Magisterio 14 DIEI 1
Magisterio 14 DIEI 1
Magisterio 14 DIEI 1
educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/revista-magisterio NO 14 – 2022
PUBLICAÇÃO DA COORDENADORIA PEDAGÓGICA DA SME PARA OS EDUCADORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
Infâncias
Conectadas III
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SUMÁRIO
RICARDO NUNES
CARTA AOS LEITORES...................................................................................................3
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO
FERNANDO PADULA
EDITORIAL.....................................................................................................................5
SECRETÁRIO ADJUNTO DE EDUCAÇÃO
BRUNO LOPES CORREIA DA ÁRVORE PARA A VIDA DAS CRIANÇAS..................................................................6
EQUIPE TÉCNICA
REFLEXÕES SOBRE AS VISITAS...................................................................................39
ANA BARBARA DOS SANTOS
ANA PAULA PEREIRA GOMES GIBIM
ELENICE DE CARVALHO RODA AS GALINHAS E DOIS QUINTAIS................................................................................43
JULIANA MANSO PRESTO
JUSSARA NASCIMENTO DOS SANTOS OS DESAFIOS DO ATENDIMENTO REMOTO NA CRECHE.........................................48
KÁTIA REGINA CAVALCANTI
MATILDE APARECIDA DA SILVA FRANCO CAMPANHA (RE)HABITAR A ESCOLA..............................................................................................52
SHIRLEY DA SILVA SANTOS
TATHIANA AUGUSTA RODRIGUES LOURENÇO MARTINEZ OLHARES COMPARTILHADOS NO COTIDIANO DA ESCOLA DA INFÂNCIA.............60
THIAGO PACHECO
AS CRIANÇAS COMO PROTAGONISTAS NO ATO DE CRIAR IMAGENS....................65
EQUIPE ADMINISTRATIVA
ANNA MARIA DE FEO VIEIRA
MÁRCIA LANDI BASSO
magistério
PUBLICAÇÃO DA COORDENADORIA PEDAGÓGICA DA SME PARA
OS EDUCADORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
CRIAÇÃO
ALFREDO NASTARI
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
COORDENADORA DO CENTRO DE MULTIMEIOS
ANA RITA DA COSTA Magistério / Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica.
– n. 14 (2022). – São Paulo : SME / COPED, 2022.
ARTE
72 p. : il. color
NÚCLEO DE CRIAÇÃO E ARTE | CM | COPED | SME
Bibliografia
ANGÉLICA DADARIO ISSN 2358-6532
CASSIANA PAULA COMINATO
FERNANDA GOMES PACELLI 1. Educação – Periódicos. 2. Educação Infantil. 3. Infância – Práticas
PRISCILA DA SILVA LEANDRO educativas. I. Título.
SIMONE PORFIRIO MASCARENHAS CDD 372.21
Fernando Padula
Secretário Municipal de Educação
3
CEI Jardim Hercília, 2021.
Foto: Marcela Juliana Chanan
Editorial
Com grande alegria e satisfação, apresentamos a 3ª edição da Revista Magistério “Infâncias
Conectadas”, versão digital.
Nas edições anteriores, foram apresentados artigos que retrataram experiências bastante signi-
ficativas dos cotidianos de diferentes Unidades Educacionais, tanto na Cidade de São Paulo quanto
em Barcelona (Espanha), a partir do desejo de compartilhar experiências dos diversos contextos de
aprendizagens que traduzem as potências das experiências infantis, nas quais a criança é o sujeito,
no centro do Currículo.
A Revista Magistério Infâncias Conectadas III aproxima dois territórios brasileiros: a cidade de
São Paulo e a cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Conheceremos diferentes experiên-
cias com as linguagens das artes, com a natureza e com parcerias, mostrando o acolhimento antes,
durante e pós distanciamento social causado pela pandemia.
Essa edição partiu do diálogo entre o então diretor da Divisão de Educação Infantil, Cristiano
Rogério Alcântara, e a Assessora Pedagógica da cidade de Novo Hamburgo Letícia Streit que, ao
longo de 2021, conversaram sobre comporem uma revista com artigos sobre práticas inspiradoras
da rede paulistana e também da rede novo-hamburguense. Além dos relatos das professoras de
ambas as cidades, a revista traz fotos e relatos das formadoras da Divisão de Educação Infantil que
participaram da visita às Unidades de Novo Hamburgo em outubro de 2021.
Agradecemos imensamente às sete educadoras de São Paulo e onze educadoras de Novo Ham-
burgo que se dedicaram a relatar suas experiências de prática e pesquisa e compartilhar as fotogra-
fias que também nos contam sobre esses percursos.
Por fim, nosso grande e especial agradecimento às equipes de São Paulo e Novo Hamburgo que
tornaram esse intercâmbio de aprendizagens possível.
5
Fotos: Priscila da Silva Oliveira
Da árvore para
a vida das crianças
Por Priscila da Silva Oliveira
Professora de Educação Infantil há 13 anos. Pedagoga com especialização em Arte-Educação e Fundamentos da Cultura e das Artes. Mestranda em Educação e
Ciências Sociais e apaixonada por desenhos e outras construções infantis.
6
E
stávamos no refeitório quando ouvimos um baru-
lho estarrecedor, algumas crianças tamparam os “A maior riqueza do homem é sua
ouvidos com as duas mãos enquanto outras me incompletude. Não aguento ser apenas um
perguntaram: – Professora, o que é isso? Mantive silêncio
sujeito que abre portas, que puxa válvulas,
por alguns segundos e devolvi a pergunta: – O que acham
que pode ser? Gustavo propôs: – Vamos ver? Seguimos,
que olha o relógio, perdoai...
após o café da manhã, até a porta da sala da professora mas eu preciso ser outros”
Kelly, que gentilmente concedeu nossa entrada. Quando Manoel de Barros
chegamos do outro lado da sala, abrimos a porta que dá
acesso ao parque e, então parados ali, pudemos ver e ou-
vir ainda mais de perto o som que causava incômodo e Conforme investigávamos, percebíamos que as ár-
curiosidade. Trabalhadores da prefeitura realizavam uma vores, para crescerem, precisavam de outros recursos,
poda de árvore, as crianças ficaram perplexas ao verem como a água e a terra, e sua estrutura abrigava outros
um dos funcionários com a serra elétrica nas mãos, cor- insetos e aves, servindo de casa para a coruja e o joão-
tando partes do tronco. Inquietos começaram a encher o -de-barro, poderia ter ninhos de passarinhos, pequenos
rapaz de perguntas e, posteriormente, as dirigiam a mim: caracóis, e seus troncos poderiam servir de passagem e
- Por que estão fazendo isso? Ela tá doente? Cadê a mãe trajeto para formigas com suas folhas e, às vezes, ali-
dela? O moço tá fazendo algum curativo? mento para as abelhas, a partir de suas flores. Todos es-
Poucos minutos depois, retornando para nossa sala é ses e tantos outros agentes da natureza serviram como
que a nossa pesquisa surge. Partindo de uma situação e base de investigação entre as crianças, durante a pesqui-
muitas curiosidades, decidimos, eu e a turma, falarmos sa sobre as árvores.
sobre o assunto e iniciar nossas investigações. Afinal, As crianças notaram que o tronco de árvore cortada
como nascem as árvores? Como e por que morrem? Pes- e ainda enraizada deixada no parque poderia servir de
quisar as árvores pareceu-me, no início, um motivo para morada para outras espécies, como gafanhotos e joani-
as crianças pesquisarem e investigarem sobre si mesmas nhas, e dali brotar pequenas folhagens que necessitavam
e sobre as coisas do mundo, já que, pela pouca idade, te- de cuidado e rega para crescerem. As observações “no
cem incansavelmente perguntas, reflexões, reproduzem campo” durante nossas andanças, brincadeiras e abraços
palavras e frases, desejos, vivências, memórias/realida- coletivos proporcionaram também às crianças a percep-
des/sonhos, tudo parece emaranhar-se numa grande ma- ção de que as árvores não possuíam gênero. O que nos
lha como uma sorrateira vontade de vislumbrar o obtuso. faz refletir sobre as construções animistas que as crian-
No primeiro momento para iniciarmos as inves- ças depositam sobre o mundo a partir do fator da simili-
tigações propostas pelas crianças, partindo de uma tude, ou seja, aproximam a diversidade de seres viventes
curiosidade coletiva, realizei com a turma rodas para compreender como aquele ou aquilo que não sou
de conversas e registros sobre as reflexões que as eu funciona. A partir das investigações, perceberam as
crianças traziam na roda, sobretudo frases e palavras dissemelhanças entre as estruturas, por exemplo, a ár-
para, posteriormente, compor um percurso investi- vore não tem boca, o que gerou outra inquietação na
gativo que pudesse privilegiar os anseios e as in- turma: – Então como ela bebe água?
quietações da turma. Nesse sentido, achei oportuno Cada pergunta que surgia propunha uma nova “in-
usar o que chamamos (eu e a turma) de “caderno de vestigação”. Enquanto mediadora das experiências, eu
campo”1, que seriam anotações aleatórias, colagem orientava as crianças dizendo a elas que para sabermos
de fotos e outras imagens, palavras e desenhos no sobre algo precisamos perguntar, pesquisar e, às vezes,
sentido de realizarmos um processo investigativo e, nos aproximar e experimentar. Os familiares responsá-
por que, não científico da nossa prática. veis foram fundamentais no percurso das crianças, pois,
a partir das inquietações surgidas, fazíamos bilhetes,
1 Propus este nome pela experiência que estava desenvolvendo no mestrado. A ideia anexávamos nas agendas e propúnhamos uma investiga-
inicial do caderno era torná-lo uma experiência coletiva com a turma, o que não foi
possível durante o ano. O caderno de campo tornou-se um espaço para o meu olhar sobre 7
e com a turma durante nossas atividades.
ção para além dos muros da escola, com a participação morta, ele ficou tão perplexo de ver a borboleta naque-
das famílias. As “pesquisas” chegavam na escola com le estado que pediu para mãe levar a borboleta na praça
desenhos, recortes de revistas, folhas impressas pela in- próxima à escola para que ele pudesse jogar um pouco
ternet, assim construímos em nossa sala um grande mu- de terra em cima da borboleta, simulando o “enterro”,
ral “investigativo” para consulta das crianças, que era provavelmente Luiz se lembrou do enterro que fizeram
renovado a cada curiosidade. do passarinho que encontraram no bosque, junto com a
Cada vez que sanávamos nossas dúvidas sobre um professora Fátima (minha parceira de turma do período
assunto, surgia outro e outro, e mais outro, o encanta- da tarde). O tema sobre a morte do passarinho perdurou a
mento do conhecimento adentrava as crianças através semana inteira, surgiam perguntas como: – Para onde vai
do fluxo curioso e investigativo, o que se expressou na o passarinho depois que ele morre? – O que vai aconte-
ampliação do vocabulário delas, que, ao andarem pela cer com ele? Todas essas perguntas eram investigadas em
escola e encontrarem um inseto desconhecido, corriam parceria com as famílias, mas também dentro da escola.
para me chamar: – Professora, vem ver o que a gen- Para as investigações ganharem cada vez mais espaço,
te achou! Thiago dizia: – Vamos pesquisar o que é? A eu selecionava alguns recursos com as crianças para que
necessidade de pesquisar e compreender as coisas que pudessem servir de incentivo e curiosidade, amplian-
compõem o mundo passou a fazer parte da vida das do o repertório que tinham. Nesse sentido, selecionava
crianças, os familiares me diziam que seus filhos pediam vídeos, contações de histórias, curta-metragem, músi-
o celular emprestado para pesquisar bichos e plantas; cas, trechos de documentários; capturava junto com as
que, durante a feira, as crianças pediam para comprar crianças e, às vezes, sozinha nos parques elementos da
couve; durante os trajetos a pé, paravam para ver flores, natureza, como: sementes variadas, pinhas, gravetos;
pedras, insetos e bichinhos pelo caminho. solicitava a compra de materiais na escola que propor-
A mãe do Luiz certa vez relatou que estava a caminho cionassem a curiosidade investigativa das crianças, tudo
da escola quando o Luiz avistou no chão uma borboleta para que pudéssemos investigar e desvelar o que nos era
desconhecido até o momento.
