Inspecção Judicial No Processo Civil
Inspecção Judicial No Processo Civil
Inspecção Judicial No Processo Civil
A escolha deste tema deve-se ao facto de que em Direito não basta alegar, é preciso
provar. O presente trabalho visa abordar a matéria da prova porque infelizmente muitas vezes
nos deparamos com situações em que se rotulam algumas decisões judiciais de injustas, Mas o
que se passa na verdade é que muitas vezes as partes de um processo se esquecem que para
ganhar uma disputa judicial, não basta ter razão, é necessário demostrar essa razão, é
necessário provar. Como se diz na expressão popular: se quiser receber os créditos como o
maior caçador da aldeia, “não basta matar a cobra. É necessário mostrar o pau.”
É com base neste raciocínio que parte a motivação pessoal e justificativa deste estudo:
é necessário que a sociedade compreenda que os factos alegados devem ser provados e que o
tribunal pode, naquelas situações de incerteza sobre os factos alegados ou insatisfação com as
provas apresentadas, usar alguns instrumentos para se verificar a veracidade desses factos,
como é o caso da inspecção judicial.
Como dito, nem sempre as provas indictas serão suficientes para clarificar os factos.
Sabendo que o Direito busca sempre a solução mais justa para todo o litígio, levando em
consideração este, levanta-se aqui a seguinte pergunta de partida: De que forma a inpecção
judicial pode ajudar o juiz a formar a sua convicção sobre os factos alegados?
12
Como em todo o processo de investigação científica, neste trabalho foram também
definidos objectivos de estudo:
H1 - A inspecção judicial pode ser um dos meios de prova mais adequados para
formação da convicção do juiz, nas situações em que as provas apresentadas pelas partes não
se mostram suficientes, pois lhe permite ter o contacto directo com os factos a provar.
H2 - O valor probatório das diligências pode ser reforçado com a deslocação do juiz
ou do juiz ao local e com o contacto directo com o facto a provar
METODOLOGIA
Método de pesquisa:
13
dos fenómenos, da realidade concreta e particular para, através da descoberta da relação entre
eles, chegar-se à generalização.”
Método de abordagem:
Quanto a sua abordagem a pesquisa é mista (quali-quantitativa) pois ser aquela que
mais se adequa ao tema e problema de pesquisa, sendo o tipo de abordagem em que se recorre
à combinação dos postos convergentes entre o método quantitativo e o método qualitativo,
para a realização de uma análise muito mais aprofundada sobre o tema pesquisado.
Possibilitando deste modo um cruzamento muito maior dos dados e o peso da pesquisa
aumenta em conjunto com a validação de todas as informações. Materializou-se através de
pesquisas bibliográfica que juntamente com a pesquisa de campo permitiram analisar os
conhecimentos aferidos durante a investigação.
Objectivo da pesquisa:
Segundo Gil (2002, p. 43) “as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade
desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de
problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.”
Técnicas de Pesquisa:
14
estabelecidas, por regra aplicadas a um número maior de pessoas, buscando possibilitar a
comparação entre as respostas obtidas.
LIMITAÇÃO
DELIMITAÇÃO
Este trabalho delimita-se ao tema da “A Prova Por Inspecção Judicial Em Sede Do Processo
Civil Angolano. Buscando compreender o impacto e alcance deste meio de prova, foi
realizado um estudo de caso na II Secção Da Sala Do Cível E Administrativo Do Tribunal
Provincial De Luanda (2021).
15
CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1. DEFINIÇÃO DE TERMOS E CONCEITOS
Direito Probatório: Para Varela, Bezerra e Nora (2004, p.443) denomina-se direito
probatório o “conjunto de normas reguladoras das provas, ou seja, da demostração da
realidade dos factos juridicamente relevante.
Inspecção judicial: pode ser definida como sendo “a observação directa que o juiz da lide
faz sobre factos, pessoas e coisas para formar a sua convicção. É um meio de prova, quando em vez de
se apresentarem ao juiz, deve este fazer a inspecção sobre pessoas que não podem locomover-se ou
sobre coisa intransportável.” (GUIMARÃES, 2016, p. 423)
Pode assim ser entendida como sendo o exame, feito directa e pessoalmente pelo juiz,
em pessoas ou coisas, destinado a esclarecer os factos que interessam à causa.
Prova: A palavra prova tem a sua origem etimológica no latim probatio que pode ser
entendido como prova, argumento ou razão. A este vocábulo estão relacionados outros
também do latim: Probus que significa honesto, correto; O verbo probare implica julgar com
honestidade ou demostrar/testar que algo tem valor;
Assim, prova é “um conjunto de actividades que as partes e o Tribunal realizam para
demonstrar a existência dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos que
hão de buscar a convicção do Juiz.” (BERNABÉ, 2014, p. 11)
16
Sobre esta matéria Varela, Bezerra e Nora (2004, p. 429) definem a Instrução do
Processo como sendo “o período da acção que se destina à assunção dos meios de prova
relativos aos factos quesitados1.”
A instrução pode assim ser entendida como sendo a fase do processo destinada
especialmente à produção de provas. Sendo o momento do processo em que as partes devem
demonstrar que os factos ocorreram conforme alegaram nas peças processuais.
1.3. PROVA
Chega uma fase deste trabalho em que para se dar seguimento se torna imperioso
abordar os aspetos gerais da prova para compreender o que é a prova de um facto.
Como introduz Taborda (2012, p. 12) “pode se dizer que, a história da prova se
confunde com a própria história da humanidade. A necessidade de indicar ou encontrar
culpados de um crime ou de uma desavença acompanha o homem desde os primórdios.” A
1
todo o facto alegado pelas partes que não tenham sido respondidos ou esclarecidos no questionário e, pro
conseguinte, precisam ser provados.
2
O questionário é constituído pelos quesitos sobre os factos articulados que, interessando à decisão da causa,
necessitam de ser provados, quer por serem controvertidos, quer por não ser admitido acordo ou confissão
sobre eles. É um elemento fundamental do processo, porque nele se concentra toda a instrução da causa.
17
prova evoluiu com o homem. Desde os tempos mais primitivos em que se recorria à meios
místicos para comprovar a realidade de um facto, como os oráculos, passando pela época da
inquisição, em que se fazia de tudo para ouvir a confissão do arguido, aos tempos de hoje em
que a prova, para a nossa realidade, deve ser legalmente prevista e admitida para produzir
efeitos sobre a decisão.
Ainda neste ponto Sérgio Cruz e Luiz Guilherme (apud BORGES, 2015, p. 14)
consideram prova “todo meio retórico, regulado pela lei, e dirigido, dentro dos parâmetros
fixados pelo direito e de critérios racionais, a convencer o Estado-juiz da validade das
proposições, objecto de impugnação, feitas no processo.”
