17733-Texto Do Artigo-33585-1-10-20140309

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DOUTRIN A

OS PODERES DO ADMINISTRADOR PúBLICO

HEL Y LoPES MEIRELLES


Juiz em São Paulo

SUMÁRIO: 1 - Poder vinculado. 2 - Poder discricionário. 3 _


Poder hierárquico. 4 - Poder disciplinar. 5 - Poder regula-
mentar. 6 - Poder de polícia. 7 - USO e abuso do poder.

Para bem realizar a administração pública, ou 8eja, a satisfação


dos interêsses sociais, o administrador é investido pela entidade estatal
a que serve - União, Estado-membro, Município - de poderes consen-
tâneos e proporcionais aos encargos que lhe são cometidos.
Êsses poderes, conquanto originários da mesma fonte - a Sobera-
nia Nacional- se apresentam sob aspectos diversos, conforme o ângulo
pelo qual são apreciados, tais como o da sua extensão e liberdade
de utilização (poder vinculado - poder discricionário), o de seu
fundamento imediato (poder hierárquico), o de seu objeto próprio
(poder disciplinar), o de sua finalidade próxima (poder regulamentar),
o da limitação de direitos individuais (poder de polícia).
Nesta oportunidade iremos examinar os poderes administrativos
em si mesmos, assinalando-lhes os caracteres diferençadores, o seu
fundamento, modo, forma e condições de sua utilização pelos agentes
da Administração pública.
1. O poder vinculado ou regrado é aquêle que o Direito posi-
tivo - a lei - confere à Administração pública para a prática de
ato administrativo, determinando o conteúdo, modo e forma de seu
cometimento. Nesses atos, a lei vincula, inteiramente, a sua realização
aos dados constantes de seu texto. Daí dizer-se que tais atos são
vinculados ou regra dos, o que significa que, na sua prática, o adminis-
trador público fica, inteiramente, prêso ao enunciado da lei, em tôdas
as suas especificações. Nessa categoria de atos administrativos a liber-
dade de ação do administrador é mínima, pois terá que se ater à enume-
ração minuciosa do Direito p08itivo sôbre como realizá-los, eficazmente.
Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por
desvinculado de seu padrão.
O princípio da legalidade impõe que o administrador público obser-
ve, fielmente, todos os t'equisitos expressos na lei como da essência
-2-

do ato vincul8do. O seu poder administrativo se restringe, em tais


casos, ao de praticar o ato, mas de o praticar com tôdas as minúcias
especificadas na lei. Omitindo-as ou diversificando-as na sua substân-
cia, nos motivos, na finalidade, no tempo, na forma ou no modo incli-
cados na lei, o ato é inválido, e assim pode ser reconhecido pela própria
Administração ou pelo Judiciário, se o requerer o interessado.
Nesse sentido é firme e remansada a jurisprudência de nossos
Tribunais, pautada pelos princípios expressos neste julgado do Supre-
mo: "A lsg-alidade do ato administrativo, cujo contrôle cabe ao Poder
Judiciário, compreende não só a competência para a prática do ato
e de suas formalidades extrínsecas, como, também, os seus requlsitos
substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato,
desde que tais elementos estejam definidos em lei como vinculacJores
do ato administrativo".1
Diversamente do poder vinculado, dispõe, também, a Admini~tra­
ção pública de poder discricionário, no uso do qual lhe é facultado agir
com liberdade de escolha dos motivos de conveniência e oportunidade
na prática de certos atos. É o que veremos a seguir.
2. Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração
de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos
com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.
À luz dêsse conceito veremos que poder discricionário não se confund\~
com poder arbitrário. Discricionariedade e arbitrariedade são atitudes
inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação admi-
nistrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbitrariedade é ação
contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado
pelo Direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre e sempre ilegítimo
e inválido. De há muito já advertia Jeze: Il ne faut pas confondre
pouvoir "discricionnaire" et pouvoir "arbitraire".2 Mais uma vez insis-
timos nessa distinção, para que o administrador público, nem sempre
familiarizado com os conceitos jurídicos, não converta a discricionaric-
dade em arbítrio, como, também, não se arreceie de usar plenamente
de seu poder discricionário, quando estiver autorizado e o interêsse
público o exigir.
A competência discricionária distingue-se da vinculada pela maior
liberdade de ação que é conferida ao administrador. Se, para a prática
de um ato vinculado, a autoridade pública está adstrita à lei em todos
os seus elementos formadores - competência, forma, objeto, motivo
e finalidade - para praticar um ato discricionário é livre, no âmbito
em que a lei lhe concede essa faculdade, quanto à escolha dos motivos
e do objeto (oportunidade, conveniência e conteúdo do ato).
Por aí se vê que a discricionariedac1e é sempre relativa e parcial,
porque, quanto à competência, à forma e à finalidade do ato, a autori-
dade está subordinada ao que a lei dispõe, como para qualquer ato

1 S. T. F. o Revi3ta de Direito Administrativo, vaI. 42/227.


2 Gaston Jeze, Les Príncipes Généraux du Droit Administratif, 1914, pág. 371.
-3-

vinculado. Com efeito, o administrador, mesmo para a prática de um


ato discricionário, deverá ter competência legal para pr:'!ticá-lo; deverá
obedecer à forma legal para a sua realização; e deverá atender à finali-
dade legal de todo ato administrativo, que é o interêsi'e público. O ato
discricionário praticado por autoridade incompetente, ou realizado por
forma diversa da prescrita em lei, ou informado de uma finalidade
estranha ao interêsse coletivo, é ilegítimo e inoperante. Em tal circuns-
tância deixaria de ser ato discricionário para ser ato arbitrário - ilegal,
portanto.
"Até à possibilidade de agir sem competência - adverte Seabra
Fagundes em luminoso acórdão, - de negar o interêsse público ou de
violar as formas pré-traçadas, não vai a faixa de oscilação deixada
pelo legislador, sob o império das necessidades múltiplas e urgentes
da vida administrativa, ao Poder Executivo", e logo ajunta o mesmo
jurista: "A competência discricionária não se exerce acima ou além
da lei, senão como tôda e qualquer atividade executória, com sujeição
a ela".3
A atividade discricionária encontra plena justificativa na impossi-
bilidade de o legislador catalogar, na lei, todos os atos que a prática
administrativa apresenta. O ideal seria que a lei regulasse, minuciosa-
mente, a ação administrativa, modelando cada um dos atos a serem
praticados pelo administrador, mas, como isto não é possível, dada
a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem pronta solução ao
Poder Público, o legislador somente regula a prática de alguns atos
administrativos que reputa de maior relevância, deixando o cometi-
mento dos demais ao prudente critério da Administração. 4
Mas, embora não cuidando de todos os aspectos dos atos relegados
à competência discricionária, o legislador subordina-os a um mínimo
legal, consistente na estrita observância, por parte de quem os vai
praticar, da competência, da forma e da finalidade, deixando o mais
à livre escolha do agente administrativo.
Essa liberdade funda-se na consideração de que só o administra-
dor, em contato com a realidade, está em condições de bem apreciar
os motivos ocorrentes de oportunidade e conveniência da prática de
certos atos, que seria impossível ao legislador, dispondo na regra jurí-
dica geral e abstrata - lei - prover com justiça e acêrto. Já disse
Fleiner que "o poder discricionário tem, nem mais nem menos, o escopo
de tornar possível à Administração adaptar a sua atividade às exigên-
cias das circunstâncias individuais, de sorte que essa resulte sempre
a mais eficaz e a mais útil ao fim público de que se trata".5 Só os órgãoe

