Cacadores de Nazistas Andrew Nagorski

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"Quando o mundo estiver
unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e
poder, então nossa
sociedade poderá enfim
evoluir a um novo nível."
Copyright © 2016 by Andrew Nagorski
TÍTULO ORIGINAL
The Nazi Hunters
PREPARAÇÃO
Sheila Til
Tamara Sender
REVISÃO
Rayana Faria
Raissa Galvão
Carolina Rodrigues
REVISÃO TÉCNICA
Joubert Brizida
ARTE DE CAPA
Angelo Bottino
IMAGEM DE CAPA
Klaus Barbie
REVISÃO DE E-BOOK
Cristiane Pacanowski | Pipa Conteúdos Editoriais
Vanessa Goldmacher
GERAÇÃO DE E-BOOK
Joana De Conti
E-ISBN
978-85-510-0330-5
Edição digital: 2019
1ª edição
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA INTRÍNSECA LTDA.
Rua Marquês de São Vicente, 99, 3º andar
22451-041 – Gávea
Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: (21) 3206-7400
www.intrinseca.com.br
Para Alex, Adam, Sonia e Eva.
E, como sempre, para Krysia
SUMÁRIO
[Avançar para o início do texto]
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Lista de personagens
Introdução

1. O trabalho braçal do carrasco


2. “Olho por olho”
3. Desígnio comum
4. A Regra do Pinguim
5. O responsável por meu irmão
6. Fazendo vista grossa
7. “Idiotas como eu”
8. “Un momentito, señor”
9. “A sangue-frio”
10. “Gente comum”
11. Um tapa a ser lembrado
12. “Cidadãos modelos”
13. Indo e voltando de La Paz
14. Mentiras do tempo da guerra
15. Perseguindo fantasmas
16. Círculo completo
Agradecimentos
Notas
Fotos
Bibliografia
Entrevistas
Seleção de entrevistas anteriores
Créditos das imagens
Sobre o autor
Leia também
LISTA DE PERSONAGENS
OS CAÇADORES
FRITZ BAUER (1903-1968): Juiz alemão e procurador-geral, Bauer veio de
uma família judia secular e passou a maior parte do período nazista
exilado na Dinamarca e na Suécia. De volta à Alemanha, forneceu aos
israelenses a pista essencial que conduziu à captura de Adolf Eichmann.
Nos anos 1960, orquestrou em Frankfurt o Segundo Julgamento de
Auschwitz.

WILLIAM DENSON (1913-1998): Promotor-chefe de Justiça do Exército dos


Estados Unidos no Tribunal Militar de Dachau, julgamento cujo enfoque
foi os funcionários que atuavam na aparelhagem da morte em Dachau,
Mauthausen, Buchenwald e Flossenbürg. Processou 177 pessoas,
conseguindo a condenação de todas. Noventa e nove foram enforcadas.
Contudo, o modo como conduziu alguns desses casos gerou
controvérsias.

(1926-): Agente do Mossad, comandou o destacamento de


RAFI EITAN
Operações Especiais que sequestrou Adolf Eichmann perto de casa em
Buenos Aires em 11 de maio de 1960.

BENJAMIN FERENCZ (1920-): Com 27 anos, Ferencz foi Promotor-chefe


militar no que a Associated Press chamou de “o maior julgamento por
assassinato da história”: o Julgamento de Nuremberg dos comandantes
dos Einsatzgruppen, os pelotões especiais que cometeram assassinatos em
massa de judeus, ciganos e outros “inimigos” civis na frente oriental,
antes que a matança fosse transferida para as câmaras de gás nos campos
de concentração. Todos os 22 réus foram condenados, treze deles à
morte. Várias sentenças foram posteriormente atenuadas, e apenas quatro
dos réus morreram na forca.

(1922-2011): Judeu polonês que sobreviveu ao Holocausto,


TUVIA FRIEDMAN
Friedman primeiro serviu nas forças de segurança do regime comunista
polonês no pós-guerra, buscando vingança contra alemães capturados e
qualquer pessoa acusada de colaborar com os antigos invasores.
Organizou o Centro de Documentação de Crimes Nazistas em Viena,
reunindo provas para ajudar na condenação de oficiais da SS e outros
culpados de crimes de guerra. Em 1952, fechou o centro e se mudou
para Israel, onde seguiu afirmando que estava no encalço de Eichmann e
de outros criminosos de guerra.

ISSER HAREL(1912-2013): Chefe do Mossad que conseguiu organizar a


captura de Eichmann em Buenos Aires em 1960 e sua transferência para
Israel num voo especial da El Al, o que resultou no julgamento e na
execução de Eichmann em Jerusalém.

ELIZABETH HOLTZMAN(1941-): Quando foi eleita para o Congresso em 1973,


a democrata do Brooklyn começou a investigar acusações de que muitos
criminosos de guerra estariam vivendo tranquilamente nos Estados
Unidos. Como membro e, mais tarde, chairwoman do subcomitê de
imigração da Câmara, ela se esforçou para a criação da Diretoria de
Investigações Especiais (Office of Special Investigations, ou OSI, na sigla
em inglês) do Departamento de Justiça, em 1979. A OSI encabeçou a
empreitada de encontrar criminosos de guerra nazistas, revogar sua
cidadania americana e deportá-los.

BEATE KLARSFELD(1939-): Audaciosa acima de tudo, Beate era a metade


mais exuberante do casal franco-alemão de caçadores de nazistas. O pai
serviu na Wehrmacht, e ela não sabia praticamente nada sobre o legado do
Terceiro Reich antes de ir morar em Paris para trabalhar como au pair,
época em que conheceu o futuro marido, Serge Klarsfeld. Em 1968, em
um acontecimento que ganhou fama, ela esbofeteou Kurt Georg
Kiesinger, chanceler da Alemanha Ocidental e antigo membro do Partido
Nazista. Ao lado de Serge, localizou e confrontou homens da SS culpados
pela deportação de judeus e outros crimes na França ocupada.

SERGE KLARSFELD (1935-): Nascido no seio de uma família judaica romena


que se mudou para a França. Seu pai morreu em Auschwitz, o que lhe
deu fortes motivos pessoais para documentar, evidenciar e perseguir
chefes nazistas responsáveis pela deportação e pela morte de judeus na
França. Ele reuniu meticulosamente provas incriminadoras e divulgou os
registros nazistas. Assim como a esposa, Beate, Serge não tinha medo de
confrontar os nazistas da época da guerra.

(1955-): Ingressou na Diretoria de Investigações Especiais


ELI ROSENBAUM
do Departamento de Justiça norte-americano como estagiário. De 1995 a
2010, exerceu o cargo de diretor da instituição, tempo maior do que o de
qualquer outro no mesmo posto. Como chefe da consultoria jurídica do
Congresso Judaico Mundial (World Jewish Congress, ou WJC, na sigla
em inglês) em 1986, liderou os esforços contra a eleição do ex-secretário-
geral da ONU, Kurt Waldheim, durante sua campanha para a presidência
da Áustria. Isso levou a um amargo confronto com o homem que fora
seu ídolo: Simon Wiesenthal.

ALLAN RYAN(1945-): Foi diretor da Diretoria de Investigações Especiais do


Departamento de Justiça norte-americano de 1980 a 1983, chefiando a
nova unidade em suas primeiras batalhas para identificar criminosos de
guerra nazistas e revogar sua cidadania americana.

JAN SEHN (1909-1965): Juiz de instrução polonês criado em uma família de


ascendência alemã, produziu o primeiro relato minucioso da história e da
operação de Auschwitz. Cuidou do interrogatório de Rudolf Höss, o
oficial que ocupou o posto de comandante do campo por mais tempo e o
convenceu a escrever suas memórias antes que fosse enforcado, em 1947.
Também ajudou seu correspondente juiz alemão Fritz Bauer, fornecendo
depoimentos para o Segundo Julgamento de Auschwitz, em Frankfurt.

SIMON WIESENTHAL (1908-2005): Nascido numa pequena cidade da Galícia,


região histórica situada a oeste da atual Ucrânia, Simon sobreviveu a
Mauthausen e outras provações e se tornou o mais famoso dos caçadores
de nazistas, trabalhando em seu Centro de Documentação, em Viena.
Apesar de ter recebido amplo crédito por localizar vários criminosos
nazistas importantes, Wiesenthal foi alvo de críticas por valorizar demais
o próprio papel nas prisões, particularmente na caçada a Eichmann.
Também entrou em divergência com o Congresso Judaico Mundial
durante a controvérsia sobre Kurt Waldheim.

EFRAIM ZUROFF (1948-): Fundador e diretor da filial do Centro Simon


Wiesenthal, em Jerusalém, Zuroff nasceu no Brooklyn e se estabeleceu
em Israel em 1970. Chamado com frequência de “o último caçador de
nazistas”, preparou campanhas de grande divulgação e muito controversas
para localizar e processar guardas ainda vivos de campos de concentração.
OS CAÇADOS
KLAUS BARBIE (1913-1991): Conhecido como “Açougueiro de Lyon”, o
ex-chefe da Gestapo daquela cidade francesa foi responsável por milhares
de mortes, tendo torturado pessoalmente inúmeras pessoas. Suas vítimas
mais notórias: Jean Moulin, herói da Resistência Francesa, e as 44
crianças judias que receberam abrigo no minúsculo vilarejo de Izieu e
morreram em Auschwitz. Os Klarsfeld o localizaram na Bolívia e
travaram uma longa campanha para levá-lo a julgamento na França.
Condenado à prisão perpétua em 1987, morreu quatro anos depois.

MARTIN BORMANN (1900-1945): Secretário particular de Hitler e chefe da


Chancelaria do Partido Nazista, desapareceu do bunker de Hitler em
Berlim depois que o Führer cometeu suicídio, em 30 de abril de 1945.
Apesar de relatos de que fora morto ou se matara quase imediatamente
depois, havia rumores persistentes de que fugira da capital alemã e até
mesmo histórias de que fora visto e trocara tiros na América do Sul e na
Dinamarca. Em 1972, seus supostos restos mortais foram encontrados
num canteiro de obras em Berlim. Testes de DNA feitos em 1998
confirmaram sua identidade. Concluiu-se que ele morreu em 2 de maio
de 1945.

HERMINE BRAUNSTEINER (1919-1999): Guarda nos campos de concentração


de Majdanek e Ravensbrück, onde era conhecida como Kobya — a
palavra polonesa para “égua” — por causa do hábito perverso de chutar
as prisioneiras. Em 1964, Simon Wiesenthal descobriu que ela se casara
com um americano e passara a morar no Queens, em Nova York.
Wiesenthal alertou o New York Times, e o jornal publicou uma
reportagem que deflagrou uma longa batalha judicial para cassar a
cidadania norte-americana de Braunsteiner. Enviada para a Alemanha
Ocidental, Hermine foi condenada à prisão perpétua em 1981 e libertada
por motivos de saúde em 1996. Morreu numa casa de repouso para
idosos três anos depois.

HERBERT CUKURS(1900-1965): Célebre aviador letão antes da Segunda


Guerra Mundial, durante a ocupação alemã ficou conhecido como o
“Carrasco de Riga” e foi responsável pela morte de cerca de 30 mil
judeus. Depois da guerra, estabeleceu-se em São Paulo, no Brasil, onde
pilotava um avião próprio e gerenciava uma marina. Atraído para
Montevidéu, Uruguai, foi morto por agentes do Mossad em 23 de
fevereiro de 1965. É o único caso conhecido de assassinato de um
criminoso de guerra fugitivo pelo serviço secreto de Israel.

JOHN DEMJANUK (1920-2012): Dos anos 1970 até a sua morte, Demjanuk foi
o centro de uma das batalhas judiciais mais complexas do pós-guerra,
travada nos Estados Unidos, em Israel e na Alemanha. Aposentado da
indústria automobilística em Cleveland, tinha sido guarda num campo de
extermínio e inicialmente foi confundido com “Ivan, o Terrível”, guarda
particularmente notório de Treblinka. Em 2011, um tribunal alemão
concluiu que Demjanuk era culpado por ter sido guarda em Sobibor, e
ele morreu menos de um ano depois. Seu caso estabeleceu um novo
precedente para como os tribunais alemães deveriam julgar o número
cada vez menor de supostos criminosos de guerra ainda vivos.

ADOLF EICHMANN(1906-1962): Um dos principais arquitetos do Holocausto,


organizou a deportação em massa de judeus para Auschwitz e outros
campos de concentração. Foi sequestrado por agentes do Mossad em
Buenos Aires, em 11 de maio de 1960. Julgado e condenado à morte em
Jerusalém, foi enforcado em 31 de maio de 1962. Tudo o que dizia
respeito ao seu caso provocava manchete e controvérsia, inclusive
apaixonado debate sobre “a banalidade do mal”.

ARIBERT HEIM (1914-1992): Apelidado de “Doutor Morte” devido ao seu


espantoso e sanguinário histórico quando foi médico em Mauthausen,
Heim desapareceu depois da guerra, deflagrando buscas que até pouco
tempo ainda eram cercadas de muita publicidade e histórias fantásticas de
que fora visto na América Latina ou assassinado na Califórnia. Na
realidade, como informaram o New York Times e a emissora de TV alemã
ZDF, em 2009, ele se refugiara no Cairo, Egito, convertendo-se ao
islamismo e adotando o nome de Tarek Hussein Farid. Ali faleceu em
1992.

RUDOLF HÖSS (1900-1947): O comandante que serviu mais tempo em


Auschwitz. Capturado pelos britânicos em 1946, depôs como testemunha
em Nuremberg e foi mandado à Polônia para ser julgado. Jan Sehn, o juiz
de instrução, convenceu-o a escrever sua autobiografia antes do
enforcamento. As descrições sobre seus esforços para “aperfeiçoar” a
aparelhagem da morte constituem alguns dos depoimentos mais
arrepiantes da vasta literatura do Holocausto.

ILSE KOCH (1906-1967): Viúva do primeiro comandante de Buchenwald,


foi apelidada de “Cadela de Buchenwald” durante seu julgamento pelo
Exército dos Estados Unidos em Dachau, caracterizado por depoimentos
aterradores sobre suas provocações sexuais aos prisioneiros antes de
espancá-los e matá-los. Somando-se isso às histórias de fazer abajures com
a pele desses prisioneiros, seu julgamento foi provavelmente o que mais
atraiu atenção no pós-guerra. Foi condenada a passar o resto da vida na
cadeia, mas o general Lucius D. Clay reduziu a pena para quatro anos.
Um tribunal alemão aplicou-lhe outra pena de prisão perpétua em 1951,
e ela cometeu suicídio na cadeia em 1967.

KURT LISCHKA (1909-1989), HERBERT HAGEN (1913-1999) E ERNST HEINRICHSOHN


(1920-1994): Serge e Beate Klarsfeld selecionaram esses três antigos
oficiais da SS pelo papel que desempenharam na deportação de judeus da
França durante a guerra. Os três viviam tranquilamente na Alemanha
Ocidental até que, na década de 1970, os caçadores de nazistas montaram
uma campanha para confrontá-los — chegando mesmo, no caso de
Lischka, a tentar sequestrá-lo. Em 11 de fevereiro de 1980, um tribunal
de Colônia os considerou cúmplices na deportação de 50 mil judeus da
França direto para a morte, e os três receberam penas de seis a doze anos
de prisão.

JOSEF MENGELE (1911-1979): O médico da SS em Auschwitz conhecido


como “Anjo da Morte” tornou-se infame devido aos experimentos
realizados com gêmeos e outros prisioneiros do campo, somados à
atividade de seleção de recém-chegados para as câmaras de gás. A caçada a
Mengele, que fugira para a América do Sul, perdurou por muito tempo
depois de sua morte. Ele morreu afogado em uma praia brasileira em
1979, mas seus parentes guardaram segredo sobre o fato até a descoberta
de seus restos mortais em 1985.

ERICH PRIEBKE (1913-2013): Ex-capitão da SS, em 24 de março de 1944


organizou a execução de 335 homens e meninos, inclusive 75 judeus, nas
Fossas Ardeatinas, perto de Roma, em retaliação à morte de 33 soldados
alemães. Até 1994, desfrutou uma vida confortável em Bariloche, cidade
turística na Argentina, porém uma equipe da ABC News o encontrou, e
o correspondente Sam Donaldson o submeteu a uma bateria de
perguntas. Resultado: a Argentina o extraditou para a Itália em 1995, e
ele foi condenado à prisão perpétua em 1998. Por causa da idade, foi
mantido em prisão domiciliar até morrer, em 2013.

OTTO REMER (1912-1997): Peça-chave nas ações que se seguiram à tentativa


frustrada de assassinato de Hitler de 20 de julho de 1944, o major Remer
era o comandante do Batalhão de Guardas da Grossdeutschland de Berlim.
Preparado para executar as ordens dos conspiradores, ele mudou de ideia
ao saber que Hitler tinha sobrevivido e começou a prender os
conspiradores. Em 1951, era líder de um partido de extrema-direita da
Alemanha Ocidental quando chamou os envolvidos no atentado de
traidores. Em 1952, Fritz Bauer moveu uma bem-sucedida ação contra
ele por difamação, com o objetivo de provar que os conspiradores eram
os verdadeiros patriotas. Ele foi condenado a três meses de prisão e seu
partido foi extinto, o que o levou a fugir para o Egito. Retornou à
Alemanha Ocidental na década de 1980, aproveitando-se de uma anistia,
e retomou suas atividades como fomentador da direita. Em 1994, devido
a novas acusações de incitar o ódio e o racismo, mudou-se para a
Espanha, onde faleceu três anos depois.

ARTHUR RUDOLPH (1906-1996): Parte da equipe de cientistas alemães


especializados em foguetes que foi levada para os Estados Unidos depois
da Segunda Guerra Mundial, ele desenvolveu o Saturno V, que conduziu
os primeiros astronautas à Lua. Contudo, com base em provas de que
Rudolph provocara a morte de milhares de prisioneiros submetidos a
trabalhos forçados enquanto ele produzia foguetes V2 durante a guerra,
Eli Rosenbaum, da OSI, fez pressão para que o cientista desistisse da
cidadania americana e deixasse o país em 1984. Morreu em Hamburgo.

KURT WALDHEIM (1918-2007): Quando o antigo secretário-geral das Nações


Unidas apareceu como candidato favorito nas eleições presidenciais
austríacas de 1986, novas provas indicaram que ele tinha ocultado um
capítulo significativo de suas ações durante a guerra: o serviço nos Bálcãs
como oficial do estado-maior do general Alexander Löhr, posteriormente
julgado e enforcado na Iugoslávia como criminoso de guerra. O
Congresso Judaico Mundial montou uma intensa campanha contra
Waldheim. Apesar disso, ele ganhou a eleição. Simon Wiesenthal culpou
o WJC pela forte onda antissemita que se seguiu, expondo claramente as
divergências existentes entre os caçadores de nazistas.
INTRODUÇÃO

Um dos filmes alemães mais famosos logo após o fim da Segunda Guerra
Mundial foi Os assassinos estão entre nós (Die Mörder sind unter uns, no
original). Susanne Wallner, personagem sobrevivente de um campo de
concentração representada por Hildegard Knef, volta para seu
apartamento arrasado em meio às ruínas de Berlim. Encontra Hans
Mertens, antigo cirurgião do exército alemão, residindo lá, entregue ao
alcoolismo e ao desespero. O médico se depara por acaso com seu antigo
capitão, que ordenara o massacre de uma centena de civis de uma aldeia
polonesa na véspera do Natal de 1942, levando a vida de um próspero
negociante. Perseguido por essas lembranças, Mertens decide matar o
capitão na primeira véspera de Natal depois da guerra.
No último momento, Wallner o convence de que fazer justiça com as
próprias mãos seria um erro. “Não podemos julgar as pessoas”, diz ela.
“Você tem razão, Susanne”, responde Mertens, na cena final. “Mas
devemos apresentar acusações. Exigir reparação em nome dos milhões de
inocentes assassinados.”
O filme teve imenso sucesso, atraindo um público enorme. Entretanto,
houve um equívoco básico em sua mensagem: coube aos Aliados, e não
ao povo alemão, providenciar os primeiros julgamentos de crimes de
guerra. Os vitoriosos logo abandonaram esses esforços, concentrando-se
na Guerra Fria que começava, e a maioria dos alemães ansiava mais por
esquecer o passado recente do que por expiação.
Entre os principais criminosos que não foram presos de imediato e
entre aqueles que foram pegos sem serem reconhecidos por seus captores
Aliados, com certeza não se falava em expiação. Havia apenas o impulso
de fugir. No caso de Adolf Hitler e de Eva Braun, com quem o Führer
acabara de se casar, o meio escolhido foi o suicídio em seu bunker.
Depois de dar veneno aos seis filhos, Joseph Goebbels, ministro de
propaganda nazista, e a esposa, Magda, seguiram o mesmo caminho. Em
A permuta de Valhalla, romance best-seller lançado em 1976, o fictício
Goebbels explica por que fez essa escolha: “Não tenho a menor intenção
de passar o resto da vida correndo de um lugar para outro como um
eterno refugiado.”1
Porém a maioria de seus colegas, bem como outros nazistas culpados
de crimes de guerra, não tinha intenção de seguir o exemplo de Hitler.
Muitos criminosos de patentes mais baixas não sentiam sequer a
necessidade de se esconder: logo se misturaram aos milhões que tentavam
reconstruir a vida em uma nova Europa. Outros, que se julgavam em
maior perigo, encontraram maneiras de deixar o continente. Por muito
tempo, prevaleceu a impressão de que muita gente tinha conseguido
escapar da responsabilização por seus crimes, quase sempre com o apoio
de parentes leais e redes de Kameraden — camaradas do Partido Nazista.
Este livro se concentra em um grupo relativamente pequeno de
homens e mulheres que agiu — tanto em cargos oficiais quanto de forma
independente — para reverter o êxito inicial dos culpados e impedir que
o mundo esquecesse seus crimes. Essas pessoas demonstraram uma
determinação e uma coragem formidáveis, prosseguindo em sua luta
mesmo quando os países vitoriosos e o resto do mundo se tornavam cada
vez mais indiferentes ao destino dos criminosos de guerra nazistas. Em
sua perseguição, exploraram também a natureza do mal e levantaram
questões profundamente inquietantes sobre o comportamento humano.
Aqueles que tentaram levar os criminosos do Terceiro Reich à Justiça
têm sido chamados informalmente de caçadores de nazistas, mas não são e
nunca foram um grupo ligado por uma estratégia comum ou por
nenhum acordo com relação às suas táticas. Com frequência estavam em
desacordo uns com os outros e, apesar de terem os mesmos objetivos
gerais, eram propensos a recriminações, ciumeiras e rivalidades declaradas.
Em alguns casos, não há dúvida de que isso prejudicou a eficácia dos
caçados.
Contudo, ainda que todos os envolvidos na perseguição aos nazistas
tivessem posto de lado suas diferenças pessoais, os resultados não teriam
sido muito diferentes. E, avaliados segundo critérios absolutos, esses
resultados não justificariam a afirmação de que se fez justiça. “Qualquer
pessoa que busque um equilíbrio entre os crimes que foram cometidos e
a punição acabará frustrada”2, declarou David Marwell, historiador que
trabalhou na Diretoria de Investigações Especiais do Departamento de
Justiça norte-americano, no Museu Memorial do Holocausto dos Estados
Unidos, no Centro de Documentação de Berlim e foi diretor do Museu
da Herança Judaica de Nova York. Quanto à solene promessa feita
originariamente pelos vitoriosos de processar todos os responsáveis por
crimes de guerra, ele acrescentou, sem rodeios: “Difícil demais.”
Difícil demais, é verdade, obter êxito em grande escala, mas os
esforços daqueles que não desistiram de fazer pelo menos alguns
criminosos de guerra nazistas prestarem contas de seus atos cresceram e se
transformaram numa saga do pós-guerra diferente de qualquer outra na
história da humanidade.
No fim das guerras do passado, os vencedores costumavam matar ou
escravizar os vencidos, saqueando suas terras e aplicando castigos rápidos.
Execuções sumárias eram a norma em vez de julgamentos ou quaisquer
outros procedimentos legais destinados a examinar provas e determinar
culpa ou inocência. A vingança era a motivação, pura e simples.
Muitos caçadores de nazistas também foram motivados, de início, pelo
desejo de vingança, principalmente os que sobreviveram aos campos de
concentração e as pessoas que ajudaram a libertá-los e viram as espantosas
provas dos horrores que os nazistas em fuga tinham deixado para trás: os
mortos e moribundos, os crematórios, as instalações “médicas” que
serviam de câmaras de tortura. Em consequência, alguns nazistas e seus
colaboradores foram alvos imediatos das punições do fim da guerra.
No entanto, dos primeiros julgamentos em Nuremberg à caçada de
criminosos de guerra pela Europa, a América Latina, os Estados Unidos e
o Oriente Médio que se estende esporadicamente até os dias atuais, os
caçadores de nazistas concentraram seus esforços em mover ações legais
contra suas presas, numa demonstração de que até mesmo o culpado mais
óbvio merece ter seu dia no tribunal. Não foi por acaso que Simon
Wiesenthal, o mais famoso dos caçadores de nazistas, deu ao seu livro de
memórias o título Justiça não é vingança.
E mesmo quando a Justiça se mostrava obviamente inadequada, dando
penas suaves ou, em muitos casos, não dando nenhum tipo de sanção aos
culpados, outro objetivo começou a emergir: educar pelo exemplo. Por
que perseguir um guarda de campo de concentração já idoso e em seus
últimos dias? Por que não deixar os criminosos apenas definharem até a
morte? Muitos servidores americanos se satisfariam exatamente com isso,
sobretudo quando sua atenção se voltava para um novo inimigo: a União
Soviética. Individualmente, porém, os caçadores de nazistas não estavam
inclinados a deixar para lá e argumentavam que cada caso oferecia lições
valiosas.
O objetivo das lições era demonstrar que os horrendos crimes da
Segunda Guerra Mundial e o Holocausto não podem nem devem ser
esquecidos e que aqueles que instigaram ou cometeram esses crimes —
ou quem um dia cometer atos semelhantes — jamais escaparão da lei,
pelo menos em princípio.

***

Eu tinha treze anos quando, em 1960, uma equipe do Mossad sequestrou


Adolf Eichmann na Argentina e o levou de avião para ser julgado em
Israel. Não lembro até que ponto me dei conta do que aconteceu, se de
alguma forma prestei atenção no noticiário, mas algo foi claramente
assimilado. Digo isso por causa de uma lembrança muito viva que tenho
do verão seguinte, quando Eichmann já estava sendo julgado em
Jerusalém.
Durante um passeio de família a São Francisco, eu estava sentado
numa lanchonete com meu pai. A certa altura, comecei a observar com
atenção um senhor sentado à outra ponta do balcão. Virei-me para meu
pai, apontei o homem e disse, num sussurro: “Acho que aquele ali talvez
seja o Hitler.” Meu pai deu um sorriso e desfez gentilmente a minha
fantasia. Claro, naquele momento eu não fazia a menor ideia de que, ao
escrever este livro, meio século depois, eu entrevistaria Gabriel Bach, o
último promotor ainda vivo que participou do julgamento de Eichmann,
bem como os dois agentes do Mossad que chefiavam o grupo que o
pegou.
O sequestro, o julgamento e o enforcamento de Eichmann assinalaram
o começo de uma consciência maior de que muitos criminosos nazistas
não tinham sido punidos e sinalizaram um renascimento gradual do
interesse por seus crimes. Além disso, logo foram produzidos os muitos
livros e filmes sobre caçadores de nazistas, com frequência baseados mais
em mitos do que na realidade. Eu lia esses livros e assistia a esses filmes
com avidez, fascinado tanto pelos personagens — os heróis e os vilões —
quanto pela ação ininterrupta.
Havia bem mais do que a grande caçada que capturou a imaginação
popular. Para a geração do pós-guerra, as indagações maiores sobre a
natureza das pessoas que eram alvo dessa caçada — e mesmo sobre seus
familiares e vizinhos — eram igualmente cativantes. Até hoje, não é fácil
responder como tantos milhões de alemães e austríacos, além de
colaboradores na maior parte das terras que eles conquistaram, puderam
voluntariamente participar de um movimento dedicado a assassinatos em
massa.
Em meus tempos de chefe da sucursal da Newsweek em Bonn, Berlim,
Varsóvia e Moscou, nas décadas de 1980 e 1990, de vez em quando me
via examinando o legado da guerra e do Holocausto. Sempre que
começava a achar que não haveria mais informações diferentes, apenas
variações das mesmas histórias, eu era surpreendido por alguma nova e
atordoante revelação.
No fim de 1994, eu preparava meu relatório para uma reportagem de
capa da Newsweek para comemorar o quinquagésimo aniversário da
libertação de Auschwitz, programada para 27 de janeiro de 1995. Eu
tinha entrevistado diversos sobreviventes de muitos países da Europa e me
sentia pouco à vontade por pedir que revivessem os horrores daqueles
anos. Eu lhes dizia que parassem a qualquer momento se sentissem que o
processo era doloroso demais. Em muitas situações, porém, as histórias
jorravam; uma vez que começavam a falar, eles seguiam em frente, e não
era mais necessário incitá-los. Por mais histórias que ouvisse, eu sempre
ficava hipnotizado, às vezes até mesmo aturdido.
Depois de entrevistar um judeu holandês cuja história era
particularmente tocante, logo lhe pedi desculpas por fazê-lo se lembrar de
tudo com tantos detalhes. Comentei, ainda, que ele já devia ter narrado
sua odisseia muitas vezes para os parentes e amigos. “Nunca contei a
ninguém”, respondeu. Diante da minha expressão de descrença,
acrescentou: “Ninguém jamais perguntou.” Ele tinha carregado aquele
fardo sozinho por cinquenta anos.
Três anos depois, outro encontro me deu uma pista sobre aqueles que
carregam um fardo de espécie bem diferente. Entrevistei Niklas Frank,3
filho de Hans Frank, que foi governador-geral de Hitler na Polônia
durante a ocupação, presidindo um império da morte. Jornalista e escritor
que descrevia a si mesmo como um liberal europeu típico, Niklas dava
grande importância aos valores democráticos. Desenvolveu especial
interesse pela Polônia, particularmente durante a década de 1980, quando
o sindicato Solidariedade encabeçou a luta pelos direitos humanos que
acabaria derrubando o regime comunista do país.
Nascido em 1939, Niklas tinha apenas sete anos quando viu o pai pela
última vez, em Nuremberg, pouco antes de ele ser considerado criminoso
de guerra e enforcado. Junto com a mãe, Niklas foi conduzido à prisão.
O pai fingiu que não havia nada de errado. “Então, Nikki, logo nos
veremos de novo no Natal”, disse. O menino foi embora “fervendo de
raiva”, pois sabia que o pai logo seria executado. “Meu pai mentiu para
todo mundo, até para o próprio filho”, disse. Mais tarde, pensou muito
sobre o que gostaria que o pai tivesse dito: “Meu querido Nikki, vou ser
executado porque fiz coisas horríveis. Não leve a vida que levei.”
Depois veio outra frase da qual me lembrarei sempre. Descrevendo o
pai como “um monstro”, ele declarou: “Sou contra a pena de morte, mas
acho que a execução do meu pai foi perfeitamente justificável.”
Em todos os meus anos como correspondente, nunca tinha ouvido
ninguém falar daquele jeito sobre o próprio pai. Esse sentimento levou
Niklas a outra conclusão. Como Frank é um nome comum, a maioria das
pessoas que encontra não sabe que ele é filho de um grande criminoso de
guerra, a não ser que ele mesmo conte. Apesar disso, conhece a verdade e
não consegue se livrar dela. “Não há um só dia em que eu não pense em
meu pai e em tudo o que os alemães fizeram”, disse. “O mundo jamais
esquecerá. Sempre que viajo para o exterior e digo que sou alemão, as
pessoas pensam logo em ‘Auschwitz’. E acho que isso é absolutamente
justo.”
Eu disse a Niklas que me considero um homem de sorte por não
precisar viver com essa sensação de culpa herdada, uma vez que meu pai
combateu do lado derrotado quando a Alemanha invadiu a Polônia, em
1939. Racionalmente, sei que a casualidade do nascimento não é razão
para que ninguém se sinta moralmente superior ou inferior, e Niklas
também. Mas entendi perfeitamente por que um dos seus maiores desejos
na vida era ter um pai do qual não tivesse que se envergonhar.
A atitude de Niklas estava longe de ser típica dos parentes de
criminosos de guerra nazistas, mas para mim essa honestidade crua e
brutal exemplifica o que há de melhor nos alemães de hoje: a disposição
de muitos deles de enfrentar, a cada dia, o passado de seu país. Isso,
porém, levou muito tempo para acontecer, e em parte jamais teria
acontecido se não fosse pelos caçadores de nazistas e suas lutas árduas, por
vezes solitárias, não apenas na Alemanha e na Áustria, mas no mundo
inteiro.
Essa luta agora está chegando ao fim. A maioria dos caçadores de
nazistas, bem como dos caçados, não tardará a existir apenas na memória
coletiva, onde mito e realidade provavelmente se tornarão ainda mais
interligados do que já são. E é por isso que suas histórias podem e devem
ser contadas agora.
CAPÍTULO UM

O TRABALHO BRAÇAL DO CARRASCO


“Meu marido foi militar a vida inteira e tinha direito a morrer como um
soldado. Foi o que pediu. Tentei conseguir isso para ele. Só isso. Que
morresse com alguma honra.”
DEPOIMENTO DA VIÚVA DE UM GENERAL ALEMÃO
ENFORCADO A UM JUIZ EM NUREMBERG. FALA
EXTRAÍDA DA PEÇA DA BROADWAY JUDGEMENT AT
NUREMBERG, PRODUZIDA EM 2001 E BASEADA NA
OBRA DE ABBY MANN.1

Em 16 de outubro de 1946, dez dos doze principais chefes nazistas que o


Tribunal Militar Internacional havia condenado à morte foram
executados na forca construída às pressas no ginásio da prisão, onde
guardas da segurança americana tinham jogado basquete apenas três dias
antes.2
Martin Bormann, braço direito de Hitler, que fugira do bunker de
Berlim nos últimos dias da guerra e parecia ter evaporado, foi o único dos
doze a ser julgado e condenado in absentia.
Por ser o nazista de mais alta patente em Nuremberg, Hermann
Göring — que tinha servido a Hitler em várias funções, incluindo as de
presidente do Reichstag e comandante e chefe da Força Aérea, e que
aspirava à sucessão do Führer — seria enforcado primeiro. O veredicto do
tribunal deixou claro o seu papel inequívoco: “Não há nada a ser dito
como atenuante. Göring foi, com frequência, na verdade quase sempre, a
força motriz, atrás apenas do seu líder; ele foi diretor do programa de
trabalho escravo e criador do opressivo programa contra os judeus e
outras raças dentro e fora do país. E admitiu francamente todos esses
crimes.”3
Mas Göring escapou do carrasco mastigando uma cápsula de cianeto
pouco antes de as execuções começarem. Fazia duas semanas que ele
voltara para a cela com “o rosto pálido e gélido, os olhos esbugalhados”
depois da leitura dos veredictos, segundo G. M. Gilbert, o psiquiatra da
prisão, que recebeu os condenados. “Suas mãos tremiam, apesar do seu
esforço para parecer que não se importava”, relatou Gilbert. “Os olhos
estavam úmidos, e ele arquejava, tentando evitar um colapso
emocional.”4
O que mais irritava Göring e outros era o método de execução
escolhido. O cabo Harold Burson, de 24 anos, natural de Memphis,
incumbido de informar sobre o julgamento e redigir os textos diários
para a Rede das Forças Armadas, recordou-se do seguinte: “A única coisa
que Göring queria proteger, acima de qualquer outra, era sua honra
militar. Ele declarou mais de uma vez que, se quisessem, podiam levá-lo
para fora e fuzilá-lo, dar-lhe uma morte de soldado, e ele não faria
nenhuma objeção. O problema era que, em sua opinião, o enforcamento
era a pior coisa que se podia fazer a um militar.”5
Fritz Sauckel, que supervisionara o sistema de trabalho escravo,
compartilhava esses sentimentos. “A morte na forca — isso, pelo menos,
eu não merecia”, protestou. “A parte da morte, tudo bem, mas isso (...)
isso eu não mereço.”6
O marechal de campo Wilhelm Keitel e seu vice, o general Alfred
Jodl, segundo na linha de comando, fizeram um apelo para serem
poupados do laço. Clamaram pelo pelotão de fuzilamento, que lhes daria,
nas palavras de Keitel, “a morte assegurada a um soldado de qualquer
exército do mundo, se condenado à pena máxima”. O almirante Erich
Raeder tinha sido condenado à prisão perpétua, mas solicitou ao
Conselho de Controle Aliado que “comutasse sua pena para morte por
fuzilamento, por misericórdia”.7 Emily Göring diria depois, segundo
consta, que o marido só pretendia usar a cápsula de cianeto “caso seu
pedido para ser fuzilado fosse recusado”.8
Com o suicídio de Göring, restaram dez homens para enfrentar o
carrasco, o sargento-maior John C. Woods, do Exército dos Estados
Unidos. Herman Obermayer,9 jovem soldado judeu que tinha trabalhado
com Woods no fim da guerra, fornecendo-lhe material básico, como
madeira e corda para cadafalso de enforcamentos anteriores, lembrou-se
de que o musculoso sargento de 35 anos natural do Kansas “desafiava
todos os regulamentos, não engraxava os sapatos nem fazia a barba”.
Nada havia de imprevisível na aparência de Woods. “Vestia-se sempre
com desleixo”, acrescentou Obermayer. “As calças sujas e sempre sem
passar, a farda amarrotada como se ele a usasse de pijama havia semanas, as
divisas da graduação de sargento-maior presas à manga por um único
ponto de linha amarela em cada canto e o boné amassado e sempre num
ângulo inadequado.”
Único carrasco americano no teatro de operações europeu, Woods
dizia ter despachado 347 pessoas10 até aquele momento ao longo dos
seus quinze anos de carreira; suas vítimas anteriores na Europa incluíam
militares americanos condenados por assassinato e estupro, além de
alemães que mataram pilotos Aliados cujos aviões tinham sido derrubados
ou que cometeram outros delitos durante a guerra. Esse “ex-vagabundo,
alcoólatra, com dentes tortos amarelos, mau hálito e pescoço sujo”,
segundo a descrição de Obermayer, ostentava sua aparência desleixada
porque sabia que os superiores precisavam de seus serviços.
E em nenhum outro lugar ele era tão necessário como em
Nuremberg, onde de repente Woods se tornou “um dos homens mais
importantes do mundo”, segundo Obermayer. Apesar disso, não
aparentava o menor nervosismo na execução de sua tarefa.
Três cadafalsos de madeira “pintados de preto” foram instalados no
ginásio. A ideia era alternar o uso de dois, deixando o terceiro de reserva,
para o caso de alguma coisa dar errado no mecanismo dos outros. Cada
cadafalso tinha treze degraus, e cordas eram penduradas nas traves
apoiadas em dois postes. Para cada enforcamento era usada uma corda
nova. Como escreveu Kingsbury Smith, repórter do grupo de jornalistas
que fazia a cobertura das execuções: “Quando o alçapão se abria, a vítima
sumia de vista dentro do cadafalso. O fundo era forrado de madeira em
três lados e protegido por uma cortina de lona escura no quarto, para que
ninguém visse os estertores dos homens pendurados com o pescoço
partido.”
À 1h11 da manhã, Joachim von Ribbentrop, ministro do Exterior de
Hitler, foi o primeiro a chegar ao ginásio. Pelo plano original, os guardas
escoltariam os prisioneiros desde as celas sem algemas, mas, depois do
suicídio de Göring, as regras mudaram. As mãos de von Ribbentrop
estavam algemadas quando ele entrou, depois ficaram atadas por uma tira
de couro.
Depois de subir no cadafalso, “o ex-mago da diplomacia do mundo
nazista”, como Smith maliciosamente o descreveu, proclamou diante das
testemunhas reunidas: “Deus proteja a Alemanha.” Recebendo licença
para uma breve declaração adicional, o homem que desempenhara papel
decisivo no lançamento de ataques da Alemanha contra um país depois
do outro concluiu: “Meu último desejo é que a Alemanha encontre a sua
identidade e que haja entendimento entre Leste e Oeste. Desejo paz ao
mundo.”
Woods cobriu-lhe a cabeça com o capuz preto, ajustou a corda e
puxou a alavanca que abria o alçapão, despachando von Ribbentrop para
a morte.
Dois minutos depois, o marechal de campo Keitel entrou no ginásio.
Smith notou que ele “foi o primeiro chefe militar a ser executado de
acordo com o novo conceito de lei internacional — o princípio segundo
o qual soldados profissionais não podem escapar de punição por travarem
guerras agressivas e permitirem crimes contra a humanidade com a
alegação de que apenas cumpriam ordens de seus superiores”.
Keitel manteve a postura militar até o fim. Olhando para baixo em seu
lugar no cadafalso, antes que o laço lhe fosse colocado no pescoço, ele
falou, em alto e bom som, não traindo nenhum sinal de nervosismo:
“Peço ao Deus todo-poderoso que tenha piedade do povo alemão. Mais
de dois milhões de soldados alemães morreram pela pátria antes de mim.
Agora sigo os meus — tudo pela Alemanha.”
Enquanto von Ribbentrop e Keitel ainda estavam pendurados, houve
uma pausa no processo. Um general americano que representava a
Comissão de Controle dos Aliados deu permissão para que as cerca de
trinta pessoas presentes no ginásio fumassem — e quase de imediato
todos acenderam seus cigarros.
Um médico russo e um americano, equipados com estetoscópios,
sumiram atrás das cortinas para confirmar as mortes. Quando
reapareceram, Woods subiu outra vez as escadas do primeiro cadafalso,
puxou uma faca da cintura e cortou a corda. O corpo de von
Ribbentrop, a cabeça ainda coberta com o capuz preto, foi levado numa
maca para um canto do ginásio protegido por uma cortina de lona preta.
Esse seria o procedimento com cada corpo.
Terminado o intervalo, um coronel americano deu a ordem: “Cigarros
apagados, por favor, senhores.”
À 1h36, foi a vez de Ernst Kaltenbrunner, o austríaco líder da SS que
sucedera Reinhard Heydrich, que fora assassinado, como chefe da
Divisão Central de Segurança do Reich (RSHA). Essa agência
supervisionava os assassinatos em massa, os campos de concentração e as
perseguições de todos os tipos. Entre os seus subordinados estavam Adolf
Eichmann, encarregado do Departamento das Questões Judaicas do
RSHA, que implementou a Solução Final, e Rudolf Höss, comandante
de Auschwitz.
Diferentemente de Kaltenbrunner, que tropas americanas tinham
localizado em seu esconderijo nos Alpes austríacos no fim da guerra, o
paradeiro de Eichmann ainda era desconhecido. Höss, que fora capturado
pelos britânicos no norte da Alemanha, depôs no julgamento de
Nuremberg, mas enfrentaria o laço de um carrasco diferente mais tarde.
Contudo, no cadafalso, Kaltenbrunner ainda insistiu — como fizera
para o psiquiatra americano, Gilbert — que nada sabia sobre os crimes de
que era acusado. “Amei o meu povo alemão e a pátria-mãe de todo o
coração. Cumpri o meu dever segundo as leis do meu povo e lamento
que ele tenha sido liderado por homens que não eram soldados e que
crimes dos quais não tive conhecimento tenham sido cometidos.”
Quando Woods preparou o capuz preto para colocar em sua cabeça,
Kaltenbrunner acrescentou: “Boa sorte, Alemanha.”11
Alfred Rosenberg, um dos primeiros membros do Partido Nazista e o
verdadeiro sumo sacerdote do fatal credo “cultural” racista do grupo, foi
despachado logo. Quando lhe perguntaram se queria dizer umas últimas
palavras, ficou calado. Apesar de ateu confesso, foi acompanhado por um
capelão protestante, que rezava ao seu lado quando Wood puxou a
alavanca.
Depois de outro intervalo, trouxeram Hans Frank, gauleiter — ou
governador-geral — de Hitler na Polônia ocupada. Ao contrário dos
demais, aceitava sua sina. Disse a Gilbert, depois que sua condenação à
morte foi anunciada: “É o que eu mereço e esperava.”12 Durante seu
tempo de prisão, convertera-se ao catolicismo. Foi o único dos dez a
entrar no ginásio com um sorriso no rosto. Traía seu nervosismo
engolindo em seco constantemente. Mas, como informou Smith, “deu a
impressão de estar aliviado com a perspectiva de pagar por suas más
ações”.
As últimas palavras de Frank pareciam confirmar essa impressão: “Sou
grato pelo tratamento bondoso que recebi no cativeiro e peço a Deus que
me receba com misericórdia.”
Em seguida, tudo o que Wilhelm Frick, ministro do Interior de
Hitler, teve a dizer foi: “Longa vida para a eterna Alemanha.”
Às 2h12, segundo Smith, um “homenzinho feio e nanico”, Julius
Streicher, editor e publisher do virulento Der Stürmer, o jornal do Partido
Nazista, caminhou para a forca com uma inegável careta de desgosto.
Quando lhe pediram que se identificasse, ele berrou: “Heil Hitler!”
Permitindo-se uma rara referência às próprias emoções, Smith
confessou: “O grito me deixou arrepiado.”
Enquanto Streicher era empurrado pelos últimos degraus no alto da
forca a fim de se posicionar para Woods, ele olhou fixamente para as
testemunhas e gritou: “Festa de Purim, 1946!” Era uma referência ao
feriado judaico que comemora a execução de Haman, que, de acordo
com o Antigo Testamento, planejava matar todos os judeus do Império
Persa.
Indagado formalmente se queria dizer suas últimas palavras, Streicher
berrou: “Um dia os bolcheviques ainda vão enforcar todos vocês!”
Quando Woods cobriu sua cabeça, Streicher disse bem alto: “Adele,
minha querida esposa.”
Mas o drama ainda estava longe de acabar. O alçapão se abriu com
uma pancada forte, Streicher chutando durante a queda. Ao retesar com
um estalo, a corda balançou, e as testemunhas puderam ouvir seus
gemidos. Woods desceu da plataforma, desaparecendo atrás da cortina
preta que escondia o homem agonizante. De repente, os gemidos
cessaram, e a corda parou de balançar. Smith e as outras testemunhas
estavam convencidas de que Woods tinha agarrado Streicher e puxado-o
para baixo com força, estrangulando-o.
Alguma coisa tinha dado errado — ou será que não fora acidente? O
tenente Stanley Tilles, incumbido de coordenar os enforcamentos de
Nuremberg e outros anteriores, depois diria que Woods tinha colocado as
voltas do laço no pescoço de Streicher um pouco torto, para que a coluna
não quebrasse com a queda e, em vez disso, ele sufocasse. “Todo mundo
no recinto tinha acompanhado a atuação de Streicher, e Woods
compreendeu tudo. Eu sabia que Woods odiava os alemães... e vi seu
rosto ficar corado e os maxilares cerrados”, escreveu ele, acrescentando
que a intenção de Woods ficou clara. “Vi um risinho em seus lábios
quando ele puxou a alavanca do carrasco.”13
A procissão de impenitentes continuou, assim como os aparentes
contratempos. Sauckel, o homem que havia supervisionado o vasto
universo nazista de trabalho escravo, gritou, em desafio: “Morro
inocente. A sentença está errada. Deus proteja a Alemanha e faça-a
grande outra vez. Viva a Alemanha! Deus proteja a minha família.” Ele
também gemeu alto ao cair no alçapão.
Trajando a farda da Wehrmacht com a gola do sobretudo meio virada
para cima, Alfred Jodl se limitou a uma última declaração: “Saudações,
minha Alemanha.”
O último dos dez foi Arthur Seyss-Inquart, que tinha ajudado a
instalar o governo nazista em sua Áustria natal e em seguida presidira a
Holanda ocupada. Depois de andar mancando com seu pé torto até a
forca, ele, de forma similar a von Ribbentrop, apresentou-se como um
homem de paz. “Espero que esta execução seja o último ato da tragédia
da Segunda Guerra Mundial e que a lição que fique seja a de que a paz e
o entendimento devem reinar entre os povos”, disse. “Acredito na
Alemanha.”
Às 2h45, ele despencou para a morte.
Woods calculou que, do primeiro ao décimo enforcamentos, se
passaram 103 minutos. “Trabalho rápido”,14 declarou posteriormente.
Enquanto os corpos dos dois últimos condenados ainda balançavam
nas cordas, os guardas passaram com o décimo primeiro corpo numa
maca. Estava coberto com uma manta do Exército dos Estados Unidos,
mas dois grandes pés descalços se projetavam por baixo dela, e um braço
vestido com um pijama de seda preto pendia do lado.
Um coronel do Exército mandou tirar a manta para dissipar qualquer
dúvida sobre o corpo que se juntava aos demais. O rosto de Hermann
Göring “ainda estava contraído da dor dos últimos momentos de agonia e
de seu gesto final de provocação”, nas palavras de Smith. “Eles o
cobriram imediatamente, e o guerreiro nazista que, como um dos
Bórgias, tinha chafurdado no sangue e na beleza passou por trás de uma
cortina de lona para as páginas sombrias da história.”

***

Depois dos enforcamentos, numa entrevista para a revista militar Stars and
Stripes, Woods afirmou que a operação tinha saído exatamente como ele a
planejara: “Enforquei esses dez nazistas em Nuremberg com muito
orgulho; foi um serviço bem-executado. Tudo foi excelente. Nunca
estive numa execução mais bem-sucedida. Só estou triste porque aquele
tal Göring me escapou; eu teria feito o melhor possível no caso dele.
Não, eu não estava nervoso. Não tenho nervos. Não posso me dar ao
luxo de ter nervos em meu trabalho. Mas esse serviço em Nuremberg foi
exatamente o que eu queria — e eu queria tanto que fiquei aqui um
pouco além do tempo, mesmo podendo voltar para casa.”15
No rescaldo dos enforcamentos, entretanto, as afirmações de Woods
foram contestadas com veemência. O relato de Smith para os demais
jornalistas não deixava dúvida de que alguma coisa tinha dado errado na
execução de Streicher, e provavelmente na de Sauckel também. Uma
reportagem do The Star, de Londres, dizia que a queda tinha sido curta
demais e que os condenados não estavam devidamente amarrados, o que
significava que bateram com a cabeça ao cair no alçapão e “morreram de
lento estrangulamento”.16 Em suas memórias, o general Telford Taylor,
que ajudou a preparar a ação do Tribunal Militar Internacional contra os
principais chefes nazistas e depois se tornou o promotor-chefe nos doze
julgamentos que se sucederam, em Nuremberg, ressaltou que as fotos dos
corpos deitados no ginásio pareciam confirmar essas suspeitas. Alguns
rostos pareciam ensanguentados.
Isso despertou conjeturas de que Woods tivesse executado mal algumas
partes do serviço. Albert Pierrepoint, o experiente carrasco do Exército
Britânico, não quis criticar diretamente o colega americano, mas
mencionou notícias sobre “indícios de falta de jeito (...) devido à
inalterável queda de 1,52 metro de altura e ao nó de caubói de quatro
voltas, a meu ver antiquado”.17 Em seu relato do julgamento de
Nuremberg, o historiador alemão Werner Maser afirmou que Jodl levou
dezoito minutos para morrer, e Keitel resistiu por “um total de 24
minutos”.18
Esses pleitos não coincidem com a reportagem de Smith, e alguns
relatos subsequentes dos enforcamentos talvez tenham deliberadamente
exagerado, ou explorado de modo sensacionalista, o que houve de errado.
Apesar disso, os enforcamentos ficaram longe de ser a operação perfeita
que Woods dizia ter executado. Ele tentou rebater as críticas provocadas
pelas fotos dizendo que às vezes as vítimas mordiam a língua no processo
de enforcamento, o que explicaria o sangue em seu rosto.19
O debate sobre a atuação de Woods serve apenas para sublinhar a
questão que muitos condenados levantaram: por que haviam escolhido a
forca em vez do pelotão de fuzilamento? Woods estava genuinamente
convencido das virtudes do seu ofício. Obermayer,20 o jovem soldado
que conhecera Woods em enforcamentos anteriores, lembrou-se de um
“momento mais ou menos bêbado” em que um soldado perguntou ao
carrasco se ele gostaria de morrer na ponta de uma corda ou de outra
maneira. “Sabe que acho uma bela maneira de morrer? Na verdade, é
assim que eu provavelmente me vou.”
“Pelo amor de Deus, fale sério. Com essas coisas não se brinca”,
interveio outro soldado.
“Estou falando sério”, disse Woods. “É limpo, não dói, e é tradicional.
É tradição entre os carrascos enforcarem-se quando ficam velhos.”
Obermayer não estava convencido das supostas vantagens do
enforcamento sobre outras formas de execução. “A forca é um tipo
especial de humilhação”, disse, lembrando-se dos encontros anteriores
com Woods. “Por que é tão humilhante? Porque, no momento em que a
pessoa morre, todos os esfíncteres perdem a elasticidade. Você fica todo
coberto de merda.” Em sua opinião, não era de surpreender que as mais
altas autoridades nazistas em Nuremberg apelassem tão desesperadamente
pelo pelotão de fuzilamento.
Apesar disso, Obermayer se convencera de que Woods acreditava
sinceramente estar executando um trabalho que precisava ser feito com a
máxima eficiência e decência. Pierrepoint, seu colega britânico, cujos pai
e tio haviam trabalhado no mesmo ramo, fez uma afirmação parecida no
fim da carreira: “Eu fazia, em nome do Estado, o que acreditava ser o
método mais humano e digno de administrar a morte a um
delinquente”,21 escreveu. Entre as vítimas de Pierrepoint durante sua
temporada na Alemanha estavam as “Feras de Belsen”, incluindo Josef
Kramer, o antigo comandante de Bergen-Belsen; e Irma Grese, guarda
degradantemente sádica que tinha apenas 21 quando foi levada à forca.
Diferentemente de Woods, Pierrepoint viveu até a velhice e acabou se
opondo à pena de morte. “A pena de morte, a meu ver, não é nada além
de vingança”,22 concluiu.
Obermayer, que tinha voltado para os Estados Unidos antes dos
enforcamentos em Nuremberg, continuou convencido de que Woods
cumpria todas as suas tarefas, incluindo a mais famosa, com
distanciamento profissional. Para ele, era “apenas mais um trabalho”,
escreveu. “Tenho certeza de que sua atitude é muito mais parecida com a
do operário sindicalizado que fica na área de matança num frigorífico do
Kansas do que com a do fanático francês orgulhoso que guilhotinou
Maria Antonieta na Place de la Concorde.”
Entretanto, na esteira da guerra e do Holocausto, não era de admirar
que as noções de vingança e de justiça com frequência se misturassem,
fossem quais fossem os motivos dos próprios carrascos.
Woods errou ao prever como morreria. Em 1950, ele se eletrocutou
acidentalmente enquanto consertava uma rede de fiação nas ilhas
Marshall.
CAPÍTULO DOIS

“OLHO POR OLHO”


“Se o que aconteceu com os judeus um dia for vingado neste mundo, então
que tenham piedade de nós, alemães.”1
MAJOR WILHELM TRAPP, COMANDANTE DO 101º
BATALHÃO DE RESERVA DA POLÍCIA, UM DOS MAIS
NOTÓRIOS BANDOS DE ASSASSINOS DA POLÔNIA
OCUPADA.

Não era só “o que aconteceu com os judeus” que provocava clamores de


vingança enquanto os exércitos Aliados faziam sua investida final contra a
Alemanha, embora a implementação obsessiva e metódica da Solução
Final contra um povo inteiro representasse uma categoria à parte. Todos
os países invadidos pelas tropas de Hitler — cujos cidadãos eram
aterrorizados e mortos, com muitas cidades grandes e pequenas reduzidas
a escombros — tinham ampla motivação para buscar vingança. Em
particular, o tratamento dado pelos nazistas aos Untermenschen, os
“subumanos” eslavos do Leste que deveriam ser escravizados até morrer
de trabalho e de fome, provocou a fúria do Exército Vermelho da União
Soviética.
As políticas hitleristas de assassinatos em massa nos territórios recém-
conquistados e o tratamento brutal dos prisioneiros de guerra soviéticos,
que levaram os soldados do Exército Vermelho a se convencerem de que
a captura era quase sinônimo de morte certa, constituíam uma generosa
dádiva às campanhas de propaganda de Stalin para estimular o ódio contra
os invasores.
Em agosto de 1942, Ilya Ehrenburg, correspondente de guerra do
jornal Krasnaya Zvezda, do Exército Vermelho, escreveu suas frases mais
famosas: “Agora sabemos. Os alemães não são humanos. Agora a palavra
‘alemão’ se tornou o mais terrível insulto. Não vamos falar. Não vamos
ficar indignados. Vamos matar. Se você não matar o alemão, ele o matará
(...) Se já matou um alemão, mate outro. Não há nada mais agradável do
que ver cadáveres alemães.”2
Mesmo antes que a expressão “caçadores de nazistas” surgisse, havia
caça aos nazistas — ou, mais exatamente, caça aos alemães. Não havia
tempo, menos ainda disposição, para fazer distinções entre fileiras
militares e civis e seus superiores fardados e políticos. O motivo era
simples: vitória e vingança. Mas, à medida que os exércitos de Hitler
enfrentavam crescente resistência e sua derrota final parecia cada vez mais
provável, os líderes Aliados já se debatiam com a questão de saber até que
ponto aplicar a doutrina da desforra, quantos deveriam pagar o preço
mais alto pelos crimes do seu país.
Os ministros do Exterior das três grandes potências, reunidos em
Moscou em outubro de 1943, concordaram em levar à Justiça os mais
importantes criminosos de guerra alemães, enquanto outros, responsáveis
por atrocidades mais geograficamente circunscritas, seriam “mandados de
volta para onde seus feitos abomináveis foram cometidos”.3 Embora essa
Declaração de Moscou tenha preparado o terreno para julgamentos
futuros, o secretário de Estado Cordell Hull não deixou dúvida de que
via qualquer processo judicial contra os principais líderes políticos como
mera formalidade. “Se dependesse de mim, eu pegaria Hitler, Mussolini e
Tojo e seus principais arquicúmplices e os colocaria diante de um
conselho de justiça militar sumário”, declarou, para deleite de seus
anfitriões soviéticos. “E, ao amanhecer do dia seguinte, ocorreria um
incidente histórico.”4
Na Conferência de Teerã, um mês e meio depois, Josef Stalin acusou
Winston Churchill, que dera o tom do texto da Declaração de Moscou,
de ser suave demais com os alemães. Como alternativa, propôs a solução
que tão livremente aplicava no próprio país. “Pelo menos 50 mil —
talvez 100 mil — do estado-maior do comando alemão devem ser
fisicamente liquidados”5, declarou. “Proponho um brinde à justiça mais
rápida possível para todos os criminosos de guerra da Alemanha — justiça
diante de um pelotão de fuzilamento! Bebo à nossa decisão conjunta de
matá-los à medida que forem capturados. Todos eles!”
Churchill de imediato manifestou sua indignação. “Não tomarei parte
de nenhuma carnificina a sangue-frio”6, disse. E fez uma distinção entre
os criminosos de guerra que “têm que pagar” e aqueles que simplesmente
lutaram por seu país. Acrescentou que preferiria ser fuzilado a “manchar a
honra do meu país com essa infâmia”. O presidente Franklin D.
Roosevelt tentou aliviar a tensão fazendo uma piada boba. Talvez os dois
líderes, sugeriu, pudessem chegar a um acordo razoável sobre o número
de alemães a serem fuzilados — “quarenta e nove mil e quinhentos,
digamos”.
Porém, quando chegou a reunião de cúpula de Ialta, em fevereiro de
1945, as posições de Churchill e Stalin sobre o que fazer com os
criminosos de guerra nazistas tinham dado guinadas surpreendentes.
Durante a guerra, Guy Liddell, chefe da contraespionagem no MI5,
escrevera diários que só deixaram de ser confidenciais em 2012. De
acordo com suas anotações, Churchill apoiou um plano proposto por
alguns dos seus assessores, segundo o qual “certas pessoas deveriam ser
mortas”, e outras, aprisionadas sem recorrer a julgamentos em
Nuremberg. O que se queria dizer com “certas pessoas” era a cúpula
nazista. Resumindo as justificativas para essa recomendação, Liddell
escreveu: “Seria um plano de ação muito mais claro e não desacreditaria a
lei.”7
Como os diários de Liddell deixam claro, isso provocou um estranho
realinhamento dos “Três Grandes”. “Winston fez essa proposta em Ialta,
mas Roosevelt achava que os americanos iam querer um julgamento”8,
escreveu ele, poucos meses depois da reunião de cúpula. “Tio Joe [Stalin]
apoiou Roosevelt com base no argumento perfeitamente franco de que
os russos gostam de julgamentos públicos para fins de propaganda.
Parece-me que estamos sendo arrastados ladeira abaixo para o nível das
caricaturas de justiça que vêm ocorrendo na União Soviética nos últimos
vinte anos.”9
Em outras palavras, Stalin via na insistência de Roosevelt em realizar
julgamentos apenas mais uma oportunidade de reproduzir os julgamentos
midiáticos soviéticos dos anos 1930, exatamente o que Churchill queria
evitar — mesmo que para isso fosse preciso autorizar a execução sumária
de chefes nazistas sem nenhum processo judicial. Apesar de os americanos
prevalecerem, preparando o terreno para Nuremberg, as sementes da
dúvida sobre esses processos já tinham sido plantadas.

***

No estágio final da guerra, grande parte do Exército Vermelho deu vazão


à sua fúria. Eles tinham lutado quase quatro anos em seu solo, suportando
perdas assombrosas e assistindo à devastação provocada pelos invasores
alemães. Então, quando fizeram a investida para Berlim, o inimigo se
recusou a se render ao inevitável. Tropas alemãs morriam em números
inéditos — mais de 450 mil soldados10 só em janeiro de 1945, o mês em
que a União Soviética lançou sua maior ofensiva. Isso era mais do que os
Estados Unidos tinham perdido durante a guerra inteira, em todos os
fronts.
Não foi por acaso. Os líderes nazistas tinham intensificado o terror
contra o próprio povo a fim de assegurar a obediência às ordens de Hitler
para resistir até o fim. Novos “Tribunais Militares Volantes do Führer”,11
cortes marciais que ganharam esse nome por muitas vezes transportarem
os juízes por avião, viajavam a áreas ameaçadas para ordenar execuções
sumárias de soldados suspeitos de terem desertado ou perdido o ânimo; a
rigor, tinham autorização para matar praticamente qualquer pessoa. Foi
um estranho eco das ordens premeditadas dadas por Stalin para a frenética
execução dos próprios oficiais e soldados durante a ofensiva alemã contra
seu país, atitude tomada pelas mesmas razões. Apesar da escassez de
efetivos e da insuficiência de armamentos, as unidades alemãs
continuaram infligindo pesadas baixas aos inimigos.
Tudo isso, somado, resultou numa orgia de violência endossada pela
cúpula soviética. Em suas ordens para a Primeira Frente Bielorrussa,
pouco antes da ofensiva de janeiro de 1945, na Polônia e em seguida na
Alemanha, o marechal Georgy Jukov declarou: “Ai da terra dos
assassinos. Vamos nos vingar de tudo — e nossa vingança será terrível.”12
Mesmo antes de chegarem ao interior da Alemanha, as tropas do
Exército Vermelho já tinham adquirido a reputação de estuprar mulheres
— na Hungria, na Romênia e na Silésia, na historicamente disputada
região de fronteira, onde não era costume fazer distinções entre mulheres
polonesas e alemãs. Quando a ofensiva soviética penetrou mais fundo em
território alemão, horripilantes relatos de estupro surgiram de quase todas
as cidades e vilas tomadas por tropas do Exército Vermelho. Vasily
Grossman, o romancista e correspondente de guerra russo, escreveu:
“Coisas terríveis estão acontecendo com as mulheres alemãs. Um alemão
culto me explicou, com gestos expressivos e palavras russas mal
pronunciadas, que sua mulher tinha sido violentada por dez soldados
naquele dia.”13
É claro que esses relatos não apareciam nos despachos de Grossman,
censurados pelo crivo oficial. Em alguns casos, oficiais mais graduados
puseram freio à violência, e alguma ordem começou a ser restaurada
poucos meses depois da rendição alemã, em 8 de maio, mas não era o fim
daquelas atrocidades, nem de longe. Segundo estimativas grosseiras, o
número de mulheres alemãs estupradas por forças soviéticas no período
final da guerra e nos meses seguintes chegou a 1,9 milhão14; houve
também uma imensa onda de suicídios de mulheres que tinham sido
violentadas, quase todas várias vezes.
Ainda em 6 e 7 de novembro de 1945, aniversário da Revolução
Bolchevique, Herman Matzkowski, comunista alemão designado prefeito
de um distrito de Königsberg pelas novas autoridades soviéticas,
comentou que os ocupantes tinham recebido autorização oficial para mais
retaliação. “Homens eram surrados, mulheres eram quase sempre
violentadas, incluindo minha mãe, de 71 anos, que morreu no Natal”15,
escreveu. Os únicos alemães de barriga cheia, acrescentou, “são as
mulheres engravidadas por soldados russos”.
Soldados soviéticos não foram os únicos a violentar as alemãs. Segundo
uma britânica casada com um alemão numa aldeia da Floresta Negra,
tropas franco-marroquinas “vinham à noite, cercavam todas as casas e
estupravam as mulheres dos doze aos oitenta anos”.16 Soldados
americanos também foram culpados de estupro, mas nada parecido em
escala com o que ocorria no território conquistado pelo Exército
Vermelho. Diferentemente do que se passava mais a leste, o que houve
foram casos isolados de violência sexual, e pelo menos em algumas
situações os agressores receberam punição. John C. Woods, o carrasco do
Exército dos Estados Unidos, executou assassinos e estupradores
americanos antes de desempenhar suas tarefas muito mais famosas em
Nuremberg.
A retaliação também foi feita na forma da expulsão em massa de
pessoas de etnia alemã das partes do Reich que seriam alocadas para a
Polônia, a Tchecoslováquia e a União Soviética (Königsberg, a ser
rebatizada de Kaliningrado), de acordo com o mapa da região,
redesenhado conforme os ditames dos vencedores. Com o avanço do
Exército Vermelho, milhões de alemães já tinham iniciado sua fuga
caótica desses territórios. Alguns haviam seguido os exércitos de Hitler
para o leste apenas seis anos antes, quando participaram das medidas
brutais tomadas contra a população local, que depois voltaria para
atemorizá-los.
Nos termos do Acordo de Potsdam, assinado por Stalin, pelo novo
presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, e pelo novo primeiro-
ministro britânico, Clement Attlee, em 1º de agosto de 1945, os
deslocamentos populacionais depois da guerra deveriam ser feitos “de
modo humano e ordeiro”.17 Mas a realidade da situação contrastava
drasticamente com essa retórica tranquilizadora. Além de morrerem de
fome e cansaço em suas jornadas desesperadas para o oeste, os deslocados
eram com frequência atacados por seus antigos subordinados — incluindo
condenados a trabalhos forçados e prisioneiros de campos de
concentração que tinham conseguido sobreviver às marchas da morte e às
execuções dos chefes militares nazistas até os ultimíssimos dias da guerra.
Mesmo os que tinham sofrido menos estavam ansiosos por vingança.
Um tcheco, membro de uma unidade de milícia, lembrou-se do que
acontecera a uma vítima. “Numa cidadezinha, civis arrastaram um
alemão até um cruzamento e atearam fogo nele (...) Não pude fazer nada,
porque, se dissesse alguma coisa, eu também seria atacado.”18 Depois de
um tempo, um soldado do Exército Vermelho atirou no alemão para
liquidá-lo. O total de alemães deslocados da Europa Centro-Oriental no
fim dos anos 1940 é estimado em 12 milhões, com o número de mortos
variando imensamente.19 Nos anos 1950, o governo alemão-ocidental
afirmou que mais de 1 milhão de pessoas tinha morrido, e cálculos mais
recentes situam esse número em torno de 500 mil. Seja qual for a cifra,
poucos se atormentavam com o destino desses alemães entre os
vencedores no Leste. Eles faziam valer a promessa do marechal Jukov de
que “a vingança será terrível”.

***

Em 29 de abril de 1945, a 42ª Divisão de Infantaria do Exército dos


Estados Unidos, conhecida como Divisão Rainbow20, porque foi
inicialmente formada por unidades da Guarda Nacional de 26 estados
mais a capital, Washington D.C., entrou em Dachau e libertou os cerca
de 32 mil sobreviventes no campo principal. Apesar de não ser
tecnicamente um campo de extermínio e de seu único crematório nunca
ter sido usado, o campo principal e uma rede de campos subordinados
tinham matado milhares de prisioneiros mediante tortura, trabalho
forçado e fome. Projetado como o primeiro campo de concentração
completo da era nazista, foi usado basicamente para pessoas classificadas
como prisioneiros políticos, embora a proporção de internos judeus tenha
aumentado nos anos da guerra.21
As tropas americanas testemunharam cenas de horror que nunca
imaginaram possíveis. Em seu relatório oficial, o general-brigadeiro
Henning Linden, comandante assistente da divisão, descreveu seu
primeiro vislumbre que teve de Dachau: “Ao longo da ferrovia que
passava pela divisa norte do campo, encontrei um trem com uns trinta ou
cinquenta vagões, alguns de passageiro, outros de carga, tanto abertos
como fechados, todos atulhados de prisioneiros mortos — vinte ou trinta
por vagão. Alguns corpos estavam no chão ao lado do trem. Até onde
pude ver, a maioria tinha sinais de espancamento, inanição, tiros ou os
três.”22
Em carta aos pais, o tenente William J. Cowling, ajudante de ordens
de Linden, descreveu o que viu em linguagem mais crua: “Os vagões
estavam carregados de corpos, na maioria nus, e todos pele e osso. Juro
que as pernas e os braços não passavam de cinco centímetros de diâmetro,
e eles não tinham nádegas. Muitos corpos tinham buracos de bala nas
costas e na cabeça. Aquilo nos revirou o estômago e nos deixou furiosos
por não podermos fazer nada além de cerrar os punhos. Não consegui
nem falar.”23
Linden foi recebido por um oficial da SS empunhando uma bandeira
branca, acompanhado por um representante da Cruz Vermelha suíça.
Enquanto eles explicavam que estavam ali para entregar o campo e seus
guardas, os americanos ouviram tiros. Linden mandou Cowling
investigar.
Enquanto guiava um jipe que levava repórteres americanos, ele passou
pelo portão e chegou a uma praça de cimento aparentemente deserta.
“Então, de repente, pessoas (poucas poderiam ser chamadas assim) saíram
correndo de todas as direções”, continuou Cowling, em sua carta para os
pais. “Eram esqueletos sujos, esfomeados, com roupas rasgadas e
esfarrapadas, e gritavam e berravam e choravam. Correram para nós e nos
agarraram. Vieram a mim e aos jornalistas, e beijaram nossas mãos e
nossos pés. Todos tentavam nos tocar. Eles nos agarraram e nos jogaram
para o alto, gritando a plenos pulmões.”
Linden e outros americanos chegaram à cena, e houve mais tragédia.
Quando os prisioneiros avançaram para abraçá-los, alguns esbarraram no
arame farpado eletrificado e morreram imediatamente.
Enquanto os americanos abriam caminho pelo campo, examinando
outros montes horrendos de corpos nus e os sobreviventes debilitados e,
em muitos casos, vitimados pelo tifo, alguns guardas se renderam
ansiosamente, mas outros poucos abriram fogo contra os prisioneiros que
tentavam atravessar a cerca. Alguns até pareciam enfrentar os soldados
americanos. Nesses casos, a retaliação era rápida.
“Alguns homens da SS tentaram apontar suas metralhadoras contra
nós”, informou o tenente-coronel Walter J. Fellenz, “mas nós os
matávamos rapidamente sempre que tentavam disparar suas armas.
Matamos os dezessete guardas da SS.”24
Outros soldados informaram sobre prisioneiros que corriam atrás de
guardas, acrescentando que não tinham a menor intenção de intervir. O
cabo Robert W. Flora lembrou-se de que os guardas que eles próprios
capturavam eram os de sorte: “Os que nós não matamos nem capturamos
eram caçados pelos prisioneiros e mortos a pancadas. Vi um interno pisar
na cara de um soldado da SS. Não sobrou muita coisa.”25
Flora disse ao prisioneiro exasperado que ele tinha “um bocado de
ódio no coração”. O prisioneiro compreendeu e assentiu. “Eu não o
culpo”, concluiu Flora.
Outro libertador, o tenente George A. Jackson, deparou com um
grupo de cerca de duzentos prisioneiros dispostos em círculo em volta de
um soldado alemão que tentava escapar. O alemão carregava uma mochila
cheia e uma arma, mas não teve como se defender quando dois
prisioneiros magérrimos tentaram agarrá-lo. “Havia um silêncio total”,
comentou Jackson. “Era como se um ritual estivesse sendo observado, e,
em certo sentido, estava mesmo.”26
Por fim, um dos prisioneiros — que, pela estimativa de Jackson, não
devia pesar mais de trinta quilos — segurou o soldado por trás pela aba
do casaco. O outro lhe tomou o fuzil e começou a golpear sua cabeça
com a coronha. “Naquele momento percebi que, se me metesse, o que
talvez fosse minha obrigação, poderia complicar tudo”, lembrou-se. Em
vez disso, ele deu as costas e se afastou, ausentando-se por uns quinze
minutos. “Quando voltei, a cabeça do soldado estava arrebentada”,
narrou. O círculo de prisioneiros desaparecera; nada além do corpo
restava como prova do drama que acabara de se desenrolar.
Quanto ao tenente Cowling, a parte que desempenhou na libertação
de Dachau o fez pensar em como tratara os prisioneiros alemães até
aquele momento — e em como mudaria seu comportamento no futuro.
“Nunca mais farei outro alemão prisioneiro, armado ou desarmado”,
prometeu, na carta que escreveu aos pais dois dias depois daquela
experiência lancinante. “Como eles podem esperar fazer o que fizeram,
depois dizer simplesmente ‘eu desisto’ e sair impunes? Não, eles não
merecem viver.”27

***

Enquanto o Exército Vermelho avançava, Tuvia Friedman, um jovem


judeu na cidade de Radom, no centro da Polônia, fazia planos não só
para fugir do campo onde trabalhava como mão de obra escrava, mas
também para vingar a perda da maior parte da sua família no Holocausto.
“Cada vez mais eu pensava em vingança, pensava no dia em que nós,
judeus, pagaríamos aos alemães na mesma moeda, olho por olho”,
lembrou.28
Com as tropas alemãs preparando-se para evacuar, Friedman e dois
companheiros de prisão fugiram pelo esgoto de uma fábrica. Avançando
sinuosamente pela lama, emergiram no mato do outro lado da cerca de
arame farpado do campo. Lavaram-se num riacho e seguiram em frente
por sua própria conta. Tuvia lembraria depois o sentimento de exaltação:
“Morríamos de medo, mas estávamos livres.”
Várias unidades da guerrilha polonesa já operavam naquela área,
combatendo não apenas os alemães, mas também umas às outras. Estava
em jogo o futuro da Polônia quando a ocupação alemã terminasse. O
maior e mais eficaz movimento de resistência na Europa ocupada era o
Armia Krajowa (Exército territorial Polonês - AK)29, ao mesmo tempo
anticomunista e subordinado ao governo polonês no exílio em Londres.
A bem menor Gwardia Ludowa (Guarda popular - GL) fora organizada
pelos comunistas, servindo como ponta de lança para a planejada
ocupação soviética do país.
Tuvia Friedman, que usava o nome Tadek Jasinski para ocultar sua
identidade judaica tanto dos alemães quanto dos antissemitas da região,
alistou-se numa unidade de milícia organizada por um tenente Adamski,
dos partisans comunistas. Sua missão, como observou Friedman, era “pôr
fim às atividades anarquistas” do Armia Krajowa e encontrar e prender
alemães, poloneses e ucranianos que se envolveram em atividades
“prejudiciais aos melhores interesses da Polônia e do povo polonês”
durante a guerra. “Mergulhei nesta última tarefa com entusiasmo
ardente”, relatou. “Trabalhando com os vários milicianos postos sob meu
comando, sentindo a arma em segurança no coldre, eu prendia um
criminoso de guerra atrás do outro.”
Friedman e seus camaradas sem dúvida caçaram alguns criminosos de
guerra. Encontraram um capataz ucraniano chamado Shronski, por
exemplo, “que tinha surrado tantos judeus que perdera a conta”. A
captura, por sua vez, os levou a outro ucraniano que viria a ser enforcado.
Mas a definição do que constituíam “os melhores interesses da Polônia”
também significava prender qualquer um que não simpatizasse com o
projeto de domínio soviético quando a guerra acabasse, incluindo alguns
dos mais bravos combatentes da resistência polonesa durante a ocupação
alemã.
Enquanto seu exército combatia as forças alemãs em retirada, o
Kremlin prendeu dezesseis líderes do AK em Varsóvia, levando-os para a
infame prisão Lubyanka, em Moscou. Torturados pelos “libertadores” da
Polônia, foram submetidos a julgamentos midiáticos em junho, pouco
depois que a guerra na Europa terminou oficialmente. Sua recompensa
por terem combatido os nazistas durante seis anos: prisão por “atividades
diversionistas contra o Estado soviético”.30
Essas distinções tinham pouca importância para Tuvia Friedman. Ele
sentira a ferroada do antissemitismo polonês em mais de uma ocasião e
arriscara a sorte com aqueles que viam o Exército Vermelho puramente
como libertador.
Entretanto não foi a ideologia dos que logo seriam os novos senhores
da Polônia que atraiu Friedman. Sua prioridade era a retaliação aos
alemães, e os comunistas simplesmente lhe deram a oportunidade de fazê-
lo.
Mandados para Danzig, Friedman e cinco amigos de Radom viajaram
até o porto báltico e viram tropas alemãs indo para o Oeste, na tentativa
de sair dali enquanto ainda podiam. “Alguns davam aflição de ver:
incapazes de andar, as cabeças enfaixadas e manchadas de vermelho”,
escreveu ele. “Por mais que tentássemos, não sentíamos piedade nem
empatia. Aqueles carniceiros tinham feito a festa e eram responsáveis pelas
consequências.”
Boa parte da cidade estava em chamas, e o Exército Vermelho e
unidades da polícia polonesa demoliam edifícios prestes a cair. “Era como
estar em Roma nos tempos do famoso incêndio de Nero”, acrescentou
Friedman.
Os recém-chegados ficaram eufóricos com a súbita virada da sorte.
“Nós nos sentíamos como criaturas de outro planeta, cuja chegada tinha
feito os habitantes da Terra fugirem apavorados.” Eles logo ocupavam
apartamentos que os alemães tinham abandonado com tanta pressa que
roupas e objetos pessoais, incluindo dinheiro alemão, foram deixados
espalhados pelo chão. Numa moradia, encontraram vasos de porcelana —
“provavelmente de Dresden”, ressaltou Friedman — e os trataram como
se fossem bolas de futebol, deixando apenas cacos.
Numa organização mais disciplinada, continuaram sua pretensa missão
de “encontrar os nazistas que assassinaram e massacraram os judeus para
obter vingança e levá-los à Justiça”. Apresentando-se ao Ministério da
Segurança do Estado, os ansiosos recrutas receberam ordem para ajudar a
reunir os homens alemães restantes com idade entre quinze e sessenta
anos. “Vamos achar a escória nazista e limpar a cidade”, explicou seu
novo oficial superior.
Em suas memórias, Friedman recorda a reação da irmã mais velha,
Bella, às primeiras deportações de judeus de Radom — especificamente,
a afirmação de que eles “vão como gado para o matadouro”. Foi um
refrão que persistiria por muito tempo nas discussões sobre o Holocausto.
Mas, ao registrar sua satisfação por inspirar terror em Danzig quando
interrogava e prendia alemães, Friedman usou a mesma analogia: “As
mesas tinham virado, e, graças ao meu vistoso uniforme polonês, eu
podia viver dando ordens aos outrora orgulhosos membros da raça
superior, que agora viviam como gado, em pânico.”
Ele admitiu ter sido “bastante impiedoso” com os prisioneiros que
interrogava, surrando-os para arrancar confissões. “Meu coração estava
cheio de ódio. Eu os odiava em sua derrota assim como os odiara em seus
brutais momentos de vitória.”
Escrevendo bem depois da guerra, ele declarou: “Hoje, olhando para
trás, sinto certa vergonha. Mas é preciso lembrar que era a primavera de
1945, os alemães continuavam lutando até o amargo fim em duas frentes
contra as forças dos Aliados Ocidentais e contra as forças russas, e eu não
tinha recebido uma palavra sequer sobre se qualquer membro da minha
família tinha sobrevivido aos campos nazistas.” Friedman e outros ainda
estavam descobrindo mais e mais provas dos horrores cometidos pelos
alemães, como uma sala repleta de corpos nus apresentando sinais de
tortura. Mas ele afirmou também que sentia as primeiras pontadas de
desconforto com sua crescente reputação de “inclemente”.
Então chegou a notícia de que Bella tinha sobrevivido a Auschwitz, o
que levou Tuvia Friedman a devolver o uniforme e seguir para Radom.
Ali, os dois resolveram deixar a Polônia, que lhes parecia um país cada vez
mais estrangeiro. A violência antissemita ainda era muito comum, e
nenhum outro membro mais próximo da família voltara dos campos. O
plano original dos irmãos era ir para a Palestina e juntar-se à torrente de
sobreviventes judeus ajudada pela Brichah (termo hebraico para “fuga”), a
organização clandestina cuja missão era encontrar para os judeus rotas
ilegais de fuga da Europa. Foi o êxodo do pós-guerra que preparou o
terreno para a criação do Estado de Israel.
Mas a viagem de Friedman logo foi interrompida, e ele acabou
passando anos na Áustria. Ali, pôde se dedicar à sua paixão de caçar
nazistas. Estava decidido a acertar as contas — embora abandonando os
métodos brutais e indiscriminados promovidos pelos novos donos
comunistas da Polônia.