Do ponto de vista processual, a prova pode ser definida como sendo “a actividade
tendente a criar no espírito do juiz a convicção (certeza subjectiva) da realidade de um facto.”
(VARELA; BEZERRA; NORA, 2004, p. 436)
O artigo 341º do C.C. define como sendo função das provas “a demostração da
realidade dos factos.” Da análise deste artigo pode se depreender que esta função típica da
prova pode assumir dois sentidos diversos e simultaneamente convergentes: Sentido
subjectivo - a actividade persuasiva da veracidade de certos juízos de facto. Aqui
compreende-se por prova, toda a diligência realizada para que se demostre a realidade de um
facto, para formar a convicção do juiz; Sentido objectivo - os meios através dos quais se
procura demostrar a realidade dos factos. Neste sentido, a prova compreende todos
documentos, respostas dos peritos, coisa danificada, vídeo ou áudio com depoimento e demais
meios que ajudam a demonstrar a realidade de um facto.
A prova busca criar um espírito de convicção ao juiz, por ser a este juiz que se procura
convencer sobre a realidade do facto - judici fit probatio, o juiz é o destinatário da prova -
para que este facto seja considerado provado e a ele possa ser aplicado o respetivo imperativo
legal.
18
1.3.1. Enquadramento Jurídico-legal Da Prova
Com respeito à pirâmide normativa3 é fundamental que se faça o enquadramento do
tema ao nosso ordenamento jurídico.
Não existe na CRA uma referência explícita ao Direito Probatório, mas pode se colher
uma declaração implícita à matéria do Direito Probatório fazendo uma interpretação dos arts.
29º nº1 e 174º nº 2. Pode se colher da interpretação destes que a todos é assegurado o acesso à
justiça podendo estes lançar mãos a todo mecanismo para salvaguardar dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos. Os tribunais, por sua vez, devem dirimir os conflitos e
assegurar que haja na acção o respeito pelos princípios do acusatório e do contraditório.
A nível ordinário destaca-se a previsão da matéria da prova pelo CC nos arts 341º e
segs. assim como pelo CPC nos arts 513.º e segs. A prova por inspecção judicial é regulada
nos arts. 612.º e segs do CPC e 342.º e 390º e 391º do CC.
Bernabé (2014, p. 29) reafirma ainda que objecto de prova é “toda a circunstância,
facto ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa a incerteza e que precisam de ser
demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa.”.
3
A Pirâmide de kelsen é uma teoria criada por Hans Kelsen, que nos ajuda a entender a hierarquia existente
entre as normas legais. Um sistema em que no topo está a Constituição, e abaixo dela as outras normas
(tratados internacionais, leis orgânicas, leis ordinárias, etc.), sempre respeitando a ordem de poder e
importância.
19
verdadeiro. As provas demostram que quem comprou foi Dondo Nzola, irmão gémeo de
Bantu. Kiama não mentiu, mas confundiu Bantu e Dondo pela semelhança física.
A instrução do processo recai sobre os factos e não sobre as regras de Direito. Daí os
brocardos “Iura novit curia” (o tribunal conhece a lei) e “da mihi factum, dabo tibi ius” (dê-
me os factos, e eu te darei o direito), isto é, as partes em uma disputa judicial não precisam
provar a lei que se aplica ao seu caso, basta que elas apresentem e provem os factos que as
levou ao tribunal e o juiz, por seu turno, dar-lhe-á a solução legal corresponde.
20
demostração da realidade do facto. É o que sucede com o depoimento das testemunhas e com
a inspecção judicial, deslocação do juiz para averiguar in loco a realidade do facto. A sua
vantagem assenta no facto de serem melhor adaptáveis à necessidade concreta da prova a
produzir.
b) Provas imediatas (directas) e provas mediatas (indirectas): São imediatas as
provam através das quais o juiz, juiz ou tribunal colectivo, tem ao seu alcance a percepção
directa do elemento que apresenta o facto quesitados. Temos como exemplo a inspecção
judicial sobre a casa numa acção em que um senhorio alega mal uso da mesma por parte do
inquilino. São directas, na medida em que permitem o contacto imediato. Já as provas
mediatas ou indiciárias são aquelas em que o juiz pode apenas tirar ilações sobre o facto
quesitado, i.e., o juiz pode apenas ter conclusões por inferência ou dedução, partindo de
indícios sobre o facto. Tal como acontece com a prova por presunção. São indirectas na
medida em que o contacto tem de permeio outra pessoa ou coisa.
c) Se olharmos para o elemento ou sujeito utilizado para formar a convicção do
juiz, teremos as provas pessoais e provas reais: A prova pessoal é aquela que se origina do ser
humano, na revelação consciente feita pela pessoa. É o caso, por exemplo, do depoimento da
testemunha, da confissão da parte e do parecer do perito. Por outro lado, as provas reais são
aquelas que têm por objecto uma coisa. Como sucede com os documentos usado para
averiguar a veracidade de um facto ou o local em que o facto ocorreu.
Pode ainda ser definido como sendo “um conjunto de normas jurídicas que
estabelecem a disciplina relativa à prova” (BERNABÉ, 2014, p. 4). O essencial a se colher é
que este é o ramo do Direito que estabelece e define toda a matéria relativa à prova, seja ela
de natureza substantiva ou adjetiva, como veremos nos parágrafos que se seguem.
Para Bernabé (2014. p. 70) “o direito probatório material, são as normas substantivas
que regulam o ônus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a sua força ou valor,
arts 349º-392º e segs do CC.”
Para que determinada pretensão seja atendida é necessário que se prove que a alegação
condiz com a verdade. É o que descreve também Bernabé (2014, p. 73):
O ónus da prova cabe, em regra, à parte que alegou o facto. Sendo uma das maiores
expressões do princípio do dispositivo dentro da instrução do processo. Deste modo, caberá a
cada uma das partes deste jogo procurar convencer o tribunal da realidade dos factos que lhe
favorecem. Enquanto autor buscará, por exemplo, convencer o juiz apresentando provas de
que o réu não pagou a dívida para que a sua pretensão proceda, o réu agirá em contraposição,
procurando convencer o juiz provando que pagou, para que a pretensão do autor não proceda.
