Projecto DR Monteiro

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 22

Índice

Capitulo I: Introdução........................................................................................................3
DEDICATÓRIA................................................................................................................4
AGRADECIMENTOS......................................................................................................4
Resumo..............................................................................................................................5
1.2.1. Resultados...............................................................................................................5
PROBLEMA DE PESQUISA...........................................................................................6
Porque é que as Comunidades do bairro de Namicopo são epcentricos da cólera?..........6
1.3.1 Justificativa e Relevância........................................................................................6
1.3. – Objectivos..............................................................................................................7
1.3.2 Objectivo geral.........................................................................................................7
1.4. Objectivos específicos................................................................................................7
1.4.2 Hipóteses..................................................................................................................8
CAPÍTULO II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL............................8
2. Quadros teórico: abordagem fenomenológica construtivista........................................8
2.1 Quadros conceptual....................................................................................................9
2.2.1 Conhecimento sobre o conceito...............................................................................9
2.2. Conhecimento sobre a causa....................................................................................10
2.2.3 Conhecimento sobre transmissão...........................................................................10
2.3. Conhecimento sobre prevenção................................................................................10
2.3.1 Conhecimento sobre tratamento.............................................................................11
3.3.2 Percepção social.....................................................................................................11
3.3.3 Risco.......................................................................................................................11
3.4. Factores de risco......................................................................................................12
CAPÍTULO VIII: METODOLOGIA..............................................................................13
3. Método.........................................................................................................................13
3.1 Técnicas....................................................................................................................14
3.2. Tipificações da cólera..............................................................................................14
3.3.3 Cólera como resultada da incapacidade do Estado.................................................15
3.4. Cólera como doença da pobreza..............................................................................16
3.4.1 Experiências e vivências com a cólera..................................................................17
3.5. Estratégias de prevenção à cólera............................................................................17
3.5.1 Percepções acerca do impacto da cólera no bairro................................................18
3.5.2. Conclusão..............................................................................................................19
3.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................20
Anexo1: Guião de entrevistas..........................................................................................21
I – Perfil sócio-económico do entrevistado.....................................................................21
Anexo 2: Fotografias do bairro de Namicopo.................................................................22
Capitulo I: Introdução

A cólera é uma infecção bacteriana aguda intestinal causada pela ingestão de alimentos
ou água contaminados com o Vibrio cholerae, sero-grupos O1 e O139 ou transmitida
directamente de pessoa a pessoa pela via fecal – oral.

Os sintomas incluem diarreia aguda aquosa abundante e vómitos. Quando não tratada
pode levar à morte em algumas horas. Os surtos estão ligados a condições inadequadas
de habitação, saneamento e falta de água potável, prevalentes em muitos países em
desenvolvimento.

A cólera é uma causa significativa de morbilidade e mortalidade nestes países, onde


constitui um indicador das condições inadequadas de saneamento, como é o caso do
bairro de Namicópo na cidade de Nampula.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) no seu relatório de 2013 sobre cólera em


Moçambique constatou que os surtos epidémicos são sazonais ocorrendo principalmente
entre Dezembro e Junho, coincidido com a época chuvosa. As características
epidemiológicas marcantes da cólera são a tendência de aparecer em surtos explosivos e
a predisposição para causar pandemias que podem afectar vários países. Tendo em
conta que a cólera é endémica em Moçambique, as comunidades que vivem em zonas
de pobre saneamento estão vulneráveis e podem sofrer surtos epidémicos. No dia 8 de
Fevereiro de 2013 houve um incidente em Namicópo, no qual residentes após a
ocorrência de óbitos devidos a doenças diarreicas, vandalizaram instituições locais,
atribuindo a causa de tais óbitos e doenças a órgãos governamentais locais.

Este tipo de incidente não é novo, existindo a crença desde 1998 de que o Governo está
a introduzir a cólera através do cloro com o objectivo de matar o povo de Nampula,
provocando insegurança social, levantamentos e confrontos com a Polícia.

Em 1998 surgiram boatos neste bairro, o primeiro na sequência da construção de uma


enfermaria de cólera, que teria como objectivo matar a população, o segundo que as
campanhas de prevenção da cólera, através do programa de tratamento da água, se
destinavam não a impedir a cólera, mas a provocá-la. A pesquisa bibliográfica não
encontrou estudos sobre o conhecimento de comunidades Moçambicanas sobre cólera,
mas estes existem sobre comunidades de outros países.

3
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Monteiro molevala e Julieta António alexndre pelos ensinamentos e por
tudo que representam na minha vida.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus pela oportunidade que me concedeu para que esta
etapa fosse uma realidade na minha vida.

