Punk e Hiphop Na Cidade

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PUNK E HIP-HOP NA CIDADE:

TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

Nécio Turra Neto


Departamento de Geografia
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Câmpus de Guarapuava, PR
[email protected]

RESUMO
Procuro abordar, neste artigo, o processo de constituição, na cidade de Guarapua-
va/PR, dos movimentos punk e hip-hop, com vistas a oferecer uma possibilidade de
abordagem, na Geografia, dos movimentos sociais constituídos por atores jovens.
Inicialmente, apresento, de forma resumida, a trajetória de constituição do próprio
lugar que, em certo momento, contou com condições geo-históricas favoráveis à
aterrissagem desses movimentos juvenis transterritoriais. Depois, apresento uma
breve história do surgimento e difusão do punk e do hip-hop pelo mundo. Por
fim, trago uma interpretação das trajetórias desses movimentos em Guarapuava,
traçando o processo de constituição das redes localizadas de sociabilidade e de ter-
ritorialização de cada movimento na cidade, que fizeram com que, no lugar, se
constituíssem novos sujeitos políticos, em diálogo e em conflito com aqueles já pre-
sentes. O centro do trabalho é o estudo comparativo da difusão, territorialização e
formação das redes de sociabilidade de ambos os movimentos.
PALAVRAS-CHAVE: Punk. Hip-Hop. Redes de Sociabilidade. Lugar. Terri-
torialização.

PUNK AND HIP HOP IN THE CITY: TERRITORIES AND BONDS


OF SOCIABILITY

ABSTRACT
This article tries to approach the process by which the punk and hip-hop mo-
vements are constituted in the city of Guarapuava-Pr in order to develop a
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geographical examination of these social movements constituted by young pe-


ople. First there is a brief introduction to the mode of constitution of the very
place that, in a certain time, had the geo-historic conditions fit for the making
of these youthful transterritorial movements. The study then elaborates a brief
history of the rise and spread of the punk and hip hop culture all over the
world. Finally, attention is drawn to an interpretation on the way these move-
ments took root in Guarapuava and emphasis is placed on both the making of
located bonds of sociability and the territorialization of each movement in the
city since they were responsible for the constitution of new political characters
who were in dialogue and also in conflict with the ones already present. The
central point of this work is the spread, the territorialization and the making of
bonds of sociability in both these movements
KEY WORDS: Punk. Hip-Hop. Bonds of Sociability. Place. Territorialization.

INTRODUÇÃO
Os movimentos punk e hip-hop podem ser definidos como manifestações
juvenis, ao mesmo tempo, culturais e políticas. Enquanto movimentos de ju-
ventude, guardam especificidades em relação ao que se entende tradicional-
mente por movimentos sociais e apenas num sentido muito particular podem
ser considerados como tal1.
Inspirado em Melucci (1997; 2001), tomo o hip-hop e o punk como novos
movimentos sociais, na medida em que acionam redes sociais, com fortes co-
notações culturais, para a realização de ações pontuais e efêmeras. Assim, essas
culturas juvenis podem ser lidas como redes de sociabilidade, com potencial de
mobilização em ações coletivas, no quadro de um campo conflitual, num dado
momento e com objetivo determinado. Essas redes investem cotidianamente
na comunicação, interação e solidariedade entre seus membros e sua ação cole-
tiva está sempre em latência, podendo ser acionada a qualquer momento. Nes-
ses termos, o ajuntamento para o embate se dá como um evento excepcional,
ao qual se segue a dispersão. E o embate tem muito de diversão, de encontro,
de festa, sem o que, talvez, ele não tivesse força de agregação.

1 Pelo menos este é o caso dos movimentos punk e hip-hop que conheci pelas pesquisas realizadas
em Londrina e Guarapuava, no estado do Paraná.

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Se, na Geografia brasileira, o estudo sobre movimentos sociais tem se con-


solidado nas últimas décadas, ainda são tímidas as iniciativas de pesquisas so-
bre manifestações protagonizadas por grupos juvenis, ou sobre as juventudes
de forma mais ampla. Uma das possibilidades de ampliar o escopo da reflexão
sobre essa temática, na nossa disciplina, seria construir análises sobre as formas
particulares de acontecer e se territorializar de grupos culturais e políticos juve-
nis, em contextos urbanos específicos. Tal é a minha intenção aqui, com ênfase
à formação das redes territoriais de sociabilidade.
Com esse propósito, punk e hip-hop também são entendidos como mo-
vimentos juvenis “transterritoriais” (CANCLINI, 2006), que surgiram em
certos espaços-tempos e que se difundiram pelo mundo, sobretudo, a partir
da indústria cultural, nem sempre alternativa. A partir da sua difusão, essas
culturas juvenis encontraram condições de territorialização em boa parte das
cidades brasileiras, articulando jovens de diferentes contextos sócio-espaciais,
no quadro de uma nova identidade coletiva. Punk e hip-hop oferecem-se aos
jovens como um estilo total, que reúne visual, música, modo de vida e ban-
deiras de luta política.
A pesquisa que desenvolvi sobre ambos os movimentos juvenis deu-se
na cidade de Guarapuava, Centro-Sul do estado do Paraná 2. Nela, procu-
rei percorrer a trajetória histórica do punk e do hip-hop, no seu processo de
difusão pelo mundo e territorialização no lugar, onde ganharam colorações
particulares3.
Inspirado em Haesbaert (2004), perguntei-me sobre o que foi neces-
sário se desterritorializar para que essa nova territorialização acontecesse.
Pergunta que me conduziu à trajetória histórica do próprio lugar4, no seu

2 O estudo dos movimentos punk e hip-hop, em Guarapuava, é parte da minha tese de doutorado,
desenvolvida na UNESP de Presidente Prudente, na qual estudei também diferentes gerações
na cidade. A tese intitula-se “Múltiplas Trajetórias Juvenis em Guarapuava: territórios e redes
de sociabilidade” e contou com a orientação da Professora Maria Encarnação Beltrão Sposito, a
quem agradeço as leituras e críticas.
3 Foram entrevistados membros e ex-membros de cada movimento, para, a partir das trajetórias

biográficas dos sujeitos, acompanhar o processo de constituição das redes de sociabilidade. Tam-
bém realizei observação participante, para ter acesso às formas contemporâneas de acontecer e se
territorializar do punk e do hip-hop na cidade de Guarapuava.
4 O conceito de lugar aqui está amplamente inspirado em Massey (2000; 2008), para quem ele é

um feixe eventual de conexão de redes de relações, de diferentes escalas, que se intersectam, mas
continuam em processo, de forma que novas conexões são sempre possíveis.

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processo de constituição, de modo que a aterrissagem do punk e do hip-hop


só pôde se dar em amálgama com as trajetórias já presentes. Dessa forma,
a difusão dessas culturas juvenis tem significado, também, um processo
de pluralização, ao mesmo tempo delas mesmas e dos lugares em que se
territorializaram.
Assim, antes de falar mais especificamente desses movimentos juvenis na
cidade, é preciso pensar a formação desse contexto específico, bem como o pro-
cesso de surgimento e difusão do punk e do hip-hop, do mundo ao lugar.

FORMAÇÃO DO LUGAR
Guarapuava é uma cidade cuja origem remonta ao Brasil Colonial. Sur-
giu no contexto da tomada de posse do território, a oeste, em disputa com a
Espanha, e da economia tropeirista, com vistas a abastecer as Minas Gerais,
com gado e mulas. A doação de sesmarias e os outros mecanismos de acesso a
terra, que se seguiram, constituíram e sedimentaram uma estrutura fundiária
baseada no latifúndio, que marca a região até os dias atuais.
Essa estrutura chegou praticamente intacta até a primeira metade do século
XX quando, finalmente, a economia tropeira entrou em crise e novos agentes
sócio-econômicos afluíram para a região, como os imigrantes europeus, as ma-
deireiras e, por fim, atores envolvidos na agricultura comercial, quando a região
se abriu, na década de 1950, como uma fronteira agrícola interna, no Estado
do Paraná. A partir desse período até a década de 1970, o campo do município
recebeu consideráveis fluxos migratórios, vindos de outros estados brasileiros,
em busca da terra barata.
A cidade foi, então, desempenhando diferentes papéis em cada período.
Se a princípio, era uma emanação de um poder distante (SANTOS, 1993),
incumbida de taxar a produção do campo, com a agricultura comercial, ela
passou a ser o suporte dessa nova economia. Regionalmente, Guarapuava, por
conta de sua história, assumiu a condição de polo, fazendo declinar a economia
urbana das pequenas cidades ao seu entorno (SILVA, 1995).
No decorrer da década de 1970, com a crise da economia madeireira e a
ampliação da agricultura moderna, promovendo uma reconcentração da pro-
priedade fundiária, houve um intenso processo de migração campo-cidade. Foi
quando a maior parte da população municipal mudou sua situação de domicí-
lio de rural, para urbana. Segundo dados do IBGE, de uma população urbana

