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Pena de morte OptANDo SoaREs Prof, universttério, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros SUMARIO 1. Introdugdo: Concetto de morte. 2. Trilogia tandtica: homicidio, sutcidio, eutandsia. 3. Fundamentos histori- 1. Introdugdo: conceito de morte Sob o Angulo epistemolégico, ou seja, do estudo critica dos princfpios, hipsteses e conseqiiéncias, em toro do conceito de morte, questionam-se miltiplos aspectos, de natureza bioldgica, politica, juridica, filosdfica, psicolégica e outros. Do ponto de vista médico, a morte representa @ ruptura do equiltbrio biol6gico e fisico-quimico, indispensdvel & manutencio da vida. Quer dizer, (© corpo inerte sofre agées de natureza fisica, quimica e microbiana, que determinam os fendmenos cadavéricos ou abiéticos. Entre esses fenéme- nos, encontram-se: esfriamento; desidratagio; livores ¢ hipostasias visce- rais; rigidez; espasmo. Soh o enfoque juridico, a morte se apresenta sob varias formas: natu- ral ou real (quando motivada por doenga indebelével, aguda ou grave, que lesa um ou mais 6rgfos vitais), comprovada mediante atestado de Sbito; sébita (quando natural, mas ocorrendo imprevista e repentinamen- te, determinada por um processo mérbito insidioso ou latente, e nao por agente externo); violenta (resultante de um acontecimento impetuoso: acidente, crime, suicidio, combate), objeto de laudo de exame cadavérico. ‘A execugdo da pena de morte constitui uma forma violenta de exter- minio da vida, ou ocisio, qualquer que seja o meio utilizado, como vere- mos adiante. Por seu turno, juridicamente, a morte civil representa a privagio dos direitos civis ¢ de cidadania, isto 6, a morte ficta, iluséria. Historicamente, a morte civil, ou simbélica, 6 uma reminiscéncia do Direito antigo, sabido que, na Grécia, por exemplo, especialmente R. Inf. legisl. Brasilia a, 26 n. 102 abe./jum. 1989 275 Atenas, havia 0 instituto do ostracismo, instrumento esse cuja criagio é atribufda a Clistenes (século VI a. C.), consistindo na eliminagao, cada ano, e por um perfodo de dez anos, do'cidadao, considerado como’ preju- dicial A ordem pablica, sendo submetido ao exilio, embora a sua familia nfo fosse obrigada a acompanhélo (PIERRE LEVEQUE — A Aventura Grega, Ed. Cosmos, 1967, p. 197). Com o tempo, no século V a. C., o ostracismo transformou-se em mera arma partidéria, de forma a afastar os adversdrios politicos, quanto A discussio dos negécios piblicos e da administra governamental. Por seu turno, em Roma, o cidadio condenado podia submeter-se 20 exflio voluntério, para livrar-se do cumprimento da pena, mas perdendo © status civitatis local, embora se integrasse numa outra cidade (RAYMOND aon e JEAN COUSIN — Roma e o seu Destino, Ed. Cosmos, 1964, p. 172). Contemporaneamente, o regime mititar implantado no Brasil, pés-1964, aplicou largamente o instituto da morte civil, com a adogao de instrumen- tos legais de forga, suspendendo os direitos civis e politicos por dez anos, irrecorrivelmente, dos antagonistas aquele regime de arbitrio. © fato € que existe toda uma simbologia em torno do fenémeno morte, com profundos reflexos no campo juridico-penal, que é objeto precipuo do presente trabalho, especialment? no que tange & pena de morte, con- quanto o tema se ligue a miltiplos aspectos, essenciais a compreensia da problemética em causa, como veremos em seguida. 2. Trilogia tandtica: homictdio, suictdio, eutandsia ‘Como se sabe, FREUD langou mao dos mais variados elementos psico- I6gicos, para o embasamento de suas teorias, as quais foram elaboradas den- tro do contexto capitalista da época, daf por que essas teorias refletem as condigdes s6cio-politico-econémicas, por ele analisadas, sob o Sngulo da Psicandlise. Nessa linha de raciocinio, FREUD buscou, como fonte de inspiracio, para a problemética em exame, o principio mitolégico grego, simbolizado por Tanatos, Deus da morte, para com isso exprimir, do ponto de vista Psicanalitico, 0 impulso da morte e da destruigao. Em oposig&o a essa idéia, ele langou mio de outro simbolismo grego — Eros —, filho de Vénus, Deus do amor, para exprimir o princ{pio da agiio, atragdo, vida, desejo, cuja energia é a libido, ou impulso sexual. Esse conjunto de elementos inspirou a concepgio psicanalitica acerca criminoso, como lembramos alhures (Criminologia, pp. 254 € ss.). Daf a expresso — trilogia tandtica: homicfdio, suicidio, eutandsia —, ora cunhada para a melhor compreensio do princfpio da vida e da 276 R. Inf, legis, Brasilia c. 26 on, 102 abe./jun. 1989 morte, inclusive para o fim de reflexio, acerca da motivagio e simbologia da pena capital, que € o assassinato oficial, legalizado. A propésito, como lembra ANTONIO BERISTAIN, 0 amar € o mor- rer tém uma raiz comum; j4 se escreveu, com razio, que “as mais belas hist6rias de amor acabam com a morte, ¢ isso nao € algo sem tom nem som, Certo, 0 amor 6 e subsiste como a superagiio da morte, porém nfo porque a elimine, senéo porque o amor mesmo é morte. $6 na morte & possivel a entrega total do amor, porque s6 na morte podemos cair intei- ramente @ sua meroé. Daf como os amantes se langam to simples e cas- tamente 2 morte; no se precipitam a um sitio estranho, sendo ao recinto intimo do amor” (Hacia el abolicionismo de la sancién capital en Epafia, in Rev. de Informagdo Legislativa, Brasilia, n.° 98, 1988, pp. 169 e ss.). Assim, por exemplo, toda a beleza e encantamento da mais célebre histéria de amor — a tragédia de Romeu ¢ Julieta — encontra 0 seu de- senlace na morte, Para SCHOPENHAUER, a imagem da morte representa a libertagiio de todas as paixdes, sofrimentos ¢ aflicdes; dai a expressiio tio suavemente doce que se espelha na face dos mortos, o que inspirou SANTA RITA DURAO a escrever o verso imortal: “Tanto era bela em sua face a morte”. Nem sempre, porém, a morte inspira sentimentos e imagens tio ele- yados e sublimes. Nesse contexto, é bastante significativa a expressio “defunto americano”, em relac&o aos Estados Unidos da América, onde se observa a prética de maquilar e preparar, com requinte, os mortos, que apresentam assim a face rosada e até parecem estar simplesmente dormin- do; nfo se nota neles a palidez da morte; em sintese, € uma simulagao, tipica da era de mistificagéo, engodo ¢ mentira em que vivemos, do que go escapam nem os mortos, como lembramos alhures (Os Tribunais de Contas e 0 Modelo de Desenvolvimento Econémico Elitista, in Atualidades, Forense, 1979, n° 19, pp. 6 © ss.). Do ponto de vista jusfiloséfico, a problemdtica da morte tem sido objeto de vérios enfoques, inclusive no tocante & sua efetiva constatagio, sob a Otica médica, para varios efeitos (civis e criminais), especialmente no caso de transplante de érgéos de cadAver. © fato € que a idéia de morte — o desfecho natural, dialético, do proceso da vida, do movimento da matéria — esteve sempre envolvida no mistico, sobretudo depois que o homem passou a sepultar os cadéveres, em lugar de deixé-los expostos ao tempo, criando assim 0 culto dos ante- passados, a crenca na vida eterna e na alma (CHARLES HAINCHELIN — As Origens da Religia@o, pp. 21 € ss.). Do ponto de vista da Psicologia Criminal, o interesse que a humani- dade sente pelo homic{dio reside no fato de 0 matar ou ser morto fere suas fibras mais intimas. Ao lado de uma viva repulsa, a ociséo desperta R. Inf. legisl. Brasilia a, 26. 