Aula Onco 10

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Aula Onco 10 – Neoplasias do Sistema Hematopoiético

Alterações moleculares relevantes

A revolução genómica e a descoberta de novas tecnologias nesse campo revolucionaram o conhecimento que se
tem acerca das neoplasias do sistema hematopoiético – sobretudo no que toca às mutações drivers na patologia
desta doença. A medicina personalizada surge
como uma opção para diminuir a toxicidade e
fazer um tratamento mais dirigido à situação
específica de cada doente. Para além da
genómica, atualmente temos uma grande
facilidade da colheita da amostra, o que contribuiu
para a hematologia se encontrar na vanguarda da
medicina de precisão. Associa-se ainda o facto de
conhecermos bem a biologia do sistema
hematopoiético.

A tudo isto juntam-se dois casos de grande


sucesso. Um deles é o caso da leucemia mieloide crónica.
Esta é uma doença paradigmática da história da hematologia – o facto de se conhecer a driver alteration
(translocação 9-22, que se associa à expressão de uma proteína de fusão). Há uma grande proliferação de leucócitos
(com leucocitose), mas a taxa de proliferação é tanta que nem todas as células se conseguem diferenciar,
apresentando-se com mielémia (células indiferenciadas no sangue periférico). Desenvolveram-se moléculas, como o
imatinib, que conseguem desligar este “interruptor” que descobrimos. Atualmente já se sabem quais são as
resistências que existem e há inibidores de 2ª geração que contornam este problema. Atualmente, o objetivo da
terapêutica já é a paragem da terapêutica (obtendo-se uma grande remissão de resposta e manter apenas a
monitorização, de forma a diminuir os riscos associados à terapia numa doença que já está controlada).

Um outro caso é a da Leucemia Promielocítica Aguda (LPA), que foi descrita em 1957 como sendo uma das
leucemias mais fatais, porque se apresenta com quadros de discrasia hemorrágica, ou seja, fatais ao diagnóstico,
mas que respondia muito bem ao tratamento de antraciclinas, mas com taxa de recaída muito elevada. Mais tarde
percebeu-se que a driver alteration foi a translocação 15-17 verificada em todos os blastos no cariótipo. Esta
translocação dá origem à expressão de uma proteína de fusão, a PML/RARa. Esta proteína provoca um bloqueio na
diferenciação granulocítica, com blastos pro-mielócitos que libertam grânulos que estão na base da discrasia
hemorrágica. Pensou-se num tratamento com base em diferenciação, ou seja, se sabemos que as células estão
bloqueadas num estadio de diferenciação granulocítica, o objetivo vai ser desbloqueá-lo. O ATRA (derivado de
vitamina A) consegue induzir a diferenciação destes blastos e provocar até, infelizmente, um síndrome de
diferenciação – isto é, todas as células que estavam bloqueadas davam origem, mais tarde, a granulócitos
totalmente diferenciados, com alguma morte associada a esta diferenciação. No entanto, isto resolveu-se com
recurso a ATRA + QT. Este PML/RARa interagia com os receptores do ácido retinóico, inibindo a expressão de genes
envolvidos na diferenciação granulocítica. O ATRA desbloqueava esta proteína de fusão (substituía-a) e permitia a
progressão na diferenciação. Apesar do esquema ATRA+QT, alguns doentes recaíam, mas mais tarde mostrou-se que
nestes doentes ainda havia mais um outro fármaco, o Trióxido de arsénico (ATO), que conseguia, quando associado
ao ATRA, ter um efeito sinérgico. Assim, o ATO ajuda na degradação do PML/RARa e ajuda no restabelecimento dos
PML bodies = corpos essenciais para a transcrição  todos estes fatores contribuíam para um melhor desbloqueio
desta diferenciação granulocítica. Ou seja, usamos o conhecimento da biologia para não precisar de usar QT,
passando de uma leucemia fatal para uma leucemia que, quando corretamente identificada, conseguimos tratar
com grandes taxas de cura sem QT. Assim, atualmente trata-se com ATRA+ATO, a não ser que existam fatores de
risco.