23
1.5.1.2. Inversão do Ónus da Prova
Por regra, quem alega um facto é quem deve prova-lo. Mas existem situações em que
há um desvio à essa regra, invertendo-se o ónus da prova. Entres as várias inversões merecem
destaque as previstas pelos arts. 343º, 344º e 345º do C.C: Nas ações de simples apreciação ou
declaração negativa: compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga;
Nas ações proponíveis dentro do prazo, a contar da data em que o autor teve conhecimento do
facto: cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a resolução
especialmente consagrada na lei; Nas presunções legais, dispensa ou liberação do ónus da
prova: quem tem a seu favor presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. A
posse presume-se de boa-fé, cabendo ao “não possuidor” provar o contrário – vide: 1260º CC;
Esta visão tem as suas bases no facto de que ao ser consagrado o princípio da livre
convicção do juiz, no nosso ordenamento jurídico, como se depreende da análise do nº1 do
artigo 655º do CPC – “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas, e responde segundo a
convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado” – o legislador admitiu para que
se forme a convicção do juiz, as partes possam socorrer-se de todos os elementos capazes de
demostrarem a realidade do facto. Mas não podemos entender isso em absoluto.
Como sabemos, em Direito, para toda a regra deve se admitir a existência de, pelo
menos, uma excepção. Neste sentido haverão situações de limitação à regra da livre
admissibilidade dos meios de prova. As limitações que provêm da lei substantiva,
propriamente normas de cunho excecional que estabelecem a observância de formalidade ad
substantiam para certos atos. Isso sucede, por exemplo, o contrato de compra e venda de
imóvel (art. 875º), para o qual a lei só permite a sua celebração se houver escritura pública.
24
ser levados à presença do tribunal, nada impedirá, como regra, se promova a
deslocação do tribunal, até junto deles, mediante inspecção judicial
(art.612º). Varela, Bezerra e Nora (2004, p. 467
Varela, Bezerra e Nora (2004, p. 489) descrevem com nitidez que “o juiz goza do
poder de realizar directamente ou ordenar todas as diligências necessárias ao descobrimento
da verdade. Vigora assim o princípio fundamental correspondente ao sistema inquisitório.”
5
O inquisitório é o sistema processual em que o juiz procede de ofício na procura, investigação e a avaliação
das provas, produzindo um julgamento após uma instrução inscrita e secreta no qual são excluidos ou limitados
o contraditório e os direitos de defesa.
6
O princípio dispositivo: elemento estrutural do nosso sistema processual, exige que o tribunal só pode servir-
se dos factos fundamentais alegados pelas partes, vide: art. 664º segunda parte.
25
Sobre este mesmo aspeto, o professor Cachimbombo (2018, p. 192) acrescenta que
“vigora o princípio da oficiosidade ou inquisitório, significando que ao tribunal, adentro do
objecto da lide delimitado pelas partes, é lícito realizar oficiosamente todas as diligências que
julgar necessárias para a descoberta da verdade.”
Por forma a conferir utilidade prática a esse poder reconhecido ao tribunal o legislador
estabeleceu o dever de colaboração das partes e de terceiros, nos termos dos artigos 265º e
519º do CPC. Assim, todas as pessoas têm o dever de colaborar para a descoberta da verdade,
devendo comparecer sempre que para isso forem notificados e a prestar os esclarecimentos
que, nos termos da lei, lhes forem pedidos, responder ao que lhe for perguntado, submeter-se
às inspecções necessárias, facultar o que lhe for requerido e praticar o que lhe for
determinado.
A lei sanciona a sua violação com a condenação em multa, nos termos das
disposições conjugadas do nº 2 do art. 519º do CPC e do art. 140º Código de
Custas Judiciais (CCJ), sem prejuízo da faculdade de se lançar mãos aos
meios coercitivos que possam viabilizar a realização dos objectivos que se
pretendem alcançar com a diligência. (CACHIMBOMBO, 1997, p. 193)
O nº 3 do artigo 519º CPC dá legitimidade à recusa do cumprimento do dever de
cooperação quando a obediência importar violação do sigilo profissional ou causar grave dano
à honra e consideração da própria pessoa, de um ascendente, descendente, irmão ou cônjuge,
ou grave prejuízo de natureza patrimonial a alguma dessas pessoas.
Na prática, este princípio pode adotar à duas formas de aplicação: Quanto às provas
constituídas, define que a contraparte seja notificada para, se quiser, impugnar a sua admissão
ou a sua respetiva força probatória; Quanto às provas constituendas, define que a contraparte
deve ser notificada para todos os atos de preparação e produção da prova.
b) Admissão da prova
27
“Propostas as provas, o juiz deverá resolver sobre a sua admissibilidade quando
passarão as provas por um juízo de avaliação preventiva de sua necessidade, utilidade e
cabimento. Trata-se de ato do juiz, que faz parte do conteúdo da decisão saneadora.”
(BORGES, 2015, p.16)
Várias são as referências essa fase, a destacar as seguintes: Art. 637º, nº 2 – Sobre a
prova testemunhal: o tribunal decidirá imediatamente se a testemunha deve depor; Art. 612º -
Sobre a prova por inspecção judicial: o tribunal pode, sempre que julgar conveniente,
inspecionar coisas ou pessoas buscando esclarecer qualquer facto que interessa a decisão da
causa.
c) Produção da prova
28
faz a junção ao processo da deprecada com o depoimento da testemunha mandada ouvir por
carta precatória ou ainda do depoimento escrito da testemunha que não tenha sido ouvida
perante o tribunal colectivo.
É distinta da prova documental porquanto a coisa utilizada como meio de prova não é
um documento e não pode ser junta ao processo. Nota que o facto de certa coisa ser objecto de
prova por apresentação de coisa não obsta que esta mesma coisa seja alvo de inspecção ou
arbitramento.
Quando a este ponto, lê-se na obra de Varela, Bezerra e Nora (2004, p. 499) que:
As presunções são muito importantes para o processo, porquanto haverão factos com
interesse decisivo para a procedência da acção que raramente serão objecto de prova directa,
30
como sucede com o adultério numa acção de divórcio. Nesses casos, o juiz tem de contentar-
se com meras presunções, para evitar a denegação de justiça.
Nos termos dos artigos 340º e 341º, as presunções podem ser leais e judiciais:
Presunções legais: nessa primeira modalidade a base da presunção está firmada na lei.
Aqui é a norma legal que dá por provado um facto, depois de verificado outro. Aqui
compromete-se, de certa forma, a liberdade de apreciação do juiz. Quando a lei admitir que a
presunção possa ser destruída através de prova do contrário, a presunção designar-se-á
relativa ou iuris tantum8. É o que sucede com a posse presuntiva de boa fé. Por outro lado,
quando a lei não admitir prova em contrário a presunção será designada absoluta ou iuris et
de iure9. É o que sucede com a norma do nº3 do artigo 1029º do CC, sobre exigência de
escritura pública – no caso de arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de
profissão liberal, a falta de escritura é sempre imputável ao locador.