102 obs./jun, 1989 a7 peculiares forges de atraglo, que no se definem de maneira completa, como mérbidas ov insanas (HANS VON HENTIG — Estudios de Psico- logia Criminal, Vol. Il, pp. 9 € ss). Por sua vez, 0 suic{dio nfo € visto como sinal de loucura, nem mar- ca de génio, embora figuras histGricas famosas e intelectuais renomades tenham langado mio deste recurso extremo, para por fim a vida. A bela e astuciosa Cle6patra (63-30 a. C.), por exemplo, ltima rai- nha do Egito (dinastia dos Ptolomeus), apés’ indmeras maquinagies © envolvimento com as altas personalidades romanas, viu-se afinal na imi- néncia de ser fevada prisioneira a Roma, preferindo assim suicidar-se, fa zendo-se picar por uma vibora, A maioria dos estudiosos do assunto concorda que, raramente, existe uma causa precipitante énica do suic{dio, e que quase sempre ocorre a atuagiio concomitante e somética de vérias causas (PHYLIP SOLOMON e VERNON D. PATCH — Manual de Psiquiatria, pp. 334 € ss.). EMILE DURKHEIM, o primeiro estudioso a fazer a anflise sistemé- tica do suicidio, na obra Le Suicide, publicada em 1897, classifica a auto- destruiggo da vida em trés categorias: egoista, andnica (produzida pela convicgio de que o ser social do individuo desmantelou-se), ¢ altrufsta, De acordo com DURKHEIM, nas constatagdes judictérias, que se fazem cada vez que ocorre um sticfdio, aponta-se o motivo (desgosto da familia, dor fisica ou outra, remorso, embriaguez), que se admite ter sido a causa determinante, e nos resumos estatisticos de quase todos os paises, encontra-se um quadro especial em que os resultados destes inquéritos esto reunidos sob o titulo: Motivos presumidos dos suicidios. E conclui: “Com efeito, ao que parece, revelam-se os antecedentes imediatos dos diferentes suicidios; ora, cremos ser um bom método de estudo de qualquer fendmeno partir das causas mais préximas sob 0 risco de em seguida se ter de continuar a investigago se a primeira tentative se revelar infrutifera(...). Ora, de todos os fenémenos, as voligées huma- Tas sAo os mais complexos. Vése, portanto, o que podem valer estes jutzos improvisados que, com base em algumas informagdes recolhidas as pressas, pretendem marcar uma origem definida para cada caso particular” (O Suicidio, pp. 151 € 152). Por sua vez, num estudo sobre o crime passional, LEON RABI- NOWICS viu no suicidio um sucedaneo daquele crime, salientando as hipéteses de suicfdio puro ¢ simples; duplo suicidio; homicfdio com con- sentimento da vitima e suicidio; homicidio sem o consentimento da vitima e suicidio; homic{dio € suicidio frustrado por emogao; homicidio e suicidio voluntariamente frustrado (O Crime Passional, pp. 142 e ss.). Na Comunidade Britinica, 0 suicidio jA foi considerado crime, sendo confiscados entio os bens dos suicidas. 278 R. Inf. legis! Brasilia a. 26 n, 102 obr./jun. 1989 No Brasil, 0 suic{dio no € considerado crime; constitui infragio penal, sim, o ato de induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxilio para que o faca (art. 122 do Cédigo Penal de 1940). O suicidio do Presidente Getdlio Vargas (1954) € apontado como altruista, ou seja, um sacrificio pessoal, em tributo 20 povo, de modo a despertar-the a consciéncia, encorajando.o & luta pela emancipagao econd- mico-politico-social. LUIS JIMENEZ DE ASUA vé esse gesto extremo do Presidente Vargas, sob a dtica da Psicanélise Criminal, como a “vinganca contra 0 adversétio, indireto homicidio do inimigo”, isto ¢, o imperialismo internacional ¢ os seus aliados internos brasileiros (Psicoandlisis Criminal, pp. 107 ¢ ss,), Finalmente, como tltimo componente da trilogia tandtica, temos a hip6tese da eutandsia, ou morte serena. A eutandsia consiste na prdtica pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente, reconhecidamente incurdvel, angustia- do por um mal atroz. Essa morte serena pode ser desejada ou nao pelo paciente, até porque este venha a se encontrar, eventualmente, inibido de expressar tal desejo, por achar-se em estado de coma profundo, irreversivel, na hipdtese de doente terminal. Em erudito e polémico estudo sobre o tema em foco, lembra EVAN- DRO CORREA DE MENEZES que a pratica da eutandsia ¢ milenar, pois os bramanes matavam ou abandonavam na selva as criangas, de mais de dois meses de idade, que nasciam de m4 indole; os espartanos davam morte as criaturas fracas, por considerarem-nas intiteis para a polis; os celtas, além de matarem as criangas deformes ou monstruosas, matavam também os velhos valetudinérios, achacadicos ¢ invalidos, tendo este dltimo costume, igualmente, entre outros, os eslavos e escandinavos, parecendo que, em nossos dias, ainda assim o fazem certos povos como os batas € os neocaledénios (Direito de Matar, p. 36). Por sua vez, LOMBROSO, bascado em estudos zoolégicos, assim como de ctiminalidade comparada, entre os seres humanos ¢ os outros animais, sustenta que as fémeas destes, muitas vezes, devoram ou abando- nam os prdprios filhotes, quando eles revelam algum defeito fisico ow so incapazes fe se manter, com independéncia (O Homem Criminoso, pp. 6 ss). © fato & que, sob a influéncia religiosa, sobretudo da Igreja Catélica, a vida humana passou a ser considerada um dom divino, e como tal, pertencente & categoria dos valores juridicos inaliendveis, indispontveis, irrenuncidveis, por parte do individuo. Assim, tutelando esses valores ou bens fisicos do individuo — tendo como pressuposto a satide ou vitalidade de cada um dos membros do R. nf. legist. Brasilia a. 26 1m, 102 abe./jun. 1989 279 corpo social —, visa o Estado a0 elemento primacial, que ¢ a populacdo, cuja integridade cumpre resguardar (NELSON HUNGRIA — Comentérios a0 Cédigo Penal, Vol. V, pp. 15 ¢ ss). Acontece que a eutandsia nio atenta nem ofende a integridade e satde do individuo, como membro do corpo social, em condigdes normais de existéncia; em outras palavras, a eutandsia nao se aplica ao individuo sadio — seja em tenra idade, seja idoso —, mas justamente aos casos de enfer- migos incurdveis, achacadigos, invélidos, atormentados por sofrimentos atro- Zes, que néo tém outro desejo senao o alivio da morte, o descanso eterno. Afinal, escreven VIEIRA: “A vida é um bem que morre; (...), enquanto “a morte mata, ou apressa o fim do que necessariamente hé de morrer (...)". (Antologia de