Relevância dos dados genómicos em hematologia em vários aspetos:


1. Hematopoiese clonal (CHIP)
Quando falamos da existência de uma linha ténue entre hematopoiese benigna e maligna, referimo-nos sobretudo
ao conceito de hematopoiese clonal, conhecida como CHIP (Clonal Hematopoiesis of Indeterminate Potencial).
Esta foi descrita pela primeira vez num estudo de 17mil doentes voluntários, em que se sequenciou o sangue
periférico de doentes com predisposição para risco de doenças CV, tendo-se percebido que alguns doentes tinham
variantes: tinham já algumas mutações, variantes em determinados genes, que são as mesmas que estão envolvidas
na leucemia aguda, nos síndromes mielodisplásicos, mas com um hemograma completamente normal e sem
alteração hematológica. Percebeu-se que estes se tratavam apenas de clones, ou seja, alguns de nós têm variantes
nalguns destes genes, que estão presentes numa frequência de variante alélica, ou seja, a quantidade de células que
têm esta alteração é muito baixa e não se traduz em alteração fenotípica. Na verdade, só se descobriram estas
variantes devido a este estudo. Sabe-se que esta é uma entidade molecular (hematopoiese clonal) e a probabilidade
de termos um CHIP aumenta com a idade, tal como no cancro. O CHIP, como resulta do acumular de mutações que
ocorrem numa célula do sistema hematopoiético, aumenta também com a idade. As pessoas que possuem o CHIP
têm uma maior probabilidade de ter doença CV, EAM, doença tromboembólica.
Um estudo demonstra que, ao nível do risco cardiovascular, há uma provável relação com ter um aumento da
inflamação vascular e do risco aterosclerótico provocado pela presença de um CHIP. Deve-se a uma maior infiltração
de macrófagos que têm estas variantes e que faz com que determinadas citocinas inflamatórias sejam mais
expressas  maior inflamação vascular  maior risco CV associado a pessoas com CHIP (apesar de saudáveis).
Atualmente estuda-se a hipótese de estes indivíduos com CHIP serem identificados e tratados com inibição destas
citocinas de forma a diminuir risco CV.

Além do risco CV, o estudo demonstra que os doentes com CHIP têm um risco aumentado de neoplasia
hematológico, e este risco deve-se ao facto de estas alterações serem exatamente aquelas que estão presentes em
indivíduos que vêm a desenvolver uma leucemia mieloide aguda ou, previamente, um síndrome mielodisplásico. Ou
seja, em termos de história natural da doença, é como se estivéssemos a pré-determinar quem é que vai ter uma
LMA, isto é, detetar molecularmente um clone que ainda não acumulou todas as variantes que precisa para ter uma
LMA, mas que já está num patamar “mais à frente” do que uma célula sem nenhuma variante. Nesta imagem temos
a evolução
molecular
natural de:

 CHIP - uma célula hematopoiética, que poderá já ter uma variante e vai adquirindo outras ao longo do
tempo, mas que fenotipicamente corresponde a um hemograma normal
 MDS – aqui já atingimos uma mielodisplasia, ou seja, já podemos ter citopénias, alterações fenotípicas na
morfologia das células, também com acumulação de variantes ao longo do tempo.

Tem vantagem saber quais os doentes que possuem estas variantes? Na realidade, é pequena a percentagem de
pessoas que têm CHIP e que evoluem. Mais de 90% das pessoas com CHIP não evolui para LMA; e apenas 1% dos
doentes com CHIP realmente evoluem para MDS ou AML. No entanto, percebe-se que em doentes com outras
neoplasias e submetidos a tratamento com QT, se tiverem CHIP, têm maior probabilidade de desenvolver uma
neoplasia hematológica treatement-related.

