Aula Onco 10
Aula Onco 10
Aula Onco 10
A revolução genómica e a descoberta de novas tecnologias nesse campo revolucionaram o conhecimento que se
tem acerca das neoplasias do sistema hematopoiético – sobretudo no que toca às mutações drivers na patologia
desta doença. A medicina personalizada surge
como uma opção para diminuir a toxicidade e
fazer um tratamento mais dirigido à situação
específica de cada doente. Para além da
genómica, atualmente temos uma grande
facilidade da colheita da amostra, o que contribuiu
para a hematologia se encontrar na vanguarda da
medicina de precisão. Associa-se ainda o facto de
conhecermos bem a biologia do sistema
hematopoiético.
Um outro caso é a da Leucemia Promielocítica Aguda (LPA), que foi descrita em 1957 como sendo uma das
leucemias mais fatais, porque se apresenta com quadros de discrasia hemorrágica, ou seja, fatais ao diagnóstico,
mas que respondia muito bem ao tratamento de antraciclinas, mas com taxa de recaída muito elevada. Mais tarde
percebeu-se que a driver alteration foi a translocação 15-17 verificada em todos os blastos no cariótipo. Esta
translocação dá origem à expressão de uma proteína de fusão, a PML/RARa. Esta proteína provoca um bloqueio na
diferenciação granulocítica, com blastos pro-mielócitos que libertam grânulos que estão na base da discrasia
hemorrágica. Pensou-se num tratamento com base em diferenciação, ou seja, se sabemos que as células estão
bloqueadas num estadio de diferenciação granulocítica, o objetivo vai ser desbloqueá-lo. O ATRA (derivado de
vitamina A) consegue induzir a diferenciação destes blastos e provocar até, infelizmente, um síndrome de
diferenciação – isto é, todas as células que estavam bloqueadas davam origem, mais tarde, a granulócitos
totalmente diferenciados, com alguma morte associada a esta diferenciação. No entanto, isto resolveu-se com
recurso a ATRA + QT. Este PML/RARa interagia com os receptores do ácido retinóico, inibindo a expressão de genes
envolvidos na diferenciação granulocítica. O ATRA desbloqueava esta proteína de fusão (substituía-a) e permitia a
progressão na diferenciação. Apesar do esquema ATRA+QT, alguns doentes recaíam, mas mais tarde mostrou-se que
nestes doentes ainda havia mais um outro fármaco, o Trióxido de arsénico (ATO), que conseguia, quando associado
ao ATRA, ter um efeito sinérgico. Assim, o ATO ajuda na degradação do PML/RARa e ajuda no restabelecimento dos
PML bodies = corpos essenciais para a transcrição todos estes fatores contribuíam para um melhor desbloqueio
desta diferenciação granulocítica. Ou seja, usamos o conhecimento da biologia para não precisar de usar QT,
passando de uma leucemia fatal para uma leucemia que, quando corretamente identificada, conseguimos tratar
com grandes taxas de cura sem QT. Assim, atualmente trata-se com ATRA+ATO, a não ser que existam fatores de
risco.
Além do risco CV, o estudo demonstra que os doentes com CHIP têm um risco aumentado de neoplasia
hematológico, e este risco deve-se ao facto de estas alterações serem exatamente aquelas que estão presentes em
indivíduos que vêm a desenvolver uma leucemia mieloide aguda ou, previamente, um síndrome mielodisplásico. Ou
seja, em termos de história natural da doença, é como se estivéssemos a pré-determinar quem é que vai ter uma
LMA, isto é, detetar molecularmente um clone que ainda não acumulou todas as variantes que precisa para ter uma
LMA, mas que já está num patamar “mais à frente” do que uma célula sem nenhuma variante. Nesta imagem temos
a evolução
molecular
natural de:
CHIP - uma célula hematopoiética, que poderá já ter uma variante e vai adquirindo outras ao longo do
tempo, mas que fenotipicamente corresponde a um hemograma normal
MDS – aqui já atingimos uma mielodisplasia, ou seja, já podemos ter citopénias, alterações fenotípicas na
morfologia das células, também com acumulação de variantes ao longo do tempo.