Sermées, n° 2, p. 119). Certo que a Medicina pressupde a esperanga da vida, em cuja preser- vagio aquela se empenha, oficio esse que no escapou & mordacidade do famoso sermonério portugues, a0 versar sobre A Medicina e os Médicos: “Porque a todas as outras ciéncias ou oficios pode faltar o pio, mas nin- guém o tem sempre mais seguro que o médico. Como todos somos mortais, 56 0 médico vive do que nés morremos: ¢ tao certo € na medicina 0 pio, como na mortalidade a doenga” (ob. e vol. cits., pp. 239 ¢ 240). E yerdade que o Juramento de Hipécrates profbe a supressiio da vide, até porque 0 oposto, ou seja, a conservactio dela, mesmo nos casos de atroz sofrimento, suportado pelo paciente, representa um estimulo para a busca da cura, que no futuro beneficiard outros enfermos. Do ponto de vista tedrico, isto é, da Iei a ser oriada (de lege ferenda), HUNGRIA se mostra radicalmente contrério & cutandsia, assim se mani- festando: “Ultimamente, no debate doutrindrio, o problema passou a ser encarado, de preferéncia, na drbita da psicologia anormal. J4 néo suscita discussées sub specie juris, devendo ser tratado, exclusivamente, como um tema proprio dos estudos relativos & morbidez ou inferiorizagfio do psiquismo,”" E sentencia, de maneira irrecorrivel: “O que arma o brago ao executor da “morte boa” € 0 seu psiquismo anémalo, mordido pela augiistia paroxis- tica” (Preffcio da obra de EVANDRO CORREA DE MENEZES, jé citada). Evidentemente, a questio nio se reduz a esses termos, pois 0 que se objetiva ndo € a satisfagdo do “psiquismo anémalo” do executor da “morte boa”, e sim, por fim 4 angustia ¢ ao sofrimento desesperador dos doentes terminais, e, noutros casos teratoldgicos, irrecuperdveis, em conseqiiéncia de defeitos originérios, por motivos hereditérios ou nao, conciliando tais Propésitos com os meios legais. Em outras palavras, o problema crucial da eutandsia, ou seja, de seu cabimento e modo de pé-la em prética, se resume na competéncia de quem, quando e como o faré. 280 Brotilia @. 26 n, 102 ebr./jun. 1989 A lei penal brasileira néo acolhe um tratamento especial para o homicidio por compaixao, quer direta ou indiretamente, como ocorre com © Cédigo Penal de outros paises (URSS, Peru, Uruguai), embora proteja “circunstdncias que sempre atenuam a pena”, como a hipétese de o agente “tem cometido © crime por motivo de relevante valor social ou moral” (art. 65, III, a, do Cédigo Penal). © Anteprojeto do Cédigo Penal, elaborado sob a coordenagio de LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, 20 tratar do homicidio, assim dispée: “Art. 121 — Matar alguém: (...). Isengio de pena. § 3° — E isento de pena o médico que, com o consentimento da vitima, ou, na sua impos- sibilidade, de ascendente, descendente, cOnjuge ou irmao, para eliminar-the © sofrimento, antecipa morte iminente e inevitavel, atestada por outro médico” (DOU, 19-7-1984, pp. 10.522 e ss.). Em suma, 0 que os cutanasistas pretendem ¢ a disciplinagéo legal, conscienciosa ¢ racional, de uma prética humanitéria, cujas orlgens remotas se encontram na sabedoria instintiva dos seres humanos primitivos, da Spoca tribal, conforme os hébitos milenares, acima focalizados. B que a Medicina contemporénea, de maneira geral, salvo rarfssimas excegdes, assumiu, nos paises capilalistas, um cardter anémalo, pois caiu sob 0 completo dominio das transnacionais, que vendem o tratamento da satide, exercendo um desumano e mercendrio poder de “vida e morte” sobre 0 individuo, em matéria de compra ¢ venda desse tratamento, criando meios sofisticados, ilusdrios, a elevadissimos custos, 4 guisa de prolonga- mento da existéncia humana, mas que em tltima andlise resultam apenas proveito econ6mico imoral, que superou de muito a sutil ironia de VIEIRA, em seu comentério acima invocado. Do ponto de vista da sistematizagio cientifica, a Tanatologia é a parte da Medicina Legal que se ccupa da morte dos problemas médico-legais, relacionados a esta. Por sua vez, a Cronotanatognose é a parte da Tanatologia destinada a estudar a data da morte, baseando-se num conjunto de elementos, que permite dizer h4 quanto tempo, aproximadamente, sc deu aquela, elemen- tos esses, dentre outros, assim clasificados: fendmenos cadavéricos; crios- copia; fendmenos gastro-intestinais; crescimento dos pelos; cristais de san- gue putrefato; faune cadavérica (HELIO GOMES — Medicina Local, vol. Il, pp. 361 ¢ ss. € 875 € 88.) Em 1968, alguns meses aps o primeiro transplante cardiaco, formou- se, na Universidade de Harvard (UA), uma comissio encarregada de es- tabelecer novos critérios para a determinagio da morte. O relat6rio, entZo elaborado, definiu 0 Sbito como a morte cerebral e estabeleceu uma série de eritros como prova de que ocomen aquele, Fosterormente, novos es tudos e discussdes, por parte de especialistas, nacionais ¢ internacionais, acabaram fixando os seguintes critérios para a determinagio da morte co- TR. Inf, logist. Brasilia a. 26m. 102 abr./jun, 1989 281 rebral: 1) auséncia completa e permanente de consciéncia; 2) auséncia per- manente de respiragdo espontines; 3) auséncia de qualquer reagdo e est{- mulos externos e reflexos de qualquer natureza; 4) atonia de todos os miisculos; 5) cessagao da regulagéo da temperatura do corpo; 6) manu- tengo da tonicidade vascular apenas mediante a administragdo de analé- ticos vasculares; ¢ 7) auséncia completa e permanente de atividade elé- trica cerebral esponténea ou induzida (M. KOVALEV e I. VERMEL). Em suma, tais princfpios se aplicam, naturalmente, a constatagio da morte, no caso de execugdo de pena capital, em suas diversas modalidades, hoje praticadas, ou seja, fuzilamento, enforeamento, cadeita elétrica, gui- Thotina, camara de gés, injecao letal. 3. Fundamentos hist6ricos para a imposigéo de castigos ¢ penas Primitivamente, como se sabe, a ignoréncia eo temor em relagdo aos fenémenos da natureza (ventos, inundagdes, trovées, secas, raios) engen- draram no ser humano certas concepgdes misticas, que propiciaram o advento de manifestades religiosas, surgindo logo depois a idéia de pecado, ou seja, desobediéncia aos deuses, provocando a ira destes. Tais concepgdes surgiram, de maneira geral, entre as diferentes tribos, guardadas as proporedes de tempo e espago; as tribos silvicolas, por exem- plo, que habitavam o atual Brasil, na época da conquista do Continente Americano pelos europeus, praticavam o culto do Sol e da Lua, culto esse conhecido desde a Antigiiidade, sob vérias formas. Por sua vez, os aborigenes brasileiros, & época da chegada dos portu- Gueses, praticavam cultos dessa natureza, adotando certas normas de com- portamento, que constituiam rudimentos de Direito Penal, como lembra- mos alhures (Criminologia, pp. 83 e ss.). ‘As poucos, desde as primitivas tribos, os seus chefes se serviram de tabus, interdigdes e castigos, para impor sua vontade, aplicando, inclu- sive, a pena de morte, em determinados casos, considerados violagées flagrantes. Por isso, todo o Direito Penal aparece marcado pelo cardter religioso ¢ magico (RAYMOND BLOCH — Roma e 0 seu Destino, p. 44). Curioso que, de maneira geral, todas as linguas convergem no sentido de que a rapina e o assassinato € que deram origem & propriedade pri- vada; entretanto, s6 mais tarde € que se passou A criminalizagio dessas priticas, por motivo de conveniéncia, ou seja, de manutengio da “nova ordem” estabelecida, baseada na propriedade privada ¢ na escravido (LOMBROSO — O Homem Criminoso, pp. 30 ¢ ss.). Nessa seqiiéncia evolutiva, o conceito de repressfio penal correspon- de a idéia de agao ou feito de reprimir, coibir, proibir por meios policiais ou judiciais a prética de determinados atos, considerados ilicitos penais, através duma reagio, exercida de fato em nome do Direito, considerada reagiéo social contra as agées anti-sociais, ou seja, o crime. 