Punk e Hiphop Na Cidade
Punk e Hiphop Na Cidade
Punk e Hiphop Na Cidade
RESUMO
Procuro abordar, neste artigo, o processo de constituição, na cidade de Guarapua-
va/PR, dos movimentos punk e hip-hop, com vistas a oferecer uma possibilidade de
abordagem, na Geografia, dos movimentos sociais constituídos por atores jovens.
Inicialmente, apresento, de forma resumida, a trajetória de constituição do próprio
lugar que, em certo momento, contou com condições geo-históricas favoráveis à
aterrissagem desses movimentos juvenis transterritoriais. Depois, apresento uma
breve história do surgimento e difusão do punk e do hip-hop pelo mundo. Por
fim, trago uma interpretação das trajetórias desses movimentos em Guarapuava,
traçando o processo de constituição das redes localizadas de sociabilidade e de ter-
ritorialização de cada movimento na cidade, que fizeram com que, no lugar, se
constituíssem novos sujeitos políticos, em diálogo e em conflito com aqueles já pre-
sentes. O centro do trabalho é o estudo comparativo da difusão, territorialização e
formação das redes de sociabilidade de ambos os movimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Punk. Hip-Hop. Redes de Sociabilidade. Lugar. Terri-
torialização.
ABSTRACT
This article tries to approach the process by which the punk and hip-hop mo-
vements are constituted in the city of Guarapuava-Pr in order to develop a
NÉCIO TURRA NETO
INTRODUÇÃO
Os movimentos punk e hip-hop podem ser definidos como manifestações
juvenis, ao mesmo tempo, culturais e políticas. Enquanto movimentos de ju-
ventude, guardam especificidades em relação ao que se entende tradicional-
mente por movimentos sociais e apenas num sentido muito particular podem
ser considerados como tal1.
Inspirado em Melucci (1997; 2001), tomo o hip-hop e o punk como novos
movimentos sociais, na medida em que acionam redes sociais, com fortes co-
notações culturais, para a realização de ações pontuais e efêmeras. Assim, essas
culturas juvenis podem ser lidas como redes de sociabilidade, com potencial de
mobilização em ações coletivas, no quadro de um campo conflitual, num dado
momento e com objetivo determinado. Essas redes investem cotidianamente
na comunicação, interação e solidariedade entre seus membros e sua ação cole-
tiva está sempre em latência, podendo ser acionada a qualquer momento. Nes-
ses termos, o ajuntamento para o embate se dá como um evento excepcional,
ao qual se segue a dispersão. E o embate tem muito de diversão, de encontro,
de festa, sem o que, talvez, ele não tivesse força de agregação.
1 Pelo menos este é o caso dos movimentos punk e hip-hop que conheci pelas pesquisas realizadas
em Londrina e Guarapuava, no estado do Paraná.
2 O estudo dos movimentos punk e hip-hop, em Guarapuava, é parte da minha tese de doutorado,
desenvolvida na UNESP de Presidente Prudente, na qual estudei também diferentes gerações
na cidade. A tese intitula-se “Múltiplas Trajetórias Juvenis em Guarapuava: territórios e redes
de sociabilidade” e contou com a orientação da Professora Maria Encarnação Beltrão Sposito, a
quem agradeço as leituras e críticas.
3 Foram entrevistados membros e ex-membros de cada movimento, para, a partir das trajetórias
biográficas dos sujeitos, acompanhar o processo de constituição das redes de sociabilidade. Tam-
bém realizei observação participante, para ter acesso às formas contemporâneas de acontecer e se
territorializar do punk e do hip-hop na cidade de Guarapuava.
4 O conceito de lugar aqui está amplamente inspirado em Massey (2000; 2008), para quem ele é
um feixe eventual de conexão de redes de relações, de diferentes escalas, que se intersectam, mas
continuam em processo, de forma que novas conexões são sempre possíveis.
FORMAÇÃO DO LUGAR
Guarapuava é uma cidade cuja origem remonta ao Brasil Colonial. Sur-
giu no contexto da tomada de posse do território, a oeste, em disputa com a
Espanha, e da economia tropeirista, com vistas a abastecer as Minas Gerais,
com gado e mulas. A doação de sesmarias e os outros mecanismos de acesso a
terra, que se seguiram, constituíram e sedimentaram uma estrutura fundiária
baseada no latifúndio, que marca a região até os dias atuais.