A partir das vivências que as crianças ti-
nham na área externa da nossa escola, privi-
legiando prioritariamente o bosque e a horta
como espaços de interação, relação, media-
ção, conhecimento e experiência de práticas
brincantes com elementos orgânicos, como
as comidinhas com hortelã, orégano, tomate,
entre outros alimentos recolhidos da nossa
horta, carinhosamente nomeada pelas crian-
ças no final do ano de Cholita, ou chá de ca-
pim cidreira, que realizamos junto ao fogão
improvisado por um pai que compunha o
Conselho da Escola. Tudo isso proporciona-
va cada vez mais experiências com as coisas
reais do mundo, aguçando o potencial criati-
vo e investigativo das crianças, como saber
Foto: Priscila da Silva Oliveira
lação que as crianças obtiveram a partir das indagações SISTO, Celso. A horta da Ethel. São Paulo: Fundação Dorina Nowill para
cegos, 2011.
realizadas durante todo o percurso de 2019, proporcionan-
SILVERSTEIN, Shel. A árvore generosa. São Paulo: Companhia das
do pesquisas que garantiram uma melhor relação com os Letras, 2017.
alimentos, com os colegas, com as plantas e animais, com
9
O respeito
aos tempos
e espaços
da Educação
Infantil em
uma escola de
Educação Básica
10
A
Escola Municipal de Educação Básica - EMEB nejamento do cotidiano precisa prever oportunidades de
Machado de Assis está localizada na Cidade de interação entre as turmas das diferentes faixas etárias,
Novo Hamburgo/RS1 e, por mais de três déca- para que não se tornem mundos à parte. Diariamente,
das, vem constituindo sua história na relação entre Edu- as crianças da Educação Infantil encontram irmãos ou
cação Infantil e Ensino Fundamental. Ao longo desses primos das turmas de Ensino Fundamental durante os
anos, foram conquistados avanços na busca por uma deslocamentos nos pátios, refeitório ou outras áreas
educação integral e integrada, considerando as especi- externas. Esses encontros também ocorrem, invariavel-
ficidades de cada etapa e a construção de relações de mente, nos momentos de chegada e saída da escola. Para
afeto, aprendizagem e respeito mútuo. qualificar esses momentos e ampliar as possibilidades
Com o passar do tempo, a escola foi criando sua de encontro e aprendizagem entre as crianças, propomos
identidade junto à comunidade e acolhendo as necessi- algumas estratégias de integração e socialização no co-
dades educacionais das famílias da região. Hoje, atende tidiano escolar.
aproximadamente setecentos estudantes, em seis turmas Por isso, organizamos momentos coletivos, envol-
de Educação Infantil - Pré-Escola (faixa etária 4 e 5 vendo todas as turmas, para oportunizar que as crian-
anos) e dezenove turmas de Ensino Fundamental (1º ao ças e os demais estudantes se conheçam e interajam nos
7º ano). A convivência cotidiana entre as etapas educa- diversos espaços e propostas. Incentivamos a relação
tivas traz inúmeras possibilidades, assim como diversos de cuidado entre eles, que perpassa os momentos de re-
desafios. Pretendemos destacar aqui algumas práticas e creio, por exemplo, em que crianças maiores e menores
vivências do dia a dia na escola, abordando a parceria, se encontram e vivenciam o respeito e o cuidado ne-
o acolhimento, o desenvolvimento da autonomia e as cessários para o bem-estar de todos. Com exceção dos
continuidades no percurso educativo entre as etapas, a banheiros, que são organizados para atender as diferen-
proposta com as tecnologias e pesquisa, e a interação tes idades, os demais espaços da escola são de convívio
das crianças com e na natureza. comum, explorados de acordo com o interesse dos estu-
dantes, permitindo que todas as crianças possam brincar
no cotidiano escolar
manalmente, as turmas da Educação Infantil para fazer
a leitura de uma história. Acreditamos que
[...] é importante para a formação de qualquer crian-
As crianças das turmas de Educação Infantil viven-
ça ouvir muitas histórias, que escutá-las é o início da
ciam o dia a dia na escola interagindo em contextos que aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter um
oportunizam a construção de aprendizagens a partir de caminho absolutamente infinito de descoberta. (ABRA-
seus saberes e interesses, articulados a propostas pau- MOVICH, 1989, p.16).
tadas pelos Campos de Experiências (BRASIL, 2017).
Para além de considerar as especificidades dessa etapa, Por isso, nestes momentos culturais, além de ler e
temos o cuidado de não tornar o grupo de crianças pe- contar histórias, estudantes do Ensino Fundamental fa-
quenas uma ilha dentro da escola, com espaços restritos zem apresentações de teatro, comunicam seus projetos
ou rotinas completamente distintas dos demais. O pla- de pesquisas e participam de brincadeiras com as crian-
ças da Educação Infantil. Por meio da interação e do
1 A Escola fica no Residencial Mundo Novo, localizado no bairro Canudos, um dos
compartilhamento de experiências, mediados pela leitu-
maiores conjuntos habitacionais do Brasil, com cerca de 5 mil moradores, com mais
de 1.200 unidades habitacionais divididas em 5 condomínios, sendo o maior deles o
ra de histórias, as crianças que realizam a leitura verba-
Condomínio Vicente Kieling, considerado o segundo maior condomínio da América do lizam a satisfação de se sentirem importantes perante as
Sul, com 560 unidades. Atende a comunidade do residencial e arredores.
11
crianças e estudantes. Esse importante documento en-
contra sustentação em normativas e orientações comuns
a todas as instituições que compõem a RME-NH, por
exemplo, os Documentos Orientadores - Cadernos 1, 2
e 3, que explicitam os Fundamentos e Concepções e a
Organização da Ação Pedagógica na Educação Infantil,
e no Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adul-
tos - EJA.
A partir das orientações desses documentos e dos
interesses e necessidades das crianças é que refletimos
sobre como transpor as barreiras socioculturais e peda-
gógicas que ainda cerceiam as diferentes etapas da edu-
cação escolar. Entendemos que a escola é viva e que
as relações que se estabelecem em seu interior ocorrem
de modo interligado entre todos que dela fazem parte.
A Educação Infantil não se configura como uma etapa
Foto: Acervo EMEB Machado de Assis
O acolhimento e o
O planejamento orienta nossas ações,
desenvolvimento da evidenciando a intencionalidade, ao
autonomia em uma refletirmos sobre a organização do espaço
educativo, a oferta dos materiais, a gestão
escola “dos grandes” do tempo e o trabalho no grande grupo
e nos pequenos grupos, para qualificar a
No início de cada ano, é comum escutar as crianças
pequenas dizerem que estão chegando na escola “dos
relação entre crianças e adultos
grandes”, fazendo referência aos estudantes do Ensino (NOVO HAMBURGO, 2020)
Fundamental, com os quais não conviviam na escola
de Educação Infantil. Aos poucos, com os desafios
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que se surpreendem com a rapidez com que as crian- respeitado são aprendizagens que fazem parte das re-
ças pequenas avançam em sua autonomia. lações no cotidiano escolar, ultrapassam os muros da
O respeito aos tempos e aos processos de constru- escola e permanecem ao longo da vida.
ção de autonomia das crianças se estende para além
dos cuidados pessoais. Circular pelos espaços da esco-
la e vivenciar as múltiplas possibilidades que os dife- O uso das tecnologias
rentes ambientes proporcionam também é um direito
das crianças pequenas. Desde a chegada à escola, in-
e a pesquisa na
centivamos que elas conheçam e habitem outros espa-
ços além da própria sala de referência. Nossa escola é
Educação Infantil
ampla e sua estrutura física conta com diferentes espa-
ços, ricos em possibilidades, com ambientes internos Na efetivação de sua proposta pedagógica, nossa es-
e externos, nos quais, em momentos livres e também cola busca a integração das experiências concretas das
mediados pelas professoras, muitas vivências e explo- crianças com as tecnologias e com a pesquisa, por meio
rações significativas acontecem. de uma metodologia que privilegia as investigações e o
Acreditamos que as crianças estabelecem rela- uso das diferentes ferramentas e equipamentos digitais.
ções e desenvolvem os aspectos da motricidade, da Desde a Educação Infantil, as crianças interagem
linguagem, da afetividade, do pensamento e da so- com chromebooks, microscópio digital, equipamentos
ciabilidade de modo integrado, em ritmos e formas de robótica, smartboard (tela interativa), no laborató-
próprias, desde que tenham oportunidades de partici- rio de informática e na sala maker, entre outros ma-
par de situações cotidianas, na companhia de outras teriais e espaços voltados para vivências práticas e
crianças e adultos (NOVO HAMBURGO, 2020). Por interativas de criação e construção de conhecimento.
isso, entendemos que é de fundamental importância Durante o período de distanciamento social im-
que as crianças, mesmo as menores, possam transitar posto pela pandemia da Covid-19, fomos impedidos
por todos os espaços com segurança e confiança de de estar juntos presencialmente, desafiando-nos a
que serão respeitadas e também respeitando combi- pensar em novas formas de interação e manutenção
nações importantes para o bem-estar e a convivência de vínculos entre as crianças e a escola, de forma re-
saudável em coletividade na escola. Respeitar e ser mota. Assim, com um trabalho colaborativo, fomos
buscando e criando estratégias com o uso de
aplicativos e redes sociais, como o Facebook,
WhatsApp, Google Meet e também um site,
elaborado para as turmas da Educação Infan-
til. A interação com as famílias e as crianças
aconteceu por meio de áudios, fotos, vídeos
e momentos síncronos. Mesmo com todas as
incertezas, apostamos e investimos na adesão
das famílias às propostas remotas e fomos
surpreendidas com a desenvoltura das crian-
ças diante das telas, interagindo e fazendo
uso das ferramentas disponíveis. Este período
Foto: Acervo EMEB Machado de Assis
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Foto: Elaine da Silva Santana
Tramas e territórios:
tecendo diálogos entre
ensino e aprendizagem da
arte em perspectiva decolonial
Por Elaine da Silva Santana
Licenciada em Pedagogia e Artes Visuais. Professora da Rede Municipal de Ensino de
São Paulo desde 2016. Está na Educação Infantil desde 2019. Autora do projeto Tramas e
Territórios. Atualmente, é Mestranda em Fundamentos do Ensino e Aprendizagem da Arte
pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGAV) ECA/USP, no qual pesquisa
sobre Práticas Decoloniais no Ensino de Arte | @tramaseterritorios no Instagram.
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Foto: Elaine da Silva Santana
A
Escola Municipal de Educação Infantil Profes- reconhecerem-se nas práticas cotidianas por meio da va-
sor Alceu Maynard de Araújo localiza-se no lorização de sua cultura e saberes.
bairro Bom Retiro, região habitada por muitas Para a realização desse projeto, mobilizei todos
famílias migrantes de diferentes países da América Lati- meus conhecimentos em artes visuais e iniciei uma pes-
na, entre eles Argentina, Bolívia, Peru e Paraguai. Sendo quisa sobre arte têxtil, com referência de artistas lati-
que, grande parte dessas famílias trabalha em confec- no-americanos, pela relevância da representatividade
ções têxteis do entorno. e identificação. Outra preocupação era que as crianças
Devido a esse contexto, o Projeto Político-Pedagó- visitassem espaços de arte nesse percurso e que tivessem
gico – PPP da Unidade tem como um de seus pilares oportunidade de vivenciar experiências de experimenta-
a questão da interculturalidade1 e preza pelas práticas ção/criação/produção.
que contemplem a característica multicultural da co- O projeto foi se constituindo no processo, de acordo
munidade que atende. com a recepção da turma, da comunidade e com as pes-
Ao chegar nessa Unidade, no ano de 2019, e me quisas e estudos relacionados ao tema.
aproximar desse contexto, achei relevante tecer relações
Etapas do projeto
entre identidade e território por meio da arte, por isso
iniciei o Projeto Tramas e Territórios com a turma In-
fantil I (crianças de 4 anos), que se estendeu de março
a novembro. A intenção do projeto era tornar o ambien- O projeto teve início em março com mapeamento
te educacional um território de pertencimento para as dos lugares de origem das crianças da turma por meio
crianças e famílias, no qual fosse possível às crianças das certidões de nascimento. A partir desses dados,
confeccionei com as crianças um mapa da América do
1 Para Walsh (2005) é incontestável compreender a interculturalidade em suas diversas Sul, usando uma projeção. Colorimos apenas os paí-
dimensões. A autora busca resumir, de forma concreta, o que se entende por interculturalidade:
• Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre
ses de origem das crianças. Esse mapa se tornou um
culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade; • Um dispositivo de consulta muito precioso durante todo
intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente
diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença; • Um nosso percurso.
espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e
as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos A primeira etapa do projeto foi muito experimen-
e confrontados. • Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte
de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e tal, pois eu ainda estava conhecendo melhor a turma e
solidariedade. • Uma meta a alcançar.