282 R. Inf. legisl Brasilic @. 26 on, 102 abr./jun. 1989 Historicamente, essa reagao social atravessou trés fases distintas, ob- servadas de maneira mais ou menos constante, na evolugdo dos povos, a saber: a vinganga privada (exercida, individualmente, pelo grupo ou fa- mélia, atingidos); a vinganga divina ou sacral (sob a influéncia de con- cepgoes misticas); ¢ a vinganca publica (como monopélio do poder pi- blico), passando, nesta ltima fase, a persecugio penal a constituir a ati- vidade estatal de protego penal, contra o crime, para a qual o Estado im- Poe a mais grave sangdo — 2 pena —, que pode ser de natureza pecu- niéria, corporal (privativa de liberdade, flagelo, amputagdo de membro, morte), ou restritiva de direitos, De qualquer forma, como lembrou BECCARIA, o sistema penal foi instituido, exatamente, para assegurar privilégios, desde as primitivas tri- bos, até os nossos dias. Durante muito tempo, discutiram-se as sovadas ligdes do século XVIII, sobre o fundamento do Direito Penal, especialmente, as indefectiveis teo- ias acerca do escopo da pena, classificando-se aquelas, segundo as trés conhecidas parémias latinas, a saber: absolutas (punitur quia peccatum), ou seja, porque a pena é justa em si; utilitérias ou relativas (punitur ut ne peccetur), porque a pena € ttil; e mistas ou sincréticas (punitur quia pec- catum est ef ne peccetur), prevalecendo ora um, ota outro, dos principios anteriores (ROBERTO LYRA — Comentdrios ao Cédigo Penal, Vol. Il, pp. 23 €55,). Sob o Angulo do estudo critico dos princfpios, hipéteses e resultados da Penalogia (ciéncia que visa a determinar os fundamentos légicos, o valor, alcance e objetivo da pena, do ponto de vista epistemol6gico), a punic&o suscita varios questionamentos, de natureza hist6rica, sociol6gica, econémica, biolégica, filoséfica, jurfdica e outros. FEUERBACH, por exemplo, com base na chamada feoria contratual, ao justificar a aplicago da pena, nao questiona a origem espiiria da repres- so penal, que se ampara na violéneia, na conquista, no predominio do mais forte, ocasionalmente, que se apoderou dos bens comuns ¢ escravizou © vencido, De outra parte, a teoria da retribuigdo, partindo do principio de que a pena € sempre merecida pelo criminoso, representa uma fundamentagio eutoritéria do Direito Penal. Sob a forma comutativa, isto &, simbolicamente, froca, constitui uma reminisc@ncia da Justiga Penal, em’ sua fase primitiva, baseada na vin- ganea privada: “Assim como 2 mercadoria corresponde o prego, a0 tra- balho © salétio, ao dano a indenizagéo, assim, segundo o preceito dessa justica, 20 crime deve também corresponder a pena como retribuigio” (GUSTAV RADBRUCH — Filosofia do Direito, pp. 313 e ss.). CHARLES DARWIN, como naturalista, ofereceu a sua contribuigio & problemdtica penal, ao salientar que o isolamento (pena privativa de li- R Inf. legis! Brositia a, 26», 102 abe./jen. 1989 203 berdade) 6 0 maior sofrimento que se pode impor ao homem, em face de sua natureza eminentemente gregéria (A Origem do Homem e a Selegio Sexual). Para MAQUIAVEL, “podemos dizer uma coisa de todos os homens: so ingratos, mutaveis ¢ dissimulados”, e “esquecem mais facilmente a morte de seu pai do que a perda de seu patriménio”, donde se conclui que as penas de natureza patrimonial (multa, confisco de bens, redugao das rendas) tém um efeito psicolégico intimidativo, que precisa ser me- Ihor explorado, no ambito da Penalogia, para orientar a Politica Criminal, ‘no tocante a aplicag&o das penas dessa natureza. © fato 6 que em todos os tempos, os meios empregados pelo sistema penal tém falhado, revelando-se incapazes ou inécuos, para os fins objeti- vados, eis que, fundamentalmente, 0 mal ¢ as contradicdes se encontram na propria esséncia do sistema punitivo, ou seja, nos critérios legais, nas con- cepgées morais, filoséficas, juridicas, politicas, econémicas, religiosas © outras — isto 6, a superestrutura ideolégica — dominantes, que se baseiam na explorago do homem pelo homem, na escravizago, na opressio ¢ irra- cional represséo penal. Em suma, como sustentou o inesquecivel ROBERTO LYRA, “sem solugdo do problema social, néo hé solugo para o problema penal”, se- gundo, alids, a célebre legenda de Ferri: “Menos justiga penel, mais justica social.” 4. Ineficdcia do Sistema Penal Em esséncia, o sistema penal moderno se baseia em principios de Po- Iitica Criminal, inspirados na Penalogia, segundo a qual a pena tem uma fungio multiféria, ou seja, preventiva, intimidativa, retributiva, educativa ou ressocializante. Do ponto de vista da concepgdo autoritdria do Direito Penal, o card- ter retributivo da pena remonta a idéia de custigo, escarmento, exempla- ridade. Nao obstante, HELENO FRAGOSO € incisivo a respeito: “Convém, no entanto, ter presente, que o Direito Penal tem papel limitado na pre- ‘yencao do crime (no estando demonstrado o efeito intimidativo da pena)” (Ligoes de Direito Penal, p. 60). De fato, 0 eletismo, os privilégios, a concentragéo da riqueza, a cor- rupgo generalizada, a impunidade dos criminosos de colarinko branco — em contraste com a opresséo e exploracdo do homem pelo homem — sau 08 responsdveis pelas clamorosas injustigas sociais, ue caracterizam o sis tema capitalista, em que grassam a fome, miséria, desemprego, desasis- téncia, car&ncia de toda ordem, analfabetismo, favelizagio. Estamos assim diante de um quadro, que assume contornos de ordem cientffica, isto é, a relaglo de causa e efeito, de antecedente © conse- 204 R. Inf, logisl. Broville ¢, 26 m, 102 obr./jun. 1989 qiiente, fundamentais na hipétese de aniilise e reflexio dos fenémenos, com vistas A busca de solugdes pata os problemas existentes. Ora, a remagio ou minimizagao das causas, impossivel suprimixem-se 0s seus efeitos; a questo, portanto, é a substituicio do sistema capitalista por uma nova ordem