Presunções judiciais: são aquelas que se fundam nas regras práticas de experiência,
ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos. Só são admitidas nos
casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Carnelutti10 (apud Bernabé, 2014, p. 123) define o documento como “todo o objecto
material elaborado pelo homem para representar uma coisa ou facto.” Para Betti 11 (apud
8
Trata-se de uma expressão oriunda do latim cujo significado literal é: apenas de direito. Presunção “juris
tantum”, consiste na presunção relativa, valida até prova em contrário.
9
De direito e por direito. É a presunção legal tida como expressão absoluta da verdade, que não admite prova
em contrário.
10
FRANCESCO CARNELUTTI, Sistema lº, pág. 690.
11
BETTI, Diritto Processuale, 2ª ed. pág. 157.
31
Bernabé, 2014, p. 123) o documento é “uma coisa formada sobre um facto e destinada a fixar
de modo permanente a sua percepção ou a sua impressão física para o representar no futuro.”
A prova documental, stricto sensu, podem ser classificados segundo dois critérios:
12
Consideram-se documentos os escritos declarativos (ex. contrato, declaração de compromisso) e também
todo os demais objectos com a capacidade acima descrita (as fotografias, os discos, as plantas topográficas, as
árvores genealógicas, os desenhos e os esboços).
32
próximas, por conseguinte, das que levam o legislador, em muitos casos, a
sacrificar o princípio da liberdade de forma nas convenções negociais e a
exigir certas solenidades de forma na celebração de alguns atos jurídicos.
(VARELA; BEZERRA; NORA, 2004, p. 507)
Com isso quer se esclarecer que existirão casos em que o documento é indispensável à
realização do ato jurídico. Como sucede no contrato de compra e venda de imóvel (art. 875º
do CC – o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por
escritura pública) e com o contrato de doação de bens imóveis (art. 947º do CC – a doação de
coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública). Noutros casos, finalmente, o
documento, não sendo essencial à validade do ato, serve apenas para facilitar a prova,
eliminando o recurso a meios probatórios de natureza mais falível. Diz-se, quando assim seja,
que a documentação corresponde a uma formalidade ad probationem . enão ad substantiam.
33
b) Documentos particulares: consideram-se documentos particulares, como se
depreende da interpretação da parte final do nº 2 do artigo supracitado, todos os
documentos que não se caracterizem como autênticos.
Sobre este mesmo aspeto corroboram Varela, Bezerra e Nora (2004, p. 509) ao afirmar
que “documentos particulares são todos os restantes, avultando entre os lavrados pelos
particulares (indivíduos que não exerçam nenhum cargo de autoridade, nem desempenhem
qualquer função certificadora, dotada de fé pública.”
Sobre essa terceira categoria, nos esclarecem Varela, Bezerra e Nora (2004, 510):
Lê-se no texto do artigo 377º do CC que “os documentos autenticados nos termos da
lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não o substituem quando a
lei exija documento dessa natureza para a validade do ato.”
Estudar a força probatória dos documentos é descrever que relevância que esse meio
de prova terá dentro da acção. O exercício acima feito, da distinção entre as várias categorias
dos documentos é fundamental para que se compreenda a força probatória dos documentos,
pois cada uma delas tem uma força probatória própria.
É ainda importante destacar que a força probatória dos documentos pode ser formal e
material. A força probatória formal trata sobre a proveniência do documento (o sujeito que a
emana, a data, com o tempo e lugar da sua formação). Já a força probatória material tem a ver
com o conteúdo, trata sobre a medida em que os atos referidos no documento, bem como os
factos nele mencionados correspondem com a realidade.
Etimologicamente a palavra confessar tem origem no latim confiteri que pode ser
traduzido para “admitir, reconhecer uma falta”. Como elucida Bernabé (2014, p. 115)
35
confissão “é o reconhecimento formal por parte do arguido da culpa por delitos que lhe são
imputados pela acusação. Confessar é dar a mão à palmatória, é reconhecer-se sem razão para
pleitear.”
Betti13, citado por Bernabé (2014, p. 116) define a confissão como “a declaração pela
qual a parte reconhece como verdadeiro, o facto contrário ao seu interesse.”
O Código Civil, define, no seu 352º artigo, a confissão como sendo o reconhecimento
que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
O artigo 354º do CC define que a confissão não faz prova contra o confitente nas
situações em que: esta for declarada insuficiente por lei ou recair sobre factos cujo
reconhecimento ou investigação a lei proíba; esta recair sobre factos relativos a direitos
indisponíveis; o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.
13
BETTI, Diritto Processuale, 2ª ed. pág. 141.
36
1.7.5.1. Modalidade De Confissão
Nos termos do artigo 355º do C.C. a prova por confissão pode assumir duas
modalidades: judicial e extrajudicial. A confissão judicial é a feita em juizo, competente ou
não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária. A confissão
feita num processo judicial, só vale como judicial nesse processo. A realizada em qualquer
procedimento preliminar ou incidental vale como confissão judicial na acção correspondente.
A confissão extrajudicial é, em contrário sensu, a feita por algum modo diferente da confissão
judicial.
Para avaliarmos a força probatória da prova por confissão temos que a analisar através
de diferentes ângulos e sentidos (vide: art. 358º): A confissão judicial escrita tem força
probatória plena contra o confitente; A confissão extrajudicial constante em documento
autêntico ou particular, considera-se provocada e nos termos aplicáveis à esse documento e se
for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena; A confissão
extrajudicial que não conste em documento, não pode ser provocada por testemunhas nos
casos em que não é admitida a prova testemunhal, mas quando esta é admitida, a força
probatória da confissão é livremente apreciada pelo tribunal; A confissão judicial que não seja
escrita e a confissão judicial feita a terceiro ou contida em testemunho são livremente
apreciadas pelo tribunal.
37
Quem pode depor? Podem depor como testemunhas todas as pessoas que, não sendo
parte da causa, estejam inábeis por incapacidade natural 14 ou por motivo de ordem moral,
como se vê no texto do artigo 616º do CPC.
Esta prova é admissível em todos os casos em que não é afastada (392º CC). Bernabé
(2014, p. 142) aborda o outro polo, o da inadmissibilidade da prova testemunha, afirmando
que:
Pode dar-se por provado um facto certificado pelo testemunho de uma única
pessoa, embora contra ele tenham deposto, várias testemunhas. Na valoração
da prova testemunhal, é irrelevante o número de testemunhas, duma ou
doutra parte. O que é relevante para o Juiz é o seu convencimento. O
inverso, dificilmente se conceberia, neste regime de prova livre, que fosse de
igual força a prova testemunhal de uma e de outra parte.