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compreendendo os interesses das crianças. Durante esse receitas de chás que faziam em suas casas e, em um
período, experimentamos diferentes materiais, supor- evento específico da Unidade no mês de setembro, na
tes, ambientes e conhecemos alguns artistas, entre eles: Festa da Primavera, elas puderam participar dessa vi-
Adriana Varejão, Antonio Dias, Alex Cerveny, Alfredo vência conosco.
Volpi, Cabelo e Ernesto Neto. É importante dizer que, Ainda no primeiro semestre, no mês de junho, ini-
inicialmente, pensei em propor um projeto de arte con- ciamos pesquisas com argila, por ser um material muito
temporânea tendo como referência artistas brasileiros, usado nas culturas originárias da América Latina. Na
porém, a partir das características da comunidade, per- época, eu não tinha a familiaridade que tenho hoje com
cebi que faria mais sentido buscar artistas que refletis- a argila e nem sabia da importância desse material na
sem sobre questões de migração, cultura, identidade e educação infantil, mas foi uma oportunidade de aprendi-
memória, para além de artistas brasileiros, de preferên- zagem tanto para mim quanto para as crianças.
cia artistas de países onde as crianças da turma tivessem O primeiro contato das crianças foi mais experimen-
relação. Essa mudança foi processual, a partir de refle- tal, a fim de ganharem intimidade com a materialida-
xões sobre o sentido das propostas. Produzimos regis- de. Já nas vivências seguintes, a proposição foi que as
tros desses processos que ficaram à disposição das crian- crianças produzissem copinhos de chá (articulando a
ças por meio do portfólio construído coletivamente. nossa experiência de tomar chá com as ervas da horta).
No intuito de iniciar a exploração do Território, no Durante essa proposta, apresentei a cerâmica marajoa-
início do mês de abril, visitamos a Exposição Sopro, de ra para as crianças e um trabalho mais contemporâneo
Ernesto Neto, na Pinacoteca de São Paulo. Essa expo- desenvolvido pelo coletivo Chelpa Ferro. Ao longo das
sição evocava a materialidade da memória, ancestra- nossas experiências, as crianças lembraram de ter visto
lidade, cultura ameríndia, entre outros elementos que produções com argila na exposição do Ernesto Neto.
tiveram desdobramentos ao longo do projeto. O tecido Encerramos a primeira etapa do projeto com a Fes-
era trazido por meio de instalações que, de forma lúdi- ta Multicultural da nossa Unidade em julho. Foi um
ca, simbolizam para os visitantes celebrações coletivas, momento muito importante, pois engajou as famílias
reconexão com raízes que formam a identidade Latina, na organização. Escolhemos representar as diferen-
indo além de referências culturais europeias. tes culturas e origens das famílias que fazem parte da
A exposição era rica de elementos que aguçam os nossa comunidade por meio da dança. Tivemos repre-
sentidos: temperos, especiarias, instrumentos, ervas
e ritos, e contemplou muito bem o público infantil
Foto: Elaine da Silva Santana
pela sinestesia.
A mediação do educativo do museu fez a ativação do
tema partindo da questão ameríndia presente na exposi-
ção. Em roda com as crianças, a educadora do museu
apresentou elementos da cultura Huni Kuin presentes na
exposição por meio de imagens e objetos.
Ao retornar para a Unidade e iniciar os cuida-
dos com a horta, relembramos as ervas presentes na
exposição. A partir disso, propus às crianças que ex-
perimentássemos um chá feito com as ervas do nosso
espaço. Nessa vivência, que passou a ocorrer mensal-
mente, as crianças recolhiam ervas da horta, batizada
de Pachamama, e preparavam um chá, degustado co-
letivamente, ressaltando as propriedades curativas da
bebida, reforçando o caráter ancestral subjacente nessa
experiência. Muitas famílias colaboraram enviando as
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sentadas a ciranda (Brasil), entanto, alguns dias após a limpeza, a praça vol-
a saya afro-boliviana (Bolí- tou a ser ponto de descarte, o que impediu que
via) e a chiperita (Paraguai). fizéssemos o registro do local limpo.
As famílias colaboraram Em uma roda de conversa, as crianças pro-
ativamente para a compo- puseram soluções: “deixar a praça mais bonita”,
sição dos trajes, e a mãe da “colocar desenhos”, a partir dessas proposições,
professora Sara Siqueira, sugeri às crianças a realização de uma interven-
que foi uma grande parcei- ção artística na praça, que ocorreria apenas no
ra nesse percurso e que me fechamento do projeto.
acolheu na chegada à Unida-
de, produziu as saias. Inspi-
ramo-nos nas Cholitas2 para
Aproximação
compor o figurino das meni- com o programa
nas. As crianças já estavam
familiarizadas com a repre-
CCBB Educativo:
sentação das Cholitas, pois Arte & Educação
algumas tinham avós Cholas
e na escola as conheciam por Em meio a esse processo, em uma visita me-
meio de bonecas que foram diada à exposição Vaivém3, no Centro Cultural
adquiridas pela escola e por Banco do Brasil - CCBB (fora do meu horário de
algumas professoras na Fei- trabalho), contei sobre o projeto para a educado-
ra Boliviana Kantuta. ra Andrea Lalli. Ao percebermos várias aproxi-
Na segunda etapa, ainda mações possíveis entre a pesquisa do educativo
na perspectiva de explora- do museu e a da nossa turma, veio o convite por
ção do território, desloca- parte da educadora para a aproximação.
mos nossas pesquisas para Essa aproximação trouxe experiências mui-
uma praça em frente à Uni- to positivas. A equipe do Programa Educativo
dade com seringueiras e ár- respeitou bastante nosso percurso e construí-
vores frutíferas, mas que se mos juntos estratégias para que as trocas fossem
encontrava em situação de significativas para as crianças. Iniciamos essas
abandono e, por consequên- conversas em agosto, levantando possibilidades
cia, tornou-se um local de de práticas e referências para os encontros e as
descarte de lixo e entulho. visitas que ocorreram, de fato, em outubro/no-
Um coletivo de moradores vembro. A partir desses diálogos, decidimos que
se organizava para realizar nossa parceria se constituiria por meio de três vi-
um mutirão de limpeza do sitas do Educativo à nossa Unidade e de uma vi-
espaço e abria o convite para sita nossa ao Centro Cultural, sendo que a última
todos. Sabendo disso, nossa visita do educativo à Unidade ocorreria durante
coordenadora convidou as a exposição dos trabalhos das crianças por meio
crianças para observarem o de uma intervenção artística na praça em frente
estado da praça e registra- à Unidade, durante a Mostra Cultural de encerra-
rem com fotografias o antes mento do projeto.
e o depois dessa ação. No Nessa experiência, ambas as instituições se
Fotos: Elaine da Silva Santana
21
No terceiro encontro, foi nossa vez de visitar o edu- Nosso encerramento foi a intervenção artística na
cativo. Fomos até o CCBB ver a exposição Linhas da praça em frente à Unidade durante a Mostra Cultural.
Vida, de Chiharu Shiota, que conversava muito com Nesse evento, as famílias participaram de várias oficinas
nosso projeto. No Centro Cultural, após visitar dois oferecidas pelas professoras e puderam colaborar com
andares da exposição, as crianças participaram de uma o bordado coletivo na juta que já havia passado pelas
proposta preparada pelo educativo que fez referência ao mãos das crianças.
mapa que confeccionamos como dispositivo no início Após as contribuições das famílias para o bordado co-
do ano. A proposição era que as crianças traçassem li- letivo, foi possível fazermos juntos a intervenção na praça,
nhas que representassem os deslocamentos delas em um pendurando as produções das crianças nos galhos e raízes
mapa desenhado pelas educadoras sobre algodão cru. das árvores. As amarrações feitas pelas crianças em seus
Como cada criança conhecia o país de origem de sua paninhos dos afetos integraram as raízes das seringuei-
família, com auxílio das educadoras elas traçaram as li- ras da praça, de maneira que as histórias e memórias das
nhas e deixaram suas marcas. É importante registrar que crianças se tornaram concretamente parte do território.
essa produção das crianças ficou no Centro Cultural e
passou por outros visitantes que também deixaram suas Referências
marcas nas visitas subsequentes. DIEGUES, Isabel et al. Arte Brasileira para crianças. 1. ed. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2016.
Foi interessante que, por meio dessa proposta, per-
FELICIANO Centurión. São Paulo: Bienal de São Paulo, c2022. Disponível
cebemos que os fluxos migratórios são muito comuns. em: http://www.bienal.org.br/texto/5229. Acesso em: 9 ago. 2019.
Assim como os fluxos externos, temos muitos fluxos de NETO, Ernesto. Ernesto Neto: Sopro. 1 edição. São Paulo: Pinacoteca de
migração internos. Contei para as crianças que assim São Paulo, 2019.
como as famílias delas migraram em busca de uma nova OLIVEIRA, L. F.; CANDAU, V. M. F. Pedagogia decolonial e educação
antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, Belo
vida, a minha também migrou. Minha mãe e meu pai Horizonte, v. 26, n. 1, p. 15-40, 2010.
que eram da Bahia migraram para São Paulo e se conhe- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
ceram aqui. Por causa dessas movimentações, foi possí- Coordenadoria Pedagógica. Currículo da cidade: Educação Infantil.
São Paulo: SME/COPED, 2019. Disponível em: https://educacao.sme.
vel que eles se conhecessem e eu nascesse. Esse recurso prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2019/10/cc-educacao-infantil.
pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
autobiográfico foi muito importante para aproximação
com as crianças e construção dos vínculos. SONIA Gomes para ArtEEdições Galeria. São Paulo: ArtEEdições Galeria,
2017. 1 vídeo (4 min). Disponível em: https://vimeo.com/216899244.
Acesso em: 18 maio 2020.
22
Infância
e natureza
na escola
Uma relação íntima,
potente, permanente
e construída na coletividade
Por Débora Regina da Silva
Graduada em Pedagogia. Professora da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo/RS,
Coordenadora Pedagógica da Escola Municipal de Educação Infantil Prof. Ernest Sarlet.
23
Estar do lado de fora empobrecendo as experiências a que elas têm direito e
que permitem a construção de aprendizagens e de sua
Escolher a natureza como cenário brincante para subjetividade. Por causa disso, a escola assume co-
os muitos enredos que acontecem no cotidiano da es- tidianamente a responsabilidade de garantir quintais
cola é uma opção metodológica, uma concepção; é qualificados, com exploração de diferentes tipos de
acreditar que o ambiente natural é o melhor lugar para terreno e materiais que oferecem variadas possibili-
o desenvolvimento de uma infância com direito a es- dades de viver desafios, experiências e investigações.
tar em conexão com a natureza, livre em movimentos, Partindo da premissa de que o pátio amplia as in-
potente na alegria de brincar e criar como condição vestigações, a curiosidade e a brincadeira, o planeja-
para uma existência saudável (TIRIBA apud BAR- mento das propostas para e com as crianças prioriza
ROS, 2018). os momentos diários de brincar e interagir nos espa-
Acreditamos que a concepção de uma escola que ços externos, em todas as estações do ano. Por isso,
respeita o direito das crianças de estar com e na na- na escola, nos desafiamos a estar com as crianças do
tureza não surge apenas do desejo da equipe gestora. lado de fora, com liberdade para brincar mesmo quan-
A ponte entre a prática pedagógica e a teoria que a do chove ou em dias mais frios, por exemplo. Para
sustenta é estabelecida e fortalecida na coletividade, que essas vivências sejam possíveis, é indispensável
por meio de processos formativos que sensibilizem que haja um movimento de ação compartilhada com
os professores, para que se reconheçam como perten- as famílias. Por meio da formação e da sensibilização
centes e atuantes no projeto educativo da instituição. dos adultos responsáveis, ressignificamos e fortalece-
Ao longo dos anos, a Escola Municipal de Educa- mos a compreensão e o engajamento de todos sobre a
ção Infantil - EMEI Professor Ernest Sarlet1, situada proposta pedagógica da escola de maneira participati-
em Novo Hamburgo/RS, vem se constituindo como va, em busca de assegurar a aprendizagem e a alegria
uma escola da infância que prioriza o acolhimento das crianças na escola.
permanente durante todo o ano letivo, o brincar com
24
Por acreditar que é fundamental investir no
propósito de conquistar e habitar espaços que
transcendem os muros da escola, realizamos passeios
com as crianças pelas imediações, com frequência.
[...] constituídos por comunidades de aprendizagem for- co qualificados, distanciando ainda mais as pessoas
madas por atores que estão dentro e fora da escola [...]
