municação ideológica na cultura contemporânea. 3. A redu-
ção do tematismo da palavra na literatura e na vida. 4. A su-
perestimação da "palavra pura".
Capítulo IV
1. O predomínio dos "gêneros mudos" e da "palavra
muda" (para ser lida) na comunicação ideológica. 2. A sepa-
ração da palavra ideológica do espaço e tempo reais. 3. A se-
paração da palavra em relação ao falante. 4. Os destinos da
palavra retórica. 5. Conclusões.
332 Anexo
lógica da existência socioeconômica e natural em formação,
bem como das leis e formas dessa refração, precisam de de-
talhamento, de especificação e principalmente de concretiza-
ção em um determinado material ideológico. Somente desse
modo é possível obter um mecanismo concreto dessa refle-
xão e refração. Sem essa concretização e detalhamento, tor-
na-se totalmente impossível a realização do monismo meto-
dológico, não apenas nas declarações gerais, mas também em
todos os detalhes do trabalho científico concreto.
É justamente aqui que surgem os problemas da lingua-
gem para o marxismo. De fato, a palavra é o fenômeno ideo-
lógico par excellence. Não somente porque no seu material
são realizados os campos mais importantes da ideologia (ciên-
cia, literatura e, em grande parte, a religião e a moral), mas
também porque a palavra acompanha, como um ingredien-
te necessário, toda a criação ideológica. O processo de com-
preensão de qualquer produto ideológico (de um quadro, de
uma música, de um rito, de um ato) não se realiza sem a par-
ticipação do discurso interior. Todos os produtos e manifes-
tações da criação ideológica são banhados pelo universo do
discurso, imersos nele e não podem ser efetivamente separa-
dos e isolados dele. Qualquer refração ideológica da existên-
cia em formação em qualquer material significante é acom-
panhada por uma refração ideológica na palavra, atingindo
justamente nela sua maior pureza e essência. A palavra (ain-
da que interior) comenta qualquer ideologema. A palavra é
o meio ideológico refratante mais fino, flexível e ao mesmo
tempo o mais fiel. É por isso que as leis, as formas e o meca-
nismo da refração ideológica devem ser estudados no mate-
rial da palavra. A introdução do método marxista sociológi-
co para o estudo de todas as profundezas e detalhes das es-
truturas ideológicas até então "imanentes" é possível somen-
te na base da filosofia da linguagem elaborada pelo próprio
marxismo.
334 Anexo
foram em absoluto estudados. Esses discursos verbais estão
correlacionados, é claro, com outros tipos de manifestação e
interação por meio de signos: com a mímica, a gesticulação,
os atos convencionais e assim por diante. Essas formas de in-
teração discursiva ocorrem nas condições criadas pela ordem
sociopolítica e, de modo direto, pelas relações de produção.
A comunicação discursiva reflete de modo extremamente sen-
sível todas as mudanças aqui ocorridas, e a mudança da in-
teração discursiva, por sua vez, reflete-se nas formas e temas
dos discursos verbais. A história da língua deve ser constru-
ída não como história das formas linguísticas abstratas (fo-
néticas, lexicais, morfológicas), mas, acima de tudo, como
história das formas e dos tipos da interação discursiva. É es-
ta que determina até mesmo as formas dos discursos verbais
concretos, cotidianos e ideológicos; e a partir daí pode ser
compreendida a história dos significados e das construções
da própria língua, como sistema abstrato de normas-possibi-
lidades linguísticas. O estudo produtivo da história da cultu-
ra não é possível fora dessa história concreta da comunica-
ção discursiva ideológica, determinada de modo direto pela
ordem social e pelas relações de produção.
Algumas ideias sobre "os enunciados cotidianos", seus
significados e suas formas foram desenvolvidas no nosso ar-
tigo "Slovo v jízni i slovo v poézi" ["A palavra na vida e a
palavra na poesia"] (Zvezdá, nº 6, Guiz, 1926, pp. 244-67).
336 Anexo
literários podem ser lançados com solidez somente diante de
uma elaboração abrangente e especial dos problemas da lin-
guagem. Até que isso ocorra é inevitável a proclamação do
monismo metodológico na teoria e o dualismo metodológi-
co na prática: a combinação do raciocínio sociológico geral
com a análise concreta formalista.