1.7.7. Prova Pericial
Eventualmente poderão surgir no processo litígios sobre os quais o juiz não possui
entendimento suficiente para resolver tal litígio, só podendo ser resolvido por pessoa
especializada e qualificada sobre o assunto. É nessas situações que surge um dos vários meios
de prova regulados pela lei processual, a prova pericial, com previsão nos artigos 568º e segs.
14
São inábeis por incapacidade natural: os interditos por anomalia psíquica, os cegos e os surdos, no
depoimento cujo testemunho exija o sentido que carecem, os menores de sete anos. Vide: art. 617º do CPC
15
Lista em que se indicam os nomes, profissões, moradas das testemunhas e quaisquer outros dados para fim
de identificação. Vide: art. 619º do CPC.
38
O seu principal traço característico é a figura do perito, que é um técnico nomeado
pelo juiz, levando em conta a sua qualificação com o objectivo de efetuar um trabalho técnico,
em que deverá analisar factos e circunstâncias apresentadas pelos litigantes no processo (um
engenheiro em construção civil, por exemplo, para avaliar se a obra desabou por mal uso ou
erro de engenharia).
Lê-se no texto do artigo 388º do CC que “a prova pericial tem por fim a perceção ou
apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais
que os juizes não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objecto de
inspecção judicial.”
O perito é obrigado a desempenhar com zelo a função pela qual for indicado,
apresentando no prazo indicado o relatório pericial. Uma vez que a função do perito é de
colaborar com a justiça, deve ser imparcial, podendo declarar-se impedido se for necessário,
devendo pedir escusa da intervenção ou invocando impedimentos, nos termos do art. 580º e
582º do CPC.
Na maior parte dos casos, o juiz conhece os factos em conflito de forma indirecta,
através das partes, peritos, testemunhas ou documentos, mas em vários casos, as provas
produzidas em sede de sala de audiência do tribunal não são suficientes nem capazes de
esclarecer factos ao juiz. Nestes casos e outrosm, somente a observação ocular 16 do juiz é
capaz de sanar esse tipo de situação. É o que sucede, p. ex., numa acção em que se alega que o
cheiro do esgoto da casa do réu polui o ar da casa do autor.
Em linhas gerais a inspecção judicial poderá ser compreendida como sendo o meio de
prova caracterizado pelo exame da coisa ou da pessoa pelo tribunal de forma directa.
16
Dá-se primazia a esse sentido por uma questão de simplificação. Mas na prática a inspecção não se limitar à
análise ocular.
40
Para Carvalho (2016, p.13) “a inspecção é uma espécie de prova que confere ao
decisor o contacto directo com o lugar, a coisa ou a pessoa. É o próprio juiz, quem realiza o
exame, objectivando verificar as características e situações das pessoas ou coisas.”
Diz-se inspecção judicial (da raiz latina in spe, que significa, ver por dentro
ou ver para dentro) judicial o exame de coisas, quer imóveis, quer móveis,
ou de pessoas, feito pelo juiz ou pelo tribunal, que poderão deslocar-se ao
local da questão, a fim de possibilitar a perceção directa das qualidades (ou
defeitos) corpóreas, do estado ou da situação, tanto das coisas como das
pessoas (arts. 390º do Cód. Civil e 612º, 1, do Cód. Proc. Civil).
“A inspecção judicial pode ser requerida por qualquer das partes, de acordo com o
pensamento fundamental do princípio do dispositivo, tal como pode ser determinada ex
officio pelo juiz ou pelo tribunal, na sequência do princípio do inquisitório”. (VARELA;
BEZERRA; NORA, 2004, p. 605)
2.2. FINALIDADE
“O juiz colhe, por si próprio, a prova, toca, por assim dizer, o facto a provar, nada se
interpõe entre a sua percepção e o facto que se pretende averiguar, na expressiva e clara
definição deste meio de prova” apresentada por Alberto dos Reis, citado por Carvalho (2016,
p.12).
Ainda sobre este mesmo ponto, corrobora Bernabé (2014, p.137) ao dizer que:
A prova por inspecção tem por finalidade, a percepção directa dos factos
pelo Tribunal, cujo resultado está sujeito ao princípio da livre apreciação.
Trata-se de uma prova directa e real, dentro dos poderes cognitivos,
resultante do ónus de afirmação das partes, de forma a que uma vez
adquiridos relevantemente, segundo o juízo da livre apreciação, sejam
objecto de juízo interpretativo e valorativo em sede normativa.
2.3. BREVE DISTINÇÃO COM OS OUTROS MEIOS DE PROVA
41
A inspecção judicial é distinta dos outros meios de prova, na medida em que carrega
uma caraterística que lhe é muito particular: a inexistência de intermediário entre o juiz e o
facto a provar. Pode por isso se afirmar que não existe inspecção judicial indirecta.
Ainda nesse sentido, a inspecção judicial difere-se da perícia, porquanto nesse meio de
prova o exame é feito por um técnico que apresenta um laudo, devendo o tribunal assumir
uma função meramente burocrática, isso porque são os técnicos que trazem para os autos as
conclusões, que serão as bases para a decisão do tribunal. Mas na inspecção judicial acontece
de forma diferente. Na inspecção judicial é o próprio tribunal que extrai as suas conclusões
pela perceção obtida pela inspecção directa da pessoa ou da coisa.
Depreende-se da análise do artigo 613º do CPC que assim que for definida a data da
realização da inspecção, as partes serão notificadas sobre o dia, a hora e o local em que se
realizará a inspecção judicial. As partes têm direito a assistir a inspecção, mas não é um dever.
É dever somente para as partes que sejam objecto da inspecção judicial.
Apesar de ser possível a intervenção de um técnico, nos termos do artigo 614º, não
retira a sua caraterística básica: a inexistência de intermediário entre o juiz e o facto a provar,
i.e., a análise directa.
É importa que se esclareça que juiz não pode ver tudo. O limite para a inspecção
judicial é a ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana. A perícia
pode nessa eventualidade, ser realizada em alternativa ao abrigo do disposto na segunda parte
do artigo 388º do Código Civil.
43
“Se a iniciativa partir do tribunal, por julgar necessária ou conveniente a diligência, a
inspecção judicial pode realizar-se a todo o tempo, enquanto não for proferida decisão sobre a
matéria de facto.” (VARELA; BEZERRA; NORA, 2004, p.606)
A inspecção judicial é para muitos doutrinadores uma prova complementar, isso por
que busca o esclarecimento dos factos que não foram totalmente elucidados pelos outros
meios de prova. Mas nada impede que o juiz realize a inspecção judicial antes da proposição
de outros meios de prova. Isso porque poderão haver situações em que a inspecção judicial
tornará dispensável outro meio de prova mais demarado ou dispendioso para a solução do
litígio.