- crianças e adultos - do contato com ambientes ao
e pressupõe um diálogo intersetorial em torno de um
ar livre (BARROS, 2018). Entendendo o potencial
projeto educativo e cultural. (BARROS, 2018, p. 29).
deste lugar como um espaço educativo, começamos
Considerando a relevância do entorno da escola, a pensar em maneiras de qualificar a forma como
algumas ações foram realizadas, ao longo dos anos, as crianças e todos nós estávamos utilizando-o. Na-
buscando ampliar possibilidades de convívio e explo- quele momento, a equipe de profissionais da escola,
ração pelas crianças, como: envolvimento em cam- com a participação das famílias e da comunidade e
panhas de arrecadação de material para reciclagem, em parceria com a administração municipal, adotou
mutirões de revitalização dos espaços e equipamentos a praça como uma extensão do quintal da escola,
do pátio escolar e da praça pública, diálogo com a co- mobilizando as pessoas na realização de mutirões,
munidade para conscientização quanto ao cuidado e à campanhas e investimentos em brinquedos, deixan-
preservação dos espaços coletivos, além de promoções do o espaço habitável e convidativo às brincadeiras.
e eventos com o objetivo de envolver cada vez mais a E foi na realização de um sonho coletivo que a co-
comunidade como parceira na busca por espaços ao ar munidade se apropriou carinhosamente deste grande
livre, para além dos muros da escola. quintal, usufruindo das possibilidades de convívio e
Por acreditar que é fundamental investir no pro- da natureza que ele oferece.
pósito de conquistar e habitar espaços que transcen- Para facilitar o acesso dos bebês e crianças bem
dem os muros da escola, realizamos passeios com as pequenas à praça, foi construído um portão no muro,
crianças pelas imediações, com frequência. Ao reco- facilitando o acesso frequente e permitindo um des-
nhecer lugares já conhecidos e até mesmo suas pró- locamento mais seguro e com maior autonomia pelas
prias casas no trajeto, as crianças compreendem que crianças. Com isso, as brincadeiras e explorações do
a escola também faz parte de seu cotidiano. E, nesses lado de fora, em um espaço público, passaram a fazer
percursos, por vezes, as crianças encontram e se en- parte das vivências diárias, assim como vários eventos
cantam com pequenos animais e plantas, percebem da escola puderam ser realizados ao ar livre, envolven-
sons, cores, texturas, ritmos e movimentos que ofere- do toda a comunidade.
cem possibilidades e contextos para realizarem suas O resgate e a manutenção da praça é um compro-
investigações e explorações. misso permanente e a sua história é motivo de or-
Entre os espaços disponíveis na comunidade, no gulho para todos os envolvidos neste processo, que
terreno ao lado da escola, existe uma praça públi- nasceu da parceria da comunidade e culminou em um
ca que, há alguns anos, era pouco frequentada pelos espaço que gera bem-estar social em contato com a
moradores do bairro. Apesar de ser uma praça am- natureza. Entendemos que as crianças precisam co-
pla, arborizada e contar com uma quadra de areia nhecer o mundo, ampliar experiências, investigar e
e brinquedos, poucas pessoas faziam uso deste lo- transformar os espaços e objetos ao seu redor, por
cal, servindo apenas como passagem ou, até mesmo, isso, na praça, costumamos brincar, promover encon-
como um ponto para depositar lixo. Nos contextos tros, fazer piquenique, brincar nas poças de água e
urbanos de muitas cidades, os espaços públicos e de comemorar aniversários da escola e demais festejos
áreas naturais estão cada vez mais reduzidos e pou- em grandes momentos de troca cultural.
25
Desemparedar a tempo destinado à ação das crianças, juntamente com
a mediação e a observação dos enredos brincantes é o
infância na escola que dá sentido e o que vai qualificar a experiência de
estar no lado de fora. E, para isso, buscamos
[...] a escola precisa fundamentalmente religar os seres
[...] oportunizar às crianças e aos professores vivências de
humanos e a natureza, sair, desemparedar, proporcionar
contato, prazer, desafio e encantamento em relação à na-
vivências nos ambientes naturais, aprender com seus se-
tureza, possibilitando a geração de uma identidade afetiva
res e processos. É preciso tornar mais verdes todos os
com ela e com um modo sustentável de vida para a socie-
ambientes, quebrar a identificação do lugar de aprender
dade planetária. (NOVO HAMBURGO, 2020, p. 88).
com a sala de aula, deslizar do conhecimento exclusi-
vamente racional para a sensibilização, para conhecer
É imprescindível que os professores acreditem que
com todo o corpo, para o deixar-se afetar na relação de
convívio com as demais espécies e seres abióticos. As- o “quintal da escola” é o melhor lugar para o desen-
sim, os(as) educadores(as), as escolas, seus espaços e volvimento sadio das crianças e compartilhem com as
práticas darão passos no sentido de assumir compromis- famílias a importância das vivências do lado de fora.
sos com a reversão da dinâmica de afastamento entre Estabelecer relações de troca, partilha e pertencimen-
pessoas e os ambientes naturais, contribuindo para um to, com o diálogo permanente sobre a ação de “desem-
melhor equilíbrio entre os direitos humanos e os dos de- paredar”, é fundamental para a constante qualificação
mais seres com quem compartilhamos a vida na Terra. na oferta das propostas ao ar livre.
(TIRIBA; PROFICE, 2014, p. 65).
A natureza
educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da
educação e dar outras providências. Brasília: DF, 2013.
ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL PROF. ERNEST
28
A nossa dança... dançado e cantado nos quilombos aqui no Brasil, aliás
ainda ecoam em muitas comunidades de tradição negra.
Outra mulher que também conhecemos foi Clementina
Era assim que as crianças da EMEI Dona Leopoldina, de Jesus, muito apreciada pelos seus cantos de escravos
no ano de 2019, chamavam a dança que contava a história e outras cantigas populares como “Marinheiro só” que
dos personagens que elas criaram, anunciavam o dese- permaneceram no repertório do grupo.
jo de jogar, brincar e dançar os personagens que fomos Escolhemos o jongo como expressão musical para
construindo ao longo do processo. nos aprofundarmos, os instrumentos, os cantos chama-
Era quase um “acontecimento” quando nos reunía- dos de ponto, a organização espacial, a roda circular e os
mos para dançar, pois não havia passos decorados para dançarinos no centro, como é estruturada essa dança que
apresentar, o desafio era realizar sua personagem a cada podemos chamar de dança repertório. A partir de vídeos,
roda dançada, no caso deuses e deusas, com os movi- músicas, livros e obras de arte, íamos alimentando nossas
mentos que narravam as histórias criadas. rodas de conversas, que ficavam cada vez mais interes-
A dança virou uma brincadeira, já não sabíamos santes. As crianças iam estabelecendo relações com nosso
onde começava um ou outro, pois dançar era também próprio tempo e condição. Muitas crianças demonstraram
brincar, ao mesmo tempo que a criação dos movimen- estranhamento quando conheciam o rosto e a imagem das
tos das personagens era expressão de si, revelava pelos cantoras, chegando a comentar coisas como:
movimentos escolhidos e entre mundos a comunicação – Prô, ela parece a minha vó!
entre todos que participavam. Isabel Marques nos ques- Conversamos sobre o racismo que essas mulhe-
tiona, em seu livro ‘’Dançando na escola”, sobre como res sofreram e que ainda acontece em nossa sociedade,
tornar significativa a experiência de dança na escola. muitas crianças reconheceram e puderam compartilhar
Longe de ter uma resposta, percorremos um cami- as experiências que tiveram com o racismo, quando as-
nho a partir das concepções de uma dança contextuali- sim desejaram.
zada, defendida por Isabel Marques, que, como lingua- Emocionante o relato dos pais sobre como o traba-
gem, pressupõe relação e parte da concepção de criança lho repercutiu sobre a imagem das crianças negras, uma
atual, de seu tempo, o corpo e a criança reais: experien- mãe nos contou que sempre dizia pra filha que ela era
ciar, incorporar, ser tomado pela experiência e transfor- como a mãe, branca, porém a menina passou a corrigir
mar-se a si e ao mundo. ela e dizer:
– Não, mãe, eu sou negra como meu pai.
Conhecendo o jongo
A gente continuava a dançar o jongo: montávamos
as rodas e ouvíamos os pontos cantados por Dona Ivo-
ne Lara, Clementina de Jesus, e o jongo da serrinha, so-
Nossa turma conheceu a trajetória de duas mulheres bretudo. A música “Axé de Yanga”, cantada por Dona
negras, Dona Ivone Lara e Dandara, a partir do projeto Ivone, foi a escolhida para a apresentação da dança que
que havia na EMEI, naquele ano, chamado “Mulheres fizemos em uma de nossas festas.
extraordinárias”. As crianças apreciaram as biografias
Criando os
sa da lágrima, do arco-íris, da mata, das flores, do
fogo, do vento, entre tantos outros.
30
Foto: Luciana Amaral
Construção da dança pois ela acontecia a partir do diálogo entre corpos brincan-
tes. O que havia era um contexto bem trabalhado para que
as crianças pudessem criar de maneira autoral suas danças.
Depois de conhecermos a estrutura do jongo, construí- Essa é a concepção de educação infantil que permeou
mos uma dança que tinha o jongo como referência. Manti- nosso processo de criação da dança, em que a criança é
vemos o formato de uma roda e de dois dançarinos no cen- reconhecida como ser potente, criadora e que pertence ao
tro e decidimos que o que aconteceria ali seria quase um seu mundo atual, e que, ao se apropriar de sua história, dos
“desafio” entre as personagens que eles vinham criando. saberes produzidos pela humanidade em sua diversidade
Cada dançarino iria realizar a performance do seu de narrativas, pode transformar sua própria condição e ser
deus ou deusa. Iriam contar com o corpo qual era sua autora de suas danças e brincadeiras!
personagem, suas características, agora, transformadas
em narrativas corporais.
Embora cada criança já tivesse um repertório de mo-
Referências
vimento criado, no momento da dança a criança escolhia BARCELLOS, M. C. Os orixás e o segredo da vida: lógica, mitologia e
livremente como dançar, como se expressar e comunicar ecologia. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
pelo corpo a história do seu personagem em relação com MARQUES, I. A. Ensino de dança hoje: textos e contextos. São Paulo:
Cortez, 1999.
o colega.
PRANDI, R. A mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Por isso, podemos dizer que a dança virou uma brin-
RUFINO, L. Performances afro-diaspóricas e decolonialidade: o saber
cadeira, porque não havia movimentos decorados, mas corporal a partir de Exu e suas encruzilhadas. Revista Antropolítica,
Niterói, n. 40, p. 54-80, 2016.
sim possibilidades de experimentar e criar em seus corpos
RUFINO, L. Histórias e saberes de jongueiros. Rio de Janeiro: Multifoco,
aquelas personagens, a partir de um trabalho e repertório 2014.
já conquistado pelas crianças. Cada apresentação era um SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação.
acontecimento, não havia como repetir a mesma dança, Coordenadoria Pedagógica. Currículo da cidade: Educação Infantil.
São Paulo: SME / COPED, 2019.