E porquê?
Inicialmente tínhamos a noção de que a QT só causava lesão às
células que pretendemos eliminar (cancerosas), mas claro que tem
efeitos nas células saudáveis – e o problema de usar QTs de altas
doses são as lesões, sobretudo, no sistema hematopoiético,
promovendo síndrome mielodisplásico e LMA. Este é o
conhecimento clássico.
Sabe-se atualmente que, se algumas células do sistema
hematopoiético tiverem já determinadas variantes, o efeito da QT
ou dos agentes citotóxicos que são hemotóxicos podem levar a
alguns destes clones, por exemplo os que possuem mutação no
p53, a expandir, selecionando-se um clone que estava presente no
indivíduo.

No fundo, estes dados só foram descobertos graças aos dados de


genómica de populações alargadas.

2. Diagnóstico e classificação dos doentes


Inicialmente, no século XVII, classificavam-se as neoplasias hematológicas em 4 leucemias: aguda/crónica, linhagem
mieloide/linfoide. Mais tarde, com a evolução das técnicas e microscópios, surgiu uma nova classificação com base
na morfologia, com 3 tipos de leucemias linfoblásticas e 6 tipos de leucemias mieloblásticas. Com o surgimento de
técnicas de visualização do cariótipo e FISH, algumas das translocações específicas foram identificadas (WHO
Citogenética). Atualmente, surgiu, em 2016, pela primeira vez, a integração de algumas classes de novs alterações
moleculares nas doenças hemato-oncológicas.

Em seguida, iremos abordar sobretudo as doenças mieloides, passando, depois, brevemente pelas doenças linfoides.
DOENÇAS MIELOIDES

Uma das formas de organizar as doenças mieloides é, em termos de história natural da doença:
1- Hematopoiese clonal (que ainda não é doença). Como já vimos, é uma entidade benigna que não é
detetável por nenhuma alteração do hemograma. Só a nível molecular se consegue detetar a presença de
uma variante (que é considerada patogénica, mas que existe numa frequência extremamente pequena,
<2%). Como já vimos, esta deteção foi acidental, num estudo de larga escala.

Estas três próximas são as entidades major quando falamos de doença mieloide.

2- Mielodisplasia (Síndrome mielodisplásico) = corresponde ao primeiro passo para a neoplasia hematológica,


sendo que temos displasia (= alterações fenotípicas) devido a uma hematopoiese ineficiente, mas ainda não
temos um clone proliferativo. Temos células maduras, mas com displasia (citopénias: anemia,
trombocitopenia). Temos uma menor hematopoiese, ou seja, não se trata de uma doença mieloproliferativa,
mas sim mielodisplásica.
3- Neoplasias mieloproliferativas (sendo a principal a LMC, mas também existe outro grupo que será abordado
adiante). Neste caso, temos uma hematopoiese eficiente, ou seja, temos células normais, maduras, mas
mais proliferativa.
4- Leucemia mieloide aguda – temos um bloqueio da diferenciação e uma infiltração por estas células
bloqueadas. Temos, assim, mais de 20% de blastos numa leucemia aguda, o que não acontece em nenhuma
das outras situações. As situações mieloproliferativas raramente evoluem para LMA, mas é mais comum
acontecer nas situações mielodisplásicas.
Síndrome mielodisplásico

