Kingdom Hearts - A Romantização

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 183

0|Kingdom Hearts: A Romantização

KINGDOM HEARTS:
A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

KINGDOM HEARTS: THE NOVEL (A ROMANTIZAÇÃO)


TOMOCO KANEMAKI
ILUSTRAÇÕES: SHIRO AMANO
OBRA ORIGINAL: TETSUYA NOMURA

Traduzido, revisado e editado por Sorinha Phantasie.

Esse livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e incidentes são obra da
imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Quaisquer semelhanças com eventos, locais ou
pessoas, vivas ou mortas, são coincidências.

KINGDOM HEARTS © Disney Enterprises, Inc.


Personagens da série de videogames FINAL FANTASY © 1990, 1997, 1999, 2001, 2002,
Square Enix Co., Ltda.
Todos os direitos reservados.

Tradução em português brasileiro pela PHANTASIE TRANSLATE, 2016. A versão atual desta
tradução foi revisada e reenviada em 2022.
A tradução deste material foi elaborada e disponibilizada sem fins lucrativos. Se você pagou
pelo acesso a este livro, você foi enganado.
Conheça mais dos nossos projetos em www.phantasietranslate.com.br

A editora original deste livro apoia o direito à liberdade de expressão e o valor dos direitos
autorais. O propósito do direito autoral é encorajar escritores e artistas a produzirem as obras
criativas que enriquecem a nossa cultura.
A digitalização, o envio e a distribuição deste livro sem permissão prévia é um roubo da
propriedade intelectual do autor. Se você quiser permissão para usar material deste livro (exceto
para fins de resenha), favor contatar a editora. Agradecemos seu apoio aos direitos do autor.
1|Kingdom Hearts: A Romantização
KINGDOM HEARTS:
A ROMANTIZAÇÃO
EDIÇÃO ESPECIAL DO 20º ANIVERSÁRIO

ÍNDICE
CAPA
SOBRE ESSA EDIÇÃO
PÁGINAS COLORIDAS

PARTE 1: A Primeira Porta


PERSONAGENS

PRÓLOGO: MERGULHO NO CORAÇÃO

CAPÍTULO 1: ILHAS DO DESTINO & CASTELO DISNEY - primeira princesa

CAPÍTULO 2: TRAVERSE TOWN - encontro

CAPÍTULO 3: PAÍS DAS MARAVILHAS - primeira princesa

CAPÍTULO 4: SELVA PROFUNDA - amigos

CURTA: FRAGMENTO - conversa secreta

CAPÍTULO 5: TRAVERSE TOWN - reencontro

PARTE 2: Escuridão Interior


PERSONAGENS

CAPÍTULO 6: AGRABAH - promessa

CAPÍTULO 7: MONSTRO - encruzilhada

CAPÍTULO 8: TERRA DO NUNCA - acredite

CAPÍTULO 9: HOLLOW BASTION - última princesa

CURTA: FRAGMENTOS

CAPÍTULO 10: HOLLOW BASTION - em busca da luz

CAPÍTULO 11: FIM DO MUNDO - outra chave

EPÍLOGO: UM CONTO SEM FIM

2|Kingdom Hearts: A Romantização


SOBRE ESSA EDIÇÃO
Kingdom Hearts é uma franquia atemporal.
Por trás de uma fachada já bem batida que remete àquele eterno combate entre a
luz e a escuridão, encontramos um conto que toca de forma primorosa em temas como
autodescoberta, crescimento pessoal, perseverança e, sobretudo, amizade.
Na verdade, o poder da amizade em toda a sua glória é um dos temas mais
recorrentes da série: vemos a importância dos laços que criamos e acompanhamos como
esses laços são capazes de nos impulsionar, nos guiar e como podem até mesmo fazer
com que nos percamos. É impressionante como um mesmo tópico pode ser abordado
com tantas perspectivas diferentes, algumas mais felizes, outras mais tristes, mas
sempre propondo uma reflexão profunda sobre as relações que somos capazes de
estabelecer uns com os outros.
Se você acompanhou a série desde o início, se cresceu com os jogos conforme
eram lançados, certamente tirou deles algum ensinamento e levou para a sua vida. Eles
têm um poder especial. Tal qual seu protagonista, que toca tantos corações, que poderia
abrir a porta certa e salvar todas aquelas pessoas cujas vidas precisavam ser salvas.
Kingdom Hearts é um jogo que, mesmo com sua história recheada de todos os clichés
do gênero, ainda é capaz de fazer justamente isso.
E comigo não foi diferente.
Eu conheci Kingdom Hearts na adolescência. Joguei desde o primeiro, em
italiano na época (cortesia de um amigo estrangeiro que estava morando em terras
tupiniquins e me emprestou o jogo — original, pasme! — para jogar no bom e velho
Playstation 2), e meu interesse pela franquia só foi crescendo a cada nova experiência.
Ao mesmo tempo, numa época onde ver jogos em português não era lá uma coisa muito
normal, eu também comecei a me interessar pela língua inglesa e pela arte da tradução
— então traduzir os jogos da franquia foi um próximo passo bastante natural para mim.
Trabalhando em conjunto com o pessoal da Brazilian Warriors (equipe responsável por
várias outras traduções muito bacanas, como Shadow of the Colossus e Ni no Kuni, por
exemplo), trouxe todos os jogos do Playstation 2 para a nossa língua com uma tradução
que localizava 100% dos termos. Alguns gostaram muito do resultado final desse
trabalho — já outros detestaram.
Pouco depois, em 2016, reuni todo o feedback que recebi dos projetos anteriores
e comecei a fazer algumas traduções solo. Foi o início da Phantasie Translate (ainda
The kingdomPROJECT, na época), com os livros de Kingdom Hearts sendo o nosso
foco principal. Hoje nós temos várias frentes de atuação, com gerentes de projetos
responsáveis por diversos jogos, livros e quadrinhos diferentes, mas na época eu era
apenas uma pessoa com muito tempo livre nas mãos e que queria ver sua franquia
favorita recebendo o tratamento de tradução que merecia.
Todo esse trabalho duro culminou na tradução não-oficial que lançamos para
Kingdom Hearts III, tradução esta que está para completar um ano agora em 2022. Para
ela, fizemos uma mescla daquela localização completa que usávamos nos jogos do
Playstation 2 com a versão mais conservadora que optei por usar nas traduções solo dos
livros. O resultado foi um grande sucesso, com a tradução sendo aclamada por grande
parcela dos fãs, sejam os mais tradicionalistas, que preferem termos importantes como
Keyblade e Heartless no original, ou aqueles que gostam de ver os nomes dos inimigos
e as magias, por exemplo, localizados em português brasileiro.
Mas você deve estar se perguntando: se os livros (ou pelo menos os primeiros
deles) já foram traduzidos lá em 2016, por que estamos tendo um relançamento agora,
em 2022? Isso na verdade se deve a uma série de fatores. O primeiro deles é o fato de
3|Kingdom Hearts: A Romantização
que, hoje, minhas habilidades de tradução e edição são muito mais avançadas do que
eram há seis ou mais anos (se também levarmos em consideração as traduções dos
jogos) e, muito por conta disso, agora já conseguimos produzir uma versão muito mais
bonita e bem feita daquela tradução que lançamos originalmente todo esse tempo atrás:
“Kingdom Hearts: A Romantização - Edição Especial do 20º Aniversário” — uma
espécie de “edição definitiva”, se preferir. O que tem de diferente nela, você quer saber?
Além de uma revisão completa em todo o texto original (já falo mais sobre esse tópico)
e da inclusão desta nota introdutória, nós também ajustamos o layout das páginas,
demos um tapa no visual final do livro e revimos certos pontos que incomodavam
mesmo na versão americana — como o fato de que os perfis de personagens para ambas
as partes do livro eram inseridos já nas primeiras páginas, o que acabava dando diversos
spoilers que estragavam a experiência de quem nunca teve contato prévio com a obra.
Outro motivo que nos trouxe a esse lançamento é também o que levou ao título
dessa edição: estamos comemorando o vigésimo aniversário do primeiro jogo da série, o
Kingdom Hearts original, lançado lá no longínquo ano de 2002. E existe forma melhor
de comemorar do que revitalizando essa tradução tão especial e corrigindo quaisquer
erros que possam ter passado pela revisão inicial que fizemos em 2016? De lá pra cá,
tanta coisa mudou — encontramos uma identidade própria, criamos o nosso jeito de
adaptar determinados termos e, acima de tudo, encontramos a voz certa para conversar
com fãs novos e antigos que desejam se aprofundar cada vez mais nesse universo tão
conturbado da franquia. Usando a nossa tradução de Kingdom Hearts III como base
(embora com pequenas diferenças aqui e ali), fizemos uma versão que visa agradar a
todos sem quebrar a imersão da história que está sendo contada. Aqui, você não
encontrará termos como “Chave-Espada” ou “Sem-Corações”, mas também não terá
que ler no meio de um texto em português um nome de inimigo complicado (em
inglês!) que muitos nem conhecem a pronúncia.
Então, como uma luz dentre a escuridão, finalmente é chegada a hora de abrir a
porta e se deixar encantar de novo (ou, quem sabe, pela primeira vez) pela história de
Sora, o garoto que porta a chave, em sua primeira jornada ao lado de Donald e Pateta
para encontrar seus amigos perdidos e trazer a paz de volta aos mundos cheios de magia
da Disney. Suba a bordo da Nave Gummi e viaje pelo Céu Além enquanto Sora dá o
primeiro passo para salvar os mundos da escuridão iminente.
Vai saber? Talvez ele possa salvar o seu coração também.

Em uma segunda-feira nublada de outono,


Sorinha Phantasie.

4|Kingdom Hearts: A Romantização


5|Kingdom Hearts: A Romantização
6|Kingdom Hearts: A Romantização
7|Kingdom Hearts: A Romantização
8|Kingdom Hearts: A Romantização
9|Kingdom Hearts: A Romantização
10 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
11 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DA PARTE 1 12 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
13 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
14 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO PRÓLOGO 15 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
CADA VEZ MAIS — A ESCURIDÃO SE ESTENDIA CADA VEZ MAIS.
Com uma pequena luz para guiá-lo, ele avançou.
Ouviu uma voz suave — e então sentiu uma presença.

Aí está você!

Tanto a fazer. Tão pouco tempo.


Mas vá com calma. Não tenha medo.
A porta continua fechada.

Agora, um passo adiante. Consegue fazê-lo?

O poder está adormecido dentro de ti. Dê-lhe forma... e ele te dará força.

E então a luz brilhará junto a ti.

Porém, quanto mais próximo chegar da luz, maior sua sombra se tornará.

Mas não tenha medo. E não se esqueça.


Você possui a mais poderosa de todas as armas.

Então não se esqueça...


Você é aquele que abrirá a porta.

Agora, vá.

E — a porta do destino começou a se abrir.

16 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 1 17 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
CONFORME SEUS OLHOS SE ABRIAM DEVAGAR, A LUZ DO SOL BRILHAVA DES-
lumbrante. O som das ondas era o mesmo de sempre, pincelando levemente o fundo de sua mente.
Sora se levantou e alongou.
Diante de si, o céu e o mar azul se estendiam até onde os olhos podiam ver. Até onde sabia,
este era todo o seu mundo.
Aquelas eram as Ilhas do Destino — um pequeno arquipélago que flutuava no mar.
— Hm... o que foi aquilo?
Sentia que tivera um pesadelo.
Era assustador...? Não, algo nele também parecia bom.
Aquela voz — aquela luz. E aquela sombra negra e terrível...
E — aquilo tinha sido mesmo só um sonho?
— Sora...
— Uou!
Kairi apareceu do nada diante de seus olhos. Sora se levantou num pulo.
— Dá um tempo, Kairi.
— Sora, seu preguiçoso! Sabia que ia te achar cochilando por aqui.
Kairi se inclinou, encarando Sora nos olhos, e abriu um sorriso. Seus cabelos vermelhos
cintilavam com a luz brilhante que vinha do céu e refletia sobre o mar e a areia.
— Não! Tinha uma coisa negra gigante me engolindo! Eu não conseguia respirar, não
conseguia... ai!
O que quer que ele fosse dizer se perdeu quando Kairi lhe bateu na cabeça.
— Ainda tá sonhando?
Quando seus olhos se voltaram para ele novamente, Sora começou a se sentir incerto sobre o
que se lembrava. Como poderia haver uma coisa negra monstruosa como aquela por ali, sob um céu
tão brilhante?
— Não era um sonho! Ou era...? Eu não sei...
Sora inclinou a cabeça. Kairi o lançou um olhar exasperado e caminhou em direção à beira
da água. De costas para ele, algo a fez sentir-se um tanto distante. Ele não sabia o que dizer, mas
diante de sua hesitação, Kairi se virou novamente com um sorriso no rosto.
— É melhor começarmos a trabalhar. O Riku já tá ficando nervoso.
— Hã? — Alarmado, ele se virou e viu Riku ali parado, carregando uma tora de cara feia.
— Então, acho que eu sou o único trabalhando na jangada.
Era uma tora das pesadas. Riku a jogou para Sora, num balançar de seus cabelos prateados.
— Ah! — Sora se atrapalhou todo para pegar a tora.
Riku se voltou para Kairi.
— E você é tão preguiçosa quanto ele!
— Então você notou. — Kairi deu uma risada, passeando em direção à enseada. — Tá bem,
vamos terminar juntos. Vamos apostar uma corrida!
Dentre uma risada, ela saiu correndo.
— Hã? É sério? — Sora logo correu atrás dela, e Riku foi em seguida.
— Prontos? Já!
Kairi já estava correndo, mas com suas palavras, os outros dois aceleraram o máximo
que puderam.
O sol ainda estava alto. E eles tinham muito trabalho pela frente.

— Riku, você pega as toras... e uns panos, e corda. Sora, você procura água potável e uns
cogumelos pra gente. Eu espero aqui.
— Beleza!
Sora e Riku saíram correndo como se fosse outra corrida, suas pegadas se formando sobre a
areia seca. Um pouco adiante, ouviram Tidus e Wakka brincando com espadas de madeira.

18 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Vamos nos juntar a eles, Sora?
— Mas a Kairi não vai ficar chateada?
Era só uma desculpa da parte de Sora. Na verdade, ele não conseguia vencer contra Riku
numa luta e por isso era difícil para ele se interessar.
— Não se preocupa com isso. — Riku bateu em suas costas e correu até Tidus e Wakka.
— Eu mereço...
Naquelas pequenas ilhas, praticamente todas as brincadeiras dos meninos envolviam algo
competitivo e o que eles mais gostavam era de lutas de espada. Wakka, alguns anos mais velho que
os demais, agia como tutor. Recentemente, Sora e Riku haviam ficado bons o bastante para derrotá-
lo de vez em quando. Estavam mais ou menos no mesmo nível que Tidus.
— Aqui vou eu! — Tidus se lançou contra Wakka.
— Vão, meninos, vão! — Selphie pulava para cima e para baixo, fazendo com que os
cachos abertos nas pontas de seus cabelos balançassem vez ou outra.
— Ainda não acabei! — A voz de Wakka encobriu o som de madeira contra madeira e a
espada de Tidus foi lançada para fora de sua mão.
— Ah, vacilo!
Desanimado, Tidus subitamente se lançou à areia.
Riku pegou a espada que havia caído ao longe e se voltou para Wakka.
— Minha vez!
— Ei, ei, me dá um tempinho aqui — disse Wakka, coçando a cabeça por cima da bandana,
e jogou sua espada para Sora. — Você pega ele dessa vez, Sora.
— Mas a Kairi vai ficar brava...
— Fica de olho na sua guarda!
Enquanto Sora tentava se livrar daquela, Riku se lançou num ataque.
— Ei! Não é justo, Riku!
— Lutas não têm que ser justas!
Sora esquivou sua investida com um salto e finalmente pegou a espada. Parecia que não
tinha como se safar.
— Beleza, vem me pegar! — Riku sorriu, como se soubesse que nem precisaria tentar. Sora
não dava nem pro gasto.
— Aqui vou eu!
As espadas de madeira se chocaram num clack! Sora entrou na luta como Wakka o havia
ensinado, lançando-se contra Riku por cima de sua cabeça. Clack, clack, clack, de novo e de novo.
O estilo de Sora baseava-se principalmente em manter-se na ofensiva.
— Ngh!
— É isso aí, Sora! Vai nessa, empurra ele pra dentro da água!
Diante da torcida de Wakka, Sora desferiu um grande golpe.
— Ai!
A espada saltou da mão de Riku e girou em meio ao ar, caindo com a ponta cravada na areia.
— Uau! — exclamou Tidus.
Ofegante, Sora ergueu a mão para Riku, que havia caído de bunda no chão.
— Tch. Deixei minha guarda baixa.
— Ou talvez eu que seja melhor que você! — Sora deu uma risada e ajudou Riku a se
levantar, correndo então em direção à colina. — Corrida pra ver quem pega os suprimentos
primeiro!
— Beleza! — respondeu Riku, correndo na outra direção, levantando poeira.
— Opa, opa, corrida pra quê?
Mas a pergunta de Wakka sequer foi ouvida por Sora e Riku, que saíram em disparada.
— Esses dois ultimamente, hein. E a Kairi também... Sinto que estão tramando alguma
coisa... — Selphie torceu o nariz e inclinou a cabeça, concentrada.
Wakka deu de ombros.
— Bem, eles têm o Riku, então eu não me preocuparia, ya?
— Não é essa a questão! — Selphie bufou, chutando a areia.
19 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
20 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não é justo! Eu também quero participar!
Tidus tentou segui-los, mas Sora já havia desaparecido nas moitas colina acima e Riku em
meio ao mar.

— Cogumelos... onde eu encontro mais cogumelos?


Sora vagava pela colina em busca de cogumelos. Os que cresciam nas ilhas eram todos
comestíveis e já haviam até assado alguns numa fogueira algum tempo antes. Entretanto, se
planejavam velejar pelo oceano por vários e vários dias, precisava encontrar mais.
Do topo da colina, podia ver Riku juntando suas coisas. Estava carregando algo que parecia
um grande pedaço de pano.
Deve ser bom ser o Riku...
O pensamento pareceu ferroar seu peito. Era como se sua vitória na luta de espada não
tivesse passado de um mero acidente. Sora era sempre o perdedor. Notas da escola, corridas, não
importava o que fosse — ele não conseguia derrotar Riku. Se tivesse pelo menos uma coisa em que
ele fosse melhor...
Sora desceu pela colina e se lançou em direção à folhagem densa que crescia ao lado da
cachoeira. Ali ficava a entrada de uma pequena caverna. Era o lugar secreto deles. Sora e Riku o
haviam encontrado e então contaram a Kairi.
— Fazia tempo que eu não vinha aqui...
Dentro da caverna, o constante som das ondas se reduziu a um sussurro. Mais adiante, o
espaço se tornava mais aberto, como um grande salão. E do outro lado — aquela porta. Era uma
grande porta, mas não tinha maçaneta nem nada. Simplesmente estava lá, como se esperasse por um
visitante de algum lugar.
Na parede ao lado da porta da caverna, havia alguns rabiscos.
— Aí está...
Anos antes, Kairi e Sora desenharam os rostos um do outro na parede e os mesmos
continuavam lá. Sora se agachou e tocou os rabiscos suavemente.
Se ao menos pudesse ser melhor que Riku...
Sora se virou diante de um pequeno barulho ao fundo.
— Quem tá aí?
Era um homem encoberto por um robe marrom.
— Eu vim ver a porta — declarou, a voz profunda. Sora não conseguia ver o rosto sob o
capuz. — Esse mundo foi conectado.
— Do que você tá falando?
O homem não apresentou reação a Sora e simplesmente continuou a falar:
— Um mundo ligado à escuridão... prestes a ser completamente eclipsado...
Diante destas palavras, um calafrio subiu a espinha de Sora.
— Bem, seja lá quem for, para de me assustar assim! ...De onde é que você veio, afinal?!
Sem responder à pergunta, ele manteve um tom tranquilo:
— Há tanto a se aprender. Você entende tão pouco.
— Você é de outro mundo, não é?
— Você ainda não sabe o que há atrás da porta. Alguém que não sabe nada não pode
entender nada.
Até aquele momento, Sora estivera encarando o homem misterioso, mas então desviou o
olhar para a porta.
Essa porta, pensou. Essa grande porta... Eu não tinha visto uma porta assim em algum
outro lugar, um tempo atrás...?
— Ei, quem é você...?
Sora se voltou para ele novamente, mas o homem tinha desaparecido.

21 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Quando deixou a caverna, a brilhante luz do sol o fez piscar. A ilha se estendia diante de si
com o brilho do mar e do céu e o que acabara de acontecer na caverna mais lhe parecia um sonho.
Com os braços cheios dos cogumelos que recolhera na caverna, começou a correr em
direção à enseada, onde Kairi e Riku o estariam esperando.
Aquele homem — e a porta. Era como um sonho. E ninguém acreditaria se contasse alguma
coisa sobre o acontecido. Naquele pequeno arquipélago que se chamava Ilhas do Destino não havia
uma única pessoa desconhecida. Nem mesmo alguém que tivesse vindo de além do oceano — não,
espera, havia uma pessoa.
Kairi.
Ela veio de além do oceano, pelo que dizem. A Kairi veio de outro mundo além do oceano,
de um lugar que nunca vimos ou ouvimos falar. É por isso que vamos encontrar...
— Sora! Que demora!
— Desculpa! Foi difícil encontrar cogumelos o suficiente...
Com falta de ar depois da corrida, Sora ergueu o estoque que havia feito para que Kairi
pudesse ver. Assim que viu seu rosto, todo o incidente com o homem estranho desapareceu de sua
cabeça. Kairi e Riku estavam parados ao lado de um tronco de árvore bem alto.
— Uaaau. Você encontrou um montão mesmo, hein!
— Nada mal pra você!
Ambos riram, pegando aquele monte de cogumelos em seus braços.
— E aí, Sora... a vela ficou bem bacana, não acha? — disse Riku.
Sora voltou o olhar para o pano amarrado ao tronco de árvore, como uma bandeira.
— Onde você encontrou um pedaço de pano tão grande assim?
— Ah, por aí. — Riku deu de ombros e abriu um sorriso antes de começar a subir pelo
mastro. — Se tiver uma tempestade, temos que subir no mastro e baixar a vela.
— Eu sei disso.
Kairi observava a discussão, rindo.
Os três estavam construindo uma jangada, uma bem grande. Uma jangada que os levaria
para mundos que nunca viram antes. Haviam amarrado várias toras juntas com cordas e erguido um
tronco como mastro. Subiram então a vela, feita com o pano que Riku havia encontrado, que
balançava com a brisa do mar.
— Já parece até que dá pra navegar! — exclamou Kairi.
Riku desceu do mastro.
— É. Com ela, podemos ir aonde quisermos — disse, olhando para o longe, além daquele
horizonte perfeitamente tranquilo. O sol estava baixo enquanto se punha, o céu mudando daquele
azul claro para um profundo carmesim.
— Ei, Sora — disse, olhando novamente para o mastro. — Ainda não demos um nome para
o nosso navio.
— He, he. Verdade, temos que dar! — Kairi também olhou para o mastro. — Com uma vela
dessas, o vento com certeza vai nos guiar.
A vela permanecia parada diante deles, a vela que se encheria com o vento e os levaria —
navegando pelo mar.
— Como devemos chamá-la?
Com a incitação de Kairi, Sora mencionou o nome que vinha pensando durante todo o dia:
— Que tal... Highwind[1]?
— A Highwind... — repetiu Riku, suavemente. — Quando o vento subir, ela nos levará tão
longe quanto pudermos ir.
— Bem da hora, né? — disse Sora.
Riku assentiu.
— Então será Highwind! — Kairi sorriu e agarrou o mastro, voltando os olhos para o mar
aberto. — Tá ficando tarde, né...?
Riku e Sora também viram que o céu sobre o horizonte brilhava num vermelho reluzente e
que o sol logo desapareceria sob ele.

22 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Se formos até os confins do mar... aposto que vamos encontrar o mundo de onde você
veio, Kairi.
As palavras de Sora pareciam buscar confirmação. Kairi se virou devagar, os olhos voltados
para o longe.
— Não sabemos disso ao certo.
— Se não formos pra ver, nunca vamos descobrir — respondeu Riku, de braços cruzados.
— Acha mesmo que vamos conseguir chegar tão longe assim numa jangada? — disse Sora.
Riku olhou para ele e então desviou o olhar para o mar novamente.
— Bem... se não funcionar, pensaremos em outra coisa.
O sol afundava ainda mais no horizonte, deixando o mar e até mesmo a areia vermelhos.
Já tinham assistido àquela cena juntos incontáveis vezes, mas para Sora, a de hoje parecia
um pouco diferente. Alguma coisa o deixava inquieto.
Depois disso... o que vai acontecer conosco?
Eu quero ver outros mundos, pensou.
Lá havia o mar, sempre bem calmo, apesar de algumas tempestades que surgiam de vez em
quando. Havia lindas praias cheias de areia. Havia os pássaros nas colinas e até cogumelos para
comer, e... Riku e Kairi, Tidus, Selphie e Wakka. Sua mãe e seu pai, e as outras pessoas da cidade.
Todos os amigos incríveis com quem se divertia ali nas Ilhas do Destino. Mas o cenário que Sora
via era sempre o mesmo. Se ao menos pudesse ver um mundo diferente... talvez algo mudasse.
Por isso queria tentar ir para outro lugar.
— Então, supondo que chegue a outro mundo. O que faria lá? — Kairi perguntou a Riku,
um pouco nervosa. — Você só quer ver, que nem o Sora?
— Bem, não tenho pensado muito sobre isso. É que... eu sempre fiquei me perguntando por
que estamos aqui, nessa ilha. Se existem outros mundos lá fora, por que acabamos justamente
neste? — Riku pausou por um momento, como se para ouvir as ondas, e então continuou: — E
suponha que existam outros mundos. Então o nosso é só uma pequena parte de algo muito maior...
— Ele se voltou para Sora e Kairi. — Então poderíamos facilmente ter acabado em algum outro
lugar, certo?
Uma pequena parte de algo maior. Aquilo era tudo muito complicado. Sem conseguir
acompanhar direito, Sora se deixou cair sobre a jangada.
— Sei lá.
Riku olhou para ele em meio a um suspiro e começou a andar em direção à costa.
— É por isso que precisamos ir pra lá e descobrir. Se continuarmos aqui sentados, nada
vai mudar.
Sora se voltou para o mar, seus olhos acompanhando Riku.
— Vão ser sempre as mesmas coisas velhas de sempre. Eu quero ir.
— Você tem pensado bastante ultimamente, né? — disse Kairi, a voz suave.
— Graças a você. Se você não tivesse vindo pra cá, eu provavelmente nunca ia pensar sobre
nada disso. — Riku virou as costas para o pôr do sol e a fitou. — Kairi, obrigado.
Aquelas palavras pareceram para Sora mais sinceras do que qualquer coisa que já tinha ouvido.
Ele sentiu seu coração pular uma batida.
— Hm, de nada... — disse Kairi com um sorriso tímido no rosto enquanto se voltava para o
mar outra vez.
— Bem... acho que já vou indo. Vocês dois também não deviam ficar fora até muito tarde.
— Riku partiu em direção ao píer num passo apertado, como se de repente houvesse se
envergonhado com o que dissera.
Acompanhando-o com o olhar, Kairi começou a falar bem baixinho:
— Sabe, o Riku mudou.
— Como assim? — disse Sora. Se havia algo diferente em Riku, ele não saberia dizer. Para
Sora, ele continuava o mesmo Riku de sempre.
— Bem... hm... Você não acha?
— Não, é só você.
Kairi pareceu um pouco entristecida com isso. Mas então exclamou:
23 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ei, vamos pegar a jangada e partir... só nós dois!
Ela olhou para Sora com um sorriso travesso.
— Hã? O que deu em você? Você é que tá mudada, Kairi.
— Talvez...
Ela começou a caminhar pela praia vagarosamente. Algo pequeno e brilhante caiu de
seu bolso.
— Kairi, você derrubou alguma coisa.
— Ah...! — Com todo o cuidado, ela se abaixou para pegar o objeto e então o mostrou para
Sora. Era um pingente feito de conchas amarradas uma junto à outra para formar uma estrela.
— O que é isso?
— Estou fazendo um amuleto de conchas thalassa. Antigamente, os marinheiros
costumavam carregá-las consigo o tempo todo. Supostamente, elas garantiam uma viagem segura.
— Um amuleto de marinheiros, é?
Sora olhou para o amuleto na palma da mão de Kairi.
— Estou fazendo eles para que, mesmo se um de nós se perder, possamos voltar para cá sãos
e salvos... Para que nós três sempre possamos estar juntos.
Ela gentilmente voltou a guardá-lo em seu bolso. Mais da metade do sol já havia se posto
além do horizonte.
— Sabe, eu tinha um pouco de medo no início... mas estou pronta agora. — Kairi olhou para
Sora, como se houvesse se decidido. — Não importa aonde vá, ou o que veja, sei que sempre
poderei voltar pra cá.
Ele correu para alcançá-la.
— Sim, é claro!
Eu também ainda quero voltar pras ilhas, pensou.
Quero ver outros mundos, mas quero voltar. Para esse céu e mar, e para todos os outros
daqui. Voltar para este lugar com a Kairi e o Riku.
— Que bom... Sora, nunca mude.
— Hã?
Kairi sorriu com sua confusão.
— Mal posso esperar. Quando içarmos as velas, será demais.
— Sim... Vamos conseguir, pode apostar.
O sol agora já havia quase desaparecido. As ondas continuavam a ir e vir numa corrente leve
e tranquila.

Um coro de trombetas ressoou.


O grande castelo se assomava diante do belo céu azul. As vassouras servas varriam o chão
em sua importante tarefa de faxina matinal. Donald passou ao lado delas, seu peito estufado, seu
rabo balançando de um lado para o outro. Como feiticeiro real, sua primeira tarefa do dia era
cumprimentar o rei.
— Arram!
Estufando ainda mais o peito, ele limpou a garganta e bateu em uma porta gigantesca, dez
vezes sua altura. Então uma pequena portinhola do tamanho de Donald se abriu na porta maior e ele
entrou no grande salão.
Lá, na maior sala do castelo, ficava o trono do rei e Donald seguiu em sua direção pelo
grande tapete vermelho.
— Bom dia, Vossa Majestade! É bom vê-lo... quack?!
O rei devia estar sentado ali — mas o trono estava vazio. Foi quando o cachorro do rei,
Pluto, saiu de trás dele.
— Pluto?
Ouvindo seu nome, Pluto trotou até Donald. Carregava um envelope branco na boca.

24 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Quack...?
Pluto ergueu a cabeça, esperando que Donald pegasse o envelope. Franzindo o cenho,
Donald pegou e abriu o envelope, encontrando uma única folha de papel. No momento em que
bateu os olhos no que estava escrito...
— Gawawawawawawaaaaa! QUACK!
Donald voltou correndo pelo grande salão, gritando por todo o caminho.

Donald,
Desculpe-me por sair correndo sem dizer adeus, mas temos um grande problema
em mãos e não há tempo a perder. É melhor que eu parta o quanto antes.
As estrelas têm se apagado, uma a uma, e isso significa que um desastre não pode
estar longe.
Odeio ter que deixá-los, mas tenho que investigar.
Como rei, peço que você e o Pateta façam uma coisa.
Há alguém lá fora com uma “chave” — a chave para a nossa sobrevivência.
Então preciso que vocês dois o encontrem e fiquem com ele. Entendido?
Precisamos dessa chave, ou estamos condenados.
Vão para Traverse Town[2] e encontrem um homem chamado Leon. Ele os
apontará na direção correta.

P.S.: Pode pedir desculpas à Minnie por mim? Obrigado, amigão.

Essa foi a nota deixada para trás. Uma carta muito importante do seu amado rei — e querido
amigo. Se fosse tudo verdade, as coisas estavam sérias. Esse estranho problema com as estrelas
desaparecendo do céu noturno e o desastre a caminho. Isso queria dizer que o rei tinha se envolvido
em algo realmente perigoso?
Donald saiu em disparada pelo grande corredor até chegar aos jardins. Foi onde encontrou
Pateta, o capitão dos cavaleiros reais.
— Capitão Pateta! Isso é terrível!
Pateta dormia profundamente. Donald tentou acordá-lo sem sucesso.
— Pateta! — Seus gritos ecoavam por todo o quieto jardim, mas Pateta sequer se mexia.
Perdendo toda a paciência, Donald estalou os dedos e gritou: — Trovoada!
Um pequeno e ruidoso raio atingiu a ponta do nariz de Pateta.
— Iac? — Pateta piscou algumas vezes, até finalmente enxergar Donald. — E aí, Donald.
Bom dia. O tempo hoje está muito bom, não...?
Donald interrompeu seu cumprimento descompromissado:
— E-Estamos com um grande problema!
— Problema?
— É, mas não conte a ninguém!
— Ninguém? Contar o quê?
— Eu tô falando, é ultrassecreto! — disse Donald, balançando os braços. Pateta não parecia
captar a urgência da situação.
Ele se levantou lentamente e então se alongou, olhando para Donald.
— Rainha Minnie...?
— Nem mesmo à rainha!
— Margarida?
— Menos ainda à Margarida!
— Bom dia, donzelas.
Olhando para além do agito de Donald, Pateta acenou.
— ...Er...?

25 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Finalmente entendendo do que Pateta estava falando, Donald virou para se deparar com a
Rainha Minnie e sua namorada, Margarida.
— O que é toda esta confusão, Donald?
— Quack... gawawawawa...
Ao ouvir a voz da rainha, Donald começou a balançar os braços outra vez. Margarida
pigarreou explicitamente.

O sino do castelo anunciou a hora. Donald, Pateta, Margarida e a Rainha Minnie estavam na
sala do rei, numa conversa bem séria.
— ...E foi isso o que aconteceu — disse Donald após explicar tudo aos outros.
— Céus! O que isso quer dizer? — Preocupou-se Margarida.
— Quer dizer... que teremos que confiar no rei — respondeu Minnie, a voz suave.
— Poxa, espero que ele esteja bem... — disse Pateta, mole como sempre.
Donald o chutou na canela e falou com determinação:
— Alteza! Não se preocupe. Vamos encontrar o rei e essa “chave”.
— Obrigada.
— Margarida, — pediu Donald — pode cuidar da rainha?
— É claro. Mas tomem cuidado, vocês dois. — Tendo um cabeça de vento feito Donald
como namorado, Margarida era bem firme. Ela daria conta de proteger o castelo e a rainha na
ausência dos dois.
— Ah. E Donald, leve-o com vocês. — A rainha fez um gesto na direção da mesa... mas
Donald não via ninguém lá.
— Er... quem?
E então Donald o viu, pulando para cima e para baixo.
— Estou aqui!
— Ele...?
Era alguém muito menor que Donald ou Pateta. Vestia um pequenino paletó e uma cartola
de seda, a qual educadamente tirou da cabeça, curvando-se diante dos demais.
— O nome é Grilo. Grilo Falante, a seu dispor.
E o Grilo saltou para o chapéu de Donald.
— Wak!
— Vou ficar aqui bem quietinho. Não se preocupe! — Com isso, o Grilo se lançou no bolso
de Donald, sentindo-se em casa.
— O Grilo disse que seu mundo também desapareceu. — A Rainha Minnie abaixou seus
longos cílios.
— Desapareceu...? — disse Pateta.
O Grilo lançou a cabeça para fora do bolso de Donald novamente, a testa franzida.
— Isso mesmo. Tudo simplesmente sumiu. Todos acabaram separados... e eu fui o único
que conseguiu chegar a este castelo.
— Talvez você consiga encontrar os outros habitantes do seu mundo, Grilo — disse a
rainha. O Grilo saltou de volta para a mesa, tirando a cartola para Donald e Pateta mais uma vez.
— Então que assim seja. Agradeço por me levarem junto.
— Tá bom, mas... — Donald olhou para a rainha.
— Fora deste castelo, vocês não devem deixar que ninguém saiba que vieram de outro
mundo — disse a rainha com firmeza.
— Ah, para manter a ordem, né? — disse Pateta.
— Isso. Para sustentar a ordem que rege cada um dos mundos — respondeu Donald.
Era um segredo fortemente guardado o fato de que ele e os outros podiam deixar o Castelo
Disney e viajar para outros mundos. Se o segredo vazasse, outras pessoas poderiam tentar atravessar
os mundos indiscriminadamente e a ordem seria quebrada.

26 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Um pesado silêncio então irrompeu sobre a sala. A rainha começou a falar avidamente para
quebrá-lo:
— Sua Nave Gummi logo estará pronta. Esperamos que retornem a salvo. Por favor,
ajudem o rei.
Donald a saudou batendo com a mão no peito. Pateta devolveu a saudação, esperando para
vê-lo partir...
— Você também vem! — Ele agarrou Pateta pelo braço e o arrastou consigo.

A oficina da Nave Gummi ficava ao final de uma grande escadaria em espiral que se
estendia sob o castelo. Sopros de vapor irrompiam de maquinários ruidosos e barulhentos. No meio
de tudo isso, uma pequena nave alaranjada aguardava por Donald e Pateta. Aquele era o único tipo
de veículo capaz de voar por entre os mundos — a Nave Gummi.
Enormes mãos mágicas preparavam a nave para o lançamento, fazendo nela uma
inspeção final.
— Pato Donald para a equipe de lançamento! — disse ele num grande cano e sua voz
grasnou pela sala de controle. — Está tudo pronto?
Os dois membros da equipe rapidamente o saudaram em resposta. O de nariz preto era Tico,
o designer, e o de nariz vermelho era Teco, o mecânico. Tico puxou uma grande alavanca na sala de
controle e toda a oficina começou a roncar.
— O que está acontecendo? — perguntou Pateta, e então uma grande mão mágica o ergueu.
— Iac-oba!
— Quieto! — gritou Donald, e outra mão mágica o pegou pelo rabo. O Grilo quase caiu
de seu bolso, segurando sua cartola de seda e agarrando-se desesperadamente à bainha da blusa
de Donald.
— Talvez pudessem ir com mais calma... — E diante das palavras de Pateta, eles
subitamente caíram na cabine do piloto. Pluto, que já os devia estar seguindo há algum tempo,
também se lançou para dentro.
— Pluto! — exclamou Donald. Pluto latiu em resposta.
A cabine se fechou suavemente com os quatro lá dentro e a porta da frente da oficina foi
aberta. A Nave Gummi lentamente se posicionou para o lançamento.
— Poxa, estou um pouco nervoso — disse Pateta.
— Relaxa, vai ficar tudo bem.
Enquanto Donald o censurava, a Nave Gummi finalmente alcançou sua marcação.
A Rainha Minnie e Margarida haviam ido até lá para vê-los partir.
— Por favor, ajudem o rei... e os mundos...
O doce apelo não alcançou a cabine, mas Donald ergueu o polegar e deu uma piscadela para
a rainha e Margarida.
O motor ligou num bomf! e a pequena nave se agitou.
— Lançar! — Donald apontou para o caminho adiante... mas a seta em sua frente apontou
para baixo. — Quack?!
Um buraco se abriu no chão e puxou a Nave Gummi. Ela continuou a cair até finalmente
brotar de cabeça para baixo do outro lado do Castelo Disney, para só então se ajeitar e disparar em
meio às estrelas.

Relampejou e, quase no mesmo instante, a chuva começou a cair sobre o teto.


— Chuva...?
Sora se sentou e olhou pela janela. Sua casa ficava em uma ilha maior, um pouco distante da
pequena onde ele e seus amigos sempre iam para brincar. Uma pequena casinha numa pequena
27 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
cidadezinha — era onde ele morava. Desde que voltara para casa, vinha se sentindo longe, olhando
para o teto, pensando no que havia acontecido naquele dia e no que aconteceria a seguir.
A chuva começou a engrossar. Chuvas após o pôr do sol não eram raras ali. O oceano
costumava ser calmo, mas havia ocasiões em que enfrentavam aguaceiros e tempestades.
Ainda assim...
Outro relampejo. Sora sabia...
— Tá vindo da nossa ilha!
Ele pulou para fora da cama.
Sora pegou seu barco de remo infantil e lançou-se apressadamente em direção à ilha deles.
Havia um enorme recife a seu redor, então nada menos que um ciclone poderia causar algum
estrago. Mas naquele momento, havia uma jangada com que se preocupar.
Se a jangada fosse levada embora...
Por sorte, as ondas ainda não estavam muito altas. A jangada ficaria bem se a amarrasse
firme e forte a um coqueiro.
Um enorme trovão envolveu a ilha. Sora ergueu o olhar para o céu sem estrelas e viu uma
esfera de energia negra brilhante flutuando em meio ao ar.
— O que é isso?!
Quando subiu na doca, notou que havia outros dois barquinhos ali.
— O Riku e a Kairi também estão aqui?
Ele correu da doca para a praia, mas uma espécie de sombra se ergueu do chão, bloqueando
seu caminho.
— O que tá acontecendo?!
Ele a atacou com sua espada de madeira e sentiu como se tivesse atingido alguma coisa, mas
a sombra sequer se moveu. Na verdade, cada vez mais delas apareciam.
— Ngh, tem cada vez mais... — Sora desistiu de tentar enfrentá-las e correu pela praia,
procurando por Kairi e Riku. O vento engolia sua voz enquanto tentava gritar seus nomes.
Na cachoeira, parou por um momento e olhou em volta. Foi quando viu — na frente dos
arbustos que escondiam a passagem para o lugar secreto deles havia uma grande porta branca.
— O quê...?
De repente, lembrou-se do estranho homem que havia encontrado à tarde:
“Prestes a ser completamente eclipsado...”
Não pode ser, pensou Sora. Mas tenho certeza que ele tava falando de algo assim... Seja
como for, tenho que encontrar o Riku e a Kairi.
Mantendo distância das sombras com sua espada de madeira, Sora olhou ao redor de novo.
— Riku!
Conseguiu enxergar Riku em meio à escuridão, encarando o mar, seus cabelos prateados
balançando com o vento uivante.
Sora correu até ele.
— Cadê a Kairi? Pensei que ela tava com você!
Riku se virou para ele devagar.
— A porta se abriu...
— Riku?
Algo nele não parecia certo. Ele estava diferente. E que papo era aquele sobre uma porta?
Estava falando sobre aquela porta branca? Ou...
— A porta está aberta, Sora! Agora podemos ir para o mundo exterior! — disse Riku,
apressado, um estranho entusiasmo em seus olhos.
— Do que você tá falando? Temos que achar a Kairi!
— A Kairi virá conosco! — Riku gritou para encobrir sua voz. — Quando passarmos por
ela, pode ser que não possamos mais voltar. Mas essa pode ser nossa única chance. Não podemos
deixar o medo nos impedir! Eu não tenho medo da escuridão!
Conforme falava, uma sinistra energia negra se formou sobre sua cabeça.
— Riku...?
— Vamos, Sora!
28 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Sorrindo, Riku estendeu sua mão, mas sob seus pés, a escuridão tomava forma e crescia, se
envolvendo ao redor de suas pernas... e num piscar de olhos, já o havia coberto por completo.
— Riku!
Sora tentou correr em sua direção, mas quando pôs os pés na escuridão, ela também
começou a envolvê-lo.
Sorrindo em meio à escuridão, Riku chamou seu nome:
— ...Sora...
Mas Sora não conseguia alcançá-lo. Riku foi engolido pela escuridão e, quando o mesmo
estava prestes a acontecer também com Sora, uma luz brilhou dentro dela e a dissipou. Por um
momento, Sora teve que fechar os olhos diante da luminosidade. Quando os abriu outra vez, havia
uma enorme chave brilhante em sua mão. Uma voz ecoou em sua cabeça:
“Keyblade[3]...”
Como se essa fosse sua deixa, as criaturas das sombras se ergueram do chão novamente.
Sora as atacou com a chave — a Keyblade — e dessa vez elas desapareceram.
— Riku...? — Ainda segurando a Keyblade com firmeza em suas mãos, Sora olhou ao redor,
mas não via Riku em lugar algum. — Riku! Cadê você? Riku!
Sora correu, brandindo a Keyblade enquanto procurava. Não importava quantas sombras
derrotasse, mais delas continuavam a brotar.
Finalmente, se encontrou diante da porta branca outra vez.
— ...Hã?
A porta se abriu, quase como se o convidasse a entrar. Aquele era o único lugar que faltava
na ilha onde Kairi e Riku podiam estar. Sora correu porta adentro.
— Riku... Kairi!
Lá estava a caverna — seu lugar secreto, o mesmo de sempre. A única diferença era aquela
porta brilhante ao fundo. E diante da porta, Kairi a observava em silêncio.
— Kairi! — Sora se lançou em sua direção.
Ela se virou para vê-lo, devagar, uma expressão de tristeza a envolvendo.
— Sora...?
No momento em que tentou se aproximar dele, a porta começou a se abrir. Uma escuridão
completamente negra irrompeu de dentro, soprando-a em direção a Sora como se lançada por uma
explosão. Ele tentou agarrá-la em seus braços — mas o corpo de Kairi começou a desvanecer. Ela o
atravessou e então desapareceu. Era como se tivesse sido sugada para dentro de Sora.
Ele gritou seu nome, mas em meio a um grande estrondo, Sora, a porta e a própria ilha
foram todos atirados em meio ao vento.
— O que tá acontecendo...?!
Lançado em meio à areia, Sora bateu com os punhos no chão. A apenas alguns centímetros,
o chão desmoronou, como se tivesse caído de um penhasco. Ele ergueu o olhar e viu aquela esfera
de trevas cobrindo toda a ilha. E uma gigantesca sombra negra se ergueu bem na sua frente.
Essas não são mais as nossas ilhas, pensou. O Riku não tá aqui. A Kairi também se foi.
Então por que eu ainda tô aqui?
Sora ainda estava caído de joelhos. A sombra gigantesca o golpeou, lançando-o longe.
Ele gemeu e a Keyblade brilhou em sua mão.
“O poder está adormecido dentro de ti. Dê-lhe forma... e ele te dará força.”
Sinto como se tivesse alguém falando comigo, pensou. Poder adormecido dentro de mim...?
Eu não tenho poder nenhum. Mal consigo derrotar o Riku. Como vou...?
“Não importa aonde vá, ou o que veja, sei que sempre poderei voltar pra cá.”
Mas a Kairi desapareceu. O Riku também. E agora até a ilha está a ponto de desaparecer.
A gente vai poder mesmo voltar pra cá? Nós três?
“Garanta que vocês três sempre possam estar juntos.”
Sora pensou no sorriso de Kairi.
A Kairi, o Riku e eu. Para que sempre estejamos juntos. Para que possamos voltar pra cá.
A Keyblade cintilou reluzentemente, como se reagindo às emoções de Sora.
Eu não vou perder, de jeito nenhum.
29 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Eu vou ver outros mundos. Nós três vamos voltar a correr pela praia juntos...
Ele se ergueu e deu um grande salto em meio ao ar, seus ataques deixando trilhas de luz que
feriam a sombra.
— Iááááá! Eu não vou perder!
Dois, três golpes da Keyblade que carregava em mãos, e feridas de luz continuavam a surgir
na sombra gigante.
— Você não vai me vencer!
Sora sentiu a Keyblade penetrar alguma coisa e a sombra soltou um urro incomensurável.
— ...Consegui...
Berrando de fúria, a sombra foi sugada pela esfera de trevas lá em cima.
— Kairi... — murmurou Sora.
Antes que pudesse respirar outra vez, a esfera enraiveceu-se e rugiu, crescendo e levando
tudo o que restava da ilha consigo, inclusive Sora. Em meio a um terrível estrondo, engoliu os
coqueiros, os barcos de remo, até mesmo o mar...
Sora se esticava para continuar agarrado aos destroços da ponte de madeira, mas a enorme
força o puxou. Num redemoinho de escombros, ele caiu na esfera de trevas e desapareceu.

----------
GLOSSÁRIO:
[1]
Highwind: “Vendaval” | Pronúncia: Rái-uínd (/haɪˌwɪnd/)
[2]
Traverse Town: “Cidade da Travessia” | Pronúncia: Trevérs Táun (/trəˈvɜː(r)s/ /taʊn/)
[3]
Keyblade: “Chave-Espada” | Pronúncia: Quí-blêid (/kiːˌbleɪd/)

30 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 2 31 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A CIDADE SEMPRE RECEBIA A TODOS DE BRAÇOS ABERTOS.
Aquela era Traverse Town. Cheia de pessoas que não tinham mais aonde ir, que perderam
seus lares para aqueles estranhos acontecimentos. Donald, Pateta, o Grilo e Pluto haviam acabado
de chegar na Nave Gummi. O homem mencionado pelo rei em sua carta, aquele que sabia sobre a
“chave”, devia estar ali em algum lugar.
Donald tomou a frente do grupo, seus pés de pato batendo contra o chão de pedra.
— Sabe, talvez seja melhor encontramos o Leon... — disse Pateta, seguindo-o de perto.
Pluto ergueu a cauda. — Você acha que essa cidade é grande?
— Como é que eu vou saber?
Pateta deu um breve suspiro e olhou para o céu noturno. O céu ali parecia exatamente o
mesmo do Castelo Disney, o que o fez sentir-se um pouco melhor. Toda aquela história de estrelas
se apagando, o rei desaparecendo, e essa “chave”... Bem, certamente havia várias coisas que Pateta
não compreendia e várias outras que o deixavam inquieto.
Havia uma estrela brilhando mais forte que as demais. Que tipo de estrela seria aquela...?
Assim que o pensamento veio à cabeça de Pateta, aconteceu.
— Donald...!
Donald olhou para onde Pateta estava apontando.
— Olha, uma estrela está se apagando!
A luz da estrela faiscou e desapareceu.
— Elas estão mesmo se apagando...
Pateta ouvira sobre isso no castelo, mas aquela era a primeira vez que via acontecer. Era o
tipo de coisa que não dava para acreditar sem ver por si mesmo. Ele pensou no que o rei havia dito
em sua carta: “Temos um grande problema em mãos”.
E era mesmo verdade — as estrelas estavam se apagando. Aquilo não podia ser algo bom.
Donald e Pateta trocaram olhares e apertaram o passo cidade adentro.
— Vamos, Pluto! — chamou Pateta.
Mas Pluto estava ocupado farejando as redondezas. Ele seguiu um cheiro até chegar a um
beco. Mal havia luz ali, mas Pluto continuou atrás do rastro. Naquele beco escuro, iluminado apenas
pela luz do luar, havia um garoto estendido no chão.
Pluto trotou até o garoto, sua cauda balançando, e lambeu seu nariz.
Sora gemeu e abriu os olhos. O que tomou foco diante de si não era o mar ou o céu das Ilhas
do Destino, mas um lugar que ele jamais havia visto antes — e um cachorro.
— Mas que sonho...
É isso mesmo, pensou. Esse lugar só pode ser um sonho. Eu nunca vi nada além das nossas
ilhas ensolaradas.
Ele começou a apagar novamente, mas Pluto pulou em sua barriga.
— Ahh! Não é um sonho...!
Sora se levantou, esfregando os olhos, e olhou em volta. Continuava no mesmo cenário
desconhecido. O céu noturno se estendia sobre o local, assim como nas Ilhas do Destino, mas
parecia mais nebuloso do que aquele do qual ele se lembrava.
— Caramba... — Impotente, Sora se voltou para o cachorro. — Ei, você sabe onde a
gente tá?
O cachorro sacudiu a cauda e saiu correndo.
— Ei, espera!
Sora começou a seguir o cachorro, mas ele provavelmente correu para outro beco e Sora não
conseguiu mais encontrá-lo. Ele chegou a uma área ampla, parecida com a praça de uma cidade, e
olhou ao redor novamente.
No fim das contas, havia diversas pessoas andando de um lado para o outro na praça.
— Que loucura... Eu tô em outro mundo?
Ele sentia como se tivesse se perdido em um conto de fadas. Não havia nada sequer parecido
com aquele lugar nas Ilhas do Destino — uma praça pavimentada com pedras e iluminada com
lampiões.

32 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Então depois de ser engolido por aquela esfera, ele de alguma forma havia chegado em outro
mundo? Mas e quanto à ilha? E o Riku e a Kairi?
Onde é que eu tô...? Ponderou.
Foi quando a Keyblade brilhou em sua mão.
Eu não tinha conseguido fazer nada contra aquelas criaturas das sombras usando a minha
espada de madeira, mas pude derrotá-las com a Keyblade, disse a si mesmo. Talvez fosse ficar
tudo bem.
— Bom, sei lá. Talvez alguém... espera, o que é aquilo?
Sora tentou falar com a engraçada criatura no meio da praça:
— Hã, onde é que eu tô?
— Kupo?
A engraçada criatura com um pompom vermelho brotando da cabeça olhou para ele.
— Meu nome é Sora. Acabei de acordar aqui...
— Eu sou Kupo, o Moogle, kupo.
Então Kupo era o seu nome e Moogle a sua espécie... se Sora estivesse entendendo direito.
— Sombras destruíram o meu lar. Não tenho aonde ir, kupo...
— Também tinha sombras atrás de você?
— Tinha sim, kupo. — Kupo abaixou a cabeça, seu pompom balançando com o movimento.
— Caramba... — Então, pelo que aparentava, não era só nas Ilhas do Destino.
Kupo não parecia querer conversar mais, então Sora seguiu em frente.
— Novo por aqui? — perguntou a ele uma mulher mais velha.
— Onde é que eu estou? — Sora perguntou de volta.
— Este é um lugar onde acabam parando as pessoas quando não têm mais outro lugar para
chamar de lar... Traverse Town.
— Eu sou das Ilhas do Destino. E você?
A mulher abriu um triste sorriso.
— Não é legal fazer esse tipo de pergunta às pessoas aqui. Temos todos memórias
dolorosas.
— Então as sombras também pegaram o seu...
— Não seja tão rude... — disse ela, os olhos cheios de pesar. — Bom, talvez o dono da loja
de acessórios possa te dizer o que quer saber. — Ela apontou para uma loja que ficava na subida de
um lance de escadas do outro lado da praça.
— Tá bom. Valeu! — Sora atravessou a praça correndo e subiu os degraus num pulo.
No céu acima, outra estrela se apagou.

— Opa, como posso... Ah, é só uma criança.


O homem que apareceu no balcão usava um par de óculos de aviação na cabeça, tinha um
cigarro suspenso nos lábios e vestia uma barrigueira sobre a camiseta — um homem de meia idade,
não era o tipo de pessoa que Sora imaginava gerenciando a Loja de Acessórios.
— Não sou uma criança! E o nome é Sora! — retrucou, fazendo pose com a Keyblade.
— Tá bom, tá bom, relaxa. O que manda, Sora? Precisa de um presente pra namorada?
— Não é isso! — Sora fez um bico diante da provocação.
— Tá perdido, então?
— Não! Bem, talvez. Quer dizer, eu acabei de acordar aqui...
O homem cruzou os braços e resmungou:
— Tá, por que não começa do início, Sora?
— Hã, bem, eu vim de um lugar chamado Ilhas do Destino...
Sora lhe contou tudo — sobre a ilha, as sombras, Kairi e Riku. Agora que alguém realmente
o estava dando ouvidos, ele se sentia um pouco melhor.
— Aham, entendi...