338 Anexo
filosofia da linguagem, publicada ainda no início do século,
exerce uma enorme influência nos dias atuais. Em relação à
teoria de Marty, a antiga teoria humboldtiana sobre a forma
interna da língua se manifesta de um modo novo nos traba-
lhos dos teóricos da literatura Hefele, Walzel, Ermatinger e
outros. Os trabalhos puramente linguísticos e seus impulsos
originam-se da escola do filósofo hegeliano Benedetto Cro-
ce. Do ponto de vista de uma metodologia geral, a escola de
Sievers também tem grande importância para a linguística.
No entanto, atualmente além dessas tendências propriamen-
te linguísticas está se formando uma disciplina específica: "a
ciência da expressão", cujo principal representante é Ottmar
Rutz e o grafólogo Klages (intuitivista). Os trabalhos do lin-
guista genebrino Bally são de grande interesse metodológico.
A influência do objetivismo abstrato de Bally é muito signi-
ficativa, não somente na Europa Ocidental, mas também na
Rússia. São essenciais ainda os pressupostos metodológicos
de linguistas como Saussure, Van Ginneken (linguística psi-
cológica) e outros. As pesquisas psicolinguísticas de Karl Büh-
ler e Erdmann ocupam um lugar especial.
340 Anexo
nística e da germanística, que se encontram em oposição aos
métodos da filologia clássica "conservadora".
342 Anexo
liação da força autônoma da palavra, em uma confiança ex-
cepcional nas suas energias criativas.
Essas mudanças são condicionadas pelas alterações eco-
nômico-sociais correspondentes dentro da grande e da pe-
quena burguesia europeia.
Uma importância especial tem a alteração das formas
dos discursos verbais em decorrência das mudanças sociais.
A comunicação ideológica contemporânea caracteriza-se pe-
lo predomínio dos gêneros "mudos": o romance na literatu-
ra, os grandes estudos científicos e acadêmicos na criação
cognitiva. A principal forma da nossa percepção da palavra
ideológica é a leitura "silenciosa". Com isso, a palavra é re-
tirada do espaço e do tempo reais, é separada do falante (au-
tor e intérprete) e parece uma formação autossuficiente.
Desse modo, a mudança das condições sociais e das for-
mas de comunicação discursiva ideológica encontra sua ex-
pressão tanto na mudança das funções da palavra na criação
literária, quanto na sua interpretação filosófica.
Em cada palavra viva está contida uma avaliação social
ativa. Justamente ela transforma toda palavra-enunciado (is-
to é, todo discurso verbal concreto) em um ato social signi-
ficativo (por mais insignificante que ele seja, por exemplo, a
importância de algum enunciado cotidiano). Em todo enun-
ciado, o homem ocupa uma posição social ativa. Esses dis-
cursos verbais ativos se realizam em todas as esferas da vida
social: na comunicação no trabalho e profissional, política,
prático-cotidiana (na família, no círculo de amigos etc.), en-
fim, na comunicação ideológica no sentido estrito da pala-
vra. Quanto mais substancial e confiante a avaliação se ex-
pressar na palavra, tanto mais passará ao primeiro plano o
aspecto socioativo e semântico do enunciado. Ao contrário,
quando a firmeza e a importância da avaliação diminuírem,
seja em consequência de uma desagregação do grupo social
ao qual pertence o falante, seja em consequência do descola-
mento desse grupo para a periferia da vida social, começam
344 Anexo
guísticas das "formas da língua" . Por que ocorre a abstração
dessas formas? Em qual direção ela caminha e quais são os
pressupostos que a orientam?
