Psicanálise, Ciência e Profissão

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09/11/2022 10:49 UNINTER

 
 
 
PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 1

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 1/14
09/11/2022 10:49 UNINTER

Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci

CONVERSA INICIAL

PSICANÁLISE: O QUE É, ONDE ESTÁ INSERIDA E QUAL O SEU FAZER?

Olá, estudante! Aqui iniciamos uma jornada de


grandes descobertas e grande aprendizado, um

pontapé inicial dentro do percurso


de estudos a ser percorrido por você. Aprenderemos um pouco

sobre onde é
possível encontrar a psicanálise atualmente e como ela está situada no campo

científico e como uma profissão, um fazer. A proposta inicial é de que possamos


localizar a

psicanálise dentro de um contexto social, político e ético e, então,


situá-la como ciência e profissão.

Assim, para que possamos entender a psicanálise


como uma profissão (ou um fazer), é

necessário que, já no princípio, haja um


entendimento e um primeiro contato com o modo como ela
surgiu, ou seja, precisamos
entender sua história, de onde ela vem, o que contribuiu para seu

nascimento como
ciência e profissão, bem como seus preceitos éticos e o que embasa sua técnica.

Nessa proposta de trilhar um percurso histórico acerca do surgimento da psicanálise,


agregaremos

subsídios para que seja possível compreender também qual é o fazer


do psicanalista, seus

principais preceitos éticos e técnicos e o que é


requisito para exercer a psicanálise em termos de

ética e regulamentações. Considerando


isso, o viés histórico é indissociável dos aspectos técnicos e

práticos.

Pautados numa discussão tanto epistemológica (sobre


a psicanálise como ciência) quanto

histórica (como surge, no que se baseia,


quais suas regulamentações e preceitos éticos), traremos à

tona as relações
entre psicanálise e psicologia, e qual o lugar da psicanálise dentro do campo
das
ciências.

Há diferenças entre psicanálise e psicoterapia?


O que as diferencia ou as aproxima? Qual o

lugar da psicanálise no discurso da


psicologia e da medicina? Onde se deve exercer a psicanálise?

Todos esses
questionamentos serão levantados e discutidos no decorrer e desenvolvimento de

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nossos estudos. Subsequentemente, trataremos dos aspectos técnicos e


regulamentares do fazer

do psicanalista: onde e como se dá sua formação, o que


é necessário para exercer a psicanálise, o
que é e o que distingue a
psicanálise em intensão (a do setting tradicional da clínica) e a
psicanálise

em extensão (aquela que se pratica fora do setting


tradicional da clínica, nas instituições e num

âmbito social).

Nesta aula, a proposta é que possamos construir


um percurso histórico acerca do surgimento

da psicanálise, e que tenhamos


contato com seus principais preceitos técnicos e teóricos e de onde

surgiram, ou
seja, o que na história da psicanálise contribuiu para os seus fundamentos. O
aspecto

histórico se alia ao desenvolvimento da técnica e da teoria


psicanalítica, pois a psicanálise surge da

experiência clínica e de seus


desdobramentos. Por isso, a história não se dissocia da teoria e da

prática
dentro do campo psicanalítico. Na sequência, adentraremos no campo da discussão
da

psicanálise como ciência, observando sua relação com a psicologia e as


psicoterapias, bem como
sua aplicação clínica (em intensão) e em extensão.

TEMA 1 – O QUE É E ONDE ESTÁ INSERIDA A PSICANÁLISE NOS DIAS


ATUAIS? –
PSICANÁLISE E MEDICINA, UMA INTRODUÇÃO

A psicanálise é uma práxis, principalmente


clínica, surgida dentro da medicina e sistematizada a

partir de experiências
clínicas e pesquisas de Sigmund Freud, no final do século XIX. Ela surge com o

  contato
de Freud e seus parceiros de trabalho com as pacientes histéricas (principalmente),
que

desafiavam a medicina da época. Tal desafio se impunha, pois não era


possível encontrar

justificativa orgânica alguma para o adoecimento dessas pacientes.


Com isso, foi necessário pensar

em outro tipo de explicação para o adoecimento


histérico, sendo necessário criar e pesquisar

alternativas para seu tratamento.


Com a proposta de escutar e investigar o que essas pacientes

tinham para dizer


sobre seu próprio adoecimento, surgem as primeiras experiências e pesquisas que

dão abertura ao campo psicanalítico. Vamos começar, então, falando sobre quem
era Sigmund

Freud.

De acordo com Salim (2010), Freud nasceu em


1856, em Freiberg, Moravia, no império austro-

húngaro, que atualmente é Pribor,


Checoslováquia. Em 1860, ainda criança, mudou-se para Viena

devido a questões
familiares. Nesta cidade, cursa Medicina e então se interessa pela neurologia. É

com sua formação médica que passa a ter contato com o fenômeno da histeria e
estudá-lo. Após a

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publicação de alguns trabalhos com base em sua experiência


clínica como neurologista e sua

necessidade pessoal de sistematizar seus


conhecimentos adquiridos e pesquisas, em 1896

denomina de Psicanálise esse


conjunto dos conhecimentos acumulados decorrentes da pesquisa e

da experiência
clínica, até então, sobre o funcionamento mental, em um artigo denominado “Novas

observações sobre as Psiconeuroses de Defesa”.

Freud, em sua formação como médico neurologista,


se propõe a estudar e investigar os

aspectos psicológicos que poderiam estar


envolvidos no adoecimento de suas pacientes,

entendendo que havia alguma


relação de causalidade entre o aspecto psicológico da paciente e seu

adoecimento. Com essa relação entre o aspecto médico e psicológico, adentramos


as relações entre

psicanálise e psicologia.

TEMA 2 – O QUE É E ONDE ESTÁ INSERIDA A PSICANÁLISE NOS DIAS


ATUAIS? – PSICANÁLISE
E PSICOLOGIA, UMA BREVE INTRODUÇÃO

Com base no que foi exposto até aqui, é


possível verificar que desde seus primórdios, portanto,

a psicanálise foi
exercida por médicos. Com o tempo, extrapola o campo da medicina e adentra o

campo da psicologia – ciência que ganhava espaço na academia em


meados dos anos 1950. Silva,

Gasparetto e Campezatto (2015) afirmam


que, com
a absorção da psicanálise pela psicologia, surge

uma psicanálise técnica,


aplicada e aprendida nas universidades, nos cursos de psicologia. Outro

movimento importante com relação à difusão da psicanálise é a criação de escolas


de psicanálise,

nas quais são praticados a formação, os estudos e as discussões


na área pelos psicanalistas. Neste

momento, é importante ter em mente que a


psicanálise surge dentro da medicina, mas se difunde

com o tempo, como uma


prática à parte da medicina, com sua ética e regulamentações próprias.

Sabemos, portanto, que em suas origens havia íntima


relação entre psicanálise e clínica médica.

Até hoje a psicanálise é exercida


dentro do campo da medicina (principalmente associada à

psiquiatria), e teve
sua inserção no Brasil a partir da mesma.

Em 1899, Juliano Moreira, professor catedrático na Faculdade


de Medicina de Salvador, foi o

primeiro brasileiro a citar, em conferência,


artigos científicos de Freud, quando a prática clínica
profissional da
Psicanálise não havia sido bem estabelecida em Viena, no chamado período de

isolamento esplêndido de S. Freud (1898-1902). Entre 1900 e 1902, quando morava


na Europa para
tratar de uma tuberculose, viajou por vários países, com o
objetivo de conhecer os tratamentos e

as instituições psiquiátricas. Em 1903,


retornou ao Brasil e instalou-se no Rio de Janeiro, onde se

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tornou o diretor do
Hospital Nacional dos Alienados. Nessa instituição, as obras de Freud foram

transformadas em teorias de interesse acadêmico e se tornaram objeto de teses


de Doutorado nas
Faculdades de Medicina (Salim, 2010).

Ainda segundo o autor, a maior parte dos


médicos com interesse pela Psicanálise naquela
época eram psiquiatras,
neuropsiquiatras ou neurologistas que tiveram algum contato e interesse

pela
obra de Freud. No entanto, esse interesse acaba ficando apenas no plano teórico
ou

especulativo, e tais médicos não se dedicaram à prática clínica


psicanalítica. Mesmo assim, eles

devem ser considerados como precursores da


difusão da obra de Freud no Brasil. Falamos um

pouco mais da relação entre


psicanálise e medicina para que possamos então abordar a inserção

dela, da
psicanálise, no campo da psicologia, e como se estabelece essa relação até hoje
em termos

práticos.

Paralelamente à prática psicanalítica com base


na medicina, surge um movimento de inserção

da psicanálise dentro da psicologia.


Segundo Rosa (2001), atualmente é possível verificar que a

psicanálise está
presente nas mais diversas áreas em que atuam os profissionais do campo psi:
educação, justiça, saúde e trabalho, por exemplo. Assim, podemos pensar numa
psicanálise exercida

não somente na clínica, mas que se estende como um


discurso e uma ética em outras áreas de

atuação relacionadas ao comportamento


humano e à psicologia. Onde se insere o psicólogo, pode

ser inserida a
psicanálise.

Soares (2009) reitera que as práticas de extensão da psicanálise – aquelas


que extrapolam o

cenário da clínica, como as da educação ou da justiça, por


exemplo – podem conservar o que é a

essência do fazer do psicanalista


(sua ética e visão de homem), mesmo fora do ambiente da clínica,

que é o setting
tradicional do psicanalista. Elas podem, assim, ser estendidas aos demais campos
de

atuação da psicologia, mantendo o rigor ético em sua política, tendo sempre


em vista as diferenças

práticas da atuação em seu setting habitual e da atuação fora dele,


a chamada psicanálise em
extensão.

Rosa (2001) ainda discorre


que a psicanálise está presente nos cursos de Psicologia tanto em

um de seus
eixos teóricos (Psicanálise I, II etc.) quanto nas disciplinas temáticas, como

Psicomotricidade,
Psicopatologia, Psicologia do Desenvolvimento, em que sua inserção é menos

óbvia, mas não menos presente. Dentro da formação de psicólogo (estágios e


afins), a psicanálise

também estará presente dependendo da abordagem teórica do


supervisor, seja no campo de

atendimento clínico, seja no atendimento à comunidade


(na escola, nas instituições etc.).

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TEMA 3 – COMO SURGIU A PSICANÁLISE?

Até aqui, pensamos juntos onde é possível encontrar


a psicanálise nos dias de hoje e como se

deu sua inserção social no Brasil e no


mundo. Com base nessa discussão, surgem outras perguntas:

como surgiu a
psicanálise? Por que sua relação com a medicina e com a psicologia? Responder a

essas perguntas nos dá mais subsídios para compreender a inserção social da


psicanálise como

ciência e profissão e nos coloca diante do fazer prático do


psicanalista, visto que em psicanálise

teoria e prática não se dissociam.


Vamos, portanto, tratar do surgimento da psicanálise como

alternativa ao
tratamento da histeria, e como isso a faz ganhar o alcance que se vê nos dias
de hoje.

A psicanálise surge da prática clínica de Freud


e seus parceiros de trabalho (colegas e
professores) com as pacientes
histéricas. Mas quem eram esses pacientes? Em sua maioria, eram

mulheres que
manifestavam tanto sintomas físicos (cegueira, paralisias, crises nervosas etc.)
quanto psíquicos (não conseguir beber água, esquecer como falar sua língua materna
etc.). O

surgimento desses sintomas não tinha explicação de fundo orgânico e


era exatamente essa falta de
explicações que intrigava os médicos.

Com as histéricas assistimos ao nascimento da psicanálise e


ao desenvolvimento de seu
arcabouço teórico: a formulação de um aparelho
psíquico, regido não mais pela consciência, mas

sim pelo inconsciente, formado


por meio de uma ação psíquica, o recalcamento, mecanismo de
defesa básico da
histeria. Concomitantemente teremos a teoria do sonho, o desvelamento da

sexualidade infantil, que vai causar escândalo no início do século XX.


(Nishikawa; Fiore; Hardt,

2017, p. 275)

Neste ponto de nossa


construção acerca da historiografia da psicanálise, torna-se importante

explicar melhor o que seria a histeria, fundamental para a discussão histórica


que estamos
propondo. Segundo Belintani (2003), o termo histeria é
derivado da palavra grega hystera. Referia-se

a uma suposta condição


médica das mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em
grego. Foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse
um movimento

irregular de sangue do útero para o cérebro. A suposição era de


que a histeria se desenvolvia pela
privação de relações sexuais, que causava o
deslocamento do útero pelo corpo. Com isso, a
paciente histérica “[...] teria
sua respiração afetada, desenvolvendo convulsões se o útero subisse

até o
hipocôndrio e estacionasse nesse órgão. Caso o útero prosseguisse sua subida e
atingisse o
coração, a paciente emitiria sinais de ansiedade, opressão e
vômitos” (Belintani,2003, p. 57).

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Nishikawa, Fiore e Hardt


(2017) mostram que, com o estabelecimento de uma delimitação
nosológica do
quadro (tradicional na medicina), há uma maior abertura para que se supere essa

visão preconceituosa e um tanto simplista que vinculava a histeria ao aparelho


genital feminino.
Aponta-se, então, para um quadro com múltiplas formas de
manifestação que continha uma ordem

própria e definida. A superação da visão de


que a histeria seria uma doença do útero traz à cena a
possibilidade de
pensar a histeria como uma forma de adoecimento psíquico: “[...]a origem da

histeria
se devia a um grupo de ideias parasitas não conscientes no espírito do sujeito”
(Nasio, 1999,
p. 22). Isso amplia radicalmente a concepção que se tinha do
fenômeno histérico, localizando a

histeria dentro de um sofrimento de cunho


psicológico.

Nishikawa, Fiore e Hardt (2017) situam que na


história da medicina, Jean-Martin Charcot
estabelece diferenciação entre
histeria e epilepsia. Transformou La Salpêtrière em um centro de

referência
clínico e de ensino da histeria, criou um arquivo fotográfico para eficaz
registro médico e,
assim, concretizou seu projeto científico. Com isso, cria-se
inclusive uma identidade visual para o

fenômeno. Freud, entre 1885 e


1886, fez um estágio no hospital parisiense La Salpêtrière, onde teve
aulas com
Charcot. Durante esse período, Freud aprende a utilizar a hipnose como
tratamento.

Segundo Nasio (1999), a hipnose era emprega para ter acesso aos
conteúdos que agiam como esse
corpo estranho parasita no psiquismo da paciente
histérica – conteúdos esses que estavam por trás

do adoecimento, causando-o.

Durante as pesquisas
realizadas por Sigmund Freud e Josef Breuer, experimentações com
hipnose
sugeriam a existência de memórias patogênicas que causavam os sintomas. É neste

momento de pesquisas utilizando a hipnose que surgem também as noções de


topologia psíquica,
com a conceituação de consciente, pré-consciente e
inconsciente, e a noção de metapsicologia, com

os conceitos de repressão,
resistência e recalque, tão importantes para construir a psicodinâmica
psicanalítica. No mesmo período em que Freud e Breuer faziam suas pesquisas,
outros testes com a

hipnose eram realizados também por pesquisadores como


Charcot e Bernheim, reforçando as
primeiras teses esboçadas por Freud e Breuer
no tratamento de Anna O., nome fictício que aparece

na literatura psicanalítica
em referência a Bertha Pappenheim, um dos casos mais relevantes na
discussão
acerca dos fenômenos da histeria.

Belintani (2003) mostra que Freud,


em 1895, publica seus Estudos sobre a histeria, trabalho no

qual
apresenta seus achados e conclusões a respeito da histeria. Essa obra é
composta pelo relato
de cinco casos clínicos, tendo sido quatro deles atendidos
pelo próprio Freud. As pacientes

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atendidas foram: Frau Emmy von N., Miss Lucy


R., Katharina e Fraülein Elisabeth von R. Um caso

especial e que não foi


atendido por Freud, o da paciente Anna O., é o primeiro caso clínico citado na
obra. Ela foi atendida por Josef Breuer, médico austríaco que teve com Freud
uma relação bastante

significativa, tanto afetiva quanto profissional.

A jovem
de 21 anos sofria de diversos distúrbios corporais graves, como paralisia de
membros
do corpo, cegueira temporária e até mesmo esquecimento de quase todos
os idiomas que falava

(com exceção do inglês). Belintani (2003) reitera que,


com base no atendimento de Anna O., Freud
conclui que o que se
encontrava por trás dos sintomas neuróticos era de natureza sexual e
conflitiva.

Com o avançar das pesquisas, Freud vai dando importância cada vez
maior à sexualidade, tanto para
a compreensão da neurose (aqui, a histeria) quanto
para a compreensão da constituição do sujeito

dito “normal”, ou seja, o sujeito


que não padecia do sofrimento causado pela neurose.

Com o passar do tempo, a


psicanálise se transformou em um método geral de investigação dos
fenômenos
psíquicos – tais como os chistes, os atos falhos e os sonhos, imprescindíveis
para o

entendimento e a formulação da teoria psicanalítica –, daí sua utilidade


para compreender eventos
que se manifestam também em pessoas ditas “normais”, e
não apenas nos neuróticos. Abarcando

praticamente toda produção humana


espiritual, ela também serviu para analisar a arte, a literatura e
a religião;
suas descobertas tiveram impacto profundo em áreas como filosofia e sociologia.

TEMA 4 – UM POUCO MAIS SOBRE A TÉCNICA PSICANALÍTICA E SEU


PERCURSO
HISTÓRICO

Até este ponto de nossa aula, tratamos sobre a


parte histórica acerca de como surgiu e qual é o
trabalho do psicanalista.
Agora, é necessário adentrar ainda mais no campo do fazer do psicanalista.

Para
tanto, será necessário ainda tratar de alguns aspectos históricos. Como temos trabalhado
até
aqui, as pacientes histéricas trazem um desafio à prática dos médicos da
época de Freud. Com a

noção de que o adoecimento histérico era advindo de um


conflito psíquico, Charcot utilizava da
hipnose para trazer à tona tais
conflitos. Esse era o método da sugestão hipnótica: o
médico, pela

hipnose, poderia conduzir o paciente por sugestões, a fim de


rememorar eventos traumáticos. Tinha-
se em mente que ao relembrar/reviver tais
eventos, o sintoma se desfazia. Foi usado por Freud na
fase inicial de sua
trajetória, em conjunto com Josef Breuer.

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De acordo com Nasio (1999), essa técnica foi se


mostrando insuficiente, pois algum tempo
após a experiência hipnótica os
sintomas voltavam. Freud percebia que nem todos os seus

pacientes
eram hipnotizáveis ou influenciáveis pela emoção e, por isso, considerava-se um
mau
hipnotizador. Também percebia a dificuldade de
alcançar uma condição de cura efetiva, uma vez que
não se extirpava os
sintomas. O tratamento hipnótico para a revivescência dos eventos traumáticos

atuava apenas com os sintomas gerando uma melhora temporária, mas não com sua
resolução
definitiva e a etiologia da neurose, isto
é, não estudava as razões originárias das neuroses.

E foi assim que Breuer pensou em uma nova


ideia: “[...] servir-se da hipnose, da sugestão verbal
ou de outro tipo de
sugestão, não para reproduzir os sintomas da doença, mas para extrair, para

fazer sair, para extirpar o corpo estranho” (Nasio, 1999, p. 21). Surge, então,
uma nova fase no
tratamento da histeria: a do método catártico, em que, o papel do médico
seria despertar as

emoções que estariam na base dos sintomas. De certa forma, o


analista tem o papel ativo (como na
sugestão hipnótica) de conduzir o analisado
por uma jornada emocional. Este método combinava a

técnica da pressão e foi usado


por Freud como decorrência de seu trabalho com Josef Breuer.
Leandro e Honda
(2008, p. 150) nos situam que, inspirado em Berheim (outro médico que
trabalhava
com a hipnose) e partindo de suas observações sobre o método
catártico, Freud começa a utilizar

técnica da pressão na testa: “pressionando


a testa do paciente, pede a este que lhe relate a ideia ou
imagem que lhe
ocorre que a descreva seja qual for, e sempre dá ao paciente a certeza de que
algo

lhe ocorrerá”.

Os autores ainda explicam que Freud relata que


o uso desse método nunca falhou, apontando

um caminho para desenvolver a


investigação sobre a patologia do paciente: “A pressão distrai o
paciente de
reflexões conscientes, e já que a associação com os fatores patogênicos parece
estar

sempre ‘à mão’, só é preciso retirar do caminho os obstáculos, ou seja, a


vontade do paciente”
(Leandro; Honda, 2008, p.
150). Isso mostra a Freud que há algo importante que faz com que a ideia
causadora
do adoecimento se mantenha inconsciente: a resistência. Com o método da pressão
na

testa, Freud conseguia diminuir a resistência e assim era possível ter


contato com a ideia patógena.

De acordo com Andrade (2015), alguns fatores


levam Freud a questionar o método catártico, em

prol da técnica que se conhece


hoje como associação livre. Uma das questões que o levam a
questionar a
eficácia desse método é a relação de poder e sugestionabilidade que acaba
existindo

entre hipnotizador e hipnotizado, e a importância da sugestão nesse


processo.

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Freud remonta à metáfora proposta por Leonardo da Vinci para distinguir as técnicas utilizadas na

pintura das utilizadas na escultura. Àquela, operando “per via di porre” e relacionada à sugestão
hipnótica, trabalharia com o depósito de material sobre o já existente, não ocorrendo nenhuma

mudança estrutural. Esta última, relacionada à técnica analítica, operando “per via de levare”,
trabalharia com a retirada do material, eliminando dele os excedentes que recobrem a superfície

do objeto para a construção do novo. (Andrade, 2015, p. 39)

O que fica evidente


aqui é a importância da resistência no processo de descoberta do conteúdo
inconsciente que causa o adoecimento neurótico, e como é necessário que os
conteúdos surjam

com certa espontaneidade na fala do paciente, evidenciando que


a sugestionabilidade pode ser um
fator que dificulta o tratamento.

Nasio (1999) reitera


que com a concepção de que havia na relação entre médico-paciente um

aparato importante
para o tratamento da neurose, Freud pensa em alguns outros dispositivos
clínicos que pudessem ser mais eficazes e mais espontâneos que a sugestão
hipnótica; e é aí que

entram em cena os conceitos de resistência e


transferência. “Abandona a catarse e a hipnose e
utiliza o que se convencionou
chamar de coerção associativa, tentando estimular até exigir a

rememoração sem
hipnose, dos acontecimentos esquecidos, dos acontecimentos traumáticos e
sexuais esquecidos” (Nasio, 1999, p. 25). Tais conceitos serão mais bem
trabalhados nas próximas

aulas, quando tratarmos da técnica psicanalítica e do


surgimento de tais conceitos.

Com isso, vai surgindo


o último e definitivo método utilizado dentro da técnica psicanalítica: o

método
da associação, pelo qual é requerido ao paciente dizer
tudo o que lhe vem à cabeça, sem
censuras e/ou escolhas; cabe ao analista o
papel de inter-relacionar (e interpretar) os fatos trazidos,
debatendo com o
analisado o que isso pode indicar sobre crenças, valores e eventos do

inconsciente. O ritmo é determinado pelo paciente, numa relação de idas e


vindas de resistências,
transferências e
contratransferências. Pretende-se que a partir do discurso do paciente seja
possível

captar mensagens do inconsciente por meio de suas formações: chistes,


atos falhos, sonhos e o
próprio sintoma. Ao trazer à tona os conteúdos do inconsciente,
é possível trabalhar o conflito que o

causa e então diminuir o sofrimento do


sujeito.