Sinto-me particularmente grata aos meus irmãos Idelvina Alexandre Mussaira, Pedro
Alexandre Mussaira, Tomás Arnaldo Mina, Orlando Monteiro, pelo apoio moral e
material que puderam proporcionar-me e acima de tudo por terem acreditado nas
minhas capacidades em vencer mais esta etapa do percurso académico.

Ao Dr. Saide Faque, pela competência e paciência que teve em acompanhar a realização
da presente dissertação.

Aos meus colegas da turma de farmacia 05 do 1 o ano, pelo estímulo e troca de


conhecimentos durante o curso, em particular Ali Mauricio, Atija Alberto, Amina
Marques, Teodoro Arestides, Elcidia Francisco, Janeta Constantino, Nadia Sabino e
Nassima Mahamudo.

4
Resumo

1.2 Contexto

A cólera é endémica em vários países com pobres condições de saneamento como


Moçambique. O saneamento no bairro de Namicópo é precário e é provável o
aparecimento de um surto epidémico de cólera. A comunidade demonstrou uma atitude
negativa face a mortes de causa diarreica ocorridas no passado, vandalizando edifícios
governamentais e alegando que a causa das mortes era cólera e a causa desta eram as
instituições governamentais.

Como forma compreender a construção das percepções em torno da cólera e a


determinação dos factores de risco, recorremos basicamente a metodologia qualitativa,
pelo facto de dar relevância as crenças, as ideias, os sentimentos dos indivíduos na
interpretação da realidade social.

1.2.1. Resultados

Os participantes possuem um conhecimento básico acerca da doença porém existem


erros de conceito. Em relação à causa a resposta mais frequente foi que a cólera é
causada por má higiene pessoal, colectiva ou alimentar. Sobre o tratamento caseiro a
resposta mais frequente foi desconhecimento seguido de hidratação oral. Constataram-
se erros de conceito sobre a transmissão da cólera (12 participantes), a prevenção (8),
causa (3), conceito (2) e tratamento (1). Existe na comunidade a crença de que agentes
governamentais são responsáveis por surtos de cólera no bairro. Discussão:
consideramos necessário realizar mais actividades de educação para a saúde junto das
comunidades sobre esta doença, incidindo na transmissão e prevenção da mesma.

Palavras-chave: cólera, Namicópo, Nampula, Moçambique.

5
PROBLEMA DE PESQUISA

A ocorrência das epidemias na história tem chamado à atenção dos cientistas sociais
devido a dois aspectos, a sua capacidade de relevar que as alterações biológicas não
estão, de forma alguma, desvinculadas das alterações demográficas e sociais. Segundo,
pelo seu papel como instrumento importante de análise a ser usado para compreender as
sociedades tanto do passado quanto do presente. De acordo com esta linha pensamento,
o papel desestabilizador das epidemias seria assim, revelador de factos e elementos
cruciais para compreender as sociedades que enfrentavam este tipo de problema (Witter,
2007).

Realça também que os factores que operam no mundo de um determinado risco não são
necessariamente os mesmos em todos os grupos da população. Assim, é importante
reconhecer a existência dos grupos mais vulneráveis de modo a seleccionar às
intervenções sociais e sanitárias apropriadas para diminuir ou eliminar factores
específicos de risco (Idem).

Apesar de estes estudos serem relevantes para o estudo do impacto da cólera na vida dos
indivíduos, Beltrão (2007) parte de princípio que o impacto social da cólera não pode
ser avaliado apenas pelo número de mortes ou pelo grupo de indivíduos afectados e
ameaçados pela epidemia. Incluir o olhar dos protagonistas do evento, a forma como os
indivíduos interpretam a ocorrência e o adoecimento devido a cólera constitui também
uma componente importante para o estudo do impacto social da cólera nos indivíduos.
Em termos desta temática, Beltrão (2007).

Porque é que as Comunidades do bairro de Namicopo são epcentricos da cólera?

1.3.1 Justificativa e Relevância

Compreender as percepções formadas em torno da cólera e a determinação dos factores


de risco assumidos pelos indivíduos coloca-nos num “confronto” entre o discurso
biomédico, produtor de uma ideia generalizada e dominante de risco, e o contra-
discurso da população que re-categoriza essa noção dominante a partir de seus próprios
critérios. A forma como a biomedicina avança as questões ligadas aos factores de risco,
tem como referência uma concepção objectiva do risco. A construção social do risco
apresenta-se ao debate sociológico, como uma vertente que problematiza a visão
dominante do risco decorrente do objectivismo. A questão que se coloca como fio

6
condutor deste investimento é que o risco não pode ser tratado a partir de uma visão
técnica absoluta e objectiva, é preciso ter em conta a construção social do risco por
grupos sociais diferenciados (Vargas, 2006). Como avança Peres (2002) citado por
Vargas (2006).