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da ordem de 40 mil habitantes, Guarapuava chegou, aos anos de 1980, com


mais de 80 mil residentes na cidade5.
No plano do espaço urbano, dois movimentos paralelos se processaram:
expansão acelerada da malha urbana, pela abertura privada de novos loteamen-
tos, para uma população de baixa renda, nas periferias distantes; e reforço da
área central, como espaço dos principais investimentos, tanto privados, quanto
públicos. Pelo segundo movimento, a paisagem de cidade colonial foi substitu-
ída por uma paisagem mais moderna, por novas formas que abrigaram filiais
de bancos e de cadeias de lojas, que atuam em diferentes escalas. Bancos e lojas
que, a partir de sua instalação no centro de Guarapuava, poderiam atingir o
mercado regional em formação.
Tais mudanças, na economia e na estrutura urbana, não foram sem con-
sequências para a vida social, para os espaços e práticas de sociabilidade locais
(contexto de aterrissagem das novas culturas juvenis globais). Desde o início do
século XX, tem-se notícias de clubes sociais no centro da cidade e imediações.
Cada clube remetia a pertencimentos a classes sociais e etnias distintas (o clu-
be dos negros, dos poloneses, dos operários e da elite), o que denunciava uma
cidade desde sempre plural.
Nos anos de 1950, a igreja e o passeio na rua principal da cidade eram
pontos de convergência desses diversos grupos sociais. E todos esses espaços (a
rua, os clubes, a igreja) eram frequentados pelas famílias. As moças nunca pas-
seavam sozinhas; eram sempre acompanhadas por algum membro da família.
Os rapazes, sim, tinham maior liberdade de circulação e chegavam mesmo a
formar pequenos grupos, com os quais iam e vinham pela cidade. O namoro
e a paquera obedeciam às normas ditadas pelos adultos, sempre presentes e de
olho. A “comunidade” oferecia, portanto, um protocolo de condutas e realizava
a vigilância do seu cumprimento, daí o grande formalismo no trato social. Sair
dos limites fixados e controlados era, talvez, a exclusão desse universo de vida
social, seja pela desqualificação da moça como “mal falada”, seja pela desquali-
ficação do rapaz como “baderneiro”.
Além dessas limitações, a diversão era um momento efêmero, diante de um
cotidiano de trabalho, em meio a condições materiais precárias. Quando não

5 Os novos habitantes urbanos também vieram do campo de municípios da região ou mesmo das
pequenas cidades que circundam Guarapuava.

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havia bailes ou soirées – como se chamavam os finais de tarde de domingo, com


música e dança, nos clubes da cidade –, as pessoas tinham que se contentar
com algumas poucas horas do domingo depois da missa, na rua principal, a
Rua XV de Novembro. O cinema, localizado na rua paralela, dentro do mes-
mo quadrante, também poderia ser uma alternativa. Mas não era todo mundo
que podia, mesmo porque, o dinheiro em circulação pela cidade era pouco, até
meados dos anos de 1950. Esse passeio dominical pela Rua XV foi batizado de
“Avenida” (“fazer a Avenida”).
Guarapuava teria que esperar, pelo menos até a década de 1970, para ver
emergir espaços, tempos e práticas de sociabilidade que fossem especificamente
juvenis, mas, ainda assim, tributários do contexto de urbanidade que a cidade
oferecia; um contexto que, apesar de muito transformado, não chegava a ultra-
passar a característica de cidade pequena.
As demolições, que se sucederam nos anos de 1960 e 1970, no centro
da cidade, para dar lugar às novas formas-conteúdo (SANTOS, 2002), sig-
nificaram também a “[...] demolição de espaços que integravam lugares que
se constituíam identitários para parte de seus habitantes remetendo, nessa
perspectiva, ao estabelecimento de outras práticas da vida urbana” (TEM-
BIL, 2004, p. 58). Como consequência, a prática sócio-espacial das Avenidas
não tinha mais condições de possibilidade na Rua XV, tanto pelas transfor-
mações na sua estrutura, quanto por transformações que se processaram na
própria sociedade local.
As novas práticas de sociabilidade deslocaram-se para o limite do centro,
mas ainda mantendo-se na mesma rua. O trecho da Rua XV apropriado por
essas práticas era, agora, polarizado por uma lanchonete (Lanchonete Komi-
lão), deslocando o ponto de referência das proximidades da igreja e dos espaços
de sociabilidade (os clubes) herdados do início do século XX. Novos espaços
e práticas agora mais ligados à presença do automóvel e à maior influência da
indústria cultural na vida cotidiana6.
No extremo oposto da rua, em fins dos anos de 1970, empresários locais
instalaram uma boate, conferindo uma modernidade ao lazer de uma parcela
da juventude guarapuavana, em sintonia com os grandes centros – aquela par-

6 Os anos de 1970, em Guarapuava, viram a difusão da televisão, dos aparelhos de toca-discos; co-
nheceram a influência da Jovem Guarda e do movimento das discotecas. Tudo isso como signos
de juventude – conceito que não parecia estar presente nos anos de 1950.

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cela da geração que aderiu, ou que teve condições de aderir, a esses referenciais
do “ser jovem” e, assim, viver a juventude possível naquele espaço-tempo.
Essa movimentação de jovens na rua fez emergir, ao longo dos anos de
1980 e 1990, uma “mancha de lazer” (MAGNANI, 1992), pela coesão de
uma série de estabelecimentos e equipamentos de uso coletivo, voltados ao
lazer e à diversão (cada vez mais noturna) da juventude. A figura 1 permite
visualizar o deslocamento do centro da sociabilidade ao longo da Rua XV,
bem como as referências espaciais já citadas.

Figura 1. Guarapuava, evoluções da sociabilidade na Rua XV de Novembro

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Se, entre 1940 e 1960, a sociabilidade na Rua XV era ritmada pela missa
e polarizada pela igreja e por um clube social, da elite local, nos anos de 1970,
o apogeu do movimento das discotecas, inspirado no filme “Embalos de Sába-
do à Noite” e na novela “Dancing Days”, fez emergir espaços especificamente
juvenis na cidade, como a Boate Ruf’s e a Lanchonete Komilão7. O trecho da
Rua XV de Novembro, entre esses estabelecimentos, foi intensamente percor-
rido pelos/as jovens, de carro, não mais no domingo à tarde, mas no sábado à
noite, adentrando a madrugada. Um espaço-tempo do qual os pais já não mais
faziam parte (MARGULIS, 1997).
No quadrante ao norte da Lanchonete Komilão, pode-se observar a consti-
tuição da mancha de lazer da Rua XV, o principal centro de diversão noturna
da cidade, para onde convergem jovens dos mais diversos bairros, em relações
nem sempre cordiais. No restante da Rua que aparece no mapa, constituiu-se,
nos anos de 1980, um calçadão, que limitou o tráfego de carros apenas no
sentido norte-sul.
A descentralização da família e da igreja e sua restrição a certos contextos
sócio-espaciais, a chegada de novos referentes culturais, para compor as redes e
práticas de sociabilidade, a pluralização de contextos, a formação de cenários e
práticas marcadamente juvenis no espaço urbano, ao mesmo tempo que a cida-
de via ampliar sua vida de relações, criaram maiores possibilidades de escolha
identitária e de acesso à informação – condições favoráveis para a territorializa-
ção das culturas juvenis globais.
Na segunda metade da década de 1990, quando Guarapuava já ultrapas-
sava a marca dos 100.000 habitantes urbanos, foi que começaram a aparecer
os primeiros sinais de que o punk e o hip-hop, em diferentes pontos da cidade,
estavam servindo de referência para jovens constituírem suas identidades in-
dividuais e seus grupos de amigos. Foi, portanto, nesse tempo-espaço especí-
fico que, pela pesquisa, vi se formarem redes de sociabilidade em torno desses
movimentos juvenis, constituindo formas territoriais próprias numa cidade de
“múltiplos territórios” (HAESBAERT, 2004), em diálogo com as condições
geo-históricas e os recursos localmente disponíveis.

7 A Lanchonete Komilão ainda compõe o quadro das referências da diversão noturna na cidade; a
Boate Ruf ’s ficou circunscrita ao final dos anos de 1970.