3 Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. relatado pelo então


Des. Seabra Fagundes. in Reoista de Direito Administrativo, vol. 14/52. Êsse acórdão,.
iuntamente com o comentário que mereceu de Vitor Nunes Leal. em rodapé. constituem
~ubstanciosos estudos sôbre a natureza e limites do poder discricionário. bem como sôbre
a possibilidade do contrôle judiciário relativamente a tais atos.
4 L. Lopes Rodó, O Poder Discricionário da Administração - Eoolução Dou-
trinária e Jurisprudencial. in "Revista de Direito Administrativo", vol. 35/40.
a
5 Fritz Fleinar, Instituciones de Derecho Administrativo, 1. d., pág. 119.
-4-

executivo:!! é que estão, em muitos casos. em condições de sentir e


decidir, administrativamente, o que convém e o que não convém ao
interêsse coletivo. Em tal hipótese executa a lei, vinculadamente. qnanto
aos elementos que ela discrimina - competênciu, fonna e finalidade -
e, discricionàriamente, quanto aos aspectos em que ela admite opção,
ou seja, quanto à oportunidade, conveniência e conteúdo do ato admi-
nistrativo.
Mesmo quanto aos elementos discricionários do ato há limitações,
impostas pelos princípios gerais do Direito e pelas regras da boa
administração, que, em última análise, são preceitos de moralidade
administrativa.
Daí dizer-se, com inteira propriedade, que a atividade discricio-
nária permanece sempre sujeita a um duplo condicionamento: externo
~ interno. Externamente, pelo ordenamento jurídico a que fica subor-
dinada tôda atividade administrativa. Internamente, pelas exigências
do bem comum e da moralidade da instituição administrativa.
O bem comum, também chamado interêsse social ou interêsse
coletivo, impõe que tôda atividade administrativa lhe seja endereçada.
Fixa, assim, o rumo que o ato administrativo deve procurar. Se o admi-
nistrador se desviar dêsse roteiro, praticando ato que, embora discri-
cionário, busque outro objetivo, incidirá em ilegalidade, por desvio
de poder.
3. O poder hiet'úrquico é o de que dispõe o Executivo para àistri-
buir e escalonar as funções de seus órgãos e serviços, estabelecendo
relação de subordinação entre os servidores de seu quadro adminis-
trativo.
Poder hierárquico e poder disciplinar não se confundem, mas, via
de regra, andam juntos, por serem os sustentáculos de tôda instituição
administrativa. Dêsses dois poderes inerentes à Administração pública
é que deflui a hierarquia e a disciplina internas do organismo estatal.
A hiera"quia é, na justa e simples definição do Professor :Mário
Masagão, "a relação de subordinação existente entre os vários órgãos
do Executivo, com a gradação da autoridade de cada um".6 Dêsse
conceito se percebe que não há hierarquia no Judiciário e no Legis-
lativo. A hierarquia é privativa da função executiva, como meio típico
da organização e contrôle internos dos serviços administrativos.
Não se pode compreender as atividades administrativas sem
a existência de hierarquia entre os órgãos e pessoas que as exercem
Daí a observação de Duguit de que "o princípio do poder hierárquico
domina todo o Direito Administrativo e deveria ser aplicado, quando
mesmo nenhum texto legal o consagrasse".7

6 Mário Masagão. in Apontamentos de Direito Administrativo. organizados por


Iéte Ribeiro de Sousa. 1939. pág. 52. Idêntico é o conceito dado pOr Hauriou.
Précis Élémentaires de Droit AdministratiF, 1926. pág. 26. e por Bielsa. Compêndio
de Derecho Publico, 1952. vol. 1I/107.
7 Léon Duguit. Traité de Droit Constitutionnel, 1923. vo1. IIIj150.
-5-

Podemos dizer que o poder hierárquico tem por objetivos ordenar,


'mordenar, controlar e c01-rigir as atividades administrativas, no âmbito
interno da Administração pública. Ordena as atividades internas da
Administração, repartindo e escalonando as funções entre os funcio-
nários e agentes do poder, de modo que cada um possa exercer, eficien-
temente, o seu encargo; coordena, entrosando tôdas as funções no senti-
do de obter o funcionamento harmônico dos serviços afetos ao mesmo
órgão; controla, fiscalizando o cumprimento da lei e das instruções,
bem como os atos e o rendimento de cada servidor; corrige os erros
administrativos pela ação revisora dos superiores sôbre os atos dos
inferiores. Dêsse modo, a hierarquia atua como instrumento de organi-
zação e aperfeiçoamento de, serviço, e age como meio de responsabili-
zação dos agentes administrativos.
Pela hierarquia se impõe ao subalterno 8. estrita obediência das
ordens e instruções superiores, e se define a responsabilidade de
cada um. As determinações superiores devem ser cumpridas, fielmente,
sem ampliação ou restrição, a menos que sejam manifestamente ilegais.
Sôbre essa questão a doutrina não é uniforme, mas o nosso sistema
constitucional, com o declarar que "ninguém pode ser obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei" (art. 141,
§ 2.°), torna claro que o subordinado não pode ser compelido, pelo
superior, a praticar ato evidentemente ilegal. O respeito hierárquico
não vai ao ponto de suprimir, no subalterno, o senso do legal e do
ilegal, do lícito e do ilícito, do bem e do mal. Não o transforma em
autômato executor de ordens superiores; permite-lhe raciocinar e usar
de iniciativa no desempenho de suas atribuições, nos restritos limites
de sua competência. Daí não lhe ser lícito discutir ou descumprir ordens,
senão quando se apresentem, manifestamente, ilegais. Somente as que
se evidenciarem, ao senso comum, contrárias ou sem base na lei, é que
permitem ao subalterno recusar o cumprimento. A apreciação da con-
veniência e da oportunidade das determinações superiores refoge das
atribuições meramente administrativas, e por isso escapam da órbita
de ação dos servidores subalternos. Descumprindo-as ou retardando
o seu cumprimento, poderá o subordinado relapso incorrer, não só em
falta disciplinar, como, também, em crime de ação pública. 8
A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é,
despe o subordinado da ação de comando, permitindo-lhe, tão-somente,
agir com iniciativa no estrito âmbito de suas atribuições específicas.
O superior autônomo, ou seja, aquêle que se encontra no ápice da
pirâmide hierárquica, é que detém o comando político-administrativo
da atividade executiva. Ao chefe do órgão executivo é que incumbe
tomar as resoluções políticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios
e da oportunidade mais conveniente à consecução dos fins governamen-
tais, que devem tender, sempre, para o bem comum.