31
O nascimento
de uma escola em
tempos de pandemia
Processo e percurso formativo
O
nascimento, momento em que um novo ser ini- tar nossas ações nos princípios que nos fundamentam
cia sua vida, traz consigo um forte significado e guiam nosso estar com as crianças e famílias. Aqui,
de começos e expectativas do que está por vir. apresentamos o processo e o percurso formativo de uma
Como será participar do nascimento de uma escola? Por escola de Educação Infantil que iniciou seu atendimento
onde iniciar? Qual o caminho a percorrer? A esses ques- durante a pandemia da Covid-19. Um momento que, por
tionamentos, com certeza, diversas respostas surgirão si só, mostrou-se desafiador, ao trazer angústias, medos
e, entre elas, até mesmo receitas. Contudo, aceitar que e perdas em uma dimensão mundial e também em nosso
as respostas ao complexo desafio de viver a experiência contexto local.
inaugural de uma escola podem ser contidas em uma O processo de constituição de uma escola, antes mes-
receita iria contra tudo aquilo que acreditamos. mo da construção do prédio físico, nasce do desejo e da
Entendemos que cada escola é um espaço único, pois esperança de uma comunidade por um espaço de vida
está inserida em uma comunidade com diferentes cultu- coletiva que contemple as necessidades das crianças. As-
ras e saberes. A questão que nos movia inicialmente era sim, desde o momento em que foi realizada a limpeza do
como constituir esse espaço coletivo de vida unindo tan- terreno, a vizinhança já criava expectativas sobre o que
tas experiências e crenças diversificadas? Por onde co- seria feito nesse espaço. As notícias nos jornais da cidade
meçar? Nosso movimento foi acolher os anseios e pau- concretizaram a ideia de que seria uma escola e, assim,
32
a Escola Municipal de Educação Infantil - EMEI Que- maneira remota e com um grupo de profissionais to-
ro-Quero começou a ser estruturada. A escola recebeu o talmente novo no contexto da RME-NH. Por isso, o
nome da ave símbolo do Estado do Rio Grande do Sul, movimento inicial foi acolher cada pessoa, a fim de
remetendo-nos à ideia de estar do lado de fora, em liber- aproximar e conhecer a trajetória profissional, para, aos
dade, premissa para viver uma infância mais saudável. poucos, designar os professores às faixas etárias que
O projeto arquitetônico foi planejado para atender melhor se identificam.
crianças de zero a três anos, por isso cada espaço foi O movimento de iniciar uma escola com crianças re-
idealizado a partir das especificidades dessa faixa etá- ais, em meio a pessoas de verdade, é um relevante ponto
ria, que se distancia das concepções escolarizantes e se de reflexão na constituição de uma escola que respeite
compromete com a garantia dos direitos dos bebês e as infâncias. Acreditamos que, embora seja mais fácil
das crianças bem pequenas. Singularidades que foram argumentar, é difícil estruturar um trabalho pautado no
consideradas, já que a obra física reflete as concepções princípio do acolhimento (STACCIOLI, 2013). Por isso,
pedagógicas da Educação Infantil da Rede Municipal apostamos em iniciar o método de trabalho indicado por
de Ensino de Novo Hamburgo - RME-NH. Na EMEI Staccioli com os profissionais que atuam nesse espaço,
Quero-Quero, o planejamento do espaço físico, realiza- afinal, aprende-se a acolher quando se é acolhido. Bus-
do pelas secretarias municipais envolvidas, possibilitou camos criar um ambiente no qual as relações fossem
um projeto com intencionalidade, visando promover o permeadas de afeto, respeito, olhar e escuta. Ressaltamos
desenvolvimento infantil e a construção da autonomia que o acolhimento deve estar presente na organização
ao considerar a dimensão física, o mobiliário e demais dos espaços e dos tempos de maneira permanente, para
possibilidades, tais como equipamentos e materiais que além dos momentos de chegadas e partidas ou quando
comporiam esta estrutura. recebemos alguém pela primeira vez na escola. Dessa
Sabemos que a materialização dos princípios que re- forma, desde o início, pensamos em ações de acolhimen-
gem nosso trabalho não é garantida apenas pelo espaço
físico, mas pelo modo como o habitamos, que qualifica-
rá as experiências nele vividas.
Nesse sentido, buscamos evidenciar como o acolhi-
mento entre os profissionais, a comunidade, as famílias
e as crianças deixou marcas que perduram no cotidiano
da escola. Assim como a organização da proposta peda-
gógica de maneira remota, possibilitou tornar visíveis
os percursos vividos pelas crianças com a escola, envol-
vendo as famílias no acompanhamento e testemunho da
memória pedagógica que estamos escrevendo.
O princípio de uma
escola: construindo
Foto: Acervo EMEI Quero-Quero
caminhos formativos
e de acolhimento
A escola iniciou o atendimento às crianças e às fa-
mílias durante o período do distanciamento físico, de
33
Outra estratégia foi a celebração dos aniversários dos
profissionais da equipe escolar, pois entendemos que esse
momento deve ser valorizado. Assim, os aniversários fo-
ram lembrados e comemorados por meio de videochama-
das, envio de lembranças ao aniversariante e postagem de
um cartão nas redes sociais. Esta ação virou uma marca,
pois chamou a atenção das professoras, que atribuíram
outro significado para a data, e foi ampliada para a come-
moração dos aniversários das crianças, com postagens de
fotos e felicitações pelo dia. O modo de comemorar reve-
la valores e culturas nas quais estamos imersos, imprime
a diversidade cultural que caracteriza essa comunidade
e, ao mesmo tempo, contribui para a construção de uma
identidade coletiva, em que todos e cada um se reconhe-
cem. Acreditamos que essas minúcias fazem parte de um
Foto: Acervo EMEI Quero-Quero
Organização semanal
Quarta-feira
Segunda-feira Quinta-feira
Encontros virtuais: um dia destinado para a realização das chamadas Convites do Ateliê de Histórias: o Ateliê tem como intencionalidade
de vídeo com as crianças e famílias, de forma individual ou em peque- convidar as crianças à apreciação e à exploração da Literatura, da ima-
nos grupos. Restituição das aprendizagens por meio destes encontros e ginação e das possibilidades que se encontram nas histórias contadas,
do envio de mini-histórias e outros observáveis. lidas, inventadas e imaginadas. A música e o teatro também são viven-
ciados no Ateliê. Ocorreu em momentos síncronos e assíncronos.
Terça-feira
Sexta-feira
Convites do Ateliê Ser Natureza: o Ateliê Ser Natureza convida
as crianças à exploração, pesquisa e descobertas durante sua in- Re-Convite e dispositivo brincante: re-convidar as famílias e crian-
teração com o meio ambiente natural. A criança é considerada não ças para participação nas propostas da semana, com o envio de um
como alguém que está à parte - apenas observador - da natureza, dispositivo brincante: brincar com cabanas, confecção de brinquedos/bi-
mas como parte dela. Interagir, viver, ser natureza, em momentos nóculos, convites para trava-línguas, brincadeiras com lanternas, água,
síncronos e assíncronos. elementos da natureza.
36
crianças. Entre trocas e diálogos, concluímos que se- Acreditamos que não é possível separar a ava-
ria interessante documentar e comunicar os proces- liação da e na Educação Infantil, que possibilita
sos vividos durante o semestre a partir de uma nar- acompanhar cada criança de forma individual, mas
rativa, a qual nomeamos de “narrativa processual”: que a considera inserida em um contexto interativo
uma documentação composta por imagens, vídeos e e relacional, o que permite refletir sobre os fatores
escritas, que contemplam experiências das crianças que viabilizam possíveis processos de qualificação
no decorrer do período, visibilizadas por meio das da ação pedagógica.
mini-histórias. Uma escrita singular de cada criança, Assim, nossa escola acredita em práticas que es-
valorizando tanto o que foi proposto para os momen- cutem as crianças, respeitem suas histórias e culturas,
tos vivenciados em casa quanto as experiências vivi- como um espaço de trocas, com crianças e adultos em
das no espaço da escola. relação. Também, entendemos que a documentação
No acompanhamento dos percursos de aprendiza- dos processos é uma ferramenta para que a criança
gem das crianças, foram utilizados diferentes registros possa compreender o mundo, revisitar os processos,
para comunicar às famílias, como o envio de mini-histó- tanto os seus percursos individuais quanto os da esco-
rias e informativos semanais via WhatsApp e a divulga- la, e estabelecer diálogo com as famílias e a comuni-
ção no perfil da escola no Instagram. dade. Por isso, buscamos documentar e tornar visível
Ao longo do processo, organizamos momentos o nascimento da escola, para que essa construção fosse
sistemáticos de estudo e reflexão entre as professoras compreendida para além da estrutura física e trouxesse
e a equipe gestora para voltar a olhar os registros, esperança mesmo ante o momento desafiador que esta-
narrar e refletir sobre eles, contrastar com os colegas mos vivendo. Por intermédio desses relatos e de toda a
e com os referenciais teóricos e, assim, dar continui- documentação construída, buscamos criar memória do
dade e retroalimentar as propostas. Estes momentos caminho percorrido, dando visibilidade aos processos
antecederam o final do semestre letivo, em que os vividos, uma vez que “não tem vida quem não a expli-
profissionais envolvidos nos processos das crianças ca” (BRUNER, 1997).
apresentaram registros sobre a jornada, buscando
qualificá-la (OSTETTO, 2017).
Assim, os registros são de extrema importância para
que os professores se distanciem de um discurso genera-
Entre dúvidas e certezas:
lista e avancem no sentido de singularizar a reflexão so-
bre os processos das crianças, dos próprios professores
marcas de um percurso
e de toda a jornada. Ainda, é importante ter uma pauta
para a observação (FREIRE, 1996), saber o que se quer Uma escola de Educação Infantil pública de quali-
olhar para tomar consciência sobre a intencionalidade: o dade implica ações variadas por parte de um coletivo
que a proposta revela? Quais as aprendizagens por trás que pensa, reflete e planeja. Percebemos que o mais
das cenas observadas? É preciso ir além do “ver”, é ne- importante não é o ponto de chegada, mas as aprendi-
cessário interpretar, narrar, sentir com todos os sentidos. zagens construídas durante o caminho.
37
mórias do que e como faz, aproximando os discursos
com a prática cotidiana.
Salientamos que não nos referimos a uma nova re-
ceita, mas que o processo de dar vida a uma escola
está sendo, para nós, uma experiência de aprendiza-
gem muito significativa e que pode servir de inspira-
ção para outros professores e gestores, na busca de
alternativas para oferecer uma educação de qualidade,
com foco nas crianças.
Referências
ALTIMIR, David. Escutar para documentar. In: MELLO, Suely Amaral;
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; FARIA, Ana Lúcia Goulart (org.).
Documentação pedagógica: teoria e prática. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2017.
BARBOSA, Maria Carmen da Silveira; HORN, Maria da Graça. Projetos
pedagógicos na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação.
Câmara de Educação Básica. Resolução nº 5 de 17 de dezembro
de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil. Brasília, DF: MEC, 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.
Foto: Acervo EMEI Quero-Quero
trução promoveram significativas experiências, afinal OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T.; PINAZZA, M. (org.).
Pedagogia(s) da infância: dialogando com o passado construindo o
experiência é o que nos passa, o que nos toca (LAR- futuro. São Paulo: Artmed, 2007.
ROSA, 2015), deixando marcas de um percurso. OSTETTO, Luciana Esmeraldo (org.). Registros na educação infantil:
pesquisa e prática pedagógica. Campinas: Papirus, 2017.
Em alguns momentos, foi necessário realizar pau-
STACCIOLI, Gianfranco. Diário do acolhimento na escola da infância.
sas para redefinir a rota, sentir, atentar-se às minúcias, Campinas: Autores Associados, 2013.
suspender julgamentos, cultivar a delicadeza dos deta- RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Educação. Referencial Curricular
lhes, a partir de uma escuta atenta, sensível, acolhedora Gaúcho: Educação Infantil. Porto Alegre: SEDUC, 2018.
e respeitosa das necessidades das crianças e profissio-
nais, bem como dos anseios da comunidade. Todas es-
sas ações nos proporcionaram construir uma trajetória
sustentada no aprimoramento constante e genuíno da
equipe escolar. Essa jornada processual e formativa re-
afirmou a nossa identidade como escola, que deixa me-
38
Reflexões sobre as visitas
O olhar de uma
formadora de formadores
40
Imagens das Unidades
areia, brinquedos e espaços para a leitura, incentivando
que a criança pudesse decidir o que fazer e para onde ir de Educação Infantil
ao terminar de comer. de Novo Hamburgo
As salas tinham portas abertas tanto para a área in-
terna como para a área externa, materializando a palavra
“acessibilidade” para os diversos ambientes e brincadei-
ras planejadas intencionalmente.
Nestas salas, materiais estavam disponibilizados
para favorecer a brincadeira. A intencionalidade da(o)
professora(or) tonava-se visível por meio da observação
das interações entre pares que se estabeleciam, da in-
vestigação e curiosidade das crianças e das histórias que
imaginavam viver naquele espaço.
Stela Barbieri nos ajuda a compreender que “es-
paços habitados por aquilo que acreditamos revelam
marcas da nossa vida”. Os estudos promovidos pela
Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo
incentivaram as escolhas pedagógicas que compunham
os ambientes.
Como organizar os ambientes? Primeiramente, por
meio de uma observação criteriosa, planejada e inten-
cional das crianças. O que elas nos dizem através das
brincadeiras que organizam? O que os seus diálogos nos
revelam? Que indícios trazem seus movimentos? O que
seus olhares procuram?
Os materiais são os objetos em si e as materialida-
des são as potências que os objetos revelam. Trabalhar
a partir do conceito de materialidade é planejar o que
os objetos podem vir a ser quando em interação com os
bebês e crianças.
Ao ocupar estes espaços, elas se relacionam com as
materialidades, assumem o que querem fazer e constro-
em investigações que duram o quanto acham necessário,
pois sabem que sua permanência ou modificação será
sempre dialogada.