33 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Quando Sora terminou, o homem ficou quieto, pensativo.
— E aí, tio, esse é mesmo outro mundo?
— Não me chama de tio! O nome é Cid!
— Tá bom... Cid. Mas esse é outro mundo, não é? — disse Sora, olhando para ele de perto.
— Não sei bem do que você tá falando, mas essa com certeza não é a sua ilha.
Ele não havia deixado a ilha como planejado. Mas agora não havia dúvidas. Estava mesmo
em outro mundo. Mas onde Kairi e Riku poderiam ter ido parar?
E todos os outros das ilhas?
— É... Ei, Cid. Você acha que a Kairi e o Riku também estão aqui?
— Hm... Não sei dizer. — Cid franziu o cenho.
— É melhor eu começar a procurar por eles.
Sora agora parecia mais determinado e Cid lhe deu um sorriso maroto em retorno.
— Bom, boa sorte com o que quer que vá fazer. Se tiver algum problema, pode vir me ver.
Vou te dar uma mão.
— Valeu!
Segurando a Keyblade com mais força, Sora assentiu e saiu correndo loja afora.
Cid apoiou os cotovelos no balcão e esticou o pescoço para se certificar de que Sora havia
fechado a porta quando saiu.
— ...A Keyblade... Então aquela é a tal “chave”, hein... — murmurou consigo mesmo. —
Talvez seja melhor eu contar pro Leon...

— Seria muito bom se eles estivessem por aqui em algum lugar...


Sora corria pela cidade. Pelo o que as pessoas que ali moravam o haviam contado, aquele era
um lugar bem grande. A parte onde havia acordado era o Primeiro Distrito. Mais adiante havia o
Segundo Distrito e, depois, o Terceiro Distrito. E se existiam vários outros mundos que foram
consumidos como as Ilhas do Destino, também devia haver mais mundos como Traverse Town, que
continuavam seguros contra as sombras. E isso queria dizer que Kairi e Riku podiam estar em
outros mundos diferentes, pensou Sora em meio a um suspiro.
Ele subiu por ruas e desceu por becos até chegar na frente de uma grande porta.
— Oi, você parece novo por aqui — disse um garoto que passou pela porta. — Esse lugar é
meio perigoso. Tome cuidado.
— Perigoso? — disse Sora. Haveria o outro garoto vindo de um mundo que também fora
consumido pelas sombras? Pelo que havia visto no Primeiro Distrito, aquela cidade definitivamente
não parecia tão perigosa assim.
— Vá ver por si mesmo. Se bem que hoje a gente teve um monte de recém-chegados... As
sombras tomaram outro mundo?
Sora pareceu não ouvir a pergunta.
— Recém-chegados... Quer dizer, tem outras pessoas além de mim que apareceram
aqui hoje?
— É, parece que sim. Eu vi duas pessoas pelo Segundo Distrito, do outro lado dessa porta.
E que sujeitinhos estranhos...
— Valeu!
— Ei, tome cuidado!
Talvez fossem Kairi e Riku...
Com esperança preenchendo seu peito, Sora abriu a porta para o Segundo Distrito. Do outro
lado havia uma rua estreita.
— Kairi! Riku! — gritou. Não houve resposta.
Continuou andando, um pouco desapontado. Um pouco mais à frente, um homem dobrou a
esquina e caiu no chão diante dele.

34 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Opa! Você tá bem? — Sora foi ajudá-lo, mas o peito do homem começou a brilhar em
meio a uma luz avermelhada. Foi quando uma coisa brilhante em forma de coração saiu flutuando,
apenas para ser consumida por uma esfera negra que surgiu no ar.
Aquele... não era o mesmo tipo de esfera negra que ele havia visto na ilha?!
Sem pensar, Sora empunhou a Keyblade, pronto para lutar. A esfera assumiu uma forma
humanoide por um instante, mas então desapareceu. E em seguida, pequenos monstros negros
surgiram do chão.
— Essas coisas estavam na ilha...! — Eram as mesmas pequenas criaturas das sombras que
ele havia enfrentado antes. — Elas também estão aqui?!
Foram aparecendo uma atrás da outra e todas se lançaram contra Sora.
Sora disparou contra elas com a Keyblade em mãos, radiante, e após um ou dois golpes, as
criaturas já desapareciam.
— Elas não acabam!
Cada vez mais daqueles pequenos monstros das sombras iam surgindo e Sora saiu correndo
pela praça do Segundo Distrito, golpeando-os enquanto avançava.

Donald e Pateta estavam no hotel do Segundo Distrito.


— Parece que não tem ninguém aqui — disse Pateta, abrindo a porta da frente. O lugar de
fato parecia deserto.
— Leeeon! — chamou Donald, saindo do hotel.
— Onde estará ele? — Pateta olhou de um lado para o outro e então observou a praça do
Segundo Distrito com os olhos semicerrados. — Hm?
— O que foi agora, Pateta?
— Pensei ter visto alguém passando.
— Quack? — Donald deu uma olhada na praça, mas não viu ninguém lá. — Você tá vendo
fantasmas?
— Poxa, talvez...

Sora se atirou em outra rua para evitar mais sombras e parou para recuperar o fôlego.
Ninguém conseguiria lidar com tantas.
Ele alongou os braços e respirou fundo. Para vencer, era preciso estar com a mente limpa.
Só assim seria possível sobrepujar seu oponente. Era o que Wakka sempre dizia.
Eu tô bem. Não vou perder.
E Sora abriu a porta para o Terceiro Distrito.

Donald e Pateta olhavam por toda parte à medida que iam avançando por entre os becos do
Segundo Distrito.
— Acho que não tem ninguém aqui, afinal — disse Pateta, parecendo amedrontado.
— Ah, não seja um gatinho medroso. E ainda se diz capitão dos cavaleiros reais! ...Wak?!
Alguma coisa havia tocado Donald nas costas. Ele deu um enorme salto em meio ao ar e
caiu agarrando Pateta.
— Com licença. Vocês são amigos do rei...?
Parada atrás deles estava uma jovem moça sorridente trajando um vestido cor-de-rosa.
— Poxa, você conhece o rei?!
— Ah, sim — respondeu ela, entusiasmada.
35 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Cuidado, Pateta. Pode ser um truque! — Donald empunhou seu cajado mágico.
— Mas ela parece boazinha demais para ser encrenca — disse Pateta.
— Como pode ter certeza? — Donald continuava com um pé atrás.
Confuso, Pateta olhou para ele e então para a garota. Seus longos cabelos castanhos
trançados balançavam e ela parecia um pouco preocupada, mas então sorriu novamente.
— Vocês devem estar procurando pelo Leon, certo?
— Leon...?!
Ouvindo aquele nome, Donald e Pateta se sobressaltaram.
— O rei já o contatou. Vamos... não é muito seguro aqui fora.
— Poxa, hã... o que devemos fazer, Donald?
— Qual é o seu problema? Ela parece boazinha demais para ser encrenca!
A garota olhou para eles e riu.
— Então vocês dois são Donald e Pateta. Me chamo Aerith. É um prazer conhecê-los.

— Acho que eles não estão aqui...


Depois de correr pelo Terceiro Distrito, Sora voltou ao Segundo Distrito e parou diante da
fonte, olhando para o céu noturno. Os dois recém-chegados que o garoto mencionara provavelmente
não eram Riku e Kairi, afinal...
De alguma forma, ele tinha a sensação de que encontraria alguém ali naquela cidade. Mas
mesmo depois de toda aquela busca, ainda não havia conseguido encontrar Riku ou Kairi.
— O que eu faço agora...?
Foi quando Sora se lembrou do que Cid lhe havia dito na Loja de Acessórios. Ele podia ir
até lá quando estivesse com problemas. Mas enquanto pensava a respeito, mais sombras negras
surgiram do chão.
— Essas coisas não vão embora...! — Sora se lançou contra elas com a Keyblade
empunhada. Parecia que já estava ficando melhor em manejá-la. — Eu sei que vou encontrá-los.
Ele eliminou as sombras e correu de volta ao Primeiro Distrito.

— Opa, como... ah, é só o Sora.


— Como assim, só eu? — Não havia sido muito diferente da abordagem que tiveram
quando Sora apareceu na Loja de Acessórios pela primeira vez, mas agora, em vez de correr para o
balcão, Cid se aproximou penosamente.
— Ainda não conseguiu encontrar seus camaradas, hein?
— Não... — Cid realmente conseguia lê-lo com facilidade, pensou Sora. — Mas continuo
com a sensação de que vou encontrar alguém por aqui!
— Hm... — Cid apalpou a barba por fazer em seu queixo. — Bom, não vá desistir agora.
Por que não dá mais uma olhada pela cidade?
— Acho que você tá certo...
Cid lhe abriu um sorriso e ergueu o polegar.
— É claro que eu tô.
— Beleza. Vou procurar mais um pouco!
— É isso aí. Que bom que você é cheio de energia, criança.
— Não sou uma criança!
Sentindo-se mais encorajado, Sora saiu correndo da loja novamente.
E então ouviu a voz de outro homem:
— Eles continuarão vindo em meio ao nada.
— Quem tá aí?! — Sora desceu os degraus diante da loja num pulo e se virou com a
Keyblade empunhada, encarando o homem atrás de si.
36 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— E eles não vão parar de segui-lo... enquanto você portar a Keyblade.
O homem tinha uma estranha espada que carregava nas costas, um grande revólver com uma
lâmina na ponta. Seus cabelos compridos balançavam com a brisa da noite e um pequeno sorriso se
puxou no canto de sua boca. Deu então um suspiro, soltando os ombros. A brisa afastou seu cabelo,
revelando uma grande cicatriz no rosto.
— Mas por que ela escolheria uma criança como você?
— Ei, o que quer dizer com isso?
— Esquece. Agora, deixe-me ver essa Keyblade.
O homem se aproximou. Sora ergueu a guarda, pronto para a luta.
— O quê? Você nunca vai pôr as mãos nela!
O outro abriu um sorriso frio.
— Muito bem, então... Teremos que fazer do jeito difícil.
Ele empunhou a espada estranha — a Gunblade[1] — e se lançou diretamente contra Sora. A
corrente presa à coronha retiniu. Em sua ponta, um pingente prateado com a forma da cabeça de um
leão brilhava sob a luz do luar.
— Eu sabia! Você tá com eles! — gritou Sora.
— Eu não teria tanta certeza.
O homem diminuiu a distância e atacou Sora com um golpe violento. Sora por pouco
conseguiu bloqueá-lo com a Keyblade, mas a força parecia a ponto de quebrá-la. Ele era mais forte
que qualquer um que Sora já houvesse enfrentado antes. Mais forte que Wakka, Tidus ou Riku.
— Nada mal — observou o homem, sorrindo e saltando para trás.
Com apenas aquele único ataque, Sora já estava sem fôlego. Talvez não fosse páreo para
alguém como ele...
— Então que tal isso? — A Gunblade foi lançada contra ele pela lateral.
Sora desviou por um fio de cabelo, quase derrotado pela velocidade do homem. Aquele seu
sorrisinho infindável fazia Sora sentir como se o outro estivesse brincando com ele.
— Ainda não acabei!
Dessa vez, os golpes da Gunblade vieram de cima. Clang! Clang! Sora podia sentir o
impacto através da Keyblade, subindo como arrepios em seus ossos. Em meio a um grunhido, deu
um salto para trás, desviando outra vez, e então se lançou numa investida.
— Iááááá!
Desferiu um golpe ascendente, de baixo para cima, e finalmente conseguiu fazer contato
com a Keyblade. Mas...
— Ainda não acabou mesmo, hein?
Um grande golpe foi desferido sobre a cabeça de Sora, lançando-o para trás sem que sequer
pudesse entender o que estava acontecendo. Mas sentia como se tivesse sido atirado pelo ar por um
bom tempo, vendo o céu noturno vagar tranquilamente acima de si.
Sora caiu de costas e deu de cabeça no chão de pedra. Tudo ficou escuro.
— Ufa... — O homem repousou a Gunblade sobre o ombro. Atrás dele, alguém começou
a aplaudir.
— Sorte a nossa encontrá-lo aqui, né, Leon?
Ele se virou para ver uma menina de cabelos negros parada atrás de si.
Ela baixou os ombros, sorrindo. Com uma enorme estrela ninja presa em suas costas,
também parecia uma lutadora.
— O Cid me contou. — disse ele.
— Hm...
Ela correu em direção a Sora e se ajoelhou ao seu lado, tocando-lhe gentilmente o rosto.
Para alguém que perdera uma luta, o garoto parecia bem confortável, os olhos fechados como se
estivesse tirando um cochilo.
— Parece que ele não se machucou muito.
— É claro que não. Eu peguei leve com ele.
Leon abaixou a Gunblade e ergueu Sora, carregando-o sobre o ombro.

37 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Sua cabeça girava. E também doía um pouco. Hã, o que aconteceu...?
— Anda, seu preguiçoso. Acorda.
Era a voz de Kairi. Sora recobrou a consciência e Kairi o fitava nos olhos, uma expressão
preocupada em seu rosto.
Finalmente...!
— Você tá bem?
— Acho que sim... — Ele se sentou devagar, tentando focar a visão embaçada em Kairi.
Aquilo era um sonho?
— Aquelas criaturas que te atacaram estão atrás da Keyblade. Mas é o seu coração que elas
querem de verdade, porque você é o portador da Keyblade.
— Fico feliz que você esteja bem, Kairi... — Sora suspirou, aliviado. Agora só precisavam
encontrar o Riku...
— Kairi? Quem é essa? Eu sou a grande ninja Yuffie!
— Hã?
Sora olhou mais de perto para a menina diante de si. Seu cabelo até era parecido com o de
Kairi, mas não era da mesma cor, e seu rosto também era diferente.
Yuffie se voltou para o homem parado atrás dela.
— Acho que talvez você tenha exagerado um pouquinho, Squall.
— É Leon.
Era o homem que Sora havia enfrentado na praça. Ele se sobressaltou.
— Você...!
— Não somos os vilões aqui. Olhe em volta — disse Leon, tentando tranquilizá-lo.
— Onde...?
Eles pareciam estar em um quarto do hotel que havia visto no Segundo Distrito. A cama
em que Sora acabara de acordar era bem gostosa e macia e, ao seu lado, havia uma toalha molhada
e gelada, que deviam ter usado para refrescar sua cabeça.
A Keyblade estava encostada em uma parede.
— Tivemos que afastar a Keyblade de você para nos livrarmos daquelas criaturas — disse
Yuffie. — Acontece que era assim que elas estavam te rastreando.
— Era a única forma de ocultar seu coração delas — continuou Leon.
Ocultar seu coração...? Sora o encarou.
— Quando você perdeu a consciência, elas perderam o rastro do seu coração. Mas não vai
funcionar por muito tempo. Ainda é difícil de acreditar... que de todas as pessoas, você é o
escolhido. — Leon pegou a Keyblade e a ergueu em meio ao ar. Ela brilhou e desapareceu das mãos
de Leon, reaparecendo nas de Sora. — Bem, creio que a cavalo dado não se olham os dentes.
— Isso não tá fazendo o menor sentido! — reclamou Sora— O que tá acontecendo aqui?
Leon e Yuffie trocaram um olhar.

Enquanto isso, em outro quarto do hotel, Donald e Pateta escutavam o que Aerith tinha a
dizer, pacientes e sérios. Quando foram até lá procurar por Leon, o lugar estava vazio, mas agora
também ouviam outras pessoas no quarto ao lado.
— Muito bem, vocês sabem que existem muitos outros mundos lá fora além do seu castelo e
dessa cidade, certo?
— Sim! — Pateta assentiu. — Mas eles deviam ser um segredo.
— De fato, eles estavam em segredo porque nunca estiveram conectados. Até agora. —
Aerith abaixou o olhar, entristecida. — Quando os Heartless[2] chegaram... tudo mudou.
— Os Heartless? — disse Donald.

38 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Talvez vocês ainda não os tenham visto. Criaturas negras e sombrias, desprovidas de
coração... nós os chamamos de Heartless. — Ela se levantou, agitada.
— Eles são tipo fantasmas?!
— Sim. São como fantasmas que vivem nas trevas. — Andando lentamente, ela parou diante
da janela para observar as luzes da cidade. — A escuridão no coração das pessoas... isso é o que os
atrai. E há escuridão em todo coração.
— Bem, no nosso não! — disse Donald, batendo o pé.
Aerith balançou a cabeça.
— Às vezes, mesmo um pequeno medo é o suficiente para levar um coração à escuridão...
— Ela pareceu se lembrar de algo doloroso... e então sorriu, como se para afastar sua própria
escuridão. — Já ouviram falar de um homem chamado Ansem?
— Ansem...? — Pateta inclinou a cabeça e trocou um olhar com Donald. Nenhum deles
ouvira falar nesse nome.
— Ele estava estudando os Heartless. Registrou todas as suas descobertas em um relatório
muito bem detalhado.
— Poxa, hã, será que podemos dar uma olhada? — Pateta ergueu a mão, mas Aerith
balançou a cabeça.
— Suas páginas se espalharam por toda parte.
— Se espalharam? — disse Donald.
— Por diversos mundos. — Aerith se sentou na cama novamente.
— Então quer dizer que essas coisas, os Heartless, chegaram... e aí os mundos se
conectaram... e as estrelas começaram a se apagar... e tem um relatório sobre os Heartless... e o rei
partiu... — disse Donald, pensando alto. — E então...?
Pateta bateu com o punho na palma da outra mão.
— Ah, então talvez o rei tenha ido...!
— Encontrar o relatório. Sim, também era o que eu estava pensando — disse Aerith.
— Nós temos que encontrá-lo, e rápido! — Pateta deu um tapa nas costas de Donald, como
se tivessem que sair correndo dali o quanto antes possível.
Donald se ergueu depressa com os braços cruzados.
— Mas primeiro não precisamos daquela chave? — Ele perguntou a Aerith.
— Isso mesmo. A Keyblade. — Aerith desviou o olhar para o quarto vizinho.

— Então... essa é a chave? — Sora ergueu a Keyblade, observando-a por um instante.


— Exatamente! — Yuffie assentiu.
— Os Heartless têm um grande medo da Keyblade — disse Leon. — É por isso que
continuarão vindo atrás de você, seja como for.
— Bem, eu não pedi por isso — protestou Sora.
— A Keyblade é que escolhe o seu mestre. E ela escolheu você! — Yuffie cutucou a
Keyblade. Leon abriu um sorriso cínico para os dois.
— Mas que sorte.
— Sorte? Qual é... digo, como tudo isso foi acontecer? Eu me lembro de estar no meu
quarto... — Sora arfou e então pulou para fora da cama, fitando-os freneticamente. — Espera aí! O
que aconteceu com a minha casa? A minha ilha? Riku! Kairi!
Leon apenas balançou a cabeça.
— Mas...!
— Acalme-se. Ainda há mais para explicar. — Leon o aquietou com o olhar.
Sentindo de alguma forma que devia ouvir o que Leon tinha a dizer, Sora voltou a se sentar.
Mas seu coração continuava acelerado.
Kairi, Riku... As nossas ilhas...
O que teria acontecido com eles?

39 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Você viu uma grande porta se abrir? — perguntou Leon.
— Sim, vi...
Aquela grande porta branca, e depois... Mas já tinha uma porta antes daquela.
— Todos os mundos tem uma fechadura, a Keyhole[3]. E toda Keyhole está conectada ao
coração daquele mundo.
— O coração de um mundo...?
— Ninguém sabe ainda como é o coração de um mundo. Mas os Heartless estão em busca
das Keyholes. — Leon jogou o cabelo para trás e olhou na direção do quarto vizinho.
— Os Heartless entram pela Keyhole e fazem algo com o núcleo do mundo — disse Yuffie,
olhando Sora nos olhos enquanto cutucava a Keyblade.
— E daí o que acontece? — perguntou Sora.
— A escuridão emerge da Keyhole. E o mundo então desaparece.
— O quê?! — Sora pulou da cama novamente, encarando-os. Aquela grande porta. E a
escuridão que emergiu de dentro dela. A ilha desmoronando... — Que nem o nosso mundo?
— Isso mesmo — disse Leon, sério. — É por isso que você deve trancar as Keyholes.
Sora balançou fracamente a cabeça.
— Mas eu tenho que achar a Kairi e o Riku...
— Os mundos que foram destruídos se dispersam através de outros mundos — disse Yuffie,
a voz suave. — Então, enquanto estiver visitando outros mundos, talvez você consiga encontrar os
seus amigos.
E com isso, Sora ergueu o olhar.
— Talvez. Ainda há muito que não sabemos — disse Leon.
— Tá... então eu tenho que trancar esses mundos, né? Mas como eu vou...?
Sora parou de falar. Todos sentiram uma estranha presença.
— Leon! — Yuffie apontou para o canto do quarto. Uma sombra havia surgido ali. Um
Heartless.
— Yuffie, vá! — gritou Leon. Ela pegou a estrela ninja de suas costas e se lançou para o
quarto ao lado. Sora continuava sentado, perplexo. — Vamos, Sora!
— Mas...!
— Os Heartless o localizaram! Sentiram o cheiro da escuridão no seu coração... no coração
do portador da Keyblade!
— Escuridão...?
— Sora, continue comigo!
Um atrás do outro, Leon destruiu os Heartless que vinham atrás de Sora. Mas Sora sequer se
mexia — não conseguia se mexer.
A Keyblade brilhou em sua mão.
Havia mundos que estavam desaparecendo. Mundos que já haviam desaparecido — como as
Ilhas do Destino.
E seus amigos se foram. Kairi e Riku.
Eu tenho que fazer isso, pensou.
— SORA!
— Beleza! — Ele finalmente se levantou, segurando a Keyblade com firmeza.
— Toma essa! — Leon desferiu um golpe da Gunblade e lançou um Heartless voando. A
janela se quebrou e Leon simplesmente se jogou por ela rumo ao lado de fora. O beco atrás do hotel
fervilhava de Heartless. Não importava quantos eles derrotassem, mais apareciam.
— Não se preocupe com os menores! — disse Leon. — Temos que achar o líder! Vamos!
Ele saiu em disparada com Sora logo em seu encalço.

— Então é isso...

40 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Parece que precisamos mesmo daquela chave... — disse Donald e, logo em seguida, uma
grande algazarra se formou no quarto ao lado.
A porta se abriu e uma menina de cabelos pretos entrou correndo.
— Aerith!
— Yuffie...? — Aerith se levantou da cama.
— Os Heartless estão aqui! Esse lugar não é mais seguro! — gritou Yuffie, atacando os
Heartless que vinham do outro quarto.
— Poxa, então esses aí são os tais de Heartless? — disse Pateta, acocorando-se atrás de
seu escudo.
— Isso mesmo! — respondeu Yuffie.
— Vamos pegá-los, Pateta! — Donald preparou seu cajado, quando...
— Cuidado!
Diversos Heartless se lançaram quarto adentro e acabaram esbarrando com tudo em Donald
e Pateta.
— Wak?!
Atordoados, a dupla deu de cara com a janela e caiu em meio ao vazio.
— Gawawawawawawaaaaaaak!
— Ah-hooooooooohooohooohoooooey!!
Seus berros ecoaram por toda a cidade.

Ouvindo estranhos gritos vindos de cima, Sora ergueu o olhar, mas já era tarde demais.
— Waaak!
— Ahweee!
— Ai...
Donald caiu de bunda sobre Sora e Pateta deu de cabeça em cima dos dois.
— O que houve aqui...? — resmungou Sora, ainda segurando a Keyblade mesmo depois de
ser esmagado.
Duas vozes formaram um coro sobre ele:
— A chave!
E então algo estranho aconteceu no Segundo Distrito.
— O-O que tá acontecendo?!
Os três se levantaram quase que ao mesmo tempo e prepararam suas armas — Sora com a
Keyblade, Donald com seu cajado e Pateta com seu escudo. Em meio a um estrondo ruidoso, muros
de pedra se ergueram do chão, prendendo-os na praça do Segundo Distrito.
E então cada vez mais e mais Heartless surgiram e se lançaram contra eles.
— Lá vem eles! — gritou Sora.
Não havia escolha senão lutar.
— Deixa comigo! Chamas!
— E aqui vou eu!
Chamas irromperam do cajado de Donald enquanto Pateta se lançava contra os Heartless.
Para não ficar de fora, Sora também saltou sobre um grupo de Heartless. Não eram poucos, mas
Sora estava certo de que os três juntos davam conta.
— Ei, nada mal! — exclamou.
— Bem, eu sou o feiticeiro real, sabe? — retrucou Donald.
— Lá vem mais deles! — avisou Pateta.
Sora golpeou um Heartless, lançando-o para trás, e Donald acabou com ele usando suas
magias. Pateta atacou outro e o lançou diretamente contra a Keyblade de Sora. Eles lutavam em
perfeita harmonia juntos, quase como se sempre tivessem sido companheiros.
Quando os Heartless foram todos derrotados, o trio finalmente olhou um para o outro pela
primeira vez, um largo sorriso se formando em seus rostos.

41 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
42 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mas no instante seguinte, um enorme amontoado de metal caiu retinindo do céu.
— Waaaak?! — Donald se jogou de um lado para o outro, tentando evitar que as peças que
caíam o esmagassem.
As peças de metal se atiraram do chão e se uniram no centro da praça, tomando a forma de
uma enorme armadura.
— Poxa, isso também é um Heartless?! — disse Pateta, abaixando-se atrás de seu escudo.
Sora assentiu.
— Aposto que esse aí é o líder!
Um capacete pousou sobre a armadura. Sora, Donald e Pateta estavam sendo confrontados
por um Heartless gigante — a Armadura de Guarda.
— V-Vocês acham que podemos vencê-lo...?
— Se lutarmos juntos, vamos ficar bem. — Sora repousou a Keyblade em seu ombro para
olhar para Donald e Pateta.
— Mas nós nunca lutamos juntos antes... — disse Pateta.
— A gente vai ficar numa boa! Eu sou o Sora! — Ele abriu um sorriso torto.
— Pato Donald aqui.
— Hã, sou o Pateta!
Eles terminaram de apresentar bem a tempo, pouco antes da Armadura de Guarda se lançar
em sua direção.
— Vamos nessa! — Os três correram contra ela.
Primeiro, Sora saltou e atacou o peitoral, mas a Armadura de Guarda não pareceu sequer
sentir o golpe. As peças começaram a se mover sozinhas e o pé pisoteou Donald com toda a força.
— Quack!
— Poxa, você tá legal? — Pateta correu para ajudá-lo. Enquanto isso, Sora desviava do
outro pé, que vinha em sua direção.
— Ai, ai, ai, ai! Ora, seu! Chamas! — Donald atingiu a mão direita com seu cajado mágico,
mas também não causou muito dano. O busto e os dois pés, que pisoteavam sem parar pensando por
si só, se lançaram contra eles.
— Não está adiantando! — Com o pé esquerdo em seu encalço, Pateta ergueu seu escudo e
correu para o canto da praça.
— Toma isso! E isso! — Donald continuava disparando magia contra o pé direito, que
finalmente pareceu fraquejar.
Sora correu até ele e o atacou em meio a um tilintar estrondoso.
— Já sei! Se formos derrotar essa coisa, vamos ter que nos unir contra uma peça de cada
vez! — gritou, golpeando o pé direito com tudo de si.
Pateta veio correndo do canto.
— Wahoooo!
— Chamas!
Pateta desferiu um golpe pesado com seu escudo e mais um disparo mágico de Donald
explodiu contra o alvo.
— É isso aí! — Sora ergueu o punho em meio ao ar enquanto o pé direito se desmontava. —
Agora o pé esquerdo!
Conforme havia dito, todos concentraram seus ataques e dessa vez conseguiram incapacitar
o pé esquerdo sem a menor dificuldade.
— Uhul! Isso foi muito bom! — gritou Pateta, se lançando dessa vez contra a mão direita da
Armadura de Guarda. Ela ficava girando, o que tornava difícil acertar um golpe, mas juntos, os três
conseguiram derrubá-la, e logo fizeram o mesmo com a mão esquerda.
— Agora falta só o busto!
Donald bombardeou o busto com suas magias e Pateta se lançou contra ele com seu escudo.
Nesse momento, tudo o que podiam fazer era esgotar a Armadura de Guarda.
— Toma essa!
Sora deu um grande salto e golpeou o busto com toda a força, e a Armadura de Guarda caiu
como uma marionete cujas cordas foram cortadas.
43 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Então... acabou...?
— Quack, quack, quack! — Donald continuava atacando a Armadura de Guarda, ainda que
ela sequer estivesse se mexendo.
E então... um grande coração saiu flutuando do busto.
— Hã...?
Diante dos olhos do trio, a Armadura de Guarda se dissolveu dentre pequenas fagulhas de
luz e depois desapareceu.
— Beleza! A gente venceu! — Sora pulou em cima de Donald e o abraçou.
— Wak?!
— Conseguimos! — exclamou Pateta, fazendo o mesmo.
Esmagado no meio dos dois, Donald murmurava sons estranhos.
— Waaaak!
— Não precisa descer tanto de nível, Sora.
Sora desviou o olhar para ver Leon parado sobre o muro.
— Bom, eu não derrotei aquela coisa sozinho. — Sora sorriu, falando por cima da cabeça
de Donald.
— Isso mesmo! Ele teve o feiticeiro real, o Pato Donald, para...
Pateta o interrompeu, enfiando-se no meio deles.
— Então vocês já se conheceram? — disse Leon.
— Nos conhecemos...? Bom, sabemos os nomes um do outro... — respondeu Sora.
— Entendo. — Leon saltou do muro. — Eles estavam procurando por você.
— ...Por mim?
— Pelo portador da Keyblade.
Sora se voltou para Donald e Pateta, sentindo-se inquieto.
— Ei, por que você não vem com a gente? — disse Pateta, dando um passo na direção de
Sora. — Podemos ir para outros mundos na nossa nave.
— Outros mundos...
— Estamos procurando pelo nosso rei — explicou Pateta.
— Será que eu vou conseguir encontrar o Riku e a Kairi...?
— Mas é claro! — disse Donald.
Sora olhou para Leon, como se esperasse por algum tipo de conselho.
— Sora, vá com eles. Especialmente se quiser encontrar seus amigos.
— É... acho que sim...
Será mesmo que ele conseguiria encontrar Kairi e Riku? E embora tivesse acabado de lutar
tão bem ao lado daqueles dois, será que conseguiria continuar a fazê-lo?
De qualquer forma, tudo aquilo era só por causa da Keyblade...
Espera, não. Sora se lembrou. Já havia decidido que aquilo era algo que precisava fazer.
Mas... será que eu consigo mesmo fazer alguma coisa?
— Sora... — Donald olhou para ele, sério. — Você não pode vir conosco com essa cara.
— Hã? Por que não?! — O primeiro protesto veio de Pateta. Sora apenas continuou olhando
para Donald, entristecido.
— Sem tristeza, sem cara feia. Tá bem? — Donald fez uma cara triste e franziu a testa,
arqueando as sobrancelhas propositalmente.
— Ah, é verdade! Só sorrisos podem entrar a bordo da Nave Gummi. — Pateta aproximou
seu rosto do de Sora e abriu um enorme sorriso idiota. — Você tem que ser engraçado, como nós!
— Isso mesmo! Nossa nave só viaja com rostos felizes! — disse Donald com um sorriso
brilhante estampado no rosto.
Ainda com a cabeça abaixada, Sora pensou um pouco a respeito, e...
— Nhiiiiii! — Ele esbugalhou os olhos e abriu o maior sorriso que conseguiu.
Donald e Pateta caíram na gargalhada.
— É, desse jeito, Sora!
— Essa sim... é uma cara engraçada...! — Pateta rolava no chão de tanto rir.
— É sério isso...? — Mesmo Leon abriu um sorriso sardônico.
44 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Beleza, eu vou com vocês — disse Sora com um sorriso grande e verdadeiro estampado
no rosto. — Vou encontrá-los.
— Então vamos fazer do jeito certo. Pato Donald! — Ele ergueu a mão.
— O nome é Pateta! — disse, pondo a mão sobre a de Donald.
— E eu sou o Sora! — E finalmente Sora fez o mesmo, pondo a mão sobre as dos outros.
— Um por todos e todos por um! — finalizou Pateta, sua voz ressoando por todo o lugar.
Sem mais Heartless por ora, Traverse Town parecia mais quieta e amigável.
— Bom, se tiverem algum problema, é só voltarem aqui — Leon disse a Sora e aos outros
enquanto se preparavam para partir.
— Beleza! — respondeu Sora, sorrindo.
— E podemos descobrir mais sobre o rei! — disse Donald.
Aerith assentiu.
— Além do mais, ainda não encontramos a porta de Traverse Town. Enquanto a porta
continuar destrancada, os Heartless provavelmente continuarão a aparecer.
— Mas mesmo que continuem, tendo a Yuffie no serviço, não há com o que se preocupar!
— Yuffie sorriu.
— Vamos fazer o possível para encontrar a porta antes que vocês voltem — disse Leon.
Sora assentiu.
Aerith se aproximou, parecendo um pouco preocupada.
— Tome cuidado, Sora.
— Eu vou ficar legal. Tenho o Donald e o Pateta do meu lado agora!
— É! Deixa com a gente! — Donald bateu no peito, o que fez Aerith sorrir.
— Que bom que fez alguns amigos.
— É!
— Vamos, Sora! — disse Pateta, e Sora seguiu em direção ao portão.
— Não baixe a guarda — disse Leon, atrás dele. — Atenha-se ao seu coração.
Em resposta, Sora acenou com a Keyblade sobre sua cabeça.

Um espaço misterioso se abriu do lado de fora do portão e uma estranha navezinha veio ao
encontro do grupo. Não era exatamente um avião, nem bem um submarino.
— Essa é a nossa Nave Gummi. Vem, vamos nessa! — Donald parecia estar com pressa,
mas naquele momento, o Grilo Falante saltou de seu bolso.
— Não estão se esquecendo de alguém?
— Ah! — Alarmado com a aparição do Grilo, Sora caiu de bunda no chão.
— O nome é Grilo Falante. Também vou viajar com você.
— Poxa, você me assustou! Eu sou o Sora. É um prazer conhecê-lo. — Sora se levantou e
lhe ergueu a mão, e o Grilo segurou a ponta de seu dedo para que pudessem apertar as mãos.
— Igualmente, com toda a certeza! Eu ficarei na nave para observar as coisas. E então,
todos prontos?
— Prontos! Já temos também um montão de itens, lanches e acessórios. — Pateta bateu
no peito.
— Muito bem então, vamos partir! Prevejo grandes aventuras no caminho adiante. E estarei
aqui para ajudá-los em sua jornada.
— Valeu, Grilo.
O Grilo educadamente tirou a cartola e curvou-se numa saudação, pulando então para dentro
do bolso de Sora dessa vez.
— Certo, vamos nessa. Temos que nos apressar e encontrar o rei... — Donald seguiu em
direção à nave.
— E eu vou achar a Kairi e o Riku! — disse Sora, seguindo-o.
Pateta estava logo atrás.

45 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— E também temos que trancar as Keyholes!
E então, juntos, eles partiram em direção ao Céu Além, rumo a mundos desconhecidos.

----------
GLOSSÁRIO:

[1]
Gunblade: “Espada-Revólver” | Pronúncia: Gân-blêid (/ɡʌn/+/bleɪd/)
[2]
Heartless: “Sem-Coração”, “Sem-Corações” | Pronúncia: Rártlés (/ˈhɑː(r)tləs/)
[3]
Keyhole: “Fechadura” | Pronúncia: Quí-rôul (/ˈkiːˌhəʊl/)

46 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 3 47 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A NAVE GUMMI DISPARAVA ATRAVÉS DO CÉU ALÉM.
— Então, como essa coisa se move? — perguntou Sora.
— Bem, ela... Wak! Não dá pra falar agora! — respondeu Donald, agarrando a alavanca de
controle, e a nave se inclinou em um ângulo de quarenta e cinco graus.
Quando Sora olhou adiante para a extensão do Céu Além, pôde ver rochas enormes que
pareciam meteoros e outras coisas estranhas flutuando pelas redondezas. Parecia mesmo que era
preciso concentração para pilotar.
— Deixa eu pilotar a nave!
— De jeito nenhum!
— Hmph. — Sora deixou a cabine do piloto e se atirou num canto da pequena nave. Bem
que Donald podia deixá-lo tentar um pouquinho.
Pateta notou seu aborrecimento e se sentou ao seu lado.
— E aí, Sora...
— Poxa, você não acha que eu conseguiria pilotar por um tempinho? O Donald é muito mal!
— Bem, se quer saber, eu tentei uma vez, e não é tão fácil pilotar a Nave Gummi.
— Sério? — Assim que Sora fez a pergunta, a Nave Gummi deu uma grande volta e ele
quase caiu no chão. — Aposto que eu pilotaria melhor...
Com toda a atenção voltada para a alavanca de controle em suas mãos, Donald não parecia
ouvi-los.
— Será que ele vai me deixar tentar um dia?
O Grilo saltou do bolso de Sora.
— Dizem que a Nave Gummi tem poderes misteriosos.
— É verdade! — disse Pateta. — É por isso que ela pode viajar por mundos diferentes.
— Hm... — Sora olhou ao redor da cabine. Era bem espaçosa, mas passava a impressão de
ser como qualquer outro veículo.
— O material usado para fazer a nave é bem especial — disse o Grilo.
— Especial? O que é?
— Ela é feita de um material específico que chamamos de blocos Gummi e eles...
— Quack!
A explicação do Grilo, com seu diário em mãos, foi interrompida pelo grito de Donald.
— Tem alguma coisa em frente!
Sora e Pateta foram correndo para a cabine do piloto.
— Então os mundos são assim pelo lado de fora? — disse Sora, fascinado.
Nunca havia visto algo assim antes. O mundo que flutuava no Céu Além tinha uma
coloração rosada, coberta por corações, além de arcos verdes e um castelo. Um lugar que nunca
estivera antes — que nunca sequer havia imaginado. Só o que queria era pousar lá.
— Sim — disse Donald. — Os mundos são todos assim, flutuando aqui e ali no Céu Além.
— Uaaau. — Os olhos de Sora brilhavam com o encanto.
Pateta e Donald trocaram um olhar e a Nave Gummi se preparou para pousar.

A Nave Gummi parou em meio a uma névoa de coloração estranha. Não conseguiam
enxergar um palmo à frente.
— Certo, vamos nessa!
Sora, Donald e Pateta se despediram do Grilo, que ficou para vigiar a nave, e olharam em
volta antes de finalmente descerem da nave.
E então...
— Eita!
Não havia chão sob seus pés. Os três caíram suavemente por um enorme buraco, como se
levados pela corrente.

48 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Parece até que a gente tá voando... — Um forte vento que vinha de baixo batia contra o
rosto de Sora.
— Vejam só isso! — Pateta balançou os braços como se estivesse nadando e depois
repousou a cabeça nas mãos, como se tirasse um cochilo.
Foi quando Sora e Donald pousaram tranquilamente sobre seus pés, mas Pateta, por outro
lado, caiu com tudo no chão.
— Aaaai... — Pateta se levantou, cambaleante, passando a mão nas costas. Até a Nave
Gummi tinha descido flutuando com eles.
— Uou!
— Puxa, isso sim foi uma surpresa! — disse o Grilo, colocando a cabeça para fora.
E então, bem diante deles, um coelho branco passou correndo, apressado.
— Ai, os meus bigodes! É tarde, é tarde, é tarde! Ai, meu Deus, ai, meu Deus! Estou aqui,
devia estar lá. É tarde, é tarde, é tarde! A rainha, ela certamente vai querer a minha cabeça!
O coelho branco, com seus óculos e um enorme relógio de bolso, atravessou o corredor e
desapareceu ao virar a esquina.
— Por que será que ele tá com tanta pressa? — perguntou Sora, examinando-o.
— Bem, vamos descobrir! — disse Donald. — A nave é toda sua, Grilo!
O trio correu atrás do coelho até finalmente pararem.
— Uma porta!
Parecia que conseguiriam passar por ela sem problemas.
— Bem, não tem fechadura — disse Pateta. — Mas parece que o coelho branco passou
por aqui.
Ele abriu a porta e, atrás dela, encontraram ainda outra porta pela qual o coelho branco havia
acabado de passar.
— Vamos!
Passaram pela outra porta, e então por outra... até que chegaram a uma grande sala.
Havia uma lareira e um relógio cuco, como uma sala de estar normal, mas era um pouco
estranha — tinha uma torneira gigante mais ao fundo.
— Ei, lá vai ele!
Pateta apontou para o coelho branco, que havia encolhido para apenas uma fração do seu
tamanho normal. Ele abriu uma pequena porta e então passou por ela.
— Ele encolheu?! — Sora correu até a porta e se agachou. A porta definitivamente era
pequena demais para que pudesse passar. — Como ele ficou tão pequeno?
Enquanto se aproximava para olhar a pequena porta de perto, a maçaneta se mexeu
preguiçosamente e falou:
— Não, vocês é que são grandes demais.
— Ela fala! — gritou Donald.
A maçaneta parecia irritada e deu um largo bocejo.
— Precisavam fazer tanto barulho? Me acordaram.
Pateta se aproximou e disse, animado:
— Bom dia!
— Fala, você viu uma garota e um garoto mais ou menos da minha idade?
— Ou o rei!
— Ou talvez uma Keyhole...
Os três começaram a lançar várias perguntas, mas a maçaneta apenas bocejou outra vez.
— Ora, não saiam perguntando tudo de uma vez. Eu vi uma garota. Acredito que a rainha
deva saber mais.
— Deve ser a Kairi! — exclamou Sora.
As pálpebras da maçaneta se abaixaram.
— Boa noite! Preciso dormir mais um pouco.
— Calma! Onde encontramos essa garota e a rainha?
— Ora, como vou saber?
A maçaneta já tinha quase caído no sono de novo. Sora se inclinou mais para perto.
49 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Espera! O que temos que fazer pra ficarmos pequenos?
— Por que não tentam a garrafa... ali em cima?
Os três se viraram para olhar e, de fato, havia uma mesa com duas garrafinhas, uma com um
rótulo vermelho e outra com um rótulo azul.
— Temos que beber isso aqui? — perguntou Sora, mas a maçaneta já havia adormecido.
— Ele mencionou algo sobre uma rainha, né?
— Mas, Sora, estamos procurando pelo rei. — Donald e Pateta olharam para Sora, inquietos.
— Mas... ele disse que tinha uma garota...
— Poxa, acho que disse, mas... — Pateta cruzou os braços, pensativo.
— Além do mais, não é suspeito aquele coelho branco estar com tanta pressa?
— É, aquilo foi estranho mesmo.
— E também temos que procurar pela Keyhole — disse Donald, pegando a garrafa com o
rótulo vermelho. — Ei, tem uma coisa escrita.
Pateta examinou o rótulo mais de perto. Havia um broto de árvore crescendo até se tornar
uma árvore maior. E no rótulo azul, uma grande árvore encolhia até se tornar um pequeno broto.
— Então se bebermos o vermelho, ficamos maiores, e se bebermos o azul, ficamos
menores? — disse Sora.
— Não tem problema bebermos, né? — Pateta olhava para as garrafas, tenso.
— Foi a maçaneta que mandou. Então não deve ter problema. — Sora pegou a azul e a levou
até a boca.
— Uou... Sora! — gritou Pateta e, diante de seus olhos, Sora encolheu.
— Muito bem, nossa vez! — Donald também bebeu e encolheu da mesma forma. Mesmo
ainda parecendo um pouco preocupado, Pateta por fim fez o mesmo.
— Bom, parece que está tudo em ordem.
— Exceto por estarmos pequenos...
Olharam um para o outro, conferindo se estavam inteiros. A mesa agora era do tamanho de
uma casa e a cadeira ao lado era como uma árvore esquisita. Apenas a porta com a maçaneta falante
era do tamanho deles agora.
— Vamos!
Quando Sora começou a correr em direção à porta, foram surpreendidos por um barulho
estranho — e Heartless apareceram.
— Ah-hoohoohooooey! — Pateta deu um salto para trás.
Esses eram diferentes dos Heartless que haviam enfrentado em Traverse Town. Alguns
pareciam dragões voando pelo ar, outros eram atarracados e redondos. O que havia em comum
entre eles era o fato de não terem rosto; apenas dois olhinhos brilhantes.
— Olha eles aqui também!
Donald disparou magia contra eles e a batalha começou. E assim como em Traverse Town,
quanto mais derrotavam, mais continuavam a aparecer.
— É melhor continuarmos em frente! — gritou Donald, tentando afastá-los. — Eles não
acabam!
— Será que tem um daqueles Heartless grandes por aqui também...? — disse Pateta.
— Depois a gente pensa nisso! — Sora o empurrou consigo e seguiu novamente em direção
à maçaneta. — Ei, deixa a gente passar!
Ele bateu e até tentou chutar a porta, mas a maçaneta não acordava.
— O que a gente faz...?
— Sora! Tem um túnel aqui!
Donald tinha encontrado a saída: um buraco na parede. Todos seguiram em sua direção.

Do outro lado do túnel havia enorme um jardim cheio de folhagens. Os arbustos ali eram
impecavelmente aparados, criando arcos de folha em forma de coração.

50 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Poxa... lembra um pouco os jardins do nosso castelo!
— Wak! Os jardins do Castelo Disney são muito mais impressionantes!
Batendo boca, Donald e Pateta passaram por baixo de um grande arco.
Sora mal os ouvia enquanto olhava de um lado para o outro, contemplando os arredores.
Nunca tinha visto nada igual antes.
Aquele era o País das Maravilhas — um lugar misterioso governado pela Rainha de Copas.
E eles estavam no gigantesco pátio da rainha.
— Ei, vejam! — Pateta apontou para um balcão, onde ao topo se sentava uma mulher
rechonchuda com ar pomposo de autoridade: a rainha.
Alguns soldados em forma de cartas de baralho, carregando lanças com a forma do naipe de
espadas, bloqueavam o caminho diante do arco seguinte.
— Ei, nos deixem passar! — disse Donald, mas nem sequer olharam para ele.
O coelho branco subiu correndo por uma plataforma ao lado da rainha e tocou um clarim.
— O que está havendo? — perguntou Donald, observando a cena que se desenrolava.
— O julgamento está agora em sessão! — clamou o coelho branco.
— Estou sendo julgada? Mas por quê? — disse uma garota loira parada sobre uma escadaria
diante do balcão. Vestia um vestido azul claro coberto por um avental branco e seus ombros se
ergueram de raiva.
— Um julgamento? — disse Pateta.
— O que é um julgamento? — perguntou Sora. Nunca sequer havia ouvido aquela palavra
nas Ilhas do Destino.
— Bem, é tipo um encontro para decidir se devem ou não punir alguém por um crime.
— Então aquela garota fez algo de errado?
— Parece que vamos descobrir...
Sora decidiu que precisava ver.
— Vossa Majestade, a Rainha de Copas, presidindo! — anunciou o coelho branco.
A rainha pigarreou ruidosamente.
— A garota é culpada. Não há dúvidas quanto a isso. E a razão é... porque eu digo que é,
por isso!
— Isso é tão injusto! — clamou a garota.
— Bem, Alice, você tem algo a dizer em sua defesa? — perguntou o coelho branco.
— É claro que tenho! Eu não fiz absolutamente nada de errado! — Alice desviou o olhar de
volta para o balcão. — Você pode ser a rainha, mas isso não lhe dá o direito de ser tão má!
Ouvindo aquele discurso tão direto, o coelho branco abaixou a cabeça, temeroso, já
antecipando a explosão da rainha.
— Silêncio! Você ousa me desafiar?! — A rainha quebrou o leque que tinha em mãos e
rapidamente se levantou. — A corte julga a ré como culpada!
Aquele parecia um terrível tipo de julgamento, onde uma única palavra da rainha decidia o
veredito e todo o resto.
— Ei, a gente devia ajudá-la — disse Sora, empunhando a Keyblade.
— É, mas, hã... Estaríamos nos entretendo — disse Pateta.
— Intrometendo! — corrigiu Donald, dando um pulo.
— Ah, é! Porque não podemos nos envolver nos assuntos de outros mundos...
A voz estrondosa da rainha interrompeu a conversa sussurrada:
— Por crimes de agressão e tentativa de roubar o meu coração...!
— Roubar o coração dela? — disse Sora.
— Devem ter sido os Heartless! — disse Donald.
Os três assentiram. Se havia Heartless envolvidos, eles não podiam ficar de fora.
— Cortem-lhe a cabeça! — berrou a rainha.
— Não! Não! Ó, por favor!
Com o comando da rainha, os soldados-carta de baralho começaram a se aproximar de Alice
— mas Sora, Donald e Pateta chegaram primeiro.
— Podem ir parando por aí!
51 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
52 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
De cara feia, a rainha se voltou para o trio que corria em direção à clareira.
— Quem são vocês? Como ousam interferir com o meu tribunal?!
— Com licença — dirigiu-se Sora, vociferante, à rainha. — Mas sabemos quem é o
verdadeiro culpado!
— Isso é besteira. Tem alguma prova?
— Hã...
Eles podiam saber que Alice era inocente, mas não tinham nenhuma prova. Só havia o fato
de que apenas os Heartless tentariam roubar corações.
— Se não tem nenhuma prova, o veredito é culpada!
— Então vamos achar provas! — disse Sora.
— Iac! Isso! — concordou Pateta.
— Tragam-me evidências da inocência de Alice! Falhem, e mandarei cortar as cabeças de
todos vocês! — declarou a rainha. — O julgamento está agora em recesso!
Os soldados-carta de baralho retornaram a seus postos — depois de colocarem Alice em sua
cela, que mais parecia uma gaiola gigante.
Pateta foi o primeiro a falar com ela:
— Você tá bem? Nós vamos encontrar essas evidências, pode apostar!
— Meu nome é Alice. Quem são vocês?
— Sou o Sora.
— Eu sou o Pateta. E esse aqui é o Donald.
Ela abriu um pequeno sorriso.
— É um prazer conhecê-los. — E então abaixou o olhar, falando mais depressa. — Queria
que não tivéssemos nos conhecido em uma situação dessas... Sinto muito por acabar tendo-os
envolvido num julgamento bizarro como esse.
— Por que está sendo julgada? — perguntou Sora.
— Bom, isso é o que eu queria saber! Assim que viu minha cara, a Rainha de Copas decidiu
que eu tinha feito algo errado. Mas eu nunca a vi antes! — Alice suspirou.
— Que horror! — Donald bateu o pé. — Vamos processar ela!
— Como você chegou aqui? — perguntou Sora.
Ela se concentrou um pouco e então, hesitante, começou a falar, como se escolhendo as
palavras:
— Hã... Bem, eu não me lembro ao certo. Estava sentada no campo com umas moças mais
velhas lendo pra mim, e então encontrei um buraco estranho no chão.
— Um buraco?
— Deve ser o mesmo buraco que a gente caiu! — disse Pateta, trocando um olhar com
Donald.
— Quando tentei olhar dentro dele, acabei caindo... e então acordei aqui.
Pateta inclinou a cabeça, resmungando:
— Poxa, parece até que ela veio pra cá de outro mundo...
— Engraçado... — sussurrou Donald. — As pessoas normalmente não podem viajar através
dos mundos.
— Ué, por que não?
Eles mesmos não teriam conseguido chegar ali sem a ajuda da Nave Gummi. Não faziam
ideia de como Alice poderia ter ido para lá de outro mundo. Talvez ela tivesse algum tipo de poder
oculto, assim como Sora tinha a Keyblade.
— O que querem dizer com outro mundo? — perguntou Alice.
— Hm... Isso é segredo.
— A ré terá que permanecer em silêncio! — gritou um dos soldados-carta de baralho que
montava guarda ao lado.
O trio se aproximou mais da gaiola para poder sussurrar para Alice:
— Não se preocupa! Vamos encontrar as evidências!
— Obrigada. Assim espero. — Alice encolheu os ombros e então finalmente sorriu.
— Deixem de enrolação! Seus feiosos! Também querem ser jogados na prisão?!
53 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Os soldados-carta de baralho os afugentaram. Os três correram para o abrigo de um arco em
forma de coração para fazer uma reunião estratégica.
— Evidências... isso quer dizer que vamos ter que levar um Heartless ao tribunal?
— Mesmo que aparecêssemos com um Heartless, isso não necessariamente provaria
alguma coisa...
Enquanto Donald e Pateta discutiam, Sora cruzou os braços, pensativo.
— Bem, e quanto ao cheiro deles... ou marcas de garras...? Não seriam evidências melhores?
— Você viu algo assim por aqui, Sora? — perguntou Pateta.
— Bom, não por aqui, mas... — Sora puxou a manga de sua blusa para mostrar a eles.
— Uhh... está rasgada!
— Um deles me pegou quando estávamos lutando antes. Então se dermos uma olhada,
aposto que podemos encontrar mais vestígios assim aqui nesse mundo.
Pateta cheirou a manga de Sora.
— Eles têm mesmo um cheiro estranho...
— Talvez isso sirva como evidência!
Os três trocaram olhares e então seguiram por um buraco ao lado do arco. Emergiram numa
floresta densa, cheia de enormes nenúfares.
— Seria muito bom se tivesse alguma coisa por aqui... — disse Donald, olhando ao redor,
quando de repente... — Waaaak!
Ele gritou e pulou para trás de Sora.
— O que foi, Donald?
— A-A-A-Ali! — A mão trêmula de Donald apontou para uma cabeça de gato desmembrada
que flutuava em meio ao ar.
Pateta gritou e se escondeu atrás de seu escudo e de Sora.
— Quem é você?! — indagou Sora.
A cabeça de gato se lançou de um lado para o outro, até finalmente pousar no chão.
— De fato, quem? — O corpo listrado e rechonchudo do gato surgiu, equilibrando-se sobre
a cabeça enquanto a fazia rolar pelo chão, como se estivesse sobre uma bola fazendo um truque de
circo. — Pobre Alice. Quase perdendo a cabeça e não é culpada de coisa alguma!
A cabeça do gato começou a flutuar de novo e então se prendeu normalmente ao topo do
corpo. Ele abriu um sorriso para o trio em cima de uma vitória régia.
— Ei, se você sabe quem é o culpado, conta pra gente! — disse Sora.
— O Gato Risonho tem todas as respostas... mas nem sempre as conta.
— Malvado! — exclamou Donald.
O Gato Risonho apenas continuou a sorrir.
— A resposta, o culpado, o gato, todos estão em meio às trevas...
E o gato então desapareceu.
— Espera! — gritou Sora. Se não encontrassem nenhuma evidência, não conseguiriam
ajudar Alice.
A voz do gato, desligada do corpo, ecoou pela floresta de lótus:
— Eles já deixaram a floresta. Não direi por qual saída. Mas mesmo eu não sei se existe
outra pessoa que possa saber...
— Devemos acreditar nele? — disse Donald, inquieto, e o Gato Risonho então reapareceu
bem em sua frente.
— Acreditar ou não acreditar? Acredito que você decidirá! — Com um sorriso estampado
no rosto, o gato então desapareceu mais uma vez.
— Acho que devemos seguir por essa floresta — disse Sora.
— Você confia nesse gato, Sora? — perguntou Pateta.
— Acho que vamos precisar confiar!
Donald assentiu diante da determinação de Sora e então olhou ao redor novamente.
— Então... onde pela floresta?
— Hm... Vamos tentar por aqui.

54 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Eles começaram a avançar mais a fundo pela floresta, mas os Heartless surgiram, pegando-
os de surpresa.
— Eita!
— Poxa, essas coisas nos seguem por toda parte... — Pateta suspirou e empunhou seu
escudo. Ainda não gostava de enfrentar os Heartless, mas agora que estava se acostumando a lutar
junto aos outros dois, eles já não o assustavam tanto.
— É claro que seguem! A Aerith disse que eles seguiriam o portador da Keyblade e esse é o
Sora! — disse Donald, atacando com suas magias.
— Gente... me desculpa — disse Sora, triste, mesmo enquanto eliminava um dos Heartless.
— Ah, não se sinta mal, Sora — disse Pateta. — Nós servimos ao rei e ele nos enviou para
encontrar a chave, então vamos ficar do seu lado. Não há por que se desculpar!
Sora abaixou o rosto.
— Mas...
Então se o rei não os tivesse enviado, esses dois não iriam a lugar nenhum comigo... Era um
pensamento terrivelmente solitário. Eles só haviam ficado juntos por pouco tempo, mas era
divertido tê-los por perto — Donald, com seu jeito temperamental, e Pateta, com seu jeito indolente.
Claro, não se comparavam à Kairi e ao Riku...
— Ai! — Enquanto estava perdido em pensamentos, um Heartless o atingiu com suas garras
e Sora caiu para trás.
— Aguenta aí, Sora! — Pateta correu até ele e lhe deu uma poção de cura.
— Valeu, Pateta.
— Não é uma boa ideia ficar de bobeira desse jeito! — E Pateta saiu correndo para ajudar
Donald na luta.
Sora também se levantou e logo se lançou contra os Heartless.