TEMA 5 – ASSOCIAÇÃO LIVRE E A TÉCNICA PSICANALÍTICA – UMA


BREVE INTRODUÇÃO

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Com o avanço na compreensão sobre a neurose


(não esqueçamos que a histeria é um dos

quadros que podem surgir da neurose,


por isso tratamos por essa nomenclatura, como uma forma
de ser mais
generalista), avançou também a compreensão acerca dos mecanismos de

funcionamento do aparelho psíquico e de como era possível tratar do adoecimento


neurótico. Com
esse avanço, chegou-se à técnica psicanalítica da associação
livre, que citamos anteriormente.

Traçaremos, então, o caminho percorrido por


Freud até concluir que o método da associação livre
seria o mais efetivo para
acessar e tratar os conteúdos surgidos do inconsciente, que atuavam na

neurose.

Aqui, o objetivo não é um aprofundamento nos


conceitos psicanalíticos, mas sim compreender
como a partir de determinadas
conclusões surge a técnica utilizada até hoje pelos psicanalistas.

Adentremos
então, de maneira introdutória, ao debate de alguns dos conceitos estabelecidos
que
sustentam até hoje a técnica psicanalítica.

Por meio das experiências com a hipnose, Freud


chega à conclusão de que os conteúdos que
causam os sintomas neuróticos são
vindos do inconsciente. Segundo Freud (1923, p. 28), “existem

ideias ou
processos mentais muito poderosos que podem produzir na vida mental todos os
efeitos
que as ideias comuns produzem, embora eles próprios não se tornem
conscientes. podem também

causar efeitos conscientes”. Para Freud, a razão pela


qual essas ideias acabam não podendo
acessar o plano da consciência é que uma
força se opõe a elas: a repressão. Ela trataria de manter o

conteúdo impróprio
recalcado, e assim o sujeito não teria acesso às ideias que o mantinham doente.

A questão de Freud com a hipnose era que a


mesma, ao romper brevemente a barreira da

resistência, permitia que o sujeito


tivesse contato com o conteúdo parasita que se encontrava

recalcado, mas
não permitia que tal conteúdo pudesse ser acessado pela consciência, dado o

estado de transe do sujeito durante a hipnose. Sendo assim, entendeu que


deveria haver outra forma
para que tais conteúdos pudessem vir à consciência,
uma maneira que partisse do próprio paciente

e não necessitasse do transe. É aí


que passa a utilizar a associação livre, na qual podiam ser

trabalhados
conteúdos que surgissem espontaneamente do paciente.

NA PRÁTICA

Cremos que até aqui tenha sido possível


compreender que o fazer do psicanalista é desvelar os
conteúdos do inconsciente
do sujeito. A ideia é que, com o contato do sujeito com seus desejos e

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ideias
inconscientes que o sintoma faz a função de esconder, esse mesmo sintoma de
desfaça e/ou

perca sua força, e assim diminua o sofrimento do sujeito. Com


isso, o fazer psicanalítico ganha

função bastante importante: em palavras bem


simples, revelar o que se esconde, o que só se

enxerga conhecendo muito bem a


dinâmica psíquica e relacional do sujeito.

Durante minha carreira, tive a oportunidade de trabalhar em


instituições de saúde, além da clínica

tradicional de consultório, bem como


durante minha graduação em psicologia tive a experiência de
fazer um
diagnóstico institucional de um lar de idosos, numa leitura diagnóstica de viés

psicanalítico. Posso dizer que, dentro de uma instituição, naquilo que se chama
de psicanálise em
extensão, o papel da psicanálise é tão importante quanto na
relação tradicional da clínica do um a

um. Trazer à tona aquilo que não é dito,


mas é sentido e atuado é de uma importância tremenda

para a resolução de
problemas institucionais e na leitura dos fenômenos que acontecem dentro de
um
ambiente institucional. (Madrucci, 2021)

Entender os conflitos no viés social e no viés


individual como surgidos de não ditos, contribui

para a leitura adequada


daquilo que está acontecendo, bem como para a resolução e elaboração
desse
conflito: quando se traz à tona aquilo que não pode ser dito, a verdade e o
desejo do sujeito no

nível individual e dos sujeitos em conjunto promovem


relações mais saudáveis.

FINALIZANDO

Encerramos os conteúdos de nossa aula. Aqui


estão os itens fundamentais a serem

memorizados sobre o que tratamos até aqui:

1. A psicanálise surge em Viena, com Sigmund Freud, principalmente, e outros médicos


da época.

2. Até hoje, a psicanálise é exercida por médicos, mas também adentrou o campo da
psicologia,
tendo com ela íntima relação. Pode ser exercida em todos os campos
de atuação da psicologia

além da clínica: saúde, justiça, trabalho e educação, desde


que mantida sua ética (a do desejo)

e sua visão de homem (a do sujeito do


inconsciente).
3. Dentro da medicina, a psicanálise surge do desafio imposto com o atendimento das
pacientes

histéricas, as quais demonstraram que seu adoecimento se dava por questões


de fundo

psicológico, e não orgânico; havia nelas ideias parasitas que não


podiam se tornar conscientes

e o conflito surgido entre a ideia inconsciente e


a consciência as mantinha doentes e em
sofrimento.

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4. Inicialmente, tratava-se das questões da histeria por meio da hipnose, entretanto, esse
método
mostrou-se um tanto ineficaz, dando espaço para o método da associação
livre, o qual permitia

que os conteúdos inconscientes surgissem de maneira mais


espontânea e, assim, pudessem

sem mais bem trabalhados.

5. A técnica psicanalítica é aprimorada a partir da experiência clínica, e em


conjunto com o
avanço da técnica são estabelecidos alguns conceitos que nos
ajudam a compreender o

aparelho psíquico em termos dinâmicos e topológicos.

REFERÊNCIAS

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Mestrado em Psicologia

Social – Universidade Federal do Sergipe, 2015. 136 p.

BELINTANI, G. Histeria.
Psic, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 56-69, dez. 2003.

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73142003000200008"&lng=pt&nrm=iso>.
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FREUD,
S. O
ego e o Id. 1923. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de
Sigmund

Freud. Rio de Janeiro: Imago 2006, v. XIX. p. 15 -51.

LEANDRO, M. A.; HONDA, H.


A construção do método psicanalítico nos primórdios da

psicanálise (1887-1896).
Revista Cesumar, v. 13, n. 1, p. 145-156, jan./jun. 2008. Disponível em:
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s://periodicos.unicesumar.edu.br>. Acesso em 31 de outubro de 2021>. Acesso em: 1 dez. 2021.

NASIO, J. D. Como
trabalha um psicanalista? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

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L.; HARDT, O. Histeria e borderline: mo(vi)mentos da clínica

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1, p. 39-46, jun.

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ROSA, M. D. Psicanálise
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cursos de
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Acesso em: 25 out. 2021.

SALIM, S. A. A história
da psicanálise no Brasil e em Minas Gerais. Mental, Barbacena, v. 8, n. 14,

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eletrônica do Núcleo Sephora, v.

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<http://www.isepol.com/asephallus/numero_08/revista_8.pdf>.
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PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 2

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Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci

CONVERSA INICIAL

UM POUCO SOBRE A TÉCNICA PSICANALÍTICA: O INCONSCIENTE E A


ASSOCIAÇÃO LIVRE
COMO PILARES DO FAZER PSICANALÍTICO

Anteriormente, pudemos compreender o caminho


percorrido por Freud desde seu contato com

as pacientes histéricas até o


surgimento de uma técnica e visão de homem inovadoras: a

psicanálise. Foi um
processo decorrente de pesquisa e experimentação, bem como foi necessário
um
olhar crítico de Freud sobre a atuação médica diante de tais pacientes, dado
que teceu críticas à

eficácia do método hipnótico e foi daí que surgiu a


associação livre.

Aqui, nesta aula, o objetivo é podermos


entender o que sustenta a concepção de que a

associação livre era mais adequada


do que a hipnose para lidar com as questões decorrentes da

histeria (e, mais à


frente, a neurose). Dessa forma, podemos discutir a atuação prática do

psicanalista, isto é, a profissão.

Para tanto, nesta aula, abordaremos rapidamente


alguns dos conceitos-chave no
desenvolvimento da técnica psicanalítica que
levaram à sustentação da associação livre como

metodologia de trabalho no
acesso ao conteúdo do inconsciente. O aprofundamento de tais

conceitos se dará
mais adiante.

Nestes estudos, os conceitos serão abordados


somente de forma que seja possível

compreender de onde vem e o que justifica o


uso de determinados aparatos técnicos e teóricos

dentro da psicanálise, pois o


objetivo é que se possa visualizar o “fazer” do psicanalista, como ele

atua e o
que justifica suas escolhas tanto técnicas quanto teóricas. Ou seja, em que
bases estão

fundamentadas o seu fazer.

Inicialmente, trataremos um pouco mais sobre as


críticas de Freud à metodologia da hipnose

como forma de tratamento dos


sintomas da histeria. Na sequência, serão abordados aspectos

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importantes acerca
de como se constitui o psiquismo para a teoria psicanalítica e a importância do

inconsciente em sua visão de como se constitui o homem.

Nesse ponto de nossa aula, será abordada a


primeira noção de aparelho psíquico postulada por

Freud, a da primeira
tópica. Nela, compreendemos o psiquismo constituído em três partes:

consciente, pré-consciente e inconsciente. Ao tratar das questões relativas ao inconsciente,


será

necessário que abordemos quais outros mecanismos psíquicos operam no que


concerne ao

adoecimento neurótico. Serão abordados rapidamente conceitos que


ampliam a compreensão sobre

a atuação dos conteúdos patógenos provenientes do inconsciente,


tais como: repressão, recalque e

resistência. Estes são conceitos-chave na


compreensão da psicodinâmica da primeira tópica

TEMA 1 – DA HIPNOSE À ASSOCIAÇÃO LIVRE (UM POUCO MAIS...)

Como já pudemos trabalhar, houve um percurso


histórico, experimental e clínico até que fosse

possível para Freud concluir


que a associação livre era a maneira mais eficaz de se trabalhar com os

conteúdos patógenos provenientes do inconsciente. Inicialmente, eram utilizados


o método

hipnótico e a sugestão. Segundo Macedo e Falcão (2005,


p. 67), no estado hipnótico, o paciente

descreve cenas e situações que se


relacionam com seu sintoma, entrando, assim, em contato com o

material
traumático que o estaria causando. Após esse momento, caberia

ao médico comunicar-lhe o que havia sido dito e descrito, uma


vez que retornando do transe o

paciente de nada se lembra. Os sintomas são


esbatidos pelo uso desse método, mas o sujeito não

se apropria ativamente de
sua história. Então, no decorrer de seus trabalhos, Freud vai
abandonando a
hipnose e se direcionando à necessidade de criar outra forma de escutar. Surge
a

associação livre.

Algumas questões ainda ficaram em aberto anteriormente,


principalmente alguns pontos
clínicos importantes que o fizeram chegar à
conclusão de que apenas “informar” o paciente sobre o

que foi tratado em transe


hipnótico não tinha o efeito desejado. Então, voltemos à discussão sobre

às
críticas de Freud ao método hipnótico.

Ainda, segundo Macedo e Falcão, Freud se


mostrava inconformado com a conduta médica de

sua época e insistia que o


paciente devia ser ouvido e, a partir dessa escuta, pôde tomar alguns

posicionamentos
clínicos importantes, entre eles o abandono da hipnose como método de

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tratamento. Passa a utilizar, portanto, do discurso do paciente para intervir


sobre os conteúdos

inconscientes patógenos.

Ainda sobre as críticas de


Freud ao método hipnótico, outra questão importante é que, pelo fato
de o
paciente nada recordar daquilo que foi tratado em transe, faz com que as causas
do sintoma

(que são de origem psicológica, no caso) não sejam trabalhados de


maneira eficiente e, então, os

sintomas cessariam apenas temporariamente.

O que Freud percebeu é que era


necessário que o sujeito se implicasse na cena que narra,

elaborasse a questão
que se iniciou no momento narrado e isso não era possível pelo método

hipnótico. Com a associação livre, o trabalho seria o de proporcionar que o


paciente se recordasse

de maneira mais espontânea e pudesse elaborar as


questões surgidas das experiências

traumatizantes que precisaram ser


esquecidas.

E, neste ponto da história de


como foi desenvolvida a teoria e a técnica psicanalíticas,

adentramos um
terreno importante que é o da importância das lembranças e experiências vividas

por um sujeito dentro da psicanálise. De acordo com Andrade (2015), Freud herdará
de Charcot a

ideia de que experiências traumáticas deixariam impressos traços


psíquicos duradouros, que

operam de forma determinante e constitutiva daquilo


que posteriormente se denominaria de

aparelho psíquico. Aqui, podemos perceber os primeiros passos


daquilo que se denominaria de

inconsciente – o maior pilar dentro da teoria


psicanalítica, sua base de trabalho e sua concepção de

homem.

Reitera ainda que tais experiências


traumatizantes que causam o adoecimento do sujeito

seriam provocadas pelo encontro


desse sujeito com o outro e, sendo assim, o que ficou com algum

destaque no discurso freudiano foi “a


problemática da influência”.

Essa problemática nos dá


indícios de que era na ação que um sujeito poderia exercer sobre o

outro que estava o núcleo da questão neurótica, ou seja,


nas relações amorosas e afetivas de um

indivíduo é que faziam morada as


questões que o adoeciam e aí surgem os primórdios da noção de

transferência,
que será melhor trabalhada mais à frente nesta mesma aula.

Com a associação livre, o que entra em análise


é o conteúdo manifesto do discurso e dos

sonhos do paciente e, a partir dele, é


possível trabalhar o conteúdo latente, que é o mais importante.

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Assim, o
paciente pode se apropriar e se deparar com a própria história e elaborar as
questões

surgidas e, só assim, os sintomas poderiam perder sua força.

Foster (2010) nos reitera que é o conteúdo


manifesto (aquilo que o paciente relata e descreve)

que pode ser comunicado


pelo sujeito na associação livre, seja ela uma comunicação verbal, seja

pré-verbal ou não verbal. O conteúdo manifesto do discurso seria substituto


deformado para os

pensamentos inconscientes e essa deformação é obra das forças


defensivas do ego.

O conteúdo latente seria o conteúdo que origina


o conteúdo manifesto, que foi alterado e vem à

tona via formações do


inconsciente, tais como atos falhos, chistes, sonhos e o próprio sintoma.

A Psicanálise, ao retomar uma démarche


científica, vai subverter o sujeito suposto e excluído, a um

só tempo, pela
ciência, e trabalhar a partir da inclusão do sujeito no campo de sua
experiência,
inclusão que curiosamente se faz, não por acaso ou contingência,
pela via do inconsciente: retirado

da condição de excluído, condição própria ao


sujeito da ciência, o sujeito da psicanálise só pode
ser incluído como sujeito do inconsciente. (Elia, 1999)

De acordo com Macedo e Falcão (2005, p. 68), ao


associar livremente, o sujeito fala desse

inconsciente, que até então ainda lhe


é desconhecido e irrompe em sua fala quando a lógica da

consciência se rompe. O
que aparece no discurso da associação livre é: “a lógica do inconsciente, do

processo primário. A partir de sonhos, atos-falhos, chistes, esquecimentos, ambiguidades,

contradições, essa lógica vai se desvelando e os conteúdos sendo significados


com a ajuda da

interpretação”.

Até aqui, muito temos falado sobre “o


inconsciente”. Podemos afirmar que o trabalho com o

inconsciente é a
premissa fundamental da psicanálise, é dele que surgem os sintomas e é com ele

que precisamos nos haver no tratamento da neurose. Surge então a necessidade de


entender mais

profundamente esse inconsciente de que trata a psicanálise,


porque ele foi se tornando tão

importante e como se deu sua descoberta e


sistematização por Freud.

TEMA 2 – O INCONSCIENTE E AS PRIMEIRAS NOÇÕES DE TOPOLOGIA


PSÍQUICA

Como dito anteriormente, a descoberta do


inconsciente se deu porque, segundo Freud (1923),

haveria no psiquismo dos


sujeitos (na época as pacientes histéricas) ideias muito fortes, que fariam

todos os efeitos das ideias da consciência, mas que não necessariamente se tornavam
conscientes,

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apesar de ter os mesmos efeitos das ideias conscientes na vida


mental e no comportamento do

indivíduo. A esse conjunto de ideias que não


podiam se tornar conscientes, mas tinham efeitos

conscientes, Freud denominou


de inconsciente. Como assim?

Do contato com as pacientes histéricas foi


possível observar que havia ideias muito fortes,

carregadas também de um afeto


muito intenso, mas que não estavam de nenhuma forma acessíveis

à consciência,
apesar de estarem fazendo todos os efeitos que as ideias conscientes comuns

podem fazer.

Um exemplo importante aconteceu durante o


atendimento da paciente Anna O. Em seu

processo de adoecimento, durante


algumas semanas, ela manifestava uma recusa em beber

qualquer tipo de líquido, hidratava-se


e saciava a sede pelo consumo de frutas. Durante o estado

hipnótico (que, como


sabemos, levava o paciente a rememorar o momento traumatizante), recorda-
se de um
momento que viveu na qual ela se enoja ao ver um cachorro bebendo água de um
copo.

Logo depois, pediu água.

Esse exemplo nos mostra que nem tudo na vida psíquica


é consciente, pois Anna não sabia o
que causava nela a recusa em beber líquidos,
só soube após se lembrar do que sentiu e pensou

quando viu o cachorro beber


água. A partir dessa premissa, Freud (1923) nos situa das primeiras
noções de
topologia psíquica.

Topologia por quê? Topologia pois daí nasce a


primeira ideia de como era constituído o

psiquismo do ser humano, quais


instâncias seriam presentes e atuantes na constituição psíquica de
um sujeito.
Dentro da psicanálise, podemos chamar essa primeira noção de aparelho psíquico de

“Primeira Tópica do aparelho psíquico freudiano”. Nesse primeiro momento, Freud


divide o
psiquismo em três partes: consciente, pré-consciente e inconsciente. O
que seria cada uma dessas

partes constituintes do aparelho psíquico?

Pensem na imagem de um iceberg. Na


ponta, no lugar mais visível, estaria a consciência. Um

pouco abaixo da
consciência, estaria o pré-consciente. E na parte mais funda, o inconsciente.
Mas
tudo é parte de uma mesma estrutura. Do que se tratam, portanto, cada uma
dessas “partes”
constituintes do psiquismo? Como atuam e quais os seus efeitos
práticos na vida psíquica de um

sujeito? Segundo Freud (1923):

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1. Consciente – na consciência, estariam as percepções (imediatas, principalmente) e


pensamentos que levam a uma ação (por exemplo: o pensamento “estou com fome”).
Ele

surge da sensação corporal de fome e esse comando consciente leva a buscar


por comida.
2. Pré-consciente – no pré-consciente, estariam todos os conteúdos que puderam ser

apreendidos
pelo sujeito durante a sua vida, suas percepções. Memórias e conhecimentos
armazenados. Por exemplo: como executar uma conta, como falar uma língua estrangeira
etc.

Os conteúdos do pré-consciente não são acessíveis à consciência todo o


tempo, para não
sobrecarregar o aparelho psíquico. Entretanto, podem ser
acessadas a qualquer momento. São

ideias inconscientes no sentido descritivo e


não dinâmico.
3. Inconsciente – no inconsciente, ficam armazenados os sentimentos e desejos mais primitivos

do sujeito, tais como: medos irracionais, impulsos sexuais inaceitáveis,


motivações egoístas,
impulsos destrutivos, entre outras coisas. É no inconsciente
também que se localizam os
conteúdos da sexualidade infantil, que são
fundamentais no desenvolvimento da neurose.

De acordo com Krauze (2011), Freud defendeu


a concepção do inconsciente "sistemático", isto
é, como sistema
situado "abaixo" do sistema pré-consciente separado pela barreira do
recalque,

sede do processo primário no qual não opera nem a negação, nem a


lógica, nem a causalidade e
nem a temporalidade linear.

Com as concepções acerca do inconsciente,


nascem alguns outros problemas clínicos

importantes a serem resolvidos. Na


experiência hipnótica, foi possível visualizar que havia forças
psíquicas (em
termos dinâmicos) que operavam causando e mantendo os sintomas neuróticos.

Seriam elas as forças da repressão, do recalque e da resistência. Antes de


seguirmos discorrendo
sobre cada uma delas, é necessário responder a um
questionamento, que pode ainda não ter ficado

tão claro: Como opera o sintoma?

O sintoma seria uma formação do inconsciente,


que está sob efeito da repressão, do recalque e
da resistência. Passemos então
a uma melhor compreensão do que é o sintoma e por que ele é tão

importante no
trabalho do psicanalista. Todos esses conceitos serão mais bem aprofundados e
trabalhados durante os anos de estudo. Estão sendo citados neste momento para
que você possa

entender o que faz um


psicanalista, com base em que conceitos e aparatos teóricos se dá a prática
do
analista, o que sustenta sua práxis.

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TEMA 3 – A FORMAÇÃO DO SINTOMA: REPRESSÃO, RECALQUE E


RESISTÊNCIA

Nos
aprofundemos, então, em quais são os pilares de sustentação do sintoma e como
trabalhamos com eles. Maia, Medeiros e Fontes (2012) nos situam que a concepção
de sintoma se

altera com o tempo na obra de Freud. Inicialmente, no período das


primeiras investigações
psicanalíticas, ele concebe a histeria como decorrentes
de restos
de eventos com potencial

traumatizante que haviam sido “esquecidos” na vida


mental consciente e, com isso, se expressam
no corpo causando paralisias, dores
inexplicáveis, cegueira etc.

Observando os casos descritos por Breuer e Freud, nota-se que


os eventos traumáticos que suas

pacientes conseguem recordar sob hipnose e


relacionar com seus sintomas são marcados por
sentimentos de vergonha, menos-valia,
rejeição. Diante de um pensamento que não é compatível

com os ideais sociais e pessoais,


as pacientes histéricas transformam o afeto ligado a essa ideia,

retirando dela
a excitação que a acompanha. Esse afeto liberto busca satisfação em outro
objeto e
encontra-a no sintoma. (p. 45)

Ainda segundo as autoras, a compreensão acerca


do que seria o sintoma vai se transformando

e aprofundando. Elas nos situam que


Freud, no Rascunho K, “As neuroses de defesa”, sintetiza que o
curso tomado
pela doença nas neuroses de recalcamento é, em geral, desta maneira: o paciente

sofre uma experiência sexual prematura e traumática, de intensa comoção


psíquica que, devido ao
seu teor (a “moral” do paciente não aceita tal vivência
ou desejo), acaba por ser recalcada.

Devido às contingências da vida desse sujeito,


vem à tona a lembrança de tal evento e há um
movimento de recalque e, assim, surge
um sintoma primário. “O estabelecimento do sintoma

promove um período de
relativa tranquilidade psíquica, por contar com uma defesa eficiente, embora
o
paciente passe a conviver com a dor do sintoma primário”.