Por isso, “a duração de certas investigações não cabe
dentro do tempo do relógio” (BARBIERI, 2021, p. 33).
A relação que as crianças constroem com a brincadeira
Fotos: Luciana Dias Simões
41
“Será que a cabeça
estas narrativas podem se compor nos nossos territórios.
Tem o mesmo tempo que a mão?
Acredito que é importante saber o que, para que e para
O tempo do pensamento,
O tempo da ação onde olhar para compormos nossas próprias narrativas
Será que o teto tem o mesmo tempo que o chão? com os diferentes lugares que possam nos auxiliar a cons-
O tempo de decompor... truir escolas melhores para nossos bebês e crianças.
O tempo de decomposição A partir das boas perguntas que foram planejadas com
Será que o filho antecedência, pude dialogar com coordenadoras(es) peda-
Tem o mesmo tempo que o pai?” gógicas(os), professoras(es), diretoras(es) e com as crian-
ças que foram me auxiliando a compreender como o meu
E eu acrescentaria: será que o bebê e a criança têm repertório de boas práticas pedagógicas humanizadas po-
o mesmo tempo da(o) professora(or)? O mesmo tempo dem dialogar com os ambientes intencionalmente planeja-
da escola? dos. As conexões entre o meu repertório e o que eu estava
Um questionamento que precisamos nos fazer com vivenciando foram se estabelecendo. Atualmente, ao visi-
urgência na nossa rotina pedagógica: Qual é o tempo que tar as Unidades Educacionais como formadora da Divisão
rege esta rotina? O tempo da criança ou o do adulto? Se Pedagógica – DIPED de São Miguel, posso ampliar os
for o do adulto, precisamos estudar e promover mudanças. olhares de gestores e professores diante de diferentes pos-
Nas visitas também aprendi que a entrada da Uni- sibilidades de organização dos espaços externos e internos.
dade Educacional precisa ser acolhedora e convidativa Não estamos trazendo modelos, mas possibilidades
tanto para quem é trazido para este espaço, como para que inspiram. Recentemente, fui à uma escola do território
quem traz. Como ocupar o espaço da entrada, tornan- junto com outras Coordenadoras Pedagógicas. A Unidade
do-o “um elo afetivo entre a pessoa e o lugar”? (BAR- que fomos visitar tem uma prática muito potente e articu-
BIERI 2021, p. 34). O diálogo com aqueles que levam lada com os princípios delineados no Currículo da Cidade:
as crianças até a escola, com aqueles que aguardam a Educação Infantil da Prefeitura de São Paulo. Uma das Co-
criança chegar aos seus cuidados precisa ter “convites ordenadoras compartilhou o quanto a estratégia desta visita
específicos que, de alguma maneira nos predispõem a foi importante para ela: um pouco de tristeza, por ter de
certos comportamentos e movimentos”. pensar que sua Unidade ainda precisa caminhar bastante
A que queremos convidar aquele que chega? na formação continuada para oferecer às crianças experiên-
Podemos criar boas expectativas ou incentivar boas cias provocativas e inspiradoras e, ao mesmo tempo, mo-
lembranças para quem chega à escola? tivada por estes olhares compartilhados a organizar pautas
As narrativas pessoais estabelecem um diálogo entre formativas com objetivos desafiadores, porém possíveis de
o tempo vivido, as experiências que modificam e o espaço serem atingidos. E, o principal, ao voltar à sua Unidade
que provoca aprendizagens. Educacional, foi caminhar por ela procurando enxergar as
Após três dias de visitas às Unidades de Novo Ham- potências do lugar habitado, não com a perspectiva do que
burgo, nos reunimos para uma roda provocativa de refle- estava faltando, mas sim, com o olhar do que poderia ser.
xões. Educadoras e educadores dialogando sobre o que Acredito na inquietação pedagógica.
foi mais significativo durante a visita e reflexões a par- E, então, vamos visitar?
tir de olhares compartilhados. O registro é sempre uma
temática sensível para mim, gosto de estudar sobre este Referências
assunto. Ao ler alguns registros, senti falta de escritas que BARBIERI, Stela. Territórios da invenção: ateliê em movimento. São
revelassem toda a potência do que havia me impactado. Paulo: Jujuba, 2021.
Ao falar sobre isso, nessa roda, as projeções formativas CHAUI, Marilena. Experiência do pensamento: ensaios sobre a obra de
Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
das profissionais de Novo Hamburgo neste sentido tam-
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal da Educação.
bém foram compartilhadas conosco, demonstrando que Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educação Infantil.
sempre temos pontos para aprimorar. São Paulo: SME/COPED, 2019.
Compartilhei com vocês as reflexões que mexeram SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal da Educação.
Coordenadoria Pedagógica. Orientação Normativa de registros na
42 mais com as minhas concepções. Eu fui pra longe. Porém, Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.
As galinhas uma troca entre
e dois professoras e
quintais crianças do CEI
Dom José Gaspar e
da EMEI Prof. Alceu
Maynard de Araújo
Foto: Sara Siqueira e Ivaneide Souza
2. Pedagoga e pós-graduada em Educação Infantil com dezessete anos de docência, sendo treze, no CEI Dom José Gaspar. Estuda e pesquisa constantemente sobre
escuta das crianças em suas múltiplas linguagens.
O
registro que vocês lerão a seguir poderia sobre encontros. Encontros que chegam e transfor-
ter muitos temas: as descobertas de um mam, que nos permitem sair do nosso “quadrado”,
Mini Grupo I sobre animais que nascem de que criam vínculos e que unem apesar da distância.
ovos, as aves do nosso Quintal, galinheiro e crian- Vamos falar do encontro de duas professoras que
ças na perspectiva do cuidado, formação continuada amam o que fazem e suas práticas, e o encontro en-
de professoras, enfim, esse relato permite múltiplas tre as vivências das crianças de um Centro de Edu-
abordagens. Mas o que queremos falar mesmo é cação Infantil – CEI parceiro e de uma Escola Mu-
43
o Colégio Santo Américo e a Prefeitura de São Paulo/
Secretaria Municipal da Educação, estando vinculado à
Criança do
CEI Dom Diretoria Regional de Educação Butantã. Já a EMEI Pro-
José Gaspar fessor Alceu Maynard de Araújo é uma Unidade Educa-
cional da rede direta sob administração da Prefeitura de
São Paulo, vinculada à DRE Ipiranga. Localiza-se no
Bairro do Bom Retiro, região central do Município de
São Paulo. Como é possível observar, não havia condi-
ções objetivas que viabilizassem um “encontro” entre
as professoras e as crianças das Unidades em questão.
Mas a formação e o estudo nos abrem tantas portas e
possibilidades de desbravar novos caminhos que foi por
meio desse encontro que se tornou possível. Em nossa
orientação, em dupla, para revisitação e troca de nos-
sas cartas de intenções, a Professora Ana Barbara iden-
tificou semelhanças entre as experiências que estavam
Foto: Sidnéia de Jesus Xavier Nogueira
do que as crianças se colocassem como protagonistas RESNICK, Mitchel. Jardim de infância para a vida toda: por uma
aprendizagem criativa, mão na massa e relevante para todos. Porto
nesse processo e não como meros espectadores. E é Alegre: Penso, 2020.
desse modo que queremos deixar abertos os caminhos RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia. São Paulo: Paz e Terra,
para mais trocas de experiências, para o diálogo entre 2021.
Crianças do
CEIs e EMEIs, entre bairros próximos e distantes. São SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Currículo CEI Dom
da Cidade. São Paulo: SME/COPED, 2019. José Gaspar
Paulo é uma cidade enorme, mas queremos e podemos
VAN GENECHTEN, Guido. Assim como você. Campinas: Casa Cultural, 2018.
Foto: Sidnéia de Jesus Xavier Nogueira
47
Os desafios do
atendimento
remoto na creche
Estratégias para o
acolhimento
durante a pandemia
da COVID-19
cida
Por Regina Joelma Stumpf
EI A Bela Adorme
1. Licenciada em Formação Pedagógica para Docentes. Professora da Rede Municipal de
Ensino de Novo Hamburgo, Coordenadora Pedagógica da EMEI A Bela Adormecida.
Foto: Acervo EM
A
partir do trabalho desenvolvido nos anos de Não foram somente as crianças, famílias e respon-
2020 e 2021 pela Escola Municipal de Edu- sáveis que precisaram aprender a lidar com os desafios
cação Infantil - EMEI A Bela Adormecida, do que este tempo impôs. As professoras e demais profis-
Município de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, sionais da escola também tiveram de administrar senti-
pretendo refletir sobre os desafios e caminhos percorri- mentos de medo, ansiedade, frustrações, perdas e supe-
dos durante a pandemia da Covid-19. Serão apresenta- rações, tanto no âmbito pessoal quanto no profissional.
das algumas estratégias realizadas pela escola, na qual Muitas crianças iniciaram sua vida escolar em 2020,
atuo como coordenadora pedagógica, que buscaram o que significou pouco ou nenhum contato com a esco-
uma maior aproximação com a comunidade escolar, em la, já que vivenciaram menos de um mês de adaptação
decorrência do distanciamento social e da necessidade e acolhimento presencial. Outras crianças ingressaram
do atendimento remoto na creche. pela primeira vez na escola no ano de 2021, quando
48
nenhum contato presencial ocorreu inicialmente devido do distanciamento social, foi preciso repensar esta esco-
ao agravamento da pandemia. A vida escolar diante do lha e flexibilizar as estratégias para estabelecer contato.
contexto pandêmico mudou. As experiências interativas Combinações claras quanto ao uso dos grupos das tur-
e vividas na coletividade precisaram de uma pausa. A mas foram realizadas e retomadas sempre que necessá-
escola se apresentava agora em um novo formato, pas- rio. Informações, relatos, imagens, vídeos e propostas,
sando a fazer parte da vida dos bebês e das crianças bem observando um cronograma semanal, foram enviados e
pequenas, a distância. compartilhados através de um meio ágil e eficaz de in-
Considerando que o trabalho na Educação Infantil é formar, comunicar e envolver.
pautado pela parceria, confiança mútua e pelo afeto na As famílias foram localizadas e comunicadas sobre
relação criança - família - escola, significou um grande a organização do atendimento para este período. No
desafio planejar e efetivar ações de acolhimento e adap- entanto, isto não implica dizer que todas participaram
tação ao ambiente escolar, de modo remoto, com bebês expressivamente das propostas remotas. Entre as razões
e crianças bem pequenas. para a não adesão encontram-se as mais diversas: a falta
Até então, não havíamos imaginado que recursos tec- de acesso às tecnologias, o fato de as crianças ficarem
nológicos e digitais de comunicação como o Whatsapp sob os cuidados de outras pessoas e o pouco tempo dis-
ou Google Meet seriam meios utilizados para estabele- ponível dos familiares ou dos responsáveis pelas crian-
cer e manter vínculos e realizar propostas com e para as ças para participarem ativamente das propostas.
crianças na creche. Nesse tempo de distanciamento, em Entendendo a Educação Infantil como um direito
que a tecnologia possibilitou o contato e o estabelecimen- dos bebês e das crianças bem pequenas, durante esse
to de vínculos, a escola também se transformou e passou tempo, a equipe escolar investiu em ações e estratégias
a ser percebida para além do espaço físico já conhecido. de estabelecimento e manutenção de vínculos, para que
Foi necessário criar um ambiente tecnológico e virtual não se perdesse totalmente o contato com as crianças e
que respeitasse a singularidade das crianças, o contexto suas famílias ou responsáveis. Ao mesmo tempo, cer-
em que estavam inseridas e a disponibilidade das famí- cou-se de todo o cuidado para não se tornar invasiva:
lias, numa relação de cumplicidade. planejando e refletindo constantemente, compartilhando
As professoras, simultaneamente, tiveram de apren- as reflexões com o coletivo da escola, buscando conhe-
der a usar as ferramentas tecnológicas, muitas vezes cer a realidade dos contextos familiares, entendendo que
desconhecidas, como aliadas das práticas pedagógicas a participação nas propostas é sempre um convite e um
que consideram o interesse e as necessidades dos be- diálogo com as famílias e não apenas uma tarefa a ser
bês e das crianças bem pequenas, valendo-se de todo realizada sem significado para as crianças.
o cuidado para não expô-las excessivamente diante das Apesar dos preparativos para começar o ano de 2021
telas. Ao planejar remotamente, precisaram eleger pro- presencialmente, os planos precisaram ser adiados e,
postas significativas, marcadas pela intencionalidade e mais uma vez, nos deparamos com o inesperado. Todo
continuidade e com materiais disponíveis nos contextos ano letivo inicia com uma entrevista realizada pelas
familiares, buscando articulá-las às experiências con-
cretas da vida cotidiana e à exploração e aprendizagem
por meio das múltiplas linguagens e dos conhecimentos Entendendo a Educação Infantil como
dos diferentes campos. Propostas e investigações que um direito dos bebês e das crianças bem
envolvessem crianças e adultos e favorecessem a ação pequenas, durante esse tempo, a equipe
autônoma das crianças. escolar investiu em ações e estratégias
Assim, nossa escola precisou se reorganizar para de estabelecimento e manutenção de
continuar fazendo parte da vida das crianças e famílias
vínculos, para que não se perdesse
através das telas. Até a chegada da pandemia, os grupos
de WhatsApp não eram utilizados como meio de comu-
totalmente o contato com as crianças e
nicação com a comunidade escolar. Com a imposição suas famílias ou responsáveis.