As análises técnicas de risco tendem a subestimar (ou ignorar) a dimensão social, a


qual, inevitavelmente, constitui-se num dos determinantes das atitudes/respostas de um
indivíduo ou grupo populacional frente: aos perigos a que estão expostos (Peres, 2002,
p. 136)

Corroboramos com Vargas (2006), ao afirmar que ultrapassando a dimensão


técnicocientífica, a abordagem sociológica buscará evidenciar os contrapontos
existentes entre a percepção dos técnicos e leigos, estando embutida nessa busca a ideia
de que as pessoas têm percepções diferentes de um mesmo perigo a que estão expostas,
e que os saberes se diferem, em sua origem e construção, entre o conhecimento técnico
e o leigo. Como refere Peres (2002), citado por Vargas volta a realçar (2006):

(…) Os riscos (…), mais do que entidades físicas que existem independentemente dos
seres humanos e vivencias, são processos de construção social. (…) os estudos sobre a
percepção de risco (…) são baseadas nas crenças, visões, sensações e interpretações da
população/grupo populacional/indivíduo relacionado com o risco (PERES, 2002,
p.136).

1.3. – Objectivos

1.3.2 Objectivo geral

 Compreender a relação existente entre as percepções formadas em torno da


cólera e a determinação dos factores de risco pelos moradores do bairro de
Namicópo
 Avaliar o conhecimento da população adulta do bairro de Namicópo sobre
cólera

1.4. Objectivos específicos

 Identificar as percepções dos indivíduos em relação à cólera;


 Apresentar as experiências vividas no contexto da cólera;

7
 Identificar os factores que determinam a situação de risco na óptica dos
moradores de Namicópo
 Descrever as estratégias de prevenção a cólera adoptada pelos moradores do
Bairro
 Identificar que conhecimentos têm os adultos do bairro de Namicópo sobre
cólera.
 Identificar os principais erros de conceito existentes nesta população e se estes
podem contribuir para o aparecimento de casos de cólera.

1.4.2 Hipóteses

Como forma de responder a nossa inquietação de pesquisa assumiu previamente que as


percepções que os indivíduos constroem sobre a cólera influenciam na determinação
dos factores de risco, pois a visão que eles têm sobre a doença resulta das vivências e
experiências que vão tendo com a epidemia ao longo das suas vidas.

CAPÍTULO II: ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL

Este capítulo propõe-se a construir o quadro teórico e conceptual que irá orientar a
leitura dos dados empíricos. Segundo Macamo (2004), sempre que olhamos para o
social, devemos fazê-lo a partir dum quadro teórico, através do qual apreendemos a
realidade social. Percebendo a teoria como um conjunto de sistematizado de conceitos e
de relações entre os conceitos de carácter substantivo que dizem respeito ao real, é a
partir dela que conduzimos a nossa investigação e fazemos a análise das percepções dos
indivíduos em torno da cólera.

2. Quadros teórico: abordagem fenomenológica construtivista

Para perceber a temática e problemática que norteiam o presente trabalho optamos pela
abordagem fenomenológica construtivista de Berger e Luckmann (2004). Inspirados na
“fenomenologia social” de Schutz, a preocupação principal destes teóricos está na forma
como os indivíduos constroem a realidade social.

A sociedade como uma realidade objectiva, para os autores, refere-se ao processo


através do qual é criada uma realidade social. O indivíduo ao exteriorizar o seu próprio
ser no mundo, passa a ser uma realidade objectiva que se impõe a ele mesmo. Esta
mesma objectividade se interioriza nos indivíduos, de modo que passam a não

8
questionar sobre a razão das mesmas, limitando-se a dizer que é assim que as coisas
funcionam.

Nesta suspensão da dúvida em relação à objectividade do mundo, os indivíduos tomam


uma atitude natural em relação a realidade (Schutz, 1979). Na atitude natural o
indivíduo concebe o seu mundo como natural, como garantido e real em si mesmo, de
modo que não questiona sobre a existência do mesmo. Na atitude natural, quem
percepciona acredita que as coisas são como parecem ou, pelo menos, procede a uma
suspensão de qualquer dúvida acerca da realidade das coisas.