O sintoma, então, seria uma formação do inconsciente,


que diz respeito às vivências de um

sujeito e como ele se posiciona diante


delas. Ele se forma devido a uma força psíquica denominada
repressão. Diante de
uma vivência ou um impulso (um desejo muito profundo) desagradável para o

sujeito por ser incompatível com sua “moral” e com aquilo que ele pensa sobre
si mesmo, a
repressão atua fazendo com que a lembrança/impulso seja jogada e
armazenada no inconsciente,

de maneira que o sujeito não precise lidar com


aquilo que lhe é desagradável.

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De acordo com o Dicionário de Psicanálise


Laplanche e Pontalis (2001, p. 457), repressão é uma
“operação psíquica que
tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou

inoportuno
[...]. Neste sentido, o recalque seria uma modalidade especial de repressão”.

O movimento de “armazenamento” dos conteúdos no


inconsciente é denominado de recalque.
Então, a repressão seria a força que
causa o recalque, que é o armazenamento dos conteúdos

indesejáveis pelo sujeito


no inconsciente. A ideia não perde sua força, mesmo sendo recalcada.
Ainda no Dicionário
de Psicanálise Laplanche e Pontalis (2001, p. 430), encontra-se como
definição

para recalque “Operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter


no inconsciente
representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a
uma pulsão”.

Por isso, então, surgem os sintomas. Os


sintomas são o resultado de um movimento de

recalcamento causado pela


repressão. Sendo fortes, tais ideias se esforçam para “se libertar”, elas
precisam de uma via de expressão. Para que as ideias inconscientes venham a ser
tornar

conscientes é que o psicanalista faz seu trabalho.

Voltando à questão do método hipnótico, em


termos psicodinâmicos, foi possível a Freud
verificar que uma outra força
atuava, uma força que se esforçava para manter a ideia patógena

recalcada. Era
a resistência. A resistência é que trata de manter a ideia que não pode vir à
consciência
no inconsciente.

“Chama-se de resistência a tudo que nos atos e


palavras do analisando, durante o tratamento
psicanalítico, se opõe ao acesso
deste ao seu inconsciente” (Laplanche; Pontalis, 2001, p. 458). A

contribuição
do método hipnótico foi que se verificou que, ao reduzirem as resistências (em
função
do transe), o paciente podia entrar em contato com as lembranças e
vivências que o fizeram

adoecer.

Então, o que deve ser feito pelo analista é um


esforço no sentido de fazer reduzir as
resistências, para que, assim, o sujeito
possa se haver com a ideia (ou as ideias) que causaram os

sintomas. Uma das


maneiras de diminuir o impacto de resistência, mantendo o paciente consciente,
é a associação livre. Nela, o analista pode trazer à tona os conteúdos do
inconsciente por meio do

entendimento e da interpretação das formações do


inconsciente, que serão tratadas no item a
seguir.

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TEMA 4 – AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE

Muito comentamos acerca da importância da


escuta do inconsciente pela via da associação

livre. Entretanto, uma pergunta


vem à tona: como se faz possível tal escuta? A resposta é: pelas
formações do
inconsciente que emergem no discurso do sujeito e pela transferência entre

analista/analisando.

Primeiramente, tratemos daquilo que denominamos


de formações do inconsciente. Aprendemos
que os conteúdos do inconsciente,
por mais que estejam sob o efeito do recalque e da resistência,

precisam de uma
via de expressão. As vias de expressão encontradas são: os sintomas, os sonhos,
os atos falhos e os chistes.

Sobre os sintomas, é necessário ter em mente


que são versões cifradas e distorcidas do
conteúdo inconsciente que necessita
de expressão para fora do psiquismo. Na histeria, por exemplo,

há o movimento
de conversão. Ou seja, o conteúdo vem para a consciência em forma de um
sintoma
físico (uma paralisia por exemplo). Nas neuroses em geral, o sintoma passa por
uma
espécie de cifração e encontra expressão na consciência de maneira que ela
não se dê conta do que

se trata realmente tal conteúdo.

As formações do inconsciente, para não serem


reconhecidas na vida consciente, passam por

processos de transformação e
cifração. Tais processos são conhecidos por condensação e
deslocamento. Na
condensação, segundo Laplanche e Pontalis (2001, p. 87), “Uma representação

única representa por si só várias cadeias associativas, em cuja intersecção ela


se encontra” – ou
seja, numa única imagem ou palavra, vários outros estão
presentes.

Um bom exemplo é uma imagem surreal na qual


você pode ver um cavalo com pés de galinha e

tromba de elefante. Uma só imagem


contém várias imagens agregadas. Nos conteúdos
inconscientes, pode ocorrer o
mesmo.

Já o deslocamento se define no fato de “a


importância, o interesse, a intensidade de uma

representação ser suscetível de


se destacar dela para passar a outras representações
originariamente pouco
intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa” (Laplanche; Pontalis,

2001, p. 116). Por exemplo: num sonho, a imagem que aparece é a de uma pessoa,
mas, no final das
contas, a mensagem a ser transmitida diz respeito à outra. Ou
seja, uma pessoa substitui a outra no

sonho, para que a mensagem continue “cifrada”.

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A partir desses mecanismos de transformação do


conteúdo original proveniente do

inconsciente, podemos pensar nas outras formações


do inconsciente pelo qual o psicanalista
trabalha o sofrimento e os sintomas do
sujeito. Aqui, utilizaremos as definições que constam no

Dicionário de Psicanálise
Laplanche e Pontalis (2001).

1. Ato falho: quando se diz algo querendo dizer outra coisa. Ex.: trocar o nome de uma
pessoa

pelo de outra. “Fala-se de atos falhos [...] para as ações que o sujeito
habitualmente consegue
realizar bem, e cujo fracasso ele tende a atribuir
apenas à distração ou ao acaso” (p. 44).
2. Chistes: um chiste, por definição, é uma espécie de gracejo, “piadinha”. Freud, em Os
Chistes e

sua relação com o inconsciente, de 1905, nos situa que, por meio
de um chiste, é possível
expressar os conteúdos do inconsciente. Aquela máxima
de dizer brincando o que realmente

se quer dizer. A verdade inconsciente


aparece em forma de “piadinha” e, assim, fica disfarçada,
pois a intenção
consciente é o gracejo e não o contato com o conteúdo do inconsciente. É uma

piadinha que “escapa”, quase que inevitavelmente.


3. Sonhos: os sonhos merecem um capítulo à parte na história da psicanálise e sobre a sua

relação com o inconsciente, o que não é nosso objetivo aqui. Mas devido aos
conteúdos dos
sonhos, a partir de uma leitura freudiana de que um sonho seria
“a realização de um desejo”

(1900), é possível interpretar conteúdos


provenientes do inconsciente, ou melhor, é possível
chegar ao seu conteúdo
latente. Trabalha-se com os sonhos a partir de seu conteúdo

manifesto, para,
assim, chegar ao conteúdo latente. A partir da narrativa dos sonhos, tendo em

mente o processo de transformação ao qual são submetidos (de condensação e


deslocamento), pode-se chegar ao conteúdo latente (original) deles.

Tendo tratado rapidamente sobre as formações e


como é possível trabalhar com elas dentro da

clínica psicanalítica, passemos a


outro aspecto muito importante do método: a transferência.

TEMA 5 – A TRANSFERÊNCIA E O MÉTODO PSICANALÍTICO

Um conceito muito importante para o método


psicanalítico é o da transferência. Com a

percepção de que havia algum nível de


sugestionabilidade no que tange à técnica hipnótica, foi

possível concluir que


a presença do outro na vida psíquica do sujeito era determinante tanto no
surgimento quanto no tratamento dos sintomas. Sendo assim, surge um dispositivo
clínico

denominado de transferência.

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Laplanche e Pontalis (2001, p. 514) definem a


transferência como “o processo pelo qual os

desejos inconscientes se atualizam


sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de

relação estabelecida
com eles, e eminentemente no quadro da relação analítica”. Ou seja, os

conteúdos psíquicos inconscientes se reproduzem na relação analítica e, a


partir desse conteúdo
que se reproduz, é possível trazer à tona tais conteúdos
e assim trabalhá-los.

Palhares (2008, p. 100) nos


situa que ela nos diz de algo vivo. Surge, então, a partir da
situação

analítica e induz o analista a produzir uma resposta emocional frente


ao seu paciente. Trata-se de

um encontro que enlaça duas pessoas – e envolve,


portanto, afetos, sentimentos, vivências

inconscientes que vão engendrar


mutualidade. Sendo assim, estamos falando que o tratamento
psicanalítico se
insere, portanto, numa lógica de intersubjetividade.

Dessa forma, consideramos o efeito da presença de um outro na


vida psíquica de cada

participante do encontro. Estamos, portanto, não só no


domínio do intrapsíquico, mas, observando
o efeito causado pelo outro,
incorporamos a noção de externalidade como participante das

vivências internas.
Daí surgem as condições para situarmos uma definição terapêutica da técnica
psicanalítica, articulando os movimentos intrapsíquicos e interpsíquicos,
inserindo-os num

contexto relacional. A dinâmica desses movimentos vai


valorizar a problemática da

contratransferência, isto é, o trabalho analítico


passa a considerar os afetos do analista presentes
na situação analítica. Os
desafios frente a esses obstáculos vão permitir que analista e analisando

busquem, cada um no seu papel e função, superar a prova da análise.

Aqui, então, para fecharmos a parte teórica de


nossa aula, podemos concluir que o inconsciente

se faz presente num tratamento


psicanalítico de muitas formas, e cabe ao analista saber reconhecer

as minúcias
de cada uma delas. Desde os sonhos até o estabelecimento de uma relação (ou
neurose) de transferência, os conteúdos do inconsciente tentam se fazer ouvidos
e expressados.

Entretanto, como poderemos perceber mais à frente, mesmo que


tais conceitos tenham sua

nascente na experiência clínica, é possível


extrapolar a clínica e trazer a prática psicanalítica para

uma prática em
extensão, em que os preceitos técnicos e éticos sejam levados em conta no
entendimento de homem e dos fenômenos que dizem respeito ao humano.

NA PRÁTICA

Na experiência clínica como psicanalista, é possível


perceber claramente os efeitos práticos de

cada uma das questões trabalhadas durante


a aula. Trabalhando-se atualmente somente com a

clínica particular e, no
atendimento tradicional de psicanálise, visualizamos como é importante o
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efeito
do inconsciente na vida de um sujeito. Quando um paciente nos procura, ele está
em
sofrimento (assim como as histéricas de Freud) e escutá-lo tem um efeito
muito importante em sua

vida. A partir da escuta, o paciente pode questionar-se


sobre aquilo que causa seu sofrimento,

elaborar as questões.

Mas, claro, assim como foi tratado em aula, não


é um processo tão simples, ele demanda

bastante trabalho tanto por parte do


paciente quanto por parte do analista. Vencer as resistências do
paciente
diante do conteúdo que precisa vir à tona e ser elaborado pode ser um processo
bastante

moroso. Nem sempre o paciente está preparado para enfrentar aquilo que
o faz sofrer.

O sintoma faz um papel deveras importante de “solucionar”


um conflito psíquico e nem sempre

é fácil se haver com um conflito. Solucionar?


Sim, pois o sintoma é um tipo de compromisso do

sujeito com o próprio desejo,


dado que é uma forma de não renunciar a ele. Por isso, apesar de
apontarmos
para o conteúdo inconsciente pela via de suas formações, as resistências
continuam

operando e o segredo é fazer com que elas sejam as mínimas possíveis.

Um exemplo clínico: tive certa vez um paciente que tinha como


questão uma certa incapacidade

de trabalhar e, por vezes, também de se


relacionar com as pessoas. Ele não assumia as questões
básicas da vida, tais
como o autocuidado e a organização da sua agenda. Passa a atuar na análise

de
maneira com que eu me sinta quase que “forçada” a cuidar de seus horários por
ele (faltando,
não cumprindo os combinados de pagamento etc.).

Ele narra uma forte necessidade de se manter como aquele que


necessita do cuidado da mãe,
aquele que nunca sai de seu controle e, toda vez
que é convocado a tomar uma atitude 100 %

autônoma, tem crises e não consegue


cumprir com os deveres e combinados. (Madrucci, [S.d.])

Essa breve narrativa nos situa sobre como é


possível acessar o inconsciente via transferência e
como a formação dos
sintomas diz de uma solução do sujeito para um conflito de difícil elaboração.

O paciente reproduz na cena analítica sua posição de dependência, que nos faz
ter a necessidade de

cuidar de sua organização para que ele possa estar


presente nas sessões sem falta.

FINALIZANDO

E, assim como em outra ocasião, vamos aos


principais tópicos a serem memorizados desta

aula.

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1. A maior crítica de Freud com relação à questão da hipnose era que não fazia o
sujeito se haver

com o conteúdo que havia sido recalcado. Diante disso, opta


pelo método da associação livre
como forma de trazer tal conteúdo à tona e,
assim, o paciente possa elaborar a questão que o

está adoecendo – o trabalho do


analista é o de facilitar essa elaboração.

2. As primeiras noções de topologia psíquica são as da Primeira Tópica, que


consideram o
psiquismo formado por consciente, pré-consciente e inconsciente. O
objetivo de um

tratamento analítico seria poder trazer para a consciência os


conteúdos que foram

armazenados (recalcados) no inconsciente. A ética que guia um


analista é a do desejo, a do

sujeito do inconsciente.
3. Os mecanismos de repressão, recalque e resistência são os mecanismos que atuam
para

tornar e manter (no caso da resistência) uma ideia inconsciente. Para


trazer à tona os

conteúdos desse inconsciente, o analista se vale da escuta de


suas formações (sintomas,

chistes, atos falhos e sonhos) por meio da associação


livre. A escuta do analista deve ser
dirigida no sentido de ir aos poucos desdobrando
o conteúdo latente de tais formações.

4. Para que seja possível o acesso ao que está armazenado no inconsciente, é necessário
que o

analista trabalhe para que as resistências sejam as mínimas possíveis,


por isso a associação

livre é tão importante – é uma forma de “driblar” as


resistências.
5. Há uma compreensão de que a relação estabelecida entre os sujeitos deixa marcas

duradouras na subjetividade de um indivíduo. Levando isso em conta, uma das


formas de

acesso ao inconsciente é a transferência. Esta atua de maneira que o


sujeito reproduza os

conteúdos recalcados na relação terapêutica, atuando,


assim, tanto como uma forma de
resistência (por insistir na manutenção do
sintoma) quanto como uma forma que permite (pela

intersubjetividade) que o
analista vivencie na relação com o paciente aquilo que o está

adoecendo. Ele
reproduz os traumas e fantasias de suas relações com o outro.

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política. 2015. 136 p. Mestrado em
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Federal do Sergipe. São Cristóvão, SE; 2015.

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PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 3

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Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci

CONVERSA INICIAL

Anteriormente, pudemos discutir um pouco sobre


as origens da psicanálise. Também pudemos
situar que o fazer do psicanalista
(independente se na psicanálise em intensão ou extensão) é a

escuta do inconsciente,
e a associação livre é o principal recurso técnico para o acesso a ele. Agora,

faz-se necessário que possamos discutir a psicanálise enquanto uma ciência. O


que a torna uma

ciência? Ela é mesmo uma ciência? Quais suas relações e


interlocuções principalmente com as

ciências humanas e a psicologia? Creio que


é de grande importância que possamos situar a

psicanálise no cenário das


ciências e das práticas psicológicas da atualidade.

Há, atualmente, uma tendência, no campo


psicológico em geral (no Brasil e no mundo), de um
direcionamento para o
comportamentalismo e para as terapias do ego (por uma influência das

escolas
americanas e da psicologia experimental, berço da psicologia no mundo). Ter em
mente

qual é o lugar da psicanálise dentro desse contexto mais geral nos ajuda
a entender sua relevância e

sua contribuição para o campo psicológico e para a


medicina (pois, como já sabemos, é no furo do

discurso médico que surgiu a


psicanálise). É de fundamental importância essa discussão

epistemológica (da
ciência como ciência), pois somente assim teremos subsídios para compreender

o
que torna a psicanálise uma ciência e não uma pseudociência.

Nesta aula, portanto, começamos o percurso de


discussão da psicanálise como ciência. Para

tanto, é necessário um retorno à


teoria das ciências: como ela surge? O que torna algo científico? O

que é
e qual é o lugar das ciências humanas no contexto geral das ciências? Sendo
assim,

retornaremos ao início de tudo: qual foi a primeira forma de o homem


explicar a sua realidade?
Nesta aula, aprenderemos que o homem, para resolver
sua angústia diante de um mundo

desconhecido e assustador, encontra uma


explicação mágica: os mitos. O mito, portanto, foi a

primeira forma do
homem explicar o seu entorno. É com base na consciência mítica que o homem

compreende inicialmente o mundo e como ele funciona. A racionalidade vai se


tornando importante,

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e a consciência reflexiva passa a substituí-la com o


tempo, e com isso ganha espaço a ciência como

a conhecemos.

Nesta aula e em conteúdo posterior, discutiremos


as relações entre psicanálise e ciência,

psicanálise e psicologia, psicanálise


e psicoterapia e psicanálise e medicina. Passemos então às

construções teóricas
sobre o tema.

TEMA 1 – CONSCIÊNCIA MÍTICA E ATITUDE FILOSÓFICA: A


NASCENTE DA CIÊNCIA

O mito pode ser considerado como a pré-história


da filosofia. É o primeiro conhecimento que o

homem adquire de si mesmo e de


seu entorno e pode ser considerado como a forma pela qual esse

conhecimento se
estrutura. O mundo, que até então precisava adquirir um tipo de sentido,
adquire
este por meio do mito. Portanto, o mito é uma forma de dar sentido e
significado àquilo que ainda

não o possui. Chamamos a forma de entender o mundo


com base nas narrativas míticas de

consciência mítica. O mito explica a realidade


por meio de uma narrativa fabulosa, o que o tornou

pouco considerado pela


filosofia, que priorizava o pensamento racional. O mito se afirma como uma

forma espontânea do ser no mundo. Não se caracteriza nem como teoria, nem como
doutrina, mas

apropriação das coisas, dos seres e de si mesmo: condutas,


atitudes, inserção do homem na

realidade.

Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma


de explicar a realidade é o apelo

ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à


magia. As causas dos fenômenos naturais, aquilo que
acontece aos homens, tudo é
governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural,

superior,
misteriosa, divina, a qual só os sacerdotes, os magos, os iniciados, são
capazes de
interpretar, ainda que apenas parcialmente. São os deuses, os
espíritos, o destino que governam a

natureza, o homem, a própria sociedade. Os


sacerdotes, os rituais religiosos, os oráculos servem

como intermediários,
pontes entre o mundo humano e o mundo divino. Os cultos e sacrifícios
religiosos
encontrados nessas sociedades são, assim, formas de se tentar alcançar os
favores

divinos, de se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos


deuses. (Machado, 1997, p. 19,
grifo nosso)

A existência humana carrega consigo um


sentimento constante de angústia e insegurança, e o

homem encontrou no mito uma


resposta para suas angústias, bem como uma forma de explicar

aquilo que o
circundava, a sua realidade. Mais do que explicar essa realidade, a função do
mito é,

portanto, acomodar e tranquilizar o homem num mundo desconhecido e


assustador. Na narrativa

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mítica, há uma forte presença dos deuses,


semideuses e heróis. O que narrava o mito? Chauí (1994)

nos situa que o mito


narrava a origem das coisas tendo como ponto de partida uma ação

ordenadora de
um deus ou de um rei mago. Segundo a filósofa, essa ação pode ser considerada

como uma vitória do deus ou do rei mago sobre outras coisas colocaria ordem na
realidade. O mito

se constituiria, portanto, essencialmente como uma narrativa


mágica, não tendo por definição

apenas pelo tema ou objeto dessa narrativa, mas


por uma forma mágica de narrar, tendo por base

narrativas, analogias, metáforas


e parábolas. Sua função é resolver, num plano imaginativo, tensões,

conflitos e
antagonismos sociais cuja resolução não foi possível no plano da realidade.

Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem a


autoridade? Acredita-se que o

poeta é um escolhido dos deuses, que lhe mostram


os acontecimentos passados e permitem que
ele veja a origem de todos os seres e
todas as coisas para que possa transmiti-las aos ouvintes.

Sua palavra – o mito


– é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois,
incontestável e
inquestionável. (Chauí, 2000, p. 43)

Levando-se em conta a concepção de que o mito é


uma narrativa, de que maneira então o mito
narra a origem do mundo e de tudo o
que nele existe? Chauí (2000) nos esclarece que:

1. Encontrando
o “pai e a mãe” das coisas e dos seres, o mito é uma narrativa da geração das

coisas, dos seres etc. por seus pais e/ou antepassados;

2. Encontrando
uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que fazem surgir alguma coisa no

mundo;

3. Encontrando as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem lhes obedece ou


a quem

lhes desobedece.

O mito, por regular condutas e estabelecer


padrões, acaba por necessariamente estabelecer

uma repetição para as coisas e


os fenômenos. Para a consciência mítica, um objeto ou um ato

apenas se torna
real na medida em que imita ou repete um arquétipo. Uma vez que a realidade se

alcança

exclusivamente por repetição ou participação, tudo aquilo que


não tem um modelo exemplar está

desprovido de sentido, vale dizer, carece de


realidade. Os rituais do homem primitivo reatualizam
os mitos primordiais. O
pensamento mítico é contemporâneo à cosmogonia, o que significa dizer

que os
mitos estão estreitamente atrelados às explicações de origem cosmológica. No
mito, nada
se pode acrescentar ou criar. As explicações já estão dadas e são
estáticas. O mito responde a

toda e a qualquer pergunta antes mesmo de sua


formulação. Impede a formulação da pergunta. O

exemplarismo mítico dá ao fato a


caução semelhante à do direito. O costume, que se beneficia

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assim com a
segurança do valor que o mito proporciona, fica imobilizado para sempre.
(Gusdorf,

1912)

TEMA 2 – ATITUDE FILOSÓFICA E OS PRIMÓRDIOS DA CIÊNCIA: A


CONSCIÊNCIA
REFLEXIVA

Com base na aquisição


de uma maior consciência de si e da capacidade de interiorização, o

homem passa
a investigar o mundo por meio da razão, e a explicação mítica perde sua força.
A

consciência reflexiva faz com que o humano adquira maior autonomia para
investigar o mundo, e

disso advém a filosofia. A


organização social do homem torna-se mais complexa, e com isso

surgem a moeda,
o calendário, o desenvolvimento de novas técnicas para a agricultura, dentre

outras coisas. Tal complexificação torna esse homem mais consciente do ambiente
e de si mesmo,

e isso abre espaço para um novo tipo de relação homem-ambiente:


o racionalismo ou a razão. A

filosofia, retomando as questões postas pelo mito,


é uma explicação racional da origem e da ordem

do mundo. A filosofia nasce como


uma racionalização e laicização da narrativa mítica, superando-a

e deixando-a
como passado poético e imaginário

Os primeiros filósofos não pretenderam explicar apenas a


origem das coisas e da ordem do

mundo, mas também e sobretudo as causas das


mudanças e repetições, das diferenças e
semelhanças entre as coisas, seu
surgimento, suas modificações e transformações e seu

desaparecimento ou
corrupção e morte. (Chauí, 1994)

Afirma-se que a filosofia, percebendo as


contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e

racionalizando as
narrativas míticas, transformando-as numa explicação inteiramente nova e

diferente pautada no racionalismo. O que tornou possível o surgimento da filosofia


na Grécia? Quais

foram as condições materiais (econômicas, sociais, políticas e


históricas) que permitiram o

surgimento da filosofia? As viagens marítimas, a


invenção do calendário, a invenção da moeda, o

surgimento da vida urbana, a


invenção da escrita alfabética, a política.