Tendo finalmente derrotado todos os Heartless, os três se jogaram no chão.


— Ufa... Agora eu cansei um bocado. — Pateta suspirou, olhando para a enorme flor de
lótus sobre sua cabeça.
— Quack... — Donald caiu de costas no chão, como se tivesse esgotado toda a sua magia.
E então os três ouviram uma vozinha:
— Obrigada.
— Hã? — Sora se sentou, olhando em volta.
— Aqui em cima...
— Quem é? — perguntou Donald, até um pouco gentil, e a flor de lótus sobre eles se
inclinou com toda a delicadeza. — A flor?!
— Isso mesmo. Sou uma flor de lótus. — A flor se abriu lentamente.
— Uaaau!
Uma doce fragrância tomou o ar. Pólen caiu sobre suas cabeças e, de alguma forma, fez com
que eles se sentissem revigorados.
— Não podíamos florescer com essas coisas por aí — disse a flor.
— Essas coisas? Se refere aos Heartl... — começou Pateta, mas então cobriu a boca com
ambas as mãos. Não podiam sequer contar a alguém sobre os Heartless. Seria intromissão.
— Essas coisas negras! — explicou a flor.
— Ei, você viu uma dessas sombras, só que maior? — perguntou Sora.
— Uma sombra maior...? — A flor pareceu pensar por um instante. — Bom, talvez... por
ali... — A flor apontou com sua maior pétala para uma sequência de vitórias régias não muito longe.
— Lá em cima?
— Isso deve facilitar a subida. — E com as palavras da flor, um talo de lótus se ergueu do
chão e dele brotou uma vitória régia na altura certa para que Sora e os outros subissem.
— Valeu!

55 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— O prazer é nosso — respondeu a flor, fechando-se novamente.
O trio subiu na primeira vitória régia e dela pularam para uma mais alta. Havia outra vitória
régia acima dessa, que parecia bem difícil de alcançar.
— Uau, essa é alta!
— A gente consegue!
Havia ainda mais vitórias régias ao topo, cercadas por arbustos aqui e ali. Eles olharam em
volta, em busca de um caminho para seguir...
— Ali! — Donald apontou para um buraco em meio às folhagens que parecia levar para
outro lugar.
— Poxa, será que é seguro entrar...? — Pateta parecia um pouco apreensivo de novo.
— Não acho que aquela flor mentiria pra gente — disse Donald.
— Mas o Gato Risonho talvez...
— Bem, vamos dar uma olhada! — incitou Sora, e todos seguiram pelo buraco.
— Eita!
Do outro lado do buraco, não havia chão. Eles caíram em meio ao ar e aterrissaram em outro
lugar estranho.
— Nós estamos... em cima da torneira daquela sala engraçada? — Diante das palavras de
Donald, todos notaram que haviam voltado para aquela primeira sala onde ficavam as garrafas.
— Uau, estamos sim!
— Puxa vida, fomos tapeados... — Os ombros de Pateta caíram.
— Calma lá! — Sora olhou para a cristaleira, que parecia alcançável com um pulo. — Não
tem alguma coisa ali?
— Pegadas! — gritou Donald, lançando-se para a cristaleira. — Vejam! São pegadas
enormes! Com certeza de um Heartless!
Sora e Pateta pularam para se juntar a ele.
— Se pegarmos essa parte e a levarmos de volta, já teremos uma evidência, né? — disse
Pateta, inspecionando os arredores.
— Ora, vejam só o que encontraram — disse uma voz que vinha do nada. — Muito bem.
Quando os três se viraram para olhar, o Gato Risonho estava sentado sobre a torneira, todo
sorridente.
— Agora podemos salvar a Alice! — disse Sora.
O gato apenas continuou a sorrir e se ergueu sobre as patas traseiras.
— Não tenha tanta certeza! Ela pode ser inocente, mas e quanto a vocês?
E o Gato Risonho deu uma cambalhota no ar.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Pateta.
— Não vou contar — respondeu o gato, flutuando alegremente em meio ao ar, e então
desapareceu outra vez.
— O que foi tudo isso...? — Sora inclinou a cabeça enquanto Pateta voltava a puxar a
tábua da cristaleira. — Bom, não tem por que acreditar em nada do que ele diz! Isso vai nos deixar
ajudar a Alice!
Pateta finalmente conseguiu despregá-la.
— Já procuramos de um lado para o outro, mas ainda não vimos Keyhole nenhuma, não é...?
— Encontramos uma evidência, mas ainda não derrotamos o Heartless que está tentando
roubar corações... Ngh. — Sora pulou até o chão.
Donald o seguiu.
— O Leon disse que haveria Heartless por perto das Keyholes, certo?
— Então quer dizer... que talvez tenhamos que enfrentar outro Heartless dos grandes... —
Pateta desceu, carregando a tábua sobre o ombro.
— Sei lá... — disse Sora. — Mas vamos ajudar a Alice!
Eles seguiram de volta ao tribunal da rainha.

56 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— A gente vai te ajudar, eu prometo! — Sora disse a Alice, que continuava presa na gaiola.
A Rainha de Copas os encarava.
— Obrigada...
Uma cortina caiu sobre a gaiola, que foi erguida até o alto, fora de alcance.
— O julgamento está agora em sessão — clamou o colho branco. — Advogado, um passo
à frente!
Segurando a tábua marcada com as pegadas, Sora subiu no palanque de defesa. Donald e
Pateta se sentaram no júri. A Rainha de Copas se inclinava sobre a tribuna, já com um ar grosseiro.
— Mostrem agora as evidências que encontraram!
Sora apresentou a tábua.
— Hmph... Isso é tudo? Comparado ao que reuni, não passa de lixo. Cartas! Tragam a minha
evidência!
Diante do comando da rainha, os soldados-carta de baralho trouxeram uma grande caixa.
Colocaram então a tábua da cristaleira em outra caixa e as rearranjaram, mudando-as de lugar sem
que Sora pudesse ver. Ele agora não conseguia dizer qual caixa era qual.
— Ei, o que você tá fazendo?! — gritou Sora.
A teimosa Rainha de Copas era surda diante de protestos.
— Quero que escolha qual delas possui a evidência correta! Decidirei quem é culpado com
base nisso!
— Depois de tudo o que passamos pra trazer aquilo?!
— Já não disse que vou deixar você escolher? Você ousa opor-se às regras do meu tribunal?!
— Muito bem... — Sem muito o que fazer, Sora se aproximou das caixas e ergueu o
pescoço, observando-as. Não fazia ideia de qual poderia ser.
— A da direita, Sora!
— De jeito nenhum, é a da esquerda! Com certeza a da esquerda!
— Tenho certeza que é a da direita!
Pateta e Donald discutiam no júri.
Sora ergueu a Keyblade diante de si, fechou os olhos, e então a soltou. A Keyblade oscilou
por um momento, como se estivesse confusa, e então caiu voltada para a direita.
— É essa aqui!
— Tem certeza? — vozeou a Rainha de Copas. — Não haverá uma segunda chance!
— Sim, tenho certeza! — Sora recolheu a Keyblade e a fitou diretamente nos olhos.
— Veremos agora quem é o verdadeiro culpado.
Um soldado-carta de baralho abriu a caixa escolhida por Sora — e então um Heartless pulou
para fora dela, desaparecendo logo em seguida.
Mesmo a rainha não conseguiu esconder o choque.
— Mas o que foi isso?!
— Aí está a sua evidência. A Alice é inocente!
— É! Isso aí! — Pateta e Donald torciam do júri.
— Rrrrgh... Silêncio! Eu sou a lei aqui! — urrou a rainha. — Artigo vinte e nove! Quem
quer que desafie a rainha é culpado!
Donald pulou para cima e para baixo.
— Isso é loucura!
— Peguem-nos, já! — A rainha ergueu seu leque em forma de coração e os soldados-carta
de baralho correram atrás de Sora.
— Vocês ajudam a Alice! — Sora gritou para Donald e Pateta e saiu em disparada do
palanque de defesa.
— Entendido! — Donald e Pateta correram para a torre em que a gaiola de Alice fora
erguida.
— Cartas! Se eles puserem as mãos nessa torre, vocês perdem as cabeças! — gritou a
Rainha de Copas.
Donald se lançou contra a alavanca ao lado da torre.
57 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não quer girar!
— Vamos quebrá-la!
Pateta e Donald trataram de quebrar a alavanca enquanto Sora matinha os soldados-carta de
baralho afastados.
— Pronto, quebramos! — E com a alavanca quebrada, a corrente levadiça afrouxou e a
gaiola de Alice caiu novamente.
— Alice! — Sora correu em direção à gaiola e abriu as cortinas... mas Alice não estava lá.
— Ela sumiu! Alice?!
— Será que ela fugiu enquanto estávamos lutando...? — perguntou-se Pateta.
— Ou talvez... tenha sido sequestrada pelos Heartless! — exclamou Sora.
A Rainha de Copas gritou do alto:
— Tolos! Encontrem quem está por trás disso, não me importa como!
Os soldados-carta pararam de lutar e se espalharam. Sora, Donald e Pateta partiram logo
atrás deles, entrando de volta na floresta de lótus.

— Poxa... não acredito que ela desapareceu...


— Bem, venham, vamos encontrá-la. — Sora andava na frente.
— Mas como sabem que foram os Heartless?
— Quem mais teria sequestrado a Alice?
Eles estavam logo ao lado quando a gaiola fora erguida pela torre com Alice do lado de
dentro e quando a mesma caiu vazia. Isso só podia significar que quem quer que a tivesse levado
devia tê-lo feito enquanto ela estava no ar.
E apenas os Heartless poderiam fazer algo sorrateiro assim, pensou Sora.
— Vamos tentar falar com aquela flor que nos disse sobre a sombra — disse ele.
Quando se aproximaram da flor de lótus com quem haviam conversado antes, ela se abriu
num poof. Mas de dentro dela, quem apareceu foi o Gato Risonho.
— Eu não gosto muito dele... — resmungou Pateta.
Mas Sora deu um passo em frente.
— Você viu a Alice?
— A Alice, não — disse o gato em meio a um sorriso. — Sombras, sim!
— Pra onde elas foram? — indagou Donald.
O gato se levantou, balançando de um lado para o outro.
— Pra lá? Pra cá? O que quer que eu diga, eu só os estaria contando mentiras.
— O que quer dizer com isso? — disparou Sora, um pouco de fúria em sua voz.
— Cima, baixo, esquerda, direita. Está tudo misturado por causa das sombras. Sigam mais à
fundo na floresta e entrem no jardim abandonado... e talvez encontrem sombras na sala de cabeça
para baixo. — Balançando a cauda, o Gato Risonho desapareceu novamente.
— O jardim abandonado...?
— Ele disse mais à fundo na floresta. Vamos!
Eles começaram a avançar, mas se depararam com problemas.
— Ah, mais Heartless...! — Pateta parecia relutante, mas logo entrou na briga, apenas
para ser rebatido por um Heartless grande e barrigudo. — Hã? Eles parecem mais fortes pra vocês
dessa vez...?
— Wak! Esses atiram fogo!
Parecia que não conseguiriam chegar mais fundo na floresta tão facilmente. Pateta se atirou
contra um Heartless e perguntou a Sora:
— Para avançar teríamos que ir... por aqui?
— Parece que sim...! Vamos nos apressar! — Sora correu, brandindo a Keyblade.
— Fogo! Eu tô pegando fogo! Gwaaaaak! — Um Heartless conseguira acertar o rabo de
Donald com um disparo de chamas. Ele as apagou com magia: — Nevasca!

58 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Por aqui, Donald! — Sora subiu numa vitória régia e estendeu a mão para Donald.
— Ah-hoohoohooooey! — Pateta subiu freneticamente, perseguido pelos Heartless que
atiravam magia.
— Droga... Mas que desastre... — Os ombros de Donald caíram.
Sora já estava subindo na próxima vitória régia.
— Mas ainda temos que achar a Alice.
— Certo. Iac! É uma donzela em perigo! — Pateta subiu atrás de Sora.
— Quack! Eu sei disso! — Donald bamboleou e também foi subindo. — Vejam! Tem outro
buraco logo ali!
— Vai ter chão dessa vez, né? — disse Pateta, preocupado.
— Vamos! — Sora correu até lá.

A visão deles voltou com tudo após deixarem a escuridão do túnel, ofuscando-os. Havia uma
mesa arranjada com pires e xícaras de chá disposta em um jardim.
— Poxa, tem alguém dando uma festa? — Pateta perambulava ao lado da mesa.
Sora também a observou. Mas não havia ninguém ali.
— Talvez esse seja o jardim abandonado.
— Está bem quieto, né...? Parece que todos voltaram ao castelo. — Mesmo Donald pareceu
relaxar um pouco, já que não havia nenhum Heartless à vista.
Sora seguiu os outros dois que andavam ao redor da mesa. Um prato no centro estava cheio
com uma enorme pilha de biscoitos.
— Não deve ter problema comê-los, né?
— Nah, claro que não!
Após esse breve diálogo, Pateta e Donald já começaram a enfiar biscoitos nas bocas.
— Ei, não vale! Deixa pra mim também! — Sora pegou um deles para comer. — Mas
que doce...!
A doçura era um tanto familiar e tinha um aspecto bastante elegante e, sem sequer perceber,
ele já estava pegando outro.
— São bem gostosos.
— Sim! Ei, esse parece que é feito de fruta.
— Esse aqui é de chocolate!
Famintos por toda a correria, o trio esvaziou o prato inteiro num piscar de olhos.
— Uau. Fazia tempo que não comíamos um banquete assim! — Pateta terminou de comer o
último biscoito... e a mesa foi jogada pelos ares. — Vish!
Diversos Heartless saíram de debaixo dela.
— Ah, não pode ser! — Ainda mastigando, Donald empunhou seu cajado.
— Por aqui, Donald! — Sora pegou sua mão e o puxou para a casinha ao lado do jardim.
Aos gritos, Pateta praticamente caiu para o lado de dentro antes que os Heartless tivessem a
chance de atacar.
— Espera, o quê...?
Havia algo estranho naquela sala. Tinha uma porta no chão e a chama da lareira queimava
de lado. E as costas de uma cadeira repousava no chão.
— Catapimbas... isso tá me deixando tonto! — Pateta cambaleou, tentando olhar ao redor.
Sora inclinou a cabeça.
— Coisas que ficam na parede estão no chão e coisas que ficam no teto estão na parede...?
Donald fez o mesmo.
— Mas tenho a impressão de que já vimos esse lugar antes...
Pateta bateu com o punho na palma da outra mão.
— Essa não é... a mesma sala onde estávamos antes?
Isso fez Sora pensar no que o Gato Risonho havia dito antes.

59 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Cima e baixo, esquerda e direita, está tudo misturado... Ah!
Bem diante de seu rosto, a boca do gato surgiu — e nada mais. Sora recuou num pulo.
— Ei, não fique assustando os outros desse jeito!
— As sombras estão escondidas em algum lugar. E os momirratos davam grilvos. Por que
não tentam acender a luz? — Balançando, o sorriso do gato flutuou em direção a uma lanterna no
meio da sala.
— Muito bem, deixem comigo! Chamas! — Uma bola de fogo disparada do cajado de
Donald acendeu a lanterna.
— Continua muito escuro. — Agora, o rosto do Gato Risonho apareceu diante de Donald.
— Terão que deixar mais claro.
— Tem outra lanterna ali, Donald! — Sora apontou.
— Certo, lá vai! Chamas!
Outra bola de fogo acendeu a lanterna e a claridade tomou a sala.
— Vocês verão as sombras em breve. Elas surgirão nesta sala... mas em outro lugar. E elas
também podem ir atrás daquela maçaneta dorminhoca...
E com isso, o gato desapareceu novamente.
— Nesta sala, mas em outro lugar... o que isso quer dizer? — Pateta inclinou a cabeça.
— É onde fica a maçaneta! — disseram Sora e Donald ao mesmo tempo, e logo saíram
em disparada.
— E-Ei, esperem por mim! — Atrapalhou-se Pateta, indo atrás deles.

— Nossa, toda essa correria... é bem exaustiva — Ofegante, Pateta corria junto aos outros
pela floresta de lótus.
— E esse mundo é cheio de esquisitices, uma atrás da outra! — Donald disse para Sora.
— É como uma terra de maravilhas exóticas! — respondeu Sora.
— É! É loucura! Espero que a gente consiga encontrar o rei e voltar logo para o nosso
castelo... — Donald se aquietou em meio a um suspiro.
Quando o Donald e o Pateta encontrarem o rei, será que eu vou voltar a vê-los? Pensou
Sora, entristecido.
— O nosso castelo é o mais divertido de todos! — disse Pateta. — E o mais bonito, o mais
empolgante!
Sora abriu um sorriso.
— Bem, a nossa ilha tem uma praia incrível, dá pra nadar o ano todo!
Ainda que não soubesse se ela ainda estava lá. Mas ele havia prometido a Kairi que eles
voltariam.
— Poxa, parece legal. Nós não temos uma praia... — Pateta parecia invejar isso.
— Quando eu encontrar a Kairi e o Riku, vocês têm que ir nos visitar!
— Você também podia ir ao nosso castelo! — disse Donald, olhando para Sora. — E
conhecer a rainha e a Margarida!
— Claro! — concordou Sora, vociferante.
Mesmo se encontrassem o rei, Kairi e Riku, e ele voltasse às Ilhas do Destino, tinha certeza
de que não se esqueceria daquilo. Guardaria a memória de correr pela floresta de lótus com Donald
e Pateta. Quando Sora percebeu isso, se animou um pouco. Eles trancariam as Keyholes para
impedir que os Heartless se proliferassem e então encontrariam todo mundo, e sua conexão com
Donald e Pateta não desapareceria.
— É uma promessa, Sora! — disse Pateta.
Eles sorriram um para o outro e correram de volta, passando pelo tribunal da Rainha de
Copas e entrando no buraco que levava à sala da maçaneta falante.
— Ufa... Parece que não tem nenhuma sombra por aqui. — Olhando em volta, Donald
suspirou. — Mas temos que continuar alertas.

60 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Pateta se escondeu atrás de seu escudo e avançou vagarosamente sala adentro.
— Vocês enxergarão melhor daqui de cima.
Diante daquela voz, Sora ergueu o olhar, deparando-se com o Gato Risonho, estirado
preguiçosamente em cima da mesa.
— Será que devemos mesmo escutar esse gato, Sora? — disse Pateta, como se realmente
preferisse não fazê-lo.
— Deixa de ser um gatinho medroso! — provocou Donald, desviando então o olhar para
Sora. — E aí?
— Sim, vamos lá!
Sora subiu na mesa. Donald o seguiu e Pateta então foi cautelosamente atrás deles.
O Gato Risonho se levantou e apontou para o teto.
— As sombras logo devem chegar, então... estão preparados para o pior?
— Sim, estamos prontos! — respondeu Sora, mesmo com Pateta ainda encolhido atrás de
seu escudo.
Vendo isso, o Gato Risonho abriu um sorriso travesso.
— Bem, se não... é uma pena!
O gato então desapareceu e um enorme Heartless surgiu, descendo do teto — o Mestre dos
Artimanhas. Seus braços gigantescos se esticavam como molas e ele carregava malabares nas mãos.
Andando como numa dança, ele se aproximou do trio.
— Deve ter sido esse que sequestrou a Alice! — Sora desceu da mesa e correu em direção
ao Mestre das Artimanhas. Ele girou seus braços enormes, atacando com os malabares, mas Sora se
esquivou e diminuiu a distância entre os dois.
— Quack! Espera, Sora! — Donald saiu correndo atrás dele.
— Poxa, ele é enorme... Não tô gostando disso...
— Vem, Pateta, você também!
Pateta suspirou e finalmente pulou da mesa, mas o braço do Mestre das Artimanhas o
atingiu em cheio.
— Ah-hoohoohooooey!
— Pateta! — Sora correu até ele.
— Ai... — Um galo se formou na cabeça de Pateta.
— Ei! Isso é pelo Pateta! Chamas! — Bolas de fogo foram disparadas do cajado de Donald
contra o Mestre das Artimanhas... mas apenas acenderam os malabares que ele carregava. — Wak?!
Então os malabares flamejantes passaram voando por cima da cabeça de Donald.
— Waaaak! — Ele saiu correndo com o chapéu pegando fogo.
— Não dá pra usar magia de fogo nele, Donald!
— Waaaak!
— Água! Onde é que tem água?! — gritou Sora.
Donald correu para baixo da torneira e girou a válvula. Jorrou água em cima dele, apagando
o fogo em seu chapéu.
— Parece que é outro daqueles mais fortes, hein... — Pateta suspirou, levantando-se.
— Você tá legal? — Sora olhou para o rosto de Pateta, preocupado.
— Bem, não muito... Mas se não o derrotarmos, não vamos achar a Alice, o rei e nem os
seus amigos! E se não trancarmos as Keyholes, os Heartless vão continuar aparecendo. Então
aqui vou eu! — Erguendo a voz, Pateta se lançou contra o Mestre das Artimanhas, deferindo-lhe
um golpe.
O Pateta tá lutando pela Alice e para encontrar os meus amigos, pensou Sora. E eu também
tenho que lutar para que o Donald e o Pateta possam encontrar o rei.
Não estamos lutando só por nós mesmos...
Sora foi atrás de Pateta e, um atrás do outro, eles golpearam o Mestre das Artimanhas.
— Wak! Deixa eu lutar um pouquinho também! — Donald se juntou a eles e dessa vez
atacou com uma magia de gelo: — Nevasca!
Eles saíam do caminho dos grandes braços do Mestre das Artimanhas e o iam esgotando de
pouco em pouco.
61 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Agora, Sora!
Com as palavras de Donald, Sora subiu na mesa outra vez e saltou em meio a um impulso,
usando a Keyblade para atingir o Mestre das Artimanhas no rosto. Sentiu o golpe reverberar através
de seus braços.
— Ha! Conseguimos! — exclamou Donald, pulando de alegria enquanto o Mestre das
Artimanhas caía no chão em meio a um grande baque. Um coração saiu flutuando de seu corpo,
assim como acontecera com a Armadura de Guarda.
— Será que é um coração que ele roubou de alguém...?
O trio assistiu enquanto o coração flutuava cada vez mais alto. Ele emanava um brilho tão
belo — era difícil imaginar que havia saído de algo tão terrível quanto um Heartless.
O coração pareceu desvanecer junto ao teto e o corpo do Mestre das Artimanhas se desfez
em partículas de luz antes de finalmente desaparecer. Tudo o que restou foi o silêncio.
— Ah, é! A Alice! Onde será que ela está? — Donald correu ao redor da sala, procurando.
— Achei que íamos encontrá-la quando derrotássemos aquele Heartless... — Aflito, Sora
abaixou a cabeça. Foi quando ouviram um bocejo.
— Mas que barulheira... Como é que uma maçaneta pode dormir desse jeito?
A maçaneta deu outro enorme bocejo e, dentro de sua boca...
— Uma Keyhole! — gritou Donald.
A Keyblade apontou para a maçaneta e um raio de luz irradiou de sua ponta.
— Eita!
A luz brilhou junto à Keyhole, que desapareceu em meio a um click.
— Será que isso trancou a Keyhole? — Sora se aproximou, tentando olhar dentro da boca da
maçaneta.
— Agora vão embora e me deixem dormir! — reclamou a maçaneta, recusando-se a abrir a
boca novamente.
Sora desistiu e se voltou para Donald e Pateta, dando de ombros.
— Bom, parece que trancamos a Keyhole, mas a Alice não tá aqui...
— E também não achamos o rei.
— Nem os amigos do Sora.
Um pouco desencorajados, eles trocaram olhares e o Gato Risonho surgiu então em meio
ao grupo.
— Esplêndido. Vocês são mesmo os heróis.
— Wak! Você de novo! — Donald se jogou para pegar o gato, sem sucesso.
— Ó, céus. Derrotar-me de nada adiantaria para vocês. Ou talvez adiantasse...
— Você só tá falando asneira de novo... — Mas Pateta não parecia mais ligar muito para o
Gato Risonho.
— A propósito... — Agora, apenas a cabeça do Gato Risonho flutuava diante dos três,
observando-os. — Se estão procurando pela Alice, não a encontrarão aqui.
— Como assim?! — Sora tentou agarrar a cabeça do gato, mas ela saiu flutuando para fora
de alcance.
— Alice não está mais neste mundo.
— Mas pessoas normais não podem deixar seus mundos...
— Eu não teria tanta certeza. — O resto de seu corpo se materializou, ainda flutuando. —
Alice se foi com as sombras, para a escuridão...
E essa foi a última pista que tiveram antes que o gato voltasse a desaparecer.
— O que... ele quis dizer com isso? — Sora cruzou os braços. Estiveram tentando ajudar
Alice esse tempo todo, mas agora não conseguiam nem encontrá-la.
— Talvez tenha algo sobre a Alice que a gente não saiba... — disse Donald, pondo uma mão
no ombro de Sora.
Pateta também tentou animá-lo.
— Olha, pode parecer que estamos desistindo, mas que tal voltarmos para a Nave Gummi?
Talvez a encontremos em outro mundo... quando voltarmos ao nosso tamanho normal! — Ele subiu
na mesa novamente e pegou a garrafa com o rótulo vermelho.
62 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Acho que sim... — Sora fitou a garrafa.
— Mas não com essa sua careta aí! — disse Donald. — Se for ficar com essa cara...
— Eu sei, não posso entrar na Nave Gummi. — Sora ergueu o olhar com um pequeno
sorriso no rosto.
— Isso, apenas sorrisos!
Sora mostrou a língua para Pateta, pegou a garrafa e bebeu seu conteúdo. Diante de seus
olhos, foi ficando cada vez maior, até voltar ao normal.
— Agora a gente! — Donald e Pateta beberam em seguida e também cresceram.
— Beleza, vamos lá!
Eles voltaram correndo daquela sala estranha.

63 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 4 64 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A NAVE GUMMI GANHOU VELOCIDADE E DISPAROU PELO CÉU ALÉM. SORA E
Pateta conversavam atrás da cabine do piloto.
— Não estamos descobrindo muita coisa, né...?
— Sobre o rei? — disse Sora.
— Não só o rei. Sobre os seus amigos também. E agora a Alice também desapareceu... —
Pateta suspirou.
— Ei, você não pode falar pro Sora continuar sorrindo e aí começar a se lamentar desse
jeito! — gritou Donald da cabine do piloto.
— Mas poxa... enquanto procuramos alguém, outro alguém desaparece! Vocês não acham
suspeito? Além disso, tem um desses Heartless grandes e malvados em todos os mundos.
— O que será que isso tudo quer dizer...? — perguntou Sora, a voz baixa.
— É o que eu gostaria de saber! — o Grilo Falante pulou do bolso de Sora.
— Sem falar na Keyblade... Também aconteceu no meu mundo, mas os Heartless do País
das Maravilhas eram bem mais fortes do que os de Traverse Town. — Sora segurou a Keyblade
com força.
O brilho da Keyblade não lhe dava quaisquer respostas, mas ele sentia que de pouco em
pouco, estava ficando mais forte. Ao mesmo tempo, entretanto, parecia que os Heartless também
ficavam mais fortes. Ele nunca conseguiria derrotá-los sem Donald e Pateta.
— E aposto que vão continuar ficando cada vez mais fortes... — Pateta suspirou outra vez.
— Mas acredito que, ao mesmo tempo, vamos nos aproximar cada vez mais da verdade —
disse o Grilo.
— Talvez...
Sora também não sentia muita firmeza nas palavras do Grilo. Diante da atmosfera pesada
que ali se formava, a nave de repente sofreu uma turbulência.
— Uou! Poxa, não dá pra pilotar melhor aí não, Donald? — reclamou Pateta.
— Se acha que pilotar é fácil assim, por que não tenta?!
— Eu consigo pilotar! — Sora avidamente os interrompeu e tomou os controles para si.
— Waaak! Má ideia! — Donald arrancou os controles de volta das mãos de Sora.
No mesmo instante, um mundo coberto de verde emergiu em meio ao Céu Além.
Podia-se ver uma enorme árvore retorcida, cheia de cipós pendurados, uma cabana e uma
cachoeira gigantesca.
— O que é isso...?
A Selva Profunda. O mundo não passava de uma floresta tropical inexplorada, um paraíso
selvagem.
— Por que o rei estaria num fim de mundo como esse? Seria perda de tempo procurar aqui
— argumentou Donald.
— Mas o Riku e a Kairi podem estar lá embaixo — disse Sora. — Vai, Donald, vamos dar
uma olhada!
Só porque o rei podia não estar ali, não queria dizer que eles podiam simplesmente ignorar
aquele mundo. Além do mais, Donald e Pateta não o estavam ajudando a procurar por Riku e Kairi,
assim como ele os estava ajudando a procurar pelo rei?
— De jeito nenhum. Estamos numa missão importante! — Donald acelerou a Nave Gummi.
— Pousa logo! — Sora tentou pegar os controles novamente.
Donald era teimoso demais para se convencer a essa altura.
— Não!
— Hã, gente, parem com isso... — disse Pateta.
— Isso mesmo! Nada de bate-boca! — O Grilo tentou separá-los, mas Sora e Donald
continuavam brigando pelos controles. Nenhum deles estava pronto para desistir.
— Qual é!
— Esquece!
— Vamos pousar agora! — Sora empurrou Donald para o lado, agarrou a alavanca e a
empurrou com tudo.
— Ei, não mexe nisso! Wak-wa-waaaaak!
65 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Donald tentou puxar a Nave Gummi de volta para cima, impedir sua descida repentina, mas
era tarde demais. A nave perdeu o controle, caindo de bico no mundo verde.
— Quack! — Agora só o que restava a fazer era tentar salvar o pouso. Donald apertava
loucamente botões aqui e ali. — Isso é tudo culpa sua, Sora! — gritou, apertando um botão
vermelho. A cabine se abriu e, aos berros, os três foram jogados voando para fora da Nave Gummi.
— Uoooou!
— Gwawaaak!
— Ah-hoohoohooooey!
O Grilo agarrou-se desesperadamente à alavanca de controle.
— Boa sorte, pessoal...! — gritou, sem mais ninguém para ouvi-lo.

Com o vento soprando ao fundo, Sora foi caindo pelas árvores, até que atravessou, em meio
a um estrondo e um alto baque, o telhado de uma pequena casa. Quando finalmente chegou ao chão,
estava inteiro... ou quase isso.
— Ai, ai, ai... — Levantou-se, passando a mão no galo que se formara em sua cabeça. —
Donald...? Pateta?
Os outros dois não pareciam estar por perto. Estava no que parecia uma cabana de madeira.
Do lado de fora da janela, a selva verde parecia infinita. Deviam ter se separado durante a queda.
— O que eu faço agora...? — Deu um grande suspiro, quando de repente sentiu uma rajada
de vento passando ao seu lado. — Hã?!
Foi atirado para trás e, enquanto lutava para recuperar o equilíbrio, empunhou a Keyblade.
Foi quando viu, diante de seus olhos, um leopardo rosnando. Não parecia nem um pouco amigável.
Sora recuou devagar e o leopardo o atacou.
Encurralado contra uma parede, Sora não conseguia abrir a boca, mas manteve os pés no
chão e conseguiu por pouco evitar o próximo bote. O leopardo rosnou, agachando-se, pronto para
avançar novamente. Sora sentia o suor descer por suas costas. Diferente dos Heartless, a hostilidade
do leopardo era tão focada e feroz que parecia uma chama ardente.
Ele rosnou outra vez do fundo da garganta e parou por um breve momento, apenas para se
lançar em outro ataque. Seus dentes acertaram a Keyblade, retinindo.
Com toda a força, Sora conseguiu afastar o leopardo, mas sem que pudesse sequer parar para
respirar, o animal disparou contra ele novamente. Dessa vez, a Keyblade fez frente a suas garras, e a
voracidade do ataque jogou ambos para trás.
Eles se confrontaram de novo e de novo, até que, finalmente, tanto Sora quanto o leopardo
começaram a se cansar. A próxima investida poderia ser a última...
Sora usou o resto de sua força para reerguer a Keyblade, mas suas mãos estavam suadas e
ele perdeu a firmeza por um instante — e foi então que o leopardo deu o bote.
É agora que eu morro!
E quando fechou os olhos, um homem com uma lança em mãos pulou janela adentro. O
leopardo acabou abocanhando o cabo da lança e o homem o arremessou para trás.
— Sabor... — murmurou o homem, voltando-se para o leopardo, que então fugiu pela janela.
Sora sentiu toda a força que restava em si se esgotar.
Essa foi por pouco...
Teve que se segurar para não cair de exaustão. O homem se aproximou. Vestia apenas um
retalho de pele de animal que mais parecia uma espécie de tanga. Seus cabelos compridos não
pareciam sequer terem sido aparados há anos e ele observava Sora de perto.
— Sabor, perigo.
— Sabor é o nome do leopardo? — perguntou Sora, mas o homem apenas balançou a
cabeça, como se não conseguisse entendê-lo. — Hã... Obrigado.
Quando Sora acenou com a cabeça, o homem fez o mesmo.
— Obri...gado.

66 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Hã? — Sora havia feito algo que merecesse agradecimento? — Er... que lugar é esse?
— Que lugar é esse, que lugar é esse.
— Tá beeem... Pra onde foram os outros? — Sora coçou a cabeça. — Digo, eu fui separado
dos meus amigos. Você os viu?
O homem selvagem só parecia mais confuso.
— Amigos — disse Sora, devagar.
— Amigos! — exclamou o homem, feliz. Será que ele tinha entendido...?
— Isso, meus amigos! Eles são dois. O barulhento é o Dona... não. Esquece!
O homem inclinou a cabeça para Sora, que havia praticamente começado a falar sozinho.
Não é que o Donald e o Pateta não sejam meus amigos... mas o Donald só parece se importar em
encontrar o rei. Então eu tenho que focar em encontrar a Kairi e o Riku, Sora disse a si mesmo.
— Estou procurando pelos meus amigos, Riku e Kairi — continuou.
— Procurando Riku, amigos? — disse o homem. — Kairi... amigos?
— Hã... isso... — o sorriso de Kairi cintilou em sua mente.
— Amigos aqui.
— Sério?! — Sora se sobressaltou, entusiasmado.
O homem sorriu de volta para ele e então disse algo que Sora não conseguiu entender.
— Hã?
Ele repetiu o mesmo som numa voz estranha, mas não se parecia com qualquer palavra que
Sora já tivesse ouvido antes.
— ...Amigos aqui. — O homem gesticulava intensamente.
— Não sei bem se eu entendi... mas me mostra! — Sora não sabia se Riku e Kairi estavam
mesmo ali... mas não podia simplesmente ignorar o que aquele sujeito lhe dissera. — Me leva ao
Riku e à Kairi!
O homem curvou brevemente a cabeça e bateu no peito.
— Tarzan. Tarzan vai.
Sora também apontou para si.
— E eu sou o Sora. Tarzan vai, Sora vai que vai!
Tarzan assentiu e Sora o seguiu para fora da cabana.
Do lado de fora, aquele verde exuberante se estendia até onde os olhos podiam ver. Eles se
jogaram selva adentro.

Enquanto isso...
Donald acordou sobre uma grande rocha em meio a um bosque de bambus. Nunca havia
visto um lugar como aquele antes. Levantou-se para olhar em volta, desnorteado, e finalmente
notou Pateta desacordado mais ao lado. Mas não via Sora em lugar algum.
— Pateta!
— Hm...? — Pateta bocejou e se alongou, mole como sempre. — Que bela noite de sono.
Bom dia, Donald!
— Não vem com essa! Ele sumiu! O S-So-So...
— Hã? O Sora não tá aqui? Poxa, espero que ele esteja bem.
— Nah, quem precisa dele? Podemos encontrar o rei sem ele. — Donald bateu o pé e então
estendeu a mão para pegar seu cajado, que devia estar ao lado. Mas o que sua mão tocou era algo
mais... peludo. — Quack... Waaaak?!
Ele desviou o olhar para o que havia tocado e uma pequena gorila o fitou de volta.
Foi quando algo começou a se mexer no bosque atrás deles.
— O que foi isso?! — Quando Donald e Pateta se viraram, a pequena gorila derrubou algo
brilhante e bateu em disparada.
— Ei, isso é...?
— Um bloco Gummi?

67 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Os dois trocaram um olhar e assentiram. Se havia um bloco Gummi naquele lugar, isso
talvez significasse que outra pessoa podia ter estado lá...
— Quem está aí?! — Uma voz soou de repente.
Donald e Pateta deram um pulo. Quando se viraram, quieta e timidamente, um homem
carregando uma espingarda se aproximou.

Sora e Tarzan desceram por entre a selva densa. Tarzan ia se balançando pelos cipós,
lançando-se de árvore em árvore, e Sora fazia todo o possível para acompanhá-lo.
— Ei, Tarzan, devagar!
Tarzan desviou o olhar para ele e inclinou a cabeça.
— Hã, podemos dar uma pausa? Isso é, se você entender o que eu digo...
— Vai, vai!
— Tá, tá... Vai... — respondeu Sora, ofegante, quando um Heartless surgiu de repente atrás
de Tarzan. — Cuidado!
Tarzan se virou diante do ataque do Heartless, mas conseguiu detê-lo com sua grande lança.
Sora já havia notado antes, quando Tarzan o salvara do leopardo, mas — ele era forte.
— Eu te ajudo com eles! — Sora lutou a seu lado e, juntos, eles acabaram com os Heartless
que surgiam um atrás do outro.
Após derrotarem todos os Heartless, Sora repousou a Keyblade sobre o ombro.
— Olha só, até que não fomos nada mal!
— Não fomos nada mal — repetiu Tarzan com um grande sorriso estampado no rosto.
Eles voltaram a seguir através das árvores.

Atravessando a selva, eles chegaram a uma clareira onde havia uma pequena tenda. Parecia
haver pessoas morando ali, o que fez Sora se sentir um pouco melhor.
Mas ainda assim... Será que o Donald e o Pateta estão bem...? O pensamento lhe atravessou
a cabeça, mas ele a sacudiu para afastá-lo. Mesmo sem eles, ainda podia enfrentar os Heartless... e
se encontrasse Kairi e Riku ali, eles com certeza dariam um jeito.
— Jane! — chamou Tarzan, entrando na tenda. Sora o seguiu.
Do lado de dentro, uma bela e jovem moça mexia numa espécie de máquina.
— Tarzan! — exclamou, erguendo o olhar, e foi quando notou Sora. — E quem é este?
— Hã, e aí? Eu sou...
— Ah, você me entende! — Ela parecia um tanto surpresa. — Então, é evidente, não tem
ligação com o Tarzan...
— Eu sou o Sora.
— E meu nome é Jane. Está aqui para estudar os gorilas?
Quando estava prestes a responder, um homem carregando uma espingarda adentrou a tenda
a passos largos.
— Duvido muitíssimo.
Atrás do sujeito alto, Sora viu Donald e Pateta.
— Sora?! — Ambos correram felizes até ele. — Sério, não sabíamos se íamos ver você de
novo! — exclamou Pateta.
Sora também correu até eles, mas então se lembrou da briga por causa da Nave Gummi e se
recusou a olhar para Donald.
— Como eu tava preocupado contigo, Pateta!
— Também estávamos bem preocupados! Não é, Donald? — disse Pateta, mas, cheio de
teimosia, Donald virou o rosto para o outro lado.

68 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bem, pelo menos estamos todos juntos agora! — O Grilo Falante veio pulando de trás
de Jane.
— Grilo! — o trio correu até ele.
— Eu não tinha certeza do que seria de nós quando caímos da Nave Gummi, mas vejam só,
cá estamos.
— E onde está a Nave Gummi? — perguntou Donald.
O Grilo abriu um pequeno sorriso.
— Ora, está escondida atrás da tenda.
— Bom ouvir isso! — Aliviado, Donald respirou fundo.
— Então vocês são todos amigos! — Jane sorriu.
O homem cruzou os braços.
— São é um circo de palhaços. Não muito uteis para caçar gorilas.
— Nós os estamos estudando, Sr. Clayton, não caçando — disse Jane, uma pontada de
irritação em sua voz. — Isso é uma pesquisa!
Sem demonstrar quaisquer sinais de que a houvesse escutado, Clayton virou as costas e
deixou a tenda.
— Er... eu sou a Jane. Nós viemos para esta selva para estudar os gorilas. E aquele era o
Clayton. É um caçador, mas está atuando como o nosso guia da selva. E vocês são...?
— Pato Donald. Esse aqui é o Pateta e aquele é o Grilo Falante. Estamos procurando pelo
nosso rei.
— O seu rei? Céus, o rei também é amigo seu, Sora?
Donald e Sora trocaram um olhar e ambos logo viraram o rosto novamente, aborrecidos.
— Bom, quanto mais, melhor! — disse Jane, tentando aliviar a atmosfera entre os dois. —
Sintam-se em casa.
— Bem, não tem nada pra vocês fazerem aqui, não é, Donald? — disse Sora, fazendo bico.
— Na verdade, eu vou ficar!
— Hã...?
Pateta mostrou a Sora um pequeno bloco brilhante.
— Veja, é um bloco Gummi. Nós o encontramos aqui.
— Isso significa que o rei pode estar aqui em algum lugar — disse Donald. — Então vamos
ter que trabalhar juntos para procurar por ele. Por enquanto.
— Tá certo — retrucou Sora. — Vou deixar vocês virem junto. Por enquanto!
Jane se recurvou para fitá-lo nos olhos.
— Você também está procurando alguma coisa, Sora?
— Estou procurando os meus amigos. Tarzan disse que eles... que a Kairi e o Riku estariam
por aqui... Bem que eu queria poder conversar com ele. — Sora abaixou a cabeça. Se pudesse
entender o que Tarzan havia dito, talvez conseguisse alguma pista sobre Kairi e Riku.
— Tarzan foi criado nesta selva pelos gorilas — disse Jane. — Ele ainda não entende muito
da nossa língua, então não vou saber muito mais que você... E então, Tarzan?
Ao lado, Tarzan inclinou a cabeça.
— Onde estão a Kairi e o Riku? — perguntou Sora.
— E o rei! — intrometeu-se Donald.
Tarzan apenas balançou a cabeça.
— Os nossos amigos estão aqui, não estão?
— Amigos... aqui.
— Então... nos diga onde! — Sora encarava Tarzan, quase implorando.
Mas a resposta veio de alguém atrás dele:
— Eles só podem estar em um lugar.
— Clayton! — Sora se sobressaltou. Ele havia praticamente se infiltrado de volta na tenda.
— Jovenzinho, estamos nessa selva há algum tempo — disse Clayton. — Já estávamos por
aqui desde antes de vocês chegarem. Mas ainda não encontramos esses seus amigos. Aposto que
devem estar com os gorilas. Mas Tarzan se recusa a nos levar a eles.
— Francamente, Sr. Clayton. — Jane começou a dizer. — Tarzan não esconderia...
69 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele a interrompeu, encarando Tarzan de forma intimidadora:
— Então nos leve até lá! Leve-nos aos gorilas. Go-ri-las.
Sem responder, Tarzan voltou-se para Sora.
Sora devolveu o olhar.
— Tarzan...
Ele sorriu e então assentiu para Clayton.
— Tarzan, tem certeza? — Jane parecia preocupada.
— Tarzan vai ver Kerchak — respondeu ele.
— Kerchak?
— Deve ser o líder! — disse Clayton. — Perfeito. Eu vou junto para escoltá-los. A selva é
um lugar perigoso, afinal. — Ele forçou um sorriso.
— Poxa, eu tenho um mal pressentimento sobre esse sujeito — Pateta sussurrou para Sora.
— Bom, eu vou voltar para vigiar a Nave Gummi como de praxe! — disse o Grilo. — Nos
vemos mais tarde!
O trio assentiu e ele deixou a tenda.

— Não tem problema mesmo, Tarzan? — perguntou Sora, conforme avançavam pela selva.
— Ir ver amigos! — Ele respondeu com um sorriso e saiu correndo na frente dos outros.
— Ele entendeu o que eu disse...?
— Quack!
Donald deu um pulo. Preocupado, Sora se virou para ele e viu que um Heartless havia
surgido em sua frente.
— Vocês não precisam fazer nada! — disse Sora, pronto para lutar com a Keyblade em
mãos. — Eu e o Tarzan cuidamos deles!
Se começassem a lutar, Tarzan notaria a comoção atrás de si e voltaria, o que os permitiria
encurralar os Heartless.
— Wak! Você tá tentando dizer que não precisa da minha magia?!
— Acho que foi o que eu disse! — exclamou Sora, atacando com a Keyblade.
— Quack! — gritou Donald, balançando seu cajado. — Então nós não somos mais um por
todos nem todos por um!
— Ah, corta essa, galera... — disse Pateta, mas Sora e Donald continuaram a enfrentar os
Heartless sem olhar um para o outro.
Finalmente, após derrotarem todos, eles pararam para respirar... e mais Heartless surgiram
do meio do nada, atacando Donald.
— Cuidado, Donald! — gritou Sora.
Berrando algo ininteligível, Tarzan pulou para o resgate bem a tempo.
— Qua-waaaak...! — Alarmado, Donald caiu com o rabo no chão.
Sora suspirou, aliviado, mas quando começou a falar, as palavras foram duras:
— Eu disse pra deixar com a gente!
— Quack! — Donald se levantou novamente e começou a bater o pé. — Não subestime o
feiticeiro real!
— Não me importa se você é a da realiza! Eu posso me livrar dos Heartless sem essas suas
magias bobas!
Donald pigarreou e lhe virou as costas.
— Ah, não... — Aflito, Pateta levou as mãos à cabeça.
Tarzan os observava, preocupado.
— Sora, Donald, amigos? Não amigos?
— Poxa... Eu não sei... — Pateta olhava inquieto para Donald e Sora, que continuavam
dando as costas um para o outro.

70 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Avançando por entre as enormes árvores, finalmente chegaram a um grande rochedo, uma
pequena ruptura na exuberância da selva. Numa árvore particularmente grande, sentavam-se dois
gorilas. O maior só podia ser Kerchak.
Tarzan começou a falar com Kerchak na língua dos gorilas. Ao lado de Kerchak, a outra
gorila o encarava, temerosa.
— Hã... você entendeu o que ele disse? — murmurou Pateta.
Donald inclinou a cabeça.
— Não.
— Kerchak — Tarzan o chamou outra vez. Mas, de repente, Kerchak se levantou começou a
se afastar. — Kerchak?!
Não houve resposta. Kerchak subiu por uma árvore e se foi. A outra gorila fitou Tarzan com
um olhar de profunda preocupação e então seguiu Kerchak. Os ombros de Tarzan caíram.
Sora se aproximou.
— Ei, não se preocupa com a gente. Na verdade...
Algo o incomodava sobre a direção por onde os gorilas haviam seguido.
— Tô com um mal pressentimento. Vamos lá...
Eles partiram de volta para a casa no alto das árvores.

— Eles não conseguem entender como esses gorilas são valiosos — resmungava Clayton,
agachado nos arbustos com a espingarda engatilhada. Dentro da casa na árvore, uma pequena gorila
brincava com um globo terrestre. — E um gorila jovem vale mais que um adulto...
Ele mirou na pequena gorila. E então — o Pato Donald entrou na frente de seu campo
de visão.
— Gwa-waaaaak! — gritou Donald, notando a arma levantada.
Mordendo a língua de frustação, Clayton puxou o gatilho. Mas tinha perdido um pouco do
foco da mira e acabou acertando o chapéu de Donald. A pequena gorila fugiu.
— Ei, mas que ideia é essa?! — Donald gritou com Clayton.
Foi quando Kerchak surgiu. Tarzan o chamou, mas ele partiu novamente. Desanimado,
Tarzan abaixou a cabeça.
Sora, Donald e Pateta desceram da árvore, seus olhos fixos em Clayton.
— Vocês não entenderam. Eu só estava tentando... Ah, sim! Tinha uma cobra se arrastando
por ali! Eu salvei a vida daquele pobre gorila.
Diante da tentativa de Clayton de se justificar, Tarzan apenas fechou os olhos e balançou
quietamente a cabeça.

Por ora, eles retornaram ao acampamento e Jane deu uma bronca em Clayton.
— Como pôde fazer algo assim, Sr. Clayton?!
— Ora, senhorita Porter, já disse... eu não estava mirando no gorila!
— Você não vai se aproximar dos gorilas de novo!
— Tudo por causa de um pequeno infortúnio? Ora, por favor... — Clayton tentou protestar,
mas todos os outros o encaravam.
— Tá certo, então, tá certo... — Ele assentiu relutantemente e então deixou a tenda.
— Francamente... não sei o que fazer com ele — disse Jane. — Sinto muito por isso.
— Você não tem que se desculpar — respondeu Sora.
Jane parecia abatida.
71 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Mas... fui eu que pedi para que ele viesse como nosso guia, afinal...
Foi quando um tiro de espingarda ressoou.
— Essa não...!
Sobressaltados, Sora, Tarzan e os outros deixaram a tenda correndo.
— Heartless!
Havia um gorila cercado por eles.
— Então de onde veio aquele tiro...?
— Vamos ajudar o gorila primeiro!
Sora e Tarzan trocaram um olhar e se lançaram contra eles.
— Tarzan, você fica na tenda e protege a Jane! Pateta, você ajuda o gorila! E Donald... —
Sora gritava atrás deles, mas não fazia ideia do que dizer para Donald, e acabou hesitando.
— Wak! Nós não somos amigos!
— Pessoal, não é hora pra isso! — gritou Pateta, correndo em direção ao gorila. Tarzan já
golpeava os Heartless com sua lança.
— Enfim... só tenta se livrar desses Heartless! — Sora se juntou à briga.
Donald pareceu um pouco confuso, mas ergueu seu cajado e atacou com suas magias.
— Os Heartless estão atrás de outro gorila ali! — exclamou Pateta, tentando libertar o
primeiro para que pudesse escapar selva adentro.
— Vocês cuidam disso! — Deixando o resto do bando para Tarzan e Donald, Sora correu
para ajudar Pateta.
— Talvez aquele tiro que a gente ouviu fosse na verdade o Clayton tentando ajudar os
gorilas — disse Pateta.
— Bem que eu gostaria de acreditar nisso...
Sora não se sentia tão otimista quanto Pateta. De qualquer forma, não havia sinais de que os
Heartless estivessem atacando os gorilas antes. Então por quê...?
— Uou! — Enquanto pensava, um Heartless atacou Sora com tudo, jogando-o com tudo no
chão. E já estava se lançado contra ele outra vez.
Isso não era nada bom...
— Trovoada!
Do outro lado da clareira, ele ouviu uma voz conjurar o feitiço. Era a voz de Donald.
— Você me deve uma! Quack! — gritou Donald com um olhar amargo.
— Bom, eu não quero te dever é nada!
— Waaaak! — Enquanto Donald se jogava no ar para bater o pé com mais força, uma figura
deu de cara com ele. — Ah, é você...?
Era a pequena gorila. Ela se agarrou em Donald, inquieta.
— Ah, vai ficar tudo bem... mas não vou conseguir lutar com você assim...
Pateta também correu até ele.
— Ei, será que a gorila não pode se esconder na tenda?
— Isso! — Donald pegou a pequena gorila e correu em direção à tenda.
No meio-tempo, Tarzan viu outro gorila sendo atacado por Heartless. Ele gritou alguma
coisa na língua dos gorilas e bateu em disparada. Sora e Pateta continuaram lutando, seguidos por
Donald, após deixar a pequena gorila com Jane.

Os quatro correram pela selva ajudando os gorilas que eram atacados por Heartless. Mas
mesmo lutando contra um inimigo em comum, Sora e Donald ainda não estavam cooperando
amistosamente.
— Ah, galera, querem logo fazer as pazes...? — resmungou Pateta, desamparado, mas não
conseguia a atenção da dupla teimosa.
Após todo um trajeto pela selva, eles finalmente voltaram ao ponto de partida, diante da
tenda. Vendo que por ora não havia mais nenhum Heartless por ali, todos respiraram mais aliviados.

72 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mas Tarzan continuava examinando as redondezas, inquieto.
— Será que a Jane e a gorilinha estão bem...? — Donald ergueu a aba de entrada da tenda.
— Jane!
Não houve resposta. Todos correram freneticamente para dentro da tenda.
— Não estão aqui!
Todos procuraram por todo o acampamento, mas não havia sinal de Jane ou da pequena
gorila. Foi quando Tarzan fixou o olhar no teto.
— O que foi, Tarzan? — disse Sora.
— Cheiro estranho... Jane, perigo. Jane perto... perto casa na árvore!
— Vamos lá!
Eles deixaram a tenda e seguiram para a casa na árvore.
Diante da enorme árvore na qual ficava a casa, escutaram a voz de Jane:
— Tarzan!
A porta da casa havia sido fechada com tábuas. Jane e a pequena gorila espiavam por entre
as frestas.
— Jane! — exclamou Tarzan.
— O que houve?! — Sora gritou para ela.
— O Sr. Clayton veio à tenda e... essa é a última coisa que eu me lembro.
Foi quando um tiro ressoou atrás deles.
— Clayton!
Sora e os outros se viraram e Clayton apareceu com a arma engatilhada.
— Não Clayton! — gritou Tarzan e então disse algo na língua dos gorilas. — Não Clayton!
E como se essa fosse sua deixa, Clayton soltou um urro estarrecedor que nem sequer
parecia humano.
— Esse... não é o Clayton?
Foi quando aconteceu — alguma coisa surgiu em meio às folhagens atrás de Clayton. Seus
grandes passos sacudiam o chão da selva. E estavam se aproximando.
Enquanto Sora não estava olhando, Clayton sumiu de vista.
— Pra onde ele foi?!
— Lá está ele! — Pateta apontou para cima. Clayton estava sentado em meio ao ar, como se
possuído por alguma coisa.
— Ele tá voando?!
— Não, está em cima de alguma coisa que não podemos ver...
Perplexos, eles encararam o grande Heartless — o Predador Camuflado — sem fazer ideia
de como enfrentá-lo. Algo invisível então acertou Tarzan com tudo, atirando-o no chão.
— Tarzan!
Sora, Donald e Pateta tentaram alcançá-lo, mas um vulto marrom escuro se pôs em seu
caminho, quase como se para proteger Tarzan, ferido.
— Kerchak! — exclamou Sora.
O grande gorila rosnou em resposta, balançando seus poderosos punhos em meio ao ar. Ele
atingiu algo que assumiu uma coloração vagamente amarela esverdeada.
— Lá está ele!
Sora se lançou contra a criatura e atacou com a Keyblade no lugar onde Kerchak havia
atingido. A cada novo golpe infligido, mais da viscosa pele reptiliana se tornava visível. Atrás dele,
Kerchak pegou Tarzan nos braços e subiu até a casa na árvore. Ele arrebentou as tábuas que
fechavam a porta, libertando Jane e a pequenina.
— Tarzan...! — Vendo-o ferido, Jane lançou os braços ao seu redor.
— Agora podemos lutar tranquilos! — Donald ergueu seu cajado.
— Bem, eu posso me virar sozinho! — gritou Sora com a Keyblade em mãos.
Donald bateu o pé novamente.
— Gwa-waaaaaak!
Pateta tentou intervir, mas o Predador Camuflado se atirou contra eles, como se estivesse
esperando por uma chance.
73 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Uou...!
Os três foram lançados para trás.
Aos gritos, Sora se levantou e começou a atacar as pernas do Predador Camuflado, mas ele
simplesmente o chutou para longe outra vez.
— Vem, Donald! — disse Pateta.
— ...Não!
— Bom, você que sabe! — Pateta deixou Donald fazendo sua cara feia e correu para ajudar
Sora. Graças a todos os ataques impulsivos de Sora, o Predador Camuflado foi gradualmente
revelando sua forma, que parecia a de um camaleão gigante.
— Ngh! — Sora foi jogado longe novamente.
— Ei, você tá bem?
Pateta se aproximou e lhe deu uma poção, e Sora logo estava de pé outra vez.
Donald virou o olhar ainda a tempo de ver Sora sendo atingido novamente.
— Tenta se cuidar sozinho, pelas plumas do meu avô...
Sora se lançou furiosamente em outro ataque, mas dessa vez foi atirado longe com uma
pancada da cauda do Predador Camuflado.
— Você não tem jeito sem a minha ajuda, hein? Chamas!
Uma bola de fogo foi disparada do cajado de Donald, ainda maior que o normal. O impacto
tirou o equilíbrio do Predador Camuflado.
— Donald!
— Você não consegue se virar sem mim, né?
Sora franziu o cenho diante da expressão presunçosa no rosto de Donald, mas não havia
tempo para discussão.
— Lá vem ele!
O Predador Camuflado se lançou diretamente contra eles, sua boca largamente aberta. Sora
correu em direção a suas pernas e desferiu um ataque, fazendo-o parar onde estava, e Donald
aproveitou a oportunidade para disparar uma magia na boca escancarada. O impacto derrubou
Clayton de sua cabeça.
— Agora! — Sora subiu pela criatura e golpeou sua cabeça com a Keyblade.
— Conseguimos!
Ele abraçou Donald e Pateta — mas então lembrou que não queria estar abraçando Donald e
tratou de se afastar, virando-lhe as costas e fazendo bico. Foi quando viu o Predador Camuflado se
tornar luz e desaparecer enquanto Clayton tombava no chão.
Aos berros, Clayton ergueu sua espingarda, mas como se o esforço fosse demais, voltou a
cair, desmoronando de costas no chão.
— Sora... — chamou Tarzan, apoiado em Jane. E então o regozijo eufórico dos gorilas
ressoou em meio ao topo das árvores.
— He, he... — Com um sorriso no rosto, Sora passou o dedo sob o nariz. De repente,
alguém o ergueu. — Eita...! Qual é, Kerchak, me solta aí!
Ainda que o visse debater-se em protesto, Kerchak o atirou tranquilamente pelo ar — e
então fez o mesmo com Donald e Pateta.
— Uooooooou! — gritou Sora, os gorilas ainda em euforia.