Na apreensão da realidade social como realidade objectiva, ao mesmo tempo em que


ela é exteriorizada ela é institucionalizada, ou seja, a tradução dos valores culturais,
crenças, ideias tanto em normas como em papéis sociais passam a exercer um controlo
directo sobre a interacção dos indivíduos dentro duma colectividade. A
institucionalização ocorre sempre que há uma tipificação recíproca, por tipo de actores e
de acções tornadas hábitos (Berger e Luckmann, 2004).

2.1 Quadros conceptual

2.2.1 Conhecimento sobre o conceito

Os participantes (19 de 20) responderam que se tratava de uma doença diarreica; cada
participante acrescentou uma característica, 10 mencionaram que estava associada a
pobres condições higiénicas e sanitárias, 3 mencionaram que é fatal e 2 disseram que se
acompanha de vómitos. Um dos participantes expressou dois erros de conceito (a cólera
é caracterizada por febres e diarreia sanguinolenta) e outro mencionou que é uma
doença de longa evolução.

Pelo facto do trabalho fazer análise da relação existente entre as percepções dos
indivíduos sobre a cólera e a determinação dos factores de risco, apresentamos o
conceito que a biomedicina traz da cólera. Trazemos este conceito porque nos será útil
perceber em que medida as percepções dos indivíduos aproximam-se ou distanciam-se
da forma como a biomedicina conceptualiza a cólera e determina os factores de risco da
doença.

Nesta área de conhecimento, a cólera é uma doença diarreica provocada por uma
infecção intestinal aguda, causada por uma bactéria – vibrião colérico (vibrio cholerae)

9
(Cliff, et al.2009). Ela afecta apenas os seres humanos, e a sua transmissão se dá através
da ingestão da água contaminada com fezes ou vómitos de doentes, assim como pelas
fezes das pessoas portadoras do vibrião, mas que não apresentam sintomas
(assintomáticos). Dá-se também pela ingestão de alimentos que entram em contacto
com a água contaminada, por mãos contaminadas de doentes ou portadores e de quem
manipula os produtos alimentares (Gujral e Manjate, 2009).

A cólera tem como principais vectores as moscas, baratas e ratos; sendo os principais
sintomas da doença caracterizados por diarreia volumosa e aquosa; dores abdominais
tipo cólica; náuseas e vómitos; hipotensão (perda do volume sanguíneo) e hipotermia
(falta de água) (Idem).

Segundo Cliff et al (2009), a cólera é muito perigosa porque pode levar rapidamente a
morte e se transmite facilmente entre as pessoas que vivem em condições precárias
(falta de abastecimento de água potável, de higiene e de saneamento do lixo). Ela

2.2. Conhecimento sobre a causa

A resposta de sete participantes foi má higiene pessoal, colectiva ou alimentar; cinco


referiram consumo de água e alimentos contaminados, quatro destes acrescentando que
tal contaminação era por micróbios; outros quatro mencionaram consumo de água
contaminada, três desconheciam a causa e um mencionou pobres condições de
saneamento. Inqueridos acerca da possibilidade de feitiçaria ser causa de cólera, 17 dos
participantes responderam não enquanto os restantes três afirmaram que sim.

2.2.3 Conhecimento sobre transmissão

O meio de transmissão mais mencionado (sete) foi contacto físico com o corpo de um
doente; um dos participantes acrescentou contacto com os recipientes utilizados pelo
doente. A 6 segunda resposta foi contacto com fezes do doente (cinco); um acrescentou
o contacto com vómitos; três mencionaram o contacto com a roupa, um mencionou o
estar na proximidade de um paciente, um mencionou falta de higiene e um outro
mencionou que moscas e mosquitos poderiam actuar como vectores.

2.3. Conhecimento sobre prevenção

A maioria dos participantes (17) menciona boa higiene; seis participantes mencionaram
conceitos adicionais: quatro acrescentaram lavar bem a roupa, um ingerir paracetamol,

10
outro o uso de rede mosquiteira; os três restantes não mencionaram boa higiene como
forma de prevenção.

2.3.1 Conhecimento sobre tratamento

A resposta mais frequente (oito) desconhece o tratamento específico mas um indivíduo


afectado deveria dirigir-se imediatamente para a unidade sanitária; a segunda resposta
foi hidratação oral (sete); três responderam hidratação endovenosa; um mencionou uma
solução de água misturada com a seiva de uma planta (“Ricussi”)

3.3.2 Percepção social

Segundo Berger e Luckmann (2004) a percepção social é a interpretação subjectiva que


os indivíduos fazem da realidade. Ela consiste na relação existente entre o pensamento e
o contexto social no qual o indivíduo está inserido, onde os significados, os valores e as
crenças que os indivíduos atribuem a uma determinada realidade são elementos através
dos quais podemos compreender como é que a realidade é percebida pelos actores
comuns da sociedade.