Por ser um acto judicial de caráter público, pode, como se explanou anteriormente,
haver intervenção das partes e de técnicos, devendo este assessor (técnico) ser nomeado no
despacho que ordena a realização da diligência. Mas poderá o tribunal impedir a presença de
certos intervenientes (partes, técnicos ou terceiros) se entender que a presença destes for
capaz de colocar em causa o que se procura com a diligência.
As partes devem, nos termos do artigo 613º do CPC, ser notificadas do dia e hora da
inspecção e podem, por si ou por seus advogados, prestar ao tribunal os esclarecimentos de
44
que ele carecer, assim como chamar a atenção para os factos que consideram de interesse para
a resolução da causa.
Mas na verdade o que se entende na prática é que as partes não só “podem” prestar os
esclarecimentos que o tribunal solicitar, elas “devem”. Essa afirmação é consequência do
dever de colaboração17 das partes que foi anteriormente desenvolvido neste trabalho, com
base legal nos artigos 265º e 519º do CPC. O mesmo sentido deve ser dado a possibilidade de
o tribunal realizar a inspecção. O certo, numa boa interpretação da norma é depreender que o
juiz deve realizá-la, não o fazendo somente quando esta se mostre desnecessária ou
inconveniente.
17
Todas as pessoas devem colaborar para a descoberta da verdade, devendo comparecer sempre que para isso
forem notificados e a prestar os esclarecimentos que, nos termos da lei, lhes forem pedidos, responder ao que
lhe for perguntado, submeter-se às inspeções necessárias, facultar o que lhe for querido e praticar o que lhe
for determinado.
45
2.8. AUTO DE INSPECÇÃO
Depois de concluídas a inspecção judicial, o juiz mandará lavrar auto de inspecça. Na
prática, a única solenidade especial a se observar na produção deste meio de prova é a
elaboração do auto de inspecção (art. 615º CPC) que é indispensável sempre que as
diligências não tenham sido feitas pelo tribunal colectivo.
Afirma Carvalho (2016, p. 20) que “o juiz atribuirá ao resultado da inspecção o valor
que em sua consciência ela deva merecer em conjugação com as restantes provas e todos os
elementos de ponderação no caso em análise.”
18
A junção pode ajudar o tribunal causa a elaborar a reconstrução mental da inspecção, na altura do
julgamento da. Poderá ainda servir de subsídio às partes para que possam reforçar suas alegações baseadas
nesses elementos.33 A existência do auto também permite um melhor e mais efetivo exercício dos poderes de
controlo, em matéria de facto, se sobre ela vier a recair recurso.
46
O resultado da inspecção, não obstante a força da fonte donde provém, é
livremente apreciado pelo tribunal (art. 391º do Cód. Civil). Os membros do
tribunal viram as infiltrações de água existentes na parede de um dos
apartamentos do imóvel, que naturalmente não podem negar. Mas serão
livres de, em consciência, decidirem sobre a causa das infiltrações, a sua
proveniência e a imputabilidade dos factos que as provocaram.
Entende-se deste modo que o valor probatório assenta no facto de esta ser uma prova
directa. Mas quanto a isso abre-se uma vexata quaestio: nos casos em que o juiz que realizou
as diligências não seja o mesmo que julga a matéria de facto há uma quebra deixa esta de ser
uma prova directa? Perde, por isso, a sua força probatória?
Como vimos o que distingue de forma geral a inspecção judicial dos demais meios de
prova é o facto de possibilitar a perceção direita. Nesse sentido só poderia decidir sobre a
matéria de facto o juiz que realizou as diligências. Nessa visão perder-se-ia a sua essência se a
inspecção for, como é possível, realizada por um juiz diverso ao que decidiu sobre a matéria
de facto.
Sobre essa vexa quaestio, Carvalho (2016, p. 21 e 22) elucida de forma tão exaustiva
quanto nítida que:
19
Neste caso, o auto não é o fundamento da convicção, embora, claro, possa cumprir o papel de auxiliar de
memória daquilo que foi percecionado no ato; a convicção do juiz forma-se com o ato – e não com o auto.
47
Esse discurso revela que não se deve olhar para a inspecção judicial como um meio de
prova que sempre deve prevalecer de forma absoluta sobre os restantes meio de prova, não
sendo por isso prova plena. O que se pretende aqui é haver o máximo de prudência na
actuação do juiz.
O uso desta máxima nos remete, do ponto de vista histórico, ao Império Romano em
que o juiz ao declarar o non liquet abstinha-se do dever de julgar por existir alguma
obscuridade da lei ou mesmo incerteza sobre a realidade do facto.
Esse dever de obediência à lei não pode ainda ser afastado sob o pretexto de que a lei
tem um conteúdo injusto ou imoral. Se o juiz continuar na dúvida sobre a ocorrência e
48
veracidade dos factos, o non liquet do juiz se converterá no espírito do art. 8º CC, num liquet
contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto.
Seja por essa dependência à necessidade de prova ou ainda pela proibição do non
liquet do juiz, impõe-se que seja sindicada a decisão que rejeita as provas requeridas, como
sucede, neste caso, com a inspeção judicial.
49
ou bens imóveis, procura-se através da perceção direta
dos fatos pelo tribunal, obter um melhor visionamento da
realidade e evitar delongas de aspetos a ela ligados.
(CARVALHO, 2016, p.36)
Para entender isso é necessário abrir aqui um caso hipotético: Suponhamos que existe
um procedimento cautelar de embargo de obra nova em que o autor alega que a obra que o
seu vizinho está a realizar está a causar algumas fissuras na parede do seu imóvel e pede que a
obra seja suspensa. O autor apresenta as suas testemunhas que confirmam o alegado facto.
Mas quando o juiz decide ouvir o reu e as suas testemunhas, notou que estes afirmam
que apesar de não terem visto ainda a casa do autor, não acreditam que seja verdade, porque
os engenheiros tomaram o máximo cuidado, mas desconfiam que seja pura inveja porque
existe uma velha competição entre as partes para ver quem tem a melhor e mais lucrativa loja
da região.
O juiz diante disso fica em dúvida sobre o que realmente está a se passar, então para
ver por si próprio decide realizar inspecção in loco para, com o auxílio de um técnico
assessor, verificar se tais fissuras realmente existem e se, existindo, estão mesmo a ser
causadas pela obra do reu.
