Kcosta, 3 Entrevista
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1 | 2017
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revista unila extensão e cidadania
entrevista com marina tunerê genan
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Nas religiões afro-brasileiras a expressão “ser filho ou filha” indica que a pessoa possui um
determinado orixá como seu patrono pessoal. Oxalufã é o orixá Oxalá na sua versão mais
velha. É associado à autoridade patriarcal, por ser o pai de todos os outros orixás.
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Bori é um ritual na religião afro-brasileira que consiste em “dar alimento” à cabeça (Ori).
Destina-se a “acalmar” o orixá e proteger o filho de santo.
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O termo espírita muitas vezes é utilizado pelos integrantes das religiões afro-brasileiras
para se referir a sua experiência, seja na umbanda ou no candomblé. Cabe ressaltar que
muitos integrantes não utilizam essa terminologia, buscando se diferenciar da denomi-
nação kardecista.
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Fonte: Waldemir Rosa, 2015.
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“Tomar obrigação” ou “dar obrigação” é o termo utilizado para se
referir ao processo de iniciação nos cultos afro-brasileiros.
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Dolores Duran (1930-1959) foi uma cantora e compositora brasileira.
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equipe proex: E como era visto o candomblé quando a senhora era criança?
marina tunerê genan: Na época, o candomblé em si era uma coisa que
tinha que ser muito escondida. O que se fazia era disfarçar. Os atabaques,
por exemplo, eram tocados com tábuas na mão, para abafar o som. Porque
se a polícia escutasse... vinha e chutava as coisas, né? Existia esse tipo
de preconceito. Quem conseguiu, na Baixada Fluminense, fazer com que
houvesse um respeito foi o Joãozinho da Gomeia6. Sabe, o João conseguiu
fazer com que esse preconceito acabasse, porque fundou o terreiro da
Gomeia — que infelizmente não foi tombado e hoje não existe mais em
São Paulo. Mas foi através da Gomeia que ele conseguiu, por conhecer
pessoas muito influentes, como o governador, que naquela época era o
Carlos Lacerda7. E também conhecia o Tenório Cavalcanti8. São pessoas da
ditadura. Eram todos anti-Getúlio, que na época já tinha se matado. Então
era... era aquela máfia na Baixada Fluminense. Ser político naquela época
era morrer. Era assim: o Carlos Lacerda e o Tenório Cavalcanti. O homem
da capa preta (Cavalcanti) e o homem que falava que não tinha medo de
nada (Lacerda) mas só saía com vinte, trinta pessoas, né? Senão, ele não
saía. E o Joãozinho da Gomeia sabia comandar o negócio, porque fazia eles
frequentarem a casa em dias totalmente diferentes. Protegia os dois, mas
eles não se encontravam. E ele foi conseguindo, conseguindo, pagando a tal
da polícia da Baixada Fluminense, né, Duque de Caxias, Nilópolis, tudo...
foi assim que o Joãozinho da Gomeia trouxe o candomblé realmente como é.
Começou na Baixada Fluminense e se estendeu a tudo.
6
Joãozinho da Gomeia (1914-1971) foi um sacerdote do candomblé que viveu na Bahia, em
São Paulo e no Rio de Janeiro.
7
Carlos Lacerda (1914-1977) foi jornalista e político brasileiro pela UDN.
8
Tenório Cavalcanti (1906-1987) foi um advogado e político brasileiro do Rio de Janeiro.
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Igbás e alguidares são utensílios do candomblé. O igbá é um conjunto de louças e alguidar
é uma vasilha de barro.
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não tenho aonde esticar mais o barracão10. Eu não tenho como trazer ele pra
frente. Não tem como sair da casa e morar lá no barracão e mudar lá e fazer
tudo aqui um barracão. Não tem espaço lá (onde atualmente é o barracão),
eu não vou ter terra. O pedaço de terra que eu tenho é este aqui, onde
está a família Jê, né, que é a família Jê que é a família dos filhos de Nanã11.
E lá atrás eu tenho uma pequena horta de umas plantas de fundamento12.
Que é necessário. Mas eu preciso ter árvores. Eu não posso ficar sem árvores.
Porque todas as árvores, quando tem festa a gente põe um laço e dedica
ao orixá Iroko13, que é o dono das árvores. Porque Iroko só se faz quando
plantar uma árvore. Mas ao contrário, se você não planta uma árvore, você
não pode ter Iroko na sua casa.
equipe proex: Já que a senhora está falando da sua casa, como é que foi essa
vinda para Foz do Iguaçu?
marina tunerê genan: Em Foz foi sempre neste bairro. Eu cheguei
aqui em 1992, quando a Roberta (filha mais nova da mãe de santo) tinha
dois anos. Mas eu comecei em São Paulo, no Jardim Ibirapuera. E a minha
vinda pra cá foi por meio de um espírito que vem em mim, o boiadeiro
Sete Laços (algumas vezes, Marina Tunerê Genan se refere ao boiadeiro
como “caboclo”). Ele fez um trabalho com um senhor, aliás, uma família.