Desse modo, acima de tudo é necessário elucidar a rea-
lidade imediata da língua. Pois todos os elementos linguísti-
cos - fonemas, morfemas etc. - encontram-se muito longe
dessa realidade imediata. O fenômeno físico do som e o pro-
cesso fisiológico de sua realização (bem como a reação físi -
co-fisiológica responsiva do interlocutor ) de modo algum são
a última realidade imediata da língua. A língua não pode ser
compreendida no sistema da natureza, somente no sistema
da história. Tanto o seu lado físico quanto o fisiológico é so-
mente um aspecto abstrato do fenômeno social concreto. Ao
permanecer nos limites dessa abstração, nunca chegaremos
à plenitude do sentido social e do significado da fala . O cor-
po físico e sonoro da fala e o processo fisiológico da sua rea-
lização estão imersos no mundo complexo das relações e con-
tatos sociais entre os falantes nos limites daquele meio social
ao qual pertencem. Se a abstração linguística partisse da rea-
lidade físico -fisiológica da fala, a linguística seria capaz de
construir somente o campo da fonética fisiológica. No entan-
to, nessa condição não se poderia abordar o som semasiolo-
gizado, isto é, o fonema no sentido preciso da palavra (co-
mo, por exemplo, o fonema é compreendido por Baudouin
de Courtenay). Tampouco poderia abordar o morfema, o sin-
tagma, o semema, pois o mesmo som, do ponto de vista físi-
co e fisiológico (se admitirmos sua identidade absoluta e to-
das as condições físico-fisiológicas necessárias para isso, ou
seja, o mesmo entorno sonoro, o mesmo acento, a mesma po-
sição em relação ao acento da frase etc. ) ainda seria profun-
damente diferente a depender de se ele pertence à raiz, ao su-
fixo ou à flexão, de se a palavra é sujeito ou predicado (inde-
pendentemente do acento ), de se essa palavra possui ou não
um alto grau de importância semântica e assim por diante.
O destino histórico do som no desenvolvimento da língua de-
346 Anexo
O que orienta a abstração linguística? Não os objetivos
do conhecimento e da explicação, mas os do ensino prático
da língua. Por isso as formas linguísticas não são a realidade
na qual a história é possível. Não pode haver uma formação
histórica efetiva nesse mundo de abstrações. Elas por si sós
não podem compor uma série histórica, não podem agir umas
sobre as outras nem condicionarem-se entre si. É por isso que
a história da língua é povoada por construções fictícias das
formas transitivas. Por meio dessas ficções é possível intro-
duzir uma certa lógica no desenvolvimento da língua, produ-
zir o simulacro de uma sequência necessária à simples posi-
ção das formas, porém isso não tem nada em comum com a
formação histórica real.
348 Anexo
lógica em grande escala: responde, refuta ou confirma algo,
antecipa as respostas e críticas possíveis, busca apoio e assim
por diante.
Todo enunciado, por mais significativo e acabado que
seja, é apenas um momento da comunicação discursiva inin-
terrupta (cotidiana, literária, científica, política). No entan-
to, essa comunicação discursiva ininterrupta é, por sua vez,
apenas um momento da constituição ininterrupta e multila-
teral de uma dada coletividade social. Disso surge um pro-
blema importante: o estudo da relação entre a interação con-
creta e a situação extraverbal mais próxima e, por meio des-
ta, a situação mais ampla. As formas dessa relação são diver-
sas e cada uma delas condiciona os diferentes significados que
as situações adquirem em momentos variados (por exemplo,
essas relações variam em conformidade com cada um dos
momentos das situações da comunicação artística ou cientí-
fica). A comunicação discursiva nunca poderá ser compreen-
dida nem explicada fora dessa relação com a situação con-
creta. A comunicação verbal está diretamente relacionada às
comunicações de outros tipos, por terem surgido no terreno
comum da comunicação produtiva. Obviamente, não se po-
de separar a palavra dessa comunicação unificada em eterna
formação. Nessa relação concreta com a situação, a comuni-
cação discursiva é sempre acompanhada por atos sociais de
caráter não discursivo (atos do trabalho, atos simbólicos de
um rito ou de uma cerimônia e assim por diante), dos quais
ela é frequentemente apenas um complemento, desempenhan-
do mero papel auxiliar. A língua vive e se forma historica-
mente justamente aqui, na comunicação discursiva concreta,
e não no sistema abstrato das formas da língua nem no psi-
quismo individual dos falantes.