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TRAJETÓRIAS DO HIP-HOP E DO PUNK, DO MUNDO AO LUGAR


Movimento hip-hop8 foi o nome dado ao encontro festivo, no espaço-tem-
po das ruas do Bronx (Nova York), nos anos de 1970, entre manifestações de
dança, música e grafite, dos jovens negros e hispânicos. Essas manifestações,
que reunidas formaram o movimento hip-hop, seguiam suas próprias traje-
tórias históricas e ocorriam, até então, de forma independente. Em comum
tinham, e ainda têm, a sua vinculação com a juventude negra e pobre e a sua
definição como cultura de rua que, aliás, passou a ser característica definidora
do próprio hip-hop.
Embalado pelos movimentos de defesa dos direitos civis e políticos dos
negros norte-americanos, o movimento hip-hop também se politizou. Foi, en-
tão, a partir da constituição de uma cultura de rua e de um movimento, que a
geração mais jovem do Bronx pôde elaborar formas de identidade alternativas
àquelas que lhes eram impostas9, enquanto jovens pobres do gueto. O hip-hop
surgiu, assim, como uma identidade afirmativa, articulada à linguagem das
modas e das ruas – no sentido de construção de um estilo total – e às tecnolo-
gias próprias de um novo fazer musical10.
Representou também uma transcendência em relação a um “território
restringido”, tanto no sentido de uma territorialização ditada por um poder
externo ao grupo social, quanto no sentido de um controle da sua circulação
por espaços mais amplos da cidade11. Os jovens, diante de um território que
lhes conferia isolamento sócio-espacial, estigmatização territorial e contro-
le da sua circulação, mediante a ação policial, acabaram por produzir um

8 Hip-Hop tem sido traduzido como saltar mexendo os quadris.


9 A ideia de “identidade imposta” vem de Bauman (2005, p. 44), para quem a identidade é um fa-
tor poderoso de estratificação social. Num polo, ele localiza aqueles que podem articular e desar-
ticular identidades à sua própria vontade, escolhendo entre um leque de opções crescentemente
global. No outro polo, estão aqueles para quem a escolha identitária é negada, que “[...] se vêem
oprimidos por identidades aplicadas e impostas por outros – identidades de que eles próprios se
ressentem, mas não têm permissão de abandonar nem das quais conseguem se livrar. Identidades
que estereotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam [...]”.
10 Lindolfo Filho (2004) dá especial atenção para o “mix musical” que se realizou no Bronx, na

origem do rap.
11 A ideia de “território restringido” foi uma sugestão do Professor Marcelo Lopes de Souza, duran-

te a defesa da tese, em substituição ao “território imposto” de Haesbaert (2004), visto que este
último emprega o qualificativo “imposto” para designar situações de confinamento forçado, o
que não é o caso desses jovens do Bronx. Eles tão somente tinham limitações à sua circulação,
sobretudo, por uma ostensiva vigilância policial.

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território de resistência e de afirmação cultural, a partir do qual puderam


renegociar a cidade.
Esse novo movimento juvenil, capitaneado pela música, dança e artes
plásticas, como outros que surgiram na Inglaterra e nos Estados Unidos,
também foi apropriado e difundido pela indústria cultural, tornando-se
transterritorial. Como o define Lindolfo Filho (2004), o hip-hop é uma cul-
tura inventada por jovens afro-americanos, que hoje é reinventada em várias
periferias do planeta.
A despeito das características particulares que assumiu em cada lugar, o
hip-hop continua permitindo a elaboração da experiência da exclusão sócio-es­
pa­cial de forma a constituir identidade afirmativa e novas formas territoriais,
em contraposição a um território restringido e a uma identidade imposta. A
partir do hip-hop, vemos emergir novos sujeitos do discurso, que se inserem
no processo de produção de seus próprios bens e referências culturais (HAAG,
2008) e que fazem disso uma forma de ação política.
Entretanto, para além do reconhecimento da potência transgressora
do movimento hip-hop, é preciso considerar, também, as incertezas, am-
biguidades e fragilidades dessa cultura juvenil, pelas tensões provocadas
pela própria condição de vida dos/as jovens e pelas múltiplas relações que
estabelecem nos seus contextos sócio-espaciais concretos. Aderir ao estilo,
ao movimento, à cultura hip-hop, não resolve uma questão básica: a da
sobrevivência econômica. Trata-se de jovens que vivem em situação de li-
minaridade, em contato cotidiano com o mundo do crime, das drogas, da
violência e da carência, em vários sentidos (DAYRELL, 2005; ROCHA,
DOMENICH e CASSEANO, 2001).
O movimento punk, por sua vez, pode ser definido como uma forma de
arte, que envolve, também, teorias políticas. Os punks levaram a mensagem de
antiarte, inicialmente produzida pelos dadaístas e futuristas, para seu visual
ultrajante. Entretanto, diferentemente desses movimentos artísticos, o punk ul-
trapassou a tática do choque com o visual, em direção a uma “filosofia relativa-
mente coesa”, o que o distingue de um mero estilo de moda (O’HARA, 2005).
Embora ainda seja importante, o choque com o visual é, hoje, suplantado pelo
choque com as ideias, sobretudo, pela adesão predominante do movimento ao
Anarquismo. Essas características, como veremos, também se referem à rees-
truturação da cultura punk ao longo de sua história.

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Há uma controvérsia ainda não resolvida sobre a origem do fenômeno, se


foi na cultura rock underground de Nova York, da primeira metade dos anos
de 1970, ou com os punks ingleses, da segunda metade da década. O’Hara
(2005, p. 30-1) procura resolver esse impasse afirmando que é possível pensar
que “foram os norte-americanos que inventaram o estilo musical, enquanto os
ingleses popularizaram a atitude e o visual colorido”; mas que, na verdade, o
que importa é que “a política específica e a formação genuína do movimento só
se deram no final dos anos 70”, ou seja, no processo de gestação do “segundo
aparecimento”.
É comum, na história da cultura punk, falar em dois aparecimentos, ou
em duas correntes. O primeiro, a partir da explosão do fenômeno punk, com
as bandas inglesas, sobretudo, com os Sex Pistols. Com o fim da banda,
o surgimento de várias outras, querendo embarcar no sucesso desta – com
intenção de assinar contrato com grandes gravadoras e ganhar milhões –,
o impulso original do punk, sua contestação excêntrica, seu choque inicial,
pareceram se arrefecer e dar lugar a uma moda, amplamente comercializada.
Nesse período, o punk foi considerado morto, ou apenas mais uma onda
passageira, em meio a uma série de outros estilos que, inspirados no punk,
começaram a surgir.
Todavia, no calor da sua explosão, começou a se gestar algo que se propa-
garia nas décadas seguintes: uma cultura pop alternativa, com selos indepen-
dentes, fanzines, lojas de venda de discos, fora do circuito comercial. O que fez
com que jovens de vários cantos do mundo, mais tarde, viessem à cena declarar
que o punk não tinha morrido e não era apenas uma onda passageira. Esses
novos punks queriam viver totalmente fora das grandes gravadoras. Foram eles
que deram a ideia do punk como um movimento de contestação política e
resistência. A noção de movimento e, consequentemente, de traidores do mo-
vimento, vem daí, por isso, também são considerados os punks mais radicais
(ESSINGER, 2001).
Essa “segunda corrente”, como chama O’Hara (2005), sobretudo, do punk
europeu, foi mais visivelmente politizada e deu consistência ao termo Anarquia,
empregado mais como estratégia de choque pelos Pistols. Algumas caracterís-
ticas marcantes dessa nova corrente foram: engajamento em questões sociais e
sua tematização nas músicas; construção de um circuito alternativo; intenção
de cantar apenas para seu próprio público, formado também de punks.

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No final dos anos de 1990, o cenário punk foi marcado pela maior plura-
lização de tendências: straight edges, riot grrrls, homocore, gutter punks12, bem
como pela adesão de jovens de classes sociais mais privilegiadas e, mesmo,
de jovens de filiação religiosa (ESSINGER, 2001; O’HARA, 2005; BIVAR,
2001).
No Brasil, o principal ponto de aterrissagem dos movimentos juvenis punk
e hip-hop foi a cidade de São Paulo, em fins dos 70 e início dos anos de 1980.
Ainda que por canais diversos, eles tenham chegado a outras cidades brasilei-
ras, a princípio nas grandes, depois nas demais, São Paulo sempre exerceu uma
posição de polarização, em termos de produção cultural, em quantidade de
selos independentes, grupos de rap, grafite, break e em bandas punks.
Nas várias cidades, a história da territorialização de cada movimento é
muito parecida, guardadas as devidas particularidades. No caso do punk, a
história de formação de cada cena apresenta os seguintes traços gerais: jovens
descobrem o som, correm atrás de mais informação por canais diversos e, ten-
dencialmente, mais restritos ao underground. Novas pessoas são conhecidas no
lugar, pelo encontro na rua, pelo contato nos poucos espaços que conseguem
negociar na cidade. Pessoas que vão se reconhecendo a partir dos símbolos da
própria cultura, que passam a ostentar. Bandas aparecem na cena, bem como
fanzines. O movimento começa a ficar mais sério, a ganhar as feições de um
movimento de rebeldia, resistência, contestação e, sobretudo, de uma diversão
genuína, fora dos canais tradicionais da indústria cultural e da indústria do
lazer, que dominam as cidades.
Em Guarapuava, a cena punk se constituiu com mais de 20 anos de atraso
em relação a São Paulo. Começou a se estruturar apenas a partir dos anos de
2002 e 2003, quando algumas bandas locais promoveram eventos e deram
início à congregação de punks dispersos pela cidade. Ou seja, a cena emergiu

12 Cada uma dessas novas tendências dentro do punk mereceria, por si só, um maior esclarecimento,
mas por hora é possível reservar apenas esse espaço para, ao menos, dar algumas informações.
Straight Edges: são punks que não bebem, não fumam, não utilizam nenhum tipo de droga; o som
é mais acelerado; tendem também a não consumir carne ou qualquer outro produto de origem
animal; engajam-se em causas ambientais e de defesa dos animais; a banda precursora é a Minor
Threat, de Washington. Riot Grrrls: são as punks feministas que lutam dentro e fora da cena pela
maior liberdade da mulher, como os straight edges também têm bandas próprias, sendo algumas
das mais conhecidas Bikini Kill e Dominatrix. Homocore é hardcore gay, que procura lutar contra
a homofobia dentro e fora do movimento. Gutter punks (punks da sarjeta) mendigavam nas ruas
para beber à noite (ESSINGER, 2001; O’HARA, 2005).