E essa família falou que o dia que desse tudo certo na vida deles, iam dar um
presente pra ele. Só que nem eu imaginei que seria alguma coisa relacionada
ao terreno, não. Eu morava de aluguel. Um dia, ele (o senhor para quem o
boiadeiro fez um trabalho) chegou lá e falou assim: “Eu precisava muito
falar com o boiadeiro”. Nossa, eu me lembro que tava hiperocupada e esse
homem ficou lá embaixo, esperando. O boiadeiro virou (a mãe de santo
incorporou) e ele perguntou: “Agora, eu tenho condições de dar uma casa
pra sua filha e pro senhor. Onde o senhor quer morar? Onde o senhor quer
que construa a casa pro senhor?”, ele (o boiadeiro) falou: “Foz do Iguaçu”.
E eu fiquei perguntando a Deus o que é que eu vim fazer aqui.
equipe proex: E como é que foi pra senhora a entrada aqui no bairro? Enfrentou
algum problema?
marina tunerê genan: Deus o livre! Jesus do céu! Todos aqui evangé-
licos. Era um tal de ‘rezar Bíblia’ no portão, pôr mensagem... Eu perguntava a
Deus e ao mundo, todos os dias, o que é que o caboclo tinha inventado de eu
vir parar nesse fim de mundo. Hoje, meus vizinhos, todos eles, conversam
10
O barracão é o espaço onde ocorrem as atividades religiosas do candomblé. No caso de
mãe Marina, o barracão está no mesmo terreno que a casa e, por isso, não há espaço.
11
Nanã é uma orixá feminina identificada como a matriarca da família Jeje, ou Jê, e a primeira
esposa de Oxalufã.
12
“Plantas de fundamento” são as plantas de grande importância na ritualística das religiões
afro-brasileiras.
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Iroko é um orixá de origem Jê e um dos filhos de Nanã. É associado a uma árvore de
mesmo nome e ao culto dos ancestrais.
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comigo e não tenho inimizade. Não sou de ir na casa deles, nem eles de ir na
minha casa. Mas eles me respeitam. Me tratam superbem.
equipe proex [para Cristiane]: Você já entendia que sofria preconceito na escola?
cristiane: Eu não. Minha tia que me ensinou a responder. E eu respondia
e xingavam mais, e eu voltava chorando. Ai, que ódio. Mas eu não sabia. Eu
não entendia que isso era preconceito, não. Achava que era implicância.
equipe proex: E com o boiadeiro Sete Laços... Como é a relação com ele?
cristiane: O boiadeiro Sete Laços faz mais de 300 anos que incorpora nas
pessoas.
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equipe proex: Marina Tunerê Genan, como a senhora acha que as religiões de
matriz africana, que a senhora representa, podem contribuir pra resistência
da população negra?
marina tunerê genan: Dando orientações. Fazendo o social, que é
ajudar o próximo. Fazendo doações. Trazendo essas pessoas pra dentro da
casa... Não pra dentro da religião, mas fazendo eles entenderem o que é a
religião, o que é o princípio. [Entenderem] o porquê de nós não termos
Bíblia; o porquê de nós não termos pastores; de nós não termos bases...
coisa nenhuma! As nossas bases, o nosso alicerce, é a mente. Porque os
negros que aqui vieram... ninguém ‘ensinou eles’, ninguém ‘alfabetizou
eles’. As histórias foram apagadas. Eles foram obrigados a aceitar a Bíblia.
A grande realidade é essa. Porque naquele tempo era protestante e católico.
Mas a maioria era protestante. Principalmente nos Estados Unidos. E eles
liam a Bíblia e aumentavam... Diziam que Jesus disse que negro não tem
alma, que vocês (os negros) vieram pra servir os brancos, porque vocês
(os negros) são seres inferiores. Por isso, o negro já veio com essa ideia...
de que não era nada. Só que tanto os Estados Unidos quanto a própria África,
o que fizeram? A própria África deixou que eles viessem e fossem escravi-
zados. Porque eles podiam lutar. Mas o próprio negro pegava outros negros,
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cristiane: Como é que vão querer proibir a religião, se tem o tiozinho que
vive lá no meio do mato que também mata o bicho. Que caça, mata e come.
Então vai ter que proibir todo mundo, ou ninguém né?
marina tunerê genan: O Brasil vai ter que virar vegetariano. Ué...
também tem que proibir os frigoríficos.
marina tunerê genan: Nós não fazemos isso. Nenhum bicho fica sofrendo
na faca ou durante o sacrifício. A gente faz de uma maneira que o bicho não
sente, é uma morte instantânea. E é rezando. É rezando, é rezando, os outros
acompanhando, sabe... A gente tá rezando aquela carne que tá alimentando
não só nós, mas vai alimentar a comunidade. Porque tudo o que sobra a
gente doa. Doa pras pessoas que frequentam, pras pessoas muito humildes
que não têm... A gente faz o social, nós doamos roupas, calçados...