***

Ao ver o grande tanque com uma bandeira americana tremulando na


torre entrar no campo de concentração de Mauthausen, perto da cidade
austríaca de Linz, em 5 de maio de 1945, o emaciado prisioneiro, com
seu uniforme listrado, ficou ansioso para tocar na estrela branca na lateral
do blindado. Mas não teve forças para andar os poucos metros restantes.
Os joelhos dobraram, e ele caiu de cara no chão. Quando um soldado
americano o levantou, o prisioneiro conseguiu apontar para o tanque e
tocar nele antes de desmaiar.
Quando despertou no alojamento, onde se viu estirado sozinho em
seu beliche, Simon Wiesenthal compreendeu que era um homem livre.
Muitos dos guardas da SS tinham fugido na noite anterior. Só havia uma
pessoa em cada beliche, os mortos que estavam ali de manhã tinham sido
retirados, e o cheiro de DDT impregnava o ar. E, mais importante, os
americanos trouxeram grandes vasilhas de sopa. “Aquilo era sopa de
verdade e tinha um sabor delicioso”, lembrou-se Wiesenthal.31
No entanto, a refeição também fez com que ele e muitos outros
prisioneiros passassem muito mal, pois seus organismos já não conseguiam
digerir comida tão nutritiva. Nos dias que se seguiram, aos quais
Wiesenthal se referia como um período de “agradável apatia”, depois das
lutas diárias no campo para continuar vivo, uma dieta reforçada de mais
sopa, hortaliças e carne, acompanhada de comprimidos administrados por
médicos americanos de avental branco, trouxe-o de volta ao mundo dos
vivos. Para muitos outros — Wiesenthal calcula uns três mil —, era tarde
demais: morreram de exaustão ou inanição depois de libertados.
Wiesenthal não era estranho à violência nem à tragédia, mesmo antes
da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. Em 31 de dezembro de
1908, nasceu em Buczacz, pequena cidade do leste da Galícia que, na
época, fazia parte do Império Austro-Húngaro, mas que, depois da
Primeira Guerra Mundial, pertenceu à Polônia, e hoje é parte da
Ucrânia. Sua população era majoritariamente judia, mas a região era uma
mistura de nacionalidades e idiomas, e Wiesenthal cresceu ouvindo
alemão, iídiche, polonês, russo e ucraniano.
A região logo foi mergulhada na violência da Primeira Guerra
Mundial, da Revolução Bolchevique e das subsequentes guerras civis que
lançaram russos, poloneses e ucranianos uns contra os outros. O pai de
Wiesenthal, um bem-sucedido negociante de commodities, morreu no
começo da guerra, lutando pelo Exército austríaco. A mãe levou os dois
filhos para Viena, mas voltou para Buczacz depois que os russos se
retiraram, em 1917. Quando ele tinha doze anos, um soldado de cavalaria
ucraniano o golpeou na coxa, deixando-o com uma cicatriz pelo resto da
vida. Na adolescência, seu irmão mais novo, Hillel, morreu de uma lesão
da coluna vertebral causada por uma queda.
Wiesenthal estudou arquitetura em Praga, mas voltou para casa a fim
de se casar com a namorada dos tempos de escola, Cyla Müller, e abriu
um escritório de arquitetura para projetar edifícios residenciais. Durante
os tempos de estudante e em Buczacz, ele teve muitos amigos judeus e
não judeus. Ao contrário de muitos jovens da época, nunca foi atraído
por políticas radicais de esquerda. A única ideia política que o intrigava
tinha a ver com uma causa diferente da que eles abraçavam. “Quando
jovem, eu era sionista”, costumava dizer.32
O Holocausto para ele não era uma abstração, assim como não era
para Tuvia Friedman e outros sobreviventes. Ele e a família viveram a
primeira parte da guerra em Lwów, ou Lvov, ou Lviv, como a cidade
agora é conhecida em ucraniano, a qual foi tomada primeiro por forças
soviéticas como resultado do Pacto Molotov-Ribbentrop — que dividiu
a Polônia entre a Alemanha e a União Soviética — e depois rapidamente
conquistada pelo Exército alemão, quando Hitler invadiu a União
Soviética, em 1941.
Os Wiesenthals de início foram confinados a um gueto na cidade, em
seguida mantidos num campo de concentração próximo, depois
mandados para as Obras de Reparo da Ostbahn (Ferrovia Oriental). Ali,
Simon estampava a insígnia nazista em locomotivas soviéticas capturadas e
trabalhava como pintor de letreiros. Mas tudo isso foi apenas um
interlúdio numa sucessão de experiências em campos de concentração,
fugas e aventuras que acabariam em Mauthausen no fim da guerra. Ele
conseguiu providenciar a fuga de Cyla, o que permitiu à esposa viver
escondida em Varsóvia com um nome católico polonês falso. Mas o
destino não foi tão generoso com sua mãe.
Em 1942, Wiesenthal avisou à mãe que era muito provável que
houvesse outra deportação e que, por isso, ela deveria estar preparada para
abrir mão de um relógio de ouro que possuía para evitar ser deportada.
Quando um policial polonês apareceu à sua porta, ela seguiu as instruções
do filho. Mas como ele recordava dolorosamente: “Meia hora depois,
outro policial ucraniano apareceu, e ela não tinha mais nada para dar, por
isso foi levada. Era fraca do coração. Minha esperança é que tenha
morrido no trem e não tenha sido obrigada a tirar a roupa para entrar na
câmara de gás.”33
Wiesenthal contava muitas histórias sobre as ocasiões em que escapou
da morte quase por milagre. Durante uma batida policial contra judeus,
em 6 de julho de 1941, por exemplo, dizia que esteve entre as pessoas
postas em fila contra o muro por soldados das tropas auxiliares ucranianas.
Virando goles de vodca, os soldados começaram a matar judeus com tiros
na nuca. Quando os carrascos chegaram perto, ele olhava fixamente para
o muro na sua frente. De repente, sinos de igreja começaram a tocar, e
um ucraniano berrou: “Chega! Missa vespertina!”34
Muito mais tarde, quando Wiesenthal já era uma celebridade mundial,
envolvido em discussões com outros caçadores de nazistas, a exatidão
dessas histórias seria posta em dúvida. Até Tom Segev, autor de uma
biografia sua em geral simpática, sugere que se aceite com cautela sua
versão dos fatos. “Como um homem de aspirações literárias, Wiesenthal
tinha tendência a se entregar a voos de imaginação e mais de uma vez
preferia deleitar-se com dramas históricos a ater-se aos fatos, como se não
acreditasse na força da história real para causar uma impressão forte o
suficiente em sua plateia”, escreveu.35
Mas não há dúvida sobre a lancinante natureza das provações de
Wiesenthal durante o Holocausto ou de que ele escapou da morte por
um triz em muitas situações. Também não há dúvida de que, como Tuvia
Friedman e um número incalculável de sobreviventes, ele “tinha um forte
desejo de vingança”,36 segundo as próprias palavras. Friedman, que logo
Á
conheceria Simon Wiesenthal na Áustria, e de início cooperou com ele
em alguns esforços para localizar criminosos nazistas, mais do que
confirmava isso. “Ele saiu do campo no fim da guerra como um homem
amargurado, implacável, vingativo perseguidor de criminosos nazistas”,
escreveu.37
Mas as primeiras experiências de Wiesenthal depois da libertação não
o estimularam a cometer o tipo de brutalidade admitido por Friedman.
Ele ainda estava fraco demais para sequer pensar em atacar quem quer que
fosse e não tinha condições de empreender essas ações, ainda que o
quisesse. E, segundo todos os indícios, ele logo deixou para trás o simples
desejo de vingança.
Apesar disso, como Friedman, ele ficou aturdido com a instantânea
inversão de papéis no fim da guerra e como isso transformou seus antigos
algozes. Em Mauthausen, quando se recuperou o suficiente para se
movimentar, foi atacado por um polonês que colaborava com os
administradores, um antigo prisioneiro com privilégios especiais, que o
surrou sem qualquer motivo aparente. Wiesenthal resolveu relatar o
incidente aos americanos. Enquanto aguardava para apresentar a queixa,
viu soldados americanos interrogarem soldados da SS. Quando um guarda
particularmente brutal foi trazido para a sala, Wiesenthal virou
instintivamente a cabeça, na esperança de não ser visto por ele.
“Ver aquele homem sempre me fazia suar frio”, lembrava-se.38 Mas
então percebeu o que estava acontecendo e não conseguiu acreditar nos
próprios olhos. Escoltado por um prisioneiro judeu, “o homem da SS
tremia, exatamente como nós tremíamos diante dele”. O homem que
inspirara tanto medo era agora “um covarde amedrontado, desprezível.
Os super-homens se tornavam covardes no instante em que deixavam de
ser protegidos por suas armas.”
Wiesenthal não demorou a tomar uma decisão. Entrou no escritório
de crimes de guerra de Mauthausen e ofereceu seus préstimos a um
tenente. O americano olhou para ele com ceticismo e ressaltou que ele
não tinha experiência relevante. “E, por falar nisso, qual é o seu peso?”,
perguntou o tenente.
Simon respondeu que pesava 56 quilos. O tenente soltou uma
gargalhada. “Wiesenthal, vá com calma. Volte para falar comigo quando
pesar mesmo 56 quilos.”
Dez dias depois, ele voltou. Engordara um pouco, mas não o
suficiente, e tinha tentado disfarçar a palidez esfregando papel vermelho
nas bochechas.
Evidentemente impressionado com seu entusiasmo, o tenente o
encaminhou para o capitão Tarracusio, com quem Wiesenthal logo saiu
para prender um guarda da SS chamado Schmidt. Chegando à casa, teve
que subir ao segundo andar para pegá-lo. Se Schmidt resistisse, o antigo
prisioneiro não teria a menor condição de fazer nada, pois tremia só com
o esforço de galgar os degraus. Talvez tremesse também de nervosismo
diante do que poderia acontecer. Mas Schmidt também tremia. Depois
que Wiesenthal se sentou um pouco para recobrar o fôlego, o guarda da
SS segurou seu braço enquanto ele o ajudava a descer a escada.
Quando chegaram ao jipe onde o capitão Tarracusio esperava, o
guarda da SS chorou e pediu clemência, acrescentando que era só um
peixe pequeno e que tinha ajudado muitos prisioneiros.
“Sim, você ajudou muitos prisioneiros”, respondeu Wiesenthal. “Eu o
via com frequência. Você os ajudava a chegar ao crematório.”
Segundo o próprio Wiesenthal, esse foi o começo de suas atividades
como caçador de nazistas. Apesar de a filha, o genro e os netos morarem
lá, a estrada que ia dar em Israel foi exatamente a que ele não tomou.
Mas sua jornada pessoal envolveu trabalho — e às vezes divergências
muito sérias — com aqueles que mais tarde lutariam em Israel para levar à
Justiça um dos principais arquitetos do Holocausto: Adolf Eichmann.
Tanto Simon Wiesenthal quanto Tuvia Friedman alegaram que
começaram quase de imediato a caçada ao homem que organizou
deportações em massa de judeus para Auschwitz e outros campos de
concentração. No período inicial do pós-guerra, contudo, as principais
notícias diziam respeito àqueles que já tinham sido capturados ou eram
mais fáceis de capturar e aos julgamentos que se seguiram. A caça aos
nazistas — e a punição deles — ainda era, basicamente, tarefa dos
vencedores.
CAPÍTULO TRÊS

DESÍGNIO COMUM
“Somos um povo muito obediente. É a nossa maior força e a nossa maior
fraqueza. Isso nos permite construir um milagre econômico enquanto os
britânicos fazem greve e nos leva a seguir um homem como Hitler para uma
imensa sepultura coletiva.”1
RELATO DE HANS HOFFMANN, EDITOR FICTÍCIO DE
UMA REVISTA ALEMÃ, NO BEST-SELLER DE 1972 O
DOSSIÊ ODESSA, DE FREDERICK FORSYTH.

No período imediatamente posterior à derrota da Alemanha, a maioria


dos antigos seguidores de Hitler procurava avidamente dissociar-se dos
assassinatos em massa e das atrocidades cometidos em seu nome. Soldados
dos exércitos vitoriosos e sobreviventes dos campos de concentração se
deparavam com alemães que se diziam opositores do nazismo desde o
início — não ativamente, mas no fundo do coração. Muitos afirmavam
também que tinham ajudado judeus e outras vítimas do regime nazista.
“Se todos os judeus de que me falaram naqueles meses tivessem sido
salvos, haveria mais judeus vivos do que no começo da guerra”,
comentou Wiesenthal, com ironia...2
Apesar de inicialmente muitos alemães fazerem pouco caso de
Nuremberg e outros julgamentos, qualificando-os de “justiça do
vencedor”, havia também os que viam algo de quase reconfortante na
ideia de que responsáveis pela ruína da Alemanha seriam sumariamente
castigados. Saul Padover, historiador e cientista político nascido na
Áustria e que serviu no Exército americano da Normandia até o avanço
na Alemanha, tomou notas abundantes sobre atitudes alemãs. Depois de
um encontro com uma antiga líder do Bund Deutscher Mädel, a Liga das
Moças Alemãs — equivalente feminino da Juventude Hitlerista —, ele
anotou em seus cadernos a conversa que tiveram.
Quando perguntada sobre qual era o seu papel na liga, ela “mentiu”,
como escreveu Padover, dizendo que foi “obrigada” a ser uma das
líderes.3 E o que ela achava que devia ser feito com os principais chefes
nazistas? “Por mim, podem enforcar todos”, respondeu.
A jovem não era a única a querer ver alguns dos mandachuvas nazistas
pagarem com a vida, distanciando-se e eliminando sua parcela de culpa
no que tinha acontecido. Como muitos alemães, ela afirmava que nem
sequer sabia da maioria dos horrores do Terceiro Reich.
Peter Heidenberger,4 que passara a fase final da guerra com uma
divisão de paraquedistas alemães na Itália e em seguida amargara um breve
período como prisioneiro de guerra, chegou a Dachau logo depois que o
campo de concentração foi libertado. Procurava a noiva, que, depois do
bombardeio de 13 de fevereiro, fugira de Dresden, cidade natal de ambos,
para a casa de amigos. “Dachau é uma cidade ótima, não é? Tem até um
castelo”, comentou, evocando suas lembranças, décadas depois. Quando
subia o morro do castelo, foi interrogado por um sentinela americano,
que perguntou se ele sabia o que estava acontecendo no campo lá
embaixo. “Eu expliquei que não tinha passado por lá, não sabia de nada,
só que era um campo de prisioneiros. O soldado não acreditou.”
Mas logo Heidenberger descobriu mais a respeito do lugar — mais do
que o suficiente para compartilhar os sentimentos da jovem da Liga das
Moças Alemãs. “Achei que todos eles deveriam ser colocados contra o
muro, e teríamos mais justiça”, disse, lembrando-se de sua primeira
reação ao que lhe contaram.
As opiniões de Heidenberger mudariam com o passar do tempo, à
medida que ele acompanhava os julgamentos paralelos aos de
Nuremberg. O Exército dos Estados Unidos se instalou em Dachau para
processar os prisioneiros que implementaram as políticas das autoridades
nazistas, incluindo aqueles enforcados em Nuremberg. Eram os
criminosos em campo, os oficiais da SS e outros administradores não
apenas de Dachau, mas também de outros campos de concentração. Os
americanos estavam à procura de um stringer — um jornalista freelancer —
que pudesse cobrir o Tribunal Militar de Dachau para a Rádio Munique,
uma nova emissora montada pelos vencedores. Uma autoridade local
recomendou Heidenberger, por ser um alemão instruído e sem
antecedentes nazistas.
O jovem nem sabia o que era um stringer, e sua experiência de
reportagem era zero, mas aceitou. “A melhor parte era a comida do
campo”, comentou. Ele logo se revelou um repórter de valor para um
crescente número de veículos, incluindo a agência de notícias alemã e a
Reuters. Embora muito menos conhecidos do que o grande julgamento
de Nuremberg, os processos de Dachau forneceram detalhes notáveis
sobre o Terceiro Reich.
Eram esses os detalhes que Truman tinha em mente quando, tempos
depois de sair da presidência, explicou os objetivos originais dos
julgamentos: “impedir que qualquer pessoa venha a dizer, no futuro, ‘ah,
isso nunca aconteceu, é só propaganda, um monte de mentiras’”.5 Em
outras palavras, os julgamentos do pós-guerra não foram feitos apenas
para punir os culpados; também eram decisivos para estabelecer o registro
histórico.

***

Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, William Denson não


serviu nos campos de batalha da Europa. Natural do Alabama6 — o
bisavô lutou na Guerra Civil do lado da Confederação; o avô foi um
ministro da Suprema Corte estadual que se arriscou a cair no ostracismo
defendendo negros do estado; e o pai foi um advogado conceituado e
político local —, ele se formou em direito em Harvard e foi lecionar em
West Point. Mas, no começo de 1945, foi designado como um dos
auditores-gerais de guerra (Judges Advocates Generals, JAGs, na sigla em
inglês) na Alemanha. Aos 32 anos — e sem a esposa, que não tinha
intenção de juntar-se a ele num país arrasado —, Denson de repente se
preparava para mover ações numa terra ocupada que visitava pela primeira
vez.
Alocado com outros funcionários dos JAGs em Freising, perto de
Dachau, de início encarou com ceticismo os relatos assustadores dos
sobreviventes dos campos. “Achava que aquelas pessoas tinham sido
maltratadas nos campos de concentração e queriam vingança, mas que
recorriam mais à fantasia do que à realidade”, explicou, décadas depois.7
Mas logo se convenceu da consistência dos depoimentos que colhia.
Como as testemunhas “relatavam praticamente os mesmos
acontecimentos, compreendi que aqueles fatos tinham mesmo
acontecido, sobretudo porque as testemunhas “não tiveram oportunidade
de se reunir para combinar suas histórias”.8
Quaisquer dúvidas que restassem foram dissipadas pelos relatos
macabros fornecidos pelos libertadores de Dachau e outros campos. Essas
narrativas reacenderam o debate sobre se os responsáveis por torturas e
assassinatos em massa mereciam outra coisa que não a execução sumária.
Quando chegou a Ohrdruf, um campo subsidiário em Buchenwald que
era um espetáculo de morte apavorante, digno de um quadro de
Hieronymus Bosch, o general George S. Patton gritou de dentro do jipe:
“Estão vendo o que esses filhos da puta fizeram? Estão vendo o que esses
desgraçados fizeram? Não quero nenhum prisioneiro!”9
Mas Denson e seus colegas dos JAGs10 estavam convencidos de que os
julgamentos eram absolutamente necessários, tanto para punir os culpados
como para esclarecer os fatos, tornando-os conhecidos por todos, naquela
época e no futuro. Ouvindo os detalhes sobre o que as tropas dos Estados
Unidos tinham visto em Dachau, sem falar num cortejo de testemunhas,
“finalmente cheguei a um ponto em que podia acreditar em quase
qualquer coisa”, declarou Denson.11 E estava mais do que pronto quanto
recebeu a ordem para dar início aos processos contra os criminosos o mais
rápido possível. A discussão sobre execuções sumárias ou julgamentos
tinha acabado.
O principal interrogador de Denson era Paul Guth.12 Nascido numa
família judia em Viena, Guth estudou na Inglaterra; e depois se mudou
para os Estados Unidos, onde foi imediatamente recrutado para receber
treinamento em atividades de inteligência em Camp Ritchie, Maryland.
Era o campo de treinamento que tinha um grande contingente de
refugiados judeus da Alemanha e da Áustria. Depois que se formou como
o melhor aluno da turma, Guth recebeu mais capacitação na Inglaterra e
acabou indo para Freising. Ali se revelaria um dos interrogadores mais
eficientes do Exército.
Contudo, quando Guth foi falar com os prisioneiros mantidos nos
alojamentos, que até pouco tempo abrigavam suas vítimas, a impressão
que causou não chegou a intimidar, muito pelo contrário: os homens da
SS esperavam ser executados, mas Guth apenas leu para eles uma lista de
quarenta nomes daqueles que seriam julgados por um tribunal militar
americano. Disse-lhes também que podiam escolher seus advogados de
defesa, que a conta seria paga por seus captores, e eles não seriam
forçados a depor se não quisessem. Como escreveu Joshua Greene,
biógrafo de Denson: “Os alemães mal podiam acreditar no que
ouviram.”13
Quando o julgamento começou, em 13 de novembro de 1945,14 a
sala estava cheia. O Tribunal Militar Internacional só começaria a
deliberar sobre Nuremberg uma semana depois, por isso o recinto estava
repleto de altas patentes, como o general Walter Bedell Smith, chefe do
estado-maior de Eisenhower, e o senador Claude Pepper, da Flórida.
Também havia muitos jornalistas, incluindo intelectuais como Walter
Lippmann e Marguerite Higgins. Mas Lippmann e Higgins não ficaram
nem a primeira manhã toda, e até o fim da semana quase todos os seus
colegas os tinham seguido para Nuremberg, a grande atração e renderia as
manchetes mais importantes. Logo, os únicos repórteres com quem se
poderia contar para cobrir os processos de Dachau eram Heidenberger e
um correspondente do Stars and Stripes.
Assim como os quarenta acusados ficaram perplexos com a maneira
como foram levados a julgamento, os espectadores também se
surpreenderam quando Denson se apresentou como promotor-chefe. “Os
espectadores alemães, não familiarizados com a prática legal americana,
ficaram admirados com o desempenho dos advogados”, lembrou
Heidenberger. Denson se aproximou do juiz e começou sua apresentação
declarando, com sotaque sulista: “Se o tribunal estiver de acordo...” Não
era só o sotaque que agradava aos ouvintes. “Ele tinha um jeito agradável
que ia muito bem na apresentação dos seus argumentos”, acrescentou
Heidenberger.15
O jovem repórter alemão ficou ainda mais impressionado quando
entrou pela primeira vez no escritório de Denson; além de muito
satisfeito por ser aceito pelo americano como um membro pleno da
comunidade jornalística. “Vocês conhecem o costume americano de
colocar os pés na mesa”, disse, década depois. “Ele pôs os pés na mesa e
me tratou como um jornalista.”
Mas o calmo comportamento exterior de Denson disfarçava uma
determinação férrea de conseguir a condenação de todos os acusados. Ao
contrário dos réus de Nuremberg, os julgados em Dachau não eram
arquitetos políticos, não poderiam ser acusados de tramar crimes contra a
humanidade. Mas Denson resolveu provar que o pessoal que operava o
campo de concentração sabia exatamente para que ele servia, e isso
bastava para demonstrar que figuravam no “desígnio comum”16 — ou da
“comunidade de intenção” — de cometer aqueles atos criminosos. Não
era preciso provar quais crimes específicos cada um dos acusados
cometera.
Nas declarações iniciais, o desengonçado homem do Alabama
explicou as bases dos seus argumentos:
Se o tribunal estiver de acordo, esperamos trazer provas que demonstrem como, durante o
período em questão, um plano de extermínio estava em execução aqui em Dachau. Esperamos
que as provas mostrem que as vítimas desse extermínio planejado eram civis e prisioneiros de
guerra, indivíduos que não queriam sujeitar-se ao jugo do nazismo. Esperamos mostrar que
aquelas pessoas foram submetidas a experimentos como cobaias e passaram fome até morrer,
isso enquanto eram obrigadas a trabalhar até o limite de suas forças. Sem falar nas condições
precárias de alojamento a ponto de a doença e a morte se tornarem inevitáveis... E esperamos
provar que cada um destes acusados constituía uma engrenagem dessa máquina de
extermínio.17

Os advogados de defesa argumentaram muito contra essa acusação de


“engrenagem da máquina de extermínio”, mas em vão. Essa abordagem
tão abrangente mais tarde seria rejeitada, e a maioria dos julgamentos se
concentraria nos atos supostamente cometidos por cada réu
individualmente.
Ao contrário de Nuremberg, onde quase todas as provas produzidas
pela acusação vinham de documentos incriminadores que os próprios
alemães tinham produzido, o julgamento de Dachau se baseou em
testemunhas, que prestaram depoimentos arrepiantes sobre o
funcionamento da máquina de extermínio, incluindo o último transporte
de judeus de Dachau. Como relatou o prisioneiro albanês Ali Kuci18, em
seu depoimento, 2.400 judeus foram enfiados em vagões de trem em 21
de abril; em 29 de abril, quando as tropas americanas libertaram o campo,
encontraram os mesmos vagões transbordando de corpos. Kuci e outros
prisioneiros apelidaram o trem, que nunca saiu da estação, de “Expresso
do Necrotério”. Dos prisioneiros, apenas seiscentos sobreviveram. Os
guardas da SS não permitiram que ninguém chegasse perto enquanto as
pessoas que estavam lá dentro morriam de fome.
Denson também recorreu a confissões obtidas de alguns acusados por
Guth e outros interrogadores, provocando alegações de que eles teriam
usado métodos coercitivos. Guth negou essas acusações, mas a rapidez e o
desfecho do julgamento de Dachau levantariam questões persistentes
sobre até que ponto os procedimentos legais tinham sido observados. Ao
resumir seus argumentos, Denson declarou: “Quero enfatizar que esses
quarenta homens não são acusados de homicídio. O crime está no
desígnio comum de matar, espancar, torturar e deixar morrer de fome.”19
Em outras palavras, “desígnio comum” foi o que moveu a ação contra
aqueles homens, e não atos individuais de assassinato.
Ele também rejeitou o argumento dos acusados de que simplesmente
cumpriam ordens, repreendendo-os por “não se recusarem a fazer o que
era obviamente errado”. E acrescentou: “Alegar que ‘estava apenas
cumprindo ordens’ não é defesa nesse tribunal.”20 Isso ajudou a
estabelecer um princípio que seria seguido em julgamentos posteriores.
Ao encerrar seus argumentos, Denson declarou: “Se o tribunal fechar os
olhos para as acusações aqui apresentadas, farão o relógio da civilização
retroceder mil anos.”21
Considerar os julgamentos dos antigos senhores alemães tornados
prisioneiros às vezes dá a impressão errônea de que eles se beneficiaram
da benevolência dos vencedores. Lorde Russell de Liverpool, que serviu
como suplente de auditor de guerra do Exército britânico no Reno,
visitou Dachau nessa época e ficou espantado com o que viu dos
prisioneiros alemães. “Cada um vivia confortavelmente numa cela clara e
arejada, tinha luz elétrica, aquecimento central no inverno, uma cama,
uma mesa, uma cadeira e livros. Bem-nutridos e polidos, estampavam no
rosto uma expressão de leve perplexidade. Com certeza mal conseguiam
acreditar que estavam ali.”22
Mas, em 13 de dezembro de 1945,23 quando o tribunal militar
anunciou seus veredictos, qualquer percepção errônea se desfez. Todos os
quarenta homens foram considerados culpados e 36 deles receberam
sentença de morte. Desses, 23 foram enforcados em 28 e 29 de maio de
1946.
Em sua visita ao campo, lorde Russell saía de um dos edifícios quando
reparou em algo particularmente estranho: “Uma caixinha rústica com
ninhos para passarinhos do mato tinha sido pregada num poste no teto do
crematório por algum guarda esquizofrênico da SS.”24
Isso levou à sua reflexão final sobre o que acabara de observar. “Só
pude compreender por que o país que deu ao mundo Goethe e
Beethoven, Schiller e Schubert deu também Auschwitz e Belsen,
Ravensbrück e Dachau”, escreveu.

***

Denson não voltou para os Estados Unidos quando o primeiro


julgamento de Dachau terminou, ao contrário de muitos outros membros
da equipe jurídica do Exército. Continuou chefiando as equipes da
promotoria nos casos subsequentes, que seguiram até 1947. Embora esses
julgamentos se concentrassem na maquinaria da morte em campos como
Buchenwald, Flossenbürg e Mauthausen, também foram realizados nas
instalações do campo de Dachau. O próprio Denson moveu o número
recorde de 177 processos contra guardas, funcionários e médicos de
campos de concentração, conseguindo comprovar a culpa de todos eles.
No fim, 97 foram enforcados.25
Em outubro de 1947, quando ele se preparava para tomar o avião de
volta para casa e retornar à vida civil, o The New York Times elogiou seu
desempenho: “O coronel Denson foi excepcional em seu intenso
trabalho na equipe da promotoria da Comissão de Crimes de Guerra em
Dachau. Com frequência cuidando de um caso importante durante o dia
e trabalhando até tarde da noite na preparação de outro, ele se tornou,
nos últimos dois anos, símbolo de justiça entre os administradores e
administradoras da SS nos campos de concentração de Hitler.”26
Mas a tensão do trabalho intenso e dos horrores que ele precisava
reconstruir a cada dia custaram caro a Denson. Seu peso caiu de mais de
setenta quilos para menos de 55.27 “Diziam que eu parecia mais o
exemplo do que acontecia num campo de concentração do que qualquer
pessoa que chamei para testemunhar”, lembrou, mais tarde.28 Em janeiro
de 1947, ele teve um colapso e passou duas semanas de cama. Apesar
disso, parecia que cada novo caso o tornava ainda mais decidido a
prosseguir.
Sua esposa, Robina, que tinha ficado nos Estados Unidos, pediu o
divórcio. De acordo com o biógrafo de Denson, ela achava que se casaria
com um parceiro de família aristocrática, não com um missionário da lei
que abandonava o lar para processar nazistas”.29
Heidenberger, que se tornara cada vez mais amigo de Denson e de
outros americanos em Dachau, afirma que esse não foi o único motivo de
Robina. “Caramba, o que acabou com o casamento foram todas aquelas
fräuleins alemãs. Os americanos estavam com tudo, tinham as meias de
náilon e pegavam as mulheres. Ficamos um pouco schockiert com as
honradas fräuleins. Bill me contou das festas a que foi em Munique. Deve
ter sido uma loucura.” Heidenberger afirmava que Robina Denson soube
dessas escapadas, o que a levou a pôr fim ao que já era um casamento
morto e sem filhos.
Logo Denson passou a sentir-se particularmente atraído por uma
jovem alemã que também vivia um casamento sem amor. Huschi, como
era chamada pelos amigos, era uma condessa genuína que fugira da
propriedade silesiana da família numa carroça, levando a filha de seis
meses antes que o Exército Vermelho chegasse, e que sobrevivera ao
bombardeio de Dresden.30 No fim da guerra, estava numa aldeia bávara e
saudou os primeiros tanques americanos que apareceram anunciando, em
perfeito inglês: “Entregamos esta aldeia aos senhores!”31 Ao ouvir essas
histórias, Denson ficou encantado e intrigado, mas só muito depois,
quando soube que Huschi também se divorciara e se mudara para os
Estados Unidos, é que retomaram contato, casando-se em 31 de
dezembro de 1949. Pelo que se sabe, foi um casamento feliz em todos os
sentidos.
Numa fase posterior da vida, Denson passou a considerar o tempo
vivido na Alemanha como “o ponto culminante da minha carreira”.32
Mas não foi um período livre de controvérsias. Depois do julgamento no
campo de Dachau, ele esteve à frente de casos que deflagraram as
manchetes mais sensacionalistas e os debates mais acalorados. Foi o que
aconteceu, particularmente, no julgamento dos acusados de Buchenwald,
na primavera de 1947.
Denson afirmou ao tribunal que o histórico daquele campo era um
“capítulo de infâmia e sadismo sem paralelo na história”.33 E nenhuma
acusação era mais lúgubre do que a que pesava contra Ilse Koch, viúva do
primeiro comandante de Buchenwald. Mesmo antes de o julgamento
começar, lembra Heidenberger, algumas pessoas ansiosas por depor
espalharam “as histórias mais descabidas sobre ela, que seria um demônio
sexual”. Interrogados por Denson, antigos internos afirmaram que ela
adorava provocar os prisioneiros com sua sexualidade para logo depois
mandar surrá-los ou matá-los.
O ex-prisioneiro Kurt Froboess lembrou-se de ter olhado para cima
enquanto cavava valas para cabos, e lá estava Ilse. “Ela estava de saia curta,
com uma perna de cada lado da vala, sem nada por baixo”, contou.
Então ela perguntou o que os prisioneiros estavam olhando e os surrou
com chibata de equitação.34
Outros afirmaram em depoimentos que ela possuía abajures, capas de
livros e uma bainha de faca feitos de pele humana. “E todos sabiam que
prisioneiros tatuados eram tirados de seus grupos de trabalho, quando Ilse
Koch os vira ao passar, e mandados para o hospital”, contou Kurte Sitte,
que foi prisioneiro em Buchenwald durante toda a guerra.35 “Esses
prisioneiros eram mortos no hospital e tinham suas tatuagens arrancadas.”
Heidenberger, que cobriu todos esses depoimentos, não tinha dúvida
de que Koch era culpada dessa brutalidade sistemática, mas também alvo
de rumores não confirmados. Sua reputação de sádica com “forte apetite
sexual” precedia o julgamento, e ela era particularmente odiada pelos
presos por como ostentava sua sexualidade e seu poder. Quando apareceu
para depor no processo, o fato de estar evidentemente grávida — apesar
de viver na cadeia desde que fora capturada — serviu apenas para
estimular os ânimos inflamados no tribunal. Isso provocou uma
competição entre os jornalistas na busca por um apelido. Segundo
Heidenberger, um repórter do Stars and Stripes entrou correndo na sala de
imprensa para anunciar: “Já sei. Vamos chamá-la de ‘Cadela de
Buchenwald’.”36
O nome pegou, e ela ficou sendo a diabólica megera dos julgamentos.
Não ajudou em nada a sua defesa quando a promotoria exibiu a cabeça
encolhida de um prisioneiro polonês que fugira do campo, fora capturado
e executado. Segundo uma testemunha, as autoridades do campo exibiam
a cabeça orgulhosamente a todos os visitantes.37 Mesmo com a ressalva
da promotoria de que não havia nenhuma ligação comprovada disso com
Koch, o artigo foi aceito como prova.
Soloman Surowitz, um dos advogados americanos da equipe de
Denson no caso Buchenwald, convenceu-se de que o clamor em torno
de Koch estava solapando toda a noção do devido processo legal e se
demitiu do caso. “Não consigo aguentar”, confidenciou a Denson. “Não
acredito em nossas próprias testemunhas... é tudo boato.”38
Os dois se separaram sem amargura, e Denson continuou convencido
de que tinha que apresentar as provas de que dispunha, mais do que
suficientes para condená-la com ou sem a confirmação das acusações mais
sensacionalistas. Ilse Koch foi condenada à prisão perpétua, mas seu
processo daria muitas voltas, à medida que a atmosfera em torno dos
julgamentos de crimes de guerra mudava. E, mais tarde, já de volta aos
Estados Unidos, Denson acabou tendo que defendê-la, sobretudo quando
as histórias de abajures feitos de pele humana se tornaram cada vez mais
duvidosas.
Heidenberger admitiu ter dúvidas sobre o próprio papel em dar ênfase
em seus artigos a histórias de veracidade não confirmada, contribuindo
para a atmosfera de sensacionalismo que cercou o julgamento. Por outro
lado, também não tinha dúvidas de que Ilse Koch e outros acusados em
Buchenwald mereceram o veredicto de culpa. E, apesar das falhas, os
julgamentos o convenceram de que estava errado ao acreditar que os
principais criminosos deveriam enfrentar execução sumária em vez de
processo judicial. “Apesar das questões jurídicas, os julgamentos de crimes
de guerra apresentaram as melhores e mais confiáveis provas do que de
fato ocorreu durante o Holocausto”, concluiu.39
Em 1952, Heidenberger emigrou para os Estados Unidos com a
esposa e os dois filhos. Por ser um dos primeiros repórteres alemães em
Washington depois da guerra, comparecia a entrevistas coletivas de
Truman na Casa Branca. Como estudara direito na Alemanha, se
matriculou na Faculdade de Direito da Universidade George Washington.
Depois de formado, iniciou carreira de advogado em Washington, às
vezes representando vítimas que buscavam reparações da Alemanha, e,
mais tarde, foi consultor do governo alemão em casos relacionados ao
Holocausto. Um dos seus primeiros colegas e mentores foi seu velho
amigo William Denson.
CAPÍTULO QUATRO

A REGRA DO PINGUIM
“Era um homem de voz tranquila e agradável, com mãos delicadas e bem-
feitas, muito educado e seguro de si. Seu único defeito era ter matado noventa
mil pessoas.”1
JUIZ MICHAEL MUSMANNO SOBRE O RÉU OTTO
OHLENDORF DURANTE O JULGAMENTO DOS
COMANDANTES DOS EINSATZGRUPPEN, OS
DESTACAMENTOS DE EXECUÇÕES ESPECIAIS QUE
ATUAVAM NA FRENTE ORIENTAL.

Benjamin Ferencz, com cara de aposentado, usando quepe de marinheiro,


camisa azul de mangas curtas e calças da Marinha presas por suspensórios,
estava sentado perto da entrada de um modesto bangalô de um só
cômodo em Delray Beach, na Flórida, quando ali o visitei no começo de
2013.
Porém nada havia de típico naquele senhor de 93 anos que mal passava
de um metro e meio de altura — o que logo notei quando se levantou
para flexionar os músculos e exibir os resultados dos exercícios diários na
academia. Ou, ainda mais significativo, quando ele relatou as lembranças
de sua saída da Faculdade de Direito de Harvard, onde estudou como
bolsista de um violento bairro de Nova York — apropriadamente
conhecido como Hell’s Kitchen —, para desembarcar na praia de Omaha,
vendo-se de repente com água pela cintura enquanto a maioria de seus
companheiros de viagem afundava até os joelhos.
E só tive mais certezas de como ele era especial quando descreveu
como, graças a uma combinação de sorte e persistência, tornou-se
promotor-chefe em Nuremberg naquilo que a Associated Press chamou,
sem nenhum exagero, de “o maior processo criminal da história”.2
Apesar disso, mais até do que no Tribunal de Dachau do Tribunal Militar
Internacional contra os principais líderes nazistas que, com frequência,
merece no máximo uma ligeira menção nos livros de história.
Nascido numa família de judeus húngaros da Transilvânia3 que se
mudou para os Estados Unidos quando ele ainda era bebê, Ferencz
batalhou a vida inteira, movido por suas paixões e sem jamais se deixar
intimidar pelos desafios. Morando no subsolo de um dos edifícios de
apartamentos de Hell’s Kitchen, onde o pai trabalhava como porteiro, foi
rejeitado pela escola pública porque, aos seis anos, parecia pequeno
demais e só falava iídiche. Depois de frequentar escolas em outras partes
da cidade, foi enfim selecionado como um dos “meninos de talento”,
tornou-se a primeira pessoa da família a chegar à faculdade e conquistou
um diploma de Direito em Harvard sem pagar nenhuma mensalidade.
Quando o cabo Ferencz foi transferido da infantaria para a
Procuradoria de Guerra do III Exército do general Patton, no fim de
1944, ficou emocionado, por fazer parte de uma nova equipe dedicada a
crimes de guerra. Enquanto as tropas americanas abriam caminho rumo à
Alemanha, relatos sobre aviadores Aliados que saltavam de paraquedas em
território alemão e eram mortos pelos locais chegaram ao exército, e
Ferencz recebeu a incumbência de investigar esses casos e efetuar prisões
quando necessário. “A única autoridade que eu tinha era uma pistola na
cintura e o fato de que o Exército americano estava espalhado pela
cidade”, comentou. “Os alemães foram muito solícitos, e não me lembro
de ter encontrado resistência.”4
Apesar da baixa estatura, Ferencz era dotado de uma boa dose da
impertinência nova-iorquina. Mais tarde, quando o quartel-general de
Patton foi instalado nos arredores de Munique, ele ficou encarregado dos
banheiros no dia em que Marlene Dietrich fez um show para os soldados.
Por ser o mais novo do regimento, recebeu ordens para garantir que ela
não fosse perturbada enquanto tomava banho antes da apresentação.
“Depois de esperar um bom tempo — para ter certeza de que ela estava
pelo menos dentro da banheira — e ansioso para cumprir minhas
obrigações, eu simplesmente entrei no banheiro e a encontrei sentada,
vestindo apenas o próprio esplendor”, recordou. E deve ter se ficado bem
perturbado com a própria audácia, pois, ao sair, disse: “Ah, me desculpe,
senhor.”
Dietrich riu quando ele pediu desculpas, achando graça daquele
“senhor”. Ao saber que se tratava de um advogado formado em Harvard,
Dietrich o convidou para um almoço com os oficiais. Ferencz, um
soldado raso, sugeriu a Marlene que fosse apresentado como um velho
amigo seu da Europa, o que ela acatou. Como resultado, ele saiu direto
da limpeza de latrinas para sentar-se de frente para a estrela durante o
almoço. Antes de sair, conduzida por Patton, Dietrich deu a Ferencz seu
cartão de visita.
Quando investigou os casos dos pilotos, sua preocupação era executar
o serviço sem ser vingativo. De vez em quando até tinha sentimentos
ambíguos sobre os resultados de sua atividade. Investigando o caso de um
piloto que foi surrado e atacado a pauladas depois de um bombardeio
aéreo perto de Frankfurt, ele interrogou uma jovem que se juntara à
turba de agressores. A mulher admitiu sua participação, mas explicou, aos
prantos, que os dois filhos tinham sido mortos no bombardeio. Sentindo
uma pontada de remorso, Ferencz se limitou a colocá-la em prisão
domiciliar. “A verdade é que tive pena dela”, lembrou-se. Contudo não
sentiu nada parecido por um bombeiro que, segundo constava, tinha
desferido o golpe fatal e se gabara de ficar coberto de sangue americano.
Meses depois, Ferencz foi ver os julgamentos de crimes de guerra em
que ambos estavam entre os réus. O bombeiro foi condenado à morte. A
jovem, condenada a dois anos de prisão, desmaiou com a sentença.
Ferencz pediu que os paramédicos verificassem se estava tudo bem — a
mulher estava bem, mas também estava grávida e o pai era um dos
soldados americanos que faziam a guarda. “Coisas estranhas acontecem
em tempo de guerra”, observou Ferencz.
Mas seu humor só azedou de vez quando ele foi designado para entrar
em campos de concentração recém-libertados e reunir todas as provas que
pudessem ser usadas contra os encarregados. De início, o que viu nos
campos — corpos espalhados por toda parte, sobreviventes reduzidos a
esqueletos — foi quase impossível de acreditar. “Minha mente não
aceitava o que os olhos viam”, escreveria mais tarde. “Eu tinha visto o
Inferno.” Em Buchenwald, pegou duas cabeças encolhidas de prisioneiros
que os oficiais da SS mantinham expostas; foram usadas como provas por
Denson no julgamento seguinte.
Ferencz sentia a raiva crescer, o que se traduzia num desejo ardente de
agir logo ou, por vezes, de não agir, quando via as vítimas se voltarem
contra os torturadores. No campo de Ebensee, mandou que um grupo de
civis juntasse e queimasse os corpos. Ferencz viu quando alguns internos,
loucos de fúria, capturaram um oficial da SS, possivelmente o
comandante do campo em sua tentativa de fuga; eles surraram o sujeito e
o amarraram a uma das bandejas de metal usadas para introduzir os corpos
no crematório, então colocaram a bandeja sobre as chamas até assá-lo
vivo. “Assisti àquilo e não fiz nada”, falou Ferencz. “Não tive nem
vontade de tentar.”
Em Mauthausen, encontrou pilhas de ossos humanos no fundo de
uma pedreira, restos mortais de trabalhadores escravos jogados de um
penhasco quando já não conseguiam trabalhar. Viajou de carro até uma
cidade vizinha, Linz, onde selecionou o apartamento de uma família
nazista e ordenou que vagassem o lugar para que ele e seus homens se
instalassem. Antes de voltar a Mauthausen, na manhã seguinte, esvaziou as
cômodas e os armários, levando as roupas para dar aos prisioneiros
praticamente nus. Naquela noite, uma jovem moradora voltou ao
apartamento para perguntar se podia pegar umas roupas. “Fique à
vontade”, respondeu Ferencz.5 Quando ela viu os guarda-roupas vazios,
começou a gritar, dizendo que tinham sido roubados.
“Eu não iria aceitar ser chamado de ladrão pelos alemães”, contou
Ferencz. Arrastou a mulher aos gritos pelo pulso até o andar de baixo,
explicando-lhe que ia levá-la ao campo para que ela pedisse pessoalmente
aos ex-prisioneiros que lhe devolvessem suas roupas. Aterrorizada com a
ideia, a mulher gritou ainda mais alto para que ele a soltasse. Ferencz
concordou — mas só depois que a jovem cedeu à sua exigência de que
dissesse que as roupas eram um presente e que não tinham sido roubadas
por ninguém. Assim, canalizou a raiva numa severa lição sobre qual era a
parte ofendida.
Depois de se casar, em uma breve temporada de volta aos Estados
Unidos, Ferencz retornou à Alemanha para se juntar à equipe do general
Taylor, que trabalhava nos julgamentos de crimes de guerra em
Nuremberg. O primeiro e mais famoso desses julgamentos, realizado pelo
Tribunal Militar Internacional, tinha culminado na condenação de
nazistas de destaque como Göring, Von Ribbentrop e Keitel, em 1o de
outubro de 1946, mas ainda haveria cerca de dez julgamentos,
conduzidos como tribunais da Justiça militar americana. Um deles foi
deflagrado por uma descoberta casual em Berlim que mudou a vida de
Ferencz.
Quando voltou à Alemanha com a esposa, recém-casado, Ferencz foi
mandado a Berlim para montar uma filial de investigadores dos crimes de
guerra. Na primavera de 1947, um dos melhores pesquisadores entrou
correndo em seu escritório para lhe contar sobre uma importante
descoberta. Enquanto remexia num anexo do Ministério do Exterior
perto do aeroporto de Tempelhof, encontrou relatórios secretos enviados
à Gestapo. Esses documentos, que pareciam ser relatórios diários,
forneciam todos os detalhes sobre os fuzilamentos em massa e as
primeiras execuções experimentais com o uso de gases tóxicos em judeus,
ciganos e outros “inimigos” do Estado na frente oriental pelos
Einsatzgruppen — destacamentos especiais de execução incumbidos dessa
tarefa antes de os assassinatos serem transferidos para as câmaras de gás dos
campos.
Numa pequena calculadora, Ferencz começou a somar o número de
vítimas mencionadas nos lacônicos relatórios de fuzilamentos. “Parei de
somar quando passou de um milhão”, contou. “Aquilo bastava para
mim.”6 Ferencz voltou às pressas a Nuremberg para informar Taylor
sobre as descobertas, recomendando-lhe que usasse essas provas da melhor
maneira possível em outro julgamento. O achado trazia informações
precisas sobre que unidades — e que comandantes — eram responsáveis
pela matança indiscriminada de judeus, ciganos e outros grupos étnicos
quando as tropas alemãs atacaram a União Soviética em 1941.
A reação inicial de Taylor foi mais fria e calculada do que Ferencz
esperava. O general explicou que era improvável que o Pentágono
destinasse mais verbas e mais pessoal para julgamentos ainda não
planejados. Além disso, o público não parecia particularmente ansioso
para ver mais processos. Ferencz não desistiu, argumentando que pegaria
o caso se ninguém quisesse e sem deixar de cumprir suas demais
obrigações. “Está bem, você conseguiu”, concordou Taylor, designando-
o promotor-chefe. Ele tinha apenas 27 anos.
Ferencz se mudou para Nuremberg a fim de preparar sua ação. O
desafio era manejar a imensa quantidade de provas contra
aproximadamente três mil membros dos Einsatzgruppen que assassinaram
civis no Front Oriental. Ferencz explicou que escolheu os oficiais da SS
mais antigos e instruídos para levar a julgamento, pois mais que isso fosse
impossível. Para começar, a sala do tribunal de Nuremberg tinha apenas
24 lugares no banco dos réus. Observando que “a Justiça é sempre
imperfeita”, Ferencz admitiu que se tratava apenas de uma “pequena
amostra dos principais acusados”. Dos 24 que decidiu processar
inicialmente, um cometeu suicídio antes do julgamento e outro sofreu
um colapso durante a leitura da acusação. Restaram, portanto, 22.
O julgamento se estendeu de 29 de setembro de 1947 a 12 de
fevereiro de 1948,7 mas Ferencz só precisou de dois dias para apresentar
os argumentos da acusação. “Imagino que o Livro Guinness dos
Recordes Mundiais poderia tê-la registrado como a acusação mais rápida
num julgamento dessa magnitude”, escreveu posteriormente.8 Estava
convencido de que os documentos ofereciam provas mais condenatórias
do que qualquer testemunho. “Não chamei testemunhas, e por um bom
motivo”, explicou. “Eu podia não ter muita experiência, mas fui um
aluno de direito criminal bom pra caramba na Faculdade de Harvard, e
sei que um dos piores depoimentos que se pode conseguir é o de uma
testemunha ocular... Eu tinha os relatórios e provei a validade deles. Mas
claro que foram contestados.”9
Em suas declarações iniciais, Ferencz acusou os réus do “abate
deliberado de mais de um milhão de homens, mulheres e crianças
inocentes e indefesos... ditado não por necessidade militar, mas por essa
suprema perversão do pensamento, a teoria nazista da raça superior”.10
Em seguida decompôs o grande número para mostrar exatamente como
aquilo fora possível. As provas demonstravam que os quatro
Einsatzgruppen, cada um composto de quinhentos a oitocentos homens,
“alcançaram a média de 1.350 assassinatos por dia num período de dois
anos; 1.350 seres humanos mortos num dia típico, sete dias por semana ao
longo de mais de cem semanas”.11
Ferencz recorreu a um novo termo para descrever os crimes dos
acusados: genocídio. A palavra foi cunhada por um advogado judeu
polonês refugiado, Raphael Lemkin,12 que — já no começo de 1933 —
tentou advertir o mundo de que Hitler falava com seriedade mortal ao
ameaçar exterminar uma raça inteira. Ferencz conheceu Lemkin — “um
camarada aéreo e esfarrapado, com um olhar desvairado e cheio de
dor”13— nas salas do tribunal de Nuremberg, onde ele tentava
fervorosamente fazer com que genocídio fosse reconhecido como uma
nova categoria de crime internacional.
“Como o Velho Marinheiro do poema de Coleridge, Lemkin agarrava
qualquer pessoa em quem pudesse botar as mãos para lhe contar que sua
família tinha sido destruída pelos alemães”, contou Ferencz. “Judeus eram
mortos só por serem judeus.” Então ele terminava fazendo um pedido de
apoio aos seus esforços para que o genocídio fosse reconhecido como
crime especial. Ferencz incluiu deliberadamente o termo em suas
declarações iniciais, atendendo aos apelos veementes de Lemkin,
definindo-o como “o extermínio de categorias inteiras de seres
humanos”.14
O jovem promotor encerrou a apresentação inicial com uma frase que
tocou os corações dos que buscariam alguma dose de justiça para esses
crimes monumentais durante as décadas vindouras; a rigor, seria citada
cinquenta anos depois pelo chefe dos tribunais especiais da ONU para
crimes cometidos na Iugoslávia e em Ruanda. “Se estes homens ficarem
livres, a lei perderá o sentido, e o homem terá que viver com medo”,
declarou Ferencz.15 Depois que ele concluiu os argumentos da acusação
no segundo dia, os meses seguintes do julgamento foram dedicados ao
depoimento dos réus.
Michael Musmanno, o juiz da Pensilvânia que presidia o julgamento,
logo se convenceu de que Ferencz “não lidava com figuras de linguagem,
mas com números de realidade férrea”.16 E descreveu o diminuto
promotor como “Davi avaliando Golias”,17 enquanto demolia as
tentativas dos réus de atribuir as matanças a qualquer um, menos a eles
próprios, ou de sustentar que tinham procurado ser tão “humanos”
quanto possível ao executarem suas tarefas mortíferas.
Musmanno tinha o auxílio de dois outros juízes, mas, como observou
Ferencz, ele dominava completamente as atividades. Filho de imigrantes
italianos,18 Musmanno defendera os célebres anarquistas Nicola Sacco e
Bartolomeo Vanzetti nos anos 1920 e tinha certo gosto pelo espetáculo.
No cargo de juiz de um tribunal de alçada criminal em meados dos anos
1930, lançara uma cruzada contra os riscos de dirigir embriagado e
mandara 25 homens que cumpriam pena por delitos relacionados ao
consumo de álcool assistirem ao sepultamento de um mineiro morto por
um motorista bêbado. Também advertira que qualquer pessoa que pusesse
em dúvida a existência de Papai Noel — “contribuindo assim para a
desgraça das crianças”, como dizia — seria acusada de afronta ao tribunal.
“Se a lei reconhece Zé Ninguém, certamente reconhecerá Papai Noel”,
declarara.19
No começo, Ferencz não sabia muito bem como lidar com aquela
figura extravagante. Ficou irritado quando Musmanno rejeitou
reiteradamente suas objeções à apresentação de provas da defesa, que ele
caracterizava como “boatos remotos, documentos obviamente falsificados
ou testemunhas parciais que deveriam ter sido dispensadas”.20 O juiz
disse então a Ferencz e sua equipe, com toda a franqueza, o que eles já
suspeitavam: aceitaria tudo que a defesa submetesse, “até e inclusive a
vida sexual de um pinguim”. Isso deu origem à expressão “Regra do
Pinguim”.21
Mas Ferencz notou como Musmanno ficava fascinado com os
depoimentos de acusados como Otto Ohlendorf, pai de cinco filhos que
estudara direito e economia, gabava-se de um doutorado em
jurisprudência e comandara o Einsatzgruppe D, provavelmente o mais
notório dos destacamentos de matança. O jovem promotor incluíra
Ohlendorf justamente porque era um dos assassinos em massa da história
mais instruídos.
Virando-se para falar diretamente com Ohlendorf, Musmanno
escolheu as palavras com muito cuidado: “O soldado que vai para a
batalha sabe que deve matar, mas que isso será uma batalha com um
inimigo também armado. O senhor saía para matar a tiros pessoas
indefesas. A moralidade dessa ordem não passou pela sua cabeça? Vamos
supor que a ordem fosse — e não tenho nenhuma intenção de ofender
quando sugiro isso —, vamos supor que a ordem fosse para matar sua
irmã. O senhor não teria instintivamente indagado se essa determinação
estava certa ou errada (...) moralmente, não política ou militarmente (...)
mas como uma questão de humanidade, consciência e justiça?”22
Ohlendorf pareceu abalado com a pergunta. Abria e fechava as mãos, e
os olhos percorriam a sala do tribunal. Musmanno mais tarde descreveria:
“Ele estava consciente de que um homem que mata a própria irmã se
torna algo menos do que humano.” Tudo o que lhe restou foi tentar se
esquivar da pergunta, respondendo: “Não estou em condição,
Meritíssimo, de isolar essa ocorrência das outras.”
Contra a acusação, além de insistir em que não tinha o direito de
questionar as ordens recebidas, Ohlendorf tentou apresentar como
autodefesa as execuções que conduziu, uma vez que, como resumiu
Ferencz, em seus argumentos finais, “a Alemanha estava sendo ameaçada
pelo comunismo, e os judeus eram sabidamente apoiadores do
bolchevismo e os ciganos não eram confiáveis”.23
Esses argumentos não eram de grande ajuda para a defesa de
Ohlendorf ou dos demais acusados. Sobretudo porque eles tinham
condição de ter pensado melhor antes de agir, algo que Musmanno não
deixou de notar. “Dificilmente se encontraria numa mesa de leitura
qualquer numa biblioteca pública tantas pessoas instruídas como as que
estavam reunidas no banco dos réus do julgamento dos Einsatzgruppen em
Nuremberg”, escreveria, mais tarde.24
O general Taylor, que interveio para fazer a declaração final da
acusação, ressaltou que os réus eram os líderes dos “homens com o dedo
no gatilho do gigantesco programa de matança”, e que os autos
demonstravam claramente “o genocídio e outros crimes de guerra e
contra a humanidade apontados na acusação formal”.25 Foi muito
significativo o fato de que, como Taylor, que supervisionaria todos os
julgamentos subsequentes em Nuremberg, também passou a empregar o
novo termo “genocídio”, cunhado por Lemkin.
Trabalhando como juiz na Pensilvânia, Musmanno nunca tinha
condenado ninguém à morte. Católico devoto, ficou tão perturbado com
a possibilidade de chegar a esse veredicto que se retirou por vários dias
num mosteiro próximo. Ferencz não tinha requisitado a pena de morte.
Como explicaria posteriormente, não é que fosse contra a pena capital,
“só que jamais consegui imaginar uma sentença condizente com o
crime”.26
Quando o juiz reapareceu para pronunciar o veredicto, Ferencz ficou
espantado com o que ouviu. “Musmanno foi muito mais severo do que
eu esperava”, lembrou. “Cada vez que ele dizia ‘morte por enforcamento’
era como se eu levasse uma martelada na cabeça.”27 O juiz pronunciou
treze dessas penas e condenou os demais réus a sentenças que iam de dez
anos a prisão perpétua.
Ferencz finalmente entendeu por que Musmanno insistira tanto na
“Regra do Pinguim”. Ele queria “dar todos os direitos possíveis aos
acusados”, nas palavras de Ferencz. “Ele tinha confiança de que não seria
enganado por alegações espúrias e que o tribunal teria a última palavra.”
Quando ouviu a sentença, “de repente senti crescer o respeito e a afeição
pelo juiz Michael Musmanno”, concluiu Ferencz.
Bem mais tarde, como ocorreu com os veredictos de Dachau, as
acusações seriam revistas, e as sentenças, reduzidas em diversos casos.
Olhando para trás, aos 93 anos, Ferencz apresentou os números finais:
“Tive três mil membros dos Einsatzgruppen que matavam todos os judeus
e ciganos que podiam a cada dia. Acusei 22, e levei os 22 à condenação,
treze à morte, dos quais quatro foram de fato executados; o restante
conseguiu a liberdade depois de poucos anos.” E acrescentou, soturno:
“O restante dos três mil (...) nada jamais lhes aconteceu. Mesmo que
tenham cometido assassinato em massa durante todos os dias da
guerra.”28
Apesar de se orgulhar dos seus serviços, Ferencz também se sentia
frustrado com algumas experiências vividas em Nuremberg, sobretudo
com as atitudes dos acusados e seus cúmplices. Fora da sala do tribunal,
ele tinha por regra não falar com os homens que processou, exceto num
caso: Ohlendorf. Ferencz trocou algumas palavras com ele depois que foi
condenado à morte. “Os judeus nos Estados Unidos sofrerão por isso”,
disse o condenado, um dos quatro que foram enforcados. “Ele morreu
convencido de que estava certo.”
Poucos alemães se expressaram com tanta grosseria com os vencedores,
mas a contrição era extremamente rara. “Nunca um alemão chegou para
mim e disse ‘sinto muito’, durante todo o tempo em que estive na
Alemanha”, ressaltou Ferencz. “Essa foi minha maior decepção: ninguém,
incluindo meus assassinos em massa, jamais disse ‘sinto muito’. Era essa a
mentalidade vigente.”
“Onde está a justiça?”, perguntou. “Foi apenas simbólica, foi só um
começo; e é tudo o que se pode fazer.”

***

O cabo Harold Burson, um sapador de 24 anos que cobriu os processos


do Tribunal Militar Internacional em Nuremberg contra os principais
líderes nazistas para a Rede das Forças Armadas, ficava exasperado com as
alegações constantes dos alemães que encontrava de que não apoiavam os
nazistas nem sabiam o que os nazistas tinham feito. “Jamais se encontrava
ninguém que tivesse sido nazista ou que soubesse o que eram os campos
de concentração”, falou com ironia.29 Ou, como disse Richard
Sonnefeldt, judeu alemão que escapou de sua pátria, serviu no Exército
dos Estados Unidos e depois assumiu o cargo de intérprete-chefe em
Nuremberg: “Na Alemanha do pós-guerra, era interessante ver como
tantos nazistas tinham desaparecido junto com os judeus!”30
Os esforços dos alemães para justificar suas atitudes eram tão
generalizados que o dramaturgo e roteirista Abby Mann os ridicularizou
na peça Judgement at Nuremberg. “Não há nazistas na Alemanha”, desabafa
o promotor americano fictício para o juiz, antes de começar o
julgamento. “Não sabia disso, Juiz? Os esquimós invadiram a Alemanha e
tomaram conta. Foi assim que essas coisas terríveis aconteceram. Não foi
culpa dos alemães. E sim daqueles malditos esquimós.”31
Burson estava convencido de que o Julgamento de Nuremberg era de
importância crucial justamente porque o povo alemão precisava ver os
anais do Terceiro Reich ilustrados em todos os detalhes horrendos. “Eu
achava que eles precisavam ter isto imposto indelevelmente sobre si, para
que nunca esquecessem”, contou. Os principais protagonistas do
julgamento viam sua missão como algo ainda maior. Em sua fala de
abertura no Tribunal Militar Internacional, sir Hartley Shawcross, o
promotor-chefe britânico, prometeu que os processos “fornecerão um
critério contemporâneo e uma crônica oficial e imparcial que
historiadores futuros possam consultar em busca da verdade e que sirva a
políticos futuros como um alerta”.32
Os roteiros de rádio que Burson preparava diariamente refletiam a
humildade que sentia ao testemunhar um acontecimento de magna
relevância histórica. “Os espectadores do tribunal compreenderam que
estão participando da formação da história moderna”, escreveu no início
das atividades. Os juízes das quatro potências vitoriosas — Estados
Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética — “fizeram fila para
começar a primeira tentativa que se faz no mundo de estabelecer a lei
internacional entre os países”.33
Entre seus colegas praças do Exército em Nuremberg, Burson ouvia
resmungos de que não havia necessidade de julgamentos, pois as
execuções sumárias dos chefes nazistas seriam mais rápidas e fáceis. Em
seus roteiros para o rádio, Burson contestava essa opinião, citando
argumentos do ministro da Suprema Corte Robert H. Jackson,
promotor-chefe do principal julgamento: “É preciso que não esqueçamos
que os autos pelos quais julgamos os acusados são os mesmos pelos quais a
história nos julgará amanhã.” Ou, como Burson escreveu em seu roteiro:
“Não queremos aplicar o método nazista (...) de ‘levá-los para fora e
fuzilá-los’ (...) pois o nosso sistema não é o da lei de linchamento.
Aplicaremos o castigo que as provas exigirem.”
Olhando para trás quase sete décadas depois, Burson, que viria a ser
cofundador da gigante global de relações públicas Burson-Marsteller,
reconheceu: “Em meus roteiros há um matiz de ingenuidade que eu
talvez não permitisse hoje”, sobretudo no que dizia respeito à sua fé em
que a recém-criada ONU impediria crimes semelhantes no futuro. Mas
ele continuava convencido de que Jackson, que tanto influenciara na
estratégia adotada em Nuremberg, era sincero em sua determinação de
“dar-lhes um julgamento tão imparcial quanto possível sempre que os
vencedores julgam os vencidos” — e estabelecer novos padrões de justiça
internacional.
Entre os repórteres mais tarimbados, incluindo figuras notáveis como
William Shirer, Walter Lippmann e John dos Passos, houve considerável
descrença, pelo menos inicialmente, de “que isto é um espetáculo, não
vai durar muito, e a maioria será enforcada”, como disse Burson. E nos
Estados Unidos os dramas de tribunal provocaram não apenas ceticismo,
mas muitas vezes até mesmo oposição frontal de ambos os lados da
política.
Milton Mayer escreveu em sua coluna na revista The Progressive que “a
vingança não trará os mortos torturados de volta” e que provas
provenientes dos campos de concentração “não seriam, pela prática
judicial americana comum, suficientes para condenação num crime
passível de pena de morte”.34 Na revista The Nation, o crítico James
Agee chegou a sugerir que trechos de filmes da libertação de Dachau
eram exageros propagandísticos. Falando depois que o Tribunal Militar
Internacional anunciou os veredictos, mas antes dos enforcamentos, o
senador republicano Robert A. Taft declarou: “Em todo esse julgamento
há um espírito de vingança, e vingança raramente é justiça.” Ainda
acrescentou que o enforcamento dos onze condenados “seria uma mácula
na história americana da qual não demoraremos a nos arrepender”.35
(Como já assinalado, dez foram enforcados, porque Göring cometeu
suicídio.)
Mesmo alguns dos que viam os julgamentos como importante
primeiro passo no estabelecimento de novas normas internacionais de
justiça admitiam ter dúvidas sobre seu valor. “Punir os criminosos de
guerra alemães criou o sentimento de que, na vida internacional, assim
como na sociedade civil, não se deve permitir que o crime compense”,
declarou Raphael Lemkin, o advogado polonês que cunhou o termo
genocídio. “Mas as consequências puramente jurídicas dos julgamentos
foram totalmente insuficientes.”36 Seu lobby persistente resultaria na
adoção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Convenção sobre
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, em 1948.
Muitos integrantes das equipes jurídicas em Nuremberg não tiveram
tempo para refletir sobre o significado mais profundo dos julgamentos.
“O valor histórico do Julgamento de Nuremberg mal foi percebido pelos
envolvidos no processo”, afirmou Benjamin Ferencz. “Muitos de nós
éramos jovens demais, tomados pela euforia da vitória e pela agitação de
novas aventuras.”37 Mesmo durante os julgamentos, às vezes havia
celebrações nas proximidades. Herman Obermayer,38 o jovem pracinha
judeu baseado em Frankfurt que trabalhara com o carrasco John Woods,
fez uma visita de um dia ao julgamento principal, para observar Göring e
outros réus. Naquela noite, assistiu a uma apresentação das Rockettes da
Radio City, que ali estavam para divertir os soldados.
Apesar disso, para os que se envolveram com os processos, por
qualquer período que fosse, era difícil não perceber seu significado e
simbolismo, ainda que as consequências de longo prazo não fossem nem
um pouco claras. Gerald Schwab, que fugira da Alemanha e se mudara
para os Estados Unidos com o restante da sua família judia, em 1940,
envergara a farda do Exército dos Estados Unidos e servira como
artilheiro na campanha italiana antes que seus superiores o destacassem
para ser intérprete de alemães capturados. Logo após dar baixa, inscreveu-
se para um emprego civil do mesmo tipo em Nuremberg. “Achei
maravilhoso: dava para perceber que estávamos participando de
acontecimentos históricos”, contou.39
Schwab não costumava revelar aos acusados nada sobre seus
antecedentes germano-judaicos, achando que eles já tinham o suficiente
para refletir. Mas, quando ficou na mesma sala que o marechal de campo
Albert Kesselring, que aguardava a hora de depor, o comandante veterano
lhe perguntou onde tinha aprendido alemão. Schwab explicou suas
origens e contou sobre a fuga da família no último minuto. “Deve ser
uma grande satisfação para o senhor estar aqui”, comentou Kesselring.
Schwab respondeu: “Com certeza, senhor marechal de campo.”
Entre os alemães, a queixa mais comum era a de que os julgamentos
não passavam de justiça dos vencedores. “Não, não é nada disso”,
revidava Ferencz enfaticamente. “Se quiséssemos a justiça dos vencedores,
teríamos matado meio milhão de alemães.” Vingança não era bem o
motivo; na verdade, o que queriam era “mostrar como foi horrível, para
impedir que outros façam o mesmo”.40
Em suas considerações iniciais no Tribunal Militar Internacional, o
ministro Jackson tinha ressaltado os objetivos reais dos julgamentos: “Um
dos mais significativos tributos que o Poder já prestou à Razão é ver
quatro grandes países embriagados com a vitória e maltratados por
ferimentos, contendo a mão da vingança e submetendo voluntariamente
seus inimigos cativos ao julgamento da lei.”41 Diante da escala da
vingança infligida antes dos julgamentos, particularmente pelo Exército
Vermelho, a declaração de Jackson poderia ser considerada
autocomplacente demais, mas isso seria um erro. O ministro da Suprema
Corte estava certo justamente porque “a mão da vingança” era tão
poderosa e podia tornar-se ainda mais mortífera.
E certos também estavam outros integrantes das equipes jurídicas que
afirmaram que os julgamentos, apesar de imperfeitos, foram necessários e
bem-sucedidos. “Jamais os arquivos de um país beligerante foram
expostos tão completamente como os da Alemanha nazista no julgamento
de Nuremberg”, escreveu Whitney R. Harris, que conduziu a acusação
contra Ernst Kaltenbrunner, o oficial de segurança de mais alta patente no
banco dos réus. “O resultado é uma documentação sem precedentes com
relação a qualquer guerra importante.”42 De acordo com o general
Lucius D. Clay, o governador militar da Alemanha no período
imediatamente posterior à derrota do país, “os julgamentos completaram
a destruição do nazismo na Alemanha”.43
Nas décadas seguintes, Benjamin Ferencz acabou por acreditar que os
julgamentos — por mais simbólicos que fossem ao punir apenas uma
pequena fração dos responsáveis pelos crimes do Terceiro Reich —
contribuíram para “um despertar gradual da consciência humana”. Pode
ser. Mas havia um argumento ainda mais convincente a favor da
realização dos julgamentos, implícito nos atos de todos aqueles que se
empenhavam em fazê-los funcionar. Foi explicitado por Robert
Kempner, advogado judeu alemão que fugira para os Estados Unidos e
depois voltara como parte da equipe de acusação de Jackson: “Sem eles,
todas aquelas pessoas teriam morrido por nada, ninguém seria
responsabilizado, e tudo aconteceria de novo.”44
A rigor, os tribunais de Dachau e Nuremberg nem de longe foram o
último capítulo nos esforços para levar nazistas à Justiça. Seria necessário
localizar e processar — ou pelo menos expor — outros nazistas durante
os anos e as décadas seguintes. E continuar a instruir um público que, na
Alemanha e em outras partes do mundo, estava cada vez mais ansioso para
voltar a atenção para outros assuntos.
Os julgamentos nem de longe responderam a todas as perguntas
levantadas pela era nazista; as maiores questões continuavam pendentes. O
juiz Musmanno as resumiu em reflexões sobre sua experiência em
Nuremberg:
“O grande problema que enfrentei não foi o de chegar a um veredicto de culpa ou inocência
dos réus. Essa questão começou a se resolver sozinha quando o julgamento se aproximava do
fim. O que me perturbava como ser humano era saber como e por que homens instruídos se
desviaram tanto e tão completamente do que lhes foi ensinado na infância, que abrangia a

ê d b bl d h dd dd l d
reverência às virtudes bíblicas de honestidade, caridade e limpeza de espírito. Teriam
esquecido desses ensinamentos? Não tinham mais consciência dos valores morais?”45

Essas perguntas ainda seriam — e são — repetidas vezes sem conta.


CAPÍTULO CINCO

O RESPONSÁVEL POR MEU IRMÃO


“Um bom alemão morrerá obedecendo a lei de ficar na calçada esperando o
sinal fechar para atravessar a rua, mesmo sabendo que um caminhão,
violando a lei, vem em sua direção.”1
WILLIAM SHIRER, JORNALISTA AMERICANO, CITANDO
UMA ALEMÃ EXASPERADA AO VER SEUS COMPATRIOTAS
SEGUINDO HITLER, NUMA ANOTAÇÃO DE DIÁRIO DE
25 DE JANEIRO DE 1940.

No começo, muitos dos que assumiram a missão de levar os nazistas à


justiça não eram judeus — mais notavelmente, os promotores-chefes de
Nuremberg, Robert H. Jackson e Telford Taylor; Michael Musmanno, o
juiz no caso dos Einsatzgruppen; e o promotor-chefe de Dachau, William
Denson. Mas não era nenhuma surpresa que outros membros das equipes
jurídicas, tanto em Nuremberg como em Dachau, fossem judeus, como
Benjamin Ferencz, ou que sobreviventes do Holocausto, como Simon
Wiesenthal e Tuvia Friedman, estivessem ansiosos para ajudar os
vencedores, fosse como fosse, a prender os criminosos e preparar as
acusações. Seus motivos praticamente não exigem explicação.
Mas Jan Sehn pertencia a uma categoria completamente diferente, e é
difícil imaginar caçador de nazista mais original. Trata-se de alguém até
hoje quase desconhecido, mesmo para seus compatriotas poloneses. No
Instituto da Memória Nacional, em Varsóvia, e nos arquivos do Museu
Memorial do Holocausto, em Washington, há inúmeros depoimentos de
sobreviventes de campos de concentração assinados por ele como juiz de
instrução. Além disso, Sehn escreveu o primeiro relato detalhado da
história, da organização, dos experimentos médicos e das câmaras de gás
de Auschwitz, o campo de concentração que virou sinônimo do
Holocausto.2
Sehn orquestrou o julgamento de Rudolf Höss (não confundir com
Rudolf Hess, o ajudante de Hitler condenado à prisão perpétua em
Nuremberg), comandante de Auschwitz que subiu ao cadafalso no
“bloco da morte”, em 16 de abril de 1947. Ele foi enforcado no lugar
exato onde tantas vítimas suas tinham morrido. Mais significativo ainda
foi Sehn convencer Höss a escrever sua história pessoal antes de ser
enforcado, um volume que até hoje oferece o que talvez seja o vislumbre
da mentalidade de um assassino em massa mais arrepiante da história. Mas
esse perfil biográfico também costuma ser negligenciado no dilúvio de
volumes sobre os crimes do Terceiro Reich, e seu impacto está quase
esquecido.
É possível que Sehn e seu legado tenham recebido pouca atenção
porque ele não deixou registros pessoais: não há diários, memórias ou
mesmo artigos que forneçam um autorretrato. Seus escritos eram
estritamente relatórios e transcrições baseados em depoimentos3 e outras
provas, que reuni como integrante da Alta Comissão para Investigação
dos Crimes Hitleristas na Polônia — e, é claro, como juiz de instrução,
no caso de Höss e no julgamento subsequente de outros funcionários de
Auschwitz, incluindo oficiais da SS. Ele também cuidou do processo
contra Amon Göth, o sádico comandante do campo de concentração de
Plaszów, na Cracóvia, que aparece no filme A lista de Schindler, de Steven
Spielberg. Se não tivesse morrido em 1965, aos 56 anos, talvez Sehn
tivesse contado mais de sua história.
Ou talvez não. Havia uma forte razão para ele manter a narrativa
voltada para seu trabalho, e não sua jornada pessoal. Ele estava
convencido de que tinha algo a esconder, e o escondeu até mesmo dos
colegas mais próximos até o fim da vida.
Nunca foi segredo que a família Sehn era de ascendência alemã,
embora suas origens exatas permaneçam obscuras. Numa região de
fronteiras e impérios em constante mudança, nada há de inusitado nisso.
Quando Jan Sehn nasceu, em 1909 — em Tuszów, aldeia da Galícia que
hoje fica no sudeste da Polônia, mas naquela época fazia parte do Império
Austro-Húngaro —, as línguas faladas em casa eram o alemão e o
polonês. Arthur Sehn, sobrinho-neto de Jan, que nasceu meio século
depois e tentou rastrear a história da família,4 acredita que os Sehns eram
descendentes de colonos alemães atraídos para a Galícia no fim do século
XVIII por José II, imperador do Sacro Império Romano, o governante
do território de Habsburgos que anexou grande parte do sul da Polônia.
As sucessivas partições da Polônia por Rússia, Prússia e Áustria-Hungria
varreram o país do mapa por mais de um século.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a Polônia ressurgiu como Estado
independente. A maior parte da família Sehn permaneceu na região rural
sudeste, ganhando a vida com a agricultura. Mas Jan foi para Cracóvia
estudar direito na Universidade Jaguelônica, onde ficou de 1929 a 1933,
iniciando-se em seguida na carreira de advogado. Em 1937, começou a
trabalhar na divisão investigativa do tribunal de Cracóvia. Antigos colegas
se lembram de que ele logo demonstrou “paixão pela ciência criminal”.5
Mas a invasão da Polônia, que marcou o início da Segunda Guerra
Mundial, dois anos depois, o obrigou a suspender tudo o que vinha
fazendo.
Sehn ficou na Cracóvia durante a guerra trabalhando como
“secretário” de uma associação de restaurantes. Não há provas de que
tenha se envolvido com movimentos clandestinos da resistência polonesa
nem colaborado com as autoridades nazistas; ele simplesmente tentou
sobreviver durante os seis longos anos de ocupação alemã. Mas os outros
membros de sua família, que continuaram a trabalhar na agricultura no
sudeste da Polônia, tiveram uma experiência bem diferente.
Vivendo num vilarejo chamado Bobrowa, também no sudeste da
Polônia, seu irmão, Józef, tomou uma decisão fatídica no começo da
ocupação. Uma das primeiras ações dos senhores alemães foi incentivar
Volksdeutsche — poloneses descendentes de alemães — a se registrarem
como pessoas de etnia alemã. Seu neto Arthur, o historiador da família,
descobriu os registros que mostram que Józef imediatamente registrou
toda a família: a mulher, três filhos e o pai. Escolhendo o lado dos
vencedores, Józef quase certamente calculou que estava protegendo a si e
aos parentes. Como Volksdeutsche, foi designado prefeito do vilarejo.
Quando ficou evidente que a Alemanha estava perdendo a guerra com
o exército já em retirada, Józef desapareceu. Àquela altura, nem os três
filhos sabiam o que lhe acontecera. “As crianças não tinham permissão
para saber”,6 contou um deles, que também se chama Józef. Dois dos
meninos foram mandados para Cracóvia, onde passaram meses com o tio
Jan e sua esposa. Seu pai, como só viriam a descobrir anos depois, tinha
fugido para o noroeste da Polônia e mudado de nome, assumindo o
ofício de guarda-florestal numa comunidade isolada — “tão longe quanto
possível da civilização” — até morrer, em 1958. Chegou a ser enterrado
com o nome falso. Passou o resto da vida temendo a ira dos novos
governantes da Polônia.
Apesar de Józef e Jan Sehn terem tomado caminhos diferentes ainda
bem cedo na vida, Jan tinha consciência do que o irmão fizera durante a
ocupação. Um indício de que sabia foi a prontidão com que se dispôs a
cuidar de seus dois filhos quase no fim da guerra. Além disso, a irmã de
Józef e Jan, que talvez tenha entrado em contato com o irmão fugitivo,
provavelmente manteve Jan informado a respeito de Józef.
Jan e a esposa não tiveram filhos, mas isso não os tornou mais brandos
como pais substitutos. “Ele era muito severo”, falou o sobrinho Józef.
Quando a esposa relatava algum mau comportamento, Jan não hesitava
em castigar à moda antiga: com o cinto. Mas também ajudou o sobrinho
a conseguir emprego temporário num restaurante de Cracóvia e lhe deu
guarida quando ele e o irmão mais precisaram.
Mesmo antes que a guerra terminasse de fato, Jan começou a buscar
provas incriminadoras contra os alemães. Maria Kozlowska, uma vizinha
mais jovem na Cracóvia e que viria a trabalhar no Instituto de Pesquisas
Criminalísticas, que Jan chefiou de 1949 até morrer, narrou que, em
Wroclaw — ou na Breslávia, como a cidade era chamada antes de ser
incorporada à Polônia —, “ele procurou documentos entre as ruínas
fumegantes. Viajou a Polônia inteira em busca de provas.”7
Maria e outros que depois trabalharam com Sehn sempre acharam que
era sua paixão pelo direito e pela justiça que o levava a procurar provas de
crimes nazistas com tamanha determinação e persistência, preparando as
acusações que mandariam tantos criminosos para a forca. Sehn se
dedicava de corpo e alma a ajudar a nova Polônia a se recuperar das ruínas
da ocupação e da perda de aproximadamente seis milhões de pessoas — o
que representava, inacreditavelmente, 18% da população anterior à
guerra; entre os que pereceram, cerca de três milhões eram judeus
poloneses, quase 90% do total desse grupo.8
Eram boas razões para que ele se dedicasse à sua missão, mas não
explicavam tudo. Os colegas de Sehn sabiam de suas distantes raízes
alemãs — o sobrenome já era uma boa indicação —, não havia por que
supor que isso fosse uma motivação. Muitos poloneses também tinham
antepassados mistos, e as origens de Sehn não pareciam nem um pouco
fora do comum — desde que nada fosse revelado sobre a história recente
da família. Maria Kozlowska sabia que ele tinha uma irmã em Wroclaw,
mas nada sobre o irmão sumido, e certamente desconhecia sua odisseia
pessoal durante a ocupação e depois da derrota da Alemanha.
Não foi por acaso. Arthur, o historiador da família, reluta em fazer
qualquer declaração definitiva sobre os motivos do tio-avô, mas suspeita
que o segredo que Jan guardou sobre o irmão — do qual sem dúvida os
novos governantes comunistas da Polônia teriam conhecimento —
também era um fator em sua apaixonada busca pela justiça. “É possível
que ele estivesse ansioso para ficar do lado certo e apontar os erros do
Nazismo”, diz o sobrinho-neto. “Pode parecer um tanto oportunista, mas
talvez seus motivos fossem claros e puros.”
Fossem quais fossem seus motivos, Jan Sehn obteve grandes resultados.

***

Rudolf Höss se tornou comandante de Auschwitz a partir do momento


em que terminou a supervisão de sua criação, em 1940, e ficou até o fim
de 1943. Fundado numa antiga caserna do exército localizada na cidade
de Oswiecim — ou Auschwitz em alemão — o campo principal recebeu
sua primeira remessa de 782 poloneses em junho de 1940.9 Eram
prisioneiros políticos, em geral afiliados a movimentos de resistência, e
quase todos católicos, já que a deportação de judeus ainda não tinha
começado.
Como o antigo prisioneiro político Zygmunt Gaudasinski ressaltou:
“O campo foi criado para destruir a parte mais valiosa da sociedade
polonesa, e nisso os alemães foram parcialmente bem-sucedidos.” Alguns
prisioneiros foram fuzilados, como o pai de Gaudasinski; a tortura era
rotineira e a taxa de mortalidade inicial, muito alta. Para os primeiros
prisioneiros que não morreram, as chances de sobrevivência aumentavam
quando eles assumiam cargos nas cozinhas, nos armazéns e em outros
lugares que ofereciam abrigo numa base diária. Cerca de 75 mil dos 150
mil prisioneiros políticos de Auschwitz morreram no campo.
Quando a Alemanha invadiu a União Soviética, em 1941, despachou
os prisioneiros de guerra para Auschwitz. O chefe da SS, Heinrich
Himmler, previu um número imenso de prisioneiros e fez planos para
expandir o campo, construindo outro grande complexo em Birkenau, a
pouco mais de três quilômetros de distância. Os primeiros prisioneiros de
guerra tiveram que trabalhar na construção de novas instalações em
condições que deixaram horrorizados até mesmo os calejados prisioneiros
políticos poloneses. “Eles eram mais maltratados do que os outros”,
contou Mieczyslaw Zawadzki, que trabalhou como enfermeiro para
prisioneiros de guerra. Alimentando-se apenas de nabo e minúsculas
rações de pão, os presos desmaiavam de fome, por exposição às
intempéries e devido a agressões físicas. “A fome era tão severa que eles
cortavam pedaços das nádegas dos cadáveres no necrotério para comer”,
contou Zawadzki. “Acabamos fechando o necrotério para que eles não
entrassem.”
Com a maioria dos prisioneiros de guerra morrendo depressa, e sem
fluxo subsequente para ocupar as construções, Himmler instruiu Höss a
preparar o campo para um papel importante na Solução Final para os
judeus da Europa. Coordenado por Adolf Eichmann, o transporte de
judeus de toda a Europa transformou Auschwitz-Birkenau no campo de
concentração mais internacional já construído. E, apesar de continuar
sendo um complexo de campos de trabalhos forçados e de extermínio,
logo se tornou a maior fábrica de cadáveres do Holocausto, com as
câmaras de gás e os crematórios de Birkenau operando em capacidade
máxima. Mais de um milhão de vítimas, das quais aproximadamente 90%
eram judeus, pereceram ali.
No fim de 1943, Höss foi transferido para a Inspetoria de Campos de
Concentração, deixando de ser comandante de Auschwitz, mas logo foi
mandado de volta a fim de preparar o campo para a chegada de mais de
400 mil judeus húngaros no verão de 1944. Teve tanto êxito na operação
de receber o maior grupo nacional de judeus despachados para Auschwitz
(a maioria dos judeus poloneses tinham sido mortos em outros campos
antes que Auschwitz entrasse em estágio plenamente operacional) que
seus superiores e colegas apelidaram a operação de Aktion Höss.10
Em abril de 1945, quando o Exército Vermelho abriu caminho até
Berlim e Hitler cometeu suicídio, Höss relatou que ele e a esposa,
Hedwig, pensaram em seguir os passos do líder. “Quando o Führer se foi,
nosso mundo acabou”, lamentou-se. “Havia algum sentido em continuar
vivo?”11 Ele até conseguira o veneno, mas disse que os dois acabaram
resolvendo desistir por amor aos cinco filhos. O que fizeram foi viajar
para o norte da Alemanha, onde se separaram para não serem notados.
Adotando o nome e os documentos de Franz Lang, um falecido marujo,
Höss se apresentou à Escola de Inteligência Naval na ilha de Sylt.12
Quando as forças britânicas tomaram a escola, o pessoal foi transferido
para um acampamento improvisado ao norte de Hamburgo.13 Os
vencedores prestaram pouca atenção ao homem que supunham ser Franz
Lang quando selecionaram os oficiais superiores que foram despachados
para a prisão. Höss logo foi solto e buscou trabalho numa fazenda, no
vilarejo de Gottrupel, perto da fronteira dinamarquesa. Ali viveu oito
meses num celeiro, trabalhando com afinco, sem despertar suspeitas dos
moradores. Como Hedwig e os filhos estavam morando em St.
Michaelisdonn, a cerca de 110 quilômetros, ele conseguia manter contato
com a família.
E o contato foi a ruína de Höss. Em março de 1946, o tenente Hanns
Alexander, judeu alemão que tinha escapado de Londres antes da guerra e
servira no Exército britânico como investigador de crimes de guerra,
conseguira localizar a esposa e os filhos de Höss e estava convencido de
que eles sabiam onde o antigo comandante se escondia.14 Forças
britânicas locais já vinham monitorando a família e, quando descobriram
uma carta de Höss para a esposa, levaram-na para uma prisão local.
Alexander submeteu Hedwig a um intenso interrogatório sobre o
marido, mas ela nada revelou. Com a mãe sob custódia, ele foi atrás dos
filhos, que também se recusaram a dizer onde o pai estava escondido,
mesmo com as ameaças de matar a mãe se ninguém desse a informação.
Alexander se alistara no Exército britânico logo no início da guerra,
ansioso para ajudar na luta contra o país onde nascera. Como caçador de
nazistas atuando em nome de seu novo país depois que a guerra
terminou, não ia desistir fácil. Decidiu levar Klaus, o filho de doze anos e
o mais visivelmente abalado com as ameaças de Alexander, para a mesma
prisão onde a mãe estava detida, mantendo-os em celas separadas.
De início, Hedwig o desafiou, alegando que o marido tinha morrido,
mas Alexander tirou uma última carta da manga: quando um trem se
aproximava da prisão — e chegou tão perto que ela podia ouvir com
clareza —, disse que Klaus seria embarcado e mandado para a Sibéria e
ela nunca mais veria o filho. Em poucos minutos, Hedwig informou o
paradeiro e o nome que o marido usava. Alexander comandou o grupo
de ataque que o capturou no celeiro no fim da tarde de 11 de março. Se
havia qualquer dúvida sobre a identidade de Höss, a aliança de casamento
a dissipou. Quando Alexander ameaçou cortar-lhe o dedo se ele não
tirasse a aliança, o antigo comandante a entregou. A inscrição dizia
“Rudolf ” e “Hedwig”.
Alexander, como tantos outros caçadores de nazistas dos primeiros
tempos, não estava tão disposto a deixar o sistema de justiça militar cuidar
do assunto. Afastou-se deliberadamente dos seus comandados dizendo-
lhes que voltaria dali a dez minutos e que queria encontrar Höss
“intacto” no carro. Os soldados sabiam que aquilo era um sinal verde para
alguma dose de vingança, que executaram rapidamente, espancando-o
com cabos de machado. Quando terminaram, Höss estava sem o pijama e
bastante machucado. Envolto num cobertor, sem sapatos ou meias, foi
posto num caminhão e levado para a cidade.15 Ali, teve que ficar
esperando enquanto Alexander e os soldados comemoravam o sucesso
num bar. Como última afronta, Alexander tirou o cobertor e mandou
Höss atravessar nu a praça ainda coberta de neve para chegar à prisão.
Depois dos primeiros interrogatórios feitos pelos britânicos, os Aliados
decidiram mandar Höss para Nuremberg, no sul, onde o principal
julgamento vinha se desenrolando havia quatro meses. Leon Goldensohn,
psiquiatra do Exército dos Estados Unidos, foi um dos que tiveram
permissão para interrogar o recém-chegado no começo de abril e ficou
impressionado com o que viu na cela solitária. “Ele estava sentado com os
dois pés numa bacia de água fria, esfregando as mãos no colo. Disse que
sofria de queimaduras causadas pelo frio havia duas semanas e que enfiar
os pés na água fria aliviava a dor.”16
Aquele homem de 46 anos um tanto patético de repente se viu muito
solicitado, enquanto o julgamento dos nazistas mais importantes
prosseguia. Mesmo num edifício que agora abrigava alguns dos maiores
criminosos de todos os tempos, o antigo comandante de Auschwitz atraía
muita atenção, particularmente dos encarregados de examinarem o estado
mental dos carrascos de Hitler.
***

Whitney Harris, integrante da equipe americana de acusação, não teve


dificuldades em arrancar uma confissão de Höss. Segundo Harris, Höss
estava “tranquilo, desinteressante e totalmente cooperativo”.17 Soltou
uma bomba já no começo da confissão, calculando “que pelo menos 2,5
milhões de vítimas tinham sido executadas e exterminadas ali [em
Auschwitz] por gás e no crematório e pelo menos mais meio milhão
tinha sucumbido à fome e à doença, somando um total de três milhões de
mortos”.18
Höss diria a Goldensohn que Eichmann tinha informado essas cifras a
Himmler, mas elas talvez fossem “altas demais”.19 A rigor, como ficaria
provado, aqueles números foram inflacionados, embora, é claro, o total
real de vítimas em Auschwitz — agora geralmente calculado entre 1,1
milhão e 1,3 milhão — já fosse suficientemente horripilante.20 Seja
como for, quando depôs perante o Tribunal Militar Internacional,
repetindo os números que fornecera na confissão a Harris, Höss deixou
todos os presentes estupefatos, até mesmo os chefões nazistas no banco
dos réus. Hans Frank, antigo governador-geral de Hitler na Polônia
ocupada, disse ao psiquiatra americano G. M. Gilbert: “Foi o ponto
baixo de todo o julgamento — ouvir um homem anunciar que tinha
exterminado 2,5 milhões de pessoas a sangue-frio. O mundo vai falar
disso pelos próximos mil anos.”21
Mas foi a maneira de falar de Höss — descrevendo como executou a
ordem de expandir Auschwitz para fazer do local um campo de
extermínio altamente eficiente — que causou arrepios nos ouvintes. Em
sua confissão, ele declarou: “A ‘solução final’ da questão judaica
significava o extermínio completo de todos os judeus da Europa.”22
Contou que tinha testado as câmaras de gás recém-construídas: “Matar
pessoas na câmara de morte levava de três a quinze minutos, dependendo
das condições climáticas. Sabíamos que as pessoas estavam mortas quando
os gritos cessavam.” E falou com orgulho das “melhorias” que
implementou em Auschwitz: as quatro câmaras de gás que comportavam
2 mil pessoas cada, enquanto as primeiras câmaras de gás em Treblinka só
comportavam duzentas por vez.
Outro “progresso” em relação a Treblinka, onde a maioria das vítimas
sabia o que as esperava, foram os cuidados que Höss disse que tomou em
Auschwitz para “enganar as vítimas, levando-as a pensar que iam passar
por um processo de despiolhamento”. Mas admitiu que não conseguiam
impedir que circulassem rumores sobre o objetivo do campo, assinalando
que “o cheiro desagradável e nauseante da queima contínua de corpos
permeava a região, e todos nas comunidades vizinhas sabiam que estava
havendo um extermínio em Auschwitz”.
Höss não estava sendo julgado em Nuremberg, já que os americanos
haviam decidido usá-lo como testemunha, não como réu, achando que
ele ajudaria a fornecer provas contra os principais chefes nazistas. No que
o general Taylor, promotor-chefe, chamou de “decisão extraordinária”,23
o advogado de defesa de Ernst Kaltenbrunner, chefe do Escritório
Central de Segurança do Reich, resolveu convocar Höss para depor a
favor do seu cliente. O advogado queria que ele confirmasse que
Kaltenbrunner, apesar de ser o responsável geral por toda a aparelhagem
de terror e assassinatos em massa, jamais visitara Auschwitz. Höss
concordou com esse ponto e com alguns detalhes menores, mas o
impacto geral do seu depoimento só ajudou a selar o destino de
Kaltenbrunner e dos outros que receberam sentenças de morte.
Whitney Harris concluiu que, pela função que exerceu em Auschwitz,
Höss se tornou “o maior assassino da história”.24 E ele também parece
não ter sentido qualquer emoção ao assumir suas tarefas. “Destituído de
princípios morais, [Höss] reagiu à ordem de abater seres humanos da
mesma forma que reagiria a uma ordem para derrubar árvores”,
acrescentou.25
Os dois psiquiatras do Exército dos Estados Unidos que conversaram
separadamente com Höss em Nuremberg, tentando decifrar sua
personalidade, chegaram a conclusões semelhantes. Em sua primeira
sessão com ele, G. M. Gilbert ficou impressionado com o “tom de voz
tranquilo, apático, pragmático”.26 Quando o psiquiatra tentou arrancar
uma explicação sobre como era possível matar tanta gente, o antigo
comandante respondeu em termos puramente técnicos: “Não foi tão
complicado assim — seria até possível exterminar números ainda maiores
de pessoas.” E explicou matematicamente como era ceifar dez mil vidas
por dia. “Matar era o que demandava menos tempo”, acrescentou. “Dá
para liquidar duas mil cabeças em meia hora, mas queimar os corpos
demorava muito.”
Gilbert insistiu em saber por que ele não manifestou nenhuma reserva
nem sentiu o menor escrúpulo quando Himmler o informou de que
Hitler dera ordem para executar a Solução Final. “Eu não tinha nada a
dizer; apenas concordei”, respondeu. Ele não poderia ter rejeitado a
ordem? “Não; depois do nosso treinamento, a ideia de rejeitar uma
ordem jamais passava por nossa cabeça.” Höss alegava que qualquer um
que desobedecesse seria enforcado. E também não lhe ocorreu que
poderia ser responsabilizado pelas consequências do que fazia. “Na
Alemanha subentendia-se que, se algo desse errado, quem deu as ordens
seria o responsável.” Gilbert tentou mais uma vez, perguntando sobre o
elemento humano. Höss o interrompeu: “Isso não contava.”
Ele ofereceu explicação parecida para Leon Goldensohn, apesar de
usar palavras ainda mais chocantes: “Achei que estivesse agindo certo.
Obedecia ordens. Agora vejo que foi desnecessário e errado, mas não sei
o que o senhor quer dizer com ficar perturbado por causa disso, porque
pessoalmente não matei ninguém. Eu era apenas o diretor do programa de
extermínio em Auschwitz (os itálicos são meus). Quem mandou foi Hitler,
por intermédio de Himmler, e foi Eichmann que me deu as ordens sobre
os transportes.”27
Höss deu sinais de perceber que os psiquiatras estavam tentando
categorizá-lo. “Acho que os senhores querem saber se meus pensamentos
e hábitos são normais”, disse a Gilbert, em outra ocasião. E deu a própria
resposta: “Sou completamente normal. Mesmo quando executava esse
serviço de extermínio, levava uma vida normal.”
A conversa assumiu um caráter cada vez mais surreal. Quando Gilbert
quis saber de sua vida sexual com a esposa, Höss respondeu: “Bem, era
normal... mas, depois que ela descobriu o que eu fazia, raramente
sentíamos desejo.”
A ideia de que o que fazia era errado só lhe ocorreu, como disse a
Gilbert, depois da derrota da Alemanha. “Mas ninguém nunca tinha
falado essas coisas; pelo menos, nunca ouvimos.” O passo seguinte na
jornada de Höss seria voltar à Polônia; os americanos resolveram levá-lo
de avião para Varsóvia e entregá-lo às autoridades para que fosse julgado.
O antigo comandante reconheceu que aquela seria sua viagem final, mas
nada parecia abalar seu comportamento letárgico.
A conclusão de Gilbert ao terminar as sessões com o prisioneiro foi a
seguinte: “Há um excesso de apatia que não permite nenhuma sugestão
de remorso; nem mesmo a perspectiva de ser enforcado o acabrunha.
Fica-se com a impressão geral de um homem intelectualmente normal,
mas com a apatia esquizoide, a insensibilidade e a ausência de empatia
que dificilmente seriam mais extremas num psicótico manifesto.”