A consciência mítica tem origem


na teogonia e na cosmogonia, enquanto a filosofia se origina

da cosmologia:

Teogonia:
narra por meio das relações sexuais entre os deuses o nascimento de todos os

deuses, heróis, titãs e coisas do mundo natural;

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Cosmogonia:
narra a geração da ordem do mundo pela ação e pelas relações sexuais entre

forças vitais que são entidades concretas e divinas;

Cosmologia:
forma inicial da filosofia nascente, é a explicação da ordem do mundo, do

universo pela determinação de um princípio originário e racional que é origem e


causa das

coisas e de sua ordenação.

TEMA 3 – O QUE É A CIÊNCIA?

Chauí (2000) nos situa que a ciência é aquela


que nos faz desconfiar de nossas certezas. Ela

também nos diz que devemos desconfiar


da adesão imediata às coisas, da ausência de crítica e da

falta de curiosidade
com relação àquilo que nos circunda. Onde o senso comum vê fatos, coisas e

acontecimentos, a ciência vê problemas a serem resolvidos e obstáculos, ou


seja, “verdades” a
serem explicadas ou até mesmo destituídas. Segundo a autora,
as principais características do
conhecimento científico são as seguintes:

1. É objetivo (procura as estruturas universais e necessárias daquilo que é


investigado);
2. É quantitativo (ou seja, procura medidas, padrões, critérios de comparação entre
coisas

supostamente distintas etc.);


3. É homogêneo (busca leis gerais de funcionamento para os fenômenos);

4. Reúne individualidades sob as mesmas leis;


5. Não reúne nem generaliza por semelhanças aparentes, distingue o que parece igual;

6. Só estabelece relações causais após investigar a natureza ou estrutura do fato


estudado;
7. Não se posiciona como algo da ordem da magia, mas sim como algo que pode libertar o

homem das angústias e medos;


8. Evita tornar-se doutrina, renovando-se e questionando-se constantemente.

Chauí (2000) reitera ainda que os fatos e


objetos da ciência não são dados obtidos com base

em nossa experiência direta


com o objeto, mas sim construídos por trabalho de investigação
científica sobre
eles. Para isso, são realizadas por meio de um método. Historicamente,
três têm sido

as principais concepções de ciência ou de ideais de


cientificidade: o racionalista, cujo modelo de
objetividade é a
matemática; o empirista, que toma o modelo de objetividade da medicina
grega e da

história natural do século XVII; e o construtivista, cujo


modelo de objetividade advém da ideia de
razão como conhecimento aproximativo.

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De acordo com Chauí (2000), a concepção


racionalista afirma que a ciência é um conhecimento
racional dedutivo e
demonstrativo como a matemática, portanto capaz de provar a verdade

necessária
e universal de seus enunciados e resultados, sem deixar qualquer dúvida
possível. A
concepção empirista afirma que a ciência é uma interpretação
dos fatos baseada em observações e

experimentos que permitem estabelecer


induções e que, ao serem completadas, oferecem a
definição do objeto, suas
propriedades e suas leis de funcionamento. A teoria científica resulta das

observações e dos experimentos, de modo que a experiência não tem simplesmente


o papel de
verificar e confirmar conceitos, mas tem a função de produzi-los.

Ainda de acordo com Chauí (2000), a ciência era


uma espécie de raio-X da realidade. A

concepção racionalista (hipotético-dedutiva)


definia o objeto e suas leis, deduzindo assim suas
propriedades, efeitos
posteriores, previsões. A concepção empirista (hipotético-indutiva)

apresentava
suposições sobre o objeto, realizava observações e experimentos. Com base nisso,
eram estabelecidas definições dos fatos: suas leis, propriedades, efeitos
posteriores e previsões.

Ainda segundo a autora, a concepção


construtivista considera a ciência uma construção de

modelos explicativos para


a realidade e não uma representação da própria realidade. O cientista
combina
dois procedimentos – um, proveniente do racionalismo, e outro, do empirismo
– e a eles

acrescenta um terceiro, vindo da ideia de conhecimento por


aproximação e corrigível. O cientista
construtivista não espera que seu
trabalho apresente a realidade em si mesma, mas que ofereça

estruturas e
modelos de funcionamento da realidade, explicando os fenômenos observados. Não
espera, portanto, apresentar uma verdade absoluta e sim uma verdade aproximada
que pode ser

corrigida, modificada, abandonada por outra mais adequada aos fenômenos.


São três as exigências
de seu ideal de cientificidade:

1. Que
haja coerência (isto é, que não haja contradições) entre os princípios que
orientam a

teoria;
2. Que
os modelos dos objetos (ou estruturas dos fenômenos) sejam construídos com base
na

observação e na experimentação;
3. Que
os resultados obtidos possam não só alterar os modelos construídos, mas também
alterar

os próprios princípios da teoria, corrigindo-a.

Historicamente, houve também uma transformação


da ciência antiga para a ciência moderna ou

tecnológica. A primeira era uma


ciência teorética, isto é, apenas contemplava os seres naturais, sem

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jamais
imaginar intervir neles ou sobre eles. A técnica era um saber empírico, ligado
a práticas

necessárias à vida e nada tinha a oferecer à ciência nem a receber


dela. A ciência moderna nasce
vinculada à ideia de intervir na natureza, de
conhecê-la para apropriar-se dela, para controlá-la e

dominá-la. A ciência não


é apenas contemplação da verdade, mas é sobretudo o exercício do
poderio humano
sobre a natureza.

Durante certo tempo, julgou-se que a ciência


(como a sociedade) evolui e progride. Evolução e

progresso são a crença na


superioridade do presente em relação ao passado e do futuro em relação
ao
presente. Assim, por exemplo, os europeus civilizados seriam superiores aos
africanos e aos

índios, a física galileana-newtoniana seria superior à


aristotélica, a física quântica seria superior à de
Galileu e de Newton. Supunha-se
que as mudanças científicas indicavam evolução ou progresso dos

conhecimentos
humanos (Chaui, 2000)

TEMA 4 – CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

Chauí (2000) nos situa que a primeira


classificação sistemática das ciências foi estabelecida

por Aristóteles, que


empregou três critérios principais para classificar os saberes:

1. Critério
da ausência ou presença da ação humana nos seres investigados, levando à
distinção

entre as ciências teoréticas (conhecimento dos seres que existem e


agem independentemente
da ação humana) e ciências práticas (conhecimento de
tudo quanto existe como efeito das

ações humanas);
2. Critério
da imutabilidade ou permanência e da mutabilidade ou movimento dos seres

investigados. Esse critério leva à distinção entre metafísica (estudo do


Ser enquanto Ser, fora
de qualquer mudança), física ou ciências da natureza
(estudo dos seres constituídos por

matéria e forma e submetidos à mudança ou ao


movimento) e matemática (estudo dos seres
dotados apenas de forma, sem matéria,
imutáveis, mas existindo nos seres naturais e
conhecidos por abstração);

3. Critério
da modalidade prática, levando à distinção entre ciências que estudam a práxis
(a ação
ética, política e econômica, que tem o próprio agente como fim) e
as técnicas (a fabricação de

objetos artificiais ou a ação que tem como fim a


produção de um objeto diferente do agente).

Com pequenas variações, essa classificação foi mantida até o


século XVII, quando, então, os

conhecimentos se separaram em filosóficos,


científicos e técnicos. A partir dessa época, a

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Filosofia tende a desaparecer


nas classificações científicas (é um saber diferente do científico),

assim como
delas desaparecem as técnicas. Das inúmeras classificações propostas, as mais
conhecidas e utilizadas foram feitas por filósofos franceses e alemães do
século XIX, baseando-se

em três critérios: tipo de objeto estudado, tipo de


método empregado, tipo de resultado obtido.
(Chauí, 2000, p. 330)

De acordo com Chauí (2000), atualmente a


classificação existente das ciências é a seguinte:

1. Ciências
matemáticas ou lógico-matemáticas (aritmética, geometria, álgebra, trigonometria,

lógica, física pura, astronomia pura etc.);


2. Ciências
naturais (física, química, biologia, geologia, astronomia, geografia física,
paleontologia

etc.);
3. Ciências
humanas ou sociais (psicologia, sociologia, antropologia, geografia humana,

economia, linguística, psicanálise, arqueologia, história etc.);


4. Ciências
aplicadas (todas as ciências que conduzem à invenção de tecnologias para
intervir na

Natureza, na vida humana e nas sociedades, por exemplo, direito,


engenharia, medicina,
arquitetura, informática etc.)

Aqui seguimos com um ponto bastante importante


para que possamos inserir a psicanálise no

contexto das ciências. Como se


inserem as ciências humanas no campo geral das ciências? Quais
as diferenças
entre as ciências humanas e a psicanálise? Há uma interface entre elas? No
próximo

item, discutiremos acerca de como se inserem as ciências humanas no


ínterim das ciências, e
assim, posteriormente, poderemos estabelecer interfaces
e interlocuções entre a psicanálise e a

psicologia.

TEMA 5 – CIÊNCIAS HUMANAS: DISCUSSÕES EPISTEMOLÓGICAS

De acordo com Chauí (2000), a expressão ciências


humanas refere-se àquelas ciências que têm
o próprio ser humano como objeto:
“O homem como objeto científico é uma ideia surgida apenas no

século XIX. Até


então, tudo quanto se referia ao humano era estudado pela Filosofia” (p. 345). As
ciências humanas surgiram depois que as ciências matemáticas e naturais estavam
constituídas e

já haviam definido a ideia de cientificidade. Surgiram no


período em que prevalecia a concepção
empirista e determinista da ciência e
também procuraram tratar o objeto humano usando os

modelos hipotético-indutivos
e experimentais de estilo empirista, buscando leis causais necessárias
e
universais para os fenômenos humanos.

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Sendo os fenômenos humanos complexos e pouco matematizáveis,


é visível a inviabilidade de
realizar uma transposição integral e perfeita dos
métodos, das técnicas e das teorias naturais (tidos

como científicos) para os


estudos dos fatos humanos. Sendo assim, nas ciências humanas acaba-
se
trabalhando por analogia com as ciências naturais. Por isso, seus resultados
tornaram-se

bastante contestáveis e considerados, portanto, pouco científicos.


Essa situação levou muitos
cientistas e filósofos a duvidar da possibilidade de
ciências que tivessem o homem como objeto.

Para Chauí (2000, p. 345), quais


seriam então as principais objeções feitas à possibilidade das
ciências
humanas?

1. A ciência lida com fatos observáveis, isto é, com seres e acontecimentos que, nas
condições
especiais de laboratório, são objetos de experimentação. Como
observar-experimentar, por
exemplo, a consciência humana individual, que seria
o objeto da psicologia? Ou uma

sociedade, objeto da sociologia? Ou uma época


passada, objeto da história?
2. A ciência busca as leis objetivas, gerais, universais e necessárias dos fatos.
Como estabelecer

leis objetivas para o que é essencialmente subjetivo, como o


psiquismo humano? Como
estabelecer leis universais para algo que é particular,
como é o caso de uma sociedade

humana? Como estabelecer leis necessárias para o


que acontece uma única vez, como é o
caso do acontecimento histórico?

3. A ciência opera por análise (decomposição de um fato complexo em elementos


simples) e
síntese (recomposição do fato complexo por seleção dos elementos
simples, distinguindo os

essenciais dos acidentais). Como analisar e sintetizar


o psiquismo humano, uma sociedade,
um acontecimento histórico?

4. A ciência lida com fatos regidos pela necessidade causal ou pelo princípio do
determinismo
universal. O homem é dotado de razão, vontade e liberdade, é capaz
de criar fins e valores, de

escolher entre várias opções possíveis. Como dar


uma explicação científica necessária àquilo
que, por essência, é contingente,
pois é livre e age por liberdade?

5. A ciência lida com fatos objetivos, isto é, com os fenômenos, depois que foram
purificados de
todos os elementos subjetivos, de todas as qualidades sensíveis,
de todas as opiniões e todos

os sentimentos, de todos os dados afetivos e


valorativos. Ora, o humano é justamente o
subjetivo, o sensível, o afetivo, o
valorativo, o opinativo. Como transformá-lo em objetividade,

sem destruir sua


principal característica, a subjetividade?

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Ainda segundo Chaui (2000), do século XV ao


início do século XX, a investigação do humano

realizou-se de três maneiras


diferentes:

1. Período do humanismo: inicia-se no século XV com a ideia renascentista da dignidade do

homem como centro do Universo – O humanismo não separa homem e Natureza, mas
considera o homem um ser natural diferente dos demais, manifestando essa
diferença como

ser racional e livre, agente ético, político, técnico e


artístico;
2. Período do positivismo: inicia-se no século XIX com Augusto Comte, para quem a
humanidade
atravessa três etapas progressivas, indo da superstição religiosa à
metafísica e à teologia, para

chegar, finalmente, à ciência positiva, ponto


final do progresso humano – A sociologia é a
ciência que estuda o humano;

3. Período do historicismo: desenvolvido no final do século XIX e início do século


XX por Dilthey,
filósofo e historiador alemão – Os fatos humanos são
históricos, dotados de valor, sentido,

significação e finalidade e devem ser


estudados com essas características que os distinguem
dos fatos naturais. As
ciências do espírito ou da cultura não podem e não devem usar o

método da
observação-experimentação, mas devem criar o método da explicação e
compreensão
do sentido dos fatos humanos, encontrando a causalidade histórica que os

governa.

O historicismo resultou em dois problemas que


não puderam ser resolvidos por seus adeptos: o

relativismo e a subordinação a
uma filosofia da História:

Relativismo:
as leis científicas são válidas apenas para uma determinada época e cultura,
não

podendo ser universalizadas;

Filosofia da história: os indivíduos humanos e as instituições socioculturais só são

compreensíveis se seu estudo científico subordinar-se a uma teoria geral da história


que
considere cada formação sociocultural, seja como visão de mundo particular,
seja como etapa

de um processo histórico universal.

A constituição das ciências humanas como


ciências específicas consolidou-se com base nas

contribuições de três correntes


de pensamento, que, entre os anos 20 e 50 do século passado,

provocaram uma
ruptura epistemológica e uma revolução científica no campo das humanidades.

A fenomenologia introduziu a noção de essência


ou significação como um conceito que permite
diferenciar internamente uma
realidade de outras, encontrando seu sentido, sua forma, suas

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propriedades e
sua origem. A psicologia como ciência humana do psiquismo tornou-se possível a

partir do momento em que um conjunto de fatos internos e externos ligados à


consciência

(sensação, percepção, motricidade, linguagem etc.) puderam ser


definidos como dotados de

significação objetiva própria.

O estruturalismo permitiu que as ciências humanas


criassem métodos específicos para o
estudo de seus objetos, livrando-as das
explicações mecânicas de causa e efeito, sem que por isso

tivessem que
abandonar a ideia de lei científica. Os fatos humanos assumem a forma de
estruturas,

isto é, de sistemas que criam seus próprios elementos.

O marxismo permitiu compreender que os fatos


humanos são instituições sociais e históricas

produzidas não pelo espírito e


pela vontade livre dos indivíduos, mas pelas condições objetivas nas

quais a
ação e o pensamento humanos devem realizar-se.

Graças ao marxismo, as ciências humanas puderam compreender


que as mudanças históricas não

resultam de ações súbitas e espetaculares de


alguns indivíduos ou grupos de indivíduos, mas de
lentos processos sociais,
econômicos e políticos, baseados na forma assumida pela propriedade

dos meios
de produção e pelas relações de trabalho. (Chauí, 2000, p. 350)

NA PRÁTICA

Ter
em mente qual é o lugar da psicanálise como ciência é algo muito importante em
termos

práticos, principalmente quando estamos em ambientes de interlocução com


outros saberes como

um hospital, uma escola, um tribunal etc. A comunicação com


os outros saberes tem que ocorrer
sobre um pilar de sustentação da ética e da
práxis da psicanálise. Uma certa perda de espaço da

psicanálise para as
psicologias do ego e as comportamentais (devido à onda positivista que tomou

conta do âmbito das ciências) nos levam à necessidade de saber sustentar e


argumentar muito bem

sobre o que é ser científico e onde a psicanálise se


encaixa nesse cenário, pois o debate
intersaberes depende da capacidade de
arguição.

É
cada vez mais comum e recorrente que os médicos e outros profissionais (da
saúde, da

educação etc.) procurem por soluções que se dizem mais imediatas e


que requerem pouco ou

nenhum esforço na resolução de problemas e conflitos. O


que se vê no campo da saúde mental são

as pessoas cada vez menos tolerantes a


qualquer tipo de sofrimento, como se a falta não pudesse
ser tolerada, e para
isso recorrem ostensivamente ao uso de medicações psicotrópicas e

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classificações da psiquiatria. Pode-se perceber que o sentir e a incompletude


inerente à condição
humana não pudessem mais ser tolerados nessa sociedade em
que se prioriza o trabalho e o

rendimento financeiro.

O
apagamento do sujeito nessa organização social atual nos leva à necessidade de
discutir em

que bases estão fundadas as condutas sociais em vigência. O lugar


da psicanálise como ciência e

profissão diante desse cenário na qual o


assujeitamento é cada vez maior e gera mais sofrimento é
o de poder trazer à
tona esse apagamento do sujeito, discutindo amplamente com outros saberes (a

educação, a medicina etc.) sobre a necessidade de trazer de volta esse sujeito.


Dessa forma, ela

coloca em pauta e discute o quanto há de sofrimento nessa


organização social em que impera um

tipo de superficialidade e alienação ao


desejo aos quais estamos submetidos nessa lógica de
produção e consumo que é o
capitalismo.

Ter
uma postura crítica e não alienada diante do cenário no qual estamos inseridos
como

analistas leva à necessidade de discutir as bases que sustentam os


posicionamentos sociais

vigentes. Sendo assim, temos que entender os pilares


que sustentam esses posicionamentos, pois

entender um pouco melhor a teoria das


ciências nos permite ter uma postura mais crítica.

FINALIZANDO

Nesta
aula, discutimos a teoria das ciências. Essa discussão é de extrema relevância
para que
possamos compreender como as ciências relativas ao humano e a
psicanálise se situam no cenário

das ciências. Sendo assim, são esses os


principais pontos a serem memorizados:

1. Tanto a ciência quanto o


mito são formas que o homem encontrou para explicar o mundo ao

seu redor;

2. O mito é uma narrativa


fantástica, que parte da existência de deuses e semideuses para
explicar os
fenômenos – seus humores, seus conflitos, seus desejos são as explicações

daquilo
que acontece à natureza e ao homem;

3. A consciência que narra a


realidade pela via do mito é a consciência mítica;

4. Com uma maior capacidade de


observação e crítica, a explicação da realidade pela via do mito
vai perdendo
espaço, cedendo espaço para a atitude filosófica e a consciência reflexiva;

5. Com a aquisição de uma


consciência reflexiva, o ser humano passa a sistematizar as formas

de conhecer
e explorar o mundo, e a isso denominamos de atitude científica e o surgimento
da

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ciência;

6. Os fatos e objetos da
ciência não são obtidos da experiência direta com o objeto investigado,
mas sim
construídos por trabalho sistematizado de investigação científica sobre eles.
Para

isso, são realizadas por meio de um método;

7. Atualmente, a classificação existente das ciências são:


ciências matemáticas ou lógico-
matemáticas, ciências naturais, ciências humanas
ou sociais e ciências aplicadas;

8. Sendo os fenômenos humanos


complexos e pouco “matematizáveis”, é inviável a realização de

uma transposição
integral e perfeita de tais métodos, técnicas e teorias naturais tidos como

“científicos”. Por isso, seus resultados tornaram-se bastante contestáveis e considerados,


portanto, pouco científicos;

9. Do século XV ao início do
século XX, a investigação do humano realizou-se de três maneiras

diferentes:
humanismo, positivismo e historicismo;

10. A constituição das


ciências humanas como ciências específicas consolidou-se em função das
contribuições de três correntes de pensamento: fenomenologia, estruturalismo
e marxismo.

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, M. Introdução
à história da filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994.

_____. Convite à
filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

GUSDORF, G. Mito e metafísica.


São Paulo: Convívio, 1912.

MARCONDES, D. Iniciação
à história da filosofia. Rio de janeiro: Zahar, 1997.

PERINE, M. Mito e
filosofia. Philósophos – Revista de Filosofia, v. 7, n. 2, 2008.

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PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 4

 
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Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci

CONVERSA INICIAL

A PSICANÁLISE COMO CIÊNCIA PARTE 1: A PSICANÁLISE E SUA RELAÇÃO COM


AS
CIÊNCIAS HUMANAS E A PSICOLOGIA

Em nossas aulas anteriores, propusemos discussões


acerca do que são e como surgiram as

ciências. Partimos de uma linha de


raciocínio segundo a qual as ciências são formas de o ser

humano explicar e
interagir com o mundo que o cerca. Para tanto, é necessário utilizar um método.
As ciências humanas, nesse contexto, são duramente criticadas pelo fato de não
se adequarem ao

modelo de metodologia científica característico das ciências


matemáticas e das ciências da

natureza. Nesse cenário, encontram-se a psicanálise


e a psicologia.

Sabemos que a psicanálise tem estreita relação


com a psicologia, pois apresenta objeto(s) de

estudo semelhante(s): a
subjetividade e o comportamento humanos. Entretanto, precisamos

considerar que
as origens da psicologia não coincidem com as origens da psicanálise. A
psicologia

enquanto ciência é um tanto fragmentada, de modo que podemos considerar


que existem várias

psicologias, com diferentes abordagens e áreas de


atuação. Desse modo, há duras críticas no
campo científico e metodológico sobre
o seu estatuto de unicidade.

Neste momento, você pode indagar: este não é um


curso de psicologia, mas sim um curso de

psicanálise, uma prática que não


depende da psicologia para ser exercida – apesar de poder ser

utilizada e
aplicada em todos os campos nos quais a psicologia está inserida. Apenas com
esse

argumento, e partindo da noção de que atualmente o local onde mais se


ensina e se aplica a

psicanálise é nos cursos de psicologia, não podemos fugir


à discussão de como são e como foram

construídos os saberes do campo da


psicologia. Assim, podemos estabelecer semelhanças e

distinções sobre as origens,


a metodologia e a concepção de homem.

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Nesta aula, inicialmente vamos discutir as origens


da psicologia, tanto históricas quanto

epistemológicas, e quais as suas


concepções de homem. A partir de tais noções, vamos situar a
concepção de homem
da psicanálise, e como ela se insere no campo das ciências humanas e das

ciências de forma geral. Sendo assim, após a discussão sobre a concepção de


homem da

psicanálise, vamos estabelecer distinções entre o tratamento de cunho


psicanalítico e as

psicoterapias da psicologia.

TEMA 1 – PRÁTICAS PSICOLÓGICAS E A ESTRUTURAÇÃO DA


PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA:
INTERFACES ENTRE PSICOLOGIA E
PSICANÁLISE

Em aulas anteriores, estudamos que existe uma relação


íntima entre a psicologia e a

psicanálise. Tal aproximação se deve à


coincidência do objeto de estudo: o ser humano e o seu

comportamento/subjetividade.
É a partir da relação entre elas que podemos situar e até diferenciar a

psicanálise das práticas da psicologia. Sabemos que a psicologia é uma área do


conhecimento que

aborda o psiquismo humano de várias maneiras, em diversas


áreas de atuação. A  psicologia está

interessada em uma enorme variedade de tópicos, examinando o comportamento


humano e o
processo mental, do nível neural ao nível cultural. Em psicologia, estudamos
questões humanas, que

podem começar desde antes do nascimento e continuar até a


morte do sujeito. A psicologia está

nas organizações, na área da


saúde, na justiça etc. Onde há ser humano, é possível aplicar e

desenvolver
conhecimentos de psicologia. São diversas as possibilidades de atuação na área.