Disso decorre que a ordem metodologicamente funda-
mentada para o estudo da língua deve ser a seguinte:
1) As formas e os tipos da interação discursiva na sua
relação com suas condições concretas;
350 Anexo
municação. Todo enunciado concreto (comunicativo em es-
sência) normalmente desempenha algumas funções e é pos-
sível falar somente sobre o predomínio de uma delas. Além
disso, a teoria das funções do enunciado deve ser concretiza-
da e pormenorizada em relação estreita com as especificida-
des das situações sociais do enunciado.
352 Anexo
Glossário
Sheila Grillo
Ekaterina Vólkova Américo
Glossário 353
tuação concreta, que ocorre nas consciências do falante
e do ouvinte (aquele que compreende). A compreensão
envolve sempre a tradução do signo para o contexto de
uma possível resposta. Além disso, todo enunciado é for-
mado em um processo de compreensão ativa e respon-
siva produzida na interação entre falante e ouvinte.
Discurso alheio (tchujáia rietch, pp. 246-62, 317-9) - é a
presença do discurso ou enunciado alheio no discurso
ou enunciado do autor. Ao ser transferido para o con-
texto autoral, o discurso alheio mantém o seu conteúdo
objetivo e rudimentos da sua integridade linguística. O
contexto autoral, por sua vez, elabora as normas estilís-
ticas, sintáticas e composicionais da assimilação parcial
do discurso alheio, estabelecendo, dessa forma, uma rea-
ção ativa a ele. Discurso alheio e contexto autoral en-
contram-se em uma inter-relação dinâmica constante.
As formas sintáticas estáveis de transmissão do discur-
so alheio (por exemplo, o discurso direto e o indireto)
surgem e se constituem, por um lado, sob a influência
das tendências predominantes de percepção do discurso
alheio, mas, por outro, por terem se formado e estarem
presentes na língua, essas formas exercem uma influên-
cia reguladora, estimuladora ou inibidora sobre o desen-
volvimento das tendências de percepção avaliativa, de-
terminando sua direção.
Discurso direto (priamáia rietch, pp. 263, 265, 278) - mo-
delo que predomina na língua russa, devido à ausência
do período racionalista na sua história, em que o con-
texto autoral objetivo analisaria e desmembraria o dis-
curso alheio, criando modificações complexas em sua
transmissão. Os elementos afetivo-emocionais integram
a composição do discurso direto, diferentemente do in-
direto. Quando a língua percebe o enunciado alheio co-
Glossário 355
absoluta" (absoliútnoie razígrivanie, pp. 317-8 ), na qual
o contexto autoral é de tal modo contaminado pela voz
alheia que esta última ganha autonomia e se coloca ao
lado do autor. Em outros termos, as relações entre o dis-
curso do autor e o do personagem se dialogizam como
nas réplicas de um diálogo. Uma variação desse caso ex-
tremo é a "interpretação parcial" (tchastítchnoie razí-
grivanie, p. 318) em que são possíveis passagens ento-
nacionais gradativas entre o discurso autoral e o discur-
so alheio.
Discurso interior ou palavra interior ou signo interior (vnú-
trenniaia rietch ou vnútrenneie slovo ou vnútreni znak,
pp. 100, 121, 128, 133, 135-7, 207, 254; 100-1; 127-
38) - embora não seja o único, é o principal material
sígnico do psiquismo, necessário para que uma vivência
subjetiva tome forma e se torne consciente. Em MFL, o
autor trabalha sobretudo o modo como se realiza o dis-
curso interior. Em outros termos, ele se realiza sob a for-
ma das réplicas de um diálogo e suas unidades se ligam
segundo as leis da correspondência valorativa (emocio-
nal), de enfileiramento dialógico etc., dependendo estrei-
tamente das condições históricas da situação social e de
todo o decorrer pragmático da vida. O psiquismo (sig-
no, discurso ou palavra interior) se objetiva por meio da
ideologia (signo exterior) e esta se subjetiva no discurso
interior, resultando em uma síntese dialética. Ele tem
uma orientação social, sendo constituído por entonação
e estilo interior.