***

Jan Sehn, que ajudara a preparar depoimentos dos sobreviventes de


Auschwitz usados pela equipe de acusação em Nuremberg, também tinha
lançado os alicerces para o julgamento de Höss e outros operadores de
Auschwitz na Polônia.28 Quando por fim pôde interrogar melhor o
antigo comandante, já na Cracóvia, tinha acumulado grande quantidade
de depoimentos incriminadores. Porém, estava mais ansioso do que
nunca para arrancar tudo o que pudesse do mais famoso prisioneiro do
país.
Como chefe, Sehn era rigoroso, conforme os sobrinhos e colegas de
trabalho logo descobriram. Em fase posterior de sua carreira, quando foi
chefe do Instituto de Pesquisas Criminalísticas, localizado numa elegante
vila do século XIX que adquirira apenas para isso, ele se mostrou rigoroso
com detalhes.29 Verificava se os empregados chegavam exatamente às
oito da manhã e repreendia qualquer um que não o fizesse. Mas também
estava sempre pronto para ajudar alguém que precisasse. Zofia
Chlobowska contou ter chegado atrasada certa manhã porque o filho fora
hospitalizado. Quando explicou o que tinha acontecido, Jan Sehn fez
questão de que ela usasse o carro e o motorista do instituto todas as
manhãs para visitar o filho durante o tratamento.
O elegante e bonito jurista, que também lecionava direito na
Universidade Jaguelônica, costumava ser chamado de “professor” por seus
funcionários. Mas, se isso denotava respeito com um toque de
distanciamento, ele não tinha dificuldades de socializar com a elite de
Cracóvia tanto quanto com seus subordinados. Fumante inveterado,
estava quase sempre segurando um cigarro aceso numa piteira de jade ou
madeira ao receber visitantes e com frequência abria o armário do
escritório para pegar uma boa vodca e oferecer uma dose. Quando
funcionários — como a farmacologista do instituto, Maria Paszkowska —
preparavam uma garrafa de bebida caseira, ele participava alegremente da
degustação no escritório. Boa parte das bebidas era preparada no próprio
instituto, com morangos, cerejas, ameixas ou qualquer outra fruta da
estação.
Quando começou seu interrogatório de Höss, em novembro de 1946,
Sehn o tratou com cortesia impecável. Seu objetivo era reunir todos os
possíveis fragmentos de informação sobre as operações em Auschwitz e
sobre a história pessoal do interrogado. Como os psiquiatras americanos,
ele queria entender a personalidade do responsável pela maior fábrica de
cadáveres da história. De manhã mandava trazer o antigo comandante da
prisão para seu escritório, e a sessão de interrogatório ia até o meio-dia.
Sehn informou, muito satisfeito, que Höss “depôs prontamente e deu
respostas exaustivas a todas as perguntas do investigador”.30 Se Höss
hesitou em concordar com o pedido de Sehn para que começasse a
registrar também por escrito tudo o que pudesse lembrar, essas dúvidas
logo desapareceram. Orientado pelas perguntas do juiz, ele escrevia
longamente à tarde, em geral depois de um almoço pago pelo próprio
Sehn. Quando havia interrupções de alguns dias entre as sessões, Sehn
informou que “ele escrevia também por iniciativa própria ao perceber
que algum assunto abordado à margem do interrogatório era de interesse
do interrogador”.31
Ao aproximar-se o momento do encontro com o carrasco, Höss pediu
a Sehn que entregasse sua aliança — a mesma que traíra sua identidade ao
grupo de busca britânico no fim da guerra — à esposa quando ele
morresse; Sehn concordou. “Reconheço que nunca esperei um
tratamento tão decente e atencioso como o que recebi sob custódia
polonesa”, declarou o antigo comandante.32 Também ficou mais do que
feliz com a tarefa de redigir que Sehn lhe dera. “Essa atividade me
poupou de horas de inútil e enervante autopiedade”, escreveu. Para ele,
escrever era “envolvente e satisfatório”, algo que lhe dava, todas as tardes,
“o sentimento agradável de ter não apenas deixado mais um dia para trás,
mas também de ter feito um serviço útil”.33
Esse “serviço útil” formaria a base da autobiografia de Höss, publicada
pela primeira vez em polonês em 1951, quatro anos depois que ele foi
enforcado.

***

“Nas páginas seguintes, tentarei contar a história do meu ser mais íntimo
e profundo”,34 escreveu Höss, no início das suas memórias, que
posteriormente seriam publicadas em alemão, inglês e outras línguas. Ele
descreveu uma infância solitária nos arredores de Baden-Baden, em meio
a casas de fazenda isoladas perto do bosque. “O único confidente era meu
pônei, e eu tinha certeza de que ele me compreendia”, registrou. Não
tinha a menor vontade de passar seu tempo com as irmãs, e, embora
afirme que os pais se tratavam com “amoroso respeito”, eles nunca
demonstraram qualquer sinal de afeição.
Tinha sido proibido de entrar desacompanhado no bosque “porque,
quando eu era mais novo, uns ciganos que passavam me viram brincando
sozinho e me levaram”. De acordo com esse relato, um camponês que
conhecia a família encontrou os ciganos na estrada e, reconhecendo o
menino, levou-o de volta para casa.
Não é preciso ser psicólogo para reconhecer que esse fragmento de
tradição familiar, verdadeiro ou não, inculcou a noção de que havia
pessoas estranhas pelo mundo cheias de más intenções. A outra parte da
sua criação envolvia os planos do pai para que ele se ordenasse padre.
Católico devoto e ex-soldado na África Oriental Alemã, o pai era um
vendedor que passava longos períodos ausente, mas começou a viajar
menos depois que a família se mudou para Mannheim. Passando mais
tempo com o filho, insistia numa criação fortemente religiosa e lhe falava
da boa obra de missionários na África. Isso produziu no menino o efeito
desejado. “Eu estava decidido a um dia ser um missionário nas florestas
tenebrosas da África mais escura”, escreveu. “Aprendi que minha maior
obrigação era ajudar os necessitados.”
Então veio o inevitável momento de desilusão com a fé religiosa, que
Höss conta como se isso pudesse explicar o caminho subsequente que
trilhou na vida. Aos treze anos, “sem querer” derrubou um colega de sala
na escadaria da escola, e o menino quebrou o tornozelo na queda. Höss
considerou que centenas de alunos já deviam ter caído naquelas escadas e
que fora por azar que o colega se machucara, mas foi se confessar
imediatamente, “para tirar o incidente da consciência”. O padre confessor
era amigo do seu pai e lhe contou sobre a má ação do menino quando
apareceu em sua casa como convidado, naquela mesma noite. No dia
seguinte, o pai de Höss o castigou por ele não ter lhe contado o que
fizera.
O jovem Höss ficou chocado com a “traição inimaginável”,
ressaltando que um dos princípios do cristianismo é que padres nunca
revelem o que ouvem no confessionário. “Minha fé no sacerdócio
sagrado foi destruída”, escreveu. O pai morreu um ano depois. Quando a
Primeira Guerra Mundial começou, Höss sonhava em participar da luta,
apesar de ser novo demais. Alistou-se secretamente aos dezesseis anos, foi
mandado para a Turquia e em seguida para o Iraque. Na primeira batalha
com tropas britânicas e indianas, admitiu que foi “tomado pelo terror” ao
ver seus companheiros derrubados por balas, e ele sem poder fazer nada.
Mas, quando os soldados indianos chegaram mais perto, superou o medo
e acertou um deles. “Meu primeiro morto!”, escreveu, com o ponto de
exclamação traduzindo o orgulho, concluindo que nunca mais voltaria a
sentir medo diante da morte.
Não fosse a história de um futuro assassino em massa, nada haveria de
extraordinário nela. Mas isso é justamente o que importa ressaltar. Höss se
apresenta como um adolescente comum, que precisou amadurecer
depressa porque estava mergulhado na guerra na qual fora ferido duas
vezes. Os ferimentos também o puseram numa situação em que teria de
baixar a guarda, superando o instinto cultivado desde o começo da
infância de evitar “todas as manifestações de afeto”. Uma enfermeira que
tomava conta dele o deixou perturbado “com suas ternas carícias”, mas
de repente algo mudou. “Guiado por ela, passo a passo, até a consumação
final”, ele teve “uma experiência maravilhosa e inimaginável (...)
finalmente também caí sob o mágico feitiço do amor”.
Höss confessou que nunca teria sido capaz de “tomar coragem” para
iniciar o caso amoroso, e que aquilo teve grande impacto em seu jeito de
pensar. “Com toda a sua ternura e graça, aquela enfermeira me afetaria
pelo resto da vida”, escreveu. “Nunca mais consegui falar levianamente
desses assuntos; e o sexo sem afeto se tornou impensável. Dessa forma, fui
salvo de flertes casuais e de bordéis.”
Como em quase tudo na narrativa, Höss simplesmente ignorava
qualquer coisa que desmentisse o retrato que pintava de si mesmo. Em
Auschwitz, começou a prestar atenção especial numa prisioneira
austríaca, Eleanor Hodys, costureira não judia que fora flagrada forjando
um documento nazista.35 Quando a mulher foi trabalhar na vila de Höss,
ele a surpreendeu beijando-a nos lábios, o que a fez trancar-se no
banheiro. Logo estava trancada numa cela no bloco de interrogatório.
Tomando cuidado para não ser visto pelos próprios guardas, Höss
começou a visitá-la em segredo. De início, Eleanor resistiu, mas acabou
cedendo. Engravidou e foi transferida para uma cela escura e minúscula
no subsolo, onde era mantida nua e recebia uma quantidade mínima de
alimento. Quando finalmente foi solta, estava com seis meses de gestação
e, por ordem do comandante, levaram-na a um médico que fez um
aborto.
Nenhuma palavra sobre esse episódio sórdido aparece nas memórias de
Höss, é claro. Contemplando sua vida passada enquanto aguardava a
execução, ele se apegou à noção de que a história sobre o momento em
que chega à idade adulta mostrava-o como homem de princípios — e,
sim, um pouco romântico à moda antiga. Ressalta com orgulho que
comandava homens de mais de trinta anos quando ainda tinha apenas
dezoito, no fim da Primeira Guerra Mundial, e foi condecorado com a
Cruz de Ferro de Primeira Classe. “Cheguei à idade viril, tanto física
como mentalmente, bem antes da minha idade cronológica”, proclamou.
A mãe tinha morrido durante a guerra, e ele imediatamente se
desentendeu com os parentes restantes, incluindo o tio que se tornara seu
guardião e ainda queria que ele se ordenasse padre. Renunciando a
qualquer herança deixada pelos pais, Höss estava “cheio de raiva” quando
deixou os parentes e resolveu ingressar numa das unidades dos Freikorps
(“Regimentos Livres”) — como eram chamados os grupos paramilitares
de ex-soldados que diziam defender a honra do país derrotado — nos
Estados bálticos. “Eu abriria meu caminho no mundo lutando sozinho”,
escreveu. Seus novos camaradas eram, como ele, “desajustados na vida
civil”. Também ingressou no Partido Nazista em 1922, ressaltando que
estava “em firme acordo” com seus objetivos.
Höss estava disposto a tudo para administrar a versão de justiça dos
Freikorps. “A traição era punida com morte, e havia muitos traidores a
punir”, comentou. Apesar da desordem geral daquele período, quando
inúmeros assassinatos políticos ficaram impunes, em 1923, as autoridades
condenaram Höss por seu papel numa dessas mortes, sentenciando-o a
dez anos de trabalhos forçados. Höss não se arrependeu, “totalmente
convencido de que aquele traidor mereceu a morte”.
Escreveu, com indisfarçável piedade de si mesmo, que “cumprir pena
numa prisão polonesa naqueles dias não era nenhum tratamento em casa
de repouso”. Queixou-se das regras estritas e dos castigos para qualquer
violação. Mesmo depois de dirigir Auschwitz e servir em outros campos
nazistas, nunca lhe ocorreu que aquelas condições eram infinitamente
melhores do que qualquer coisa que seus prisioneiros tiveram que
aguentar.
Outro aspecto notável do relato é sua indignação — um senso de
superioridade moral — com os colegas prisioneiros. Dizia ter ouvido um
deles descrever como matara uma mulher grávida e empregada doméstica
a machadadas e silenciado quatro crianças que gritavam quebrando-lhes a
cabeça de encontro à parede. “Esse crime apavorante me deu vontade de
voar na garganta do sujeito”, afirmou Höss, apresentando-se como
verdadeiro amante da humanidade. Quanto à população carcerária em
geral, “suas almas não tinham lastro”, afirmou. Sentia o mesmo desdém
pelos carcereiros, “cujo prazer que experimentam com o poder aumenta
na proporção da baixeza de sua mentalidade”.
Ainda alimentando a mistura de autopiedade e senso de superioridade
moral, Höss foi solto em 1928, como parte de uma anistia geral. Os
nazistas não demoraram a tirar partido do desespero econômico da
maioria dos alemães em consequência do colapso de Wall Street em
1929. Um ano depois que Hitler tomou o poder em 1933, Höss
ingressou nas tropas da SS destacadas para o recém-criado campo de
concentração de Dachau, destinado a prisioneiros políticos, e começou a
treinar outros jovens para trabalharem lá. Chegara a pensar em se dedicar
à agricultura, segundo escreveu, mas acabou decidindo que desejava
permanecer no serviço militar. “Não pensei nada em referência a campos
de concentração”, afirmou. “Para mim era só uma questão de voltar à
ativa, de retomar minha carreira militar (...) a vida de soldado tinha muito
apelo para mim.”
Essa vida de soldado da SS — mesmo na versão inicial do campo de
concentração nazista — incluía níveis sempre crescentes de brutalidade.
Não havia batalhas para travar com inimigos armados; ali, a tarefa
consistia em aterrorizar e, em muitos casos, matar prisioneiros indefesos.
Em seus escritos para Sehn,36 Höss insistiu reiteradamente que era mais
sensível do que outros guardas da SS. Quando assistiu à primeira
flagelação de um prisioneiro, os gritos o fizeram “sentir calor e frio no
corpo todo”. Enquanto outros homens viam naquela imposição de dor
“um excelente espetáculo, uma espécie de folia camponesa”, declarou:
“Eu certamente não era um desses.”
Mas ele também advertia sobre os perigos de “demonstrar excessiva
bondade e boa vontade com os prisioneiros”, pessoas desonestas capazes
de se unir e de levar a melhor sobre os carcereiros. Em 1938, foi
promovido ao cargo de assistente em Sachsenhausen, outro campo de
concentração. Logo estava marchando quase todos os dias com seu
pelotão de fuzilamento, dando as ordens para disparar assim que o
prisioneiro era posicionado ao lado do poste, ele próprio desferindo o
golpe de misericórdia. Alegava que as vítimas eram “sabotadores” ou
pessoas que resistiam à guerra e minavam os esforços de Hitler. Fossem
comunistas, socialistas, testemunhas de jeová, judeus ou homossexuais,
todos os prisioneiros eram considerados inimigos.
Isso não era problema para Höss. Ele dizia que “não tinha o perfil
adequado para esse tipo de serviço”, o que significava ter que trabalhar o
dobro para não “revelar minha fraqueza”. Que fraqueza? “Nunca me
tornei indiferente ao sofrimento humano.” Mas insistia em dizer que os
primeiros êxitos de Hitler mostraram que os “meios e os fins” dos
nazistas estavam certos. No final de 1939, foi promovido a comandante
de Sachsenhausen. No ano seguinte assumiu suas atribuições em
Auschwitz.

***

Jan Sehn afirmava que seu famoso prisioneiro não foi completamente
insincero e dissimulado ao escrever sobre sua falta de entusiasmo no
desempenho de algumas tarefas — ou pelo menos que ele não tinha o
mesmo entusiasmo de subordinados seus mais francamente sádicos. “Os
comandantes ideais de campos de concentração no sentido nacional
socialista não eram as criaturas pessoalmente brutais, imorais e depravadas
da SS, mas Höss e pessoas como ele”, ressaltou Sehn. Em outras palavras,
eram tecnocratas impulsionados pela ambição de subir dentro da
hierarquia cumprindo suas tarefas, e não basicamente motivados pelo
desejo ardente de torturar e assassinar as pessoas de quem tomavam conta.
Mas, se torturas e assassinatos em massa faziam parte do serviço, então
que assim fosse.
Nos escritos que redigiu para Sehn sobre seus anos em Auschwitz,
Höss foi muito mais expansivo do que em seus depoimentos e conversas
em Nuremberg.37 Foi incumbido de organizar o novo campo
aproveitando edifícios já existentes e acrescentando o novo complexo de
Birkenau; mas disse que sua intenção original era romper com os
precedentes estabelecidos por outros campos, oferecendo “melhor
tratamento” para os prisioneiros, a fim de que trabalhassem mais,
“alojando-os e alimentando-os melhor”.
Segundo ele, no entanto, suas boas intenções foram “esmagadas pela
inadequação humana e pela pura estupidez da maioria dos oficiais e
soldados que me foram enviados”. Em outras palavras, a brutalidade dos
seus subordinados era incontrolável — e, é claro, ele mesmo não tinha
culpa. Como resultado, buscou refúgio em sua dedicação obsessiva ao
trabalho. “Decidi que nada ia me derrubar”, escreveu. “Meu orgulho não
o permitiria. Eu vivia apenas para o meu trabalho.”
Höss insistia em dizer que pagara um preço alto por desistir da
intenção original de comandar um campo mais eficiente e com menos
violência gratuita. “Tornei-me outra pessoa em Auschwitz... Todas as
emoções humanas foram reprimidas.” As pressões dos superiores, somadas
à “resistência passiva” dos subordinados no cumprimento de suas ordens,
levaram-no a beber muito. Hedwig, sua esposa, tentava organizar festas
com amigos para melhorar seu humor, mas isso não funcionou. “Até
mesmo pessoas que mal me conheciam sentiam pena de mim”,
acrescentou, cedendo mais uma vez à autopiedade que permeia o relato.
Quando em 1941 Himmler baixou a ordem para instalar as câmaras de
gás que permitiriam os extermínios em massa, Höss não hesitou em
cumpri-la. “Foi sem dúvida uma ordem extraordinária e monstruosa”,
escreveu. “Apesar disso, as razões que havia por trás dos programas de
extermínio me pareciam corretas.” Era apenas mais uma ordem a ser
obedecida, prosseguiu, indicando que só a reconheceu como monstruosa
quando se viu diante da perspectiva de ser executado. “Não pensei nisso
na época (...) Faltava-me a amplitude de visão necessária.”
Ele assistiu pessoalmente ao gaseamento de prisioneiros políticos
soviéticos usados para testar a eficácia do Zyklon B, o gás desenvolvido
para assassinatos em massa. “Durante as primeiras experiências de
gaseamento, não compreendi bem o que se passava, talvez por ter ficado
impressionado demais com o procedimento todo”, escreveu. Quando um
grupo de novecentos prisioneiros foi colocado na câmara de gás, ele
ouviu os presos desesperados se jogando contra as portas. Ao ver os
corpos, depois que a câmara foi arejada, acrescentou: “Aquilo provocou
em mim um sentimento de desconforto, e estremeci, mesmo imaginando
que a morte por gás seria pior do que de fato era.” Disse ainda que o
gaseamento “acabou com minhas preocupações”, pois ele se convenceu
de que seria possível levar adiante o extermínio em massa dos judeus.
Logo a máquina da morte do campo funcionava em sua capacidade
máxima, e Höss estava lá para garantir sua regularidade. Enquanto muitos
dos condenados caíam na conversa de estarem indo tomar banho de
chuveiro, outros percebiam do que se tratava. O comandante notou que
mães que se davam conta da situação “ainda assim encontravam coragem
para fazer piadas e dar força aos filhos, apesar do terror mortal visível nos
próprios olhos”. Uma mulher a caminho da câmara de gás foi até Höss e,
apontando para os quatro filhos, sussurrou: “Como é que o senhor pode
ter coragem de matar crianças tão lindas e fofas? O senhor não tem
coração?” Outra mãe tentou jogar os filhos para fora da câmara de gás
quando a porta estava sendo fechada. “Pelo menos deixem vivos meus
tesouros!”, suplicou — inutilmente, é claro.
Höss afirmava que ele e os outros guardas eram afetados por essas
“cenas tão perturbadoras” e que eram atormentados por “dúvidas
secretas”. Mais razões, portanto, para suprimi-las. “Todos me
observavam”, comentou, explicando por que não podia se dar ao luxo de
mostrar a menor hesitação ou misericórdia. Também afirmava jamais ter
odiado os judeus, uma vez que “a emoção do ódio é alheia à minha
natureza”. Apesar disso, admitia: “É verdade que eu os via como inimigos
do nosso povo.”
Apesar de toda a conversa sobre dúvidas secretas, o orgulho que ele
sentia da eficiência da máquina de matar que construíra é evidente em
seus escritos para Sehn. Até comenta, arrependido, que o processo de
seleção deixou vivos muitos prisioneiros doentes que “atulhavam o
campo”, e que seus chefes deveriam ter seguido seu conselho, mantendo
uma força de trabalho menor e mais saudável — em outras palavras,
deveriam ter despachado ainda mais judeus para a morte.
Embora tenha escrito, em tom despreocupado, que nunca se queixava
de tédio em Auschwitz, Höss insistiu em afirmar que “deixou de ser
feliz” quando o extermínio em massa começou. O motivo que cita revela
mais sobre seu caráter do que qualquer outra coisa em suas memórias.
Todos em Auschwitz achavam que ele levava “uma vida maravilhosa”, e
era verdade que sua esposa tinha um “paraíso de flores” no jardim, os
filhos eram mimados e podiam desfrutar de seu amor pelos animais
criando tartarugas, gatos e lagartos e visitando os estábulos e os canis.
Gabava-se de que até os prisioneiros que trabalhavam para eles viviam
ansiosos para lhes fazer favores, sem perceber por que isso ocorria. Mas
acrescentou: “Hoje eu me arrependo profundamente de não ter dedicado
mais tempo aos meus filhos. Sempre achei que deveria trabalhar mais.”
Höss redigiu essas linhas logo depois de descrever os apelos lancinantes
de mães tentando salvar ou pelo menos acalmar os filhos quando eram
empurradas para as câmaras de gás. Ele claramente não via ligação entre
uma coisa e outra. Como Sehn escreveu, na introdução à edição polonesa
das memórias: “Todas as suas descrições de assassinatos em massa”
parecem escritas “por um observador totalmente desinteressado”.38
Para Sehn e outros nos primeiros tempos de Nuremberg, Höss disse
formalmente que assumia a responsabilidade por seus atos e compreendia
que teria que pagar por eles com a própria vida, mas não parava de
transferir a verdadeira culpa ora para Hitler, ora para Himmler, que deram
as ordens. Ao mesmo tempo, explicava com orgulho que, mesmo quando
a guerra ia chegando ao fim, “meu coração se apegava a Hitler e a seus
ideais, que não devem perecer”.
Primo Levi, o escritor judeu italiano e sobrevivente de Auschwitz,
preparou uma introdução para uma edição posterior da autobiografia de
Höss. “É repleta de malignidade, narrada com perturbadora obtusidade
burocrática.” E acrescenta que o autor dá a impressão de ser “um canalha
grosseiro, estúpido, arrogante e falastrão, que por vezes mente
descaradamente”.Mas Levi também qualifica o volume como “um dos
livros mais instrutivos até hoje publicados”, capaz de demonstrar como
um homem que em outras circunstâncias provavelmente teria sido “um
tipo qualquer de funcionário enfadonho, comprometido com a disciplina
e dedicado à ordem” se transformou “num dos maiores criminosos da
história”.39
O livro mostra, prosseguiu, “a rapidez com que o mal pode substituir
o bem, assediando-o e finalmente submergindo-o — e, apesar disso,
permitindo que sobreviva em ilhotas minúsculas e grotescas: uma vida
familiar ordeira, o amor à natureza, a moralidade vitoriana”. Não
obstante, Levi reconhecia que a narrativa de Höss era basicamente
verídica, incluindo sua insistência em afirmar que não era nenhum sádico
que gostasse de infligir dor. Nesse sentido, ele foi “um homem que não
era um monstro, e nunca se tornou um, nem mesmo no auge da carreira
em Auschwitz”.
Esses temas viriam novamente à tona no caso mais famoso de outro
arquiteto do Holocausto, Adolf Eichmann. Seriam os principais
criminosos monstros ou, aparentemente, seres humanos comuns? Em
muitos sentidos, Höss deu mais munição do que Eichmann o faria em
fase posterior aos que defendem o último ponto de vista. Essa
interpretação se tornaria conhecida como a tese da “banalidade do mal”.

***

Como já foi dito, Höss, apesar de fornecer provas tanto em Nuremberg


como em Cracóvia, induziu seus interrogadores a erro sobre o total de
vítimas de Auschwitz. Sua estimativa inicial de que seriam de 2,5 a 3
milhões foi respaldada por alguns depoimentos de sobreviventes do
Sonderkommando do campo — os prisioneiros judeus do sexo masculino
que formavam pelotões incumbidos de arrebanhar os recém-chegados
para as câmaras de gás. A maioria dos integrantes dessas unidades especiais
também acabou sendo morta, mas alguns sobreviveram.40 Dois deles
depuseram logo depois da guerra, afirmando que mais de quatro milhões
de pessoas tinham sido mortas a gás em Auschwitz. Esta se tornou a cifra
oficial apresentada pelas autoridades polonesas e soviéticas, e o livro que
Sehn escreveu sobre o campo cita esse número.41 Na verdade, o governo
comunista polonês só cedeu nessa questão depois de sua queda, em 1989,
apesar das provas cada vez mais numerosas de que se tratava de um total
consideravelmente exagerado.
Entre aqueles que negam a existência do Holocausto, ou pelo menos
acham que o número de vítimas é imensamente exagerado, Sehn e seus
escritos costumam ser visados, chamados de “joguete dos soviéticos”.42
Mas, apesar de as comissões soviética e polonesa que primeiro
investigaram Auschwitz estarem predispostas a aceitar os depoimentos
mais incriminadores, a ideia de que os números originais foram produto
de falsificação deliberada não se sustenta em fatos.
Como foram Höss e alguns sobreviventes que forneceram os números
altos iniciais, não é de surpreender que fossem levados a sério.
Lembrando que oficiais da SS queimaram 90% dos registros do campo
antes de abandoná-lo. Piotr Cywinski, atual diretor do Museu Estatal de
Auschwitz-Birkenau, observou que foi necessário um tempo considerável
para que estimativas realistas pudessem ser realizadas. “Eu não presumiria
má intenção da parte das comissões de guerra”, disse. “A certa altura, a
atitude adotada pela comissão soviética foi a de que ‘quanto mais,
melhor’.” E, uma vez que isso se tornou a linha oficial na era stalinista,
“era preciso ser louco para contestar declarações do Politburo”.43
Franciszek Piper, historiador polonês do Museu Estatal de Auschwitz-
Birkenau durante as eras comunista e pós-comunista, teve o desagradável
trabalho de calcular a primeira, e bem mais baixa, estimativa oficial do
número de vítimas do campo: entre 1,1 milhão e 1,5 milhão. Em 1992, já
depois da queda do comunismo, ele finalmente conseguiu publicar um
livro com suas descobertas.44 Mesmo sabendo que os números oficiais
estavam errados bem antes de conseguir que fossem alterados, ele
observou que as autoridades provavelmente temiam tomar qualquer
medida que parecesse “minimizar o crime de genocídio, em particular os
crimes cometidos em Auschwitz”.45 Além disso, acrescentou que
“qualquer um que tentasse reduzir a estimativa naquela época era atacado
e considerado defensor dos assassinos”.46
Na realidade, esses quatro milhões correspondem aproximadamente ao
número total de judeus mortos em todos os campos de extermínio e
guetos, sem contar o mais de um milhão de mortos pelos Einsatzgruppen,
os destacamentos especiais de execução na frente oriental. Trata-se, em
grande parte, de coincidência. Mas sublinha o fato de que as cifras revistas
de Auschwitz não alteraram o número geral de vítimas do Holocausto.
Sehn estava longe de acatar a ideologia do novo regime. A rigor,
mesmo depois que se tornou diretor do Instituto de Pesquisas
Criminalísticas, em 1949, ele não ingressou no Partido Comunista, o que
seria de se esperar de alguém num cargo como o seu. Em vez disso,
entrou para a Aliança Democrática, que chamava de “filho ilegítimo” dos
comunistas47 — em outras palavras, um pequeno partido que o regime
tolerava para criar uma fachada de pluralismo. Curiosamente, foi um dos
dois pequenos partidos que romperam com os comunistas em 1989,
pondo fim à regra de estarem sempre alinhados com o Solidariedade no
Parlamento.
Isso foi muito depois da morte de Sehn, mas seu instinto era
claramente o de manter boas relações com os novos governantes ao
mesmo tempo que mantinha distância sempre que possível. Durante sua
gestão como diretor do Instituto de Pesquisas Criminalísticas, de 1949 até
sua morte, em 1965, ele conseguiu evitar que ali se formasse um Partido
Comunista num período em que quase todas as instituições do gênero
tinham esse órgão interno. “Durante sua gestão, nunca houve pressão
política”, afirmou a colega de trabalho Zofia Chlobowska.
Ao mesmo tempo, ele cultivou uma amizade íntima com Józef
Cyrankiewicz, líder do Partido Socialista Polonês antes da guerra e
sobrevivente de Auschwitz, que posteriormente foi primeiro-ministro na
Polônia comunista. Sem essas relações, ele provavelmente jamais teria
recebido a atribuição de cuidar da investigação e do Julgamento de
Auschwitz, nem permissão para viajar ao exterior. Como era típico
daqueles tempos, Sehn levava um “guarda-costas” sempre que saía do
país, particularmente se fosse à Alemanha fornecer provas para outros
julgamentos. Apesar de receber ameaças de morte anônimas enquanto
perseguia criminosos nazistas, o verdadeiro objetivo do guarda-costas era
garantir que ele não tivesse contatos não autorizados com estrangeiros.
Sehn nunca foi vingativo ao interrogar Höss e seus cúmplices. “Ele era
humano no modo como lidava com os criminosos, pois sabia o destino
que os aguardava”, ressaltou Zofia Chlobowska. Também sabia que os
prisioneiros reagiam melhor quando bem-tratados, tornando-se mais
francos em relação aos seus delitos monstruosos. Estava convencido de
que seu trabalho consistia em extrair o depoimento mais completo
possível do antigo comandante, o que forneceria as provas mais
prejudiciais contra ele mesmo. Sob sua direção habilidosa, Höss soltou
uma enxurrada de palavras que fez exatamente isso.
Pelo menos de forma subconsciente, Sehn pode ter iniciado sua
investigação criminal para mostrar quanto era diferente do irmão, que,
tendo se registrado como Volksdeutsche, fora prefeito de um vilarejo a
serviço dos ocupantes alemães. Mas sua determinação de condenar os
criminosos e obter depoimentos das vítimas era grande demais para que
isso fosse o fator decisivo.
Sehn sempre foi especialmente cuidadoso em seus contatos com os
sobreviventes do campo que lhe forneciam relatos pavorosos e em pelo
menos uma ocasião assumiu o risco político de ajudá-los. Sua antiga
colega Maria Kozlowska lembrou-se de quando ele tomou depoimentos
de polonesas que sobreviveram aos experimentos médicos no campo de
concentração de Ravensbrück. “Elas estavam arrasadas psicologicamente,
e Sehn conseguia convencê-las de que valia a pena viver”, contou. No
início da era comunista, ele também alcançou a proeza inusitada de
persuadir as autoridades a permitir que um grupo de dez ou doze
sobreviventes viajasse à Suécia em busca de recuperação.
Naquele tempo, cidadãos comuns não tinham muitas oportunidades
de viajar para fora do bloco soviético, porque as autoridades temiam que
eles não voltassem. E, na verdade, apenas dois ou três integrantes do
grupo de sobreviventes de Ravensbrück retornaram, o que poderia ter
bastado para arruinar Sehn. Graças à sua amizade com o primeiro-
ministro Cyrankiewicz, ele resistiu bem a essa crise.
Outra sobrevivente de Ravensbrück, que mancava por causa das
muitas surras nas pernas que levara no campo, de vez em quando aparecia
no escritório do instituto “para proclamar, aos berros, que tinha sido
injustiçada”, contou Maria Kozlowska, acrescentando que, “é claro, tinha
sido tremendamente injustiçada”. Sehn fazia questão de que os
funcionários a tratassem bem. Eles lhe davam lápis, papel e uma cadeira
para sentar, e ela passava horas escrevendo. O resultado era quase sempre
ilegível, mas a mulher saía dali mais calma, pelo menos por uma ou duas
semanas.
Em seus esforços para condenar criminosos, Sehn jamais esquecia
quem de fato tinha sofrido e nunca se deixou enganar pelas patéticas
tentativas de Höss de se apresentar como digno de pena. O ex-
comandante precisava ser estudado à exaustão e ter permissão para
apresentar toda a sua história pessoal, que na verdade era uma
autoincriminação. Ele precisava pagar o preço mais alto. Era assim que
Sehn via sua missão.
CAPÍTULO SEIS

FAZENDO VISTA GROSSA


“Em nossa opinião, o castigo de criminosos de guerra é mais uma questão de
desestimular futuras gerações do que de administrar a punição merecida a cada
indivíduo. Além disso, considerando futuros acontecimentos políticos na
Alemanha (...) estamos convictos de que é preciso nos livrarmos do passado o
quanto antes.”1
TELEGRAMA SECRETO ENVIADO DO ESCRITÓRIO DE
RELAÇÕES DA COMMONWEALTH, EM LONDRES, PARA
OS MEMBROS DA COMMONWEALTH DO CANADÁ, DA
AUSTRÁLIA, DA NOVA ZELÂNDIA, DA ÁFRICA DO SUL,
DA ÍNDIA, DO PAQUISTÃO E DO CEILÃO EM 13 DE
JULHO DE 1948.

A guerra ainda não tinha sequer terminado quando alguns países


vencedores começaram a se perguntar se fazia sentido caçar e processar
criminosos nazistas. Os juízes e promotores de Nuremberg, junto com
investigadores dos crimes de guerra e sobreviventes do Holocausto como
Simon Wiesenthal e Tuvia Friedman, acreditavam apaixonadamente em
transformar em realidade a retórica de seus líderes sobre a busca de
justiça. No entanto, outros já olhavam adiante, para o mundo do pós-
guerra e para o que lhes parecia o confronto inevitável com um novo
inimigo totalitário: a União Soviética...
Na primavera de 1945, Saul Padover, historiador e cientista político
nascido na Áustria e que servia no Exército dos Estados Unidos durante
as incursões cada vez mais a fundo no território alemão, anotou
minuciosamente suas conversas com os locais e, vez por outra, com os
americanos encarregados de cidades alemãs grandes e pequenas. Parte das
atribuições do historiador consistia em aferir atitudes populares e
estimular o processo de identificação e remoção de nazistas de posições de
destaque. Padover conheceu um tenente-coronel — a quem identifica
apenas, sem dizer o nome, como GM (governador militar) — de uma
cidade industrial da Renânia e registrou o ceticismo do oficial em relação
àqueles esforços. As anotações são toscas, mas seu significado é claro:
Não nos cabe descobrir o que os alemães pensam. Encontrar quem apoie a democracia aqui é
tão difícil quanto nos Estados Unidos. Não quero nem saber quem manda neste país e quem
vive aqui, desde que não incomodem o GM. Mais preocupado com a ameaça russa do que
com a questão alemã. Só os Estados Unidos são fortes o bastante para lutar contra a Rússia; a
Inglaterra é uma piada. O comitê nesta cidade supostamente resguarda nazistas, o que não é
problema meu. Realmente não tenho nada contra os nazistas, desde que não se levantem
l d d d ê d d ld
contra mim. Essa lista de advogados nazistas que você me deu pode ou não ser válida, mas
membros do partido nazista não são necessariamente maus.2

O general George Patton não era menos sarcástico com relação aos
esforços de seus superiores para punir ou pelo menos remover nazistas de
uma ampla variedade de cargos na Alemanha do pós-guerra. Quando era
governador militar da Baviera, em 1945, escreveu para a esposa: “O que
estamos fazendo aqui é destruir o único país razoavelmente modernizado
da Europa para que a Rússia possa engolir tudo.”3
Mesmo alguns judeus alemães que tinham fugido de sua terra nos anos
1930 eram friamente pragmáticos com relação às dificuldades que
encontraram quando voltaram como novos americanos para a vencida
Alemanha. Peter Sichel tinha doze anos em 1935, quando os pais o
despacharam de Berlim para uma escola britânica.4 Ele contou a
advertência feita por sua mãe quando o regime de Hitler baixou as leis
raciais de Nuremberg, naquele ano: “Todos os judeus serão mortos.”
Disse também que a maioria dos seus amigos a julgou louca por dizer
aquilo. Em 1938, seus pais também conseguiram fugir da Alemanha. Em
1941, Sichel estava nos Estados Unidos; seis meses depois de Pearl
Harbor, apresentou-se voluntariamente para servir no Exército.
Durante a guerra, Sichel serviu na OSS, a Agência de Serviços
Estratégicos, precursora da CIA. Recrutava prisioneiros de guerra
alemães para missões de espionagem, e, quando a guerra terminou, o
jovem capitão foi o último chefe do destacamento da OSS do VII
Exército localizado em Heidelberg. Mas, como o tenente que o coronel
Padover conheceu, ele não levava a sério os esforços para identificar e
punir membros do regime de Hitler, a não ser os de mais alto nível.
“Nossa missão era encontrar altos funcionários nazistas, membros do
serviço de segurança e oficiais de altos escalões da SS”, contou. Mas não
se envolveu emocionalmente na tarefa. “Não perguntem quem pegamos,
quem não pegamos”, acrescentou, indiferente.
Numa conferência em Londres, um ano antes, ele tinha dito aos seus
superiores que não deviam se preocupar com nenhuma resistência da
parte dos nazistas mais dedicados quando a guerra fosse ganha. “Não é
como a Primeira Guerra Mundial”, explicou. “Não há absolutamente
nenhuma dúvida sobre as coisas terríveis que fizeram. Eles vão se
esconder, mas não tentarão dificultar nossa vida.” Acrescentou que, apesar
de seus antigos compatriotas serem eficientes lutando em grupo, “os
alemães não se empenham muito na luta individual”. Ficou demonstrado
que tinha razão. Os temores de que as forças Werwolf, treinadas para
guerra de guerrilha contra os Aliados, seriam um adversário formidável
rapidamente se evaporaram.
Logo depois da derrota da Alemanha, Sichel foi transferido para
Berlim, onde continuou suas atividades clandestinas para a OSS e depois
para a CIA, quando a nova agência a substituiu. Foi montada uma
operação em Berlim, subordinada ao órgão central da CIA na Alemanha
Ocidental, e Sichel se tornou chefe dessa base em 1950. A prioridade de
sua equipe, ressaltou, era reunir informações de inteligência sobre os
russos, protegendo cientistas e técnicos alemães para que não fossem
arrastados para a União Soviética. Também ajudavam a levar cientistas —
independentemente do que tivessem feito para os nazistas — para a
Alemanha Ocidental, de onde alguns seguiram para os Estados Unidos.
“Não havia muita gente combatendo a última guerra”, comentou.
Quanto aos criminosos de guerra, acrescentou: “É horrível dizer, mas
eu não me importava muito. Minha filosofia sempre foi a de que
criminosos tinham que ser fuzilados e que tudo deveria ser esquecido.
Precisávamos nos livrar de todos que fossem realmente maus e, quanto
aos que tivessem sido fracos, o negócio era olhar para a frente, não para
trás.” No que lhe dizia respeito, a primeira rodada de julgamentos tinha
resolvido o problema.

***

Isso estava muito longe de ser a pretensão inicial dos novos senhores da
Alemanha. Em 10 de maio de 1945, o presidente Truman assinou uma
declaração delineando um ambicioso processo de “desnazificação” de
uma Alemanha derrotada. “Todos os membros do Partido Nazista que
tenham sido mais do que participantes nominais em suas atividades, todos
os partidários ativos do nazismo ou do militarismo e todas as pessoas
hostis aos propósitos Aliados serão removidos de cargos públicos e de
posições importantes em empresas semipúblicas e privadas”, proclamava a
declaração.5 Em seguida, definia as categorias de transgressores a serem
banidos sob esses termos, usando uma linguagem abrangente para cobrir
uma ampla gama de partidários do Terceiro Reich.
As quatro potências de ocupação — Estados Unidos, Grã-Bretanha,
França e União Soviética — concordavam que a desnazificação era
essencial. Alemães que buscavam quase qualquer tipo de emprego tinham
que preencher o Fragebogen — um questionário que logo se tornaria
infame, com suas 131 perguntas sobre tudo, desde características físicas até
antigas filiações políticas — e conselhos de desnazificação determinariam
quem estava desqualificado para exercer cargos públicos e privados. O
escritor alemão Ernst von Salomon mais tarde publicaria Der Fragebogen,
livro composto por suas longas e zombeteiras respostas a cada pergunta
sobre suas atividades na era nazista.
Mas o desafio enfrentado pelos vencedores para decidir como lidar
com um povo que basicamente marchara ao toque dos tambores nazistas
era ao mesmo tempo sério e intimidador. Oito milhões e meio de
alemães tinham pertencido ao Partido Nazista, e os seus cadastros de
filiação sobreviveram à guerra graças ao administrador de uma fábrica de
papel em Munique, que ignorou instruções para reduzi-los a pó.6 Outros
milhões estiveram envolvidos em organizações filiadas ao nazismo. Se
todos que de alguma forma serviram ao Terceiro Reich fossem excluídos
de cargos públicos e privados, sobraria pouca gente. Noel Annan, oficial
de informações na zona britânica, descreveu aquilo que até os mais
fervorosos proponentes da desnazificação sabiam por instinto: “A
democracia não poderia nascer na Alemanha sem o fórceps da
desnazificação; mas também era importante não esmagar o bebê.”7
Enquanto os alemães obedientemente preenchiam o Fragebogen, os
ocupantes tinham dificuldade para manter em dia a crescente montanha
de papéis. De início, os americanos foram particularmente ambiciosos,
mandando todo mundo que tivesse mais de dezoito anos preencher os
questionários e tentando fazer uma revisão tão completa quanto possível.
Conseguiram analisar quase 1,6 milhão de questionários até o fim de
1946, o que resultou na demissão de 374 mil nazistas.8 Mas o número de
casos acumulados chegava aos milhões, e não havia como os funcionários
darem conta de tudo. Como disse o general Lucius Clay, governador
militar da zona americana: “Não conseguiríamos julgar [todos] em cem
anos.”9 E concluiu que a desnazificação “precisaria ser feita pelos
alemães”.10
Isso coincidia com o desejo de incentivar alemães tidos como
relativamente não contaminados pela era nazista a, aos poucos, assumirem
a responsabilidade de cuidar dos assuntos locais. Os Spruchkammern,
tribunais de desnazificação na zona americana, não eram Tribunais de
Justiça no sentido técnico, mas contavam com promotores e réus e
tinham a incumbência de determinar quem era “grande delinquente”,
“delinquente”, “pequeno delinquente,” “seguidor” ou “pessoa
liberada”.11
O processo apresentava problemas desde o início. Muitos antigos
nazistas se diziam Muss-Nazis, pessoas forçadas a se filiarem ao partido
embora na realidade tivessem opiniões antinazistas.12 Como os
vencedores não se cansavam de gracejar, Hitler não teve nenhum
seguidor. Apesar de alguns membros dos tribunais tentarem cumprir a
incumbência que receberam, outros tinham pressa em liberar antigos
nazistas com base em depoimentos altamente duvidosos. Os alemães logo
popularizaram um termo para “branquear reputações”: Persilschein, um
atestado de bons antecedentes batizado com o nome de um sabão para
lavar roupa da marca Persil.13 Ainda assim, o processo inicialmente
contou com apoio alemão: em 1946, 57% dos entrevistados na zona
americana o aprovavam. Mas a confiança em sua lisura continuou caindo.
Em 1949, apenas 17% eram a favor.14 Houve casos em que edifícios dos
tribunais e veículos e casas dos integrantes foram vandalizados.15
O governador Lucius Clay admitiria, mais tarde, que tanto os
questionários quanto os tribunais foram majoritariamente um fracasso.
“Mas não sei o que mais poderia ter sido feito”, declarou,16 e era um
argumento legítimo. Numa sociedade que fora tão dominada por Hitler e
seu movimento, ninguém tinha uma receita de sucesso para a
desnazificação. Apesar disso, Clay também sustentava que os alemães que
cuidaram da desnazificação, apesar das falhas evidentes, conseguiram
expor e excluir muitos nazistas de posições de liderança. “Talvez não
tenham limpado a casa completamente, mas pelo menos tiraram o grosso
do lixo”, escreveu.17
Todas as potências de ocupação aprenderam depressa a abrir exceções à
regra, como no caso dos cientistas especializados em foguetes, que russos
e americanos disputavam. Os britânicos e os franceses não tardaram a
cancelar decisões que produziram efeitos negativos. Em junho de 1946,
179 executivos e empregados da fábrica da Volkswagen na zona britânica
foram demitidos,18 mas a fábrica produzia veículos principalmente para
os britânicos. Em fevereiro de 1947, 138 dos demitidos tinham voltado
ao trabalho. Os franceses inicialmente despediram três quartos dos
professores em sua zona, mas reconsideraram a decisão em setembro,
quando o ano letivo estava prestes a começar, e chamaram todos de volta
às salas de aula.19
As autoridades soviéticas acusavam as potências ocidentais de
colaborarem com ex-nazistas e permitirem que tivessem cargos
importantes. Quando a ocupação terminou oficialmente, em 1949, e as
Alemanhas Oriental e Ocidental foram formadas, o Kremlin continuou a
pintar a Alemanha Ocidental como um refúgio de nazistas. Embora não
haja dúvida de que muitos antigos nazistas atravessaram incólumes o
processo de desnazificação nas zonas ocidentais de ocupação e logo se
incrustaram em posições confortáveis no novo Estado Democrático, o
histórico soviético também estava longe de ser exemplar.
Na verdade, o Exército Vermelho infligiu brutal retaliação durante sua
arremetida final para Berlim, e os últimos prisioneiros de guerra alemães
na União Soviética só foram libertados em 1956. Em 1949, novos
tribunais alemães-orientais processaram muitos casos à maneira stalinista,
julgando acusados com assombrosa rapidez; em meros dois meses e meio,
eles condenaram 3.224 antigos funcionários nazistas, em processos que
duravam em média vinte minutos.20
Entretanto, exatamente como as potências ocidentais, os novos
senhores soviéticos da Alemanha tiveram que enfrentar a questão prática
de preencher um imenso número de cargos em sua zona e depois na nova
Alemanha Oriental. E, exatamente como as potências ocidentais, logo
passaram a fazer vista grossa a filiações passadas quando convinha aos seus
objetivos — em alguns casos, mais ainda que no ocidente. Antigos
membros do Partido Nazista não tiveram dificuldade para mudar de lado
e ingressar no recém-formado Sozialistische Einheitspartei Deutschlands
(SED), como era chamado o Partido Comunista Alemão. Já em 1946,
30% dos membros de grupos locais do SED eram ex-nazistas.21 Como
disse sarcasticamente o general Clay: “O SED apagava o ‘nazismo’ do
filiado.”22
O historiador alemão Henry Leide, que vasculhou imensos volumes
de arquivos da Alemanha Oriental a fim de produzir um estudo
minucioso do histórico daquele país no tratamento do passado nazista,
ressaltou que essas estatísticas não constituíam anomalia. “Junto com
muita gente inocente que foi condenada, quase todos os acusados de
crimes nazistas sérios foram soltos e puderam (erroneamente) alegar que
tinham se arrependido de seus crimes”, escreveu.23
Arrependimento e salvação na forma de adoção da causa comunista
tornaram-se meios de avançar rapidamente na carreira em todos os setores
da nova sociedade da Alemanha Oriental — universidade, medicina,
política, serviços de segurança, entre outros. Os verdadeiros inimigos, no
que dizia respeito aos novos mandachuvas da zona soviética, eram os
alemães suspeitos de qualquer tipo de anticomunismo, tidos como muito
mais perigosos do que os antigos nazistas.

***

Em junho de 1948, o Kremlin iniciou o bloqueio contra Berlim


Ocidental, fechando todas as estradas, ferrovias e canais que levavam das
partes da Alemanha controladas pelo Ocidente até a cidade. O objetivo
era isolar até engolir esse enclave ocidental no meio da zona soviética,
com a expulsão de americanos, britânicos e franceses. Os Aliados
responderam montando a gigantesca ponte aérea de Berlim, com um
fluxo contínuo de aviões de carga realizando 270 mil voos para entregar
mais de dois milhões de toneladas de suprimentos vitais, até a União
Soviética suspender o bloqueio, em 12 de maio de 1949.24 Foi uma
demonstração espetacular de força de vontade que salvou Berlim
Ocidental e acelerou o processo de criação formal de dois países alemães,
logo depois. A Guerra Fria tinha começado para valer.
Não por acaso, 1948 também foi o ano em que governos ocidentais
visivelmente começaram a perder interesse em processar criminosos de
guerra e a reduzir as sentenças dos já condenados. O telegrama secreto
que o Escritório de Relações da Commonwealth despachou mundo
afora, em 13 de julho de 1948, continha poucas instruções específicas
sobre como “nos livrarmos do passado o quanto antes”. Além de
recomendar a conclusão de todos os casos à espera de julgamento até 31
de agosto daquele ano, dizia que “nenhum novo julgamento deve ser
iniciado” depois dessa data. “Isso afetará particularmente casos de
supostos criminosos de guerra que não se acham agora sob custódia e
podem, subsequentemente, vir parar em nossas mãos.”25
O clima também mudava em Washington. Os adversários dos
julgamentos de crimes de guerra receberam munição adicional quando
advogados de muitos condenados passaram a defender a comutação de
penas. No caso dos soldados da Waffen-SS condenados pelo assassinato de
prisioneiros de guerra americanos conhecido como Massacre de
Malmedy, surgiram acusações de que muitas declarações incriminadoras
tinham sido obtidas por meio de estratagemas e ameaças de violência.
Nenhuma acusação desse tipo foi imputada em relação à ampla variedade
de casos a cargo de William Denson em Dachau, mas o promotor — que
já voltara para os Estados Unidos — também teria o histórico de suas
atividades submetido a novo e intenso escrutínio.
O Exército dos Estados Unidos formou cinco conselhos de revisão
para examinar as sentenças proferidas até aquela data e fazer
recomendações ao general Clay.26 Em tese, tratava-se apenas de
procedimento de rotina para assegurar a correta administração da justiça,
mas a atmosfera política do momento certamente alimentava a ideia de
que clemência seria um sinal positivo. Ao acatar recomendações de
clemência dos conselhos de revisão que examinaram todos os julgamentos
de Dachau, Clay agiu de acordo com o espírito da época — apesar de
refutar veementemente acusações de que estaria amolecendo com os
criminosos de guerra.
O Tribunal Militar de Dachau tinha resultado na condenação de 1.416
dos 1.672 acusados.27 “Anulei 69 condenações, comutei 119 penas e
reduzi 138, deixando 1.090 sentenças intocadas”, ressaltou Clay.
Mencionando as dúvidas sobre a confiabilidade do depoimento de alguns
sobreviventes de campos de concentração nos julgamentos, ele comutou
127 das 426 penas de morte em prisão perpétua. Mas foi a decisão de
Clay de reduzir a prisão perpétua da mais notória ré de Dachau — Ilse
Koch, a “Cadela de Buchenwald” — para quatro anos que chocou
Denson, já então em Washington, e provocou reação contrária imediata
na capital.
Clay explicaria mais tarde que Ilse era “uma figura sórdida e
infame”28 que conquistara o “ódio intenso” dos prisioneiros que
depuseram contra ela por “exibir seu sexo”, mas que as provas não o
convenceram de que ela fora “uma das principais participantes dos crimes
de Buchenwald”. As histórias de que possuía abajures de pele humana
proveniente dos prisioneiros perderam valor quando ficou claro que eram
feitos de pele de cabra.29
Denson classificou a atitude de Clay como “escárnio à administração
da justiça”.30 O caso Koch gerou novas manchetes e deflagrou uma
investigação por um subcomitê do Senado sob a chefia de Homer
Ferguson, de Michigan. Na audiência, Denson manteve sua
caracterização original de Ilse Koch como torturadora excepcionalmente
sádica de inúmeros prisioneiros. Explicou que as alegações de que
selecionara presos para serem esfolados e depois usara a pele deles para
fazer abajur, apesar de darem assunto para as reportagens mais lúgubres,
não foram essenciais no julgamento. “Não achei que essa história das
peles tivesse tanta importância”, declarou. “A acusação mais séria que
pesava contra suas ações era a de espancar prisioneiros ou fazer com que
fossem espancados para que morressem. Essa foi a verdadeira base da
sentença, com certeza.”31
Quando lhe perguntaram se Ilse era menos culpada do que os outros
réus de Buchenwald, Denson respondeu citando sua condição de esposa
do primeiro comandante, o que significava que ela não tinha funções
oficiais. “Acho-a mais culpada. Seus atos foram por vontade própria”,
respondeu. “Não havia razão para ela exercer a autoridade que exerceu
(...) as pessoas com quem conversei achavam que ela só tinha sido
condenada à prisão perpétua, e não à morte, porque estava grávida.”
Denson acrescentou que a decisão de Clay provocaria críticas na
Alemanha, apesar do crescente clamor pelo fim das medidas punitivas dos
Aliados. “Alemães decentes também estão chocados com a redução da
pena”, declarou.
Entre os membros do subcomitê não havia simpatia nenhuma por Ilse
Koch, ainda que alguns levantassem dúvidas sobre os procedimentos
adotados no Tribunal Militar de Dachau. “Pelo que sei até agora sobre o
caso, a mulher deveria ter tido o pescoço quebrado”, declarou o senador
John McClellan, de Arkansas.32 O subcomitê concluiu que a redução da
pena de Ilse não se justificava. Fazendo eco a Denson, o senador
Ferguson escreveu no relatório final: “Todos os atos cometidos por Ilse
Koch, tal como demonstrado pelas provas, foram os atos de uma
voluntária e contrariam todos os instintos humanos decentes, portanto
merecem desprezo absoluto e rejeitam qualquer atenuação.”33
Ofendido com as duras críticas à sua decisão de reduzir a pena de Ilse
Koch, Clay sugeriu que poderia ter chegado a uma conclusão diferente se
tivesse visto mais provas contra ela. Assinalou que o subcomitê do Senado
“que criticou por unanimidade esta ação, ouviu testemunhas que deram
depoimentos não contidos nos autos que tenho diante de mim”.34
Outras providências mostraram que Denson estava certo. O chanceler
Konrad Adenauer, primeiro líder do recém-criado governo da Alemanha
Ocidental, rapidamente deu seu respaldo a iniciativas para introduzir
alguma forma de anistia para muitos dos que tinham sido processados.
“Em vista dos tempos confusos que deixamos para trás, uma nova tábula
rasa se faz necessária”, declarou, em sua primeira reunião de gabinete.35
Mas, depois que Ilse Koch cumpriu os quatro anos ordenados por Clay,
um tribunal da Alemanha Ocidental a considerou culpada de incitação ao
assassinato e maus-tratos físicos de prisioneiros alemães, condenando-a à
prisão perpétua — exatamente a pena que Denson conseguira quando a
processou.36 Como ele previra, os alemães não estavam mais satisfeitos de
vê-la solta do que os americanos.
Peter Heidenberger, o jovem repórter alemão que cobrira o Tribunal
Militar de Dachau, posteriormente entrevistou Ilse na nova prisão. Ele
confessou quase ter sentido pena da mulher baixa e troncuda que já fora
vista como um monstro erótico de proporções mitológicas. Apesar de
todo o suposto poder de sedução, ela dava a impressão de ser “uma
secretária de cidadezinha do interior, com um ardor sexual um tanto
excessivo, mas alguém com quem não gostaríamos de nos relacionar”,
declarou. Discutindo seu caso, décadas mais tarde, ele ressaltou que ela
também correspondia à definição de “banalidade do mal”, usando uma
expressão que seria cunhada muito depois da condenação de Ilse Koch.37
Em 1963, praticamente esquecida por todos, Ilse recebeu em sua cela
a visita do filho adolescente, Uwe, que acabara de ser informado a
respeito da mãe — a mulher que estava grávida dele quando foi julgada
pela primeira vez em Dachau. Uwe passou a visitá-la periodicamente. Em
1967, ao chegar à prisão, soube que a mãe tinha se enforcado.38 Ela lhe
deixara um bilhete: “Não posso fazer outra coisa”, escreveu. “A morte
para mim é uma libertação.”39

***

Apesar de o sentimento popular claramente respaldar Denson no caso


Koch, havia, de um modo geral, bem menos consenso em relação ao
Tribunal Militar de Dachau. Denson conseguira uma condenação atrás da
outra, demonstrando que os acusados tinham desempenhado uma parte
no “desígnio comum” de cometer atos criminosos. Os críticos achavam
que essa classificação era ampla demais e que outros aspectos do Tribunal
Militar de Dachau não chegavam a configurar o devido processo legal.
Um dos mais duros críticos foi nada menos que Benjamin Ferencz, o
jovem promotor de Nuremberg que conseguiu condenar 22 dos
principais chefões nazistas dos Einsatzgruppen. Na sua opinião, o Tribunal
Militar de Dachau foi “totalmente desprezível”. “Não houve nada que
lembrasse o primado da lei. Estavam mais para tribunais militares (...) Não
era essa a minha ideia de processo judicial. Quero dizer, eu era um jovem
idealista formado em direito em Harvard.”40
Denson defendeu o Tribunal Militar de Dachau até morrer, em 1998.
Argumentava que tinham sido tão imparciais quanto possível naquelas
circunstâncias, além de absolutamente necessários. Apesar de insistir que
não sentia orgulho especial das condenações que conseguiu e das penas
de morte que foram executadas, disse a uma turma de alunos da Drew
University, em 1991: “Há uma coisa que enche meu coração de orgulho.
É quando um sobrevivente chega para mim e diz: ‘Somos gratos pelo que
o senhor fez por nós.’”41
Ferencz e Denson tinham muito em comum: ambos eram jovens
quando atuaram como juízes, em casos que se tornariam históricos,
aqueles que tinham implementado as decisões mais severas do regime de
Hitler. Acreditavam que os que assassinaram e torturaram a seu bel-prazer
tinham que pagar por seus atos. Com isso se estabelecia um precedente
para as gerações futuras e dava-se uma satisfação às vítimas — o mínimo
que elas mereciam, como indicou Denson; e Ferencz certamente
concordava.
Mas Ferencz sempre argumentou em dizer que seu julgamento de
Nuremberg, muito mais do que o Tribunal Militar de Dachau, ou
quaisquer outros esforços subsequentes para levar nazistas à Justiça,
alcançou esses objetivos. Os homens que condenou eram “majores e
coronéis que matavam milhares de pessoas todos os dias, milhares de
crianças”.42 Não havia necessidade de falar em “desígnio comum”, pois
existiam provas bem-documentadas de como executavam os assassinatos
em massa. Não eram apenas paus-mandados, mas comandantes de
unidades repletas de paus-mandados. No que lhe dizia respeito, isso
estabelecia o mais alto padrão possível.
Ferencz tinha um forte argumento, mas sua atitude também revela um
atributo de caráter que ficaria cada vez mais visível no grupo
relativamente pequeno dos que se tornariam conhecidos como caçadores
de nazistas: a tendência a ver o próprio trabalho como o mais importante
de todos e a pôr em dúvida — ou com frequência desvalorizar — a
atuação e os motivos de outras pessoas da mesma área.
Ironicamente, vários chefes dos Einsatzgruppen acabaram se
beneficiando de mais clemência do que os “nazistas menores”,43 como o
general Clay os chamava, que foram julgados em Dachau. Apesar da
pressão para reduzir drasticamente muitas penas,44 Clay resistiu com
firmeza quando reviu os casos de 22 comandantes dos Einsatzgruppen
julgados por Ferencz, no começo de 1949, confirmando todas as treze
penas de morte. Mas então John J. McCloy, advogado de Wall Street que
servira como secretário-assistente da guerra,45 substituiu Clay e assumiu
o título de alto comissário dos Estados Unidos na Alemanha. Em 1950,
ele estabeleceu um Conselho Consultivo de Clemência para rever as
sentenças do caso Einsatzgruppen e de outros julgamentos. Com Adenauer
e outros pressionando pela comutação de todas as penas de morte, o
conselho consultivo e McCloy resolveram reconsiderar as considerações
se não totalmente, pelo menos com bastante generosidade.
No começo de 1951, McCloy aceitou quase todas as recomendações
do conselho consultivo e até encurtou as penas de alguns, ao mesmo
tempo que comutava mais sentenças de morte do que o conselho tinha
sugerido. No fim, manteve apenas quatro das treze penas capitais aplicadas
no caso Einsatzgruppen de Ferencz. Com a intensificação da rivalidade
entre as grandes potências, a prioridade passara a ser garantir que a
Alemanha Ocidental fosse uma aliada na luta contra o comunismo.
McCloy pensava, apesar de tudo, ter defendido o princípio de que alguns
crimes eram grandes demais para merecer compaixão ao confirmar quatro
penas de morte do julgamento de Ferencz. Os enforcamentos
aconteceram em 7 de junho de 1951.
Telford Taylor, o chefe de Ferencz que apresentou as considerações
finais no caso Einsatzgruppen, descreveu os atos de McCloy como “a
encarnação do oportunismo político”.46 Ferencz, que nunca pedira
especificamente a pena de morte, foi mais compreensivo, ressaltando que
a formação de McCloy como advogado em assuntos comerciais não
incluía condenar homens à morte. “Sei que para ele foi difícil assinar um
documento dizendo ‘enforque-os’”, disse. Mas acrescentou que “se a
pena foi imposta por uma boa razão, nunca deveria ser reduzida sem uma
boa razão. Na maioria dos casos, não houve uma boa razão de que eu
tivesse conhecimento”.47
Numa carta para Ferencz em 1980, McCloy deu a entender que tinha
pensado melhor sobre sua decisão. “Se eu conhecesse todos os fatos que
agora conheço, talvez tivesse alcançado um resultado mais justo”,
escreveu.48 Em 1958, todos os chefes que restavam dos Einsatzgruppen
condenados em Nuremberg estavam soltos, incluindo os condenados à
morte. Eles, como tantos outros parceiros seus nos assassinatos em massa,
levaram o resto da vida como homens livres.
Depois do “maior julgamento criminal da história”, Ferencz perdeu a
vontade de continuar processando criminosos de guerra e voltou a
atenção para outro assunto: buscar assistência material para os
sobreviventes. Com a ajuda de Clay e de McCloy, que forneceram os
empréstimos iniciais para pôr o plano em andamento, Ferencz se
autonomeou diretor-geral da Organização Judaica de Restituição a
Sucessores, segundo ele “para impressionar os alemães com um título”.49
Contratou funcionários e os despachou para cartórios de registros de
imóveis em todo o país, com instruções para reivindicar qualquer
propriedade transferida depois de 1933 ou que fosse relacionada a um
nome judeu. Em seguida ajudou a criar a Organização Unida de
Indenização, com escritórios em dezenove países, e se envolveu em
negociações complexas com o governo Adenauer, outros países e
numerosas vítimas, não apenas judias. Ferencz permaneceu com a família
na Alemanha até 1956, para continuar o trabalho, e seus quatro filhos
nasceram em Nuremberg.
Mesmo insistindo em dizer que muitos alemães levaram um longo
tempo para abandonar o antissemitismo e reconhecer suas vítimas,
Ferencz ficou impressionado com a disposição das novas autoridades
alemãs para começar o que seria um esforço inédito a fim de ressarci-las.
“Nunca na história um país pagou individualmente a suas vítimas; isso foi
inspirado por Adenauer, que disse que crimes terríveis foram cometidos
em nome do povo alemão”, ressaltou.50
Mas foi sua função de promotor-chefe no julgamento dos
Einsatzgruppen em Nuremberg que acendeu a paixão que o consumiria
até sua décima década de vida. Ele não perdia a oportunidade de
argumentar que os conflitos devem ser resolvidos pela “lei, não pela
guerra” e de pedir apoio para o Tribunal Internacional de Crimes de
Guerra. Em 25 de agosto de 2011, Ferencz apresentou os argumentos
finais no primeiro julgamento do Tribunal em Haia, o caso contra
Thomas Lubanga Dyilo, líder rebelde congolês acusado de recrutar
crianças para se tornarem soldados.51 Ferencz tinha 91 anos quando falou
naquela ocasião, invocando as lições de Nuremberg. Em julho de 2012,
Dyilo foi declarado culpado e condenado a 14 anos de prisão.
Hoje, Ferencz dá pouco valor a ações contra guardas e funcionários de
campos nazistas idosos e relativamente menores. “Esqueça”, sugeriu.
“Pelo amor de Deus, eu jogaria esses peixes pequenos de volta no
lago.”52
A maioria dos caçadores de nazistas que seguiam Ferencz tem outra
opinião, rejeitando a noção de que só acusados do nível Nuremberg
mereciam ir a julgamento. Isso equivaleria a conferir imunidade à ampla
maioria dos que praticaram assassinatos em massa. Ferencz afirma que
ainda faz questão de que os peixes grandes de qualquer área prestem
contas, para servirem de exemplo ao mundo inteiro — ainda que, no caso
dos nazistas, continue achando que apenas seus peixes eram os realmente
grandes.

***

Grande parte da motivação para realizar os julgamentos de crimes de


guerra vinha justamente disso: dar exemplos do funcionamento da Justiça
perante os olhos do mundo. Ao apresentarem a história do Terceiro
Reich, agressão por agressão, assassinato em massa por assassinato em
massa, atrocidade por atrocidade, os julgamentos foram decisivos para
determinar exatamente o que se passara e estabelecer o princípio de que
os criminosos eram diretamente responsáveis, não importava como
interpretavam as ordens recebidas. Para ter certeza de que as provas
alcançassem um vasto público, os Aliados representados em Nuremberg
montaram uma unidade de filmagem que deveria levar à produção
conjunta de um documentário sobre os processos do Tribunal Militar
Internacional contra os principais acusados.53
Como era se de esperar, os representantes americanos e soviéticos não
conseguiram chegar a uma abordagem comum, e os dois vitoriosos
decidiram fazer documentários separados. Surpreendente mesmo foi o
destino dessas iniciativas: os soviéticos produziram um filme distribuído
com relativa rapidez, ao passo que os americanos se envolveram em brigas
internas sobre o tipo de documentário a ser feito e acabaram impedidos
de exibir o produto de seu trabalho nos Estados Unidos. Depois de
exibido na Alemanha, no fim dos anos 1940, o filme americano
Nuremberg: Its Lessons for Today [Nuremberg: suas lições para os dias de
hoje], foi praticamente esquecido.
Eis a razão para o filme ter sido relegado ao aparente esquecimento: só
foi concluído em 1948, quando as prioridades políticas de Washington já
tinham se alterado. “A Guerra Fria foi o principal fator, porque
estávamos investindo na reconstrução da Alemanha”, disse a produtora do
filme, Sandra Schulberg. “Tornou-se inconveniente esfregar a história do
Julgamento de Nuremberg e das atrocidades nazistas no nariz das pessoas
quando se estava tentando trazer a Alemanha de volta para a comunidade
europeia.”54
Sandra Schulberg nasceu em 1950, mas tem uma ligação pessoal direta
com o documentário. Seu pai era Stuart Schulberg, roteirista e diretor do
filme, que ingressara nos Fuzileiros Navais depois de Pearl Harbor e foi
designado para a unidade de filmagens da OSS, a Agência de Serviços
Estratégicos, chefiada pelo famoso diretor John Ford. O irmão dele,
Budd Schulberg, já um romancista de sucesso e mais tarde autor do
roteiro de Sindicato de ladrões, premiado pela Academia, se alistara na
Marinha e também fora designado para a unidade de filmagens da OSS.
Ambos acabariam percorrendo às pressas a Alemanha e os antigos
territórios ocupados em busca de filmes incriminadores feitos pelos
nazistas logo depois da guerra.
Os nazistas tinham tentado destruir a maior parte das provas, e os
Schulbergs ordenaram aos antigos supervisores que os ajudassem a juntar
o que restava. Na cidade de Bayreuth, norte da Baviera, Stuart e sua
pequena equipe mandaram prisioneiros da SS ressentidos prepararem um
grande carregamento de filmes para transporte. Dois pracinhas montavam
guarda, apontando as armas enquanto os homens carregavam os pesados
engradados. “Ainda usavam seus uniformes pretos e seus pretensiosos
bonezinhos de guarnição”, contou Stuart. “Os arianos da SS estavam
incomodados, dava para perceber. Sempre que recebiam uma ordem
nossa, contraíam um pouco os lábios. Aquilo me fazia lembrar os tigres e
leões que se apresentavam em arenas de circo, obedecendo de um jeito
taciturno, selvagem, à base da chicotada.”55
Esses filmes seriam extremamente valiosos para os promotores do
Tribunal Militar Internacional em Nuremberg, que fortaleceram seus
argumentos mostrando imagens dramáticas. A OSS produziu The Nazi
Plan [O plano nazista], uma história do movimento nacional-socialista, e
Nazi Concentration Camps [Campos de concentração nazistas], usando
filmes gravados por soldados britânicos e americanos que libertaram os
campos. Quando projetado na tela, este último filme chocou até os réus.
Depois de dar baixa no fim de 1945 e voltar para os Estados Unidos,
Budd Schulberg rejeitou uma proposta para escrever o roteiro do filme
americano sobre o julgamento, sugerindo o nome de Stuart. Pare
Lorentz, conhecido como “o cineasta de FDR”, era chefe da seção de
Cinema, Teatro e Música do Departamento da Guerra e, nessa função,
assumiu o controle do projeto Nuremberg. Aceitando a sugestão de
Budd, pediu a Stuart que escrevesse o roteiro, depois travou uma batalha
para impedir que o governo militar do general Clay tomasse o filme. Em
Washington, o Departamento da Guerra e o Departamento de Estado
também entraram na briga. Em 1947, Lorentz estava tão frustrado com as
disputas internas, as dificuldades de financiamento e outros problemas que
se demitiu do Departamento da Guerra.
Stuart seguiu com seu trabalho, produzindo várias versões do roteiro
proposto para submeter a exame, suportando as críticas rancorosas
daqueles que também queriam deixar sua marca. Mas, no fim das contas,
prevaleceu a sua versão. O filme foi organizado em torno de quatro
acusações lançadas contra os réus: conspiração, crimes contra a paz,
crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em termos simples mas
convincentes, apresentava o histórico do Terceiro Reich em cada uma
dessas áreas, incluindo cenas filmadas no próprio julgamento. O
promotor-chefe dos Estados Unidos, Robert Jackson, tinha autorizado a
filmagem de trechos de todo o processo.
Em meados de 1947, quando finalmente começaram a trabalhar no
filme, os americanos descobriram que os soviéticos já tinham terminado
o deles, que, é claro, se concentrava no papel do Exército Vermelho na
vitória sobre a Alemanha, basicamente ignorando a contribuição dos
Aliados Ocidentais. Isso gerou manchetes constrangedoras na imprensa
dos Estados Unidos. “Disputa interna no Exército dos EUA deixa
vermelhos vencerem ianques no filme sobre Nuremberg”, proclamou a
Variety, em 11 de junho.56
Enquanto algumas autoridades americanas na Alemanha ainda tinham
esperança de atrasar ou obstruir o documentário, a película soviética
provavelmente acelerou a conclusão e o lançamento. O filme americano
estreou perante uma plateia alemã em Stuttgart em 21 de novembro de
1948 e foi exibido em toda a Alemanha Ocidental em 1949. Stuart
informou que a recepção da crítica foi “inesperadamente boa”57 e que o
filme lotava os cinemas. “O público assistia sentado, num silêncio
atordoado, e depois saía em fila, sem palavras e perturbado”, escreveu.
Citou um oficial de informações do governo militar americano, que
disse: “Em oitenta minutos, esse filme diz mais aos alemães sobre o
nazismo do que consegui lhes dizer em três anos.”
Mesmo antes desse sucesso na Alemanha, o ministro Jackson da
Suprema Corte, que tinha voltado de Nuremberg, já insistia, para que o
filme fosse lançado também nos Estados Unidos. A Ordem dos
Advogados de Nova York tinha solicitado uma sessão do filme, mas
Washington se recusara a autorizar. A única película que conseguiram
acabou sendo a soviética. Furioso com a notícia, Jackson escreveu para o
secretário do Exército Kenneth Royall, em 21 de outubro de 1948,
fazendo um apelo veemente pela distribuição do filme nos Estados
Unidos. Informou que já tinha escrito para Harrison Tweed, presidente
da Ordem dos Advogados de Nova York, que lhe telefonara para
perguntar se podia ler sua carta zangada para o grupo “se ele eliminasse a
linguagem indecorosa”.58 Jackson respondeu que ele “poderia ler, desde
que não eliminasse a linguagem indecorosa”.
O argumento fundamental de Jackson era que o longa-metragem
servia a múltiplos fins: ajudar os alemães a entenderem por que
precisavam de uma democracia; neutralizar o filme soviético da
propaganda que “dava a impressão de que eles venceram e conduziram os
julgamentos praticamente sozinhos”; e promover os objetivos de
Roosevelt e Truman, apresentando uma versão precisa do registro
histórico que explicasse por que a guerra teve que ser travada e os
criminosos tiveram que ser levados à Justiça. “Não consigo ver por que
não devemos colher para os Estados Unidos qualquer vantagem que o
filme traga”, concluiu.
Royall não se comoveu com nenhum desses argumentos. “Neste país
não está sendo considerado nenhum lançamento geral”, escreveu, em
resposta a Jackson. “Minha opinião é que o assunto contraria as políticas
atuais e os objetivos do governo; portanto, considera-se que o filme, no
momento, não pode ter nenhum valor significativo para o Exército e para
o país em geral.”
Muitos oficiais do Exército se opuseram aos julgamentos de oficiais
alemães, mas o fator decisivo para a negativa foi o despontar da Guerra
Fria. Esperava-se que os americanos vissem os alemães-ocidentais como
aliados, e o filme minaria esse esforço. William Gordon, diretor de
relações públicas da Universal Pictures, que viu o filme, foi contra a
distribuição geral, fazendo objeções particularmente aos trechos sobre os
campos e outras atrocidades, “horríveis demais para suportar, e digo isso
literalmente”.59
Esse ato de censura não passou despercebido. Escrevendo para o New
York Daily Mirror, em 6 de março de 1949, numa coluna intitulada “The
Hall of Shame”, Walter Winchell escarneceu do argumento de que o
filme poderia estimular sentimentos antigermânicos nos Estados Unidos.
“Seria possível uma imbecilidade mais estapafúrdia?”, escreveu. “Aqueles
que tinham por obrigação erradicar o nazismo agora se empenham em
erradicar as provas de sua brutalidade — tornando-se, com isso, cúmplices
dos crimes nazistas.”60
Pare Lorentz, que de início esteve encarregado do projeto do longa,
antes de se demitir e voltar à vida civil, até propôs comprar o filme do
Exército, para que ele mesmo distribuísse o documentário nos cinemas.
Isso também se mostrou impossível. Uma reportagem publicada pelo The
Washington Post em 19 de setembro de 1949 sugeria que “algumas pessoas
em posição de autoridade nos Estados Unidos acharam que os americanos
eram tão simplórios que só conseguiam odiar um inimigo de cada vez.
‘Esqueçam os nazistas’, aconselham, e ‘concentrem-se nos vermelhos.’”61
William Shirer, o célebre jornalista que depois escreveria Ascensão e queda
do Terceiro Reich, tinha assistido a uma sessão especial para críticos e
escritores. Ele denunciou os esforços do Exército para impedir a
distribuição do filme como “um escândalo”.62
Mas nada faria o Exército e o governo mudar de ideia. O filme nunca
foi lançado para o grande público nos Estados Unidos. Apesar dessa
frustração, Stuart Schulberg continuou a produzir películas sobre a
desnazificação e a reeducação para o governo militar americano na
Alemanha, vindo a tornar-se chefe da Seção de Cinema do Plano
Marshall em Paris de 1950 a 1952, trabalhando em obras destinadas a
promover a reconciliação entre França e Alemanha.
Em 2004, passados 25 anos da morte de Stuart Schulberg, sua filha
Sandra apresentou uma retrospectiva dos filmes do Plano Marshall no
Festival de Cinema de Berlim.63 A série foi precedida, por ordem do
diretor do festival, Dieter Kosslick, pela versão alemã do filme do pai dela
sobre Nuremberg, que ela nunca tinha visto. Sandra ficou extremamente
impressionada.
Quando voltou aos Estados Unidos, assistiu à versão americana e
percebeu que os cineastas tinham usado a narração no lugar das gravações
feitas na sala do tribunal dos participantes que falavam inglês. Isso a levou
a embarcar com o cineasta e editor de som Josh Waletzky no ambicioso
projeto de restaurar o filme usando o som da sala do tribunal, para que o
público pudesse ouvir todos os principais participantes do julgamento
falando em sua própria língua: alemão, inglês, russo e francês. Pediram ao
ator Liev Schreiber que gravasse a narração original inglesa de Stuart. O
filme recém-restaurado foi exibido pela primeira vez nos cinemas
americanos no outono de 2010. Em 2014, Schulberg lançou também
uma versão em alta resolução Blu-ray.
Finalmente, depois de tantos percalços, os americanos tiveram acesso à
obra do pai de Sandra. No mundo pós-Guerra Fria, não restou ninguém
para fazer qualquer objeção.
CAPÍTULO SETE

“IDIOTAS COMO EU”


“Nada pertence ao passado. Tudo ainda é parte do presente e pode voltar a
fazer parte do futuro.”1
FRITZ BAUER, PROCURADOR-GERAL DE
BRAUNSCHWEIG E DEPOIS DE HESSE, EM SUA
INVESTIDA INEXORÁVEL PARA QUE SEUS
COMPATRIOTAS RECONHECESSEM OS CRIMES
COMETIDOS EM SEU NOME DURANTE O TERCEIRO
REICH.