49
professoras com as famílias maneira de iniciar um contato com os pequenos. Diferentes
ou responsáveis e que ante- propostas foram pensadas para que pudessem se conhecer
cede o ingresso da criança e se familiarizar, por meio de vídeos, fotos, histórias, mú-
na escola. Trata-se de um sicas, brincadeiras e encontros virtuais pelo Google Meet.
momento muito importante O que inicialmente parecia ser um obstáculo foi acolhido
em que professoras, fami- pelas crianças de uma forma positiva e, diante do novo que
liares ou responsáveis se se apresentava, demonstraram curiosidade, espontaneidade
conhecem e trocam infor- e alegria em conhecer as novas professoras.
mações, e a escola tem a Ao longo destes quase dois anos, a parceria com as
oportunidade de apresentar famílias continua sendo fundamental, pois é pela dispo-
sua proposta pedagógica. nibilidade delas que os encontros online com as crianças
Estabelece-se uma relação se tornam possíveis e que há a concretização das pro-
de parceria no que se refe- postas sugeridas. Um adulto disponível na organização
Adormecida
pequenas, uma etapa da propostas e suas famílias enviaram registros da ação das
vida na qual os vínculos crianças, como realizar a leitura e a interpretação des-
e as descobertas ocorrem tes registros, entendendo-os como recortes da percepção
a partir das interações e dos adultos envolvidos?
experiências corporais. Para auxiliar nesta escrita, as professoras produziram
As professoras começa- um processo documental de cada criança, tornando pos-
ram a planejar a melhor sível acompanhar seu desenvolvimento com mais aten-
50
ção e preservando a sua individualidade. Este documen-
to oportunizou à professora observar, analisar e registrar
as suas percepções a partir das interações e reações das
crianças com relação ao cotidiano e às propostas. O en-
volvimento das crianças no decorrer do processo foi do-
cumentado e os pareceres descritivos foram elaborados
a partir desses registros que contavam deste tempo e de
cada criança.
Felizmente, desde maio de 2021, a escola passou a
atender presencialmente as crianças em grupos meno-
res, em um dos turnos, respeitadas as orientações sani-
tárias e pedagógicas. Observando a nossa realidade, não
Q
uase um ano com as escolas fechadas e, na se- famílias que demonstraram interesse no retorno presen-
gunda quinzena do mês de fevereiro de 2021, cial, originalmente as crianças faziam parte de outras
houve a reabertura das Unidades Educacionais turmas com outras professoras. Também não estávamos
com o atendimento presencial de 35% da capacidade to- com o quadro completo de professoras, muitas estavam
tal de crianças. Mesmo com um plano para o retorno, em atendimento remoto devido a comorbidades.
faltava-nos a vacinação, com isso dúvidas, inseguranças O retorno se deu fragmentado, entre idas e vindas
e medos surgiram: Como estariam as crianças depois de por afastamentos do grupo todo devido a suspeitas da
tanto tempo em isolamento e diante desse cenário com COVID-19, recesso, ausências, greve e desistência de
perdas de familiares? Como seria esse retorno com um uma criança, e, no fim do semestre, a entrada de outra
protocolo desafiador no atendimento das especificidades do Minigrupo I com dois anos. Porém, manter a conti-
da educação da primeiríssima infância1? Sem respostas, nuidade das propostas, sem perder de vista a carta de
foi preciso viver, descobrir caminhos, criar estratégias e intenções, elaborada entre observações e escuta ativa
possibilidades seguras ressignificando as ações pedagó- em relação ao que as crianças me mostraram como in-
gicas na tentativa de garantir as aprendizagens e o desen- teresse e possível potencial de aprendizagens, foi o que
volvimento das crianças. deu sentido e significado. Dessa forma, o trabalho foi
desenvolvido com as crianças como guias do meu pla-
Reorganização
nejamento, no centro do processo educativo, por isso os
caminhos foram construídos juntos, entre narrativas in-
fantis e docentes, a essência da carta se manteve, no en-
Sou professora de módulo, no Centro de Educação tanto, houve modificações no percurso decorrentes das
Infantil - CEI Jardim Hercília, localizado na Vila Nho- experiências cotidianas em que as crianças dão pistas de
cuné, zona leste da cidade. Nesse início de ano, assumi como desejam seguir com suas investigações.
uma regência temporária de um Minigrupo II, com seis A escola já não era mais a mesma, juntos recriamos
crianças de três anos, uma sala extra criada durante a e habitamos os espaços deixando marcas e histórias
situação de pandemia para conseguir atender todas as de uma infância cheia de vida, de desejos, de medos,
de emoções, de encontros e encantamentos cotidianos.
1 Período de vida do nascimento aos 3 anos.
53
Observar e viver junto esse movimento foi o que me as manhãs aconteciam conforme observava as neces-
motivou a acreditar que era possível e necessário, em- sidades do grupo naquele dia, pois nem sempre eram
bora complexo, estar dentro do CEI com as crianças. as mesmas, e o próprio clima também influenciava nas
Enquanto diziam que elas estariam com perdas irrepará- decisões e escolhas, já que passávamos a maior parte do
veis, sem minimizar os efeitos da pandemia para o de- tempo do lado de fora e a Unidade amanhecia molhada
senvolvimento infantil, talvez esperasse receber crian- com frequência devido ao sereno da madrugada.
ças apáticas, de repente me deparei com a potência da Iniciamos a jornada com a marcação dos espaços
infância pulsando em corpos desejosos de viver e narrar usando tatames, algumas mesas (pois não há espaço
experiências, crianças plenas em descobrir e explorar. suficiente para uma mesa para cada criança dentro da
Estar na escola e viver esse cotidiano com expe- sala, as mesas são coletivas) e kits individuais, o que
riências significativas foi o grande objetivo: conviver, durou por certo tempo, pois não foi possível manter o
brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. interesse e o envolvimento das crianças com um pote
Garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento de brinquedo por muito tempo, no caso do CEI, por
na Educação Infantil, a partir do acolhimento, de obser- período integral (10h). Então, em parceria com a pro-
vações e de uma escuta sensível, atenta e aberta (da fala, fessora Lucimeire Silvestre, do período da tarde, com a
dos gestos e das expressões de todo o corpo). qual dividi a sala, tentamos criar estratégias para aten-
Criei propostas considerando a diversidade de tem- der às necessidades das crianças com segurança e nos
pos, espaços e materialidades para atender os ritmos e comprometemos a higienizar diariamente as caixas com
as singularidades. Não me prendi aos horários da linha materiais de uso exclusivo do nosso grupo, deixando
do tempo, apenas aos marcos de alimentação e sono, em quarentena o que era necessário. Isso para poder
54
proporcionar experiências com qualidade, pois as crian-
ças precisam de quantidade e diversidade de materiais, A escola já não era mais a mesma,
precisam de autonomia e protagonismo para escolher o juntos recriamos e habitamos os espaços
que desejam usar e como, nesse caso, considerando cada
deixando marcas e histórias de uma
uma no seu espaço delimitado com possíveis aproxima-
ções seguras. infância cheia de vida, de desejos, de
Nesta reorganização, tomei a decisão de qualificar a medos, de emoções, de encontros e
estética de toda a sala referência com ações que estavam encantamentos cotidianos.
ao meu alcance, de forma progressiva e sempre em diá-
logo com minha parceira de sala:
55
Ler e manipular livros
A leitura de histórias aconteceu diariamente no mo-
mento do descanso, o grupo gostou muito de ouvir his-
tórias e pediam para ler repetidas vezes. Também explo-
raram alguns livros com autonomia se colocando como
leitor e recriando as narrativas, às vezes até recontavam
para os próprios colegas, as preferidas foram: Wilson e
o Passagarto, O Ratinho, O Morango Vermelho Maduro
e O Grande Urso Esfomeado, A Verdadeira História de
Chapeuzinho Vermelho e Sai da Lama Jacaré. Depois, em
outras remessas novas (por motivo de quarentena), havia
outros favoritos. No fim do semestre, estavam encanta-
dos com O Chapeuzinho Vermelho e O Lobo e os Três
Cabritinhos, da coleção Disquinho, que eu colocava para
ouvirem enquanto estavam deitados na cama.
Durante as manipulações, aconteceu de alguns li-
vros rasgarem ou amassarem as páginas. Nas primei-
ras vezes, as crianças se mostraram apreensivas para
me contar e, um dia, quando ninguém assumia quem
Foto: Marcela Juliana Chanan
Modelar
A massinha foi um material com o qual brincaram
bastante, principalmente de fazer comidinhas, as crian-
ças usaram panelinhas, palitos, garfinhos e forminhas,
mas também criaram famílias de bolinhas e de cobrinhas,
brincaram de esconder os dedos e as mãos, chegando
até a fazer esculturas. Por isso, decidi lhes apresentar a
argila, um material natural e com novas possibilidades.
Foto: Marcela Juliana Chanan
Construir
foram coletados, e as latas de leite doadas da cozinha.
Pintar e desenhar
Os materiais que favorecem os jogos de construção
foram muito procurados, mas tínhamos poucas mate-
rialidades e muitos brinquedos de plástico industriali-
zados. Aos poucos, proporcionei às crianças o contato As marcas gráficas das crianças são singularidades
com diferentes materialidades que são potentes para es- e cheias de expressão e movimento. Logo nos primei-
sas construções efêmeras, pois se transformam no que ros dias de retorno, preparei um contexto de pintura. As
quiserem, como castelos, pistas, montanhas, casas, co- crianças se mostraram eufóricas com o uso da tinta e,
midas, torres, objetos, e quando terminam a brincadei- durante a experimentação autônoma, permaneceram en-
volvidas e concentradas em seus gestos e sensações.
Entre vivências dentro e fora da sala, as crianças pinta-
ram, desenharam, brincaram e imaginaram em um caminho
Foto: Marcela Juliana Chanan
essa preocupação e eu as tranquilizava dizendo que tudo SÃO PAULO (Municipio). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria
Pedagógica. Currículo da cidade : Educação Infantil. São Paulo: SME /
bem. Afinal, elas observavam que eu me sentava no chão, COPED, 2019.