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numa época em que já era comum a internet, os CDs e as facilidades de grava-


ção de som, em que já estavam postas as várias tendências em que se fragmen-
tou o movimento punk e as divergências entre elas. Trata-se de uma época em
que era comum bandas de inspiração punk aparecerem na MTV. Enfim, numa
época em que o punk já não era mais o explosivo de 1977, nem o anarquista ra-
dical de 1980. Ainda assim, mesmo em outro momento histórico, o processo de
chegada e territorialização da cultura punk em Guarapuava parece ter seguido
o mesmo percurso já descrito, para a cena de outros lugares.
Quanto ao hip-hop, seu processo de difusão também seguiu percursos si-
milares, em diferentes contextos urbanos no Brasil: inicialmente, nos bailes
black, chegava o break, que se popularizou com Michael Jackson. A partir daí,
houve uma diferenciação do estilo dentro da cultura black do baile e o break
foi para a rua, onde apareceu também o rap. Aos poucos, o movimento foi se
politizando, seguindo a tendência do hip-hop norte-americano.
A princípio, o movimento em outras cidades deu-se paralelamente e sem
contato com o que acontecia em São Paulo, com influência do movimento
hip-hop derivado dos Estados Unidos. A partir do fenômeno Racionais13, São
Paulo tornou-se o principal polo irradiador da cultura hip-hop do país (HERS-
CHMANN, 2005; DAYRELL, 2005) e passou a ser a grande referência do rap
nacional, mais influente até que o rap gringo, como se diz no meio.
No final dos anos de 1990, vemos aparecer os primeiros grupos de rap em
Guarapuava, que se multiplicaram a partir da difusão do rap de São Paulo.
Grupos que, a princípio, não tinham ligação entre si, mas que, aos poucos fo-
ram se articulando na constituição do movimento hip-hop na cidade.

CENA PUNK E MOVIMENTO HIP-HOP EM GUARAPUAVA


O termo cena é muito empregado no meio punk, para designar o que acon-
tece em cada cidade. Como tal, pode ser lido como um “termo nativo” (MAG-

13 Refiro-me aqui ao grupo de rap paulistano Racionais Mc’s. No início dos anos de 1990, esse
grupo ganhou projeção nacional com as músicas “Fim de Semana no Parque” e “Homem na
Estrada”, preparando o caminho para a grande explosão de 1997, com o CD “Sobrevivendo no
Inferno”, que vendeu 500 mil cópias. Também entre 1997-98, os Racionais MC’s ganharam o
prêmio de melhor vídeo-clip do ano, na MTV (GUIMARÃES, 1999; ROCHA, DOMENICH,
CASSEANO, 2001). É importante frisar que, apesar de ser o mais proeminente, o Racionais
MC`s não é o único grupo de rap paulistano a ganhar projeção nacional. Depois da sua difusão
e, mais recentemente, o rap nacional ganhou nomes de outros lugares, mas São Paulo ainda per-
manece como forte polo irradiador dessa cultura juvenil, à escala de Brasil.

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 133


NÉCIO TURRA NETO

NANI, 2005) que, por um processo de elaboração conceitual, pode contribuir


para desvendar certas práticas e dinâmicas próprias do movimento punk e,
talvez, também de outros movimentos juvenis.
No trabalho que realizei sobre a cena punk de Londrina, tentei captar o
significado desse termo. Em debate com punks dessa cidade, ficou que cena
é o lugar de encontro e o encontro em si. “[...] O encontro se dá em lugares
que, por intermédio dos encontros, constituem os territórios e formam a cena”
(TURRA NETO, 2004, p. 121). A cena e o território não existem sem o en-
contro e seus locais, de modo que a cena é a articulação entre ambos (encontros
e lugares).
Magnani (2005) no seu levantamento dos circuitos dos jovens urbanos,
na metrópole paulistana, também identificou o termo cena e o vinculou ao
termo circuito, aos quais buscou conferir maior precisão conceitual. Para ele,
cena e circuito
[...] supõem um recorte que não se restringe a uma inserção espacial claramente
localizada. No caso do circuito, ainda que seja constituído por equipamentos fí-
sicos (lojas, clubes), inclui também acesso e freqüência a espaços virtuais como
chats, grupos de discussão e fóruns na internet, ademais de eventos e celebra-
ções. [...] Cena, entretanto, apesar de compartilhar com o circuito essa carac-
terística de independência diante da contigüidade espacial, é mais ampla que
ele, pois denota principalmente atitudes e opções estéticas e ideológicas, arti-
culadas nos e pelos circuitos. Se estes são formados por equipamentos, institui-
ções, eventos concretos, a cena é constituída pelo conjunto de comportamentos
(valores, regras) exibidos e cultivados por aqueles que conhecem e freqüentam
os lugares “certos” de determinado circuito. Em suma, pode-se “freqüentar” o
circuito, mas “pertence-se” a tal ou qual cena; enquanto aquele alude à rede,
esta tem como referente os atores sociais, suportes dos sinais de pertencimen-
tos e escolhas no próprio corpo, na roupa, no discurso; um é identificável na
paisagem, enquanto a outra se manifesta nas atitudes (MAGNANI, 2005, p.
201-02, grifos do autor).

Contudo, é preciso reforçar, mais que a necessária distinção, a articulação,


ou melhor, a interdependência tanto entre a cena e um circuito que lhe dê sus-
tentação real na cidade, enquanto pontos de encontro, referências espaciais e pos-
sibilidades de acesso à cultura juvenil, que constitui determinada cena; quanto
entre o circuito e uma cena que lhe dê sentido de existência. Ambos os termos, ao
contrário do que argumenta Magnani, remetem à ideia de rede: o circuito a uma
rede de lugares na cidade, a cena a uma rede de sociabilidade em torno de uma
cultura específica, que é o que articula os lugares, formando o circuito, sem o

134 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

qual também dificilmente poderia se constituir. A articulação entre eles formaria


um “território-rede”, nos termos de Souza (2001) e Haesbaert (2004).
Assim, penso que não se pode conceber uma cena que exista sem uma rede
de sociabilidade, e não se pode pensar na existência de uma rede de sociabilida-
de sem a agregação em torno de pontos de encontro, como defende Maffesoli
(1987), ou “terminais de conexão” (CARRANO, 2002). Assim, cena é uma
estrutura sócio-espacial e, como tal, pode ter sua dinâmica interpretada pelo
encontro entre diferentes movimentos: do espaço urbano; da territorialização
de diferentes culturas juvenis (mas não só delas) na cidade; e o da vida urbana
e noturna que marcam ritmos, fronteiras, redes sociais, bem como delineiam
pertencimentos e apropriações espaciais, constituindo o lugar em toda sua he-
terogeneidade cultural.
Apesar de constituir também um circuito na cidade, pela formação de uma
rede de sociabilidade que se conecta em pontos específicos e negociados pelo
grupo, no hip-hop, a ideia de cena não se faz muito presente. Seus membros se
entendem mesmo como parte de um movimento social e político e entendem o
hip-hop também como uma cultura de rua. Uma forma de se autodefinir – tal
como a autodefinição da cultura punk – que não é sem consequências para as
formas como fazem acontecer o movimento na cidade.
Como já exposto anteriormente, o acontecer localizado das culturas juve-
nis transterritoriais punk e hip-hop não tem significado uma imitação, ou uma
homogeneização cultural, mas o reconhecimento tanto de experiências simila-
res, quanto da legitimidade das formas de expressão de rebeldia e contestação,
cuja diversão é um importante canal para a manifestação de ambas.
Ao aderirem ao estilo, os/as jovens puderam romper com o “jovem-her-
deiro” (aquele desejável pela geração anterior), com o “jovem-símbolo” (aquele
construído pela indústria cultural como referente do ser moderno) (MARGU-
LIS e URRESTI, 1998), bem como com o horizonte temporal voltado para o
futuro (PAIS, 2003). Afirmaram o presente e constituíram espaços e práticas
próprios de diversão. Estabeleceram pertencimento a um grupo social, cuja
identidade lhes confere, também, trajetórias próprias pela cidade, das quais
resulta a formação dos seus “territórios-rede” (em que alguns pontos podem ser
identificados aos circuitos de diversão noturna, a que se refere Magnani). Mais
que uma desterritorialização, esses movimentos remetem, portanto, a uma re-
territorialização, sob novas bases.