Sendo assim, por conta das diversas abordagens


e das diversas áreas de atuação, tem-se que a

psicologia na verdade é um
composto de várias “psicologias”. De acordo com Castañon (2008, p.

12), a psicologia
é uma disciplina dividida, pois o seu objeto de estudo apresenta aspectos

abordáveis, aspectos inabordáveis e aspectos apenas parcialmente abordáveis


pelo método

científico. Mas isso se deve a quê? A psicologia deriva de


duas grandes influências: a filosofia e a

fisiologia. Isso acaba gerando um


tipo de conflito, pois tendo em mente a questão levantada em

nossa aula
anterior, de que a fisiologia como ciência natural apresenta compreensões e métodos

específicos, e de que a filosofia é uma forma de construção de conhecimento


acerca dos fenômenos

a partir do questionamento, a psicologia fica em um tipo


de “meio-de-campo”. Assim, é preciso

avaliar como trazer uma unidade a essas influências


distintas (Castañon, 2008).

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Considerando as várias influências pertinentes ao


surgimento dessa ciência chamada

psicologia, a psicanálise adentra esse imbróglio


(ou confusão) como uma possibilidade para a

compreensão dos fenômenos do


psiquismo humano. Porém, antes de situar em que condição a

psicanálise adentra
no campo psi (da psicologia), vamos retomar a história da psicologia. Abib

(2009) descreve que a psicologia foi proposta como uma ciência no final do
século XIX, por Wilhelm

Wundt e William James. Segundo o autor, foram eles que


elaboraram de modo sistemático o projeto

de uma psicologia científica,


estruturando a psicologia como área do saber à parte, tanto da

fisiologia
quanto da filosofia.

Wundt era
fisiologista. Suas primeiras pesquisas remontam à utilização de métodos de

pesquisa científica das ciências naturais para investigar os tempos de reação


de uma pessoa. A sua

concepção de psiquismo era atrelada à fisiologia, ou seja,


ele buscava entender como o cérebro

respondia a determinados estímulos.  Após


certo tempo de trabalho e pesquisa, em 1879 ele abriu

o primeiro
laboratório de psicologia do mundo, situado na Universidade de
Leipzig, o laboratório de

psicologia experimental. Esse evento é considerado o


início oficial da psicologia como disciplina

científica separada e distinta.


Ainda segundo Abib (2009), a psicologia de Wundt é de base empírica

(a
partir da experiência direta) e fisiológica, o que a aproxima das ciências da
natureza.

Entretanto, a partir da concepção de que da experiência


direta do sujeito derivam resultantes

criativos, ele se aproxima das ciências


da cultura. O seu método de trabalho considera a

introspecção, ou seja, aquilo


que é produzido na subjetividade a partir da experiência. Tal noção nos

aproxima de uma causalidade psíquica, incompatível com a causalidade física.


“Devido à

causalidade psíquica e ao princípio dos resultantes criativos, a


psicologia de Wundt não é ciência

natural: é uma ciência intermediária” (Abib,


2009, p. 198).

A psicologia
floresce nos Estados Unidos durante a segunda metade do século
XIX.  Paralelamente
ao trabalho de Wundt, William James  emergiu como um dos principais

psicólogos americanos durante esse período. James publicou um livro que se


tornaria clássico, Os

Princípios da Psicologia. Por conta dessa publicação,


ele passou a ser conhecido como o  pai da

psicologia americana, que


encontra alta difusão mundo afora. Abib (2009) nos situa que, para

James, “a psicologia como ciência é ciência natural. Como uma ciência natural,
a psicologia estuda

os fatos mentais, descrevendo-os e examinando-os em relação


com o ambiente físico e com as

atividades dos hemisférios cerebrais, bem como


as atividades corporais que deles decorrem”.

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Não é nosso objetivo estudar com profundidade as


escolas que originaram a psicologia como a

conhecemos hoje, afinal de contas este


não é um curso de psicologia. Entretanto, um aspecto

bastante importante a ser


observado e compreendido com o nosso retorno à história da psicologia é

que, dentro
do campo das ciências psicológicas, houve uma tentativa de enquadrar o sujeito
humano

em metodologias tidas como científicas (ligadas às ciências exatas e da


natureza). Isso gerou algum

nível de conflito no enquadramento das ciências que


estudam o humano dentro do campo mais

geral das ciências, pois a


previsibilidade que se espera dificilmente é alcançada pela utilização de

tais
metodologias.

  Também é possível perceber, inicialmente, a


organização e a sistematização daquilo que se

define como ciência, no estudo da


subjetividade e do comportamento humanos, com foco na

consciência. Não havia,


até o surgimento da psicanálise, outra forma de conceber a subjetividade

humana
que não transitasse por tal via. Isso por si só já distingue, de forma muito importante,
a

psicanálise das práticas psicológicas.

No
fim do século 19, quando Freud começa a desenvolver a hipótese de um psíquico inconsciente,

a psicologia
era, sobretudo, uma ciência da consciência — ou, ao menos,
o projeto de uma tal
ciência. As propostas
para uma psicologia científica que surgem
nesse período, como aquelas de

Wundt, Brentano e William James,


trabalharam sempre com a hipótese dessa identidade entre o
mental e o
consciente, tendo esses autores devotado passagens inteiras de seus
principais

trabalhos para demonstrar que estados mentais inconscientes


eram uma impossibilidade de fato e

de direito. (Simanke, 2009, p. 32)

TEMA 2 – PSICOLOGIA, PSICANÁLISE E A CONCEPÇÃO INOVADORA


DO SUJEITO DO
INCONSCIENTE

Adentramos neste
momento no terreno que realmente nos interessa: a psicanálise.

Paralelamente às
tentativas de sistematização de um conhecimento acerca do psiquismo humano

por
Wundt e James, surgem os trabalhos de Freud e a consequente formalização da
psicanálise.
Sigmund
Freud  mudou o rosto da psicologia de maneira dramática, ao propor uma
teoria da

personalidade e uma concepção de homem com ênfase a um outro


aspecto do psiquismo humano

que não a consciência, como era a feito até então.


Esse novo aspecto da subjetividade a ser

considerado era o inconsciente. De acordo com Freud,


como vimos anteriormente, o
sofrimento o

humano e os distúrbios psicológicos são resultado de conflitos de ordem


inconsciente. Em
seu

trabalho clínico com pacientes que sofriam de histeria e outras doenças de


ordem psicológica, Freud

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sistematizou que as experiências da primeira infância


e os impulsos e conteúdos provenientes

desse inconsciente contribuem para o


desenvolvimento da personalidade e do comportamento dos

adultos.

Neto (2019) aponta que a


psicanálise surge da necessidade de Freud de desenvolver uma

compreensibilidade
causal dos fenômenos psíquicos, extrapolando
a esfera da consciência,

trabalhada até então. Foi da noção de que o sofrimento


histérico não se explicava e nem se tratava

em um plano da consciência que


surge essa nova concepção. Para explicar os fenômenos com os

quais estava
lidando (experiência empírica e clínica, importante frisar), foi necessário apelar
para

essa outra ordem de causas, que não aparece na superfície da


consciência: a ordem do

inconsciente. Com
isso, surge a concepção de homem da psicanálise, a do sujeito do inconsciente.

Essa
outra ordem é designada como inconsciente, e suas relações
causais invisíveis em jogo são
tematizadas pela
metapsicologia proposta por Freud.

  A
metapsicologia seria,
assim, um conjunto de elaborações de nível teórico que possibilita
formalizar a vida psíquica para além dos
fenômenos superficiais da consciência. A
partir da

metapsicologia, compreendemos a dinâmica e a topologia psíquicas. Desse


modo, é por meio dela
que se sustenta a concepção de homem do sujeito do
inconsciente. Neto (2019, p. 24) ainda nos
situa que “a metapsicologia
seria um esforço especulativo necessário para dar conta de
explicar o

desenrolar dos dados da consciência


que sem ela seriam episódios alheios uns aos outros, sendo
impossível
traçar uma trama que os interligasse”.

 A teoria
proposta e sistematizada por Sigmund Freud, a psicanálise, impactou profundamente
o
pensamento do século XX. Suas influências extrapolaram o campo da saúde
mental e da psicologia,

como bem sabemos, adentrando outras áreas, como a arte,


a educação e a pedagogia, a literatura, a
cultura popular etc.  Devido à
noção de cientificismo dominante (que leva em conta os métodos

propostos nas
ciências exatas e da natureza para a construção de conhecimento), a psicanálise
tem
de enfrentar um certo descrédito. Houve na psicologia um movimento que tentou
adequar os

métodos utilizados em outras ciências para o estudo da subjetividade


e do comportamento
humanos.

Grandes
alterações na compreensão da psicologia como ciência durante o início do século
XX.

Paralelamente à psicanálise, uma outra escola de pensamento de origem


americana (ou seja, com
influência do pensamento de James de modo a adequar a
psicologia às metodologias tidas como

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científicas), conhecida como    behaviorismo,  ganhou


espaço no cenário da psicologia. O
behaviorismo faz um grande esforço para tornar a psicologia uma disciplina que
se enquadra na

noção de ciência socialmente dominante, concentrando-se


puramente no comportamento
observável.
Assim, acabou trazendo uma grande mudança em relação às perspectivas teóricas

anteriores (como
as de
Wundt e Freud), rejeitando a ênfase tanto na mente consciente quanto no
inconsciente,
com foco naquilo que poderia ser observado e “metrificado”: o comportamento.

TEMA 3 – PSICANÁLISE ENQUANTO CIÊNCIA: DISCUSSÕES


EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DA
CIENTIFICIDADE

É importante ter
em mente que a psicologia é fruto de diversas linhas de pensamento. Todas
elas
podem vir a receber ou já receberam críticas quanto à sua cientificidade ou
quanto à sua
concepção de homem. A psicanálise também sofreu importantes críticas
quanto à sua

cientificidade. Chauí (2000) reitera que, segundo Karl Popper, pensador


da teoria das ciências, o valor
de uma teoria ou conhecimento seria
medido pela possibilidade de ela ser falsa. Como assim? A

falseabilidade (ou a
possibilidade de a teoria ser falsa) seria o critério mais importante para
avaliar a
validade das teorias científicas, pois seria uma garantia da ideia de
progresso científico. Por quê?

Porque, com esse critério, uma mesma teoria pode


ser corrigida por fatos novos que a “falsificam”. É
exatamente isso que a torna
verdadeira: a possibilidade de ser transformada e alterada.

 Popper foi um grande crítico da psicanálise, pois


defendia que ela não se enquadra no critério
de falseabilidade, e que por isso se
trata de uma teoria que se explica apenas em si mesma, não se

encaixando em
critérios válidos de cientificidade. Sendo assim, ressaltamos a importância de
entender mais profundamente a teoria psicanalítica, seja enquanto técnica, seja
enquanto
construção de saber acerca do ser humano e concepção de homem.

Neto (2019) reitera que,


apesar das especificidades marcantes de cada autor que se ocupou da
questão da
psicanálise enquanto ciência, podemos entender de forma
geral que a obra de Freud foi

marcada
por uma cisão de “dois freuds”. O primeiro
deles é aquele focado na prática clínica e no
método terapêutico (ou melhor, em uma construção empírica e sistematizada de conhecimento),

bastante elogiado por conta de sua inovação metodológica no contato com


o psíquico. O segundo
Freud seria o da metapsicologia
(ou da topologia psíquica e da psicodinâmica), que produziu teses

sem
fundamentos acerca do funcionamento psíquico. Tais teses estariam embutidas “de
resquícios

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de uma metafísica positivista,


mecanicista e energética”. Assim, ele “era incapaz de apreender os

caprichos das relações de sentido, compreendido como


campo da experiência humana por
excelência” (Neto,
2019, p. 28).

Neto (2019) ainda explica


que a obra de Freud recebeu muitas críticas, tanto por ser “científica

demais”,
quanto “científica de menos”, o que nos dá uma ideia da aproximação que a psicanálise
estabeleceu tanto com a filosofia (que a considera científica demais), quanto com
a fisiologia (que a

considera científica de menos), além de outras abordagens


do campo psicológico. Não vamos nos
ater ao aspecto de uma cientificidade exagerada,
pois o que nos interessa é situar a psicanálise

dentro de uma concepção de


cientificismo vigente (mais afastado da filosofia), com a acusação de
pseudociência, a partir da crença de que uma ciência que se aproxima da
matemática e da natureza

é superior a outros tipos de ciência. Assim, a


evolução do homem seria avaliada de acordo com esse
princípio.

A metapsicologia é um
fundamento da psicanálise, podendo ser utilizada para pautar as

discussões sobre
a sua cientificidade. Ela se aproxima de uma noção de funcionamento cerebral e
fisiológico do psiquismo; portanto, está próxima das ciências naturais. “O modelo seria uma forma

de formalizar
os eventos observáveis empiricamente, dando-lhes uma organização
através da
suposição das relações que se estabelecem entre
os diversos elementos observados” (Neto, 2019,

p. 33). A metapsicologia se torna um modelo à medida que estabelece


regras que estão por trás das
cortinas do
campo da experiência e do perceptível pela
consciência, estabelecendo assim um nexo

explicativo para tais eventos,


particulares do humano.

Neto (2019) ainda descreve


que as principais críticas feitas à cientificidade da psicanálise
partem de um
autor chamado Grunbaum, que fundamenta as suas críticas sustentando que os

conceitos da psicanálise e da metapsicologia se baseiam em inferências. “Grunbaum


acredita que
ao focar a crítica na relação entre
inferências causais e método clínico ele derrubaria
não somente a

psicanálise freudiana, mas


também toda a psicanálise pós freudiana” (Neto, 2019, p. 48), tendo em
vista
que a psicanálise pós-freudiana também trabalha com inferências causais
(admitidas ou não),

mesmo que
fundamentadas na experiência clínica.

Essa peculiaridade do
objeto psicanalítico (a do inconsciente, que mesmo oculto se faz
presente) é o
que distingue a psicanálise dos métodos científicos tidos como tradicionais.
Também

distingue a psicanálise, em grande medida, do objeto da psicologia,


devido à sua concepção de

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homem, como sujeito do inconsciente. Sendo assim, as


particularidades do campo psicanalítico
evidenciam a dificuldade daqueles que
não são psicanalistas, ou que não passaram por uma
análise,

de entenderem de que se trata a psicanálise –


como já diria Freud (Neto, 2019). Essa particularidade,
portanto (a de tirar a
experiência humana da consciência e daquilo que é visível e metrificável), é a
fonte de tanta confusão a respeito da legitimidade da psicanálise como
ciência empírica e do seu

lugar dentro
das ciências do campo psi.

TEMA 4 – PSICANÁLISE E CIÊNCIAS HUMANAS: APROXIMAÇÕES E


POSSIBILIDADES

Mezan
(2007) define que, sob a nomenclatura genérico de “ciências humanas”, convivem na

verdade disciplinas muito diferentes. Algumas, como a geografia, trabalham com


objetos bem
próximos dos naturais. Outras utilizam instrumentos matemáticos, como
a sociologia, quando

realiza pesquisas por amostragem, ou a economia, em seus


estudos de fenômenos passíveis de
quantificação. Existem ainda outras formas de
estudo nas ciências humanas: documentos, registros,

análises via observação...

A própria Psicologia se divide em


diversas áreas, segundo a concepção que tenham os psicólogos

do que é o seu
objeto: os behavioristas utilizam experimentos em laboratório, enquanto as
práticas
terapêuticas (em boa parte influenciadas pela Psicanálise) trabalham com
o método clínico; já a

Psicologia social opera com representações coletivas,


pois seu objeto se conecta com os da
Sociologia e da História. As ciências
políticas estudam de que modo os diferentes grupos e

classes sociais se
confrontam na arena pública, promovendo seus interesses no interior dos

marcos
jurídicos aceitos como legítimos nos diversos Estados. (Mezan, 2007, p. 353)

O
que todos elas teriam em comum? É o tipo do objeto que garante
alguma homogeneidade a
esse campo. Mas essa homogeneidade, bastante relativa,
não resulta tanto das semelhanças entre

esses objetos, uns com os outros, mas


da diferença radical entre eles e os objetos naturais das
ciências
“tradicionais”. Outro fator que garante homogeneidade às ciências humanas seria

a  ausência de um método experimental, cuja exceção é a psicologia


experimental, citada
anteriormente, que se esforçou para enquadrar o
comportamento humano como um objeto natural.

Não sendo objeto das ciências


humanas “matematizáveis”, o método experimental não é adequado;
assim, surgiu a
necessidade de encontrar outras formas de tratá-lo.

E a Psicanálise? Pelo exposto até


aqui, ela encontra seu lugar entre as ciências humanas. Seu

objeto - quer seja


definido como o inconsciente, quer como o funcionamento psíquico, ou de

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qualquer outra maneira - é claramente relativo ao homem. Seu método - aqui


considerado no que

se refere ao modo de teorizar, e não à prática clínica - é a


interpretação de atos e produções
psíquicas a fim de reconstruir os processos
que os geraram (tanto intra individuais quanto

relacionais). Suas exigências de


consistência no uso dos conceitos, na classificação dos
fenômenos (por exemplo,
na psicopatologia) e na validação de hipóteses em todos os planos de

investigação são semelhantes às de outras disciplinas


humanas. (Mezan, 2007, p. 355)

O objeto da psicanálise
pertence ao campo do humano. Seus métodos são similares aos das
ciências
humanas, e seu perfil epistemológico apresenta muitos elementos em comum com
outras

disciplinas humanas. Assim, faz sentido concluir que ela é uma ciência
humana. Nesse ponto de
nossa aula, é
necessário esclarecer que a discussão sobre o que é ou não ciência – considerando

um tipo de “determinismo” psíquico de que a psicanálise é acusada, bem como a


acusação de que
ela é uma pseudociência – é da alçada da epistemologia, que discute
a teoria das ciências. Assim,

é  necessário entender o movimento do homem


em direção à construção de um conhecimento de
mundo, com suas razões e falhas.

 A ciência é uma das


formas como o homem entende o mundo. Uma posição acrítica acerca da

ciência enquanto
verdade absoluta é tão grave quanto um conhecimento construído sem
fundamento –
ambos os caminhos nos levam a dogmatismos. Assim, cabe compreender que a

psicanálise não pretende ser um conhecimento apenas teórico, nem apenas


prático: ela é
sustentada em uma práxis calcada em teoria e prática clínica, áreas
que se comunicam e justificam

a si mesmas.

Considerando o que
definimos como construção do saber no campo das ciências humanas,
outra
necessidade pertinente às críticas à cientificidade da psicanálise é que os
métodos das

ciências humanas são e devem ser outros que não os utilizados nas
ciências exatas e naturais. Ela
se enquadra no campo das ciências humanas,
apesar de certo esforço de Freud no caminho

contrário. Desse modo, podemos dizer


que a sua metodologia tem de ser própria, por conta da
peculiaridade de seu
objeto.

TEMA 5 – A PSICANÁLISE E AS PSICOTERAPIAS: UMA INTRODUÇÃO

Neste ponto, estabeleceremos algumas discussões


acerca do que diferencia a psicanálise de

outros tipos de psicoterapia, considerando


as distinções e aproximações que estabelecemos entre
psicanálise e psicologia.
De acordo com Carvalho e Fontenele (2019), o termo psicoterapia foi criado

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pelo médico inglês Daniel Hack Tuke, em 1872. Entretanto, foi Bernheim - contemporâneo
de Freud,

que contribuiu com as pesquisas relacionadas ao método hipnótico e com


o método da pressão na
testa, por meio do uso combinado de hipnotismo e
sugestão – quem popularizou o uso do termo. A

utilização do método hipnótico,


como trabalhamos em aulas anteriores, acaba sendo superada por
Freud. Entretanto,
não podemos esquecer que ela foi a primeira proposta de tratamento para o

adoecimento psicológico, daí a sua relação com o termo psicoterapia.

Segundo Roudinesco (2000, citado por Carvalho e


Fontenele, 2019, p. 104), a psicanálise, desde
a sua inserção nos EUA, foi
recebida como uma espécie de teologia da libertação e da expansão

individual,
apesar de Freud ter se esforçado no sentido contrário a essa promessa. “Conforme
observa essa historiadora, mais de setecentas escolas de psicoterapia
floresceram no mundo a

partir de 1950, sobretudo nos Estados Unidos. A


organização destas escolas é centrada na figura do
psicoterapeuta, o condutor
da cura.”

Ainda de acordo com Carvalho e Fontenele (2019),


as concepções de psicoterapia estavam
focadas no tratamento do ego, o que subentendia
a conquista de felicidade e do sucesso. Tais

conquistas estariam ligadas à reeducação


dos pensamentos, processo que seria facilitado pelo
alargamento do ego e de sua
possibilidade compreensiva. Desse modo, as psicoterapias estariam

amparadas em um
ideal de normalidade (imposto aos pacientes como cura), que seria alcançado a
partir da relação entre terapeuta e paciente. Ou seja, na psicoterapia buscamos
um ideal de cura, que

seria alcançado a partir de um tipo de normatização de  condutas


e comportamentos. O objetivo

seria ajustar tais comportamentos e condutas


socialmente, para que deixassem de causar

incômodos ou controvérsias. Por exemplo:


o objetivo no tratamento de uma pessoa dependente de
drogas seria que ela
parasse com o uso.

Nesse sentido, os autores apontam que a


psicoterapia seria um tipo de trapaça, muitas vezes
bem-sucedida, pois seria
ajustada socialmente. Já a psicanálise seria uma operação destinada ao

fracasso, pois não compartilharia do mesmo objetivo. Por quê? Quando falamos em
psicanálise, não

buscamos o ideal de cura proposto pela psicologia americana. “Mas


seria exatamente nisto que
consistiria alguma possibilidade de sucesso, pois,
daí, o sujeito poderia advir” (Carvalho; Fontenele,

2019, p. 105). Como assim?


A psicanálise aponta esse ideal de cura como algo que surge por

acréscimo, como
um efeito do processo analítico, mas não como seu objetivo maior.  

Conforme já demonstrado
por Freud (1910) em “As perspectivas futuras da terapêutica

psicanalítica”, a
busca pela cura seria um severo obstáculo para a análise, como também, em outro

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texto de sua autoria -“Linhas de progresso na terapia psicanalítica”- Freud(1919)


critica a adoção,

por parte do analista, de uma postura fanática pela higiene


psíquica e nos diz que por meio de
operações de deslocamento e da criação de
satisfações substitutivas, podemos perceber, por

parte do doente, o risco da


proliferação, da multiplicação acentuada de sua produção sintomática,
o que
favoreceria, por sua vez, a cristalização e a perpetuação de sua neurose. (Carvalho;

Fontenele, 2019, p. 106)

Essa passagem nos dá indícios da principal


diferença entre a psicoterapia e a psicanálise: o seu

fundamento e o seu
objetivo. Fica claro que o fundamento da psicanálise não é a consciência e o Eu,

nem a cura, mas sim o sujeito do inconsciente. Já as psicoterapias se amparam


na supremacia do

eu. “Nelas, considera-se ser o eu do paciente uma zona livre


de conflitos a ser preservada e
dominada. Essa zona proporcionaria a aliança
terapêutica a ser estabelecida entre o eu do terapeuta

e a suposta parte sã do
eu do doente” (Carvalho; Fontenele, 2019, p. 107). Nas psicoterapias, o

trabalho
com foco na instância imaginária do eu obstaculiza a manifestação discursiva
espontânea
do paciente (por meio da associação livre), o que dificultaria a
emergência do sujeito do

inconsciente.