Essa estrutura chegou praticamente intacta até a primeira metade do século
XX quando, finalmente, a economia tropeira entrou em crise e novos agentes
sócio-econômicos afluíram para a região, como os imigrantes europeus, as ma-
deireiras e, por fim, atores envolvidos na agricultura comercial, quando a região
se abriu, na década de 1950, como uma fronteira agrícola interna, no Estado
do Paraná. A partir desse período até a década de 1970, o campo do município
recebeu consideráveis fluxos migratórios, vindos de outros estados brasileiros,
em busca da terra barata.
A cidade foi, então, desempenhando diferentes papéis em cada período.
Se a princípio, era uma emanação de um poder distante (SANTOS, 1993),
incumbida de taxar a produção do campo, com a agricultura comercial, ela
passou a ser o suporte dessa nova economia. Regionalmente, Guarapuava, por
conta de sua história, assumiu a condição de polo, fazendo declinar a economia
urbana das pequenas cidades ao seu entorno (SILVA, 1995).
No decorrer da década de 1970, com a crise da economia madeireira e a
ampliação da agricultura moderna, promovendo uma reconcentração da pro-
priedade fundiária, houve um intenso processo de migração campo-cidade. Foi
quando a maior parte da população municipal mudou sua situação de domicí-
lio de rural, para urbana. Segundo dados do IBGE, de uma população urbana
5 Os novos habitantes urbanos também vieram do campo de municípios da região ou mesmo das
pequenas cidades que circundam Guarapuava.
6 Os anos de 1970, em Guarapuava, viram a difusão da televisão, dos aparelhos de toca-discos; co-
nheceram a influência da Jovem Guarda e do movimento das discotecas. Tudo isso como signos
de juventude – conceito que não parecia estar presente nos anos de 1950.
cela da geração que aderiu, ou que teve condições de aderir, a esses referenciais
do “ser jovem” e, assim, viver a juventude possível naquele espaço-tempo.
Essa movimentação de jovens na rua fez emergir, ao longo dos anos de
1980 e 1990, uma “mancha de lazer” (MAGNANI, 1992), pela coesão de
uma série de estabelecimentos e equipamentos de uso coletivo, voltados ao
lazer e à diversão (cada vez mais noturna) da juventude. A figura 1 permite
visualizar o deslocamento do centro da sociabilidade ao longo da Rua XV,
bem como as referências espaciais já citadas.
Se, entre 1940 e 1960, a sociabilidade na Rua XV era ritmada pela missa
e polarizada pela igreja e por um clube social, da elite local, nos anos de 1970,
o apogeu do movimento das discotecas, inspirado no filme “Embalos de Sába-
do à Noite” e na novela “Dancing Days”, fez emergir espaços especificamente
juvenis na cidade, como a Boate Ruf’s e a Lanchonete Komilão7. O trecho da
Rua XV de Novembro, entre esses estabelecimentos, foi intensamente percor-
rido pelos/as jovens, de carro, não mais no domingo à tarde, mas no sábado à
noite, adentrando a madrugada. Um espaço-tempo do qual os pais já não mais
faziam parte (MARGULIS, 1997).
No quadrante ao norte da Lanchonete Komilão, pode-se observar a consti-
tuição da mancha de lazer da Rua XV, o principal centro de diversão noturna
da cidade, para onde convergem jovens dos mais diversos bairros, em relações
nem sempre cordiais. No restante da Rua que aparece no mapa, constituiu-se,
nos anos de 1980, um calçadão, que limitou o tráfego de carros apenas no
sentido norte-sul.
A descentralização da família e da igreja e sua restrição a certos contextos
sócio-espaciais, a chegada de novos referentes culturais, para compor as redes e
práticas de sociabilidade, a pluralização de contextos, a formação de cenários e
práticas marcadamente juvenis no espaço urbano, ao mesmo tempo que a cida-
de via ampliar sua vida de relações, criaram maiores possibilidades de escolha
identitária e de acesso à informação – condições favoráveis para a territorializa-
ção das culturas juvenis globais.
Na segunda metade da década de 1990, quando Guarapuava já ultrapas-
sava a marca dos 100.000 habitantes urbanos, foi que começaram a aparecer
os primeiros sinais de que o punk e o hip-hop, em diferentes pontos da cidade,
estavam servindo de referência para jovens constituírem suas identidades in-
dividuais e seus grupos de amigos. Foi, portanto, nesse tempo-espaço especí-
fico que, pela pesquisa, vi se formarem redes de sociabilidade em torno desses
movimentos juvenis, constituindo formas territoriais próprias numa cidade de
“múltiplos territórios” (HAESBAERT, 2004), em diálogo com as condições
geo-históricas e os recursos localmente disponíveis.