A percepção social não é uma mera interpretação dos indivíduos sobre uma realidade
por eles enfrentada no quotidiano, ela é influenciada pelo contexto social, pelas
particularidades da personalidade do indivíduo, pelos desejos e sentimentos, pela sua
atitude em relação ao objecto percebido, pelas suas necessidades, pelas crenças, valores,
pelos interesses, pelas aspirações e pela experiência de vida que foram adquiridas ao
longo do tempo (Berger e Luckmann, 2004).

Percebendo a cólera a partir das percepções sociais dos indivíduos, podemos


compreender como é que ela surge como uma realidade interpretada pelos indivíduos, e
até que ponto esta representação da doença influencia na determinação dos factores
assumidos como de risco para a sua ocorrência, onde as crenças, as ideias, os
significados e as concepções aparecem como relevantes para a compreensão destas
percepções.

3.3.3 Risco

É um termo polissémico, que diz respeito a reorientação das acções das pessoas com
eventos futuros, numa espécie de "domesticação ou controlo dos eventos vindouros".
Dentre a polissemia do risco, Braun (2008) destaca duas dimensões: a primeira refere-se

11
àquilo que é possível ou provável acontecer, numa tentativa de apreender a regularidade
dos fenómenos e a segunda, encontra-se na esfera dos valores e pressupõe a
possibilidade de perda de algo importante. Para Granjo (2004), é no espaço de
domesticação do perigo que podemos encontrar o conceito risco. A tentativa da
apropriação do conceito risco na vertente do perigo tem como objectivo de calculá-lo,
de torná-lo cognoscível o “acaso”, a sua variação e distribuição, e de analisar os
mecanismos de tomada de decisão em função da sua correspondência ou não a uma
avaliação racional de possíveis perdas e ganhos.

Pelo facto de falarmos duma enfermidade, trazemos neste caso concreto a discussão em
torno do risco de saúde como sendo um perigo potencial de ocorrer uma reacção
adversa à saúde das pessoas expostas a ele (Goldim, 2001). Onde a saúde é percebida
como um estado desejável que possibilita o desempenho normal das actividades
quotidianas e a doença como algo que coloca em perigo a saúde dos indivíduos e o
rompimento das actividades rotineiras, por isso que deve ser prevenida ou combatida.

Percebendo o risco como um conceito objectivo definido pelas instituições que


influenciam de forma significativa na conduta dos indivíduos, é preciso compreender
como é que ele torna-se uma construção social para os membros comuns da sociedade.
Segundo Ewald (1991) citado por Lupton (2005), é preciso saber logo a partida que
“nada é um risco em si mesmo, não há risco na realidade”, ou seja, qualquer coisa pode
ser um risco, mas tudo depende de como se analisa o perigo, considerando-o como um
evento. É preciso compreender a inserção das compreensões e percepções de risco. Mas
essas compreensões e percepções em torno do risco são frequentemente diferentes entre
os actores sociais que estão localizados em diferentes contextos, e assim, trazem lógicas
concorrentes em torno do conceito risco. Por isso é preciso compreender a inserção das
compreensões e percepções de risco.

3.4. Factores de risco

O risco é um conceito que pode ser objectivado e delimitado em termos de possíveis


causas, como também quantificado através de operações estatísticas, estabelecendo
assim nexos, associações e correlações das dimensões do risco no real. É em torno desta
questão da objectividade do risco, que são definidas características ou circunstâncias
que estão relacionadas com o aumento da probabilidade de ocorrência de um evento

12
desfavorável para determinados grupos da população. Para Braun (2008) estas
características e circunstâncias podem chamar de factor de risco.

Usando o conceito “objecto de risco”, Hilgartner (1992) citado por Lupton (2005)
aborda de forma elucidativa a atribuição determinados objectos como objectos de risco.
Na sua explanação, mostra que objectos de risco são todas coisas, actividades ou
situações a que as consequências danosas estão conceitualmente ligadas. Mas ele alerta
que para que determinados objectos tornem-se em objectos de risco é preciso que tais
objectos tornem-se em objectos construídos, depois como “de risco” ou identificado
como causa do dano.

Em princípio assumimos os factores como a falta de abastecimento de água potável, a


existência de lixo nas proximidades das residências, o deficiente sistema de drenagem
de águas pluviais e residuais, a forma como é feita o tratamento e conservação da água
para o consumo, o local onde é depositado o lixo, a inexistência e a precariedade das
casas de banho ou latrinas como potenciais factores de risco para a ocorrência da cólera.