social, mais justa e fratera. Nessa linha de raciocinio, constitui desonestidade cientffica pretender legitimar a pura e simples represséo penal — o castigo, propriamente dito —, sem atentar para as causas da criminalidade, que devem, prioritaria- mente, ser erradicadas ou minimizadas, como enfatizamos alhures (Causas da Criminalidede ¢ Fatores Crimindgenos, pp. 25 ¢ ss.; Prevengio e Re- pressio da Criminalidade, pp. 125 ¢ ss.). De resto, os estudos de Psicologia e de Psicanélise tém demonstrado gue os castigos cruéis, as mutilagoes, os espetéculos horrendos, em piiblica, incluindo as execugdes capitais, provocam os mais dispares efeitos — até mesmo estimulo e desafio, em relacdo a determinadas personalidades mérbidas —, tendo pouco significado intimidativo. Isso ocorte, igualmente, em paises socialistas, como a China — onde as execusées da pena de morte se verificam em praca piblica —, posto que ali perduram os “resquicios de um passado capitalista na consciéncia pov”, por isso ainda subsistem priticas delituosas, sobretudo de na- tureza econémica. Evidentemente, a consciéncia coletiva, os ideais comuns, as expectativas de construgdo de uma sociedade mais justa e fraterna, aca- baro prevalecendo, até praticamente se reduzirem a uma insignificdncia 08 indices de criminalidade, sobretudo a de natureza patrimonial violenta, como lembramos noutro trabalho (Direito Penal — O Crime — O Pro. cesso —~ As Penas, p. 205). Historicamente, como sustenta MICHEL FOUCAULT, o poder de punir inerente ao soberano, como representante das classes economicamente fortes e politicamente dominantes, exploradoras, acostumou 0 poyo a “ver correr sangue”, aprendendo répido que “sé pode se vingar com sangue, contra 08 que © exploram ¢ esctavizam”, Aos poucos, jé na Idade Moderna, a relagio castigo-corpo, quer dizer, 0 emprego e o sentido das penas corporais, vai se transformando: as fo- gueiras, as marcas de ferro quente, o agoite, as dolorosas execugdes, foram sendo substituidas pela recluséo, os trabalhos forgados, a servidéo de for- gados, a interdigdo de domicilio, a deportagao. Gradativamente, a relagio castigo-corpo deixa de possuir esse aspec- to de suplicio, passando-se a adotar 0 enclausuramento, com o trabalho obri- gat6tio, visando a privar o individuo de sua liberdade, como um castigo em si mesmo, considerada aquela como um direito ¢ um bem. Até mesmo, no caso da pena capital, passou-se a aplicar aos conde- nados, 20 aproximar-se o “momento da execugdo”, injegdes de tranguili- zantes, para evitar o sofrimento fisico, a dor do corpo (Vigiar e Punir, Pp. 14 e 69). R. Inf, legisl. Brasilia 0, 26 9. 102 obe./jum, 1989 285 Em suma, o sistema punitivo contemporaneo, aqui e alhures, se en- contra completamente falido, constituindo-se num nus para a coletividade, dispendioso, inoperante, uma “escola do crime”. Haja vista que, no Brasil, esse sistema se transformou em palco de sucessivos escfndalos administrativos, desvios de dinheiro, corrupgfo © violéncia, sendo freqiientes os massacres, desencadeados, quer pelos drgiios oficiais, quer pelos bandos de criminosos, os quais, internamente, se cons- tituem em faceSes do “crime organizado”, como lembramos alhures (Ex- tingdo das Prisdes e dos Hospitais Psiquidtricos, pp. 113 ¢ ss.; Relatério sobre a Criminalidade Patrimonial Violenia, pp. 1 € ss.). 5. A ameaga penal Como vimos, um dos fundamentos da pen consiste na suposta ameaca, que ela possa infundir, genericamente. Entretanto, como asseverou Heleno Fragoso, néo esté demonstrado © efeito preventivo da ameaga penal. “Ele parece mesmo néo existir. Posi- tivamente no existe nos crimes politicos. Como jé se disse, a prevencSo geral 6 uma espécie de crenca. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos (notadamente relativas 8 pena de morte) e na Suécia, parecem mostrar que a ameaga penal no tem efeito algum. Assinala-se o otimismo dos cri- minosos comuns. Pode-se mencionar, por bem expressivo, o aumento da pena para o crime de embriaguez ao volente, na Alemanha, que nfo teve efeito em relagao & marcha da criminalidade. E também a nossa anterior ei de drogas, que previa penas severissimas, com as quais o legislador supunha coarctar 0 trAfico ¢ © consumo de drogas, entre nés, uma lei que nao teve qualquer conseaiiéncia nesee sentido. As penas demasiadamente severas, que ofendem a consciéncia do magistrado, ndo se aplicam, No Instituto de Ciéncias Penais do Rio de Janciro tealizamos pesquisa para apurar como se aplicava a anterior lei de drogas, examinando os sos que tramitaram no foro do Rio de Janeiro no ano de 1974. O que se verificou é que os juizes simplesmente nao aplicavam a lei severissima. prisdes em flagrante, descartavam como intteis os s e aceitavam qualquer prova razodvel para absol- ver o jovem primério, de bons antecedentes, portador de pequenas quanti- dades. A aplicegio da lei caracterizave-se, assim, pela incongruéncia e pela inconsisténcia. A mesma experiéncia tivemos em nosso Superior Tri- bunal Militar, com a aplicagio da infame lei de seguranga nacional.” E prosseguiu Fragoso: “Verifica-se, entdo, que o legislador se equivoca quando imagina que, ameacando com pena determinada ago, conseguiré prevenit alguma coisa. Esse equivoco pée em causa a propria finalidade do sistema punitivo. Engana-se também o legislador quando supe que jutzes aplicaréo as penas exacerbadas de seu direito penal terrorista (.. .). Sobra, no entanto, ainda, outra possibilidade para justificar o sistema: o da justa retribuiggo, [4 agora sc trata de aplicar o justo castigo, em nome 286 TR. Inf, fegisl. Brasilia o, 26 m, 102 abr./jun, 1989 da justiga, Trata-se de contrapor um mal ao maleficio praticado, como justa punicéo. Nessa perspectiva a idcia de defesa social através da incri- minagdo e da pena torna-se duvidosa. Teria de surgir como reafirmagao de valores através da justa punigao. Aparecem aqui, no entanto, compli- cados problemas. A retribuigdo teria que se fundar na culpa, ou seja, na realizacdo de uma conduta reprovavel. Postula-se, entio, como pressuposto fundamental da idéia de culpa, a liberdade da vontade, que constitu pro- posic&o indemonstrével, tornando a imaginada justa retribuicio um autén- tico ato de fé. E parece dificil construir o sistema punitive do Estado sobre um ato de fé.” E concluiu: “Diante disso, o direito penal de nosso tempo apresenta-se em situagdo de crise, pelas discrepancias ante a ciéncia e a experiéncia. Elaboramos um belo sistema de direito penal ¢, afinal, ele serve para qué? Como funciona efetivamente? A anélise critica do proprio sistema ¢ as incongruéncias entre a elaborago tedrica e a prética vieram levar os juris tas 2 uma Visio mais humilde de sua atividade e a graves dividas sobre as virtualidades do magistério punitivo do Estado” (Rev. da OAB-RJ, n? 11, 1979, pp. 75 © ss; Ciéncia