7 A Lanchonete Komilão ainda compõe o quadro das referências da diversão noturna na cidade; a
Boate Ruf ’s ficou circunscrita ao final dos anos de 1970.
origem do rap.
11 A ideia de “território restringido” foi uma sugestão do Professor Marcelo Lopes de Souza, duran-
te a defesa da tese, em substituição ao “território imposto” de Haesbaert (2004), visto que este
último emprega o qualificativo “imposto” para designar situações de confinamento forçado, o
que não é o caso desses jovens do Bronx. Eles tão somente tinham limitações à sua circulação,
sobretudo, por uma ostensiva vigilância policial.
No final dos anos de 1990, o cenário punk foi marcado pela maior plura-
lização de tendências: straight edges, riot grrrls, homocore, gutter punks12, bem
como pela adesão de jovens de classes sociais mais privilegiadas e, mesmo,
de jovens de filiação religiosa (ESSINGER, 2001; O’HARA, 2005; BIVAR,
2001).
No Brasil, o principal ponto de aterrissagem dos movimentos juvenis punk
e hip-hop foi a cidade de São Paulo, em fins dos 70 e início dos anos de 1980.
Ainda que por canais diversos, eles tenham chegado a outras cidades brasilei-
ras, a princípio nas grandes, depois nas demais, São Paulo sempre exerceu uma
posição de polarização, em termos de produção cultural, em quantidade de
selos independentes, grupos de rap, grafite, break e em bandas punks.
Nas várias cidades, a história da territorialização de cada movimento é
muito parecida, guardadas as devidas particularidades. No caso do punk, a
história de formação de cada cena apresenta os seguintes traços gerais: jovens
descobrem o som, correm atrás de mais informação por canais diversos e, ten-
dencialmente, mais restritos ao underground. Novas pessoas são conhecidas no
lugar, pelo encontro na rua, pelo contato nos poucos espaços que conseguem
negociar na cidade. Pessoas que vão se reconhecendo a partir dos símbolos da
própria cultura, que passam a ostentar. Bandas aparecem na cena, bem como
fanzines. O movimento começa a ficar mais sério, a ganhar as feições de um
movimento de rebeldia, resistência, contestação e, sobretudo, de uma diversão
genuína, fora dos canais tradicionais da indústria cultural e da indústria do
lazer, que dominam as cidades.
Em Guarapuava, a cena punk se constituiu com mais de 20 anos de atraso
em relação a São Paulo. Começou a se estruturar apenas a partir dos anos de
2002 e 2003, quando algumas bandas locais promoveram eventos e deram
início à congregação de punks dispersos pela cidade. Ou seja, a cena emergiu
12 Cada uma dessas novas tendências dentro do punk mereceria, por si só, um maior esclarecimento,
mas por hora é possível reservar apenas esse espaço para, ao menos, dar algumas informações.
Straight Edges: são punks que não bebem, não fumam, não utilizam nenhum tipo de droga; o som
é mais acelerado; tendem também a não consumir carne ou qualquer outro produto de origem
animal; engajam-se em causas ambientais e de defesa dos animais; a banda precursora é a Minor
Threat, de Washington. Riot Grrrls: são as punks feministas que lutam dentro e fora da cena pela
maior liberdade da mulher, como os straight edges também têm bandas próprias, sendo algumas
das mais conhecidas Bikini Kill e Dominatrix. Homocore é hardcore gay, que procura lutar contra
a homofobia dentro e fora do movimento. Gutter punks (punks da sarjeta) mendigavam nas ruas
para beber à noite (ESSINGER, 2001; O’HARA, 2005).
13 Refiro-me aqui ao grupo de rap paulistano Racionais Mc’s. No início dos anos de 1990, esse
grupo ganhou projeção nacional com as músicas “Fim de Semana no Parque” e “Homem na
Estrada”, preparando o caminho para a grande explosão de 1997, com o CD “Sobrevivendo no
Inferno”, que vendeu 500 mil cópias. Também entre 1997-98, os Racionais MC’s ganharam o
prêmio de melhor vídeo-clip do ano, na MTV (GUIMARÃES, 1999; ROCHA, DOMENICH,
CASSEANO, 2001). É importante frisar que, apesar de ser o mais proeminente, o Racionais
MC`s não é o único grupo de rap paulistano a ganhar projeção nacional. Depois da sua difusão
e, mais recentemente, o rap nacional ganhou nomes de outros lugares, mas São Paulo ainda per-
manece como forte polo irradiador dessa cultura juvenil, à escala de Brasil.
de, quando da passagem da infância para a juventude. Em Guarapuava, a totalidade dos relatos
dos/as jovens apresenta a figura do amigo no processo de descoberta e adesão, tanto a cena punk,
quanto ao movimento hip-hop.