Tem vantagem saber quais os doentes que possuem estas variantes? Na realidade, é pequena a percentagem de
pessoas que têm CHIP e que evoluem. Mais de 90% das pessoas com CHIP não evolui para LMA; e apenas 1% dos
doentes com CHIP realmente evoluem para MDS ou AML. No entanto, percebe-se que em doentes com outras
neoplasias e submetidos a tratamento com QT, se tiverem CHIP, têm maior probabilidade de desenvolver uma
neoplasia hematológica treatement-related.
E porquê?
Inicialmente tínhamos a noção de que a QT só causava lesão às
células que pretendemos eliminar (cancerosas), mas claro que tem
efeitos nas células saudáveis – e o problema de usar QTs de altas
doses são as lesões, sobretudo, no sistema hematopoiético,
promovendo síndrome mielodisplásico e LMA. Este é o
conhecimento clássico.
Sabe-se atualmente que, se algumas células do sistema
hematopoiético tiverem já determinadas variantes, o efeito da QT
ou dos agentes citotóxicos que são hemotóxicos podem levar a
alguns destes clones, por exemplo os que possuem mutação no
p53, a expandir, selecionando-se um clone que estava presente no
indivíduo.
Em seguida, iremos abordar sobretudo as doenças mieloides, passando, depois, brevemente pelas doenças linfoides.
DOENÇAS MIELOIDES
Uma das formas de organizar as doenças mieloides é, em termos de história natural da doença:
1- Hematopoiese clonal (que ainda não é doença). Como já vimos, é uma entidade benigna que não é
detetável por nenhuma alteração do hemograma. Só a nível molecular se consegue detetar a presença de
uma variante (que é considerada patogénica, mas que existe numa frequência extremamente pequena,
<2%). Como já vimos, esta deteção foi acidental, num estudo de larga escala.
Estas três próximas são as entidades major quando falamos de doença mieloide.
Síndromes mieloproliferativos
Não temos displasia, mas excesso de proliferação. Aqui temos o grupo BCR-ABL + (correspondendo a LMC) e BCR-
ABL -, que não têm esta translocação. Neste último grupo temos 3 divisões principais:
Policitémia vera (PV) = aumento da massa eritrocitária
Trombocitémia essencial (ET)= aumento da contagem plaquetária
Mielofibrose (MF) = aumento da fibrose medular
Já se conhece muito bem a biologia destes síndromes mieloproliferativos e as alterações moleculares presentes:
A JAK2 é uma das cinases que integra a via de sinalização JAK/STAT, sendo que estas mutações levam à ativação
constitutiva desta cinase, que está então na porção intracelular de alguns receptores, que são os receptores de
sinais: como a trombopoietina (que leva à diferenciação dos megacariócitos e produção de plaquetas), EPO
(diferenciação de eritroblastos em eritrócitos), pelo que passamos a ter uma sinalização celular independente da
chegada de sinal.
A MPL é o receptor da trombopoietina (daí existir na trombocitémia essencial = excesso de transdução de sinal).
O CALR é uma outra proteína do retículo (normalmente), mas quando está mutada associa-se aos receptores de
membrana. Isto faz com que o receptor fique ativo independentemente da chegada de um sinal exógeno. Ou seja,
esta via é comum a todas as neoplasias mieloproliferativas atualmente tratam-se estes doentes com inibidores de
JAK2, o Ruxolitinib.
A genómica da LMA varia conforme a idade. As alterações cromossómicas (como os genes de fusão) são mais típicos
em mais jovens e as mutações pontuais mais frequentes nos mais idosos (com a acumulação das variantes
somáticas). A presença de determinada alteração ajuda a prever a evolução natural da doença, podendo mudar a
nossa terapêutica, porque faz-nos estratificar o risco logo no diagnóstico. Por exemplo, uma mutação no p53 tem
indicação, após remissão, para a realização de transplante (porque risco permanece elevado), enquanto que uma
inversão do 16 tem melhor prognóstico (induz-se remissão, mas não necessita de transplante de MO enquanto
tratamento eficiente).
Até 2010 o esquema terapêutico standard era o 7+3 (antraciclina + antimetabolito), continuando a ser o esqueleto,
mas com vários outros fármacos introduzidos. Por exemplo, Midostaurin e Gliteritinib têm como alvo o receptor
FLT3, o Enasidenib é um IDH1/2, Venetoclax é anti-BCL2.