Temos uma hematopoiese ineficiente e fenotipicamente as


células têm alterações. No entanto, não é proliferativa e
apresenta-se no indivíduo com citopénias. O que conhecemos
do ponto de vista molecular? As translocações são raras,
embora se conheçam algumas, mas cerca de 50% tem
alterações no cariótipo com deleções, havendo uma muito
típica que é a deleção do 5q menos. O mais frequente (85% dos
casos) corresponde a mutações pontuais, ou seja, há muitas
variantes patogénicas em vários genes. As classes de genes
onde já se encontraram mutações pontuais correspondem a
genes envolvidos: em vias de sinalização de cinases de tirosina;
em fatores de transcrição de genes envolvidos na diferenciação
da linhagem mieloide; o próprio p53; regulares da epigenética,
podendo haver uma desregulação dos perfis de metilação e
acetilação e, indiretamente, à expressão dos genes; e ainda um grupo de genes que são os fatores de splicing, com
alterações dos padrões de splicing e produção de proteínas que levam ao desenvolvimento de mielodisplasia.
Entre todos estes genes identificados, os que possuem mais repercussões na clínica são o p53 e o fator de splicing
SF3B1. Na realidade, já se faz a procura destas mutações nos síndromes mielodisplásicos a todos os doentes
afetados. No caso do p53 é por responderem de forma diferente à terapêutica, e no caso do SF3B1 é por ser típico
de um subgrupo de síndrome mielodisplásico que é com sideroblastos em anel. Estes são, também, os genes
mutados no CHIP, embora nele seja mais frequente uma mutação no DNMT3A, TET2 e ASXL1.
Outros estudos também demonstraram,
tendo por base a epigenética, que o perfil de
metilação nos síndromes mielodisplásicos é
de hipermetilado. Isto fez com que fossem
testados fármacos de forma a intervirem com
este padrão de hipermetilação.
Assim, a principal arma que temos atualmente
para tratar síndromes mielodisplásicos são os
agentes hipometilantes: os dois principais são
a azacitidina e a decitabina, e o que ambos
fazem é inibir esta enzima que faz a
transferência dos grupos metilos (DNA metil-
transferase = DNMT).
Assim, é ativada novamente a transcrição de
genes que estão envolvidos na diferenciação
granulocítica.
Os estudos demonstraram que assim é
possível mudar a história natural da doença e aumentar a sobrevida destes doentes.

Síndromes mieloproliferativos

Não temos displasia, mas excesso de proliferação. Aqui temos o grupo BCR-ABL + (correspondendo a LMC) e BCR-
ABL -, que não têm esta translocação. Neste último grupo temos 3 divisões principais:
 Policitémia vera (PV) = aumento da massa eritrocitária
 Trombocitémia essencial (ET)= aumento da contagem plaquetária
 Mielofibrose (MF) = aumento da fibrose medular
Já se conhece muito bem a biologia destes síndromes mieloproliferativos e as alterações moleculares presentes:

A JAK2 é uma das cinases que integra a via de sinalização JAK/STAT, sendo que estas mutações levam à ativação
constitutiva desta cinase, que está então na porção intracelular de alguns receptores, que são os receptores de
sinais: como a trombopoietina (que leva à diferenciação dos megacariócitos e produção de plaquetas), EPO
(diferenciação de eritroblastos em eritrócitos), pelo que passamos a ter uma sinalização celular independente da
chegada de sinal.
A MPL é o receptor da trombopoietina (daí existir na trombocitémia essencial = excesso de transdução de sinal).
O CALR é uma outra proteína do retículo (normalmente), mas quando está mutada associa-se aos receptores de
membrana. Isto faz com que o receptor fique ativo independentemente da chegada de um sinal exógeno. Ou seja,
esta via é comum a todas as neoplasias mieloproliferativas  atualmente tratam-se estes doentes com inibidores de
JAK2, o Ruxolitinib.

Leucemia mieloide aguda


Doença mais agressiva e com sobrevida global menor, com menos eficácia na terapêutica apesar de se conhecer
muito sobre a doença. A grande parte das alterações moleculares que estão na base da LMA foram identificadas por
citogenética/FISH, sendo a maior parte correspondente a proteínas de fusão. Atualmente conhecem-se também
muitas mutações pontuais (NGS). É importante saber que existem diversos subgrupos de LMA e uma grande
heterogeneidade genética numa LMA. No entanto, alguns estudos revelam que, se as agruparmos, verifica-se
algumas das mutações co-ocorrem e existem grupos funcionais. Conseguem-se criar 5 grupos funcionais diferentes
dos principais genes mutados na LMA.
Estes correspondem a:
 Genes de transdução de sinal (geralmente receptores transmembranares, tal como o FLT3 que está mais
frequentemente mutado e que dá origem a uma leucemia híper-leucocitária; mas também temos a JAK2
envolvida nas vias de sinalização; NRAS e KRAS.
 Genes reguladores de epigenética – já referidos nos genes mielodisplásicos
 Fatores de transcrição
 Temos ainda os genes envolvidos na regulação do splicing de RNA
As mutações que devem ocorrer para que uma célula se torne um blasto leucémico normalmente não são do mesmo
grupo funcional  número médio de 3-4 mutações por leucemia. Ou seja, geralmente co-ocorrem com mutações de
outros grupos funcionais e é raro serem do mesmo grupo (como se isso não fosse uma vantagem: basta alterar
aquela via num dos pontos).