Os americanos mais envolvidos com os julgamentos de crimes de guerra


e seus efeitos imediatos não foram os únicos a reconhecerem a rápida
perda de interesse em processar nazistas ou em relevar o que tinham feito
durante os doze anos de reinado de terror. Os caçadores de nazistas
independentes, motivados pelos terrores que viveram e testemunharam
como sobreviventes do Holocausto, também começaram a vacilar na
determinação de manter sua causa viva diante da crescente indiferença ou
mesmo hostilidade. Eles também tiveram que decidir se não seria o caso
de investirem suas energias em novos projetos pessoais e políticos. Como
foi demonstrado pelo despontar da Guerra Fria no fim dos anos 1940 e
pelo início da Guerra da Coreia em 1950, a década de 1950 seria bem
distinta da anterior, com temas muito diferentes dominando as
manchetes.
Depois de ter sido libertado em Mauthausen, em 5 de maio de 1945,
Simon Wiesenthal permaneceu na cidade austríaca vizinha, Linz,
trabalhando para a OSS. Ali o oficial de maior patente da organização lhe
deu o apoio de que necessitava: um passe atestando que ele realizava
“trabalho investigativo confidencial” para a OSS e pedindo que lhe
dessem permissão para “circular livremente na Áustria ocupada pelos
americanos”2. Quando a OSS fechou o escritório em Linz, no fim de
1945, ele foi trabalhar no Corpo de Contrainteligência do Exército dos
Estados Unidos (CIC, na sigla em inglês). Sua função era a mesma: ajudar
os americanos a identificar e capturar nazistas. Em muitos casos, porém,
os vencedores tinham pouco interesse em mantê-los trancafiados e
soltavam detidos quase de imediato.
Wiesenthal se uniu aos oficiais do CIC para efetuar prisões e reunir
provas para julgamentos. Pôs-se também a trabalhar intensamente com
deslocados de guerra, em especial sobreviventes do Holocausto,
espalhados por toda a região.3 Reconheceu desde cedo que eles
poderiam fornecer depoimentos de grande valia contra os criminosos.
Enquanto os ajudava em tudo, da obtenção de assistência médica ao
preenchimento de formulários de pedido de visto americano, foi criando
uma vasta rede de informações. Fez circular questionários para que lhe
contassem suas histórias pessoais, o que dava novas pistas, e servia de
ponto de partida para a avaliação de antecedentes familiares.
Sem temer controvérsias, Wiesenthal exigia que as pessoas que
buscavam colocação em organizações judaicas envolvidas no
reassentamento de deslocados de guerra na zona americana apresentassem
duas testemunhas para atestar que não tinham sido colaboradores nos
campos — especificamente, que não tinham sido Kapos, supervisores de
colegas prisioneiros designados pela SS. Admitia sem rodeios que “isso
me trouxe muitos inimigos entre colegas sobreviventes”.4 Não foi a
primeira vez e certamente não seria a última. Mesmo com incontáveis
deslocados de guerra manifestando gratidão pela ajuda recebida, ele se
meteu nas inevitáveis disputas entre os grupos de refugiados, com
frequência lançando ex-vítimas contra ex-vítimas na luta para sobreviver
e construir uma nova vida.
No recém-criado Comitê Judaico em Linz, Wiesenthal e outros
prepararam listas de sobreviventes, trocando cópias com pessoas que
apareciam à procura de parentes e amigos e traziam as próprias listagens.5
Mas não esperava encontrar a pessoa que mais lhe importava em qualquer
das listas que não paravam de crescer: a esposa, Cyla. Perderam contato
quando ela foi para Varsóvia viver com um falso nome católico polonês.
Posteriormente ele soube que, durante o Levante de Varsóvia, em 1944,
tropas alemãs tinham usado lança-chamas para destruir o edifício da rua
Topiel onde ela estava hospedada com a esposa de um poeta polonês. “Eu
não acreditava em milagres. Sabia que os meus estavam todos mortos (...)
Eu não tinha esperança de que minha esposa estivesse viva”,6 contou.
Milagrosamente, Cyla tinha escapado pouco antes de sua rua ser
devastada. Presa com outros sobreviventes do levante, foi obrigada a
trabalhar numa fábrica de metralhadoras na Renânia. Ali, foi libertada
pelos britânicos. Ela também tinha sido informada de que o marido
morrera. Um amigo comum em Cracóvia, para quem Simon escrevia
cartas, pôde lhe dar a estupenda notícia de que o marido estava vivo e a
esperava. Em dezembro de 1945, o casal voltou a se juntar quando Simon
conseguiu que um sobrevivente de Auschwitz de volta à Polônia a
escoltasse até Linz. Em setembro do ano seguinte, Cyla deu à luz
Paulinka, sua única filha.
Simon Wiesenthal estava decidido a construir uma vida nova também
em outros sentidos. Por mais que admirasse os americanos que o
libertaram em Mauthausen e lhe deram a oportunidade de caçar nazistas,
achava difícil aceitar a nova situação e as novas atitudes que rapidamente
se consolidavam. Um colega do CIC lhe disse, sem meias palavras: “Vai
ver como as coisas mudam rápido. Os alemães são necessários contra os
russos. E os bons alemães são pouquíssimos.”7
Wiesenthal ficou impressionado com a ansiedade dos ex-nazistas para
servirem às forças de ocupação e a eficácia com que se venderam como
peritos na nova batalha do Ocidente com a União Soviética. “Os
americanos têm um talento incrível para serem tapeados por alemães
altos, louros, de olhos azuis, simplesmente porque têm a aparência exata
dos oficiais americanos retratados no cinema”8, zombou. Os vencedores
também eram suscetíveis a apelos pela libertação de nazistas locais feitos
por sua “melhor arma secreta: as Fräuleins (...) Um jovem americano
naturalmente tem mais interesse por uma moça bonita, complacente, do
que por um ‘daqueles homens da SS’ que todo mundo gostaria de
esquecer como um pesadelo.”9
Contudo Wiesenthal não tinha intenção de esquecê-los nem de seus
crimes. Em 1946, publicou seu primeiro livro, KZ Mauthausen, uma
coleção de desenhos em preto e branco baseados em suas experiências no
campo de concentração.10 No ano seguinte, já dirigia o recém-criado
Centro de Documentação Histórica de Linz, onde reunia todas as provas
em que pusesse as mãos sobre criminosos nazistas, principalmente as
oferecidas por deslocados de guerra, os sobreviventes que ainda viviam à
deriva no caos do pós-guerra.11 Wiesenthal tinha convencido Avraham
Silberschein, um ex-professor de Buczacz, sua cidade natal na Galícia, a
fundar o centro quando os dois se encontraram num Congresso Sionista
na Basileia, em 1946. Silberschein só respaldou um orçamento muito
reduzido, mas o incansável Wiesenthal seguiu em frente.12
Havia muita gente que não aplaudia seus esforços, sobretudo na
Áustria do pós-guerra, que tentava se apresentar como a primeira vítima
do Terceiro Reich, e não uma partidária entusiástica. Na realidade, os
austríacos tinham ocupado uma percentagem desproporcional de altos
cargos nazistas na maquinaria do terror, principalmente na administração
dos campos de concentração. “Os austríacos representavam apenas 8% da
população do Terceiro Reich, mas nazistas da Áustria foram responsáveis
por metade dos assassinatos de judeus cometidos sob o comando de
Hitler”13, escreveu Wiesenthal. Como resultado, eles tinham muito a
perder se a caça aos nazistas continuasse a sério, portanto foi previsível a
reação negativa, principalmente na forma de cartas com ameaças,14 tanto
às atividades de Wiesenthal quanto a seus brados para que fossem
arrancadas “todas as ervas daninhas crescidas no nazismo” na Áustria.
Com isso, ele conseguiu licença para portar uma pistola em 1948.15
Aquele era também o período em que a organização Brichah tirava
clandestinamente judeus da Europa e os levava para a Palestina, e
Wiesenthal cooperou com seus agentes na Áustria. Acreditando que ele
mesmo poderia usar aquela rota em um futuro próximo, apoiava os
esforços para levar os judeus para o lugar que em breve viria a ser Israel.
Ainda assim, sempre se opôs aos agentes da Brichah que defendiam
represálias violentas contra os responsáveis pelos crimes nazistas.16
Ironicamente, as rotas de fuga judaicas da Europa, muitas das quais
atravessavam a Áustria até portos italianos, para que os refugiados
pudessem embarcar em navios, com frequência se sobrepunham aos
“Caminhos dos Ratos” de fugitivos nazistas para a América do Sul. Em
muitos casos, os nazistas foram ajudados por grupos organizados e
descritos como humanitários pela Igreja Católica. O bispo austríaco Alois
Hudel era conhecido por seus sentimentos pró-nazistas e ajudou
inúmeros criminosos de guerra em suas jornadas. Até o fim da vida,
Wiesenthal exigiu uma prestação de contas do Vaticano, incluindo a
abertura de arquivos, mas sempre com o cuidado de ressaltar que a Igreja
católica ajudou a salvar muitos judeus.17
“Parece-me provável que a Igreja estivesse dividida: entre padres e
membros das ordens religiosas que reconheciam em Hitler o Anticristo e,
portanto, praticavam a caridade cristã, e os que viam os nazistas como
uma força da ordem contra o declínio da moralidade e o bolchevismo”,
escreveu. “Os primeiros provavelmente ajudaram os judeus durante a
guerra, os últimos esconderam os nazistas quando a guerra acabou.”18
Enquanto procurava provas que pudessem levar à captura e à
condenação de mais criminosos nazistas na Áustria, Wiesenthal às vezes
ficava frustrado com o que lhe parecia ingenuidade de muitos dos novos
soldados americanos convocados para o serviço militar, mas se irritava
mais ainda com atitudes das forças de ocupação britânicas. Ao entrar na
zona britânica para reunir provas contra um criminoso de guerra, ele foi
interrogado por um sargento que “parecia não ligar” para sua caça aos
nazistas. “O que o senhor acha do transporte ilegal de pessoas para a
Palestina através da Itália?”, revidou o sargento de imediato. Wiesenthal
concluiu que os britânicos estavam muito mais preocupados com o fluxo
de refugiados para a Palestina “do que com criminosos nazistas em suas
terras”.19
Com todos os lados aparentemente perdendo interesse na perseguição
dos criminosos que ainda estavam soltos, Wiesenthal pensava cada vez
mais em mudar-se para Israel, que se tornara independente em 1948.
Cyla insistia nessa mudança desde o início, de acordo com Paulinka. “Em
1949, meus pais estavam prontos para ir morar em Israel”,20 contou.
Simon visitou o país pela primeira vez naquele ano, achando que aquela
seria sua nova casa.
Além da cooperação com a Brichah, Simon também tinha dado apoio
pelo menos indireto ao movimento sionista. Em 1947, publicou o
segundo livro, com foco no líder palestino Haj Amin al-Husseini,21 o
grão-mufti de Jerusalém nomeado pelos britânicos. Em 1936, o mufti
incitou tumultos contra colonos judeus, o que resultou em sua demissão
do cargo e em sua expulsão da Palestina. Mas, do exterior, ele continuou
a incentivar muçulmanos a se rebelarem contra judeus, recomendando
apoio à Alemanha nazista. Teve um encontro com Hitler em novembro
de 1941, dizendo ao líder alemão: “Os árabes são amigos naturais da
Alemanha, porque têm os mesmos inimigos que a Alemanha: os judeus.”
Hitler respondeu prometendo apoio alemão à causa árabe.22
De acordo com a versão de Wiesenthal, o palestino tinha visitado
também Auschwitz e Majdanek, na companhia de Eichmann, para se
inteirar do funcionamento da Solução Final. Como ressalta Tom Segev,
biógrafo de Wiesenthal, “não há prova confiável sobre a veracidade da
história”23. Assim, frustraram-se todos os esforços de Wiesenthal para
publicar o livro em inglês. Mas seus interesses pelas atividades do mufti
não diminuíram, e ele repassava tudo o que conseguia apurar para
Silberschein, seu patrocinador, que supostamente retransmitia as
informações para Israel.
Em sua primeira visita a Israel, em 1949, Simon Wiesenthal levou
mais documentos sobre os contatos entre árabes e nazistas. Informou
também que foi nessa visita que Boris Guriel, funcionário do Ministério
do Exterior de Israel, lhe sugeriu que ficasse na Europa, onde o serviço
de inteligência do novo país precisaria dele. Segev refere-se a Wiesenthal
como “um recruta do serviço secreto de Israel”,24 e ele recebeu um
documento de viagem israelense que o ajudou a obter autorização de
residência austríaca. Também foi equipado com credencial de imprensa
como correspondente de umas poucas publicações israelenses.
Mas as relações de Wiesenthal com os incipientes serviços de
inteligência israelenses não eram muito bem-definidas. Ele fornecia
relatórios sobre antissemitismo e acontecimentos políticos na Áustria,
onde mantinha contatos com diplomatas israelenses. Mas, de acordo com
Segev, eles o viam como “parceiro”,25 o que significa que era um pouco
menos do que um agente de inteligência. Por volta de 1952, os israelenses
resolveram não renovar seus documentos de viagem e também rejeitaram
seus apelos para que fosse pago pelo consulado para continuar fornecendo
informações, ou então que o contratassem como funcionário. Apesar de
ter protestado com veemência suficiente para renovar os documentos de
viagem até o fim de 1953, depois disso ficou por conta própria.
Simon Wiesenthal poderia ter se tornado cidadão israelense
simplesmente indo morar em Israel, mas queria conseguir a cidadania
israelense sem sair da Áustria. Seus esforços falharam, mas ele obteve a
cidadania austríaca. Apesar da impaciência de Cyla para ir morar em
Israel, ele tinha mudado de ideia. Embora não parecesse na época, seria
uma decisão importantíssima, que lhe granjearia crescente
reconhecimento internacional nas décadas seguintes.

***

Tuvia Friedman, que se vingara dos alemães em Danzig no fim da guerra


enquanto servia nas novas forças de segurança comunistas polonesas, foi
parar em Viena, onde passou a tomar conta de outro Centro de
Documentação. Nesse e também em outros sentidos, suas experiências e
atividades iniciais foram parecidas com as de Wiesenthal em Linz. Ele e
seus colegas coletaram depoimentos e documentos dos judeus que
chegavam a Viena vindos da Europa Oriental e Central, oferecendo-as
depois como provas nos julgamentos de oficiais da SS e de outros oficiais
de segurança. “Nosso escritório deu muito trabalho para a polícia
austríaca, prendendo dezenas de suspeitos”,26 gabava-se.
Em certa ocasião, um estudante romeno da Universidade de Viena o
procurou com duas cartas que tinha encontrado em seu quarto alugado
na casa de uma austríaca. Eram do tenente da SS Walter Mattner, que
servira na Ucrânia pouco depois que a Alemanha atacou a União
Soviética, em junho de 1941. O estudante contou a Friedman que tinha
lido as cartas e vomitado. Eram endereçadas à esposa dele em Viena, na
época grávida. Descreviam o fuzilamento sistemático de judeus,
mencionando prosaicamente que o número de vítimas era de 30 mil em
Kiev e 17 mil em Mogilev, Falavam também sobre os enforcamentos
públicos de funcionários do Partido Comunista, a que civis locais eram
obrigados a assistir. “Aqui na Rússia eu sei muito bem o que significa ser
nazista”,27 dizia.
Tuvia Friedman levou as cartas para um inspetor de polícia austríaco,
que ficou visivelmente abalado e chamou vários colegas para ler.
“Entendi a vergonha que aqueles homens sentiam”, explicou.
A polícia localizou Mattner dois dias depois, numa pequena cidade da
Alta Áustria, e o trouxe de volta para Viena. O inspetor que primeiro lera
as cartas convidou Friedman para assistir ao interrogatório. Quando
Mattner admitiu sem demora que escrevera as cartas, o inspetor reagiu,
furioso: “Vá se ferrar! Como pôde escrever para uma mulher grávida que
você estava fuzilando crianças na Rússia, sem piedade?”
Mattner tentou se desculpar. “Eu... eu queria que ela achasse que eu
era importante.” De acordo com Friedman, isso lhe valeu um tapa do
inspetor, que mostrou que as cartas eram muito claras sobre sua
participação nos assassinatos em massa. Quando Mattner alegou que
atirava por cima da cabeça dos prisioneiros, o inspetor o estapeou
novamente. “Por que vocês tinham tanto prazer em fuzilar judeus na
Rússia?”, perguntou.
Mattner continuou tentando se defender, dizendo que tinha sido
“melhor amigo de vários judeus” em Viena e fazia compras em lojas de
judeus desde 1938, ano da Anschluss, a anexação político-militar da
Áustria ao Terceiro Reich. O que veio depois, insistiu, não era culpa sua.
“Foi a propaganda de Hitler, ela envenenava as pessoas, junto com todo
aquele poder sem fim em nossas mãos”, alegou.
Assistindo à cena com uma raiva cada vez maior, Tuvia Friedman se
retirou, temendo perder o controle e se atirar em cima do prisioneiro.
Mattner foi julgado e enforcado.
Durante o período imediato do pós-guerra, quando as tropas de
ocupação aliadas estavam assistindo, os tribunais austríacos examinaram
mais casos do que se costuma reconhecer: 28.148 pessoas foram julgadas,
das quais 13.607 foram condenadas.28 Mas, como Friedman, Wiesenthal
e outros descobriram, as rápidas mudanças no clima político dos
primeiros tempos da Guerra Fria significavam que o entusiasmo por
aqueles julgamentos diminuía depressa, e muitos dos condenados logo
foram soltos. Na Áustria, país que se apegava ao álibi de ter sido a
primeira vítima de Hitler, muitos nazistas não só escapavam da prisão
como voltavam a seus antigos empregos.
“A situação ficou constrangedora”, falou Tuvia Friedman. “Parecia
que metade dos policiais da Áustria tinha posto em prática programas
ordenados pelos nazistas contra comunidades judaicas, em especial na
Polônia. Comecei a perceber certa resistência ao meu Centro de
Documentação e a mim.”29 Agentes policiais como os que tinham
cooperado com ele anteriormente foram preteridos.
Exasperado, Tuvia foi discutir a situação com seu principal contato na
sede da OSS em Viena. “Estamos na Áustria, Friedman”, retrucou o
major judeu do Exército dos Estados Unidos. “Os russos querem baixar
sua Cortina de Ferro sobre o assunto, o que nós não queremos que
aconteça. E essas pessoas estão tentando nos jogar uns contra os outros
para levarem vantagem. Não são bobas, não é mesmo? Simplesmente não
querem ver seus tribunais tomados por julgamentos de crimes de guerra
nazistas.”30
A estratégia parece ter funcionado, pois as forças de ocupação dos
Aliados — incluindo o contingente soviético — se retiraram da Áustria
em 1955, permitindo que o país se tornasse independente e neutro. Não
por acaso, de 1956 a 2007 a Áustria realizou apenas 35 julgamentos de
nazistas acusados de crimes.31
Como Simon Wiesenthal, Tuvia Friedman também trabalhou para a
Brichah, encaminhando judeus para a Palestina. Em 1947, um ano antes
da fundação de Israel, ele teve um diálogo revelador com um chefe da
Haganah, a organização paramilitar judaica cujos membros costumavam
acompanhar os refugiados na jornada clandestina para a Palestina. Depois
de aplaudir os esforços de Friedman para levar nazistas à Justiça, o oficial
o aconselhou a ter sempre em mente a mais alta prioridade: o
estabelecimento de um Estado judeu. “Concentre-se totalmente nessa
tarefa, Tadek (...) Os nazistas podem aguardar. Não podemos mais ficar
esperando por uma pátria judaica.”32
Tuvia alegava ter dado apoio a pelotões da Haganah que capturavam
caminhões carregados de armas destinadas a países árabes e as
encaminhavam para unidades judaicas na Palestina. Em 1949, um ano
depois da fundação do Estado judeu, um novo agente israelense apareceu
em Viena para assumir o controle das atividades de inteligência locais.
Friedman entendeu que seus serviços nessa área já não eram necessários.
“Um estranho sentimento se desenvolveu em Viena naquela época”,
comentou. “Havia os israelenses e havia os outros judeus. Tecnicamente,
eu era um súdito polonês.”33
Continuou trabalhando no Centro de Documentação, mas, como o
escritório de Wiesenthal em Linz, o centro passava por dificuldades. No
início dos anos 1950, o fluxo de refugiados judeus para a Áustria tinha
diminuído significativamente, e as fontes de financiamento começaram a
secar. Mais frustrante ainda era o rápido declínio do interesse pelo seu
trabalho. “Meus arquivos estavam entupidos de documentos e declarações
juramentadas”, contou Friedman. “Mas ninguém pedia acesso a eles ou
os requisitava para processar nazistas. Os alemães não os queriam nem os
austríacos, nem as Potências Ocidentais e nem os russos.”34
Em 1952, o Centro de Documentação em Viena fechou as portas, e
Friedman despachou os arquivos para o Yad Vashem em Jerusalém, a nova
instituição israelense para documentar e lembrar o Holocausto. Ele
decidiu ir junto com os arquivos, mudando-se para Israel. Prometeu
continuar seus esforços para localizar judeus a partir de lá, mas reconhecia
que também precisava construir uma nova vida em seu novo país.
Ao recordar aquela época, Friedman disse que só não mandou para
Jerusalém um dos muitos arquivos do seu antigo centro de
documentação: o arquivo sobre Adolf Eichmann35.

***

Durante o período que passou em Viena, Friedman se encontrou e se


correspondeu com frequência com Wiesenthal, em Linz. “Decidimos nos
ajudar mutuamente, trocando informações e cooperando de todas as
formas possíveis”,36 afirmou Friedman. Inicialmente, a disposição desses
dois caçadores de nazistas para cooperar era genuína. Friedman tinha
trabalhado para os comunistas poloneses no fim da guerra, em Danzig,
enquanto Wiesenthal trabalhara para os americanos na Áustria. Isso, de
alguma forma, os tornava suspeitos aos olhos um do outro, mas ambos
estavam empenhados no mesmo esforço para localizar criminosos nazistas.
Bem mais tarde é que esse objetivo comum deu origem a uma rivalidade
pouco disfarçada.
Segundo Friedman, já de início os dois estavam preocupados com o
paradeiro de Eichmann, o mentor da logística da Solução Final que tinha
desaparecido no fim da guerra. Wiesenthal dizia ter sido informado sobre
Eichmann e sua função através de Asher Ben-Natan, judeu nascido na
Áustria que fugira para a Palestina em 1938, ingressado na Haganah, e,
depois da guerra, dirigido a operação Brichah em sua antiga pátria, sob o
nome de Arthur Pier. Quando se encontraram em Viena, em 20 de julho
de 1945, segundo Wiesenthal, “Arthur” lhe passou uma lista de
criminosos de guerra preparada pelo departamento político da Agência
Judaica; trazia o nome de Eichmann e as afiliações “oficial superior do
QG da Gestapo, Departamento de Assuntos Judaicos, membro do
NSDAP [Partido Nacional Socialista], o partido nazista”.37
De acordo com a primeira e a segunda autobiografias que escreveu,
Wiesenthal recebeu outra informação de uma fonte improvável: sua
senhoria no número 40 da Landstrasse, a duas casas de distância do
escritório da OSS, em Linz. Certa noite, quando ele estudava suas listas
de criminosos de guerra, ela entrou para fazer a cama e deu uma espiada
por cima de seus ombros. “Eichmann só pode ser o general da SS que
estava encarregado dos judeus”, comentou. “Sabia que os pais dele
moram nesta rua, a poucas casas daqui, no número 32?”38
Eichmann era apenas tenente-coronel, apesar do seu papel decisivo no
Holocausto, mas a senhoria tinha razão quanto ao lugar onde ele morara.
Wiesenthal informou que, com base nessas dicas, dois americanos da OSS
estiveram na casa de Eichmann dois dias depois e conversaram com seu
pai, que jurou não receber notícias do filho desde o fim da guerra.
Foi o começo do que Wiesenthal chamou de caçada obsessiva a
Eichmann, que o levou a questionar Veronika Liebl, na cidade de
Altaussee, uma estância hidromineral na Áustria. Ela admitiu ter sido
casada com Eichmann, mas alegou que os dois se divorciaram em Praga
em março de 1945 e, desde então, perderam contato.39 Por investigar o
caso mais a fundo, Wiesenthal disse que ficou conhecido como
“Eichmann Wiesenthal” na região de Linz e que foi “inundado de
informações”.40 Um objetivo importantíssimo era encontrar uma foto de
Eichmann, que tomara o cuidado de se manter longe das câmeras
enquanto orquestrava os assassinatos em massa. Wiesenthal informou que
um dos seus colegas conseguiu uma foto dele com uma namorada de
Linz tirada em 1934; a imagem foi acrescentada ao mandado de prisão.
Mais tarde, detratores e rivais de Simon Wiesenthal começaram a
criticá-lo pelo que diziam ser uma versão amplamente exagerada do papel
que desempenhou na caçada a Eichmann, tentando dissecar e rejeitar
quase todas as partes de sua cada vez mais complexa narrativa dos
acontecimentos. Chegaram até a duvidar de que tivesse mesmo
começado sua caçada a Eichmann logo depois da guerra, como fazia
questão de dizer.41
Tuvia Friedman, que chegara à Áustria vindo da Polônia em 1946,
informou que “Arthur” — Asher Ben-Natan — foi a primeira pessoa a
lhe falar de Eichmann, a quem chamava de “o maior de todos os
assassinos”. Quando o recém-chegado admitiu que não sabia quem era, o
líder da Brichah teria lhe dado a seguinte instrução: “Friedman, você
precisa encontrar o Eichmann. Vou repetir: você precisa encontrar o
Eichmann.”42
Não há dúvidas de que tanto Wiesenthal quanto Friedman passaram a
se interessar pelo paradeiro de Eichmann logo depois da guerra, não
importando o momento exato. Robert Kempner, judeu nascido na
Alemanha que integrava a equipe americana de acusação em Nuremberg,
escreveu em suas memórias que Wiesenthal o procurou para perguntar:
“O senhor tem algum material contra certo Adolf Eichmann? E vai
conduzir uma acusação contra ele?”43
Em 1947, segundo a versão de Wiesenthal, um amigo americano lhe
informou que Veronika Liebl, também conhecida como Vera, tinha
solicitado que o tribunal de comarca declarasse seu ex-marido morto “no
interesse dos filhos”. Uma suposta testemunha alegara, sob juramento, ter
visto Eichmann ser morto em combate em Praga em 30 de abril de 1945,
exatamente quando a guerra chegava ao fim. Wiesenthal descobriu que a
testemunha era marido da irmã de Vera, detalhe que repassou para o
oficial da inteligência norte-americana, que informou o tribunal sobre
essa circunstância suspeita. Como resultado, o tribunal rejeitou o apelo
para declarar Eichmann morto. “Esse ato nada espetacular foi,
provavelmente, minha maior contribuição no caso”,44 escreveu
Wiesenthal.
Seus críticos depois se perguntaram se a declaração de óbito alteraria
alguma coisa ou impediria os israelenses de caçarem Eichmann. Mas, em
razão do declínio geral do interesse pela perseguição de criminosos de
guerra, tudo o que servisse para manter o assunto vivo — e os crimes
frescos na cabeça de caçadores em potencial — poderia ter papel decisivo.
De acordo com Friedman, três israelenses chegaram à Áustria em 1950 à
procura de Eichmann.45 Naquela época, achavam que ainda estivesse
escondido na Áustria, depois de burlar a identificação quando detido por
tropas dos Aliados em acampamentos temporários no fim da guerra.
Mas 1950 foi o ano em que Eichmann viajou para Gênova usando o
nome falso de Ricardo Klement e, de lá, partiu de navio para a
Argentina. Friedman comentou que os israelenses não o procuraram por
muito tempo, relatando que, naquele mesmo ano, “Arthur permitiu que
a caçada a Eichmann chegasse ao fim”.46
Tuvia insistiu que só ele e Simon Wiesenthal se recusaram a aceitar
que a caçada tivesse terminado. Os dois continuaram trocando histórias
que circulavam sobre o nazista. “A verdade é que ninguém sabia nada (...)
E, a cada dia que passava, havia menos interesse em Eichmann e nos
nazistas”,47 escreveu. Em 1952, quando foi morar em Israel, Friedman
voltou para uma visita à Áustria antes do fim do ano. Teve outro encontro
com Wiesenthal, que o aconselhou a “continuar falando de Eichmann
aos israelenses (...) obrigue-os a fazer alguma coisa”.48
Na lembrança de Friedman, Wiesenthal sugeriu uma última ideia
quando apertaram as mãos, antes de sua viagem de volta para Israel, em
janeiro de 1953. “Pense nisso”, disse Wiesenthal. “Quando for apanhado,
Eichmann será julgado por um tribunal judeu no Estado judeu. A história
e a honra do nosso povo estão em jogo.”49
Para Wiesenthal, o momento mais significativo de um quase desfecho
do caso Eichmann veio naquele mesmo ano, 1953. Pela sua narrativa, ele
conheceu um barão austríaco, já idoso, que também tinha paixão por
colecionar selos.50 O nome do barão, só posteriormente revelado, era
Heinrich Mast, antigo oficial de contraespionagem.51 Wiesenthal
descreveu suas opiniões como “católico-monarquistas”, o que significava
que ele “nunca confiou nos nazistas”. Ao saber do trabalho de
Wiesenthal, o barão mostrou uma carta cujo remetente identificou como
um antigo camarada que estava em Buenos Aires, servindo como
instrutor do regime do presidente Juan Perón. Apontou para o último
parágrafo da carta. Wiesenthal disse que levou um choque ao ler:
“Imagine só quem foi outro que eu vi, e até tive que falar com ele duas
vezes: aquele horroroso e desprezível Eichmann, encarregado dos judeus.
Mora perto de Buenos Aires e trabalha numa companhia de águas.”52
O barão fez uma pergunta retórica: “Que acha disso? Alguns dos
piores criminosos conseguem escapar.”53
Wiesenthal ficou agitado, mas sabia que não poderia seguir essa pista
sozinho. Devido à influência dos nazistas na Argentina de Perón,
Eichmann certamente se sentia seguro. “Como adversário, eu era muito
pequeno para ele”, acrescentou. Wiesenthal disse que consultou Arie
Eschel, cônsul de Israel em Viena, que lhe sugeriu que pusesse todas as
informações coletadas sobre Eichmann, incluindo o que ouvira do barão,
num relatório para o Congresso Mundial Judaico em Nova York.54 Ele
seguiu essas instruções e mandou uma cópia para o presidente do
congresso, Nahum Goldmann, e outra para o consulado israelense em
Viena.
Wiesenthal disse que não houve resposta de Israel. Dois meses depois,
recebeu uma carta do rabino Abraham Kalmanowitz, do Congresso
Mundial Judaico, acusando o recebimento das informações e pedindo o
endereço de Eichmann em Buenos Aires. Quando Wiesenthal respondeu
que precisava de dinheiro para mandar alguém à Argentina para tentar
consegui-lo, Kalmanowitz recusou o pedido, acrescentando que o FBI
tinha informado a Goldmann que Eichmann estava em Damasco, o que
na prática o punha fora de alcance, já que a Síria não concordaria com
sua extradição.
Era 1954 e, como Friedman, que fora embora dois anos antes,
Wiesenthal concluiu que simplesmente não havia interesse suficiente em
seus esforços para localizar nazistas. “Os judeus americanos provavelmente
tinham outras preocupações naquela época”, escreveu. “Os israelenses já
não queriam saber de Eichmann; tinham de lutar pela própria vida contra
[o líder egípcio Gamal Abdel] Nasser. Os americanos não queriam mais
saber de Eichmann por causa da Guerra Fria contra a União Soviética.”
Ele achava que “eu estava só, apoiado apenas por alguns outros idiotas
feito eu”.55 Em outra ocasião, ressaltou que “a fase da caça aos nazistas
no pós-guerra tinha terminado”.56
Apesar disso, Simon Wiesenthal manteve a decisão de permanecer na
Áustria. Mais tarde explicaria que teve que fazê-lo, pois reconhecia que
precisava estar na Europa para continuar seu trabalho como caçador de
nazistas. Mas 1954 foi também o ano em que se viu obrigado a fechar o
Centro de Documentação de Linz, exatamente como Friedman fizera
com seu centro, dois anos antes. Ele também empacotou os arquivos e
despachou para o Yad Vashem, em Jerusalém.57 Era um claro sinal de
que chegara à conclusão de que seus registros serviriam basicamente para
uso de historiadores, e não para pessoas empenhadas em buscas de
nazistas. Contudo, assim como Friedman, guardou consigo o arquivo
sobre Eichmann. “Honestamente, não sei por quê; eu tinha desistido”,58
declarou. Wiesenthal permaneceu em Linz, trabalhando para
organizações de ajuda judaicas, escrevendo artigos para a imprensa local e
buscando outras formas de se ocupar e sustentar a família.
Posteriormente, quando Eichmann foi sequestrado em Buenos Aires,
em 1960, o relato de Wiesenthal sobre seu encontro com o barão e a falta
de providências posteriores seria contestado de modo acalorado. Afinal,
equivalia a dizer que os israelenses tinham perdido uma oportunidade de
localizar Eichmann bem antes. Isser Harel, chefe do Mossad que acabaria
supervisionando a captura de Eichmann, ficou furioso com essa versão,
que Wiesenthal publicou pela primeira vez no volume inicial de suas
memórias, lançado em 1967. Se fosse verdadeira, a história de Wiesenthal
refletiria negativamente nele.
A captura de Eichmann seria a mais espetacular incursão de Israel no
campo de caça de nazistas, mas prepararia o terreno para uma batalha
entre Wiesenthal e Harel que duraria o resto de suas vidas.

***

Na própria Alemanha, é claro, o apetite para perseguir nazistas, fosse


impedindo-os de assumir certos empregos, fosse processando-os, tinha
praticamente desaparecido no começo dos anos 1950. Na metade da
década, os Aliados Ocidentais mantinham menos de duzentos criminosos
de guerra presos;59 o restante tinha sido beneficiado por anistias. O
chanceler Adenauer declarou em 1952: “Acho que é hora de pararmos
de farejar nazistas.”60 Parecia improvável, portanto, que um novo caçador
de nazistas aparecesse, sobretudo numa Alemanha que desejava
desesperadamente seguir o conselho do seu novo líder.
Pois foi exatamente o que aconteceu. Surgiu um caçador que nada
tinha de Wiesenthal ou Friedman, ambos muito extravagantes e em geral
agindo por conta própria. Fritz Bauer era muito mais parecido com Jan
Sehn, o juiz investigador polonês que tinha preparado as acusações contra
o comandante de Auschwitz Rudolf Höss e outros funcionários de
campos de concentração.
Os dois homens tinham histórias bem diferentes: Bauer fora criado
como judeu alemão secular e sobrevivera no exílio durante a maior parte
da era nazista; Sehn fora criado numa família católica de raízes alemãs, e o
irmão se registrara como Volksdeutsche — de etnia alemã — durante a
ocupação. Mas as diferenças eram menos importantes do que as
semelhanças. Bauer e Sehn eram fumantes inveterados, retraídos e se
concentravam em lançar meticulosamente os alicerces de suas vitórias nos
tribunais. Numa época em que a cooperação através da Cortina de Ferro
era raridade, eles mostraram que a parceria podia funcionar, trabalhando
juntos na coleta de provas para julgamentos.61
Mais significativamente, ambos viam sua missão não apenas como
castigar criminosos, mas também apresentar a verdade histórica em
detalhes, fornecendo os alicerces para instruir gerações atuais e futuras.
Na Alemanha — a terra dos criminosos, muito mais do que a Polônia —,
isso era tarefa urgente e desafio de proporções assustadoras.
Bauer era mais figura pública na Alemanha do que Sehn na Polônia. Já
tinha dado assunto para manchetes em 1952 ao processar um caso
histórico contra um antigo general nazista. Seu objetivo era demonstrar
que resistir a Hitler era um ato de nobreza, e não de traição. Nos anos
1960, orquestrou o julgamento de Auschwitz na própria Alemanha,
começando pelo processo de sacudir o país de sua amnésia voluntária
sobre o Holocausto e outros crimes da mesma época. Tornou-se presença
constante em discussões na TV sobre como o país deveria lidar com o
passado nazista, mas trabalhou totalmente nos bastidores ao desempenhar
um papel essencial na saga de Eichmann nos anos 1950.
Bauer poderia ter recebido muito reconhecimento por tudo que fez,
mas nunca recebeu o prêmio mais alto do seu país por serviços distintos
e, depois de sua morte, aos 64 anos, em 1968, foi praticamente
esquecido. Na verdade nunca foi muito conhecido fora da Alemanha. Só
nos últimos anos os alemães começaram a redescobri-lo — e, como
acontece com frequência com caçadores de nazistas, esse processo veio
acompanhado de controvérsias, mas já deveria ter ocorrido há muito
tempo.
Como assinalou Irmtrud Wojak, autora da primeira biografia de
Bauer, um volume pesquisado a fundo e que veio a público em 2009:
“Numa época em que as pessoas mal queriam ouvir falar sobre esse
passado, e a palavra ‘encerramento’ era usada com frequência cada vez
maior”, foi ele quem advertiu, onde e quando possível, que o passado
recente não podia ser rechaçado. Irmtrud sustentava que ele “contribuiu
significativamente para que a Alemanha se tornasse um Estado baseado no
império da lei”.62
A persistência de Bauer em fazer os compatriotas se lembrarem dos
crimes cometidos em nome deles lhe rendeu mais inimigos do que
admiradores, além de mais ameaças do que Sehn teve que enfrentar na
Polônia. Pessoas ligavam para berrar ao telefone: “Judeu nojento, morra!”
Um missivista típico perguntava: “Você, na sua raiva cega, não entendeu
que a maioria dos alemães não quer mais nem ouvir falar em julgamento
de criminosos nazistas?”63 Mas ele era muito popular entre os estudantes,
sobretudo alunos de direito.
Ilona Ziok, cujo vigoroso documentário sobre Bauer estreou em
2010, no Festival de Cinema de Berlim, e o colocou novamente sob os
refletores, chamou atenção para a batalha solitária que ele travou durante
toda a vida. Intitulado Death by Installments [Morte em Prestações],64 o
filme o apresenta como a figura histórica65 que a cineasta está convencida
de que ele foi. O documentário também deixa claro que ele se sentia
muito isolado, mostrando que, “essencialmente, Bauer só tinha inimigos”.
A ressurreição de Bauer como figura histórica acelerou depois que a
primeira biografia e o documentário apareceram. Ronen Steinke, editor
do Süddeutsche Zeitung, publicou uma biografia mais curta e mais leve de
Bauer em 2013, incluindo assuntos mais delicados que o livro anterior e
o filme tinham evitado — o que gerou acusações de que ele estaria
explorando de forma sensacionalista a história de Bauer. Quando o
Museu Judaico de Frankfurt inaugurou uma exposição sobre Fritz Bauer
em abril de 2014, tomando como base a versão apresentada por Steinke,
Irmtrud Wojak e Ilona Ziok ficaram particularmente irritadas. A
controvérsia logo se estendeu para publicações sobre o assunto,
deflagrando um debate mais amplo dentro da comunidade intelectual.

***
A controvérsia começa com a questão das raízes judaicas de Bauer e de
quanta ênfase deve ser dada a esse lado da sua identidade. Sua família em
Stuttgart era tão secularista, dizia Ilona Ziok, que “para os judeus, ele não
era judeu; mas para Hitler, era”. Ou, como descreveu Bauer, ele era
judeu de acordo com as leis de Nuremberg, que levavam muito a sério a
política racial nazista — mas não em qualquer outro sentido. De acordo
com a exposição do Museu Judaico, “a família de Fritz Bauer era típica
da classe média judaica do império alemão” e, na casa onde passou a
infância, “festas judaicas só foram comemoradas enquanto uma das avós
viveu com a família”. Mas os indícios também sugeriam o seguinte: “A
família se considerava secular. A assimilação pelo Estado Alemão estava
associada à promessa de reconhecimento e igualdade social.”66
O pai de Bauer, veterano da Primeira Guerra Mundial, era um
nacionalista alemão incondicional, e a educação de Fritz foi típica da
época, o que o fazia compreender por que tantos contemporâneos da sua
geração respondiam às ordens tão obedientemente. Falando para uma
plateia de estudantes, em 1962, ele lembrou que “muitas pessoas tiveram
a mesma criação eu... era muito autoritário. Você se sentava
obedientemente à mesa e ficava calado quando o pai falava, sem direito
de dizer coisa nenhuma... conhecemos bem esse tipo de pai. Eu às vezes
tenho pesadelos quando penso no domingo à tarde em que tive o
atrevimento de mexer o braço esquerdo, em vez de mantê-lo
obedientemente debaixo da mesa”.67
“A educação autoritária na Alemanha era, de fato, o alicerce da ética
alemã”, prosseguiu. “A lei é a lei, e uma ordem é uma ordem — aí estão
o alfa e o ômega da eficiência alemã.” Mas, se isso o situava com firmeza
dentro da tradição cultural de seu país, uma advertência acrescentada
pelos pais poderia facilmente ser interpretada como produto dos seus
valores judaicos, por menos fiéis que fossem aos princípios religiosos:
“Você precisa sempre saber o que é certo”, ensinavam-lhe.
Bauer não dava muita ênfase às experiências pessoais com o
antissemitismo em seus anos de formação, mas seria difícil evitar de todo
o assunto, pois passou parte da vida universitária em Munique, justo
quando o nazismo estava em ascensão. Falando com estudantes, ele
recordava ter visto “os bandos arruaceiros de nazistas” e seus pôsteres
vermelhos que proclamavam: “Proibida a entrada de judeus.”68 Quando
o ministro do Exterior Walther Rathenau, o mais destacado judeu do
governo, foi assassinado, em 1922, ele acrescentou: “Ficamos
profundamente abalados, com a impressão de que a democracia de
Weimar, da qual esperávamos tanto, corria perigo.”
Dois anos antes, quando ainda cursava a escola secundária, Bauer se
filiara ao Partido Social-Democrata, do qual foi membro engajado
durante toda a vida. A exposição de Frankfurt o chamou de “judeu
social-democrata”, o que fez Ilona Ziok e Irmtrud Wojak avaliarem que
os dois termos tinham ganhado o mesmo peso. Na verdade, as primeiras
dificuldades que Bauer teve com os nazistas vieram de suas opiniões
políticas, sobretudo de sua defesa à República de Weimar diante dos
ataques tanto da extrema-direita como da extrema-esquerda. Acreditava
piamente numa ordem social de tendência esquerdizante que aderisse a
princípios democráticos.
Quando se tornou o mais jovem juiz de Stuttgart, em 1930, o maior
interesse de Bauer era tornar a lei mais favorável para jovens delinquentes,
dando-lhes oportunidade de se reabilitarem. Um ano depois, NS-Kurier,
o jornal nazista local, publicou uma reportagem com o título “Juiz de
Comarca judeu abusa do cargo com fins partidários”.69 O autor queria
saber se o Ministério da Justiça estaria “defendendo a conduta do juiz
Bauer”. Sem dúvida o pecado básico de Bauer, aos olhos dos nazistas,
eram suas convicções políticas social-democratas, mas eles aproveitaram
sua identidade judaica para chamar atenção para o assunto.
Nesse caso, fracassaram, mas não de todo. Bauer resolveu mover uma
ação por calúnia contra o jornal. O tribunal lhe deu ganho de causa, mas
foi uma vitória ambígua. O NS-Kurier proclamou: “A expressão ‘juiz de
comarca judeu’ é difamatória.”
Hitler assumiu o poder em janeiro de 1933; no fim de março, Bauer,
junto com Kurt Schumacher e outros sociais-democratas de destaque,
foram despachados para Heuberg, o primeiro campo de concentração
nazista em Württemberg. Não havia dúvida de que ele tinha sido
selecionado por causa da filiação partidária. Foi solto em novembro
daquele ano, e tanto a biografia de Steinke como a exposição de
Frankfurt declararam que isso aconteceu porque ele e vários prisioneiros
assinaram um juramento de lealdade ao novo regime. “Apoiamos
incondicionalmente a pátria na luta alemã pela honra e pela paz”, dizia o
documento. Schumacher, que se tornaria líder dos sociais-democratas no
pós-guerra, recusou-se a assinar e foi movido por vários campos de
concentração, até ser libertado pelos britânicos no fim da guerra. Bauer
sempre manifestou admiração a Schumacher pela “crença e coragem
incríveis”.70
Na exposição de Frankfurt, havia um exemplar do jornal que publicou
o juramento de lealdade, relacionando os prisioneiros soltos que o
assinaram. O segundo nome da lista era “Fritz Hauer”. Os organizadores
da exposição registraram isso como um erro tipográfico, ressaltando que
não havia nenhum outro prisioneiro importante com nome tão parecido
com o de Bauer. Também afirmaram que outros registros não deixavam
dúvida de que Bauer assinara o documento. Contudo, em sua longa
biografia, Irmtrud Wojak não faz menção ao juramento de lealdade, e
Ilona Ziok também o ignora em seu documentário. Ambas afirmaram ter
omitido o fato porque não havia prova cabal de que Bauer o assinara.
“Se assinou, foi pela família”, acrescentou Ilona. “Ele fazia tudo para
protegê-la.” Apesar da irritação com o que lhe parecia uma atenção
excessiva à identidade de Bauer como judeu, admitia que ele devia saber
que as políticas antissemitas dos nazistas significavam que ele e a família
poderiam ser perseguidos justamente por esse motivo, ainda que Bauer
inicialmente tenha sido preso por questões políticas.
Se a controvérsia sobre o juramento de lealdade parece relativamente
pouco importante, a polêmica em torno de outro aspecto da vida de
Bauer — sua orientação sexual — foi muito mais acalorada. Em 1936, ele
fugiu para a Dinamarca, onde a irmã e o cunhado tinham se estabelecido
dois anos antes. De início, achou o país um paraíso liberal. “Os
dinamarqueses aproveitam a boa sorte do país com uma praticidade
despreocupada que sempre maravilha os estrangeiros”,71 escreveu.
Mas, segundo a biografia escrita por Steinke e a exposição de
Frankfurt, mesmo naquele país aparentemente liberal a polícia o seguia
com frequência e o interrogava sobre seus supostos contatos com homens
gays. Em 1933, a Dinamarca foi o primeiro país da Europa a
descriminalizar o sexo consensual entre homens, mas a prostituição gay
continuou sendo ilegal. Um relatório da polícia exposto em Frankfurt
afirmava que ele tinha admitido dois encontros sexuais, embora negasse
ter pagado por sexo.
Irmtrud Wojak sugeriu que a divulgação de relatórios policiais
duvidosos parecia ter como objetivo macular a reputação de Bauer. “É
apelar para os preconceitos que ainda existem contra homossexuais”,
alegou. Ilona Ziok estava convencida de que Bauer era “assexual — acho
que ele não tinha contatos sexuais com ninguém”. Mas acrescentou:
“Ainda que fosse [gay], isso era assunto dele.” Ambas evitaram esse tópico
no retrato que fizeram de Bauer.72
Monika Boll, curadora da exposição de Frankfurt, justificou a decisão
de incluir essa parte da história. “Não se trata de querer tirá-lo do
armário”, insistiu, numa conversa que tivemos enquanto ela me mostrava
a exposição no dia da abertura. “Era de se esperar que ele estivesse
politicamente a salvo na Dinamarca. Mas lá, de repente, voltou a ser
perseguido de uma forma que afetava sua vida pessoal. É um lado que
precisa ser reconhecido historicamente. É a única razão legítima para
tornar públicos esses arquivos. Eles não mancham a imagem de Fritz
Bauer; mancham a de autoridades responsáveis por essas observações.”
Ironicamente, a disputa interna entre os que deram à vida de Bauer
novo destaque costuma obscurecer o fato de que todas as partes
envolvidas estão basicamente de acordo quanto às principais conquistas
dele. Trata-se a rigor de uma discórdia entre aqueles que acham que ele
só deveria ser mostrado sob uma luz favorável e aqueles para quem
divulgar essas controvérsias sobre sua vida pessoal não reduz, de forma
nenhuma, sua estatura.
Quando as forças alemãs invadiram e ocuparam a Dinamarca, em
1940, Bauer mais uma vez ficou em perigo. Com a ajuda de social-
democratas dinamarqueses, ele passou a maior parte do tempo escondido.
Em 1943, casou-se com Anna Marie Petersen na Igreja Luterana
Dinamarquesa, medida essa que, segundo consta, visava protegê-lo.73
Naquele mesmo ano, Hitler ordenou a deportação de judeus da
Dinamarca, mas a Resistência dinamarquesa respondeu organizando uma
lendária operação de resgate que permitiu a cerca de sete mil judeus
escaparem para a Suécia. Bauer, a irmã, o cunhado e seus pais estavam
entre eles.
Na Suécia, Bauer foi editor da Sozialistische Tribüne, publicação
emigrante destinada aos sociais-democratas alemães. Um dos seus jovens
coeditores era Willy Brandt, futuro chanceler da Alemanha Ocidental,
que impressionou Bauer por sua capacidade de fazer amigos em círculos
internacionais. Bauer o descreveu como “esperto como um
americano”.74
Quando a guerra terminou, Bauer e a família decidiram voltar para a
Dinamarca. No discurso de despedida para um grupo de militantes
antinazistas, em 9 de maio de 1945, logo após a rendição da Alemanha,
ele deixou bem claro o que achava do futuro da sua pátria:
A Alemanha é uma tábula rasa (...) uma Alemanha nova e melhor pode e deve ser construída a
partir das fundações (...) Reconhecemos que o país tem obrigação de pagar pelos crimes de
guerra cometidos em seu nome (...) Os criminosos de guerra e os criminosos (...) que levaram
o nazismo ao poder e iniciaram a guerra, os criminosos de Buchenwald, Belsen e Majdanek
devem ser punidos com a máxima severidade (...)Nenhum de nós exige piedade do povo
alemão. Sabemos que precisaremos trabalhar duro para conquistar respeito e simpatia pelos
próximos anos e décadas (...)75

Naquele ano, Bauer também publicou um livro na Suécia com o título


premonitório de Die Kriegsverbrecher vor Gericht [“Os criminosos de guerra
na justiça”].76 Em 1947, escreveu um artigo — intitulado “Os assassinos
entre nós”, que, vinte anos depois, serviria de título para as primeiras
memórias de Wiesenthal. A escolha de Bauer foi, quase certamente,
inspirada pelo primeiro filme alemão depois da guerra, trotando sobre o
desmascaramento de um criminoso de guerra, cujo título era quase
idêntico: “Os assassinos estão entre nós”.
Bauer queria contribuir para o esforço de recuperação do respeito à
Alemanha desde o início. Da Dinamarca, escreveu ao amigo Schumacher
dizendo que tinha pedido permissão aos americanos para voltar a
Stuttgart, preenchendo os numerosos formulários que lhe exigiram, mas
não recebera autorização. Admitiu que não podia ter certeza da razão da
negativa, mas aventou a suspeita de que “[os americanos] não querem
judeus” retornando para assumir cargos no setor público.77 Enquanto
Brandt e outros colegas conseguiram voltar para a Alemanha logo após a
guerra, Bauer só o faria em 1949. Seu primeiro trabalho foi em
Braunschweig, como diretor de tribunais de comarca e depois como
procurador-geral. Aquele seria o cenário para seu primeiro confronto
com os que tinham servido ao Terceiro Reich.

***

O caso que estabeleceu a reputação de Bauer como principal contestador


legal dos nazistas não envolveu acusações de crimes de guerra ou de
crimes contra a humanidade. Na verdade nada tinha de grandioso, mas
girava em torno de uma questão essencial para a Alemanha no pós-
guerra: o que pensar dos oficiais e civis alemães que tentaram assassinar
Hitler em 20 de julho de 1944.
O coronel Claus von Stauffenberg tinha colocado uma pasta com
explosivos debaixo da mesa da sala de conferência onde Hitler repassava
planos de guerra com seus oficiais-generais do mais alto escalão, no
quartel-general de codinome Wolfsschanze (Toca do Lobo), na Prússia
Oriental. Como um dos oficiais por acaso empurrara a pasta para trás da
perna da mesa, Hitler sobreviveu à explosão. Os conspiradores eram
heróis ou traidores?
Como bem sabe qualquer pessoa que assistiu ao filme Operação
Valquíria, estrelado por Tom Cruise, o principal personagem do drama
que se desenrolou em seguida foi o major Otto Remer, comandante do
Batalhão de Guardas Grossdeutschland em Berlim. Ele tinha sido ferido
oito vezes em combate,78 e Hitler o condecorara com a Cruz de
Cavaleiro com Folhas de Carvalho. Não há dúvida sobre sua lealdade.
Contudo, em meio à balbúrdia logo depois da explosão na Toca do Lobo,
os conspiradores tentaram assumir o comando em Berlim. Disseram a
Remer que Hitler estava morto e lhe deram ordem para prender
Goebbels, ministro da Propaganda.
Quando Remer apareceu no gabinete do ministro com vinte homens
querendo cumprir a ordem, Goebbels o informou de que o Führer estava
vivo, e bem vivo — e que era fácil prová-lo. Pegando o telefone, pôs na
linha Hitler, que imediatamente mandou Remer prender os
conspiradores. Eles foram capturados e executados ou obrigados a
cometer suicídio. Antes do fim da guerra, Remer foi promovido a major-
general.
Na Alemanha Ocidental do pós-guerra, Remer ajudou a lançar um
partido de extrema-direita, o Sozialistische Reichspartei, mobilizando
seguidores com tiradas cáusticas contra os líderes recém-eleitos do país. O
partido começou a deixar sua marca em eleições regionais, e Remer
atraiu atenção nacional. Der Spiegel, a revista de notícias, o definiu em
termos que faziam lembrar as primeiras descrições de Hitler. Tinha “39
anos, magro, com rosto emaciado e os olhos ardentes dos fanáticos”,79
informou o semanário.
Remer acusava os novos líderes democráticos da Alemanha de
“acatarem ordens de potências estrangeiras”.80 Essas declarações, apesar
de exasperantes para os políticos, não foram suficientes para merecer uma
resposta jurídica. Mas, em 3 de maio de 1951, Remer foi longe demais
durante um comício eleitoral em Braunschweig. Além de defender a
própria atuação durante o abortado golpe de 20 de julho, fez acusações
parecidas aos conspiradores. “Aqueles conspiradores eram em grande
parte traidores do país, pagos por potências estrangeiras”,81 declarou.
Para Bauer, era a oportunidade de assumir publicamente uma postura
que, em muitos sentidos, era a expressão de como ele achava que o
passado recente da Alemanha devia ser encarado. Não estava interessado
em punir Remer por ter capturado os conspiradores que por pouco não
conseguiram assassinar Hitler. Ao processar Remer por caracterizar os
conspiradores como traidores, Bauer tinha um objetivo maior em mente:
instruir o público alemão sobre o que constituía conduta patriótica
durante o governo de Hitler.
O julgamento começou em 7 de março de 1952 e atraiu sessenta
jornalistas alemães e estrangeiros. Na sala do tribunal de Braunschweig,
Bauer apresentou um apaixonado sumário dos fatos, com uma clara
mensagem filosófica e política: “Quem reconhecia a injustiça da guerra
não tinha o direito de resistir a uma guerra injusta e evitá-la?”
Acrescentou, inclusive, que “um Estado injusto como o Terceiro Reich
não pode ser objeto de traição”.82 Não havia provas que respaldassem a
afirmação de Remer de que potências estrangeiras tinham financiado os
conspiradores, mas o argumento mais importante ressaltado por Bauer foi
o de que aqueles homens agiram por amor ao país que tinha sido traído
por um regime monstruoso.
Bauer não achava que os motivos dos conspiradores militares fossem
tão nobres como os descreveu na sala do tribunal. Em uma carta de
março de 1945, ele tinha comentado: “O sentimento antinazista [dos
conspiradores do 20 de julho] não vinha de um antinazismo ético ou
político, mas do fato de que Hitler estava perdendo a guerra.” O objetivo
de assassinar Hitler era “afastar a ideia de rendição incondicional”,83
acrescentou, “e permitir que a Alemanha emergisse do confronto
mundial como país independente”.
Apesar disso, seus argumentos finais no julgamento de Braunschweig
foram um apelo genuíno nascido no fundo do coração. “A tarefa dos
promotores e dos juízes do Estado democrático é reabilitar os heróis de
20 de julho sem condições ou limitações, em razão dos fatos que
conhecemos hoje e dos princípios eternos da lei”,84 argumentou,
acrescentando ainda uma nota pessoal sobre seus anos de estudante
secundarista em Stuttgart. Seu antigo colega de escola e os outros
envolvidos na conspiração “entendiam que era sua obrigação proteger o
legado de Schiller”,85 afirmou, mencionando o amado poeta, teatrólogo
e filósofo do país. Em outras palavras, os conspiradores foram motivados
por um profundo senso de lealdade à história e à cultura da Alemanha;
portanto, eram verdadeiros patriotas.
O juiz Joachim Heppe, que tinha servido como oficial em Stalingrado
e era prisioneiro de guerra na Rússia, declarou-se “profundamente
comovido”86 com as questões morais levantadas por Bauer. A rigor,
Bauer estava tão empenhado em demonstrar a moralidade dos atos dos
conspiradores que se esqueceu de pedir uma pena específica para Remer.
O tribunal o considerou culpado de difamação e o condenou a três meses
de prisão — sentença jamais cumprida, porque ele fugiu para o Egito e
voltou a tempo de beneficiar-se de outra anistia.87
Para Bauer, o julgamento foi uma imensa vitória. O tribunal
concordara com sua opinião de que o Terceiro Reich foi um regime que
não honrou o primado da lei e que, portanto, os que resistiram estavam
moralmente justificados. “Os opositores”, declarou o tribunal no
julgamento, refletindo os sentimentos de Bauer, “trabalharam pela
remoção de Hitler, e, por consequência, do regime que ele liderava,
movidos inteiramente por fervoroso amor à pátria e desprendida
consciência da responsabilidade que tinham para com seu povo,
sacrificando as próprias vidas em prol do país”. Não tinham a intenção de
prejudicar o Reich ou o poderio militar do Reich, apenas de ajudá-
los”.88
Uma pesquisa feita antes do julgamento mostrou que 38% dos alemães
aprovavam as ações da Resistência; no fim de 1952, ano do julgamento,
58% manifestaram sua aprovação.89 Bauer não tinha apenas promovido
uma mudança significativa nas estatísticas, mas iniciado um debate que se
estenderia por décadas.
Bauer acreditava que esses julgamentos eram imprescindíveis para fazer
os alemães compreenderem o que havia acontecido durante os anos de
pesadelo e como definir um comportamento decente — e também um
indecente. O castigo aplicado era bem menos importante do que as lições
aprendidas. Mas ele não se iludia achando que a batalha para instruir o
público sobre responsabilidade individual e moralidade tinha terminado.
Apesar da positiva mudança de atitudes registrada depois do julgamento
de Remer, Bauer sabia que muitos compatriotas ainda não estavam
arrependidos da era nazista e até se dispunham a proteger criminosos de
guerra, o que tornava ainda mais importante continuar a persegui-los
sempre que possível.
Foi por isso que, em 1957, quando recebeu uma palpitante
informação sobre o paradeiro de Eichmann, dada por um exilado judeu
alemão meio cego que vivia na Argentina, Bauer também decidiu agir de
acordo com a própria consciência. Em vez de encaminhar a informação
pelos canais competentes alemães, ele a repassou para os israelenses. Ao
fazê-lo, deflagrou uma sequência de acontecimentos que culminou num
processo que prendeu a atenção não só de Israel e da Alemanha, mas do
mundo todo.
CAPÍTULO OITO

“UN MOMENTITO, SEÑOR”


“Era de conhecimento geral que havia pelo menos uma forte unidade judaica
clandestina trabalhando incessantemente desde o fim da guerra em todas as
partes do mundo, no rastro de criminosos de guerra nazistas que escaparam
da rede dos Aliados em 1945. Ele tinha ouvido falar que seus membros
eram fanáticos e devotados à tarefa, uma gente corajosa que dedicara a vida a
levar à Justiça alguns dos monstros desumanos responsáveis por Belsen,
Auschwitz e outros lugares de opressão insuportável.”1
JACK HIGGINS, THE BORMANN TESTAMENT, ROMANCE
PUBLICADO PELA PRIMEIRA VEZ EM 1962 COM OUTRO
TÍTULO: THE TESTAMENT OF CASPAR SCHULTZ.

Sentado na confortável sala de estar de sua casa surpreendentemente


moderna no bairro de Afeka, em Tel Aviv, em março de 2014, Rafi Eitan
estava bem à vontade enquanto rememorava seus longos anos de serviço
no Mossad e o ponto alto de sua carreira, quando chefiou a unidade de
comando que capturou Adolf Eichmann perto da casa dele em Buenos
Aires, em 11 de maio de 1960. Ele falou da sorte que teve ao comprar o
terreno da casa em 1950, quando dava os primeiros passos no Mossad, aos
24 anos. A propriedade era barata na época, porque não havia pontes
cruzando o rio que separa a área da cidade logo ao sul, nem eletricidade
ou água corrente. “Eu disse: vou comprar o terreno para um dia morar
numa casa no meio de Tel Aviv”,2 contou, com um sorriso de satisfação.
Hoje Afeka é um bairro exclusivo, de residências elegantes e prédios
de apartamentos, ligado ao centro da cidade por rodovias em perfeitas
condições. A casa de Eitan fica numa rua tranquila, que poderia muito
bem estar situada num balneário do Mediterrâneo. O andar principal é
repleto de flores e plantas e inundado de luz, que entra pelas portas de
vidro do pátio e do jardim e por uma grande claraboia. Esculturas
minimalistas de animais e pessoas, todas de fios de bronze e ferro,
decoram a sala de entrada e seu estúdio cheio de livros. São produtos de
seu hobby favorito, esculpidas pelas mesmas mãos poderosas que ajudaram
a levar Eichmann até o carro onde sua equipe aguardava, naquele dia
fatídico, mais de meio século antes. Pequeno em estatura, Eitan tinha
adquirido força nos braços e nas mãos escalando cordas quando jovem.
Logo que começou a contar a história do mais famoso sequestro dos
tempos modernos, Eitan — que é sabra, como é chamado o judeu
nascido na Palestina e depois em Israel — deixou escapar que fez sua
primeira visita à Alemanha em 1953. Recordou ter pensado consigo
mesmo, ao descer do trem em Frankfurt: “Pouco tempo atrás, só oito
anos, se eu estivesse aqui, provavelmente seria executado. Mas agora sou
um representante do governo israelense.” E se apressou a explicar-me que
a visita nada tinha a ver com a caçada a nazistas.
Um dos grandes mitos do pós-guerra era o de que agentes israelenses
viviam vasculhando esconderijos em todos os cantos do mundo, em uma
busca implacável por criminosos de guerra nazistas. Nada poderia estar
mais longe da verdade, segundo ele. Quando esteve em Frankfurt, sua
missão era encontrar-se com agentes do Mossad incumbidos de
monitorar os judeus que chegavam da Europa Oriental e da União
Soviética e seguiam viagem para o novo Estado israelense.
O fluxo de imigrantes dessa região nos primeiros tempos da Guerra
Fria foi um grande desafio para o Mossad. “Os serviços de inteligência do
Leste — Polônia, Romênia e Rússia, é claro — recrutaram muitos desses
imigrantes”, explicou Eitan. O Kremlin tomara o partido dos árabes
contra Israel. A KGB ou seus afiliados atrás da Cortina de Ferro, quando
recebiam relatórios de seus agentes plantados em Israel, partilhavam essas
informações imediatamente com os vizinhos árabes. O novo Estado
precisava desesperadamente de colonos (a população de Israel era de cerca
de 1,6 milhão em 1953),3 mas também necessitava identificar aqueles que
serviam a outros patrões. “Tínhamos que checar todo mundo para saber
quem era e quem não era espião”, ressaltou Eitan. “Essa era a nossa mais
alta prioridade, e não capturar nazistas.”
Avraham Shalom — um agente do Mossad nascido na Áustria e que
viria a ser chefe do Shin Bet, o serviço de segurança de Israel — serviu
como vice de Eitan na operação Eichmann. Numa entrevista dada em sua
casa em Tel Aviv, três meses antes da sua morte, em junho de 2014, ele
fez eco aos sentimentos de Eitan e foi até um pouco mais longe. “Nunca
me interessei pela caça aos nazistas propriamente dita”, admitiu. Achava
que a melhor solução para os judeus incomodados com a ideia de que
ainda havia tantos criminosos de guerra soltos pelo mundo era “vir morar
aqui”,4 acrescentou.
Nos primeiros dias de Israel, simplesmente não havia tempo, energia
ou desejo suficientes para caçar nazistas. Isso fez Eitan ignorar a
controvérsia que surgiria mais adiante sobre o valor da informação
recebida por Wiesenthal, em 1953, do barão austríaco de que Eichmann
teria sido visto na Argentina. Mesmo que Wiesenthal tivesse fornecido
dados mais precisos sobre o paradeiro de Eichmann, Israel não tinha
condição de investir os recursos humanos e materiais para capturá-lo tão
cedo. A luta pela sobrevivência de Israel numa região repleta de inimigos
era mais importante que qualquer outra coisa.

***

No fim dos anos 1950, porém, o primeiro-ministro Ben-Gurion e outros


líderes israelenses já se sentiam mais confiantes sobre as perspectivas do
seu jovem país. A ideia de que pudessem autorizar uma grande operação
para capturar um notório criminoso de guerra nazista já não parecia
implausível. Isso se houvesse oportunidade — ou seja, se a oportunidade
caísse no colo do Mossad.
E foi exatamente o que aconteceu.
Em 19 de setembro de 1957, Fritz Bauer, que a essa altura era
procurador-geral do estado de Hesse, na Alemanha Ocidental, marcou
um encontro com Felix Shinar, chefe da missão de reparações de Israel na
Alemanha Ocidental. Para ter certeza de guardar o máximo segredo
possível, os dois homens se encontraram numa pousada à beira da rodovia
Colônia-Frankfurt.
De acordo com Isser Harel, o diretor do Mossad que posteriormente
daria a ordem de enviar Eitan, Shalom e outros agentes à Argentina para
sequestrar Eichmann, Bauer foi direto ao ponto. “Eichmann foi
encontrado”,5 revelou.
Quando o israelense quis saber se ele estava falando mesmo de Adolf
Eichmann, Bauer respondeu: “Isso, Adolf Eichmann. Está na Argentina.”
“E o que o senhor pretende fazer?”, perguntou Shinar.
“Preciso ser franco: não sei se podemos confiar totalmente no
judiciário alemão aqui, menos ainda no pessoal da embaixada da
Alemanha em Buenos Aires”, respondeu Bauer, sem deixar a menor
dúvida de que não confiava nos funcionários públicos do seu país e temia
que alguém pudesse avisar Eichmann, se soubessem que ele corria o risco
de ser preso. “Não vejo outra maneira senão falar com vocês”, prosseguiu
Bauer. “Vocês são conhecidos pela eficiência, e ninguém poderia ter mais
interesse na captura de Eichmann.” E recomendou cautela: “É claro que
desejo manter contato com o senhor a respeito deste assunto, mas apenas
na condição de que seja mantido o mais estrito sigilo.”
Estava claro que Bauer queria que todas as comunicações entre eles
fossem mantidas em segredo perante as autoridades alemãs, e Shinar
concordou de imediato, ressaltando que passaria as informações apenas
para seus superiores em Israel. “Eu lhe agradeço do fundo do coração
pela grande confiança que depositou em nós”, arrematou. “Israel jamais
esquecerá o que o senhor fez.”
Shinar cumpriu a promessa, preparando um minucioso relatório para o
Ministério do Exterior em Jerusalém. Quando Walter Eytan, o diretor-
geral do ministério, teve um encontro com Harel num café em Tel Aviv
para transmitir a notícia, o chefe do Mossad prometeu investigar a fundo.
Na mesma noite, e até bem tarde, ele leu o prontuário de Eichmann
trazido pelo arquivista da agência a pedido seu. “Eu ainda não tinha
noção de que tipo de homem era Eichmann”, escreveu, mais tarde, ou
“com que mórbido zelo tinha executado seu trabalho sanguinário”.6
Mas, quando se levantou da escrivaninha ao amanhecer, já sabia que “em
todos os assuntos que diziam respeito aos judeus, Eichmann era a
autoridade suprema, e eram suas as mãos que manobravam os fios que
controlavam a caçada humana e os massacres”.
Harel também sabia, nas próprias palavras, que “as pessoas estavam
cansadas de histórias de atrocidades”, mas disse ter tomado imediatamente
uma decisão crucial: “Naquela noite, resolvi que Eichmann seria
capturado se estivesse vivo, custasse o que custasse.”7
Talvez sim, mas, tempos depois, até mesmo integrantes da sua equipe
teriam dúvidas sobre a forma como Harel cuidou do caso, lembrando que
ele levou muito tempo para agir com base nas informações de Bauer,
devido a passos em falso anteriores. Mais de dois anos decorreriam entre
o encontro de Bauer com Shinar e os preparativos para a Operação
Eichmann, o sequestro do famoso fugitivo. Mas, se era fácil julgar as
decisões iniciais de Harel depois dos fatos, não há dúvida de que no fim
ele pôs em prática um plano sensacional e audacioso, executado à
perfeição.

***

Shinar, o representante israelense na Alemanha Ocidental, voltou a Israel


para uma rápida visita depois que Harel recebeu a notícia sobre
Eichmann. Isso permitiu ao chefe do Mossad fazer-lhe mais perguntas
sobre sua conversa com Bauer e, o mais importante, avaliar o homem
pessoalmente. “O que o dr. Shinar me contou sobre a personalidade de
Fritz Bauer me impressionou muito”,8 escreveu Harel, acrescentando ter
assegurado a Shinar que despacharia um enviado especial para continuar
os contatos com Bauer e obter informações adicionais.
O homem que selecionou para essa tarefa, Shaul Darom, tinha ido à
França em 1947 estudar arte e lá se juntara a um grupo que encaminhava
judeus para Israel. Saíra-se bem como pintor e como agente de
inteligência, pois, segundo Harel, tinha uma “aptidão natural” para esse
tipo de trabalho e viajava com facilidade pela Europa como artista cada
vez mais conceituado e que falava várias línguas.
Darom e Bauer se encontraram em Colônia em 6 de novembro de
1957. O encontro rendeu informações essenciais. Bauer explicou que sua
fonte era um meio judeu alemão na Argentina que tinha escrito para as
autoridades alemãs depois de ler nos jornais que Eichmann desaparecera.
Bauer não revelou o nome do homem naquele momento, pois vinha se
correspondendo com ele e queria proteger sua fonte, porém ressaltou que
os detalhes fornecidos correspondiam ao que ele já sabia sobre Eichmann
e sua família, incluindo a idade dos filhos antes que a esposa, Vera, e os
meninos também deixassem a Alemanha, supostamente para viver com
um segundo marido. O informante dera o endereço do homem que ele
supunha ser Eichmann: Calle Chacabuco, número 4.261, em Olivos,
subúrbio de Buenos Aires.
Bauer explicou francamente por que procurara os israelenses, em vez
de ir às autoridades alemãs: “Tenho certeza de que só vocês estariam
prontos e dispostos a agir.” Quando o agente israelense manifestou receio
de que qualquer processo de extradição pudesse alertar Eichmann e lhe
permitisse escapar de novo, Bauer respondeu: “Isso também me
preocupa, e eu não me oporia à ideia de vocês o levarem para Israel por
conta própria.”
Essas palavras davam pouca margem a ambiguidade. Como
representante da lei na Alemanha Ocidental, Bauer estava, na verdade,
recomendando aos israelenses que encontrassem uma solução prática à
margem dos procedimentos legais de praxe. Disse ainda que a única
pessoa na Alemanha a quem informara sobre o que estava fazendo era
alguém que merecia sua total confiança: Georg-August Zinn, colega
social-democrata e primeiro-ministro de Hesse.
Darom ficou impressionado com a “coragem” de Bauer, não só em
passar por cima do próprio governo e procurar os israelenses, mas
também em assegurar que estava pronto a aceitar qualquer medida que
resolvessem adotar. Harel escreveu posteriormente que viu nele “um
homem honesto, com um coração judaico compassivo”. Aludindo ao
retorno de muitos antigos nazistas a cargos públicos, acrescentou:
“Deduzo que ele esteja decepcionado com o andamento das coisas na
Alemanha e tenho a impressão de que não está em paz consigo mesmo
por ter decidido retomar suas atividades políticas nesse país.”
Porém, ao que parece, as primeiras tentativas de Harel de checar as
pistas dadas por Bauer resultaram em fracasso. Em janeiro de 1958, ele
mandou Yael Goren, agente que passara um tempo considerável na
América do Sul, a Buenos Aires, com rigorosas instruções para não fazer
nada que pudesse chamar atenção. Na companhia de um israelense que
realizava uma pesquisa na Argentina, Goren verificou o endereço dado
por Bauer, e os dois concluíram imediatamente que algo estava errado.
Era uma área pobre, com ruas sem calçamento, e, como disse Harel, “a
casinha miserável não correspondia, de forma nenhuma, à ideia que
fazíamos da vida de um ex-oficial da SS da estatura de Eichmann”.9
Naquela época, imaginava-se que fugitivos nazistas importantes tinham
conseguido contrabandear vastas fortunas, a maioria confiscadas de suas
vítimas durante a guerra.
Os dois ficaram confusos também com a aparência desmazelada da
mulher europeia que viram no quintal da casa. Eichmann tinha fama de
mulherengo, e eles não conseguiam acreditar que aquela pudesse ser sua
esposa. Harel afirmou que o relatório de Goren sobre a missão foi “uma
grande decepção”10 para ele. Em seu relato de todo o caso Eichmann,
que só conseguiu publicar em 1975, doze anos depois de deixar o cargo
de chefe do Mossad, ele declarou: “A conclusão óbvia era que as
informações repassadas por Bauer eram infundadas, mas não era essa
minha convicção.”
A “convicção” de Harel era, na melhor das hipóteses, vacilante, mas
ele tomou a medida lógica seguinte: pediu a Darom que marcasse um
novo encontro com Bauer, insistindo, dessa vez, em saber o nome da
fonte, para que a história pudesse ser conferida. Em 21 de janeiro de
1958, eles se encontraram em Frankfurt, e Bauer cedeu de imediato,
dando o nome de Lothar Hermann e seu endereço em Coronel Suárez,
cidade a mais de quatrocentos quilômetros de Buenos Aires. Bauer
forneceu também uma carta de apresentação a ser levada por quem Harel
decidisse mandar procurar Hermann.
Essa pessoa foi Efraim Hofstaetter, investigador policial do mais alto
nível, a caminho da América do Sul para cuidar de outro caso. Harel lhe
pediu que procurasse Hermann quando concluísse o outro assunto,
entregando-lhe a carta de apresentação preparada por Bauer. Hermann
recusou seu pedido para que se encontrassem em Buenos Aires, por isso
Hofstaetter pegou um trem noturno para Coronel Suárez. Quando bateu
à porta, Hermann o convidou a entrar, mas no mesmo instante exigiu
garantias de que ele de fato representava as autoridades alemãs, em
conformidade com a história fictícia que ele e Harel tinham combinado.
“Como vou saber que o senhor está dizendo a verdade?”,11 perguntou.
Hofstaetter falou sobre a carta de Bauer, apresentando-a, mas o dono
da casa ignorou a mão estendida. Em vez disso, chamou a esposa e pediu-
lhe que pegasse a carta e a lesse em voz alta. Só então Hofstaetter
percebeu que Hermann era cego. A mulher leu a carta e comentou: “A
assinatura é sem dúvida do dr. Bauer.”
Mais calmo, Hermann começou a contar sua história. Os pais tinham
morrido nas mãos dos nazistas, e ele passara algum tempo em campos de
concentração. “Tenho sangue judeu nas veias, mas minha mulher é alemã,
e nossa filha foi criada de acordo com as tradições da mãe”, acrescentou.
Sua única razão para procurar Eichmann era “me vingar dos criminosos
nazistas que causaram tanto sofrimento e agonia a mim e minha família”.
Os Hermanns tinham morado em Olivos, subúrbio de Buenos Aires,
até dezoito meses antes, onde eram “aceitos como alemães em todos os
sentidos”. Sylvia, a filha, começara a sair com um jovem chamado
Nicolas Eichmann, que não tinha ideia de que ela era meio judia. Nicolas
tinha estado em sua casa várias vezes e, em uma dessas ocasiões,
comentara que teria sido melhor se os alemães tivessem concluído o
extermínio dos judeus. Também explicara que não falava com sotaque de
nenhuma região porque o pai tinha servido em muitos lugares diferentes
durante a guerra.
Estimulado por uma reportagem sobre um julgamento de crimes de
guerra no qual Eichmann foi mencionado, Hermann deduziu que
Nicolas era filho dele. Naquele tempo, os nazistas se sentiam tão à
vontade na Argentina que tomavam poucas precauções — e, apesar de
Adolf usar um nome falso, os filhos nunca se deram ao trabalho de mudar
o deles. Mas Nicolas tomou uma precaução quando começou a sair com
Sylvia: decidiu jamais revelar onde moravam. Quando os jovens
namorados escreviam um para o outro, depois que ela se mudou, o rapaz
a instruiu a mandar as cartas para o endereço de um amigo. Isso serviu
apenas para aumentar as suspeitas de Hermann, que não demorou a
corresponder-se com Bauer.
Naquele momento, Sylvia, “mulher atraente de cerca de vinte anos”,
como Hofstaetter a descreveu para Harel, entrou na sala. Ficou claro que,
independentemente do que sentira por Nicolas, ela decidira ajudar o pai
na tentativa de confirmar sua teoria. Quando Bauer pediu a Hermann
que fosse a Buenos Aires investigar mais, o cego levou a filha não apenas
para lhe servir de olhos, mas também para explorar sua ligação com
Nicolas. Com a ajuda de um amigo, ela localizou a casa e simplesmente
bateu à porta.
Quando uma mulher atendeu, Sylvia perguntou se aquela era a casa da
família Eichmann. “A resposta demorou um pouco, e durante a pausa um
homem de meia-idade, de óculos, veio e ficou em pé ao lado dela”,
contou Sylvia. “Perguntei-lhe se Nick estava em casa.” Falando com “voz
desagradável e estridente”, ele disse que Nick estava fazendo hora extra.
Sylvia prosseguiu: “Perguntei se ele era o sr. Eichmann. Nenhuma
resposta. Por isso perguntei se era o pai de Nick. Ele disse que era, mas só
depois de uma longa hesitação.”
Sylvia contou que a família tinha cinco filhos, três nascidos na
Alemanha e dois na Argentina. Embora a idade dos filhos nascidos na
Alemanha correspondesse ao que Bauer já sabia sobre Eichmann,
Hofstaetter continuou cauteloso. “O que você diz é muito convincente,
mas não é uma identificação definitiva”, ressaltou. Acrescentou que Vera
poderia ter casado de novo, mas permitido que os três filhos mais velhos
mantivessem o nome do primeiro marido. Lothar Hermann sustentou
que o homem com quem ela vivia era sem dúvida Adolf Eichmann.
Prometendo cobrir todas as despesas, o israelense disse a Hermann que
precisava que ele conseguisse mais informações sobre o suspeito — que
nome usava, onde trabalhava, alguma foto oficial ou documento pessoal e
digitais. De volta a Tel Aviv, disse a Harel que achara Hermann
“impetuoso e confiante demais”, sugerindo que tinha dúvidas sobre sua
história, mas ficou favoravelmente impressionado com Sylvia,
recomendando mais investigação, e depressa, pois ela planejava viajar ao
exterior dentro em breve.
Harel autorizou verba extra para as despesas de Hermann, para que ele
pudesse pesquisar mais em Buenos Aires, mas não conseguiu os resultados
que esperava. Lothar e Sylvia Hermann descobriram num cartório de
registro de imóveis que o proprietário da casa na Calle Chacabuco era
um austríaco chamado Francisco Schmidt, que tinha dois apartamentos
com medidores de energia elétrica separados, um para um tal Dagoto,
outro para um tal Klement.12 Hermann concluiu que Schmidt só podia
ser Eichmann, que fizera uma cirurgia plástica para mudar a aparência.
Contudo, quando o pesquisador israelense na Argentina, que já tinha
trabalhado no caso, investigou melhor, ele descobriu que Schmidt não
poderia ser Eichmann: sua situação familiar era diferente, e ele nem
sequer morava na casa da qual era dono. “Essas descobertas
comprometeram irremediavelmente a confiabilidade de Hermann”, disse
Harel. Em agosto de 1955, acrescentou, “foram dadas instruções para
deixar nosso contato com Hermann desfazer-se aos poucos”.13
Aquele foi o ano em que a Alemanha Ocidental abriu o Escritório
Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo em
Ludwigsburg, pitoresca cidade ao norte de Stuttgart. Em agosto de 1959,
Tuvia Friedman disse ter recebido uma carta de Erwin Schüle, chefe do
escritório de Ludwigsburg, mencionando uma informação secreta
segundo a qual Eichmann estaria no Kuwait.14 Animado, Friedman
procurou Asher Ben-Natan, seu velho contato israelense em Viena que
àquela altura servia no Ministério da Defesa. Chegou a pensar que
poderia ser enviado com alguns homens ao Kuwait numa missão para
capturar Eichmann. Mas Ben-Natan não lhe deu atenção, assim como
não lhe deu importância o alto funcionário da polícia para quem foi
encaminhado. Friedman concluiu que aquelas autoridades não tinham
mais interesse em caçar Eichmann e procurou a imprensa israelense para
divulgar a suposta presença do fugitivo no Kuwait.
Para Bauer, o fato de o Mossad desistir de continuar investigando com
Hermann, combinado com a súbita publicidade sobre o Kuwait, foi
extremamente frustrante. Cada vez ele tinha mais medo de que
Eichmann fosse informado sobre os esforços para encontrá-lo e fugisse de
novo. Em dezembro de 1959, Bauer foi a Israel com mais informações.15
Segundo dados de uma nova fonte, Eichmann tinha viajado para a
Argentina usando o nome de Ricardo Klement, que correspondia ao
nome em um dos medidores de energia elétrica da casa na Calle
Chacabuco da qual Hermann vinha falando o tempo todo. Como
afirmou Harel, em sua defesa, Hermann tinha concluído erroneamente
que Eichmann era o dono da casa, e não um dos seus inquilinos.
Percebendo o que tinha acontecido, o chefe do Mossad designou um
novo homem, Zvi Aharoni, para continuar a investigação. De repente, a
pista fornecida por Hermann voltou a parecer promissora, mas ninguém
sabia se Eichmann ainda vivia lá.
Quando se reuniu com Harel, com Aharoni e o procurador-geral de
Israel, Chaim Cohen, em Jerusalém, Bauer não disfarçou a raiva. “Isto é
simplesmente inacreditável”, declarou, lembrando que o nome Klement
tinha sido mencionado muito antes por Hermann, e mais uma vez, fazia
pouco tempo, pela nova fonte. “Qualquer policial de segunda classe teria
sido capaz de seguir essa pista. Basta ir lá e perguntar ao açougueiro ou ao
dono da mercearia para descobrir tudo o que existe sobre Klement.”16
Aharoni, que relatou o acesso de raiva, se tornou um dos mais duros
críticos do modo como Harel conduziu as investigações sobre Eichmann.
“A triste verdade é que Eichmann foi descoberto por um cego e que o
Mossad precisou de mais de dois anos para acreditar na história dele”,17
declarou, mais tarde.
Harel informou Ben-Gurion da possível descoberta. O primeiro-
ministro lhe disse que, se a pista fosse mesmo boa, queria Eichmann
julgado em Israel. Segundo o relato de Harel sobre a conversa, Ben-
Gurion achava que o julgamento “seria uma conquista de enormes
consequências morais e históricas”.18

***
Harel escolheu Aharoni para ir à Argentina daquela vez a fim de verificar
se eles poderiam finalmente identificar e localizar Eichmann no endereço
original fornecido por Hermann. O chefe do Mossad o considerava “um
dos melhores investigadores” de Israel. Nascido na Alemanha, tinha
fugido para a Palestina em 1938 e depois servido no Exército britânico
interrogando prisioneiros de guerra alemães.19
Primeiro Aharoni tinha que terminar outra missão, o que significou
mais um atraso de dois meses que deixou Harel “fervendo de
impaciência”.20 Entretanto, durante esse período, Aharoni se preparou
para a tarefa estudando os antecedentes do caso e encontrando-se com
Bauer. Em 1º de março de 1960, ele finalmente aterrissou em Buenos
Aires, munido de um passaporte diplomático israelense com nome falso.
Para disfarçar, dizia trabalhar no departamento de contabilidade do
Ministério do Exterior.21
Acompanhado por um estudante local que concordara em ajudar,
Aharoni alugou um carro e foi à Calle Chacabuco, em Olivos, em 3 de
março.22 Mas, quando chegou à casa e o estudante se aproximou,
fingindo procurar outra pessoa, ficou claro que não havia inquilinos nos
dois apartamentos. O estudante viu pela janela que eles estavam vazios e
havia pintores trabalhando lá dentro. Eichmann e família, se haviam
morado ali, tinham se mudado.
No dia seguinte, Aharoni arquitetou um plano para descobrir mais.
Lembrando-se, a partir da leitura do prontuário de Eichmann, de que o
filho mais velho fazia aniversário em 3 de março, instruiu um jovem
voluntário chamado Juan a voltar à casa deserta levando um presente e
um cartão para ele. A história inventada como disfarce era que um amigo,
que trabalhava como mensageiro num dos grandes hotéis de Buenos Aires
lhe pedira para entregar o pacote, mandado por uma jovem; se o
pressionassem, ele diria que não sabia mais nada.
Não encontrando ninguém na casa da frente, Juan deu a volta e, lá
atrás, avistou um homem falando com uma mulher que limpava algo
perto de um barraco.
“Desculpem, mas vocês sabem se o sr. Klement mora aqui?”,
perguntou. Os dois confirmaram o nome imediatamente, e o homem
indagou: “Você quer dizer os alemães?”
Para evitar suspeitas, ele disse que não sabia nada sobre sua
nacionalidade. O homem acrescentou: “Você quer dizer o que tem três
filhos adultos e o pequeno?”
Mais uma vez, Juan alegou ignorância, dizendo que estava ali apenas
para lhe entregar um pequeno pacote. O homem informou então que a
família tinha se mudado quinze ou vinte dias antes, mas ele não sabia para
onde.
Poderia ter sido uma notícia arrasadora, uma sugestão de que, se
Aharoni tivesse chegado um pouco antes, encontraria todo mundo na
casa. Mas o homem evidentemente acreditou na história contada por
Juan e o levou até um dos pintores que trabalhavam num quarto dos
fundos. O pintor foi igualmente solícito, dizendo que os Klements
tinham se mudado para San Fernando, outro subúrbio de Buenos Aires.
Ele não sabia o endereço, mas sugeriu que falassem com um dos filhos de
Klement, que trabalhava numa oficina de automóveis ali perto.
Com roupa de mecânico, o jovem alemão confirmou que era um dos
filhos de Klement, e Juan ouviu outras pessoas o chamarem de um nome
parecido com Tito ou Dito. Como disse Aharoni mais tarde, tratava-se
obviamente de Dieter, o terceiro filho de Eichmann. Dieter foi mais
desconfiado que os operários argentinos. Interrogou Juan sobre sua
história e quis saber quem mandara o pacote. Quando Juan repetiu a
história, Dieter disse que a rua onde moravam agora não tinha nome nem
números. Percebendo que não arrancaria mais nada diretamente, e para
evitar novas perguntas, entregou o pacote a Dieter, pedindo que o
entregasse ao irmão.
Vigiando a oficina, Aharoni e seu pequeno grupo resolveram seguir
Dieter depois do trabalho.23 Na primeira noite, não o viram sair; depois,
avistaram duas pessoas numa bicicleta motorizada e deduziram que o
passageiro na garupa era Dieter. O veículo seguiu na direção de San
Fernando, e o condutor deixou o carona perto de um quiosque.
Descobriu-se que aquele ponto ficava a uns cem metros de uma pequena
casa recém-construída na rua Garibaldi, para onde a família Eichmann
acabara de se mudar.
Aharoni estava convencido de que “Klement” era mesmo Eichmann,
mas continuou em busca de confirmação. Pediu a Juan que procurasse
Dieter na oficina mecânica com a falsa história de que a remetente
reclamou que o pacote não tinha sido entregue. Na conversa que se
seguiu, Dieter reafirmou que tinha entregado o pacote, revelando
também que ele deveria ter sido endereçado a Nicolas “Aitchmann”,
segundo a grafia anotada por Juan, e não “Klement”. Juan achou que era
má notícia, significando que não tinham encontrado seu homem. Mas
Aharoni, que não queria que Juan soubesse quem eles de fato
procuravam, lhe assegurou que ele tinha feito “um trabalho fantástico”.
Aharoni fez repetidas viagens a San Fernando, de início puxando
conversa com os vizinhos a pretexto disso ou daquilo. Confirmou que a
família se mudara recentemente, e um arquiteto conseguiu um
documento mostrando que o lote 14 da rua Garibaldi, onde estava
situada a nova casa, fora registrado no nome de Veronika Catarina Liebl
de Eichmann, constando os nomes de solteira e de casada. Depois de
passar várias vezes para observar a casa, Aharoni teve o primeiro
vislumbre, em 19 de março, “de um homem de estatura e porte
medianos, de cerca de cinquenta anos, testa alta e parcialmente calvo”. O
homem pegou as roupas do varal e voltou para dentro da casa.
Agitado, Aharoni passou um telegrama para seus superiores dizendo
que tinha localizado, na casa de Vera Eichmann, um homem
“definitivamente parecido com Eichmann” e que não havia mais dúvida
sobre sua identidade. Também propôs voltar imediatamente a Israel a fim
de ajudar a planejar a operação para sequestrá-lo. Antes disso, porém,
tinha a intenção de obter uma foto da sua presa.
Sentado na traseira de uma caminhonete coberta com lona, Aharoni
mandou o motorista estacionar perto do quiosque e ir comer alguma
coisa. Enquanto isso, observou a casa apontando a câmara por um buraco
na lona. Fotografou a casa e as imediações. Mas teve que delegar a tarefa
de fotografar Eichmann com uma câmera escondida dentro de uma pasta
a outro assistente local que falava espanhol sem sotaque. Parando
Eichmann e o filho Dieter quando estavam fora da casa, o assistente
puxou conversa para ter tempo de acionar a câmera.
Aharoni partiu da Argentina em 19 de abril, e Harel se juntou a ele no
voo de Paris para Tel Aviv. “Tem certeza absoluta de que é o nosso
homem?”, perguntou. Aharoni lhe mostrou a foto e respondeu: “Não
tenho a menor dúvida.”