O que observamos, assim, são concepções de


homem bem distintas, como éticas diferentes.

Enquanto as psicoterapias buscam


um tipo de adequação do sujeito à normalização, a psicanálise

trabalha
justamente com aquilo que não é adequável, que não se pode controlar no ser
humano. Ela

não visa o bem-estar e a cura, mas sim a emergência do sujeito do


inconsciente. Todo o resto seria
consequência.

NA PRÁTICA

Há muito o que se pode dizer sobre a parte


prática e sobre o que sustenta as diferenças entre a

psicanálise e a psicologia,
considerando qual deve ser a ética que sustenta o fazer do psicanalista.

Como
discutimos durante esta aula, a preocupação do psicanalista não deve ser curar
ou melhorar o
paciente, mas sim compreender a construção que sustenta o
sofrimento do paciente, para que o

sujeito possa se haver e agir a partir daquilo


que pôde construir em análise.

Por isso mesmo, o lugar da psicanálise se


distingue do lugar das outras “psicologias”. A

psicanálise se sustenta naquilo


que não se sabe, naquilo que não está acessível à consciência,

enquanto as
psicologias que seguem a tendência americana visam adequar o sujeito,
promovendo
um “alargamento” do ego. A diferença entre um tipo de intervenção e
o outro fica visível quando

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consideramos, por exemplo, um sujeito que sofre de


compulsão alimentar. Enquanto as terapias do
ego buscam a transformação do ego para
que o paciente reduza a sua ingestão de alimentos, a

preocupação dos psicanalistas


não é transformar o sujeito, mas sim compreender a construção que

se esconde
por detrás da cortina da compulsão alimentar.

O que isso quer dizer? Enquanto psicanalistas,


devemos tentar construir, captar com o sujeito,

que função que a compulsão


alimentar exerce em sua vida. Qual seria o ganho secundário, ou ainda
o que se
cristaliza enquanto aquele sujeito está comendo. O controle sobre a compulsão
seria,

talvez, uma consequência do  percurso. O sujeito pode, no curso de


uma análise, assumir outra

posição diante da comida, a partir do momento em que


se dá conta do movimento inconsciente que

sustenta aquela posição.

Por não ser uma prática que se afina com a


noção de cura e bem-estar, a psicanálise não
pretende ser um tratamento
tradicional de modelo médico, mas sim uma investigação acerca dos

fenômenos do
inconsciente. Só isso já a sustenta em um lugar peculiar, tanto dentro das
práticas

psicológicas quanto no campo das ciências.

FINALIZANDO

Nesta aula, estabelecemos contraposições entre


psicologia e psicanálise, situando a

psicanálise dentro do campo das ciências.


Eis os aspectos mais importantes trabalhados em aula:

A
psicologia tem familiaridade tanto com a filosofia quanto com a fisiologia, de
modo que é um
campo de origens e metodologias múltiplas. A psicanálise flerta
com a psicologia, por conta

do seu objeto de estudo (a subjetividade).

Dois
nomes são fundamentais na história da psicologia: Wilhelm Wundt e William James.

Wundt levou em conta um tipo de introspecção, enquanto James se esforçou para adequar
os
métodos da psicologia aos métodos tidos como científicos (das ciências
naturais e das

ciências exatas), sendo assim considerado o pai da psicologia


americana.

A
psicologia americana é influenciada pelo comportamentalismo e por métodos que
tiram a

psicologia do rol das ciências puramente humanas, esforçando-se por


adequar-se aos
métodos da psicologia.

A
psicologia teve, desde sempre, um enfoque na consciência. A psicanálise se
diferencia

devido à peculiaridade de seu objeto: a subjetividade. Entretanto,


não se trata de uma

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subjetividade que obedece às normas da consciência, mas sim


do inconsciente.

As
controvérsias sobre a cientificidade da psicanálise se devem principalmente à
metapsicologia. O que fundamenta a psicanálise como ciência é a adequação de
seu método

ao seu objeto de estudo: a subjetividade e o inconsciente.

A
distinção entre a psicanálise e outros métodos de psicoterapia reside justamente
no enfoque
da psicanálise no sujeito do inconsciente, enquanto as psicoterapias
trabalham com o eu e a

consciência.

Uma
outra distinção importante entre psicanálise e outros tipos de psicoterapia é a
questão de

um ideal de cura e bem-estar. Na psicanálise, não buscamos adequar o


sujeito, mas sim
garantir que ele possa emergir. Sendo assim, qualquer melhora
ou adequação é apenas mera

consequência, e não o objetivo final de uma análise.

O que
sustenta a psicanálise, seja enquanto ciência ou enquanto profissão (ou ainda
como um

fazer), é a sua ética – a ética do sujeito do inconsciente e do desejo.


Seu manejo não busca
fortificar o ego ou adequar o sujeito, mas sim trazê-lo à
tona, entendendo o que justifica e o que

constitui o sujeito enquanto tal.

REFERÊNCIAS

ABIB, J. A. D. Epistemologia pluralizada e história da psicologia. Scientiae Studia, v. 7, p.


195-

208, 2009.

CARVALHO, F. de; FONTENELE, L. Psicanálise, Psicoterapia e Autoajuda. Psicanálise &


Barroco

Em Revista, v. 8, n. 2, 2019.

CASTAÑON, G. A. Filosofia como fundamento e fronteira da psicologia, Revista Universidade


Rural - Série Ciências Humanas, Seropédica-RJ, v. 30, n. 1, p. 10-18,
jan.-jun. 2008.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

MEZAN, R. Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise? Nat. hum., São Paulo, v. 9, n. 2, p.
319-
359, dez. 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-

24302007000200005&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 22 dez. 2021.

NETO, A. A. N. Estatuto científico da psicanálise: cientificista ou pseudociência? Trabalho de

Conclusão de Curso (Graduação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo,


2019.

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09/11/2022 10:52 UNINTER

SIMANKE, R. A psicanálise freudiana e a dualidade entre ciências naturais e ciências humanas.

Revista Scientiae Studia, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 221-235, 2009.

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09/11/2022 10:53 UNINTER

PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 5

 
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09/11/2022 10:53 UNINTER

Prof.ª Giovana Fonseca Madrucci

CONVERSA INICIAL

Anteriormente, pudemos trabalhar um pouco sobre


as origens da psicologia e de sua profunda
relação com os mais diversos tipos
de psicoterapia. Nesse interim, encontra-se a psicanálise. Tendo

em mente que a
psicanálise não se pretende um fazer e nem uma ciência que busca inserção e

adequação às metodologias que são tidas como científicas, devemos entender que
o que a sustenta

é uma posição ética. O que quer dizer isso? A psicanálise tem


uma concepção de homem e uma

ética muito específicas, que seria a do desejo e a


do sujeito do Inconsciente. Isso a torna paralela

aos fazeres da psicologia e aos


outros tipos de psicoterapia, pois, com isso, devemos entender que

o objetivo principal
da análise não é a cura e o bem-estar, mesmo que essas sejam consequências

que
possam ocorrer ao longo do tratamento analítico.

Como
analistas, devemos nos ocupar com o fato de que o sujeito do inconsciente e o
desejo

devem vir à tona. Freud percebeu que


os sintomas só poderiam ser tratados com base no momento

em que os impulsos
insuportáveis provenientes do Inconsciente pudessem vir à tona (normalmente

carregados de fantasias) para serem trabalhados. Somente fazendo emergir os


conteúdos do

Inconsciente é que o sujeito pode se haver com aquilo que há de


mais particular nele, e, assim,

haver-se com seu desejo, diminuindo a


"divisão subjetiva" que o faz sofrer.

Essa deve ser a


ética que guiará o fazer do analista: a escuta da singularidade e do desejo de

cada sujeito, sem normatizações, sem enquadramentos, sem moralismos e


adequações sociais.

Considerando a questão ética da psicanálise, podemos dizer


que o fazer do psicanalista é um fazer

laico, que não possui vínculo com nenhum


tipo de prática ou crença religiosa. Portanto, isso não
deve estar em pauta na
postura que deve ser assumida pelo psicanalista. Considerando todos esses

aspectos éticos que estão sendo e que foram levantados na discussão da


psicanálise enquanto

ciência, nesta aula, pretendemos seguir com as distinções


entre psicanálise e outros tipos de

psicologia ou ciências.

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09/11/2022 10:53 UNINTER

Em um primeiro
momento, seguiremos estabelecendo as distinções que existem tanto na

concepção
de homem (que, na psicanálise, tira o foco da consciência e leva para o
inconsciente)
quanto na de ética, que guia os fazeres da psicologia e das
psicoterapias, bem como o da

psicanálise.

Veremos, também, o
motivo pela qual essas concepções devem ser consideradas tão distintas.

Para
tanto, retornaremos a dois textos seminais de Freud, os quais versam sobre a
técnica

psicanalítica e dão instruções àqueles que querem exercê-la. No momento


final da aula, trataremos

sobre como foi difundida e estruturada a psicanálise


desde Freud. Esse aspecto historiográfico nos

dará subsídios para que, em


conteúdo posterior, possamos tratar da questão do fazer analítico como

um
ofício, verificando como se forma um analista.

É importante frisar que a


psicanálise, por mais que se veja um tanto quanto “de fora” quanto a

normativas
e regulamentações, não deve ser praticada à revelia. Um analista não se forma
apenas
com estudo teórico, pois é necessário haver um outro fator em sua
formação, fator esse que

tentaremos deixar bem claro em nosso percurso. A


psicanálise também não se abstém de posições

políticas, seja num quadro


político mais geral (da sociedade em si), seja uma política própria que

rege as
instituições de psicanalistas e a relação da psicanálise com a sociedade.

TEMA 1 – A PSICANÁLISE E AS PSICOTERAPIAS: UM POUCO MAIS

De acordo com Silva, Gasparetto e Campezatto


(2015), o período em que se formulam os

primeiros tipos de psicoterapias


propriamente ditas se dá entre 1880 e 1900. As autoras afirmam

ainda que, de um
lado, surgiram os laboratórios de psicologia experimental, com W. Wundt e W.

James. Por outro, durante esse mesmo período, surgiram as psicoterapias


sugestivas e a

psicanálise.

Inicialmente, Freud não


fazia distinção entre os termos “psicoterapia” e “psicanálise”; a

necessidade
mais premente parecia ser distingui-la da medicina. Ilustra esta indiferenciação
a

conferência proferida por Freud em 1904 no Colégio de Médicos de Viena, a


qual abordou a
especificidade da psicanálise frente a outros métodos de
tratamento, que recebeu o título: ‘Sobre a

Psicoterapia’ (Über Psychotherapie).


Em 1919, Freud sentiu a necessidade de diferenciar seu
método das técnicas que
empregavam a sugestão direta. Ele acreditava que a psicanálise era a

forma
ideal de tratamento psicológico [...]. (p. 40)

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A psicanálise, portanto, é absorvida pela


psicologia e vai se afastando da medicina. E, assim,

torna-se uma ciência


“aplicada” e que pode ser ensinada nos cursos de psicologia. Silva, Gasparetto

e Campezatto (2015) afirmam que esse é um ponto de bastante controvérsia. Com a


inclusão da

psicanálise nos cursos de psicologia, muitos psicanalistas passaram


a discordar de sua

identificação enquanto uma psicoterapia.

Tal distinção se deve a uma tentativa de


diferenciação da “psicanálise pura” do conjunto de

práticas que compunham o


arsenal mais amplo das psicoterapias. Mesmo assim, há alguma

dificuldade dos psicanalistas


em manterem tal distanciamento. Um exemplo disso é o fato de que

“[...] uma das


primeiras práticas psicoterápicas instituídas após a Segunda Grande Guerra, o

humanismo
criado por Rogers, estava carregada de elementos psicanalíticos” (Silva;
Gasparetto;

Campezatto, 2015, p. 41). Contudo, as psicoterapias surgidas depois


da guerra não foram herdeiras

somente da psicanálise. Elas foram formadas por


uma convergência de várias práticas realizadas

nos EUA desde o século XIX. Silva,


Gasparetto e Campezatto (2015), citando Zimerman (1999),

afirmam que grande


parte da confusão que ocorre acerca do que é psicanálise e do que é

psicoterapia
se deve ao fato de que a palavra psicoterapia engloba uma série de possibilidades

terapêuticas, psicanalíticas ou não, tanto nas suas concepções


teóricas quanto nas suas aplicações

práticas.

Entretanto, seus fundamentos éticos as


distanciam deste rol maior. Por quê? Que fundamentos

seriam esses? De acordo


com Tanis (2006), citando Birman (2000), a psicanálise nasceu

principalmente
fundamentada como um tipo de consciência crítica da modernidade. Por meio dela,

os reinos vigentes do eu e da razão soberana são destronados para que, assim,


possa ascender uma

concepção de homem que o vê como um sujeito do inconsciente.

O
que a psicanálise colocou e, a meu ver, ainda coloca em evidência
inquestionável é a limitação

do discurso médico para dar conta do mal-estar


moderno enquanto produção subjetiva e cultural.
O desejo, o conflito e o
sofrimento psíquico nas suas múltiplas expressões são irredutíveis a

motivações
de natureza exclusivamente biológica. Freud aponta o descentramento do sujeito
frente ao próprio desejo inconsciente, tematizado na primeira descrição do
psiquismo.

Posteriormente, amplia sua visão e a complementa. (Tanis, 2006, p.


311)

Ainda segundo o autor, a psicanálise não


se visa um tipo de correção, adequação e

normalização (que ele chama de


ortopedia psíquica) como tratamento, mas sim uma transformação

do sofrimento do
sujeito por meio de um fazer-saber sobre o inconsciente. Com isso, pode-se

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promover a desalienação deste sujeito, condenado, até então, à repetição. Um


trecho bastante

importante do texto Sobre o início do tratamento (1913)


nos dá o tom de tais distinções e da ética

que propõe Freud acerca do


sofrimento psíquico:

A
estranha conduta dos pacientes, por serem capazes de combinar um conhecimento
consciente

com o desconhecimento, permanece inexplicável pela chamada


psicologia normal. Para a
psicanálise, entretanto, que reconhece a existência
do inconsciente, ela não apresenta dificuldade.

[...] Os pacientes conhecem


agora a experiência reprimida em seu pensamento consciente, mas
falta a este
pensamento qualquer vinculação com o lugar em que a lembrança reprimida [...]
está

contida. Nenhuma mudança é possível até que o processo consciente de


pensamento tenha

penetrado esse lugar e lá superado as resistências da


repressão. (Freud, 1913, p. 156)

TEMA 2 – O QUE POSTULOU FREUD ACERCA DO EXERCÍCIO DA


PSICANÁLISE

Há, na
obra de Freud, uma série de artigos que versam sobre a técnica psicanalítica e
sua ética,

são os artigos sobre a técnica. Em Recomendações aos médicos que


exercem a psicanálise (1912),

Freud expõe diversas questões que devem ser postas


em prática no exercício da psicanálise para
que a experiência do Inconsciente
seja a mais legítima possível e sua ética sustentada. A primeira

delas é a “atenção
uniformemente suspensa” ou atenção flutuante. O que seria essa atenção

flutuante? De acordo com Laplanche e Pontalis (2001), na atenção flutuante não


se deve privilegiar a

priori qualquer elemento do discurso do paciente, assim, a


emergência do Inconsciente é facilitada.

Aquilo que o Inconsciente do próprio


analista capta e prioriza do discurso do paciente (que está em

associação
livre) é o que precisa ser trabalhado em análise.

Com
isso, percebe-se que a prioridade na experiência do Inconsciente não é a
produção de

sentido, mas sim a captação daquilo que não faz sentido num
primeiro momento. É justamente na

falta de sentido que se mostra o Inconsciente


com o qual trabalha a psicanálise. A tomada de notas

integrais, por exemplo, é


algo ao qual Freud (1912) se mostra contrário, justamente pela questão da
produção de sentido que pode ocorrer com base nisso, e, com isso, perder-se-ia
uma parte

importante da experiência Inconsciente.

Nenhuma
objeção pode ser levantada a fazerem-se exceções a essa regra no caso de datas,
[...] ou

eventos específicos dignos de nota que podem ser facilmente desligados


de seu contexto e são
apropriados para uso independente [...]. (Freud, 1912, p.
127)

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Outro
ponto importante no que concerne à experiência analítica, diz Freud (1912), é
que, em

psicanálise, tratamento e pesquisa ocorrem ao mesmo tempo e até mesmo


se confundem. Ao se

investigar os fenômenos inconscientes, também se tratará


deles.

Aqui, é de fundamental importância visualizarmos


o fato de que, em um tratamento

psicanalítico, o que se prioriza o tempo todo é


a emergência dos aspectos inconscientes que

precisam ser trabalhados.

A técnica é toda estruturada para a facilitação


desse processo (seja pela via da associação livre,

seja pela atenção flutuante,


seja pela investigação que se confunde com tratamento).

Uma
outra observação importante que faz Freud, e aí entramos no plano daquilo que
distingue a

psicanálise de outros tipos de psicoterapia, é que, segundo ele, o


médico (ou para nós, o analista)
não deve possuir um furor de cura. Ele trata a
questão dessa ambição terapêutica de produzir algo

que gere algum efeito


convincente sobre as outras pessoas como um tipo de perigo, pois pode
tornar o
tratamento impotente frente a determinadas resistências do paciente. O foco do
trabalho

deve ser investigar e trazer à tona os conteúdos provenientes do


inconsciente, e, com base nisso,
será possível realizar algum trabalho.

É fácil perceber para


que objetivo as diferentes regras que apresentei convergem. Todas elas se

destinam a criar, para o médico, uma contrapartida à ‘regra fundamental da


psicanálise’
estabelecida para o paciente. Assim como o paciente deve revelar
tudo o que sua auto-observação

possa detectar, e impedir todas as objeções


lógicas e afetivas que procuram induzi-lo a fazer uma
seleção entre elas,
também o médico deve colocar-se em posição de fazer uso de tudo o que lhe é

dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto [...]


ele deve voltar seu

próprio inconsciente, como um órgão receptor na direção do


Inconsciente transmissor do paciente.
(Freud, 1912, p. 129)

Nesse
ponto, podemos perceber o quanto é necessário que o próprio analista tenha
trabalhadas
suas próprias questões inconscientes e o quanto o Inconsciente do
analista é importante para o

trabalho de análise (seja pela questão da


transferência, seja pelo fato de que é no ponto de encontro
entre o
inconsciente do analista e o do paciente que é possível que ocorra algum
trabalho).

Passemos, então, às recomendações de Freud quanto à questão da


formação do analista e à
posição que este deve assumir.

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TEMA 3 – O QUE DIZ FREUD ACERCA DA POSIÇÃO E DA FORMAÇÃO


DO ANALISTA

Uma das pontuações mais relevantes de Freud no que diz respeito ao inconsciente do
analista e
ao modo como ele atua em um processo de análise é que

ele não pode tolerar


quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi

percebido pelo inconsciente, doutra maneira, introduziria na análise nova


espécie de seleção e
deformação que seria muito mais prejudicial [...]. (Freud,
1912, p. 129)

O que ele quer dizer com isso? Que a


resistência do analista pode causar prejuízos no trabalho
realizado, pois,
devido a tais resistências, o analista pode não perceber, não levar em conta
e/ou não

suportar não trabalhar aspectos importantes do material inconsciente


do paciente. Ao analista, há,
portanto, que trabalhar seu próprio inconsciente.

Todo aquele que possa


apreciar o alto valor do autoconhecimento e aumento de controle assim

adquiridos, continuará, quando ela terminar, o exame analítico de sua


personalidade sob a forma
de autoanálise e ficará contente em compreender que [tanto]
dentro de si quanto no mundo

externo, deve esperar descobrir algo de novo. Mas


quem não tiver dignado a tomar precaução de
ser analisado não só será punido
por ser incapaz de aprender um pouco mais em relação a seus

pacientes, mas
correrá também perigo mais sério, que pode se tornar perigo também para os

outros. Cairá facilmente na tentação de projetar para fora algumas das


peculiaridades de sua
própria personalidade [...]. (Freud, 1912, p. 130)

O
que fica evidente nessa passagem é que o analista deve se analisar tanto para
que não caia

em pressuposições e deixe de escutar seu paciente quanto para que


não projete questões próprias
para fora enquanto estiver escutando alguém, ou
seja, o inconsciente do próprio analista precisa

estar trabalhado. Assim, para que


seja possível ter a experiência do inconsciente, é necessário ter
essa experiência
na própria pele por meio da vivência e da análise do próprio inconsciente.

Entretanto,
Freud (1912) observa que mesmo que o analista tenha trabalhado seu próprio
inconsciente, sua personalidade e questões particulares devem ficar de fora do
tratamento analítico.

Segundo o autor, uma exposição da figura no analista em


nada contribui para o avanço do paciente,
podendo piorar por facilitar que se
ergam resistências que dificultem o manejo da transferência, tão
essencial para
o setting analítico.

Portanto, “o médico deve ser opaco aos seus


pacientes, e como um espelho, não mostrar-lhes
nada exceto o que lhe é
mostrado” (Freud, 1912, p. 131).

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Uma
outra observação importante de Freud, que vai ao encontro da posição da
psicanálise,

segundo a qual não se deve buscar o bem-estar nem a cura, mas sim
a ética que guiará o analista, é
a de que não se deve dar “dicas” nem
“indicações do que fazer”. Segundo Freud (1912), há que se

respeitar a
limitação e o tempo de cada paciente, portanto, dar “conselhos” não é efetivo
com aquilo
que se busca numa análise.

Como médico, tem-se


acima de tudo de ser tolerante com a fraqueza do paciente, e contentar-se

em
ter reconquistado certo grau de capacidade para o trabalho e divertimento para
uma pessoa
mesmo de valor moderado. (Freud, 1912, p. 132)

TEMA 4 – O QUE O ANALISTA DEVE SABER SOBRE O INÍCIO DO


TRATAMENTO
PSICANALÍTICO SEGUNDO FREUD

Neste
ponto de nossa aula, já nos vemos advertidos pelo próprio Freud de que a
prática analítica
só se dá por meio da experiência com o Inconsciente (tanto
por parte do analista, que deve ter

passado pela experiência particular de


investigar seu próprio inconsciente pela via da análise
pessoal; quanto por
parte do paciente, que viverá o contato com seu próprio Inconsciente via

análise). Sendo assim, algumas medidas devem ser tomadas logo de início para
que o tratamento
seja levado a cabo e se mostre eficaz no sentido de trabalhar
com os conteúdos inconscientes que

estão adoecendo o sujeito. Tais advertências


são também uma forma de manter a ética que se
propõe num processo de análise: a
do sujeito do inconsciente e a do desejo.