CAPÍTULO VIII: METODOLOGIA

Neste capítulo apresentamos os métodos e técnicas de recolha de dados que serviram de


base para a obtenção de informação e elaboração da presente monografia. Junto desta
metodologia trazemos a nossa área de estudo e a amostra.

Estudo qualitativo participativo, exploratório, transversal, entrevistando 12 adultos e


realizando dois grupos de discussão focal com oito adultos. Os dados foram tratados
com o programa informático de análise qualitativa Max qualitative data analysis
(MAXQDA). Foram respeitadas todas as orientações da Declaração de Helsínquia,
revisão de 2013.

3. Método

Para o alcance dos objectivos preconizados no presente trabalho privilegiámos o método


qualitativo. A sua escolha deve-se ao facto de auxiliar ao investigador na compreensão
das percepções e os discursos dos indivíduos no contexto social em que estes estão
inseridos, de modo a analisar os significados subjectivos construídos pelos actores
sociais (Gil, 2008).

13
Segundo Richardson (1999), este método ao buscar a compreensão detalhada dos
significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, dá primazia
as convicções subjectivas das pessoas, devido a concepção de que o conhecimento que
os indivíduos formam em torno dos fenómenos sociais estão carregados de significados
e possuem características específicas, que determinam a percepção das coisas e o
condicionamento das acções dos actores sociais. Deste modo, o método qualitativo
procura estudar o fenómeno situado no local em que ocorre, com objectivo de analisar o
sentido deste e interpretar os significados que as pessoas dão a ele.

O método qualitativo enquadra-se no estudo, na medida em que permite a compreensão


do significado que os indivíduos atribuem as suas acções perante a ocorrência da cólera.
Sendo a cólera uma doença que faz parte de um grupo de patologias que frequentes no
seio dos moradores da Polana Caniço “A”, ela está sujeita a interpretações por parte dos
indivíduos em termos das possíveis causas da ocorrência da doença naquele bairro.

3.1 Técnicas

Como forma de operacionalizar o método qualitativo, recorremos as técnicas de


pesquisa bibliográfica, observação directa não participante e entrevistas semi-
estruturadas. Segundo Richardson (1999), estas técnicas auxiliam o investigador a
penetrar na complexidade de um problema ou de um fenómeno, com o intuito de trazer
os significados implícitos que estão contidos nas interpretações que os actores sociais
fazem deles.

Segundo Quivy e Compenhoudt (2005), a observação não participante é um tipo de


técnica em que o investigador não participa na vida do grupo, isto é, permanece alheio à
comunidade, grupo ou situação que pretende estudar, observa de maneira espontânea os
factos que ai ocorre, observa “do exterior”. Esta técnica vai além da simples constatação
dos factos. Exige um mínimo de controlo na obtenção dos dados. A colecta de dados
por observação é seguida de um processo de análise e interpretação, o que lhe confere a
sistematização e o controlo requeridos por procedimentos científicos.

3.2. Tipificações da cólera

A partir dos resultados da pesquisa posso constatar que a cólera é uma doença que não
apresenta uma única forma. Conforme a entrevista que posso ter com uma moradora do

14
bairro, os tipos de cólera surgem em função dos períodos climáticos do ano, como
afirma:

Cólera é uma doença que aparece num determinado tempo, mas depois desaparece. As
vezes pode aparecer mas só duas ou três pessoas ficam doentes, podem tomar
medicamentos em casa e ficam curados. Mas existe tempo em que muitas pessoas ficam
doentes, você só ouve que o vizinho X ficou doente, que aquele ficou doente… isso
acontece mais ou menos no mês de Novembro, Dezembro e Janeiro, quando começa
chover. Aí você pode mesmo ouvir que alguém morreu. Esta cólera sim mata mesmo,
deve-se ir ao hospital (Entrevista com M11, 36 anos).

Para a entrevistada a cólera varia em função da ocorrência ou não da chuva. A chuva


determina os casos e os tipos de cólera que surgem no dia-a-dia. Nos períodos em que
há pouca precipitação, a cólera que surge é a cólera leve que não causa morte e pode ser
curada pelo próprio indivíduo através dos tratamentos caseiros, como realça a
entrevistada: (…) você pode tomar limão com sal e alho; folha de espinhosa, de
cajueiro ou papeira pilada com sal e a cólera passam. Em contra partida, a cólera forte
é aquela que surge nos períodos chuvosos, que causa morte rápida e somente pode ser
curado nos hospitais ou através de intervenção de um especialista, médico e
enfermeiros.