***

Não era só o nome verdadeiro usado por Vera Eichmann no registro de


imóveis que indicava a atitude cada vez mais relaxada da família.
Wiesenthal, que continuava monitorando o resto da família Eichmann na
Áustria, detectara outras provas denunciadoras de que a suposta viúva
morava com o abominável marido fugitivo. A madrasta de Eichmann
tinha morrido, e um aviso sobre a morte dela no Oberösterreichische
Nachrichten, o jornal de Linz, foi assinado por Vera Eichmann, usando o
nome de casada. “As pessoas não mentem nesses avisos”, ressaltou Simon
Wiesenthal, em suas memórias. Ela assinou também um aviso semelhante
no mesmo jornal quando o sogro morreu, em fevereiro de 1960. “Os
sentimentos da família Eichmann os deixaram cegos para o perigo”,24
acrescentou Wiesenthal.
Wiesenthal informou que tinha contratado dois fotógrafos equipados
com lentes de telefoto para capturar flagrantes das pessoas presentes no
funeral.25 Ali estiveram os irmãos de Eichmann; um deles, Otto, era
notavelmente parecido com Adolf. Para Wiesenthal, isso explicava os
supostos avistamentos de Eichmann na Europa ao longo dos anos. De
acordo com seu relato, as fotos foram passadas a dois agentes israelenses
despachados para pegá-las e entregar o mais depressa possível aos chefes.
“Qualquer pessoa que tivesse uma fotografia de Otto Eichmann nas mãos
conseguiria identificar o irmão, mesmo que ele tivesse passado a se
chamar Ricardo Klement”, escreveu Wiesenthal.
Harel e outros detratores de Simon Wiesenthal mais tarde rejeitariam
boa parte do relato, dizendo que ele exagerava a importância do papel
que desempenhara, até mesmo inventando partes da história. O encontro
com os dois agentes israelenses descrito por Simon em suas memórias
“jamais aconteceu”, afirmou Harel. O que Wiesenthal fez, na verdade,
foi enviar as fotos para a embaixada israelense em Viena, acrescentou o
chefe do Mossad. Ninguém “ficou animado com essas fotografias”, já que
não tinham tanta importância.26 Mas Aharoni, que depois manifestaria
grande admiração por Wiesenthal e igual desprezo por Harel, deu crédito
ao caçador de nazistas na Áustria por ter fornecido “uma peça importante
de informação”.27
Seja qual for a exatidão dessas diferentes versões dos acontecimentos,
não há dúvida de que mais e mais provas indicavam que os israelenses
estavam na pista certa e chegando cada vez mais perto de sua presa. Mas
Harel e Eitan, o homem que ele designara para chefiar a operação no
local, sabiam que, antes de sequestrá-lo, era preciso pensar no que fariam
para tirá-lo do país. Isso significava arranjar um “aparelho” para colocar o
prisioneiro antes de transportá-lo para Israel.
Harel se encarregou de fazer os arranjos para a opção preferida: tirar
Eichmann pelo ar.28 Mas a El Al, a companhia aérea israelense, não
voava para a Argentina naquela época, por isso precisavam de um
pretexto para mandar um avião especial. Por sorte, a Argentina planejava
comemorar os 150 anos de sua independência no fim de maio, e Israel
tinha sido convidado a mandar representantes. Harel sugeriu ao
Ministério do Exterior que a delegação israelense voasse para Buenos
Aires numa aeronave especial e trabalhou diretamente com os executivos
da El Al para assegurar a cooperação absoluta da empresa aérea. Eles até
permitiram que o chefe do Mossad aprovasse a tripulação.
Enquanto Harel cuidava dos arranjos para o voo, Rafi Eitan examinava
o plano B: a bem menos desejável opção de uma longa viagem
marítima.29 Ele entrou em contato com o chairman da Zim, a empresa
marítima israelense, que tinha dois navios refrigerados. Como observou
Eitan com uma gargalhada, essas embarcações eram usadas para
transportar carne kosher da Argentina para Israel. Conversando com o
capitão de um desses navios, Eitan providenciou a preparação de um
compartimento especial que serviria de prisão flutuante temporária para
Eichmann, caso o voo não desse certo por qualquer razão. Em outras
palavras, ele seria contrabandeado com um carregamento de carne kosher.
Depois de duas semanas em Israel, período no qual Harel preparou os
integrantes da equipe que logo partiria rumo à Argentina usando variados
passaportes e histórias falsas, Aharoni desembarcou novamente em
Buenos Aires em 24 de abril. Não se apresentava mais como diplomata
israelense, mas como empresário alemão, com um novo passaporte,
bigode e roupas diferentes.30 Um dos primeiros a segui-lo foi Avraham
Shalom, o vice de Aharoni nessa operação.31 Ao chegar a Israel depois de
uma prolongada missão na Ásia, Shalom foi instruído a procurar Harel
imediatamente. O chefe do Mossad lhe disse que queria que ele fosse
encontrar Aharoni, para checar tudo a respeito dos supostos avistamentos
de Eichmann e sua família na rua Garibaldi e enviar para Israel uma
mensagem cifrada se achasse que tinham na mira o homem certo.
Shalom era um agente tarimbado, mas, por alguma razão, por duas
vezes quase pôs seu disfarce a perder. Depois de chegar a Paris, na
primeira etapa da viagem, pegou um passaporte alemão com novos
documentos de identidade. Em trânsito em Lisboa, ele e outros
passageiros foram solicitados a entregar os passaportes e pedi-los de volta
quando estivessem prontos para embarcar no voo seguinte — em seu
caso, o voo para Buenos Aires. Shalom esqueceu qual era seu nome falso
e teve que apontar com o dedo, diante de um funcionário perplexo, para
o passaporte que só reconheceu pela cor. Quando finalmente chegou ao
hotel em Buenos Aires e teve que fazer o check-in na recepção, sua
memória falhou outra vez por um longo momento. Shalom alegava que a
ideia da caça aos nazistas não o entusiasmava nem um pouco, mas suas
emoções deviam estar muito mais turbulentas do que ele admitia.
Quando Aharoni levou Shalom para ver a rua Garibaldi, ele ficou bem
impressionado. Não era “uma rua de verdade”, falou. “E sim um
caminho para carros. Lugar ideal para uma operação — sem eletricidade,
poucas pessoas.” A única iluminação vinha dos veículos que passavam de
vez em quando. Àquela altura, os israelenses já não se espantavam com a
noção de que o outrora poderoso Eichmann morasse num lugar tão
humilde. Quando mais integrantes do grupo chegaram, Aharoni já tinha
confirmado que seguiam o homem certo. Também observavam sua rotina
a uma distância segura. Viam-no andar até um ponto de ônibus para ir à
fábrica da Mercedes todas as manhãs, depois voltar de ônibus, parando
bem na esquina de sua rua sempre à mesma hora no começo da noite.
Dali, Eichmann tinha que andar pouco para chegar em casa.
Peter Malkin, um membro especialmente forte da equipe, ficou
incumbido de ser o primeiro a agarrar Eichmann. “Nunca tinha sentido
medo em toda a minha carreira, nem um pouquinho que fosse (...)
Naquele momento, tive pavor de fracassar”,32 contou. Mas Eitan, um
dos últimos a chegar, concordava com Shalom, avaliando que as
condições eram promissoras. “Desde o comecinho, quando analisei a
situação, a área, a casa, as imediações, tive certeza de que não havia como
falharmos”,33 afirmou.
Relembrando o momento em que o grupo de agentes se reuniu em
Buenos Aires, Eitan reconheceu, no entanto, que havia sempre a
possibilidade de alguma coisa dar errado. Era difícil conseguir bons carros
na Argentina, e os veículos em mau estado de conservação que a equipe
tinha alugado viviam quebrando; também havia sempre a possibilidade de
que um passo em falso dado por um dos israelenses despertasse suspeitas.
Harel, que também estava no país, hospedado no centro da capital para
monitorar a ação mais de perto, tinha dado a Eitan um par de algemas e
ficado com a chave. Ele instruíra Eitan a algemar a própria mão à de
Eichmann, caso a polícia argentina os pegasse após a captura. E também o
orientou a pedir à polícia que levasse os dois à presença do embaixador
israelense.
Eitan pegara as algemas. Ao recebê-las de Harel, porém, ele e Aharoni
concordaram que, se a operação realmente falhasse, matariam Eichmann.
Nem precisariam de arma, observou. Na verdade, assim como os outros
participantes da missão, ele não levaria revólver, imaginando que isso só
agravaria a situação se fossem pegos. “A maneira mais fácil de matar
alguém com as próprias mãos é quebrando o pescoço”, explicou.

***

No começo da noite de 10 de maio, um dia antes da operação planejada,


Harel reuniu toda a equipe para as instruções finais.34 Àquela altura, cada
um sabia o que teria que fazer, e sete casas e apartamentos estavam
preparados para servir de “aparelhos”, basicamente como alternativas para
manter o cativo até que fosse retirado clandestinamente do país, mas
também para que integrantes da equipe tivessem onde ficar. Os que
estavam hospedados em hotéis já haviam recebido ordem para fazer o
check-out e se mudarem para os prédios dos esconderijos. O chefe do
Mossad não queria ninguém deixando seu hotel no dia do sequestro, o
que poderia dar à polícia uma pista sobre sua identidade.
Uma vez acertadas essas providências logísticas, Harel dedicou a maior
parte das instruções finais à ideia geral. “Empenhei-me em passar aos
homens o significado moral e histórico ímpar do que estavam fazendo”,
contou. “Tinham sido escolhidos pelo destino (...) para garantir que um
dos maiores criminosos de todos os tempos (...) fosse levado a julgamento
em Jerusalém.”
“Pela primeira vez na história, os judeus julgarão seus assassinos”,
prosseguiu “e, pela primeira vez, o mundo e a nova geração de Israel
ouvirão toda a história sobre o decreto de aniquilação contra todo um
povo.” Ele os tornou plenamente conscientes da importância de um
desfecho bem-sucedido. Os métodos que estavam prestes a adotar eram
lamentáveis, acrescentou, “mas não há outra maneira de servir à
moralidade e à justiça que não seja através desta operação”.
Então fez a inevitável advertência. Se fossem apanhados, deveriam
admitir que eram israelenses, mas deixando claro que tomaram aquela
iniciativa por sua conta e risco. Não poderiam, de forma nenhuma,
revelar que se tratava de uma ação oficial.
Harel acreditava, e estava seguro de que a maior parte da equipe sentia
o mesmo, que teriam êxito. Mas era normal pensar na outra possibilidade.
Um dos agentes perguntou, sem meias palavras: “Quanto tempo o senhor
acha que ficaremos na cadeia se nos pegarem?”
O chefe do Mossad foi igualmente franco na resposta: “Uns bons
anos.”
A equipe utilizou dois carros na operação, calculada para interceptar
Eichmann na hora que ele saltasse do ônibus voltando do trabalho,
estabelecida por eles como 19h40. Aharoni dirigia o carro da frente, que
também levava Eitan, um agente chamado Moshe Tavor e Malkin, o
encarregado de agarrar a presa. Harel dava atenção especial à parte
desempenhada por Malkin. “Estou avisando: sem danos físicos (...) Nem
um arranhão”,35 instruiu.
Malkin, um mestre dos disfarces, colocou uma peruca e vestiu roupa
escura. Também calçou um par de luvas forradas de pele. Por ser inverno
na Argentina, não parecia inusitado. “As luvas, é claro, ajudariam contra o
frio, mas não foi por isso que eu as trouxe (...) A ideia de colocar minha
mão na boca que tinha ordenado a morte de milhões, de sentir o hálito
quente e a saliva na minha pele, me causou uma intensa repugnância”,36
comentou. Malkin, como tantos outros do grupo, perdera vários
familiares durante o Holocausto.
Shalom, o vice de Eitan, estava no segundo carro com outros agentes.
Ficaram estacionados a cerca de trinta metros de distância, com o capô
levantado, como se consertassem alguma coisa. Ao avistarem Eichmann,
deveriam acender os faróis, ofuscando-o, para que ele não enxergasse o
primeiro carro logo adiante.
Eichmann costumava seguir a mesma rotina todos os dias, mas naquela
noite não saltou do ônibus que os israelenses estavam esperando. Às oito,
como ainda não havia chegado, Aharoni sussurrou para Eitan: “Vamos
embora ou continuamos esperando?”37 Eitan respondeu que deveriam
esperar, mas ele também já calculava que não poderiam ficar ali por
muito mais tempo. Apesar de estar escuro, os dois carros estacionados
poderiam chamar atenção.
Shalom tinha saído do primeiro carro e, mais ou menos às 20h05,
avistou Eichmann na escuridão da noite. Entrou às pressas no veículo,
outro agente fechou rapidamente o capô, e Shalom piscou os faróis. No
primeiro carro, Aharoni viu Eichmann claramente com auxílio de um
binóculo. Debruçando-se na janela, avisou a Malkin: “Está com a mão no
bolso. Cuidado, pode ser uma arma.”38
Quando Eichmann dobrou a esquina do ponto de ônibus e passou por
seu carro, Malkin virou e lhe bloqueou a passagem. “Un momentito,
señor”,39 disse, usando a frase que praticara durante semanas. Eichmann
parou de súbito, e Malkin aproveitou o momento para dar o bote. Mas,
por causa da advertência de Aharoni, ele agarrou sua mão direita, em vez
de tentar a garganta, e os dois caíram numa vala.
Eichmann começou a gritar. “Aquilo transformou uma operação
bem-planejada e cuidadosamente executada numa tremenda confusão”,
informou Aharoni, em relatos posteriores. Ele acelerou o motor para
abafar os gritos, enquanto Eitan e Tavor saltaram do carro para ajudar.
Malkin segurou Eichmann pelas pernas, e os outros dois o pegaram pelos
braços, enfiando-o rapidamente no carro pela porta traseira. Puseram-no
no chão, entre os bancos da frente e de trás, onde tinham colocado
cobertores para que não se machucasse e também para cobri-lo. A cabeça
de Eichmann ficou presa entre os joelhos de Eitan, e Malkin sentou-se na
outra ponta. O cativo não portava armas.
Aharoni deu uma ordem ríspida para Eichmann em alemão: “Se não
ficar quieto, leva um tiro.” Malkin ainda mantinha as mãos em sua boca,
debaixo do cobertor, mas, quando Eichmann fez um gesto com a cabeça
indicando que tinha entendido, ele o descobriu. Então viajaram em
silêncio. Eitan e Malkin trocaram um aperto de mão. Eichmann, já
usando grossos óculos de proteção para que não visse nada, ficou deitado
sem se mexer.
Pararam para trocar as placas dos carros a caminho do principal
“aparelho”. Por alguns instantes, perderam de vista o segundo veículo,
que deveria estar perto deles, mas logo reapareceu e os seguiu para a
residência designada, onde outros integrantes do grupo aguardavam
ansiosamente.
Os israelenses levaram Eichmann para o pequeno quarto no segundo
andar já preparado para recebê-lo e o colocaram numa cama de ferro,
com uma das pernas algemada à pesada armação. Despiram-no, e um
membro da equipe que era médico examinou a boca para verificar se ele
não trazia veneno. O prisioneiro protestou, dizendo que, depois de tanto
tempo vivendo como um homem livre, não tomava esse tipo de
precaução, mas o médico mesmo assim removeu sua prótese dentária para
ter certeza e inspecionou o resto do corpo. Eitan, Shalom, Malkin e
Aharoni estavam todos no quarto, assistindo, enquanto o médico conferia
sua axila, onde normalmente oficiais da SS tinham uma tatuagem gravada
com seu tipo sanguíneo. Eichmann tinha apenas uma pequena cicatriz,
que depois admitiu ter resultado de seus esforços para apagar a tatuagem
com uma bituca de cigarro quando foi detido pelos americanos no fim da
guerra. Naquela ocasião, seus captores não descobriram sua verdadeira
identidade.
Por sua experiência de interrogador no Exército britânico, Aharoni
ficou com a tarefa de fazer o prisioneiro confessar sua identidade. Já tinha
examinado o prontuário de Eichmann que Fritz Bauer partilhara com os
israelenses e estava pronto para fazer todas as perguntas necessárias para
arrancar uma confissão. Seu estilo normal consistia em perguntar lenta e
repetidamente. “Era um interrogador muito chato”, falou Shalom,
sorrindo. “Você podia enlouquecer esperando que ele fizesse outra
pergunta. Era um camarada muito esperto. Fazia a mesma pergunta dez
vezes.”
Como se veria, Eichmann perdeu o controle antes do que se esperava,
tornando o processo desnecessário. Quando Aharoni perguntou qual era
o seu nome, ele respondeu: “Ricardo Klement.” Mas quando o
interrogador perguntou sua altura, que número calçava, que tamanho
vestia, cada resposta correspondia ao que constava da sua ficha. Então
Aharoni lhe perguntou seu número no Partido Nazista, e ele deu a
resposta correta. O mesmo aconteceu com relação ao seu número na SS.
Também informou corretamente data e lugar de nascimento: 19 de
março de 1906, Solingen, Alemanha.
“Que nome lhe deram quando nasceu?”, perguntou Aharoni.
“Adolf Eichmann”, foi a resposta.
Como disse Aharoni: “Tínhamos saído do túnel (...) a tensão de uma
longa e difícil operação se dissolveu.”
Pouco antes da meia-noite, Aharoni e Shalom seguiram de carro para
o centro de Buenos Aires, onde Harel aguardava notícias num café.
Shalom recordou-se que o chefe do Mossad passara a noite trocando de
estabelecimento a intervalos combinados, para evitar dar na vista. “Não
sei quantos chás tomou”, disse ele, rindo.

***

O voo especial da El Al, um turboélice Bristol Britannia transportando a


delegação israelense, aterrissou em Buenos Aires pouco antes da seis da
noite de 19 de maio.40 A delegação era encabeçada por Abba Eban, o
ministro sem pasta que já tinha servido como embaixador de Israel nos
Estados Unidos e nas Nações Unidas e mais tarde viria a ser um ministro
do Exterior bastante eficiente. O primeiro-ministro Ben-Gurion lhe
dissera anteriormente que a verdadeira missão do voo era levar Eichmann
para Israel e que as informações a esse respeito tinham sido partilhadas
com poucas pessoas a bordo. Mas a presença de três homens
desconhecidos trajando uniformes da El Al e que nem sequer fingiam
estar desempenhando qualquer função ligada ao voo fez quase toda a
tripulação perceber que havia algo em andamento.
No “aparelho”, Aharoni e Malkin continuavam interrogando
Eichmann enquanto aguardavam a aeronave. Oferecendo uma prévia dos
argumentos que usaria em seu julgamento, Eichmann alegou que nunca
tinha sido antissemita. “Vocês precisam acreditar em mim, eu não tinha
nada contra os judeus”, insistia. Mas Hitler era “infalível”41 e ele, por ser
oficial da SS, tinha jurado fidelidade ao Führer pessoalmente, o que
significava que não tinha alternativa senão cumprir as ordens. Como
Malkin resumiu sua mensagem, “havia um trabalho a ser feito, e ele o
fez”.42
Como prisioneiro, Eichmann foi muito obediente. “Ele agia como
um escravo apavorado e submisso cujo único objetivo era agradar a seus
novos senhores”,43 observou Harel. De início, o prisioneiro morreu de
medo de que seus captores o executassem ou envenenassem sua comida.
Pareceu quase aliviado quando soube que a ideia era submetê-lo a
julgamento. Tentou convencer os captores de que deveria ser julgado na
Alemanha, na Argentina ou na Áustria, mas quando Aharoni lhe disse
que isso não ia acontecer, ele até assinou um documento declarando sua
disposição de ir para Israel a fim de ser julgado lá.44
Durante todo o episódio, a equipe israelense monitorou os jornais,
temendo quaisquer indicações de que as autoridades argentinas tivessem
descoberto o sequestro de Eichmann. Mas, como diria Nicolas
Eichmann, posteriormente, a família, apesar de suspeitar que os
israelenses estavam por trás do desaparecimento do pai, jamais faria uma
declaração pública que pudesse alertar os argentinos sobre sua verdadeira
identidade.45
A principal incumbência do grupo israelense era preparar o embarque
de Eichmann no voo da El Al. Shalom tinha feito várias viagens ao
aeroporto para se familiarizar com o itinerário e ficar conhecido dos
guardas.46 Quando o avião estava estacionado na área de manutenção, ele
já conseguia entrar e sair sem ser interceptado. Em 20 de maio, dia
marcado para a partida, Shalom fez uma última inspeção da aeronave e
mandou um mensageiro avisar a Harel que estava tudo certo.47 No
começo do dia, outro integrante do grupo tinha dito a alguns tripulantes
escolhidos que o avião transportaria um passageiro de uniforme da El Al
com aspecto de doente. Não revelaram sua identidade, mas o objetivo da
missão ficou claro.
No “aparelho”, Eichmann cooperou com tudo: tomou banho, fez a
barba e vestiu o uniforme da companhia aérea. Quando o médico trouxe
uma injeção para sedá-lo, o prisioneiro lhe assegurou que era
desnecessário, pois ficaria quieto. Contudo os israelenses não estavam
dispostos a assumir esse risco. Ao perceber que de qualquer maneira
seguiriam o que estava planejado, Eichmann mais uma vez cooperou.
Quando os agentes estavam prontos para tirá-lo da casa, a droga já tinha
começado a fazer efeito. Mas Eichmann ainda estava tão lúcido que
avisou que tinham esquecido o paletó e pediu que o vestissem para que
ficasse com a mesma aparência dos outros tripulantes.48
A cabeça de Eichmann começava a pender quando ele foi levado num
comboio de três carros para o aeroporto. Vendo que os passageiros do
primeiro carro usavam uniformes da El Al, o guarda abriu o portão e
deixou passar todo mundo. Quando chegaram à aeronave, os agentes
cercaram bem Eichmann e o apoiaram para subir os degraus. Colocado
na cabine da primeira classe, ficou perto de outros “tripulantes”, que
fingiam dormir. A história inventada como disfarce era que todos faziam
parte de uma tripulação extra, que precisava descansar antes de assumir o
controle mais tarde. Passada a meia-noite, o que significava que a data
oficial era 21 de maio, a aeronave decolou.49 Quando o avião saiu do
espaço aéreo argentino, os “tripulantes” na primeira classe se levantaram
para trocar abraços e comemorar o êxito.50 O resto da tripulação de
verdade finalmente foi informada sobre a identidade do passageiro
misterioso.
Harel estava a bordo, mas a maioria dos outros agentes que tinham
executado a operação — como Eitan, Shalom e Malkin — não seguiu no
mesmo voo. Teriam que sair da Argentina separados, chegando a Israel
dias depois. Apesar de sua proeza logo chegar ao conhecimento público,
o papel que desempenharam permaneceria em segredo durante anos.
Esse fato contribuiu para ferozes escaramuças posteriores sobre quem
de fato merecia crédito pela captura de Eichmann. Os caçadores de
nazistas independentes, como Tuvia Friedman e Simon Wiesenthal,
podiam contar a versão que quisessem dos acontecimentos e estavam
ansiosos para fazê-lo. Friedman logo publicou um relato no qual
dramatizava os próprios esforços. Segundo ele, Eichmann desmaiou ao
saber que seus captores estavam atrás dele havia muito tempo. Ao
despertar teria perguntado: “Qual de vocês é Friedman?”51
Tuvia acrescentou: “Ouvi essa história por outra pessoa, portanto não
ponho a mão no fogo por sua veracidade.”52 Eitan, o comandante do
sequestro que ajudou a arrastar Eichmann para dentro do carro, declarou
sinceramente que não houve nada disso.
Wiesenthal também publicou o primeiro relato sobre a parte que
desempenhou no livro Ich jagte Eichmann (“Eu cacei Eichmann”). O
título sugere por si que ele reivindicava parte importante do crédito,
embora suas afirmações a esse respeito e declarações públicas e escritos
posteriores tenham sido mais comedidos. Ele ficou feliz de poder
informar que o Yad Vashen lhe passou um telegrama em 22 de maio de
1960, depois que Ben-Gurion anunciou a captura e a chegada de
Eichmann, dizendo: “CALOROSAS FELICITAÇÕES POR SUA BRILHANTE
PROEZA.”53
Contudo, falando mais tarde em uma entrevista coletiva em Jerusalém,
Simon Wiesenthal escolheu as palavras com cuidado: “A captura de
Eichmann não foi, de forma nenhuma, proeza de um homem só. Foi
uma colaboração no melhor sentido da palavra. Foi um mosaico,
especialmente na fase decisiva, quando muitas pessoas, que na maior parte
nem sequer conheciam umas às outras, contribuíram com pequenas
peças. Só posso falar da minha contribuição pessoal, e nem mesmo sei
dizer se foi especialmente valiosa.”54
Em seu relato pessoal de 1989, A justiça não é vingança, ele escreveu:
“Eu era um perseguidor incansável, mas não um bom atirador.”55 Para a
filha, Paulinka, e o genro, Gerard Kreisberg, ele nunca reivindicou todo o
crédito. Falando sobre os israelenses, disse: “Eu jamais poderia ter
alcançado o que eles fizeram. Como é que eu poderia me comparar com
um país como Israel?”56
Até sua morte, em 1968, Bauer, procurador-geral de Hesse, que
forneceu a informação crucial que levou os israelenses a Eichmann,
jamais buscou reconhecimento público por sua contribuição. Logo que
voltou a Israel com seu prisioneiro, Harel mandou uma mensagem a um
dos seus homens na Alemanha.57 O israelense se encontrou com Bauer
num restaurante poucas horas antes de Ben-Gurion anunciar a captura de
Eichmann. Quando deu a notícia, Bauer o abraçou, os olhos cheios de
lágrimas. Estava nas nuvens.
Apesar de muito discreto sobre o próprio papel, Bauer não pôde
deixar de perceber a atenção dada pela mídia a Simon Wiesenthal como o
principal caçador de Eichmann. “Ele pode dizer que é isso, ainda que não
o tenha capturado”, comentou Bauer com um amigo. “Caçado, sim.”58
Porém Bauer e Simon mantinham contato ocasional, e Bauer nunca
demonstrou ressentimento pelo fato de o outro estar mais sob os
holofotes do que ele.
Harel, todavia, foi outra história. Como não podia pleitear
publicamente o crédito enquanto comandasse o Mossad, desde o início
ficava exasperado com a impressão cada vez mais forte de que Wiesenthal
desempenhara o papel central na captura de Eichmann e com a disposição
de Wiesenthal a concordar com essa percepção.
Em 1975, Harel finalmente se sentiu livre para publicar A casa da rua
Garibaldi, seu relato da operação. Omitiu deliberadamente qualquer
menção a Wiesenthal. Mais tarde, num manuscrito inédito — “Simon
Wiesenthal e a captura de Eichmann” —, Harel escreveu que Simon não
teve “qualquer participação” na captura e “não conseguia encarar a
verdade”.59
O antigo chefe do Mossad não afirmava que Simon Wiesenthal “não
se esforçara ao longo dos anos na perseguição de Eichmann, nem que
tenha se negado a prestar assistência quando solicitado”.60 Mas se irritava
com o que lhe parecia o afã de Simon em se aproveitar do silêncio oficial
de Israel sobre o desenrolar da operação. “De início, ele agiu com certa
prudência, mas, confundindo o silêncio de Israel com aquiescência, foi
ficando cada vez mais ousado, a ponto de reivindicar para si todo o
crédito de ter sido o cérebro por trás da captura de Adolf Eichmann”,61
escreveu. Com ideias nem sempre concatenadas, o manuscrito inclui uma
coleção de documentos e é um ataque emocional ao caráter de
Wiesenthal. Acima de tudo, traz um apelo implícito de reconhecimento
do papel principal desempenhado pelo autor.
Alguns integrantes do grupo de Harel estavam muito mais inclinados a
conceder crédito a Simon Wiesenthal por insistir em pegar Eichmann
vivo e por fornecer pistas úteis. Mas a disputa entre Harel e Wiesenthal
era tanto um choque de duas personalidades fortes como um debate
sobre interpretações específicas de acontecimentos. Shalom, o vice da
equipe operacional em Buenos Aires, percebeu o que de fato estava em
jogo. “Eles disputavam o prêmio (...) A fama de ter capturado
Eichmann”,62 disse.
Na pequena comunidade de caçadores de nazistas, essa disputa
continuaria mesmo depois da morte dos dois antagonistas (Harel morreu
em 2003; Wiesenthal, em 2005). Contudo o grande público raramente
registrava a briga interna. Muito mais interessante para eles era a pergunta
que Harel fez a si mesmo quando foi ver seu famoso cativo no “aparelho”
em Buenos Aires.
“Quando vi Eichmann pela primeira vez, fiquei espantado com minha
própria reação”, disse. Em vez de sentir ódio, o primeiro pensamento que
lhe ocorreu foi: “Nossa, ele parece um homem qualquer.” Harel não
sabia bem o que esperava da aparência de Eichmann, mas disse a si
mesmo: “Se o encontrasse na rua, eu não veria nenhuma diferença entre
ele e os outros milhares de homens que passavam por mim.” E se
perguntou: “O que faz uma criatura dessas, criada à semelhança de um
homem, tornar-se um monstro?”63
Esta pergunta estaria na cabeça do mundo todo quando Eichmann foi
levado a julgamento em Jerusalém.
CAPÍTULO NOVE

“A SANGUE-FRIO”
“É fato comprovado, que inúmeras testemunhas confirmam, que muitos (eu
inclusive) tenham sentido ‘vergonha’ — ou seja, culpa, durante o seu
encarceramento e depois. Pode parecer absurdo, mas é fato.”1
PRIMO LEVI, SOBREVIVENTE DE AUSCHWITZ,
QUÍMICO E AUTOR ITALIANO, EM OS AFOGADOS E OS
SOBREVIVENTES, SEU DERRADEIRO LIVRO SOBRE O
HOLOCAUSTO. ELE COMETEU SUICÍDIO EM 1987.

O voo especial transportando Eichmann aterrissou em Tel Aviv, no


aeroporto Lydda (que mais tarde passaria a se chamar Ben-Gurion), na
manhã de 22 de maio de 1960. No dia seguinte Ben-Gurion disse ao seu
Gabinete: “Nossos serviços de segurança há muito tempo procuram
Adolf Eichmann e acabaram encontrando. Ele está em Israel e será
julgado aqui.”2 Acrescentou que daria a notícia ao Knesset naquele dia,
destacando que Eichmann seria processado por crimes ainda passíveis de
pena de morte em Israel...
De acordo com a transcrição ultrassecreta da reunião de Gabinete
divulgada apenas em 2013, Ben-Gurion foi imediatamente bombardeado
por perguntas da equipe de governo, estupefata. “Como, quando, onde?
Como é que se faz uma coisa dessas?”, perguntou o ministro dos
Transportes, Yitzhak Ben-Aharon. O primeiro-ministro respondeu: “É
por isso que temos um serviço secreto.” Outros deram parabéns, e o
ministro das Finanças, Levi Eshkol, sugeriu que Ben-Gurion manifestasse
em seu discurso no Knesset “apreço especial por essa ação, talvez com
algum tipo de reconhecimento”.
“Que tipo de reconhecimento?”, perguntou o primeiro-ministro.
Quando Eshkol lembrou que Israel não tinha medalhas para conceder,
Ben-Gurion respondeu: “A recompensa por uma mitzvah é a própria
mitzvah.” Em hebraico, mitzvah significa, literalmente, mandamento, mas
a palavra costuma ser usada para designar qualquer boa ação.
Os membros do Gabinete ficaram desesperadamente curiosos para
saber onde e como Eichmann tinha sido capturado, mas o ministro da
Justiça, Pinhas Rosen, recomendou que não fosse dado “nenhum
detalhe”.
Durante uma rápida discussão sobre quem deveria atuar como
advogado de Eichmann, Rosen explicou que eles lhe dariam “qualquer
advogado que ele queira”. Porém a ministra do Exterior, Golda Meir,
interrompeu abruptamente: “Desde que não seja nazista.”
Quando o ministro da Agricultura, Moshe Dayan, perguntou se
poderia ser árabe, Ben-Gurion declarou: “Tenho certeza de que um
árabe não aceitaria defendê-lo.”
Harel, chefe do Mossad, que também estava na reunião, respondeu a
uma pergunta sobre como Eichmann vinha se comportando na prisão:
“Ele não entende o nosso modo de agir, achava que nós o espancaríamos
e o trataríamos com crueldade”, disse. “Nós o estamos tratando em
conformidade com as leis do Estado de Israel.”
Havia uma boa razão para isso. Como o procurador-geral Gideon
Hausner, que seria o promotor-chefe do julgamento, ressaltou depois,
quando o mundo foi informado da captura de Eichmann: “Israel também
estava sendo julgado. O mundo inteiro parecia estar observando como
levaríamos a tarefa que nos impusemos.”3
O mundo ficou sabendo quando Ben-Gurion fez seu breve e
eletrizante comunicado ao Knesset : “Devo informar ao Knesset que,
pouco tempo atrás, um dos mais notórios criminosos de guerra nazistas,
Adolf Eichmann — responsável, junto com os líderes nazistas, pelo que
chamavam de ‘Solução Final da Questão Judaica’, ou seja, o extermínio
de seis milhões de judeus da Europa —, foi encontrado pelos Serviços de
Segurança Israelenses. Adolf Eichmann já está preso em Israel e dentro
em breve será submetido a julgamento, nos termos da lei israelense sobre
o julgamento de nazistas e seus auxiliares.”4
Hausner sem dúvida tinha razão ao dizer que Israel também foi
imediatamente posto em julgamento. Como Ben-Gurion e outros
esperavam, houve condenação internacional à ação do país. Enquanto os
israelenses reagiam primeiro com perplexidade, depois com grande
contentamento ao anúncio do seu líder, o governo argentino ficou
chocado, constrangido e insultado. Seu ministro do Exterior convocou o
embaixador israelense e exigiu uma explicação e o retorno de
Eichmann.5
O embaixador israelense descartou a devolução, e seu governo contou
uma história pouco convincente, segundo a qual “voluntários judeus,
incluindo alguns israelenses”,6 tinham encontrado Eichmann, que
consentira por escrito em ser entregue a Israel para ser julgado. O
embaixador da Argentina nas Nações Unidas reafirmou com veemência a
posição do seu país e conseguiu apoio para uma resolução do Conselho
de Segurança condenando Israel por violar a soberania argentina. Mas a
resolução afirmava também que Eichmann deveria enfrentar um tribunal
de Justiça.7
Não foram apenas as vozes ferozmente anti-israelenses de costume que
se juntaram ao coro de críticas ao sequestro de Eichmann. Em editorial, o
The Washington Post acusou Israel de recorrer à “lei da selva” e denunciou
sua pretensão de “agir em nome de uma identidade étnica judaica
imaginária”.8 Judeus de destaque no exterior se juntaram aos apelos para
que Israel desistisse do julgamento. O filósofo Isaiah Berlin escreveu uma
carta para o prefeito de Jerusalém, Teddy Kollek, dizendo que aquilo seria
“politicamente insensato”. Bem melhor, afirmava, seria Israel entregá-lo a
outro país para julgamento, demonstrando que “se recusava a enfiar o
punhal até o cabo”.9 O psicólogo Erich Fromm chamou o sequestro de
Eichmann de “um ato de ilegalidade exatamente do tipo do qual os
nazistas (...) foram culpados”.10
O Comitê Judaico Americano disse à ministra Golda Meir ser contra a
realização do julgamento em Israel, porque Eichmann era culpado de
“inomináveis crimes contra a humanidade, não apenas contra os
judeus”.11 Além disso, ouviu um grupo de juízes e advogados que
recomendou que Israel investigasse os crimes de Eichmann, mas
entregasse as provas a um tribunal internacional.
Ben-Gurion rejeitou todas essas propostas. Como Hausner deixou
claro nos argumentos iniciais da acusação, quando o julgamento
começou, quase um ano depois, em 11 de abril de 1961, os líderes de
Israel acreditavam piamente que agiam em nome de todas as vítimas do
Holocausto. Hausner declarou “Aqui comigo, neste lugar e nesta hora,
estão seis milhões de acusadores (...) Mas eles não podem se levantar e
apontar o dedo para o homem que está sentado atrás dos vidros no banco
dos réus e gritar: ‘Eu acuso.’”. Disse ainda que suas cinzas estavam
espalhadas em Auschwitz, Treblinka e outros campos de matança “nos
quatro cantos da Europa”.12
Gabriel Bach, um dos dois vice-promotores de Hausner no caso e
único membro da equipe ainda vivo quando este livro foi escrito, citou
outra importante razão para Ben-Gurion achar crucial que o julgamento
fosse realizado em Jerusalém: “Em Israel, antes do começo do
julgamento, professores me disseram que muitos jovens não queriam nem
ouvir falar no Holocausto”, disse. “Por quê? Tinham vergonha. Um
jovem israelense é capaz de compreender que alguém seja ferido lutando,
que se morra lutando, que se perca uma batalha, mas não consegue
entender que seis milhões de pessoas se deixassem matar sem empreender
uma revolta. Por isso não querem nem ouvir falar.”13 Alguns
sobreviventes do Holocausto eram chamados zombeteiramente de
sabonim (sabões), referência à crença generalizada de que os alemães
faziam sabão de suas vítimas.14
O julgamento mudaria essas atitudes, mostrando aos jovens israelenses
que as vítimas “foram enganadas até o último momento”, prosseguiu
Bach, e que “quando ficava claro para os judeus que a morte os
aguardava, como no gueto de Varsóvia, havia revolta e lutavam até o
último homem, demonstrando coragem ímpar”. Mas mesmo assim os
processos provocariam muita controvérsia, e os debates sobre o
comportamento das vítimas do Holocausto se intensificariam com as
versões conflitantes que surgiam enquanto os acusadores de Eichmann e
uma plateia que se espalhava por toda a Terra tentavam decifrar a natureza
do homem no centro desse drama.

***

Os israelenses tinham planejado cuidadosamente tudo o que fariam com


Eichmann quando ele chegasse. Puseram-no numa grande prisão em
Camp-Iyar, um bem-protegido complexo policial perto de Haifa.
Eichmann ocupou uma cela de três metros de largura por quatro de
comprimento; os únicos móveis eram um catre, uma mesa e uma
cadeira.15 Havia também uma lâmpada elétrica acesa o tempo todo, e um
cubículo adjacente com vaso sanitário e chuveiro. Todas as demais celas
do complexo foram desocupadas. Havia ainda a presença regular de mais
de trinta policiais e um destacamento da polícia de fronteiras, cujos
membros também serviam como guardas. Para impossibilitar qualquer ato
de vingança, ninguém que tivesse perdido pessoas da família no
Holocausto tinha permissão para trabalhar como guarda.
Mas essa regra não se aplicava ao homem que foi designado para
interrogar Eichmann durante os meses de preparação para o julgamento,
que passou 275 horas colhendo depoimentos diretos.16 O capitão da
polícia Avner Less tinha fugido da Alemanha quando adolescente, depois
que Hitler tomara o poder. O pai, comerciante em Berlim que
conquistara uma Cruz de Ferro por seus serviços na Primeira Guerra
Mundial, morreu nas câmaras de gás de Auschwitz. Como notou Less,
sarcasticamente, a distinta folha de serviço do pai durante a guerra lhe
garantiu “o privilégio de ser um dos últimos a serem deportados de
Berlim, e com isso um dos últimos a serem liquidados”.17
O principal contato de Eichmann com o mundo exterior era Bach,
que se tornaria vice-promotor em seu julgamento. Enquanto Less se
ocupava do depoimento do prisioneiro, a função de Bach era garantir que
a investigação transcorresse sem percalços e atuar como intermediário em
questões práticas; por exemplo, foi encarregado de informar a Eichmann
que ele poderia escolher qualquer advogado, e o governo israelense
pagaria a conta. O prisioneiro escolheu Robert Servatius, conceituado
advogado de Colônia que fizera parte da equipe de defesa em
Nuremberg.
Bach ficou hospedado num hotel em Haifa durante a fase de
investigação e tinha um escritório na prisão. No dia do primeiro
encontro com Eichmann, o jovem advogado estava lendo a autobiografia
de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz que foi enforcado na
Polônia. Lera os trechos em que Höss descrevia mães e filhos sendo
arrebanhados para as câmaras de gás e em que dizia sentir-se sempre
compelido a não demonstrar qualquer sinal de hesitação diante dos seus
apelos de misericórdia. Também lera partes nas quais Eichmann explicava
a suposta necessidade daqueles assassinatos em massa. Poucos minutos
depois, a polícia veio e disse que Eichmann queria vê-lo. “Ouvi seus
passos do lado de fora [do meu escritório] e logo depois ele estava
sentado diante de mim, assim como você está agora”, disse Bach. “Não
foi fácil manter uma expressão impassível.”
O desafio enfrentado por Bach era bem menor do que o de Less, que
se encontrava com o prisioneiro dia após dia para longos interrogatórios e
depois para rever cuidadosamente as transcrições de cada sessão, o que
resultaria num total de 3.564 páginas. Tudo aquilo foi apresentado mais
adiante como prova no julgamento.
No primeiro encontro, em 29 de maio de 1960, Less se viu diante de
um homem calvo, usando camisa e calça cáqui e sandálias abertas que
“pareceu totalmente comum”. Depois de ter examinado os arquivos
manuscritos sobre Eichmann, incluindo os fornecidos por Tuvia
Friedman, ele confessou ter tido uma sensação de desapontamento. “A
normalidade de sua aparência dava ao seu frio depoimento um impacto
ainda mais deprimente do que eu esperava depois de ter lido os
documentos”, escreveu.18
Mas Less observou também que Eichmann era “uma pilha de nervos”
naquele primeiro encontro, mantendo as mãos debaixo da mesa para
esconder a tremedeira. “Dava para notar o medo dele, e teria sido muito
fácil acabar logo com o que eu tinha que fazer.” O israelense percebeu
que o prisioneiro esperava ser tratado como o trataria numa situação
inversa. Porém, depois de uma semana de Less se comportando
rigorosamente de acordo com as regras, Eichmann relaxou. Notando que
o homem era um fumante inveterado, o capitão de polícia providenciou-
lhe uma quantidade maior de cigarros. “Fiz isso porque ele soltava mais a
língua, e o cigarro melhorava seu poder de concentração”,19 disse Less.
Jan Sehn, o juiz investigador polonês, tinha usado a mesma tática com
Höss.
Eichmann fez o possível para diminuir seu papel e sua influência
durante o Holocausto, bem como para negar que nutrisse sentimentos
pessoais de antissemitismo, sinalizando a atitude que assumiria durante
todo o julgamento. Explicou a Less que teve um amigo judeu na escola
fundamental e que, quando começou a se envolver com assuntos
judaicos, tinha trabalhado em estreita colaboração com líderes judeus em
Praga. Seu objetivo inicial era descobrir um jeito de os judeus emigrarem
para outros lugares, insistindo em afirmar que “não tinha ódio dos
judeus”.20
Nas primeiras vezes que assistiu à matança de judeus em câmaras de
gás improvisadas, em cabanas ou caminhões para onde a fumaça de
escapamento era bombeada, disse ter ficado horrorizado. Os gritos o
deixaram abalado, e ele fugiu ao ver cadáveres jogados numa vala, onde
um civil se pôs a arrancar dentes de ouro com um alicate. Jurava ter tido
pesadelos porque lhe era impossível não ficar impressionado com a
violência e o sofrimento. “Ainda hoje, se vejo uma pessoa com um corte
profundo, viro o rosto”, declarou.21 Mas isso não o impediu de visitar
Auschwitz e outros campos, inspecionando regularmente a maquinaria da
morte. Também esteve presente na Conferência de Wannsee, a reunião
de altas autoridades de segurança nazistas nos arredores de Berlim em 20
de janeiro de 1942; foi nela que coordenaram a implementação da
Solução Final, e Eichmann preparou as atas desse ignominioso encontro.
No entanto, disse que ficou sentado num canto com a estenógrafa, o que
demonstrava como era “insignificante”.22
Eichmann não se cansava de repetir que, ao organizar o transporte de
judeus para Auschwitz e outros campos, apenas cumpria ordens. Admitiu
ter cumprido suas ordens com “zelo incomum”,23 mas argumentou que
isso não o tornava culpado de assassinato. Sustentou que outros tomavam
essas decisões de vida ou morte. “Se me dissessem que meu próprio pai
era traidor e eu teria que matá-lo, eu o mataria”, garantiu. “Naquela
época, eu cumpria minhas ordens sem nem titubear.”24
Algumas poucas vezes, Eichmann tentou demonstrar emoções e
curiosidade normais, buscando uma ligação pessoal com seu interrogador.
Certa vez perguntou se os pais de Less ainda eram vivos. Quando o
interrogador lhe contou o que acontecera com o pai, Eichmann gritou:
“Mas que horrível, Herr Hauptmann [Sr. Capitão]! Que horrível!”25
O interrogador descobriu que sua melhor arma para romper as defesas
de Eichmann veio com o fantasma de Höss, em especial com a mesma
autobiografia do comandante de Auschwitz que Bach tinha lido antes.
Por ter sido julgado e executado na Polônia, atrás da recém-fechada
Cortina de Ferro, Höss jamais alcançou notoriedade parecida com a que
Eichmann alcançaria durante seu julgamento. Mas Less tinha estudado
cuidadosamente o que Höss escrevera e sabia usá-lo.
Quando Less começou a ler a autobiografia de Höss, Eichmann ficou
visivelmente agitado.26 Fez comentários sarcásticos sobre o comandante,
mas, como no primeiro encontro, suas mãos começaram a tremer. Höss
escreveu sobre suas muitas discussões com Eichmann a respeito da
Solução Final. Quando estavam a sós, e “a bebida corria livremente”,
narrou Höss, “ele se mostrava totalmente obcecado com a ideia de
destruir cada judeu em que pusesse as mãos”. Sua mensagem não podia
ser mais clara: “Sem piedade e a sangue-frio, precisamos concluir o
extermínio o mais rápido possível. Qualquer transigência, mesmo a mais
leve, teria de ser castigada amargamente numa data posterior.”27
Quando Less lia para ele trechos no mesmo tom, Eichmann
protestava, dizendo que eram totalmente inverídicos. “Não tive nada a
ver com a morte de judeus (...) Nunca matei um judeu. Nunca mandei
ninguém matar um judeu.” Disse que isso lhe dava “certa paz de
espírito”. Mas admitiu: “Sou culpado porque ajudei na evacuação. Estou
disposto a pagar por isso.”28 Mas então contou que as pessoas atulhadas
nos trens que ele organizava iam para a “prestação de serviço”, e ele não
era responsável pelo que lhes acontecia quando chegavam ao seu destino
no Leste.
Para minar a alegação de Eichmann de que nunca tomava decisões de
vida ou morte, Less ofereceu múltiplos exemplos de casos nos quais o
nazista metodicamente tentara eliminar quaisquer prerrogativas para
judeus que tinham escapado da deportação. Num documento que
assinou, Eichmann afirmava que o embaixador tailandês em Berlim só
contratara um professor de línguas judeu “para protegê-lo de
dificuldades”. Recomendou ao Ministério do Exterior que insistisse com
o embaixador para que “parasse de dar emprego a judeus” — o que,
como ressaltou Less, significava “deportação no próximo ou num dos
próximos navios”. Eichmann além disso instruiu seus representantes em
Haia a rescindirem uma isenção concedida a uma mulher judia que
pretendia viajar para a Itália, aparentemente a pedido do governo fascista
italiano, que não tinha muito entusiasmo pela ideia de ajudar a Alemanha
a implementar a Solução Final. A mulher deveria ser mandada “para o
Leste imediatamente para a prestação de serviços”, escreveu.29
Como Less assinalou, o resultado prático de sua ação foi que ela
acabou sendo mandada para Auschwitz. Diante dessa prova incontestável,
Eichmann titubeou na resposta: “Isso é... o... o... esse era o nosso
trabalho.” Quando se recuperou um pouco, repetiu os protestos de
sempre de que “não eram decisões pessoais”. Ele apenas seguia instruções,
insistiu, e, se não tivesse seguido aquelas ordens, outra pessoa assumiria
seu lugar e faria exatamente a mesma coisa; as verdadeiras decisões eram
tomadas pelos superiores. “Não se esperava de mim que tomasse qualquer
decisão”, concluiu.30
Eichmann estava ansioso para provar que não era um assassino, fosse
em pensamentos ou atos. Mas, sob interrogatório persistente, o
prisioneiro não conseguiu nem de longe reduzir a importância do papel
que exerceu. Less chegou à conclusão de que todos os esforços de
Eichmann se destinavam a ocultar “a fria sofisticação e astúcia com que
planejara e executara o extermínio dos judeus”.31 O julgamento lhe
daria outra oportunidade de oferecer justificativas semelhantes para suas
ações, e a única esperança de Eichmann era que um público muito maior
na sala do tribunal e lá fora fosse mais receptivo do que Less.

***

“Pensar é um negócio muito perigoso”,32 declarou Hannah Arendt, na


entrevista que acabaria sendo sua última antes de morrer, em 1975, uma
conversa com o jurisconsulto francês Roger Errera. E sem dúvida foi
perigoso para a filósofa judia nascida na Alemanha quando escreveu sua
série em cinco partes sobre o julgamento de Eichmann para a revista The
New Yorker e quando seu livro Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a
banalidade do mal, baseado naqueles artigos, foi publicado, em 1963.
A descrição de Eichmann, na qual Arendt o chama de “a mais
importante esteira transportadora”33 de judeus para os campos de
extermínio, com a insinuação implícita de que o nazista em julgamento
era mais uma peça mecânica de uma máquina de matar do que
propriamente um monstro humano, provocou ao mesmo tempo amplos
elogios e amargas repreensões, em especial de companheiros judeus —
muitos dos quais lhe deram as costas pelo resto da vida. Mas, seja qual for
o partido que as pessoas tomem nesse debate que prossegue até hoje, a
tese de Arendt continua a ser o ponto focal dos seus argumentos.
Qualquer discussão sobre Eichmann e a natureza do mal começa com a
interpretação de Arendt do homem e seus motivos.
Quando Hannah Arendt chegou a Jerusalém pouco depois do início
do julgamento, o vice-promotor Bach mandou dizer que gostaria de
encontrar-se com ela. “Dois dias depois, recebi o recado de que ela não
estava preparada para conversar com ninguém da acusação”, disse Bach.
Apesar disso, ele instruiu o tribunal a pôr à disposição dela todos os
documentos da acusação e da defesa, incluindo as transcrições do
interrogatório de Eichmann por Less.
Arendt ficou fascinada com as volumosas transcrições, que leu com
cuidado. É verdade que estava ali como repórter da New Yorker, mas
desempenhava também a missão de construir a própria interpretação do
homem que ficaria sentado na cabine envidraçada durante o julgamento.
Sua intenção era impedir que qualquer um, sobretudo os promotores,
influenciasse seu pensamento. Ao que tudo indica, estava também
predisposta a tirar as conclusões que causariam mais controvérsia. Uma
década antes, Hannah tinha publicado o amplamente elogiado volume
Origens do totalitarismo, que prenunciava suas preocupações com o fato de
a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin usarem uma
combinação de terror e propaganda para impor sistemas que negavam os
tradicionais valores judaico-cristãos. Tratava também das origens do
antissemitismo.
Seu interesse por esses assuntos era uma decorrência natural da sua
história pessoal. Nascida em 1906, Hannah Arendt disse a um
entrevistador que, quando menina, em Königsberg, a palavra “judeu”
nunca aparecia na conversa. O pai morreu jovem, e a mãe não era
religiosa. Só quando outras crianças passaram a fazer comentários
antissemitas contra ela é que Hannah foi “esclarecida”, segundo as
próprias palavras. Quando Hitler assumiu o poder, em 1933, ela fugiu da
Alemanha. “Quem é atacado como judeu deve se defender como
judeu”,34 declarou.
Foi parar em Paris, onde ajudou jovens judeus alemães e poloneses a
fazerem a travessia para a Palestina. Depois que a Alemanha conquistou a
França, em 1940, ela fugiu novamente, dessa vez para os Estados Unidos,
onde começaria vida nova. Apesar do envolvimento inicial com o
movimento sionista, mais tarde ela se tornou crítica severa de Israel e de
muitas de suas mais destacadas figuras, particularmente judeus da Europa
Oriental que ocupavam altos cargos de liderança. Isso se traduziu em
desprezo pessoal por Hausner, o promotor-chefe, que, em suas palavras,
era um “típico judeu da Galícia” com “mentalidade de gueto”.35
Desde o início, Arendt criticou sua abordagem do julgamento de
Eichmann, que começou em 11 de abril de 1961. Enquanto Hausner se
empenhava em demonstrar o caráter hediondo dos crimes no nazista, sua
responsabilidade pessoal por eles e seu fervoroso antissemitismo, Hannah
tinha em mente uma construção intelectual bem diversa. “Uma de
minhas principais intenções era destruir a lenda da grandeza do mal, da
força demoníaca”,36 declarou, em sua última entrevista para a televisão.
Em outra ocasião, insistiu: “Se já houve alguém desprovido de qualquer
aura demoníaca, esse alguém foi Herr Eichmann.”37
Em artigos e no livro, ela apresentava Eichmann como um burocrata
maçante de capacidade intelectual limitada. Assinalando que “ele era
genuinamente incapaz de pronunciar uma única frase que não fosse
clichê”, escreveu: “Quanto mais o ouvíamos, mais óbvio ficava que sua
incapacidade de falar estava estreitamente ligada à sua incapacidade de
pensar, isto é, de pensar do ponto de vista de outra pessoa.”38 Então veio
a declaração que provocou as reações mais inesperadamente adversas:
“Apesar dos esforços da acusação, todo mundo via que esse homem não
era um ‘monstro’, mas, de fato, era difícil suspeitar que se tratava de um
palhaço.”39 A rigor, ao que parecia aquele indivíduo comum
exemplificava “a banalidade do mal”.
Não foi a convicção ideológica nem o ódio contra os judeus que
serviram de motivação para Eichmann, afirmou ela; foi o carreirismo, o
desejo de avançar dentro da burocracia nazista. “Afora a extraordinária
diligência em cuidar do próprio progresso, ele não tinha motivo
nenhum”,40 escreveu. Em outras palavras, Eichmann teria despachado
para a morte milhões de pessoas de qualquer outro grupo,
independentemente de raça ou religião, se elas fossem selecionadas pelo
regime nazista no lugar dos judeus.
Na sala do tribunal, a acusação desenvolvia uma narrativa
drasticamente diferente, com a intenção de ilustrar com nitidez aquilo
que a profunda dedicação de Eichmann à doutrina nazista significara na
prática. Uma sequência de testemunhas deu depoimentos de cortar o
coração sobre a vida e a morte nos campos, o que contribuiu para formar
a imagem mais ampla que até hoje influencia o entendimento mundial do
Holocausto. Quase sempre com o acompanhamento de suspiros e soluços
da audiência, sobreviventes falavam das últimas lembranças que
guardavam de seus entes queridos. Mas, em contraste com quase todos os
presentes, “Eichmann não dava qualquer sinal de ser afetado”, como
assinalou Hausner. Até chegar a sua vez de depor, o homem que se
descrevera para Less como “apenas um funcionariozinho de transporte”
ouviu esses procedimentos “tenso, rígido e calado em seu cubículo de
vidro”.41
A acusação preparou um filme sobre o Holocausto e convidou
Eichmann e seus advogados para irem à sala do tribunal assistir antes que
fosse mostrado como parte do julgamento.42 Como já tinha visto o
filme, Bach monitorou com atenção o comportamento do prisioneiro
durante a projeção. Eichmann não reagiu de nenhuma forma às cenas que
mostravam câmaras de gás e cadáveres, mas em dado momento falou
qualquer coisa, em tom de grande agitação, com o carcereiro. Depois
Bach perguntou ao carcereiro o que o deixara tão agitado. A explicação:
Eichmann ficara irritado por ter sido levado para a sala do tribunal usando
suéter e terno cinza; lembrara ao carcereiro que lhe haviam feito a
promessa de que teria permissão para usar seu terno azul-escuro toda vez
que tivesse que aparecer no tribunal. Com uma risada irônica, Bach
lembrou que Eichmann protestara contra supostos maus-tratos, reiterando
que essas promessas tinham que ser cumpridas, mas sem dizer uma palavra
sobre o filme.
No julgamento, muitas testemunhas descreveram o processo de seleção
realizado enquanto as vítimas aturdidas, exaustas e famintas eram retiradas
dos trens que chegavam a Auschwitz-Birkenau. Mais de meio século
depois, Bach citou o depoimento de uma testemunha que contou que
um oficial da SS disse à sua esposa e à sua filha pequena que seguissem
para a esquerda, enquanto ele próprio, um engenheiro, foi instruído a ir
para a direita. O homem perguntou para onde deveria ir o filho, e, depois
de uma breve consulta ao superior, o oficial da SS mandou o menino
correr atrás da mãe e da irmã. A testemunha disse que ficou com receio
de que o menino não as alcançasse, porque já havia centenas de pessoas
entre eles seguindo para a esquerda, e o filho logo sumiu no meio da
multidão. Mas o engenheiro conseguiu avistar a filha, porque ela usava
casaco vermelho, um ponto de cor que foi ficando cada vez menor. “Foi
assim que a família desapareceu da sua vida”, observou Bach.
Steven Spielberg incluiu uma cena parecida com uma menininha de
casaco vermelho em seu filme A lista de Schindler, e Bach está convencido
de que o diretor tirou a ideia do julgamento de Eichmann.
Duas semanas antes de ouvir essa testemunha, Bach tinha comprado
para a própria filha, então apenas com dois anos e meio, um casaco
vermelho. Quando ouviu o depoimento da testemunha, “não consegui
falar uma palavra”, contou. Pôs-se a mexer em seus documentos, até
conseguir recuperar o controle das emoções e fazer a pergunta seguinte.
Uma foto, bastante divulgada, de Bach durante o julgamento,
profundamente pensativo, foi tirada logo depois que ele ouviu o relato
comovente. “Até hoje, se estou num estádio de futebol, numa rua, num
restaurante, de repente sinto o coração bater forte quando me viro e vejo
uma menininha ou um menininho de casaco vermelho”, revelou durante
nossa entrevista, meio século depois.
Esse tipo de depoimento pessoal não abalou em nada a convicção de
Hannah Arendt de que o papel de Eichmann estava associado à sua
função dentro da burocracia nazista e não era produto de suas opiniões
pessoais. A certa altura do julgamento, Hausner confrontou Eichmann
com algo que ele tinha dito a seus homens nos últimos dias da guerra:
“Vou pular para dentro do meu túmulo às gargalhadas, porque o fato de
carregar a morte de cinco milhões de judeus na consciência me dá uma
satisfação extraordinária.” Segundo o promotor, Eichmann tentou
argumentar que tinha dito “inimigos do Reich” e não judeus, mas depois
admitiu a um dos juízes que de fato se referiu aos judeus. De qualquer
maneira, Hausner assinalou que o acusado teve uma expressão “de
espanto total e, por um momento, de pânico” ao ouvir aquela frase lida
em voz alta.43
Para Hannah Arendt, essas declarações mostravam apenas que “a
fanfarrice foi o vício que arruinou Eichmann”.44 Sentindo-se cada vez
mais à vontade na Argentina, país que parecia um refúgio tão seguro para
nazistas, ele até aceitara dar uma longa entrevista a Willem Sassen,
jornalista nazista holandês. Sassen vendeu excertos da conversa à revista
Life, e Eichmann talvez achasse que a certa altura a transcrição integral o
ajudasse a apresentar sua versão dos acontecimentos. Mas o tom
presunçoso das transcrições estava em desacordo com a conduta que ele
adotou em Jerusalém, onde tentava desesperadamente diminuir a
importância do papel que desempenhou. Eichmann afirmou que as
entrevistas foram realizadas numa “atmosfera de bar”45 e não continham
informações confiáveis, muito embora ele tivesse revisto e corrigido
algumas transcrições. Diante de suas objeções, o tribunal decidiu que não
poderiam ser aceitas como provas.
Contudo, do ponto de vista de Arendt, a prontidão de Eichmann para
assumir riscos como aquele comprovava sua tese. “O que acabou levando
à sua captura foi a compulsão de falar demais”,46 escreveu. Ela via a
explicação para o papel que exerceu no Terceiro Reich traduzida em seu
afã de adaptar-se e dizer qualquer coisa que a seu ver pudesse ajudá-lo
numa dada situação sem pensar nas consequências. “Não era bobo”,
escreveu. “Foi a total irreflexão — de forma alguma idêntica à estupidez
— que o predispôs a se tornar um dos maiores criminosos daquele
período”,47 concluiu.
A outra parte da tese de Hannah que enfureceu os críticos, levando à
acusação de que ela era uma judia que odiava a si mesma, foi o debate
levantado por ela sobre a cumplicidade dos Conselhos Judaicos na Europa
ocupada. Uma das principais tarefas desses conselhos era entregar judeus,
fosse qual fosse a quantidade exigida pelos alemães, a serem transportados
para os campos de extermínio, esforçando-se para alcançar suas quotas
sinistras. Durante o julgamento, a acusação convocou testemunhas que
confirmaram o empenho dos alemães em enganar ao máximo suas
vítimas, forçando os que iam para o Leste a enviarem cartões-postais aos
parentes sobre a suposta boa vida e sobre as boas condições de trabalho
em suas novas localidades. E era comum as testemunhas explicarem que
todos desejavam, contra todas as probabilidades, acreditar na falsa história
inventada pelos alemães.
Mas Arendt não aceitava nada disso, acusando líderes judeus de
tomarem parte nessa mentira deliberada na esperança de se salvarem.
“Para um judeu, esse papel dos líderes judeus na destruição do próprio
povo é sem dúvida o capítulo mais sombrio de toda essa história”,48
escreveu. Hannah não deu qualquer sinal de compreender que deve ter
sido difícil para os líderes judeus resistir à implacável pressão dos alemães
para embarcar mais gente nos trens que iam para o Leste, combinada com
ameaças crescentes e o que quase sempre eram promessas vazias de que
alguns judeus seriam poupados.
Era um tópico particularmente sensível na sala do tribunal em
Jerusalém. “A tragédia dos líderes judeus apanhados na Europa ocupada
apareceu novamente em toda a sua nudez”,49 disse Hausner. Um dos
mais destacados membros desse grupo era o líder judeu húngaro Rudolf
Kastner, que negociou com Eichmann enquanto este orquestrava a
deportação de mais de quatrocentos mil judeus húngaros para Auschwitz.
No fim, como disse Arendt, com acidez, Kastner “salvou exatamente
1.684 pessoas, com cerca de 476 mil vítimas”.50 Entre as pessoas que
foram salvas estavam Kastner e alguns membros da sua família, além de
outros “judeus proeminentes”, como ele os chamava. Kastner
providenciou o pagamento de um robusto resgate em troca de passagem
garantida para a Suíça. Mais tarde ele se estabeleceu em Israel, onde veio
a ser porta-voz do Ministério de Comércio e Indústria.
Em 1953, Malchiel Gruenwald, jornalista freelance israelense nascido
na Hungria, acusou Kastner de colaborar com os nazistas. Como Kastner
trabalhava para o governo, as autoridades israelenses moveram uma ação
de calúnia contra Gruenwald. O tribunal de início deu ganho de causa a
Gruenwald, com o juiz afirmando que Kastner tinha “vendido a alma ao
diabo”.51 O governo recorreu. Em 1957, com a batalha legal ainda em
andamento, Kastner foi assassinado em Tel Aviv. Logo depois o caso foi
oficialmente encerrado com sua absolvição.
Todavia a opinião pública continuou profundamente dividida em
relação ao papel de Kastner. Para Bach, que tinha ajudado com o recurso
no caso de difamação, e para outros integrantes da equipe de acusação no
julgamento de Eichmann, as transações dele com Kastner apenas
sublinhavam os métodos perversos que o oficial nazista empregava. Eles
não estavam inclinados a condenar os desesperados líderes judeus locais, e
os defensores de Kastner o viam como herói por ter salvado tanta gente.
Hannah Arendt, no entanto, sustentava que os líderes judeus locais e
suas organizações tornaram mais fácil para Eichmann e outros alcançarem
o objetivo de juntar e deter praticamente todo mundo. Não fosse a ajuda
desses líderes judeus, ainda assim teria havido “caos e muita miséria”,
escreveu ela, “mas o total de vítimas dificilmente teria sido de 4,5 a 6
milhões de pessoas”.52

***

Logo depois de publicar Eichmann em Jerusalém, em 1963, Arendt se viu


debaixo de fulminante bombardeio de seus críticos. Os promotores, é
claro, jamais concordaram com sua tese sobre Eichmann. “A ideia de
Hannah Arendt de que ele apenas cumpria ordens é um disparate total”,
declarou Bach. Ele disse ainda que Eichmann não teria ficado incumbido
dos assuntos judaicos no aparelho de segurança durante todo o período
do Holocausto se não fosse visto como alguém totalmente dedicado à
causa do genocídio. E Bach assinalou que Eichmann prosseguiu em seu
esforço para assassinar judeus muito tempo depois de ficar claro que a
guerra estava perdida, quando seus superiores já tentavam apagar
quaisquer indícios materiais do Holocausto. Mas coube a outros
prepararem os contra-ataques a Arendt na mídia e em diversos fóruns de
debate público.
Um dos que tomaram a frente foi Michael Musmanno, o juiz do
julgamento em Nuremberg dos comandantes dos Einsatzgruppen — os
destacamentos especiais incumbidos das execuções em massa de judeus e
outros no Front Oriental antes que as câmaras de gás estivessem em
condições de funcionar. Musmanno escreveu um livro sobre a captura de
Eichmann, ao qual deu o título de The Eichmann Kommandos, e foi
testemunha de acusação em seu julgamento em Jerusalém. Interrogado
pelo advogado de defesa Servatius, ele descreveu suas conversas com os
principais prisioneiros nazistas em Nuremberg. Göring, disse ele, “deixou
bem claro que Eichmann era um homem todo-poderoso no que dizia
respeito ao extermínio dos judeus (...) Tinha poderes quase ilimitados
para declarar quem deveria ser morto”.53 Era uma refutação frontal às
reiteradas alegações de Eichmann de que não tinha autoridade para
decidir nada por conta própria.
Em outra ocasião, Musmanno — que nunca hesitava em fazer soar
uma nota dramática — escreveu que em Nuremberg o nome Eichmann
“continuava a aparecer nos depoimentos como o gemido do vento numa
casa deserta e vazia, e o sussurro dos galhos de árvores contra o telhado
sugeria visitas sobrenaturais”.54
Musmanno conseguiu um importante fórum para suas opiniões
quando o The New York Times lhe pediu que resenhasse Eichmann em
Jerusalém, de Hannah Arendt, sabendo muito bem o que esperar. Ele
produziu uma resenha previsivelmente mordaz, refutando com desdém os
argumentos de que “Eichmann não era nazista, no fundo do coração, não
conhecia o programa de Hitler quando ingressou no partido nazista, a
Gestapo ajudara os judeus na emigração para a Palestina, e Himmler
(Himmler!) tinha senso de compaixão”.55 Acrescentou que Arendt se
compadeceu de Eichmann quando ninguém acreditou em suas alegações
de que não odiava judeus e que, em geral, ela havia sucumbido à pérfida
apresentação de sua história pessoal e suas opiniões.
Musmanno reservou os comentários mais sarcásticos para a disposição
de Arendt a acreditar que Eichmann nunca vira “as instalações de
matança” em Auschwitz, apesar de ter visitado “repetidamente” o lugar.
“Essa sua observação equivale a dizer que alguém fez diversas visitas às
cataratas do Niágara, mas nunca viu a água caindo”, escreveu. Sobre suas
críticas aos Conselhos Judaicos, ele fez eco aos sentimentos daqueles que
consideravam a indignação de Arendt completamente equivocada. “O
fato de Eichmann, com ameaças de morte, ter coagido ocasionalmente
Quislings e Lavals a ‘cooperar’ apenas contribui para aumentar os
horrores dos crimes que cometeu”, concluiu.
A resenha causou tanto rebuliço quanto o livro, com leitores tomando
partido dos dois lados nessa batalha entre duas figuras públicas bastante
conhecidas. Subsequentemente, o jornal publicou, no caderno reservado
a resenhas de livros, uma refutação de Arendt, uma refutação da refutação
escrita por Musmanno e cartas apaixonadas dos dois lados do debate. Em
sua resposta, Arendt criticou severamente o jornal pela “bizarra” escolha
de Musmanno como resenhista, uma vez que ele já tinha rejeitado suas
opiniões sobre totalitarismo e o papel de Eichmann, tachando-as de
“bobagens perigosas”. Apesar disso, nem o The New York Times nem
Musmanno se deram ao trabalho de informar os leitores sobre esse fato, o
que indicava “uma flagrante violação de procedimentos editoriais de
praxe”. Ela disse ainda que a resenha tinha sido um ataque a “um livro
que, pelo que me consta, nunca foi escrito nem publicado”.56 Em outras
palavras, Musmanno deturpara a obra dela por completo.
Musmanno contra-atacou dizendo que era sua obrigação mostrar “as
muitas distorções factuais cometidas pela senhorita Arendt no caso
Eichmann” e que ele não era culpado de nenhuma “deturpação de
qualquer espécie”. Leitores pró-Arendt chamaram o texto dele de
“péssimo exemplo de resenha”, “um erro crasso de interpretação” do
livro, indicando que o homem era “cego para o dom da ironia [de
Arendt]”. Os detratores de Arendt elogiaram Musmanno por seu esforço
“para pôr os pingos nos is” e acusaram Arendt de “esforçar-se ao
máximo” para compreender Eichmann e de “desatenção com fatos
históricos, ou ignorância em relação a eles”.
A batalha não terminou ali. Jacob Robinson, que tinha sido consultor
em assuntos judaicos do ministro Robert Jackson nos julgamentos de
Nuremberg, depois servira como assessor jurídico da delegação israelense
na ONU, escreveu um livro inteiro para demolir os argumentos de
Arendt: And the Crooked Shall Be Made Straight: The Eichmann Trial, the
Jewish Catastrophe, and Hannah Arendt Narrative [E os corrompidos deverão
ser corrigidos: o julgamento de Eichmann, a catástrofe judaica e a
narrativa de Hannah Arendt], publicado em 1965. Como advogado e
erudito, ele estava disposto a examinar todas as afirmações, pois quase
nenhum detalhe lhe parecia insignificante.
Robinson, é claro, atacou a opinião dela de que o papel de Eichmann
no Holocausto tinha sido exagerado pela acusação. “Fica-se perplexo
diante da imagem de Eichmann apresentada por Hannah Arendt”,
escreveu, acrescentando que os documentos mostravam que o
“verdadeiro Eichmann” era “um homem de extraordinário poder de
condução administrativa, mestre em manhas e artimanhas, inteligente e
competente em sua área de atuação, resoluto em sua missão de tornar a
Europa ‘livre de judeus’ (judenrein) — em suma, um homem
singularmente adequado para ser o supervisor da maioria dos programas
de extermínio nazistas”.57
Robinson se dizia particularmente “estupefato” com o que
caracterizava como “distorção dos fatos históricos” na discussão de
Arendt sobre o papel dos Conselhos Judaicos na Europa ocupada. Deu
uma longa explicação sobre as origens das organizações judaicas de que os
alemães se utilizavam para administrar os guetos. Ressaltou as “tentativas
positivas [dos conselhos] para preservar a existência física e moral das
comunidades em todas as circunstâncias”, embora admitindo que eles
“tinham o cuidado de não desafiar abertamente os senhores nazistas,
profundamente convencidos de que essa atitude protegia as comunidades
de desgraças maiores”.58 Também tentou distanciar os conselhos da
polícia judaica, que os nazistas costumavam usar ao reunir pessoas para
deportação, dizendo que nesses casos a polícia estava diretamente
subordinada aos alemães.
Arendt não era a única a achar esses argumentos pouco convincentes.
Simon Wiesenthal também criticava a relutância generalizada em discutir
o papel dos Conselhos Judaicos e da polícia judaica, rejeitando a ideia de
que, ao fazê-lo, se correria o risco de diminuir a culpa dos suseranos
nazistas, que eram os verdadeiros criminosos. “Foi pouco o que fizemos
para condenar a colaboração judaica com os nazistas”, escreveu.
“Ninguém mais tem o direito de nos culpar por ela — mas em algum
momento nós mesmos teremos que enfrentar o assunto.”59
Mas essas vozes eram quase sempre uma distinta minoria. Eis como
Robinson resumiu a opinião mais amplamente aceita: “Legal e
moralmente, os membros dos Conselhos Judaicos não seriam mais
cúmplices dos seus governantes nazistas do que um proprietário de loja
seria cúmplice de um ladrão armado a quem entrega sua loja com a arma
na cabeça.”60
Especialmente na questão relativa a Eichmann e à natureza do mal por
ele representada, as vozes contrárias a Arendt costumavam ser mais
estridentes do que as das pessoas desejosas de a defenderem — pelo
menos em círculos intelectuais, onde ela muitas vezes era tratada como
pária. No filme Hannah Arendt, de 2012, a diretora alemã Margarethe von
Trotta mostrou como Hannah foi abandonada por amigos e colegas, e os
ataques verbais cada vez mais intensos que eles trocavam entre si.
Contudo, mesmo entre os agentes israelenses que capturaram
Eichmann, havia alguma simpatia pela opinião de Arendt sobre o que o
homem que tinham caçado representava. “Em certo sentido, ela está
certa”, disse Rafi Eitan, que chefiou o grupo do Mossad em Buenos
Aires. “Ele mesmo nunca odiou os judeus — essa é a minha impressão.
Aí está a banalidade do mal. Amanhã mandem matar franceses, e ele fará
a mesma coisa.”61
A batalha sobre o que Eichmann realmente representou prosseguiu por
décadas. Em 2011, outra filósofa alemã, Bettina Stangneth, publicou um
livro baseado em amplas pesquisas adicionais nos antecedentes de
Eichmann, incluindo as transcrições de suas entrevistas com Willem
Sassen, o nazista holandês, concentradas em seu período na Argentina. A
versão inglesa, intitulada Eichmann Before Jerusalem: The Unexamined Life of
a Mass Murder [Eichmann antes de Jerusalém: a vida não examinada de
um assassino em massa], foi publicada em 2014.62 O texto apresenta um
impressionante conjunto de provas para respaldar o ponto de vista que
Robinson e outros antes defenderam.
Eichmann estava longe de ser um burocrata medíocre que por acaso se
tornou peça fundamental na maquinaria dos assassinatos em massa,
afirmou Stangneth. A verdade é que ele era um antissemita hidrófobo
“sob o domínio do pensamento totalitário”, muito longe da imagem do
homem que simplesmente cumpria ordens recebidas, quaisquer que
fossem. “Uma ideologia que despreza a vida humana pode ter um forte
apelo quando você pertence à raça superior que a proclama, e se ela
legitima comportamentos condenados por qualquer conceito tradicional
de justiça e moralidade”,63 escreveu.
Stangneth deu crédito a Hannah Arendt por ter lançado uma discussão
muito necessária naquela fase inicial dos estudos do Holocausto. Seu livro
“alcançou o objetivo primário dos filósofos desde Sócrates: a controvérsia
em nome da compreensão”, mas sua conclusão foi que Arendt tinha
caído na armadilha preparada pelo objeto de sua tese quando ele
construiu uma narrativa deliberadamente falsa de sua vida. “Eichmann-
em-Jerusalém era pouco mais que uma máscara”, escreveu Stangneth.
“Ela não reconheceu isso, apesar de estar agudamente consciente de não
ter compreendido o fenômeno tão bem quanto esperava.”64

***

Não há dúvida de que Hannah Arendt, que se baseou acima de tudo nas
transcrições do interrogatório de Eichmann e em seu depoimento pessoal
na fase final do julgamento, interpretou o sentido literal de algumas
declarações dele sobre um suposto papel subordinado e a ausência de
inimizade pessoal contra os judeus. Ela estava ansiosa para provar sua tese
de que sistemas totalitários se utilizam com eficácia de indivíduos
medíocres sem convicções próprias. É inegável também que ela foi
arrogante, convencida de que tinha apresentado o único fundamento
intelectual adequado para a compreensão do homem e de seu papel na
história.
Mas Arendt tinha razão ao dizer que suas opiniões costumavam ser
distorcidas por críticos furiosos a ponto de ficarem irreconhecíveis e
revidou numa série de entrevistas às televisões alemã e francesa na década
seguinte à publicação de Eichmann em Jerusalém. Era fácil interpretá-la
mal, e ela não ajudava muito, pois repetia justamente as frases que tinham
provocado a confusão. Numa das primeiras entrevistas,65 insistiu em dizer
que Eichmann era um “bufão”, acrescentando que “ri alto” ao ler a
transcrição de seu interrogatório.
Nas entrevistas seguintes, ela apresentou explicações mais claras do que
queria dizer. Falando com o historiador alemão Joachim Fest, ressaltou
que não dava à expressão “comportamento banal” uma conotação
positiva — pelo contrário. Criticou severamente a “existência fingida” de
Eichmann e dos réus dos julgamentos de Nuremberg, que alegavam não
ser responsáveis pelos assassinatos em massa porque estavam simplesmente
cumprindo ordens, o que os isentava de qualquer responsabilidade por
suas ações. “Há qualquer coisa de atrozmente estúpido nisso”,
acrescentou. “A coisa toda é simplesmente cômica!”66 Em suas
entrevistas, “cômica” claramente não significava “divertida”.
Apesar disso, ela mantinha a tese de que Eichmann era “um mero
burocrata” e que a ideologia não desempenhou papel importante no seu
comportamento. A interpretação de muitos críticos de que ele era um
monstro e a encarnação do diabo era bastante perigosa porque dava aos
alemães um álibi para sua conduta. “Se você sucumbe ao poder do animal
das profundezas, você é naturalmente bem menos culpado do que se
sucumbe a um indivíduo completamente mediano do calibre de
Eichmann”,67 declarou. Era por isso que fazia tanta questão de rejeitar a
explicação demoníaca para ele e sua laia.
Embora Hannah Arendt apresentasse um argumento altamente
sofisticado sobre sua visão de Eichmann que no mínimo deveria ter feito
alguns dos seus nervosíssimos acusadores se calarem, ela não recuou muito
na acusação de colaboração judaica. Mesmo assim, demonstrou maior
simpatia pelos líderes dos Conselhos Judaicos como “vítimas”,68
observando que, por mais questionável que fosse o comportamento deles,
jamais poderiam ser equiparados aos criminosos. Isso representava uma
concessão indireta de que seu relato original foi percebido como
excessivamente crítico.
Um trecho sobre o qual se costuma passar por cima em Eichmann em
Jerusalém demonstra que Arendt não estava pondo a culpa nas vítimas,
como seus críticos gostavam de dizer. Um dos objetivos dos líderes
israelenses ao realizar o julgamento, como ressaltou Bach, era mostrar à
geração mais nova os métodos usados pelos alemães, dando às vítimas
uma ilusão de esperança até o último minuto. Tendo mencionado a
noção popular de que os judeus “iam para a morte como ovelhas”,
Arendt escreveu: “Mas a triste verdade é que a ideia é incorreta, porque
nenhum grupo não judeu, nenhum povo, se comportara de modo
diferente.”69 Nesse sentido, Arendt e os promotores estavam de acordo.
Da perspectiva que se tem, meio século depois, é que é possível
argumentar que Eichmann incorporava muitas das características que lhe
foram atribuídas por diferentes versões — a de Arendt e a dos críticos de
Arendt. Ele era ao mesmo tempo um carreirista num sistema totalitário,
pronto a fazer qualquer coisa para agradar a seus superiores, e um
virulento antissemita que se comprazia com o poder de despachar suas
vítimas para a morte, perseguindo de modo sistemático qualquer um que
tentasse escapar da rede nazista. Eichmann era mais conscientemente
perverso do que Hannah Arendt estava disposta a admitir, embora ao
mesmo tempo encarnasse o seu conceito de banalidade do mal. As duas
noções não são necessariamente excludentes. Ele cometeu atos
monstruosos em nome de um sistema monstruoso, mas rotulá-lo de
monstro isenta muita gente de responsabilidade e deixa de levar em conta
a facilidade com que regimes tirânicos podem incorporar cidadãos
medianos ao seu comportamento criminoso.
Um dos efeitos imediatos dos escritos de Hannah Arendt foi estimular
novos estudos sobre a propensão do indivíduo comum a cumprir ordens
sem pensar. No exemplo mais famoso, o psicólogo Stanley Milgram, da
Universidade de Yale, realizou experimentos no começo dos anos 1960
com voluntários que de nada suspeitavam e que acreditavam estar
infligindo poderosos choques elétricos a pessoas na sala ao lado.
Informados de que se tratava de um experimento educacional, os
participantes tinham liberdade para desistir quando quisessem — mas na
maioria dos casos continuavam a cumprir ordens para dar o que
acreditavam ser choques cada vez mais dolorosos, mesmo quando ouviam
gritos e pancadas na parede. As vítimas eram atores e não recebiam
choque nenhum.
Milgram concluiu que esse tipo de comportamento indicava “que o
conceito de Arendt sobre a banalidade do mal está mais perto da verdade
do que se ousaria supor”.70 Segundo suas conclusões, a Alemanha nazista
e outros países conseguiram fazer as pessoas obedecerem cegamente
tirando proveito do “desaparecimento do senso de responsabilidade”71
nas sociedades modernas; em vez disso, os indivíduos se concentram em
tarefas técnicas limitadas, respondendo a ordens de cima. “A pessoa que
assume plena responsabilidade por seus atos desapareceu”, escreveu.
“Talvez esta seja a característica mais comum do mal organizado na
sociedade moderna.”72
Milgram descreveu o experimento em seu livro Obediência à autoridade,
que, exatamente como Eichmann em Jerusalém, de Arendt, provocou novos
debates apaixonados. Suas conclusões estavam claramente alinhadas com
um ponto de vista sobre o comportamento humano e os sistemas
totalitários que começara a surgir mesmo antes do Holocausto. Depois de
assistir à ascensão de Hitler na Alemanha, Sinclair Lewis publicou o
romance Não vai acontecer aqui, em 1935, — com uma mensagem que era
exatamente o oposto do que dizia o título: um regime como o nazista
poderia, sim, chegar ao poder nos Estados Unidos. Em outras palavras, o
maior perigo para a humanidade não é representado por monstros, mas
pelas pessoas que cumpririam cegamente suas ordens monstruosas.
O impulso de identificar características perversas em determinados
seres humanos é muito forte, sobretudo quando se confronta com um
comportamento verdadeiramente horrendo. Poucas pessoas querem
acreditar que elas ou seus vizinhos sejam capazes de violência
aparentemente sem sentido só porque uma figura autoritária decidiu que
esses atos são necessários. A maioria concorda por instinto com o
primeiro-ministro britânico David Cameron, que chamou de
“monstros”73 os terroristas que decapitaram reféns americanos e
britânicos em 2014, assim como muitas pessoas tinham a propensão de
caracterizar os chefes nazistas da mesma forma.
Porém os esforços para identificar traços de personalidade peculiares
aos grandes criminosos nazistas, onde quer que fossem capturados e
julgados, não produziram nenhum consenso entre os psiquiatras e
investigadores que os interrogaram. Havia características recorrentes: a
zelosa dedicação ao que consideravam seu trabalho, a total falta de
empatia com as vítimas, o senso de que não eram responsáveis por suas
ações, uma vez que havia sempre alguém mais acima para culpar, e
avultadas doses de autopiedade. Além disso, em muitos casos, havia uma
espantosa capacidade de se iludir. Göring, que era visto como o mais
inteligente e sociável dos réus de Nuremberg, disse ao psiquiatra
americano, Douglas Kelley, que estava “determinado a ficar na história da
Alemanha como um grande homem”. Insistia que, mesmo sem ter
convencido o tribunal, convenceria o público alemão. “Dentro de
cinquenta ou sessenta anos haverá estátuas de Hermann Göring em toda a
Alemanha”, disse. “Pequenas estátuas, talvez, mas uma em cada casa
alemã.”74
O psiquiatra americano G. M. Gilbert concluiu que alguém como
Höss, o comandante de Auschwitz, exibia as características de um “puro
psicótico”.75 Mas Kelley teve persistentemente frustrados seus esforços
para identificar qualquer coisa que indicasse que esses criminosos eram
insanos em algum sentido ou que diferiam fundamentalmente de outros
seres humanos. Em outras palavras, não foram produzidos por um “gene
de monstros”.
“Insanidade não é explicação para os nazistas”, escreveu Kelley. “Eles
eram apenas criaturas do seu meio, como o são todos os seres humanos; e
eram também, em grau maior do que a maioria dos humanos, os
criadores do seu meio.”76 Para alguém que esperava encontrar rigorosas
respostas científicas aplicando testes de Rorschach, essa vaga explicação
era, a rigor, uma confissão de fracasso. Mas Kelley chegou também a uma
conclusão mais nítida e assustadora: se não havia indício de franca loucura
entre os nazistas, o argumento de que “poderia acontecer aqui” — ou em
qualquer lugar, para falar a verdade — estava certo.77
Debates como esses não foram resolvidos pelo julgamento de
Eichmann, ou pela interpretação e pelas primeiras críticas de Arendt. A
rigor, suas discussões na TV na década seguinte ao julgamento indicavam
que ela tinha revisto boa parte do seu pensamento sobre o valor daquele
exercício. Apesar de suas pungentes críticas a muitos aspectos do
julgamento, Hannah reconhecia cada vez mais o papel que ele
desempenhou, servindo de “catalisador”78 para futuros julgamentos na
própria Alemanha e para o começo do autoexame moral que permitiria a
seu antigo país começar a recuperar sua reputação internacional.
Arendt não foi a única a rever suas opiniões. Boa parte do ceticismo
inicial sobre a capacidade de Israel conduzir um julgamento imparcial, tão
evidente na primeira fase da cobertura do sequestro de Eichmann, foi
desaparecendo aos poucos quando o processo começou. Com seis
semanas de julgamento, uma pesquisa Gallup mostrou que 62% das
pessoas consultadas nos Estados Unidos e 70% das consultadas na Grã-
Bretanha achavam que Eichmann estava tendo um julgamento justo.79
Em 15 de dezembro de 1961, Eichmann foi condenado à morte na
forca, sendo essa a primeira e única vez que um tribunal israelense
aprovou a pena de morte. Em 29 de maio de 1962, a Suprema Corte
rejeitou seu apelo, e, dois dias depois, às 19 horas de 31 de maio, ele foi
informado de que Ben-Gurion recusara seu pedido de clemência. Mas o
mundo só tomou conhecimento dessa decisão às 23 horas, sem qualquer
menção a quanto tempo ainda faltava para a execução. Bach tinha
sugerido um intervalo não superior a duas horas, para impedir que
simpatizantes de Eichmann tivessem a chance de fazer reféns e tentar
impedir o enforcamento. “Meu medo era que, se houvesse um longo
período, eles pegassem uma criança judia em algum lugar, fosse no Havaí,
em Portugal ou na Espanha”, disse o vice-promotor.80
Antes do anúncio, Bach não sabia exatamente quando Eichmann seria
enforcado. Em 30 de maio, tinha visitado o prisioneiro pelo que seria a
última vez. Estava no banho às 23 horas da noite seguinte, no mesmo
apartamento perto da residência presidencial em Jerusalém onde os Bachs
moram até hoje, quando sua mulher, Ruth, gritou que tinha acabado de
ouvir no rádio a notícia de que o presidente rejeitara o pedido de
clemência. Bach fazia parte do pequeno grupo de autoridades que sabiam
que aquilo significava que a execução ocorreria uma ou duas horas
depois. “Veja, eu não tinha dúvidas sobre o assunto, mas empalideci um
pouco”, disse. “Quando você se encontra com uma pessoa praticamente
todos os dias durante dois anos...”81
O carrasco designado foi Shalom Nagar, judeu iemenita de 23 anos
que era um dos guardas da prisão. O último pedido de Eichmann foi
vinho branco e cigarros. Quando lhe ofereceram um capuz, ele rejeitou.
Para Nagar, isso indicava que ele não temia o que o esperava.82
Eichmann fez uma declaração final: “Viva a Alemanha. Viva a
Argentina. Viva a Áustria (...) Tive que obedecer às leis da guerra e da
minha bandeira. Estou pronto.”83
Nagar, que de início se perguntara por que teria que desempenhar
aquela tarefa, puxou a alavanca à meia-noite. Como explicaria muito
tempo depois, numa entrevista para a revista judaica americana Zman,
todos os presentes “sentiram o gosto da vingança; é uma coisa humana”.
E logo acrescentou: “Mas não se tratava de vingança. Se pudesse, ele teria
feito isso com todos nós. Eu estaria na sua lista também; iemenita ou
não.”
A tarefa seguinte de Nagar foi preparar o corpo para a cremação.
Como fez questão de dizer, era totalmente inexperiente no assunto e
ficou apavorado ao ver o cadáver, que parecia encará-lo fixamente.
Também não fazia ideia de que, quando alguém é estrangulado, os
pulmões retêm ar. “Assim, quando o levantei, todo o ar que estava dentro
soprou no meu rosto, e um som terrível escapou da sua boca:
‘grrrreeererere...’. Foi como se dissesse: ‘Você aí, iemenita...’ Senti que o
Anjo da Morte tinha vindo me buscar também.”
Duas horas depois da cremação, as cinzas foram coletadas numa urna e
levadas até um navio-patrulha que aguardava no porto de Jafa. Depois
que o capitão o conduziu para fora das águas territoriais de Israel, as
cinzas de Eichmann foram jogadas ao mar.
Nagar voltou para casa e explicou para a esposa o que tinha feito, e ela
não conseguiu acreditar. Ele deveria ter ido a Jafa para a última jornada
com as cinzas, mas ficou tão abalado com a provação de enforcar
Eichmann e depois cuidar do cadáver que foi dispensado dessa obrigação.
Contou que, pelo ano seguinte, “vivi em estado de terror”. Quando a
mulher lhe perguntou por que estava tão nervoso, ele disse que tinha a
impressão de estar sendo caçado por Eichmann.
“Na verdade, não sei bem do que eu tinha medo”, admitiu. “Eu
simplesmente tinha medo. Uma experiência como aquela mexe com a
pessoa de um jeito que a gente nem desconfia.”
CAPÍTULO DEZ

“GENTE COMUM”
“O que nossa segunda geração deveria ter feito, o que queriam que
fizéssemos com o conhecimento dos horrores do extermínio dos judeus... que
ficássemos calados, sentindo repulsa, vergonha e culpa? E para quê?”1
BERNHARD SCHLINK, EM O LEITOR, ROMANCE BEST-
SELLER INTERNACIONAL SOBRE A GERAÇÃO ALEMÃ DO
PÓS-GUERRA.