8 Código Penal. art. 319.


-6-

Do poder hierárquico decorrem faculdades implícitas para o supe-


rior, tais como a de dar ordens, a de fiscalizar o seu cumprimento,
a de delegar e avocar atribuiçõe1', e a de rever os atos dos inferiores.
4. O poder disciplinar é o que confere ao administrador público
a faculdade disc:ricionlÍ.ria de reprimir as infrações funcionais de seus
subordinados, no âmbito administrativo.
O poder disciplinar é correlato com o poder hierárquico, mas com
êle não se confunde. No uso do poder hierárquico, a Administração
pública distribui e escalona as suas funções; no uso do poder disciplinar
ela controla o serviço e responsabiliza os seus servidores faltosos. Daí
a afirmativa de Marcelo Caetano de que "o poder disciplinar tem sua
origem e razão de ser no interêsse e na necessidade de aperfeiçoa::nento
progressivo do serviço público".9 Com efeito, o titular do poder disci-
plinar é o único juiz da oportunidade e da conveniência de punir deter-
minada falta administrativa, dentro dos limites que lhe impõe a própria
natureza do serviço público. Dentro dêsses limites, o uso dês~e poder
é discricionário.
~ão se deve confundir, também, o poder disciplinar da Adminis-
tração com o poder punitivo da Justiça Penal. O poder disciplinar
é exercido como faculdade normativa interna da Administração, e só
abrange as faltas relacionadas com o serviço e decorrentes dos deveres
funcionais dos servidores públicos. A punição criminal, pela Justiça
comum, abrange os crimes e contravenções previamente definidos nas
leis penais e é aplicada com a tríplice finalidade retributiva, intimida-
tiva e de defesa social. Modernamente, já ninguém confunde o poder
disciplinar com o Jus puniendi, pois que aquêle visa especIficamente
ao funcionário e êste, genericamente, ao indivíduo no seio da comuni-
dade. A punição disciplinar e a penal se fundam em motivos diversos,
e diversa é a natureza das penas. A diferença não é de grau; é de
substância. lO Dessa substancial diversidade entre a infração adminis-
trativa e a infração criminal resultam conseqüências bem diferençadas
entre as duas punições, que podem se justapor, sem que ocorra bis in
idem, vedado no Direito Penal, mas tolerado no Direito Administra-
tivo. Por outras palavras, um procedimento pode ao mesmo tempo
constituir falta administrativa e infração penal, sujeitando o seu
agente às duas punições, sem que a isto se oponha o princípio do
non bis in idem.
Outra característica do poder disciplinar é o seu discricionarismo,
no sentido de que não está vinculado a prévia definição da lei sôbre

9 Marcelo Caetano. Do Pode~ Disciplinar, 1932. pág. 25.


10 Guido Zanobini. L.e Scnzione Amministratit;e. pág. 111; Lúcio Bittencourt.
D:re!to Disciplinar, Princíp:o da L.egalidade, in "Revista de Direito Adminis~rativo".
vol. 2/794: A. GonçJlns cc Oliveira. Parecer, in "Revista de Direito Administrativo".
\'01. 46/478: l'"Ianzini. Trattato di Diritto Penale. 1920. vaI. 1/80: Gaston Jeze.
Principias Gene:ales dei Derecho Administrativo, 1949. vaI. lII/92: Paul Duez et Guy
Debeyrc. Traiu: de Droit Administratii, 1952, pág. 677. n.o 927; André de Lauba-
cére. Traité Élémentaire de Droit Administratif, 1953, pág. 705, D.o 1.362.
-7-
a infração funcional e a respectiva sanção. l1 Não se aplica ao poder
disciplinar o princípio da antecedência legal que domina inteiramente
o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistência da infração penal
sem prévia lei que a defina e apene: nullum crimen, nulla poena
sine lege. Êsse princípio não vigora em matéria disciplinar. O admi-
nistrador, no seu prudente critério, tendo em vista os deveres do
funcionário, em relação ao serviço, e verificando a falta, aplicará
a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que
estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das
infrações administrativas. A aplicação da pena disciplinar tem para
o superior hierárquico o caráter de um poder-dever, uma vez que a
condescendência na punição é considerada crime contra a Administra-
ção pública. Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado,
quando êste der ensejo, ou, Re lhe faltar competência para a aplicação
da pena devida, fica na obrigação de levar o fato ao conhecimento
da autoridade competente. É o que determina a lei penal vigente (Código
Penal, art. 320).
As penas disciplinares, no nosso Direito Administrativo federal,12
são de seis espécies, enumerando-se nesta ordem crescente de gravi-
dade: I) repreensão; 11) multa; IH) suspensão: IV) destituição de
função; V) demissão; VI) cassação de aposentadoria ou disponibili-
dade (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União - Lei fe-
deral n.O 1.711, de 28 de outubro de 1952). A enumeração das penas
em ordem crescente de gravidade não quer dizer que o superior tenha
que começar, sempre, pela mais branda, para atingir a mais rigorosa.
Conforme a gravidade do fato a ser punido, escolherá, dentre as penas
legais, a que consulte ao interêsse do serviço e a que mais bem reprima
a falta cometida. Neste campo é que entra o discricionarismo disci-
plinar. Isto não significa, entretanto, que o superior hierárquico possa
punir, arbitràriamente, ou sem se ater a critérios jurídicos. Não é êste
o significado da discricionariedade disciplinar. O que se quer dizer
é que a Administração pode e deve, atendo-se aos princípios gerais do
Direito e às normas administrativas específicas do serviço, conceituar
a falta cometida, escolher e graduar a pena disciplinar em face dos
dados concretos apurados pelos meios regulares - inquérito ou pro-
cesse a(1ministrativo, sindicância e meios sumários - conforme a maior
ou menor gravidade da falta, ou a natureza da pena a ser aplicada.1 3
O essencial é que, antes da aplicação da pena disciplinar, se apure,
efetivamente, a falta, dando-se oportunidade de defesa ao acusado. Sem

11 Caio Tácito, Poder Disciplinar e Direito de Defesa, in "Revista de Direito


Admini,trativo", vol. 37/345, No mesmo sentido: Rogcr Eonnard, Droit Administratif,
13,a cd .. pág, 77: Santi Romano, I pote;i disciplinari delle pubbliche amministrazione,
in "Scritto Minori", vol. II/91.
12 Essas penas não são exaustivas e nem de aplicação obrigatória ao funciona-
lismo estadual e municipal. que pode ter estatuto próprio.
13 S. T. F .. Revista de Direito Administrativo. Tribunal de Justiça de São Paulo.
ltevi,ta de Direito Administrativo, vol. 23/117.
-8-