3.3.3 Cólera como resultada da incapacidade do Estado

A cólera aparece em alguns estudos como doença relacionada com as condições de


infraestruturas. No estudo de Gujral e Manjate (2009), estes problemas dizem respeito a
carência ou mau estado de funcionamento de infra-estruturas de saneamento nos
espaços urbanos. A cólera surge como uma questão relacionada com a falta de sanitários
públicos; de valas de drenagem de águas pluviais e sistemas de drenagem de esgotos;
urbanização desordenada e densidade populacional elevada e o acesso a água potável..

Aos olhos dos moradores do bairro, a cólera é uma doença que resulta incapacidade e
negligência do Estado em atender às necessidades básicas de determinados grupos da
população. Necessidades que estão relacionadas, na óptica de três (3) entrevistados, com
a construção de vias de acesso; sistema de drenagem de águas residuais e pluviais;
sistema eficiente de abastecimento de água potável nas residências dos moradores e

15
colocação recipientes para depósito dos resíduos sólidos, como afirma a seguinte
entrevistada:

Não sei o que se passa no nosso bairro, aqui problemas nunca faltam (…) a cólera
aparece aqui no bairro porque não temos condições de viver bem, aqui temos só uma
lata de lixo, mas não é suficiente, o lixo fica espalhado de qualquer maneira nas valas,
nas ruas, nos passeios…e o mesmo acontece com a água de lavar roupa, da cozinha, as
pessoas só lançam para a estrada porque não têm onde deitar. Se tivéssemos sítio
próprio para deitar o lixo ou água suja, não teríamos o problema da cólera (Entrevista
com M7, 52 anos).

Pelo facto do Estado não resolver esta situação, o lixo que fica sem ser recolhido e a
água que fica estagnada, acabam por ser vistos como sendo os principais responsáveis
pela doença. Esta ideia surge porque para os entrevistados a cólera está relacionada com
a sujidade e com lixo existente no bairro, que são problemas que devem ser resolvidos e
é responsabilidade do Estado.

3.4. Cólera como doença da pobreza

A pobreza é percebida pelos moradores como sendo uma condição social que
caracteriza a cólera. No sentido que se percebe a pobreza como a indisponibilidade de
recursos económicos para aquisição de meios para fazer face às exigências da vida
quotidiana (Silva, 2004). Assim falamos de questões ligadas a falta de recursos
financeiros por parte dos moradores de forma a prevenir-se da doença, como recursos
económicos para a construção de habitações convencionais, construção de latrinas
melhoradas, para a construção de uma fossa séptica, para a compra de carvão ou mesmo
lenha para ferver a água, para a alimentação e para a compra de instrumentos para
combater a doença como insecticidas e purificador de água, que explicam a ocorrência
da cólera.

Para quatro (4) entrevistados, a cólera é uma doença que surge em função da situação
económica e social do indivíduo. A forma como as pessoas previnem-se ou protegem-se
da cólera torna-se significante para explicar o adoecimento dos indivíduos, porque mais
que nunca a cólera é uma situação precariedade social, como argumenta o seguinte
entrevistado:

16
A cólera é uma doença que depende das condições de cada um, ela pode aparecer de
repente numa zona, como malária, tuberculose… qualquer doença, mas se não tens
forma de prevenir-se, ficas doente e morres. É preciso ter instrumentos para combater
a doença como ventoinha, rede mosquiteira, Certeza (Entrevista com H16, 26 anos)

Segundo Silva (2004), as pessoas que vivem em situação de pobreza estão, em maior ou
menor grau, consoantes o seu nível de pobreza, excluídas das “formas de fazer”
dominantes na sociedade, as formas de vida das classes médias que fazem o consenso
sobre como se deve viver.

3.4.1 Experiências e vivências com a cólera

Como podemos constatar no subcapítulo anterior, as percepções que os entrevistados


têm relação a cólera não são homogéneas, podemos perceber que estas percepções são
produtos da forma como a cólera é tipificada socialmente e das interpretações
subjectivas dos moradores do bairro. Dando continuidade a esta linha de pensamento,
apresentaremos em seguida as experiências e vivências com a cólera por parte dos
moradores entrevistados em Namicopo.

De acordo com a informação que podemos apurar no campo, estes sentimentos


variavam em função do nível de conhecimento que tinham sobre a cólera e a
proximidade em relação a doença, isto é, se já tinham alguém na família que havia
adoecido de cólera ou se já haviam presenciado um caso de cólera. Em função desta
questão, cinco (5) entrevistados nunca tinham presenciado uma situação de adoecimento
devido a cólera apenas ouviam falar sobre a doença nos hospitais ou através dos meios
de comunicação, seis (6) entrevistados além dos meios pelos quais tinham ouvido falar
sobre a doença, já tinham presenciado uma situação de cólera no bairro e nove (9)
tiveram situações de adoecimento no próprio agregado familiar.