No rescaldo imediato do fim da Segunda Guerra Mundial, quase todos os


alemães-ocidentais, queriam deixar logo para trás as lembranças do
Terceiro Reich, enquanto seus novos líderes democráticos produziam o
que ficaria conhecido como milagre econômico. Mas Fritz Bauer sempre
foi exceção. Instalado em seu escritório em Frankfurt, o procurador-geral
de Hesse estava decidido a empregar todos os meios ao seu alcance para
continuar forçando os compatriotas a confrontar o passado recente. No
que lhe dizia respeito, não bastava assistir de longe ao julgamento de
Eichmann; era preciso ver criminosos julgados no país.
Mesmo antes de dar a pista que permitiria aos israelenses prenderem
Eichmann, Bauer recebeu uma informação que acabaria resultando em
acusações contra 24 funcionários e guardas de Auschwitz — exatamente a
oportunidade que estava esperando.
Thomas Gnielka, um jovem repórter do Frankfurter Rundschau que
investigava casos de reparação e reunia provas contra antigos nazistas,
entrevistou o sobrevivente de Auschwitz Emil Wulkan no começo de
janeiro de 1959.2 A certa altura, ou Gnielka perguntou a respeito de uma
pilha de documentos amarrados com uma fita vermelha dentro de um
armário, ou Wulkan simplesmente resolveu entregá-los, dizendo: “Talvez
isto possa interessá-lo como jornalista.”3
Os documentos eram arquivos de Auschwitz de agosto de 1942 sobre
o “Fuzilamento de Prisioneiros em Fuga”, reunidos como parte de uma
investigação interna não especificada. Incluíam listas de prisioneiros e dos
oficiais da SS que os mataram a tiros. Qualquer que tenha sido o motivo
da decisão tomada pelos investigadores nazistas de examinarem essas listas,
não havia dúvida de que constituíam provas de atos específicos de
assassinato. Emil Wulkan explicou a Gnielka que um amigo seu as tinha
resgatado dos escombros em chamas do prédio de um tribunal de polícia
em Breslávia, no fim da guerra, e que ele as guardara como
“lembrança”.4 Apesar de posteriormente Wulkan ter se tornado membro
do Conselho Judaico de Frankfurt, parecia que era a primeira vez que ele
se dava conta da possível “importância jurídica”5 dos documentos, nas
palavras de Thomas Gnielka.
Quando Gnielka voltou para casa depois de ver aquelas listas de
execuções, “seu rosto estava verde”, descreveu a esposa, “como se
estivesse doente”.6 Ele pediu a Wulkan uma chance de fazer bom uso
daquelas listas e imediatamente as entregou a Bauer. Isso pôs em
movimento uma série de acontecimentos que culminariam no mais longo
e divulgado julgamento do pós-guerra na Alemanha Ocidental. Apesar de
ter deixado o caso aos cuidados de dois integrantes mais jovens de sua
equipe e de nunca ter desempenhado nenhuma função oficial na sala do
tribunal, Bauer foi a força motriz por trás do julgamento e a pessoa mais
empenhada em fazer seus compatriotas entenderem as lições a serem
tiradas daqueles fatos.
Nada havia de simples nessas lições nem no julgamento, que se
estendeu de 20 de dezembro de 1963 a 20 de agosto de 1965. Foram
realizadas 183 sessões no tribunal de Frankfurt,7 às quais mais de vinte
mil visitantes assistiram,8 com intensa cobertura da imprensa alemã e
internacional. Os 22 réus em questão não eram como os chefões nazistas,
que tinham sido “estrelas” em Nuremberg, nem desempenharam papel
crucial na orquestração do Holocausto, como Eichmann. Eles se
tornariam infames por seu papel de coadjuvantes em Auschwitz: suas
folhas individuais de serviços de assombrosa brutalidade, expostas pela
lista que Gnielka repassara a Bauer e pelo testemunho de 221
sobreviventes de campos de concentração.9
Para Bauer, os 22 acusados eram “na verdade apenas os bodes
expiatórios escolhidos”10 para expor os crimes cometidos em nome de
todo o povo alemão. “A questão era o que fazer com aquelas pessoas”,
disse, acrescentando que não se referia apenas aos 22 réus, mas aos “50
milhões de alemães ou, para ser mais preciso, 70 milhões”.11 Ao usar este
último número, ele não deixou dúvida de que se referia à população
conjunta da Alemanha Ocidental e Oriental, deixando clara a conclusão
que o povo deveria tirar do julgamento. Os processos “podem e devem
abrir os olhos do povo alemão para o que aconteceu”.12 A verdadeira
lição, insistia, era que “quem quer que tenha feito funcionar essa
maquinaria da morte é culpado de participação em assassinato, não
importa o que tenha feito, desde que, é claro, soubesse qual era a
finalidade da maquinaria”.13
Mas o juiz Hans Hofmeyer, como ele mesmo não se cansava de
declarar, via o caso de outra maneira: “um julgamento criminal comum,
independentemente dos antecedentes”.14 Ao pronunciar seu veredicto, o
tribunal ressaltou que “tinha levado em consideração culpa criminal —
ou seja, culpa no sentido do código penal. Culpa política, moral e ética
não era assunto da sua alçada”, de acordo com o resumo de Bernd
Naumann, o repórter do Frankfurter Allgemeine Zeitung, que fez a
cobertura mais detalhada do julgamento.15 Em outras palavras, aquele
não tinha sido um tribunal destinado a estabelecer um relato definitivo de
Auschwitz nem a demonstrar o princípio de que todos os funcionários e
guardas do campo eram culpados; apenas se concentrara nos atos
individuais dos réus.
Apesar do empenho em tratar os processos como um julgamento
criminal comum, a ser conduzido tão desapaixonadamente quanto
qualquer outro caso, nem mesmo Hofmeyer conseguia escapar a um
rasgo ocasional de emoção, justamente na questão da responsabilidade
individual. “Ainda não vi ninguém que tivesse feito nada em Auschwitz”,
comentou, mordaz, enquanto os réus e seus advogados insistiam em
alegar inocência.16

***

Os acusados davam uma impressão diferente da de Eichmann, sentado


sozinho na sua cabine de vidro em Jerusalém. Segundo o escritor Robert
Neumann, “quando todos se sentam tão próximos em suas cadeiras, é
impossível distinguir uns dos outros (... )cada promotor de justiça é um
acusado em potencial (...) cada réu, o nosso carteiro, bancário,
vizinho”.17 Imagens de cinejornais daquele período mostram cinco deles
andando pelas ruas de Frankfurt durante um intervalo de sessão do
tribunal, e é impossível distingui-los dos outros pedestres, exceto pelo
fato de que um policial responde quando um dos réus inclina o chapéu
para cumprimentá-lo.18
As autoridades alemãs tinham esperança de que pelo menos um dos
réus fosse inquestionavelmente alguém de destaque. Enquanto dava
prosseguimento à sua prolongada investigação, a acusação fez um grande
avanço: depois de lançar uma caçada humana em todo o país, a polícia
encontrou e prendeu Richard Baer, o último comandante de Auschwitz,
em dezembro de 1960.19 Höss, o primeiro comandante, e Arthur
Liebehenschel, seu sucessor imediato, tinham sido executados na Polônia
em 1947 e 1948. Baer conseguira desaparecer e, sob um nome falso,
encontrara emprego como guarda-florestal na propriedade do bisneto do
estadista prussiano Otto von Bismarck. Quando sua foto apareceu no
Bild, o maior tabloide do país, um colega de trabalho o reconheceu e
avisou a polícia. Mas, em 17 de junho de 1963, seis meses antes de o
julgamento começar, Baer morreu na prisão.
Sem o réu que deveria ter despertado mais atenção, a acusação se
concentrou ainda mais intensamente nos atos individuais dos outros
acusados. Isso reforçou a afirmação do juiz Hofmeyer de que, apesar de
todo o pano de fundo, se tratava de um julgamento criminal e não do
amplo exercício político-educativo que Bauer visualizara. No fim das
contas, elementos das duas abordagens eram visíveis nos processos.
O que mais atraiu a atenção da mídia e das plateias lotadas, que
incluíam muitos sobreviventes de campos de concentração, foram as
lancinantes descrições de brutalidade gratuita. Auschwitz não era apenas
uma máquina de matar que operava de acordo com regras impessoais; era
também e em grande medida o produto das ações, das idiossincrasias e do
sadismo das pessoas encarregadas de fazê-la funcionar. Como os processos
de Frankfurt demonstraram, havia muitas maneiras de morrer e viver — e
uma escala quase infinita de sofrimentos infligidos a qualquer um, a
qualquer momento, dependendo dos caprichos daqueles acusados e de
outros iguais a eles.
À medida que a acusação apresentava seus argumentos, alguns réus se
destacavam pelos depoimentos arrasadores prestados contra eles. O
sargento da SS Wilhelm Boger fora um dos interrogadores mais temidos
do campo, tendo feito uso frequente do “balanço de Boger”. Como
explicou Lilly Majerczik, antiga prisioneira que tinha servido como
secretária no departamento político onde Boger trabalhava, “as vítimas
eram amarradas pelos pulsos a uma madeira presa ao aparelho e
chicoteadas violentamente”.20 O aparelho em questão era um cavalete, e
as vítimas eram penduradas de cabeça para baixo durante as sessões de
tortura. Ela e outros prisioneiros que trabalhavam no escritório não
podiam ver o procedimento, mas ouviam os “gritos penetrantes das
vítimas. Enquanto eram forçados a prestar declarações em voz alta, suas
unhas eram arrancadas e elas eram submetidas a outras torturas”.
Outra testemunha contou que Wilhelm Boger atirava em prisioneiros
com uma pistola quando eles eram levados para o pátio e alinhados contra
o “Muro Negro”; em certa ocasião, ele matou cinquenta ou sessenta, que
eram trazidos em duplas.21 Mas talvez o depoimento mais arrepiante
tenha sido o da sobrevivente Dounia Wasserstrom.22 Ela disse ter visto
um caminhão carregado de crianças judias parar em frente ao
departamento político. Um menino de quatro ou cinco anos saltou com
uma maçã na mão; nesse momento Boger apareceu na porta. “Ele pegou
a criança pelos pés e arrebentou sua cabeça contra a parede”, disse ela.
Dounia recebeu ordem para lavar a sujeira e depois foi chamada para fazer
uma tradução para Boger. “Ele estava sentado em seu escritório comendo
a maçã do menino”, acrescentou.
As câmaras de gás foram responsáveis pelo maior número de vítimas,
mas havia muitas outras formas de assassinato. O auxiliar de enfermagem
Josef Klehr, outro sargento da SS, deve ter injetado ácido fênico em vinte
mil prisioneiros, que morriam instantaneamente.23 O dr. Victor
Capesius, major romeno da SS encarregado da farmácia de Auschwitz,
fornecia o veneno letal.24 Já o cabo da SS Oswald Kaduk torturava e
matava com tamanha fúria que isso o fez se destacar no banco dos réus
repleto de assassinos brutais.25 Quando bebia, matava prisioneiros a
esmo. E, como Boger, era associado a um tipo especial de tortura: em seu
caso, colocava um bastão no pescoço da vítima e ficava em pé em cima
dele, sufocando-a até a morte.
Esses depoimentos ressaltavam a alegação da promotoria de que não
havia nada de automático no comportamento de guardas e oficiais em
Auschwitz. A dra. Ella Lingens, médica austríaca que ajudara muitos
judeus a se esconderem e fugirem antes de ser presa e mandada para
Auschwitz, foi especialmente enfática em suas declarações sobre a ampla
variedade de comportamentos individuais dos oficiais e guardas,
afirmando que os acusados não eram obrigados a agir como agiam.26
Incrédulo, o juiz Hofmeyer perguntou: “A senhora quer dizer que todo
mundo podia decidir se queria ser bom ou mau em Auschwitz?”27 A
médica, que mais tarde seria homenageada com o marido no Yad Vashem
por seus esforços para salvar judeus antes e durante sua detenção,
respondeu: “É exatamente o que quero dizer.”
Isso correspondia ao argumento que o promotor do Exército dos
Estados Unidos Benjamin Ferencz usou no caso dos comandantes dos
Einsatzgruppen, em Nuremberg. No julgamento em Frankfurt, Hans-
Günther Seraphim, perito da Universidade de Göttingen, referiu-se a
esses processos anteriores ao declarar que os oficiais da SS que, por uma
razão qualquer, decidiram não participar desses massacres jamais sofreram
punições.28 Garantiu que, em dez anos de pesquisas, nunca tinha
“encontrado um caso sequer em que ‘cabeças tivessem rolado’ por um
oficial da SS se recusar a cumprir uma ‘ordem de
aniquilamento’”.29Admitiu, porém, que esses oficiais poderiam ser
mandados para a luta na frente oriental, o que muitos dos que serviam
nos campos tentavam evitar a qualquer custo.
Os réus e seus advogados fizeram o possível para contestar esse ponto
de vista. “Por ser uma pessoa sem importância em Auschwitz, eu não
tinha voz ativa em questões de vida ou morte”, afirmou Klehr, referindo-
se ao homicídio por injeção letal. “Apenas cumpria as ordens dos
médicos e, mesmo assim, com a mais profunda relutância.”30 O dr.
Capesius se descreveu apenas como um farmacêutico solícito: “Em
Auschwitz, não fiz mal a ninguém. Eu era cortês e amável com todos e
pronto para ajudar sempre que possível.” Acrescentou que sua esposa era
metade judia e que apenas por uma “infeliz circunstância” acabou
designado para a farmácia do campo.31
Houve também toques surrealistas dentro e fora da sala do tribunal.32
Entrevistada por uma equipe de filmagem, a esposa de Wilhelm Boger
insistiu em dizer que o casal levou “uma vida muito harmoniosa” em seus
24 anos de casamento. Isso incluía o período em que viveu com ele em
Auschwitz. “Não consigo imaginá-lo fazendo todas as coisas que
supostamente teria feito”, afirmou. Admitiu que era rigoroso, “mas a
acusação de matar crianças, sendo que ele mesmo tinha filhos, e
simplesmente voltar para casa e ser um pai bom e amoroso, isto para mim
é inimaginável”. A sobrevivente Ella Lingens, que trabalhara como
médica, lembrou que a esposa de Höss, o primeiro comandante, certa vez
lhe mandou “um suéter cor-de-rosa e saudações cordiais para aquele
inferno”, numa tentativa de demonstrar compaixão pelos prisioneiros.

***

A cobertura jornalística do Segundo Julgamento de Auschwitz deu


atenção especial às acusações mais horrendas contra os réus, retratando-os
como “monstros”, “demônios” e “bárbaros”, referindo-se a Auschwitz
como o Inferno de Dante ou o inferno na terra.33 Uma amostragem
rápida das manchetes não deixa dúvida sobre o tom predominante: “O
Balanço da Tortura em Auschwitz”, “O Diabo Sentado no Banco dos
Réus”, “Mulher Atirada Viva no Fogo” e “Mortalmente Doente Roído
por Ratos”.34
Citando esses títulos, o escritor Martin Walser, bastante polêmico ao
falar sobre os alemães e sua luta para lidar com o passado nazista, chamou
atenção para os perigos de satanizar aqueles réus. “Quanto mais horríveis
as citações de Auschwitz, mais pronunciada será a distância entre nós e
Auschwitz”, escreveu. “Nada temos a ver com esses acontecimentos, com
essas atrocidades, disso estamos certos. As similaridades [com os acusados]
não são partilhadas aqui. Este julgamento não é sobre nós.”35 Como
Hannah Arendt, que afirmava que demonizar Eichmann dava aos outros
que serviram ao Terceiro Reich a chance de rejeitá-lo como aberração,
Walser tentou difundir um argumento parecido. “Auschwitz não era o
Inferno, era um campo de concentração alemão”, afirmou.36
Era esse também o argumento de Bauer. Mesmo com os réus
justificadamente separados por seu comportamento especialmente
perverso, ele não queria dar a impressão de que outros que serviram ali
— os que operavam a maquinaria da morte sem demonstração peculiar
de sadismo — não fossem igualmente culpados. Não era isso que a
maioria dos seus compatriotas desejava ouvir; e eles tampouco desejavam
ler os palpites ocasionais que apareciam na imprensa sugerindo que os
acusados não eram muitos diferentes de qualquer pessoa. No Suddeutsche
Zeitung, Ursula von Kardorff parecia fazer eco à teoria de Hannah Arendt
sobre a “banalidade do mal” quando escreveu sobre os acusados:
“Homens de cabelos grisalhos, lábios finos e rosto comum. É essa a
aparência dos cúmplices de homicídio?”37
Em sua apresentação do veredicto do tribunal, o juiz Hofmeyer
reiterou que o julgamento fora da culpa criminosa de réus individuais, e
não um ajuizamento político mais genérico de todos aqueles que puseram
em prática as políticas assassinas dos nazistas. Ao mesmo tempo, contudo,
rejeitou a noção de que funcionários de nível inferior pudessem ficar
isentos de responsabilidade por atos criminosos, ressaltando que “seria um
erro dizer que a ‘gente comum’ não era culpada só porque não tinha
começado com aquilo”. E prosseguiu: “Essas pessoas eram tão vitais para
a execução do extermínio quanto aqueles que os planejaram em suas
escrivaninhas.”38
O veredicto, em si, não agradou a quase ninguém.39 Cinco réus
saíram livres, três deles absolvidos e dois soltos porque já tinham
cumprido tempo de prisão suficiente antes do julgamento. Boger, Klehr e
Kaduk pegaram prisão perpétua, mas a pena do farmacêutico Capesius se
limitou a nove anos; a maioria dos demais recebeu condenações leves, de
apenas três anos num dos casos.
Bauer considerou as sentenças brandas demais. Mas, em seu
entendimento, a maior falha dos juízes em Frankfurt, bem como em
outros casos relativos a nazistas, era a insistência em tratar os responsáveis
como criminosos comuns. Em suas palavras, isso estimulava a
“esperançosa fantasia residual de que havia apenas umas poucas pessoas
com responsabilidade no Estado totalitário do período nazista, e todas as
demais eram simplesmente parasitas aterrorizados, violentados, ou
criaturas sem personalidade e desumanizadas que foram obrigadas a
cometer atos totalmente contrários à sua natureza. A Alemanha não era,
por assim dizer, uma sociedade obcecada pelo nazismo, mas um país
ocupado pelo inimigo”.40 E acrescentou enfaticamente: “Porém isso
tinha pouco a ver com a realidade histórica.”
Bernd Naumann, o repórter do Frankfurter Allgemeine Zeitung que
publicou um livro com um minucioso relato do julgamento logo após a
conclusão dos processos, apresentou outra avaliação, mais realista: “Os
fatos criminosos, a culpa de Auschwitz e a tentativa de expiação não são
mensuráveis. Nem os planejadores, assistentes e assassinos nem as vítimas
podem esperar receber verdadeira justiça num tribunal comum, de um
Estado de direito.”41
Hannah Arendt escreveu a introdução do livro de Naumann, o que
lhe permitiu ampliar suas opiniões iniciais. Num sentido importante, ela
estava de acordo com Bauer. “‘Homicídio em massa e cumplicidade em
homicídio em massa’ era uma acusação que poderia e deveria ser feita
contra cada funcionário da SS que serviu em qualquer campo de
concentração e contra muitos outros que jamais puseram os pés num
desses campos”, escreveu.42 Com relação ao significado de todos os
processos descritos por Naumann, ela concluiu o seguinte: “Em vez da
verdade (...) o leitor encontrará momentos de verdade, e esses momentos são,
a rigor, os únicos meios de expressar esse caos de crueldade e
perversidade.”43
Muitos alemães não tinham a menor vontade de acompanhar o
julgamento nem de vislumbrar quaisquer momentos de verdade. Para
eles, a ampla cobertura jornalística era uma fonte crescente de irritação.
Um leitor escreveu em carta para o tabloide Abendpost, de Frankfurt:
“Mas que droga! Parem um pouco com essas reportagens sobre
Auschwitz. Vocês acham mesmo que podem convencer o mundo de que
estão interessados na verdade? Não, vocês e seus compatriotas só querem
saber de sensacionalismo barato.”44 Uma pesquisa de opinião feita no
início de 1965, quando o julgamento ia a todo vapor, indicou que 57%
dos alemães tinham decidido que não queriam mais esses julgamentos,
um grande salto em relação aos 34% que deram a mesma resposta numa
pesquisa de 1958.45
Emmi Bonhoeffer, viúva do advogado Klaus Bonhoeffer, que pagou
com a vida por seu papel no movimento de resistência antinazista, não
ficou surpresa com o estado de ânimo da população. “Naturalmente o
Segundo Julgamento de Auschwitz é impopular”, escreveu em carta a um
amigo. “Isso torna mais peculiar ainda o fato de a imprensa fazer uma
cobertura diária e quase sempre exaustiva. Os jornais escrevem
reportagens que ninguém quer ler, ao menos não as que precisam ler.”46
O teólogo Helmut Gollwitzer fez eco a seus pensamentos, explicando
que o julgamento fazia seus compatriotas se sentirem pouco à vontade,
pois dava a impressão de que muitos deles poderiam estar “no mesmo
barco junto com os réus”.47
Tudo isso era verdade, apesar da saraivada de reportagens que pintavam
os réus como monstros, uma raça à parte. Como assinalou a historiadora
Rebecca Wittmann, da Universidade de Toronto, em seu perspicaz relato
do julgamento, isso não ocorreu por acaso: “Em muitos sentidos, a
cobertura jornalística apenas refletia a estratégia legal, satisfazendo a
necessidade de manchetes impressionantes e detalhes tétricos”,48
escreveu. Mas nada era capaz de aplacar por completo o corrosivo mal-
estar dos milhões que instintivamente se sentiam implicados, apesar dos
protestos de que nada tinham a ver com os crimes cometidos por aqueles
que acabaram sentados no banco dos réus.

***

“Seria injusto culpar ‘a maioria do povo alemão’ por falta de entusiasmo


pelas ações penais contra os criminosos nazistas sem mencionar os fatos da
vida durante a era Adenauer”, escreveu Hannah Arendt, depois do
julgamento.49 Ela assinalou que “a administração da Alemanha
Ocidental, em todos os níveis, está infestada de nazistas”. Isso dava ao
público a impressão de que “os peixes pequenos são pegos, mas os grandes
prosseguem em suas carreiras”, acrescentou, pondo a frase em itálico para dar
ênfase.
O maior exemplo da incapacidade do governo de romper com o
passado foi Hans Globke. Durante o Terceiro Reich, Globke trabalhou
no Ministério do Interior e serviu como comentarista das leis raciais de
Nuremberg que institucionalizaram as doutrinas e práticas antissemitas
nazistas, o que significava explicá-las e justificá-las.50 Apesar disso, ele
reapareceu como secretário de Estado no governo Adenauer, dirigindo o
gabinete do chanceler e servindo como seu assessor de confiança de 1953
a 1963, quando Adenauer então renunciou.
Bauer tentou investigar o papel de Globke, especialmente quando seu
nome apareceu durante o julgamento de Eichmann, em 1961. Solicitou
documentos sobre ele às autoridades da Alemanha Oriental,51 mas o
governo Adenauer via todas as acusações que vinham daquele grupo
como campanha de difamação da Guerra Fria travada entre os dois
governos alemães. Logo Bauer foi obrigado a transferir a investigação para
a promotoria pública de Bonn, que decidiu encerrar o caso.
Em 1963, a Suprema Corte da Alemanha Oriental acusou
formalmente Globke de crimes de guerra e crimes contra a
humanidade.52 O porta-voz do governo alemão-ocidental rejeitou a
iniciativa, que não passaria de “julgamento midiático”, e argumentou que
Globke já fora alvo de investigação e que todas as acusações tinham sido
“consideradas falsas”. O porta-voz acrescentou que havia provas de que
Globke ajudara a proteger algumas pessoas de perseguição naquele
período.
É claro que a Alemanha Oriental estava fazendo seu costumeiro jogo
de propaganda e ignorando os antigos nazistas existentes em suas fileiras,
mas os antecedentes da Alemanha Ocidental nesta questão eram
nitidamente inexpressivos. O mesmo poderia ser dito do resultado dos
processos que abriu contra os que tinham trabalhado para o regime
nazista. De 1950 a 1962, as autoridades alemãs-ocidentais investigaram
aproximadamente 35 mil ex-nazistas. Contudo, dos 5.426 levados aos
tribunais, 4.027 foram absolvidos, e apenas 155 condenados por
assassinato. Levando em conta as restrições da lei alemã-ocidental das
quais Bauer costumava se queixar, isso não chegava a surpreender.53
Quando o Escritório Central para a Investigação de Crimes do
Nacional-Socialismo foi aberto em Ludwigsburg, em 1958, seus
funcionários só tinham poder para conduzir a investigação preliminar dos
casos. Quando havia provas suficientes para sugerir que um caso devesse
ser mais investigado, ele era transferido para promotores regionais, que
poderiam ou não ter interesse em seguir adiante e fazer uma acusação.
Até hoje isso é motivo de frustração para a equipe de Ludwigsburg. “Não
tínhamos poder de levar [um caso] ao tribunal”, assinalou o vice-diretor
Thomas Will em 2014. “Deveríamos ter.”54
Contudo, voltando aos anos 1950, o governo Adenauer queria ao
mesmo tempo demonstrar seriedade na investigação de crimes de guerra
e assegurar aos nervosos cidadãos que essas investigações não iriam longe
demais. O resultado dessa postura foi a limitação dos poderes dos
investigadores. Uma medida do estado de ânimo da população era a
hostilidade que os funcionários do escritório de Ludwigsburg
costumavam enfrentar. “Nos primeiros anos, este escritório não foi aceito
aqui”, explicou Will. Ao procurar apartamentos para morar, os
funcionários evitavam informar onde trabalhavam. Alguns tinham
dificuldades até para conseguir motoristas de táxi que os levassem ao
escritório, instalado numa antiga prisão do século XIX. Isso mudaria ao
longo do tempo, mas muito devagar. Hoje, o escritório, que continua a
fazer suas investigações e acumulou um impressionante arquivo histórico
sobre o Terceiro Reich, é amplamente aceito e, de certa forma, fonte de
orgulho dos moradores.

***

Apesar da insatisfação geral provocada pelo Segundo Julgamento de


Ausch-witz, tanto entre os que instintivamente se opunham à abertura de
ações penais contra antigos nazistas como entre aqueles que achavam que
os processos não iam longe o bastante, o processo representou um grande
avanço. Antes de mais nada, a magnitude da cobertura deixou muitos
alemães que tinham ignorado julgamentos anteriores sem opção senão
prestar atenção ao drama que se desenrolava dentro do tribunal de
Frankfurt. E, apesar de a reação pública inicial ter sido basicamente
negativa, algumas pessoas começavam a reconsiderar seus pontos de vista a
respeito de fechar de vez o livro sobre o Terceiro Reich, como indicou
uma pesquisa de opinião feita um ano depois. Comparada à de 1965, que
mostrou que 57% se opunham a outros julgamentos de ex-nazistas, a de
1966 revelou que esse número caíra para 44%.55
Além de expor o público a uma grande quantidade de provas inéditas
sobre os horrores de Auschwitz, o julgamento propiciou uma rara
demonstração de cooperação entre os dois lados da Guerra Fria. Não por
acaso, os dois responsáveis por esse avanço particular foram Fritz Bauer e
Jan Sehn, o juiz de instrução polonês que tinha orquestrado o julgamento
anterior de Auschwitz em seu país e a condenação do comandante
Rudolf Höss. Sehn forneceu aos colegas alemães depoimentos e outras
provas que obtivera na Polônia e, mais de uma vez, foi a Frankfurt
entregar esse material.
Sehn foi igualmente prestativo quando Frankfurt organizou uma
exposição especial, “Auschwitz: Imagens e documentos”, inaugurada em
18 de novembro de 1964, durante o julgamento. A proposta da mostra
era ensinar aos jovens, nas palavras de Carl Tesch, “que nada parecido
com isso poderia voltar a acontecer”.56 Tesch preparou a exposição, mas
Bauer foi seu catalisador e defensor mais incondicional. Sehn tomou
providências para que o Museu de Auschwitz, situado no que restou do
campo de concentração na Polônia, fornecesse os artefatos para a
exibição.
Durante o julgamento, Jan Sehn também desempenhou papel decisivo
nos arranjos para a visita de uma delegação da Alemanha Ocidental —
que incluía um juiz, promotores, advogados de defesa e representantes do
governo — a Auschwitz em dezembro de 1964. Isso lhes permitiu
examinar o lugar e verificar a exatidão dos depoimentos de testemunhas
baseados em detalhes como as distâncias reais dentro do campo. Numa
época em que a Polônia ainda não estabelecera relações diplomáticas com
a Alemanha Ocidental, devido à persistente tensão do pós-guerra, foi
uma façanha considerável. Sehn e Bauer trabalharam com seus respectivos
governos para remover obstáculos à visita, de olho numa cooperação
ainda maior além daquele caso particular. “Que isto aplaine o terreno
para o estreitamento de relações entre os dois povos”, declarou Jan
Sehn.57
O julgamento também teve impacto em outros sentidos. O
dramaturgo Peter Weiss escreveu O interrogatório, peça anunciada como
“uma dramática reconstrução dos julgamentos de Crimes de Guerra em
Frankfurt” e um “Oratório em Onze Cantos”.58 Foi encenada
simultaneamente em treze teatros nas Alemanhas Oriental e Ocidental
em 19 de outubro de 1965, apenas dois meses depois da conclusão do
julgamento. Sob a direção de Peter Brook, a Royal Shakespeare
Company também apresentou uma leitura da obra no Aldwych Theatre,
em Londres, naquela mesma noite.
O interrogatório consistia de trechos de depoimentos prestados durante
o julgamento. Na versão de Weiss, uma testemunha relata que escapou da
morte por um triz nas mãos de Boger, o sádico particularmente infame
do campo:

Quando fui tirado do balanço


Boger me disse:
Agora o preparamos
para uma feliz viagem ao céu
Fui levado para uma cela no Bloco Onze
onde esperei horas e mais horas
para ser fuzilado
Nem sei quantos dias fiquei ali
Minhas nádegas ulceraram
Meus testículos ficaram pretos e azuis
e inchados
Passei a maior parte do tempo inconsciente
Depois fui levado
com um grupo de outros presos
para o banheiro
Tivemos que tirar a roupa
e marcaram nossos números
no peito
a lápis azul
Eu sabia que aquilo
era uma condenação à morte
Quando estávamos nus em fila
o Chefe da Ligação veio e perguntou
quantos prisioneiros deveria computar
como fuzilados
Assim que ele saiu fomos contados
novamente
Descobriram que havia um a mais
Eu tinha aprendido a ser sempre o último
então, com um pontapé,
devolveram minha roupa
Eu deveria ser levado de volta para a minha cela
para aguardar o próximo grupo
mas um enfermeiro
que também era prisioneiro
me levou para o hospital
Também acontecia
de um ou dois sobreviverem
e eu fui
um desses.59

Nascido em 1944, Bernhard Schlink pertenceu à geração do pós-


guerra na Alemanha Ocidental que ficaria conhecida como os “68” — os
jovens que começaram a contestar os pais nos anos 1960 e já contestavam
praticamente qualquer figura de autoridade em 1968, ano em que saíram
às ruas em protestos que se espalharam pela Europa e pelos Estados
Unidos. Enquanto em outras partes do mundo as manifestações eram
deflagradas pela Guerra do Vietnã, a defesa dos direitos civis e outras
causas, na Alemanha Ocidental um fator especial contribuía para a
agitação. “O ano de 1968 não pode ser compreendido sem que se leve
em conta o que acontecia no mundo todo, mas na Alemanha ele não
pode ser compreendido sem [que se considere] o Segundo Julgamento de
Auschwitz”, ressaltou Schlink.60
Para ele, que viria a ser professor de direito e escritor de sucesso, não
há dúvida sobre o impacto daquele processo. “O Segundo Julgamento de
Auschwitz deixou uma marca muito maior em mim e em minha geração
do que o de Eichmann”, contou. “Claro que o julgamento de Eichmann
foi algo que registramos e acompanhamos de perto. Todos os jornais
escreviam sobre o assunto. Mas o de Auschwitz foi muito mais próximo.”
Como os réus não eram figuras importantes, acrescentou, uma das
perguntas que surgiram para sua geração foi “quem eram os
mandachuvas?”.
Durante o julgamento, ele tentou satisfazer a curiosidade lendo a
autobiografia de Rudolf Höss, que escrevera sua história por insistência
de Jan Sehn, antes de ser enforcado, em 1947. Ele ainda se lembrava do
absoluto choque causado pelo “seu jeito de escrever como um gerente
assoberbado por uma tarefa difícil”. Lá estava Höss, preocupado com o
influxo de judeus húngaros, como disse Schlink: “Ai, meu Deus... Como
vamos alojá-los, como vamos queimá-los, como vamos matá-los?”
Reconhecia que o comandante era um “tecnocrata” que “apenas resolvia
os problemas criados por esse regime criminoso. Aquilo era assustador,
assustador.” Via no relato de Höss “uma autenticidade” que nenhum dos
protestos subsequentes dos réus de outros julgamentos, em seu desespero
para contar histórias que os absolvessem, jamais teve.
A outra pergunta levantada para a geração do pós-guerra foi o papel
que pais, parentes e conhecidos mais velhos tinham desempenhado no
Terceiro Reich, assunto frequentemente evitado quando ele era jovem.
“Sob pressão da minha geração, essas questões vieram à tona”, disse
Bernhard Schlink — e isso, em muitos casos, levou à descoberta de
segredos terríveis. Entretanto, apesar de o Segundo Julgamento de
Auschwitz ter sido o gatilho que deflagrou essas discussões entre
estudantes como Schlink, o autoexame mais amplo da sociedade alemã,
incluindo os mais velhos, só viria uma década mais tarde. Nesse caso, o
gatilho foi a exibição da minissérie da NBC Holocausto, em 1978, que
absorveu completamente os espectadores alemães com sua vívida
descrição de uma família judia e um ambicioso advogado que se
transforma num assassino em massa da SS.
O processo de descoberta do passado não teve um momento eureca.
Schlink e muitos amigos seus estudantes de direito admiravam
imensamente Bauer por seus esforços persistentes para estimular esse
processo. Mas Peter Schneider, outro membro da geração de 68 que se
tornou escritor de prestígio, admitiu que só tomou conhecimento de
Bauer e seu papel no Segundo Julgamento de Auschwitz nos anos 1980,
quando escrevia um romance sobre o filho de Josef Mengele, o temível
médico do campo de concentração.61 Mesmo assim, Schneider foi
influenciado pelo Segundo Julgamento de Auschwitz nos anos 1960,
sobretudo ao ler a dramática interpretação do caso escrita por Peter
Weiss. Isso acabou fazendo parte da sua educação, ajudando a lançá-lo na
linha de frente das manifestações de 1968.
Bernhard Schlink não assumiu papel tão ativo nos protestos dos anos
1960, mas aquela época o marcou profundamente em outros aspectos,
plantando as sementes que só floresceriam uma década depois. O
resultado mais conhecido, seu romance lírico O leitor, de 1995, disparou
para o topo da lista de mais vendidos depois que saiu a edição inglesa e o
fez ser convidado para uma entrevista no Oprah Winfrey Show. No início
do pós-guerra, o narrador, de quinze anos, se apaixona por uma
motorneira de bonde que tem o dobro da sua idade. Depois de um caso
prolongado, ela desaparece e só vai reaparecer como ré num julgamento
de guardas de campo de concentração a que ele é obrigado a assistir
como estudante de direito. Mas a história está longe de ser tão simples ou
moralmente inequívoca quanto um resumo do enredo sugere, e Schlink
explora com habilidade o terreno da culpa pessoal e da traição.
Estritamente falando, O leitor não é autobiográfico; Schlink não viveu
um romance parecido quando era adolescente. Mas, no ensino médio em
Heidelberg, achava que uma “grande professora” não poderia estar
envolvida em nada vergonhoso durante a guerra. Depois que a professora
se aposentou, ele descobriu que não era bem assim — mas até hoje se
recusa a discutir os detalhes, porque recebeu a informação em caráter
confidencial. Schlink logo descobriu que essa era uma experiência
comum para as pessoas de sua geração: “Você ama e admira uma pessoa, é
grato a ela, e então descobre.” E acrescentou: “Para muita gente, foi ainda
mais próximo: o pai, ou um tio.” Isso, também, foi um legado de
Auschwitz e de tudo o que Auschwitz representava.

***

Jah Sehn seguia uma rotina regular sempre que deixava seu escritório de
diretor do Instituto de Pesquisas Criminalísticas em Cracóvia para fazer
uma viagem ao exterior.62 Entregava as chaves de quase todas as gavetas
da sua escrivaninha para Maria Kozłowska, vizinha e colega de trabalho
mais jovem, menos as do meio, que continham documentos pessoais. Para
surpresa de Maria, ele mudou o procedimento ao embarcar para uma
nova viagem a Frankfurt, no fim de 1965. “Na última vez que saiu, ele
me deu também as do meio”, contou. Então, como se ainda refletisse
sobre o significado da atitude, ela explicou o óbvio: “Fiquei com todas as
chaves.”
Para ela, o gesto do chefe adquiriu, retrospectivamente, um significado
particular, porque Sehn morreu durante aquela visita a Frankfurt. Em 12
de dezembro de 1965, antes de ir para a cama, ele mandou seu segurança
oficial, que também estava incumbido pelas autoridades comunistas
polonesas de monitorar seus contatos com estrangeiros, ir buscar um
maço de cigarros. Quando o segurança voltou, Sehn estava morto. Tinha
apenas 56 anos. Maria revelou que, enquanto os atônitos colegas em
Cracóvia pranteavam a sua morte, havia rumores de que talvez “alguém o
tivesse ajudado a morrer”.
Ela e quase todos os colegas rejeitaram essa teoria por falta de provas.
Além disso, Sehn era fumante inveterado, e sabia-se que já se submetera a
tratamento médico por causa de problemas cardíacos. A hipótese mais
aceita era a de que sofrera um infarto. A pergunta não respondida, porém,
era se sua decisão de confiar todas as chaves à colega não teria sido sinal
de premonição do fim próximo.
Em várias ocasiões, Sehn tinha recebido cartas com ameaças. Algumas
traziam as mensagens compostas com letras impressas recortadas. Umas
eram em alemão, outras em polonês, mas Maria Kozłowska tinha a
impressão de que a maioria era escrita por falantes de alemão. Em tese,
vinham de pessoas irritadas com os esforços dele para levar à Justiça
operadores e guardas de Auschwitz e outros criminosos de guerra.
Mas Jan Sehn era uma figura bem menos polêmica — e bem menos
pública — na Polônia do que Bauer na Alemanha Ocidental. Bauer,
apesar de ter permitido que seus promotores mais novos cuidassem do
Segundo Julgamento de Auschwitz, costumava falar em público,
incluindo na televisão, sobre a necessidade de os responsáveis por
homicídios em massa prestarem contas dos seus atos. “O julgamento
deverá mostrar ao mundo que uma nova Alemanha, uma nova
democracia, está disposta a proteger a dignidade de todos os seres
humanos”, declarou, na abertura dos processos.63 Ao mesmo tempo, não
escondia sua exasperação com o comportamento dos réus no Segundo
Julgamento de Auschwitz. Numa entrevista no meio do julgamento, ele
lembrou que a acusação esperava que “um dos acusados (...) dirigisse às
testemunhas que sobreviveram e tiveram suas famílias aniquiladas uma
palavra humana (...) para limpar o ar”.64 Isso jamais aconteceu.
Bauer insistia também numa limpeza entre os juízes e promotores da
Alemanha Ocidental, cujas fileiras ainda estavam infectadas de antigos
nazistas. Exasperado com a indiferença de sua geração a esse continuísmo
entre o velho e o novo, ele passava cada vez mais tempo discutindo as
amplas implicações dos esforços para levar nazistas à Justiça com pessoas
mais jovens, com as quais tinha uma relação fácil. Costumava misturar-se
aos jovens em bares ou em salas de estar para longas conversas, enquanto
fumava um cigarro atrás do outro e bebericava seu vinho. Quando os
protestos dos jovens ganharam ímpeto, em 1968, alguns detratores o
acusaram de instigar a violência subsequente.65
Muitos alemães ficavam furiosos com as ações e palavras de Bauer.66
Ele recebia mais ameaças do que Sehn por carta e também por telefone,
embora seu número não constasse da lista telefônica. “Quando saio do
meu escritório, entro num país hostil”,67 comentou Bauer. Durante o
Segundo Julgamento de Auschwitz, uma suástica foi pintada na parede do
prédio onde tinha um apartamento; quando a apagavam, ela reaparecia.
Bauer tinha em seu apartamento uma pistola 6.35 milímetros e um
guarda-costas foi designado para sua proteção. O Frankfurter Rundschau
publicou, em 14 de outubro de 1966, uma reportagem sobre uma suposta
conspiração para assassiná-lo: “Quiseram Matar o Procurador-Geral”.68
Mas Bauer nunca se deixou intimidar. Falava abertamente sobre a
necessidade de mais julgamentos de criminosos nazistas nos anos
vindouros e sobre o “ardente antissemitismo”69 da Alemanha. Em 1967,
impediu o confisco do Braunbuch, “Livro Marrom”, na Feira do Livro de
Frankfurt.70 O volume, publicado na Alemanha Oriental em 1965, trazia
os nomes de aproximadamente 1.800 alemães-ocidentais importantes que
teriam ocupado cargos oficiais no período nazista. O governo de Bonn o
denunciou como propaganda, mas Bauer se manteve firme. Nessa época,
o chanceler da Alemanha Ocidental era Kurt Georg Kiesinger, que
ingressara no Partido Nazista em 1933 e trabalhara no departamento de
propaganda do Ministério do Exterior durante a guerra. O contraste
entre os pronunciamentos de Bauer e a atmosfera geral que permitia que
um ex-nazista assumisse o cargo mais alto do país não poderia ser maior.
Bauer sempre asseverou que não criticava seus compatriotas por não
terem minado ativamente o regime de Hitler; apesar disso, estabeleceu
um padrão que implicava milhões deles. “Existe apenas um dever de
resistência passiva, apenas um dever de abster-se de praticar o mal, apenas
um dever de não ser cúmplice de injustiça”, declarou, num dos últimos
discursos. “Nossos processos contra os criminosos nazistas se baseiam
exclusivamente no pressuposto dessa obrigação de desobedecer. Esta é a
contribuição destes julgamentos para a derrota do Estado injusto no
passado, no presente e no futuro.”71
Em 1º de julho de 1968, faltando poucas semanas para completar 65
anos, Bauer foi encontrado morto na banheira; ao que parece teria
falecido cerca de 24 horas antes. Logo surgiram conjecturas de que teria
sido assassinado ou cometido suicídio, mas o médico-legista que fez o
exame do corpo refutou as duas teorias. Como Jan Sehn, Fritz Bauer era
fumante inveterado. Também sofria de bronquite crônica, e, como
mostrou a exposição de 2014 em Frankfurt sobre sua vida, às vezes
misturava álcool e comprimidos para dormir. Bauer dava pouca
importância às preocupações com seus hábitos poucos saudáveis. Quando
um repórter lhe perguntou quantos cigarros fumava, respondeu: “De
quanto em quanto tempo acha que preciso de um cigarro?” O palpite do
repórter foi cinco minutos. “Então divida dezoito horas por cinco
minutos e terá meu consumo”, declarou.72
Mas nem todos estavam convencidos de que Fritz Bauer tinha
morrido em consequência dos efeitos adversos desses hábitos sobre seu
corpo. Em seu vigoroso documentário sobre Bauer, que estreou em
2010, Ilona Ziok ressalta que nenhuma autópsia foi feita e apresenta
depoimentos de pessoas que levantam dúvidas sobre sua morte. Rolf
Tiefenthal, o sobrinho dinamarquês de Bauer, aparece admitindo que o
que existe são apenas conjecturas, mas acrescenta: “Seus inimigos, seus
muitos inimigos, podem tê-lo ajudado, podem tê-lo obrigado a tirar a
própria vida ou podem tê-lo assassinado. Havia motivos suficientes.”
No debate em curso na Alemanha sobre que aspectos da vida de Bauer
deveriam ser destacados, há uma nítida linha divisória também com
relação à sua morte. A exposição sobre Fritz Bauer feita em 2014 no
Museu Judaico de Frankfurt parecia aceitar o veredicto do médico-
legista. Ilona Ziok não chegou a fazer uma acusação direta de assassinato
em seu filme e admitiu que “não há provas”. Contudo, quando indagada
à queima-roupa se acredita que ele foi morto, respondeu que sim.73
No sepultamento de Bauer, Robert Kempner, judeu nascido na
Alemanha e integrante da equipe americana de acusação em Nuremberg,
falou sobre seu legado. “Foi o melhor embaixador que a República
Federal da Alemanha já teve”,74 declarou. “Ao contrário de tantos
homens míopes, ele tinha uma clara visão do que precisava ser feito para
ajudar a Alemanha, e a ajudou.” O semanário Die Zeit disse, sem meias
palavras: “Ele conquistou para nós no exterior um respeito que não
merecemos.”75
Até o recente despertar do interesse pela vida de Fritz Bauer, muitos
alemães nada sabiam a seu respeito. Na Polônia, Jan Sehn está quase
completamente esquecido, exceto entre aqueles que continuam a
trabalhar para o instituto que ele dirigiu, cujo nome foi trocado para
Instituto Jan Sehn de Pesquisa Criminalística. E o que ninguém parece ter
notado em nenhum dos dois países é que esses dois homens que
trabalharam juntos para levar nazistas à Justiça morreram em Frankfurt,
com um intervalo de dois anos e meio entre as mortes, em circunstâncias
até hoje nebulosas. As teorias conspiratórias podem estar erradas, mas as
semelhanças são perturbadoras.
CAPÍTULO ONZE

UM TAPA A SER LEMBRADO


“Éramos fracos, então precisávamos tomar medidas enérgicas. E a mais
enérgica delas é ir ao lugar onde o inimigo é poderoso e, chegando lá, dizer a
verdade.”1
SERGE KLARSFELD, CAÇADOR DE NAZISTAS FRANCÊS.

Beate Klarsfeld sem dúvida não tinha sido criada para assumir riscos.
Nascida em Berlim em 13 de fevereiro de 1939, meses antes da invasão
alemã da Polônia que marcou o início da Segunda Guerra Mundial, era
nova demais para se lembrar de muita coisa do conflito. Mas ela ainda se
recordava de, pouco antes de a luta finalmente terminar, com a rendição
da Alemanha, “recitar poeminhas em homenagem ao Führer no jardim
de infância”.2
O pai serviu na Wehrmacht na França, em 1940,3 até que sua unidade
foi transferida para a frente oriental no ano seguinte, quando Hitler
ordenou o ataque contra a União Soviética. Ele teve a sorte de contrair
pneumonia dupla, tendo que voltar para a Alemanha, onde foi trabalhar
como arquivista do Exército. Depois de um breve período em cativeiro
britânico no fim da guerra, reuniu-se novamente à família, numa aldeia
onde tinham se refugiado durante o bombardeio Aliado de Berlim. No
fim de 1945, eles voltaram para a capital, onde Beate foi matriculada no
ensino fundamental e brincava de esconde-esconde com os amiguinhos
entre prédios bombardeados e montes de escombros.
Ela se lembra de ter sido uma “aluna responsável e comportada” no
ensino fundamental. “Naquele tempo, ninguém falava em Hitler”,
acrescentou.4 Pais e mestres evitavam ao máximo comentar o que tinha
acontecido na Alemanha sob seu governo. Os pais dela não pertenceram
ao Partido Nazista, mas votaram em Hitler, como tantos compatriotas.
“Apesar disso, não se sentiam nem um pouco responsáveis pelo que
aconteceu sob o domínio nazista”, comentou. Em vez disso, eles e os
vizinhos lamentavam o que perderam na guerra, “sem jamais dizer uma
palavra de piedade ou simpatia por outros países”. Quando era jovem,
nunca ouviu uma explicação real para a situação em que viviam. Tudo o
que ouvia era as pessoas dizerem: “Perdemos uma guerra e agora vamos
ter que trabalhar.”
Na adolescência, ao contrário dos pais, que apoiavam os democrata-
cristãos do chanceler Adenauer, ela preferia os sociais-democratas de
Willy Brandt. Mas isso tinha mais a ver com o fato de que “o rosto jovem
e franco de Brandt contrastava com o dos outros políticos” do que com
qualquer compreensão das diretrizes do partido. Ela desenvolveu uma
típica impaciência adolescente pelo que lhe parecia a “atmosfera
sufocante” de casa. O pai começou a beber muito, e a mãe queria que ela
se dedicasse a procurar um bom marido. Em vez disso, depois de
completar um curso na escola técnica, arranjou emprego de estenógrafa
numa grande empresa farmacêutica. Sua ambição era ganhar o suficiente
para viver por conta própria.
Em março de 1960, aos 21 anos, foi parar em Paris, onde estudou
francês e trabalhou como au pair. Dormia num “sótão nojento e morria
de medo de aranhas”, narrou. Mas, o que não é de surpreender, logo se
apaixonou pela cidade, achando-a mais animada e mais elegante do que a
Berlim Ocidental. Logo se apaixonou também pelo futuro marido.
Em 11 de maio de 1960, dois meses depois de chegar a Paris, Beate
aguardava o trem na Porte de Saint-Cloud, sua estação de metrô. Um
jovem de cabelos pretos não tirava os olhos dela. “Inglesa?”, perguntou.
Como Beate comentou depois: “Claro que era um truque.” O jovem,
Serge Klarsfeld, admitiria mais tarde que era uma tática comum para
puxar conversa com jovens alemãs. Depois que elas respondiam “não”,
era difícil cortar a conversa. Quando Serge desceu na sua estação, perto
da Escola de Ciência Política, onde terminava seu trabalho de pós-
graduação antes de iniciar o que esperava ser uma carreira de professor de
história, tinha o número do telefone de Beate.
Naquele mesmo dia, em Buenos Aires, o grupo israelense se articulou
para capturar Eichmann. Na ocasião, Serge e Beate não sabiam de nada
disso, é claro. Mas, sentados juntos no apartamento do filho, em 2013,
examinando o que fizeram na vida, não puderam deixar de sentir que
houve qualquer coisa além de mera coincidência nisso. O casal, que
ficaria famoso — e até mesmo notório — como novos e agressivos
caçadores de nazistas, fez seu primeiro contato no dia em que o Mossad
começou a agir na Argentina.

***

Três dias depois, em seu primeiro encontro, os dois foram ver o filme
Nunca aos domingos; depois trocaram experiências pessoais pela primeira
vez, sentados num banco no Bois de Boulogne. Foi quando Beate
descobriu que Serge era judeu e que seu pai tinha morrido em
Auschwitz. Para uma jovem alemã que, como ela mesma admitiu, era
muito “ignorante sobre a história do próprio país”, foi um choque.
“Fiquei surpresa e comovida, mas também, de certa maneira, meio
retraída”, comentou. “Em Berlim, eu praticamente nunca tinha ouvido
nada de positivo sobre os judeus. Por que uma complicação como aquela
ia acontecer logo comigo?”
Mas Serge não desanimou, instruindo-a com gentileza durante suas
infindáveis discussões. “Não parávamos de falar”, lembrou-se Beate. “Ele
me apresentou história, arte, um mundo de ideias.” Acima de tudo,
mostrou-lhe a história recente do seu país, “a pavorosa realidade do
nazismo”, nas palavras dela. E essa realidade era visível demais na biografia
dele.
Arno e Raissa, pais de Serge, eram judeus da Romênia que se
estabeleceram na França nos anos 1920. Arno era armênio, e Raissa vinha
de uma área de etnia russa na Bessarábia. Serge nasceu em 1935, em
Bucareste, quando os pais visitavam parentes naquela cidade. O pai se
alistou na Legião Estrangeira em 1939, lutou contra os alemães durante
sua rápida conquista da França em 1940, fugiu de um campo de
prisioneiros de guerra e ingressou na Resistência em Nice. Apesar da vida
de riscos do pai, a família não corria perigo por qualquer coisa que ele
tivesse feito, mas simplesmente por serem judeus.
Em junho de 1943, o capitão da SS Alois Brunner foi enviado à
França para supervisionar as detenções de judeus; em pouco tempo
despacharia cerca de 25 mil deles para os campos de extermínio no
Leste.5 Trabalhando em estreita colaboração com Eichmann, já tinha
realizado tarefas parecidas em sua Áustria natal e na Grécia, onde o
número de vítimas foi ainda maior. Quando Brunner começou a deter
judeus em Nice, Arno preparou um fundo falso de madeira compensada
em um armário. Nele havia espaço suficiente para toda a família se
esconder.
No começo da noite de 30 de setembro de 1943, tropas alemãs
cercaram a área onde os Klarsfelds moravam e começaram a vasculhar
apartamento por apartamento. Quando chegaram ao do vizinho, os
Klarsfelds ouviram os gritos e apelos deles, incluindo os da menina de
onze anos, que teve a temeridade de pedir que os alemães mostrassem
algum tipo de identificação. O oficial da Gestapo arrebentou o nariz dela
com a pistola, provocando mais pânico. O pai gritou pela janela
chamando a polícia francesa: “Nos ajudem! Nos salvem! Somos
franceses!”
Ao escutar tudo isso do esconderijo da família dentro do armário,
Arno tomou uma decisão rápida. Virou-se para a esposa, Serge e a filha,
Tanya, e disse: “Se os alemães nos prenderem, eu sobrevivo porque sou
forte, mas vocês, não”. Raissa tentou impedi-lo, mas ele saiu do armário
rastejando. Quando os alemães bateram à porta, Arno abriu sem hesitar.
Serge ouviu um alemão perguntar em francês: “Onde estão sua esposa e
seus filhos?” Arno respondeu que tinham ido para o campo enquanto o
apartamento era desinfetado.
Os alemães se puseram a vasculhar a casa, e um deles chegou a abrir a
porta do armário, mas apalpou as roupas sem atingir a divisória.
Posteriormente, ao documentar as detenções de judeus franceses por
Brunner e os outros, Serge escreveu: “Eu o conhecia bem, apesar de
nunca o ter visto.” Acrescentou que, naquela noite, o fundo falso de
compensado “era tudo o que havia entre nós dois”.6 Refletindo mais
tarde sobre aquele momento, Klarsfeld observou que não tinha certeza se
Brunner estivera mesmo no apartamento. “Pode ser que tenha ido lá
pessoalmente, mas eu não teria como provar”, disse, ressaltando que
Brunner trabalhava com um grupo de oficiais austríacos da SS e franceses
pagos pela Gestapo. Independentemente de quem entrou no
apartamento, foi Brunner que orquestrou as prisões, o transporte dos
prisioneiros para o centro de detenção de Drancy e, em seguida, sua
viagem só de ida para Auschwitz.
Raissa fugiu com os filhos para o Haute-Loire, a região do centro-sul
da França. Moraram em Saint-Julien-Chapteuil, vilarejo que era “um
lugar muito hospitaleiro para judeus”, segundo Serge. Talvez fosse, mas
Raissa procurou manter em segredo sua identidade judaica. Dizia que o
marido estava num campo de prisioneiros de guerra e pôs os filhos na
escola católica local. Quando achou que Nice não era mais alvo de buscas
para prender judeus, Raissa voltou com Serge e Tanya para o
apartamento da família. Mesmo assim, nunca baixou a guarda. Dizia para
os filhos: “Se os alemães vierem, vocês correm para o esconderijo, e eu
abro a porta.”
A história de Serge fez Beate refletir sobre a conclusão que deveria
tirar como alemã. Como indivíduo, não se sentia responsável pelo
nazismo, “mas, na medida em que era uma parte minúscula da nação
alemã, eu me tornei consciente das minhas novas obrigações”, narrou.
Quando ela se perguntou se não seria o caso de deixar de se considerar
alemã, Serge rejeitou a ideia no ato, dizendo que isso seria fácil demais.
“Era emocionante e também difícil ser alemão depois do nazismo”,
concluiu Beate.
Serge lhe contou também sobre Hans e Sophie Scholl, os irmãos
alemães que formaram um grupo responsável por um desesperado ato de
resistência em Munique, em 1943, distribuindo panfletos antinazistas.
Logo foram presos, condenados e guilhotinados. Para Beate, esse foi um
exemplo inspirador dos alemães que decidiram não se submeter ao
regime de Hitler. “Apesar de parecer estéril e sem sentido em 1943, a
importância daquele ato cresceu com o tempo até atingir Serge e, através
dele, me atingir”, escreveu. “Eu me via naqueles jovens.”
Porém, tudo demorou para acontecer. Serge e Beate se casaram em 7
de novembro de 1963 e começaram a trabalhar em empregos que
pareciam normais. Serge se tornou vice-diretor do Ofício de
Radiodifusão Televisão Francesa (ORTF), e Beate foi trabalhar como
secretária bilíngue na Aliança Franco-Alemã para a Juventude (OFA),
organização recém-criada que contava com o respaldo do chanceler
Adenauer e do então presidente da França, Charles de Gaulle. A ideia era
forjar novos laços em todos os níveis entre os antigos vizinhos
beligerantes.
Segundo Beate, nada havia ainda que indicasse a trajetória real que a
vida dos dois seguiria. “Tínhamos estabelecido as condições para levar
uma vida estável e ordeira, como a de milhares de jovens casais”,
comentou. Em 1965, Beate deu à luz um menino. O casal resolveu dar-
lhe o nome de Arno, em homenagem ao pai de Serge.

***

Não demorou muito para aparecerem os primeiros sinais de que os


Klarsfelds não levariam uma vida estável e comum. Beate não ocultava
suas ideias políticas cada vez mais esquerdistas, o que significava não
apenas apoiar o Partido Social-Democrata de Brandt, mas também
desafiar o tabu que impedia tratar a Alemanha Oriental como parceira
legítima. Como parte do seu trabalho na OFA, ela compilou uma lista de
associações culturais franco-alemãs para incluir em um manual que vinha
preparando destinado a au pairs alemãs. Uma das entidades que relacionou
era uma associação francesa de amizade com a Alemanha Oriental. O
editor alemão-ocidental logo recolheu a edição e refez a lista, omitindo o
que foi visto como uma menção deliberadamente provocativa. “Você
deve estar doida!”, disseram.
Além disso, ela expressava publicamente suas opiniões feministas. Num
artigo para a publicação Women in the Twentieth Century, Beate escreveu:
“Fico me perguntando o que fez com que eu e tantas outras alemãs
deixássemos nossa pátria.” Mesmo admitindo que geralmente havia razões
prosaicas, como aprender uma língua e conhecer outra cultura, ela
concluiu: “Acho que os nossos esforços revelam uma motivação mais
poderosa e quase sempre inconsciente: o desejo de ser livre.”
E redigiu o seguinte sobre o papel das mulheres em seu país natal:
“Depois da guerra, as mulheres deram uma contribuição real para a
criação de uma nova Alemanha, que acabou não sendo assim tão nova, e
na qual, agora como no passado, elas quase não desempenham papel
nenhum na política.” Também advertiu que a opinião pública “agora
passa pelo processo de dar uma perigosa guinada que mais uma vez levará
à mulher domesticada, dedicada a oferecer o máximo de conforto ao
marido e a seguir em sua função reprodutiva natural”.
Nada disso causava boa impressão em seus chefes conservadores,
subordinados a um conselho de diretores no qual havia pelo menos dois
funcionários do Ministério do Exterior que tinham sido nazistas. Quando
Beate voltou para trabalhar ao fim da licença-maternidade, em 1966, seu
cargo no departamento de informações foi extinto por “questões
orçamentárias”. Mais uma vez, ela foi designada para executar funções de
secretária, datilografando e atendendo ao telefone.
Contudo, foi um episódio muito mais importante que, ainda em 1966,
provocou a transformação de Beate de modesta funcionária criadora de
casos e com opiniões nada convencionais numa enérgica ativista
empenhada na expiação do passado nazista alemão. Naquele ano, Kurt
Georg Kiesinger se tornou chanceler, apesar de ter sido membro do
Partido Nazista desde 1933 e de ter servido na divisão radiofônica do
Ministério do Exterior durante a guerra, disseminando a propaganda
nazista.7 Em sua defesa, Kiesinger alegava ter se desiludido cedo com a
doutrina nazista, a ponto de ser denunciado por suas opiniões dissidentes.
Vozes de protesto se levantaram enquanto Kiesinger se preparava para
assumir. O filósofo Karl Jaspers declarou: “O que há dez anos parecia
impossível está acontecendo agora praticamente sem oposição.” Apesar de
admitir ser inevitável que alguns ex-nazistas assumissem altos cargos,
Jaspers prosseguiu: “Se um antigo nazista puder se tornar chefe de Estado,
é porque de agora em diante o fato de ter sido nazista não tem a menor
importância.”8
Para Beate, a ascensão de Kiesinger era uma espécie de desafio
pessoal.9 Ela pensava em Hans e Sophie Scholl, que tinham dado a vida
para protestar contra o regime de Hitler, e via nisso um exemplo de
como revidar, mesmo que as chances de êxito fossem escassas. “Antes de
qualquer coisa, é preciso ser corajoso, seguir a própria consciência,
manter os olhos abertos e agir”, disse. Quando Kiesinger fez sua primeira
visita oficial a Paris, em janeiro de 1967, ela publicou o que viria a ser
uma série de artigos no Combat, jornal de esquerda fundado pela
Resistência Francesa durante a guerra. “Como alemã, lamento a ascensão
de Kiesinger à Chancelaria”, escreveu. “A socióloga Hannah Arendt usou
a expressão ‘banalidade do mal’ falando de Eichmann. Para mim,
Kiesinger representa a respeitabilidade do mal.”
Num artigo ainda mais incendiário, Beate pregou: “Se a União
Soviética reconhecesse o perigo que Kiesinger representa para a
democracia na Alemanha no futuro e se de fato quisesse se ver livre dele,
não há dúvida de que isso seria justificável aos olhos do mundo.”
Em 30 de agosto de 1967, um mês depois da publicação do artigo,
Beate foi demitida do emprego na Aliança Franco-Alemã para a
Juventude. Ao deixar o trabalho, nenhum dos colegas foi lhe dizer adeus
ou apertar sua mão: evidentemente não queriam que os chefes achassem
que tinham qualquer coisa a ver com ela. Beate foi correndo ver Serge,
que trocara de emprego e trabalhava para a Continental Grains, empresa
multinacional de cereais. Apesar de não ter participado de protestos
públicos como Beate, ele também se tornara mais consciente da
importância do legado do pai. Em 1965, visitou Auschwitz. “Em 1965,
ninguém do Ocidente ia a Auschwitz”, comentou, décadas depois. “Mas
achei que devia manter essa ligação com meu pai.”
Serge descobriu que o pai morrera quase no mesmo momento em que
chegara ao campo.10 Golpeado por um Kapo, prisioneiro que servia aos
oficiais da SS, Arno tinha revidado. Isso lhe custara a vida.
Reconhecendo que o pai lhe deixara uma lição de coragem, ele jurou a si
mesmo que honraria a memória dos judeus mortos no Holocausto e
sempre defenderia Israel.11 Quando um conflito armado eclodiu, em 5
de junho de 1967, ele foi a Israel para oferecer ajuda. Ao chegar, a
Guerra dos Seis Dias praticamente tinha acabado, e ele não participou
diretamente, mas considerou a manifestação de solidariedade muito
importante.
Tudo isso servia de pano de fundo da crise na casa da família Klarsfeld
quando Beate foi demitida no fim de agosto. Apesar de amigos
aconselharem o casal a aceitar o que tinha acontecido e tocar a vida em
frente, Serge rejeitou essa saída. “Como posso aceitar que você seja
demitida sem fazer nenhum tipo de protesto?”,12 disse a Beate. “Você foi
a primeira mulher na França depois da guerra a falar a verdade sobre os
nazistas. Seria uma submissão da pior espécie.”

***

Os Klarsfelds iniciaram o que seria uma prolongada batalha judicial


contra a demissão de Beate. Por ter se tornado cidadã francesa, ela pediu
ajuda a altas autoridades do país, encontrando pouca simpatia. Mas a
principal intenção dos esforços dos Klarsfelds era ao mesmo tempo
demonstrar que Beate tinha toda a razão para denunciar estridentemente
Kiesinger e seu passado nazista e aumentar a pressão sobre o chanceler
alemão.
Com esse objetivo, Serge tirou uma folga do trabalho e foi a Berlim
Oriental, onde o Ministério do Interior da Alemanha Oriental lhe deu
acesso a documentos sobre o papel de Kiesinger durante o Terceiro
Reich. Ao voltar a Paris, levava uma grande pasta contendo cópias de
dados cruciais. Boa parte desse material foi usada num livro que o casal
publicou às pressas para revelar o passado nazista de Kiesinger, com ênfase
em sua função como coordenador das campanhas de propaganda nazista.
Foi o começo de uma relação com os alemães-orientais que
continuaria esporadicamente enquanto os Klarsfelds intensificavam sua
campanha para expor ex-nazistas na Alemanha Ocidental. Os detratores
os acusavam de fazer propaganda do regime da Alemanha Oriental, que
adorava ver o governo de Bonn constrangido. Beate lhes deu bastante
munição. Por exemplo, escreveu no Combat, em 2 de setembro de 1968,
que a Alemanha deveria ser reunificada “numa nação verdadeiramente
socialista, democrática e pacifista” — linguajar que repetia a retórica
alemã-oriental.13
Depois da queda do Muro de Berlim e da abertura dos arquivos da
Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, e do SED, o Partido
Comunista, surgiram novas acusações de que os Klarsfelds tinham
recebido financiamento dos alemães-orientais. “Beate Klarsfeld, Armada
pela Stasi e pelo SED”, proclamou uma manchete do jornal conservador
Die Welt em 3 de abril de 2012.
Os Klarsfelds admitiram imediatamente ter recebido ajuda da
Alemanha Oriental para juntar documentos, em especial no caso
Kiesinger. Além disso, os alemães-orientais publicaram dois livros seus
sobre os nazistas, ambos selecionados devido aos crimes que cometeram
na França durante a ocupação, e os Klarsfelds mandaram exemplares
desses livros a parlamentares e autoridades alemães-ocidentais. Essas ações
reforçaram a campanha de publicidade do casal e ajudou em suas batalhas
judiciais. “Não negamos o apoio recebido da Alemanha Oriental”, disse
Serge. Os Klarsfelds disseram, ainda, que coletaram documentos e
receberam ajuda em outros países,em particular França e Estados Unidos.
“Preservamos nossa liberdade de pensamento”, disse Serge.14
Na verdade, Beate logo descobriria que seus protestos eram menos
apreciados quando ela ia a lugares como Polônia e Tchecoslováquia, em
1970, para denunciar campanhas “antissionistas” dos governos
comunistas, que não passavam de apelos mal disfarçados ao
antissemitismo.15 Suas tentativas de protestos públicos no bloco do Leste,
incluindo acorrentar-se a uma árvore em Varsóvia e distribuir panfletos lá
e em Praga, resultaram em sua expulsão dos dois países.
Mas foi a batalha inicial para desacreditar Kiesinger que se mostrou
decisiva para elevar o ativismo dos Klarsfelds a tema de reportagens
internacionais, com Beate aparecendo no papel de agente provocador.
Não foi por acaso. Apesar de continuarem a publicar artigos denunciando
Kiesinger e de as audiências de arbitragem de Beate lhe darem
oportunidade de repetir suas alegações contra o chanceler, ela estava
frustrada com o fato de que a imprensa não parecia particularmente
interessada na cruzada do casal. “Percebi que minhas revelações teriam
pouco impacto, a não ser que eu fizesse alguma coisa tão sensacional que
os jornais quisessem noticiar”, ressaltou. Ou, nas palavras de Serge:
“Como éramos fracos, precisávamos tomar medidas drásticas.”
No caso Kiesinger, isso significava não apenas uma ação drástica, mas
também altamente arriscada. Beate reservou um bilhete de entrada para a
seção de visitantes do Parlamento alemão-ocidental usando o nome de
solteira, para não despertar suspeitas, e foi a Bonn para a sessão de 30 de
março, quando estava programado um discurso de Kiesinger. Seu plano
era simples: interrompê-lo diante de uma casa cheia de parlamentares.
Mas, uma vez dentro do parlamento, contou que teve “medo de não ter
coragem de abrir a boca”.
Entretanto superou os temores. “Kiesinger, seu nazista, renuncie!”,
gritou, o mais alto que pôde e ainda repetiu. Kiesinger parou de falar, e
os seguranças pularam em cima dela, taparam-lhe a boca e arrastaram-na
para fora da sala. Beate ficou detida numa delegacia próxima durante três
horas. Os jornais do dia seguinte mostraram-na agitando os punhos e
sendo agarrada pelos seguranças. De volta a Paris, ela ajudou a organizar
uma manifestação em frente à embaixada da Alemanha Ocidental, em
que estudantes seguravam cartazes com os dizeres “Kiesinger é nazista”.
Enquanto isso, esquerdistas da Alemanha Ocidental apareceram num
comício eleitoral berrando palavras de ordem semelhantes.
Beate se sentiu satisfeita e encorajada, decidida a fazer mais. Corria o
ano de 1968, quando manifestações teatrais, às vezes violentas, tornavam-
se cada vez mais comuns. Durante uma manifestação na Alemanha
Ocidental, ela prometeu à plateia “esbofetear publicamente o chanceler”.
Muitos dos presentes fizeram pouco do que lhes pareceu retórica vazia e
inconsequente, mas ela falava a sério.
Em novembro de 1968, os democrata-cristãos de Kiesinger realizaram
a convenção do partido em Berlim Ocidental, e Beate ficou de olho no
local da reunião. Raissa, a sogra, tentou convencê-la a desistir da missão,
advertindo-lhe que poderia ser morta. Serge concordou com o plano,
mas reconheceu os riscos. Além do mais, sabia que era impossível
dissuadi-la. Chegando a Berlim Ocidental, Beate se misturou com os
jornalistas e conseguiu um passe com um fotógrafo. Segurando um
caderno para dar a impressão de ser uma repórter, ela abriu caminho até a
frente da sala onde Kiesinger e outras altas autoridades estavam sentadas
num estrado. Depois de convencer um segurança de que queria apenas
passar por trás deles para falar com um amigo, ela se aproximou do
chanceler pelas costas. Quando Kiesinger olhou ao redor, Beate gritou
“Nazista! Nazista!” e lhe deu um tapa.
Houve tumulto. Enquanto era tirada dali, Beate ouviu o chanceler
perguntar: “É aquela Klarsfeld?” Quando ela já estava sob custódia, Ernst
Lemmer, um dos colegas democrata-cristãos de Kiesinger, quis saber por
que ela estapeara o chanceler. Quando ela respondeu que tinha sido “para
o mundo todo saber que há alguns alemães que não aceitam passar por
essa vergonha”, ele simplesmente balançou a cabeça. Aos repórteres do
lado de fora, Lemmer declarou: “Aquela mulher, que seria muito bonita
se não parecesse tão doente, é uma fêmea sexualmente frustrada.” Mais
adiante, ele escreveria uma carta com um pedido de desculpas à revista
Stern, que publicou sua declaração: “Quando fiz esse comentário, eu não
sabia que Frau Klarsfeld era casada e tinha um filho, nem que o sogro
morreu em Auschwitz.”
Beate foi condenada a um ano de prisão, mas liberada no mesmo dia.
Ela recorreu, e a sentença acabou reduzida para quatro meses, sendo
imediatamente suspensa.16 Mas a cadeia esteve longe de ser o maior risco
que Beate correu. Relembrando o episódio, Serge comentou que os
seguranças de Kiesinger “puxaram as armas, mas não puderam atirar”17
porque havia muita gente. Apesar disso, não havia garantia de que todos
eles demonstrassem autocontrole. Naquele mesmo ano, Martin Luther
King e Robert Kennedy tinham sido assassinados, por isso uma mulher
estapeando um chanceler poderia muito bem ser confundida com um
suposto assassino. “Não lhes teria custado nada acabar comigo”, admitiu
Beate.
No ano seguinte, os democrata-cristãos de Kiesinger perderam a
maioria parlamentar para os sociais-democratas liderados por Willy
Brandt, que assumiu como chanceler. “Depois de derrotado, Kiesinger
foi imediatamente esquecido”, comentou Beate, satisfeita, acrescentando
que tinha desempenhado “um papel modesto, mas tangível, nessa vitória
das forças do progresso”.
Beate não cabia em si de contentamento por ver Brandt, seu político
favorito, no poder. O novo chanceler lhe deu um indulto, pondo fim à
sentença suspensa pela bofetada em Kiesinger,18 mas nem ela nem Serge
tinham a menor intenção de abandonar a campanha para expor ex-
nazistas nem de evitar correr mais riscos no desempenho de sua missão.
Serge, que costumava ficar na linha de fundo coletando provas, seria um
parceiro à altura ao assumir a dianteira em sua perigosa aventura seguinte.

***

Por motivos óbvios, os Klarsfelds estavam particularmente empenhados


em impedir que altos oficiais da SS e da Gestapo, que tinham sido
responsáveis pela prisão e deportação de judeus da França, levassem o
resto da vida em paz. Mas, por causa dos complexos arranjos jurídicos
entre França e Alemanha, muitos deles pareciam fazer exatamente isso.19
O lado francês tinha inicialmente escrito numa cláusula que não
forneceria aos tribunais alemães fichas de alemães acusados de crimes na
França, impedindo, com isso, que fossem efetivamente julgados quando
voltassem para a Alemanha Ocidental. No começo do período do pós-
guerra, os franceses temiam que juízes alemães compreensivos, muitos dos
quais tinham servido à Justiça nazista, os deixassem escapar. Mas isso se
mostrou contraproducente. Como os alemães também tinham uma
cláusula que proibia a extradição de seus cidadãos, o resultado foi que
alemães condenados por crimes de guerra — ou suspeitos de cometê-los
— que serviram na França podiam viver sem medo de castigo depois que
voltassem para sua pátria.
Seguiu-se uma batalha judicial para alterar o acordo franco-alemão,
com os franceses dando meia volta e solicitando que fosse concedida aos
tribunais alemães jurisdição sobre aqueles que cometeram crimes de
guerra na França. Os Klarsfelds fizeram lobby em favor dessa emenda,
havia muito tempo devida, para aquele sistema disfuncional. Juntamente
com Wiesenthal e outros, eles lutaram também pela ampliação do prazo
de prescrição da lei alemã para crimes de Guerra, que, se não fosse
mudado, permitiria que inúmeros criminosos de guerra relaxassem.
Ambas as batalhas se arrastaram durante anos, mas acabaram produzindo
importantes vitórias, de início parciais, mas finalmente, em 1979, a
completa abolição do prazo de prescrição para homicídio, crimes contra a
humanidade e genocídio.20
Mas nada disso foi fácil, e um fator importante no resultado final
foram as táticas agressivas utilizadas pelos Klarsfelds na perseguição dos
criminosos. Promoveram uma campanha para expor os crimes de ex-
nazistas proeminentes, com foco, basicamente, em Kurt Lischka, Herbert
Hagen e Ernst Heinrichsohn. Como disse Serge, esses três oficiais
arcavam com grande parcela da responsabilidade pela deportação de
judeus da França.21 “A Gestapo de Paris era Lischka”, comentou
Beate22; ele era o encarregado de todo o aparelho de segurança na
França. Hagen, que tinha estreita ligação com Eichmann, era responsável
pela seção de informações da SS que tratava de assuntos judaicos, além de
ter sido encarregado da polícia na região atlântica da França.
Heinrichsohn, apesar de sua patente inferior, tinha sido especialmente
brutal com crianças.
O notável na saga desses homens é que viviam às claras na Alemanha
Ocidental, sem medo de que os crimes do passado voltassem para
atormentá-los. Beate descobriu que Lischka morava em Colônia e obteve
seu endereço e número de telefone simplesmente ligando para a central
de informações. Como ela disse ao correspondente da TV israelense na
França: “Só nas histórias policiais é que nazistas levam uma vida
clandestina na distante Patagônia, tremendo toda vez que uma porta
range.”23
Contudo, se o trio e outros em situação semelhante não viviam
olhando para trás, desconfiados, bem que deveriam. Beate preparou novo
artigo para o Combat, e a televisão israelense indicou que ficaria feliz de
fazer um filme sobre Lischka e Hagen, desde que o casal conseguisse
imagens.24 Acompanhados por um cinegrafista israelense, os Klarsfelds
estacionaram o carro em frente ao prédio de apartamentos onde Lischka
morava, em Colônia, às oito da manhã de 21 de fevereiro de 1971,
pensando em confrontar sua presa quando ele saísse. Às duas da tarde
ainda não havia sinal do homem, mas, nesse meio-tempo, Beate
telefonou para o apartamento, e sua esposa atendeu. Foi o suficiente para
confirmar que havia alguém em casa, e Beate desligou. Depois de apertar
várias campainhas de vizinhos, o grupo de ataque conseguiu entrar.
No quarto e último andar do prédio, eles encontraram com uma
mulher loura que não foi nem um pouco acolhedora. Mas, quando Beate
disse que estavam para entrevistar seu marido para a TV francesa, ela falou
lá para dentro: “Kurt, venha ver o que essas pessoas querem.”
Lischka, um homem muito alto com cabelo ralo cortado rente,
apareceu. Dando o nome de solteira, Beate se apresentou como
intérprete do jornalista francês “Herr Klarsfeld”. Pela reação, Lischka não
reconheceu o nome, mas foi cauteloso, pedindo para ver a credencial de
jornalista de Serge. Tudo tinha sido preparado, e Serge mostrou o cartão
que o Combat lhe dera.
Serge logo deixou de lado qualquer pretexto de que se tratava de uma
visita de reconhecimento. Disse a Lischka que, na sequência da assinatura
do novo tratado franco-alemão, ele estava entrando em contato com
criminosos nazistas condenados à revelia na França, e que Lischka era o
primeiro da lista. “Mas, antes de iniciarmos uma campanha contra o
senhor, queremos saber se tem algo a dizer em sua defesa”, concluiu.
De início Lischka manteve a calma, dizendo que não tinha de prestar
contas nem a ele nem a tribunais franceses. “Se eu por acaso tiver que
prestar contas a um tribunal alemão, eu farei”, acrescentou. “Não tenho
nada a dizer para o senhor.”
Serge tentou forçá-lo a admitir seu papel na perseguição de judeus
franceses, mas Lischka não permitiu que o cinegrafista filmasse. O clima
ficou muito tenso, e Beate achou que Lischka talvez quebrasse a câmera
se tentassem usá-la.
Os Klarsfelds tinham mais uma carta na manga. “O senhor teria
interesse em ver ordens que o senhor mesmo assinou?”, perguntou Serge,
comentando que aqueles documentos tinham sobrevivido em Paris e
traziam a assinatura de Lischka. Acrescentou que poderiam levá-lo a ser
julgado e condenado.
Lischka não resistiu à tentação de dar uma olhada na pilha de
documentos que Beate lhe estendeu. A esposa leu por cima de seu
ombro, a mão dele tremia visivelmente enquanto os examinava. “Sem
dúvida ele via seu passado levantar-se diante de seus olhos — um passado
que tínhamos sido os únicos a reconstruir durante horas infindáveis em
arquivos”, comentou Beate.
Em um aspecto sentido, o encontro tinha sido um fracasso: não
conseguiram filmar Lischka nem fazê-lo responder a nenhuma pergunta.
Mas fora uma primeira abordagem, e ele estava abalado.
No mesmo dia, Beate ligou para a casa de Herbert Hagen, em
Warstein, cidade duzentos quilômetros a nordeste de Colônia. Quando a
esposa de Hagen atendeu, Beate perguntou se Hagen aceitaria dar uma
entrevista a um jornalista francês. “Sem chance”, respondeu a mulher,
acrescentando: “Meu marido não entende por que vocês querem
entrevistá-lo.”
No dia seguinte, os Klarsfelds e o cinegrafista seguiram de carro para
Warstein e estacionaram a cem metros da casa, na esperança de
interceptar Hagen quando ele aparecesse. Esperaram horas e seguiram
alguém que acabou não sendo ele. Porém um homem que sem a menor
dúvida era o próprio Hagen saiu da casa para a garagem e entrou num
grande automóvel Opel. Quando o carro deixava a garagem, Beate pulou
na frente: “Herr Hagen, é o senhor?”
Hagen fez que sim com a cabeça, e então viu o cinegrafista filmando.
Parou o carro, saiu e deu a impressão de que ia atacar a câmera, mas
percebeu que isso poderia dar errado e hesitou, permitindo que Beate
dissesse que Serge era um jornalista francês que desejava fazer algumas
perguntas.
Num francês excelente, ele disse a Serge: “O senhor não tem o direito
de me filmar na frente da minha casa.” Acrescentou que não estava se
escondendo de nada. “Estive na França mais de vinte vezes depois da
guerra.”
“Uma pena que a polícia francesa não tenha percebido seu nome”,
respondeu Serge. “O senhor deveria ter sido preso.”
Quando Serge tentou lhe fazer perguntas sobre suas funções na
França, Hagen, como Lischka, respondeu que nada tinha a dizer. “Tudo
o que quero é viver em paz”, acrescentou. Mas os Klarsfelds não tinham a
menor intenção de desistir de nenhum dos dois.