16 Em muitos dos relatos dos membros históricos do movimento na cidade, a descoberta do rap se
deu paralelamente à prática do skate, de modo que as pistas do centro foram importantes “termi-
nais de conexão”. Atualmente, ainda que o som predominante do skate na cidade continue sendo
o rap, os novos grupos tiveram outros terminais de conexão, como a mancha de lazer da Rua XV
de Novembro e a Praça Cândido Xavier, em que se realizaram reuniões de uma ONG.
17 Expressão empregada por Maria Encarnação Beltrão Sposito, na sua fala na Semana de Geografia
Figura 2. Guarapuava, principais terminais de conexão das redes de sociabilidade do movimento hip-hop
19 Quebrada é outro “termos nativo” que pode vir a contribuir com a leitura dessa cultura juvenil
específica. Magnani (2005, p. 201), em seu estudo sobre os circuitos dos jovens urbanos em São
Paulo, deparou-se com o termo quebrada, ao qual também procurou dar maior precisão concei-
tual. Para ele, “[...] quebrada pode ter duas leituras: uma que aponta para a distância, as carências,
as dificuldades inerentes à vida na periferia, mas também a que permite o reconhecimento, a exi-
bição de laços de quem é dessa ou daquela localidade, bairro, vila. A alusão ao perigo, por sua vez,
traz, surpreendentemente, uma conotação positiva, pois não é para qualquer um aventurar-se
pelas quebradas da vida. É preciso ‘humildade’, ‘procedimento’, estar relacionado, e esse sentido
está presente entre pichadores, nas letras de rap, nas falas de seguidores das várias modalidades
do hip-hop, como uma forma de valorização de seus estilos de vida, superando a estigmatização
da pobreza, da delinqüência e da violência geralmente associadas à periferia”.
20 Banca refere-se ao grupo de amigos com vínculos mais estreitos, geralmente formado a partir da
vizinhança e com o qual o jovem sempre está. “Banca forte” é uma expressão para dizer que se
pode confiar na banca que se tem. Num sentido mais literal do termo, banca remeteria à ocupa-
ção em grupo do espaço público, marcando uma diferença, como uma banca de exposição, em
meio a várias outras bancas. No Dicionário Eletrônico Houaiss é possível encontrar um sentido
similar para banca (dentre os vários outros presentes), em que banca é “conjunto de pessoas que
trabalham para o mesmo fim”, como banca de advogados, banca de corretores etc. Agradeço a
Dalvani Fernandes pelo diálogo em torno de mais este “conceito nativo”.
21 Pais (2003) argumenta que há duas orientações no horizonte temporal dos jovens: para o pre-
22 A OUAR, na época da pesquisa, reunia-se praticamente todos os sábados à tarde, na Praça Cân-
dido Xavier, em frente à Prefeitura Municipal, para traçar estratégias de ação do movimento na
cidade. O chamamento das reuniões era feito no programa de rap, na rádio AM.
ou três pessoas, que estão mais envolvidas na promoção de grandes eventos, com
objetivo de lucros. Eventos voltados, contudo, ao público do rap que, querendo
ou não, tem se constituído num nicho de mercado significativo na cidade. No
entanto, ao abrirem espaço para a apresentação de grupos de rap locais, acabam
também conquistando a simpatia daqueles que seriam, originalmente, mem-
bros da OUAR e que estão sempre negociando novos espaços de apresentação,
inserindo-se nas brechas que se abrem. É assim que as diferentes facções do mo-
vimento conquistam adeptos, que são sinônimos de maior poder de negociação
junto aos grupos de poder locais.
A OUAR, por sua vez, é um projeto que ainda precisa acontecer, o que
depende tanto da capacidade de diálogo entre os membros mais antigos e mais
novos do movimento, quanto das consequências do seu envolvimento no jogo
político local.
Quando foi feito o chamamento, no programa de rap da rádio, para as
primeiras reuniões da OUAR, a resposta veio, sobretudo, de uma nova geração,
ávida por mais conhecimento, cheia de energia para a ação, mas igualmente
pouco propensa a ter no movimento hip-hop relações marcadas pela hierarquia
e pela falta de diálogo, tal como conheciam, sobretudo, na escola e, alguns
também, nas experiências de emprego.
É preciso reconhecer, e esse é o desafio da direção da OUAR, que, para es-
ses novos membros, ainda muito jovens, o hip-hop não é apenas um movimento
social de reivindicação e luta, mas também o seu principal espaço de viver
uma juventude possível. Por isso, é também tempo e espaço de diversão, de
sociabilidade, de uma espécie de ex-tase (no sentido de MAFFESOLI, [1989],
de um sair de si em direção ao outro), de um “estar-junto à toa” (PAIS, 2003).