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 135


NÉCIO TURRA NETO

Em Guarapuava, os grupos juvenis punk e hip-hop encontraram condições de


realização, a partir de jovens que estavam em busca de referências para constituírem
sua identidade. A identificação com um ou com outro estilo colocava-se não apenas
como possibilidade, mas também como necessidade, num meio urbano ampliado e
fragmentado, em que a pluralidade cultural e sócio-espacial impõe escolhas. Uma
escolha que não é ilimitada, mas que segue, como argumentou Carrano (2003, p.
156), “uma elegibilidade mútua em territórios socialmente condicionados”14.
O processo de aterrissagem desses movimentos juvenis em Guarapuava foi
mais ou menos parecido. A partir de uma pluralidade de contextos sócio-espa-
ciais, redes de amizade formaram-se em torno dos estilos – música e visual –,
geralmente, nas tramas cotidianas, da vizinhança, da rua e da escola. Só depois
se conectaram a redes mais amplas, formando uma cena punk e um movimento
hip-hop, a escala da cidade. A partir daí, os/as jovens ampliaram seus canais de in-
formação, reforçando seu engajamento, pela incorporação da dimensão política.
É assim que, na maioria dos casos, a adesão a qualquer uma dessas culturas
não significou, para os jovens e as jovens participantes da pesquisa, apenas uma
desterritorialização, visto que foi pelo punk ou pelo hip-hop que a maioria dele/as
teve sua primeira territorialização, enquanto jovens, na cidade, ganhando maior
autonomia de circulação e inserindo-se em redes de sociabilidade e territoriais
mais amplas. A figura do amigo15, na quase totalidade dos casos, indica que essa
territorialização nunca foi totalmente solitária e confere também importância à
formação das redes primárias de vizinhança ou de escola.
Se o processo de realização e de estabelecimento das redes primárias de
sociabilidade entre punks e hip-hoppers é semelhante, as formas de materializa-
ção territorial e as tensões próprias da articulação às redes mais amplas dessas
culturas juvenis, na cidade, caminham desenhando trajetórias distintas, em
formas próprias de diálogo e conflito com as trajetórias históricas já presentes
no lugar.

14 É importante reconhecer que, apesar da revalorização contemporânea da dimensão espacial nos


estudos de juventude, esta tem se dado, no mais das vezes, sem a necessária precisão conceitual,
de forma que termos como espaço, lugar, território, desterritorialização têm sido empregados
ainda próximos ao senso comum.
15 Castro (2004) chama a atenção para a importância do amigo, no processo de conquista da cida-

de, quando da passagem da infância para a juventude. Em Guarapuava, a totalidade dos relatos
dos/as jovens apresenta a figura do amigo no processo de descoberta e adesão, tanto a cena punk,
quanto ao movimento hip-hop.

136 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

Se os jovens do punk podem ser predominantemente situados, em conti-


nuidade e ruptura, na trajetória das diferentes gerações que se reproduziram no
centro, os jovens do rap têm mais relação com as diversas trajetórias de migra-
ção campo-cidade, ou de cidades menores para Guarapuava. Pelos depoimen-
tos, as famílias dos jovens e das jovens do hip-hop são, na sua quase totalidade,
resultantes dessa migração.
Pelo fato do punk estar mais ligado a uma juventude do centro e imedia-
ções (os/as punks dos bairros mais distantes são muito poucos), não é de se
estranhar que o calçadão da Rua XV de Novembro, nos dias de semana à tarde,
tenha se constituído na primeira e mais permanente referência espacial punk e
“terminal de conexão” da rede ampliada à escala da cidade, justamente aquele
trecho, intensamente transformado, da prática das “Avenidas”.
No caso do hip-hop, mais especificamente, pela figura 2, é possível visua-
lizar a pluralidade de “terminais de conexão” (CARRANO, 2002) na cidade,
que articularam redes primárias de sociabilidade em torno do movimento hip-
hop. Nele aparecem também a variedade dos terminais mais centrais, como
as pistas de skate da Praça Cleve (no coração da mancha de lazer noturna da
cidade – Figura 1) e do Parque do Lago, as danceterias e as escolas, onde se
constituíram as redes do movimento à escala da cidade.
A instalação concentrada de equipamentos de lazer no centro – como as
pistas de skate – fez com que os jovens do hip-hop de vários bairros (que arti-
culavam skate e rap16) tivessem também, nesses espaços centrais, importantes
terminais de conexão, no início do movimento. Assim, a “monocentralidade”17
da cidade de Guarapuava fez com que todas as redes, sejam elas em torno do
punk ou do hip-hop, convergissem para o centro. No caso do punk, a afirmação
de uma territorialidade que não lhe é estranha, no caso do hip-hop, a transposi-
ção dos “espaços segregados” (DIÓGENES, 1998) e a conquista da cidade18.

16 Em muitos dos relatos dos membros históricos do movimento na cidade, a descoberta do rap se
deu paralelamente à prática do skate, de modo que as pistas do centro foram importantes “termi-
nais de conexão”. Atualmente, ainda que o som predominante do skate na cidade continue sendo
o rap, os novos grupos tiveram outros terminais de conexão, como a mancha de lazer da Rua XV
de Novembro e a Praça Cândido Xavier, em que se realizaram reuniões de uma ONG.
17 Expressão empregada por Maria Encarnação Beltrão Sposito, na sua fala na Semana de Geografia

da UNICENTRO – Guarapuava de 2006.


18 As expressões comumente empregadas: “vou para a cidade” ou “vou subir para o centro” indicam

a posição de externalidade e inferioridade do “território restringido”, que é preciso subverter e


afirmar.

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 137


NÉCIO TURRA NETO

Figura 2. Guarapuava, principais terminais de conexão das redes de sociabilidade do movimento hip-hop

Assim, é forte a presença de jovens do movimento, e mesmo da periferia


como um todo, nos espaços centrais, sobretudo, na principal mancha de la-
zer da cidade, na Rua XV de Novembro, fazendo dela um espaço propício a
tensões de diversas ordens (como entre grupos rivais de diferentes bairros e

138 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

grupos de diferentes classes sociais). Uma forma típica de o hip-hop realizar


uma “ocupação simbólica” da “cidade oficial” tem sido por meio do grafite
que, em Guarapuava, encontra grande difusão, como pode ser observado nas
fotos 1 e 2.

Foto: P. Wieczorkowski, 2008


Figura 3. Grafite na lateral da Pista de Skate do Parque do Lago (centro de Guarapuava)

Foto: P. Wieczorkowski, 2008


Figura 4. Grafite numa rua do centro da cidade de Guarapuava

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 139


NÉCIO TURRA NETO

Para os jovens do hip-hop, estar nas Praças do centro, na mancha de lazer


da Rua XV de Novembro, grafitando nos muros, ou nos shows de rap, em
grupo, é levar a quebrada19 consigo. Ou seja, articular-se à rede mais ampla da
cidade tem se dado, via de regra, a partir da banca20 territorializada no bairro.
Diante disso, é possível afirmar que, se há uma desterritorialização pre-
sente na adesão dos/as jovens ao movimento hip-hop, essa parece estar mais
relacionada àquelas trajetórias possíveis, traçadas de antemão pela sua situação
sócio-espacial, e às trajetórias de ascensão social, via estudo e trabalho21, que é
o que se espera deles e delas.
Como ficou patente, em muitos momentos da observação de campo e mes-
mo nas entrevistas, a polícia tem atuado no sentido de mantê-los no quadro do
esperado. Tensiona a autonomia conquistada ao circularem e constituírem seus
territórios no amplo espaço da rua, impondo restrições e limitando o território
dos/as jovens pobres, aos exíguos espaços domésticos. A insistência em circular,
em estar no espaço público, em estar com a banca na rua, é lida pelos policiais
como uma afronta à ordem pública e como vagabundagem, como se o/a jovem
pobre só fosse permitido estudar, trabalhar e ir à igreja, em outros termos,

19 Quebrada é outro “termos nativo” que pode vir a contribuir com a leitura dessa cultura juvenil
específica. Magnani (2005, p. 201), em seu estudo sobre os circuitos dos jovens urbanos em São
Paulo, deparou-se com o termo quebrada, ao qual também procurou dar maior precisão concei-
tual. Para ele, “[...] quebrada pode ter duas leituras: uma que aponta para a distância, as carências,
as dificuldades inerentes à vida na periferia, mas também a que permite o reconhecimento, a exi-
bição de laços de quem é dessa ou daquela localidade, bairro, vila. A alusão ao perigo, por sua vez,
traz, surpreendentemente, uma conotação positiva, pois não é para qualquer um aventurar-se
pelas quebradas da vida. É preciso ‘humildade’, ‘procedimento’, estar relacionado, e esse sentido
está presente entre pichadores, nas letras de rap, nas falas de seguidores das várias modalidades
do hip-hop, como uma forma de valorização de seus estilos de vida, superando a estigmatização
da pobreza, da delinqüência e da violência geralmente associadas à periferia”.
20 Banca refere-se ao grupo de amigos com vínculos mais estreitos, geralmente formado a partir da

vizinhança e com o qual o jovem sempre está. “Banca forte” é uma expressão para dizer que se
pode confiar na banca que se tem. Num sentido mais literal do termo, banca remeteria à ocupa-
ção em grupo do espaço público, marcando uma diferença, como uma banca de exposição, em
meio a várias outras bancas. No Dicionário Eletrônico Houaiss é possível encontrar um sentido
similar para banca (dentre os vários outros presentes), em que banca é “conjunto de pessoas que
trabalham para o mesmo fim”, como banca de advogados, banca de corretores etc. Agradeço a
Dalvani Fernandes pelo diálogo em torno de mais este “conceito nativo”.
21 Pais (2003) argumenta que há duas orientações no horizonte temporal dos jovens: para o pre-

sente, na qual se privilegia o campo da experiência, geralmente vivida em torno do estilo e em


grupos de pares; e para o futuro, na qual se privilegia o horizonte de espera. Nesse último caso, os
jovens e as jovens projetariam para si trajetórias de ascensão social e viveriam menos seus tempos
e espaços de sociabilidade entre grupos de pares, dedicando-se mais aos estudos e ao trabalho.