Em
seu texto Sobre o Início do tratamento (1913), Freud nos ensina que, em
um tratamento

psicanalítico, há um período preliminar em que o “médico” ou o analista


deve decidir se vai ser
possível levar em frente o tratamento, seja pelas
possibilidades que se apresentam em termos de

diagnóstico, seja em função da


possibilidade de se estabelecer uma relação transferencial que
possibilite o
trabalho analítico. Para Freud, pontos de extrema relevância no início do
tratamento são

acordos que se estabelecem com relação ao tempo e ao dinheiro.

Para o autor, com relação aos acordos de tempo,


não se deve estabelecer com o paciente
promessa de cura nem prazos de trabalho predeterminados.
O que quer dizer isso? Não há uma

resposta certa e firme sobre quanto tempo o


tratamento poderá durar, pois isso depende das
possibilidades de cada sujeito
que procura uma análise: suas defesas, suas possibilidades

subjetivas, seu
objetivo ao procurar a análise etc. Freud estabelece que o ritmo de tratamento
deve

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ser intenso para que os conteúdos a serem trabalhados não se percam com os
espaços entre as
sessões, nem se submetam a defesas que tais espaços possam
facilitar, dificultando, assim, o

trabalho.

Já com relação aos acordos relativos ao dinheiro


em um processo de análise, tem-se que a
análise deve ter um custo
suficientemente alto, na qual o sujeito entenda que deve trabalhar e que

está despendendo
recursos tanto de tempo quanto de dinheiro para tal. Não se recomendam os
atendimentos gratuitos, pois, com isso, entende-se que o paciente não se
motivaria ao trabalho.

No que tange ao conteúdo com o qual se deve


iniciar o tratamento, Freud é bastante persistente

na ideia de que a fluição de


ideias dever ser o mais livre possível. Quando o paciente é
demasiadamente
organizado em seu discurso, ou quando são pedidas “tarefas de casa”, impede-se

a livre circulação do conteúdo inconsciente, facilitando, assim, que a


resistência atue para manter o
conteúdo inconsciente recalcado. “O material com
que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente,

[...] em todos os casos,


deve-se deixar que o paciente fale e ele deve ser livre para escolher em que
ponto começará” (Freud, 1913, p. 149). Há que se tomar relativo cuidado para
não acelerar também

as interpretações, pois isso pode também acabar afastando o


paciente do tratamento.

Enquanto as
comunicações e ideias do paciente fluírem sem qualquer obstrução, o tema da

transferência não deve ser aflorado. Deve-se esperar até que a transferência,
que é o mais delicado
dos procedimentos, tenha-se tornado resistência. (Freud,
1913, p. 154)

O que fica claro no discurso de Freud em seu


texto sobre o início do tratamento é que ao mesmo

tempo em que se deve


trabalhar com as resistências que venham a surgir no decorrer do tempo (o
que
torna a resistência também um material de trabalho), é necessário que a
espontaneidade do

paciente seja a maior possível, pois, assim, as resistências


não se tornem tão grandes e tão atuantes
a ponto de impedir o trabalho analítico
e a emergência do material inconsciente.

TEMA 5 – A DIFUSÃO DA PRÁTICA PSICANALÍTICA E A PSICANÁLISE


COMO UMA
PRÁTICA LEIGA

De acordo com Robert (2016), a difusão da prática psicanalítica e


a história do movimento
psicanalítico se iniciam com a reunião de Freud e mais quatro
colegas às quartas-feiras. Essas
reuniões se tornaram a Sociedade Psicológica
das quartas-feiras. Compunham o
grupo Wilhelm

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Stekel, que foi o idealizador; Max Kahane; Rudolf Reitler e Alfred Adler. “O encontro destes cinco
homens
judeus marca o início da configuração do campo psicanalítico” (p. 39).

Robert (2016) ainda nos


reitera que tais reuniões aos poucos foram recebendo outros
interessados em discutir a teoria psicanalítica. Citando Gay (1989), Robert
(2016) afirma que não

eram apenas médicos que frequentavam essas reuniões. Freud


apreciava particularmente os leigos,
temendo que a psicanálise pudesse virar um monopólio de médicos.

A configuração do campo psicanalítico, iniciada através da Sociedade das Quartas-Feiras,

indubitavelmente, uma associação singular para a reflexão científica, parece refletir nos primórdios
institucionais a complexa relação que a psicanálise, desde antes da institucionalização, sempre

manteve entre o sujeito que pesquisa e o objeto pesquisado e também entre o normal e o
patológico. (Robert, p. 40)

Esse grupo das quartas-feiras segue


seu trabalho, mas não sem algum nível de
desentendimento entre Freud e seus
membros. Segundo Zacharewicz e Formigoni (2015), não havia

consenso em muitas
discussões, e conflitos instalavam-se. Tais desentendimentos geraram
consequências para o campo psicanalítico, especialmente no que se refere às dissidências e ao

surgimento de ramificações da
teoria freudiana (sabemos que a teoria psicanalítica é razoavelmente
ampla no
que tange aos seus autores e leituras da obra de Freud).

[...]
tal aspecto talvez tenha contribuído para que, na última
reunião antes do recesso de verão de

1907, Freud anunciasse a dissolução da


Sociedade e sua imediata refundação, com aqueles que
manifestassem interesse [...].
(Zacharewicz; Formigoni, 2015, p. 311)

Tendo acesso a esses aspectos


importantes da história do movimento psicanalítico e da
difusão da prática
psicanalítica, podemos ter em mente como seu corpo teórico e clínico se
constrói,

sobretudo fora do âmbito universitário formal.

“As reuniões de pessoas


interessadas na psicanálise marcam o
estilo da transmissão freudiana

desde os
primeiros tempos” (Zacharewicz; Formigoni, 2015, p. 311). Zacharewicz e
Formigoni (2015)
afirmam que uma interlocução entre aqueles que se ocupavam do
exercício da psicanálise era de
grande relevância para Freud.

Destaca-se,
ao longo da leitura dos documentos da Sociedade, outra relevante preocupação
freudiana: a transmissão da psicanálise. A iniciativa de reunir diferentes
interessados por sua

ainda incipiente teoria, pelo comportamento humano e pelas diversas manifestações culturais é,

por si
só, um reflexo de tal preocupação. A postura e
o comportamento de Freud ao longo das

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reuniões e na condução da Sociedade


também têm marcas de seu interesse pela transmissão da

psicanálise. Além disso,


diversas pessoas, também de fora de Viena, foram
convidadas a participar
dessas reuniões. (Zacharewicz; Formigoni, 2015, p. 312)

Em 1908, a Sociedade das Quartas-feiras seria transformada por Freud na Sociedade


Psicanalítica de
Viena, a Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV). Robert (2016, p. 44) afirma

que

uma
das estratégias mais curiosas de legitimação do poder, da definição da hierarquia
e das
relações entre os agentes atuantes na configuração do campo psicanalítico
é a formação do

Comitê Secreto, em 1912.

Esse comitê teria sido criado


por iniciativa de Ernest Jones e Sándor Ferenczi. Ainda segundo o

autor, citando
Kupperman (1996), o que se via por trás das cortinas para a criação do Comitê
Secreto, criado para defender secretamente
a causa psicanalítica (tendo por compromisso não se

afastar dos princípios


fundamentais da teoria psicanalítica), era a relação desgastada entre Freud e
Jung, que sinalizava inclusive sua ruptura. Jung era então presidente da IPA, a
Associação

Internacional de Psicanálise,
criada em 1910 no Congresso de Nuremberg.

Na
história da psicanálise narrada por Freud, a complexidade das relações entre os agentes do
processo
é substituída pelo acento dado a uma narrativa linear de um herói contra um mundo não

receptivo, inóspito e incapaz de aceitar uma verdade que lhe é dolorosa. Freud, pelo
menos no
campo institucional, parece saber que não é somente isso. Por isso, não se
resignou ao destino

que seria obter reconhecimento científico em um momento posterior em


que o mundo enfim

estivesse preparado para lhe dar este reconhecimento.


(Robert, 2016, p. 49)

O que se percebe
com base nessa breve narrativa histórica acerca
do início do movimento

psicanalítico no mundo é que desde seus primórdios


existem divergências acerca de como deve ser
a formação, a transmissão e até
mesmo de como devem sem compreendidos e tratados

determinados conceitos dentro


do campo psicanalítico. No movimento psicanalítico, houve a

necessidade de
centralização de poder nas mãos de Freud, inclusive como uma forma de assegurar
seus princípios, sua ética e suas bases teóricas e filosóficas.

Por fim, Robert (2016, p. 51) ainda chama a atenção para a “[...] advertência de
ficar atento às
forças que agem sobre o campo psicanalítico”.

NA PRÁTICA

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No percurso desta aula, a pretensão foi que se pudesse dar


conta dos aspectos éticos e

técnicos que atravessam o fazer do psicanalista.


Sua ética não deve ser a da cura, mas sim a do

desejo. E é por isso que o fazer


do psicanalista por vezes acaba ganhando essa característica de

“estar de fora”
do que se entende como normativas e expectativas sociais. Entretanto, um outro
aspecto ético é o de levar em consideração a singularidade do sujeito que se
escuta. Mas o que isso

quer dizer? Que todo tipo de ruído deve ser evitado para
que se emerja apenas o sujeito que está

sendo escutado. Esses ruídos são


evitados principalmente por meio de uma postura ética do

psicanalista, o qual
trabalha o seu próprio inconsciente.

Essa
postura ética nos coloca num lugar diferente dos outros tipos de psicologia, um
lugar até
mesmo muito menos normativo. Mas a grande questão é que deve ser um
fazer ético. O que se visa

em um processo de análise? A emergência do sujeito


do inconsciente e de seu desejo. Entretanto,

essa é uma experiência que não se obtém


a menos que se passe por ela e que se trate do próprio

inconsciente. É preciso
que fique bem claro que o que forma um analista é sua experiência pessoal
com o
Inconsciente, experiência essa que só pode ser obtida por meio de uma análise
pessoal.

As recomendações de Freud trabalhadas nesta aula


vão no sentido de mostrar àquele que se

pretende um psicanalista a importância


de se ter o maior cuidado possível em termos éticos e

técnicos para que se


priorize a singularidade e o inconsciente do sujeito que se escuta. Na prática,

se deixamos emergir nossa própria singularidade e não nos colocamos como um


tipo de tela em
branco para o paciente, o tratamento corre um sério risco de
não ser bem-sucedido. Quanto mais

tomamos atitudes que podem fazer erguer


resistências no sujeito, menos bem-sucedido será o

tratamento que propomos a


esse sujeito.

Se
levamos o tratamento de uma pessoa que apresenta compulsão em termos de educá-la
a

não repetir mais o comportamento indesejado, maior propensão essa pessoa


apresentará a se
apegar em seu sintoma devido às resistências. Por isso, nosso
objetivo não deve ser o de educar

nem o de tornar o sujeito socialmente


adaptado, mas sim verificar com ele o que faz com que essa

seja a única solução


encontrada para manejar com a angústia.

A
(re)construção da singularidade do sujeito e a (re)construção da narrativa
acerca daquilo que

o faz sofrer é o que deve objetivar o psicanalista. Não se


deve arrancar o sintoma do sujeito, mas

sim investigar como ele foi construído.


É por meio dessa investigação que algum efeito mais
duradouro poderá surgir em
termos de bem-estar e qualidade de vida para o sujeito.

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FINALIZANDO

Eis os conteúdos a serem absorvidos nesta aula:

1. A psicanálise não deve ser inserida no rol maior das psicoterapias, mesmo que
tenha coisas

em comum. O que a diferencia da psicologia em geral é sua ética;


2. A ética da psicanálise não visa à cura nem adequações ou normatizações, mas sim o
desejo.

Ela trabalha com o sujeito do Inconsciente e não com o Eu ou a


consciência;

3. Freud, em seu texto Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, de


1912, afirma o

tempo todo que a posição do analista deve ser a mais neutra


possível (no sentido de se tornar
um tipo de ‘tela em branco’ para o paciente),
para que, assim, possam emergir os aspectos

inconscientes a serem trabalhados;

4. Outro ponto que Freud aponta como crucial para um tratamento bem-sucedido é que o
analista

não deve ter um furor de cura, mas sim priorizar os aspectos


inconscientes que causam os
sintomas. Quanto maior o furor de cura, mais resistências
que impedem que o paciente se

confronte com o conteúdo inconsciente que o está


adoecendo podem vir à tona;

5. O analista deve o tempo todo estar atento àquilo que pode erguer resistências no
paciente.
Mesmo que a resistência seja material de trabalho, é preciso não
contribuir para aumentá-las,

mas sim reduzi-las, e, assim, o material inconsciente


pode vir à tona;

6. O setting deve ser organizado de maneira que o paciente entenda que está se
dispondo a um

trabalho e que isso vai exigir investimento tanto de tempo quanto


de dinheiro. A análise deve
ter um custo, somente assim o paciente poderá
entender que deve se colocar a trabalho;

7. Freud deixa claro que o que torna alguém apto para a prática da psicanálise é a
experiência

com o próprio inconsciente, portanto, não deve praticar a


psicanálise quem não colocar seu

próprio inconsciente a trabalho;


8. O movimento psicanalítico tem início com as reuniões das quartas-feiras. Nessas
reuniões,

tratava-se de assuntos relativos à prática analítica e sua estrutura


enquanto uma ciência e um

fazer;

9. Houve grandes cisões e rompimentos durante a história do movimento psicanalítico


(seja no
que tange à sua difusão, seja no que tange à sua estruturação ou
transmissão), o que nos leva

a visualizar que há um aspecto político que


atravessa a psicanálise em termos de sua

historiografia.

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09/11/2022 10:53 UNINTER

REFERÊNCIAS

FREUD,
S. Recomendações
aos médicos que exercem a psicanálise. Edição Standard Brasileira

das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

______.
Sobre
o início do tratamento. Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de

Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006.

LAPLANCHE,
J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
2001.

ROBERT,
M. R. Histórias da psicanálise em Curitiba:
surgimento e difusão de uma cultura
psicanalítica
entre clínica, teoria e política. 147 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade
de

São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em:

<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47132/tde-05012017-

101852/publico/robert_corrigida.pdf>.
Acesso em: 1 jan. 2021.

SILVA, M. R.;
GASPARETTO, L.; CAMPEZATTO, P. M. Psicanálise e psicoterapia psicanalítica:

tangências e superposições. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande, v. 7, n.


1, p. 39-46, jun. 2015.
Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid="S2177-

093X2015000100006"&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 1 jan. 2021.

TANIS, B. Formação – pesquisa;


sociedades de psicanálise – universidade: a delicada questão

das fronteiras.
J. psicanal., São Paulo, v. 39, n. 70, p. 309-325, jun.   2006. Disponível
em:

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid="S0103-58352006000100020">.
Acesso em: 1 jan. 2021.

ZACHAREWICZ, F.;
FORMIGONI, M. C. Os primeiros psicanalistas: Atas da Sociedade

Psicanalítica de
Viena 1906-1908. J. psicanal., São Paulo, v. 48, n. 89, p. 309-312, dez.
  2015.

  Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid="S0103-

58352015000200024"&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 1 jan. 2021.

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/15
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PSICANÁLISE, CIÊNCIA E
PROFISSÃO
AULA 6

Profª Giovana Fonseca Madrucci


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09/11/2022 10:54 UNINTER

CONVERSA INICIAL

Trilhamos aqui um percurso no


qual foi possível trabalhar diversos aspectos importantes sobre
a psicanálise como
ciência e profissão. Até esse momento, é importante que tenhamos em mente

que a
psicanálise é uma prática que, apesar de estar inserida no campo da psicologia
e ter relação

intima com a medicina, é diferente de ambas. A psicanálise é um


método de investigação acerca dos

fenômenos do inconsciente, por isso, sua


visão de homem não se enquadra com as da psicologia

(que ainda sofre com seu


estatuto de unicidade e métodos de investigação como ciência), e da

medicina,
pois nasce exatamente dentro daquilo que a medicina não conseguiu explicar, nem
tratar.

Difere também das psicoterapias em geral por sua ética, que visa ao
resgate da relação do sujeito

com seu desejo, e não uma cura. Essa posição


ética acaba desembocando em algumas
especificidades do campo, tanto acerca de
quem são aqueles que podem exercê-la, quanto sobre a

formação do psicanalista.

Nesta aula, discutiremos essas


questões que tornam a psicanálise muito especifica como

ciência e profissão.
Aliás, um bom questionamento seria: A psicanálise realmente é uma profissão?

Ou
seria uma ocupação? O que exatamente diferencia profissão de ocupação?
Quem pode se tornar

psicanalista? Há algum tipo de regulamentação? Como é a


formação de um psicanalista? Veja: são

muitas as questões, e esperamos poder


responder a todas elas.

Inicialmente, trabalharemos um
texto muito importante de Freud, no qual ele explica como e

quem pode se tornar


psicanalista; o título do texto é “A questão da análise leiga”, de 1926. Nele,

Freud aborda por que a psicanálise é uma prática que não deve ser restrita aos
médicos, e quais são
os passos que tornam alguém um psicanalista.

A partir das postulações e


orientações de Freud, trabalharemos então os pilares que sustentam

a formação
de um psicanalista, ou seja, o famoso tripé: análise pessoal, supervisão e
estudos

teóricos. Nesse momento, discorreremos sobre a necessidade e indissociabilidade


de cada um

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desses pilares, e como eles são baseados em uma noção de psicanálise


como prática leiga. A partir

disso, poderemos trabalhar como funciona o “controle”


acerca da atividade do psicanalista, situando
a psicanálise como profissão ou
ocupação e, por fim, indicar onde e como, portanto, são formados

os
psicanalistas.

TEMA 1 – FREUD E A QUESTÃO DA ANÁLISE LEIGA

Para que possamos entender


melhor as questões acerca da formação do psicanalista, como

quem pode (ou não)


praticar a psicanálise, inicialmente retornaremos às bases da teoria
psicanalítica: Sigmund Freud.

Em seu artigo “A questão da


análise leiga” [1926]/(2014), Freud afirma que a psicanálise não é

uma prática
que precise ser necessariamente praticada por médicos. Essa questão tem origem
em

perguntas como: A psicanálise deve ser praticada exclusivamente por médicos?


Quem pode praticar

a psicanálise? Como se forma um analista?

Com base nesses


questionamentos, Freud, em seu texto de 1926, reflete sobre o fazer do

psicanalista: o inconsciente, a associação livre, o manejo da transferência, a


sexualidade infantil, a

etiologia das neuroses e como um analista deve estar


preparado para a escuta das questões

provenientes delas.

O autor informa que a


psicanálise é uma prática que aparece e se origina das limitações que os

médicos que atendem indivíduos neuróticos possuem (em função do estilo de sua
formação,

inclusive). Sendo assim, por ser uma prática que não exatamente
depende de formação médica,

mas, sim, da vivência individual do analista com a


psicanálise e com seu próprio inconsciente, e de

sua capacidade de compreender


e escutar cada sujeito, apesar de Freud admitir que há, sim, um
enlace entre
medicina e psicanálise, mas que deve ser colocado em questão quando se verifica
tal

necessidade.

Ele reitera ainda que pode


haver muitas controvérsias acerca do que é o tratamento

psicanalítico, pois
alguém um pouco menos informado a esse respeito pode se perguntar: Como se

trata alguém apenas com palavras? Qual a diferença entre o tratamento


psicanalítico e a hipnose, já

que ambos visam encontrar o conteúdo patógeno que


causou o adoecimento psíquico?

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Freud, entretanto, é claro ao


pontuar que, no tratamento psicanalítico, é necessário algo mais

que a simples
confissão de um desejo oculto ou de um sentimento de culpa.

Gostaria também de lhe


dar um exemplo de como são alheias à técnica psicanalítica a distração e

a
dissuasão. Se o paciente sofre de um sentimento de culpa, como se tivesse
cometido um grave
delito, nós não o aconselhamos a ignorar seus tormentos de
consciência, enfatizando sua

indubitável inocência. Isso ele já procurou fazer,


sem sucesso. O que fazemos, isso sim, é adverti-lo
de que um sentimento tão
forte e persistente deve estar baseado em uma coisa real, que talvez

possa ser
encontrada. (Freud, 1926, p. 134)

Freud então passa a trabalhar


com uma noção de topologia psíquica que argumenta a favor de

sua crença de que


a psicanálise não é uma prática que pode se enquadrar nos moldes da medicina

e,
portanto, pode ser uma prática leiga (ou não médica). Com base na noção de que
na vida psíquica

e no cerne do adoecimento neurótico há um conflito entre o Eu


(que representa a consciência) e o Id

(que representa o inconsciente), Freud nos


diz que o processo de análise é algo de outra ordem, que

não podemos “enquadrar”,


e que não tem regras ou normativas; portanto, não pode pertencer às

metodologias e narrativas médicas.

Freud, tanto nesse texto, como


ao longo de sua obra, argumenta que o tratamento da neurose se

dá pela
investigação dos conflitos psíquicos e das suas relações com o inconsciente. Tendo
em

mente a complexidade de como um processo psíquico inconsciente (gerador do


adoecimento

neurótico) pode se tornar consciente, Freud [1926]/(2014, p. 146) afirma:

exigimos que todo


aquele que quer analisar outros se submeta antes a uma análise ele próprio.
Somente no decorrer dessa “autoanálise” (como é impropriamente denominada),
quando

vivenciam no próprio corpo – ou melhor, na própria alma – os processos


postulados pela
psicanálise, adquirem as convicções que depois os guiarão como
analistas.

Argumentando em prol de que


não sejam exclusivamente os médicos a exercer a prática
psicanalítica, Freud
segue uma trilha de pensamento que nos guia a entender que a “formação” de

um
psicanalista, assim como a psicanálise, devido principalmente à noção de
sexualidade infantil e

de como essa sexualidade originaria a questão neurótica,


exigem conhecimentos que extrapolam a

biologia e a medicina. Freud cita


mitologia, sociologia, psicologia etc., bem como a fisiologia, mas

como uma
parte um pouco menos importante na leitura de homem que se faz na teoria

psicanalítica. Ele segue argumentando que, para exercer a prática analítica, um


analista deve

sustentar subjetivamente também a neurose de transferência (que é


crucial para o tratamento

psicanalítico) – e isso não é possível sem passar


pela experiência do inconsciente.

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quem passou por essa


aprendizagem foi ele próprio analisado, compreendeu o que hoje se pode

ensinar
da psicologia do Inconsciente, está informado da ciência da vida sexual e
aprendeu a difícil
técnica da psicanálise, a arte da interpretação, o combate
às resistências e o manejo da

transferência, esse não é mais um leigo no campo


da psicanálise. (Freud, 1926, p. 187)

  Uma
argumentação importante também sustentada por Freud ao final de seu texto é a
de que

a formação médica muito pouco contribui para a formação de um


psicanalista, já que o objetivo de

um psicanalista seria o de tratar doenças


neuróticas. Para tanto, seria necessário compreender do

que se trata o jogo de


forças entre consciente e inconsciente, escutar o paciente e estabelecer com

ele novas narrativas – o que não é o tratamento médico clássico. Ele informa
também de que, além

de tudo, a formação psicanalítica sobrecarregaria o médico


de informações. Forçá-lo a apreender

tudo o que é necessário para a prática


analítica o distanciaria um tanto da medicina e geraria
grandes problemas
quanto à formação médica.

TEMA 2 – QUEM, PORTANTO, PODE PRATICAR A PSICANÁLISE?