***

Um mês depois, os Klarsfelds — junto com Marco, um médico e


fotógrafo que era amigo de Serge dos tempos de estudante — voltaram a
Colônia num carro alugado. Tinham combinado um plano que, se desse
certo, chamaria muita atenção para o fato de que alguém como Lischka
não pagara pelos crimes cometidos como oficial da SS na França. O
plano: sequestrá-lo. Serge levava um par de algemas; e Marco, dois
cassetetes. A operação envolveria agarrar Lischka na rua, enfiá-lo num
carro e trocar de veículo antes de voltar para a França. “Parecíamos tanto
uma tropa de choque quanto um sínodo de bispos”, comentou Beate.
Quando Lischka saltou de um bonde, a “tropa” o cercou, e Beate deu
um grito: “Venha com a gente, venha com a gente!” Ele instintivamente
andou dois passos em direção ao carro e recuou. O fotógrafo o golpeou
na cabeça com o cassetete. Lischka gritou, pedindo ajuda, e caiu no chão,
mais de medo do que qualquer outra coisa. Tudo isso atraiu atenção,
fazendo com que pessoas cercassem o grupo. Um policial mostrou o
distintivo. Nesse momento, Serge berrou: “Pra dentro do carro!” O
grupo correu, deixando Lischka para trás; só pararam de correr quando
chegaram à França.
Imediatamente Beate começou a ligar para jornais alemães. Usando
outro nome, pediu que verificassem o que tinha acontecido com Lischka.
Seu objetivo era “chamar atenção dos alemães para a impunidade de que
Lischka e seus colegas desfrutavam” — ainda que fossem parar na cadeia
por isso. No caso de Beate, foi exatamente o que aconteceu quando ela
voltou a Colônia para distribuir os documentos sobre Lischka e Hagen
aos tribunais e órgãos de imprensa alemães. Foi trancafiada, mas apenas
por três semanas. Como ocorreu com Beate em várias ocasiões, as
autoridades acabaram se dando conta de que deixá-la muito tempo atrás
das grades só chamaria mais atenção para a causa dos Klarsfelds.
Com relação a Lischka, Serge tinha planejado mais um toque
dramático. Em 7 de dezembro de 1973, dia de neve e muito frio em
Colônia, ele ficou vigiando o carro de Lischka, estacionado numa área
perto da catedral. Quando o homem apareceu, Serge encostou uma arma
entre seus olhos. O alemão ficou apavorado, convencido de que ia
morrer, mas a arma estava descarregada. Para Serge, era suficiente que sua
vítima “olhasse a morte nos olhos”. Serge escrevera uma carta ao
promotor público local dizendo que seu grupo poderia matar nazistas,
mas não tinha intenção de fazê-lo. Só queria que fossem levados a
julgamento.
Se estapear Kiesinger foi o momento mais perigoso de Beate, o de
Serge sem dúvida foi esse. Mas, décadas depois, quando perguntado sobre
o assunto, ele negou, em tom displicente, que tivesse corrido risco. “Eu
sabia que ele tinha uma arma”, admitiu, mas argumentou que Lischka
não teve tempo de sacá-la, nem conseguiria puxar o gatilho com
facilidade, por causa das luvas que usava no frio congelante. “Não achei
que corresse risco de morte”, disse.
Para os Klarsfelds, a maior satisfação foi ver que Lischka, Hagen e
outros culpados não conseguiam mais viver em paz. Como disse o jornal
social-democrata Vorwärts: “Muitos homens de meia-idade, senhores
bem-empregados, não têm conseguido dormir direito na República
Federal. Trancaram-se em seus apartamentos. Não estão em casa para
ninguém.”
Beate continuou tendo problemas com a lei e foi tida como fanática e
maluca em mais de uma ocasião. Os Klarsfelds também receberam
ameaças, e, em dois casos, bombas. Em 1972, Serge achou tão suspeito
um pacote que chegou com o rótulo de “açúcar”, especialmente quando
grãozinhos de um pó escuro começaram a vazar, que alertou a polícia. O
esquadrão antibomba de Paris confirmou que se tratava de dinamite e
outros explosivos. Em 1979, uma bomba-relógio destruiu o carro de
Serge no meio da noite.
Ainda que lentamente, o caso contra Lischka, Hagen e Heinrichsohn
ganhou ímpeto. Os três homens acabaram submetidos a julgamento em
Colônia, e, em 11 de fevereiro de 1980, o tribunal decidiu que eram
culpados de cumplicidade na deportação de 50 mil judeus da França para
a morte.25 Tinham “compreendido total e completamente”26 o destino
que aguardava suas vítimas, declarou o juiz. Hagen foi condenado a doze
anos de prisão; Lischka, a dez; e Heinrichsohn, a seis. Não era a duração
da sentença que importava, era o fato de eles terem sido julgados e
condenados. E não há dúvida de que os Klarsfelds, com toda a sua
agitação e teatralidade, é que fizeram isso acontecer.
***

Em 1934, quando a aviação ainda era novidade em muitas partes do


mundo, o capitão da Força Aérea letã Herbert Cukurs se tornou herói
nacional da noite para o dia ao voar da sua Letônia natal para a costa
ocidental da África num pequeno biplano projetado por ele mesmo.27
Aclamado como o “Lindbergh báltico”,28 Cukurs recebeu carinhosa
cobertura da imprensa local ao embarcar em novos voos para o Japão e a
Palestina britânica. Voltando desta última jornada, fez uma palestra para
uma plateia lotada num clube judaico em Riga. O historiador Yoel
Weinberg, ainda estudante quando assistiu à palestra, disse: “Lembro que
Cukurs falava com admiração, assombro e até entusiasmo do
empreendimento sionista em Israel (...) As histórias de Cukurs
incendiaram a minha imaginação.”29
Porém Cukurs era um nacionalista fervoroso e, no fim dos anos 1930,
ingressou numa organização fascista chamada Cruz do Trovão (o
equivalente à suástica no contexto letão).30 A União Soviética anexou os
Países Bálticos no começo da Segunda Guerra Mundial, parte da divisão
do espólio entre Hitler e Stalin nos termos do Pacto Molotov-
Ribbentrop, que na prática os tornou aliados entre1939 e 1941. Os
exércitos de Hitler, ao invadirem a União Soviética em junho de 1941,
rapidamente marcharam para os Países Bálticos. Na Letônia, o major
Victor Arajs, antigo oficial da polícia letã, encabeçou uma unidade
chamada Comando Arajs, formada por voluntários de grupos de
extrema-direita ansiosos para ajudar os novos ocupantes. Seu vice-
comandante era Cukurs. Imediatamente eles se puseram a arrebanhar,
espancar e matar judeus.
Depois da guerra, sobreviventes dessas ações testemunharam perante
uma comissão de crimes nazistas nos Países Bálticos, e muitos se
lembravam vividamente do papel de Cukurs.31 Segundo Raphael Schub,
ele “iniciou a aniquilação dos judeus de Riga” no começo de julho.
Junto com seus homens, reuniu trezentos judeus letões na Grande
Sinagoga, ordenando-lhes que “abrissem a arca sagrada e espalhassem os
rolos da Torá pelo chão” enquanto se preparavam para incendiar o prédio.
Como os judeus se recusaram a obedecer, “Cukurs os surrou
barbaramente”. Seus homens então derramaram gasolina no chão,
postaram-se perto das saídas e atiraram uma granada. Quando a sinagoga
pegou fogo, os judeus tentaram escapar, mas os homens de Cukurs
atiravam em qualquer um que tentasse sair. “Os trezentos judeus que
estavam lá dentro, entre eles muitas crianças, morreram queimados”,
concluiu Schub.
Abraham Shapiro, que tinha dezesseis anos na época, estava em casa
quando Cukurs apareceu, anunciando que precisaria do apartamento para
uso pessoal. Obrigou todo mundo a sair e prendeu o chefe da família,
que foi logo executado. Shapiro foi mandado para o quartel da polícia
letã, onde cerca de cem celas minúsculas estavam abarrotadas de
prisioneiros judeus. Em muitas ocasiões, Shapiro viu Cukurs e seus
homens fazerem judeus entrar em caminhões. Era tarefa de Shapiro e de
outros colocar pás e enxadas nos veículos, que voltavam vazios poucas
horas depois. “As pás ficavam sujas de poeira e terra e com manchas de
sangue”, disse em depoimento.
Posteriormente, os alemães detiveram cerca de 10 mil judeus e os
levaram para a mata, onde foram fuzilados. David Fiszkin, outro
sobrevivente, declarou em depoimento que Cukurs acompanhava os
judeus na marcha para a mata, guiando a última fila da coluna e atirando
em quem ficasse para trás. “Quando uma criança chorava, Cukurs a
arrancava dos braços da mãe e a matava a tiro”, contou. “Eu o vi matar
dez crianças e bebês com meus próprios olhos.”
Por ter sido uma celebridade na Letônia antes da guerra, Cukurs era
identificado com facilidade pelos sobreviventes, ao contrário de outros
casos, em que com frequência um assassino era confundido com outro.
Sua unidade foi responsável pela morte de cerca de 30 mil judeus, e ele se
tornou conhecido como o “Carrasco de Riga”. Mas, depois da guerra,
fugiu da Europa e foi parar no Brasil, em São Paulo, onde passou a operar
uma marina e continuou pilotando os próprios aviões. Durante quase
duas décadas, desfrutou uma vida confortável ao sol. Acreditava tanto que
o passado tinha ficado para trás que nem mudou de nome. Cukurs sabia
como Eichmann tinha acabado, é claro, mas, em comparação com o
outro, ele era “um assassino sádico de nível inferior”, como diria um
escritor israelense, o que o fez supor que não estaria na lista de
prioridades de nenhum caçador de nazistas.32
Em 23 de fevereiro de 1965, Cukurs chegou a Montevidéu, no
Uruguai, para um encontro com Anton Kuenzle, empresário austríaco
com quem recentemente fizera amizade em São Paulo.33 Kuenzle
buscava novas oportunidades de investimento na América do Sul e
recrutara Cukurs como sócio. O plano consistia em estabelecer um
escritório temporário em Montevidéu, e Kuenzle queria mostrar a
Cukurs uma casa que poderia servir.
Kuenzle seguiu para a casa com Cukurs logo atrás. Quando Cukurs
entrou na penumbra, Kuenzle trancou a porta atrás dele. Nesse
momento, vários homens trajando apenas roupas íntimas pularam em
cima do letão. Ele percebeu de imediato o que se passava e, apesar de ter
quase 65 anos, “lutou como um animal ferido”, recordou-se Kuenzle.
“O medo da morte lhe deu uma força incrível.” Porém um dos agressores
lhe deu uma martelada no crânio, espirrando sangue para todos os lados.
E outro o liquidou, apontando um revólver para sua cabeça e dando dois
disparos.
Na verdade, “Kuenzle” era Yaakov Meidad, mestre do disfarce e um
dos integrantes do grupo do Mossad que sequestrara Eichmann, cinco
anos antes; na época, mudando de aparência constantemente, alugara
esconderijos e carros em Buenos Aires e comprara os suprimentos
necessários. Dessa vez, Meidad posou de empresário austríaco para
conquistar a simpatia de Cukurs e atraí-lo para a armadilha que tinha
preparado. Os colegas do Mossad usaram apenas peças íntimas para que
suas roupas não estivessem empapadas de sangue quando saíssem. Acabou
sendo uma sábia precaução.
Os israelenses enfiaram o grande corpo de Cukurs no porta-malas de
um carro alugado com essa finalidade. Antes de fechar o porta-malas,
colocaram uma folha de papel em seu peito com a seguinte mensagem
em inglês:
VEREDICTO
Considerando a gravidade dos crimes dos quais HERBERT CUKURS é acusado,
notavelmente sua responsabilidade pessoal pela morte de 30 mil homens, mulheres e crianças,
e considerando a crueldade terrível demonstrada por HERBERT CUKURS na prática desses
crimes, condenamos o referido à morte.

Foi executado em 23 de fevereiro de 1965.


Assinado: “aqueles que jamais esquecerão”

Saindo do Uruguai, Meidad e seu grupo ficaram esperando que a


imprensa noticiasse a descoberta do corpo de Cukurs. Como nada
aconteceu por vários dias, avisaram a agências de notícias na Alemanha
Ocidental, dando até o endereço da cena do crime. A notícia saiu em
jornais do mundo inteiro, que mencionavam o fato de que o misterioso
grupo responsável se identificava como “aqueles que jamais esquecerão”.
Como afirmou o The New York Times, “como o caso Eichmann, o caso
Cukurs teve seus lances de capa e espada”.34
Contudo, para a maior parte da imprensa, aquela era notícia de um dia
só, sem continuação. Fora da Letônia, Cukurs não chegava a ser um
nome tão familiar como o de Eichmann, e, é claro, não houvera um
julgamento que tornasse ele e seus crimes, mais amplamente conhecidos.
Ainda hoje, em Israel, muita gente não sabe dessa operação do Mossad, a
única deflagrada por uma decisão oficial de assassinar um dos executores
do Holocausto.
Então por que Cukurs foi escolhido? Cometeu crimes horríveis,
porém não mais do que outros inúmeros assassinos que, na época, ainda
levavam vidas sossegadas. Em 1997, Meidad finalmente publicou um livro
em hebraico narrando minuciosamente a missão Cukurs; uma edição
britânica apareceu em 2004 com o título The Execution of the Hangman of
Riga: the Only Execution of a Nazi War Criminal by the Mossad [A execução
do “Carrasco de Riga”: a única execução de um criminoso de guerra
nazista pelo Mossad] . Ainda assim, ele tomou a precaução de escrever
usando o nome Anton Kuenzle. A maioria dos leitores só descobriu seu
nome verdadeiro ao ler seu obituário, por ocasião de sua morte, em 30 de
junho de 2012.35
No livro, Meidad conta sua primeira conversa com o oficial superior
do Mossad que lhe deu a tarefa. O homem, que ele só identificou pelo
primeiro nome, Yoav, lhe disse que o governo estava apavorado com a
possibilidade de que os prazos de prescrição da Alemanha Ocidental
permitissem que os criminosos escapassem, uma vez que o resultado do
debate sobre a ampliação desses prazos ainda era incerto. Comentou
também que o sequestro e o julgamento de Eichmann, quatro anos antes,
tinham “despertado a consciência pública no mundo inteiro sobre os
horrores do nazismo, mas parece que o forte impacto (...) está perdendo
efeito”.36
Yoav afirmou que era obrigação dos israelenses “conter essa tendência
geral”. O êxito na operação Cukurs, acrescentou, “incutiria o medo da
morte no coração de dezenas de milhares de criminosos de guerra
nazistas (...) Eles não podem ter só um momento de paz e tranquilidade
até seu último dia na terra!”. Apesar de reconhecer que Israel não tinha
recursos para ir atrás de muitos desses criminosos, Cukurs serviria de
exemplo para assassinos de nível mais baixo.
São explicações plausíveis, mas não necessariamente completas. Rafi
Eitan, cabeça do grupo que executou o sequestro de Eichmann, mas que
não esteve envolvido na operação Cukurs, assinalou, durante nosso
encontro em 2013: “Para matar um homem é mais fácil atirar nele de
longe. Não há necessidade de montar uma operação.”37 O fato de que o
Mossad decidiu mandar agentes para matá-lo bem de perto, a fim de que
soubesse o que estava acontecendo, sugeria a existência de “ambição
pessoal”, acrescentou Eitan. Com isso, ele queria dizer que algum
mandachuva talvez tivesse contas a acertar pessoalmente com Cukurs.
Só depois que Cukurs foi morto é que Meidad soube que um dos
integrantes do seu grupo de assassinato tivera uma grande família em
Riga. “Todos foram mortos por Cukurs e seus homens”, comentou
Meidad.38 Mas um membro subalterno da sua equipe não poderia ter
participado da decisão de ir atrás do Carrasco de Riga. A persistente
pergunta sobre a tomada de decisão que deflagrou esse episódio singular
jamais foi respondida a contento.
Porém, há um pós-escrito recente. Em 2014, plateias letãs foram
apresentadas a um musical sobre Cukurs. Embora houvesse uma breve
cena, no fim do espetáculo, na qual ele era cercado por pessoas gritando
“assassino”,39 a produção centrava-se nele como celebridade da aviação
antes da guerra. Como Cukurs nunca foi a julgamento, sustentava o
produtor Juris Millers, “ele ainda é inocente, se olharmos do ponto de
vista do sistema judicial. Algumas pessoas declaram em depoimento que
ele era um assassino, e outras dizem que era um herói”.40
O Conselho Letão para Judeus, Israel, a Rússia e outros não
demoraram a denunciar a peça como a absolvição de um assassino em
massa. “Não pode haver tolerância com qualquer tentativa de transformar
um criminoso hediondo em herói do povo”, declarou um porta-voz do
Ministério do Exterior de Israel.41 O governo letão, que rejeitara
esforços da família de Cukurs para reabilitá-lo, não fez segredo da sua
insatisfação. Com a ressalva de que o compromisso do país com a
liberdade de expressão significava que ele não poderia tentar proibir a
produção, o ministro do Exterior, Edgars Rinkevics, disse: “Ser membro
do Comando Arajs não é motivo para comemoração. Que aqueles que
assistirem julguem por si a produção; mas a posição do governo é a de
que não é de bom gosto.”42
Muitos letões aplaudiram entusiasticamente as representações,
preferindo recordar Cukurs como o aviador popular dos anos 1930 e
ignorar sua atividade assassina posterior. Nesse sentido, Yoav, o oficial do
Mossad que instruiu Meidad sobre sua missão, estava certo: quando se
trata do Holocausto, a memória costuma ser curta e perigosamente
seletiva.
Os caçadores de nazistas sempre tiveram consciência disso. Para os que
se recusavam a desistir de lutar, aquilo era apenas mais um motivo para
seguir em frente.
CAPÍTULO DOZE

“CIDADÃOS MODELOS”
“Para a polícia e para a imprensa, ele é um velho chato e incômodo, com um
arquivo repleto de fantasmas; matem-no, e serão responsáveis por transformá-
lo num herói negligenciado, com inimigos vivos ainda a serem capturados.”1
DR. JOSEF MENGELE, O “ANJO DA MORTE” DE
AUSCHWITZ, FALANDO A RESPEITO DO PERSONAGEM
INSPIRADO EM SIMON WIESENTHAL NO BEST-SELLER
OS MENINOS DO BRASIL, DE IRA LEVIN.

Entre os muitos mitos criados em torno dos caçadores de nazistas, não há


nenhum mais equivocado do que a imagem que apresenta Wiesenthal
como um vingador cujo maior desejo é ver-se frente a frente com sua
presa, se necessário, indo pessoalmente atrás de fugitivos nazistas até os
mais remotos esconderijos na América do Sul. Tal como foi retratado por
Laurence Olivier no filme Os meninos do Brasil, de 1978, o personagem
de Wiesenthal alcança Mengele (representado por Gregory Peck) numa
fazenda em Lancaster, na Pensilvânia, seguindo-se uma batalha de vida ou
morte. Quando Olivier solta os cachorros — literalmente os famosos
dobermanns — para assegurar a vitória, a imagem popular de Wiesenthal
perde qualquer relação com a realidade; a partir de então, ele é visto
como uma mistura do detetive Columbo com o emblemático espião
James Bond...
Wiesenthal é um pouco responsável por essas ideias equivocadas.
Publicou seu Ich jagte Eichmann [Eu cacei Eichmann] em 1961, quando o
chefe do Mossad, Isser Harel, não poderia reivindicar o crédito pelo
sequestro nem explicar que pistas tinham sido decisivas para o êxito da
operação. Apesar das ressalvas de Wiesenthal de que foi apenas uma peça
num mosaico de pessoas que deram pequenas contribuições para a
captura de Eichmann, na verdade ele se deliciava com a fama crescente.
Isso o ajudou a recuperar-se do fechamento do seu Centro de
Documentação em Linz, em 1954. Em 1º de outubro de 1961, ele
inaugurou seu novo Centro de Documentação em Viena, com a ajuda da
comunidade judaica local.2
Wiesenthal ganhou novo fôlego, continuando a demonstrar um raro
tino para a autopromoção, que incluía colaborar de vez em quando com
os que transformaram a saga dos fugitivos nazistas e dos caçadores de
nazistas em componentes básicos da cultura popular. Frederick Forsyth o
procurou para criar o pano de fundo de O dossiê Odessa, seu best-seller de
1972 que foi transformado em filme dois anos depois, dizendo-lhe que se
inspirara num capítulo de seu livro de memórias de 1967 The Murderers
Among Us [Os assassinos entre nós].3 Wiesenthal ficou muito feliz por
poder ajudar. Chegou a convencer Forsyth a calcar o vilão numa pessoa
de verdade: Eduard Roschmann, austríaco que fora comandante do
Gueto de Riga. Como o letão Herbert Cukurs, era conhecido pela
brutalidade.
Depois da guerra, Roschmann fugiu para a Argentina, mas o livro e o
filme aumentaram a pressão por sua captura e extradição. “Roschmann se
tornou o homem perseguido retratado no filme”,4 comentou
Wiesenthal, muito satisfeito. O ex-nazista fugiu para o Paraguai em 1977,
morrendo de ataque cardíaco duas semanas depois. No filme, há um fim
ainda mais catártico: ele é capturado e morto.
Wiesenthal dizia ter sido convidado, por uma soma considerável, para
representar a si próprio no filme, “mas não quis me envolver a esse ponto
com a indústria do entretenimento”.5 Apesar disso, a indústria do
entretenimento parecia jamais se fartar dele e, numa caracterização
recente, quase conseguiu capturar a ambivalência de Wiesenthal e o
prazer irônico que lhe causava a forma como o retratavam. Na
publicidade da peça Wiesenthal, de 2014, apresentada fora do tradicional
circuito da Broadway e escrita por Tom Dugan, que também estrelou esse
monólogo, o caçador de nazistas é descrito como “o James Bond judeu”.
Rindo, Wiesenthal de Dugan descarta essa noção. “Minhas armas são a
persistência, a publicidade e o trabalho administrativo”, dizia à plateia. O
que era a pura verdade.
Porém, apesar de tirar proveito e ao mesmo tempo zombar de sua
imagem, Wiesenthal também defendia sua reputação de importante
caçador privado de nazistas — e ignorava, ou pelo menos mantinha à
distância quem ousasse competir com ele nesse sentido. Tuvia Friedman,
que abrira o primeiro Centro de Documentação em Viena depois da
guerra, mas se mudara para Israel em 1952, claramente não gostava de ser
ofuscado por Wiesenthal, principalmente na esteira do sequestro de
Eichmann. “Você é o grande caçador de nazistas, e eu sou um
cachorrinho”, escreveu-lhe Friedman. Tom Segev, biógrafo de
Wiesenthal, disse que seu biografado tratava Friedman “como um primo
pobre” que cometera o erro fatal de mudar-se para Israel, onde suas
atividades atraíam cada vez menos atenção.6
Wiesenthal se manteve determinado a permanecer em Viena, mesmo
depois que um grupo, do qual fazia parte um ex-nazista fugido da prisão,
plantou uma bomba na entrada do prédio onde ele morava, em 11 de
julho de 1982.7 O artefato explodiu, causando estragos no edifício e
destruindo janelas na casa ao lado, mas ninguém foi ferido. Apesar de as
autoridades vienenses colocarem guardas em seu escritório e em sua casa
para proteção, ele continuou a rechaçar qualquer sugestão de que o
incidente e as mensagens de ódio que chegavam pelo correio talvez
fossem boas razões para que ele finalmente se mudasse para Israel. “Não,
ainda estou caçando jacarés e tenho que viver no pântano”,8 disse a um
advogado americano, com seu sorriso irônico característico.
Serge Klarsfeld, um dos caçadores de nazistas mais jovens que tinham
admirado Simon Wiesenthal, fez questão de visitá-lo pela primeira vez
em Viena em agosto de 1967. Para o francês, então com 31 anos, foi uma
surpresa Wiesenthal não “estar abalado” com o fato de Kiesinger, antigo
propagandista nazista, ser o chanceler alemão naquela época.9
Posteriormente, Wiesenthal reprovaria o famoso tapa dado por Beate
Klarsfeld em Kiesinger, bem como outros protestos dramáticos dos
Klarsfelds. “Não tínhamos a mesma opinião sobre como agir com relação
aos alemães nem os mesmos métodos”, concluiu Serge. “Enquanto
Wiesenthal mantinha boas relações com os líderes alemães, nós íamos
parar na cadeia.”10
Serge era da opinião — e continua sendo — que Wiesenthal merece
grande reconhecimento por ter insistido na luta para levar os nazistas à
Justiça durante os anos 1950 e o começo dos anos 1960, quando tantos
deles acabavam libertados ou nem sequer eram perseguidos. Mas ele e
Beate não demoraram a se desentender com o outro caçador de nazistas.
Além de lamentar suas táticas de confronto aberto — que Beate, em
particular, continuou empregando em viagens à América Latina para
exigir que nazistas fossem levados à Justiça e protestar contra regimes de
direita da região —, Wiesenthal não tinha simpatia pelo esquerdismo
político do casal.
Wiesenthal era conservador tanto em seu estilo pessoal como em suas
opiniões políticas, além de decididamente anticomunista, denunciando o
regime comunista polonês por “usar o antissemitismo exatamente da
mesma forma que vem sendo usado há séculos: para desviar a atenção da
sua incompetência e dos seus crimes”.11 Costumava acusar os comunistas
poloneses e o Kremlin de espalharem informações maldosas e falsas a seu
respeito, incluindo documentos forjados que o acusavam de tudo, desde
colaborar com os nazistas até trabalhar para os israelenses e a CIA.12
Beate, por outro lado, orgulhava-se dos louvores que recebia
regularmente do governo e da imprensa da Alemanha Oriental e escrevia
artigos para um semanário alemão-ocidental pró-comunista, embora ela
também protestasse contra o uso de propaganda antissemita por regimes
comunistas.
Essas diferenças levariam a uma tensão crescente entre os caçadores de
nazistas nos anos vindouros.

***

Desde o início, Wiesenthal achava que sua missão era tanto educar a
geração seguinte como buscar certa dose de justiça para os milhões de
vítimas da sua própria geração. Os dois objetivos se entrelaçavam, bem
como os métodos para alcançá-los. A revelação e, na melhor das
hipóteses, a captura e o julgamento de antigos nazistas forneciam provas
capazes de rebater esforços empreendidos no pós-guerra para dar pouca
importância aos horrores do Terceiro Reich ou até mesmo negá-los por
completo. Em alguns casos, a mera revelação — na verdade, a
personalização de ações que, do contrário, pareceriam imensas e abstratas
demais para causar impacto — já bastava para fazer Wiesenthal sentir que
obtivera uma vitória genuína, ainda que a proeza não tivesse
consequências jurídicas.
O exemplo mais dramático foi seu esforço para encontrar o oficial da
Gestapo que prendeu Anne Frank. Em outubro de 1958, quando
Wiesenthal ainda morava em Linz, o Landestheater encenou O diário de
Anne Frank.13 Um amigo ligou para lhe dizer certa noite que fosse ao
teatro assistir a uma clara demonstração de antissemitismo. Chegando ao
teatro logo depois que a peça terminou, Wiesenthal soube que
adolescentes provocadores tinham gritado “Traidores! Bajuladores!
Inventores de histórias!”.14 Além disso, espalharam panfletos no teatro,
alegando que a famosa menina que escreveu o diário nunca tinha
existido: “Os judeus inventaram essa história toda para conseguir mais
indenizações. Não acreditem numa palavra disso. É tudo pura
invenção.”15
Wiesenthal via aquilo como parte de um esforço mais amplo de
antigos nazistas e simpatizantes para desacreditar o livro imensamente
popular que personalizava o Holocausto de uma forma que lhes parecia
ameaçadora. Tentavam “envenenar a mente” da geração mais jovem. Dois
dias depois, quando ele e um amigo estavam sentados num café, falando
sobre o incidente, viram alguns estudantes de ensino médio conversando
na mesa ao lado. O amigo de Wiesenthal perguntou a um deles o que
achava de toda aquela polêmica, e o rapaz repetiu a alegação de que Anne
Frank não existia de verdade.
“Mas e o diário?”,16 perguntou Wiesenthal. O rapaz respondeu que
podia muito bem ser forjado, e não era prova da existência de Anne
Frank. Ele também não se deixou convencer pelo fato de Otto Frank, pai
de Anne e único sobrevivente da família, ter declarado em depoimento
que a Gestapo os prendera e que isso resultara na deportação de todos
para Auschwitz. (Mais tarde, Anne e a irmã mais velha, Margot, foram
transferidas para Bergen-Belsen, onde morreram quando a guerra já
estava no fim. Anne tinha apenas quinze anos.)
Finalmente, Wiesenthal perguntou ao rapazinho se ele ficaria
convencido se ouvisse o que aconteceu da boca do oficial que executara a
prisão. “Ok, se ele mesmo admitir”, respondeu o rapaz, convencido de
que aquilo jamais aconteceria.
Wiesenthal tomou aquilo como um desafio. Durante anos, não
conseguiu avançar nada, mas um apêndice do diário da jovem
mencionava um ex-empregado da firma de Otto Frank que tinha ido à
sede da Gestapo depois que a família foi presa para tentar ajudá-la. O
homem se lembrava de ter falado com o oficial que executara a prisão,
um sujeito da SS proveniente de Viena cujo nome começava com
qualquer coisa “Silver”. Wiesenthal deduziu que deveria ser “Silber” em
alemão. Encontrou vários “Silbernagels” no catálogo telefônico de Viena
que tinham pertencido à SS, mas não era nenhum deles.
A descoberta ocorreu numa visita a Amsterdã, em 1963. Um policial
holandês lhe deu uma fotocópia da lista telefônica da Gestapo na Holanda
em 1943, contendo trezentos nomes. Durante o voo de volta para Viena,
lendo a lista, ela encontrou sob um título que dizia “IV B4, Joden
(judeus)”, ele encontrou o nome “Silberbauer”. Sabendo que quase todos
os oficiais daquele departamento eram policiais, Wiesenthal entrou em
contato com um funcionário do Ministério do Interior, que prometeu
que fariam uma investigação. E fizeram, mas sem revelar que Karl
Silberbauer, o oficial que admitiu ter prendido Anne Frank, ainda
trabalhava na polícia de Viena. Silberbauer foi suspenso de suas funções,
mas o Volksstimme, o jornal do Partido Comunista austríaco, entrou na
história depois que Silberbauer se queixou a um colega de estar “tendo
um probleminha por causa de Anne Frank”. A Rádio de Moscou
também alardeou a história.
Wiesenthal não conseguiu que ninguém movesse uma ação contra
Silberbauer, mas seus esforços foram recompensados quando outros
jornalistas entraram em cena. Avisado por Wiesenthal, um repórter
holandês foi entrevistar Silberbauer em Viena. “Por que vocês resolveram
me atormentar depois de tantos anos?”, queixou-se o antigo oficial da SS.
“Apenas cumpri o meu dever.” O repórter quis saber se ele se arrependia
do que fez. “Claro que me arrependo”, respondeu. “Às vezes me sinto
humilhado.” Por quê? Porque tinha sido suspenso da força policial e
perdera o privilégio de andar de bonde de graça; passara a ter que pagar a
passagem, como todo mundo.
O repórter lhe perguntou se tinha lido o diário de Anne Frank.
“Comprei o livrinho na semana passada para ver se apareço nele”,
respondeu Silberbauer. “Mas não me vi lá.” Aparentemente não lhe
ocorrera que o fato de ele ter prendido a autora significava que ela nunca
mais teria oportunidade de escrever.
Silberbauer só ficou conhecido por causa de sua vítima famosa, mas
não passava de um funcionário menor do Terceiro Reich. Como tantos
outros que despacharam para a morte pessoas menos famosas, ele jamais
pagou por suas ações. Wiesenthal teria gostado de ver algo mais do que
seu simples desmascaramento público, mas as autoridades não estavam
interessadas em mover uma ação contra ele.
Apesar disso, Wiesenthal tinha muitas razões para se sentir justificado.
Até hoje, o diário de Anne Frank é um dos mais poderosos testemunhos
do Holocausto, instruindo sucessivas gerações de estudantes. Os esforços
para desacreditá-lo não deram resultado. Nem mesmo o mais ardoroso
simpatizante do nazismo poderia desmentir o depoimento direto de um
antigo oficial da SS que não via nada de errado no que tinha feito.

***

Mais tarde, Wiesenthal contou, em suas memórias, Justiça não é vingança,


que num dia de janeiro de 1974 estava sentado no terraço do Café Royal,
em Tel Aviv, quando um mensageiro avisou que alguém lhe esperava ao
telefone.17 Ao voltar para a mesa, encontrou três mulheres em seu lugar.
Ia pegar a revista que tinha deixado lá e procurar outro lugar quando uma
das mulheres se levantou e pediu desculpas em polonês por ter se sentado
ali. “Mas, quando ouvimos seu nome pelo alto-falante, resolvemos falar
com o senhor”, disse. “Nós três somos de Majdanek. Por isso achamos
que devíamos lhe perguntar. O senhor deve saber o que aconteceu com
Kobyla.”
Kobyla era o termo polonês para “égua”, mas Wiesenthal não sabia de
quem ou de que ela estava falando.
“O senhor me desculpe, mas sempre achamos que todo mundo
soubesse quem era Kobyla”, acrescentou ela. E explicou que era o
apelido de uma guarda austríaca especialmente temida pelo hábito de
chutar as prisioneiras e abusar do uso de um chicote que trazia consigo
sempre que um novo carregamento de prisioneiros chegava. Seu nome
verdadeiro era Hermine Braunsteiner.
A mulher que falava com Wiesenthal foi ficando cada vez mais agitada
ao narrar um incidente. “Jamais esquecerei aquela criança... era uma
criança pequena, compreende?” Quando um prisioneiro com uma
mochila nas costas passou por ela, Hermine Braunsteiner lhe deu uma
chicotada. Uma criança escondida na mochila começou a chorar.
Hermine mandou o homem abrir a bolsa, e a criança saiu correndo, “mas
Kobyla correu atrás, agarrou-a com tanta força que a coitadinha gritou, e
a acertou com um tiro...” As palavras da mulher deram lugar a soluços.
As companheiras se juntaram para contar outras histórias de horror.
Quando os carregamentos de prisioneiros chegavam, mães se agarravam
aos filhos para impedir que os caminhões os levassem para as câmaras de
gás, e Hermine os apartava. Junto com outras guardas igualmente brutais,
ela fazia questão especial de aterrorizar meninas. “Chicoteava-as no
rosto”, contou uma das mulheres. Não lhes bastava mandar as meninas
para as câmaras de gás; antes Hermine e as colegas tinham que
atormentá-las.
O Exército Vermelho chegou à cidade polonesa de Lublin e libertou
Majdanek em julho de 1944, e, no fim de novembro, os guardas e
funcionários da SS ali capturados foram levados a julgamento, resultando
em oitenta condenações. Depois da conversa com as mulheres em Tel
Aviv, Wiesenthal foi verificar se Hermine Braunsteiner estava entre eles,
mas não a encontrou na listagem. Contudo, descobriu que ela havia sido
presa no estado de Caríntia, no sul da Áustria, em 1948, e julgada em
Viena pelo tratamento brutal, incluindo chutes e chicotadas, que
dispensara às prisioneiras quando servia como guarda em Ravensbrück,
outro campo de concentração. Seu serviço em Majdanek merecera apenas
uma breve menção. Fora condenada a “meros três anos de prisão”,
comentou Wiesenthal.18
Isso significava que Hermine teria sido solta fazia mais de uma década,
e Wiesenthal decidiu tentar encontrá-la. Seu último endereço conhecido
era em Viena, em 1946, por isso ele foi checar se os antigos vizinhos
sabiam do seu paradeiro. O primeiro vizinho bateu a porta em sua cara
quando ele explicou quem era a pessoa que procurava, mas outra vizinha,
uma mulher de idade que conhecera a família, disse que não conseguia
acreditar nas acusações contra Hermine Braunsteiner, de quem ela se
lembrava como uma menina sempre “lindamente vestida” quando ia para
a igreja aos domingos. A mulher não sabia para onde a ex-carcereira tinha
ido depois de solta, mas conhecia os nomes e endereços de alguns
parentes dela em Caríntia.
Reconhecendo que provavelmente os parentes de Hermine não
confiariam nele, Wiesenthal pediu ajuda a um dos jovens austríacos que o
tinham procurado fazia pouco tempo em seu escritório para lhe oferecer
seus préstimos. Richard, como Wiesenthal o chamava, admitia sem
rodeios que vinha de uma família antissemita e que o pai tinha morrido
em combate, em 1944, lutando pelo Terceiro Reich. Porém o rapaz
estava convencido de que o pai não teria concordado com os assassinatos
em massa. Não foi por acaso que vários jovens com esse perfil ofereceram
ajuda a Wiesenthal depois que o julgamento de Eichmann elevou o nível
geral de consciência sobre o Holocausto. “Gente como Richard dá a
gente como eu a certeza de que fazia sentido sobreviver e permanecer na
Áustria”, comentou Wiesenthal.
Richard viajou para Caríntia e, seguindo o plano traçado por
Wiesenthal, conseguiu conquistar a simpatia dos parentes de Hermine
Braunsteiner. Ele lhes contou que um tio seu havia sido injustamente
condenado e sentenciado a cinco anos, o que levou os parentes a dizerem
que o caso dela era parecido. Richard descobriu que, depois de sair da
prisão, “Kobyla” tinha se casado com um americano e ido morar em
Halifax. Um sobrevivente de Auschwitz naquela cidade canadense
informou a Wiesenthal que Hermine e o marido, um tal sr. Ryan,
tinham acabado de se mudar, dessa vez para Maspeth, no Queens, em
Nova York.
Simon Wiesenthal sabia que, até então, os Estados Unidos não tinham
julgado nem extraditado nenhum nazista estabelecido em seu território,
então deduziu que ela ainda estava lá — ou que poderia ser encontrada.
Nesse ponto resolveu transmitir tudo o que descobrira para Clyde A.
Farnsworth, correspondente do The New York Times que, havia pouco
tempo, escrevera um perfil seu intitulado “O Detetive com Seis Milhões
de Clientes”.19 Farnsworth repassou a informação imediatamente para a
matriz.
Os editores na Times Square designaram Joseph Lelyveld, novo
repórter da editoria geral, para cobrir a história. Segundo Lelyveld, a
mensagem que recebeu trazia a informação de que Hermine
Braunsteiner, que passara a ser conhecida como sra. Ryan, morava no
bairro operário de Maspeth, mas não havia endereço completo.
Wiesenthal alegou ter fornecido o endereço. De qualquer maneira,
Lelyveld sabia que sua missão era localizar “uma notória guarda de campo
de extermínio e criminosa de guerra condenada”, seguindo uma pista
“do renomado caçador de nazistas em Viena”.20
Como não sabia o primeiro nome do marido de Hermine
Braunsteiner, Lelyveld anotou todos os Ryans que figuravam no catálogo
telefônico do Queens com endereços em Maspeth. Esperava passar um
longo dia apertando campainhas, mas a primeira sra. Ryan descobriu logo
quem ele estava procurando quando perguntou a respeito de uma mulher
que tinha o mesmo nome e viera da Áustria. Só podia ser a mulher com
sotaque alemão, esposa de Russell Ryan. O casal morava ali perto, no
número 52-11 da rua 72, acrescentou, prestativa.
Lelyveld bateu à porta, e lá estava ela. “Sra. Ryan, preciso lhe fazer
umas perguntas sobre a época que a senhora passou na Polônia, no campo
de Majdanek, durante a guerra”, disse o repórter.
“Ah, meu Deus! Eu sabia que isso ia acontecer”, respondeu a mulher,
soluçando. “Foi como se ela estivesse me esperando”, contou Lelyveld.
Ele entrou numa sala de estar “extremamente arrumada, à maneira
alemã, com guardanapinhos, relógios cuco e cenas alpinas”. Sentado de
frente para ela, ouviu sua “narrativa lacrimosa, cheia de autopiedade”,
sempre alegando inocência. Foi uma conversa curta, mas produziu uma
reportagem dramática, sob o título “Antiga guarda de campo de
concentração nazista agora é dona de casa no Queens”.21
Dando crédito a Wiesenthal pela descoberta, Lelyveld informou que
Hermine Braunsteiner tinha cumprido pena de prisão na Áustria, mas
negava ter qualquer dívida com a Justiça quando entrou nos Estados
Unidos em 1959.
Na reportagem, publicada em 14 de julho de 1964, ele faz uma vívida
descrição do breve encontro entre os dois:
Mulher de físico imponente, com boca firme e cabelos louros
grisalhos, recebeu Lelyveld usando short com listras brancas e cor-de-rosa
e blusa sem mangas combinando.
“Tudo o que fiz foi o que os guardas agora fazem nas prisões”,
retrucou com sotaque forte.
“No rádio só falam em paz e liberdade”, argumentou. “Então por que
incomodar as pessoas quinze ou dezesseis anos depois que acabou?”
“Já fui punida o suficiente. Passei três anos na prisão. Três anos, dá
para imaginar? E agora querem mais de mim?”

***

Mais tarde, Lelyveld, falou com Russell Ryan por telefone. “Senhor,
minha esposa seria incapaz de matar uma mosca”, garantiu o homem.
“Não há pessoa mais decente no mundo. Ela me explicou que era um
dever que tinha de cumprir.” Mas ele também admitiu para o repórter
que a mulher nunca lhe contara que tinha sido guarda num campo de
concentração e que já cumprira pena em uma prisão.
Não contar ao marido sobre seu passado era uma coisa, mas mentir
para o Serviço de Imigração e Naturalização (INS, na sigla em inglês) era
outra, bem diferente. Lelyveld escreveu na reportagem que um
funcionário do INS disse que isso poderia levar a uma revisão da sua
cidadania, mas “sugeriu que essas revisões raramente resultam na
revogação de direitos”.
Foram necessários sete anos para provar que o funcionário estava
enganado. Depois de longas batalhas judiciais, Hermine Braunsteiner teve
sua cidadania revogada em 1971.22 Tanto a Polônia como a Alemanha
Ocidental tinham pedido sua extradição, e ela declarou que preferia ir
para a Alemanha Ocidental por medo de ser tratada com muito mais
severidade a Polônia. Mandada para a Alemanha Ocidental em 1973, ela
se tornou a ré mais famosa no julgamento do pessoal de Majdanek,
iniciado em Düsseldorf dois anos depois. Os processos se arrastaram até
1981, resultando em prisão perpétua. Em 1996, ela foi solta por
problemas de saúde e mandada para uma casa de repouso onde o marido
americano, que nunca a abandonou, já vivia. Ela morreu em 1999.
Para Lelyveld, aquela reportagem foi um acontecimento singular, e ele
nunca voltou ao assunto. No mesmo dia em que retornou de Maspeth,
soube que seu pai, o rabino Arthur Lelyveld, tinha sido espancado no
Mississippi, onde o Verão da Liberdade degenerara em violência. O
jovem repórter logo passaria a cobrir os motins raciais que ocorriam na
época, partindo para a África no outono. Estava prestes a tornar-se
repórter célebre, editor e autor consagrado com o Prêmio Pulitzer. De
1994 a 2001, foi diretor executivo do The New York Times, o cargo mais
alto desse lendário jornal.
Sentado num café perto do seu apartamento no Upper West Side, no
começo de 2014, Lelyveld pareceu genuinamente espantado quando
mencionei o fato de que sua reportagem sobre Braunsteiner, resultado de
uma rápida viagem a Maspeth, provocara os primeiros sinais de interesse
sério pela história geral do nazismo nos Estados Unidos. Não sabia do
impacto mais amplo da sua reportagem? “Até agora, não”, respondeu-
me.

***

Eli Rosenbaum despreza a expressão “caçador de nazistas”, por estar


convencido de que uma combinação de ficção popular em romances e
filmes, e informações equivocadas ou distorcidas em relatos da mídia e em
livros deu conotações mitológicas ao termo. E, como é regra na maioria
dos mitos, a ficção costuma prevalecer sobre os fatos que os inspiraram.
Porém, por mais que lhe repugne ser descrito como o principal caçador
de nazistas dos Estados Unidos, Rosenbaum preenche todos os requisitos.
Dedicou a maior parte da vida a caçar nazistas em seu país, tentando fazê-
los perder a cidadania americana e obrigá-los a partir, seja deportados ou,
quando havia um acordo, voluntariamente. “Voluntariamente”, é claro,
não é bem o termo, uma vez que os nazistas sempre agem sob coação —
a intensa pressão que ele e outras pessoas no Departamento de Justiça têm
exercido para que eles decidam dessa maneira.
As proezas de Rosenbaum inspiraram Alan Elsner, veterano
correspondente da Reuters, a usá-lo como modelo para o herói do seu
romance de suspense de 2007, The Nazi Hunter [O caçador de nazistas].
O personagem principal dá vazão aos sentimentos reais de Rosenbaum
quando rumina:
Até hoje, essas palavras ainda me despertam: caçador de nazistas! Evocam imagens de
aventureiros destemidos perseguindo cruéis torturadores da Gestapo até encontrá-los em
esconderijos fortificados nas selvas da América do Sul. Se fosse pelo menos um pouco assim. A
verdade é bem menos glamorosa. Sou advogado, não aventureiro nem agente secreto, nem
mesmo detetive particular. Uso ternos escuros e gravatas sóbrias. Passo os dias em arquivos,
examinando microfilmes, e em reuniões, de vez em quando em salas de tribunal. Os nazistas
com quem lido, longe de serem perigosos chefes militares, são quase sempre homenzinhos
cinzentos, já passados dos setenta ou dos oitenta anos, que levam vidas monótonas, anônimas,
nos subúrbios de Cleveland ou Detroit.23

É claro que Mark Cain, nome dado por Elsner à versão ficcional de
Rosenbaum, acaba protagonizando as fantásticas aventuras de vida ou
morte compatíveis com a imagem popular dos caçadores de nazistas que
o verdadeiro Rosenbaum considera bobagem.
Nascido em 1955, de pais judeus que fugiram da Alemanha no fim
dos anos 1930, Rosenbaum foi criado na cidade de Westbury, em Long
Island. Apesar de ele e os colegas terem lido O diário de Anne Frank no
ensino médio, naquela época o Holocausto não recebia nem de longe a
atenção que mais tarde passaria a receber. Ele sabia que muitos parentes
seus na Europa não tinham sobrevivido, mas não era assunto sobre o qual
os pais quisessem conversar. “O fato de não se tocar no assunto em minha
casa na verdade me dizia quanto era sério, doloroso demais para ser
mencionado”,24 explicou.
Contudo, Rosenbaum começou a colher indícios do assunto que os
pais evitavam. Quando tinha uns doze anos, assistiu em sua TV preto e
branco a O interrogatório, de Peter Weiss, recriação do julgamento de
Auschwitz em Frankfurt apresentada primeiro na Broadway e em seguida
transmitida pela NBC. “Foi a primeira vez que ouvi falar no que tinha
acontecido nos campos de concentração”, observou. “E fiquei chocado,
muito chocado.” Eis uma lembrança particularmente vívida: o
depoimento de uma católica polonesa sobre os grotescos experimentos
médicos realizados em sua perna. “Fiquei atordoado”, acrescentou. Dois
anos depois, leu The Murderers Among Us [Os assassinos entre nós], de
Simon Wiesenthal, que o fez perceber que muitos daqueles criminosos
nunca foram punidos — mais uma vez, ficou escandalizado.25
Quando tinha mais ou menos quatorze anos, uma revelação inesperada
feita pelo pai tornou tudo mais pessoal. Os dois viajavam de carro de
Long Island para o norte do estado de Nova York, onde o pai planejava
participar de reuniões de negócios e em seguida levá-lo para esquiar.
Dirigindo devagar por causa de uma nevasca na New York Thruway, o
pai voltou ao seu passatempo favorito: contar ao filho suas aventuras no
exército durante a guerra. A princípio servira no Norte da África, depois
fora transferido para a seção de guerra psicológica do 7º Exército na
Europa, que precisava desesperadamente de pessoas que falassem alemão.
Contou a Eli que eles instalavam megafones perto da linha de frente e
exortavam as tropas alemãs a se renderem, garantindo-lhes que seriam
bem-tratadas. Narrou também com detalhes histórias de lutas de boxe em
sua unidade, falando da vez em que se embebedara com os companheiros
— o que aparentemente divertiu o oficial no comando, em vez de irritá-
lo.
Porém, naquela viagem para o norte do estado, o pai talvez tenha
esgotado o repertório de histórias conhecidas e, de repente, contou a Eli
um incidente sobre o qual o filho jamais tinha escutado. “Sabe de uma
coisa, eu estive em Dachau no dia seguinte ao da libertação”, revelou. Eli
já sabia o que era Dachau. O pai não fazia parte da unidade que libertou
o campo, mas estava perto e logo se espalhou a história de que algo
terrível tinha acontecido lá. Ele e outro soldado receberam ordem para
obter informações sobre o campo e relatar o que viram. Naquela parte da
história, Eli quis a resposta à pergunta óbvia: o que o pai vira ao chegar
ao campo?
Nevava forte naquele momento. “Era assustador dirigir naquela
nevasca”, contou Eli. “Portanto, estamos os dois encarando fixamente a
estrada à frente. Fiquei esperando uma resposta, mas não ouvi nada.”
Quando se virou para o pai, viu que seus olhos estavam cheios de
lágrimas, a boca tremia como se quisesse articular alguma coisa, mas as
palavras não saíam. Finalmente, depois de uma longa pausa, o pai mudou
de assunto. “Entendi”, disse Eli, sua reação ecoando a dos pais ao
evitarem esses assuntos. “O fato de ter sido tão arrasador que ele não
conseguia falar a respeito me disse tudo o que eu precisava saber.”
A partir de então, o radar do jovem Rosenbaum viveu particularmente
sintonizado nas histórias sobre o nazismo — e, nos anos 1970, havia um
volume crescente dessas histórias. O repórter do The New York Times
Ralph Blumenthal investigou mais sobre o caso Hermine Braunsteiner e
escreveu extensamente sobre outros criminosos nazistas nos Estados
Unidos, e um jovem escritor chamado Howard Blum publicou Wanted!
The Search for Nazis in America [Procurado! A caça aos nazistas nos Estados
Unidos]. O herói desse livro de não ficção, que entrou de imediato na
lista dos mais vendidos, era Anthony DeVito, veterano da Segunda
Guerra Mundial que, como o pai de Rosenbaum, estivera em Dachau
logo depois da libertação do campo. Voltando para os Estados Unidos
com uma esposa alemã, DeVito foi trabalhar como investigador do INS,
que o designou para cuidar do caso Braunsteiner. A partir de então, ele
seguiu tentando investigar a fundo uma lista de 59 criminosos nazistas que
moravam nos Estados Unidos, que um pesquisador do Congresso
Mundial Judaico lhe passara.26
DeVito brigava muito com os chefes, até que, por fim, pediu demissão
do INS em 1974, alegando que a cúpula fazia tudo para obstruir a
investigação de nazistas que moravam nos Estados Unidos. “Era uma
figura solitária clamando por vingança”,27 escreveu Blum. O dramático
retrato de um homem sozinho em luta contra o acobertamento de
nazistas, alguns dos quais tinham trabalhado para a CIA e outras agências
governamentais, capturou a imaginação popular — e também a de
Rosenbaum, que, àquela altura, se preparava para entrar na Faculdade de
Direito de Harvard. “Não há dúvidas de que acreditei em tudo”, disse
Rosenbaum. “Aceitei a história toda.”
Posteriormente, Rosenbaum concluiria que Blum tinha ido longe
demais, ignorando esforços anteriores dos Estados Unidos para impedir a
entrada de nazistas e exagerando o papel de DeVito. Com relação ao
próprio DeVito, Rosenbaum acabou acreditando no retrato pintado por
Blum, misturando fato e ficção quando o assunto era a caça aos nazistas.
“Sua vida se tornou um thriller”, disse Rosenbaum. “Era um desses caras
que leram demais esse tipo de romance.” Apesar disso, não havia dúvida
de que o livro de Blum contribuiu para a crescente convicção de que
alguma coisa tinha dado muito errado e permitira que uma enorme
quantidade de criminosos nazistas encontrasse refúgio nos Estados
Unidos.
Blum e DeVito não foram os únicos a chegarem a essa conclusão.
Logo depois de se tornar deputada, em 1973, Elizabeth Holtzman,
democrata do Brooklyn, foi procurada por um funcionário do INS que
queria conversar com ela extraoficialmente. O encontro desencadeou
uma série de acontecimentos que, seis anos depois, culminaria na criação
da Diretoria de Investigações Especiais do Departamento de Justiça, que,
segundo Holtzman, era para ser “uma eficaz unidade de combate aos
nazistas”.28 O escritório não tinha poderes para levar nazistas aos
tribunais por crimes cometidos fora do país, nem para pedir penas de
prisão para eles, mas podia desmascarar as mentiras que eles tinham
contado sobre seu passado quando entraram nos Estados Unidos,
resultando em perda de cidadania e deportação — na melhor das
hipóteses, para países que pudessem processá-los.

***

Quando Elizabeth Holtzman leu pela primeira vez a respeito do caso


Hermine Braunsteiner, considerou-o uma aberração. Por isso, quando o
funcionário do INS apareceu em seu escritório no Longworth House
Office Building para lhe dizer que o serviço de imigração tinha uma lista
de 53 criminosos de guerra nazistas e não tomava nenhuma providência a
respeito, ela de início não quis acreditar. “Parecia impossível”, comentou,
mais tarde. Tendo em vista os sacrifícios dos Estados Unidos na Segunda
Guerra Mundial, acrescentou, “não fazia sentido nosso governo permitir
que criminosos de guerra nazistas vivessem aqui”.29
A conversa, contudo, plantou a semente da dúvida na sua cabeça,
reforçada por um artigo que ela leria sobre Valerian Trifa, antigo membro
da fascista Guarda de Ferro da Romênia que chefiara seu grupo de
estudantes; ele era acusado de instigar um pogrom contra judeus em
Bucareste em 1941. Depois da guerra, Trifa se estabelecera nos Estados
Unidos, galgando posições dentro da hierarquia da Igreja Ortodoxa
Romena Norte-Americana, chegando a se tornar seu arcebispo e líder.30
Charles Kremer, dentista judeu nascido na Romênia, vinha travando uma
luta solitária para levá-lo à Justiça desde os anos 1950. Trifa negava as
acusações, alegando que as autoridades romenas tentavam difamá-lo por
causa do seu ativismo anticomunista.
Poucos meses depois do encontro com o funcionário que lhe falara
sobre criminosos nazistas, Elizabeth Holtzman teve a oportunidade de
fazer perguntas ao diretor do INS Leonard F. Chapman, ex-comandante
do Corpo de Fuzileiros Navais, que depunha perante o subcomitê de
imigração.
“O Serviço de Imigração e Naturalização dispõe de uma lista de
supostos criminosos de guerra que moram nos Estados Unidos?”,
perguntou.
“Sim”, respondeu Chapman.
Holtzman esperava que ele dissesse que “não”, e, como se recordaria
posteriormente, “quase caí da cadeira”. Quando perguntou quantas
pessoas constavam da lista, a resposta também foi clara: “Cinquenta e
três.” Mas, quando se recuperou o bastante para perguntar que
providências o INS estava tomando com relação a essa lista, Chapman se
protegeu atrás “de uma nuvem de palavras, uma cortina de fumaça de
palavras” que não responderam nada.
Frustrada por não ter conseguido descobrir o que acontecera com a
lista, que era semelhante à que DeVito obtivera antes, ela pediu para ver
os arquivos. Mais uma vez, para sua surpresa, o comissário concordou
prontamente.
Os arquivos estavam em Manhattan, e, durante uma viagem para casa
na semana seguinte, ela foi conduzida a um escritório onde uma bem-
arrumada pilha de pastas já a aguardava. À medida que abria as pastas,
uma por uma, a história se repetia: acusações de que o suposto criminoso
de guerra era responsável por atrocidades, em geral envolvendo a matança
de judeus. Estava claro também que, se os funcionários do INS fizeram
alguma investigação, esta se limitara a localizar as pessoas mencionadas e
visitá-las, fazendo perguntas sobre sua saúde e pouco mais que isso. A
rigor, o INS não tinha investigado as acusações reais contra elas, nem
verificado provas documentais ou procurado possíveis testemunhas. “O
INS não estava fazendo nada”, concluiu. “Era revoltante.”
A partir de então, Elizabeth moveu uma campanha exigindo a criação
de uma unidade especial para investigar aqueles e outros possíveis casos.
Ela não tinha ideia de quantos nazistas se estabeleceram nos Estados
Unidos, mas estava convencida de que o INS era, “na melhor das
hipóteses, um executor relutante; na pior, um não executor”. Achava que
DeVito e o procurador do INS Victor Schiano, que trabalhara com ele
no caso Hermine Braunsteiner, tinham se empenhado em mudar esse
histórico, mas fracassaram. Pelo que sabia, os dois foram os únicos
funcionários do INS interessados em resolver casos de nazistas — e,
àquela altura, ambos tinham pedido demissão.
Com a ajuda de Joshua Eilberg, deputado democrata da Pensilvânia,
Chairman do subcomitê de Imigração, e de outros congressistas dos dois
partidos, Elizabeth Holtzman insistiu. Em 1977, o INS anunciou a
formação de uma Unidade Especial de Litígio, que deveria cuidar dos
casos de nazistas. O procurador-geral Griffin Bell designou o advogado
Martin Mendelsohn — que, como Elizabeth, fora criado no Brooklyn —
para colocá-la em marcha como seu diretor. “Não sei nada sobre esse
negócio”, disse Bell a Mendelsohn. “Mas esta senhora lá do Brooklyn
está nos deixando malucos, portanto dê um jeito de resolver”31
Mendelsohn sabia que a nova unidade teria imensos desafios pela
frente para estabelecer fatos ocorridos décadas antes. “As provas nesses
casos podem ser vistas como peças de um quebra-cabeça deformadas pelo
tempo e que, portanto, não se encaixam”, disse. Referindo-se à
dificuldade de obter depoimentos confiáveis mesmo quando era possível
encontrar testemunhas, ele ressaltou: “Até as boas memórias falham.”
Muitos sobreviventes eram incapazes de identificar os torturadores.
“Quando estava no campo, eu olhava para os pés deles, não para o rosto”,
disse um deles.32
Para ter alguma possibilidade de cumprir sua missão, Mendelsohn
precisava de uma equipe da mais alta categoria, mas logo concluiu que
quase todos os investigadores e advogados do INS eram “menos do que
adequados, menos do que competentes”. Chegou até a repudiar o ex-
investigador DeVito, a quem qualificou como “completa fraude” que
tinha exagerado imensamente os seus êxitos e se convencera de que “era
Simon Wiesenthal”.
A Unidade Especial de Litígio se revelou singularmente ineficaz, mas
Elizabeth Holtzman não estava disposta a permitir que isso prejudicasse
seus esforços para compensar a inércia do governo. Em 1978, ela
conseguiu aprovar um projeto de lei pelo qual lutava desde 1975. A
Emenda Holtzman, como a lei ficou conhecida, dava ao INS autoridade
para deportar qualquer pessoa que tivesse participado de perseguições
nazistas. “Esta medida confirma minha crença de que não é tarde demais
para deixar clara e inequívoca a nossa posição contra os crimes de
guerra”,33 declarou, na época, por meio de um press release.
Em janeiro de 1979, ela assumiu a chefia do subcomitê de Imigração
do Congresso e intensificou seus esforços para atingir outro objetivo da
campanha: transferir a responsabilidade desses casos do INS para o
Departamento de Justiça, muito mais bem-equipado para cuidar deles.
Frustrado com suas experiências no INS, Mendelsohn deu todo o apoio,
mas esse suporte inicialmente deparou com a resistência dos funcionários
do Departamento de Justiça, que deixaram bem claro que não desejavam
assumir a tarefa.
Holtzman não lhes deu opção. “Eu disse que os senhores podem fazer
isso voluntariamente, do contrário farei virar lei”, alertou. Naquele
mesmo ano, 1979, foi criada a Diretoria de Investigações Especiais (OSI),
para funcionar como parte da Divisão Criminal do Departamento de
Justiça. Tratava-se de órgão muito mais ambicioso do que a Unidade
Especial de Litígio do INS, que substituía. Com orçamento inicial de 2
milhões de dólares, a OSI conseguiu montar uma equipe de cinquenta
advogados, investigadores, historiadores, pesquisadores e pessoal de
apoio.34
Mais ou menos na mesma época, Rosenbaum voltava de carro para a
Faculdade de Direito de Harvard, depois de ir ao casamento de um
amigo na Filadélfia. Numa parada para comprar refrigerante, pegou
também um jornal. Foi onde leu uma notinha sobre os planos do
Departamento de Justiça para estabelecer a OSI. Por ser estudante do
segundo ano de direito, precisava arranjar um trabalho durante o verão e
ali mesmo resolveu conferir se poderia se candidatar. “É o que eu quero
fazer mais do que qualquer outra coisa no mundo,”, pensou.
De volta ao seu apartamento, em Cambridge, por volta da meia-noite,
ligou para o Departamento de Justiça pedindo o número do novo
escritório. Às nove da manhã, conseguiu falar com Mendelsohn, que já
tinha deixado o INS para ajudar na instalação da OSI. Mendelsohn lhe
fez uma única pergunta: conhece Alan Dershowitz, o célebre professor da
Faculdade de Direito de Harvard? Rosenbaum respondeu que tivera aulas
com ele no semestre anterior. Depois de ligar para Dershowitz,
confirmou que Rosenbaum era um “bom sujeito”, Mendelsohn ofereceu
o estágio de verão ao rapaz com base apenas nessa referência. Pensando
no complexo processo seletivo de candidatos atual, Rosenbaum
comentou: “Hoje isso seria impossível.”
Apesar de Mendelsohn logo ter deixado a OSI para tratar de casos
sobre nazistas como advogado particular, Rosenbaum pôde dar seus
primeiros passos numa jornada que, com poucos desvios, o levaria ao
topo da OSI, fazendo dele o diretor há mais tempo no cargo e o
principal caçador de nazistas do país.

***

Não por acaso, quase todos os envolvidos em perseguições nazistas que


entraram nos Estados Unidos vinham não da Alemanha nem da Áustria,
mas de países que o exército de Hitler tinha conquistado. No caos da
Europa do pós-guerra, muitos dos que tinham fugido dos territórios
anteriormente ocupados ou sobrevivido ao Holocausto foram parar em
campos de deslocados de guerra na Alemanha, na Áustria e na Itália. Em
1948, o presidente Truman assinou a Lei dos Deslocados de Guerra, o
que permitiu que 200 mil pessoas entrassem nos Estados Unidos ao longo
dos anos. Mas, num período em que o antissemitismo ainda
predominava, e muitos americanos temiam um influxo de refugiados
judeus, a lei inicial favorecia deliberadamente outros grupos, provenientes
de países “anexados por uma potência estrangeira”, como os Países
Bálticos, que foram engolidos pela União Soviética, de onde saíram
trabalhadores da agricultura, e mesmo Volksdeutsche, pessoas de etnia
alemã que tinham fugido dos territórios anteriormente ocupados.35
As regras mudariam com o tempo, e a liberalização das cláusulas
permitiu a inclusão de cerca de 80 mil deslocados de guerra judeus entre
as quase 400 mil pessoas que foram admitidas antes que a lei expirasse, em
1952. Embora os deslocados provenientes dos Países Bálticos e da Ucrânia
fossem vistos como vítimas do comunismo, havia também numerosos
colaboradores do nazismo. Entre os grupos de etnia alemã que tinham
vivido em territórios ocupados por Hitler, a probabilidade de colaboração
era ainda mais alta. Como afirmou Allan Ryan, diretor da OSI de 1980 a
1983: “A lei dos deslocados de guerra lançou redes de pesca americanas
em águas reconhecidamente infestadas de tubarões, e era inevitável que
peixes perigosos assim também fossem apanhados.”36
Ryan acrescentou que seria um erro inferir que a maioria dos novos
imigrantes se envolvera com crimes nazistas. Mas, supondo que talvez
2,5% fossem culpados, ele calculou que “quase dez mil criminosos de
guerra nazistas vieram para os Estados Unidos”.37 A cifra era apenas um
palpite, e Rosenbaum, entre outros, a considera alta demais. Levando em
conta, entretanto, que não houve uma investigação séria dos antecedentes
de ninguém, os culpados facilmente se misturavam com os inocentes.
Àquela altura, eles em geral davam um jeito de chamar o mínimo possível
de atenção. Não eram os vilões retratados pelos filmes de Hollywood,
ansiosos para tramar novas conspirações. Como disse Ryan: “Eles se
tornaram cidadãos modelos e bons vizinhos.”38
Até 1973, quando aumentou a pressão para procurar mais criminosos,
o governo pedira a deportação de apenas nove colaboradores do nazismo,
sem ter êxito na maioria dos casos.39 Ao ser formado, em 1979, a OSI
recebeu a incumbência de compensar mais de três décadas de quase total
descaso. A ideia era mandar o recado de que, mesmo tão tardiamente, os
Estados Unidos levavam a sério a decisão de se livrarem dos criminosos
nazistas que tinham mentido sobre sua vida pregressa para conseguir
entrar na América.
Pensando em seu futuro como estagiário da nova unidade,
Rosenbaum tinha a cabeça repleta de ideias a respeito das sinistras
conspirações de autoridades do governo sobre as quais Blum escrevera em
seu best-seller, refletindo as acusações que DeVito fizera ao deixar o INS.
Rosenbaum imaginava que teria acesso aos arquivos, o que significava
que “no próximo verão vou descobrir tudo sobre esse acobertamento”.
Em vez disso, ele se viu realizando pesquisas legais sobre casos complexos,
mas fascinantes, e trabalhando com integrantes da nova equipe, que lhe
pareceram dedicados e inteligentes. “Não desmascarei, é claro, nenhuma
grande conspiração ou acobertamento”, acrescentou, com um sorriso.
No fim do verão, tinha em mente um objetivo mais realista: voltar para a
OSI depois de se formar em direito, no ano seguinte — e foi o que fez.
O novo órgão enfrentou imensos obstáculos do tipo sublinhado por
Mendelsohn quando inicialmente tentou fazer o INS agir com mais
agressividade. “‘Caçar nazistas’ tantos anos depois da guerra é dramático,
tedioso e difícil”,40 ressaltou, em um relatório interno do Departamento
de Justiça em 2010 sobre a história da OSI. Havia a complicação
adicional de coletar provas em territórios que agora ficavam atrás da
Cortina de Ferro. Aproveitando contatos que Elizabeth Holtzman e
outros tinham estabelecido com autoridades soviéticas, a OSI conseguiu
reunir depoimentos de testemunhas dentro da URSS, levando seus
advogados de acusação e de defesa. Contudo, os juízes americanos
desconfiavam de qualquer coisa proveniente do bloco oriental, fosse na
forma de depoimentos ou de documentos, sobretudo levando em conta
que grupos ucranianos e bálticos alegavam que muitos investigados eram
vítimas de campanhas difamatórias comunistas. O colunista Pat
Buchanan, futuro candidato à presidência dos Estados Unidos, fez coro
com as denúncias de que a OSI estaria passando adiante informações
deliberadamente equivocadas fornecidas pelo Kremlin.
Em alguns poucos casos, a OSI obteve resultados relativamente
rápidos, às vezes com consequências inesperadas. Em 1981, identificou
Albert Deutscher, ferroviário de 61 anos que chegara aos Estados Unidos
em 1952, como um ucraniano de etnia alemã pertencente a um grupo
paramilitar que fuzilava judeus que chegavam de trem a Odessa.41 Um
dia depois de a OSI apresentar denúncia, Deutscher cometeu suicídio se
jogando na frente de um trem de carga em Chicago.
Contudo, a maior parte das batalhas jurídicas durava anos, ou mesmo
décadas, incluindo as iniciadas antes da criação da OSI. Valerian Trifa, o
arcebispo romeno acusado de instigar pogroms contra judeus, alegou
inocência o tempo todo. Quando lhe mostraram uma foto sua em que
aparecia trajando uniforme da Guarda de Ferro, ele teve que admitir que
pertencera à organização fascista. Apesar disso, insistiu em dizer que não
tinha feito nada de errado. Então a OSI assumiu seu caso. Numa tentativa
de neutralizar os procedimentos legais, Trifa abriu mão de sua cidadania
em 1980. Dois anos depois, com o governo ainda insistindo nas
acusações, ele concordou em ser deportado.
Mas sua história não terminou aí. Uma das tarefas mais difíceis da OSI
foi encontrar um país disposto a aceitar esses criminosos, particularmente
se isso significasse submeter-se a pressões subsequentes para processá-los
também. A OSI tentou em vão convencer Israel a aceitar Trifa. As
autoridades do país não deram a impressão de estar dispostas a realizar
novos julgamentos de nazistas; sempre viram o caso Eichmann como algo
excepcional, não como um precedente. Em 1984, Portugal por fim o
aceitou, e lá ele viveu abertamente, em atitude desafiadora. “Toda essa
conversa dos judeus sobre o Holocausto acabará sendo um tiro pela
culatra”,42 proclamava. Ele morreu três anos depois.

***

Em seu último ano na Faculdade de Direito de Harvard, Rosenbaum


estava dando uma olhada na seção de Holocausto de um sebo em
Cambridge quando se deparou com um volume sobre Dora, um campo
de concentração de que jamais ouvira falar. O autor era Jean Michel, ex-
combatente da Resistência Francesa que sobrevivera à penosa experiência
de ser prisioneiro naquele lugar. Mesmo para uma pessoa familiarizada
com as histórias de horror daquela época, o relato de Michel sobre as
condições naquelas instalações onde cientistas alemães produziram seus
famosos foguetes V2 era particularmente arrepiante.
“Os escravos dos mísseis trabalhavam sem parar, temendo pela própria
vida, aterrorizados pelos sádicos SS e Kapos”, escreveu Michel. Os
prisioneiros, provenientes de diversos países ocupados, tinham que cavar e
preparar túneis com ferramentas escassas, muitas vezes usando as próprias
mãos. “Carregavam pedras e máquinas em condições assustadoras. O peso
das máquinas era tão grande que muitos dos homens, esqueletos
ambulantes já quase sem força, morriam esmagados sob seus fardos. O sal
de amoníaco queimava os pulmões. A comida era insuficiente até mesmo
para formas inferiores de vida.” Trabalhando dezoito horas por dia e até
dormindo em túneis, só os prisioneiros mais fortes sobreviviam. Dos 60
mil despachados para Dora 30 mil morreram.43
Rosenbaum pegou outro livro, intitulado The Rocket Team [A equipe
dos foguetes], estudo louvável de Wernher von Braun e do grupo de
cientistas alemães de foguetes, muitos dos quais foram levados aos Estados
Unidos para desempenhar papel decisivo no programa americano de
mísseis e viagens espaciais. Um deles era Arthur Rudolph, supervisor do
desenvolvimento do foguete Saturno V, que mandou os primeiros
astronautas à Lua. Mas o autor americano do livro ressaltava também que
Rudolph fora responsável pela produção de mísseis em Dora.44 Isso
significava ter sido um dos senhores dos “escravos dos mísseis”.
Como Rosenbaum costuma observar, os casos da OSI em geral eram
deflagrados por dicas de governos ou meios de comunicação. Mas, neste
caso, ele quis dar pessoalmente o alerta logo que voltasse para o
Departamento de Justiça, depois da faculdade. Von Braun tinha morrido
em 1977, mas Rudolph ainda estava vivo. Em seu primeiro dia após
retornar a OSI, Rosenbaum tocou no assunto em seu encontro com Neal
Sher, o vice-diretor. Sher tinha ouvido falar em Rudolph, mas perguntou
imediatamente se ele fizera parte da Operação Paperclip, o programa
destinado a levar cientistas alemães para os Estados Unidos no pós-guerra.
Sher lhe avisou que outras investigações em curso sobre a Paperclip não
estavam progredindo, porque era muito difícil implicar cientistas na
prática de crimes específicos, mas concordou em deixá-lo dar uma
examinada — “desde que não consuma muito tempo nisto”.45
Rosenbaum admite abertamente que ignorou a advertência. Com a
ajuda de um estagiário, fuçou documentos dos Arquivos Nacionais e foi à
Alemanha Ocidental para examinar os registros do julgamento dos crimes
de guerra de Dora-Nordhausen, um de uma série de casos do Exército
dos Estados Unidos em Dachau em 1947. Rudolph não era réu, mas, em
2 de junho de 1947, foi interrogado pelo major Eugene Smith, e
Rosenbaum voltou com uma transcrição incriminadora.46 Rudolph
admitiu ter assistido à execução de “cinco ou dez” prisioneiros. A SS os
matou enforcando-os lentamente num guindaste elétrico usado para
deslocar componentes de foguete, enquanto outros prisioneiros eram
obrigados a olhar. Como explicou Rudolph, a intenção era “mostrar o
castigo por conspirar para sabotar a fábrica”.47
Com base nessas provas, Sher ficou tão convencido quanto
Rosenbaum de que era preciso agir contra Rudolph. O cientista alemão
desfrutava de sua confortável aposentadoria em San José, na Califórnia.
Confiante na boa reputação de respeitado cientista americano, não
pareceu nem um pouco assustado quando Rosenbaum, Sher e o diretor
da OSI Ryan apareceram lá para uma conversa, em 1982. Foi ao
encontro deles sozinho, sem advogado, ansioso para dar a impressão de
querer cooperar, com a mensagem de que tinha tentado facilitar, e não
dificultar, a vida dos prisioneiros de Dora. Mas era uma versão difícil de
sustentar, sobretudo diante das provas da brutalidade e das execuções no
campo que os advogados da OSI tinham ao seu dispor.
No segundo encontro, Rudolph apareceu na companhia do advogado
e perguntou se haveria alguma maneira de encerrar o caso sem ação
judicial. Os dois lados chegaram a um acordo: Rudolph abriria mão de
sua cidadania americana e deixaria o país. Como não haveria ação
judicial, ele continuaria recebendo sua aposentadoria americana. Do
ponto de vista da OSI, foi uma vitória. “Se houvesse um pleito, levaria
anos”, ressaltou Rosenbaum. “Basicamente, ele concordou em perder, e
nós concordamos em ganhar.”
Para Rudolph, não chegou a ser uma perda arrasadora, apesar de ele
reclamar amargamente da ingratidão dos americanos que tinham se
beneficiado de sua expertise científica. Como no caso de nazistas que
acabaram sendo empregados pela CIA, Rosenbaum não compartilha
necessariamente da indignação por esses acordos feitos nos primeiros
tempos da Guerra Fria. Falando de Rudolph, ele disse o seguinte: “Não
julgo a decisão de empregá-lo, assim como um fã de futebol não julga as
faltas do seu time na manhã do dia seguinte ao jogo.” Mas estava
convencido de que, levando em conta as provas existentes contra ele, os
Estados Unidos deveriam tê-lo devolvido à Alemanha mais cedo, quando
já não tivesse utilidade para o programa de foguetes.
Foi o caso mais importante de Rosenbaum durante seus primeiros
anos na OSI, mas ele não sabia quanto tempo ia permanecer nessa
atividade de caça aos nazistas ou quanto tempo o órgão do Departamento
de Justiça continuaria operando. Sua colega Elizabeth White, especialista
em história europeia moderna, foi contratada em 1983. “Na época me
disseram que a agência duraria no máximo três anos, e toda pessoa
contratada ouviu essa história nos seus primeiros 25 anos de casa”,48
contou ela, dando uma risada. O pressuposto era que haveria cada vez
menos criminosos nazistas para investigar, já que muitos provavelmente
morreriam logo. Ela trabalhou lá por 27 anos, ampliando vastamente as
listas de pessoas em observação mantidas para acompanhar os movimentos
de antigos nazistas que pudessem tentar entrar nos Estados Unidos.
Rosenbaum era um caçador impaciente e adquiriu o hábito de fazer
visitas-surpresa para avaliar potenciais alvos de investigação. Mas também
se sentia frustrado. “Tanta gente que eu tinha absoluta certeza de que
estava metida nisso até o pescoço, mas não podia provar”, disse. “Era
inerente à função. Não tínhamos pessoal suficiente para cuidar direito de
todos os casos; estávamos sempre fazendo triagem.”
Depois de três anos na OSI, ele decidiu tentar uma carreira mais
convencional, indo trabalhar numa grande firma de advogados de
Manhattan. Mas logo descobriu que litígios empresariais “não faziam
sentido para mim”. Já tinha “tido o azar”, como chama, “de trabalhar
com casos que tinham grande significado para mim”.
Em 1985, Rosenbaum estava mais uma vez trabalhando num desses
casos — ainda não de volta à OSI, mas como principal advogado do
Congresso Mundial Judaico. Foi durante os dois anos que passou lá que
ele se viu não só desmascarando antigos segredos daqueles que tinham
servido ao Terceiro Reich, mas também se envolveu num confronto cada
vez mais áspero com outro caçador de nazistas. Foi uma batalha que o
jogou contra o homem que ele havia idolatrado quando sentiu pela
primeira vez o fascínio da caçada de criminosos de guerra: Simon
Wiesenthal.
CAPÍTULO TREZE

INDO E VOLTANDO DE LA PAZ


“Quarenta e quatro crianças deportadas — não se trata de meras estatísticas,
mas de quarenta e quatro tragédias que continuam a nos causar dor quarenta
anos depois.”1
BEATE E SERGE KLARSFELD.

O caçador de nazistas francês Serge Klarsfeld não teve dificuldade em


perceber que o capitão da SS Klaus Barbie, que tinha sido chefe da
Gestapo em Lyon, não pertencia à mesma categoria de Eichmann,
Mengele ou do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss. “Barbie não é
membro do conselho diretor do crime nazista, é um gestor de nível
intermediário”,2 comentou. Mas isso, afirmava, de forma nenhuma
diminuía sua culpa ou sua relevância. “Ele é o próprio símbolo da
Gestapo quando ela assolava o nosso país. Os chefões da polícia nazista
não tinham contato com as vítimas; atuavam por intermédio dos Barbies
da vida. Foi Barbie quem deixou uma lembrança palpável entre os
prisioneiros que sobreviveram. Era um agente local particularmente
dedicado e fanático.”
Klaus Barbie foi responsável por milhares de mortes durante a
ocupação alemã da França e torturou pessoalmente inúmeras vítimas.
Mesmo num mundo inundado por arbitrária brutalidade, ele logo ganhou
reputação, merecendo plenamente o apelido de “Carniceiro de Lyon”.
Sua vítima mais notória foi Jean Moulin, o líder da Resistência Francesa.
Barbie o espancou e torturou impiedosamente para obrigá-lo a falar, mas
Moulin, mesmo arrebentado, jamais revelou nada, e morreu num trem a
caminho da Alemanha.
Além de tentar esmagar a Resistência, Barbie concentrava suas
energias em capturar judeus; neste quesito, também adquiriu
notoriedade. Em 6 de abril de 1944, seguindo pista dada por um
informante francês, a Gestapo de Lyon cercou uma escola e refúgio de
crianças judias na minúscula aldeia de Izieu. Um colono que trabalhava
nas proximidades assistiu à cena. “Os alemães colocavam as crianças nos
caminhões com brutalidade, como se fossem sacos de batata”,3 contou.
Assustadas, as crianças gritaram por socorro, mas, quando ele começou a
andar em sua direção, foi detido pela coronha de um fuzil. Um dos
garotos tentou saltar e fugir, e o homem ficou assistindo, sem poder fazer
nada, enquanto os alemães “espancavam o menino a coronhadas ao
mesmo tempo que chutavam suas canelas”.
Barbie mandou um telex para o quartel-general da Gestapo em Paris,
informando sobre as prisões e o fechamento da “casa de crianças judias”
em Izieu. A mensagem de Barbie, escreveu Serge Klarsfeld, “entrou para
a história como prova de uma crueldade que, em magnitude — e em
absoluta maldade —, superou a desencadeada contra a Resistência”.4 As
44 crianças, com idade de três a treze anos, e os sete encarregados delas
foram rapidamente transportados para Auschwitz; só uma pessoa, uma
mulher, sobreviveu. Ela contou que uma das meninas mais novas foi
arrancada de suas mãos para ser mandada, com as demais, para a câmara
de gás.
Para Klarsfeld, o fim dessas crianças foi mais do que apenas uma das
muitas tragédias da guerra; teve um sentido intensamente pessoal. Afinal,
ele e a irmã foram salvos num vilarejo parecido quando tinham mais ou
menos a mesma idade. Uma carta de uma das crianças de Izieu, Nina
Aronowicz, escrita para a tia em Paris meses antes do ataque da Gestapo,
dava ideia de quanto ela e os outros pequenos se sentiam seguros em seu
refúgio no vilarejo:
Eu me sinto muito feliz aqui. Há belas montanhas, e lá de cima dá para ver o Reno passar, é
muito lindo. Ontem fomos nadar no Reno com dona Marcelle [uma professora]. Domingo
demos uma festa de aniversário para a Paulette e mais duas crianças, apresentamos muitos
esquetes e foi tudo muito legal.5

Serge e a esposa, Beate, decidiram desde o início fazer o possível para


obrigar Barbie a pagar por seus crimes e resgatar suas vítimas do
anonimato. Resolveram também revelar que o Carniceiro de Lyon tinha
trabalhado depois da guerra para os serviços de inteligência dos Estados
Unidos, e que foram os americanos que facilitaram a sua fuga, via
“Caminho dos Ratos”, para a América Latina.6 Essa jornada se
prolongaria por duas décadas, mas, no fim, eles tiveram êxito em todos os
aspectos da missão. Ao fazê-lo, também induziram o governo americano
a empreender um esforço sem precedentes para examinar seu papel na
ajuda a um criminoso de guerra nazista.