140 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

uma territorialização marcada pelo trajeto casa-escola-trabalho; e nunca viver


a juventude entre seus pares, em tempos e espaços de lazer, seja na quebrada
ou no centro. É, assim, que a polícia atua restringindo o território, aos trajetos
de vida e de cidade, que se esperam desses jovens. Nesse sentido, é importante
lembrar Dayrell (2005), quando afirma que a juventude ainda é um direito a
ser conquistado para boa parte dos/as jovens da periferia.
Num outro sentido, se existe uma desterritorialização, que tem marcado
de forma mais contundente a trajetória biográfica dos/as jovens do hip-hop,
ela tem sido muito mais sentida na passagem para a vida adulta, do que na
juventude e na adesão ao movimento. Quando precisaram ganhar a vida, por
conta, sobretudo, da constituição de uma nova família, o hip-hop teve que ser
deixado em segundo plano. Todavia, é inegável que, no mundo adulto, levam
consigo as marcas do hip-hop, de forma que reconhecem que o aquilo que são
se deve muito à visão de mundo que formaram nessa época de juventude, em
meio ao rap, nas bancas, nas ruas da cidade, nos palcos, expressando sua leitura
e experiência da realidade periférica.
Ainda sobre o hip-hop em Guarapuava, é importante salientar que à traje-
tória inicial do movimento na cidade, articularam-se jovens que ampliaram a
inserção do hip-hop na sociedade local, pela conquista de um programa de rap
diário, em uma rádio AM, e pela constituição de uma ONG (OUAR – Orga-
nização Uniação, Atitude e Reação22), à qual, depois, vieram se articular novas
gerações de hip-hoppers que, de forma independente e como resultado de outras
trajetórias, descobriram o rap em suas próprias quebradas.
Além da OUAR, há outras organizações que se afirmaram do movimento,
em Guarapuava, como UPEF (União Periferia e Favela) e MH2A (Movimento
Hip-Hop em Ação). Durante a pesquisa, essas organizações mantinham rela-
ções muito tensas entre si, na disputa pela atenção de grupos políticos locais.
Apesar dos seus embates e contradições internas, a OUAR tem sido a única
organização do hip-hop que, minimamente, tem se preocupado em constituir um
espaço-tempo de encontro, discussão, troca de informações e ideias, bem como
de produção de eventos para dar visibilidade aos grupos (de rap, grafite, break)
locais. As demais organizações, pelo que constatei na pesquisa, limitam-se a duas

22 A OUAR, na época da pesquisa, reunia-se praticamente todos os sábados à tarde, na Praça Cân-
dido Xavier, em frente à Prefeitura Municipal, para traçar estratégias de ação do movimento na
cidade. O chamamento das reuniões era feito no programa de rap, na rádio AM.

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 141


NÉCIO TURRA NETO

ou três pessoas, que estão mais envolvidas na promoção de grandes eventos, com
objetivo de lucros. Eventos voltados, contudo, ao público do rap que, querendo
ou não, tem se constituído num nicho de mercado significativo na cidade. No
entanto, ao abrirem espaço para a apresentação de grupos de rap locais, acabam
também conquistando a simpatia daqueles que seriam, originalmente, mem-
bros da OUAR e que estão sempre negociando novos espaços de apresentação,
inserindo-se nas brechas que se abrem. É assim que as diferentes facções do mo-
vimento conquistam adeptos, que são sinônimos de maior poder de negociação
junto aos grupos de poder locais.
A OUAR, por sua vez, é um projeto que ainda precisa acontecer, o que
depende tanto da capacidade de diálogo entre os membros mais antigos e mais
novos do movimento, quanto das consequências do seu envolvimento no jogo
político local.
Quando foi feito o chamamento, no programa de rap da rádio, para as
primeiras reuniões da OUAR, a resposta veio, sobretudo, de uma nova geração,
ávida por mais conhecimento, cheia de energia para a ação, mas igualmente
pouco propensa a ter no movimento hip-hop relações marcadas pela hierarquia
e pela falta de diálogo, tal como conheciam, sobretudo, na escola e, alguns
também, nas experiências de emprego.
É preciso reconhecer, e esse é o desafio da direção da OUAR, que, para es-
ses novos membros, ainda muito jovens, o hip-hop não é apenas um movimento
social de reivindicação e luta, mas também o seu principal espaço de viver
uma juventude possível. Por isso, é também tempo e espaço de diversão, de
sociabilidade, de uma espécie de ex-tase (no sentido de MAFFESOLI, [1989],
de um sair de si em direção ao outro), de um “estar-junto à toa” (PAIS, 2003).
Assim, enquanto os mais velhos cobram seriedade, os mais jovens querem saber
quando é a festa. Diferenças que têm conduzido a divergências e enfraquecido
o poder de negociação territorial do próprio movimento. Assim, os encontros
da OUAR acabaram não constituindo um terminal de conexão do movimento
à escala da cidade, deixando este papel à “mancha de lazer” da Rua XV de No-
vembro, onde o mote do encontro é a diversão.
No caso da cena punk, como aconteceu no hip-hop, os/as jovens descobri-
ram o movimento antes mesmo de ganhar maior autonomia de circulação na
cidade, de modo que seus trajetos e redes de sociabilidade, tramados fora dos
tradicionais casa-escola, já tiveram essa referência. Assim, a adesão ao punk

142 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

também não representou uma desterritorialização, mas foi a forma primeira


com que esses e essas jovens construíram sua territorialidade, enquanto jovens,
na cidade.
Quando observamos a figura 5, na qual estão representadas as áreas da
cidade em que se originaram redes de sociabilidade punk, vemos que, apesar da
pluralidade de contextos sócio-espaciais em que essa cultura encontrou possi-
bilidades de territorialização, estes são, predominantemente, centrais, como já
foi dito. No caso da rede que se originou no bairro mais distante, articulando
punks na periferia, são tênues as suas ligações com as redes mais centrais. Nesses
contextos de vizinhança surgiram as principais bandas punks da cena local.
Foi, portanto, também no caso do punk, nas tramas do cotidiano, que as
primeiras referências apareceram – muitas vezes surgidas não se sabe bem de
onde – e se ofereceram como possibilidades de demarcação identitária. A partir
delas, esses/as jovens puderam se sentir fazendo parte de algo especial, distinto,
original, pelo qual afirmavam, também, sua especificidade dejovens, diante do
mundo adulto (aos moldes do que se vivia em centros urbanos maiores, de onde
emanam as imagens paradigmáticas do ser jovem).
Inicialmente, o punk ao qual tiveram acesso foi o da mídia, geralmente
Ramones e Bad Religion e, por um processo de pesquisa, descobriram também
a atitude, a dimensão política e outras bandas mais undergrounds.
A partir da descoberta do punk, concomitante ou paralelamente ao esta-
belecimento da rede de sociabilidade inicial, alguns elementos da cultura co-
meçaram a ser incorporados à identidade visual dos/as jovens, como camisetas,
piercings, tatuagens, moicanos23, pelos quais se reconheceram na rua e fizeram
ampliar essa rede inicial. Assim, ao mesmo tempo, dava-se também a desco-
berta de outras pessoas que se identificavam com o som punk, fora do espaço
imediato da vizinhança ou da escola, no espaço mais amplo da cidade. O cal-
çadão da Rua XV e os shows de rock alternativos, que começaram a acontecer
na cidade, em fins do ano de 2002, foram importantes pontos de convergência
dessas redes dispersas.

23 Moicano: povo indígena considerado extinto, que habitava a área de Connecticut nos Estados
Unidos (Dicionário Eletrônico HOUAISS da Língua Portuguesa), conhecido pelo seu corte de
cabelo como uma crista de galo (raspado dos lados e levantado no meio, numa faixa que vai do
início da testa à nuca). Esse corte de cabelo à la moicano, foi incorporado pelos/as punks, como
um símbolo de resistência à dominação, numa referência à resistência do povo indígena. Mas
também é uma estratégia de choque e, portanto, uma forma de contestação ao “sistema”.