o atendimento dêsses dois requisitos, a punição assumirá o aspecto de


arbitrariedade (e não discricionariedade) e será invalidável por via
j udicial. 14
A motivação da punição disciplinar se nos afigura imprescindível
para a validade da pena. Não se pode admitir como legal punição
desacompanhada de justificativa da autoridade que a impõe. Até aí,
não vai a discricionariedade do poder disciplinar. O discricionarismo
disciplinar se circunscreve na escolha da penalidade, dentre as várias
possíveis, na graduação da pena, na oportunidade e conveniência de
sua imposição. Mas, quanto à existência da falta e os motivos em que
a Administração embasa a punição, não podem ser omitidos ou olvi-
dados no ato punitivo. Tal motivação, é bem de ver, pode ser resu-
mida, mas não pode ser dispensada, totalmente. O que não se exige
são as formalidades de um processo judiciário, se bem que boa parte
de seu rito possa ser, utilmente, adotada pela Administração, para
resguardo da legalidade de seu ato. A autoridade administrativa não
está adstrita, como a judiciária, às fórmulas processuais. Pode usar
de meios mais simples e consentâneos com a finalidade disciplinar,
para apurar a falta e impor a pena adequada. O que não nos parece
admissível é que deixe de indicar, claramente, o motivo e os meios
regulares de que usou para a verificação da falta objeto da punição
disciplinar.
A motivação se destina a evidenciar a conformação da pena com
a falta, e a permitir que se confira a todo tempo a realidade e a
legitimidade dos atos ou fatos ensejadores da punição administrativa.
Segundo a moderna doutrina francesa, hoje aceita pelos nossos publi-
cistas e pela nossa jurisprudência, todo ato administrativo é inope-
rante quando o motivo invocado é falso ou inidôneo, vale dizer, quando
ocorre inexistência material ou inexistência .1U1·ídica dos motivos. :Ê~sses
motivos, na expressão de Jeze, devem ser "materialmente exatos e
jurIdicamente fundados".1 5 Tal teoria tem inteira aplicação ao ato dis-
ciplinar, que é espécie do gênero "ato administrativo".
Ao motivar a imposição da pena, o administrador não se está des-
pojando da discricionariedade que lhe é conferida em matéria disci-
plinar. Está, apenas, legalizando essa discricionariedade, visto que a
valoração dos motivos é matéria reservada, privativamente, à sua con-
sideração, sem que outro Poder possa rever o mérito de tais motivos.

14 S. T. F., Revista de Direito Administrativo, vaI. 37/345; Tribunal de Jus-


tiça de São Paulo.
15 Gaston Jeze, in Revue du Droit Public et de la Science Politique, 1937,
vaI. 54/324. No mesmo sentido vejam-se. entre nós: Caio Tácito. A inexistência dos
motivos nos ato] administrativos, in "Revista de Direito Administrativo". vaI. 3 6/78.
e Contrôle dos l,"oticos r.os etos discricionários, in "Revista de Direito Administrativo".
vaI. 38/350; Bilac Pinto. Estudos de Direito Público, 1953. pág. 312; Francisco
Campos. Direito Administrativo, 1943, pág. 122. Jurisprudência pátria: S. T. F"
Revista de Direito Administrativo, vaI. 38/350; T. F. R .. Revista de Direito Adminis-
trativo, vaIs. 46/1 89.25/92 e 24/143; Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista
dos Tribunais. vols. 217/13 O. 199/278 e 191/691; Tribunal de Alçada de São Paulo,
Revista dos Tribunais, vaI. 211/449.
-9-

o próprio Judiciário deter-se-á no exame material e jurídico dos mo-


tivos invocados, sem lhe adentrar a substância administrativa.
5. O poder regulamentar é inerente e exclusivo da função exe-
cutiva (Constituição federal, art. 87, n.o I). Os Estados de Direito,
como o nosso, repartem as atividades governamentais entre o Legisla-
tivo, o Executivo e o Judiciário. Êsses Poderes, por sua vez, se des-
dobram em órgãos, com atribuições específicas e bem diferençadas,
segundo a missão a realizar. Ao Legislativo incumbe elaborar a lei;
ao Executivo toca executar a lei, convertendo-a em atos concretos de
administração; ao Judiciário compete impor, coercitivamente, a obser-
vância da lei. Pode-se dizer, assim, que a Administração, o Govêrno em
sentido amplo, é a resultante dessas três atividades operando, coorde-
nadamente, para a consecução do bem comum.
No poder de administrar está implícito o de regulamentar. As
lacunas da lei, a imprevisibilidade de certos fatos e circunstâncias,
que surgem a todo momento a reclamar providências imediatas da Ad-
ministração, impõem se reconheça ao Executivo o poder de regulamen-
tar as normas legislativas incompletas, ou de prover situações não
previstas pelo legislador, mas ocorrentes na prática administrativa. Era
de se desejar que a nossa Constituição ampliasse o poder regulamentar
de modo a permitir ao Executivo maior liberdade no trato dos negó-
cios públicos de sua competência. Ao revés, os nossos constituintes
de 1946, reagindo ao fortalecimento do Executivo no regime anterior,
enfraqueceram, demasiadamente, êsse Poder, negando-lhe quaisquer
delegações de outros Poderes16 e restringindo ao mínimo a faculdade
regulamentar .17
Os regulamentos são atos administrativos gerais expedidos, pri-
vativamente, pelos chefes do Executivo federal, estadual e municipal
- Presidente da República, Governadores e Prefeitos - em decretos,
com o fim de explicar o modo e forma da execução da lei (regulamento
de execução), ou prover situações não previstas em lei (regulamento
autônomo ou independente).
O regulamento não é lei, embora a ela se assemelhe no conteúdo
e poder normativo. 18 Nem tôda lei depende de regulamento para ser

16 Referindo-se ao art. 36, § 2. 0 , da Constituiçâo fcder~l. que proíbe as dele-


gações de poderes. o deputado Afonso Arinos de Melo Franco apontou. precisamente,
a sua origem: "Êste artigo n?-o é senão a explosão de um rzcalque antiditatorialísta da
Assembléia Constituinte, não é senão o gesto de revide de;u Casa. fechada, traiçoeira-
mente, a 10 de novembro pelo ditador. Êste artigo não é senão a manifestação de
uma condenação política, êle não é senão o protesto da consciência legis!atiya nacional
em face das ameaças da espada ou da ditadura" (Diário do Cong-esso Nacional de 24
de fevereiro de 1949, pág. 1.296).
17 Carlos Medeiros Silva, O poder regulamentar e sua extensão, In "Revista de
Direito Administrativo", vol. 20/1. O poder regulamentar no Direito Comparado, in
-Revista de Direito Administr~ti\·o". \'01. 3 0/28: Caio Tácito, As delegações legis·
lativas e o poder requlamentar, in "Re\'ista de Direito Administrativo", vol. 34/471:
Vítor Nunes Leal. Lei e regulamento, in "Revista de Direito Administrativo", vo1. 1/371.
18 O poder normativo, embora caiba, predominantemente, ao Legislativo, nêle
não ge exaure. Outros órgãos de Administração também o exercitam, notadamente
-10 -