Discurso verbal (rietchevóie vistupliénie ou sloviésnoie vis-
tupliénie, pp. 107, 111, 194, 219, 343, 348)- é um dos
sinônimos de enunciado, assim como "ato discursivo in-
dividual". As formas e os temas dos discursos verbais
são determinados pelas condições, formas e tipos de co-
municação discursiva. Os discursos verbais estão corre-
Glossário 357
ca do sistema: aquela tendência de pensamento linguís-
tico que, por meio de uma abstração, isola a forma lin-
guística do enunciado ("objetivismo abstrato"). "Dis-
curso verbal" (rietchevóie vistupliénie, pp. 111, 194) e
"ato discursivo" (retchievói akt, p. 200) são emprega-
dos como sinônimos de enunciado.
Esfera da comunicação social organizada (sfiéra organizó-
vannogo sotsiálnogo obschénia, p. 145) - conceito-cha-
ve na obra, é entendido como o componente necessário
para que uma sequência de sons articulados produzidos
por um falante e recebidos por um ouvinte se torne um
fenômeno linguístico. Falante e ouvinte devem perten-
cer à mesma coletividade linguística, à mesma socieda-
de organizada e devem ser unidos pela situação social
mais próxima. Parece ser um sinônimo de ato social (sot-
siálni akt, p. 256).
Estilo linear (linéini stil, pp. 257, 262) - termo empresta-
do da obra de Heinrich Wolfflin, Conceitos fundamen-
tais da história da arte (ed. bras.: tradução de João Aze-
nha Jr., São Paulo, Martins Fontes, 2006), na qual é
empregado na análise das artes plásticas. Em MFL, o
estilo linear é utilizado para descrever e analisar uma
tendência de transmissão do discurso alheio que seca-
racteriza, externamente, por manter contornos bem de-
finidos entre o contexto autoral e o discurso alheio e, in-
ternamente, por homogeneizar as linguagens do autor e
dos personagens.
Estilo pictórico (jivopísni stil, pp. 258, 262, 321) - expres-
são também emprestada da obra de Wolfflin. Em MFL,
caracteriza o estilo de transmissão do discurso alheio em
que, externamente, os contornos entre o contexto auto-
ral e o discurso alheio tendem a ser apagados e, interna-
mente, são indivualizadas ao extremo as particularida-
des linguísticas do discurso alheio.
Glossário 359
cação ou interação social, tais como: conversas de salão,
conversas no horário do almoço ou no intervalo da fa-
culdade, bate-papos em festas populares, conversas in-
formais durante o trabalho, conversas dos bastidores,
troca de opiniões no teatro, no concerto e em todo tipo
de reuniões públicas, conversas informais e eventuais, o
modo de reagir verbalmente aos acontecimentos da vi-
da e do dia a dia, a formulação verbal da consciência
sobre si e sobre a sua posição social etc. O gênero é de-
terminado pelo auditório, e constitui uma parte da si-
tuação social. Além disso, ele é um reflexo ideológico do
tipo, da estrutura, do objetivo e da composição social
da comunicação cotidiana.
Horizonte valorativo (tsénnostni krugozór, pp. 237-8), hori-
zonte social (sotsiálni krugozór, pp. 110-2, 205-7) - é
constituído pelo conjunto de interesses e valores, sempre
em processo de formação, de um determinado grupo so-
cial, bem como do autor e do personagem, na transmis-
são do discurso alheio. A sua ampliação constante pro-
voca a reavaliação e a redistribuição dos sentidos lin-
guísticos antigos.
Identidade normativa (normatívnaia tojdiéstvennost, pp.
158, 177) - no objetivismo abstrato são os elementos
idênticos e normativos, sejam eles fonéticos, gramaticais
ou lexicais, que garantem a unicidade de uma língua e
sua compreensão por todos os seus falantes.