É neste sentido que a Juiz Maria da Purificação Lopes de Carvalho (2016, p.37)
elucida:
Quantas vezes na sala de audiência, considerando a prova
já produzida a localização do muro (por ex) parecia
situar-se à direita e já no local afinal constata-se que o
murro está à esquerda? A janela, a porta, os beirais do
telhado, a vedação; o portão afinal é bem mais alta do
que a prova testemunhal parecia indicar; sendo a sua
localização no espaço diferente da que se visualizava
com a audição da prova testemunhal? A ausência de
demarcação alegada afinal não existe, pois no local
existem sinais físicos que permitem estabelecer a
definição entre os prédios? A descrição fatual nos
articulados é por vezes difícil de perceber para elaborar o
despacho saneador (na altura não se falavam em meios de
prova), e torna-se simples ao visualizar o cenário do
litígio.
Nestes e outros casos a inspeção judicial pode permitir o reforço da convicção que os
outros meios de prova não dão ou deram, assim como permite prescindir de prova pericial.
Assim se entende que a realização da inspecção judicial, nas situações que se mostre
necessária, deve ser a via mais certa com observância dos princípios do contraditório e da
ampla defesa, de resto assegurados pelas normas processuais que regem a sua produção.
50
CAPÍTULO III – APRESENTAÇÂO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÂO DOS DADOS
RECOLHIDOS
Neste capítulo do presente trabalho de fim de curso serão apresentados de forma
sintética os resultados recolhidos da pesquisa de campo, realizada por meio de um inquérito e
um questionário, a fim de se obterem informações cruciais para que se alcancem os objectivos
almejados para o presente estudo.
Masculino Feminino
credíveis sobre o Direito Probatório nos seus aspectos mais genéricos e sobre a inspecção
judicial.
Gráfico nº1
20%
Substantiva
Adjetiva
Híbrida
60% 20%
Gráfico nº2
Quando questionados sobre a natureza jurídica do Direito Probatório, 50% dos
inqueridos afirmou que este é de natureza híbrida, outros 25% afirmou que é de natureza
adjectiva e do mesmo modo os restantes 25% atribuem-no uma natureza substantiva. O
sustenta a dinâmica verificada no presente trabalho onde se verifica que há sobre uma vexata
quaestio sobre essa matéria, existindo duas alas (dos processualistas e a dos civilistas) e um
centro ao qual Antunes Varela se posiciona afirmando que este tem traços híbridos das duas
alas.
Gráfico nº3
29% 7%
Prova Legal
Prova livre
Fase de transição
64%
52
Depreende-se da análise da terceira ilustração que há ainda muita diversidade de ideias
sobre o regime predominante da admissibilidade dos meios de prova. Porém predomina a
ideia de que o regime predominante é o da livre admissibilidade dos meios de prova, mas há
ainda algumas reminiscências do sistema da prova legal.
TALVEZ
NÃO
Gráfico nº4
SIM
0 2 4 6 8 10 12 14 16
Questão 6. 8 dos inqueridos afirma pode se afirmar que existe hierarquia entre os
meios de prova pelo facto de o legislador ter oferecido um número maior de artigos regulando
a prova documental em detrimento da inspecção judicial. 3 Afirmaram que não, considerando
que o número de artigos ilustrados não é argumento suficiente para tal suposição. O restante 3
inqueridos afirmou que talvez haja hierarquia por isso.
53
Questão 8. Quanto à possibilidade ou não da intervenção de terceiro durante a
inspecção, os inqueridos afirmam de forma quase unânime (87%) que “sim, podem intervir na
inspecção”. A base para este entendimento dos inqueridos é o texto do artigo 615º do CPC.
Questão 10. A totalidade dos inqueridos afirmou que “sim”, quando questionados se,
dentro das providencias cautelares em que não existe contraditório como a de restituição
provisória da posse, a inspecção pode ser vista como a guardiã da verdade e o equilíbrio na
balança. Como vimos no trabalho, a inspecção judicial, assim como os demais meios de
prova, busca a demostração da realidade dos factos e a verdade é sempre imparcial. No
procedimento cautelar de restituição da posse ela acaba por ajudar o juiz a perceber o que
realmente aconteceu, evitando que o juiz se prenda às alegações da única parte ouvida.
Momento da Inspecção
7%
Depende da proveniência
Somente durante a instruçao
Quando for necessária
93%
Depreende-se da análise do gráfico nº5 que a maior parte dos inqueridos (14)
considera que a inspecção pode ser realizada a qualquer momento. Como se vê no artigo 613º
do CPC, ela é realizada “sempre que se mostre conveniente e necessária”. 1 dos inqueridos
considera que depende da proveniência, o que se baseia nas inspeções requeridas pelas partes
que precisam preencher os requisitos para merecerem o provimento. Tudo isso afirma, como
vimos no segundo capítulo que ela não se limita à fase da instrução.
Finalidade
7%
específica da Inspeção Judicial
13% Demostrar a realidade dos factos
A perceção direta dos factos pelo
tribunal
Elucidar o tribunal sobre a
averiguação dos factos
80%
Gráfico nº6
54
tem a finalidade de demostrar a realidade dos factos. Na verdade essa é a finalidade das
provas no geral, sendo também uma finalidade da inspecção judicial enquanto meio de prova
mas não é a específica. 13% dos inqueridos afirmou finalmente que esta tem a finalidade
elucidar o tribunal sobre a averiguação dos factos. A resposta configura a finalidade dos
auxiliares técnicos e não a finalidade específica da inspecção judicial.
Finalmente quando questionados sobre qual é o papel dos auxiliares técnicos durante a
inspecção judicial, 17 dos inqueridos (87%) responderam que estes, como se vê no artigo 615º
do CPC, actuam no processo elucidando o tribunal sobre as questões de que este (o tribunal)
não tenha conhecimento.
Foi ainda realizada um estudo de campo, no dia 12.10.21, pelas 15h, na II Sessão da
Sala do Cível e administrativo do Tribunal Provincial de Luanda com o objectivo de se
realizar uma entrevista para a coleta de dados: A entrevistada responde pelo nome de Miryan
Macedo, 43 anos de idade, casada, Juiz de Direito, exerce a função há 4 anos, trabalha na II
Sessão da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda. Em forma de
pergunta de partida, foi apresentada a seguinte questão ao entrevistado: As provas de forma
geral buscar a demostração da realidade dos factos, nos termos do artigo 341º do CC. E a
prova pericial por sua vez é caracterizada por permitir o contacto directo entre o Tribunal e os
factos. Com base nisso, podemos afirmar que a prova por inspecção merece algum destaque
entre os vários meios de prova?