executada, mas tôda e qualquer lei pode ser regulamentada, se o Exe-


cutivo julgar conveniente fazê-lo. Sendo o regulamento, na hierarquia
das normas, ato inferior à lei, não a pode contrariar, nem restringir
ou ampliar suas disposições. Só lhe cabe explicitar a lei, dentro dos
limites por ela traçados. Na omissão da lei o regulamento supre a
lacuna, até que o legislador complete os claros da legislação. Enquanto
não o fizer, vige o regulamento, desde que não invada matéria reser-
vada à lei.1 9
6. O conceito de poder de polícia se vem alargando dia a dia, de
modo a abranger, cada vez mais, as atividades particulares que inte-
ressem, direta e imediatamente, à coletividade.
Para nós, poder de polícia é a faculdade disc'ricionária que se re-
conhece à Administração pública, de restringir e condicionar o uso e
gôzo dos direitos individuais, especialmente os de propriedade, em bene-
fício do bem-estar geral. tO
Em linguagem mais livre se pode dizer que o poder de polícia é
o mecanismo de frenagem empregado pela Administração pública para
deter o uso anti-social dos direitos individuais. Por êsse mecanismo,
próprio do Direito Administrativo, o Poder Público contém a ação par-
ticular contrária, nociva ou inconveniente à coletividade. Como meio
de frenagem inerente a tôda Administração pública - federal, esta-
dual, municipal - êle habilita os agentes administrativos a velar, efi-
cientemente, o bem comum, fazendo cessar tôda atividade individual
que lese ou ameace os interêsses gerais da comunidade.
N a conceituação de Caio Tácito, "o poder de polícia é, em suma,
o conjunto de atribuições concedidas à Administração pública para
disciplinar e restringir, em favor do interêsse público adequado, direitos
e liberdades individuais".Z1

Os do Executivo. quzndo expedem regualmentos e determinações de caráter geral e ex-


terno. A propósito. merecem transcritas as considerações do Pro:essor Caio Tácito. em
lúcido con:entário à decisão do Tribunal Federal de Recursos. que sufragou J 1,;e ora
sustentada: "A capacidade ordinatória do Estado se manifesta por meio de cícculos
concêntricos que vão, sucessivamente, da Constituição à lei material e formal, isto é,
aquela elaborada pelos órgãos legislativos: desta aos regulamentos por meio dos quais
o Presidente da RepúbEca complementa e particulariza as leis; e. finalmente. aos atos
administrativos gerais, originários das várias escalas de competência administratin. São
constantes as normas, de fôrça obrigatória equivalente às leis e regulamentos, desde
que a elas ajustadas, contidas em portarias, ordens de serviço. circulares. instruções ou
em meros despachos. É, em suma. a substância, e não a forma que exprime a distinção
entre o ato administrativo especial (decisão específica) e o ato administrativo geral
(ato normativo). Aquêle, tal como as decisões judiciais, aplica o Direito ao caso.
solvendo uma postulação concreta. Êste rep;-esenta a formulação de uma ordem nova,
complementar ao Direito existente, que esclarece e desenvolve, tendo. obviamente, con-
teúdo inm·ador. embora mínimo" (O ,~fandado de segurcnça e o poder normelivo da
Administração, in "Revista de Direito Administrativo". vaI. 46/246).
19 Carlos S. de Barros Jún;or, Fontes do Direito Administratiuo - Limites
do poder regulamentar, in "Revista de Direito Administrativo", vaI. 28/ I.
20 Veja-se o nosso O poder de polícia do Município. in "Revista de Direito da
Procuradoria-Geral da Prefeitura do Distrito Federal", vaI. IV /55.
21 Caio Tácito, O poder de polícia e seus limites, in "Revista de Direito Admi-
nistrativo", vaI. 2 7 / I.
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Na lição de Cooley, "o poder de polícia (police powe1') , em sen-


tido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna,
pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão,
também, estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas re-
gras de boas maneiras e de boa vizinhança que se supõem necessárias
para evitar o conflito de direito e para garantir a cada um o gôzo
ininterrupto de seu próprio direito, até onde fôr razoàvelmente com-
patível com o direito dos demais. 22
Na síntese de Fleiner, "o poder de polícia é a faculdade de ditar
normas com fôrça obrigatória para submeter as atividades da liberdade
pessoal e a propriedade aos limites que o bem público exija".23
O que a doutrina põe em relêvo, pela unanimidade dos autores,
é a faculdade que tem tôda Administração pública de editar e executar
medidas restritivas do direito individual, em benefício da coletividade.
1!:sse poder se difunde por tôdas as entidades estatais, cabendo ao }Iuni-
cípio boa parte de sua utilização no policiamento das atividades locais.
A ê83e propósito merece invocada a autoridade de Bonnard: "A com-
petência em matéria de polícia não deve ser reservada, exclusivamente,
nem ao poder central, nem às autoridades administrativas locais. Ela
deve ser repartida entre as diferentes autoridades, com uma parte pre-
ponderante para a administração local. A polícia deve ser, em sua maior
parte, polícia municipal".24 E sobejam razões para êsse maior aqui-
nhoamento do poder de polícia às Municipalidades, porque suas admi-
nistrações é que mantêm contato direto e freqüente com as realidades
sociais, com a vida dos munícipes, e por isso mesmo estão em con-
dições mais propícias para resguardar o interêsse coletivo, contra o
uso anti-social dos direitos individuais, através de medidas prontas e
adequadas à proteção da coletividade local.
A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, e por isso
mesmo se reparte entre a polícia judiciária e a polícia administrativa,
que é a que nos interessa neste estudo.
Polícia judiciária é a que tem por missão assegurar a ordem pú-
blica interna, prevenir e reprimir infrações penais - crimes e contra-
venções - e apresentar os infratores à Justiça, para a conveniente
punição. Em decorrência de sua missão, ela atua por meio de corpo-
rações armadas e serviços especializados em repressões, prevenções e
investigações criminais. É empregada na vigilância e defesa das pes-
soas e de seus bens, incumbindo-lhe efetuar prisões em flagrante e em
cumprimento de mandados judiciais, assim como garantir a execução
de ordens administrativas, quando resistidas pelos particulares. Na po-
lícia judiciária é que reside, propriamente, a fôrça pública do Estado.
Polícia administrativa é que se destina a assegurar o bem-estar
geral, impedindo, através de ordens e proibições das autoridades com-
petentes, o uso anti-social dos direitos individuais e da propriedade