e Experiéncia do Direito Penal). Versando sobre tema anélogo, escreve HELIO BICUDO: “Seré a pena de morte uma ameaga efetiva ao criminoso? Sera civilizado tirar-se uma vida em nome da Justia?” E prossegue: “Nao falemos do Brasil, onde a pena de morte extralegal existe ¢ em ntimeros assustadores. No Brasil, a Policia executa centenas de pessoas por ano. Esse nimero nao é aleat6rio. Tem vista as mortes ocorridas no Rio de Janeiro e em Sao Paulo, fartamente noticiadas pela imprensa. (...).”” Quanto aos EUA, 0 entéo governador de Nova lorque afirmou que “nio hé nenhume evidéncia de que a pena de morte seja intimidativa. Foi, alids, a conclusio a que chegou a Academia Nacional de Ciéncias, em 1978 (USA). De duzentos ¢ cingiienta enforcados no inicio do século, na Inglaterra, 170 confessaram haver assistido a uma ou duas execugSes capi- tais. E que a intimidagio — o grande “appeal” para a imposigao da pena de morte na legislagio — requer, antes de mais, que o delingiente possa raciocinar com os provaveis custos de sua aco, E, pergunta-se, como ficam os casos de homicidios cometidos por pessoas drogadas ou por pessoas que no momento nao estejam licidas?” (Violéncia, Criminalidade © 0 nosso Sistema de Justiga Criminal, in Rev. OAB-RJ, n° 22, pp. 129 © ss.). Quer dizer, no Brasil e outros pafses, nfo hé pena de morte oficial, mas ocorrem verdadeiros exterminios extralegais, desencadeados pelos 6: giios policiais, e até bem pouco tempo, provocados pelos famigerados 6rgios de seguranga nacional, sob o regime militar, implantado pds-1964. Ainda hoje, as chamadas “guerras entre quadrilhas”, como parte do crime organizado em nosso Pais, sfio responséveis por numerosas mortes, sem falar nos “grupos de exterminio”, ou seja, pistoleiros contratados por 102. aba. fjun, 1989 287 negociantes e empresérios, com a missao de liquidar assaltantes, em diver- sos pontos do territério nacional. Considere-se, ainda, 0 maquiavelismo das autoridedes do sistema peni- tenciério brasileiro, ao propiciar os freqiientes confrontos entre quadrilhas inimigas (reunidas num mesmo estabelecimento prisional), compostas de detentos, que integram o crime organizado (prolongemento do narcotréfico, instalado nesses estabelecimentos), resultando dai constantes matangas de internos, seguidas de “banhos de sangue” da repressao policial, como forma edmoda de exterminio de parte da populaso carcerdria, pelas préprias méos, como lembramos alhutes (Prevengao e Repressdo da Criminalidade, pp. 142 € ss.; Relatorio sobre a Criminalidade Patrimonial Violenta, pp. Te ss). 6. Escorgo histérico sobre a pena de morte ‘© uso da pena de morte & universal, constituindo costume em todas as épocas e entre todos os povos, desde a mais remota Antigtidade: egip- cios, judeus, babil6nios, gregos, romanos ¢ outros; seu abolicionismo € que constitui idéia recente, sob forma organizada, a partir do séoulo XVIII. Variavam os meios de exccugdo da pena capital: erucificagio, forca, decapitagio, lapidagdo. Na Grécia, Sécrates (c, 470-399 a.C.) foi condenado a beber a taga de cicuta. Esté nas Escrituras (Mateus, cap. 26, vers. 52) que, segundo Jesus: “Todos que se sevirem da espada por sua prépriaautoridade, pela espada Lembra, GEBER MOREIRA, que os chamados “doutores da Igreja”” também nao eram contrérics & pena de morte; o monge Agostinho (354- 430 d.C.), reiteradamente, declare justa a penal capital, aplicada aos mal feitores: “Nao violam o preceito ndo matards os que por ordem de Deus declararem guerras, ou representando a autoridade piiblica e agindo segun- do o império da justica castigarem os fascinoras ¢ perversos tirando-lhes @ vida.” (Civitas Dei, Liv. I, Cap. 21). TOMAS DE AQUINO (1235-1274) nao apenas considera licita a pena de morte, mas necessdria para a satide do corpo social: “Ao principe, encarregado de velar pela sociedade, cabe aplicdta, como é missio do médico amputar o membro gangrenado para salvar o resto do organismo,” TOMAS MORUS (1519-1576) imaginara para sua sociedade ideal — Utopia —, em lugar da pena de morte a priséo com trabathos; por sinal, foi decapitado por ordem de Henrique VHI, de cujo reino foi chanceler. Os germanos da época pré-cristé, segundo ainda GEBER MOREIRA, enforcavam nas Grvores os traidores eos desertores, afogando nos paintanos os covardes ¢ homossexuais. Também era aplicada a lapidagio para os que furtavam cavalos ¢ @ cremasio, para as bruxas. 288 R. Inf, fegist. Brosfig a, 26 n, 102 abe./jum. 1989 Em Franga, na Idade Média, os delingiientes eram arrastados sobre um estrado de madeira até Aforca, depois queimados vivos, cozidos em enormes caldeiras, vivos ou mortos, enrodados vivos. Na Alemanha, no fim da Idade Média, os meios de execugio mais freqiientes eram a forca e a decapitagao. Nesse mesmo pais, também se aplicavam o esquartejamento, pata os traidores; a rotura dos membros com a roda, para os assassinos ¢ os roubos graves; a cremagéio para os sodomitas, bruxas, envenenadores ¢ no casO de homicfdio, cometido por meio de incéndio. © enterro de pessoas vivas era empregado para os condenados por violagdo. No século XVIII, a pena de morte cra aplicada aos que simulavam insolvéncia; aos ciganos; cagadores furtivos; culpados de furto, agravado, se portavam armas. Estes morriam na roda. A pratica de arrastar 0 condenado sobre um estrado, até o cadafalso, esteve em uso em Hannover, ainda em 1805; na Prissia, em 1851. A iiltima execugo pelo fogo se verificou em Berlim, em 1823. Na Inglaterra, aplicavam-se suplicios andlogos: decapitagdo, submer- sdo, cremagéo, esquartejamento e forca. No século XVI, era comum o espetéculo de cadéveres suspensos, através de correntes, com fins intimi- dativos. Na Espanha, Juan de Cafiamas foi executado em 1492 (Barcelona), sob a acusagao de regicidio frustrado, na pessoa do rei Fernando, o Caté- lico; 0 acusado foi condenado as torturas de cuaresma viscontea, suplicio esse que comegava com um pequeno nimero de asoites, evoluindo com intervalos de um dia de descanso, passando entdo a torturas cada vez mais pesadas: beber dgua, vinagre, argamassa; arrancar tiras da pele das costas; atrancar um olho; cortar o nariz; cortar as mAos, um pé; cortar um testiculo, em seguida 0 outro; cortar o membro viril. No quadragésimo dis, o condenado era colocado na roda ¢ feito em s. Na Franga, Rayaillac foi executado em 1610, por ter assassinado Henrique IV. Chegando ao cadafalso, ele foi atado a um instrumento de madeira e ferro, semelhante & cruz de santo André, pretendendo-se arran- car ao condenado o nome de seus cdmplices. Nao 0 conseguiram. Metade de um brago foi colocada sobre um braseiro de fogo ¢ enxofre. Ele “grita- ‘ya com tio horriveis dores como se fosse o proprio deménio, ou uma alma atormentada no inferno”, escreveu Scott, que assistiu & execucio, Depois, com pingas de ferro em brasa, os carrascos