ALGUMAS NOTAS SOBRE A
FORMAÇÃO DO ANALISTA

Ainda citando Freud em “A


questão da análise leiga” [1926]/(2014), ele afirma que a psicanálise

é uma
prática que não se enquadra nos moldes universitários, dada a necessidade de um
tipo

específico de formação (formação essa que nasce da experiência particular


de cada um com o

inconsciente, e do desejo de analisar alguém). Nesse momento


de sua obra, ele não oferece uma

resposta para tal questão, e diz que, com o


tempo, essa deverá ser uma pergunta a ser respondida

por conta das exigências


sociais e burocráticas, no sentido de algo que normatize a formação e o

fazer
do psicanalista. Entretanto, para Freud, mesmo que não haja cursos
universitários que formem

psicanalistas, há instituições nas quais os analistas


podem fazer sua formação e trocar experiências

com outros analistas, e assim


realizar seus estudos teóricos. Isso seria suficiente para formar um

psicanalista.

Isso, por si só, nos apresenta


a questão de que não se formam psicanalistas em cursos

universitários, ou
melhor, de que que não há uma fórmula e nem passos específicos para a formação

do psicanalista; essa questão faz com que a psicanálise adquira uma


especificidade tanto em sua

prática, quanto em sua formação. Assim nasce a


proposta e a necessidade de uma formação de

psicanalistas baseada no tripé


análise pessoal (para a experiência particular com o inconsciente,

fundamental
na formação de um analista), estudos teóricos (conhecimentos específicos de

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psicanálise e de mundo, como arte, sociologia etc.) e supervisão (troca de


experiências com outros

profissionais da área).

A ‘formação em
Psicanálise’ é um processo contínuo, que está no cerne das associações

psicanalíticas. A transmissão da Psicanálise se dá, principalmente, através da


análise pessoal e da
supervisão clínica, bem como pelo estudo e pela
apropriação singular da teoria. (Coelho, 2013, p.

27)

De acordo com Nogueira Filho e


Warchavchik (2008), não haveria como garantir o processo

analítico com base em regulamentações


universalizantes. Segundo os autores, tais

regulamentações anulariam o caráter


necessariamente artesanal de um processo de psicanálise; no

entanto, não há
nada que o garanta na ausência delas. Vemos que aqui se instaura um tipo de
conflito acerca do que é um psicanalista e qual seria sua formação. Há o que
garanta a experiência

do sujeito com o inconsciente? Há o que possa


regulamentar uma prática tão específica?

Um desejo de análise
consistente sustentando um processo analítico junto a um analista bem

analisado
é possivelmente o melhor que se pode buscar em termos de condição analítica
ideal,

condição necessária para a formação do analista. (Nogueira Filho; Warchavchik,


2008, p. 145)

 Os autores seguem uma linha


de pensamento de que é muito difícil encontrar, na formação de

um psicanalista,
um meio de se anular o risco de ocorrer uma formação insuficiente, tanto em
função dos inevitáveis pontos cegos da análise, quanto a possibilidade de uma insuficiência
teórica.

Apontam ainda ser fundamental a existência de mecanismos que permitam


a todos os analistas
(iniciantes ou mais avançados em sua formação) se situarem
em relação a seus pares no campo

psicanalítico, seja naquilo que se refere à


sua prática e experiência clínica, seja em sua compreensão
teórica. Com isso, fica
evidente a importância de uma formação continuada em psicanálise, a troca

constante com os pares e a “não conclusão” dos estudos teóricos. O que queremos
dizer com isso?
Que sempre há algo a trocar em termos de experiência clínica, e
há sempre algo novo a se discutir

no aspecto teórico.

Nogueira Filho e Warchavchik


(2008) ainda afirmam, com relação a esse assunto, que pode
haver dispositivos,
como o reconhecimento da capacidade analítica pelos pares, em rituais de

passagem, que podem de certa forma atenuar os riscos de uma formação equivocada.
Entretanto,
não garantem o bom desempenho técnico e ético ou protegem o
analista do desamparo próprio de

seu ofício.

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Dizer que não há a “formação


do analista” aponta, assim, para a impossibilidade de sua

padronização e para o
aspecto de que o analista se autoriza, sobretudo, a partir de si mesmo (do
desejo do analista) e de alguns outros (analisantes e analistas, com quem
realiza seu percurso

clínico, estudo teórico, supervisão e processo de passe,


nas associações de psicanálise e em
outros espaços. Mesmo aí, há um impossível
a transmitir, que requer ser considerado. Um pouco

disso pode-se até ofertar e


obter na Universidade, por um período pré-determinado, com a

ingerência de
normas muitas vezes perturbadoras, mas esse pouco não é a mesma coisa e não
abarca a análise pessoal, por exemplo. (Coelho, 2013, p. 23)

TEMA 3 – UM POUCO MAIS SOBRE A FORMAÇÃO DO PSICANALISTA

Por ser clara a necessidade de


uma formação pautada no tripé análise pessoal, supervisão e
estudo teórico, e
uma prática da psicanálise (não regulamentada e nem submetida aos moldes

universitários) permitindo que os mais diversos tipos de sujeitos, provenientes


dos mais diversos
tipos de formação, mas balizados pelo desejo de saber mais
sobre o inconsciente (seja o seu
próprio, seja o do outro), nos resta falar um
pouco mais especificamente sobre cada um dos pilares

de formação.

A assimilação da
psicanálise sempre dependerá da mesma inquietude no analisando, que o

mobilizará a analisar-se, a analisar seus pacientes e a buscar na teoria – tanto


naquela já instituída
e consolidada, como na proposição de novas contribuições,
que deverão ser debatidas por seus

pares – condições para tornar pensáveis os


fenômenos psíquicos que se apresentam em sua

pesquisa clínica. Sem o desejo e a


coragem investigativa não advém o psicanalista; e é a aposta
na potência desse
desejo que permite propor, por um lado, conhecimentos básicos sistematizados,

sem temer dogmatismos; e, por outro, que o sujeito se responsabilize por sua
própria análise, junto
ao analista com quem estabeleceu transferência. (Nogueira
Filho e Warchavchik, 2008, p. 146)

Assim como toda análise é


singular, podemos dizer que formação do analista também o será,

desde seu
primeiro contato com a psicanálise. Nogueira Filho e Warchavchik (2008) ainda indicam
que o interesse pela teoria, a possibilidade de se deixar afetar emocional e
intelectualmente por ela

– para inclusive poder criticá-la –, variarão sempre


de sujeito a sujeito, cada qual em seu tempo
próprio. Na análise pessoal, é
possível ter o contato com aquilo que é mais palpável da experiência

psicanalítica: o próprio inconsciente. Ao investigá-lo, é possível então sair daquele


viés
psicoterapêutico focado no ego que tanto diferencia a psicanálise da
psicologia e das psicoterapias,

para então compreender do que se trata o


inconsciente.

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Porém a formação não para por


aí, pois há mais dois pilares que a complementam. A

necessidade de promover a
transmissão dos conceitos que representam o campo psicanalítico não
deixa de
ser de fundamental importância para o exercício da psicanálise e para a
formação de

psicanalistas

Freud criou um novo


campo de saber, com novos objetos de conhecimento, que são específicos da

psicanálise. A teoria que fundamenta esse campo, mesmo incompleta, criticável e


histórica, tem
rigor lógico e se sustenta por sua complexa rede conceitual, que
tem de ser conhecida por todos

que dela queiram fazer parte. A formalização de


um percurso teórico mínimo, organizado e
transmitido por analistas mais
experientes, que suportem transferências de trabalho com analistas

menos
experientes, é o modo mais eficaz de propiciar isso. (Nogueira Filho;
Warchavchik, 2008, p.

146)

Quanto à supervisão como um


dos pilares do tripé, ainda segundo Nogueira Filho e Warchavchik
(2008), é a
partir da visível complexidade dos processos psíquicos (que é evidenciada pelo
processo

de análise pessoal e pelo atendimento aos pacientes), bem como do reconhecimento


da própria
inexperiência ou insuficiência em termos clínicos, que o
psicanalista, como parte de um processo de

formação continuada, deverá buscar o


diálogo com analistas mais experientes. O objetivo seria
ampliar a escuta e
discutir impasses clínicos, e também situar o analista quanto àquilo que ele
não

pode escutar (seja por uma barreira própria, que sabemos existir, ou por
inexperiência), num esforço
contínuo para sustentar o sempre instável campo
analítico. O que movimenta a busca pela

supervisão deve ser sempre o desejo e o


cuidado do analista com seu atendimento, e não qualquer
tipo de obrigatoriedade
que oculte a real necessidade de estabelecer parcerias para poder manter os

encontros com pacientes no quadro propriamente psicanalítico.

TEMA 4 – PSICANÁLISE: OFÍCIO OU PROFISSÃO?

Tendo em mente
as orientações acerca de como é possível formar um psicanalista (o tripé e o

desejo
de saber sobre o inconsciente), chegamos no ponto no qual há a necessidade de
discutir
algumas especificidades – em termos legais, inclusive, no sentido do
que é permitido, ou não – do

exercício da psicanálise. Como pudemos perceber pelas


orientações de Freud, em “A questão da
análise leiga”, e daquilo que se tem
como fundamentos da formação, a psicanálise é uma prática

livre e não
regulamentada. Os psicanalistas,
no Brasil, são formados em cursos livres de formação
profissional dentro das
escolas e associações de psicanalistas, cada uma com sua proposta. A

psicanálise, como profissão, é enquadrada na Classificação Brasileira de


Ocupações (CBO) do

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Ministério do Trabalho, pela Portaria n. 397/MTE, de 9 de


outubro de 2002, sob o código 2515.50,
que reconhece e autoriza o exercício
legal da atividade profissional do psicanalista em todo o

Território Nacional.

A Federação
Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI), informa, em seu site, que foi fundada
em 6 de
maio de 1967, sendo uma associação civil, sem fins lucrativos, de
duração ilimitada, cujo objetivo é

congregar
as sociedades de psicanálise e grupos de estudo sediados no Brasil.

Quando o
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reconheceu a ocupação de psicanalista no
Brasil, não fez nenhuma exigência quanto à necessidade de curso superior para
que estes

profissionais pudessem desempenhar suas atividades. O que existe é um


tipo de acordo implícito
dentro das sociedades psicanalíticas, com o consenso de
que, visando manter elevado o padrão de

seus cursos, tais sociedades normatizaram


que apenas seriam aceitos como alunos aqueles que
possuíssem curso superior em
qualquer área. Não existe nenhuma lei que faça tal exigência ou

mesmo defina esse


pré-requisito; trata-se apenas de bom senso.

O que se
verifica, portanto, ainda segundo informações obtidas no site da
Federação, é que, no
Brasil, a psicanálise se enquadra como ofício, e não como profissão,
pois não há legislação que a

regulamente – do mesmo modo que são raros os exemplos


de países com lei específica para tal.
Ainda no que concerne à FEBRAPSI e à
Associação Psicanalítica Internacional (IPA), a formação dos

psicanalistas
segue as recomendações postuladas por Freud, e é constituída, necessariamente,
por
análises pessoais, supervisões clínicas e seminários teóricos e clínicos
acerca de autores

contemporâneos e clássicos da psicanálise.

O que se entende como o maior


consenso existente é o de que a formação de um psicanalista

deve ser permanente


e singular. Segundo o site da FEBRAPSI, é que isso que implica na
conquista de
um saber, pelo psicanalista, sobre seu próprio inconsciente, e não
se trata, portanto, de um
conhecimento constituído, cumulativo e totalizante que
se obtém dentro de instituições de ensino.

Trata-se de um processo que não tem


atalhos, e que é pautado pela ética e pelo respeito à
alteridade, e pelo cuidado
com o sofrimento psíquico. Os três pilares da formação são essenciais e

indissociáveis e essa é uma formação ética. Há muita produção teórica em mais


de 120 anos de
psicanálise, a qual pode ser sistematizada e aprendida por meio
de estudos teóricos, o que não

desfaz a relevância de saber sobre o próprio


inconsciente, que é um saber de outra ordem: um tipo
de saber complementa o
outro no sentido prático e teórico. Não podemos entender um conceito

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sem
vivenciá-lo, e vice-versa – não entendemos determinadas vivências sem o aspecto
conceitual
as complementando e ajudando na nomeação das experiências. Desse
modo, não se consegue

apreender a experiência do inconsciente sem passar por


cada um dos pilares.

A FEBRAPSI é composta por mais


de 2.300 filiados, 1.370 membros e 938 analistas em

formação, espraiados pelo


território nacional por meio de 18 sociedades psicanalíticas e grupos de
estudos. Ela é filiada à IPA, fundada por Freud há mais de 100 anos, presente
em 51 países, com

cerca de 18.300 analistas (12.820 membros e 5.480 analistas


em formação) e 103 instituições
(sociedades e grupos psicanalíticos). 

TEMA 5 – BREVES COLOCAÇÕES SOBRE AS ESCOLAS DE


PSICANÁLISE E SUA HISTÓRIA

É importante, nesse ponto de nosso curso, que saibamos, em termos


burocráticos, onde tem

ocorrido a formação dos psicanalistas no Brasil e em


outros países. Para isso, temos que voltar um
pouco na história. Em 1902, Freud começou a se reunir
semanalmente com colegas para discutir

questões relativas ao trabalho dentro do


campo psicanalítico. Assim nasceram as reuniões de
quarta-feira, nomeadas Psychological
Wednesday Society (ou “Sociedade das Quartas-feiras”). Em

1908, havia
14 membros regulares e alguns convidados, incluindo Max Eitingon, Carl
Jung, Karl
Abraham e Ernest Jones, todos futuros presidentes da IPA.

Em 1907, Jones sugeriu a Jung que uma reunião internacional


deveria ser organizada. Essa
reunião aconteceu em Salzburgo (Áustria),
em 27 de abril de 1908. Jung o nomeou como “Primeiro
Congresso
para a Psicologia Freudiana”. A maior instituição de psicanálise do mundo, a IPA,
foi

estabelecida no congresso seguinte, realizado em


Nuremberg (Alemanha), em março de 1910. Seu
primeiro presidente foi Carl
Jung, e seu primeiro secretário foi Otto
Rank.

Foi no início do século XX, em Nuremberg, durante a realização do II Congresso de Psicanálise, que

nasceu a IPA. Isso aconteceu em 30-31 de março de 1910. Jung torna-se o primeiro presidente.
Freud incumbiu seu partidário húngaro, Sándor Ferenczi (dois anos mais novo do que Jung e,

portanto, um irmão mais novo simbólico), que anunciasse à assembleia a proposta de Freud para a
criação de uma Associação Internacional de Psicanálise, em que Jung
exerceria a função de

presidente permanente e seu parente suíço, Franz Riklin,


a de secretário. (Francischelli, 2010, p. 35)

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Francischelli
(2010), conta que Freud, em seu texto “Contribuições para a história do movimento

psicanalítico”, de 1914, estabeleceu que a finalidade da associação seria


cultivar e promover a
ciência psicanalítica, e estimular o apoio recíproco
entre seus membros, em seus esforços na

aquisição e difusão dos conhecimentos psicanalíticos.


A IPA se tornou, assim, o principal órgão
regulatório
e de acreditação do mundo para a psicanálise. Mas essa posição da IPA dentro do

campo psicanalítico sofreu algumas mudanças e controvérsias com o tempo. Jaques


Lacan (muito
influente em sua época), veio a ter grandes divergências com a IPA
e, por essa razão, cria a Escola

Freudiana de Paris (EFP). De acordo com Quinet (2009),


a fundação da EFP
representa um tipo de
descontinuidade no que tange à história do movimento
psicanalítico. Simultaneamente pode ser

considerado uma continuidade no ensino e


doutrina que Jaques Lacan vinha oferecendo à
comunidade cada vez mais crescente
de analistas.

Descontinuidade por ser a primeira instituição


psicanalítica a ser criada a partir de uma cisão com

a IPA (Associação
Psicanalítica Internacional), fundada por Freud, na perspectiva de um não
retorno radical, por reivindicar para si o qualificativo de freudiana associado
ao termo Escola

(diferente de Sociedade, como as instituições ipeístas) e por


aceitar como membros os não
analistas, cortando assim com o aspecto de
“sindicato” das Sociedades de psicanálise. (Quinet,

2009, p. 69)

A EFP foi a primeira


instituição da história do freudismo a pôr em prática um sistema
institucional
baseado no princípio de uma academia, uma vez que a IPA, praticava um modelo do

tipo associativo. Pelo sistema institucional de tipo acadêmico, a EFP foi a


matriz de todas as

instituições do lacanismo pelo mundo afora, e seu modelo influenciou


diversas escolas de

psicanálise pelo mundo (inclusive no Brasil), com seu


modelo baseado na formação psicanalítica
por meio de cartéis, passe e liberdade
na escolha da supervisão (um dos motivos de seu

rompimento com a IPA). Tanto a


IPA quanto a EFP são os modelos das quais derivam os mais

diversos tipos de
psicanálise, e suas propostas de formação são distintas, mas podemos dizer que
a

IPA é um tanto mais regulamentar.

NA PRÁTICA

O que torna alguém um


psicanalista? Essa pergunta é muito complexa e tem várias

possibilidades de
resposta. A formação de um psicanalista é algo muito singular, pois cada um tem

seu próprio percurso, baseado no desejo de saber mais sobre o inconsciente. Há


algumas

indicações sobre qual seria uma postura ética na formação de um


psicanalista, mas pelo fato de a
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psicanálise não ter uma regulamentação, ainda depende


muito do bom senso de cada um e de como

os princípios éticos são transmitidos.

É muito comum que o primeiro


contato de alguém com a psicanálise seja, ou pela análise

pessoal – que muitas


vezes, a princípio, para o sujeito, não é análise, mas, sim, terapia –, ou pela

academia – em cursos de psicologia e/ou ciências humanas. Não há uma


fórmula ou receita para
que alguém se torne um psicanalista, mas instruções e
princípios éticos que devem ser observados

e que não podem ser desprezados.


Você pode começar seu percurso dentro da psicanálise por

qualquer caminho: seja


pelo estudo teórico ou pela análise pessoal, mas o importante é que, quando

você se propõe a exercer a psicanálise como psicanalista (ou seja, analisar


alguém) a questão do
tripé é essencial.

Não há como formar um


psicanalista sem qualquer um dos pilares estabelecidos pelo tripé. Na
análise
pessoal, há a experiência prática daquilo que é o inconsciente e do que ele é
formado. Ao

conhecer mais sobre si mesmo e sobre seu próprio inconsciente, o


sujeito entenderá do que se trata.

Essa compreensão acerca do inconsciente não


é apenas prática: ela também é mais bem absorvida
quando o sujeito, paralelamente
ao processo de análise pessoal, traça um percurso de estudos

teóricos. É como
se a prática e a teoria fizessem sentido somente quando estão juntas.

Porém isso também não é o


suficiente para um indivíduo se dispor a analisar alguém. Quando

se inicia a
prática clínica (que deve ocorrer somente depois de algum nível de preparo
técnico e

teórico, para se manter um comprometimento ético e de qualidade do


atendimento), há a

necessidade de se procurar por supervisão. A troca de


experiências com alguém da área (muitas
vezes mais experiente) é bastante
importante no sentido de colocar o analista com o “pé no chão”.

Frequentar
escolas e ambientes nos quais são produzidos conhecimentos e formados outros

psicanalistas é também muito importante, pois a formação psicanalítica é


continuada e nunca
acaba.

Meu percurso dentro da


psicanálise iniciou-se com a psicoterapia de orientação psicanalítica no
período de minha adolescência, seguida dos estudos teóricos dentro da faculdade
de Psicologia.

Nesse mesmo momento (graduação), procurei pela psicanálise e


hoje tenho um percurso de 12 anos

de análise pessoal (fora a psicoterapia na adolescência,


que são mais 5 anos), além da faculdade de

Psicologia, residência e mestrado e


um curso de pós-graduação em andamento. Além disso, quando
me permiti clinicar
fora do ambiente hospitalar, procurei por supervisão, e hoje são 6 anos sendo

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supervisionada em minha prática clínica. Depois de algum tempo de análise, supervisão


e
frequentando escolas, é que realmente pude me autorizar psicanalista e
entender do que se trata a

psicanálise. E não creio que esse seja um percurso


finalizado.

FINALIZANDO

Aqui estão os pontos mais


importantes a serem absorvidos nesta aula:

1. Segundo
Freud, a psicanálise, por suas características específicas, não se enquadra no
rol dos

conhecimentos do campo da medicina; é uma prática que deve ser


transmitida de forma

específica e exige outros tipos de conhecimento.


2. Desse
modo, a psicanálise não precisa necessariamente ser exercida por médicos. É,
portanto,

uma prática leiga (no sentido de que sujeitos das mais diversas áreas
podem praticá-la).

3. A
formação de um analista se dá pelo contato do sujeito com outros psicanalistas
em

ambientes específicos (escolas e universidades), pelas trocas entre eles (a


análise pessoal e a
supervisão) e pela construção de um saber teórico acerca da
psicanálise: seus conceitos, sua

história etc.

4. A
formação do analista é, portanto, baseada no desejo de saber mais sobre o
inconsciente e
no tripé formado por análise pessoal, estudos teóricos e
supervisão. Todos os pilares do tripé

são indispensáveis e complementares entre


si.

5. A
análise pessoal é para aquele que pretende analisar alguém, possa vivenciar a
experiência do

inconsciente, que deverá ser complementada com a teoria e a


supervisão clínica.
6. Os
estudos teóricos servem para a compreensão dos fenômenos da clínica e da visão
de

homem que postula a psicanálise, complementando a experiência prática da


análise pessoal e

da supervisão.

7. A
supervisão é para quem já atende, para trocar experiências clínicas e refletir
sobre os
atendimentos que realiza, tanto no aspecto teórico, quanto no prático.
Essa atividade

complementa os constructos teóricos e a análise pessoal. É o “pé


no chão” do analista.

8. A
psicanálise não é uma prática regulamentada. Não possui uma legislação
que a controle. O

controle é exercido pelas escolas de psicanálise, pelo bom


senso e pelos “acordos implícitos”
entre os praticantes.

9. A
primeira instituição de controle sobre o exercício da psicanálise no mundo foi a
Associação

Internacional de Psicanálise (IPA); na sequência, surgiu a Escola


Freudiana de Paris (EFP),

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 13/15
09/11/2022 10:54 UNINTER

fundada por Jaques Lacan. Dessas instituições derivam


as escolas de psicanálise no Brasil e

no mundo.

REFERÊNCIAS

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Psicanálise e universidade. Trivium, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p.
21-29, jun.

2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-

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FRANCISCHELLI, L. A.
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1,

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FRAUSINO, C. C. M. Ofício psicanalítico: regulamentação e


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Disponível em: <https://febrapsi.org/quem-somos/articulacao/>.
Acesso em: 1 fev. 2022.

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S. A questão da análise leiga: diálogo com um interlocutor imparcial. (1926). Sigmund

Freud: obras completas em 20 volumes. São


Paulo: Companhia das Letras, 2014, v. 17, p. 125-230.

NOGUEIRA FILHO, D. M.;


WARCHAVCHIK, V. L. H. Formação do analista: um impasse necessário.

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psicanal.,  São Paulo, v. 41, n. 74, p. 141-150, jun. 2008. Disponível em:

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QUINET, A. A
estranheza da psicanálise: a escola de Lacan e seus analistas. Rio de
Janeiro:
Zahar, 2009.

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 14/15
09/11/2022 10:54 UNINTER

https://univirtus.uninter.com/ava/web/roa/ 15/15

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