Ideologia do cotidiano (jíznennaia ideológuia, pp. 99-100,
213-6) - o mesmo que psicologia social na literatura
marxista. É o conjunto de vivências e expressões coti-
dianas de caráter social formado pelo universo do dis-
curso interior e exterior, não ordenado nem fixado, que
abarca todo nosso ato, ação e estado "consciente". É
formada por duas camadas: a inferior, mais distante dos
sistemas ideológicos constituídos, e a superior, mais pró-
Glossário 361
frase e até de uma mesma palavra. Esse fenômeno ocor-
re de modo especial na modificação analítico-verbal do
discurso indireto e em suas variantes, quando neste são
conservadas não apenas palavras e expressões isoladas,
mas sobretudo a construção expressiva do enunciado
alheio. O caso mais importante de interferência discur-
siva é o discurso indireto livre.
Interlocutor ideal (ideálni sobessiédnik, p. 205) - toda pa-
lavra ou todo enunciado é orientado para um interlocu-
tor e, na sua ausência, esse lugar é ocupado pelo repre-
sentante médio do grupo social e da época do falante.
Língua ou linguagem (iazk ) - o idioma russo não faz dife-
rença entre os dois conceitos: a distinção só pode ser es-
tabelecida no contexto. No título de MFL optamos por
"linguagem", assim como os demais tradutores em ou-
tras línguas, por essa ser essa a opção que mais corres-
ponde ao domínio disciplinar no qual o autor se insere.
Já, por exemplo, na p . 145, optamos por usar "língua"
por se tratar de fenômenos fonéticos e fisiológicos en-
volvidos na comunicação verbal.
Meio social circundante (sotsiálnaia okrujáiuchaia sredá, pp.
94, 216), meio social e ideológico (sotsiálnaia ideologuí-
tcheskaia sredá, p. 97 ), meio social (sotsiálnaia atmos-
fiéra ou sotsiálnaia sredá, pp. 108, 116, 121, 145, 216,
345), meio social específico (spetsifítcheskaia sotsiálnaia
sredá, p. 122), meio social extracorporal (vneteliésnaia
sotsiálnaia sredá, p. 121 ), meio social organizado (orga-
nizóvannaia sotsiálnaia sredá, p. 146 ), meio social mais
amplo (bólee chirókaia sotsiálnaia sredá, p. 206) - or-
ganização social mais ampla com reflexos imediatos na
interação discursiva; lugar de existência e geração de sig-
nos ideológicos e da consciência no processo de expres-
são para o exterior. O meio social amplo juntamente
Glossário 363
expressão. Essa modificação procura salientar o modo
típico de falar do sujeito citado, introduzindo, normal-
mente, suas palavras entre aspas.
Modifi,cação discurso alheio antecipado, disperso e oculto no
contexto autoral (modifi,kátsia predvoskhischiónnaia i
rassiéiannaia tchujáia riétch, zapriátannia v ávtorskom
kontiékste, p. 280) - é um caso do fenômeno da inter-
ferência discursiva (ver verbete), no qual o contexto au-
toral é perpassado pelo modo de dizer e pela entonação
do(s) personagem(ns). O autor pode usar essa modifica-
ção para ironizar as expressões e o universo valorativo
do personagem.
Modifi,cação discurso direto reifi,cado (modifi,kátsia ovesches-
tvliónnaia priamáia riétch, p. 279) - é uma modifica-
ção em que o autor fornece uma rica descrição do per-
sonagem, que se torna mais importante do que o con-
teúdo da sua fala. A diminuição do peso semântico da
palavra alheia é inversamente proporcional ao aumen-
to do seu caráter original e pitoresco.
Modifi,cação discurso direto retórico (modifi,kátsia ritorí-
tcheskaia priamáia riétch, p. 285) - é uma modificação
linear do discurso direto, de caráter persuasivo, que se
aproxima do discurso indireto livre. São variantes des-
sa modificação a pergunta retórica (ritorítcheski vopros,
pp. 285-6, 316) e a exclamação retórica (ritorítcheskoie
vosklitsánie, p. 285) que se encontram no limite entre o
discurso do autor e o alheio, podendo ser interpretadas
tanto como a fala de um quanto a do outro. No entan-
to, a atividade do autor prevalece, uma vez que ele fala
em nome do personagem. Outra variante é o discurso
direto substituído (zameschiónnaia priamáia rietch, p.