Assim, enquanto os mais velhos cobram seriedade, os mais jovens querem saber
quando é a festa. Diferenças que têm conduzido a divergências e enfraquecido
o poder de negociação territorial do próprio movimento. Assim, os encontros
da OUAR acabaram não constituindo um terminal de conexão do movimento
à escala da cidade, deixando este papel à “mancha de lazer” da Rua XV de No-
vembro, onde o mote do encontro é a diversão.
No caso da cena punk, como aconteceu no hip-hop, os/as jovens descobri-
ram o movimento antes mesmo de ganhar maior autonomia de circulação na
cidade, de modo que seus trajetos e redes de sociabilidade, tramados fora dos
tradicionais casa-escola, já tiveram essa referência. Assim, a adesão ao punk
23 Moicano: povo indígena considerado extinto, que habitava a área de Connecticut nos Estados
Unidos (Dicionário Eletrônico HOUAISS da Língua Portuguesa), conhecido pelo seu corte de
cabelo como uma crista de galo (raspado dos lados e levantado no meio, numa faixa que vai do
início da testa à nuca). Esse corte de cabelo à la moicano, foi incorporado pelos/as punks, como
um símbolo de resistência à dominação, numa referência à resistência do povo indígena. Mas
também é uma estratégia de choque e, portanto, uma forma de contestação ao “sistema”.
24 A internet foi uma fonte importante tanto de informação quanto para a ampliação das conexões
das redes de sociabilidade da cena punk em Guarapuava. No caso do movimento hip-hop, seu
papel foi muito mais tímido. Somente ao final da pesquisa foi possível identificar alguns de seus
membros inserindo-se em sítios de relacionamento e de comunicação on-line.
25 Em Guarapuava, a cena punk, para se concretizar, teve que se dar juntamente com a cena heavy
metal. Ambas formam a cena rock alternativa da cidade. Separadas não teriam público suficiente
para justificar o aluguel de espaços para shows. Essa coexistência, nos mesmos eventos, de duas
cenas distintas, também tem sido motivo de certos conflitos ainda não resolvidos.
26 Emocore (ou simplesmente emo – de emotion) é um novo estilo, que trabalha com referentes
sonoros e visuais do punk, em articulação com músicas românticas e sentimentalistas. Esse estilo
ganhou evidência na grande mídia entre 2005 e 2006, conquistando muitos adeptos em vários
lugares.
27 Mosh ou pogo é o nome que se dá à forma de dança punk, que consiste num movimento muito
rápido de braços e pernas, na qual os jovens ficam se trombando, se empurrando, num intenso
contato físico. É também o nome dado ao espaço do show apropriado para esta prática, qual seja,
a frente imediata do palco.
seja com os donos dos estabelecimentos e os grupos que estão também presentes
nos eventos, seja com a polícia e os demais atores presentes na mancha de lazer.
De quando em quando, essas redes de sociabilidade, tramadas na vizinhança e
nos espaços de diversão centrais, foram acionadas para fazer emergir atores políticos
em ações contestatórias ou em ações de negociação com grupos de poder locais.
No caso do punk, apesar das diferenças internas, vi emergir, em tempos e
espaços específicos, efêmeras ações de protesto. Ao rápido ajuntamento, que
deu possibilidade de existência a esse ator político, seguiu-se a sua dissolução.
Dessa forma, ainda são nos shows, os principais espaços-tempos de encontro
punk na cidade, quando a cena ganha maior visibilidade e onde a diversão pa-
rece se constituir na única forma possível de estruturar alguma divergência.
A figura 6 a seguir, dá ideia de uma ação de protesto vivenciada duran-
te o campo, num momento em que o grupo punk invadiu o desfile de sete
de setembro, empunhando faixas e gritando, como palavra de ordem, “Nem
Deus, Nem Pátria, Nem Patrão”, como pode ser visto numa das faixas. Essa
interferência causou forte impacto nas pessoas que assistiam ao desfile, que se
indagaram, atônitas: “o que era aquilo?”; “de onde saiu essa gente?”.
Além disso, houve uma manifestação diante de um evento de rodeio, em
que os/as punks levantaram faixas e distribuíram panfletos contra o mau-trato
aos animais. Também, na época das eleições municipais, um grupo se reuniu
para colar cartazes pregando o voto nulo, nos lixos, postes e murais do calçadão
da Rua XV de Novembro, como pode ser observado na figura 7.
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