picaram seu peito e os misculos de seus bragos, suas pernas e demais partes carnudas do corpo, cortando pedacos de came, assando-os ante o prdprio condenado; R. Inf, legial. Brasilia a, 26m, 102 abe./jun, 1989 289 foram trazidos quatro cayalos, que por sua vez foram atracados ao corpo para separar seus membros em quatro quartos. Igual motte sofreu Damiens, em 1757, por ferimentos leves, causados na pessoa do rei Luis XIV (A Pena de morte nas legislagbes antigas e mo- dernas, in Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Nélson Hungria, 1962, pp. 408 a 427). No Brasil, quando Colénia, vigoraram as Ordenagdes Afonsinas, Manuelinas ¢ Filipinas, que previam a pena de morte, para uma série de delitos, inclusive heresia. Tiradentes foi enforcado e esquartejado, sob a égide dessas tiltimas Ordenagées, em 21 de abril de 1792. Com seu sangue, lavrou-se uma certidio de que fora cumprida a sentenga. A Constituigdo de 1824 manteve a pena de morte, restringit a determinados crimes, como lembramos alhures (Justiga ¢ Criminalidade, pp. 95 e ss.). © Cédigo Penal republican (1890) aboliu a pena de morte. 7. A pena de morte, na atualidade Modernamente, de um lado, 0 advento da Revolugao Socialista na URSS (1917) e, de outro, no campo dos paises capitalistas, o surgimento da social-democracia, pionciramente no México (Constituigfo de 1917) em seguida, na Alemanha (Constituicéo de Weimar, 1919), representaram marcos histéricos decisivos, no sentido da valorizaggo do ser humano ¢ da propagacio da idéia do que mais tarde consubstanciou a bandeira da De- claragio Universal dos Dit do Homem (1948), proscrevendo-se a tor- tura e o tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (art. V). Na Unido das Reptiblicas Socialistas Sovicticas, a pena de morte foi suprimida, por um decreto de 1917, baixado pela Revolugio; depois, por iniciativa de Kerensky, esta pena foi restabelecida, em face da guerra civil e da interveng&o estrangeira, que langou no caos a sociedade russa. “Para a consecugo de nossos fins e desejos revolucionfrios estio justifi todos os meios”, disse Lénin. ‘Na Espada Vermelha se 18: “A nds est permitido tudo, porque somos os primeiros homens do mundo que desembainhamos a espada, néo em favor, porém contra o servilismo da eseravidio, porque queremos livrar dela a todos.” Os bolcheviques usaram entiio o fuzilamento como o mais eficaz meio revolucionério, imposto pelas Comissdes extraordinérias, em meio ao arbi- trio judicial. Posteriormente, com a normalizagéo politico-econémico-social, a pena de morte passou as normas legislativas, em conjunto com os Cédigos Pe- nais subseqiientes, a partir de 1919 (Luis Jiménez de Asia — La Vida Penal en Rusia, Madrid, 1931, pp. 33 e ss., 91 a 93). 290 R. Inf, legis, Brosia 0. 26 on, 102 obr./jun. 1989 Décadas mais tarde, na China (1949) e em Cuba (1958), foram ado- tadas idénticas préticas, com 0 advento da Revolugo Socialista, naqueles paises. Entrementes, com a nazificagio da Alemanha (1933), estabeleceu-se que 0s que nio se encontrassem dentro dessa comunidade, nao se consi- deravam semelhantes, especialmente os judeus; a pena de morte era entao executada com fins seletivos de politica, segundo a lei de 4 de abril de 1933. Estabeleceu-se, ainda, a esterilizagdo de anormais e castragio de de- lingiientes, ocasionando, dai, muitas vezes, a morte dos condenados (Luis Jiménez de Asia — La Ley y El Delito, Caracas, 1945, p. 81). Do ponto de vista do Direito Penal Comparado, na Europa Ocidental domina a legislagio abolicionista da pena de morte, a saber: Repéblica Federal da Alemanha (Constituigiio de 1945, art. 2.9); Austria (Constitui- cao de 1968, art. 85); Franga (1981), sendo que de 1959 até 1978, havia sido imposta’ 2 pena de morte em cinglienta casos, ¢ executada em dezes- sete; Gré-Bretanha (a sangdo capital foi suprimida em 1965 para os delitos de homicidio, por um prazo experimental de cinco anos, aboliclo essa protrogada até dezembro de 1969, sendo que em 1975 ¢ 1979, a Camara dos Comuns rejeitou a mogio de reimplantagio dessa pena); Suiga (Cédi- g0 Penal de 1937); Holanda (1870, em relasao aos civis; porém, reintro- duziu essa pena, nos casos de crimes de guerra, em 1943); Bélgica (abo- licionista de fato, sendo que a sua Comissao pata revisio do Cédigo Penal votou em favor da aboliggo). A legislagdo penal vigente no Estado do Vaticano, em virtude da Concordata com a Itélia, subentendeu a aplicagio da pena de morte, desde 7 de junho de 1929 até 1° de agosto de 1969, no caso de atentado contra a vida, a integridade e a liberdade pessoal do papa e dos chefes de Esta- dos estrangeiros, na suposi¢ao de reciprocidade de tratamento, em relagio a estes diltimos, Desde 1969, foi abolida esta histérica sancdo. Os paises da Europa Oriental mantim a pena de morte: Repéblica Democrética Alema (para os delitos politicos e militares mais graves ¢ no caso de homicfdio), Iugoslavia, Roménia e Polénia. Na Unido das Repiblicas Socialistas Soviéticas, o att. 23 do Cédigo Penal da Unido, em vigor, considera a pena de morte como “uma medida de castigo excepcional”, prevendo dezoito tipos penais passfveis dessa san- glo, em tempo de paz. Nos Estados Unidos da América, lembra ANTONIO BERISTAIN, a Corte Suprema declarou inconstitucional a pena de morte, em 29 de junho de 1972; em fevereiro desse mesmo ano, a Corte da Califérnia j4 havia se pronunciado sobre a inconstitucionalidade dessa pena, naquele Estado. Em 1976, a Corte Suprema declarou (por sete votos contra dois) que a pena capital & constitucional, porém niio pode ser prevista em lei como sangao absoluta. R. Inf, fegist. Brasilia a. 26 om. 102 obe./jun, 1969 291 Segundo dados de 1987, varios Estados da Federagao norte-america- na carecem de leis sobre a pena de morte. Cerca de quatro mil execugdes tiveram Iugar nos EUA, desde 1930 até 1963. Em 1976 havia 582 pessoas condenadas, & espera de uma pos- sivel execugio dessa pena, dentre elas, 300 negros, 260 brancos, 13 ciga- nos, 8 indios e 1 porto-riquenho. Ainda, de acordo com ANTONIO BERISTAIN, a legislagéo japone- sa permite a pena de morte para dezessete delitos (por exemplo, matar alguém em duelo); calcula-se que, entre 1954 e 1974 foram enforcadas 336 pessoas. Nos anos de 1979, 1980 e 1981, foi executada uma pessoa por ano. Com excegdo de Hong Kong, em todos os pafses asiéticos existem disposigdes legais, prevendo a pena de morte. Todos os pafses do Oriente Médio (Egito, Ira, Iraque, Israel, Jordé- nia, Libia, Siria e Iémen) admitem a pena de morte, para assassinatos ¢ outros delitos especfficos, contra a seguranca interna e externa do Estado. Em 1980, entrou em vigor o novo Cédigo Penal chinés, que enumera sete delitos passiveis de aplicagéo de pena de morte, além de quatorze, considerados contra-revolucionérios, sujeitos 4 mesma pena. Naquele mes- mo ano, a