Com a ajuda de Kerchak, Sora voou pelo ar até finalmente cair sobre um despenhadeiro.
Donald então caiu de bunda sobre ele e Pateta, de cabeça — como quando haviam se conhecido.
— Dá pra sair de cima...?
— Wak! — gritou Donald, e então ele e Pateta desceram de cima de Sora.
— Eu mereço... — Sora limpou a poeira em seus joelhos e se levantou.
Um som quase ensurdecedor de água corrente tomava o lugar e, quando olhou para cima, se
deparou com uma enorme cachoeira.

74 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Uau... olhem só pra isso... — disse Pateta, maravilhado.
— Só pra esclarecermos... Isso não significa que somos amigos! — disse Sora.
— Tirou as palavras da minha boca! — retrucou Donald.
Foi quando Tarzan apareceu, ainda apoiado em Jane.
— Tarzan! Você tá bem?!
— Bem. Tarzan casa. — Com o braço ferido, ele apontou para a cachoeira.
— Sua casa...?
Tarzan pulou para a entrada de uma caverna sobre o muro de pedra. Sora e os outros
escalaram para segui-lo.
— Uau... mas que incrível! — Pateta parecia admirado, observando o interior da caverna.
— Esse deve ser o fundo da cachoeira — Donald murmurou para ele.
Escorria água pelo interior da caverna e havia rochas que se alinhavam como degraus.
Segurando Jane com um braço, Tarzan subiu por elas.
— Tarzan, espera!
Sora, Donald e Pateta se apressaram atrás dele. Foram subindo até chegar a um enorme
tronco de árvore, tão largo que mesmo os três de mãos dadas não conseguiriam rodear.
— Uau...
Eles quietamente ergueram o olhar para ver a extensão da árvore, que parecia subir até o
meio do céu. Foi quando Tarzan disse algo na língua dos gorilas. Sora reconheceu como a palavra
que ele lhe havia dito quando se conheceram.
— Aqui...?
Tarzan correu até Sora e pôs uma mão ao redor de seu ouvido, fechando os olhos em um
silêncio profundo. Podiam ouvir o fragor da cachoeira ao longe. Estava ecoando por toda a caverna,
trazendo uma misteriosa melodia consigo.
Jane olhou para Tarzan e repetiu a palavra que ele dissera.
— Isso significa “coração”, não é?
— Você entender?
— Acho que sim... Amigos, dentro de nossos corações...
— Coração — repetiu Tarzan, sorrindo.
— Ah, então eles não estão aqui de verdade... — disse Sora, entristecido.
— Amigos, mesmo coração. Clayton, perder coração. Não coração, não ver amigos. Não
coração... não amigos. — Tarzan tentava com todas as forças dizer a eles algo importante sobre a
amizade.
— Sora...
— Donald...
Ambos disseram o nome um do outro quase que ao mesmo tempo.
— Você primeiro, Donald!
— Não! Você primeiro!
— Qual é, galera... — Com um grande sorriso no rosto, Pateta os censurou.
Sora passou a mão na nuca.
— Me desculpa pelas coisas que eu disse...
— Eu também sinto muito... — Donald parecia um pouco constrangido.
— Isso! Somos amigos, não é mesmo? Um por todos e todos por um!
Pateta abraçou Donald e Sora por cima dos ombros.
Foi quando uma luz azul os iluminou.
— Que luz é essa?
Eles ergueram o olhar e, no meio do tronco da árvore, notaram um grupo de borboletas azuis
reunidas, quase como se para proteger — a Keyhole.
Sora ergueu quietamente a Keyblade e um pequeno e brilhante raio de luz irradiou dela,
partindo em direção à Keyhole. Ela se trancou num click, derrubando alguma coisa.
— Um bloco Gummi! — Pateta o recolheu. O pequeno bloco brilhava em suas mãos.
— Mas esse aí com certeza não é do rei... — disse Donald, entristecido.
Foi quando a pequena gorila o cutucou com o nariz.
75 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
76 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ora, acho que alguém tem uma nova admiradora — observou Jane.
Donald balançou as mãos freneticamente em recusa.
— Não, não, não! A Margarida me mataria! — Ele tentou fugir, mas a gorila correu em
seu encalço.
Sora quase caiu na gargalhada. Mas Tarzan então chamou seu nome.
— Sora, amigo, Tarzan — disse em meio a um sorriso.
— Tarzan, amigo, Sora!
Uma pequena luz os iluminava, fosse ela do sol que se infiltrava por entre as folhas, das
borboletas cintilantes, ou talvez de ambos.
Amigos.
Corações.
Tarzan.
Donald e Pateta.
Kairi e Riku.
Eram todos amigos queridos... e não havia nada mais importante que os amigos.
— Donald, Pateta... vamos nessa! — Sora disse a seus amigos.
Eles voltaram para a tenda, onde o Grilo Falante os estava esperando e então deixaram a
Selva Profunda para trás.

77 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO FRAGMENTO 1 78 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
SOMBRAS NEGRAS SE REUNIAM AO REDOR DE UM PEDESTAL DE PEDRA.
No meio, havia um círculo de luz que mostrava Sora, Donald e Pateta.
— O pirralho acabou com outro Heartless! Quem diria? Quantos já foram, três?
— E os amigos do fedelho são os lacaios do rei. A meus olhos, não passam todos de um
bando de ratos de convés...
— Você também não é de se estimar.
— Cale-se!
O homem de capa negra, carregando um grande cajado em forma de serpente, e o homem
que usava um enorme chapéu vermelho com uma pena por cima e tinha um pedaço de metal
retorcido no lugar da mão esquerda — Jafar e Gancho — começaram a discutir.
Uma terceira voz gélida os interrompeu:
— Basta.
Trajando um manto negro como as sombras, aquela era Malévola.
— Tal é o poder da Keyblade. O garoto não possui força própria. — Ela se aproximou do
círculo de luz sobre o pedestal e ergueu seu cajado diante dele.
— Por que não o transformamos num Heartless? Isso resolveria as coisas bem mais rápido!
— disse Gancho em meio a uma risada cruel.
Com o balançar de seu manto, Malévola sorriu.
— A Keyblade o escolheu. Será ele quem conquistará a escuridão? Ou a escuridão o
engolirá? Seja como for, ele ainda pode ser útil.
— De toda forma... o que terá atraído os Heartless a uma selva como aquela? — indagou
Gancho.
Malévola respondeu sem tirar os olhos do círculo de luz:
— O caçador foi o que os atraiu. Sua cobiça por poder tornou-se a isca.
— Um tolo de coração fraco como ele não tinha chances contra os Heartless — disse Jafar,
empunhando seu cajado com cabeça de serpente enquanto se aproximava de Malévola. — Mas o
garoto é um problema. Ele encontrou mais uma das Keyholes.
— Levará eras para que encontre o restante — respondeu Malévola, seu olhar ainda focado
em Sora, Donald e Pateta no círculo de luz. — Além do mais, ele permanece alegremente alheio a
nosso outro plano.
— As princesas... — disse Gancho, cruzando os braços.
— Sim. Elas estão caindo em nossas mãos, uma a uma. E falando nisso...
Malévola apontou com seu cajado para a prisioneira que havia desaparecido do País das
Maravilhas — Alice.

79 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 5 80 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
SORA OBSERVAVA ENQUANTO A SELVA PROFUNDA DESAPARECIA AO LONGE,
atrás dele. Parecia já ter se passado uma eternidade desde que deixara as Ilhas do Destino.
Tinha conhecido várias pessoas e se despedido de muitas delas também. Mas ainda não
havia encontrado Kairi e Riku.
Eles têm que estar em algum lugar lá fora, pensou Sora, seu olhar perdido no Céu Além.
As estrelas brilhantes eram tão lindas. Queria que Kairi e Riku também pudessem vê-las.
Não... queria poder vê-las com eles.
— Sério... esse bloco Gummi aqui é muito estranho... — Segurando o bloco que haviam
encontrado na Keyhole da Selva Profunda, Pateta inclinou a cabeça.
Sora saiu da janela da cabine e olhou para o objeto nas mãos de Pateta.
— O que tem de estranho nele?
— Não sei, é que ele não parece um bloco Gummi normal. — Pateta o ergueu diante da luz
das estrelas.
— Eu também nunca vi nenhum como esse — disse o Grilo Falante, saltando para a mão
de Pateta.
— Como ele é diferente dos outros? — perguntou Sora.
— Hm... parece que tem alguma coisa dentro dele.
— Onde...? — Sora olhou mais de perto e, sob a luz, alguma coisa se revelou no centro,
cintilando como uma pequena estrela. O que era aquilo...?
— Talvez o Leon saiba o que é — disse Donald da cabine de piloto.
— É... talvez. Será que devemos voltar a Traverse Town? — disse Pateta.
— Eu quero ser o piloto! — Sora tentou derrubar Donald da cadeira do piloto.
— Ei, para com isso!
E a batalha pela cadeira do piloto começou novamente.
— Ah, qual é! Eu sou o mestre da Keyblade!
— Não me importa quem é você! Não!
Assistindo aos dois discutirem, Pateta e o Grilo sorriram e deram de ombros.

Em sua segunda visita a Traverse Town, a cidade noturna parecia tranquila e amigável.
— Parece que não tem nenhum Heartless aqui pelo Primeiro Distrito... — Donald olhou em
volta. — Vejam ali a Yuffie!
Ela estava parada diante da central de correspondências na praça do Primeiro Distrito. Eles
correram até ela.
— Oi, Sora! — Yuffie os saudou com um sorriso no rosto. — Que bom tê-los em casa!
— É bom ver você! — responderam Donald e Pateta, mas Sora não disse nada.
Yuffie não pareceu incomodada com seu silêncio. Ela continuou falando:
— Como têm sido as suas viagens?
Aos poucos, com um interrompendo o outro, o trio lhe contou sobre Alice e o que havia
acontecido na Selva Profunda.
— Caramba, também queria ter estado lá... parece ter sido dureza, Sora. — Yuffie lhe
lançou um olhar afetuoso, quase como se fosse uma irmã mais velha.
— Tá tudo bem! Eu vou fazer o que for preciso pra encontrar o Riku e a Kairi!
— E o rei! — acrescentou Pateta.
— Na verdade, — disse Sora — viemos a Traverse Town pra perguntar uma coisa pro Leon.
— Ele provavelmente está treinando na caverna subterrânea — disse Yuffie.
— Caverna subterrânea?
Sora já havia andando bastante pela cidade, mas não se lembrava de ter visto algo assim.
Parando para pensar, eles ainda não tinham encontrado a Keyhole de Traverse Town, então talvez
existissem várias coisas sobre aquela cidade que eles ainda não sabiam.
— Sabem o canal que tem no beco? — explicou Yuffie. — Ele se conecta a essa caverna.

81 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— No beco atrás do hotel? — disse Donald.
— Isso! Dá pra chegar no subsolo por lá. Vocês não sabiam?
O trio trocou um olhar. Parecia que teriam que ir lá para ver.
— Beleza, até mais!
— Cuidado com os Heartless no Segundo Distrito!
— Valeu!
E eles seguiram para o Segundo Distrito.

No momento em que passaram pela porta que separava os distritos, Heartless começaram a
surgir do chão.
— Quack?! — Donald pulou para se esquivar do ataque de um Heartless.
— Poxa, o Primeiro Distrito estava tão tranquilo que achei que nem veríamos esses caras...
— Pateta se lançou contra o Heartless que estava atrás de Donald.
— E parece que estão mais fortes que antes! — Sora acertou um grande Heartless por trás.
Eles realmente estavam mais fortes. Havia um Heartless que atacava girando como um tornado e
outros que usavam magias mais poderosas. — Será que isso significa que a escuridão está ficando
mais forte...?
Eles correram para dentro do hotel.
— Ufa... aposto que eles não vão entrar aqui — disse Pateta, retomando o fôlego.
— Mas eles estavam infestando esse lugar na última vez que viemos ao hotel! — Donald
entrou em um dos quartos. Era um com papel de parede verde, onde Sora, Leon e Yuffie antes
haviam parado para conversar.
— Eu nunca estive nos outros quartos... — Sora abriu a porta do quarto ao lado.
— Você já esteve nesse verde? — disse Pateta, espiando ambos os quartos.
— Eu conversei com o Leon aqui, pouco antes de conhecer vocês.
— E a Aerith estava nos contando tudo no outro quarto. Aí a Yuffie entrou e os Heartless
atacaram...
Eles olharam de um para o outro.
— ...Então quer dizer que estávamos todos aqui ao mesmo tempo, só que em quartos
diferentes? — disse Sora.
— Parece que sim...
Todos deram uma risada.
— Quando vocês caíram em cima de mim do nada daquele jeito, eu achei que eram mais
Heartless!
— Não fazíamos a menor ideia de que você estava lá em baixo! Não é, Donald?
— A maior surpresa foi quando vimos que quem amorteceu a nossa queda era justamente o
portador da chave!
Eles se pegaram conversando sobre quando haviam se conhecido, como se fosse algo que
acontecera tempos atrás e não apenas noutro dia.
— E agora, cá estamos nós, juntos nessa jornada! — Pateta cruzou os braços e assentiu.
— Bom, não temos tempo pra ficar parados tagarelando sobre isso — disse Donald. —
Vamos nessa!
Eles saíram pela sacada e pularam em direção ao beco abaixo.

No beco escuro, não importava quantos Heartless derrotassem, mais deles continuavam se
erguendo do chão, como sempre.
— Eles não vão embora! — exclamou Donald, disparando suas magias.

82 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Pateta, encontrou a passagem do canal? — gritou Sora. Ele estava lutando ao lado de
Donald enquanto Pateta procurava pela passagem que levava ao subsolo.
— Não... só não consigo ver mesmo é atrás dessa grade...
No canto, o canal atravessava uma grade. Pateta tentou sacudi-la, mas ela permanecia firme
em seu lugar. Em uma pausa na luta, Sora e Donald correram para se juntar a ele.
— Então é aqui?
— Provavelmente...
Sora espiou através da grade, mas o outro lado era escuro feito breu.
— Wak! Olha eles aí! — Uma horda de Heartless vinha correndo atrás de Donald.
— Será que não conseguimos quebrá-la se nos jogarmos contra ela todos de uma vez? —
disse Pateta. Eles trocaram um olhar...
— No três. Um, dois... três!
Batendo em disparada, eles colidiram contra a grade, que caiu com a maior facilidade. O trio
deu de cara com a água do outro lado.
— Eita!
A pancada na água ecoou por toda a passagem subterrânea.
Os Heartless não pareciam os estar seguindo.
— Caramba, é bem escuro aqui. — Pateta ajudou Donald a se levantar e eles avançaram
pelo canal.
— Mas parece levar a algum lugar...
Foram nadando com cuidado e, de repente, se depararam com um espaço aberto um pouco
mais à frente.
— Uau...
Era uma caverna e, no pequeno pedaço de terra seca que havia no centro, Leon balançava
sua Gunblade em silêncio.
— Leooon! — Donald saiu correndo pela água rasa, que respingava por todo lado. Leon já
devia tê-los notado, mas continuou praticando. Aerith estava logo ao lado. — Aerith!
— Sora, Donald, Pateta! Que bom tê-los em casa! — disse ela, abrindo um sorriso quando
todos alcançaram a ilha.
— Me fala, Aerith...
— Sim?
— Quando chegamos aqui, a Yuffie também disse “que bom tê-los em casa” pra gente...
Isso não é meio esquisito? — Sora também havia achado um pouco estranho quando Yuffie falou,
mas só agora resolveu comentar.
— Por quê?
— Bem... quer dizer, eu não sou daqui... — Sora abaixou o olhar.
Aerith pareceu um pouco entristecida.
— Traverse Town é uma cidade para onde as pessoas vêm quando não tem mais um lugar
para chamar de lar — disse Leon, ainda balançando sua espada. — Então as pessoas aqui te
cumprimentam como se estivesse em casa, mesmo que você seja de outro lugar.
— Ah... tá certo, entendi. Bem, obrigado! É bom ver vocês de novo!
— É bom tê-lo em casa, Sora — disse Aerith novamente, com mais afeição em sua voz.
Leon finalmente parou seu treinamento.
— E então, encontraram alguma coisa?
— Bom, não sei se conta...
Eles relataram a Leon e Aerith a mesma história que haviam contado a Yuffie sobre Alice e
a Selva Profunda.
— Então você trancou as Keyholes... — Perdido em pensamentos, Leon cruzou os braços.
Aerith começou a falar, como se tivesse chegado a uma conclusão:
— Você é o único que pode salvar os mundos, Sora. — Ela juntou as mãos, entrelaçando os
dedos no processo, quase como se para rezar.
O rosto de Sora tornou-se nebuloso de preocupação.
— Mas... será que eu consigo?
83 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bom, se quiser procurar seus amigos, — disse Leon — duvido que ver outros mundos
seja uma perda de tempo.
Ainda que seja verdade... será que eu consigo fazer uma loucura como essa? Pensou Sora.
— Vamos, Sora, a gente consegue!
— Temos que encontrar os seus amigos! E o Rei Mickey!
Donald e Pateta olhavam para ele.
Eu já fiz várias coisas que jamais poderia imaginar, pensou Sora. Eu não achava que podia,
mas fiz. E... eu sou o único que pode, porque a Keyblade me escolheu.
— Sora — disse Aerith, a voz suave.
— Acho que vocês tão certos... Tá bem!
— Aí, esse é o espírito do portador da Keyblade! — disse Leon, como se Sora ainda
precisasse de persuasão.
— Ah, é, Leon. Nós encontramos esse bloco Gummi... — Pateta pegou o bloco brilhante e
lhe mostrou. — Ele parece diferente dos outros. Sabe pra que ele serve?
Leon olhou para o bloco Gummi, mas não tinha uma resposta.
— Perguntem ao Cid — disse Aerith. — Ele sabe bastante coisa sobre blocos Gummi.
— Beleza! Vamos indo, então! — Sora começou a voltar pelo canal. — Obrigado por tudo!
Ele acenou com a Keyblade. Em silêncio, Leon e Aerith o observaram partir com Donald e
Pateta logo atrás.
— Mas... — começou Leon, quando o trio já estava fora de vista.
— Eu sei. — Aerith parecia ler sua mente. — Você está preocupado com a Keyhole desse
mundo, não é?
— Se conseguíssemos selar a Keyhole, os Heartless não voltariam mais para cá.
— Mas apenas selá-la não é o suficiente... — As sobrancelhas de Aerith se arquearam.
— Então tudo o que podemos fazer é juntar informações e cuidar do Sora.
— É um pouco frustrante, não?
Leon voltou a balançar a Gunblade.
E Aerith continuou a rezar. Por favor, não permita que os mundos desapareçam. Por favor,
permita que ele fique bem.
Ela rezava pelos mundos... e por Sora... e por ele.

O trio voltou ao Primeiro Distrito e correu em direção à Loja de Acessórios. Como sempre,
Cid estava lá, seus cotovelos repousados sobre o balcão.
— E aí! — Ele os cumprimentou.
— Cid! — Eles correram até o balcão e mostraram a ele o bloco Gummi.
— Ora, se não é um bloco Gummi.
— Isso. — Donald assentiu.
O brilho do bloco Gummi refletia nos olhos de Cid enquanto ele o observava.
— Então, pra que esse aí serve? — perguntou Pateta.
— Tá tirando com a minha cara, né?! — exclamou Cid dramaticamente. — Vocês voam
numa Nave Gummi e nem sequer conhecem os diferentes tipos de blocos Gummi?! Bando de
idiotas! O Céu Além não é um parquinho!
— Tem muita coisa que a gente não sabe. Mas e daí?! — Sentindo-se como uma criança
levando uma bronca, Sora fez bico. — Temos que usar a Nave Gummi pra ir a outros mundos. Não
temos escolha.
— Ah... bem, acho que tem razão — disse Cid, a voz baixa, olhando para a Keyblade na
mão de Sora. — Tá certo, estou aqui para dar uma mão.
— Valeu.
Cid respirou profundamente e começou a explicar:

84 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
85 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Então, esse Gummi é uma baita mão na roda. Se o instalarmos na sua nave, ele vai
habilitar novas rotas. Sabem o que isso quer dizer?
— Novas rotas...? — Pateta inclinou a cabeça.
Donald captou a ideia:
— Significa que vamos poder ir para mundos novos!
— Bingo. E aí, vão querer instalar?
— Sim!
Se vissem mais mundos, poderiam encontrar Kairi e Riku... e o Rei Mickey.
— Tranquilo, deixem que eu cuido disso, não precisam se preocupar — disse Cid. — Mas
vou precisar de algo de vocês em troca no meio-tempo.
— O quê? Vamos ter que pagar?! — reclamou Donald, pulando para cima e para baixo.
— Calma lá! Só quero que vocês entreguem uma coisinha pra mim. E enquanto fazem isso,
eu instalo o Gummi. Vai demorar um tempo. O suficiente para vocês fazerem a entrega, pode ser?
— Acho que sim... — disse Sora, ainda não convencido.
— E de qualquer forma... Hã, bem... — Cid coçou a cabeça. Ele parecia ter algo importante
a dizer, mas não conseguia botar pra fora. — Bom, vocês vão ver quando chegarem lá!
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares.
— Certo. Então, o que precisamos entregar?
— Só isso aqui... — Ele pegou um livro carcomido. — É bem velho e parecia que ia cair aos
pedaços, então eu o restaurei.
Tinha uma pequena fechadura no livro, mas não parecia estar trancada nem nada. Eles o
abriram e viram a ilustração de uma floresta, rasgada aqui e ali. Parecia um livro ilustrado infantil.
— E tem uns animaizinhos ali também...? — disse Pateta, espiando o livro por cima do
ombro de Sora. Como dissera, havia desenhos de criaturas que pareciam bichinhos de pelúcia.
— Cuidado aí. Esse livro é precioso. E parece que possui um poder especial. Então quero
que o levem para uma velha casa no Terceiro Distrito. É só procurarem por um emblema em forma
de fogo. Digam, as crianças aí sabem usar magia de fogo?
— O que você acha?! Está falando com um feiticeiro real! — exclamou Donald, irritado,
erguendo seu cajado.
— Então vocês dão conta. Bem, vou deixar nas suas mãos.
— Beleza! — Sora pôs o livro no bolso.
E então o ar tremulou com o tocar de um sino gigante vindo de algum lugar.
— Eita, o que é isso?! — Sora olhou em volta.
Cid não pareceu nem um pouco alarmado.
— Parece que o sino da Loja de Engenhocas tá tocando...
— Loja de Engenhocas...?
— É uma loja esquisita que tem no Segundo Distrito. Dizem que se tocarem o sino três
vezes, alguma coisa acontece, mas ninguém nunca escutou o sino tocar três vezes seguidas. Talvez
vocês possam dar uma olhada depois que entregarem o livro. — Cruzando os braços, Cid abriu um
pequeno sorriso.
— Certo. Donald, Pateta, vamos!
Eles deixaram a loja e seguiram para o Terceiro Distrito.
— Cara, já faz um tempo — Cid disse para si mesmo. — É bom ter um serviço de verdade.
Ele esticou os braços e desapareceu nos fundos da loja.

O trio passava novamente pelo Segundo Distrito.


— Não importa quantos a gente derrote, os Heartless continuam aparecendo! — resmungou
Pateta, conforme derrotava mais deles. — Será que não tem um jeito de escondermos a Keyblade?
— Se fizéssemos isso, não teríamos como trancar as Keyholes e, além do mais, o rei nos
disse para ficarmos com a chave — retrucou Donald. — Estaríamos desobedecendo ordens!

86 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Era verdade que os Heartless eram infindáveis, mas... de repente, o sino tocou novamente,
fazendo o chão tremer.
— Uou! — Sora tropeçou e caiu.
Pateta o ajudou a se levantar.
— Você tá bem, Sora?
— Poxa... será que não tem nada que possamos fazer sobre os toques desse sino...?
— É aquele sino lá em cima, né? — Pateta apontou para uma torre. — Talvez a gente possa
fazê-lo parar...
— Quack! Parem de fazer corpo mole! — Donald os repreendeu. Eles haviam parado de
lutar contra os Heartless.
— Tá bom, tá bom — Sora empunhou a Keyblade.
Eles então chegaram ao Terceiro Distrito.
— Finalmente, conseguimos...
Enfrentando os Heartless, eles correram pela praça do Terceiro Distrito, chegando à casa
escondida. Depois de passarem por tudo isso, não estavam na melhor forma.
Diante da grande porta, eles recuperaram o fôlego e ajudaram a curar uns aos outros. A porta
estava marcada por uma insígnia em forma de fogo. Pateta tentou empurrar com toda a força, mas
ela nem se mexeu.
— Não quer abrir...
— O Cid não disse que tínhamos que usar magia? — disse Sora, olhando para o cajado
de Donald.
— Nesse caso, seria... Chamas! — Donald rapidamente disparou uma bola de fogo contra a
insígnia na porta.
E então — ela se abriu devagar.
— Vamos!
Eles passaram pela porta, encontrando-se numa grande caverna.
— Nossa, não sabia que tinha um lugar assim em Traverse Town...
Sora olhou ao redor. Havia um enorme lago na caverna e, no meio dele, uma pequena ilha
com uma única casa ali encarapitada.
— Será que é ali?
Donald fez o primeiro movimento, pulando em direção às pedras que formavam uma espécie
de ponte sobre a água.
— Vamos, depressa! Quack! — Desviando o olhar para os outros dois enquanto pulava,
Donald acabou caindo na água em meio a uma pancada espetacular.
— Poxa, você tá bem? — Pateta pulou sobre a pedra e ajudou Donald a subir de volta.
— Wak! — bufando, Donald pulou para a próxima. — Você também, Sora!
— Estou indo! — Sora também começou a atravessar. Eles chegaram à estranha e pequenina
casa, que mais parecia uma caçarola com um chapéu vermelho em cima.
— Não quer abrir! — Donald chutou a porta. Parecia que cair na água havia sido a última
gota para ele.
— Será que não tem outra entrada...? — Pateta começou a andar ao redor da casa.
— Pra mim já chega! Cair em lagos, casas sem entrada! Isso é o fim da picada!
— Ah, não fica chateado com isso, Donald. — Sora tentava acalmá-lo enquanto erguia o
olhar para a casa. O telhado vermelho estava um pouco dilapidado. Não parecia possível que
houvesse alguém morando ali.
— Sora! Donald! — gritou Pateta. — Achei uma entrada!
Eles se juntaram a Pateta do outro lado, onde havia um grande buraco na parede.
— Será que podemos mesmo entrar por aqui?
— Por que não?
Eles então passaram pelo buraco, entrando furtivamente na casa. Ela certamente parecia
estar abandonada. Sora olhou de um lado para o outro e...
— Tem alguma coisa nesse lugar velho e mofado...
Sora se virou. Aquela voz — ele definitivamente tinha acabado de ouvir a voz de Kairi!
87 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ele não lembra o nosso lugar secreto?
Kairi estava parada diante dele. Seus cabelos vermelhos balançaram quando ela virou seu
sorriso para Sora. Era mesmo a Kairi. Aquele sorriso era o mesmo do qual ele se lembrava, o
mesmo de quando se separaram nas Ilhas do Destino.
— A caverna onde costumávamos rabiscar nas paredes. Lembra?
— Kairi... — Sora ergueu a mão para ela.
— Sora?
Era a voz de Pateta que havia vindo de trás dele. Sora se virou e, quando voltou o olhar para
onde Kairi estava — não havia ninguém lá.
— E-Eu vi...
Sora tentou explicar, mas então outra voz se dirigiu a eles:
— Ufa... Ora, ora. Vocês chegaram mais cedo do que eu esperava.
Diante da parede estava um velho senhor com uma grande barba, de óculos e com um
enorme chapéu pontiagudo sobre a cabeça.
— Você sabia que estávamos vindo?
— Mas é claro.
— Você é um Heartless?! — Donald já havia empunhado seu cajado.
— Oh-ho-ho, não! Meu nome é Merlin. Como podem ver, sou um feiticeiro. Passei muito
tempo de minha vida viajando. É bom estar em casa. O seu rei requisitou minha ajuda.
— O Rei Mickey? — disse Pateta. Essa era a primeira notícia que tinham do rei desde o
início de sua jornada.
— Sim, o próprio. Donald, Pateta... e quem seria você? — Merlin fitava Sora.
— Sou o Sora.
— Ah... então vocês encontraram a chave. — Merlin assentiu e olhou para ele mais de perto.
Ficando sem paciência, Donald reclamou:
— O que o rei pediu que você fizesse?
— Bom, só um momento... — Merlin subiu sobre uma plataforma de pedra no meio da sala
e balançou sua varinha. — Presto!
Sua bolsa se abriu e todo tipo de mobilha e artigos domésticos saíram voando de dentro dela,
cada objeto tomando seu lugar na sala.
— Uau! — Diante dos olhos escancarados do trio, o lugar que antes caía aos pedaços se
transformou na casa de Merlin.
— Pronto, assim está melhor. E agora... — Merlin balançou sua varinha em direção a um
pequeno modelo de uma carruagem em forma de abóbora que havia mais ao canto. — Bibbidi-
bobbidi-boo!
Com esse encantamento misterioso, uma velha senhora vestindo um robe azul-escuro com
capuz apareceu.
— Ora, olá. Eu sou a Fada Madrinha.
Ela balançou a própria varinha e uma nuvem de partículas brilhantes se formou à sua volta.
— Seu rei pediu ajuda para nós dois — disse Merlin.
— E onde está o rei?!
Diante da pergunta de Donald, Merlin e a Fada Madrinha trocaram um olhar e começaram a
falar como se recitassem um poema:
— Não há tempo a gastar...
— Não posso mais voltar...
— Mas sobre as trevas está a luz...
— E a luz às trevas conduz...
— Isso não faz o menor sentido! — Donald bateu o pé.
— A escuridão está à espera.
— Mas... onde há escuridão, a luz também opera.
— Escuridão e luz... — murmurou Sora.
— Eu não entendo! — ralhou Donald.
Merlin apontou para a Keyblade.
88 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Fiquem com a chave e o caminho se tornará claro.
— Com a chave? — disse Pateta, inquieto.
— Foi esta a pista deixada pelo rei.
— O que eu devo fazer? — perguntou Sora.
O feiticeiro e a fada voltaram a olhar um para o outro.
— Vá aonde a luz o levar.
— E quanto à Kairi e ao Riku?!
A Fada Madrinha balançou a cabeça.
— Não sei dizer... Mas... posso senti-los. Bem perto...
— Apenas vá — disse Merlin. — Vá para onde a chave guiar...
— Certo. Eu vou. — A voz de Sora se encheu de determinação. — Vamos... Ah, espera!
Merlin já sabia.
— O livro que o Cid pediu que entregassem, não é?
Sora se virou e entregou o livro usado.
— Ah, vejam só. Ele fez um ótimo trabalho na restauração...
Curioso, Pateta se inclinou em sua direção.
— Que tipo de livro é esse?
— Bem... nem mesmo eu tenho certeza. Se quiserem descobrir, podem dar uma lida.
— Vamos sim, na próxima vez! — disse Sora, e eles deixaram a casa.

Eles correram de volta pelo Terceiro Distrito, enfrentando os Heartless pelo caminho.
— Eles não param mesmo... — murmurou Pateta enquanto abria a porta do Segundo
Distrito. Assim que passaram por ela, o sino voltou a tocar,em meio a um tinido estridente. O
tremor pareceu atravessar o chão.
— Gwa-waaak! — gritou Donald.
— Será que não tem um jeito de impedir que ele toque? — indagou Pateta.
— Esquece isso — censurou Donald. — Temos que voltar à loja do Cid e sair para encontrar
mais alguns mundos!
— Mas tem tantos Heartless, acho que a Keyhole deve estar por aqui em algum lugar —
disse Sora, erguendo o olhar para a torre do sino.
— Você acha que o sino tem alguma coisa a ver com a Keyhole?
— Bom, eu não sei, mas... — Antes que Sora pudesse terminar a frase, a Keyblade começou
a brilhar com força. — Eita!
— Ela tá brilhando!
Os três trocaram olhares e partiram para a Loja de Engenhocas.

— Uaaau!
Eles vagavam pelo interior da Loja de Engenhocas, com todas aquelas engrenagens enormes
que giravam sem parar.
— Ei, que tal por ali? — disse Pateta, e eles foram passando por entre algumas das
engrenagens. — Ah, é um beco sem saída...
Eles não faziam ideia de por onde seguir.
— O que vamos fazer quando encontrarmos o sino? — Donald perguntou a Sora enquanto
iam se esquivando de mais algumas engrenagens.
— Bem, o Cid disse que se o tocássemos três vezes, aconteceria alguma coisa, né?
— Hã? Ele só não vai fazer aquele barulho insuportável de novo? — disse Donald.
— Mas olha só todos esses mecanismos aqui! — exclamou Sora. — Eles têm que estar
escondendo algum tipo de segredo.
89 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Acho que o Sora tá certo — disse Pateta, passando por cima de algo que parecia um
pêndulo balançando.
— Talvez sim... — resmungou Donald.
Pateta encontrou uma abertura em cima de algumas engrenagens.
— Ei, podemos passar por aqui!
— Wa-waaak... — Lutando para manter o equilíbrio, Donald subiu nas engrenagens e pulou
para o outro lado. Se não o tivesse feito na hora certa, teria sido esmagado por elas.
— E agora... aqui vou eu...!
Sora também tratou de pular para o outro lado. Lá, havia uma pequena porta.
— Por aqui? — Donald abriu a porta e eles então se encontraram no telhado da Loja de
Engenhocas. E logo adiante estava a torre do sino.
— Poxa. Parece que não dá pra entrar... — Pateta espiou por entre as ripas de madeira. O
sino estava fechado com tábuas.
— Bom, não devem ser mais duras que as grades do canal, né? — disse Sora. — Vamos
nessa... no três!
O trio saiu correndo e colidiu contra as tábuas, que se quebraram com a maior facilidade.
— Então esse é o sino que fica tocando daquele jeito... — Sora fitou o grande sino. —
Pateta, pode ficar de vigia?
— Com certeza!
Pateta ficou de olho no Segundo Distrito.
Donald pulou e agarrou a corda já bem gasta para tocar o sino.
— Três vezes, o Cid disse, certo?
— Certo!
Como se a resposta de Sora fosse sua deixa, Donald puxou.
Uma...
Duas...
Três vezes...
Mas só o que sucedeu foi o sonoro barulho dos toques.
— Ah... não tá acontecendo nada... — Sora suspirou.
Mas então Pateta exclamou:
— Uma Keyhole!
— Hã?
— Tem uma Keyhole ali!
Sora correu até Pateta e olhou para onde ele estava olhando. Uma Keyhole havia aparecido
na fonte da praça.
— Beleza!
Eles pularam do telhado e correram até lá.
— Agora não vai mais ter Heartless em Traverse Town! — disse Pateta.
Mas um enorme estrondo atingiu o chão.
— O que é isso?
Um Heartless gigante caiu do céu — um que eles achavam que já haviam derrotado. Era a
Armadura de Guarda.
— Acho que não vão nos deixar trancar a Keyhole sem lutar... — reclamou Pateta,
levantando seu escudo.
— Mas a gente já derrotou esse antes! — Sora empunhou a Keyblade.
Donald ergueu seu cajado — mas o enorme pé da Armadura de Guarda já estava vindo em
sua direção.
— Wak-gwaaak! — Donald tentou se esquivar, mas tropeçou no chão de pedra.
— Donald! — Sora correu para lhe dar cobertura.
— Ei... cuidado! — Pateta cobriu os olhos e então, em meio a um poderoso retinir, o pé da
Armadura de Guarda foi lançado voando para trás.
— Aí está você. O que tá pegando?
Era uma voz que Sora conhecia. Os cabelos prateados cintilaram em meio à noite escura.
90 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Sora ergueu o olhar e lá estava ele...
— Riku?!
Com um sorriso convencido no rosto, Riku ajudou Sora e Donald a se levantarem.
— Como você chegou aqui?!
— Eu explico depois! Lá vem ele!
Diante das palavras de Riku, a Armadura de Guarda se lançou contra eles em um golpe
furioso, como se para se vingar por ter tido seu pé destruído. Riku e Sora logo pularam para fora do
caminho, seguidos por Donald, bem a tempo de evitar o punho que se chocou contra o chão.
— Seu babacão feio e idiota! Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald bombardeou a
Armadura de Guarda com suas magias enquanto Pateta corria de um lado para o outro.
Sora e Riku atacaram o corpo principal em turnos, como camaradas que lutavam lado a lado
há tempos.
— Parece que você aprendeu umas coisas novas, Sora!
— Você também, Riku!
Era ele. Aquele olhar, aquela voz — com certeza era o Riku. Não era apenas uma ilusão,
como a de Kairi que ele havia visto pouco antes. Era o verdadeiro Riku!
— Aqui vou eu! — Em meio a um salto enorme, Riku desferiu um golpe brutal contra a
cabeça da Armadura de Guarda.
— Minha vez!
Sora atacou o busto... e a Armadura de Guarda desabou num grande ruído. As demais partes
pararam de se mexer.
— Conseguimos! — Sem pensar, Sora abraçou Riku.
— Tá bom, tá bom, pode parar — disse Riku, mas com um sorriso no rosto.
— Esse é o Riku? — perguntou Pateta.
— Sim! É quem eu tava procurando! — Sora sorriu, finalmente soltando Riku. — Ah, é! E
quanto à Kairi?
— Ela não tá com você? — disse Riku, um pouco alarmado.
Parecia que enquanto Sora pensava que Kairi devia estar com Riku, Riku também supunha
que ela estava com Sora.
— Ah... então ela também não tá com você.
Riku deu um tampinha nos ombros curvados de Sora e sorriu.
— Ei, não se preocupa. Tenho certeza que ela também conseguiu sair da ilha. Nós chegamos
a outro mundo. Então podemos ir para onde quer que a gente queira. — Sora não pareceu se animar,
então ele continuou. — Estaremos todos juntos de novo em breve. Beleza, Sora? É só deixar tudo
comigo. Comigo por perto, não há com o que se preocupar.
— Mas eu também tava procurando você e a Kairi. Com a ajuda deles! — Sora repousou a
Keyblade em seu ombro e virou seu sorriso para Donald e Pateta.
Riku os encarou como se a dupla parecesse suspeita.
— Hã, nós... — Perdido, Donald olhou para Sora.
— Nós visitamos um montão de mundos juntos, — acrescentou Sora — procurando vocês.
— Sério? Ora, quem diria? Eu nunca teria imaginado.
Diante da resposta de Riku, Donald e Pateta trocaram olhares e ambos puseram um braço ao
redor de Sora.
— E adivinha só? O Sora é o mestre da Keyblade! — disse Pateta.
— Quem imaginaria uma coisa dessas? — observou Donald, irônico como de costume.
— Então o nome disso aqui é “Keyblade”? — Riku a ergueu com a mão.
— Hã? Ei, quando foi que...? Devolve aqui! — Sora se lançou contra Riku, mas ele desviou
e Sora quase caiu de cara no chão.
— Você nunca muda, Sora. — Riku deu uma risadinha e jogou a Keyblade de volta para ele.
— Pega!
— Uou...! — Sora se atrapalhou todo para pegá-la e então olhou para Riku. — Ei, você
também devia vir com a gente, Riku! Temos uma nave bem da hora. Espera só até você ver!
— Ei! Você não é o chefe aqui! — Donald o repreendeu.
91 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ah, qual é!
— Não! — Donald pulava para cima e para baixo, bufando.
— Por que não?! Ele é meu amigo! E a gente finalmente se encontrou!
— Não vai rolar!
Enquanto os dois discutiam de novo, Pateta notou a mão da Armadura de Guarda estremecer
ao lado deles.
— Donald! Sora!
Quando voltaram o olhar, a Armadura de Guarda se remontou e ergueu. Ela agora tinha os
pés no lugar das mãos e as mãos no lugar dos pés, e também tinha mudado de cor — era a
Armadura Reversa. E com um poderoso urro, ela se lançou contra eles.
— Isso ainda não acabou, Donald! — gritou Sora.
— Wak!
Com a Keyblade empunhada, Sora correu para cima da Armadura Reversa, mas ela se jogou
para o lado, como se já o estivesse esperando, e disparou projéteis de luz contra ele.
— Ah...! Uooou! — O ataque atingiu Sora com tudo.
— Essa não, Sora, você tá bem? — Pateta correu até ele e o curou.
— Quaaack! Ora, seu! Isso é pelo Sora! Trovoada! — Vendo que, no geral, Sora já estava
bem, Donald conjurou a magia e um trovão muito maior que o normal atingiu a Armadura Reversa
na cabeça.
— Uau! Essa foi boa! — Voltando a ficar de pé, Sora correu até Donald sem pensar.
— Quando eu pego pesado, eu posso... Wak! — Quando Donald estufou o peito, um
gigantesco pé blindado o jogou de bunda no chão.
— Bom, eu também posso pegar pesado! — Como se a atitude de Donald fosse contagiosa,
Pateta se lançou contra a Armadura Reversa e atacou do alto. Seu escudo atingiu o busto em meio a
um forte retinir, amassando-o.
— Uau, não sabia que você podia fazer isso, Pateta! — exclamou Sora, e Pateta respondeu
erguendo o polegar.
— Hm... o que eu poderia tentar...? Lá vai! — Sora então também se lançou contra a
Armadura Reversa, empunhando a Keyblade num movimento arqueado. — Iáááááá!
A Keyblade desenhou um arco de luz crescente no ar e atingiu a Armadura Reversa com
uma poderosa onda de choque.
— Poxa, isso foi incrível, Sora! — exclamou Pateta.
Gritando com o esforço, Sora continuou a atacar. A Keyblade retiniu e a Armadura Reversa
começou a vibrar em meio a um grande ruído, até então parar de se mexer. Finalmente, um coração
brilhante saiu flutuando de seu corpo, tornando-se luz e desaparecendo.
— Conseguimos!
Sora, Donald e Pateta celebraram outra vitória que alcançaram juntos. Mas...
— Espera... cadê o Riku? — percebeu Sora, tarde demais. — Riku...?
Ele correu pela praça, gritando o nome de Riku, mas não havia mais nenhum Riku ali.
— Essa não... bem quando eu finalmente tinha achado ele! — Sora abaixou a cabeça e
chutou o chão.
Eu estive procurando por ele esse tempo todo. Tive medo por ele. Mas ele continua sendo o
mesmo que era nas nossas ilhas. Não mudou nem um pouquinho. Isso é bom...
— Sora? — Pateta olhou para seu rosto, inquieto.
— Ele desapareceu de novo. Isso não é justo — murmurou Sora, segurando a Keyblade com
força. E então ergueu o olhar, sorrindo. — Mas tá de boa. Pelo menos ele tá legal!
— Hã? Você tá bem?
— Tô sim... A gente vai se encontrar de novo. Sei disso. Aliás, como encontramos o Riku,
talvez a gente também acabe topando com a Kairi!
Ainda com um sorriso no rosto, Sora ergueu a Keyblade em direção à Keyhole e o raio de
luz foi irradiado. A Keyhole pareceu tragar o raio de luz e se trancou num click.

92 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Opa, seja bem-vindo... ah, vocês voltaram.
Cid não estava sozinho na Loja de Acessórios. Leon, Aerith e Yuffie também estavam lá.
— E aí, entregaram o livro? Já terminei de instalar do Gummi de navegação.
— Valeu! Aliás, na verdade... — Sora começou a dizer.
— Nós trancamos a Keyhole! — gritou Donald.
— Sério? — disse Yuffie.
— Sim, muito sério! — respondeu Pateta. — Nós tocamos o sino e aí a Keyhole apareceu
junto da fonte.
— Então foram vocês que tocaram o sino três vezes? — disse Leon.
— Sim. A Keyblade nos disse o que fazer! — Sora a ergueu.
Yuffie se aproximou dele e observou a Keyblade.
— Uau. Essa coisa é mesmo incrível.
— Mas outro Heartless gigante apareceu — disse Donald. — E então...
Dessa vez foi Sora que o interrompeu:
— Nós achamos o Riku!
— O amigo que você estava procurando? — perguntou Aerith.
— Aham. E o Riku tava ajudando a gente, mas aí o Heartless gigante acordou e quando o
derrotamos de novo, ele tinha sumido... — Entristecido, Sora abaixou a voz. — Mas talvez a gente
consiga encontrá-lo de novo, eu espero.
— Vão sim — disse Aerith gentilmente.
Yuffie estava mais curiosa sobre outras coisas.
— Poxa, eu também queria ter visto a Keyhole.
— Então tinha mesmo uma em Traverse Town — disse Leon, em contraste, completamente
sério e de braços cruzados. — Você precisa se apressar, Sora. Mesmo enquanto estamos aqui
conversando, os Heartless estão tomando outros mundos.
Sora assentiu depressa.
— Ah, e a propósito... Já ouviram falar da Malévola? — perguntou Cid, a voz abafada.
— Quem é essa?
— Uma bruxa, garoto, ela é uma bruxa! — Cid também cruzou os braços.
Leon continuou a explicação:
— Ela é o motivo pelo qual essa cidade está cheia de Heartless. Precisam tomar cuidado
com ela.
— Ela tem usado os Heartless há anos — disse Aerith, abaixando o olhar.
— Perdemos o nosso mundo, graças a ela. — Leon desviou o olhar para Cid, fitando-o até
que ele captasse a deixa.
— Um dia, uma horda de Heartless tomou o nosso mundo! — disse Cid, finalmente. —
...Isso foi há nove anos. Eu saí daquela confusão e vim pra cá com essa galerinha.
— Isso é terrível... — murmurou Donald, parecendo sinceramente perturbado, e cruzou os
braços.
— Nosso governante era um sábio homem chamado Ansem — disse Leon. — Ele dedicou
sua vida a estudar os Heartless. Provavelmente estava em busca de uma forma de derrotá-los de
uma vez por todas.
Lembrando-se do nome, Pateta bateu com o punho na palma da outra mão.
— Esse é o Ansem que você tinha mencionado, não é, Aerith?
— Isso mesmo — respondeu ela, a voz suave. — E seu relatório deve nos dizer como nos
livrar dos Heartless.
— O Rei Mickey deve estar procurando por esse relatório! — disse Donald.
Aerith balançou a cabeça.
— Mas não sabemos onde suas páginas podem estar.
— Aposto que a Malévola tem várias delas... — disse Cid com um olhar odioso.

93 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Bem, elas têm que estar em algum lugar! — exclamou Sora.
— Provavelmente...
— Então nós vamos encontrá-las!
Aerith sorriu para ele.
— Obrigada, Sora.
— Não que isso seja muito reconfortante. — Cid forçou um sorriso largo.
Sora se virou para ele.
— Ei! O que quer dizer com isso?!
— Bem, é que você não tem muita cara de mestre da Keyblade — intrometeu-se Donald.
— O quê, você também, Donald?! — Sora o encarou, empunhando a Keyblade.
— Mas ficou bem mais forte que no início! — disse Pateta, sorrindo.
— Que no início... ah, deixem disso... — Como se tivesse perdido a força nas pernas, Sora
se sentou onde estava.
— Quer tentar de novo? — Leon empunhou a Gunblade em direção a Sora.
— Hã?
— Ou talvez queira tentar uma rodada contra a grande ninja Yuffie! — Ela ergueu sua
estrela ninja.
— Qual é, galera, eu já tô esgotado! — queixou-se Sora.
Aerith riu e, em seguida, todos fizeram o mesmo.
— Ei, por que estão todos rindo de mim? — reclamou Sora, mas ele também estava rindo.
Do outro lado da janela, duas figuras observavam a cena entre as sombras.
Uma era Riku. E a outra...
— Viu só? É como eu lhe disse.
Riku não respondeu à Malévola, apenas continuou fitando a janela.
— Enquanto você saía por aí em busca do seu querido amigo, ele simplesmente o substituiu
por novos companheiros. Agora, é evidente que ele os valoriza mais do que a você —
Malévola murmurava para ele, a voz terrivelmente gentil. — Você estará melhor sem aquele garoto
desprezível. Agora, não pense mais nele e venha comigo. Vou ajudá-lo a encontrar o que está
procurando...
Mas Riku apenas permaneceu em silêncio, observando Sora pela janela.

94 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DA PARTE 2 95 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
96 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
97 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 6 98 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A NAVE GUMMI VELEJAVA PELA VASTIDÃO DO CÉU ALÉM.
— Ficou mais confortável aqui dentro, não é? — disse Pateta.
Sora estava parado sobre uma pequena plataforma, observando o Céu Além. Ouvindo a voz
de Pateta, ele desceu.
— É. Tem bem mais espaço.
Antes da atualização, era bem apertado a bordo da Nave Gummi. Mas com as melhorias que
Cid implementara, agora havia bastante espaço.
— Não é só o interior que está melhor — disse o Pato Donald. — Até o sistema operacional
foi aprimorado!
Dentre um pequeno tremor, mísseis foram disparados da Nave Gummi e explodiram contra
uma rocha que flutuava à frente.
— Uau! Vai, Donald, deixa eu pilotar... — Parado atrás do assento do piloto, Sora olhava
estreitamente para as mãos de Donald nos controles.
— Não, não, não! Eu é que cuido do voo! — Donald o afastou e agarrou a alavanca de
controle com mais força. O campo de visão da cabine do piloto também estava mais amplo, o que
parecia tornar a navegação mais fácil.
— O Cid é muito bom no que faz, posso afirmar — apontou o Grilo Falante.
— Talvez seja até melhor que o Tico e o Teco — concordou Pateta, mencionando o
engenheiro e o mecânico do Castelo Disney. — Para onde vamos agora, Donald?
— Quack? Decidimos que temos que ir para além do País das Maravilhas!
— Além do País das Maravilhas...?
Me pergunto o que terá acontecido com a Alice, pensou Sora. Será que ela está lá fora, em
algum lugar no Céu Além? Ou...
— Vejam, lá está! — Donald apontou para o novo mundo que surgira adiante.
Era um mundo coberto por areia fulva — Agrabah.
— Olha só...! Essa praia parece que não acaba... — murmurou Sora, observando enquanto a
Nave Gummi pairava no céu do novo mundo.
— Ah, isso não é uma praia. É um deserto. — O Grilo o corrigiu. — Você não encontrará
nenhum oceano beirando essas terras.
— Tem areia, mas não tem oceano?!
— Isso mesmo.
Surpreso, Sora desviou o olhar de volta para a terra.
— Estou vendo uma cidade por ali — disse Donald.
Sora se inclinou para ver. Do outro lado das areias do deserto, havia um baluarte de pedra.
— É agora, Donald, Pateta! Vamos lá! — Sora mal podia esperar para descer no mundo
desértico.
— Ei, espera!
Pateta se ajeitou apressadamente, mas Sora já corria em direção às dunas de areia.

Uma cidade feita de pedra pairava em meio ao deserto, cercada por grandes muralhas de
pedra quase da mesma cor da areia. A cidade mantinha o seu próprio reinado, onde pessoas que
viajavam pelo deserto podiam ir e vir, trazendo negócios para as várias lojas que se enfileiravam no
bazar. Devia ser um lugar dinâmico — mas a cidade estava assustadoramente silenciosa.
Um homem e uma mulher, ambos trajando mantos negros, caminhavam pelas ruas.
— Onde está a Keyhole?
— Os Heartless a estão procurando agora. Tenho certeza que logo a encontraremos.
Quem havia feito a pergunta era a bruxa das trevas, Malévola. E quem lhe havia respondido
era o vizir real daquele mundo, Jafar.
— E quanto ao outro assunto?
— Sim, com relação a isso...

99 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Interrompendo-o, um papagaio de cores vibrantes pousou no ombro de Jafar.
— Iago! Encontrou a princesa Jasmine?
— Eu a procurei por toda parte. Ela desapareceu como mágica!
Malévola olhou para o papagaio com desdém. Era evidente que tanto Malévola quanto Jafar
estavam em busca desta princesa chamada Jasmine.
— Você disse que este lugar estava sob seu controle.
— Agrabah é cheia de buracos para os ratos se esconderem.
Parecia que todos na cidade estavam mantidos cativos graças a alguma artimanha de Jafar.
— Mas... com ou sem a princesa, esse mundo certamente será nosso quando encontrarmos a
Keyhole — disse. — Para que precisamos de Jasmine?
Dessa vez, diante da pergunta, Malévola voltou seu olhar de desdém para Jafar.
— Nós precisamos de todas as sete princesas para abrir a porta final. Menos é inútil.
— Ah, a porta, é claro. Bem, se a princesa é tão importante, vamos encontrá-la. Vocês aí!
Encontrem Jasmine e tragam-na a mim de uma vez!
Heartless armados com espadas curvadas surgiram logo atrás de Jafar. Eles usavam
turbantes nas cabeças, como guerreiros do deserto, mas como todos os Heartless conhecidos, não
tinham rostos.
— Agora vamos em frente! — Iago voou cidade adentro, guiando os Heartless consigo.
— Não fique em meio às trevas por muito tempo — preveniu Malévola. — Os Heartless
consumem os descuidados.
Jafar gargalhou, um sorriso cruel se formando em seus lábios.
— Sua preocupação é tocante, mas dificilmente necessária.
Uma grande laranja tombou de sua pilha em uma barraca de frutas, mas nem Malévola e
nem Jafar notaram.
Ali, atrás da barraca, estava a linda princesa de cabelos negros — Jasmine.