A genómica da LMA varia conforme a idade. As alterações cromossómicas (como os genes de fusão) são mais típicos
em mais jovens e as mutações pontuais mais frequentes nos mais idosos (com a acumulação das variantes
somáticas). A presença de determinada alteração ajuda a prever a evolução natural da doença, podendo mudar a
nossa terapêutica, porque faz-nos estratificar o risco logo no diagnóstico. Por exemplo, uma mutação no p53 tem
indicação, após remissão, para a realização de transplante (porque risco permanece elevado), enquanto que uma
inversão do 16 tem melhor prognóstico (induz-se remissão, mas não necessita de transplante de MO enquanto
tratamento eficiente).
Até 2010 o esquema terapêutico standard era o 7+3 (antraciclina + antimetabolito), continuando a ser o esqueleto,
mas com vários outros fármacos introduzidos. Por exemplo, Midostaurin e Gliteritinib têm como alvo o receptor
FLT3, o Enasidenib é um IDH1/2, Venetoclax é anti-BCL2.
É possível monitorizar a doença residual mínima num doente que tem um hemograma já normal, completamente
recuperado – sabendo a alteração que estava presente ao diagnóstico, por exemplo o NPN1, conseguimos
monitorizar a DRM tal como na LMC com o BCR-ABL, podendo ter indicação para transplante de MO.

DOENÇAS LINFOIDES

Mais próximas das restantes doenças oncológicas. Nos linfomas precisamos de uma biópsia excisional para
diagnóstico histológico. Os linfomas foram divididos em Hodgkin (sendo todos semelhantes ao primeiro caso
descrito, por Hodgkin) e uma forma de tentar perceber os restantes (não-Hodgkin) é que eles têm por base o estadio
da célula de origem. Nesta imagem temos o percurso de diferenciação de uma célula linfoide (neste caso, a maioria
destes linfomas envolve células B, embora algumas também envolvam as T). Dependendo da fase onde ocorre a
alteração molecular e que leva à transformação desta célula, nós teremos diferentes tipos de linfomas. Temos
alterações que podem ocorrer pré-centro germinativo (pré-ganglionar) OU durante os processos que ocorrem no
centro germinativo OU após a passagem por este centro.
Os mecanismos que participam na linfomagénese são exatamente os mesmos: alterações genéticas, sendo um dos
principais mecanismos a ativação de proto-oncogenes por translocações. Mas, neste caso, nas doenças
linfoproliferativas, a translocação não leva à produção de uma proteína de fusão como é muito mais típico na
leucemia mielóide, mas leva à ativação de um proto-oncogene, porque este fica sob o controlo de um promotor de
outro gene, normalmente o da cadeia pesada da imunoglobulina (cromossoma 14 é o que possui cadeia pesada da Ig
e é o que mais frequentemente está nestas translocações).

E o que é que resulta se outro gene ficar sob a influência desse promotor da Ig? Esse promotor é extremamente
forte e leva a uma produção aumentada do que ficar “em frente” a essa zona reguladora. Na tabela temos os vários
exemplos do que acontece em cada tipo:

Linfoma Não-Hodgkin: Gene mais expresso:


Linfoma do manto Ciclina D1 (importante na passagem de G1->S, o que torna este clone mais
proliferativo)
Linfoma folicular Translocação 14-18, passando a ter o gene BCL2 (anti-apoptótico) a ser mais
expresso = proliferação
Linfoma B difuso
Linfoma de Burkkit C-MYK (fator de transcrição importante para proliferação)
MALT Translocação 11-18 e componente da infeção por H. pylori (outros Ag que
participam na linfomogénese)
Tricoleucémia Mutação BRAF
Macroglobulinémia MYD88
de Waldenström

No esquema abaixo, temos as mesmas leucemias, mas com os genes associados que já se conhecem. No caso das
leucemias linfoides, a translocação para a clínica não é tanta como ocorre na mieloide. Já temos fármacos dirigidos
por exemplo no caso da tricoleucémia, com o uso do mesmo fármaco que no caso do melanoma por possuírem a
mesma mutação no BRAF; a deteção do MYD88 é extremamente útil para detetar na Macroglobulinémia de
Waldenström.