22 Cooley (T. M.). Constitutionel Limitation. 1903. pág. 829.


23 Fritz Fleiner. lnstituciones de Derecho Administrativo. 1933. pág. 311.
24 Roger Bonnard. Préçis de Droit Administratif, 1935. pág. 323.
- 12 --

particular. A polícia administrativa se exterioriza no conjunto de ór-


gãos e serviços públicos incumbidos de fiscalizar, controlar e deter as
atividades individuais (não os indivíduos) que se revelem contrária!',
inconvenientes, ou nocivas à coletividade, no tocante à segurança, à
higiene, à saúde, à moralidade, ao sossêgo, ao confôrto públicos, bem
assim à estética da cidade.
Daí a justa observação de Hauriou de que "todo poder adminis-
trativo gira em tôrno da idéia de polícia preventiva destinada a pro-
curar u'a melhor paz social. E não é difícil demonstrar que as organi-
zações de serviços públicos, por mais técnicos que sejam, não passam
de meios de polícia e de garantias preventivas da paz social".25
N o uso normal do poder de polícia administrativa, a Administra-
ção expede regulamentos e demais determinações para o exercício dos
direitos e atividades particulares que interessem à coletividade. A essas
normas ficam sujeitos todos os que venham a praticar a atividade poli-
ciada administrativamente, dependendo o seu exercício de licença pré-
via da autoridade competente, licença que, na técnica administrativa,
se denomina alvará. O alvará, eomo tôda licença administrativa, é sem-
pre expedido a título precário, podendo ser cassado, a qualquer tempo,
se resultar de êrro, ou se o seu beneficiário desatender às prescrições
legais ou regulamentares no exercício da atividade licenciada, ou, ainda,
se o interêsse público vier a exigir a cessação da atividade ou da obra
até então autorizada. 26 O alvará, como licença precária, sempre depen-
dente da conveniência social, não leva o particular a adquirir direito
absoluto ao exercício da atividade ou à realização da obra autorizada,
pela razão constitucional de que o exercício dos direitos individuais não
pode se superpor ao interêsse público (art. 141), e o uso da proprie-
dade será sempre condicionado ao bem-estar social (art. 147). Pode,
pois a Administração pública, a todo tempo, fazer cessar as atividades
ou obras particulares que, por motivos supervenientes, se tornarem
prejudiciais ou inconvenientes à comunidade, desde que indenize os da-
nos suportados pelo particular com a retirada da licença ou com a inter-
dição e demolição da obra, até então permitidas.
Os fundamentos do poder de polícia administrativa se embasam
no interêsse público e defluem da Constituição e das leis ordinárias que,
a cada passo, deferem à autoridade pública missão de fiscalização e
contrôle da atividade privada, em benefício da coletividade. Tais auto-
rizações nem sempre vêm expressas em texto legal, mas decorrem, na
maioria dos casos, de permissão virtual, como poderes implícitos ne-
cessários à consecução dos fins administrativos almejados pelo legis-
lador. Sem muito respigar, se nos deparam na Constituição federal
claras restrições à liberdade individual (art. 141, §§ 5° e 11 a 15),
ao direito de propriedade (arts. 141, § 16 e 147), à liberdade de comér-
cio (arts. 145, 146, 148, 149), ao exercício das profissões (art. 141,

25 Maurice Hauriou, Droit Administratif, 1926, pág. 8.


26 Tribunal de Justiça de São Paulo, Revista dos Tribunais, vols. 237/234.
215/106 e 222/179.
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~ 14) e outras mais. Por igual, o Código Civil restringe o exerClClO


dos direitos individuais ao uso normal, cominando-lhe sanções quando
abusivo (art. 160), e, expressamente, subordina o direito de construir
a normas gerais intransponíveis (arts. 572 a 587), e a exigências es-
peciais das leis e regulamentos edilícios (art. 572). Leis outras, como
o Código de Águas, o Código do Ar, o Código Florestal, consignam rE>S·
trições diversas, visando, sempre, ao bem-estar geral.
A cada restrição de direito, autorizada em lei, corresponde equi-
valente poder de polícia à Administração pública para fazê-la obede-
cida. Conclui-se, assim, que êsse poder está, sempre, em exata corres-
pondência com as limitações da atividade individual, legalmente esta-
belecidas.
Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo
interêsse social em conciliação com os direitos individuais, constitu-
cionalmente assegurados. O sistema de liberdades públicas não é regime
de licença, e por isso mesmo, de par com as garantias individuais, ad-
mite a regulamentação do exercício dos direitos e das atividades fun-
1iamentais do homem, em prol da comunidade. Do absolutismo liberal
evoluímos para o relativismo social. Os Estados modernos, como o nosso,
inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana. Daí o equilíbrio entre a fruição dos direitos individuais e as
exigências do bem comum. Através de imposições do Estado, o indi-
víduo cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade, e esta lhe
retribui o benefício em segurança, ordem, moralidade e salubridade pú-
blicas, propiciadoras do bem-estar geral. Para a dosagem dessas con-
cessões individuais em favor da comunidade, o Estado utiliza-se dêsse
poder discricionário, que é o poder de polícia administrativa. Tal poder,
entretanto, não é arbitrário, absoluto, ilimitado. Ao revés, é condicio-
nado pelos princípios constitucionais que definem os direitos e garan-
tias individuais, como mínimos legais a se:'2::1 respeitados pelo próprio
Estado.
A liberdade da Administração pública, em matéria de polícia, é a
de movimentar-se, livremente, dentro do campo que a lei demarca. Em
se tratando de faculdade discricionária, a norma legal não minudeia o
modo, forma, tempo e condições da prática do ato de polícia, como não
indica os motivos que o ensejam, nem particulariza o seu objeto. Êsses
aspectos são confiados ao prudente critério do administrador público,
e dentro dêsses limites o ato de polícia é inatacável. Mas, se a Admi·
nistração, exorbitando da esfera discricionária que lhe é reconhecida\
dela se afastar, transpondo os lindes legais ou desviando-se da finali-
dade pública, o ato de polícia ficará sujeito a invalidação, como qual·
quer outro administrativo, cometido com abuso ou excesso de poder.2'
O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou
atividade suscetível de regulamentação e restrição pela Ad!ninistração

27 S. T. F.. Re~'ista de Direito Administratit.:o. \'01. 30/257: Tribuna! de


Justiça de São Paulo. Rel'ista cit .. vol. 39/258: Tribunal de Justiça do Distrito Fe-
~eral. Revista cit .. vols. 35/295. 38/336 e 40/344.
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pública, em proveito da segurança, salubridade e bem-estar da coleti-