O trio parou diante dos enormes portões.


— Será que esse lugar também está cheio de Heartless...? — disse Pateta, franzindo o cenho
como se não quisesse entrar.
Donald pulou, brandindo seu cajado.
— Vamos ficar bem! Não é, Sora?
— É. Deixa com a gente!
— Poxa, espero que sim...
Eles passaram pelos portões e os Heartless brotaram do chão como se estivessem esperando
para emboscar o trio.
— Uh-oh! Eu sabia!
— Donald, Pateta, vamos! — Sora correu para cima da horda de Heartless.
— Eles têm espadas engraçadas! — gritou Pateta, bloqueando o ataque de um Heartless com
uma grande espada curvada.
— Esses caras têm asas! — Não havia muito o que Sora pudesse fazer para evitar os ataques
rasantes dos Heartless alados.
— Beleza, as minhas magias vão... Quaaack! — Quando Donald estava prestes a usar seu
cajado, um Heartless flutuante que trajava um robe vermelho disparou chamas mágicas contra ele.
— Eles ficaram mais fortes de novo! — gritou, batendo em seu chapéu para apagar as chamas.
— Vamos dar o fora daqui, Sora! — Pateta saiu correndo em direção a um beco.
Sora ainda estava decidido a lutar.
— Mas a gente ainda consegue dar um jeito neles!
— Vem logo, Sora! — Donald agarrou seu braço e o arrastou consigo, indo atrás de Pateta.
— Ahh... — Sora chutou um seixo diante de si no beco.
— Como aqueles Heartless eram fortes — disse Pateta.

100 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— A gente teria conseguido derrotar todos eles! — retrucou Sora, fazendo bico.
— Aqueles com as espadas eram bem durões... — Pateta deu um grande suspiro.
Ao lado deles, Donald olhava em volta.
— Bem, de toda forma... cadê todo mundo dessa cidade?
As barracas de feira estavam todas alinhadas no mercado, dando a impressão de uma cidade
muito próspera — mas não havia ninguém por lá.
— Essas coisas estão à venda? — Sora pegou uma laranja de uma das barracas. Parecia
deliciosa, mas...
— Quem está aí? Olá?
— Ah! — Sora pulou para trás diante da voz que surgira de repente.
— Tem alguém aí? — Pateta espiou o interior da barraca, atrás do balcão.
Uma linda jovem com traços delicados e cabelos negros apareceu. Uma doce fragrância
parecia flutuar a cada movimento seu e suas roupas eram da cor de água fresca, como um oásis em
meio àquela fervente cidade desértica.
— Sou a Jasmine — disse ela. — Meu pai é o sultão de Agrabah.
— Hã, então... isso faz de você uma princesa — respondeu Pateta.
Jasmine balançou a cabeça.
— ...Meu pai foi deposto por Jafar, que agora controla a cidade — disse, a voz suave, mas
lhe parecia algo doloroso de dizer.
— Jafar? — disse Donald.
— Nunca ouviram falar dele? — perguntou Jasmine em resposta.
— Não... a gente acabou de chegar aqui.
— Então são viajantes... Bem, Jafar aprisionou todos de Agrabah. Não há ninguém aqui... —
Jasmine abaixou o olhar, triste. Devia ter pensado que Sora e os outros eram cidadãos que haviam
escapado das garras de Jafar.
— Jasmine, eu sou o Sora. Pode nos contar mais alguma coisa sobre o que aconteceu aqui?
— Jafar é o vizir real. Ele ganhou poderes malignos e tomou Agrabah. Ele me capturou
enquanto eu tentava escapar... mas ele me ajudou...
— Quem te ajudou? — perguntou Sora, ao que ela ergueu o olhar em sua direção.
— O nome dele é Aladdin. Estávamos nos escondendo aqui pelas redondezas, mas ele se
foi há um tempo para resolver alguma coisa... Ah, espero que esteja bem... — Ela abaixou o olhar
outra vez.
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares incertos.
— Você ouviu mais alguma coisa? Talvez possamos ajudar — disse Sora.
Jasmine pensou por um momento e então respondeu:
— Jafar parece estar procurando alguma coisa...
— O que ele está procurando? — Donald trocou um olhar com Pateta.
— Acho... que ele chamou de “Keyhole”.
— A Keyhole! — Donald deu um pulo. — Também é o que estamos procurando!
Eles se inclinaram mais para perto, esperando que Jasmine lhes contasse mais. Teria a
Keyhole alguma coisa a ver com os estranhos eventos naquela cidade...?
Mas então — uma voz arrogante ressoou sobre suas cabeças:
— Você é mais problemática do que vale.
— Jafar! — exclamou Jasmine.
Um homem com um cajado com cabeça de serpente os observava do alto.
— Princesa Jasmine, permita-me encontrá-la em uma companhia mais adequada — disse,
passando a mão em sua barbicha. — Esses ratinhos não lhe servirão...
— Jasmine, corre! — gritou Sora, empunhando a Keyblade.
— Ah, o garoto que porta a chave. — Jafar o encarou e então observou Jasmine fugindo
com um sorriso maldoso no rosto que dizia que ela não chegaria longe. — Suponho que veremos do
que você é capaz.
Jafar então balançou seu cajado e os Heartless apareceram, lançando-se em direção ao trio.
— Wak! — Donald pulou para se esquivar de um ataque.
101 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Assistindo à cena do alto, Jafar se virou com um balançar de sua capa.
— Você tá fugindo?! — gritou Sora.
Jafar abriu um sorriso petulante e se foi sem pressa.
— Pode ir parando!
— Sora, cuidado! — Pateta golpeou um Heartless que se lançara contra Sora enquanto ele
tentava correr atrás de Jafar.
— Uou! — Tentando saltar para se esquivar, Sora caiu de bunda no chão.
— Sora, vamos ter que acabar com esses Heartless antes de podermos ir atrás do Jafar —
disse Pateta.
— E temos que ajudar a Jasmine! — acrescentou Donald.
Sora se levantou, ainda com a Keyblade em mãos.
— Beleza! Vamos focar cada um em um deles!
— Entendido! — Pateta piscou.
Donald ergueu seu cajado.
— Esse aqui é meu!
Juntos, os três se lançaram contra os Heartless que flutuavam no ar como grandes balões.

Tomando fôlego após terem derrotado os Heartless, os três se jogaram no chão.


— Eles estão mesmo mais fortes... — disse Sora, não totalmente ileso.
Donald lhe deu uma poção.
— Bem, temos que continuar lutando!
— É. — Sora se levantou com cuidado e olhou em volta. — Temos que achar a Jasmine.
O trio seguiu por onde Jasmine tinha fugido.
— Ela não disse que estava se escondendo em uma casa por aqui? — Donald parou diante
de uma pequena casa de pedra. — Talvez seja essa...
Eles abriram a porta de madeira e entraram na pequena casa, procurando por Jasmine.
— Não tem ninguém aqui...
Donald espiou dentro de um grande jarro.
— Hm... pra onde será que ela foi? Parece que aquele tal de Aladdin também não está aqui.
Sora cruzou os braços, pensativo, e eles então ouviram um clunk! vindo do canto.
— Hã? — Quando se virou, notou um tapete que de alguma forma parecia estar se
contorcendo sozinho.
— E-Esse tapete tá se mexendo! — exclamou Donald.
— Poxa, ele não parece um Heartless... — disse Pateta, mas não abaixou seu escudo.
O tapete parecia bater na cômoda que estava em cima dele.
— Parece que ele tá preso — disse Sora.
— Cuidado, Sora! — Donald empunhava seu cajado, mas Sora se aproximou do tapete
inquieto e empurrou a cômoda, tirando-a de cima dele.
— Pronto, agora você consegue se mexer, né?
O tapete ficou de pé sobre uma de suas extremidades e se dobrou no meio.
— Ele... se curvou para nos agradecer? — disse Pateta.
O tapete então voltou ao chão e cutucou seus pés.
— Você quer que a gente suba? — Sora pulou em cima do tapete, que pareceu saltitar de
alegria. — Donald, Pateta, subam!
Donald e Pateta trocaram olhares e, tensos, foram colocando os pés sobre o tapete, que saiu
então voando pela janela, seguindo para além dos limites da cidade.
— Eita!
Fora da cidade, o tapete acelerou de repente e eles dispararam pelo deserto.
— Uau... um tapete voador! — Sora olhava para as dunas abaixo.

102 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A Nave Gummi não era nada como aquilo — eles podiam sentir o vento em seus rostos. O
ar do deserto podia ser quente e seco, mas a sensação ainda era maravilhosa. Sora nunca tinha
experimentado nada como aquilo antes.
— Pra onde será que estamos indo...? — murmurou Pateta, suas grandes orelhas balançando
contra o vento.
— Pra lá!
No lugar para onde Donald havia apontado, podiam ver uma única e pequenina figura
lutando para não ser engolida pela areia.

Lutando por sua vida, Aladdin não conseguia ouvir nada além do leve movimento da areia
movediça. Estava enterrado até os joelhos de suas calças brancas e, a cada novo movimento, ia
afundando ainda mais. Sob seu colete, seu corpo moreno era saudável e viril, mas não havia nada
que pudesse fazer para escapar da areia movediça.
— ...Acho que é melhor eu usá-la.
Enquanto olhava fixamente para a lâmpada em suas mãos, Aladdin ouviu outra voz:
— Ei, você é o Aladdin?! — Sora chamou pelo homem na areia e pulou de cima do tapete.
— Isso mesmo! Quem é você?
— Eu sou o Sora. Vamos tirar você daí! — Ele desceu na areia e estendeu a mão para
Aladdin. Mas então...
— Wak! Heartless! — gritou Donald, pulando para cima e para baixo. Um grande número
de Heartless apareceu, cercando-os.
— Teremos que derrotá-los primeiro, ou não vamos conseguir ajudar muito! — disse Pateta.
— Aguenta firme. Vamos ajudar você, eu prometo! — Sora disse a Aladdin, que estava
enterrado até a cintura agora, e saiu correndo com a Keyblade em mãos. — Iáááááá!
Em meio a um salto, ele se lançou contra os Heartless voadores que vinham em sua direção.
No entanto, era mais difícil se movimentar pela areia e Sora acabou conseguindo acertá-los apenas
nas pernas, o que não causava muito dano.
— Chamas! — Donald lhe dava cobertura com magia.
— Valeu, Donald!
— Não por isso!
Lutando juntos, o trio foi acabando com os Heartless, um por um, mas quanto mais
derrotavam, mais continuavam surgindo em meio à areia.
— Poxa, de novo não! — exclamou Pateta.
— Mas temos que derrotá-los para ajudar o Aladdin! — retrucou Sora.
Afundando na areia, Aladdin ergueu a lâmpada no alto.
— Gênio, livre-se desses caras!
Diante destas palavras, uma grande nuvem azul deixou o bocal da lâmpada — era o Gênio
da lâmpada, voando em meio a um grande estrondo.
— Desejo número um saindo!
— Olha só! — Sora caiu para trás, surpreso.
O Gênio estalou os dedos e todos os Heartless desapareceram sem deixar rastros.
— Uau...
— Molezinha, muito fácil! — O Gênio piscou e cruzou os braços. Seu grande corpanzil não
tinha pés e ele flutuava no ar como um fantasma.
— Sora, temos que ajudar o Aladdin — disse Pateta.
Sora estendeu a mão para Aladdin, que continuava preso na areia movediça. Quando suas
mãos se entrelaçaram, Donald e Pateta agarram os pés de Sora e conseguiram todos puxar Aladdin
para fora.
— Ufa... — Aladdin se limpou da areia que o cobria por inteiro e então lhes abriu um largo
sorriso. — Obrigado, Sora! E...

103 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Pato Donald!
— E eu sou o Pateta!
Donald e Pateta apertaram a mão de Aladdin.
— Aladdin, o que você tava fazendo aqui no deserto? — perguntou Sora.
— Ah, você sabe, só caçando tesouros lendários. Acabei de visitar a Caverna dos Tesouros.
— E enquanto Aladdin dizia isso, o tapete pousou ao lado.
— Tesouros lendários?
— Eu achei esse tapete mágico que vocês usaram pra vir pra cá... e essa lâmpada mágica.
— Como assim “mágica”? — disse Sora, olhando-a de perto, quando o Gênio se aproximou
dele, cara a cara, encarando-o de volta. — Uou!
— Deixe as apresentações pra um profissional. — O Gênio inflou diante de Sora, assumindo
uma pose heroica. — O primeiro e único Gênio da lâmpada! É só dar uma esfregadinha na lâmpada
e os seus maiores desejos serão concedidos! E o vencedor de hoje é... Aladdin! Meus parabéns!
Enquanto dançava, o Gênio estalou os dedos e um coro de trombetas ressoou. Uma chuva de
confetes caiu sobre Aladdin.
— Qualquer desejo? — perguntou Donald.
O Gênio balançou o dedo indicador diante do rosto de Donald.
— Paciência, meu caro amigo emplumado! Você tem direito a... — Ele voou pelo ar e se
triplicou. Agora havia três Gênios, cada um com três dedos levantados. — Quaisquer três desejos!
Um primeiro desejo, um segundo desejo... — As cópias do Gênio desapareceram. — E um terceiro
desejo. Então, como uma banana, eu dou no pé!
Ele então foi voando para trás de Aladdin.
— Nosso vencedor sortudo fez o seu primeiro desejo... então ainda lhe restam dois! Então,
amo, o que teremos para o desejo número dois?
O Gênio ergueu a mão para Aladdin e um holofote o iluminou.
— Hã... — disse Aladdin, a voz baixa, pensando consigo mesmo. — Que tal me tornar um
príncipe incrivelmente rico...?
— Uhh! Dinheiro! Realeza! Fama! — O Gênio aplaudiu. — Por que não pensei nisso?!
— Poxa, sério...? — murmurou Pateta, inclinando a cabeça.
— Tá bem, foi você quem pediu! Uma centena de servos e camelos carregados de ouro! É só
dizer que eu entrego tudo em 30 minutos ou menos, ou a refeição sai de graça! Posso até te trazer
um cappuccino de brinde! — Esfregando as mãos, o Gênio foi chegando mais perto de Aladdin.
Mas Aladdin apenas balançou a cabeça:
— Não, obrigado.
— Então tá...
— Acho que vou esperar até chegarmos em Agrabah — disse Aladdin, pesaroso.
— Hã, mas por que quer ser um príncipe? — perguntou Pateta, de braços cruzados.
— Sabe, tem uma garota em Agrabah chamada Jasmine. Mas, bom... — Aladdin abaixou o
olhar, entristecido. — Ela é uma princesa e eu sou... Nah, ela nunca se apaixonaria por um cara
como eu.
— ...Jasmine? — Donald inclinou a cabeça. Tinha alguma coisa nesse nome...
— Ah, é verdade! Ela tá encrencada, Aladdin! — Sora correu até ele com urgência e o rosto
de Aladdin empalideceu no mesmo instante.

O tapete voava pelo ar, carregando Sora, Aladdin, Donald e Pateta.


— Ah, o ar fresco! O maravilhoso lado de fora! — Voando ao lado deles, o Gênio respirou
fundo e se alongou.
— Parece que você não sai muito, hein? — disse Sora.
Diante dessas palavras, o Gênio pareceu um pouco melancólico.

104 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Vem com o trabalho. Poderes cósmicos fenomenais, numa casinha minúscula. São
sempre três desejos e então voltar pra minha prisão portátil. Tenho sorte de ver a luz do dia a cada
século ou dois...
O Gênio abaixou a cabeça, entristecido.
Se eu ficasse preso naquela lampadazinha...
Sora tentou imaginar e sentiu um calafrio lhe subir a espinha. Devia ser terrível. As Ilhas do
Destino eram um lugar cheio de sol e ele tinha seus amigos, mas, mesmo lá, Sora ainda teve
vontade de ir para outros mundos.
Aladdin também pareceu um pouco pensativo.
— Gênio, me diz, e se eu usar o meu último desejo para libertá-lo da lâmpada? O que acha?
Os olhos do Gênio brilharam.
— Faria isso?
— Gênio, é uma promessa. Depois de ajudarmos a Jasmine!
O Gênio deu cambalhotas no ar.
— Oba! — gritou, continuando a voar ao redor deles.
— Mas então, o que é que o Jafar tá tramando, afinal? — perguntou Aladdin ao trio, ainda
olhando para o Gênio, todo exultante.
— A gente também não sabe ao certo — disse Sora. — Mas a Jasmine disse que o Jafar
estava procurando pela Keyhole.
— Que é o que nós também estamos procurando! — acrescentou Pateta.
Gênio parou para cruzar os braços e pensou.
— Uma “Keyhole”, é? Posso jurar que já ouvi falar nisso em algum lugar antes...
Donald se sobressaltou:
— Sério? Onde?
— Poxa, quando será que foi? Acho que faz alguns séculos...
— Qual é, tenta lembrar!
— Hmm... não sei dizer. — O Gênio inclinou a cabeça para Donald, que batia com o pé
no tapete.
— Bem, enfim, temos que deter o Jafar antes que seja tarde demais — disse Sora. — Estou
com um mal pressentimento...
Aladdin assentiu.
— Vamos nessa!
O tapete acelerou em meio ao deserto.

As ruas principais de Agrabah estavam completamente fechadas por barricadas, mas isso
não era problema para um tapete mágico. Quando Heartless voadores surgiram para emboscá-los, a
magia de Donald foi uma mão na roda:
— Quack! — Donald disparou um feitiço.
Sora lançou a Keyblade, que girou no ar e acabou com o Heartless, voltando para sua mão
na sequência.
— Iac! Uau, Sora, que golpe legal! — exclamou Pateta.
Sora levantou o polegar para ele e abriu um sorriso. Estava aprendendo a usar a Keyblade
cada vez melhor.
Foi quando viram duas figuras diante dos enormes portões do palácio.
— Jasmine!
— O Jafar também tá ali!
Aladdin desceu do tapete e os outros o seguiram.
— Então o rato de rua por fim deixou seu buraco — disse Jafar, torcendo o nariz com
desprezo.
— Solte a Jasmine!

105 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
106 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Tem mesmo grandes pretensões, não é verdade, rapaz? Não permitirei que continue a
incomodar a princesa.
— Aladdin! — Jasmine tentou correr até ele, mas Jafar a segurou.
— Gênio... ajude a Jasmine, por favor! — sussurrou Aladdin, esfregando a lâmpada.
— Só resta um desejo! Sabe, você está facilitando muito as coisas. — O Gênio desapareceu
de trás de Aladdin e reapareceu atrás de Jafar, tirando Jasmine de seus braços.
— É uma pena, rapaz, — zombou Jafar — mas receio que o seu segundo desejo tenha
sido negado.
Eles ouviram o som de um bater de asas. Iago, o papagaio, levava a lâmpada em suas garras.
— Hã?! — Aladdin fitou suas mãos vazias.
— Sinto muito, Al... — murmurou o Gênio, a voz tomada por tristeza.
A lâmpada caiu das garras de Iago nas mãos de Jafar e, no mesmo instante, o Gênio
desapareceu.
Jasmine deu um grito. Sem o Gênio para segurá-la, ela caiu com tudo, pousando dentro de
um grande jarro de argila.
— Jasmine!
Aladdin correu até ela, mas pernas brotaram de dentro do jarro — ele se tornara um
Heartless... e disparou pelas ruas da cidade a uma velocidade tremenda.
— Socorro!
Conforme os gritos de Jasmine ecoavam pelas ruas, Jafar sorriu com o canto da boca.
— E agora, ratos de rua, de vocês eu me despeço!
— Pare! — Os quatro tentaram segui-lo, mas já havia mais Heartless bloqueando o caminho.
— Saiam da frente! — Sora os atacou com a Keyblade.
— Também estão por aqui! — Pateta se lançou contra os Heartless que continuavam
surgindo. Mas agora tinham perdido Jafar de vista.
— Jasmine! Jasmiiiine! — gritou Aladdin, disparando contra os Heartless com sua espada,
quando o tapete veio voando, flutuando diante dele. — Você tá dizendo pra eu subir?
— Vamos, Aladdin! — gritou Sora. — Aposto que o tapete pode nos levar até a Jasmine!
Ele pulou para cima e então Aladdin, Donald e Pateta o seguiram.
— Jasmine... — Com a cabeça abaixada, Aladdin socou o tapete com o punho.

O tapete os deixou diante de uma enorme estátua com a forma da cabeça de um tigre.
— A boca do deus tigre está fechada! — gritou Aladdin enquanto pulava do tapete. Os
outros o seguiram.
Pateta inclinou a cabeça.
— Deus tigre?
— A Caverna dos Tesouros fica dentro de sua boca — respondeu Aladdin, fitando a grande
figura de pedra. Seus olhos brilhavam com uma chama púrpura, como se os encarassem.
— O que é essa Caverna dos Tesouros? — perguntou Donald.
— É a caverna onde encontrei esse tapete e a lâmpada mágica.
Todos olharam em volta. Jafar não estava à vista.
— Então quer dizer que tem um monte de tesouros lá dentro, é?
— Bem, pode-se dizer que sim.
Aladdin se aproximou da cabeça de tigre. Seus olhos brilharam com uma luz sombria e
ameaçadora.
— Uou! — Aladdin caiu no chão, levantando uma nuvem de poeira. — Não entendo... o
deus tigre tinha me deixado entrar na Caverna dos Tesouros antes, quando encontrei a lâmpada...
— Aladdin! Abaixa!

107 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele estava para se levantar mas, com o aviso de Sora, se jogou no chão e poderosos raios de
luz passaram raspando por cima de sua cabeça. O deus tigre abriu a boca, como se acabasse de
acordar, e disparou alguma coisa lá de dentro.
— Heartless! — Pateta ergueu o escudo e se lançou contra eles.
— Por que o deus tigre está fazendo isso?! — disse Aladdin.
— Tem alguma coisa controlando ele! — Sora correu até Aladdin e o ajudou a se levantar.
— Alguma coisa nele parece diferente que antes?
— ...A cor dos olhos está diferente. E a parte dos ataques também é novidade.
Com a espada e a Keyblade em mãos, Aladdin e Sora correram em direção à boca do
deus tigre.
— Podem cuidar desses Heartless? — Sora gritou para os outros.
— Deixa com a gente! — Donald pulou, balançando seu cajado.
— Aladdin, pra cima dos olhos dele! — gritou Sora.
Ele saltou sobre o nariz do deus tigre e golpeou seu olho direito com a Keyblade. O impacto
ressoou e o deus tigre rugiu. E então mais Heartless saíram de sua boca.
— Wa-waaak!
A magia de Donald explodiu contra os novos Heartless e Pateta se lançou contra eles com
o escudo em mãos.
— Beleza, mais uma vez!
Juntos, Sora e Aladdin pularam sobre o nariz do deus tigre outra vez e atacaram. Ele soltou
um urro imensurável e então, com a boca largamente aberta, parou de se mexer.
— Conseguimos! — Eles pularam para descer novamente e se abraçaram para comemorar.
Derrotando os Heartless, Donald e Pateta se juntaram a eles.
A luz púrpura desaparecera dos olhos do deus tigre e lá ele ficou, silencioso e imponente.
— Vamos! — Os quatro correram para dentro da boca do tigre.

O interior da caverna estava completamente quieto. Jafar caminhava por ela com a lâmpada
em mãos. Iago pousou em seu ombro, balançando as penas.
— Com isso, conseguirei encontrá-la... — Jafar esfregou a lâmpada e clamou: — Gênio,
meu primeiro desejo! Mostre-me a Keyhole!
O Gênio surgiu de dentro da lâmpada, parecendo bastante entristecido. Ele estalou os dedos,
relutante, e a parede dos fundos desmoronou para revelar a Keyhole. Ainda de cabeça baixa,
aproximou-se de Jafar, flutuando logo atrás dele.
— A Keyhole e a princesa... Agora Malévola não terá do que reclamar — murmurou Jafar, e
Iago balançou as asas, concordando.
E então a dita bruxa de manto negro surgiu atrás dele.
— Ora, chegou cedo, Malévola...
Ela não esboçou reação ao cumprimento de Jafar — apenas olhou para a princesa estendida
no chão e então se dirigiu quietamente em direção à Keyhole. Era como se Malévola nem sequer o
visse. Irritado, Jafar cerrou os lábios, mas então respirou fundo e disse:
— O garoto que porta a chave está por perto.
Diante dessas palavras, as sobrancelhas de Malévolas se ergueram bem de leve.
— ...Aquele garoto de novo?
— Ele é mais persistente do que eu imaginava. Por que não explica a situação para o outro
garoto... Riku, não é? Fazê-lo pode na verdade se provar útil para o nosso...
Sentindo outra presença atrás de si, Jafar se virou no meio da frase. Quatro grupos de passos
se aproximavam.
— O rato de rua...
Quando Malévola se virou para olhar, Sora e os outros já estavam no local.
— Quem é você?! — indagou Sora.

108 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Malévola desapareceu sem dizer uma palavra.
— Jafar! Solte a Jasmine! — gritou Aladdin.
— Sem chance — disse Jafar de modo loquaz. — Veja, ela é uma princesa. Uma das sete
que, de alguma forma, possuem a chave para abrir a porta.
— Abrir...
— ...A porta?
Donald e Pateta repetiram sucessivamente. Já tinham ouvido falar sobre as Keyholes, mas
não sobre uma porta. O que isso poderia significar...?
— Mas vocês, tolos, não viverão para ver o que há do outro lado. Gênio! Meu segundo
desejo! Esmague-os!
O Gênio, que ainda flutuava no ar, hesitou, cheio de pesar, e então desviou o olhar para
Aladdin.
— Gênio! Não!
— Sinto muito, Al. Aquele com a lâmpada é quem clama os tiros. Não tenho escolha. —
Arqueando os ombros de forma impotente, o Gênio começou a atacar Aladdin e o trio.
— Gênio! — Aladdin se esquivou e o encarou, incrédulo.
— Por que eu também não me junto à diversão...? — Jafar balançou seu cajado com cabeça
de serpente e uma grande rajada de chamas foi disparada contra Sora.
Donald não perdeu tempo com seu cajado:
— Nevasca! — Lascas de gelo foram lançadas e apagaram as chamas.
— Então vocês vão lutar, é? — Jafar forçou um sorriso e se lançou alto em meio ao ar.
— Ei! — Sora e Aladdin o seguiram. Quando pousou novamente, Jafar cravou o cajado no
chão da caverna, fazendo-o ficar de pé por si só.
— Cuidado!
Pateta deu um salto quando um forte relâmpago vindo do cajado de Jafar ricocheteou em
seu escudo.
— Você não vai derrotar um feiticeiro real com magia!
Com um grande balançar de seu cajado, Donald disparou outro bombardeio de gelo. Quando
Jafar se esquivou da investida, Sora se aproximou com um grande salto e o atingiu.
Da mesma forma, Aladdin também pegou Jafar desprevenido, mas o Gênio logo o jogou
cambaleando para trás.
— Gênio...?
— Sinto muito... Al... — O Gênio se debatia, os olhos fechados com força.
— Gênio! — chamou Sora. — E se déssemos um jeito de nos livrar do Jafar?
— Bem... é claro, sem aquele que clama os tiros, eu não precisaria dispará-los...
— Então só precisamos derrotar o Jafar! Aladdin, fica longe do Gênio! Tudo o que temos
que fazer é acabar com o Jafar! — Sora empunhou a Keyblade outra vez e se lançou diretamente
contra Jafar.
Em meio a um urro selvagem, Aladdin o seguiu de perto e os dois diminuíram a distância
entre eles.
— Iáááááá!
— Pateta, nos dê cobertura!
— Pode deixar!
Donald disparou um grande conjunto de cristais de gelo contra Jafar enquanto Pateta pulava
com seu escudo para proteger Sora e Aladdin das magias do feiticeiro.
Sora rosnou e pulou alto para acertar Jafar com a Keyblade. Quando ele tentou desviar, a
espada de Aladdin já estava à espera.
A espada do rapaz e o cajado do vizir colidiram em um impacto poderoso.
— Liberte a Jasmine...!
— Você nunca a terá! — Jafar estava na vantagem, apenas por um pouco.
— Aladdin! — gritou Sora e, no mesmo instante, Aladdin pulou para trás. Sora lançou a
Keyblade contra Jafar.
— ...Sora! — Donald também atacou com suas magias.
109 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Lá vai! — Pateta correu para cima e atacou Jafar com um pesado golpe de seu escudo.
— Ngh... Aaaaaaargh! — Jafar se abaixou em meio a um berro pavoroso e seu corpo então
foi envolvido pela escuridão.
— Conseguimos!
Os quatro correram em direção a Jasmine, que continuava caída no chão, mas então...
Eles achavam que Jafar havia desaparecido. Estavam errados — ele agora estava flutuando
em meio ao ar.
— Gênio! Meu último desejo! — exclamou ele, erguendo a lâmpada com uma das mãos. —
Quero que faça de mim um gênio todo-poderoso!
— ...Seu desejo é uma ordem, amo... — O Gênio cobriu o rosto, encolhendo-se enquanto
apontava para Jafar, sem olhar, e então lançou sua magia cuidadosamente pelo dedo indicador.
O feixe mágico cresceu até envolver Jafar, brilhando — e o chão da caverna se abriu numa
fenda. Jafar desceu por ela.
— Vamos! — Sora e os outros pularam pela fenda.
Na gruta abaixo, o ponto mais profundo da Caverna dos Tesouros, o ar ondulava com o
terrível calor. Enormes rochedos quadrados se alinhavam no centro, como uma escadaria. E por
todos os lados, uma lava vermelha e ardente fluía e borbulhava.
— Jafar! Cadê você?! — gritou Aladdin.
E então Jafar, agora um gênio, se ergueu, o corpo todo vermelho, como se tivesse tomado a
cor da lava para si. Diferente do amigável Gênio azul, a forma rubra de Jafar possuía uma aura
terrivelmente aterradora.
Em meio a um terrível tremor que mais parecia um terremoto, Jafar atirou uma bola de lava
contra eles.
— Uou! — Os quatro pularam para fora do caminho, mas o rabo de Donald pegou fogo.
— Quaaaack!
— Ha, ha! Bando de imbecis! — Iago ia batendo as asas atrás de Jafar, carregando sua
lâmpada com as garras.
— A lâmpada! — exclamou Aladdin. — Peguem a lâmpada do Jafar!
Eles jamais conseguiriam vencer uma luta contra Jafar em sua nova forma de gênio.
Precisavam pegar a lâmpada e prendê-lo com seu poder.
— Ha! Até parece que eu vou deixar os otários porem as mãos nela! — Iago voou para fora
do alcance deles.
— Aladdin! Você cuida do Jafar!
— Certo!
Sora foi atrás de Iago, escalando os rochedos quadrados. Aladdin distraía Jafar, desviando
das bolas de lava que ele atirava. O papagaio todo emplumado pousou ao longe, no ponto mais alto
da caverna que pôde alcançar, ainda batendo as asas. Sora se aproximou de fininho e pulou por trás
dele o mais alto que conseguiu. Com a Keyblade em mãos, Sora pôde sentir o impacto do golpe
desferido contra Iago.
— Aaaai! — Iago chiou e saiu voando de volta para perto de Jafar.
— Olha ele aí! — Sora gritou para Donald.
— Pode deixar! Chamas! — Donald pulou em direção a Iago e lançou uma bola de fogo.
— Ai! Água, onde é que tem água?! — A cabeça emplumada de Iago pegava fogo, mas
então, com um movimento de seu braço, Jafar ergueu uma tromba d’água para apagá-lo.
— Não adianta... não vamos conseguir pegá-lo! — gritou Sora.
Iago agora se mantinha diligentemente afastado do grupo. Não conseguiam tirar a lâmpada
dele de jeito nenhum.
— Então o que a gente faz? — perguntou Pateta.
— Bem... — Sora reuniu Donald, Pateta e então Aladdin juntos num círculo, e começou a
cochichar.
— Isso vai mesmo funcionar? — disse Donald, preocupado.
— Claro que vai! — Sora deu um tapinha em suas costas e saiu correndo em direção à ponta
dos rochedos.
110 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ei, Jafar! Olha eu aqui! — disse Aladdin, indo ao mesmo tempo para o lado oposto. Uma
enorme bola de lava foi lançada contra ele, mas o rapaz se esquivou sem muito esforço. — Isso é
tudo que você tem?! Qual é!
Sentindo-se desafiado, Jafar virou as costas para os outros três. Tentava acertar Aladdin com
o punho enquanto Iago pairava próximo ao teto.
— Pateta, Donald! Agora! — gritou Sora, do canto.
A postos no ponto mais alto que pudera alcançar, Pateta lançou Donald em meio ao ar.
— Lá vamos nós!
— Quack!
Ao mesmo tempo, Sora correu em sua direção.
— Um, dois, três! — gritou, lançando-se no ar com a ajuda de Pateta e usando então o rabo
de Donald como degrau para pular ainda mais alto.
Iago chiou quando a Keyblade atingiu seus pés, fazendo-o soltar a lâmpada. Na verdade,
Sora havia mirado na própria lâmpada, não no papagaio.
— Consegui! — Sora pousou no chão enquanto Iago se debatia para recuperar a lâmpada.
Mas Sora chegou a ela primeiro. Ele a ergueu no alto. — Volte pra sua lâmpada, Jafar!
Jafar urrou como uma tempestade e, em meio a um grande turbilhão de luz vermelha, a
lâmpada o engoliu.
— Conseguimos!
Quando os quatro se reuniram novamente, deleitando-se com a vitória, um único pedaço de
papel veio caindo do alto.
— O que é isso...? — Sora o pegou.
O papel estava coberto de palavras misteriosas, difíceis de ler.
— Talvez o Grilo consiga ler — disse Donald, espiando por cima do ombro de Sora.
Foi quando a caverna tremulou e pedaços de rocha começaram a cair do teto.
— Poxa! Parece que é melhor darmos o fora daqui... — Pateta ergueu o escudo sobre a
cabeça, olhando ao redor desesperadamente.
— Mas temos que fechar a Keyhole e pegar a Jasmine também! — disse Sora, olhando para
Aladdin. Eles assentiram. O tapete mágico estava a sua espera.

Um terrível urro despertou Jasmine.


— Onde eu estou...?
Ela olhou em volta e viu uma grande fenda no chão da caverna, logo ao lado. O que seria
aquilo...? Ela tentou espiar pela ponta.
— Princesa... — disse uma voz baixa atrás dela.
Ela se virou e a pessoa que havia falado a tocou no ombro...
Antes de perder a consciência novamente, Jasmine teve o vislumbre de um esbelto rapaz de
cabelos prateados.

O tapete saiu voando da fenda no chão, que parecia que iria tombar a qualquer momento.
— Jasmine! — chamou Aladdin. Mas ela havia sumido. — Jasmine?! Jasmine!
Todos a procuraram pela caverna, sem sucesso. E a Keyhole então começou a brilhar.
— Jasmine, cadê você?! — Em pânico, Aladdin continuava procurando por ela.
— Sora, a gente encontra ela! — disse Pateta. — Vá cuidar da Keyhole!
— Certo!
Sora apontou a Keyblade e um raio de luz irradiou de sua ponta, indo em direção à Keyhole.
Pôde ouvir o click da tranca e a Keyhole então se desfez em partículas de luz e desapareceu.
Toda a Caverna dos Tesouros começou a tremer com ainda mais força.
111 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— ...Temos que ir, Aladdin!
— Mas ainda não achamos ela! Jasmine!
— Ela pode ter voltado para Agrabah!
— Mas...
Com o maior de todos os tremores, as paredes e o teto começaram a ceder.
— ...Temos que dar o fora daqui, Sora! — disse Pateta.
Eles tiveram que arrastar Aladdin à força para cima do tapete, que disparou como um
foguete em direção à entrada.
— Jaaaasmine! — O grito de Aladdin se perdeu em meio aos ruídos da caverna decadente.

Na casa onde haviam encontrado o tapete mágico, Aladdin permanecia sentado no chão,
arqueado, sem mover um músculo sequer. A lâmpada estava logo ao lado.
— Sinto muito, Aladdin...
— Então a Jasmine não está em parte alguma de Agrabah?
— Eu não sei, mas...
Uma das sete princesas, Jafar havia dito. Ele precisava de Jasmine para alguma coisa. E até
então, Sora sabia de duas garotas que haviam desaparecido de seus mundos...
Alice, do País das Maravilhas — e Kairi.
Então talvez isso significasse...
— Aladdin, nós vamos encontrar a Jasmine e garantir que ela volte para Agrabah. Eu
prometo. Vamos salvá-la, seja lá como for.
Alguém importante pra ele desapareceu, pensou Sora. Eu também quero encontrar a Kairi.
O Aladdin tá sentindo o mesmo que eu...
— Eu não posso ir com vocês? — disse Aladdin.
Sora, Donald e Pateta trocaram olhares.
— Desculpa, não podemos te levar junto — respondeu Sora, entristecido.
A lâmpada balançou ao lado de Aladdin e o Gênio saiu de dentro dela.
— Ei, Terra pra Al! Alô? Você ainda tem um desejo sobrando. Olha, é só me dizer. Peça que
eu encontre a Jasmine pra você!
Aladdin ergueu o olhar devagar, fitando o Gênio, pensativo, e então deu um grande suspiro.
— Eu... eu desejo...
O Gênio cruzou os braços e estufou o peito, abrindo um largo sorriso enquanto esperava o
desejo de Aladdin.
— ...A sua liberdade, Gênio.
— Al! — exclamou o Gênio, surpreso.
Turbilhões de luz reluzentes o envolveram. Sora e os outros fecharam os olhos diante da
claridade e, quando olharam novamente, as algemas douradas em seus pulsos haviam desaparecido.
Em vez de uma trilha de fumaça fantasmagórica, o Gênio agora tinha pernas.
— Promessa é dívida, Gênio — disse Aladdin, olhando para ele. — Agora você pode ir
aonde quiser. Você é o seu próprio amo. Eu prometi que o libertaria com o meu último desejo.
O Gênio devolveu o olhar, parecendo um pouco agitado.
— Mas se puder... eu ficaria muito feliz se você fosse junto com eles para ajudar o Sora a
encontrar a Jasmine. E então, quando a encontrarem, a trouxesse de volta pra cá...
O Gênio virou as costas para ele.
— Sinto muito, Al. Não aceito mais ordens dos outros.
Aladdin não desviou o olhar, apenas continuou fitando as costas do Gênio.
— Mas um favor para um amigo... isso já é completamente diferente! — O Gênio se voltou
para Aladdin novamente e pôs um braço sobre seus ombros. — Afinal, somos parceiros, né, Al?
— Gênio...
— Pode deixar comigo! — O Gênio lhe deu uma piscadela.

112 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Mas... isso não seria intromissão? — Pateta sussurrou para Donald.
— Intromissão? Ora, nada é impossível para o primeiro e único ex-Gênio da lâmpada!
Vejam só — O Gênio encolheu em meio a um sopro de fumaça azul e foi girando para baixo do
chapéu de Donald.
— Waaak! — Donald levantou o chapéu e a metade de cima do Gênio em miniatura brotou
lá de dentro.
— Comigo junto, suas magias receberão um incremento turbinado! Oferta por tempo
limitado, não vai querer perder!
— Será que não tem problema? — Donald esfregou o chapéu, hesitante.
— Por que teria? — disse Sora, estendendo a mão para Aladdin. — Nós vamos achar a
Jasmine. Eu prometo... assim como você prometeu ao Gênio!
— Encontre-a, Sora. Estou contando com você.
Aladdin e Sora apertaram as mãos com firmeza.

113 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 7 114 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— AQUELE VIZIR BAJULADOR PODIA TER ACABADO COM ELES... SE ALGUÉM
não o tivesse deixado lá para cuidar de tudo sozinho.
Na sala escura, Gancho encarava o garoto de cabelos prateados — Riku.
— Ei, eu fiz a minha parte — disse Riku, praticamente indiferente. — Eu trouxe a princesa,
não trouxe?
Ele olhava para Malévola enquanto falava. Ela permanecia de costas viradas para os dois.
Será que ela realmente cumpriria com a promessa que lhe havia feito?
Riku compreendia o que estava fazendo. Mas não conseguia resistir à tentação daquela
promessa. E se ela realmente fosse cumpri-la, ele faria qualquer coisa. Era o que havia decidido. Se
significava que teria o que tanto desejava... se fosse pela Kairi.
— Jafar estava além da ajuda, consumido pelo próprio ódio. Deve-se cuidar para que ele não
tome conta de si — murmurou Malévola, voltando-se lentamente para os outros. — A propósito,
Riku, você não notou...?
Ela gesticulou em direção à plataforma no centro da sala.
— Tínhamos um acordo, não? Você nos ajuda e nós concedemos o seu desejo...
Em meio a um lampejo de luz turva, a imagem de uma garota surgiu sobre a plataforma. Ela
quase parecia estar dormindo ali...
— Kairi! — Riku sabia que não era real, mas correu até a plataforma.
— Vá até ela. Sua carona o está esperando.
— Por que está fazendo tudo isso por mim? — disse Riku, sua voz baixa e desconfiada
enquanto encarava Malévola. — O que ganha com isso?
— Ganho? Ora, não ganho nada. — Ela se curvou para fitar os olhos de Riku e disse com
doçura: — Bobinho. Você é como um filho para mim. Quero apenas vê-lo feliz. — Tocou-lhe a
bochecha suavemente com a ponta dos dedos.
— Duvido muito disso.
— Acredite no que desejar. Mas não nos esqueçamos, eu cumpri com a minha parte do trato
até o fim.
Riku lhe virou as costas.
— Onde está a nave?
— É um navio. O meu navio, rapaz. Mas não é um cruzeiro de prazeres! — disse o Capitão
Gancho, erguendo o gancho homônimo que tinha no lugar da mão esquerda. — Não será uma
viagem agradável.
Sem dizer outra palavra, Riku deixou a sala.

A Nave Gummi decolara de Agrabah e disparava tranquilamente em meio ao Céu Além. Por
alguma razão, aquela rota parecia mais tranquila, sem muitas obstruções.
— Então, nós recolhemos isso no último mundo... — Pateta estava com o papel que haviam
encontrado depois de prender Jafar na lâmpada. Ele o entregou ao Grilo Falante. — Tem alguma
ideia do que seja?
— Parece para mim que vocês encontraram uma parte do relatório de Ansem — respondeu
o Grilo.
— Então é isso?!
— Sim, tenho certeza. — O Grilo olhou para Sora, que se inclinava sobre ele, e então
começou a ler.

Dediquei muito de minha vida à busca pelo conhecimento. E esse conhecimento


protegeu bem este mundo. Não há quem duvide disso.
Mas apesar de ser chamado de sábio, há coisas que eu não compreendo.
Acredito que a escuridão durma em todo coração, não importa o quão puro
ele seja. Dada a chance, a menor gota pode se espalhar e engolir o coração.

115 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Testemunhei isso acontecer por diversas vezes.
Escuridão... Escuridão do coração. Como ela nasce? Como nos afeta?
Como governante deste mundo, devo encontrar as respostas. Devo encontrá-las
antes que o mundo se perca para aqueles que foram tomados pela escuridão...
É meu dever expor o que de fato é esta escuridão.
Eu conduzi os seguintes experimentos:
— Extraí a escuridão do coração de uma pessoa.
— Cultivei a escuridão em um coração puro.
Os experimentos fizeram com que os corações das cobaias entrassem em colapso,
mesmo o do mais vigoroso. Como os nossos corações são frágeis. Meu tratamento não
produziu sinais de recuperação. Eu não permitiria que o povo deste mundo se
deparasse com algo tão terrível, então confinei aqueles que perderam completamente
seus corações sob o castelo.
Algum tempo depois, desci até lá e fui recebido pela mais estranha das visões.
Criaturas que pareciam ter nascido da própria escuridão — o que são? São seres
realmente conscientes? Serão as sombras daqueles que perderam seus corações?
Uma coisa da qual tenho certeza é que são inteiramente desprovidos de emoção.
Devo conduzir estudos mais aprofundados.
Eles ainda precisam de um nome. Aqueles que carecem de corações... eu os
chamarei de Heartless.

— Heartless... Aqueles que carecem de corações... — murmurou Sora. — A escuridão no


coração das pessoas...
— O Leon não tinha dito algo desse tipo? — disse Pateta. — Os Heartless buscam a
escuridão no coração das pessoas.
Donald apertou a alavanca de controle com mais força.
— Isso. E disse que era preciso tomar cuidado.
Sora pensava profundamente. Como com qualquer um, havia vezes em que ele ficava com
medo e havia vezes em que sentia ódio. Há escuridão em todo coração, Leon havia dito.
Então...
— Parece que deve haver outras partes do relatório em algum lugar — disse o Grilo.
— Essa parte não faz sentido nenhum — observou Donald. — Temos que encontrar o resto.
Pateta inclinou a cabeça.
— Poxa, será que o rei já leu...?
— O que é aquilo?! — gritou Donald.
Sora tropeçou cabine adentro e viu...
— Uma baleia! É uma enorme baleia monstra! — Pateta corria em círculos pela Nave
Gummi. A baleia atirava seu corpo colossal em meio ao espaço e a nave tremulou quando ela
cruzou seu caminho.
— Monstro! — exclamou o Grilo Falante.
— Você conhece essa baleia?
— Com toda a certeza! É a baleia das baleias e mais, é extremamente perigosa!
Monstro se virou e começou a voltar em direção à Nave Gummi.
— Uou! — Donald puxou a alavanca de controle com toda a força, tentando mudar a rota,
mas Monstro abriu sua boca colossal e partiu diretamente para cima deles.
— É tarde demais! Ela vai nos engolir! — gritou Sora com a Nave Gummi já dentro da boca
da baleia.

116 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
As ondas quebravam suavemente na costa. O mar e o céu se estendiam até onde os olhos
podiam ver. As folhas dos coqueiros balançavam com a brisa do mar e a luz do sol aquecia seus
rostos. Aquelas eram as Ilhas do Destino. As ilhas de Sora.
— É verdade! Eu vi com os meus próprios olhos! — gritou Sora atrás de Riku.
— Tem certeza que não só ouviu dessa vez?
— E qual a diferença? Tô te dizendo, tem um monstro gigante lá dentro!
Os dois garotos pararam diante da cachoeira. A água gelada que caía cintilava com o sol.
— Tá, supondo que haja mesmo um monstro... acha que podemos derrotá-lo sozinhos, Sora?
Kairi não estava lá.
Ambos ainda eram pequenos. Aquilo acontecera anos no passado.
— Claro! Juntos nós podemos fazer qualquer coisa! ...Escuta lá! Consegue ouvir ele rosnar?
Sora bateu nos ombros de Riku e olhou para os arbustos ao lado da cachoeira. Havia uma
passagem oculta nas sombras, atrás deles.
Naquela época, Sora não sabia o que viria a acontecer naquela caverna.
— Shh. Quieto — disse Riku, fitando a passagem. — A gente precisa tomar cuidado...
Eles entraram nas pontas dos pés. Havia uma pequena caverna com raízes de árvores que se
enrolavam ao redor de pedras. Havia também um grande buraco no teto, por onde era possível ver o
brilhante céu azul lá fora.
Entrar assim em um lugar novo que eles nunca haviam visto antes — isso por si só já era
uma aventura ousada para eles.
— Viu? Era só o vento que tava fazendo aquele barulho — disse Riku, olhando para o céu.
— Ah, só isso? Eu queria que fosse um monstro! — Sora cruzou os braços atrás da cabeça e
suspirou. — Hã? Espera, o que é aquilo ali?
Havia alguma coisa nos fundos da caverna.
Sora correu até lá. Riku o seguiu, sem tanta pressa.
— Uma janela... ou talvez uma porta?
Era uma grande porta de madeira, mais alta do que Sora e Riku juntos, com decorações
douradas, como algo de um castelo tirado de um conto de fadas.
— Uma porta...?
— Mas não tem como abrir. — Riku a observava de perto, mas não havia maçaneta ou
fechadura à vista.
— Putz... isso é mesmo tudo que tem aqui? — Sora chutou uma pedrinha no chão.
Riku se virou de volta para ele.
— Ei, Sora.
— Hm?
— Quando crescermos, vamos dar o fora dessa ilha. Vamos viver aventuras de verdade, não
essas coisas de criança!
Naquele instante, o vento soprou pelo buraco no teto e uivou — o som que Sora pensara ser
um monstro. Mas era algo novo. Uma caverna onde nunca haviam estado antes. E poderia ter sido
um monstro. Foi aventura o suficiente para fazer seus coraçõezinhos acelerarem. Uma aventura de
verdade, mas — o que estaria esperando por eles lá fora? O que poderiam encontrar? Riku não
suportava ficar preso naquela ilha.
— Claro. Mas não tem nada legal pra gente fazer agora? — disse Sora, sem prestar muita
atenção.
Ele não entendia muito do que Riku estava falando. Nunca tinha pensado muito sobre
viverem uma aventura de verdade juntos algum dia. Isso lhe parecia distante e ele queria algo para
fazer já. Algo divertido, agora, naquele exato momento.
— Ah, já sei! Ouviu falar daquela garota nova na casa do prefeito?
Com isso, Riku ergueu o olhar.
— Ouvi dizer que ela......
O vento continuou a soprar.
Aquilo havia sido antes de Sora e Riku conhecerem Kairi...
Na época em que ainda não sabiam nada do que havia fora de suas ilhas.
117 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Para com isso!
Sora acordou exaltado com o grito de Donald e se sentou.
Devia ter sido um sonho. Quando tudo aquilo tinha acontecido? Parecia ter sido há tanto
tempo atrás...
— Oi, Sora, você tá bem?
Pateta estava olhando para cima com seu escudo posicionado sobre a cabeça. Mais ao lado,
Donald batia o pé.
— O que vocês tão fazendo? — perguntou Sora. — Onde é que a gente tá, afinal...?
— Bom, só podemos estar dentro de Monstro — disse o Grilo Falante.
— Mas e a Nave Gummi?
— Também deve estar em algum lugar por aqui. — O Grilo parecia preocupado.
De repente, um baú do tesouro veio voando contra eles, de algum lugar lá em cima.
— Eita! — Sora deu um salto para trás.
— Acho que aquela baleiona lá engoliu a gente. E pra previsão do tempo... espere chuva! —
Outro baú do tesouro caiu, ressoando sobre o escudo de Pateta. — Iac! Pancadas de chuva!
— Ei! Quem tá aí em cima?! — Donald gritou para o ar, irritado.
— Sou eu. — Foi quando viram alguém começar a se mexer mais à frente.
— Hã? — Donald espiava com os olhos semicerrados, tentando identificar a figura adiante.
— Pinóquio! Ora, mas quem diria! Se não é o Pinóquio! — O Grilo apressou-se em direção
à figura. Era um menino.
— Pinóquio? — Sora, Donald e Pateta trocaram olhares e seguiram o Grilo. O menino usava
um chapéu amarelo e vestia uma bela camisa branca com uma bermuda por cima enquanto fuçava
freneticamente o interior de um baú do tesouro.
— Pinóquio!
— Hm? Ah, é você, Grilo!
O Grilo pulou para cima e para baixo diante do nariz de Pinóquio. Quando os outros
olharam mais de perto, notaram que não era exatamente um nariz humano.
Donald e Pateta sussurraram entre si:
— Ei, ele é...?
— ...Um boneco de madeira, não é?
O garoto não era um garoto, afinal, mas uma marionete.
— Mas que é que você está fazendo por aqui? — perguntou o Grilo, saltando sobre o ombro
de Pinóquio.
— Hm... brincando de pique-esconde!
— Não acredito nisso. E cá estava eu, acordado a noite toda, doente de preocupado com
você. Ora, de todos os... Pinóquio! — A voz do Grilo se ergueu diante da surpresa.
— O nariz dele cresceu! — gritou Donald em meio a um pulo.
— Pinóquio, está contando lorotas de novo! — ralhou o Grilo. — Você sabe que não
deve mentir. Uma mentira só cresce e cresce, até que você seja pego! Assim como esse nariz no
seu rosto!
— ...Sinto muito, Grilo... Eu nunca vou contar mentiras se você estiver por perto. — E
quando Pinóquio disse isso, seu nariz brilhou e encolheu de volta ao tamanho normal.
— Você precisa ser bonzinho para que possa se tornar um menino de verdade. Você
prometeu ao Gepeto que seria, não foi?
— Ah, é verdade! Pai! — Pinóquio deu a volta e saiu correndo.
— Aonde está indo, Pinóquio? Espera!
Mas Pinóquio continuou correndo como se não houvesse sequer escutado o Grilo.
— Vamos, pessoal! — O Grilo saltou na cabeça de Sora.
— Tá, mas quem é esse Pinóquio, afinal? — perguntou Sora enquanto corriam.

118 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ele é do mesmo mundo que eu. Nós vivíamos juntos. Nunca imaginei que o encontraria
num lugar como esse...
— Poxa, não deve ser bom estar dentro de uma baleia — disse Pateta.
— Ah, como é traquinas esse Pinóquio... — O Grilo tirou um pequenino lenço de seu bolso
e o passou pelo rosto.
O interior obscuro da boca da baleia era cheio de pilhas de escombros de outros navios
naufragados. Não havia saída — os dentes de Monstro estavam fechados com firmeza.
Mais ao fundo, havia um único navio que conseguira manter sua forma, com uma lanterna
brilhando com uma luz bruxuleante junto ao mastro, e a Nave Gummi estava logo ao lado. Parecia
estar presa ali.
— Pai! — Pinóquio correu em direção ao velho senhor sentado no convés.
— Ora, Pinóquio, por onde andou? — disse o senhor.
— Hm...
— Pinóquio, espera!
Quando estava prestes a responder, Sora e os outros escalaram o navio, seus rostos surgindo
junto ao convés.
— Ó, céus! Então quer dizer que a baleia também engoliu todos vocês? — O senhor os
ajudou a subir a bordo.
— Ufa! Obrigado, senhor! — Donald assentiu.
— Esse Pinóquio gosta mesmo de correr — comentou Sora.
— Ele também devia estar preocupado com o Gepeto — disse o Grilo, a voz assumindo um
tom mais amigável. — É um bom menino, afinal.
— Mas e então, quem são vocês...? — perguntou o senhor.
— Eu sou o Sora, esse é o Donald... e aquele é o Pateta.
— Meu nome é Gepeto. Sou o pai do Pinóquio. Diga, Pinóquio... Pinóquio? — Ele olhou ao
redor, por toda parte, mas o pequeno boneco havia sumido de novo.
— O Grilo também sumiu! — exclamou Pateta.
— Vamos procurá-los! — Sora saltou do convés e saiu correndo atrás de Pinóquio.