Linfoma B agudo de células grandes


Dos linfomas agressivos, é o mais frequente. Com base em
estudos não de genómica, mas de perfis de expressão génica,
percebeu-se que há dois subtipos moleculares destes linfomas,
que tinham sobrevivências globais muito diferentes (embora sem
impacto no tipo de tratamento), tendo também origem em
estádios celulares diferentes.
 Linfomas B difusos de grandes células do centro
germinativo (agora conhecem-se as vias alteradas)
 Outra é pós-centro germinativo: Activated B Cell (ABC)

Atualmente já se conseguiu subdividir estes grupos em vários


outros, em vários outros estudos, no entanto sem repercussões
na clínica ou na forma como se estratificam os doentes.

Leucemia (linfoma) linfocítica crónica (LLC)


É a leucemia mais comum. É como um paralelismo da leucemia mieloide crónica, mas com células linfoides maduras
e não mieloides. Percebeu-se que também existem dois subgrupos de LLC:
 Aqueles que têm mutada a região variável da cadeia pesada da Ig. Estas já passaram pelo centro
germinativo, tendo já esta cadeia pesada mutada, sendo células mais diferenciadas, mais maduras e menos
agressivas.
 Aqueles em que essa ainda não está mutada, sendo essa célula mais precursora (mais imatura), com pior
prognóstico.
Esta deteção da Ig mutada ou não consegue-nos ajudar a localizar a célula de origem quanto ao seu estadio de
diferenciação e pode ser feito ao diagnóstico. Tem impacto na forma como tratamos os doentes.

Num estudo foram detetadas todas as alterações moleculares e citogenéticas na LLC, sendo que se percebeu que as
mais frequentes envolviam o cromossoma 13, 11, 17 e 12. Algumas variantes mais frequentes nos que têm a cadeia
de Ig mutada, outros nos que ainda não a têm mutada.

Que repercussões tem esta deteção na clínica? Além de se estratificarem os doentes em diferentes sobrevivências
globais, tem alterado a forma como se trata a LLC, porque a compreensão de todos os genes que estão no gráfico
acima, associados à função que têm na célula, levou a que conseguíssemos perceber muito bem que vias estão
desreguladas, sendo as principais, representadas no esquema seguinte, as vias NOTCH, BCR (B cell receptor) e
também as vias inflamatórias relacionadas com a TLR e IL-1R. A compreensão desta desregulação permitiu o
desenvolvimento de vários fármacos, representados no esquema (ib = pequenas moléculas que vão “desligar” estas
vias). Mab (Ac monoclonal) ainda não se usam na clínica. Assim, isto faz com que atualmente se trate a LLC não com
QT (sendo que antes se usavam esquemas de QT muito intensivos), mas sim terapêuticas mais dirigidas como as do
esquema. Na realidade, os doentes desenvolviam, antes, neoplasias mieloides secundárias à QT e já nem tinham,
antes disso, uma sobrevida muito considerável. Ao tratar estes doentes de uma forma mais dirigida, poupamo-los
dos efeitos nefastos da QT a longo prazo.
Anti-CD20 (Rituximab) é atualmente o Ac mais usado nos linfomas não Hodgkin.

Assim, quando temos um doente


diagnosticado com LLC, existe uma
dicotomia “tem/não tem mutação de
p53”, “tem/não tem região variável da
Ig mutada” e a forma como tratamos é
diferente, permitindo, até na época em
que vivemos, fazer um tratamento oral
em ambulatório e diminuir o
internamento, tanto em doentes com
LLC em primeira linha como em doentes
com recaída.

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