vidade. Com êsse objetivo o Poder Público policia, geralmente, a ação
particular em tudo que respeite à incolumidade, à higiene, à saúde, à
moralidade pública e à estética da cidade. Não obstante sejam essas
as matérias de eleição do poder de polícia, as exigências da civilização
concitam o Poder Público a estender o âmbito da polícia administrativa
a outros setores da atividade humana, tais como ao do domínio eco-
nômico, das profissões liberais, da indústria, do comércio, da proprie-
dade particular, da entrada e permanência de estrangeiros no País, e
outros mais.
Neste vasto campo das atividades do indivíduo em sociedade é que
o Poder Público atua como mecanismo de frenagem dos impulsos anti-
-sociais dos particulares. E atua por meio de atos concretos de admi-
nistração, de caráter preventivo, repressivo e restritivo das liberdades
individuais, atos êstes que se manifestam por ordens e proibições ten-
dentes a obter de cada indivíduo o comportamento conveniente à socie-
dade. Por isso mesmo o ato de polícia é, sempre, coercitivo, e se faz
acompanhar de sanções a serem impostas pela fôrça, aos que descum-
prirem as determinações administrativas.
A.~ sanções do poder de polícia, como meio de intimidação e coer-
ção, principiam, geralmente, com multa administrativa e se escalonam
em cominações mais graves, como a interdição de atividades, o fecha-
mento de estabelecimentos, o embargo de obras, a destruição de objetos
e gêneros alimentícios, a demolição de prédios, a vedação de comércio,
a proibição da instalação de indústrias, a vedação do exercício de ati-
vidades políticas, sociais, religiosas, recreativas, científicas, literárias
ou artísticas reputadas inconvenientes ou inoportunas em determinadas
épocas, locais ou circunstâncias, além da apreensão de insanos, ébrios
ou doentes sujeitos a internamento compulsório, e outras mais oue as
autoridades administrativas estejam, legalmente, autorizadas a utilizar.
A imposição dessas sanções ou penalidades cabe, privativamente,
à Administração pública, por seu órgão competente para conceder }jcen-
ças, e, conseqüentemente, com poder bastante para fiscalizar e cassar
a autorização concedida, ou impedir o exercício da atividade particular
prejudicial ao interêsse da comunidade. Da natureza executória do ato
de polícia decorre para a Administração a faculdade de impor e exe-
cutar, diretamente, as sanções administrativas; de sua natureza discri-
cionária deflui a faculdade de escolha da sanção a aplicar e do mo-
mento e limites de sua aplicação, sem que outro poder possa interferir
ou restringir essa liberdade administrativa do Executivo.
As condições de validade do ato de polícia se resumem nestes qua-
tro elementos: competência da autoridade que o pratica; correspon-
dência com o fim expresso ou implícito na norma que o autoriza; pro-
porcionalidade entre a restrição imposta ao direito individual e os bene-
fícios que dela decorrem para a comunidade; legalidade dos meios
empregados.
As duas primeiras condições - competência e finalidade - são
requisitos genéricos de todo ato administrativo, uma vez que não se
- 15 --

pode considerar válido ato praticado por autoridade incompetente, ou


ato desviado da finalidade pública consignada em lei.
A terceira condição - proporcionalidade - é atributo específico
do ato de polícia administrativa, visto que não se compreende o sacri-
fício àe um direito, de uma liberdade, ou de uma atividade lícita do
particular, sem vantagem apreciável para a coletividade, ou em maiores
proporções que as exigidas pelo interêsse público. O direito não tutela
atos sem finalidade, nem autoriza restrições caprichosas. O ato de polí-
cia só é lícito, quando dêle resultar uma utilidade sensível para a comu-
nidade, e fôr praticado segundo as necessidades do bem comum. O sacri-
fício do direito do cidadão deve ser compensado pelo benefício de ordem
geral, resultante da restrição imposta à atividade policiada. Fora daí,
tudo descamba para o arbítrio e se macula de ilegalidade.
O último requisito - legalidade dos meios - se relaciona com as
garantias individuais com que a Constituição resguarda os direitos e
atividades fundamentais do homem. Com ser o ato de polícia de natu-
reza discricionária, não está o Poder Público autorizado a empregar
meios ilegais para a sua prática, embora lícito e legal o fim, compe-
tente a autoridade para ordená-lo, e de interêsse público a restrição
imposta ao particular. Em matéria de polícia, adverte Bonnard, le fin ne
justifie pas tous les moyens. 28 Com efeito, os meios devem ser os autori-
zados em lei, os permitidos pela moral, os reconhecidos pelo Direito,
embora coercitivos e traduzidos em fôrça física. Tais meios hão-de ser
compatíveis com a necessidade e urgência da medida, e com a digni-
dade humana. A interdição de atividades, a destruição de bens, a demo-
iição de obras, o emprêgo da fôrça física, a detenção pessoal, só se
justificam como providências extremas do Poder Público. Enquanto
houver possibilidade de concretizar a medida policial por meio de ordens
administrativas, não se legitima a violência. Só a renitência ou resis-
tência do particular às determinações legais é que autorizam o emprêgo
da fôrca física como último argumento do Poder público contra o ca-
pricho 'do indivíduo.
A discricionariedade e a executoriedade do ato de polícia admi-
nistrativa são hoje reconhecidas, uniformemente, pela doutrina e pela
jurisprudência. 29
A discricionariedade se traduz na livre apreciação, pelo adminis-
trador público, da oportunidade e conveniência de sua ação, bem como
dos meios a empregar, dentre os admitidos pelo Direito, para atingir

28 Roger Bonnard. Précis de Droit Administratif, 1935. pág. 321.


29 Borsi. L'executorÍetà degli atti amministrativi, 1. a ed.. pág. 51; Raneletti.
Le gUJrentigie della giustiz a neLa Pubblica Amministrazione, l.a ed. pág. 135; Gui-
marães Menegale. Direito Administrativo e Ciência da Administração, 3 a ed .. vol. 1/69;
Machado Guimarães. Comentários ao Código de Processo Civil, l.a ed .. vol. IV /221.
Na jurisprudência vejam-se: S. T. F .. Revista de Direito Administrativo, vol. 30/257;
Tribunal de Justiça de São Paulo. Revista dos Tribunais, vols. 183/823. 186/325.
194/225 e 210/161; Revista de Direito Administrativo, vols. 35/293. 38/336 e
40/344.
- 16-

o fim administrativo visado.~ Desde que o ato se contenha na área de


liberdade reconhecida à Administração, ela escolherá como, quando e
em que condições deve praticá-lo. Nenhum outro Poder, nem mesmo o
Judiciário, dispõe de competência para modificar ou invalidar o nto
de polícia administrativa, por considerações de injustiça, inoportuni-
dade ou inconveniência de sua prática. A apreciação judiciária se res-
tringirá, como na de todo ato administrativo, ao aspecto da legalidade,
isto é, da adequação formal, substancial ou ideológica do ato com a lei.
A executoriedade do ato de polícia é, também, característica ine-
rente à sua natureza. Isto significa que o ato de polícia traz em si a
possibilidade de execução direta e imediata pela Administração, sem re-
correr a qualquer outro órgão ou Poder, estranho ao Execut1vo. Para
a prática do ato de polícia administrativa não há necessidade de prévia
apreciação e decisão judiciária. A própria Administração fá-lo exe-
cutar com seus próprios meios, garantida pela fôrça pública, se preciso
fôr, ainda que o ato importe em apreensões de coisas, embargos ou
demolição de obras, impedimento de ingresso de pessoas em determi-
nados lugares, inutilização de gêneros impróprios para o consumo, fe-
chamento de estabelecimentos e o que mais se contiver na competência
de quem o determine.
Claro está que se o particular se julgar ferido em seus bens ou di-
reitos, pela execução do ato de polícia, poderá pleitear perante o Judi-
ciário, em procedimento adequado, sua suspensão, anulação ou repa-
ração do dano injustamente suportado. O que pretendemos assinalar é
que a Administração pública não fica sujeita à prévia obtenção de man-
dado judicial para a efetivação das medidas de polícia administrativa,
sejam elas de que natureza forem. A propósito já decidiu o Tribunal
de Justiça de São Paulo, em sessão plenária, que, em tema de ato de
polícia, nenhuma procedência tem a objeção de que a ação sumária da
Administração pública pode lesar o indivíduo, na sua liberdade ou no
seu patrimônio. "Exigir-se prévia autorização do Pnder Judiciário -
conclui o julgado - equivale a negar-se o próprio poder de polícia
administrativa, cujo ato tem de ser sumário, direto e imediato, sem
as delongas e complicações de um processo judiciário prévio".31
7. O poder concedido à autoridade pública tem limites certos e
forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, caprichos,
prepotências, improbidade ou favoritismo administrativos. Todo ato do
Poder Público, para ser irrepreensível, há-de conformar-se com a lei,
com a moral e com a finalidade social. Legalidade, moralidade e
finalidade são pressupostos indissociáveis de todo ato administrativo