Eles seguiram pela garganta da baleia e as paredes deixaram de ser turvas, assumindo um
colorido grotesco. No final daquela passagem estreita, chegaram a um espaço mais aberto, todo
cheio de curvas e com diferenças aleatórias de altura.
— Pinóquio! — gritou Donald.
Pinóquio parou na entrada de outra câmara, desviando o olhar para o trio, hesitante. O Grilo
Falante se agarrava a seu chapéu.
— Sora! — O Grilo saltou de volta para Sora quando eles se aproximaram. — Eu não soube
o que fazer quando o Pinóquio saiu correndo daquele jeito...
Ele pegou de volta seu pequeno lenço e limpou o suor do rosto.
— Sabe, o Gepeto tá muitíssimo preocupado com você — comentou Pateta.
— Pinóquio, para de bobeira! Não é hora pra brincadeiras! — disse Sora.
Não foi Pinóquio quem respondeu:
— Mas Sora, eu pensei que você gostasse de brincadeiras.
— Riku!
Ele estava parado sobre uma elevação acima deles. Seus olhos azuis penetrantes fitavam
Sora com frieza.
— Ou você é legal demais pra brincar agora que tem a Keyblade?
— O que você tá fazendo aqui?! — indagou Sora.
Riku pulou lá para baixo e pôs a mão no ombro de Pinóquio.
— Tô só brincando com o Pinóquio.
— Você me entendeu! E quanto à Kairi? Achou ela?

119 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Riku abriu um pequeno sorriso.
— Talvez. Se você pegar a gente, talvez eu te conte o que eu sei.
— Qual é! — Sora deu um passo em sua direção, mas Riku agarrou Pinóquio pelo braço e
fugiu. — Ei, espera!
Ele saiu correndo atrás de Riku a toda velocidade.
— Sora! Espera! — Donald gritou atrás dele.
— Que foi, Donald?! — Sora parou e se virou.
Donald e Pateta olhavam para ele com incerteza e, empoleirado no chapéu de Donald, o
Grilo também parecia preocupado.
— Por que o Riku está aqui?
— Como é que eu vou saber?! — gritou Sora, batendo o pé.
— Mas... não é meio estranho? Estou com um mal pressentimento.
— Temos que segui-los. Ou podemos nunca ver o Pinóquio ou o Riku de novo! — E com
essas palavras, Sora voltou a correr.
Donald e Pateta trocaram olhares, pensando por um momento, então assentiram e seguiram
atrás de Sora.

A passagem estreita e comprida era de um colorido vivo, porém soturno.


Riku parou e se curvou para recuperar o fôlego. Pinóquio não estava mais com ele — havia
saído correndo para algum outro lugar novamente.
— Por que ainda se importa com aquele garoto?
Ouvindo a voz sinistra, Riku se virou e encontrou Malévola parada atrás dele. Ele franziu as
sobrancelhas e a encarou em silêncio.
— Ele praticamente te abandonou pela Keyblade e seus novos companheiros. — Malévola
tocou sua bochecha, mas Riku afastou sua mão.
— Eu não me importo. Só estava mexendo com ele um pouquinho. — Os olhos de Riku
brilharam com uma luz fria e voraz.
— Ah, mesmo? É claro que estava. Mas tome cuidado com a escuridão em seu coração. Os
Heartless a caçam.
— Cuida da sua própria vida! — gritou Riku, mas Malévola desapareceu em silêncio.

Sora, Donald e Pateta corriam ao longo da passagem.


— Poxa, não estou vendo nem o Pinóquio e nem o Riku — disse Pateta.
— Eles têm que estar aqui em algum lugar... — disse Sora com raiva. Ele não fazia ideia do
que se passava na cabeça de Riku.
Por que ele tá fazendo isso? Pensou Sora. Nós devíamos ser amigos.
Mas agora...
— Sora! Lá está o Pinóquio!
Donald correu para onde Pinóquio estava parado, olhando para eles com curiosidade. E Riku
estava logo ao lado.
— Riku! — gritou Sora.
Riku apenas o encarou, sem dizer uma palavra.
— Qual é o seu problema? No que você tá pensando? Não percebe o que está fazendo?!
— Eu estava prestes a te perguntar a mesma coisa, Sora — respondeu ele, balançando a
cabeça. — Você só parece interessado em correr por aí exibindo essa sua Keyblade ultimamente.
Ainda quer pelo menos salvar a Kairi?
— Eu quero... — Sora olhou para a Keyblade que brilhava em sua mão.
Encontrar o Riku... e encontrar a Kairi.
120 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ele havia partido com esse objetivo. Mas agora, isso não era tudo. Ele não queria que outros
mundos fossem destruídos como as Ilhas do Destino. Não queria que mais ninguém tivesse que
passar por algo assim. Por isso, estava tentando trancar todas as Keyholes.
No entanto, isso não significava que tivesse se esquecido de Kairi. Mesmo agora, estava
pensando no quanto queria vê-la e em como precisava ajudá-la.
Mas... se ele apenas tentasse salvar Kairi, isso não resolveria nada no final.
— Por favor, devolva-me o meu filho! — gritou Gepeto, atrás deles. Não devia ter
aguentado ficar apenas esperando que Pinóquio voltasse.
— Pai! — Pinóquio tentou alcançar Gepeto, mas Riku o pegou por trás.
— Pinóquio!
— Pai, socorro!
— Sinto muito, velhote — disse Riku. — Tenho assuntos inacabados com esse boneco.
— Ele não é um boneco! Pinóquio é o meu garotinho! — exclamou Gepeto.
Riku respondeu com um sorriso gelado:
— Ele é incomum. Não são muitos bonecos que têm corações. Não tenho certeza, mas talvez
ele possa ajudar alguém que perdeu o seu. — Ele ergueu Pinóquio nos braços.
— Espera aí... você tá falando da Kairi? — disse Sora.
— Um boneco que perdeu seu coração para os Heartless... Talvez seja a chave para ajudar a
Kairi — Riku abriu um sorriu sincero. — O que me diz, Sora? Vamos juntar forças para salvá-la.
Juntos, podemos fazer qualquer coisa.
Sora ergueu a Keyblade, pronto para lutar.
— O quê? Você prefere lutar comigo? Por causa de um boneco qualquer? — Riku o
encarou, incrédulo.
— O Pinóquio não é um boneco qualquer. Ele tem um coração. Ou pelo menos uma
consciência! — retrucou Sora, a voz cheia de força e determinação. — É só uma vozinha bem
baixa, mas consigo escutá-la em alto e bom som. E está me dizendo que deixar você com o
Pinóquio é errado!
— Então você não me deixa escolha, Sora... — Riku soltou Pinóquio com tudo e encarou o
chão, formando punhos com as mãos.
— Pinóquio! Pinóquio! — O Grilo saltou do chapéu de Donald e foi correndo até Pinóquio,
que mal conseguia abrir os olhos.
— Grilo... eu não vou aguentar... — disse, a voz fraca, mas então seu nariz cresceu um
pouco. — Ah! Acho que estou bem!
Pinóquio se levantou e o Grilo começou a pular para cima e para baixo, contente.
Foi quando um Heartless enorme se lançou sobre eles — a Jaula Parasita.
— Wak! Cuidado! — Donald ergueu seu cajado.
O Heartless era uma grande bola com uma bocarra aberta no meio, como uma rachadura, e
braços compridos que balançavam como algas marinhas na correnteza.
— Riku...
Com a Keyblade em mãos, Sora o encarou, mas Riku parecia olhar através dele.
Uma neblina negra cobriu o corpo de Riku — a mesma energia das trevas que o engolira nas
Ilhas do Destino.
— Aonde você tá indo?! Riku!
Mas Riku desapareceu em meio ao brilho negro, como se para se afastar dos gritos de Sora.
— Waaaak! — A Jaula Parasita cuspiu bolhas contra eles, lançando Donald para trás.
— Grilo, Pinóquio! Gepeto! Para trás, pessoal! — Pateta ergueu seu escudo diante deles.
Sora ainda procurava Riku com o olhar, encarando o ponto onde o brilho negro se dissipara.
Donald gritou seu nome e correu contra o Jaula Parasita.
— Arrrrrrgh! — Sora atacou a cabeça da criatura com a Keyblade. O impacto foi como
metal atingindo metal e a criatura abriu a boca.
— Sora!
— Mira na boca dele, Donald!
— Nevasca!
121 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Donald balançou seu cajado e um grande aglomerado de gelo voou rumo à boca da Jaula
Parasita. Ao mesmo tempo, seu braço borrachudo atingiu Sora e o lançou longe.
Pateta correu até ele.
— Você está bem?
— Tô legal! Vamos nos livrar dessa coisa! — Sora esfregou a boca e voltou a se levantar, a
Keyblade preparada em suas mãos.
— Wak!
Quando a magia de Donald atingiu a Jaula Parasita, ela voltou a abriu a boca. E então Sora
se lançou contra ela, golpeando-a com a Keyblade com toda a força.
Riku...!
Aparentemente, Riku sabia onde Kairi estava.
E Riku... estava se voltando para as trevas, tentando salvá-la. Talvez.
Sora não sabia o que fazer a respeito disso. Esses sentimentos fluíram para a Keyblade e ele
parecia atacar a Jaula Parasita com eles.
Ele saltou para dentro da boca da criatura e os outros já estavam começando a se sentir
inquietos com isso. Assim que Donald gritou o nome de Sora, uma forte luz emanou da boca da
Jaula Parasita.
— ...Olha ele ali!
A criatura cuspiu Sora e seu corpo foi envolto em luz. Então seu coração brilhante saiu
flutuando levemente enquanto o Parasite Cage se dissolvia em meio à luz.
Foi quando o próprio corpo de Monstro começou a sacudir. Com toda aquela luta, a baleia
devia ter decidido que queria aqueles arruaceiros fora de sua barriga.
— Sora, vamos cair fora daqui!
— Certo... mas onde estão o Gepeto e o Pinóquio?
O trio correu de volta para a Nave Gummi.
— Eu disse para eles irem na frente e subirem a bordo — disse o Grilo Falante, que a essa
altura já havia se empoleirado no chapéu de Donald.
— Poxa, espero que estejam bem...
— Enfim, temos que nos apressar!
E enquanto se lançavam a bordo da Nave Gummi, houve um enorme tremor e uma forte
rajada de vento atingiu a nave.
— Qua-waaaak!
— Ah-hoo-hooey!
Monstro espirrou e a Nave Gummi foi disparada de volta ao Céu Além.
— Ufa... — suspirou Donald, segurando a alavanca de controle. Atrás deles, Monstro,
parecendo um pouco adoentado, saiu nadando em busca de um lugar mais tranquilo.
— Espero que o Gepeto e o Pinóquio estejam bem... — disse Pateta, preocupado.
— É. Com sorte, eles pousaram em algum lugar em segurança... Quack!
— Tenho certeza que estão bem — disse o Grilo. — Contanto que estejam juntos, Pinóquio
será um bom menino, não importa aonde forem.
Sora se sentou encolhido no chão e, com a Keyblade repousada em seu colo, murmurou, de
forma quase inaudível, o nome de seu amigo:
— Riku...

122 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 8 123 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A NAVE GUMMI DISPARAVA QUIETAMENTE EM MEIO AO CÉU ALÉM.
Sora desviou o olhar para Pateta.
— Talvez eu estivesse errado — disse, franzindo a testa.
Sem saber o que dizer, Pateta se voltou para Donald, sentado no assento do piloto.
— Errado sobre o quê? Você tá procurando a Kairi, não tá? — retrucou Donald.
— Mas...
— Não se preocupe com isso, Sora.
— Mas eu quero vê-la... e o Riku também... — Sora abraçou os joelhos junto ao peito.
— A gente também quer ver o rei! — disse Pateta.
— E queríamos ver o Pinóquio e o Gepeto — acrescentou o Grilo Falante.
Mas a expressão desconsolada de Sora não mudou.
— Ah, Sora, essa cara não combina com você!
— Hm... — Sora estava perdido em pensamentos.
— Se você continuar fazendo essa cara... — Pateta começou a falar.
— Eu sei, a Nave Gummi não vai poder voar...
— Iac, isso mesmo! Vamos, Sora, sorria!
Diante da insistência de Pateta, Sora se obrigou a sorrir.
— Pronto, assim mesmo! Desse jeito, a nave vai continuar voando! — Pateta sorriu,
erguendo o polegar para ele.
— É, vocês tão certos... ficar triste não vai me ajudar a encontrar a Kairi — Sora finalmente
se levantou e olhou para o Céu Além da cabine do piloto.
— Assim que se fala, Sora! — exclamou Donald.
— Desculpa se eu preocupei vocês. — Um pouco envergonhado, Sora coçou a cabeça e se
aproximou do assento do piloto. — Já conseguem ver o próximo mundo?
— Ainda não. Era pra ser por aqui em algum lugar, mas... — Donald disparou uma rajada
para destruir um asteroide que bloqueava o caminho.
E então...
— Essa não! Isso não é nada bom! — Pateta correu para a cabine do piloto aos tropeços.
— O que foi, Pateta?
— Olha lá! Atrás da gente! — Pateta apontou para a popa e começou a correr em círculos
pela cabine.
— Ora, eu não posso simplesmente ficar olhando para trás quando estou... — Donald se
virou por um único segundo para olhar para Pateta. — Quaaack?!
— Quê que tá pegando? — Sora também se virou e então viu outra nave gigantesca
seguindo diretamente em sua direção. Na verdade, não parecia exatamente uma nave... — É... é... é
um navio pirata!
— Primeiro uma baleia e agora piratas?!
Donald empurrou a alavanca de controle o máximo que pôde, tentando fazer com que a
Nave Gummi acelerasse o suficiente para que pudessem fugir. Mas o navio pirata continuava em
seu encalço.
— Vai bater na gente! — gritou Donald. — Segurem firme!
Um grande impacto abalou a Nave Gummi.

A bordo do navio pirata, na cabine do Capitão Gancho, Kairi estava estirada sobre um sofá.
Riku a observava com toda a atenção.
— Então a Kairi está inanimada como uma marionete agora?
— Precisamente — respondeu Malévola, parada atrás dele.
— E o coração dela foi...
— Tomado pelos Heartless, sem dúvida.
Riku se virou para ela, os punhos cerrados.

124 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Diga-me! O que eu posso fazer?
Havia desespero em sua voz. Malévola falou gentilmente, como se respondesse ao
questionamento urgente de uma criança:
— Existem sete donzelas com os mais puros dos corações. Nós as chamamos de Princesas
de Coração. Reúna todas elas e uma porta se abrirá para o coração de todos os mundos. Dentro,
encontra-se a sabedoria não contada... Lá, você certamente encontrará uma forma de recuperar o
coração de Kairi.
Ela se inclinou diante do rosto reclinado de Riku.
— Agora, eu lhe darei um presente maravilhoso... o poder de controlar os Heartless.
Uma luz esverdeada emanou de Malévola, como um miasma, e então o envolveu.
— Em breve, Kairi... em breve. — Riku se virou para fitá-la mais uma vez. Ela sequer se
mexeu, dormindo imóvel como um boneco.

— Ai, ai, ai... — Sora se levantou, cutucando os hematomas que se haviam formado aqui e
ali. — Donald...? Pateta?
Eles mais uma vez haviam sido lançados da Nave Gummi em direções diferentes.
— Estou ouvindo o oceano...
Na verdade, podia ouvir o som das ondas por toda a volta, um farfalhar que vinha de todas
as direções. Havia pousado no convés do navio pirata. Uma grande lua cheia se assomava no céu e
o mar ao redor do navio tinha uma coloração completamente diferente das águas turquesa brilhantes
das Ilhas do Destino — ali, era azul escuro. Mas o som das ondas era o mesmo e fazia com que
Sora se sentisse em casa.
Aquela era a Terra do Nunca — um mundo de fantasia onde nascem os sonhos das crianças.
Sora caminhou pelo convés até a proa e então sentiu uma presença atrás de si.
— Não achei que você viria, Sora.
Ele se virou para a voz familiar.
Era Riku, olhando para Sora de cima do passadiço, a brisa do mar soprando seus cabelos
prateados. Ele sorriu.
— É bom vê-lo novamente, Sora.
— Também senti sua falta, Riku.
Riku bufou.
— Mesmo? Enquanto você tava de brincadeira por aí, eu finalmente encontrei a Kairi.
Ao lado dele, Kairi estava sentada — ou melhor, fora posicionada ali, parada como uma
boneca. Não havia a mínima força em sua postura e os olhos semiabertos estavam escuros e inertes.
— Kairi! — Sora tentou correr até ela, mas um gancho surgiu diante de si, bloqueando o
caminho.
— Não tão rápido. Nada de peripécias a bordo do meu navio, garoto!
Era Gancho, o capitão pirata, acompanhado de sua tripulação.
— Riku, por que está se aliando a esses caras? — gritou Sora.
Esse não parece ser o Riku. Não o Riku que eu conheço...
— Os Heartless me obedecem agora, Sora — disse Riku em meio a um sorriso fraco. — Eu
não tenho nada a temer.
Sora rangeu os dentes e encarou Riku. Não tinha ideia do que fazer.
— E eu também aprendi alguns truques novos. Como esse, por exemplo... — Riku ergueu
uma das mãos, fazendo com que a sombra de Sora se levantasse do convés.
Horrorizado, Sora pulou para trás com a Keyblade em mãos.
— Mas não tenho tempo para brincar com você. Sinto muito, Sora.
Então o chão se abriu sob os pés de Sora, que caiu rumo ao porão.
— Riku...!

125 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Ouvindo o grito de Sora ser engolido pela escuridão abaixo do convés, Riku jogou a franja
para trás.
— Vamos em frente, já. E mantenha o Sora longe da Kairi até que estejamos prontos para
desembarcar — disse ao Capitão Gancho, pegando Kairi no colo e voltando à cabine.
— Hmph. Esse moleque ordinário acha que pode me dar ordens?! — resmungou o capitão,
balançando o gancho.
Smee, seu imediato, fungou com o grande nariz vermelho sob os óculos redondos e disse:
— O que devemos fazer, capitão?
— Nada! O porão está infestado de Heartless. Deixe que eles fiquem de olho nos pirralhos.
— Mas, capitão, você-sabe-quem também está... — Smee começou a falar.
Gancho ergueu um dedo sobre os lábios.
— Shh! Ouviu isso, Smee? Ah, aquele som terrível...! — Ele olhou em volta, os ombros
arcados de terror.
— Não, capitão.
— Tem certeza? Fui eu que imaginei? — Sua atitude valente desaparecera por completo e
ele agarrou Smee pelos ombros, como se buscasse suporte. Havia apenas uma coisa que ele não
suportava. — Ai, meus pobres nervos — ele gemeu, balançando a cabeça.

— Uou!
— Ai!
— Quack!
Ele pousou em algo macio.
— Levanta daí, Sora!
Era a voz de Donald, vindo de baixo de suas costas. Aparentemente, Donald e Pateta haviam
amortecido sua queda outra vez.
— Onde estamos? — Sora se levantou e olhou em volta.
Pareciam estar embaixo do convés, mas não havia luz o suficiente para precisar. Começaram
a cutucar tudo o que havia ao redor, impacientes, procurando por uma saída. Sora tinha que achar
Kairi de novo.
— Tem uma janela aqui! — Eles foram até a pequena janela e Sora deu uma olhada por ela.
— Vê alguma coisa? — disse Donald.
— Na verdade, não... — Sora balançou a cabeça. Estava escuro demais.
— Pra cá também não deu em nada... a porta não abre — Pateta empurrou e puxou a porta
de madeira, mas ela nem se mexia.
— A-hem! — pigarreou alguém atrás de Sora.
Sobressaltado, ele se virou, mas não havia ninguém lá.
— Hã?
— Como estão? Procurando uma saída? — Um menino pulou das sombras atrás de alguns
barris. Suas roupas eram completamente verdes, incluindo o chapéu, que tinha uma pequena pena
vermelha presa a ele.
— Quem é você? — perguntou Pateta, desconfiado.
O menino estufou o peito.
— Sou a resposta para as suas orações.
Donald franziu o cenho e bateu o pé, tentando decidir se o menino era amigo ou inimigo.
— Mas você também tá preso aqui, não tá? — disse Sora.
O menino de verde caiu na gargalhada.
— Não, tô só esperando alguém!
— Quem? — perguntou Sora, e então uma pequena luzinha começou a voar em círculos à
sua volta.
— Sininho, por que demorou tanto?

126 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
O trio apenas observava, surpreso. A pequena luz parou diante do menino e começou a
tomar forma — era uma fada. Estava de vestido, verde como as roupas do menino, e seu brilho
cintilava conforme ia se aproximando de seu rosto, pairando no ar.
— Bom trabalho. E aí, achou a Wendy?
A fada não parecia estar falando. Mas a cada cintilar, fazia um pequeno barulho de sino que
o menino de alguma forma parecia entender, como se fosse sua língua.
— Calma... também tinha outra garota lá?
— Só pode ser a Kairi! — Sora se aproximou. — Onde elas estão?
A fada bateu as asas brilhantes, não parecendo nada satisfeita com a aproximação de Sora.
— Qual é, Sininho, não se zangue.... O quê? Você tá louca? Eu jamais deixaria a Wendy
para trás!
Sininho vibrou de forma ainda mais violenta.
— Ha! Ela também é uma menina! E pelo visto deve ser bem ciumenta! — Donald
sussurrou para Pateta.
Sininho o encarou e rapidamente voou em sua direção, chutando-o no bico.
— Wak! — Donald segurou o bico com ambas as mãos.
Sininho o observou de canto de olho e cobriu uma risadinha antes de sair voando novamente
pela janelinha por onde havia entrado.
— Ei, qual é, Sininho! Abra a porta! — gritou o menino, frustrado, mas ela não voltou.
— Puxa vida... — disse Sora, olhando para a trilha brilhante que Sininho havia deixado para
trás. — Hm...
Perdido, o menino coçou a cabeça, mas então se ajeitou e ergueu a mão para o trio.
— Me chamo Peter Pan.
— Eu sou o Sora. Esse é o Donald e aquele é o Pateta. É um prazer conhecê-lo! — Sora
tentou apertar sua mão, mas, em vez disso, Peter Pan a puxou de volta.
— Eu vou atrás da Wendy. Então estamos juntos nessa, mas só até que eu a encontre,
entendido? — disse com um tom um tanto arrogante.
Foi quando ouviram um click.
— A porta tá aberta!
Sininho devia tê-la aberto, afinal. Eles deixaram o cômodo, mas uma horda de Heartless
surgiu praticamente de baixo de seus pés.
— Aqui vou eu! — Sora assumiu sua posição de luta, a Keyblade em mãos, e saiu correndo
para cima deles.
— Eu também! — Pateta o seguiu.
— Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald disparava magias de segundo nível enquanto
pulava em direção aos inimigos. Mas a sombra aos pés de Sora parecia estar se mexendo de forma
incomum. — Hã? ...S-S-Sora!
Sora olhou para trás e viu sua própria sombra, a que Riku havia conjurado antes. Ela
também carregava uma Keyblade negra, com a qual estava atacando Donald.
— Quack! Wak! — Os ataques da sombra eram tão rápidos e agressivos quanto os do próprio
Sora. Tudo o que Donald podia fazer era fugir.
— Acho que é aqui que eu entro... — Peter Pan, que até então estivera demorando-se junto à
porta de braços cruzados, se lançou no ar. Precipitou-se então sobre a sombra de Sora, desferindo
um único e perfeito golpe contra ela. — Ha! Toma isso!
Ele foi se atirando contra a sombra sem cessar, esgotando-a.
— Ei, não fique com todo o crédito!
Ver Peter Pan lutar dessa forma fez com que o espírito competitivo de Sora despertasse.
Num grande salto, ele lançou a Keyblade contra os Heartless.
— Ufa...
Após derrotarem os Heartless, eles se refugiaram em outra sala para recuperar o fôlego. De
alguma forma, Peter Pan estava flutuando sobre as cabeças do trio. Aparentemente, a sombra de
Sora havia desaparecido para fugir dele.

127 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
128 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Então, hã, como é que você pode voar? — perguntou Pateta, como se não suportasse a
ideia de não saber a resposta.
— Qualquer um pode voar. Querem tentar? — Peter Pan pousou no chão e levou os dedos
aos lábios para assobiar. A pequena luz cintilante de Sininho passou voando por eles e então tomou
forma diante do menino. — Basta um pouquinho de pó mágico...
Ele segurou Sininho pelas asas e voou sobre os demais.
— Pronto, agora vocês podem voar!
Um pó brilhante caiu de Sininho e Peter Pan em cima do trio.
— Sério? De verdade?
Donald pulou, batendo as asas como um pássaro, mas caiu de barriga no chão. Sora e Pateta
fizeram o mesmo, mas, um atrás do outro, ambos caíram novamente.
— Viu, a gente não consegue! — resmungou Donald.
Sininho pairou diante dele, cintilando em meio a uma risada.
— Como é que vocês voam? — Sora e Pateta cruzaram os braços, concentrados. Sininho
voava à sua volta, espalhando seu pó mágico, como se para provocá-los.

No alojamento do capitão, Gancho e Riku estavam tendo uma grande discussão.


— O quê? — bufou Gancho. — Então a Wendy não é uma das escolhidas?
— Supostamente são sete e Malévola diz que ela não é uma delas — respondeu Riku
categoricamente, virando-lhe as costas. — Ice a âncora o mais breve possível. E deixe todo o peso
morto para trás, inclusive ela.
— Depois de todo o trabalho que tivemos para capturá-la?! — Gancho bateu o pé. — E por
que essas sete? O que a Malévola está planejando, afinal?
— Quem sabe?
Riku olhou de forma apática pela escotilha adiante, fitando o mar escuro. Não se parecia em
nada com o oceano das Ilhas do Destino.
Esse com certeza não é o nosso oceano, pensou.
— Contanto que signifique recuperar o coração da Kairi, eu não tô nem aí.
— Ha! Está perdendo o seu tempo! Os Heartless devoraram o coração daquela garota.
Apostaria minha outra mão que se perdeu para sempre.
— Não. Eles não levaram o coração dela — disse, a voz baixa e tranquila.
Eu vou encontrar o coração dela... não importa como.
— Capitão Gancho... — disse uma voz, interrompendo-os através do tubo de comunicação
que irrompia dentro da cabine.
Gancho fez uma careta e foi até lá para responder.
— O que foi?
— Os prisioneiros escaparam... e, hã, Peter Pan está com eles.
— Maldito seja aquele Peter Pan! — esbravejou Gancho.
O garoto era um rival em particular que ele tinha. Na verdade, Gancho havia se convencido
de que fora graças a ninguém menos que o próprio Peter Pan que ele acabara com um gancho no
lugar da mão.
— Muito bem então! Traga as prisioneiras para a minha cabine, Smee. Logo com isso!

Sora e os demais continuavam enfrentando os Heartless à medida que avançavam pelo


casco do navio.
— Então... como é que a gente volta pro convés superior? — perguntou Pateta. Já tinham
procurado em cada canto e fenda, mas não encontraram uma escada sequer.

129 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Essa é a última sala aqui embaixo — disse Donald. Quando abriu a porta, Peter Pan e
Sininho se lançaram em sua frente. — Ei, espera aí!
O trio os seguiu por outra sala escura. Brilhando, Sininho se aproximou de Peter Pan.
— O que foi, Sininho?
Ela alçou voo e então parou diante de uma grade no teto. Foi quando ouviram a voz de
uma menina:
— Peter? Peter Pan?
Peter Pan se aproximou voando e ergueu o rosto para a grade.
— Wendy!
Eles agora podiam ver uma menina de vestido azul do outro lado.
— Por favor, Peter, rápido! Os piratas estão vindo!
— Já estou subindo aí. Aguenta firme! — Petar Pan começou a procurar uma forma de
chegar ao andar superior.
— Wendy? — chamou Sora, incapaz de ficar quieto enquanto observava, ainda parado
no chão.
— Sim?
— Tem outra garota aí com você?
— Ora, bem, sim... mas parece estar adormecida. Não se mexeu nem uma polegada — disse
Wendy, olhando para trás.
Tentando seguir seu olhar, Sora subiu numa caixa e então conseguiu ver a perna de Kairi.
— Kairi? Acorda! Kairi!
O dedo de Kairi se contraiu. Mas então ele não conseguiu mais vê-la — e Wendy gritou.
— Sora! Vem, vamos lá pra cima!
Diante da incitação de Peter Pan, Sora escalou outra caixa e subiu por um buraco na grade
do outro lado do teto.
— Wendy! Você tá aí dentro? — gritou Peter Pan, batendo na porta da sala onde haviam
acabado de vê-la. Mas não houve resposta.
— A porta tá trancada? — Sora e Pateta tentaram forçá-la, sem sucesso.
— Temos que achar outro caminho! — Donald saiu correndo na direção oposta.
Ao mesmo tempo, Peter Pan continuava tentando forçar a porta junto a Sora e Pateta.
— Ei, tem uma escada aqui! — gritou Donald e os outros trocaram olhares antes de
resolverem subir pela escada.
Foram parar numa pequena saída. E lá...
— Riku... — disse Sora, fitando-o.
Riku estava carregando Kairi nos braços, ainda imóvel, como se estivesse tomada por um
sono profundo. Ele deu um passo para trás sem dizer uma única palavra. Os outros três apenas
observaram.
— O que houve com você, Riku?! — gritou Sora. — Mesmo que você use os Heartless pra
recuperar o coração da Kairi... se você machucar alguém pra fazer isso, só vai deixá-la triste!
Riku apenas estreitou os olhos, afastando-se.
— Riku, espera! — Sora gritou novamente.
Então a sombra sob os pés de Riku começou a se erguer devagar. Ela assumiu a forma de
Sora — e se lançou contra o grupo.
— Ai! — gritou Sora, sua sombra o lançando para trás.
Riku aproveitou a oportunidade e simplesmente entrou num portal de pura escuridão que
surgiu atrás dele, desaparecendo.
— Riku! Espera! — Apoiando-se na Keyblade, Sora se levantou. Mas Riku já havia partido.
— Sora, é melhor nos livrarmos dessa coisa primeiro! — disse Pateta.
— Mas o Riku... e a Kairi...!
— Sora, vamos!
Por fim, Sora balançou a cabeça com força, como se para tirar alguma coisa dela. Sua
sombra jogou Donald contra uma parede. Sora a encarou com a Keyblade em mãos. Lançou-se
contra a sombra com um urro furioso, atacando-a com tudo. Em meio a um terrível retinir, a
130 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Keyblade negra da sombra bloqueou a investida. Ambos tinham a mesma força — não havia algo
que os desnivelasse. O resultado da batalha era imprevisível.
— Não se preocupe, estamos aqui pra te ajudar! — disse Donald, erguendo seu cajado.
— Eu cuido dessa coisa! — disse Sora. — Vocês vão com o Peter Pan e descobrem como
voltar praquela outra sala!
Sora e a sombra atingiram um ao outro com tudo. Mas ele logo se levantou novamente,
encarando-a.
— Eu tô bem! Vão!
Riku...
O que o Riku estava fazendo era errado. Machucar outras pessoas para ajudar a Kairi era
errado. Aquele mundo estava correndo o risco de ser consumido pelas trevas. Ignorar isso para
salvar a Kairi era errado.
Eu também quero ajudá-la, pensou Sora. Quero muito.
Mas... sem o nosso mundo, se simplesmente salvarmos a Kairi, pra onde nós vamos voltar?
Não temos que voltar para casa, para as nossas ilhas?!
O que eu mais quero é que nós três sempre possamos estar juntos.
Ele sentia que podia ouvir a voz de Kairi vindo de algum lugar.
Eu não vou perder. Essa sombra não vai me derrotar. E então o Riku, a Kairi e eu
poderemos sentar juntos na praia outra vez, conversando e rindo.
Eu não posso perder...!
Sora golpeou a sombra, que caiu sobre si mesma, afundando no chão.
— Você conseguiu! — exclamou Pateta, atrás dele.
Sora respirou fundo algumas vezes, encarando sua sombra. Ela se arrastou pelo chão e então
se ajeitou sob seus pés.
— Uau, nada mal, Sora. Você a derrotou sozinho!
— É... — Sora suspirou, um pouco ofegante, mas olhou para Pateta com um sorriso
estampado no rosto.
— Sora... — disse Pateta, parecendo um pouco preocupado.
Então Donald, que estivera vasculhando o chão ao lado de Peter Pan, fez uma descoberta:
— Encontrei a porta!
Peter Pan abriu o alçapão no chão com tudo e desceu voando para a sala abaixo.
— Vamos! — O trio o seguiu.
— Wendy! — disse Peter Pan, pousando a seu lado. Wendy estava no chão, inconsciente.
Sininho começou a voar à sua volta, brilhando, mas ele a afastou. — Bem, esse é o mais longe que
posso ir, Sora. Tenho que ajudar a Wendy.
Ele a ergueu nos braços e saiu voando por uma escotilha. Sininho, tendo sido tão
sordidamente ignorada, emburrou-se e saiu voando rumo a algum outro lugar.
— Então... é isso? — Pateta coçou a cabeça.
— Devemos voltar à Nave Gummi? — disse Donald.
— Sim, vamos lá!
Diante da voz estranhamente animada de Sora, Donald e Pateta se entreolharam. Foi quando
ouviram uma comoção vindo de algum lugar lá em cima.
— Vamos!
Eles se apressaram rumo ao convés superior.

Quando emergiram do porão, o Capitão Gancho estava lá para recebê-los.


— É mesmo um bacalhau, aquele Riku... fugindo com a garota sem nem se despedir.
Os ventos marinhos uivavam pelo convés.
— Fugiu pra onde? Diga pra onde ele foi! — Sora ergueu a Keyblade em direção a Gancho.

131 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Para as ruínas de Hollow Bastion[1], onde Malévola reside. Mas vocês não chegarão até lá
— Gancho ergueu uma lanterna que lhe foi entregue por Smee. Dentro, não havia uma chama, mas
Sininho, que brilhava, impotente. — A menos que pretendam deixar sua amiga fadinha para trás.
Sora mal conseguiu balançar a cabeça. É claro que não podiam abandonar Sininho.
— Entregue a Keyblade e eu pouparei suas vidas. Alegrem-se por eu ser misericordioso,
diferente dos Heartless! E então, o que será? A Keyblade ou a prancha? — Com um balançar do
gancho, o capitão pirata indicou a prancha que se projetava sobre a água.
Se entregasse a Keyblade, Sora pensou, não poderia ajudar Kairi. Mas... se não entregasse, o
que aconteceria a Sininho?
— Sora!
Ele seguiu em direção à prancha, levado pelos Heartless. Donald e Pateta fizeram menção
a ajudá-lo, mas Gancho estava com a ponta de seu homônimo na lanterna, sobre a garganta
de Sininho.
— Não tão rápido — disse.
Foi quando ouviram o tique-taque de um relógio.
— É ele! O crocodilo que comeu a minha mão! — Gancho olhou para a água, receoso, e deu
um pulo para trás. Lá estava ele, um crocodilo gigantesco com a bocarra escancarada, os olhos
brilhantes fixos no pirata. — Ele está atrás da minha outra mão! Não posso ficar aqui! Vá embora!
Ah, eu não aguento olhar pra ele! ...S-Smee, você cuida deles!
Em pânico, Gancho correu para sua cabine.
Os Heartless arrastaram-se mais para perto de Sora, fazendo-o avançar ainda mais ao longo
da prancha. O crocodilo aguardava logo abaixo, na água, pelo jantar que logo cairia em suas
mandíbulas abertas.
— Voe, Sora! — Ele podia ouvir o sussurrar da voz de Peter Pan. — É só acreditar que você
consegue!
Eu posso voar. Basta acreditar.
Sora fechou os olhos e pulou da prancha de costas. As mandíbulas do crocodilo se fecharam
— mas Sora saiu voando no ar.
— M-Mas... como pode ser?! — gaguejou Smee. Enquanto estava ali parado com a boca
aberta, Peter Pan se lançou contra ele e arrancou a lanterna de suas mãos.
— Peter Pan! — Sora pousou ao lado dele na prancha.
— Ei, vocês ficaram para salvar a Sininho. Não acharam que eu deixaria vocês todos
pra trás, né?! — Com um sorriso no rosto, Peter Pan abriu a lanterna para que Sininho pudesse
sair voando.
— Essa não, essa não! — Smee saiu correndo dos Heartless. Em vez de perseguirem-no,
eles se voltaram contra Sora. Donald ergueu seu cajado enquanto Pateta empunhava seu escudo.
— Vocês todos já eram! — Com a refém libertada, Sora partiu para cima da horda de
Heartless, seguido pelos demais.
Agora ele já havia derrotado sua própria sombra — Heartless normais não representavam a
menor ameaça. E com Sininho e Wendy sãs e salvas de Gancho, Peter Pan também não tinha nada
que o segurasse.
Enquanto lutavam, os dois gritavam um para o outro:
— Nada mal, Sora!
— Até que você também não manda mal!
— E nós também não! Iac! — Pateta deu um grande salto e atingiu um Heartless voador.
Donald também gritava, lançando no ar um feitiço atrás do outro. Logo, não restou nem um
único Heartless no convés.
— Agora só falta o Gancho!
Peter Pan impediu que Sora irrompesse nos aposentos do capitão e, em vez disso, apenas
deu umas breves batidas na porta.
— É você, Smee? — Ouviram Gancho dizer. — Já acabou com eles?
Peter Pan segurou a risada e, tampando o nariz com os dedos, respondeu:
— Aye, Capitão. Andaram pela prancha, até o último deles.
132 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A voz ficara igualzinha à de Smee. Sora trocou olhares com Donald e Pateta, sorrindo.
— É mesmo?! — gritou Gancho, irrompendo da cabine e passando correndo por eles.
Enquanto olhava de um lado para o outro em busca de Smee, que não parecia estar em lugar
nenhum, Peter Pan aproveitou para se aproximar por trás dele com sua adaga em mãos e espetou o
traseiro do capitão.
— Ih-aaau! — Gancho deu um pulo enorme e então se virou para trás. — P-Peter Pan!
Maldito seja!
— Pronto pra mergulhar, seu bacalhau? Agora é a sua vez de andar na prancha! — Peter Pan
lançou sua adaga contra Gancho.
— Vou me vingar pela minha mão esquerda, moleque imundo! — Ele sacou a espada que
guardava na cintura e avançou contra Peter Pan a uma velocidade absurda.
Peter Pan pulou para fora do caminho e voou em círculos sobre a cabeça de Gancho.
— Ha! Isso é, se conseguir me pegar!
— E ele não tá lutando sozinho! — Sora chegou correndo com a Keyblade em mãos
enquanto Gancho encarava Peter Pan.
Esquivando-se dos ataques inimigos, Gancho foi chegando cada vez mais perto da beirada
do navio.
— Ha! Te pegamos! — provocou Sora, aproximando-se até fazer com que Gancho chegasse
ao parapeito, onde acabou se inclinando com as costas voltadas para a água. Foi quando começou a
ouvir o tique-taque novamente.
Gancho berrou, alarmado:
— É... é... é ele! Ele está aqui!
Ele jogou Sora para o lado com toda a força e saiu correndo pelo convés. Sora e os demais
ficaram apenas observando.
— Diga, Peter Pan... — disse Pateta, e o garoto se aproximou voando. — Quem é esse que
deixa o Capitão Gancho com tanto medo?
Peter Pan riu.
— Ah, é só o crocodilo. Ele tá esperando ansiosamente que alguém ande pela prancha! O
Gancho não aguenta nem olhar pra ele.
Após percorrer todo o convés em pânico, Gancho agora ofegava num canto. Ele olhou para a
água e estremeceu.
— Mas por que ele faz tique-taque? — perguntou Pateta.
— Quando o crocodilo comeu a mão do Gancho, ele estava carregando seu precioso relógio
de bolso. Então agora o relógio também está no estômago dele e quando ele se aproxima, dá pra
ouvir o tique-taque. — Peter Pan girou no ar, dando risada.
— Nossa, me sinto mal por ele — disse Sora, coçando a cabeça.
— Se sente mal? — retrucou Donald. — Ele tomou a Wendy, a Kairi e a Sininho como
prisioneiras! Esse é o tipo de cara que ele é! Chamas! — Ele ergueu o cajado e lançou uma bola de
fogo contra a manga de Gancho.
Gancho urrou e o fogo então se espalhou, alcançando seu traseiro, mas ele começou a correr
atrás de Donald, balançando a espada freneticamente.
— Quack! Wawawaaaak! — Dessa vez, era Donald quem estava correndo em pânico.
— Então esse Capitão Gancho é tão durão assim? — perguntou Pateta, inquieto.
— Hmm. Talvez — Peter Pan deu de ombros. Então, com um sorrisinho no rosto, foi atrás
de Gancho novamente com sua adaga em mãos.
— A Terra do Nunca não é propriedade sua!
Gancho tirou a jaqueta para apagar as chamas e encarou Peter Pan, furioso.
— Maldito seja, seu moleque insolente!
— Por que não acabamos com isso de uma vez, Gancho? — Peter Pan pousou no convés
com sua adaga apontada para o pirata.
— Perfeito... mas sou eu que vou acabar com você! — Colocando a jaqueta de vota, Gancho
avançou contra Peter Pan, mas o garoto se esquivou com astúcia e continuou a fazê-lo até guiar
Gancho em direção à prancha para onde Sora havia sido levado não muito tempo antes.
133 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ha, ha! Olha eu aqui, Gancho! — provocou, e saiu voando novamente.
— Ora, seu...!
Gancho pulou em direção a Peter Pan, golpeando de forma dramática, mas errou o alvo — e
abaixo dele, não havia nada além de água.
— Aaaaaaargh!
Ele caiu no oceano em meio a um enorme jato d'água que respingou por todo lado. Uma
pequena folha de papel que derrubara de seu bolso ficou para trás, caindo lentamente atrás dele.
— Deve ser parte do relatório de Ansem! — exclamou Donald, agarrando-a ainda no ar.
O crocodilo do tique-taque avançou contra Gancho, que, sem poupar gritos, saiu nadando
por sua vida.
— Socooooorro! — Seus urros ecoaram pelo mar da Terra do Nunca.

As ondas quebravam quietamente sob o casco no navio pirata. Aquele som era tão familiar
para Sora...
O mar da Terra do Nunca agora estava calmo, assim como o oceano das Ilhas do Destino.
Apoiando-se no parapeito, Sora observou o horizonte sobre a água.
— Hã... — disse Pateta. — A Kairi não conseguia acordar, então talvez ela tenha mesmo
perdido o seu...
— Shh! — interrompeu Donald, balançando a cabeça.
— Sora... — disse Peter Pan, atrás dele.
— Ainda não consigo acreditar — murmurou Sora, olhando para o céu estrelado. — Eu voei
de verdade! Espera só até eu contar pra Kairi. Será que ela vai acreditar em mim? Acho que não...
— Você pode trazer ela pra Terra do Nunca um dia! Aí ela mesma pode tentar — disse Peter
Pan. Sora se voltou para ele.
— Se eu acreditar, posso fazer qualquer coisa, até mesmo voar, não é verdade? Então eu vou
encontrar a Kairi. Sei que vou. Tem tanta coisa que eu quero contar pra ela... Sobre voar, sobre os
piratas e tudo mais que aconteceu. — Seus olhos brilhavam, livres de dúvidas.
Eu vou acreditar. Não vou desistir.
Foi quando Sininho surgiu, brilhando diante deles.
— Sora, vamos dar uma olhada na torre do relógio — disse Peter Pan.
— Torre do relógio?
— A Sininho disse que tem alguma coisa lá.
O trio partiu, alçando voo, e seguiu Peter Pan rumo à torre do relógio.

— Wendy! — gritou Peter Pan.


Ela estava sentada na beira da torre do relógio, observando a cidade. A gigantesca torre do
relógio era tão alta quanto um arranha-céu, com todas as luzes das incontáveis casas e edifícios
espalhadas lá embaixo. Cada um dos quatro lados tinha um grande relógio, indicando as horas
mesmo há quilômetros de distância.
Sora, Donald e Pateta mal haviam conhecido Wendy, devido às circunstâncias a bordo do
navio pirata. Sem saber exatamente como falar com ela, eles olharam de um para o outro, até que
Wendy quebrou o silêncio:
— Você é o Sora?
— Sim... er, é um prazer conhecê-la, Wendy.
— E... vocês dois devem ser o Donald e o Pateta. Peter Pan me contou tudo sobre vocês —
Wendy abriu um sorriso doce, apesar de parecer um pouco preocupada. — E quanto à Kairi?
Sora balançou a cabeça.

134 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ah, compreendo... Bom, não desista, Sora! — disse ela, contente, como se para mandar
embora a pontada de tristeza que havia pairado sobre Sora. Então se levantou. — Vejam! A vista
daqui não é adorável? E graças a essa torre do relógio, dá para saber que horas são de qualquer
lugar da cidade.
Sora parou a seu lado, observando a cidade abaixo. Nunca tinha testemunhado uma vista
como aquela — as luzes da cidade pareciam cobrir o mundo inteiro.
Agora tinha mais uma coisa para contar a Kairi.
Ele então se lançou no ar novamente e voou ao redor da torre do relógio.
— Hã? O relógio desse lado tá quebrado — disse.
— Sim, parece que um deles realmente está — disse Wendy, um pouco ansiosa.
— Será que podemos consertar? — Donald voou para dar uma olhada no relógio que
mostrava a hora errada. — Talvez só precise de um empurrãozinho!
Usando seu cajado, ele golpeou o ponteiro de minutos com toda a força, até que conseguiu
fazer com que se mexesse um pouco.
— Vai, qual é!
Donald continuou empurrando o ponteiro de minutos e, quando finalmente o apontou para o
número doze, o relógio começou a brilhar. E então...
— A Keyhole! — Donald voou ainda mais alto.
A Keyhole surgira em meio ao relógio. Sora se aproximou e apontou a Keyblade para ela.
Um raio de luz foi irradiado da ponta da Keyblade, seguindo até a Keyhole, que se trancou num
click. Então alguma coisa caiu da Keyhole.
— Uou! — Pateta se atrapalhou todo para pegá-lo. — É um Gummi de navegação!
Donald disparou pelo céu e então o relógio bateu meia-noite.
— Peter... está na hora — disse Wendy, começando a seguir pelo corredor que dava na
beirada da torre. Peter Pan a seguiu, voando lentamente a seu lado. — Você tem mesmo que voltar
para a Terra do Nunca?
— Mas nós podemos nos ver a qualquer hora! — Ele segurou as mãos de Wendy com
firmeza. — Basta que você não se esqueça sobre a Terra do Nunca.
Sora os observou juntos. Após um momento, ele se aproximou e disse:
— Wendy...
Ela se voltou para ele e sorriu, envergonhada.
— Basta que eu não me esqueça... é verdade. Eu sei que o Peter sempre vai estar comigo.
Então não se esqueça da Kairi também! Se ela continuar no seu coração, Sora, você certamente a
encontrará de novo.
— ...Sim. Você tá certa.
Sininho começou a voar ao redor de Donald em meio a um forte cintilar.
— Donald, Pateta... tá na hora? — disse Sora. Eles se lançaram no céu atrás dele.
— Beleza, Peter Pan, estamos indo!
— Até a próxima, Sora! — Flutuando junto à torre, Peter Pan acenou para eles. Mais ao
lado, Sininho parecia um pouco triste.
O trio então voltou à Nave Gummi.

----------
GLOSSÁRIO:

[1]
Hollow Bastion: “Bastião Desolado” | Pronúncia: Ró-lou Béstiên (/ˈhɒləʊ/ /ˈbæstiən/)

135 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 9 136 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
RIKU ESTVA NA PEQUENA CAVERNA DAS ILHAS DO DESTINO. SORA ESTAVA LÁ
com ele. Uma memória de quando ainda eram pequenos...
Mas ainda que se lembrasse com clareza, Riku não tinha certeza de quanto tempo se passara
desde que aquilo aconteceu.
O que haviam ido fazer naquela caverna?
— Ei, Sora.
— Hm?
— Quando crescermos, vamos dar o fora dessa ilha. Vamos viver aventuras de verdade, não
essas coisas de criança!
Naquele instante, o vento soprou pelo buraco no teto e uivou — o som que Sora pensara ser
um monstro.
— Claro. Mas não tem nada legal pra gente fazer agora? — disse Sora, sem prestar muita
atenção. — Ah, já sei! Ouviu falar daquela garota nova na casa do prefeito? Ouvi dizer que ela
chegou na noite da chuva de meteoros...
Riku se virou para olhar a porta atrás dele. Uma grande fechadura havia surgido nela...

Riku deixou escapar um gemido. Não conseguia nem se lembrar de quando aquilo havia
acontecido. E mesmo tentar doía.
Quando? Pouco antes de conhecerem Kairi — sua aventura secreta — quando havia sido?
Estava difícil de respirar. Ele começou a suar frio.
— Foi imprudente trazê-la aqui sem ao menos usar uma nave — disse Malévola. Riku
continuava arcado.
Aquela era Hollow Bastion, a morada de Malévola — seu nome se devia à atmosfera de
vasta desolação. Era um lugar sombrio, como se o próprio castelo estivesse a ponto de ser
consumido pelas trevas a qualquer momento.
— Lembre-se, depender demais dos poderes das trevas pode lhe custar seu coração —
prosseguiu.
Quando uma gota de suor escorreu pela testa de Riku e estava prestes a cair no chão, um
rugido baixo ecoou de algum lugar na capela do castelo. Estremecendo, ele ergueu o olhar, mas
Malévola não mexeu um músculo sequer.
— Um náufrago... embora seu mundo tenha perecido, seu coração não o fez. Quando
levamos a princesa de seu castelo, ele aparentemente a seguiu até aqui através de pura força de
vontade. — Seus olhos se estreitaram enquanto abria um sorriso para Riku. — Mas não tema.
Nenhum mal será feito a você... Ele não é páreo para o seu poder.
Riku desviou o olhar para ela.
— Meu poder?
— Sim... o poder inexplorado que reside dentro de você. Agora, criança, é hora de despertar
esse poder e trazer à tona o seu verdadeiro potencial...
Riku foi envolto por um brilho pálido e esverdeado...

A Nave Gummi avançava suavemente pelo Céu Além. Donald estava no assento do piloto
com Pateta e Sora logo atrás, mostrando a nova página do relatório de Ansem para o Grilo Falante.
— Vejamos aqui... — O Grilo começou a ler.

Quando rastreei os movimentos dos Heartless, acabei por me deparar com uma
estranha porta na parte mais profunda do castelo. Ela tinha uma grande fechadura,
mas não parecia estar trancada. Então eu a abri.

137 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
E do outro lado... havia um poderosíssimo núcleo de energia. Deve se tratar do
objetivo final dos Heartless. Mas o que será essa energia?
Os Heartless se alimentam dos corações de seres vivos e buscam esse núcleo de
energia. Então o que quer que seja o que há atrás daquela porta, também deve ser um
coração — o coração do próprio mundo.
Mas o que os Heartless pretendem fazer com o coração do mundo?
Naquela noite, observei uma grande chuva de meteoro no céu. Estou estudando o
material dos meteoros que caíram. Mas que achado! O material é estranho ao
nosso mundo — é elástico ao toque e, quando duas peças são combinadas, se ligam
com facilidade.

— Ele está falando sobre os Gummis! — exclamou Donald.


O Gummi que haviam acabado de adquirir de fato era bastante elástico e poderia facilmente
ser conectado a outro Gummi.
— Tem mais — disse o Grilo, continuando a leitura.

Nenhum dos registros jamais fez qualquer menção a respeito de uma substância
como essa. Será que foi introduzida a este mundo quando eu abri a porta?
Nosso mundo é tão pequeno e o espaço ao seu redor tão vasto — me pergunto
quantos outros materiais assim vagam por lá. Será que existem também mundos
inexplorados além do nosso céu?
Devo parar de divagar com esses sonhos surreais.
Por ora, não há como se aventurar fora deste mundo. Meu povo e eu não
passamos de prisioneiros desse lugar minúsculo.

— E isso é tudo o que temos até agora. — O Grilo guardou a nova página em seu arquivo
junto à outra folha do relatório que haviam recolhido em Agrabah.
Sora cruzou os braços e inclinou a cabeça.
— Uma porta...
— Você já viu algo assim antes, Sora? — perguntou Pateta.
— Sim... lá nas nossas ilhas.
Ele havia se lembrado da porta na caverna, provavelmente a mesma porta mencionada no
relatório de Ansem. Quando se abriu, ela o lançou para trás, de forma que não conseguia entender
o que estava acontecendo. De alguma forma, no entanto, pôde sentir que havia algo terrível do
outro lado.
Pateta também inclinou a cabeça.
— E a fechadura é como as Keyholes que temos trancado.
Mas isso ainda não lhes dizia muita coisa.
— Ainda deve haver mais páginas perdidas por aí — disse o Grilo Falante.
— Acho que vamos ter que encontrá-las... — Sora cruzou os braços atrás da cabeça e olhou
para o piloto. — Já estamos chegando a Hollow Bastion, Donald?
Era o lugar que Gancho havia mencionado.
— Bom, sobre isso... er, não estou encontrando.
— Hã?
— Tem um monte de nada no lugar onde o mundo devia estar...
— Não é melhor pedirmos pro Cid instalar o novo Gummi de navegação? — disse Pateta,
segurando o que havia pegado na torre do relógio.
— Parece que vamos ter que fazer isso mesmo... mas eu me pergunto, como será que o Riku
foi para Hollow Bastion? — Donald franziu o cenho.
Não deveria ser possível viajar entre os mundos sem uma nave como a Nave Gummi ou o
navio pirata do Capitão Gancho.
— ...Enfim, é melhor darmos uma parada de volta em Traverse Town — disse Sora.

138 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Certo. Vamos lá — Donald puxou a alavanca de controle para trás e a Nave Gummi
acelerou.
Riku...
Sora fitou o Céu Além com um olhar preocupado.

Traverse Town estava tranquila e acolhedora.


Quando abriram a porta da Loja de Acessórios, Cid estava tragando um cigarro, como de
costume. Acenou para eles.
— Opa! Se não é o Sora!
— Encontramos outro Gummi de navegação! — Pateta lhe entregou o bloco Gummi
brilhante.
— Aham. Com ele, vocês vão conseguir abrir ainda mais rotas. Beleza, podem deixar
comigo — Cid seguiu em direção à Nave Gummi, deixando o trio a sós na loja.
— Poxa, acho que uma pausa será muito bem-vinda — disse Pateta, bocejando. — Parece
que temos um tempo, então que tal irmos falar com a Aerith e o resto do pessoal?
Ao lado, Sora parecia perdido em pensamentos, o rosto voltado para o chão.
— Sora! — disse Donald em tom de urgência.
Ele finalmente ergueu o olhar.
— Lembre-se do que o Donald te disse — disse Pateta. — Sem tristeza, sem cara feia.
Sora sorriu, um pouco ansioso.
— Como podem estar tão contentes? Ainda não temos nem sinal do seu rei... não estão
preocupados?
— Ah, relaxa, não estamos preocupados com o rei — disse Donald, cheio de teimosia e
determinação.
— Ele nos disse para sair e encontrar o portador da chave, e nós encontramos você —
continuou Pateta. — Então enquanto estivermos juntos, vai dar tudo certo. Você só tem que
acreditar em si mesmo, só isso!
Sora fechou os olhos.
— É só acreditar...
“Eu acredito em você.”
De repente, ele ouviu a voz de Kairi, que parecia vir do meio do nada. No mesmo instante,
uma estranha sensação tomou conta dele.
Era um dilúvio de luz — e o estava levando para algum lugar.
Quando aquilo havia acontecido...? Era como o sonho que tivera nas Ilhas do Destino... mas
também era diferente.
Em meio à luz ofuscante... uma cena surgiu.
— Onde é que eu tô...?
Uma menininha saiu correndo rumo a uma velha senhora que estava sentada em uma
cadeira. A senhora olhou para a menina com todo o afeto e começou a lhe contar uma história:

“Há muito tempo atrás, as pessoas viviam em paz, banhadas por uma calorosa luz.
Todos amavam a luz. Mas então começaram a lutar por ela. Queriam mantê-la apenas para
si mesmos. E a escuridão nasceu em seus corações.
A escuridão se espalhou, engolindo a luz e os corações de muitas pessoas. Ela cobriu tudo...
e o mundo desapareceu.
Mas pequenos fragmentos de luz sobreviveram... no coração das crianças.
Com estes fragmentos, as crianças reconstruíram o mundo perdido. E este é o mundo em
que vivemos agora.