55
A entrevistado respondeu que: Não, no meu ponto de vista a prova a adotar é aquela
que o juiz achar mais convincente. Não há uma hierarquia entre elas. Ao dizer que sim,
estaria a dizer que uma prova é melhor que a outra. E para determinadas ações a prova
documental é fundamental. Imaginemos uma acção de reivindicação de propriedade, se não
houver um título de propriedade a pretensão não recebera o provimento desejado, mesmo
que tragam testemunhas ou peritos, ou ainda que se faça inspecção. Dará lugar à
improcedência da acção, será uma acção inepta por falta da causa de pedir. Então o facto de
algumas serem mais abordadas não quer dizer que há uma hierarquia. A importância
depende do tipo da acção. Assim, podem haver ações em que a inspecção será mais importe.
Sim, já. Por exemplo, já tive uma acção de embargo de obra que analisei e decidi
fazer inspecção judicial e depois de feita a inspecção não houve mais necessidade de inquerir
testemunhas. A inspecção foi suficiente para perceber que os senhores estavam a se
aproveitar de um documento que tinham que declarava quer era proprietário ou possuidor
para tirar a ex mulher da casa em que ela vivia com os filhos do senhor. É muito recorrente
também nas ações de restituição provisória de posse. Normalmente as testemunhas são muito
instrumentalizadas. Eu prefiro fazer uma inspecção judicial.
Dizer que é misto, seria o mesmo que dizer que vem do civil e do processual. Mas
creio que não. Eu creio que é de natureza substantiva e é aplicada ao direito adjetivo. A
prova nasce no Direito Civil e depois é transformada no processo.
Sobre a intervenção dos auxiliares técnicos na inspecção judicial foi ainda indagado ao
entrevistado o seguinte: Qual é o papel dos auxiliares técnicos dentro da Inspecção Judicial?
O entrevistado explicou que: Os auxiliares técnicos surgem naquelas situações me que se
precisa de um parecer técnico. É o que acontece por exemplo que haver a necessidade de se
fazer a restituição da situação de facto e haver necessidade de o técnico ajudar o juiz a
entender como ocorreu e que danos o facto pode causar e se pode haver reposição da coisa
na sua forma original ou na restituição por espécie.
Por sim, foi perguntado à entrevistada: qual é o limite alcance da inspecção judicial?
O 612º faz pensar assim. Mas segundo a doutrina e a própria lei, por ser um meio de prova o
juiz deve estabelecer quais são os quesitos que quer perceber na inspecção judicial. Definir
as questões que vai analisar in loco e apresenta-los às partes: “tendo em conta que me falta
A, B e C, eu preciso saber 1, 2 ou 3, pelo que marco inspecção judicial para o dia X e que se
notifique. As partes saberão o que o juiz foi lá fazer, porque “o processo civil não é um mar
de surpresas”. Poderão ainda aparecer outras questões que por causa desses quesitos
apareceram outras questões.
CONCLUSÃO
É com sentimento de dever cumprido que se chega a esta fase conclusiva do presente
trabalho. O estudo foi exaustivo e ao longo da recolha de dados muito foram os obstáculos
enfrentados, especialmente pelas limitações impostas pela situação pandémica que se vive.
A pergunta de partida foi respondida pela entrevistada ao afirmar que: “este meio de
prova permite retirar a frieza do julgamento e dar ao juiz a visão mais próxima da realidade,
57
como um homem comum por formas a entender o “porquê” das alegações e pretensões
apresentas pelas partes.”
No mesmo sentido, com base no texto do artigo 390º e 391º do CC, 80% dos
inqueridos afirmam que este meio de prova visa oferecer ao juiz a perceção directa dos factos.
A primeira hipótese foi parcialmente comprovada pela entrevistada ao afirmar que: “isso
dependerá do tipo de processo, haverão aqueles como o embargo de obra nova, normalmente
vou logo para a inspecção.
Mas noutros tipos de processo a chave poderá ser outro meio de prova. A relevância
varia de caso para caso.” A segunda foi totalmente comprovada pelo texto do artigo 390º do e
pelas afirmações da entrevistada que afirma que: “A aproximação do juiz com os factos dá,
uma melhor decisão à situação.
Na prova por inspeção o juiz se coloca na posição daquele homem médio, simples
para entender melhor a situação. A ideia que a inspecção deve trazer ao processo é essa. O
juiz vai lá e tenta entender “por que é que ele fez essa e aquela alegação.”
As provas são para processo a peça chave para qualquer decisão. E a inspecção
judicial serve assim como uma ferramenta para dar a percepção directa dos factos ao juiz da
causa.
58
SUGESTÃO
Na sequência das pesquisas feitas ao longo da elaboração do presente Trabalho de Fim
de Curso e em consequência das conclusões delas retiradas acha-se oportuna a formulação de
algumas sugestões:
O estudo frequente, amplo e actual deste meio de prova pois, porquanto nota-se ainda
alguma falta de domínio entre os operadores de Direito:
59
A criação de mecanismo que permitam a substituição da Relação à 1ª instância no
julgamento de um facto cuja realidade tenha sido estabelecida a partir da inspecção judicial,
por forma a evitar que se sustente a insindicabilidade da convicção do juiz a quo, formada
A adoção sempre que necessária da inspecção para que o aplicador do Direito tenha o
contacto directo com os factos por forma a cumprir-se a função geral de demostração da
realidade dos factos.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Jorge Augusto Pais de. Direito Processual Civil. 15ª Edição. Coimbra. Almedina,
2019.
60
CARVALHO, Maria da Purificação Lopes de. A inspecção judicial: contributos para uma
melhor verificação ou interpretação dos factos. Data Venia Revista Jurídica Digita. Portugal,
5ª Edição, p. 5-32, Janeiro, 2016. Disponível em: https://www.datavenia.pt/edicoes/82-
edicao05. Acesso em: Maio, 2021.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório. 6ª Edição. Salvador. Bahia Editora Podivm, 2011.
FARHAT, Camila Mahiba Pereira. Das Provas No Processo Penal. Itají. Univali, 2008.
GIL, António Carlos. Como elaborar projeto de pesquisa. 4 ª Edição. São Paulo. Atlas, 2002.
GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 19ª Edição. São Paulo.
Editora Rideel, 2016.
VARELA, Antunes; BEZERRA, José Miguel; NORA, Sampaio e. Manual de processo civil:
de acordo com o Dec. Lei 242/85. 2ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora. 2004.
WAMBIER, Luiz Rodriguez. Curso Avançado de Processo Civil. 9ª Ed. São Paulo. Revista
dos Tribunais, 2007.
LEGISLAÇÕES:
1. Constituição da República de Angola. 1ª Ed. Luanda. Imprensa Nacional. 2010.
61
2. Código Civil Angolano (decreto-lei nº 47 344 de 15 de Novembro de 1966).
62