287), em que o autor como que fala no lugar do seu per-
sonagem, substituindo o seu discurso e dizendo aquilo
Glossário 365
Forense Universitária, 2008), Paulo Bezerra traduziu o
título do último capítulo, "Slovo u Dostoiévskogo", co-
mo "O discurso em Dostoiévski", compreendendo que
se trata não apenas da unidade lexical, mas também da
expressão verbal em geral.
Palavra alheia (tchujóie slovo, pp. 187-96) - é a presença
da língua estrangeira sob a forma de uma língua religio-
sa arcaica (por exemplo, o eslavo eclesiástico na Igreja
Ortodoxa Russa ou o latim na Igreja Católica) ou da lín-
gua de um povo conquistador. Essa presença é essencial
para a formação da distinção entre palavra própria
(svoió slovo, p. 188) e palavra alheia, para a constitui-
ção dos filosofemas da palavra alheia e para o surgimen-
to dos estudos linguísticos e filosóficos modernos.
Participantes sociais imediatos (blijáichie sotsiálnie utchást-
niki, p. 207) - são os participantes do evento do enun-
ciado, sobretudo o falante e o(s) interlocutor(es). Junta-
mente com a situação social mais próxima, eles deter-
minam a forma e o estilo do enunciado.
Passagem imediata do discurso indireto ao direto (neposré-
dstvenni perekhód kósvennoi riétchi v priamúiu, p. 274)
- em MFL salienta-se a necessidade de diferenciar este
caso da modificação analítico-verbal - ainda que se
considerem suas funções muito próximas - pois a sub-
jetividade discursiva do discurso citado torna-se mais
clara ao mesmo tempo em que segue a direção escolhi-
da pelo discurso do autor citante.
Percepção ativa (aktívnoe vospriátie, p. 252) - compreende
a percepção do discurso alheio pelo interlocutor. É com-
posta de dois momentos: primeiro, a réplica interior
(vnútrenneie replitsírovanie, p. 254) e, segundo, o co-
mentário real (reálnoe kommentírovanie, p. 254 ).
Glossário 367
tes classes sociais compartilham os mesmos signos, ne-
les se cruzam ênfases multidirecionadas e portanto um
signo se torna o palco da luta de classes. O signo pode
tanto refletir quanto distorcer a realidade.
Sinal (signal, pp. 177-80) - é um objeto internamente imó-
vel e unitário; um meio técnico pelo qual se aponta pa-
ra algum objeto (definido e imóvel) ou para alguma ação
(também definida e imóvel).
Situação social concreta (konkriétnaia sotsiálnaia situátsia,
pp. 107-8, 134), acontecimento da comunicação social
mais próximo (blijáichee sotsiálnoie sobítie obschiénia,
p. 145), situação social mais próxima (blijáichaia sotsiál-
naia situátsia, pp. 145-6, 204, 206, 211, 235) - com-
preende o contexto situacional em que ocorre o encon-
tro entre os participantes do processo de comunicação,
sendo necessária, juntamente com a esfera da comuni-
cação social organizada, para a delimitação da essência
da linguagem. A situação mais próxima e os participan-
tes sociais imediatos determinam a forma e o estilo do
enunciado (ver verbete Meio social circundante).
Tema (tiéma, pp. 108, 111-2, 227-38, 249-50, 311-2) - é o
limite superior e indivisível da capacidade de significar;
ele é o aspecto mutável e instável do significar, pois está
ligado ao todo do enunciado na sua relação com a situa-
ção histórica concreta. O tema se apoia nas significações
estáveis e estas só existem como elementos do tema.
Apenas uma compreensão responsiva pode dominar o
tema.
Vivência (perejivánie, pp. 117-27) - é um conceito origi-
nário da filosofia alemã (Dilthey). Em MFL, a vivência
é associada ao signo interior (ver verbete Signo).
Vivência do eu (iá-perejivánie, p. 208) - um dos dois polos
entre os quais a vivência se caracteriza por um grau
menor de acabamento ideológico, aproximando-se da
Glossário 369
Sobre o autor
371
Sobre as tradutoras
373
Obras do Círculo de Bakhtin
publicadas pela Editora 34
ISBN 978-85-7326-661-0
111111111111111111111111111111
9 788573 26661 o