139 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Mas a verdadeira luz continua dormindo profundamente dentro da escuridão. É por isso
que os mundos ainda continuam pequenos, dispersos, separados uns dos outros. Mas um dia, uma
porta para a mais profunda escuridão se abrirá e a verdadeira luz retornará.
Mesmo na mais profunda escuridão, sempre haverá uma luz para lhe guiar. Tenha fé na luz
e a escuridão nunca a derrotará. Seu coração brilhará com o seu poder e afugentará a escuridão
— este é o poder de trazer a felicidade.
Está entendendo, Kairi...?”

— Kairi?! — gritou Sora, mas a velha senhora então desapareceu.


A jovem Kairi, bem mais nova que sua contraparte conhecida por Sora, começou a olhar em
volta, inquieta. Não havia nada além de prateleiras cheias de livros. Flutuando no ar, Sora se
aproximou dela por trás.
— Kairi...
Ele tentou alcançá-la, mas ela também desapareceu, como se não passasse de uma miragem.
— Hã? — Quando Sora deu por si, estava de volta à loja de Cid.
— Qual o problema? — perguntou Pateta, preocupado.
O que aconteceu comigo? Pensou Sora.
— Hã, não foi nada — disse, olhando para o céu.
Kairi, você estava me chamando...?
— Pronto, tudo feito! — disse Cid, entrando na loja novamente. — Instalei aquele Gummi
de navegação. Mas... vocês estão querendo mesmo ir pra lá? — Ele torceu o nariz.
— Está falando de Hollow Bastion? — disse Donald.
— Sim, lá. É basicamente a base dos Heartless agora. — Cid cruzou os braços, com uma
expressão sinistra estampada no rosto.
— Você sabe muita coisa sobre Hollow Bastion, Cid? — perguntou Pateta.
Cid fechou os olhos por um momento, antes de começar a falar:
— Bom, eu não vou dizer pra vocês não irem, mas tomem cuidado. E depois não vão dizer
que eu não avisei.
Era tudo o que tinha a dizer sobre o assunto.
— Nós vamos — disse Sora. — O Riku está lá... e provavelmente a Kairi também.
— Muito bem então...
O trio deixou a loja.
— Eles vão, não é...? — disse Aerith, vindo dos fundos da loja.
— Sim... Nunca pensei que ouviria o nome daquele lugar de novo... — Cid olhava para o
nada com as sobrancelhas franzidas.
Hollow Bastion. Era o mundo onde Cid, Aerith e seus amigos costumavam morar.

O enorme castelo se assomava diante deles, cercado por enormes colinas d’água. Havia
bolhas e rochas gigantescas suspensas no ar e todo o lugar possuía uma atmosfera mística — ou
talvez perturbadora.
Aquela era a morada de Malévola — Hollow Bastion.
— Esse lugar... ele não me é estranho... — murmurou Sora, erguendo o olhar para o castelo.
— Nossa, que esquisito — Pateta inclinou a cabeça. — Você nunca esteve aqui antes, né?
Um castelo que ele jamais poderia ter visto antes, ou sequer ouvido falar — mas, de alguma
forma, sentia que já estivera lá.
— Por algum motivo... eu tô sentindo um calor lá dentro, bem aqui — Sora tocou o peito.
Era uma sensação calorosa, indolor, mas que parecia apertá-lo com firmeza naquele ponto.
De alguma forma, era familiar...
— Ah, você só tá com fome — disse Donald, despreocupado.

140 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ei, é sério! — Quando Sora estava prestes a pular em cima de Donald, um enorme som
ecoou das colinas d’água. Era como um animal feroz rugindo.
— Quack?! — Donald pulou e olhou em volta. Até o momento, não tinham visto nenhum
Heartless por ali, nem pessoas.
— Vamos lá! — disse Sora.
Eles começaram a escalar até o castelo por entre as rochas flutuantes, seguindo em direção
ao rugido estranho.

— Sem nave, nem ajuda dos Heartless... então diga-me, como chegou aqui? — disse Riku,
parado sobre uma pedra flutuante, para o enorme animal diante de si.
A Fera tinha dentes e garras afiados e encarava Riku diretamente nos olhos.
— Eu só acreditei. Nada mais. — A capa roxa sobre seu corpo peludo sacudia com o vento.
— Quando nosso mundo caiu nas trevas, Bela foi tomada de mim. Eu jurei que voltaria a encontrá-
la, não importa o que custasse. Eu acreditei que a encontraria. — A voz baixa e rouca da Fera se
ergueu. — Eu a terei de volta!
— Leve-a se puder!
Com um grande rugido, a Fera se lançou contra Riku, mas ele se esquivou com toda a
agilidade, contra-atacando com sua espada.
Rosnando, a Fera caiu.
— Riku! Para! — O grito de Sora ecoou. Riku se virou, o vento bagunçando seus cabelos
prateados.
— Então você finalmente chegou. Já tava na hora. Estive esperando por você, Sora — disse
Riku, tranquilo. — Nós sempre fomos rivais, não é? Você sempre me pressionou, assim como eu
sempre te pressionei.
— Riku...?
— Mas tudo acaba aqui. Não pode haver dois escolhidos. — Riku abriu um pequeno sorriso.
— Do que você tá falando?
— Deixe a Keyblade escolher o seu verdadeiro mestre!
Riku ergueu a mão e a Keyblade começou a balançar na de Sora, como se uma poderosa
força a estivesse puxando dele — e então desapareceu em meio a um clarão de luz.
— O quê...?!
— Wak?!
— Iac?!
O trio gritou, em choque. A Keyblade se rematerializou na mão erguida de Riku.
— Malévola estava certa... — Os dedos de Riku se fecharam com força em volta da
Keyblade. — Você não tem o que é preciso para salvar a Kairi. Isso é comigo. Apenas o mestre da
Keyblade pode abrir a porta secreta... e mudar o mundo. — Ele a ergueu para o céu.
— Mas é impossível. Como pode ser você...? Fui eu que esteve lutando até aqui com a
Keyblade! — berrou Sora.
Riku abriu um largo sorriso.
— Você era só o garoto de entregas. — Ele abaixou a Keyblade. — Desculpa, sua parte
acaba agora. Aqui, vá brincar de herói com isso.
Riku jogou uma espada de madeira para Sora. Ela se chocou contra o chão enquanto Riku se
virava para ir embora.
— Não... — Sora se deixou cair, miserável, apoiando-se apenas nas mãos e nos joelhos.
— Vamos, Pateta. — Donald se virou para ir atrás de Riku.
— Hã? Mas... — Pateta olhou de Sora para Donald, um caído no chão com o coração
partido e o outro pronto para partir. — Eu sei que o rei nos disse para seguir a chave e tudo mais...
Só que...

141 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Donald começou a andar, como se também fosse deixar Pateta para trás com sua hesitação.
Pateta continuou olhando de um para o outro.
— Sora... — Sem escolha, Pateta foi atrás de Donald.
Os passos de Donald pararam.
— Sora, sinto muito.
E a dupla partiu como se estivesse fugindo de alguma coisa.
O que eu faço...? O que eu posso fazer agora? Os pensamentos de Sora não paravam.
Não tenho mais a Keyblade. Não sei mais o que fazer. O Donald e o Pateta foram embora
com o Riku... achava que eles eram meus amigos.
Sentia que estava a ponto de chorar.
Foi quando o vento soprou. Ele ouviu um rosnado baixo. A Fera estava tentando andar.
— Ei, não se mexe. Você tá ferido! — Sora correu até ele e lhe ofereceu sua mão, como se
houvesse alguma forma de aguentar o peso da Fera.
— Por que... você veio aqui? — resmungou a Fera, lutando para respirar. — Eu vim para
lutar pela Bela. — Ele se ergueu novamente, cambaleante. — E mesmo estando sozinho, eu vou
lutar. Não vou embora sem ela.
Sora olhou para a espada de madeira caída no chão, junto a seus pés. Era como aquelas que
costumava usar para brincar nas Ilhas do Destino.
Por que eu vim aqui...? O que eu ia fazer?
Sora pegou a espada de madeira e seguiu a Fera.
— Eu também. Não vou desistir agora. Eu vim aqui para encontrar alguém muito importante
pra mim...
Como resposta, a Fera ergueu o olhar em direção ao castelo.

Havia canos retorcidos ao longo de todas as paredes do grande salão, obscuro e envolto num
silêncio perturbador. No amplo corredor que levava até ele, havia seis cápsulas, três em cada lado, e
cada cápsula continha uma bela garota.
Alice... Jasmine... e as outras Princesas de Coração, todas reunidas ali pelas maquinações de
Malévola, todas aparentemente tomadas por um sono profundo.
E no centro, Kairi estava flutuando, como se sob o efeito de um poder misterioso.
Sem sequer olhar para as princesas nas cápsulas, Malévola se dirigiu à entrada do grande
salão e olhou para trás. Seu manto negro se ergueu.
— Ó, mais puros dos corações! Revelem-me a Keyhole!
Raios de luz vermelha irromperam de cada uma das princesas e convergiram para onde Kairi
se encontrava. O raio de luz unificada passou brilhando por cima de Malévola, atravessando o
grande salão, rumo ao assim chamado Portal da Escuridão.
No ponto onde a luz atingiu o portal, uma grande Keyhole vermelha surgiu — e, bem no
centro, flutuava o poder cristalizado dos corações das princesas.

Sora e a Fera escalaram o caminho íngreme que levava ao castelo. Embora antes parecesse
estar bem distante, eles agora finalmente podiam vê-lo de perto. Sora parou diante do gigantesco
portão, erguendo o olhar em direção às torres que se assomavam à frente. Como se esperasse por
eles, o portão se abriu em meio a um grande gemido.
— Fique de olhos abertos — disse a Fera. — Estão por perto... posse sentir. Está pronto?
Sora assentiu e passou pelo portão. E então...
— Bela?! — exclamou a Fera.
No meio do corredor escuro adiante, havia uma mulher de vestido amarelo.

142 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Assim que a Fera correu até ela, a forma de Bela se dissolveu em meio às trevas, dando
lugar apenas a um pequeno Heartless. A Fera soltou um enorme rugido de fúria e se lançou contra o
Heartless, sumindo de vista.
Foi quando a porta da passagem mais à frente se abriu e Sora então se deparou com Riku,
Donald e Pateta.
— Vá embora enquanto pode — disse Riku com um tom tranquilo.
— Não sem a Kairi!
Riku franziu o cenho — e uma névoa negra encobriu seu corpo. Ele agora estava em um
traje negro, brandindo a Keyblade.
— A escuridão vai te destruir.
— Você tá errado, Riku. A escuridão pode destruir o meu corpo, mas não pode tocar o meu
coração — Sora ergueu a espada de madeira, sua voz cheia de determinação. — Meu coração vai
ficar com os meus amigos. Ele nunca vai morrer!
— Mesmo? Bem, é o que veremos!
Riku ergueu a mão e uma luz azulada emanou dela. Sabendo que era tarde demais para se
esquivar, Sora fechou os olhos e se encolheu.
— O Sora não vai a lugar algum!
Era Pateta, parado diante dele com seu escudo erguido. A luz azulada atingiu o escudo e se
dispersou.
— Você trairia o seu rei? — gritou Riku, voltando-se para Pateta.
— Nunca nessa vida! — Pateta se voltou para Sora novamente. — Mas eu também não vou
trair o Sora. Ele se tornou um dos meus melhores amigos, afinal! — Ele deu uma piscadela e ergueu
o polegar para Sora, e depois se voltou para Donald. — Até mais, Donald! Pode dizer ao rei que eu
sinto muito mesmo?
Pateta ergueu o escudo em direção a Riku.
— Calma aí, Pateta! — gritou Donald. — Vamos dizer isso pra ele juntos!
Ele também correu até Sora e apontou o cajado para Riku.
— Bem, sabe como é... um por todos e todos por um — disse Donald, sem olhar para Sora,
como se ainda estivesse envergonhado.
— Acho que você tá preso com a gente, Sora — disse Pateta, olhando para Sora com uma
expressão cheia de arrependimento.
— Valeu mesmo... Donald, Pateta... — Sora encarou Riku com uma expressão firme.
— Como você vai lutar sem uma arma? — contestou Riku.
— Agora eu sei... que eu não preciso da Keyblade. Tenho uma arma melhor. O meu coração.
Sora ajeitou a postura, um olhar bastante sério no rosto, e Riku bufou.
— Seu coração? O que essa coisinha fraca pode fazer de bom por você?!
— Meu coração pode até ser fraco. Mas ele não está só. Está conectado a todos os amigos
que eu fiz!
O Tidus, o Wakka e a Selphie.
E o Leon, a Aerith, a Yuffie, o Cid, o Merlin e a Fada Madrinha.
A Alice e as flores sem nome da floresta de lótus.
O Tarzan, a Jane e o Kerchak.
O Aladdin, a Jasmine e o Gênio.
O Pinóquio e o Gepeto.
O Peter Pan, a Wendy e a Sininho.
A Bela e a Fera.
Todos que conheci até então na minha jornada.
E... tem também o Donald, o Pateta, o Grilo Falante e o rei que eu ainda não conheci.
E a Kairi. Todos esses corações estão conectados ao meu.
— Eu me tornei parte do coração deles, assim como eles se tornaram parte do meu. E se eles
pensarem em mim de vez em quando, se não me esquecerem... então o meu coração não vai
desaparecer — Sora se preparou para lutar com a espada de madeira. — Eu não preciso de uma
arma. Meus amigos são o meu poder!
143 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A Keyblade começou a brilhar na mão de Riku. E a espada de madeira que Sora carregava
também brilhou — até que assumiu a forma da Keyblade.
— Não! C-Como...?! — gaguejou Riku.
De volta às mãos de Sora, a Keyblade cintilava e reluzia.
— Isso não pode estar acontecendo!
Riku se lançou contra Sora com sua espada das trevas. Sora bloqueou a investida poderosa.
— Riku...!
— Sora!
Aquele dia nas Ilhas do Destino, quando se enfrentaram com as espadas de madeira — agora
parecia tão, tão distante. Tanto Riku quanto Sora haviam se tornado muito mais fortes desde então.
Riku tinha os poderes da escuridão... e Sora tinha a Keyblade.
— A gente também vai lutar! — disse Donald, entrando na briga.
— Aqui vamos nós! — disse Pateta, lançando-se contra Riku com seu escudo erguido, ao
que Sora abriu caminho.
O escudo de Pateta acertou Riku em cheio enquanto Donald conjurava suas magias contra
ele. Após todas as batalhas que tinham travado juntos, o trio agora lutava como se fosse um só, em
completa harmonia.
E Riku foi forçado a recuar.
— Talvez eu não consiga te vencer sozinho, Riku, quando você tem a escuridão pra te
fortalecer — disse Sora. — Mas...
— Mas ele também tem a gente! — exclamou Donald em meio a um pulo.
Riku, de joelhos, fez uma careta e socou o chão.
— Riku... — Sora lhe ofereceu a mão para ajudá-lo a levantar. Mas Riku bateu nela e fugiu.

O que houve...? Por quê?


Ofegante, Riku estava cheio de perguntas enquanto corria.
O Sora é mesmo mais forte que eu...? Ou será outra coisa?
Nós dois sempre fomos rivais. E eu sempre vencia. Mesmo quando eu perdia, era só por
questão de sorte.
Menos quando o assunto era aquele... quando era sobre a Kairi.
Talvez eu não seja páreo para ele, afinal...
— Saiba disso... — A voz veio de algum lugar atrás dele. — Somente o coração que for
forte e verdadeiro ganhará a Keyblade.
— Quem tá aí?! — Riku se virou depressa, deparando-se com um sujeito vestido num manto
escuro, o rosto encoberto por um capuz. Uma luz azul sinistra brilhava ao seu redor.
— A Keyblade escolhe. E ela não escolherá aquele que não tiver um coração forte.
— Você tá dizendo que o meu coração é mais fraco do que o dele?!
— Naquele instante, era.
Riku abaixou o olhar, frustrado. O homem encapuzado se aproximou.
— Entretanto, você pode se tornar mais forte. Você não demonstrou medo ao passar pela
Porta das Trevas. Ela não causou qualquer temor em ti. Mergulhe ainda mais profundamente na
escuridão... e seu coração ficará ainda mais forte.
Riku balançou a cabeça.
— O que devo fazer?
— Na verdade, é bem simples. Abra-se para a escuridão... só isso. — O homem ergueu a
mão em sua direção, devagar, e o corpo de Riku brilhou em meio a uma luz pálida e esverdeada. —
Deixe o seu coração se tornar a própria escuridão...

144 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Malévola estava parada diante do mecanismo no grande salão, fitando o interior do portal.
— Então, vejo que o caminho finalmente emergiu. — Parado ao lado dela, Riku fazia o
mesmo. De alguma forma, sua voz parecia mais baixa que o normal.
No portal, o cristal do poder avermelhado reluzia, iluminando-os com um brilho sombrio.
— Ele se tornará a Keyhole das trevas.
Uma infinidade de canos se dirigia rumo ao portal e, em seu centro, a escuridão se expandia
de forma nefasta.
— Destranque-a e os Heartless tomarão este mundo — disse Riku.
— Por que me importar? A escuridão não possui poder sobre mim. Na verdade, eu usarei o
seu poder para dominar todos os mundos. — Um indício de sorriso se formou no rosto de Malévola.
— Quanta confiança — comentou Riku, sua voz com uma pitada de ironia. Uma Keyblade
negra como a noite surgiu em sua mão.
— Oh? — Malévola se impressionou com a Keyblade negra. Mas, notando que nada havia
acontecido com o portal, sua voz assumiu um tom furioso. — Impossível! As Princesas de Coração
estão todas aqui! — esbravejou.
Riku continuou olhando para o portal, impassível.
— Uma princesa que perdeu o coração jamais será capaz de libertar o seu poder.
Então se virou para olhar para Kairi, flutuando em meio ao ar. Seu olhar era frio e cruel.
Foi quando um grito ecoou do lado de fora do grande salão e os dois ouviram o som de
armas em meio a um embate.
— Os tolos do rei estão aqui. Eu mesma lidarei com eles. Você fica aqui e cuida das
princesas — disse Malévola, caminhando sem pressa escada abaixo.
Enquanto a observava partir, o corpo de Riku brilhou em meio a uma luz azulada.

Sora e seus companheiros pararam diante da porta, retomando o fôlego.


— Esse deve ser o ponto mais profundo do castelo... — disse Sora, encarando a porta
adiante com a Keyblade firme em suas mãos.
Havia derrotado muitos Heartless para chegar longe assim. Havia conhecido muitas pessoas
e visto muitas coisas novas e estranhas.
Mas tudo provavelmente logo chegaria ao fim...
Do outro lado da porta, encontraria Kairi. E Riku.
Riku...
A gente vai voltar a correr juntos pela praia das ilhas. Eu tenho certeza disso.
Não acredito que você tenha sido completamente tomado pela escuridão.
— Poxa, será que o rei também vai estar aí dentro? — disse Pateta.
— Não sei... — disse Donald, inquieto. — Mas aposto que vamos encontrar alguma pista!
Atrás dele, a Fera surgiu correndo em meio a um poderoso rosnado.
— Vamos — disse. — ...Aguente firme, Bela...
Sora abriu a porta.
Um longo corredor levava a uma câmara elevada, o chão decorado com um emblema em
forma de rosa. Parecia ser a capela do castelo. Eles avançaram com cuidado.
E então... se depararam com a bruxa.
— Receio que estejam atrasados — disse Malévola, olhando diretamente para Sora. — A
qualquer momento, a Keyhole final será destrancada e este mundo mergulhará na escuridão. Não há
como impedir.
— Nós vamos impedir! — exclamou Sora. — Depois de chegar tão longe, de jeito nenhum a
gente deixaria isso acontecer!
A Keyblade em suas mãos reluzia intensamente, como se toda a força de seu coração a
enchesse com tanta luz que seria capaz de acabar com toda a escuridão do mundo.

145 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Seus tolos ingênuos. Acham mesmo que podem me derrotar? Eu, a senhora de todo o
mal?! — O chão com o emblema de rosa se ergueu com Malévola em cima. — Venham, meus
lacaios! — Ela ergueu seu cajado e vários Heartless emergiram do chão.
— Sora! — gritou Donald.
— Vamos pegá-la! — Sora se lançou contra Malévola num salto bem alto, mas um Heartless
em forma de dragão o atirou de volta ao chão com um ataque. — Donald, Pateta! Fera!
— Deixa com a gente!
Os três eliminaram o Heartless que atacara Sora e ele se jogou no ar outra vez.
— Agora é um contra um!
— É o que você acha? — Malévola balançou seu cajado novamente e proferiu: — Meteoros
dos céus, liberem sua fúria!
Bolas de luz começaram a se lançar sobre Sora. Com um grito alarmado, ele caiu do pedaço
de chão sobre o qual Malévola flutuava.
— Sora! — Pateta correu até ele e lhe deu uma poção.
— E então? Ainda acha que é páreo para mim? — zombou Malévola.
— Nós vamos derrotá-la, não se preocupa! — Tendo recebido a ajuda de Pateta e voltado a
ficar de pé, Sora se lançou contra ela outra vez.
— Chegamos até aqui lutando juntos! — gritou Donald, evaporando um Heartless que se
atirou em direção a Sora.
— E não vamos perder para a escuridão! — acrescentou Pateta.
A Fera também rugiu, partindo para cima de mais um Heartless.
Com a Keyblade em mãos, Sora atacou Malévola com tudo, de novo e de novo, mas ela
conseguiu bloquear suas investidas.
Ainda que tenha mais poderes mágicos, ela não é mais forte. Porque o poder de verdade
vem do quanto nos importamos com outras pessoas!
— Eu... não vou perder!
Malévola foi lançada para trás pela força de Sora. Ele pulou do pedaço de chão com o
símbolo de rosa para trás dela, atingindo-a com toda a força da Keyblade.
Em meio a um grito terrível, ela caiu no chão, apertando o peito com a mão.
— Vencemos?!
— Não... como... como pude perder?!
A escuridão envolveu Malévola, que desapareceu em meio a ela. Sem hesitar, Sora e os
outros entraram nas trevas para persegui-la.

— ...Aquele pirralho que só tem uma Keyblade... Como pôde... me derrotar...? — lamentava
Malévola, contorcendo-se de dor. Alguém surgiu atrás dela.
— Precisa de ajuda?
— Riku?!
Malévola ergueu o olhar. Era o garoto a quem ela mesma concedera o poder da escuridão.
— Malévola, espera!
— ...Então cá estamos, todos juntos — Riku sorriu para Sora, que havia seguido Malévola.
— Hã? Aquilo é...? — Donald olhou para a Keyblade negra na mão de Riku.
— Sim. Uma Keyblade. — Riku a ergueu. — Mas diferente da sua, essa Keyblade possui o
poder de destrancar o coração das pessoas. Permitam-me demonstrar. Contemplem!
Ele se virou e cravou a Keyblade no peito de Malévola.
— O quê... Riku?!
No ponto onde a Keyblade havia sido cravada, uma grande escuridão começou a emergir
de Malévola.
— Agora, abra o seu coração. Entregue-o à escuridão! Torne-se a própria escuridão! —
gritou Riku enquanto a escuridão o cercava.

146 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Riku!
Ele encarou Sora e então desapareceu em meio às trevas.
Malévola soltou uma gargalhada alta e aguda, brilhando em meio a uma terrível luz verde.
— É isso! Esse poder! Escuridão... a verdadeira escuridão!
Uma energia negra se expandiu como fogo e, em meio a ela, Malévola se tornou um dragão
completamente negro.
— O que houve?! — gritou Sora.
— A escuridão no coração de Malévola a fez mudar de forma — disse a Fera. — Ela se
tornou um dragão.
— Vamos lá, galera! — Sora correu em direção ao dragão, mas ela bateu com seu enorme
pé no chão. — Eita!
Sora perdeu o equilíbrio e caiu com o impacto, mas se reergueu de imediato, lançando a
Keyblade contra o enorme pescoço do dragão. A criatura rugiu e lançou uma rajada de fogo verde,
da qual Sora se esquivou por muito pouco.
— Toma isso! Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald disparou feitiços de segundo nível
contra a cabeça do dragão e Pateta lhe deu um éter para recuperar seu poder mágico.
Foi quando a Fera saiu correndo e pulou em direção ao inimigo.
— Fera!
A Fera jogou todo o peso contra o rosto do dragão. Aproveitando enquanto estava atordoada,
Sora deu um grande salto e atacou novamente.
— Peguei ela!
Seus olhares se cruzaram quando voltaram ao chão.
— Mais uma vez!
Sora e a Fera pularam em meio ao ar outra vez e atacaram com tudo. O dragão rugiu, tão
alto que seria capaz de sacudir até as fundações do castelo, e então se desfez, formando uma bola de
escuridão que afundou no chão e desapareceu.
Riku então reapareceu, murmurando:
— Que irônico. Ela era só outra marionete, afinal.
— Uma marionete...? O que quer dizer? — indagou Sora.
Riku se voltou para ele.
— Os Heartless estavam usando Malévola desde o início. Ela falhou em notar que a
escuridão em seu coração a estava devorando. Um final apropriado para uma tola.
O manto negro de Malévola permanecia no chão, esfarrapado. Riku o pisou com desprezo.
A escuridão se ergueu à sua volta e ele desapareceu.
— Riku...
Sora fitou a energia negra que se foi junto a ele. E em seu lugar... uma folha de papel havia
ficado para trás.
— É mais uma parte do relatório de Ansem! — exclamou Pateta, correndo para pegar o
papel com todo o cuidado.
— ...O que a gente faz agora? — disse Sora, cabisbaixo.
— Bom, vamos achar a Kairi primeiro! — disse Donald.

Eles voltaram à capela onde ocorrera a primeira batalha contra Malévola e olharam ao redor.
— Hm... não parece ter um caminho por onde possamos avançar...
Inclinando a cabeça, Pateta bateu nas paredes. Se aquele era um beco sem saída, devia haver
algum outro caminho. Teriam que dar meia volta e procurar no meio do castelo de novo.
Mas a Fera estava encarando um dos cantos da capela.
— O coração da Bela... está aqui.
— Aqui onde? — perguntou Donald, aproximando-se... e a Fera cravou o punho em meio à
parede. — Wak!

147 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A parede desmoronou, revelando um corredor.
— Bela! — A Fera se lançou adiante e os outros seguiram logo atrás.
O corredor levava a um mezanino ao redor do grande salão. E lá estavam as seis princesas,
adormecidas em suas cápsulas iluminadas por chamas brancas.
— Bela... — A Fera caiu de joelhos diante de sua cápsula.
— Sora! Olha a Alice!
— E a Jasmine!
Sora ouviu Donald e Pateta, mas seu olhar se voltou para outro lugar — para o gigantesco
mecanismo adiante. Sobre as escadas, onde todos os canos convergiam, havia o que parecia ser um
altar com um portão em forma de coração.
E diante dele...
— Kairi! — Sora subiu os degraus correndo até Kairi, esparramada em meio ao chão, e
então se ajoelhou a seu lado, erguendo-a em seu colo. — Kairi! Kairi! Abra os olhos!
Mas ela continuou mole em seus braços, completamente imóvel.
— Não adianta. — Era a voz de Riku.
No entanto — havia algo hostil e estranho no tom. O que tinha acontecido com ele...?
— Essa garota perdeu seu coração. — Riku a encarou do alto do portão. — Ela não pode
acordar.
— O quê? Você... — Sora colocou Kairi de volta no chão gentilmente e então se levantou,
encarando o que quer que fosse a coisa que havia assumido a forma de Riku. — Você não é o Riku.
O verdadeiro Riku nunca chamaria a Kairi de “essa garota”, pensou.
— A Keyhole não poderá se completar enquanto a última das Princesas de Coração
continuar adormecida. — Riku se lançou ao chão de uma forma tão suave que quase parecia estar
flutuando.
— Princesa...? A Kairi é uma princesa?
— Sim. E sem o poder dela, a Keyhole permanecerá incompleta. — Riku empunhou sua
Keyblade negra. — Está na hora de ela despertar.
— Seja lá quem você for, liberte o Riku! Devolva o coração dele! — Sora também
empunhou sua Keyblade.
— Mas primeiro, você deve devolver o coração da princesa! — Riku apontou sua Keyblade
para Sora.
— Ngh!
O peito de Sora doeu... estava muito pesado. Ele segurou o peito e caiu no chão, curvado.
— Sora?! — gritou Donald, correndo até ele.
— Ainda não consegue enxergar? — disse Riku.
— O... o que é...? — Sora gemeu.
O que tá acontecendo comigo? É... alguma coisa no meu coração?
— O coração da princesa está respondendo. Esteve lá desde o princípio. O coração de Kairi
repousa dentro de você! — Dizendo isso, a voz de Riku se tornou algo completamente diferente.
— A Kairi... a Kairi tá dentro de mim?
— Eu sei tudo o que há para se saber.
Sora ergueu o rosto para encarar Riku.
— Quem... quem é você?
— Sou eu, Ansem, o inquiridor das trevas! — Riku se aproximou dele a passos lentos.
— Quaaaack!
— Ei, fica longe do Sora!
Tentando proteger Sora, Donald e Pateta se lançaram contra Riku, — contra Ansem — mas
ele os lançou rodopiando escada abaixo.
— Então eu a libertarei agora, Princesa. Complete a Keyhole com seu poder. Abra a porta,
leve-me à escuridão eterna! — Com a Keyblade negra em mãos, ele se preparou para acertar Sora
na cabeça...
“Sora!”
Era a voz de Kairi. Ele tinha certeza de que a havia escutado.
148 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Erguendo sua Keyblade, ele bloqueou a investida da Keyblade negra.
— Esquece! Eu não vou deixar você pegar o coração da Kairi!
As duas Keyblades se chocaram.
“Não importa aonde vá, ou o que veja, sei que sempre poderei voltar pra cá.”
O coração da Kairi... sim.
A Kairi sempre esteve comigo. Esteve bem aqui do meu lado esse tempo todo.
“Estou fazendo eles para que nós três sempre possamos estar juntos.”
Eu e o Riku nos perdemos um do outro. Mas a Kairi sempre esteve aqui. No meu coração,
junto com o Donald e o Pateta e todas as pessoas que eu conheci pelo caminho. Não estamos só
conectados. Estamos juntos.
E é por isso que eu não vou perder!
Em meio a um grande impacto, Sora lançou a Keyblade negra voando da mão de Riku.
— Riku!
Por um momento, pensou ter visto o verdadeiro Riku ali — mas então Riku desapareceu.
Sora continuou chamando seu nome, procurando-o freneticamente por toda parte, mas ele
simplesmente não estava mais lá.
— Sora! Sora, olha! — gritou Donald.
— A... a Keyhole! — Pateta apontou.
O interior do portão em forma de coração parecia bastante agitado, crepitando em meio a
uma energia que parecia formar pequenos raios. Sora apontou a Keyblade para ele — mas nada
aconteceu.
— Não vai funcionar! A Keyhole ainda não foi terminada! — exclamou Pateta.
— O que podemos fazer?! — indagou Sora.
Pateta olhou para Kairi.
— Talvez a gente tenha que acordar a Kairi... o poder da Kairi... er, a última princesa...
Espera. Se conseguirmos libertar o coração dela...
O coração de Kairi. Como posso libertar o seu coração se ele está preso dentro de mim?
Pensou Sora, tocando o peito.
A Keyblade negra estava logo ao lado, caída no chão.
— Uma Keyblade que destranca o coração das pessoas... — murmurou Sora. — Será que...?
— Sora? — Donald olhou para ele, inquieto.
— Você não vai...?! — disse Pateta.
Sora pegou a Keyblade negra e caminhou até Kairi, que continuava adormecida.
— Sora, espera! — gritou Pateta, mas Sora apenas olhou para os dois e sorriu.
É isso... eu tenho que abrir o meu coração.
Sora virou a Keyblade negra para si e, sem se deixar hesitar, a cravou no próprio peito.
Isso vai libertar o coração da Kairi.
Ele soltou a Keyblade negra, que flutuou em meio a um brilho obscuro, desfazendo-se em
seis luzes brilhantes. As luzes se dispersaram e dispararam em direção às princesas.
— Sora?! Sora! — Pateta correu até ele e, diante de seus olhos, uma única luz emergiu do
peito de Sora, flutuando em direção ao peito de Kairi, onde reluziu antes de desaparecer.
“Sora, cadê você?”
Kairi abriu os olhos devagar. No mesmo instante, a Keyhole assumiu sua forma completa.
— Soraaaa! — gritou Donald, correndo até ele.
Kairi segurou Sora em seus braços enquanto caía — mas não sentiu peso algum. Ele então
se desfez em luz, que foi desaparecendo em meio ao brilho cintilante.
— Sora...?
As últimas partículas de luz nas mãos de Kairi flutuaram e desvaneceram. Donald pulava,
tentando reuni-las novamente.
— Sora! Volta, Sora!

149 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
O que tá acontecendo comigo...?
Caindo... caindo... na escuridão......

— Não! Ele não pode...! Eu não vou deixá-lo partir! — gritou Kairi, erguendo-se do chão.
Foi quando uma voz masculina ecoou pelo grande salão:
— Então você finalmente despertou, princesa.
Ansem.
Com os cabelos prateados e compridos balançando, o homem se aproximou de Kairi.
— A Keyhole agora está completa. Você serviu a seu propósito. Mas agora acabou.
— Não dê outro passo! — disse Donald, encarando-o com uma expressão séria.
E então — Ansem parou de súbito.
— Impossível... — praguejou.
Outra figura surgiu diante dele. Envolto em luz, Riku abriu os braços, como se tentasse
impedir que Ansem se aproximasse ainda mais.
— Riku?! — exclamou Kairi.
— Vocês têm que correr! — disse Riku. — Os Heartless estão vindo!
Kairi assentiu e se virou para fugir.
— Mas e quanto à Keyhole? — indagou Pateta.
— Wak! Vamos só dar o fora daqui de uma vez! — disse Donald, correndo atrás dela. Pateta
foi logo atrás.
Um único Heartless desceu as escadas num salto, tentando segui-los.
— Kairi, rápido! — gritou Pateta.
Ela parou, olhando para trás.
— Mas eu não posso deixá-los para trás!
Riku, que estava contendo Ansem, e Sora, que havia desaparecido...
— Nós não podemos ficar aqui! — vociferou Donald.
— ...Eu sei — disse Kairi, voltando a correr pelas escadas que levavam do grande salão para
a capela. O pequeno Heartless a seguiu.
Assim que o viu, Pateta deu um pulo, alarmado.
— Tem um Heartless atrás de nós!
— Eu cuido dele! — Gritando, Donald correu em direção ao Heartless e bateu em sua
cabeça algumas vezes com seu cajado. Mas ele continuou ali parado, encolhido. — Heartless
maldito! Cai fora, ouviu?!
O Heartless ergueu o que parecia ser seu rosto e olhou diretamente para Kairi.
— Sora? — Ela não fazia ideia de por que tivera essa ideia. No entanto... — Sora, é você?!
Ela fitou o pequeno Heartless.
— Uh-oh! — disse Pateta. — Os outros também estão atrás de nós!
Antes que pudessem perceber, mais Heartless os haviam cercado. Donald e Pateta trocaram
olhares e se lançaram contra a grande horda.
— Dessa vez, eu vou te proteger! — Kairi abriu os braços, pondo-se na frente do pequeno
Heartless. De uma só vez, vários outros Heartless pularam em sua direção. Ela se virou para tomar o
pequenino em seus braços e se jogou no chão, cobrindo-o com o corpo enquanto os Heartless a
atacavam. — Sora!
— Kairi?! — Donald e Pateta se viraram em sua direção. Nem sequer podiam vê-la sob o
aglomerado de Heartless.
Mas de repente, uma luz brilhante se formou, disparando os Heartless para longe de Kairi.
Tomados pela luz, eles desapareceram de imediato.
— O que tá acontecendo?! — indagou Pateta.
No centro da luz, Kairi estava encolhida sob os braços de Sora.
— Kairi... Obrigado.
Ela abriu os olhos.
150 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
151 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Sora!
Exclamando o mesmo que ela, Donald e Pateta correram até os dois. Mais Heartless já
estavam se aproximando novamente.
— Vão! Agora! — Era a Fera. Embora acreditassem que ele havia ficado para trás com
Bela, lá estava ele, rugindo e destroçando os Heartless.
— Fera! Vem com a gente! — gritou Sora.
— Eu te disse antes, não vou embora sem a Bela — respondeu, pronto para saltar contra o
próximo inimigo. — Agora vão! Os Heartless estão vindo!
— Beleza. Vamos sair daqui!
Eles saíram correndo, Sora segurando firme na mão de Kairi.

152 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO FRAGMENTO 2 153 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
O CAMINHO AVANÇAVA PELA ESCURIDÃO INFINDÁVEL.
Ele não conseguia enxergar o que havia à frente. Não havia luz em lugar algum.
— Sora, Kairi... sinto muito...
Um menino seguia caminhando sozinho pela trilha sinuosa — Riku.
A toda a volta, tudo desaparecia em meio à escuridão, mas talvez, se continuasse avançando,
poderia haver uma saída.
— Esse... é o mundo após a morte? — perguntou a si mesmo.
Não havia um caminho atrás dele, apenas a vastidão das trevas. Exausto, ele tropeçou.
— Não estou pronto. Ainda não. Não enquanto eu não ver o Sora e a Kairi uma última vez...
Uma luz pálida e azulada o envolveu.
— Riku, pode me ouvir? Eu logo estarei aí.
— Quem tá aí? — Riku se virou, mas não havia ninguém lá. Nada além de mais escuridão.
— Estou com a outra Keyblade... a Keyblade deste lado.
Ele continuou olhando em volta. Não havia mais ninguém ali — e ainda assim, podia ouvir a
voz de alguém.
— Eu tenho tentado falar com você. Mas a escuridão no seu coração me afastava.
— Quem é você? — disse Riku em meio à escuridão. — O que aconteceu comigo?
— O seu coração derrotou a escuridão. Mas era tarde demais para o seu corpo. Por isso
seu coração veio parar aqui, em meio às trevas, onde os corações se reúnem.
— E o que eu devo fazer? — perguntou, observando o caminho obscuro.
— A Porta das Trevas logo será aberta... mas é uma porta pela qual não podemos passar.
Ela deve ser fechada de ambos os lados. Para isso, duas chaves e dois corações são necessários.
Talvez nós dois estivéssemos destinados a vir para cá, para fechar a porta.
— Destinados, é? Você parece saber de tudo — prosseguiu Riku, falando com a voz
invisível em meio às trevas. — Então diga-me... o Sora e a Kairi estão bem?
— Não consegue sentir o ecoar de seus corações? A forma como você os vê... depende do
que há no seu próprio coração.
Riku fechou os olhos. Por trás de suas pálpebras, pôde ver Sora... e Kairi.
Eu não estou errado, pensou. Agora sei que nunca estive errado.
— Obrigado... — disse Riku, a voz quase um sussurro.

154 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 10 155 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
MAIS UMA VEZ, A NAVE GUMMI DISPARAVA EM MEIO AO CÉU ALÉM.
— Será que o Riku tá bem...? — disse Kairi, olhando fixamente pela janela.
— Aposto que ele tá legal — respondeu Sora. — Ele é durão.
— ...É, você tá certo — Kairi assentiu.
Sora parou logo atrás dela, olhando para o mesmo lugar.
— Ei, Kairi... você já tinha visto algo assim antes? Na primeira vez que estive nessa nave,
fiquei pensando no quanto queria que você e o Riku pudessem ver.
Kairi pôs a mão na janela. Fossem estrelas ou pequenos asteroides vagando pelo espaço,
tudo lá fora brilhava. Uma vista que jamais haviam testemunhado — era o que ela, Sora e Riku
tanto queriam ver quando ainda estavam nas Ilhas do Destino.
— É tão lindo...
De repente, a Nave Gummi sacudiu.
— Quack!
— O que houve, Donald? — disse Pateta, indo até o assento do piloto.
O Grilo Falante também parecia inquieto.
— São Heartless, estão por todo o caminho à frente!
A Nave Gummi começou a disparar seus lasers contra os Heartless vagando pelo espaço.
Nos pontos onde antes havia asteroides ou blocos misteriosos pelo caminho, havia agora novos
tipos de Heartless, que se lançavam contra a Nave Gummi com suas enormes bocas escancaradas.
— Wak! Segura firme, pessoal! — gritou Donald. — Ou vamos para Traverse Town a toda
velocidade ou já era!
A Nave Gummi acelerou e desapareceu de vista.

Eles pousaram mais uma vez em Traverse Town.


— Oi, Aerith, estamos de volta!
Como se soubesse que Sora e seus companheiros retornariam, Aerith estava na praça do
Primeiro Distrito da cidade, esperando para recebê-los.
— Bem-vindo de volta, Sora. E você... deve ser a Kairi?
Kairi assentiu.
— Então você a encontrou! — Aerith sorriu.
— Sim. Mas o Riku... — Sora abaixou o olhar e mordeu o lábio.
— Ele vai ficar bem. Tenho certeza que vai.
— Acho que sim... — Sora se aquietou.
Pateta começou a pular atrás dele.
— Ah, é! Aerith, o relatório daquele sujeito, o Ansem... a gente encontrou!
— Mesmo? Que ótima notícia!
— Todas as páginas que reunimos estão com o Grilo! — exclamou Donald, como se
tentasse parecer mais animado do que realmente estava e, quem sabe, animar Sora também.
— O Grilo? — disse Aerith.
— Ah... acho que ainda não o apresentamos. É amigo nosso!
Em resposta, o Grilo saltou do bolso de Donald.
— Como vai, Aerith?
— É um prazer conhecê-lo... Grilo.
Empoleirando-se no ombro de Pateta, o Grilo educadamente retirou a cartola.
— Que amigo maravilhoso! — disse Aerith com um sorriso no rosto.
Donald e Pateta assentiram, animados. Ao lado deles, Kairi olhou para Sora sem dizer
uma palavra.
Eles então seguiram com Aerith para o hotel do Segundo Distrito. Leon e Yuffie já estavam
em um quarto, esperando por Sora.
— Bem-vindo de volta, Sora! — Yuffie sorriu.

156 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Oi, Yuffie. É bom estar de volta...
— Então você encontrou a Kairi, hein?!
— Sim — Sora olhou para Leon, que estava inclinado contra uma parede com os braços
cruzados e os olhos fechados. — Oi, Leon.
— Contem-me o que aconteceu.
— Certo... — Sora e os outros começaram a recontar tudo o que havia ocorrido em Hollow
Bastion. Leon suspirou.
— Então a escuridão está fluindo daquela Keyhole...
— E tem cada vez mais Heartless por toda parte — disse Pateta. — Com certeza deve ser
por isso.
— E a única forma de detê-los é... — Aerith começou a dizer, olhando para Sora com uma
expressão desconcertante.
Ele ergueu a Keyblade.
— Selar a Keyhole, certo?
— Talvez — disse Leon. — Mas ninguém sabe o que vai acontecer quando ela for selada.
— Bem, a gente não pode simplesmente ficar aqui — protestou Sora. — Temos que fazer
alguma coisa. Eu tenho um amigo lá!
Riku ainda estava lá. Tinha que estar.
— É verdade... — concordou Leon. — E a Keyblade do Riku deve ter nascido dos corações
das princesas cativas... assim como aquela Keyhole que vocês viram.
— Mas... ainda faltava o meu coração — Kairi levou as mãos ao peito.
— Então devia estar incompleta — prosseguiu Leon. — E quando aquela Keyblade foi
destruída, os corações das outras princesas devem ter sido libertados. E o seu também.
— Então a Bela e a Fera devem estar juntos de novo! — disse Donald com uma pontada
de animação.
— Talvez a Jasmine e a Alice também tenham acordado — presumiu Pateta.
— Acontece que, com o coração de Kairi restaurado, agora a Keyhole está completa e a
escuridão está saindo pelo portal à sua volta — concluiu Leon.
— Mas... eu pensei que a Keyhole deixaria a escuridão mais forte — acrescentou Aerith. —
Quer dizer, ela está forte, mas... devia estar ainda mais forte a essa altura.
— Acredito que as outras princesas devam ter ficado no castelo, contendo a escuridão —
disse Leon.
Sora e Kairi se entreolharam. As princesas tinham ficado no castelo...?
— Temos que ajudá-las! — disse Donald.
— Se há alguém pode, são vocês. — Leon assentiu para eles com firmeza.
— Ah, é mesmo! — Aerith se lembrou. — Ainda não lemos o relatório de Ansem!
O Grilo Falante começou a saltar e lhe entregou as páginas.
— Acabamos de encontrar essa página em Hollow Bastion — disse Donald, espiando por
cima do ombro de Aerith.
— Deixe-me dar uma lida — disse Aerith, começando a leitura.

Simplesmente incrível! Hoje, tive um convidado de outro mundo. Ele é um rei e


sua nave é construída a partir do material que compunha os meteoros.

— É o nosso rei! — Donald deu um pulo.


— E ainda tem mais — disse Aerith.

Ele tinha tanto a contar e conversamos por incontáveis horas. Mas uma história
em particular me chamou a atenção: a de uma chave chamada “Keyblade”.
É dito que ela possui um poder fenomenal. Uma lenda diz que o seu portador
salvou o mundo enquanto outra diz que ele trouxe apenas caos e ruína. Preciso
descobrir o que é essa Keyblade.
Uma chave abre portas. Deve estar conectada com a porta que eu abri.
157 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
As notícias sobre o Rei Mickey animaram Donald e Pateta.
— Então o rei conheceu o Ansem!
— E também sabia sobre a Keyblade!
— Também ficamos sabendo sobre ela graças ao rei — disse Aerith.
— ...Poxa, queria saber pra onde ele foi — disse Pateta, abaixando a cabeça.
Já haviam passado por mais que apenas alguns mundos a essa altura, mas ainda não tinham
encontrado o rei. Haveria outros mundos que simplesmente estavam fora de seu alcance?
— Isso só levanta mais e mais perguntas — disse Aerith.
— Mas algumas coisas a gente sabe — respondeu Sora. — Sabemos o que temos que fazer.
Ele olhou para Kairi e assentiu.
Yuffie se aproximou dele, animada.
— Você tem que voltar para Hollow Bastion, Sora!
— E nós vamos! — disse Sora, categórico.
— Mas aquela rota estava totalmente obstruída pelos Heartless... eles vão destruir a nossa
nave antes que consigamos chegar! — Donald chutou o chão.
— E também não encontramos nenhum bloco Gummi novo... — Pateta suspirou.
— Falem com o Cid — disse Leon.
Eles assentiram um para o outro e deixaram o hotel rumo à loja de Cid.
Observando Sora partir, Yuffie se voltou para Leon.
— Hollow Bastion, hein...? — murmurou. — Sabe, eu mal consigo me lembrar.
Após um momento, Leon salientou:
— Bem, já faz nove anos.
— Como será que está todo mundo...? — disse Aerith, a voz suave, e desviou o olhar para a
janela, observando o céu noturno.

— Olha você aí, Sora — disse Cid com os cotovelos sobre o balcão.
Sora foi até o balcão e ergueu o olhar para ele.
— Precisamos voltar a Hollow Bastion.
— Mas a rota parece até um congestionamento de Heartless! Será que você não consegue
fazer alguma coisa, Cid?! — indagou Donald, pulando para cima e para baixo.
— Mas eu achava que cuidar de um congestionamento de Heartless seria trabalho de vocês
— retrucou Cid.
— Wak! E o que você sugere que a gente faça?! — Donald bateu com o pé no chão.
— É um daqueles dilemas de causa e efeito, hein? — Cid coçou o queixo. — Vejamos...
— Deve ter um jeito — disse Sora.
— Simples. Deem a volta por eles em vez de irem de frente. — Cid apoiou os cotovelos no
balcão novamente. — Instalem um Gummi de navegação novo e vão por uma rota nova.
— Mas a gente não tem um Gummi de navegação novo! — vociferou Donald.
— Eu sei, eu sei... — Cid encolheu os ombros para Donald e se voltou para Sora. — Vá ao
canal subterrâneo secreto, Sora. Tem um Gummi de navegação lá embaixo.
Pateta se animou.
— Sério?!
— Quando cheguei aqui há nove anos, guardei ele lá pra caso precisasse de novo no futuro.
— Há nove anos...? — Kairi falou pela primeira vez desde que haviam chegado.
— Foi quando fugimos de Hollow Bastion e acabamos aqui.
— Então quer dizer que Hollow Bastion... — Pateta trocou um olhar com Donald.
— É o nosso mundo natal. — Com os olhos entreabertos, Cid prosseguiu com uma voz
grave. — Nunca pensei que seria uma criança como você que precisaria daquele Gummi!
— Eu não sou uma criança! — disse Sora, fazendo bico.

158 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Quer dizer, não é só uma criança, certo? — Com um sorriso, Cid piscou para ele. — Vai
lá buscar aquele Gummi. Vou dar um trato na Nave Gummi pra você e os homens do rei aqui
podem me dar uma mãozinha.
— Aye, aye! Sim, senhor! — Donald deu um pulo, batendo continência.
— Pode ir. E leve a Kairi.
— Beleza! Vamos, Kairi!
Sora segurou sua mão e os dois seguiram rumo ao canal subterrâneo.

Protegendo Kairi, Sora enfrentou os Heartless no Segundo Distrito e ambos correram até o
canal subterrâneo secreto.
Estava vazio e escuro, mas os murais na parede emanavam um brilho suave.
— Lugares assim são sempre bem empolgantes, né? — disse Kairi, observando os murais.
— É como a caverna lá da nossa ilha!
— Sim... olha só esse mural. É quase hipnotizante, não acha?
A pintura que representava o sol parecia fitá-los de uma forma misteriosamente calorosa.
Quando Sora se aproximou, o sol começou a brilhar.
— Uau... é tão bonito! — Kairi o observava com os olhos bem abertos.
Um facho de luz caiu nas mãos de Sora e o sol mudou de forma, transformando-se em uma
lua crescente. A luz que caíra em suas mãos era um bloco Gummi.
— É um Gummi? — perguntou Kairi.
— Sim. É melhor corrermos e levarmos de volta pro Cid.
Antes de ir atrás de Sora, Kairi olhou para a lua crescente de novo.
— Uma luz no fim do túnel... — disse.
— Ah, a história da sua avó, né?
— Sora, como...? Ah, é mesmo. Nós estávamos juntos o tempo todo.
Ele sorriu para ela.
— Sabe o que é engraçado? Eu te procurei por toda parte, mas você estava comigo desde o
começo. Mas nós finalmente estamos juntos de novo, Kairi. — Então seu sorriso diminuiu um
pouco. — Agora é hora de trazer o Riku de volta.
— Você acha que vai continuar sendo a mesma coisa entra nós? — Ela também abaixou o
olhar, a voz quase inaudível. — O Riku perdeu seu...
— Ele vai ficar bem! Quando eu virei um Heartless, você me salvou, não é?
Eu estava perdido na escuridão, não conseguia encontrar a saída.
Enquanto tombava em meio às trevas, comecei a esquecer das coisas... dos meus amigos, de
quem eu era. A escuridão quase me engoliu.
Mas então eu ouvi a voz da Kairi — e ela me trouxe de volta.
Sora olhou diretamente para ela.
— Estamos aqui graças a você.
— Eu não queria me esquecer de você, Sora. Eu não podia!
— Acho que isso significa que os nossos corações estão conectados. A luz dos nossos
corações abriu caminho pela escuridão... eu vi essa luz e foi isso que me salvou.
Kairi assentiu. O que quer que aconteça, aonde quer que a gente vá, nossos corações estão
conectados, Sora.
Ela recitou uma parte da história de sua avó:
— Não importa o quão profunda seja a escuridão, uma luz brilha lá dentro.
— Acho que isso é mais que um conto de fadas.
— Bem, vamos lá salvar o Riku! — disse ela, determinada. Mas Sora balançou a cabeça.
— Você não pode ir.
— Por que não?
— Porque é muito perigoso.

159 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Qual é, Sora. Nós chegamos longe assim ficando juntos. Você não pode ir sozinho! —
retrucou Kairi. Eu só quero ir com você, pensava.
— Kairi, mesmo que estejamos separados, não estamos mais sozinhos. Certo?
Diante do olhar sério de Sora, ela abriu um pequeno sorriso e ajeitou a postura.
— Eu não posso ajudar?
— Bem, você meio que ficaria no caminho.
— Tá bem. Você venceu. — Cedendo, ela tirou algo do bolso. — Pega isso.
Era um amuleto feito de conchas thalassa, cinco delas amarradas juntas para fazer a forma
de uma estrela.
— É o meu amuleto da sorte. Então você tem que trazer de volta pra mim! — disse num tom
brincalhão, entregando o amuleto em suas mãos.
— Não se preocupa. Eu vou. — Sora fechou os dedos ao redor dele.
— Promete?
— Prometo — disse de forme solene, fitando-a nos olhos.
— Jamais se esqueça, Sora. Aonde quer que você vá, eu sempre estarei com você.
— Eu sei.
A lua no mural brilhava sobre eles.

A Nave Gummi disparou em direção ao Céu Além.


— Sora, você chegou a se despedir da Kairi? — perguntou Pateta, a voz baixa e tranquila.
Sora estava observando enquanto Traverse Town se afastava mais ao fundo pelas janelas
traseiras.
— Sim — disse. — Me despedi de todo mundo.
— Mas o Cid falou “a gente se vê”, não foi? — observou Donald, no assento do piloto. —
Isso não quer dizer que ele acha que vamos voltar lá?
— Acho que sim...
Foi quando a luz de um dos instrumentos na cabine do piloto começou a piscar.
— Tem um novo buraco de dobra espacial perto de Traverse Town!
De repente, os engenheiros do Castelo Disney entraram em contato com eles.
— Tico! Tá tudo bem com vocês por aí?
— Pode apostar que sim! A Rainha Minnie e a Margarida também estão bem! — A voz
animada de Tico ecoou pela cabine do piloto.
— Mas... por que esse contato tão repentino, então? — disse Donald, pelo comunicador.
— Vocês sabem que tem cada vez mais Heartless aparecendo do nada em todos os mundos,
certo? Então o Teco e eu achamos que também poderia estar acontecendo algo diferente no Céu
Além e demos uma olhada. Esperávamos encontrar algo que pudesse ajudar vocês!
— Nossa, obrigado! — disse Pateta, aproximando-se do comunicador.
Foi quando ouviram uma voz feminina pelos alto-falantes:
— Donald, Pateta? Estão na escuta?
— Majestade! — Era a rainha.
Tanto Donald quanto Pateta imediatamente ajeitaram a postura.
— Cada vez mais estrelas têm desaparecido do céu. O rei também deve estar terrivelmente
preocupado. Por favor, ajudem o rei e o portador da chave a salvar os mundos...
— Pode contar conosco! — disse Pateta, mas então o sinal do comunicador caiu.
— Ah, droga! — resmungou Donald. — Nossa conexão caiu...
— O que foi tudo isso...? — perguntou Sora.
— Uma mensagem de alta prioridade do nosso castelo! — respondeu Pateta. — E nós
prometemos que assim que encontrássemos a Kairi, o Riku e o rei, levaríamos todo mundo ao
castelo, não é verdade?

160 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
161 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Isso mesmo! Você também tem que conhecer a Rainha Minnie e a Margarida, Sora! —
acrescentou Donald.
— A gente consegue, Sora!
— Vamos poder voltar e ver todo mundo de novo logo, logo!
— É...! — Sora assentiu e a Nave Gummi se lançou rumo ao buraco de dobra.