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cristiane: E olha, eu vou falar uma coisa, quem veio nos visitar teve total
acesso aqui. Fica sabendo as coisas desde o início. Desde o banho, antes de
começar as coisas, até o final. Tipo livre acesso mesmo, desde o início.
marina tunerê genan: Pra eles verem também que o candomblé não é
aquele bicho de sete cabeças, entendeu? Não é um bicho de sete cabeças.
Quando estive lá em São Paulo agora, com uma filha de santo minha que
tomou as bodas de prata, eu falei isso pra ela. Eu falei assim: “Tenho muito
orgulho da UNILA me convidar pras palestras que tem. Pras mesas que
tem, eu ser convidada. Eu tenho orgulho disso porque é uma universidade
que tá abrindo portas”. Independentemente de vocês que estão aqui hoje,
tá abrindo portas. E é uma porta que tá se abrindo que futuramente eu posso
fazer uma palestra no Chile, no Uruguai... e a gente expandir. Eles passarem
o conhecimento deles pra mim que vai ser importante, muito importante.
E eu passar o pouco que eu sei pra eles. Vai ser uma troca, né? Uma coisa
básica. É o que eu falo aqui pra Roberta e pra Cristiane (filhas biológicas
de Marina Tunerê Genan), que são minhas sucessoras. Eu pretendo conti-
nuar só esse ano (2015). Vou tomar minha obrigação de 40 anos de santo...
Meus filhos de santo vão continuar sendo meus filhos... Mas eu quero que
elas assumam essa parte. Sabe, por quê?... eu já tô com 67 anos e isso cansa.
Você tem que ser psicólogo, você tem que ser analista... Cada um com seu
problema, né? Você tem que ser tudo: analista, psicólogo, psiquiatra, assis-
tente social. Tem que ser tudo ali. A pessoa entrou naquele quarto, falou os
seus problemas e você viu que existe aquele problema e tem que ajudar e
pôr na cabeça das pessoas que nem tudo é do jeito que elas pensam.
equipe proex: Depois que começaram essas ações em parceria com a universi-
dade e o trabalho com o Núcleo Regional, deu pra perceber alguma diferença?
Alguma escola da região se aproximou?
marina tunerê genan: Os pedagogos que participaram das reuniões
foram orientando as escolas pra pedir palestras. É onde eu faço palestra nas
escolas e apresento o afoxé. E aumentou a solicitação das escolas, porque
antes não tinha praticamente nada.
equipe proex: Vocês já receberam convites pra ir pra Puerto Iguazú (Argentina)
ou pra Ciudad del Este (Paraguai)?
marina tunerê genan: Olha, Ciudad del Este, não. Puerto Iguazú teve
um convite, só que da maneira que eles queriam, que a gente arcasse com
todas as despesas, não dá. Porque o fundo que o afoxé tem é muito pouco.
Porque a gente não faz eventos, né?
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equipe proex: Quando vêm pessoas novas aqui, como funciona? Há algum tipo
de preparo?
marina tunerê genan: Primeiro você (a pessoa que pretende se iniciar)
vai assistir, porque não adianta só eu falar pra você. Se você não vir, você não
aprende. Só o oral não vai funcionar. Você primeiro tem de ver, pra depois eu te
explicar. Olha, você viu, nós cantamos pra Exu. Mas nós cantamos pra Exu pra
quê? Pra que ele olhe a nossa porta, o nosso portão, o caminho. Não deixar que
nada de mau aconteça, nem com quem está aqui, nem com nossos familiares.
Foi por isso que nós alegramos Exu, fazendo o ipadê14. O ipadê na rua fazendo
as coisas que Exu gosta. Por que que cantamos pra Ogum? Ogum é o primeiro
orixá, que vem depois de Exu. Mas por quê? Porque são dois irmãos e Exu foi o
único que acompanhou Ogum. Porque Ogum foi um orixá que cometeu atro-
cidades. Ele não foi perfeito. Cometeu erros, sabe? Ele pagou muito caro por
isso. Aguentou o desprezo de uma nação inteira. E quando ele foi expulso de Irê
(Irê é uma cidade que faz parte dos reinos africanos da etnia nagô e, na história
mítica, foi tomada por Ogum em determinado período), quem acompanhou
foi só Exu, como o único amigo que ele tinha. Foi então que foi determinado
por ele, porque o respeito que tem por Exu é tão grande, que antes de qualquer
orixá, antes mesmo de Ogum comer, primeiro come Exu. Exu na frente de todos.
Por isso que Exu pra nós não é essa coisa satânica que vem pra destruir, que
vem pra fazer acontecer. Não! Exus são...
equipe proex: Mas, então, qualquer pessoa tem a oportunidade de vir aqui e
aprender com vocês?
marina tunerê genan: Sim, tem. Tem a oportunidade.
Ipadê, ou padê, é um rito que consiste fazer uma oferenda de alimentos e bebidas preferidas
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do orixá Exu, que é guardião da casa de culto e o mensageiro entre os humanos e os orixás.
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