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 143


NÉCIO TURRA NETO

As fontes de pesquisa começaram também a se ampliar com a internet24,


onde descobriram um mundo de informações sobre o punk, políticas e sonoras,
mas também informações rápidas, muitas vezes descontextualizadas, que pro-
vocavam localmente certo embaralhamento. Nesse ponto, a presença do amigo
foi fundamental, no sentido de oferecer parâmetros e espaço de elaboração
dialógica da cultura punk.
A atitude de aprofundamento na cultura punk foi fundamental para as dis-
tinções e aproximações em redes de sociabilidade, que se seguiram aos contatos
iniciais. Denotava aproximação com pessoas que conheciam os mesmos refe-
rentes, mas também distanciamentos em relação àqueles que se apropriavam
dos referentes sem o necessário conhecimento.
Assim, reconhecerem-se e aproximarem-se na cidade, a partir da cultura
punk, não tem significado afinidades incontestes. Há muitas divergências e
essas começaram a se expressar na cena punk, de forma que é preciso relativi-
zar o jogo de proximidades e distanciamentos que, localmente, uma cultura
transterritorial pode provocar. O encontro das múltiplas trajetórias biográficas
em processo e das diversas redes de sociabilidade, em direções nem sempre
compatíveis e com diferentes graus de conhecimento do punk, tem provocado
tensões ainda não resolvidas na cena local, o que interfere sobremaneira nas
“conquistas territoriais” do punk.
Nos shows, organizados pelas primeiras bandas que surgiram na cena 25,
também muitas redes se formaram, a partir das quais ações, bandas, projetos
punk foram colocados em andamento na cidade. Na leitura que tentei cons-
truir, o tempo-espaço do show foi visto tanto como um lugar de encontro, no
sentido proposto por Massey (2000), quanto como um território, tal como o
tem entendido Haesbaert (2004; 2007).

24 A internet foi uma fonte importante tanto de informação quanto para a ampliação das conexões
das redes de sociabilidade da cena punk em Guarapuava. No caso do movimento hip-hop, seu
papel foi muito mais tímido. Somente ao final da pesquisa foi possível identificar alguns de seus
membros inserindo-se em sítios de relacionamento e de comunicação on-line.
25 Em Guarapuava, a cena punk, para se concretizar, teve que se dar juntamente com a cena heavy

metal. Ambas formam a cena rock alternativa da cidade. Separadas não teriam público suficiente
para justificar o aluguel de espaços para shows. Essa coexistência, nos mesmos eventos, de duas
cenas distintas, também tem sido motivo de certos conflitos ainda não resolvidos.

144 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

Figura 5. Guarapuava, distribuição das redes de sociabilidade punk, 2008

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 145


NÉCIO TURRA NETO

Na cena rock alternativa de Guarapuava, vivi, durante o campo, a fase de


apogeu e decadência da cena emocore26 na cidade. Como esta não tinha espaços
próprios de manifestação, inseriu-se na cena rock pré-existente, como forma de
poder viabilizar-se. Contudo, a rejeição a esse estilo foi muito forte, tanto por
parte da cena metal, quanto da cena punk. Esta última, sobretudo, foi particu-
larmente refratária ao emo, pois esse estilo constitui-se com elementos retira-
dos, originalmente, da cultura punk e recombinados num outro contexto, em
que os significados fortes dos símbolos, como moicanos e rebites, tornaram-se
alegorias festivas, consumidas como moda.
O show também tem sido um território de embate entre punks com longa
trajetória no movimento e os/as novatos/as. Há um controle do acesso às redes
de sociabilidade da cena punk, de forma que é preciso passar pelo crivo daque-
les que têm melhores condições de avaliarem “as ideias” dos que se aventuram
nos shows, ostentando alguns símbolos, sem saberem ao certo o que é punk.
Os punks mais velhos, assim, exercem um poder simbólico de domínio sobre a
cultura punk, cujo show é o território-tempo em que esse poder é acionado de
forma mais evidente, tanto quanto o seu próprio limite.
Não se pode perder de vista, também, que o território que se constitui nesse
lugar de encontro, que é o show, também é permanentemente negociado com o
estilo heavy metal, com quem o punk divide o poder sobre a cena rock. As tensões
não são menores, mas há também muita aproximação entre as bandas, pois é da
articulação entre elas que os shows acontecem. Quanto ao público, os jovens de
ambos os estilos ficam mais separados no espaço do bar, alter­nan­do-se­no mosh27
conforme a banda.
Por tudo isso, o show é um território disputado por diferentes lógicas e gru-
pos, de forma que a diversão também se dá como enfrentamento e divergência,
como debate e como festa, tudo ao mesmo tempo, na urgência da efemeridade
do próprio evento.

26 Emocore (ou simplesmente emo – de emotion) é um novo estilo, que trabalha com referentes
sonoros e visuais do punk, em articulação com músicas românticas e sentimentalistas. Esse estilo
ganhou evidência na grande mídia entre 2005 e 2006, conquistando muitos adeptos em vários
lugares.
27 Mosh ou pogo é o nome que se dá à forma de dança punk, que consiste num movimento muito

rápido de braços e pernas, na qual os jovens ficam se trombando, se empurrando, num intenso
contato físico. É também o nome dado ao espaço do show apropriado para esta prática, qual seja,
a frente imediata do palco.

146 CIDADES, v. 6, n. 9, 2009


PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

Esse território-show, também, é resultado de um processo de negociação num


outro sentido, como um espaço conquistado à cena. A negociação por espaços de
show baseia-se na abertura do dono do estabelecimento, como um negócio que
ele faz, independente do conhecimento ou afinidade ideológica com alguma das
cenas. É uma negociação no sentido contratual do termo. A constância de even-
tos no bar e uma possível frequentação de punks, em outros momentos que não
só em shows, pode vir a configurar um espaço de referência da cena punk, até se
constituir num bar punk, se as relações com os donos continuarem se pautando
pela cordialidade. Esse processo ainda não se deu em Guarapuava, não só pela
fragilidade da cena, mas também pela própria fragilidade dos estabelecimentos
que aderem ao underground, pois, via de regra, têm vida curta.

A EMERGÊNCIA DE NOVOS SUJEITOS POLÍTICOS NO LUGAR


Como geógrafo, tenho reconhecido uma abertura à abordagem espacial
nos estudos de juventudes. Uma abertura que tem se dado, contudo, sem a de-
vida precisão conceitual. Nos meus estudos tenho procurado suprir essa lacuna.
Assim, como procurei demonstrar, a consideração da espacialidade própria das
culturas juvenis contribuiu muito para o desvendamento da sua dinâmica na ci-
dade de Guarapuava. Reconstituir a territorialização dessas culturas permitiu-me
ver a articulação de uma referência transterritorial às contingências de um espa­
ço-tem­po concreto, ele próprio com suas trajetórias em curso. E foi no embate
e/ou diálogo com as trajetórias já presentes nesse contexto só­cio-es­pa­cial, que as
trajetórias das culturas punk e hip-hop acabaram por formar, localmente, novos
sujeitos políticos, nas manifestações que os grupos empreenderam e na disputa
por espaços na política institucional28.
Como foi visto, é possível dizer que, em Guarapuava, punk e hip-hop têm
no espaço-tempo da diversão, a constituição mais frequente dos seus “territó-
rios temporários” (SOUZA, 2001), onde as redes se intersectam. O punk nos
bares, que são conquistados aos shows, e o hip-hop na Praça, conquistada no
espaço mais amplo da mancha de lazer da Rua XV.
A referência do hip-hop é mais permanente e pública, enquanto a do punk é pri-
vada e efêmera. Ambos, contudo, devem negociar constantemente esses territórios,

28 Nas eleições municipais de 2008, o presidente da OUAR candidatou-se ao cargo de vereador,


mas não teve a votação necessária.

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NÉCIO TURRA NETO

seja com os donos dos estabelecimentos e os grupos que estão também presentes
nos eventos, seja com a polícia e os demais atores presentes na mancha de lazer.
De quando em quando, essas redes de sociabilidade, tramadas na vizinhança e
nos espaços de diversão centrais, foram acionadas para fazer emergir atores políticos
em ações contestatórias ou em ações de negociação com grupos de poder locais.
No caso do punk, apesar das diferenças internas, vi emergir, em tempos e
espaços específicos, efêmeras ações de protesto. Ao rápido ajuntamento, que
deu possibilidade de existência a esse ator político, seguiu-se a sua dissolução.
Dessa forma, ainda são nos shows, os principais espaços-tempos de encontro
punk na cidade, quando a cena ganha maior visibilidade e onde a diversão pa-
rece se constituir na única forma possível de estruturar alguma divergência.
A figura 6 a seguir, dá ideia de uma ação de protesto vivenciada duran-
te o campo, num momento em que o grupo punk invadiu o desfile de sete
de setembro, empunhando faixas e gritando, como palavra de ordem, “Nem
Deus, Nem Pátria, Nem Patrão”, como pode ser visto numa das faixas. Essa
interferência causou forte impacto nas pessoas que assistiam ao desfile, que se
indagaram, atônitas: “o que era aquilo?”; “de onde saiu essa gente?”.
Além disso, houve uma manifestação diante de um evento de rodeio, em
que os/as punks levantaram faixas e distribuíram panfletos contra o mau-trato
aos animais. Também, na época das eleições municipais, um grupo se reuniu
para colar cartazes pregando o voto nulo, nos lixos, postes e murais do calçadão
da Rua XV de Novembro, como pode ser observado na figura 7.

Foto: Turra Neto, 2006


Figura 6. Momento de invasão do desfile de Sete de Setembro pelos/as punks.