nova legislagio introduziu a pena de morte para outros 23 delitos: roubo, malversago de bens, luta entre bandos, viver de ganhos imorais, organizacdo de sociedade secreta, molestar as mulheres, comuni- car métodos para cometer crimes, e outros. Durante os meses de agosto, setembro outubro, de 1983, as auto- ridades chinesas iniciaram uma campanha nacional contra o crime, ocor- rendo dezena de milhares de detengdes, estimando-se que foram levadas a cabo mil execugdes, embora um documento da Anistia Internacional tenha divulgado em Londres (setembro de 1984), que o némero de exe- cugées tenha sido de seiscentas. Concretamente, em 23 de agosto de 1983, em Pequim, foram executadas 30 pessoas, num estédio, diante duma gigan- tesca concentracdo de cem mil pessoas, Atualmente, nesse pais, 0 condenedo € obrigado 2 ajoelhar-se, com as mios atadas &s costas, colocando-se o verdugo em pé, por trés, que entéo faz um disparo na nuca do réu, sem que este veja aquele, Alguns paises, como a Birmania, Filipinas, Formosa, Indonésia, Ma- lésia e Singapura, aplicam a pena de morte, por delitos relacionados com © tréfego de entorpecentes. Na América Latina, durante 0 século XIX ¢ comegos do atual, mui- tos governos aboliram a pena de morte; recentemente, verifica-se uma ten- déncia para a reintrodugdo dessa sangio, em diversos desses pafses (ob. cit., pp. 182 e ss.). 292 R. inf, fegitl. Gresilia a, 26 n, 102 abe./jun. 1969 Quanto ao Brasil, como vimos, durante a Repiblica, a Constituigéo de 1934 restringiu a aplicagéo da pena de morte ao ambito da Justica Militar, em tempo de guerra com pais estrangeiro. A Carta Politica estado-novista (1937) atribuiu ao legislador a facul- dade de prescrever a pena de morte, para certos casos, além das hipéteses previstas na legislagéo militar, para o tempo de guerra (art, 122, n? 13, aaf. ‘A Constituigio de 1946 voltou a abolir a pena capital; 0 Ato Insti- tucional n.° 14, de 5-9-1969, a restabeleceu. Regulamentando 0 texto cons- titucional, a entio Lei de Seguranga Nacional (de 29-9-1969) previu 15 hipéteses de condenagéo & morte, por fuzilamento, atribuindo-se ao presi- dente da Repiblica a prerrogativa de comutar a pena capital em pristo perpétua (art. 104 do Dec-Lei n.° 898 — Lei de Seguranga Nacional —, promulgado em 29-9-1969). Com as lutas nacionais, pela redemocratizacao do Pats, apoiadas pela opinido pablica internacional, om favor da defesa dos Direitos Humanos no Brasil, ocorreu abrandamento do regime militar, ensejando o adven- to da Emenda Constitucional n° 11, de 15-10-1978, que, dentre outras medidas, restringiu a aplicagao da pena de morte aos casos de guerra ex- terna (art. 153, § 11). Subseqiientemente, a Lei de Seguranga Nacional, entéo promulgada (Lei n° 6.620, de 17-12-1978), no previu a pena capital. ‘A nova Carta Politica brasileira, promulgada em 5-10-1988, estabe- Ieceu que nao haveré pena de morte, salvo em caso de guerra declarada (art. 5°, XLVIT, a). Por ocasio do VI Congresso Mundial, da Organizago das Nagdes Unidas para Prevengao do Delito e Tratamento do Delingiiente, realizado em Caracas. em 1980. 0 tema sobre a pena de morte foi amplamente deba- tido, tendo a Anistia Internacional se manifestado total e incondicional- mente contra a pena de morte, considerando-a um castigo extremo, o mais cruel, desumano e degradante, que viola o direito & vida, sendo irreversf- vel, como lembramos alhures (Rev. Bras. de Ciéncias Juridicas, n2 1, 1981, pp. 133 e ss.). Pela Resolugdo n.° 32/61, a Assembléia Geral da ONU se manifes- tou sobre a “convenitncia de abolir essa pena”, entdo adotada por 117 paises, membros da Organizagfio, Por sua vez, a Criminologia Critica tem enfrentado, sobretudo, des- de 1976, a problemética da viol€ncia generalizada e a criminalidade do colarinho branco, acentuando a necessidade de um projeto de estudo a respeito, na América Latina (LOLA ANIYAR DE CASTRO — La Reali- dad Contra los Mitos, Maracaibo, 1982, pp. 177 ¢ ss); assim, a pena de morte nfo constitui preocupago primacial, como medida de Politica Cri- R. Inf, legisl. Brositia 0, 26m. 102 obe./iun, 1989 293 minal, para os criminélogos dessa corrente intelectual, que se empenham fundamentalmente nas mudancas das estruturas politico-econdmico-sociais, como lembramos alhures (Criminologia, pp. 324 ¢ ss). Seja como for, estamos no limiar de grandes transformagdes na Amé- rica Latina; assim, caso venha a ser adotada, a pena capital nfo poderd restringir-se aos casos de crimes comuns (roubo, seqiiestro, assalto, estu- pro, homicfdio, e outros), devendo, 20 contrério, estender-se As hipdteses de abuso de poder, criminalidade econdmico-financeira, sobretudo fraudes © corrupgao, no ambito da administragso publica, préticas essas que em geral nfo assumem formas de violéncia e nfo causam o impacto dos cha- mados “crimes de sangue”, mas na verdade sfio responsdveis pela miséria, fome e sofrimento de milhGes de criaturas, atingidas ¢ lesadas pelos deno- minados “trapaceiros de Iuxo”, que ocupam as altas esferas governo, ou detém © poder econdmico. 8. Conclusio Pelo exposto, podemos concluir que sio extremamente duvidosos os efeitos preventivo e intimidativo da pena de morte, quer nos pafses capi- talistas, quer nos socialistas, onde ela vigora. Nao se pode perder de vista, no entanto, que o Sistema de Direito dos pafses capitalistas rege a ordem juridica e a economia burguesa, con- solidando 0 poder burgués, 20 passo que o Sistema de Direito Socialista rege a ordem juridica e a economia proletéria, consolidando o poder pro- letério. A propésito, afirmou BERNARD SHAW: “Nem no Direito Penal, nem na Constituigao soviética se encontram, como nas legislacées dos de- mais paises, situagGes excepcionais privilegiadas em favor de elevadas per- sonalidade do Estado ou de membros de determinados organismos” (Apud CUELLO CALON — El Derecho Penal de Rusia Soviética, 1931, p. 26). De qualquer forma, num ou noutro Sistema de Direito — capitalista ou socialista —, a pena de morte representa, apenas, uma forma de eli- minagio fisica, ou extermfnio da vida, daquele que se tomou indesejével, nocivo, irrecuperével, para determinada comunidade. Nesse caso, a pena capital assume, simbolicamente, aquele sentido ico, em relagdo & enfermidade incurével, concebido pelo monge me- dieval, Tomés de Aquino, como vimos acima, isto €, “cabe aplicé-la, como € missio do médico amputar o membro gangrenado para salvar o resto do organismo”. Em suma, a adogo da pena de morte implica em reflexdo cientifica, endo emocicnal, suscitando assim uma ampla discussio, até porque, onto de vista extralegal, ela j4 vem sendo aplicada h4 muito tempo, em pafses como o Brasil e outros, na América Latina, e noutras partes do mundo, 294 R. Inf, legis! Brasilia a. 26 n, 102 abr./jun, 1989

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