É possível monitorizar a doença residual mínima num doente que tem um hemograma já normal, completamente
recuperado – sabendo a alteração que estava presente ao diagnóstico, por exemplo o NPN1, conseguimos
monitorizar a DRM tal como na LMC com o BCR-ABL, podendo ter indicação para transplante de MO.
DOENÇAS LINFOIDES
Mais próximas das restantes doenças oncológicas. Nos linfomas precisamos de uma biópsia excisional para
diagnóstico histológico. Os linfomas foram divididos em Hodgkin (sendo todos semelhantes ao primeiro caso
descrito, por Hodgkin) e uma forma de tentar perceber os restantes (não-Hodgkin) é que eles têm por base o estadio
da célula de origem. Nesta imagem temos o percurso de diferenciação de uma célula linfoide (neste caso, a maioria
destes linfomas envolve células B, embora algumas também envolvam as T). Dependendo da fase onde ocorre a
alteração molecular e que leva à transformação desta célula, nós teremos diferentes tipos de linfomas. Temos
alterações que podem ocorrer pré-centro germinativo (pré-ganglionar) OU durante os processos que ocorrem no
centro germinativo OU após a passagem por este centro.
Os mecanismos que participam na linfomagénese são exatamente os mesmos: alterações genéticas, sendo um dos
principais mecanismos a ativação de proto-oncogenes por translocações. Mas, neste caso, nas doenças
linfoproliferativas, a translocação não leva à produção de uma proteína de fusão como é muito mais típico na
leucemia mielóide, mas leva à ativação de um proto-oncogene, porque este fica sob o controlo de um promotor de
outro gene, normalmente o da cadeia pesada da imunoglobulina (cromossoma 14 é o que possui cadeia pesada da Ig
e é o que mais frequentemente está nestas translocações).
E o que é que resulta se outro gene ficar sob a influência desse promotor da Ig? Esse promotor é extremamente
forte e leva a uma produção aumentada do que ficar “em frente” a essa zona reguladora. Na tabela temos os vários
exemplos do que acontece em cada tipo:
No esquema abaixo, temos as mesmas leucemias, mas com os genes associados que já se conhecem. No caso das
leucemias linfoides, a translocação para a clínica não é tanta como ocorre na mieloide. Já temos fármacos dirigidos
por exemplo no caso da tricoleucémia, com o uso do mesmo fármaco que no caso do melanoma por possuírem a
mesma mutação no BRAF; a deteção do MYD88 é extremamente útil para detetar na Macroglobulinémia de
Waldenström.
Num estudo foram detetadas todas as alterações moleculares e citogenéticas na LLC, sendo que se percebeu que as
mais frequentes envolviam o cromossoma 13, 11, 17 e 12. Algumas variantes mais frequentes nos que têm a cadeia
de Ig mutada, outros nos que ainda não a têm mutada.
Que repercussões tem esta deteção na clínica? Além de se estratificarem os doentes em diferentes sobrevivências
globais, tem alterado a forma como se trata a LLC, porque a compreensão de todos os genes que estão no gráfico
acima, associados à função que têm na célula, levou a que conseguíssemos perceber muito bem que vias estão
desreguladas, sendo as principais, representadas no esquema seguinte, as vias NOTCH, BCR (B cell receptor) e
também as vias inflamatórias relacionadas com a TLR e IL-1R. A compreensão desta desregulação permitiu o
desenvolvimento de vários fármacos, representados no esquema (ib = pequenas moléculas que vão “desligar” estas
vias). Mab (Ac monoclonal) ainda não se usam na clínica. Assim, isto faz com que atualmente se trate a LLC não com
QT (sendo que antes se usavam esquemas de QT muito intensivos), mas sim terapêuticas mais dirigidas como as do
esquema. Na realidade, os doentes desenvolviam, antes, neoplasias mieloides secundárias à QT e já nem tinham,
antes disso, uma sobrevida muito considerável. Ao tratar estes doentes de uma forma mais dirigida, poupamo-los
dos efeitos nefastos da QT a longo prazo.
Anti-CD20 (Rituximab) é atualmente o Ac mais usado nos linfomas não Hodgkin.