Hollow Bastion se assomava em meio ao céu desolado. O trio ergueu o olhar em direção ao
castelo e então olharam de um para o outro.
— Vamos lá! — disse Sora.
— Certo! — Donald e Pateta assentiram e, assim que o fizeram, diversos Heartless se
ergueram do chão.
— Quack! — Donald deu um pulo.
— Poxa, são muitos mesmo...
— Bem, temos que avançar! — Com a Keyblade em mãos, Sora saiu correndo.
— Ei, Sora — disse Pateta enquanto atacava um Heartless com seu escudo. — E se esses
Heartless tiverem passado por algo como o que aconteceu com você e eram todos alguém que veio
de algum lugar, pessoas que perderam seus corações e acabaram se transformando em Heartless?
— Talvez... mas não podemos deixar nada nos deter agora.
— Isso mesmo! Não vamos perder! — Donald disparava seus feitiços contra os inimigos,
quando um grande rugido ecoou pelo local.
— Fera!
Ele havia decidido ficar em Hollow Bastion antes e agora surgia diante deles do alto de um
piso superior.
— Vocês podem precisar da minha força! — Ele rosnou, lançando-se contra os Heartless.
Ainda atacando os inimigos com a Keyblade, Sora se voltou para ele.
— Cadê a Bela?
— Ainda está no castelo. — Com o canto dos olhos, a Fera fitou o castelo enquanto atirava
um Heartless longe.
— Os Heartless a capturaram?! — disse Pateta, dando a Donald um éter para recuperar seu
poder mágico.
— Não. Ela ficou por uma razão. As outras princesas também estão com ela. — A Fera se
agachou ao lado do portão, recuperando o fôlego.
— Por que será? — disse Donald?
— Bom, vamos perguntar a elas — disse Sora, encarando o portão à frente.
Quando entrara no castelo antes, Donald e Pateta não estavam com ele. Mas agora estavam
todos juntos ali, inclusive a Fera.
Eles ficariam bem. Não havia como falharem.
Eles abriram o portão de Hollow Bastion — o castelo da desolação.

Independentemente de quantos Heartless derrotassem, mais surgiam no lugar dos anteriores.


Sora e os outros estavam lutando com tudo de si para avançarem pelo castelo. Mas pelo menos não
se perderiam — já haviam estado lá antes.
— Sora, por aqui! — disse Donald, apontando com o cajado.
— Espera um pouco aí, Donald!
— Mas a Fera já foi!
— Ele foi sozinho?!
Abrindo caminho por entre os Heartless, o trio correu em direção à porta pela qual a Fera
havia desaparecido. Esse caminho deve levar até a biblioteca, pensou Sora.
162 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Fera!
Eles atravessaram a porta a toda velocidade — e lá, se depararam com a Bela e a Fera,
unidos em um abraço caloroso.
— Wak! — Donald cobriu os olhos, mas os espiava pelas frestas entre os dedos.
— Fera... — Bela olhava para ele, sorrindo, mas então se virou para os outros. — Vocês
vieram para selar a Keyhole, certo?
Ela se afastou gentilmente da Fera, aproximando-se dos demais.
— Bela... esse lugar é perigoso — disse Sora, olhando para ela. — Por que continua aqui?
— Nós estivemos contendo a escuridão que sai da Keyhole com o nosso poder. Mas... não
conseguiremos aguentar por mais muito tempo.
— A gente cuida disso! — disse Sora, resoluto.
— ...Então temos que ir para o grande salão. E rápido. As outras princesas estão vigiando a
Keyhole. — Bela tocou o ombro de Sora.
— Vamos, Sora! — disse Pateta.
— Certo! — Sora assentiu e eles seguiram de volta às profundezas de Hollow Bastion, rumo
ao grande salão.

As seis princesas estavam reunidas no grande salão, paradas ao redor da Keyhole.


— Você finalmente veio! Estivemos esperando por você, mestre da Keyblade — disse uma
mulher com um belo vestido de baile branco, cumprimentando-os. — Me chamo Cinderela. Meu
mundo já foi tomado pela escuridão.
Cinderela abaixou o olhar, entristecida.
— Cadê o Ansem?
Diante da pergunta de Sora, todas as princesas trocaram olhares e uma mulher de vestido
azul cavado deu um passo à frente.
— Meu nome é Aurora. Ansem não está mais aqui. Quando a Keyhole apareceu, ela
começou a emanar escuridão... Ela engoliu o Ansem e ele desapareceu.
— Desapareceu...?
O olhar de Aurora era lúgubre.
Uma menina de cabelos negros e vestido amarelo continuou a explicação:
— Ansem pode ter ido embora, mas o fluxo de escuridão não parou. Estamos trabalhando
juntas para contê-la. — Ela desviou o olhar para a Keyhole.
— Qual é o seu nome...?
— Ah, que bobeira a minha. Me chamo Branca de Neve. Meu mundo também se foi...
— Não consigo esquecer o olhar no rosto dele... — Aurora franziu o cenho, quase juntando
as sobrancelhas. — Enquanto a escuridão o engolia, ele estava sorrindo.
— Sora! Seja rápido, por favor! — disse Jasmine, a princesa de Agrabah. — A escuridão
logo escapará da Keyhole!
— Isso é tudo o que podemos fazer, apenas contê-la — acrescentou Alice, temerosa.
— E não conseguiremos continuar por muito tempo... — Branca de Neve balançou a cabeça.
— Tudo bem. — Sora assentiu. — Estamos indo.
— Enquanto isso, nós também faremos o que pudermos — disse Branca de Neve, sorrindo
para ele.
— Parece que a Keyhole se manifestou através do nosso poder, pelo que ouvimos dizer, mas
para dizer a verdade, ainda acho difícil de acreditar — observou Cinderela. — Nunca imaginei que
eu tivesse um poder assim. Acho que as outras princesas sentem o mesmo.
— Eu também nunca imaginei que portaria uma Keyblade.
— Acho que é assim que são as coisas... — Cinderela assentiu.
— Fico tão feliz por termos umas às outras aqui — disse Aurora. — Se a Keyhole só
precisasse de uma princesa, imagine quão terrivelmente solitário teria sido para ela.

163 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
As princesas então se entreolharam, cada uma sorrindo a seu próprio jeito.
— Você me ajudou durante aquele julgamento bobo, Sora — disse Alice, sorridente,
aproximando-se mais um passo dele. — Então agora é a minha vez de ajudar todo mundo!
— É! E que julgamento horrível foi aquele! — acrescentou Donald, e Alice respondeu com
uma breve risada.
Então foi a vez de Branca de Neve falar:
— Sora... Há uma pessoa que é muito querida para mim, mas eu não sei o que aconteceu
com ele. Então eu quero proteger esse lugar. Não quero ver outros mundos desaparecerem.
— Eu também — disse Sora em resposta. — Não consigo nem pensar em mais mundos
desaparecendo ou em mais pessoas sendo engolidas pela escuridão.
Branca de Neve sorriu, mas seus olhos brilhavam em meio às lágrimas.
— Eu tenho a Fera aqui comigo, mas queremos voltar para casa, para o nosso mundo —
disse Bela, também olhando para ele. — Por favor, Sora.
— Estou preocupada com Agrabah... mas tenho certeza que o Aladdin vai ficar bem, haja o
que houver — disse Jasmine, fechando os olhos enquanto se lembrava da cidade no deserto.
— Iac! Vai ficar tudo bem!
— Wak!
Pateta e Donald tentaram animar Jasmine e então olharam para Sora.
— É melhor irmos nessa.
— Certo!
Sora subiu as escadas e parou diante do portão em forma de coração. As Princesas de
Coração o encaravam, rezando. Ele entrou pelo portão...
— Lá está a Keyhole! — Donald apontou para um estranho emblema em forma de coração
nos fundos da sala.
— Sim... — E quando Sora ergueu a Keyblade, algo fez com que a Keyhole começasse a
vibrar de uma forma estranha.
— Opa! Tem alguma coisa aqui! — disse Pateta num pulo, se agarrando a Sora.
A escuridão continuava fluindo pela Keyhole e, em meio a ela, surgiu um Heartless gigante
— o Behemoth. Era como um touro enorme e furioso, com dois chifres compridos que, quando a
criatura rugia, eram envoltos em chamas roxas.
— Aqui vamos nós!
— Isso aí! — exclamou Sora, empunhando a Keyblade.
Ele não deixaria que ninguém — nem nada — o detivesse. Não até que visse Kairi de
novo... e trouxesse o Riku de volta. Até que todos estivessem em suas casas, em seus próprios
mundos... até que voltassem para as suas ilhas.
— Donald! Pateta! — gritou. Também estava lutando por esses amigos. E não perderia.
Uma luz emanou da Keyblade e atingiu o Behemoth. Donald disparou suas magias contra a
boca do inimigo e, atrás dele, Pateta os ajudava com poções — uma estratégia infalível.
— Pegamos ele!
O Behemoth soltou um último rugido, sendo lentamente envolvido por luz, até que se desfez
em meio ao ar.
— Agora vamos trancar aquela Keyhole! — disse Pateta.
Sora apontou a Keyblade para a Keyhole no emblema de coração. Um raio de luz disparou
da ponta da Keyblade, seguido por um click que ressoou por toda a área.
— Conseguimos!
O emblema de coração começou a brilhar e a Keyhole então desapareceu. O trio deu a volta
para contar às princesas que o portal havia sido fechado.
— Hã...? — Donald inclinou a cabeça.
Quando emergiram do portal, não estavam no grande salão, mas em uma câmara misteriosa
que nunca haviam visto antes, envolta por uma névoa densa que obscurecia suas visões.
— Onde estamos? — murmurou Sora. E, de repente, foi tomado por uma estranha sensação;
era quase como se alguém tivesse passado através de seu corpo.
— Ah, parece que você também é especial.
164 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A voz viera de algum lugar atrás dele. Sora se virou.
— Quem tá aí?! — indagou.
Parado diante do grupo, havia um homem que trajava um manto completamente negro, com
um capuz que lhe cobria o rosto. Sora não conseguia sequer dizer se quem estava sob o manto era
uma pessoa ou um Heartless.
— Ansem...? — Pateta ergueu o escudo.
— Esse nome me soa familiar...
Em guarda, o trio encarava a figura misteriosa.
— Você me lembra dele — disse.
— O que isso significa?! — questionou Sora.
Sob o capuz, o homem abaixou o olhar tranquilamente para encará-lo.
— Significa que você não está completo. Um ser incompleto. Permita-me... testar a sua
força. — Em vez de andar, ele pareceu flutuar sobre o chão conforme se aproximava de Sora, e uma
forte luz emanou da mão que erguia em sua direção.
— Uou...! — Sora foi lançado com tudo para trás.
— Sora! — Pateta tentou correr até ele, mas foi atingido por duas espadas luminosas que o
atiraram em outra direção.
— Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald lançava magias de terceiro nível no inimigo,
mas cada disparo mágico desaparecia ao se aproximar do casaco da figura misteriosa.
— Impressionante. Isso será interessante...
— Do que você tá falando...?! — gritou Sora, lançando-se contra ele.
— Por ora, está além da sua compreensão. Nós nos encontraremos novamente.
— Quem é você?!
— Eu sou... um mero invólucro. — Como se fosse feito de fumaça, o homem desapareceu
sem deixar rastros.
E enquanto Sora mantinha-se em pose de luta, uma voz familiar surgiu atrás dele:
— Bom trabalho, Sora.
Eles se viraram imediatamente, deparando-se com Leon parado diante do portão em forma
de coração, a Gunblade repousada em seu ombro.
— A gente voltou...? — disse Sora, confuso.
— O que houve? — perguntou Leon.
— Esquece, não foi nada... O que vocês tão fazendo aqui?
— Viemos na nave do Cid! — respondeu Yuffie, sentada no parapeito à frente.
— Essa é a nossa terra natal — disse Aerith. — Queríamos vê-la de novo.
Leon olhou em volta com uma expressão entristecida.
— Está pior que eu temia. Costumava ser um lugar tão tranquilo... — Ele abaixou o olhar.
— Não se preocupem. Se derrotarmos o Ansem, tudo deve ser restaurado — disse Aerith,
tentando confortar Leon, e então se voltou para Sora. — Inclusive a sua ilha.
— Sério?
Aerith assentiu, sorridente. Então Yuffie saltou do parapeito com um olhar triste no rosto.
— Mas isso também significa adeus — disse.
— Quando os mundos forem restaurados, eles se separarão novamente... — Aerith abaixou
o olhar.
— Mas aí é só eu visitar vocês com a Nave Gummi! — Tentando parecer animado, Sora
correu até Yuffie.
— Não é tão simples assim — disse Leon.
Sora se virou para ele.
— Por que não?
— Antes de tudo isso começar, você não sabia sobre outros mundos, certo? Todos os
mundos eram isolados, divididos por paredes invisíveis. — Aerith se virou para Leon, o olhar cheio
de expectativa.
— Os Heartless destruíram essas paredes — prosseguiu Leon. — Mas se os mundos
retornarem, as paredes também retornarão.
165 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Isso quer dizer que não vamos mais conseguir voar na Nave Gummi?! — exclamou
Donald, correndo até Leon como se pudesse contra-argumentar quanto a essa questão.
— Ela será inútil.
Diante das palavras secas de Leon, Sora mordeu o lábio.
— Então vocês tão dizendo que nós nunca mais vamos...? — Ele não conseguiu terminar a
frase. Abaixou os ombros.
Donald e Pateta olharam para Sora, deprimidos.
— Você não vai poder nos visitar no Castelo Disney...
— E não vamos poder ir à praia nas Ilhas do Destino...
— Podemos nunca nos encontrar novamente, — disse Leon — mas jamais esqueceremos
uns dos outros.
— Não importa onde estejamos, nossos corações nos reunirão novamente — disse Aerith
com um doce sorriso estampado no rosto.
— Além do mais, — disse Yuffie com um sorriso de canto de boca — eu não conseguiria te
esquecer nem que eu quisesse.
— Ei, o que quer dizer com isso?
Ela começou a rir e correu para o outro lado do salão, como se quisesse fugir de Sora.
— Obrigada, Sora — disse Alice, estendendo-lhe as mãos. — Acho que a escuridão está
enfraquecendo agora.
— Mas tome cuidado. — Jasmine olhava em volta, nervosa. — Ainda consigo sentir algo
poderoso e sinistro crescendo em algum lugar... Ansem...
— É o coração das trevas — disse Aurora. — Deve ser para onde ele foi.
— Então vamos seguir para lá com a Nave Gummi e lidar tanto com o Ansem quanto com
os Heartless — disse Sora, determinado.
— Uma resposta digna do mestre da Keyblade! — Cinderela sorriu.
— Sora... tem mais uma coisa que quero lhe dizer. — A expressão no rosto de Aerith era
extremamente séria.
— ...Aerith? — disse ele, inquieto.

— É a última parte do relatório de Ansem. Eu a encontrei na biblioteca.


— Então agora está completo? — Ele pegou a pilha de folhas que ela lhe entregara, ainda
olhando-a nos olhos.
— Ansem desapareceu quando esse mundo caiu na escuridão. Todos pensávamos que ele
havia morrido defendendo seu povo dos Heartless, mas...
— Mas foi o próprio Ansem quem os trouxe para cá, não foi?! — Pateta concluiu a frase em
seu lugar.
— Exatamente. E ainda era conhecido como sábio... — Aerith abaixou o olhar, perturbada.
— Diga, Aerith, você pode ler o resto do relatório pra gente?
— Certo... — Ela recolheu as páginas e começou.

Abrir a porta para o coração de um mundo faz com que suas paredes se quebrem.
Os fragmentos são vistos como estrelas cadentes. O material conhecido como bloco
Gummi trata-se na verdade de fragmentos dessas paredes que cercam os mundos.
Supostamente, a aparição dos Heartless é a causa pela qual as paredes acabam
sendo destruídas... por isso, não posso permitir que a chave conhecida como Keyblade
feche as portas.
Caso ela o faça, não poderei ver os corações dos mundos.
Se as princesas e a Keyblade estão conectadas, elas devem ressonar entre si. Por
isso, escolhi uma garota em particular e a enviei ao Céu Além para observar.

166 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Ele... tá falando da Kairi? — murmurou Sora.
— Os corações dos mundos...? Poxa, o que será isso? — ponderou Pateta.
— Provavelmente trata-se do núcleo do mundo, o qual Ansem estava tentando alcançar —
respondeu Aerith.
— Mas o que tem lá?
— Espera. Vou continuar lendo.

Assim como as pessoas têm corações, os mundos também têm. Cada estrela em
meio ao céu noturno é um mundo e, bem no fundo de cada mundo, há uma porta para
seu coração.
Os Heartless surgem dos corações das pessoas, assim como a escuridão. E os
Heartless buscam retornar a um coração maior.
O núcleo do coração de um mundo — mesmo eu não sei dizer o que pode ser
encontrado em um lugar como este. Preciso descobrir. Sendo assim, sairei em
busca das respostas para estes mistérios, os mistérios do coração. E quando as
encontrar, tornar-me-ei onisciente.
Meu caminho está traçado. Meu corpo é frágil demais para uma jornada como
esta, mas isso não me impedirá. Devo me desfazer dele e ascender a uma existência
superior... Eu mergulharei nas profundezas da escuridão.

— Ansem abandonou seu próprio corpo para concluir sua pesquisa... — murmurou Aerith.
— Que bizarro! — exclamou Sora. — Ele fez isso tudo apenas por si mesmo!
— É verdade... e então ele abriu a porta — disse Aerith, abaixando o olhar lamentosamente.
— Nós vamos fechá-la, Aerith!
— Espero que sim... — Aerith uniu as mãos, como se estivesse rezando.
— Por favor, Sora — disse Branca de Neve, abaixando a cabeça para saudá-lo. — Apenas a
sua coragem pode trazer nossos mundos de volta.
— Quando a escuridão se for... tudo deve voltar a ser como antes — acrescentou Cinderela.
Leon olhou para Sora.
— Assim como nós pudemos voltar a Hollow Bastion, todas vocês terão seus mundos para
onde retornar.
— E as nossas ilhas...? A Kairi vai voltar pra lá?
O mar azul... o céu azul. Sentia tanta saudade das Ilhas do Destino.
— É claro! — disse Cinderela com todo o carinho.
— Mas... nós não podemos voltar pra casa antes de encontrarmos o Riku e o rei. Certo,
galera? — Sora se voltou para Donald e Pateta.
— Isso! E nós vamos trazê-los de volta!
— Vamos sim, com certeza!
Os três assentiram um para o outro e então partiram rumo ao núcleo do mundo.

167 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO CAPÍTULO 11 168 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
LÁ ESTAVA O NÚCLEO DO MUNDO. O LUGAR ONDE A ESCURIDÃO SE REUNIA, A
escuridão profunda que buscava consumir tudo.
— ...Então o Ansem deve estar ali em algum lugar — Sora encarava a escuridão que
flutuava ao longe.
— O rei também deve estar ali — disse Donald, apertando a alavanca de controle com força.
— E o Riku também — acrescentou Pateta.
A jornada na qual haviam partido para procurar seus amigos se tornara uma jornada para
salvá-los — e para salvar os mundos. É claro, não haviam desistido de encontrar aqueles por quem
estiveram procurando, mas o trio agora agia como se tivesse uma única mente — um único coração.
— Não se esqueçam de mim! — disse o Grilo Falante, empoleirado no chapéu de Donald.
— É claro que não! — respondeu Sora. — Chegamos todos até aqui juntos!
— Mas de agora em diante, só vai ficar mais perigoso — disse Donald, tentando olhar para
o Grilo sobre sua cabeça. — Então é melhor você ficar escondido!
— Certo. Só vou sair caso precisem de mim — disse o Grilo, escorregando para dentro do
bolso de Donald.
— Vamos, Donald! — disse Sora, e Donald puxou a alavanca de controle.
A Nave Gummi mergulhou em meio à escuridão.

Eles emergiram de uma pequena caverna, deparando-se com um misterioso espaço que não
parecia ter fim. O céu de lavanda se estendia infinitamente sobre suas cabeças, uma cor sinistra que
parecia indicar um crepúsculo, como se o sol tivesse acabado de se pôr.
— Dá pra andar por aqui...? — Donald tentou pisar no ambiente fora da caverna com a
ponta dos pés e a superfície abaixo dele ondulou como se fosse feita d’água, embora não fosse. Era
como se tivessem que andar sobre um espaço vazio.
— Tem alguma coisa lá longe — disse Sora, fitando a forma no horizonte. Havia alguma
coisa lá que flutuava como uma nuvem, com pilares de pedra enfileirados logo em frente.
— Poxa, isso é tudo o que sobrou dos mundos que os Heartless tomaram? — disse Pateta,
semicerrando os olhos para ver do que Sora estava falando.
— Esses mundos vão ser restaurados se derrotarmos o Ansem, certo? — disse Sora.
— Pode apostar! — respondeu Donald, certo de si.
Se realmente queremos derrotar o Ansem, precisamos acreditar nisso, pensou Sora.
— Mas... se conseguirmos derrotá-lo e os mundos restaurados se desconectarem, o que vai
acontecer com esse lugar? E com a gente?
— Bem, hã... — Donald cruzou os braços, pensativo.
Aquele era o mundo dos Heartless, feito de fragmentos de mundos estilhaçados. Então o que
aconteceria se aquele mundo em si desaparecesse?
— ...Talvez a gente simplesmente desapareça — disse Pateta, relutante.
Sora olhou para ele, apreensivo.
— Mas não se preocupem — continuou Pateta, tentando reanimá-los. — Mesmo que esse
lugar suma, nossos corações não vão a lugar algum. Tenho certeza de que vamos encontrar os
nossos amigos de novo. Sim, eu sei que vamos!
— É, você tá certo — Sora assentiu e abriu a mão. E lá estava o amuleto de conchas thalassa
de Kairi.
Eu sei que sim. Porque nós acreditamos.
O Peter Pan me mostrou que, se eu acreditar, eu posso voar.
O Aladdin me mostrou que eu tenho que cumprir com as minhas promessas, não importa o
quão difícil possa ser.
E o Tarzan me mostrou que estou com amigos nos quais eu realmente posso acreditar.
Todo mundo me ensinou muita coisa. Nossos corações estão conectados.
Então eu vou devolver isso aqui, seja como for. Eu vou voltar, Kairi, seja como for.

169 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Sora guardou o amuleto em seu bolso e começou a andar. Donald e Pateta o seguiram.
— Acho que temos que ir até aquela nuvem, né?
— Parece que sim...
Foi quando os Heartless surgiram.
— Esses serão os últimos! Vamos lá! — Pateta ergueu seu escudo.
Sora assentiu e se lançou contra os Heartless.

No espaço cor de lavanda que parecia não ter fim, eles finalmente alcançaram os pilares de
pedra que tinham visto antes.
— Temos que seguir por aqui...? — disse Donald, preocupado. Foi quando uma esfera negra
assombrosa surgiu diante deles, brilhando com energia das trevas.
— Esse... — disse Sora, mas se interrompeu.
Pateta se voltou para ele.
— Sora, você já viu um desses antes?
— Sim! Cuidado!
— Waawawaaaak!
Um Heartless que mais parecia um touro gigante irrompeu diante de Donald.
— A gente não tinha derrotado esse camarada lá em Hollow Bastion?! — gritou Pateta.
Era o mesmo Heartless que havia surgido quando foram trancar a Keyhole de Hollow
Bastion — o Behemoth.
— Então podemos vencê-lo de novo! Vamos! — Sora avançou e pulou, golpeando-o
embaixo do queixo com a Keyblade.
— Ah-hoo-hooey! — Pateta se lançou contra ele.
— Chamas! — Donald disparava magias de terceiro nível com seu cajado. Eles o estavam
pegando de jeito.
— Lá vai! — Sora deu a volta por ele e, subindo em suas costas, desferiu um poderoso
golpe no alto de sua cabeça. A criatura soltou um terrível rugido.
— Moleza! — Donald estufou o peito.
O Behemoth se transformou em luz, que flutuou pelo céu antes de desaparecer. Então uma
abertura surgiu na grande pedra diante deles.
— Poxa... onde estará o Ansem? — perguntou Pateta.
— Talvez a gente encontre ele se pularmos nessa abertura. — Donald deu uma olhada por
ela. Só o que conseguia ver era um buraco luminoso no fundo.
— Vamos lá! — Correndo, Sora pulou na fissura.
Era uma caverna escura, cheia de formações rochosas estranhas por todo lado — e, ligada a
elas, havia uma série de blocos Gummi, dos mais diversos e coloridos que se pudesse imaginar.
— Parece que tem alguma coisa lá embaixo — disse Pateta, espiando da plataforma onde
havia pousado.
Tentando fazer o mesmo, Donald foi pego de surpresa quando vários Heartless surgiram
atrás dele.
— Waaak! Heartless! — gritou, perdendo o equilíbrio.
— Donald! — Sora tentou segurá-lo pela camisa. Um Heartless que mais parecia uma bola
gigante os atacou. — Ngh!
Ainda segurando firme, Sora também caiu.
— Donald! Sora! — Pateta se lançou em sua direção, tentando pegá-los, mas também
acabou despencando de cabeça.

— Ei, Donald, você tá legal?


170 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Sora se levantou, olhando em volta com toda a cautela. Eles pareciam ter caído até o fundo.
— Acho que sim... Ai, ai, ai... — Donald também se levantou, bem a tempo de Pateta cair de
cabeça em cima dele. — Quack!
— Ah, oi, Donald... Sora! Que bom que vocês estão bem!
— Sai de cima de mim que aí sim eu vou ficar bem! — exclamou Donald, tentando tirar
Pateta de cima de si. Parecia ser uma regra: sempre que os três caíam de um lugar mais alto, alguém
tinha que cair por cima de um dos outros.
— Onde estamos...?
Tudo ali estava completamente escuro. Um pouco mais à frente, podiam ver uma luz azul.
— ...O que é isso? — Sora se aproximou e tocou a luz. Assim que o fez, os três foram
lançados para outro lugar.
— Wawawaaak! — grasnou Donald.
Sora fechara os olhos diante da luminosidade ofuscante e, quando os abriu novamente, se
deparou com as familiares ruas de Traverse Town.
— Como isso aconteceu? — disse Pateta, olhando em volta. E então mais Heartless
apareceram. — Caramba, eles não nos deixam em paz!
Ele os jogou longe com seu escudo.
— Olha, tem outra luz azul ali! — Sora correu até ela e a tocou.
— Agora estamos no mundo da Alice! — gritou Donald. Era ao menos bastante parecido
com o jardim verde onde havia ocorrido o julgamento.
— Outra luz azul! — Pateta se aproximou e a tocou, e então eles surgiram na Selva
Profunda de Tarzan.
Foram tocando as luzes azuis e viajaram para um mundo atrás do outro. Agrabah, depois a
Terra do Nunca — todos mundos onde haviam trancado a Keyhole. Estavam todos espalhados ali,
como se para recebê-los.
Na Terra do Nunca, Pateta inclinou a cabeça.
— Poxa, o que está acontecendo? — disse.
— Acho que são pedaços dos mundos que os Heartless invadiram — disse Sora. Ele tocou a
luz azul e foram todos atirados para o próximo mundo.
— Nunca estivemos nesse lugar antes... — Donald observava os arredores estranhos e via
que agora estavam no corredor de um prédio em algum lugar.
— Olha, tem um emblema estranho ali — disse Pateta, correndo para se aproximar do
emblema vermelho e preto no final do corredor. — Parece aquela coisa onde ficava a Keyhole de
Hollow Bastion...
Parado ao lado dele, Sora observou o emblema. Era bem grande, com a forma de um
coração, mas passava uma sensação estranha.
— Tem uma porta aqui! — exclamou Donald. Foram todos até a porta que ele havia
encontrado no meio do corredor e então a abriram.
A porta dava numa grande sala e, bem no meio, havia um enorme hemisfério de vidro, ou
talvez cristal. Estava conectado a uma infinidade de canos que pareciam levar alguma coisa até ele.
— O que... é isso? — disse Sora, diante do maquinário que sustentava o hemisfério.
Aproximou-se de algo que parecia um painel de controle.
Donald olhou para Sora de perto.
— Você vai mexer...? — perguntou.
— Talvez não seja uma boa ideia... E se um monte de Heartless brotar voando daí? — disse
Pateta, preocupado.
— Qual é, vamos ver do que se trata! — Sora ligou o que parecia ser um interruptor.
— Ó, seres nascidos das trevas, desprovidos de corações...
— Está falando! — Donald deu um pulo.
A voz que vinha da máquina recitava as palavras como se fosse um poema.
— Shh! — Sora levou um dedo aos lábios, indicando para que Donald fizesse silêncio.
— Assolai todos os mundos e trazei a desolação. Tomai todos os corações e consumai o
maior de todos eles. Onde todos os corações são um e este coração engloba a todos. Trata-se do
171 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
reino de “Kingdom Hearts[1]”. A escuridão suprema, selada no grande coração. Progenitura das
trevas, retornai à escuridão eterna. Pois os corações de luz destrancarão o caminho. Sete corações,
uma fechadura, uma chave para a porta. A Porta das Trevas é ligada a duas chaves. A Porta das
Trevas, que sela a luz. Por ela, apenas as sombras passarão, retornando à escuridão. Ó, seres
nascidos do coração, seres desprovidos de coração, crianças caídas das trevas, devorai todo
coração até que a Porta das Trevas seja aberta!
— O que diabos é esse “Kingdom Hearts”? — murmurou Sora.
— Bom, ele disse que é “todos os corações”... — Pateta inclinou a cabeça.
— Progenitura das trevas... devem ser os Heartless, certo? — Donald olhou para Sora.
— Mas a gente não fechou todas as portas? — disse Sora.
— Deve ter alguma outra porta que a gente precise fechar para selar a escuridão —
respondeu Pateta. — Afinal, os Heartless ainda estão por aí.
— Ah, cara, nada disso faz sentido... — Sora suspirou. Eles voltaram ao corredor.
Pateta olhou de volta para o emblema estranho.
— Hm?
— O que foi, Pateta?
Ele correu até o emblema e pegou um pedaço de papel.
— Sora... é mais uma parte do relatório de Ansem!
— Mas a parte que encontramos em Hollow Bastion não era a última? — Sora espiou o
papel nas mãos de Pateta.
— Grilo! — chamou Donald, e o pequeno grilo saltou de seu bolso.
— Hmm... Bem, para mim certamente parece que essa é a última página do relatório de
Ansem. — O Grilo pegou a página das mãos de Pateta e começou a ler.

Passando a existir apenas como um coração, eu retornei como Heartless, mas


não há quaisquer sinais de transformação.
O corpo certamente se foi. Mas suas memórias permaneceram e eu ainda não
assumi a forma de um Heartless. Ainda há muito a se compreender.
Para chegar ao reino das trevas, é necessário passar pelas portas de Kingdom
Hearts, o lugar onde os corações dos mundos se conectam.
Existem muitos mundos, alguns sobre os quais nada sabemos.
O mundo em que vivemos, o reino das trevas, o reino da luz. E o mundo de
intermédio. Em qual deles estará o verdadeiro paraíso?
Para onde vai o corpo quando se sapara do coração?
Eu sei que quando um coração retorna como Heartless, sua forma física
desaparece. Mas isso é verdade meramente neste mundo. Em outro mundo, será que
ele não pode ainda existir?
Se este for o caso, então é possível que outra versão de si mesmo exista em outro
lugar. Um ser nem da escuridão e nem da luz, que não pertence a lugar algum,
abandonado por seu coração, um mero invólucro do seu antigo eu, rejeitado tanto pela
luz quando pelas trevas.
Entretanto, tenho certeza que se o seu eu existe aqui, então por definição, o outro
não pode realmente “existir”.
Chamá-lo-ei, então, de um ser incorpóreo, um “Nobody[2]”.

— É só mais um monte de coisa que não faz sentido... — Pateta franziu o cenho.
— Teve muita coisa incompreensível nessas várias páginas do relatório de Ansem, mas eu
sempre conseguia captar algo aqui e ali. Mas essa última parte... — O Grilo Falante balançou a
cabeça. — Está realmente além da minha compreensão. Quer dizer, o que é esse “verdadeiro
paraíso”...? O “mundo de intermédio”...? “Nobody”...?
— Ele falou daquele tal de “Kingdom Hearts” de novo — disse Sora.
— Queria saber o que ele queria dizer com tudo isso... — O Grilo abaixou a cabeça e voltou
ao bolso de Donald.
172 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Tanto faz! Quer dizer que temos que derrotar o Ansem! — disse Donald, a voz cheia de
ferocidade.
— É... acho que você tá certo — Sora assentiu e empunhou a Keyblade. — Vamos lá!
— Isso aí!
Os três se lançaram rumo ao brilho negro no canto do corredor.

Eles saíram em outra caverna.


Uma substância roxa e arenosa cobria o chão, e as paredes estavam cobertas de marcas
estranhas, como fantasmas de árvores mortas. Fragmentos de prédios e pedaços de madeira cobriam
cada recanto do ambiente, escombros de uma tempestade de outro mundo.
O trio avançou pela caverna devagar.
— Poxa, esse lugar me dá calafrios... — disse Pateta, tremendo.
— É, mas temos que continuar seguindo em frente — respondeu Sora. Tanto Donald quanto
Pateta assentiram.
As marcas que lembravam galhos nas paredes foram ficando cada vez mais distorcidas. Era
impossível dizer o que de fato representavam.
— Então... será que esse é o fim da linha? — disse Donald, olhando para a saída. — Acho
que só tem um jeito de descobrir.
No momento que avançaram para o próximo andar, os Heartless atacaram.
— Ah-hoo-hooey! — exclamou Pateta, atingido ferozmente pelas costas.
— Ei! Mas que ideia é essa?! — Donald balançou o cajado e atingiu o Heartless bem no
que parecia ser, provavelmente, seu rosto.
— Eles também estão por aqui! — gritou Sora. Ele derrotava um atrás do outro, mas cada
vez mais deles continuavam aparecendo.
— Ei, Sora! Olha aquilo! — Pateta apontou para um emblema em forma de coração nos
fundos da caverna.
— Esse... parece o mesmo emblema que vimos naquela sala... não é? — disse Donald, ainda
disparando seus feitiços.
— Sim, mas não é só isso! Olha só! — Usando seu escudo, Pateta atacou o Heartless diante
de si com toda a força e uma rachadura surgiu no emblema de coração.
— Então é uma porta que vai se abrir se derrotarmos os Heartless?! — disse Sora.
— Acho que sim! — respondeu Pateta, lançando-se contra outro Heartless.
— Beleza, vamos nos livrar deles!
Um a um, o trio acabou com os Heartless que os atacavam.
— Esse deve ser o último, né? Chamas! — Donald explodiu o último Heartless e o emblema
de coração se rompeu, revelando um buraco que levava adiante.
— Conseguimos!
Eles correram rumo ao buraco na parede. Do outro lado, havia um ambiente tranquilo e
silencioso. Partículas de areia fina e reluzente caiam pelas paredes, formando pequenas dunas.
Diferente dos demais lugares onde haviam estado até então, aquele tinha também algumas plantas
que cresciam aqui e ali.
— Parece que não tem Heartless por aqui... — Donald avançou um passo, olhando ao redor,
desconfiado. Em meio ao silêncio, a areia farfalhava sob seus pés.
— Tem uma porta.
Aproximaram-se dela.
— ...Hã? — Sora inclinou a cabeça.
Donald olhou para ele.
— Qual o problema?
— Vocês não ouviram nada? Olha! — Sora voltou o ouvido em direção à voz que estava
escutando:

173 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Cuidado... Este é o último abrigo que encontrará aqui. Adiante, não há luz para lhe
proteger. Mas não tenha medo. Seu coração é a mais poderosa arma de todas. Lembre-se, você é
aquele que abrirá a porta para a luz...
— Não estou ouvindo nada — disse Donald.
— Estranho... era uma voz tão familiar... — murmurou Sora. — Talvez seja só a minha
imaginação.
Mas ele sabia o que havia escutado.
Era a mesma voz que escutara nas Ilhas do Destino... A voz de seus sonhos.
— Talvez seja melhor você descansar um pouco!
— Vamos dar um tempinho por aqui... Também estou cansado! — Pateta se sentou em uma
pilha de areia.
— Hmm... pode ser — Sora se sentou a seu lado e relaxou as costas.
— Ah, é! A Aerith me deu umas guloseimas. — Atrás deles, Donald tirou um pequeno
embrulho do bolso.
— Ei, quando foi que ela te deu isso? — Sora se abaixou e deu uma olhada no embrulho,
envolto num papel branco e amarrado com um laço.
— Quando nos despedimos em Hollow Bastion! — Donald abriu o embrulho. Estava cheio
de biscoitos.
— Oba! — Pateta pegou um e o jogou na boca. — Hmm, é uma delícia!
— Eu quero um! — Sora pegou outro deles e deu uma mordida.
— Bem docinho — disse Donald com a boca cheia.
— Aqueles biscoitos da festa do chá no mundo da Alice também eram bem gostosos —
disse Pateta.
— Eram mesmo!
Donald e Pateta assentiram.
— Ah, e as bananas da Selva Profunda? Eram muito boas!
— Quando foi que vocês acharam bananas?
Sentados ali, eles começaram a se lembrar, entusiasmados, de vários detalhes de sua jornada.
Bem ali, antes da porta final...

Revigorados depois da pausa, eles abriram a porta e, diante deles — havia um céu límpido,
de um azul deslumbrante, assim como o mar que banhava a praia de areias claras.
— Essa... essa é a minha ilha?! — Sora correu em meio à praia. Com certeza era a mesma
praia. Não estava vendo coisas.
Mas... não havia coqueiros. E... a cachoeira estava completamente seca. A ponte que levava
à pequena ilhota onde costumava ficar conversando com Riku também havia sumido.
— Como...? — Sora pulou em direção à ilhota.
Donald e Pateta o seguiram. E mais à frente...
— Riku!
O outro menino estava lá, vestido de preto.
— Esse mundo... foi conectado.
Era a voz de Ansem.
Riku se virou devagar e, ao mesmo tempo, a ilhota desapareceu. Ele e o trio foram deixados
em meio ao ar, flutuando.
— Ligado à escuridão... prestes a ser completamente eclipsado.
Enquanto falava, as outras ilhas começavam a desaparecer.
— Wa-wa-uooou! — Pateta deu um pulo, sobressaltado com o fato de o chão ter sumido.
— Há tanto a se aprender. — Diante das palavras de Ansem, o mar deu lugar às trevas. —
Você entende tão pouco. Alguém que não sabe nada não pode entender nada.

174 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
A costa arenosa foi partida por uma infinidade de rachaduras. Pedras e arvores derretiam em
meio à escuridão, dando lugar a uma espécie de mineral preto e roxo. Sora estava indignado com as
mudanças doentias que ocorriam em seu lar.
— Dê uma olhada neste lugar minúsculo. — Riku, falando com a voz de Ansem, estendeu
os braços, o rosto voltado para o céu. — Para o coração que busca liberdade, esta ilha é uma prisão
cercada por água. E então este garoto buscou escapar de sua prisão. Buscou uma forma de alcançar
outros mundos. E abriu seu coração para a escuridão.
Diante dos olhos de Sora, Riku se transformou em Ansem.
— Riku!
— Não incomode. Sua voz não pode mais alcançá-lo onde ele está. Seu coração pertence
novamente à escuridão. Todos os mundos nascem na escuridão, e todos nela terminam. O coração
não é diferente. A escuridão brota dentro dele, cresce, o consome. Esta é sua natureza. No final,
todo coração retorna à escuridão de onde veio.
A sombra de Ansem se assomou sobre o trio.
— Compreendam: a escuridão é a verdadeira essência do coração.
— Isso não é verdade! — exclamou Sora. — O coração pode ser fraco. E às vezes pode até
ceder. Mas eu aprendi... que lá no fundo tem uma luz que nunca se apaga!
“Tenha fé na luz e a escuridão nunca lhe derrotará. Seu coração brilhará com seu poder e
afugentará a escuridão — este é o poder de trazer a felicidade.”
— Então você chegou tão longe e ainda não entende nada. Toda luz deve dissipar-se, todo
coração retorna à escuridão!
Com um único movimento da mão de Ansem, a ilha começou a tremer e ribombar.
— Wa-waaak! — O chão se abriu em uma rachadura sob os pés de Donald, que caiu como
se o abismo o sugasse para dentro.
A rachadura continuou avançando e Pateta tentou escapar, mas também acabou caindo.
— Donald! Pateta! — Sora se lançou junto à abertura, tentando desesperadamente ajudar os
amigos, mas, diante de seus olhos, toda a ilha se partiu em duas e uma nuvem negra emergiu.
— Contemple o abismo infinito! Dentro, encontra-se o coração de todos os mundos:
Kingdom Hearts!
A escuridão que irrompia da abertura consumiu toda a terra, devorando o mundo e depois o
próprio Sora.
— Procure tanto quanto puder. Não encontrará nem o menor vislumbre de luz. São dessas
profundezas negras que todos os corações nascem... até mesmo o seu! A escuridão conquistará
todos os mundos!
A voz de Ansem ecoava pela negritude. Diante de Sora, uma enorme massa de escuridão se
materializou — uma escuridão ainda mais escura em meio às trevas.
— Você é aquela coisa...!
Era a sombra gigante que Sora havia enfrentado nas Ilhas do Destino.
Em meio a um terrível rugido, a sombra lançou o punho contra o chão, tentando esmagá-lo.
Mas Sora ergueu a Keyblade e bloqueou a investida.
— Eu não vou perder para a escuridão...!
Dentre a escuridão que parecia engolir tudo ao redor, a Keyblade parecia brilhar com ainda
mais força, cortando a grande sombra negra com um golpe certeiro. A sombra urrou.
— Eu... não vou ceder!
A escuridão encobriu seus pés, engolindo-o.
E a sombra foi consumida por uma escuridão ainda maior, assumindo uma forma terrível,
algo que parecia uma nave gigante. No topo, a parte superior de um horrendo monstro das trevas se
retorcia. Havia tubos que brotavam da barriga do monstro, conectados às costas de Ansem.
Flutuando mais adiante, Sora o observava. E então ouviu um grito:
— Soraaaaa! — Balançando a cajado de forma frenética, Donald estava afundando em
direção ao monstro como se estivesse preso em areia movediça.
— Soooooraaaaa! Ei, Sora! — Era a voz de Pateta, parecendo vir do outro lado.
Seus amigos estavam prestes a ser engolidos pela escuridão. O que poderia fazer?
175 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Quando o próprio Sora estava começando a ser consumido pela espessa escuridão do
desespero — alguém falou com ele:
— Já tá desistindo? Qual é, Sora. Achei que fosse mais forte que isso.
Era a voz de Riku, ressoando dentro dele.
— Desistindo? De jeito nenhum, eu não!
Sora saiu voando da nuvem negra.
A risada de Ansem ecoou pelo abismo. Em meio à bola de névoa negra avermelhada sobre a
enorme criatura em forma de nave, algo reluziu.
— Socooooorro!
Era baixa, mas Sora ainda conseguia ouvir: a voz de Pateta.
— Pateta?! — exclamou, mergulhando na névoa.
— Sora!
— Pateta!
Ele estava em um buraco cavernoso, enfrentando diversos Heartless sozinho. Sora se lançou
contra eles.
— Cadê o Donald? — perguntou.
— Não consegui encontrá-lo...!
— Ele deve estar em algum lugar por aqui!
Sora e Pateta saíram voando do buraco.
— Será que ele tá em outro portal de névoa vermelha como esse? — disse Pateta.
Sora correu pelas costas da criatura e pulou pela borda da frente — onde um enorme rosto
monstruoso esperava por ele.
— Soooooraaaaa!
Sora conseguia ouvir a voz de Donald, bem baixa, chamando por ele de dentro da boca da
criatura grotesca.
— Vamos, Pateta!
— Certo! Vamos lá! — Pateta se lançou contra o inimigo e Sora o seguiu.
Os olhos da criatura se estreitaram e, de repente, dispararam raios. Sora estremeceu. Pateta,
no entanto, girou como um tornado, atingindo o rosto com seu escudo.
— Aguenta firme, Sora!
— Eu tô legal! — Sora içou voo e golpeou seus olhos com a Keyblade.
A criatura escancarou a boca gigante, soltando um urro terrível. Sora e Pateta entraram
voando por ela.
— Sora!
— Donald!
Sora o abraçou.
— Você tá bem?!
— Ah, seu bobo, isso não foi nada!
— Poxa, é que você parecia a ponto de cair no choro — observou Pateta.
— Bem, agora estamos todos juntos — disse Sora, olhando para os outros dois.
— E isso significa que ninguém pode nos derrotar! — Pateta fez uma pose valente.
— Isso aí! — Donald assentiu.
O trio saiu voando da boca da criatura.

— Ansem! — gritou Sora.


Ansem se ergueu lentamente, empunhando uma arma que parecia uma espada de dois lados,
com uma lâmina comprida em cada um deles. Ele rugiu.
— Nós não vamos perder para a escuridão!
Ansem parecia rir da declaração de Sora. Ele girou a espada dupla.

176 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Wa-waaak! — Donald pulou para se esquivar do golpe e começou a disparar suas magias.
No entanto, onde quer que sua magia atingisse, uma escuridão profunda e sinistra começava a
jorrar, reunindo-se em uma enorme esfera sobre suas cabeças. — Ei... o que é isso?!
— Ah-hoo-hooey! — exclamou Pateta, sendo sugado pela esfera. Sora o agarrou pelo braço e
o puxou de volta. — Poxa, que susto... — disse, limpando o suor frio que escorria em seu rosto.
— Donald, Pateta! Tá na hora da nossa formação!
— Certo!
Sora se lançou contra Ansem. Atrás dele, a esfera começou a disparar raios em sua direção,
mas Pateta os defletia com seu escudo. Também atrás do escudo, Donald aproveitava para lançar
feitiços com seu cajado. Em meio a um grito feroz, Sora atingiu Ansem com a Keyblade. Ansem
cambaleou e gritou de agonia.
— Chamas! Trovoada! Nevasca! — Donald balançava o cajado, disparando suas magias
com toda a força. Onde quer que os feitiços atingissem, grandes explosões ocorriam.
— Beleza! Mais uma vez! — Sora voou contra Ansem novamente e atacou sua cabeça com
a Keyblade.
Embora não conseguissem ouvir, Ansem gritou. O monstro gigantesco começou a cair em
meio a um fluído etéreo que irrompia de dentro dele. E então — uma forte luz se formou no peito
de Ansem, envolvendo toda a criatura em uma explosão colossal.
— Derrotamos ele?! — disse Sora, pousando para olhar de volta para o monstro.
Mas ele não estava mais lá — agora, só o que restava era o próprio Ansem, caído de joelhos,
gemendo de dor.
— Ansem...!
Sora correu até ele com a Keyblade empunhada.
— É fútil. A Keyblade sozinha não pode selar a Porta das Trevas.
— A Porta das Trevas...?
Ansem ergueu a mão para um ponto atrás de Sora, onde uma enorme porta branca se
assomava em meio à escuridão.
— Kingdom Hearts! Preencha-me com o poder da escuridão...
A porta branca começou a se abrir. A escuridão vazava da pequena fresta. Seria aquela a
Porta das Trevas?
— Você tá errado! — gritou Sora.
Todos os corações nascem na escuridão? Eu não acredito nisso.
Corações nascem na luz.
Mesmo que haja escuridão em nossos corações, há também luz para afugentá-la.
Nossos corações se conectam a cada pessoa que conhecemos, e essa conexão se torna luz.
— Agora eu sei, sem dúvida alguma... Kingdom Hearts é luz!
A escuridão que germinava ao redor deles deu lugar a raios de luz que atingiram Ansem.
— O quê...?!
Em meio ao brilho ofuscante, Ansem fitou a porta. O inquiridor das trevas foi consumido
por uma explosão de luz.
— Luz...? Mas... por quê...?
E então, junto à luz, Ansem desapareceu...
— Temos que fechar a porta! — Frente ao grito de Donald, todos correram em direção à
porta branca. Do outro lado, a escuridão pulsava, pronta para irromper.
Sora empurrou a porta.
— Ngh... É tão pesada...
A porta gigante não se mexia. Pateta espiou pela fresta que estava aberta e deu um pulo.
— Uou! — exclamou, estupefato.
— Para de olhar e continua empurrando! — esbravejou Donald, mas também acabou
olhando lá dentro. — Os Heartless?!
No espaço obscuro lá dentro, inúmeras sombras escuras se retorciam, correndo às pressas
em direção à porta.
— Qua-waaak! Rápido! — gritou Donald. Mas a porta simplesmente não saía do lugar.
177 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
— Não desistam! — exclamou uma voz que parecia vir do interior sombrio, e outra mão
surgiu para puxar a porta.
— Riku! — exclamou Sora.
Era ele — Riku estava do outro lado, tentando fechar a porta pelo lado de dentro.
— Vamos, Sora! Juntos a gente consegue!
— Beleza! — Sora empurrou com cada grama de força que tinha. Donald e Pateta também
tentavam empurrar com tudo de si.
— Pronto... só mais um pouquinho! — murmurou Riku, mas as sombras continuavam
avançando atrás dele. Elas se reuniram, crescendo, e começaram a ganhar forma.
— Não adianta! — Mas no momento que Donald gritou isso, uma luz surgiu, cortando a
agregação de sombras no meio.
— Hm...? — Donald e Pateta espiaram pela fresta novamente e, contra a luz, reconheceram
a silhueta de uma figura muito familiar.
— Vossa Majestade?! — exclamou Donald.
Seu rei, Mickey Mouse, estava parado lá dentro, com uma Keyblade dourada erguida sobre
a cabeça.
— Agora, Sora! Vamos fechar essa porta de uma vez por todas!
— Mas... — Sora hesitou diante da fresta agora quase invisível que continuava aberta. Se
fechassem a porta naquele momento, o que aconteceria com o rei? E com Riku...?
— Não se preocupe — disse Mickey, como se pudesse ouvir os pensamentos de Sora. —
Sempre haverá uma porta para a luz.
— Sora, pode confiar no Rei Mickey! — disse Pateta. Sora assentiu.
Riku olhou para trás por um instante.
— Agora! Eles estão vindo!
Mickey olhou para seus dois seguidores — e amigos muito queridos.
— Donald, Pateta... Obrigado.
Não havia mais muito tempo...
— Toma conta dela, Sora — disse Riku, a voz suave.
Qualquer resposta que pudesse ter dado ficou presa em sua garganta, mas Sora assentiu com
firmeza e passou o dedo no nariz.
E então Sora empurrou com tudo que tinha.
Centímetro por centímetro, a porta se fechou. Não conseguia mais ver Riku.
— Sora! A Keyblade! — gritou Donald.
Sora ergueu a Keyblade e do outro lado da porta, em meio às trevas, o Rei Mickey também
ergueu a sua.
As duas Keyblades trancaram a Porta das Trevas.
Todos puderam ouvir o som, o click de uma tranca — e então a porta reluziu em meio a uma
luz brilhante e desapareceu.
— Sora... — disse uma pequena voz que parecia vir de algum lugar atrás dele.
Ele se virou.
— Kairi!
Ela estava parada ao longe, sozinha.
— Sora!
Ele correu em sua direção e a agarrou pelas mãos. E então, em meio a um terrível tremor, o
reino das trevas começou a desmoronar sob seus pés.
— Kairi! Lembra do que você disse antes? Eu sempre estarei com você também! Eu vou
voltar pra você. Eu prometo!
— Eu sei que vai!
O chão que se partia começou a separá-los. Tentaram se segurar um ao outro tanto quanto
puderam — mas tiveram que se soltar. E então gritaram os nomes um do outro uma última vez.
Uma chuva de luz começou a cair sobre eles, obscurecendo tudo sob seu brilho. A chuva
parecia feita de partículas de luz e trevas. Estrelas cadentes cruzavam o céu e numa corrente suave e
calorosa, os mundos foram restaurados a seu estado normal.
178 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
179 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
Separados.
Os mundos foram se afastando e Kairi se viu sozinha em uma praia, junto ao mar azul.
Eram as Ilhas do Destino. Kairi percorreu a bela orla. Não havia mudado nada desde quando
costumava passar seus dias ali junto a Sora e Riku. O brilho do sol reluzia sobre a água e ofuscou
seus olhos.
Mas Sora não estava lá, nem Riku.
Como se quisesse ter certeza de que toda a ilha continuava ali, ela seguiu para a caverna. Lá
estavam os rabiscos na parede, onde Kairi e Sora haviam desenhado os rostos um do outro.
Uma luz se formou na caverna, iluminando os desenhos.
E ela viu Sora, adicionando algo aos rabiscos. Estava desenhando a própria mão, segurando
uma fruta paopu na direção do desenho de Kairi. Havia uma lenda sobre a fruta paopu: dizem que
se duas pessoas dividirem uma, seus destinos se tornarão eternamente interligados.
Kairi disse seu nome e ele se virou para olhar para ela com um grande sorriso no rosto —
então foi tomado pela luz e desapareceu.
Era apenas um sonho... ou algum tipo de miragem. Uma lágrima escorreu por seu rosto.
Kairi pegou uma pedra e adicionou mais um detalhe ao desenho — sua mão levando uma
fruta paopu à boca de Sora.
A luz do sol banhava a caverna. Ao fundo, ela conseguia escutar, bem baixinho, o leve
farfalhar das ondas.
Você vai voltar, Sora. Eu sei que vai.

----------
GLOSSÁRIO:
[1]
Kingdom Hearts: “Reino dos Corações” | Pronúncia: Kin-dôm Rárts (/ˈkɪŋdəm/ /hɑː(r)ts/)
[2]
Nobody: “Incorpóreo”, “Ninguém” | Pronúncia: Nê-bári (/ˈnəʊbɒdi/)

180 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
PÁGINA DO EPÍLOGO 181 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o
UM ÚNICO CAMINHO SE ESTENDIA POR UM ENORME CAMPO GRAMADO, ATÉ
onde os olhos podiam ver.
— Poxa, onde será que nós estamos...? — Pateta olhava ao redor, mas não havia nada além
de planícies onduladas. A Nave Gummi havia desaparecido e não havia nem sinal de nenhuma outra
pessoa por ali.
— Bom, o que a gente faz agora? — disse Donald, olhando para Sora.
— Temos que achar o Riku e o Rei Mickey — respondeu Sora.
Pateta suspirou.
— Mas, hã... onde começamos a procurar por aquela tal porta para a luz?
— Não sei, mas...
Os três trocaram olhares e então todos suspiraram.
Foi quando um cachorro amarelado cruzou o caminho diante deles, balançando o rabo.
— Pluto?! — exclamou Donald.
Era o cachorro do rei, Pluto, que havia desaparecido lá em Traverse Town.
— Ei, Pluto, por onde você esteve? — disse Pateta, correndo até ele.
Pluto continuou parado, o rabo balançando, e só então eles notaram que havia uma carta em
sua boca.
— Isso é...?
— É o selo real! — Donald também disparou na direção de Pluto.
— Ei, você viu o Rei Mickey? — perguntou Sora.
E então Pluto saiu correndo.
— Ei, espera! — Sora saiu correndo atrás dele. Donald e Pateta vinham logo atrás.
Enquanto perseguiam Pluto, suas risadas ecoavam pelas campinas.
“Sora...”
Pensando ter ouvido uma voz vinda de algum lugar, ele se virou, mas não havia ninguém lá.
“Lembre-se, Sora. Você é aquele... que abrirá a porta para a luz.”

— O FIM —

182 | K i n g d o m H e a r t s : A R o m a n t i z a ç ã o

Você também pode gostar