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PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

Foto: Turra Neto, 2006


Figura 7. Lambe-Lambe em defesa do voto nulo, colado por punks em murais
do calçadão de Guarapuava

No caso do hip-hop, ao longo da sua trajetória em Guarapuava, o apoio


da Prefeitura Municipal sempre foi importante e uma demanda dos próprios
membros do movimento. A partir desse apoio, muitos eventos foram viabiliza-
dos, sejam eles em espaços públicos ou não. Tal envolvimento e, de certa forma,
dependência do poder público municipal, fez com que o movimento hip-hop
tenha ficado sujeito às conjunturas do jogo político local.
Se o público do rap é um nicho de mercado para promotores de eventos,
também é um reduto eleitoral significativo, que tem chamado a atenção de
grupos políticos locais. Diante desse interesse, alguns membros do movimento,
e mesmo pessoas que, apenas, autodenominam-se do hip-hop, vêem aí uma
possibilidade de auferir ganhos pessoais, sejam eles relacionais, políticos ou
mesmo econômicos.
Os grupos de poder locais, então, em busca de manterem-se no poder pelo
controle de áreas e eleitores, têm usado o movimento hip-hop, trabalhando com
suas diferenças internas e, com isso, acabaram interferindo também na própria
territorialidade do movimento. A rádio AM, na qual é veiculado o programa
de rap, é de propriedade do atual prefeito municipal. Este, atendendo a pres-
sões de facções contrárias a OUAR, retirou momentaneamente o programa do
ar, o que fez com que a OUAR passasse por um período de desestruturação,
extinguindo suas reuniões na Praça Cândido Xavier (Figura 2), esse tempo-
espaço importante para a conexão das redes de sociabilidade na cidade. Assim,

CIDADES, v. 6, n. 9, 2009 149


NÉCIO TURRA NETO

os territórios próprios do movimento ficaram limitados aos territórios-zona das


quebradas e às redes que se articulam na Rua XV de Novembro, aos finais de
semana à noite, no qual a diversão é o mote do encontro.
Assim, tanto o punk, quanto o hip-hop, no limite em que podem ser con-
siderados como movimentos sociais, encontram-se imersos nas condições con-
cretas dos sujeitos e da cidade, que permitem que se realizem/territorializem de
uma forma particular. Uma territorialização que continua se fazendo, acom-
panhando a trajetória histórico-geográfica do próprio movimento, no mundo
e no lugar.
Apesar desta fragilidade enquanto sujeitos políticos coletivos, em Guara-
puava, é inegável que o punk e o hip-hop contribuem para a constituição de
sujeitos políticos individuais, pela formação de uma visão política, que tam-
bém acabam produzindo. Dessa forma, mesmo desterritorializando-se dessas
culturas juvenis, em trajetórias de inserção no mundo adulto, os sujeitos levam
consigo muito do que aprenderam nesses espaços-tempos de sociabilidade que
são, também, contextos de socialização.

PARA ABRIR O DEBATE


Tanto para Santos (2002), quanto para Massey (2008), o lugar é o espaço
em que a negociação se impõe, pela situação de coexistência; por isso ele é o
espaço da política. Internamente, como espaço de multiplicidade, a constitui-
ção de territórios parece ser a condição da coexistência da heterogeneidade. É
uma situação que tem se complexificado nos últimos tempos pela convergência
ao lugar de uma série de outras trajetórias, trazidas por fluxos os mais diversos,
que fazem com que se multipliquem as possibilidades de escolhas identitárias
e os contextos sócio-espaciais de filiação. O que, na ponta do processo, tem
produzido uma multiplicação de territórios e de sujeitos do discurso, que se
impõem como novas vozes no lugar.
Punk e hip-hop foram interpretados aqui como trajetórias que territoria-
lizam no lugar movimentos juvenis engajados em algumas lutas políticas, na
constituição de circuitos alternativos de diversão e na produção de uma cultura
própria.
Se, num certo sentido, punk e hip-hop podem ser pensados como culturas
transterritoriais que desterritorializam os jovens, que as assumem como referên-
cia, num sentido mais forte, são culturas que dão certo tipo de territorialidade a

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PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

esses jovens, enquanto jovens, na cidade. Territórios que portam a potência, ao


mesmo tempo, de serem territórios de enfrentamento e de diversão.
No caso específico do hip-hop, a adesão ao movimento tem significado a
conquista de um dos únicos tempos-espaços de autonomia abertos aos jovens
da periferia que, a partir dele, podem tanto recusar o território, os trajetos e
projetos impostos pela sua condição sócio-espacial, como denunciá-los, ao mes-
mo tempo em que positivam o referente da quebrada.
Contudo, como estamos lidando com processos que são, indissociavelmen-
te, tempo-espaço, a territorialização, pelas conexões e reconexões sempre possí-
veis e abertas no lugar, porta em si a “des-re-territorialização” (HAESBAERT,
2004) e a constante produção/reprodução, concreta/simbólica, do próprio es-
paço que, assim, pode ser lido não como estático, mas tão dinâmico quanto
o tempo – uma dinâmica espacial que produz história, como defende Massey
(2008). É nesse sentido, que o engajamento e o desengajamento fazem parte
da trajetória biográfica dos/as jovens diante destes movimentos e interferem
imensamente no seu poder de negociar a cidade.
Pela leitura que procurei construir, a partir de uma vivência em meio
a punks e hip-hoppers, bem como pela coleta de depoimentos orais, os coti-
dianos da cena e do movimento vieram à tona e permitiram evidenciar os
meandros da constituição localizada desses novos sujeitos políticos, com
seus dilemas, diálogos e conflitos, entre si e com os sujeitos já presentes
no lugar. Conexões que dizem muito sobre as formas territoriais e sobre as
manifestações contestatórias, pelas quais essas culturas juvenis ganharam
existência material na cidade, a partir das redes de sociabilidade que as
constituíram.
Assim, sem a pretensão de ver nessas culturas juvenis forças políticas in-
contestes, vejo-as como resultados de redes de sociabilidade juvenis, com pos-
sibilidade de serem acionadas em certas situações de atuação contestatória ou
reivindicatória, que são, no mais das vezes, também situações de forte envolvi-
mento emocional e, sobretudo, de muita diversão (e nos momentos de diversão
também está presente um sentido forte de divergência).
Além disso, é possível identificar, na territorialização do punk e do hip-hop,
a emergência de um novo sujeito político também num outro sentido, qual
seja, na inegável dimensão educativa dessas culturas juvenis; e sobre isso, quero
tecer alguns comentários, para abrir um possível debate.

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Os jovens e as jovens formam visões de mundo, pensamento autônomo e


crítico diante da realidade, assumem bandeiras de luta política, constituem-se
enquanto sujeitos, a partir dos referentes fornecidos pelo punk e pelo hip-hop.
Em outros termos, essas vivências juvenis (das redes de sociabilidade e da cida-
de), a partir do punk e do hip-hop, são vivências educativas, que serão levadas
para as outras “fases de vida”, formando sujeitos sociais de um certo tipo.
Esse aspecto formativo que, em si, deveria também ser realizado na escola,
enquanto instituição oficial de formação humana, geralmente, não tem sido
considerado por educadores e educadoras, no processo de elaboração de suas
propostas pedagógicas.
No caso específico da Geografia escolar, se ela considerasse os territórios
existenciais, construídos e vividos no cotidiano, e as referências culturais pe-
las quais as redes de sociabilidade juvenis são constituídas, poderia incorporar
uma reflexão que levasse o jovem e a jovem a perceberem-se como fazendo a sua
cidade, como tecendo uma Geografia a partir da sua presença e movimentação
no mundo, a partir das relações identitárias e políticas que estabelecem. Seria
uma possibilidade de trazer o ensino da Geografia para próximo das pessoas,
de preenchê-lo de significado para o/a jovem estudante, pois, a partir daí, ele/a
poderia estar se entendendo num quadro de relações sócio-espaciais. Seria, en-
fim, uma possibilidade ainda inexplorada de realizar uma ponte entre um saber
informal, da rua, do grupo de amigos e de canais próprios de leitura e pesqui-
sa, e o saber formal da Geografia escolar, de forma a fazer com que ambos se
enriqueçam mutuamente (e, quem sabe, não estaria aí uma possibilidade de a
Geografia contribuir com esses movimentos?).
Não estou defendendo aqui que o ensino de Geografia se reduza ao tra-
tamento das culturas juvenis, considerando aquelas já presentes no ambiente
escolar, mas tão somente que professores e professoras de Geografia possam
incorporar, no currículo (que, aliás, deveria ser uma construção sua e não dos
livros didáticos), uma reflexão sobre a experiência juvenil, até mesmo como
forma de ampliar o diálogo com os sujeitos sobre os quais se dá sua intervenção
educativa.
Assim, se existe uma Geografia das Juventudes, como acredito ter demons-
trado, seria possível e mesmo desejável, uma “Geografia para as Juventudes”, na
escola? Eis um desafio, pelo qual penso que valeria a pena empreender alguns
esforços.

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PUNK E HIP-HOP NA CIDADE: TERRITÓRIOS E REDES DE SOCIABILIDADE

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Recebido em: 30/01/2009


Aceito em: 06/03/2009

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