3.5. Estratégias de prevenção à cólera

O presente subcapítulo analisa as estratégias adoptadas pelos entrevistados para evitar a


contaminação pela cólera. Este assunto encontra pertinência na medida em que o
conhecimento em torno da doença e os respectivos factores de risco determinam
respostas de prevenção a cólera por parte dos indivíduos.

17
De acordo com os serviços de saúde para se combater a cólera é preciso ter em conta a
higiene individual e colectiva, como lavar as mãos antes das refeições com sabão e
cinza, lavar bem os alimentos antes de serem consumidos, tapar a comida depois de
preparada, tapar a latrina, enterrar o lixo ou depositar em locais adequados como
contentores e caixotes de lixo e manter a casa limpa.

3.5.1 Percepções acerca do impacto da cólera no bairro

Todos os participantes afirmaram que a cólera constituía um problema no bairro porque


causava muitas mortes e revelava saneamento deficiente (10 participantes) propondo
como solução a educação para a saúde (oito participantes)

18
3.5.2. Conclusão

Os participantes no estudo possuem um conhecimento básico, limitado e de carácter


lacunar sobre cólera, existindo importantes erros de conceito particularmente no que diz
respeito a transmissão e prevenção, o que os pode tornar susceptíveis a contraírem a
doença. Futuros trabalhos de educação para a saúde direccionados para melhorar o nível
de conhecimento da comunidade de Namicópo sobre esta doença, deverão incidir nos
aspectos relacionados com a transmissão e prevenção uma vez que são nestes dois
aspectos que os participantes demonstraram o maior número de erros de conceito.
Adicionalmente permanece no bairro a crença de que os órgãos governamentais são
responsáveis por surtos de cólera. O carácter lacunar do conhecimento acerca da doença
pode estar a contribuir para a prevalência desta crença na comunidade

19
3.6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CLIFF, Julie, MARIANO et. al. Onde não há médico. Londres: TALC – Teaching Aids
at Low Cost, 2009.

BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Lisboa:


Dinalivro, 2° edição, 2004.

GUJRAL, Lorna, MANJATE, Rosa. Manual de prevenção e tratamento da cólera.


Maputo: Ministério da Saúde. 2009.

MACAMO, Elísio. A leitura sociológica: um manual introdutório. Maputo: Imprensa


Universitária, 2004.

GIL, António. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Editora Atlas. 6° ed.
2008.

GONÇALVES, Eloisa, HOFER, Ernesto. Cólera. In: COURA, José (org.). Dinâmicas
das doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan,
2005. P.p. 1367- 1373.

GRANJO, Paulo. Trabalhamos sobre um barril de pólvora: homens e perigo na


refinaria de sines. Lisboa: Imprensa das ciências sociais. 2004.

LANGA, Ercílio. O comportamento social dos moradores da bairro de Maxaquene “A”


diante de casos de cólera entre 1999-2007. Trabalho de fim de curso. Faculdade de
letras e ciências sociais da Universidade Eduardo Mondlane. Muputo, Junho de 2009.

PERES, Frederico. Onde mora o perigo? Percepção de riscos, ambiente e saúde. In:
MINAYO, Maria; MIRANDA, Ary (org). Saúde e ambiente sustentável: estreitando
nós. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2002.p. 135-141.

QUIVY, Raynond & CAMPENHOUDT, Luc Van. Manual de Investigação em


Ciências Sociais. Paris: Gradiva. 2005.

RICHARDSON, Robert. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Editora Atlas,
3 edição, 1999. RITA-FERREIRA, António. Os africanos de Lourenço Marques, Saúde
e Nutrição. In: Istituto de investigação científica de Moçambique: Série C. Lourenço
Marques: IICM. Vol. 9. 1967-68.

20
Anexo1: Guião de entrevistas

I – Perfil sócio-económico do entrevistado

1. Sexo:

2. Idade:

3. Estado Civil:

4. Posição na família:

5. Quantas pessoas vivem em sua casa?

6. Escolaridade?

7. Qual é a profissão que desempenha?

8. Quem contribui para o rendimento familiar?

9. O rendimento das pessoas que desempenham alguma actividade resolve os problemas


da família?

10. A quantos anos vive no bairro?

21
Anexo 4: Fotografias do bairro de Namicopo

22

Você também pode gostar