Foto: Marcela Juliana Chanan
59
Olhares
compartilhados
no cotidiano
da escola
da infância
60
S
omos professoras da Rede Municipal de Ensino Para tal, investimos em encontros semanais entre o
de Novo Hamburgo (RME-NH), no Estado do grupo de professoras e a equipe gestora, para revisitar e
Rio Grande do Sul, e atuamos na equipe gestora compartilhar os registros do planejamento de contexto.
da Escola Municipal de Educação Infantil - EMEI Pica- Dessa maneira, foi possível compreender a forma como
-Pau Amarelo1. Atualmente, a escola atende cento e dez planejavam as propostas, pois, como coordenadora pe-
crianças, de um a três anos de idade. dagógica, até então, não havia presenciado o dia a dia
Foi em meio a incertezas que marcaram o perío- na escola. E, o mais importante, foi possível perceber
do de distanciamento social causado pela pandemia e contribuir com aspectos que precisavam ser refleti-
da COVID-19 que eu, Cristiane, recebi o convite dos para qualificar o cotidiano vivido por professoras e
feito pela diretora Daiana e iniciei na função de co- crianças, ao tomar consciência dos seus fazeres, inter-
ordenadora pedagógica nesta nova escola, com uma pretando em grupo seus próprios registros.
proposta, até então, pouco conhecida por mim e com O intuito de mencionar a importância do papel da
um grupo de professoras com o qual não tinha con- coordenação pedagógica no acompanhamento e na for-
tato. Naquele momento, durante o primeiro semestre mação permanente das professoras da nossa escola não
do ano de 2020, devido ao distanciamento, a escola poderia ser descrito sem nos referirmos ao papel da di-
centrava suas propostas em manter o vínculo com as reção, pois acreditamos na gestão compartilhada entre a
crianças e famílias remotamente. equipe, que assume a especificidade das diferentes fun-
Para iniciar a aproximação também remota com os ções, porém articuladas e em cooperação. Acreditamos
profissionais da escola, coordenação pedagógica e dire- que a parceria da equipe gestora amplia possibilidades e
ção, em parceria, pensamos em formas de conhecer o contribui para o trabalho da escola como um todo. Sus-
grupo e as concepções existentes, assim como detalhes e tentadas por essa perspectiva, realizamos uma gestão
especificidades da organização do atendimento da esco- pedagógica e administrativa refletida e compartilhada,
la por meio do planejamento de contexto, que estava no entendendo que, assim, o caminho trilhado pelas profes-
início de sua implementação. Iniciamos, então, o estudo soras se qualifica com mais potência.
sobre essa modalidade de planejamento mais amplo, fei-
Uma proposta
to de forma bastante detalhada, com pontos de atenção
para cada organizador da vida cotidiana, considerando a
realidade das crianças e da comunidade e as necessida-
des do atendimento de maneira remota. Com essa forma pedagógica que
de planejar, buscamos organizar os espaços da sala re-
ferência, pensar nos materiais disponibilizados às crian- orienta o trabalho e
ças e organizar os tempos da jornada na escola. Além
disso, é imprescindível organizar as Microtransições
evidencia as crianças
(chegadas, deslocamentos e despedidas) e as Atividades
de Atenção Pessoal (alimentação, higiene e descanso)2. Como escola que trabalha para o bem-estar das
Assim, o planejamento de contexto orienta as ações da crianças, acreditamos e compartilhamos da propos-
professora, evidenciando sua intencionalidade na orga- ta pedagógica da RME-NH, que expressa a traje-
nização do cotidiano. tória reflexiva sobre as concepções e as práticas
desenvolvidas na Educação Infantil e propõe um
caminho de aprimoramento a ser percorrido como
1 A escolha e a nomeação para o exercício da função de diretor(a) das escolas na Rede
Municipal de Ensino de Novo Hamburgo é realizada a cada quatro anos, por eleição Rede. Por mais que a escola tenha sua própria iden-
direta entre professores, funcionários, responsáveis e estudantes acima de 16 anos, que
votam em candidato(a) com estabilidade no magistério público municipal e efetivo na tidade institucional e suas especificidades pedagó-
escola há mais de seis meses. Após eleito, o diretor indica para a função de coordenação
pedagógica um(a) professor(a) efetivo na Rede Municipal, que possua graduação em gicas, a proposta como um todo fundamenta-se nas
Pedagogia ou pós-graduação em Supervisão Escolar.
Pedagogias Participativas (OLIVEIRA-FORMO-
2 Essa organização educativa está expressa no Documento Orientador da Educação
Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo. SINHO, 2017), com o foco do processo educativo
61
voltado às crianças. O Documento Orientador como forma de nos mantermos mais próximas, e
da Educação Infantil da RME-NH orienta e o Google Meet como ferramenta rotineira dos inú-
busca induzir práticas e ações pedagógicas que meros encontros remotos de planejamento e estudo.
têm como princípio a escuta das crianças, ao as- Podemos dizer que o período de propostas remo-
sumir que, ao longo dos anos, consolida “uma tas foi uma experiência delicada e desafiadora, mas
prática educativa cujo foco é a criança, ou seja, nos manteve conectadas e nos provocou a repensar
uma proposta que escuta e respeita os tempos nossa forma de organização e muitas de nossas prá-
das crianças e oferta a elas oportunidades de ticas. Esse tempo foi precioso para aperfeiçoarmos
brincar, interagir, viver e investigar o mundo”. o modo de trabalho desenvolvido na escola e apro-
(NOVO HAMBURGO, 2020, p.12). fundarmos o estudo do Documento Orientador da
Partindo dessa premissa, durante o período Educação Infantil da RME-NH, que traz as concep-
de distanciamento social, fomos propondo à ções e os princípios nos quais acreditamos e que
equipe de profissionais da escola - que envol- sustentam nossas ações como escola.
ve as professoras, estagiárias e funcionárias A vida cotidiana é o fio condutor para a organi-
- encontros formativos semanais, bem como zação das ações pedagógicas e é através do olhar
momentos de formação específicos por turma. e da reflexão sobre o que é vivido na escola que
Na RME-NH, utilizamos a Plataforma Google o acompanhamento pedagógico se efetiva. Olhar
Workspace for Education, com a ferramenta atentamente e reconhecer as interpretações de cada
do Drive compartilhado entre as profissionais professora sobre esse cotidiano nos proporciona
62
compreender suas concepções, processos e neces- cialidades e têm a oportunidade de repensar aspectos a
sidades, sendo possível planejar a continuidade da partir do que as próprias colegas apontam. E, assim, de
formação a partir das especificidades encontradas. forma respeitosa e tranquila, fomos, aos poucos, cons-
Foi assim, observando, refletindo e, após, relan- truindo um modo de fazer, fruto de um grande aprendi-
çando os aspectos importantes, que utilizamos o zado pessoal e profissional, pois tornar visível o traba-
precioso tempo de planejar para acompanhar cada lho realizado e compreender a importância de um olhar
professora na turma e individualmente. compartilhado é um grande exercício para toda a equipe
que exige tempo e persistência.
A reflexão individual e
Um ponto fundamental para aprimorar a prática e
oportunizar a qualificação da ação pedagógica são as
longo da jornada, auxiliando e refletindo em parceria. NOVO HAMBURGO. Secretaria Municipal de Educação. Reorganização
da oferta da Educação Infantil: caminhos para encontros com
Reconhecemos que é nos detalhes da prática cotidiana as infâncias durante a Pandemia Covid-19. Novo Hamburgo:
que o fazer pedagógico ocorre realmente. Partindo dos SMED, 2020. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1c8_
CYUooZUmpKcqb9zK7yH7OL64Vi77p/view Acesso em: 15 abr. 2022.
diferentes momentos vividos com e pelas crianças e das
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; FORMOSINHO, João. Pedagogia-em-
observações decorrentes desses momentos, buscamos Participação: a documentação pedagógica no âmago da instituição dos
realizar um trabalho de coordenação que busque a refle- direitos da criança no cotidiano. Em Aberto, Brasília, v. 30, n. 100, set./
dez. 2017.
xão e a qualificação constante das ações conjuntas entre
as professoras e toda a equipe escolar.
Acreditamos que todos os profissionais envolvidos
na jornada das crianças na escola são educadores e, de
acordo com a especificidade de sua função, cuidam e
educam com fundamental importância. Por meio de um
trabalho intencionalmente articulado entre os profissio-
nais, buscamos e construímos possibilidades para pensar
coletivamente na proposta pedagógica viva da escola.
Como exemplo, os momentos de alimentação necessi-
tam ser compreendidos e discutidos em conjunto com as
profissionais merendeiras, que também precisam refletir
e participar ativamente desses momentos; o planejamen-
to de propostas com tinta e argila precisa considerar o
envolvimento das funcionárias responsáveis pela limpe-
za e sua importância no fazer pedagógico.
Percebemos ao longo do tempo que é necessário
proporcionar espaço e tempo para que as professoras,
em companhia, realmente compreendam os motivos de Foto: Acervo EMEI Pica-Pau Amarelo
suas escolhas pedagógicas e saibam argumentar o por-
quê de realizar sessões em pequenos grupos de crianças
ou de documentar o cotidiano das crianças e adultos na
escola, por exemplo. Na prática, é necessário compreen-
der para modificar; é preciso observar, registrar e refletir
para transformar o cotidiano. Dar visibilidade à criança,
escutar suas narrativas e vê-la como sujeito de direitos,
64
As crianças
como
protagonistas
no ato de
criar imagens
Enxergar os espaços,
relações e cotidiano pelos
olhos das crianças.
66
e também precisamos permitir e incentivar o contato das
crianças com os recursos tecnológicos disponíveis.
Considerando, claro, os recursos midiáticos disponí-
veis na Unidade Educacional e os que podem ser adqui-
ridos (aqui vou me restringir a falar somente de câmeras
fotográficas que também estão embutidas em celulares),
é preciso pensar no quanto e como as crianças serão pro-
tagonistas na ação de fotografar, considerando o concei-
to de Larrosa Bondía (2002, p. 21) sobre experiência:
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o
que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece,
ou o que toca”.
Às crianças, pouco adianta o avanço da tecnologia
em relação à variedade e à disponibilidade de câmeras
fotográficas, se estes aparelhos não estão em suas pró-
prias mãos.
Então, com o desejo de estimular o acesso das
crianças ao ato de fotografar e poder compartilhar es-
ses olhares, criei, em 2020, um perfil chamado “Pe-
los olhos das crianças”, nas redes sociais Facebook
e Instagram, para receber e mostrar fotos feitas por
meninas e meninos de diversas idades, condições so-
ciais e localidades. Queria ver o que fotografavam as
Fotografia como
linguagem e arte
Foto: Caroline Gusmão Figueira Santesso
A foto é só
do do asfalto... Mais do que fotos postadas em um perfil
na internet, temos histórias e experiências vividas por
realizada há poucos dias por toda a escola. Fez um Compartilho estes relatos com a intenção de fa-
clique, e como não dava pra ver o brotinho do giras- lar sobre algumas das muitas experiências, em meio a
sol, foi ficando mais próximo e tirando mais fotos, tantas outras que podem acontecer quando possibili-
até que bem de pertinho captou o pequeno broto. tamos às crianças o uso de câmeras fotográficas, pre-
Depois, olhamos as imagens, e as crianças obser- zando pela sua utilização como recurso de linguagem,
varam quantas coisas eram vistas antes do “zoom investigação e pesquisa. Por fim, mais uma citação de
manual” feito pelo João e como algumas coisas iam Márcia Gobbi, sobre a sua experiência de sair com as
sumindo e deixando outras mais evidentes. crianças para fotografar a Cidade de São Paulo:
Depois disso, mostrei o recurso do zoom no
Mais do que pensar sobre o que as crianças fo-
celular e como era possível ver de perto algo tografam, pretendi destacar o quanto essa forma
que estava bem longe. Realizamos outras expe- de criação imagética possibilita aos professores,
riências com esse recurso depois disso, e explo- em diferentes instâncias, compreender os mo-
ramos com calma o Livro Zoom (Istvan Banyai, dos de ver das crianças, como fios que, quando
2002), feito de imagens que se aproximam (ou puxados, permitem viajar com elas, com aquilo
afastam, caso você comece o livro pelo fim) de que criam imageticamente em suas fotografias.
forma surpreendente. (GOBBI, 2017, p. 102).
Há inúmeros recursos contidos em uma câme-
ra e principalmente em um celular, tanto para fo-
tografar como para fazer vídeos, porém é preciso
Referências
deixar que as crianças descubram aos poucos, BANYAI, Istvan. Zoom. São Paulo: Brinque Book, 2002.
experimentem, os recursos e suas possibilidades. BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Portugal:
Edições 70, 2006.
Assim como Larrosa Bondía (2002, p. 21) exal-
CUNHA, Suzana Rangel Vieira; CARVALHO, Rodrigo Saballa (org.).
ta a experiência ele critica o excesso de informação Arte contemporânea e Educação Infantil: crianças observando,
que faz com que não vivamos as experiências: descobrindo e criando. Porto Alegre: Mediação, 2017.
GOBBI, Marcia Aparecida; PINAZZA, Mônica Appezzato (org.). Infância
A informação não é experiência. E mais, a in- e suas linguagens. São Paulo: Cortez, 2014.
formação não deixa lugar para a experiência, LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de
ela é quase o contrário da experiência, quase experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro,
n. 19, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/
uma antiexperiência. Ycc5QDzZKcYVspCNspZVDxC/?lang=pt&format=pdf. Acesso em:
10 ago. 2021.
Os Indicadores de Qualidade da Educação In- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
fantil Paulistana (SÃO PAULO, 2016, p. 53) suge- Educação Técnica. Currículo integrador da infância paulistana. São
Paulo: SME/DOT, 2015.
rem o uso dos recursos tecnológicos pelas crianças
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
pensando na experiência, e não na informação: Educação Técnica. Indicadores de qualidade da Educação Infantil
Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2016.
Diferentes recursos tecnológicos e midiáticos SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
(computador, lanternas, câmera digital, grava- Orientação Técnica. O uso da tecnologia e da linguagem midiática
dor, projetor, caixas de luz, tablets, celulares...) na Educação Infantil. São Paulo: SME/DOT, 2015.
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