'30 Não se dcyc conÍundir discriciona~iedade com arbitrariedade. Discricionaridadt


é a liberdade de agir dentro dos limites pré-tr2çados pelo Direito: a~b:trariedade é ação
excedente ou contrária à lei. cometida com abuso ou desyio de poder. O ato discri-
cionário. qU2ndo permitido à Administração pública, é legítimo e yálido: o ato arbi-
trário é ser.lp!'e ilegítimo e indlido.
31 Trib;;-.l.1 ~e Ju~~;ça dr São P;;:llo. Revista ~e Direito Administrativo.
• 01. 183/8B. Nc. mamo antidC! Reviste do. Tribunai., vola. 186/325. 210/151
!! 217/116.
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que almeje ser legítimo. A utilização do poder administrativo há-de


ser orientada pelo interêsse público, nunca pelo interêsse pessoal do
administrador ou de seus correligionários e mentores. O interêsse pú-
blico, e não a vontade da autoridade, é que impera nos domínios da
Administração.
O poder é pôsto à disposição da autoridade pública para ser usado
em benefício da coletividade, mas usado nos justos limites que o inte-
rêsse coletivo exigir. Isto significa que o poder administrativo, como
o direito individual, hão-de ser usados com normalidade, e não com
abuso. O uso do poder é lícito; o abuso, ilícito.
O uso do poder há-de ser normal e legal. Usar, normalmente, do
poder é utilizá-lo dentro dos limites traçados pela lei, segundo os pre-
ceitos da moral administrativa e em defesa dos interêsses sociais. Abu-
sar do poder é empregá-lo contra ou sem autorização da lei, em des-
conformidade com a moral da instituição e do cargo, ou para fins outros
que não os reclamados pelo interêf'!"e geral da comunidade administrada.
O abuso do poder, como tôda fraude, reveste as formas mais diver-
sas. Ora se apresenta ostensivo como a truculência, às vêzes dissimu-
lado como o estelionato, e não raro encoberto na forma irrepreensível
dos atos legais. Em qualquer dessas modalidades - flagrante ou dis-
farçado - o abuso do poder é, sempre, uma ile6"alic'ade invalidadora
do ato praticado. Foi com base nesse raciocínio que o Conselho de Es-
tado da França passou a anular os atos abusivos das autoridades admi-
nistrativas, dando ensejo à teoria do desvio do poder, alicerçada no
exces de pouvoir, ou no détournement de pouvoir, hoje, plenamente in-
tegrada na nossa prática administrativa e judiciária.
O desvio do poder, a que os franceses chamam détournement de
pouvoir, nada mais é que a violação dissimulada da lei pelo agente ad-
ministrativo, que, embora nos limites de suas atribuições, usa de seu
poder para fins ou por motivos diversos daqueles em virtude dos quais
o poder lhe foi conferido. O desvio do poder é, em última análise, a
violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da
lei visando o administrador público a fins não queridos pelo legislador,
ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato admi-
nistrativo legal. Embora fundado na lei, o administrador comete, em
tal cnso, um abuso de poder, pela imoralidade do fim visado, encoberta-
mente, ou pela imoralidade dos meios e dos motivos invocados para
o cometimento do ato.
Daí a justa explicação de Ripert de que "a teoria do abuso do
Direito foi, inteiramente, inspirada na moral e a sua penetração no
domínio jurídico obedeceu a propósito determinado. Trata-se, com
efeito, de desarmar o pretenso titular de um direito subjetivo e, por
conseguinte, de encarar de modo diverso direitos objetivamente iguais,
pronunciando uma espécie de juízo de caducidade contra o direito que
tiver sido imoralmente exercido. O problema não é, pois, de responsa-
bilidade civil, mas de moralidade no exercício dos direitos".32
32 Georges Ripert. La Regle Morale dans les Obligations Civiles, l,a ed .. pág. 163.
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Transplantando-se êsses conceitos para o Direito Administrativo,


temos que, se o poder foi conferido ao administrador para realizar
determinado fim, por determinados motivos e por determinados meios,
tôda ação que se apartar dessa conduta, contrariando ou ladeando o
desejo da lei, padece do vício de desvio de poder, e, como todo ato abu-
sivo, arbitrário, ou imoral, é nulo.
O ato administrativo - vinculado ou discricionário - deve ser
praticado, sempre, com observância formal e ideológica da lei. Exato na
forma e inexato no sentido, nos motivos ou nos fins, haverá, sempre,
ilegalidade, por violação da lei ou por desvio do poder. O poder dis-
cricionário da Administração não vai ao ponto de encobrir arbitrarie-
dade, capricho, má-fé, ou imoralidade administrativa, por ação ou omis-
são do agente do Poder.
Dentre os atos eivados de desvio de poder cita Hauriou os que
são praticados por interêsse pessoal, por favoritismo, por proteção par-
tidária e os que se realizam com má-fé administrativa, e ajunta o re-
110mado publicista: "A Administração deve agir sempre de boa-fé, por-
que isto faz parte de sua moralidade".33
O contrôle da legalidade e da moralidade administrativas deve
começar dentro da própria Administração, pela fiscalização do cumpri.
mento da lei e da observância dos preceitos da moral interna, cabendo
ao Poder Público revogar ou anular os seus próprios atos que se apre-
sentarem eivados de vícios de mérito ou de ilegitimidade form~!l ou
substancial.
Mesmo as atividades chamadas discricionárias, da Administração,
só o são dentro dos limites pré-traçados pelo Direito, pela Moral e pela
finalidade do ato a ser praticado. O que há nos atos discricionários é,
apenas, maior liberdade administrativa na escolha das várias condutas
possíveis, postas pela lei à disposição do administrador. Mas, quer nos
atos vinculados, quer nos atos discricionários, a lei é a medida-padrão
com que se aferirá a sua vali dez.
Para tanto, a Administração pública dispõe de poderes bastantes,
não só para bem ordenar e coordenar a atividade administrativa, como,
e principalmente, para controlar e punir a ação ilegal ou abusiva de
seus agentes. Se o não fizer, poderá ser solicitado, pelas vias próprias,
o contrôle do Judiciário sôbre os atos administrativos ilegais ou ilegí-
timos, provenham êles de qualquer Poder, órgão ou autoridade, e se
apresentem com violação flagrante ou dissimulada da lei, por ausência,
abuso ou desvio de poder. 34

33 Maurice Hauriou. Droit Administratif. 1926. pág. 197.


34 S. T. F .. Revista de Direito Administrativo. vol. 42/227.

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