***

Um tribunal de Lyon tinha condenado Barbie à morte à revelia em duas


ocasiões depois da guerra, primeiro em 1947, depois em 1954. Em 1960,
a Associação de Vítimas Alemãs do Nazismo deflagrou em Munique uma
investigação sobre os crimes de Barbie na França, mas o réu estava
desaparecido havia muito tempo. Em 1951, deixara seu país e fora se
estabelecer com a família na Bolívia. Adotando o pseudônimo de Klaus
Altmann, progredira na vida como um “empresário” que mantinha
relações estreitas com políticos de direita e oficiais das forças armadas. No
verão de 1971, quando Beate Klarsfeld soube que o promotor alemão em
Munique estava abandonando a investigação dos crimes de Barbie,
“Altmann” tinha boas razões para acreditar que deixara o passado para
trás. Dava-se particularmente bem com Hugo Banzer, o ditador que
governou o país por quase toda a década de 1970.7
Mas Klaus Barbie não contava com a paixão e a determinação dos
Klarsfelds. Eles começaram do mais básico: reunir todas as provas que
pudessem sobre o histórico de Barbie durante a guerra e sua detenção
pelos americanos no fim do conflito. Logo concluíram que ele, sem a
menor dúvida, passara a trabalhar para os americanos. Beate, em
particular, cuidava da publicação de suas descobertas na imprensa e
convenceu ex-combatentes da Resistência e outras pessoas a irem junto
com ela a Munique para pressionar o promotor a manter o caso aberto.
Serge localizou Raymond Greissmann, um líder da comunidade
judaica em Lyon durante a ocupação, que em seu depoimento disse que
Barbie sabia exatamente o que aconteceria com as pessoas presas por ele.
“Fuzilado ou deportado, não fazia diferença”,8 teria citado. A irmã de
Jean Moulin escreveu uma carta apoiando os esforços dos Klarsfelds. E,
em Munique, Beate segurou um cartaz acima da sobrevivente do
Holocausto Fortunée Benguigui, deportada para Auschwitz um ano antes
dos filhos, levados de Izieu para lá para jamais voltarem. “Vou fazer greve
de fome enquanto a investigação sobre Klaus Barbie, que assassinou meus
filhos, estiver suspensa”9, dizia o cartaz.
O promotor público de Munique, Manfred Ludolph, não apenas
cedeu, reabrindo o caso, como também forneceu à delegação de Beate
duas fotos. Uma era de Barbie em 1943; a segunda mostrava um grupo
de empresários sentados em volta de uma mesa, um deles muito parecido
com a antiga versão do homem que os Klarsfelds procuravam. Ludolph
lhes contou que a foto tinha sido tirada em La Paz, na Bolívia, em 1968.
“É tudo o que posso lhes dizer agora”, acrescentou. “Como mostraram
que são eficientes, por que não me ajudam a identificar o homem?”10
Depois que fizeram as fotos circularem, os Klarsfelds começaram a
pegar declarações juramentadas de pessoas que tinham conhecido Barbie
e conseguiam identificá-lo na foto mais recente, tirada em La Paz. Depois
que a de 1943 apareceu nas imprensas francesa e alemã, um alemão que
morava em Lima informou ao promotor de Munique que tinha
encontrado “Klaus Altmann” numa visita recente à capital do Peru.
Ludolph repassou o contato para Beate, e não demorou para que os
Klarsfelds tivessem o endereço de Barbie na Bolívia. Ludolph e os
Klarsfelds também prepararam um relatório que praticamente provava que
Altmann era Barbie. O documento chamava a atenção para o fato de que
as datas de nascimento dos filhos de Altmann coincidiam perfeitamente
com as dos filhos de Barbie. Como sempre, Beate estava pronta para
entrar em ação. Tomou o avião para Lima e seguiu para La Paz, onde teve
um encontro com jornalistas para lhes contar a história de Barbie. Ao
mesmo tempo, denunciou o regime de Banzer por protegê-lo. “Ajudei os
bolivianos a compararem o que aconteceu sob o domínio Hitler e o que
estava acontecendo sob o de Banzer”, disse ela. Não é de admirar que as
autoridades bolivianas não tenham gostado nem um pouco dessa ajuda, e
ela foi tirada às pressas do país. Numa escala em Lima, dois policiais a
mantiveram num escritório para que não andasse pela cidade. “Estamos
aqui para garantir sua segurança”, afirmou um deles. “A senhora corre o
risco de ser morta por organizações nazistas em Lima, que estão furiosas
com a campanha que a senhora vem movendo contra eles na América do
Sul.”11
No início de 1972, a campanha publicitária dos Klarsfelds levou as
autoridades francesas a agirem. O presidente Georges Pompidou escreveu
para Banzer dizendo que o povo francês não permitiria que os crimes do
passado fossem “esquecidos por indiferença”.12 Beate retornou a La Paz,
dessa vez com outra mãe de duas crianças de Izieu que tinham morrido
em Auschwitz. Pela atenção que atraíram, as autoridades bolivianas
deixaram as mulheres entrarem, mas com a condição de não falarem
publicamente. Beate de início obedeceu, até conseguir arranjar uma
entrevista coletiva. Para completar, as duas mulheres se acorrentaram a um
banco em frente aos escritórios da transportadora onde Barbie trabalhava.
Um dos cartazes dizia, em espanhol: “Em nome dos milhões de vítimas
do nazismo, deixem Barbie-Altmann ser extraditado!”
Essa visita também terminou de uma hora para outra, mas tinham
conseguido outro golpe publicitário. Barbie logo desistiu de fingir que
seu nome era Altmann, e a mídia deu cobertura cada vez maior ao caso.
Mas os Klarsfelds também perceberam que, mesmo com o apoio das
autoridades alemãs e francesas, as chances de que o regime boliviano
desistisse eram quase nulas. Um conselheiro do Ministério do Exterior
em La Paz tinha dito a Beate: “A Bolívia é um asilo inviolável, e todos
aqueles que se refugiam nele são sacrossantos.”13 Ele também lhe
informara que o país tinha um prazo de prescrição de apenas oito anos
para crimes importantes, e, assim, o que Barbie tinha feito durante a
guerra, fosse o que fosse, era “história antiga”.
Barbie sabia que estava protegido pelo regime de Banzer, podendo se
dar ao luxo de fazer pouco da campanha que os Klarsfelds moviam contra
ele. Como tantos outros criminosos nazistas, alegava ter apenas cumprido
seu dever durante a guerra e afirmava não ter nada a pagar. “Eu já
esqueci”, disse. “Se eles não esqueceram, problema deles.”14
Esse impasse deixou os Klarsfelds num dilema: seria o caso de insistir
na campanha pela extradição, na esperança de que a mudança de algum
elemento da equação a tornasse possível, ou de pensar numa ação mais
radical? Em suas memórias, publicadas em francês em 1972 e em inglês
em 1975, Beate disse que muita gente lhes perguntava por que
simplesmente não iam lá e matavam Barbie. “Nenhuma das pessoas que
falavam assim teria feito isso!”, comentou, aparentemente rejeitando a
possibilidade. Além do mais, “matar Barbie não provaria nada (...) teria
sido apenas um acerto de contas”.15 Beate sustentava que a intenção dela
e de Serge era levá-lo à Justiça, onde provas incontestáveis de sua culpa
seriam apresentadas, e o público mais uma vez seria lembrado sobre
crimes nazistas.
O que Beate não disse, mas que ela e Serge admitiriam
posteriormente, foi que não tinham descartado o uso da força se não
pudessem tirar Barbie de lá por meios legais. “Primeiro tentamos o
sequestro”, explicou Serge na entrevista que o casal me concedeu em
Paris em 2013. Em dezembro de 1972, ele esteve no Chile para conversar
com Régis Debray, o marxista francês que se juntara a Che Guevara, o
argentino veterano da Revolução Cubana, em sua tentativa de derrubar o
regime boliviano. A tentativa fracassou: em 1967, Guevara foi morto, e
Debray acabou numa prisão boliviana, condenado a trinta anos.
Pressionadas por uma grande campanha internacional para libertá-lo, as
autoridades bolivianas soltaram Debray em 1970.16
O plano era se juntar a rebeldes bolivianos, atravessar a fronteira e
pegar Barbie. Serge levara 5 mil dólares para comprar um carro a ser
usado na operação. Segundo ele, o esforço não teve êxito porque o carro
quebrou. Mas talvez já estivesse condenado de qualquer maneira, devido
à rápida deterioração da situação no Chile, onde o presidente marxista
Salvador Allende foi derrubado por um golpe militar em 1973.
Por quase dez anos depois disso, os Klarsfelds conseguiram manter vivo
o caso Barbie, mas não pareceram avançar muito. Também estavam
ocupados com outros casos contra Lischka, Hagen e Heinrichsohn,
também ex-oficiais da SS que serviram na França ocupada. Eles eram
muito mais vulneráveis do que Barbie, pois ainda moravam na Alemanha
Ocidental. Quando os três finalmente foram condenados, em 1980, por
seu papel na deportação de cerca de 50 mil judeus da França para a morte
certa, os Klarsfelds tiveram boas razões para comemorar.
Apesar disso, não desistiram de Barbie, muito pelo contrário. Mesmo
que Beate tenha escrito rejeitando a ideia de assassiná-lo, dez anos antes,
tanto ela como Serge hoje dizem que estavam prontos para apoiar uma
iniciativa dessa natureza nos anos 1980. Banzer, o protetor boliviano de
Barbie, tinha perdido o poder em 1977, mas um novo militar forte logo
assumiu e também lhe ofereceu proteção. Em 1982, um boliviano que
morava na França procurou os Klarsfelds para lhes dizer que estava
voltando para sua terra e queria matar Barbie. “Nós lhe dissemos que
éramos a favor”, contou-me Serge, explicando que esse tipo de ação só
era justificável numa situação em que uma ditadura protegesse um
criminoso nazista, não deixando alternativa.
Porém, ao chegar à Bolívia, o pretenso assassino mandou dizer que o
regime militar estava desmoronando. Os Klarsfelds abandonaram o plano
de assassinato e voltaram a insistir com o governo francês para encontrar
uma maneira de levar Barbie à França a fim de ser julgado. Dessa vez
contavam com um aliado disposto. Como disse Serge, Debray “não era
mais um terrorista, e sim um conselheiro especial do [presidente francês]
Mitterrand”.
Depois que um governo civil substituiu os militares em La Paz, Barbie
foi preso em 25 de janeiro de 1983, supostamente por fraude contra o
governo em uma transação comercial. As novas autoridades bolivianas
não deixaram dúvida sobre seu desejo de se livrarem daquele residente
problemático. Quando os alemães-ocidentais deixaram escapar uma oferta
para mandá-lo de volta à terra natal, os esforços dos Klarsfelds junto ao
governo francês deram frutos.17 Os bolivianos levaram Barbie de avião
para a Guiana Francesa e, dali, um jato militar francês o transportou
imediatamente para a França.
Como parte dos preparativos para o julgamento de Barbie, Serge
publicou o livro The Children of Izieu: A Human Tragedy [As crianças de
Izieu: Uma tragédia humana]. Nessa obra, ele traça o perfil de cada uma
das 44 crianças despachadas para a morte; seus nomes e rostos foram
resgatados do anonimato das estatísticas para apresentar um depoimento
mudo, mas poderoso. Junto com Beate, Serge escreveu uma introdução
ressaltando que uma das principais razões para levar nazistas à Justiça era
documentar seus crimes. “E foi pelas crianças de Izieu, e exclusivamente
por elas, que localizamos e desmascaramos Klaus Barbie”,18
acrescentaram.
Barbie só foi julgado em 1987, jurando inocência até o fim. O
processo ocorreu em Lyon, a cidade onde tinha exercido seus poderes
homicidas como chefe da Gestapo. Considerado culpado de crimes
contra a humanidade, foi condenado à prisão perpétua e morreu na
prisão de Lyon quatro anos depois.

***

No decorrer das manobras para levar Barbie à Justiça, ficara faltando


esclarecer um detalhe final significativo: a alegação de que os serviços de
inteligência dos Estados Unidos o empregaram após a guerra e depois
providenciaram sua fuga para a América do Sul. Allan Ryan, que era o
diretor da OSI do Departamento de Justiça norte-americano na época do
retorno de Barbie à França, admitiu ter sido apanhado de surpresa por
essa história, em particular, pelos relatos de que Barbie tinha trabalhado
para a inteligência dos Estados Unidos. “Eu não sabia absolutamente de
nada, e foi o que eu disse”,19 declarou.
Entretanto, pressionado por indagações do Congresso e da mídia,
Ryan tinha intenção de descobrir. Em 11 de fevereiro de 1983, menos de
três semanas depois que Barbie foi levado de avião para a França, ele teve
um encontro com o diretor da Contrainteligência do Exército, que
preparara uma pasta de quase oito centímetros de espessura sobre o caso.
O documento mais recente datava de 27 de março de 1951: era um
relatório de autoria de dois agentes de informações do Exército que
haviam fornecido documentos falsos a Barbie, sob o nome de
“Altmann”, depois o escoltado até Gênova e despachado para a América
do Sul. “As provas da cumplicidade americana com Barbie eram
inequívocas, e, se não montássemos a história, todas as redes de televisão,
todos os jornais, todos os pretensos caçadores de nazistas fariam isso por
nós”,20 concluiu Ryan.
Em outros tempos, Washington teria se escondido atrás de negativas e
alegações de segurança nacional. Mas naquele momento, com a OSI em
cena e o governo oficialmente empenhado em descobrir nazistas, seria
difícil ignorar alegações tão sérias. Apesar disso, o procurador-geral
William French Smith bem que tentou. Para espanto de Ryan, Smith
decidiu que não havia necessidade de uma investigação oficial, embora
não tenha chegado a anunciar essa decisão. Enquanto o Departamento de
Justiça continuava se esquivando das perguntas sobre Barbie, tanto a
imprensa quanto os membros do Congresso faziam questão de saber por
que o órgão não agia. Ryan teve que ficar em silêncio, mas por dentro
fervilhava de raiva.
Finalmente, em 14 de março, John Martin, da emissora ABC, ligou
para dizer que estava preparando uma reportagem para o noticiário
daquela noite e que gostaria de checar se havia alguma novidade. “A
implicação clara era que alguma coisa estava sendo acobertada”,21 disse
Ryan. Ele ligou para o assessor de imprensa de Smith e o alertou. Smith
precisou apenas de meia hora para mudar sua decisão e anunciar que
autorizaria uma investigação. Martin teve tempo de incluir a notícia em
sua reportagem.
Ryan montou uma pequena equipe na OSI para desenterrar o que
pudesse. Embora não houvesse mais dúvida de que Barbie tinha
trabalhado para o Corpo de Contrainteligência (CIC, na sigla em inglês)
do Exército e se beneficiado de sua proteção, ainda não estava claro
quanto os oficiais americanos que lidaram com ele sabiam sobre seus
antecedentes em Lyon durante a guerra e dos esforços franceses para
encontrá-lo. Também não estava claro se ele tinha trabalhado para a CIA
e se continuara a colaborar com os americanos depois de encontrar
refúgio na Bolívia, em 1951.
O resultado da exaustiva investigação da OSI foi um minucioso
relatório que, embora tivesse o cuidado de manter o tom imparcial,
traçou um quadro de intrigas e fraudes internas nos serviços de
inteligência dignos de um romance de espionagem de John le Carré.
Embora a sede do CIC já tivesse mandado informações para seu
escritório regional em janeiro de 1947 identificando Barbie como o ex-
chefe da Gestapo em Lyon e um “perigoso conspirador”22 de uma rede
de antigos oficiais da SS, os agentes do CIC em serviço se concentravam
em sua mais alta prioridade: reunir informações sobre suspeitas de
atividade comunista na Alemanha ocupada. Um desses agentes, Robert S.
Taylor, foi alertado por um antigo agente de informações alemão na
França de que Barbie poderia ser de grande ajuda nesses esforços.
Taylor e seu superior imediato decidiram que, em vez de notificar a
sede, que poderia ser legalmente obrigada a pedir sua prisão, usariam
Barbie como informante. De acordo com Taylor, Barbie lhe pareceu um
“homem honesto, tanto intelectual como pessoalmente, absolutamente
destemido. É com certeza anticomunista, um nazista idealista que acredita
que suas crenças foram traídas pelos nazistas no poder”.23 Dentro de dois
meses, Taylor e seu superior estavam tão confiantes no seu valor que
fizeram abertamente um apelo à sede para que o deixasse livre enquanto
trabalhasse para o CIC.
Em outubro de 1947, um oficial do quartel-general ordenou a prisão
de Barbie, a fim de que fosse mandado ao Centro de Comando de
Inteligência Europeia para “interrogatório minucioso”,24 mas Barbie
passou ileso pela experiência. Era tido como particularmente valioso por
causa do seu conhecimento da inteligência francesa, que os americanos
acreditavam estar infiltrada de comunistas. E, talvez ainda mais
importante, seu interrogador achava mais seguro para o exército mantê-lo
na sua folha de pagamento porque seu conhecimento da “missão do CIC,
seus agentes, subagentes, fundos, etc. é muito grande”.25
O governo francês fez repetidas tentativas de localizar Barbie, com seu
embaixador em Washington e outros altos funcionários pedindo ajuda ao
Departamento de Estado e à Alta Comissão dos Estados Unidos para a
Alemanha. Enquanto isso, o CIC o mantinha empregado. No relatório da
OSI, Ryan redigiu cuidadosamente suas principais conclusões.
Argumentou que os agentes do CIC que a princípio empregaram Barbie
não deveriam ser “vilipendiados por essa decisão”, pois eram no geral
“homens patrióticos, conscienciosos, incumbidos de uma missão difícil”.
Sua decisão de recrutar Barbie para essas atribuições “não foi cínica nem
corrupta”.26
O relatório também assinalava que, naquela época, não se sabia que
Barbie era um grande criminoso de guerra e concedia o benefício da
dúvida aos primeiros oficiais do CIC que trabalharam com ele. De
acordo com David Marwell, historiador da OSI que descreve a
investigação, “não estava claro se na época em que o recrutaram era
conhecido que ele era algo mais do que um informante assalariado”.27
Todavia, em maio de 1949, sem dúvida já havia a informação de que
Barbie era procurado por sérios crimes de guerra e, mesmo assim, o CIC
ocultou diversas vezes o fato de que ele era funcionário seu, rechaçando
todas as sindicâncias da Alta Comissão dos Estados Unidos para a
Alemanha. Como consequência, a cúpula militar de lá “não sabia que
oficiais do CIC conheciam o paradeiro de Barbie e não tinha razões para
suspeitar que o CIC não estivesse falando a verdade”. Isso levou a Alta
Comissão a negar repetidamente aos franceses que soubesse do paradeiro
de Barbie.
O relatório concluiu que o CIC também manteve a CIA
deliberadamente desinformada sobre Barbie. Havia uma feroz rivalidade e
um clima de profunda desconfiança entre as duas agências. Depois da
chegada de Barbie à América do Sul, acrescentava o relatório, não havia
nenhuma prova de que ele tivesse trabalhado para o CIC ou para
qualquer outra agência governamental dos Estados Unidos.
Tudo isso levou Ryan a afirmar, nas conclusões do relatório, que “a
decisão de usar um ex-nazista, mesmo um ex-oficial da Gestapo, é uma
coisa; a decisão de usar uma pessoa procurada por crimes de guerra é
outra, bem diferente”. Quanto ao que fez o CIC depois de perceber que
tinha ido longe demais, sua opinião é ainda mais severa: “O medo de
constrangimento não é desculpa válida para que uma agência do governo
forneça conscientemente informações falsas para outra”, escreveu.
O relatório também foi franco ao detalhar o papel do CIC na saída de
Barbie da Europa. Apesar de os americanos já terem ajudado outros
antigos nazistas a escaparem da Alemanha, aquele foi o primeiro e único
caso, afirmava o documento, em que fizeram uso do infame “Caminho
dos Ratos”. Pagaram ao padre croata Krunoslav Dragonovic — que tinha
ajudado acusados de crimes de guerra do seu país a fugirem pela mesma
rota — para que providenciasse a viagem de navio de Barbie e sua família
para Buenos Aires. De lá, eles seguiram para a Bolívia.
Em suas memórias, Ryan chamou todo o episódio de “crônica de
desonra”.28 Mas disse que sentia orgulho do relatório da OSI e do
impacto imediato que teve. Em uma nota formal ao governo francês que
acompanhava a cópia do documento, o secretário de Estado George
Shultz manifestou “profundo pesar ao governo da França” pelo papel dos
Estados Unidos em retardar a Justiça por tanto tempo.29 Embora a
cobertura da mídia explorasse também esse tema, Washington recebeu
elogios generalizados por resolver lidar de forma honesta com seu passado
histórico. Ryan ficou satisfeito em especial com a mensagem do ministro
francês da Justiça, Robert Badinter, ao procurador-geral Smith. “Este
trabalho rigoroso revela uma preocupação com a investigação da verdade
que honra a sua sociedade”,30 escreveu o francês.
A longa campanha dos Klarsfelds para localizar e capturar Barbie
produziu um efeito cascata muito maior do que eles poderiam ter
imaginado.
CAPÍTULO QUATORZE

MENTIRAS DO TEMPO DA GUERRA


“Há uma história na vida de todos os homens.”
WILLIAM SHAKESPEARE, HENRIQUE IV

Se o jeito de lidar com o caso Barbie representou uma inequívoca vitória


da Justiça e um louvável esforço para contar direito a história, o caso Kurt
Waldheim não poderia ser mais diferente. Quando o antigo secretário-
geral da ONU surgiu como o candidato mais forte nas eleições
presidenciais da Áustria, em 1986, uma série de revelações sobre seu
passado de guerra não só deflagrou um debate intenso durante a
campanha como também provocou recriminações coléricas entre
caçadores de nazistas rivais e entre a comunidade judaica da Áustria e o
Congresso Judaico Mundial, sediado em Nova York. Não houve
vencedores, e muitas reputações ficaram chamuscadas.
Em 29 de janeiro de 1986, Eli Rosenbaum assistia à Assembleia
Plenária Global do Congresso Judaico Mundial em Jerusalém quando
Israel Singer, secretário-geral da organização, informou-o de repente que
ia mandá-lo a Viena. Havia algo lá que precisava ser verificado. “Tem a
ver com Kurt Waldheim”, explicou. “Acredite ou não, parece que nosso
dr. Waldheim foi nazista. Nazista mesmo.”1
Rosenbaum, que tinha acabado de voltar de Manhattan, onde
trabalhara por um breve período em uma firma de advogados e de lá saíra
para assumir o cargo de principal advogado do Congresso, não acreditou.
Não era segredo para ninguém que Waldheim tinha servido na
Wehrmacht e que fora ferido na frente oriental, mas isso não provava que
tivesse pertencido ao Partido Nazista ou feito nada além de seus deveres
de soldado. O trabalho anterior de Rosenbaum na Diretoria de
Investigações Especiais do Departamento de Justiça norte-americano lhe
dera uma boa noção da dificuldade de atribuir responsabilidade por
crimes específicos àqueles que tinham servido ao Terceiro Reich. “Muito
frustrante”, disse ele a Singer, tentando escapar da tarefa. Tinha apenas
trinta anos, mas já ficava cansado só de pensar na possibilidade de voltar a
suas antigas atribuições.
Singer, cujos pais tinham fugido da Áustria, não ia desistir tão fácil.
Levou Rosenbaum para uma conversa com outro participante da
conferência. Leon Zelman era um polonês sobrevivente de Auschwitz e
Mauthausen e dirigia o Serviço de Recepção dos Judeus em Viena,
localizado num pequeno escritório em frente à Catedral de Santo
Estêvão. Nessa qualidade, trabalhara muito para incentivar os judeus a
visitarem a Áustria e a combater manifestações do arraigado
antissemitismo daquele país. Zelmon contou que um incidente recente e
perturbador tinha levantado novas dúvidas sobre o passado de
Waldheim.2
Zelman puxou um artigo do semanário vienense Profil sobre uma
controvérsia ocasionada pela decisão de uma academia militar austríaca de
instalar uma placa homenageando o general Alexander Löhr, comandante
das forças armadas do país antes da incorporação da Áustria pela
Alemanha. No comando da Luftwaffe na Segunda Guerra Mundial, Löhr
supervisionara o bombardeio-surpresa de Belgrado em 6 de abril de
1941, que destruíra boa parte da capital iugoslava e matara milhares de
civis. Em 1947, fora julgado na Iugoslávia, condenado à morte e
enforcado como criminoso de guerra.
Em 1942, Löhr tinha sido transferido para a Wehrmacht a fim de
servir como comandante do Grupo de Exército E, responsável pela
Iugoslávia e pela Grécia. Bem no fim do artigo, o autor mencionava
“rumores” de que Waldheim tinha servido no estado-maior de Löhr.
Ressaltava que ele era apenas um oficial subalterno, mas Zelman vira
nisso uma informação potencialmente explosiva.
Levando em conta o exame minucioso a que Waldheim fora
submetido durante o tempo em que estivera à frente das Nações Unidas,
Rosenbaum continuou em dúvida. Se ele de fato servira no estado-maior
de um criminoso de guerra condenado, por que essa informação não
aparecera antes? E, uma vez que Löhr fora enforcado pelos crimes que
tinha cometido antes de ir para a Wehrmacht — portanto antes de
qualquer possível envolvimento de Waldheim —, Rosenbaum raciocinou
que isso não “era motivo para condenação”, ainda que os rumores
pudessem ser confirmados.
Antes que Rosenbaum pudesse externar essas dúvidas, Zelman
destacou o “ingrediente que faltava” no relatório da Profil. Em sua
autobiografia, em suas biografias oficiais e em sua correspondência,
Waldheim nunca mencionara ter servido nos Bálcãs durante a guerra.
Depois que foi ferido na frente oriental, em 1941, voltara para a Áustria,
e seus relatos sempre indicaram que aquilo tinha posto fim à sua carreira
militar. Numa carta de 1980 ao congressista americano Stephen Solarz,
por exemplo, ele dera a explicação padrão sobre o que viera em seguida:
“Incapacitado de continuar servindo no front, retomei meus estudos de
direito na Universidade de Viena, onde me formei em 1944.”3
“Mas há alguma coisa muito errada, compreende?”, continuou
Zelman. “Se ele deixou [a ativa] em 1941, como é que poderia ter
servido no exército de Löhr? Löhr só chegou ao exército depois de sair
da Luftwaffe, em 1942. Tem que haver alguma mentira aí.”
Zelman se ofereceu para acompanhar Rosenbaum a Viena, quando a
conferência acabasse, recomendando-lhe que fosse “discreto” em suas
perguntas. Apesar de continuar duvidando que houvesse alguma novidade
a ser descoberta sobre Waldheim, e de estar com muita vontade de voltar
para Nova York, Rosenbaum percebeu que não havia escolha senão
concordar. Pelo menos Zelman estaria lá para lhe fornecer as pistas de
que precisaria para checar as questões levantadas pelo artigo da Profil.
Contudo, no primeiro dia em Viena, Zelman, desculpando-se,
desenganou-o dessa ideia. Quando Rosenbaum lhe pediu sugestões sobre
como começar a fazer perguntas a respeito do passado de Waldheim, sua
atitude mudou. Ficou pálido, parecendo mais velho e temeroso. “Você
sabe que minha situação na Áustria já é difícil, meu caro Eli”, disse.
“Adoro esta cidade, adoro mesmo, mas sei também o que existe abaixo da
superfície.”
O recado era claro: por ser um judeu que vivia em Viena, ele não
queria estar vinculado a nada que Rosenbaum viesse a descobrir. Quando
o americano lhe perguntou se pelo menos poderia mantê-lo a par dos
próprios avanços, Zelman foi enfático: “Por favor, não. Não, acho que
não. Por favor, me mantenha fora disso.”
Disse ainda que gostaria de saber o resultado final e que Rosenbaum
poderia procurá-lo se tivesse alguma dificuldade. Mas, fora isso, estava
inequivocamente dando um basta a seu envolvimento pessoal.
“Evidentemente, uma coisa era ser um velho e destemido judeu em
Jerusalém; e outra bem diferente, em Viena”, concluiu Rosenbaum.

***

Não era apenas questão de coragem ou medo, como Rosenbaum supôs


de início. Zelman sabia que qualquer investigação do histórico de guerra
de Waldheim durante a campanha presidencial deflagraria uma reação de
seus partidários, que poderia facilmente se voltar contra os judeus e
contra os adversários socialistas de Waldheim. Ele era o candidato do
conservador Partido Popular, enquanto os socialistas tinham apresentado
Kurt Steyrer, o azarão da corrida. O favorito explorava o papel de líder
da ONU para impressionar os compatriotas com suas credenciais
internacionais. “Dr. Waldheim, um austríaco em quem o mundo confia”,
proclamavam os cartazes da sua campanha. Como Rosenbaum observou
sarcasticamente, Waldheim era o “austríaco mais conhecido desde
Hitler”.4
Graças a outros contatos que Singer lhe fornecera, Rosenbaum
começou a se associar a pessoas que vinham cavando o passado de
Waldheim. Como observou, a maioria era ligada ao Partido Socialista, no
poder; foram elas que revelaram a história inicial para a Profil, mas ficaram
decepcionadas porque aparentemente não tinha havido impacto. Com a
chegada de Rosenbaum a Viena, fizeram outra tentativa; nesse meio-
tempo, tinham descoberto mais sobre Waldheim. Eli Rosenbaum
conseguiu um encontro com “Karl Schuller”, pseudônimo que deu ao
homem que o fizera jurar que manteria sua identidade em segredo.
Schuller e alguns parceiros tinham lançado a investigação informal, na
esperança de desmascarar Waldheim.
Tinham pesquisado no Centro de Documentação de Berlim, dirigido
pelos Estados Unidos e que guardava documentos nazistas capturados,
mas não encontraram nada sobre ele. Tiveram mais sorte nos Arquivos
Estatais da Áustria. A folha de serviços militares de Waldheim estava
numa pasta selada, mas Schuller disse que “um amigo que trabalha no
governo” conseguiu cópia de algumas páginas. Embora Waldheim tivesse
apresentado seus antecedentes familiares como antinazistas e houvesse de
fato feito campanha contra a incorporação da Áustria à Alemanha, os
arquivos mostravam que ele se adaptara rapidamente ao novo regime
quando o Anschluss foi consumado, em 1938. Logo aparecera numa lista
de membros de uma organização estudantil nazista e, o que era mais
revelador, de uma unidade montada da SA, o braço paramilitar nazista
conhecido como Tropa de Assalto.5
Como se isso não fosse suficientemente explosivo, Schuller mostrou
uma foto tirada em 22 de maio de 1943, que trazia um carimbo militar
oficial e mostrava quatro oficiais num campo de aviação. Segundo a
legenda, o grupo incluía um oficial italiano, um major-general da SS e o
primeiro-tenente Kurt Waldheim. O local da foto era Podgorica, o que o
colocava na capital de Montenegro numa época em que consistentemente
sugeria estar apenas estudando direito em Viena. Era mais uma
confirmação de que servira nos Bálcãs, onde Löhr estava no comando.
Como Rosenbaum percebeu, as informações que Schuller e sua
equipe tinham reunido sobre os anos de guerra de Waldheim estavam
longe de ser completas, mas seu ceticismo inicial cedeu lugar a uma
convicção crescente de que aquele material seria o bastante para alimentar
uma grande cobertura de imprensa. Apesar disso, gostaria de ver o que
mais tinham feito para comprovar suas descobertas, então fez a pergunta
que lhe parecia óbvia: “Vocês mostraram as fotos e os documentos para
Simon Wiesenthal? Eu poderia chamá-lo e...”
Schuller o interrompeu: “Ah, pelo amor de Deus, não!”, então
perguntou se Wiesenthal sabia que Rosenbaum estava em Viena.
Quando Rosenbaum garantiu que ainda não tinha contado a
Wiesenthal, Schuller ficou aliviado. “Ótimo. Ele não pode saber o que
estamos fazendo.” Explicou que Wiesenthal tinha desprezo pelos
socialistas e, por isso, defendia o Partido Popular. Se o caçador de nazistas
entrasse no circuito, “iria direto procurar Waldheim”, afirmou Schuller.
Durante a conversa, segundo a versão de Rosenbaum, ele tentou
argumentar que seria um erro não contar a Wiesenthal. “Estamos em
Viena”, disse, “bem debaixo do nariz dele. Se não o envolvermos desde o
início, será muito difícil conseguir que nos ajude depois.”
Porém Schuller não cedeu. Disse que deixaria de colaborar se ele
procurasse Wiesenthal.
Rosenbaum achou melhor obedecer. As consequências seriam muito
mais sérias até do que ele mesmo previa.6

***

Rosenbaum voltou a Nova York para contar aos chefes o que tinha
descoberto. O presidente do Congresso Judaico Mundial, Edgar M.
Bronfman, o bilionário diretor da Seagrams, de início teve dúvidas se o
grupo deveria ir a público divulgar o que já sabia. “Nosso negócio não é
caçar nazistas”,7 disse. Todos sabiam que aquilo seria visto como
“campanha de difamação política” para impedir a eleição de Waldheim,
lembrou Rosenbaum. Mas sabiam também que, se ficassem calados até
depois da votação, poderiam ser acusados de proteger Waldheim. Armado
com um memorando de Rosenbaum, Singer insistiu para que Bronfman
aprovasse ação imediata. Depois de refletir sobre os diversos argumentos,
o presidente devolveu o memorando de Rosenbaum com um despacho
escrito à mão: “Executar. EMB.”
Rosenbaum procurou o The New York Times, e John Tagliabue, um
dos seus mais talentosos correspondentes, entrou no assunto. A Profil
também continuou sua investigação e, no número publicado em 2 de
março, deu em primeira mão a notícia da filiação de Waldheim à
organização estudantil nazista e à SA.
Tagliabue tinha entrevistado Waldheim um dia antes para confrontá-lo
com as informações obtidas até então, e o The New York Times publicou
sua reportagem em 3 de março. A história causou furor no mundo
inteiro. “Arquivos mostram que Kurt Waldheim serviu sob comando de
criminoso de guerra”, proclamava a manchete. Tagliabue explicava que
Waldheim estivera ligado ao comando que suprimira brutalmente
unidades guerrilheiras na Iugoslávia e deportara judeus gregos de Salônica
para Auschwitz e outros campos. Também ressaltava que ele tinha sido
designado para o comando do exército em Salônica em março de 1942 e
servira como intérprete para oficiais alemães e italianos na Iugoslávia.8
Cobrindo a história para a Newsweek, logo fui até Waldheim em
Semmering, cidade turística montanhosa onde ele passava a noite depois
de um longo dia de campanha.9 Ele não estava nem um pouco ansioso
para lidar com perguntas sobre as revelações da Profil e do The New York
Times, mas concordou em me dar uma entrevista em seu hotel,
claramente calculando que poderia aproveitar para minimizar os danos.
Estava irritadiço, mas conseguia manter as emoções suficientemente sob
controle para dar a impressão de que todo aquele repentino alvoroço era
resultado de um “mal-entendido” que ele não teria dificuldade para
esclarecer.
Ao abordar a questão da SA e da organização estudantil nazista,
Waldheim usou exatamente essa palavra. Nunca tinha pertencido à SA
nem a qualquer outra organização nazista, insistiu em dizer. Como
estudante da Academia Consular em Viena, participara em “uns poucos
exercícios esportivos” de um grupo de alunos de equitação, disse. Só mais
tarde, e sem seu conhecimento, as listas de participantes desses grupos
foram incorporadas à SA. Da mesma forma, tinha assistido “a algumas
reuniões, nada mais” de um grupo estudantil de discussões. “Não fui
membro de nenhuma dessas organizações. Parece haver um mal-
entendido.”
Ao contrário da SS, a SA nunca foi declarada uma organização
criminosa pelos Aliados vitoriosos, e seus membros não carregavam o
mesmo estigma. Além disso, quando ingressavam no exército, jovens
como Waldheim não podiam continuar pertencendo à SA. Portanto, a
questão dizia mais respeito à credibilidade de Waldheim: teria ele
mentido sobre seu passado ao longo de todos aqueles anos durante os
quais abrira caminho até chegar ao topo da maior organização
internacional do mundo? Teria, deliberadamente, ocultado o tempo de
serviço nos Bálcãs sob o comando de Löhr? Em caso positivo, o que mais
estaria escondendo?
Em contraste com seus protestos de que nunca tinha pertencido à SA
ou ao grupo de estudantes nazistas, ele não negava ter sido designado para
os Bálcãs. “Meu tempo de serviço no Exército alemão não é segredo
nenhum”, disse. Mas até então só falara abertamente sobre a primeira
parte da carreira militar. Os documentos não deixavam dúvida de que
tinha voltado à ativa depois que se recuperou do ferimento na perna
sofrido na Rússia e de que tinha sido mandado para o comando do
Exército em Salônica, enquanto, ao mesmo tempo, prosseguia
intermitentemente os estudos de direito.
Perguntei por que sempre ocultava essa parte da história, até mesmo
na recém-publicada autobiografia. “Não entrei nesses detalhes, que em
minha opinião não tinham tanta importância”, respondeu. Era uma
explicação pouco convincente, mas ele pareceu acreditar que seria
possível se safar com ela.10
Ficou bem mais animado quando indaguei sobre sua afirmação, na
entrevista para o The New York Times, de que não sabia nada sobre a
deportação de judeus de Salônica. Em 1943, quando estava baseado lá,
milhares de judeus foram postos em trens que partiam um atrás do outro
para campos de extermínio. Reafirmou que suas tarefas nos Bálcãs eram
basicamente as de intérprete, o que explicava sua foto com os generais
italiano e alemão. Disse que em Salônica ele se concentrava também na
análise de relatórios de campanha sobre movimentos de tropas inimigas.
“É claro que lamento profundamente”, afirmou, referindo-se às
deportações. “Isso é parte da terrível experiência do Holocausto, mas só
posso lhe dizer que eu não tinha nenhum conhecimento (...) é a primeira
vez que ouço falar dessas deportações.”
Enquanto conversávamos, ele foi ficando mais insistente. “Acredite ou
não, a verdade é esta, e eu gostaria muito de encerrar o assunto, porque
não existe um pingo de veracidade na afirmação de que eu soubesse disso.
Nada. Nunca me envolvi nessas coisas. Eu não tinha conhecimento disso.
É uma campanha muito bem-organizada contra mim.”
Mas “o assunto” dificilmente seria encerrado; estava apenas
começando.

***

Simon Wiesenthal foi apanhado de surpresa quando a história de


Waldheim estourou. Observou amargamente em suas memórias que só
então ficou sabendo que Rosenbaum tinha estado em Viena, “sem me
fazer uma visita ou sequer me telefonar”.11 Wiesenthal tinha lidado antes
com funcionários do Congresso Judaico Mundial e, como Rosenbaum
previra, ficou ofendido por terem lançado uma investigação dessas — e a
subsequente campanha publicitária em seu próprio terreno — sem
consultá-lo.
Além disso, não era a primeira vez que circulavam rumores sobre os
serviços de Waldheim durante a guerra. Em 1979, os israelenses pediram
a Wiesenthal que verificasse se ele tinha um passado nazista que explicasse
sua postura pró-árabe na ONU. Wiesenthal informou ter entrado em
contato com Axel Springer, o célebre editor alemão-ocidental, que
concordou em examinar os registros do Centro de Documentação de
Berlim para ele, por ter fácil acesso. Essa investigação não chegou a
nenhum indício de que Waldheim tivesse pertencido a qualquer
organização nazista, só mostrou que ele servira nos Bálcãs, mas naquela
ocasião os esforços de Waldheim para omitir qualquer menção a essa
atividade militar eram menos evidentes e não pareciam significativos.
Quando o caso Waldheim veio à tona em 1986, Wiesenthal não ficou
incomodado com a revelação de que Waldheim pertencera a uma
organização estudantil nazista. Wiesenthal citou seu amigo íntimo, Peter
Michael Lingens, destacado jornalista austríaco, que lembrara que essa
filiação às vezes era necessária “até para se conseguir um quarto numa
república de estudantes”.12 Também não ficou terrivelmente
transtornado com a notícia de que o grupo de equitação de Waldheim
era parte da SA. Mas, apesar de zangado com o Congresso Judaico
Mundial, ele logo denunciou Waldheim não pelo que tinha feito —
afinal, nenhuma prova surgiu de que estivesse diretamente envolvido em
crimes de guerra —, mas pelo que dizia não saber. Para Simon
Wiesenthal, era simplesmente impossível acreditar na alegação de
Waldheim de que nada sabia sobre a deportação de judeus de Salônica.
“Ele reage como se estivesse em pânico”, me disse Wiesenthal. “Não
entendo por que está mentindo.”13
Waldheim procurou Wiesenthal depois dessa acusação. O candidato
reiterou que ignorava o que acontecia com os judeus em Salônica
enquanto esteve lá. “Impossível que não você tenha notado nada”,
replicou Wiesenthal. “As deportações se estenderam por seis semanas.
Quase dois mil judeus eram deportados a cada dois dias; os trens militares
que traziam equipamentos para a Wehrmacht, ou seja, para o seu pessoal,
levavam judeus na viagem de volta.”
Waldheim continuou insistindo que não sabia de nada. Wiesenthal
lembrou que os judeus compunham quase um terço da população de
Salônica, e ele certamente teria notado algo — lojas judaicas lacradas,
judeus escoltados pelas ruas e outros sinais reveladores. Quando
Waldheim lhe deu a mesma resposta, ele disse: “Não consigo acreditar em
você.”
Wiesenthal duvidava também da alegação de Waldheim de que não
tinha conhecimento das atrocidades cometidas por tropas alemãs na
Iugoslávia, apesar de essas tropas fazerem parte de seu grupo de exército.
Sua posição de oficial da inteligência — não apenas de intérprete, como
inicialmente ressaltava — significava que ele era “um dos oficiais mais
bem-informados”, concluiu Wiesenthal.14
Nada disso, no entanto, queria dizer que Wiesenthal estivesse pronto
para aplaudir o Congresso Judaico Mundial por sua ofensiva contra o ex-
secretário-geral da ONU, muito pelo contrário. Apesar do nome, aquela
organização era “não mais do que uma organizaçãozinha judaica de
importância inferior”,15 declarou. Mesmo convencido de que Waldheim
era mentiroso e oportunista, “ele não foi nem nazista nem criminoso de
guerra”,16 afirmou. Mas o Congresso Judaico Mundial, acrescentou
Wiesenthal, tinha imediatamente “proclamado Waldheim um nazista
linha-dura e quase um criminoso de guerra condenado”.17
Os defensores de Waldheim faziam a mesma acusação, denunciando
com veemência o que lhes parecia um complô judaico para derrubar seu
candidato. Rosenbaum observou corretamente que a reportagem do The
New York Times, que refletia as descobertas do Congresso Judaico
Mundial, não acusava Waldheim de crimes de guerra e que, de início, a
questão dizia respeito às mentiras dele.18 Apesar disso, como admitiu no
relato que apresentou mais tarde, ele e os funcionários do Congresso
Judaico Mundial ficaram estupefatos com a ferocidade da reação — dele e
de boa parte da imprensa austríaca — e a incapacidade de se esquivar com
eficácia das dúvidas manifestadas sobre seus verdadeiros objetivos. Diante
da indagação sobre estarem tentando influenciar as eleições, responderam
que só lhes interessava saber como Waldheim fora eleito duas vezes
secretário-geral da ONU nos anos 1970 apesar de haver tantos pontos de
interrogação em seu passado. “Mas foi uma afirmação tão obviamente
falsa que não convenceu ninguém”,19 admitiu Rosenbaum. “Nós
queríamos muito que Waldheim desistisse — ou fosse obrigado a desistir
— da disputa eleitoral.”
O Congresso Judaico Mundial e um exército cada vez maior de
repórteres partiram à procura de mais informações condenatórias ainda
não trazidas à luz. O Congresso Judaico Mundial contratou o historiador
Robert Edwin Herzstein, da Universidade da Carolina do Sul, para
vasculhar os registros. As reportagens resultantes levantaram novas
perguntas sobre que papel Waldheim desempenhara na campanha da
Wehrmacht nos Bálcãs, como fora parar na lista de suspeitos de crimes de
guerra dos Aliados em 1948 e por que nenhum governo pedira sua
extradição — em especial a Iugoslávia, que não apresentara acusações de
crimes de guerra contra ele. Waldheim passara longe de ser um mero
intérprete: no posto de oficial da inteligência, suas atribuições incluíam
lidar com relatórios sobre a captura de comandos britânicos
posteriormente desaparecidos e encarregar-se do interrogatório de
prisioneiros. Como ele mesmo já tinha admitido, incluíam também
relatórios sobre atividades guerrilheiras na Iugoslávia.
Montando uma contraofensiva de relações públicas, Waldheim enviou
o filho Gerhard a Washington para apresentar ao Departamento de Justiça
um memorando de 36 páginas defendendo sua folha de serviços no
exército e negando qualquer participação em crimes de guerra. Rebatia
acusações de que tivesse desempenhado algum papel nos massacres
ocorridos nos vilarejos da Iugoslávia em outubro de 1944. Naquela
época, tropas alemãs batiam em retirada em praticamente toda parte, e
Löhr moveu suas tropas do sul dos Bálcãs, avançando para o norte pela
Macedônia. Para tanto, precisava controlar um trecho essencial da estrada
entre as cidades de Stip e Kocani. Em 12 de outubro, como indicavam os
documentos desenterrados pelo Congresso Judaico Mundial, Waldheim
assinou um relatório sobre “reforçada atividade de bandoleiros [partisans]
na estrada Stip-Kocani”.20
Não havia dúvida de que tropas alemãs tinham prontamente liberado
sua fúria contra três vilarejos ao longo dessa estrada, mas a questão
fundamental era determinar em que momento e se o derramamento de
sangue fora deflagrado pelo relatório de Waldheim. O memorando
levado a Washington afirmava que as tropas alemãs tinham chegado aos
vilarejos em 20 de outubro, ou seja, mais de uma semana depois do
relatório sobre a atividade de guerrilheiros na região. Se isso estivesse
correto, seria difícil vincular o relatório do ex-secretário-geral da ONU
ao que aconteceu em seguida.
Em companhia de um jornalista iugoslavo, fui à Macedônia tentar
descobrir alguma coisa nas três aldeias que ocuparam o centro da disputa.
O que achei lá contrastava muito com as amenas declarações de
Waldheim durante a campanha eleitoral, que sugeriam que as tropas
alemãs nos Bálcãs tinham se envolvido em atividades ordinárias de guerra,
por mais violentas que fossem, mas não em crimes de guerra. “Houve
vítimas dos dois lados”, dissera. Os sobreviventes contavam uma versão
bem diferente, e todos lembravam que os massacres ocorreram em 14 de
outubro — não no dia 20, como Waldheim dizia.
Petar Kocev contou que voltava para casa no vilarejo de Krupiste
depois de um dia de trabalho no campo. Oficiais alemães reuniram todos
os homens dali, distribuindo-os em filas de dez. Kocev estava na primeira
fila, mas era o décimo primeiro homem, por isso foi tirado de lá no
último momento. “Todos os dez foram fuzilados imediatamente”, disse.
Em seguida, os alemães abriram fogo contra os demais. Kocev correu
para um rio a um quilômetro e meio de distância e ficou um mês
escondido nas colinas. “Quando voltei, só restavam as paredes das casas.
Tudo tinha sido queimado.”
Risto Ognjanov apontou para um pequeno monumento em
homenagem às 49 vítimas do vilarejo, contando que, quando os alemães
apareceram, disse ele, ordenaram que ele e outros moradores ficassem de
quatro naquele lugar. “Eu simplesmente desabei quando os tiros
começaram”, lembrou-se. “Dois mortos caíram por cima de mim.
Depois dos tiros, os alemães se puseram a conferir quem estava vivo,
atirando nos pés.” Os corpos que cobriam Ognjanov o protegeram.
Quando os alemães partiram, ele e mais dois sobreviventes saíram
rastejando de debaixo da pilha sangrenta de corpos. “Para mim, 14 de
outubro é meu segundo aniversário”, disse, irrompendo em lágrimas.
“Foi o começo da minha segunda vida.” Havia histórias parecidas nas
outros vilarejos.
Nada disso provava que Waldheim fosse diretamente responsável pelos
massacres, mas determinava que seu relatório sobre “atividade de
bandoleiros” naquela área fora mandado apenas dois dias antes que eles
ocorressem, o que tornava mais provável que seu documento fizesse parte
de uma série de acontecimentos que levaram aos massacres.
A essa altura, eu ainda não tinha falado com Rosenbaum, pois um
colega em Nova York cuidava das entrevistas com ele e outros
funcionários do Congresso Judaico Mundial. Porém, depois que minha
reportagem saiu na revista, Rosenbaum me ligou para verificar se todos
os sobreviventes com quem eu conversara tinham certeza da data dos
massacres. Certeza absoluta, respondi.

***

O impacto da enxurrada de histórias foi duplo: aos olhos de boa parte do


mundo, Waldheim se tornava cada vez mais suspeito, mas, para muitos de
seus compatriotas, ele era vítima de uma campanha de difamação. Essa
última hipótese, é claro, foi a versão que Waldheim e seus partidários
continuaram a vender nos comícios eleitorais. Como ele não obteve os
50% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais em maio, a
disputa foi para o segundo turno, quando redobraram esforços para
supervalorizar os ataques de pessoas como Singer, do Congresso Judaico
Mundial, e o então ministro das Relações Exteriores de Israel, Yitzhak
Shamir. Num comício a que assisti, Waldheim concentrou suas críticas
nos “círculos de fora”, que ele acusava de dirigirem uma campanha de
difamação. “Nem um Herr Singer em Nova York, nem um Herr Shamir
em Israel (...) têm o direito de se meter nos assuntos internos de outro
país”, declarou.21
Essa linguagem nem precisava ser decodificada: a mensagem era que os
judeus precisavam aprender uma lição. “Senhoras e senhores, basta de
passado!”, acrescentou. “Temos problemas mais importantes para
resolver.”
Concentrando toda a sua artilharia nessa direção, Waldheim se recusou
a debater com o adversário socialista e anunciou que não responderia
mais perguntas da imprensa estrangeira. Quando o procurei no começo
do comício para ver se abria uma exceção, ele deu vazão à sua ira.
“Quero lhe dizer com toda a franqueza que a cobertura da sua revista foi
tão ruim, tão negativa e tão contra a boa-fé que não pretendo dar
nenhuma entrevista. Vocês sempre aceitam os argumentos negativos e
nunca aceitam os positivos no que me diz respeito.” Quanto às acusações
que lhe faziam, alegara que “nada é verdade, tudo é invenção”. Então,
apontando para um gravador que eu segurava perto dele, acrescentou:
“Isto não é uma declaração oficial.”
Isso resumia o clima de amargura generalizada dos últimos dias da
campanha. O psiquiatra vienense Erwin Ringel chamou a atenção para
“o absurdo” da estratégia de eleição de Waldheim, que começara
enfatizando sua estatura internacional e terminava daquele jeito.22 “De
início era ‘Elejam Waldheim porque o mundo o ama’”, comentou.
“Agora é ‘Elejam Waldheim porque o mundo o odeia’.”
Essas táticas funcionaram: Waldheim venceu no segundo turno. Na
esteira da vitória, não resistiu à tentação de zombar do grupo que ele
julgava responsável pela “campanha de difamação”23 a que fora
submetido. “Mesmo que o Congresso Judaico Mundial remexa arquivos
até o fim dos tempos, jamais encontrará nada que me incrimine”,24
declarou.
No fim, o Congresso Judaico Mundial pôde reivindicar uma vitória
parcial quando, em abril de 1987, a Diretoria de Investigações Especiais
do Departamento de Justiça norte-americano, antigo empregador de
Rosenbaum, divulgou o próprio relatório sobre Waldheim, afirmando
que um exame de suas atribuições nos Bálcãs “revela que ele ajudou na
fácil operação de uma organização militar nazista que cometeu numerosos
e diretos atos de perseguição contra cidadãos Aliados e civis”.25 Entre
outros episódios, o documento mencionou especificamente “os massacres
de Kocane-Stip e a deportação de judeus gregos”. Com base nisso,
Waldheim foi incluído na Lista de Observação dos Estados Unidos, o que
significou que jamais teria permissão para entrar novamente no país, nem
mesmo para falar nas Nações Unidas, a organização que ele um dia
chefiara. Depois de cumprir um mandato, Waldheim não tentou se
reeleger em 1992.
Herzstein, o historiador da Segunda Guerra Mundial que o Congresso
Judaico Mundial despachou para investigar a ficha de Waldheim, escreveu
um livro que resumia suas conclusões. Apesar de concordar com a decisão
do Departamento de Justiça de inclui-lo na Lista de Observação, afirmou
que ele “não era maldoso, apenas ambicioso e esperto (...) era um
homem, como tantos de sua geração, que tentara se livrar do incômodo
fardo do passado esquecendo-o”. E concluiu: “Pelo que agora sabemos, é
justo dizer que Waldheim, apesar de ter auxiliado muitos indivíduos que
caíram na categoria de criminosos de guerra, não era, ele mesmo, um
criminoso de guerra. Na verdade, ele foi um acessório burocrático tanto
para as atividades criminosas como para as atividades militares legítimas
[de sua unidade] (...) Waldheim foi um facilitador. No geral, os Aliados
Ocidentais não processaram esses indivíduos depois da guerra.”26
Foi uma visão muito mais matizada do que a apresentada pelos líderes
do Congresso Judaico Mundial e seus defensores durante a campanha.
“Num mundo perfeito, ele iria a julgamento”,27 declarou o diretor
executivo do Congresso Judaico Mundial, Elan Steinberg, ignorando o
fato de que nenhuma prova incontestável que pudesse levar a uma
condenação fora encontrada. Beate Klarsfeld apareceu nos comícios de
Waldheim para perturbá-lo, juntando-se a pequenos grupos de
manifestantes que soltavam balões com os dizeres “Feliz aquele que
esquece” e segurando cartazes que chamavam o candidato de mentiroso e
criminoso de guerra. Irritados, os partidários de Waldheim arrancavam os
cartazes de suas mãos.28
“Estou aqui para mostrar que é perigoso para a Áustria eleger um
homem como Waldheim”, me disse Beate, entre um protesto e outro em
Viena. “Os austríacos precisam abrir os olhos para isso.”29 Mas essas
advertências pareciam ajudar Waldheim. Quando Beate Klarsfeld tentou
interromper o candidato, que falava em outro comício, foi impedida de
pegar o microfone. “Sente-se, sra. Klarsfeld”, disse o prefeito de Viena,
Ehrard Busek, que presidia a sessão. “A senhora aqui é convidada. Isto
não é um comício seu.” Na plateia ouviram-se gritos de “Fora daqui, sra.
Klarsfeld”.
Singer, o secretário-geral do Congresso Judaico Mundial, não ajudou
nem um pouco ao fazer uma ameaça direta em uma muito citada
entrevista à Profil. “É preciso ficar bem claro para o público austríaco que,
se Waldheim for eleito, os próximos anos não serão nada fáceis para a
Áustria”, disse, e acrescentou que as acusações apresentadas pela
organização “atormentariam e seguiriam” não só Waldheim, mas toda a
nação, e a atividade turística sofreria as consequências.30
Até Rosenbaum reconheceu que seu chefe tinha falado “no calor do
momento”, mas os principais líderes não demonstraram
arrependimento.31 Bronfman, presidente do Congresso Judaico Mundial,
não deu atenção àqueles que temeram por suas táticas. “Muitos líderes
judeus acharam que esse ‘ataque’ causaria má vontade ou coisa pior”,32
escreveu em suas memórias. “Acho que era um imperativo moral, e, em
toda parte aonde fui, as plateias estavam cem por cento comigo.”
Acrescentou que a campanha foi “tremenda publicidade para o
Congresso Judaico Mundial, colocando-nos em posição de destaque.”
Entretanto, muitos membros da pequena comunidade judaica da
Áustria ficaram assombrados com os resultados adversos dessa publicidade.
Wiesenthal foi o mais estridente deles e acusou diretamente o Congresso
Judaico Mundial pelo ressurgimento do antissemitismo aberto.
“Angariamos muitos amigos de Israel entre a população jovem”, disse,
referindo-se aos esforços da comunidade judaica para promover o diálogo
e a compreensão. “Agora todo esse esforço de construção foi
destruído.”33
Outros líderes dos judeus austríacos partilhavam a frustração de
Wiesenthal com o Congresso Judaico Mundial por não ter levado em
conta seu ponto de vista ou não os ter consultado. Paul Grosz descreveu a
atuação da organização como “muito eficaz no que diz respeito à
publicidade na mídia ocidental, [mas] muito amadora no que diz respeito
ao modo como o caso foi tratado, sobretudo com relação à repercussão
dentro da Áustria. Muitos danos foram causados”. Numa reunião de
membros europeus do Congresso Judaico Mundial na qual representava
os austríacos, Grosz conseguiu apoio para sua recomendação de que, no
futuro, comunidades judaicas locais fossem consultadas antes da adoção de
quaisquer medidas que pudessem afetá-las.34
Ainda sem revelar que tinha alertado o Congresso Judaico Mundial
para a notícia inicial sobre Waldheim, Zelman disse que era obrigação do
congresso levantar a questão, “mas eles falavam do ponto de vista dos
judeus americanos, que aqui não é compreendido”. Disse estar bastante
preocupado com o que chamou de “volta à mentalidade do ‘nós e
vocês’” entre os austríacos quando lidavam com judeus. “A pior coisa que
eles [do Congresso Judaico Mundial] fizeram foi identificar Waldheim
com todos aqui que têm mais de 65”, acrescentou. “Foi terrível.” Para
Wiesenthal, o erro foi ainda maior. “Ameaçaram toda a nação austríaca,
sete milhões e meio de pessoas, e entre elas há cinco milhões que
nasceram depois da guerra ou eram crianças pequenas no fim dela.”
Não se tratava só do teor das acusações, mas também do modo como
foram feitas. “Primeiro acusaram, depois foram atrás dos documentos”,
disse Wiesenthal. Isso foi uma simplificação exagerada, uma vez que o
Congresso Judaico Mundial já tinha em mãos provas significativas quando
iniciou sua campanha publicitária. Mas, como eles próprios reconheciam,
suas evidências estavam longe de ser completas, por isso eles foram
obrigados a continuar buscando mais. Para Grosz, isso enfraqueceu
significativamente o impacto de suas descobertas. “O fato de as provas
contra Waldheim terem sido apresentadas aos poucos teve efeito
imunizador”, disse. “Como pingar uma gota de veneno todos os dias até
conseguirmos beber um copo cheio.”
Para começar, havia um motivo importantíssimo para que tantos
austríacos ficassem na defensiva. Nos primeiros tempos do pós-guerra,
eles conseguiram se apresentar convincentemente como as primeiras
vítimas do Terceiro Reich, em vez dos seguidores fanáticos que tantos
deles tinham sido. Para muitos austríacos, incluindo soldados da
Wehrmacht de volta à vida civil, o momento da verdade jamais chegou.
“Ninguém disse a esses homens, quando voltaram para casa, que aqueles
anos foram todos perdidos e que aquela causa tinha sido injusta”,
observou Erika Weinzierl, diretora do Instituto de História
Contemporânea de Viena.
Em contraste, os alemães tinham sido obrigados a confrontar essas
verdades quase que diariamente, incluindo a responsabilidade pelos
horrores do Holocausto e outros assassinatos em massa. Minha base de
trabalho era em Bonn quando o caso Waldheim ganhou as manchetes, e
muitos alemães que conheci não fizeram a menor força para esconder a
sua Schadenfreude (alegria pela desgraça alheia). Adoravam ver
desmascarado o mito de que os austríacos eram vítimas e não agressores.
“Os austríacos convenceram o mundo de que Beethoven era austríaco, e
Hitler, alemão”, diziam, gracejando. Um funcionário de Bonn que
servira na Wehrmacht no fim da Guerra me disse o seguinte: “Sou um
desses alemães que acreditam que os austríacos finalmente estão
recebendo o castigo que merecem.”35
Um resultado positivo do caso Waldheim foi que pelos menos alguns
austríacos, particularmente jovens professores, começaram a insistir em
apresentar uma narrativa mais honesta da história recente de seu país. E,
na esteira da vitória de Waldheim, o ministro do Exterior Peter
Jankowitsch sugeriu que “um novo tipo de sensibilidade” surgira,
produzindo um período de “exame de consciência”. Palestras e
conferências sobre temas como antissemitismo proliferaram, e diplomatas
austríacos intensificaram seus esforços para convencer plateias estrangeiras
de que o país não era um bastião do pensamento neonazista. De início
talvez tenha sido mais um exercício de relações públicas do que qualquer
outra coisa, mas abriu espaço para a discussão de temas até então
solenemente ignorados.
Apesar disso, os ânimos continuaram extremamente exaltados dos dois
lados. E, no conflito entre Waldheim e o Congresso Judaico Mundial,
eles se exaltaram ainda mais depois da vitória de Waldheim.

***

Rosenbaum não se cansava de repetir que, ao longo de seus anos de


formação, ele enxergara Simon Wiesenthal como um herói. Porém,
durante a campanha de 1986 e depois, ele e os líderes do Congresso
Judaico Mundial ficaram furiosos por acreditarem que Wiesenthal não
tinha perdido nenhuma oportunidade para minar seus ataques a
Waldheim. Wiesenthal pôs em dúvida boa parte das provas,
argumentando que nenhuma delas comprovava o envolvimento de
Waldheim em crimes de guerra. Mas o que deixou seus acusadores ainda
mais exasperados foi sua afirmação de que o Congresso Judaico Mundial
era responsável pelo antissemitismo que se tornara visível na campanha do
Partido Popular.
Desabafando com Singer sobre Wiesenthal, Rosenbaum declarou:
“Odeio dizer isso, mas essa é a ideia antissemita: ‘Os judeus estão tendo o
que merecem.’”36 Singer estava igualmente furioso: “O que há de errado
com Wiesenthal?”,37 perguntou, ao examinar as últimas declarações do
caçador de nazistas. “Alguém devia lembrar a ele que judeus não causam
antissemitismo; isso é trabalho dos antissemitas.” Daí era um passo para
acusar Wiesenthal de estar, nas palavras de Singer, “na cama com os
nojentos do Partido Popular” — na verdade, defendendo o candidato
deles.38
Quando Waldheim saiu do conflito abatido, porém vitorioso,
Rosenbaum resolveu tornar públicas todas as suas frustrações e acusações
reprimidas. Redigiu para Singer uma resposta a um artigo que
Wiesenthal publicara no jornal judaico de Viena Der Ausweg e no qual,
mais uma vez, atacara o Congresso Judaico Mundial. “Já não resta dúvida
de que foi o sr. Wiesenthal que garantiu a vitória do dr. Waldheim”,
escreveu, acrescentando que, sempre que novas provas surgiam contra o
candidato, “o mais famoso caçador de nazistas do mundo lá estava, com
uma ou outra explicação improvável”.39
Rosenbaum disse ainda que Wiesenthal tinha rejeitado a oferta do
Congresso Judaico Mundial — tardia, feita depois que a história de
Waldheim estourou — para que examinasse sua documentação. “Ter
absolvido Waldheim será por muito tempo uma mancha em sua
reputação”, concluiu. “Ele se humilhou e deixou o mundo judaico
constrangido. Simon Wiesenthal só nos causa pena.” Apesar de um colega
ter suavizado a linguagem do texto antes de mandá-lo para o Der Ausweg,
ele nunca foi publicado.
No livro que escreveu em seguida sobre o caso Waldheim,
Rosenbaum desenvolveu uma teoria ainda mais complexa, que já vinha
explicada no título: Betrayal: the Untold Story of the Kurt Waldheim
Investigation and Cover-Up [Traição: a história inédita da investigação
abafada sobre Kurt Waldheim]. Na obra, ele afirmava que tanto
Waldheim quanto Wiesenthal eram culpados de acobertamento — “cada
um tem um segredo, e seus segredos teriam que compartilhar o mesmo
destino”,40 escreveu. O que Wiesenthal tinha a esconder, afirmou, era
que já tinha absolvido Waldheim quando os israelenses lhe pediram
informações sobre ele, em 1979. “Se alguém pode ser culpado de má
conduta profissional no campo da caça aos nazistas, certamente foi o que
houve”,41 escreveu. E esse teria sido o motivo de Wiesenthal tentar com
tanto afinco desacreditar as acusações do Congresso Judaico Mundial:
aquelas alegações deixariam claro que “ele tinha fracassado
horrivelmente”.42
Tendo chegado a essa conclusão, Rosenbaum transformou boa parte
do livro sobre o caso Waldheim numa contundente denúncia de toda a
carreira de Wiesenthal. Dando atenção especial às acusações de Isser
Harel, chefe do Mossad, de que no início Wiesenthal ganhara reputação
reivindicando um crédito imerecido pela captura de Eichmann,
Rosenbaum traçou o retrato de um homem que “jogou livremente com
os dados de seus antecedentes familiares”43 em suas autobiografias,
carregando de drama as tintas sobre suas experiências durante a guerra e
exagerando suas conquistas no período do pós-guerra. “Nós que de fato
processamos criminosos nazistas sabemos que o mito desse homem é bem
maior do que sua vida”,44 escreveu. Muita gente sabia, acrescentou, que
ele era “patético e ineficaz” como caçador de nazistas.45 “Mas quem
seria arrojado — ou insensato — o suficiente para levantar a mão e se
pronunciar?”46
Estava claro que Eli Rosenbaum resolvera ser essa pessoa. Ele
reconhece o papel decisivo de Wiesenthal em manter viva a questão dos
“nazistas não processados e não procurados” durante os primeiros tempos
da Guerra Fria.47 “Sem o trabalho de Simon Wiesenthal em particular,
bem como o de Tuvia Friedman, acho que a busca de justiça teria
terminado pelo final dos anos 1960”, me disse, em 2013. Mas, desde o
caso Waldheim, ele fica exasperado sempre que Wiesenthal é descrito
como um talentoso caçador de nazistas, com legítima reivindicação a essa
designação. Sua raiva nunca diminuiu.
Vários fatores entraram no conflito Rosenbaum-Wiesenthal, alguns
bastante pessoais. Depois que deixou o emprego no governo, Martin
Mendelsohn, o advogado que contratou Rosenbaum como estagiário na
OSI, passou a cooperar frequentemente com Wiesenthal e o Centro
Simon Wiesenthal em Los Angeles nos casos de nazistas. Ele atribuiu a
raiva de Rosenbaum contra Wiesenthal à desilusão com o antigo herói.
“Ele começou idolatrando Simon e, quando descobriu que o homem
tinha pés de barro e era na verdade um ser humano, não um deus, virou-
se contra ele”,48 disse. Outro antigo colega dos tempos de OSI sugeriu
que Rosenbaum se sentiu como um filho rejeitado quando Wiesenthal
desprezou seus esforços para reunir provas e mover uma ação judicial
contra Waldheim. “Acho que Eli ficou ofendido por Wiesenthal tratá-lo
como uma criancinha”,49 sugeriu.
O choque entre eles foi produto também de tensões mais gerais entre
judeus americanos e europeus. Em particular e em público, Wiesenthal
costumava queixar-se do que lhe parecia uma propensão do Congresso
Judaico Mundial e de outras organizações judaicas sediadas nos Estados
Unidos a “achar que pode falar em nome de todos os judeus”.50 Dizia
que frequentemente os americanos descartavam as preocupações dos
judeus europeus por considerá-las insignificantes; não entendiam que sua
situação era muito diferente da deles. Atribuía a atitude combativa de
ativistas judeus nos Estados Unidos ao “fato de que muitos judeus
americanos têm qualquer coisa parecida com um sentimento
subconsciente de culpa por não terem feito o bastante em favor dos
judeus perseguidos da Europa durante a guerra”.51 Acrescentava que o
caso Waldheim “lhes ofereceu uma oportunidade de assumir uma postura
concludente”.
Essa tensão por vezes era visível até nas relações entre Wiesenthal e o
Centro Simon Wiesenthal. Fundado em Los Angeles em 1977, trata-se
de uma organização independente que lhe pagava para usar seu nome,
indispensável para suas campanhas de levantamento de fundos. Wiesenthal
e o centro costumavam trabalhar juntos, mas também tinham suas
diferenças. O rabino Marvin Hier, fundador e decano do centro,
lembrou-se de mais de uma conversa telefônica em que Wiesenthal
gritou com ele: “Como é que o senhor me faz uma coisa dessas!?”52
Durante a crise do caso Waldheim, Hier fez mais críticas públicas ao
candidato presidencial austríaco do que Wiesenthal. Não por acaso,
durante a briga entre Wiesenthal e o Congresso Judaico Mundial, Singer
disparou para Hier: “DIGA A WIESENTHAL PARA CALAR A
BOCA! CHEGA.”53 Hier discutia com Wiesenthal, mas só até certo
ponto. Certa vez lhe disse: “Simon, se não podemos trancafiar esse
homem, alguma coisa precisamos fazer. Ele deveria ser constrangido, não
ter mais permissão de embarcar num avião.” Seu centro apoiou a decisão
de incluir Waldheim na Lista de Observação dos Estados Unidos, ao que
Wiesenthal se opunha, e tudo isso provocou uma tensão muito palpável
em suas relações.
Hier também observou que Wiesenthal tinha razão quando disse não
haver provas que atribuíssem crimes de guerra específicos a Waldheim. E,
contrariando as exortações de Singer, ele não tentaria de forma alguma
dar ordens a Wiesenthal — que, de qualquer maneira, não lhe daria
ouvidos — nem arriscaria um rompimento definitivo com ele. Ressaltou
que Wiesenthal tinha orgulho do centro, e o centro tinha orgulho de sua
ligação com um homem que dedicara a vida a levar criminosos nazistas à
Justiça. “Ele era a figura icônica”, afirmou Hier. O caso Waldheim não o
fez mudar de opinião nesse particular.

***

Uma das ironias da insistência de Rosenbaum e do Congresso Judaico


Mundial em dizer que Wiesenthal era um defensor do presidente
austríaco é que o caçador de nazistas tinha um longo histórico de
desmascarar o papel de austríacos no Terceiro Reich. Afirmava com
frequência que os austríacos, apesar de constituírem menos de 10% da
população da Alemanha Nazista, foram responsáveis por cerca de metade
dos seus crimes de guerra, acrescentando sempre que cerca de três quartos
dos comandantes de campos de extermínio eram austríacos.54
Mais notoriamente, Wiesenthal se desentendeu diversas vezes com
Bruno Kreisky, o líder socialista que foi chanceler da Áustria de 1970 a
1983, devido à sua atitude bastante complacente com antigos nazistas.
Também eram diametralmente opostos a respeito de Israel e do Oriente
Médio.
Embora viesse de uma família de judeus austríacos seculares, Kreisky
vestiu o manto de defensor das causas do Terceiro Mundo, incluindo
severas denúncias a Israel. Kreisky rechaçava também a ideia da existência
de um “povo judeu”. Como notou Wiesenthal, com acidez, Kreisky se
considerava superior principalmente em relação a judeus do Leste
Europeu, como ele. “Não quer ter nada a ver conosco”, declarou. “Já
acha ruim estar de alguma forma ligado ao povo judeu — mas ter alguma
ligação conosco é intolerável.” Wiesenthal conjecturava que, tendo sido
criado na Áustria antissemita, Kreisky resolvera tentar “provar às pessoas à
sua volta que, no fundo, não era diferente delas... Um judeu que [na
Áustria] batalha pela assimilação total tem que adotar essa atitude
antijudaica”.55
O maior choque entre Wiesenthal e Kreisky foi provocado pelas
alianças e nomeações políticas do chanceler socialista. Quando Kreisky
assumiu o cargo, em 1970, Wiesenthal o denunciou por nomear quatro
ex-nazistas como ministros. Posteriormente, ele também o repreendeu
por seus laços com Friedrich Peter, chefe do Partido Liberal, conhecido
por reunir antigos nazistas. Quando Kreisky se inclinava a elevar Peter ao
cargo de vice-chanceler, Wiesenthal divulgou a história de que o líder
liberal tinha servido numa unidade dos Einsatzgruppen da SS que
massacrou judeus. Obrigado a admitir que fez parte do grupo, Peter
negou que tivesse participado dos assassinatos.
Furioso, Kreisky chamou Wiesenthal de “judeu fascista” e
“mafioso”,56 acrescentando que se tratava de “um reacionário; e eles
existem, sim, entre os judeus, assim como existem assassinos e
prostitutas”.57 Num estranho eco dos ataques que Wiesenthal faria uma
década depois contra o Congresso Judaico Mundial, Kreisky acusou o
caçador de nazistas de ganhar a vida “dizendo ao mundo que a Áustria é
antissemita”.58 Consta que também teria ameaçado fechar o Centro de
Documentação de Wiesenthal em Viena. Como toque final, o chanceler
ressuscitou alegações, postas em circulação pelo governo comunista
polonês, de que Wiesenthal tinha colaborado com os nazistas. Mais tarde
ele se veria obrigado a retirar tais acusações para que Wiesenthal desistisse
de processá-lo por calúnia.59
Não há dúvida de que o profundo ódio de Wiesenthal por Kreisky e
os socialistas o levava a favorecer o Partido Popular, embora sempre
negasse essa preferência — mesmo que Rosenbaum e outros, como Beate
Klarsfeld, o considerassem firme defensor do partido. Quando a
controvérsia em torno de Waldheim surgiu, Beate não foi a única a tomar
o partido do Congresso Judaico Mundial. Como observou Wiesenthal,
“na televisão francesa, Serge Klarsfeld acabou comigo”.60
Porém, mesmo entre os que achavam que o Congresso Judaico
Mundial estava certo em apresentar as provas contra Waldheim, havia
ceticismo sobre a acusação de Rosenbaum de que Wiesenthal tivesse algo
a esconder acerca do papel que desempenhara em 1979, quando os
israelenses lhe pediram que conseguisse informações sobre a história do
secretário-geral da ONU durante a guerra. Herzstein, o historiador
contratado pelo Congresso Judaico Mundial para fazer a própria
investigação sobre o passado de Waldheim, comentou que o Centro de
Documentação de Berlim, controlado pelos Estados Unidos, deu a
Wiesenthal acesso a um relatório que indicava que Waldheim jamais
figurara na lista de membros da SS ou do Partido Nazista. “Depois de
examinar o documento com cuidado, Wiesenthal informou aos
israelenses, corretamente, que não havia nada incriminador na ficha de
Waldheim no Centro de Documentação de Berlim”,61 escreveu.
Herzstein disse ainda que “o que Wiesenthal não podia saber” era que
Waldheim tinha sido membro do Corpo de Cavalaria da SA e do grupo
estudantil nazista. A explicação para isso era que, no relatório do Centro
de Documentação de Berlim, aquelas organizações não foram incluídas
na lista de organizações ligadas ao nazismo. Esses registros não estavam
arquivados ali, como os que tinham investigado os últimos sete anos de
Waldheim depois descobriram. Eles também tinham atacado
violentamente o Centro de Documentação de Berlim.
Peter Black, que era historiador da OSI naquela época e hoje é o
principal historiador do Museu Memorial do Holocausto dos Estados
Unidos, em Washington, elogiou Rosenbaum por seu “trabalho [de
investigação] muito convincente” sobre Waldheim,62 mas também
rejeitou a noção de que Wiesenthal tentara acobertar algo. “Não o vejo
numa conspiração”, disse. “Acho que seus motivos não eram
malignos.”63 Black acrescentou que Wiesenthal talvez não tenha
examinado “muito cuidadosamente” a folha de serviços de Waldheim, e
“apenas achava que Waldheim era como inúmeros oficiais militares que
estavam lá e meio que ficaram de fora”, ressaltando que só no fim dos
anos 1980 e na década de 1990 os estudiosos começaram a verificar mais
detalhadamente “como a Wehrmacht se atolara em crimes nazistas” em
terras ocupadas como a Grécia, a Iugoslávia e a União Soviética. Black
argumentou que, de início, Wiesenthal não tinha nenhuma razão para ver
o serviço militar de Waldheim como sinal de advertência.
Contudo Rosenbaum nunca se retratou dos exaltados ataques a
Wiesenthal e à sua folha de serviços. As feridas abertas pelo tiroteio entre
o Congresso Judaico Mundial e Wiesenthal durante o caso Waldheim
ainda não sararam. No fim, todo o caso Waldheim acabou sendo mais
uma batalha entre os caçadores de nazistas do que contra os que tinham
servido ao Terceiro Reich.
CAPÍTULO QUINZE

PERSEGUINDO FANTASMAS
“Aqui, nesta parada, os inocentes aguardam; quando seu algoz chega,
precisam infligir uma pequena dose de vingança. Deus diz que vingança faz
bem à alma.”1
“BABE” LEVY, HERÓI DO BEST-SELLER DE 1974
MARATONA DA MORTE, DE WILLIAM GOLDMAN,
CONVERSANDO COM O FICTÍCIO DENTISTA DE
AUSCHWITZ CHRISTIAN SZELL ANTES DE MATÁ-LO.

Se você acredita em tudo o que lê, vai achar que os caçadores de nazistas
infligiram muito mais do que uma pequena dose de vingança. Em 2007,
por exemplo, Danny Baz, coronel reformado da Força Aérea israelense,
publicou um suposto livro de memórias em francês chamado Ni oubli ni
pardon: Au coeur de la traque du dernier Nazi [Nem perdoado nem
esquecido: Na pista do último nazista]; a obra foi seguida pela versão
inglesa intitulada The Secret Executioners: The Amazing True Story of the
Death Squad Who Tracked Down and Killed Nazi War Criminals [Os algozes
secretos: a incrível e verdadeira história do esquadrão da morte que
perseguia e matava criminosos de guerra nazistas].
Naquela época, ainda se procurava Aribert Heim, um dos mais
destacados fugitivos nazistas depois da guerra. O médico, nascido na
Áustria, tinha servido em Mauthausen, onde recebera o apelido de
“Doutor Morte”. Matava judeus injetando-lhes gasolina e outras
substâncias venenosas no coração; além disso, realizava experimentos
particularmente sádicos, abrindo o corpo de prisioneiros saudáveis para
remover seus órgãos e abandonando-os na mesa de operação para
morrerem à mingua. Como resultado, era procurado por todo mundo,
desde o governo alemão até o Centro Simon Wiesenthal, que o colocara
no topo de sua lista de mais procurados. Mas Baz fez uma afirmação
surpreendente: havia 25 anos que caçavam um fantasma.2
Segundo o relato de Baz, ele fizera parte de um esquadrão da morte só
de judeus que executou Heim em 1982. Apelidado de “Coruja”, o
grupo foi criado por sobreviventes ricos do Holocausto e era formado
por americanos e israelenses altamente treinados que tinham pertencido a
vários serviços de segurança. “Os nomes dos meus companheiros de
armas foram alterados para não violar a confidencialidade da nossa
organização, que contava com um orçamento ilimitado, digno dos
maiores serviços secretos”, escreveu. “Este livro narra fatos rigorosamente
verdadeiros...”3
Partindo daí, ele contou uma história dramática, afirmando que o
Coruja foi responsável pela captura e o fuzilamento de dezenas de
criminosos de guerra nazistas, mas seu maior desafio foi encontrar Heim
e capturá-lo vivo. Depois disso, ele seria posto diante de um tribunal de
sobreviventes do Holocausto, antes de ser executado. “Queríamos que os
canalhas olhassem para suas vítimas antes de morrer”,4 explicou Baz, um
dos mais antigos membros do Coruja. Descobriu-se que Heim estava nos
Estados Unidos, e não em lugares exóticos, como se costumava noticiar, e
os vingadores o localizaram primeiro no norte do estado de Nova York,
depois no Canadá, e o sequestraram num hospital em Montreal; por fim,
entregaram-no a outros integrantes do Coruja na Califórnia, que
organizaram o tribunal e cuidaram da execução.
E essa estava longe de ser a única história de um proeminente
criminoso de guerra nazista supostamente morto no mais absoluto sigilo.
Martin Bormann, poderoso secretário pessoal de Hitler e chefe da
chancelaria do Partido Nazista, desapareceu do bunker de Hitler em
Berlim depois do suicídio do Führer. O Tribunal Militar Internacional de
Nuremberg condenou à morte doze dos mais importantes nazistas:
Bormann foi o único condenado à revelia. Seu suposto desaparecimento
deu margem a relatórios contraditórios sobre se teria ou não sobrevivido.
Havia alegações de que tinha sido morto ou pusera fim à própria vida
mordendo uma cápsula de cianureto pouco depois de sair do bunker.
Como no caso de Heim, havia também numerosos relatos informando
que ele teria sido visto no norte da Itália, no Chile, na Argentina e no
Brasil, entre outros lugares. Mas, em 1970, o sensacionalista News of the
World lançou em fascículos um relato de autoria de Ronald Gray, ex-
agente de inteligência do Exército britânico, posteriormente publicado
como livro sob o título I Killed Martin Bormann! [Eu matei Martin
Bormann!].
“Bormann está morto, com o corpo crivado por uma saraivada de
submetralhadora Sten”, escreveu. “E foi meu dedo que apertou o
gatilho.”5 Gray contou que estava estacionado no norte da Alemanha
depois da guerra, perto da fronteira dinamarquesa. Abordado por um
misterioso contato alemão para levar alguém clandestinamente pela
fronteira por 50.000 coroas (então 8.400 dólares) em março de 1946, ele
aceitou, imaginando que assim desmascararia parte da rede que garantia
aos criminosos de guerra nazistas uma saída segura do país. Já dentro da
sua van militar, ele percebeu que o passageiro era Bormann. Era tarde da
noite, mas a luz da lua foi suficiente para confirmar a identificação
quando chegaram a seu destino no lado dinamarquês da fronteira e
pararam perto de dois homens que os aguardavam. De repente, Bormann
saiu correndo rumo a seu comitê de recepção, e Gray se deu conta de
que tinha caído numa emboscada. Abriu fogo e viu Bormann tombar. Os
dois homens que o aguardavam dispararam uma saraivada em sua direção.
Gray se jogou no chão, fingindo-se de morto. Daquela posição,
observou os homens arrastarem Bormann. Seguindo-os, viu-os
colocarem o corpo num pequeno barco num fiorde, remarem uns
quarenta metros e o jogarem no golfo. “Pelo impacto na água, imaginei
que os dois compatriotas de Bormann prenderam algum peso ao corpo,
talvez correntes”, escreveu. “Ocorreu-me que o barco e as correntes
talvez estivessem reservados para mim.”6
O relato de Gray não pôs fim a outras versões da história de Bormann.
Em 1974, o historiador militar e autor de best-sellers Ladislas Farago
publicou Aftermath: Martin Bormann and the Fourth Reich [Rescaldo:
Martin Bormann e o Quarto Reich]. Na obra, dizia ter encontrado
Bormann num hospital no sul da Bolívia, depois de subornar contatos e
guardas na fronteira daquele país com o Peru. Todo esse esforço, segundo
ele, teve como resultado um breve encontro com o homem. “Quando
me levaram a seu quarto para uma visita combinada de cinco minutos (...)
vi um velhinho numa cama grande com lençóis recém-lavados,
encarando-me com um olhar vazio e murmurando qualquer coisa para si
mesmo.”7 Eis as únicas palavras que Bormann teria dito ao visitante:
“Caramba, não vê que sou um velho? Por que não me deixa morrer em
paz?”
Esses relatos alimentavam os tabloides, às vezes até jornais sérios, mas
havia um problema: eram todos produto da ardente imaginação dos
autores, não as “histórias verídicas” anunciadas. No caso de Aribert
Heim, o The New York Times e a emissora de TV alemã ZDF divulgaram
provas convincentes de que, depois da guerra, o Doutor Morte morou no
Cairo, onde converteu-se ao islamismo, e adotou o nome de Tarek
Hussein Farid.8 As provas consistiam numa maleta cheia de cartas suas,
registros médicos e financeiros e um artigo sobre a procura por ele. Os
dois nomes — Heim e Farid — apareciam nesses documentos, e a data
de nascimento que constava era 28 de junho de 1914, a de Heim. O
atestado de óbito mostrava que Heim tinha morrido em 1992, uma
década depois de supostamente ter sido executado pelo grupo de
vingadores de Baz.
Em entrevista ao The New York Times, Rüdiger Heim, filho de
Aribert, não só confirmou a identidade do pai (“Tarek Hussein Farid é o
nome que meu pai adotou quando se converteu ao islamismo”, disse)
como revelou que o visitava no Cairo quando ele morreu de câncer
colorretal. Os dois jornalistas que trabalharam na reportagem, Nicholas
Kulish e Souad Mekhennet, escreveriam um livro narrando
detalhadamente a vida de Heim na Alemanha do pós-guerra, onde
continuou trabalhando como médico na estância termal de Baden-Baden
até 1962, quando fugiu para o Egito porque lhe pareceu que as
autoridades finalmente iam prendê-lo. Os autores contaram com a
colaboração do filho, de outros parentes e dos egípcios que o conheceram
pelo novo nome.
Entre os escritos de Heim, foram encontradas repetidas referências a
Simon Wiesenthal, que o fugitivo considerava o orquestrador do complô
sionista para localizá-lo e capturá-lo. O caçador de nazistas fracassou nessa
missão, mas, no que dizia respeito a Heim, ele era o “mandachuva
absoluto de todas as agências alemãs”.9 Isso demonstra, no mínimo, que
Heim — e, muito provavelmente, todos os demais criminosos de guerra
em fuga — tinham medo de Wiesenthal e acreditavam em sua imagem
popular de vingador quase todo-poderoso. Tal ideia era um exagero,
claro, mas ilustrava uma das grandes forças de Wiesenthal: ele conseguia
cumprir parte da sua missão, instilando medo no caçado ao se aproveitar
dessa visão aumentada de seu papel.
No tocante a Martin Bormann, a história de Gray, de que atirou nele,
e a de Farago, de que o visitou na Bolívia, foram totalmente desmentidas.
Os supostos restos mortais de Bormann foram encontrados num canteiro
de obras em Berlim, em 1972, mas só em 1998 testes de DNA mostraram
clara compatibilidade com o de um parente do outrora poderoso
nazista.10 Chegou-se à conclusão de que ele morreu em 2 de maio de
1945, pouco depois de deixar o bunker de Hitler, enquanto tropas do
Exército Vermelho tomavam a cidade. Nos anos que se seguiram, houve
ainda mais histórias de pessoas que diziam ter visto Bormann, quase
sempre na América do Sul.
Baz tinha razão ao afirmar que, em certos casos, os caçadores de
nazistas estavam atrás de fantasmas, mas isso costumava resultar da falta de
informações confiáveis combinada com conjeturas e palpites. Pelo menos
eles não inventavam lorotas sobre assassinatos por vingança. Mas, em
termos de cultura popular, esses relatos deixaram sua marca, contribuindo
para a ideia equivocada de que o roteiro de todas as aventuras de caça aos
nazistas poderia ter sido escrito em Hollywood.

***
Normalmente, a caça de criminosos nazistas, conduzida pelo governo ou
por investigadores particulares, transcorria de acordo com roteiros muito
mais lentos, sobretudo quando havia disputas judiciais que pareciam
intermináveis. E com certeza não apresentavam os tiroteios dramáticos
nem os confrontos violentos que eram pano de fundo comum das
“histórias verídicas”. Mas houve raras exceções. Nesses casos, a vida
parecia imitar a ficção, com vingadores escondidos na sombra para atacar.
Um dos vilões de Wanted! The Search for Nazis in America [Procurado!
A caçada de nazistas na América], livro inovador de Howard Blum
lançado em 1977, era Tscherim Soobzokov, que tinha sido criado no
norte do Cáucaso, na União Soviética, como parte da minoria circassiana.
À primeira vista, “Tom” Soobzokov, como era conhecido em sua cidade
natal de Paterson, Nova Jersey, era uma típica história americana de
sucesso. De acordo com uma reportagem de The Paterson News, quando
os alemães capturaram o Cáucaso, em 1942, ele foi despachado “quase
como trabalhador forçado para a Romênia”. No fim da guerra, juntou-se
a outros exilados circassianos na Jordânia, antes de ir para os Estados
Unidos, em 1955. Estabelecendo-se em Paterson, começou a trabalhar
num lava a jato, mas logo passou a coordenador do Sindicato de
Caminhoneiros e, depois, filiado ao Partido Democrata local, arranjou
emprego como chefe dos inspetores de compra do condado de Passaic.
Era a pessoa que todos procuravam para resolver um assunto,
principalmente entre seus companheiros imigrantes do Cáucaso. Era
tranquilo, bem-relacionado e cada vez mais próspero.11
Contudo, alguns dos imigrantes circassianos da região não engoliam
nem sua biografia nem sua pretensão de representá-los. Seu nome foi
posto na lista de criminosos de guerra nazistas nos Estados Unidos, que
acabou indo parar nas mãos de Anthony DeVito, investigador do Serviço
de Naturalização, no começo dos anos 1970, e seus vizinhos em Paterson
não viam a hora de explicar por quê. Kassim Chuako, um dos circassianos
citados por Blum, disse que Soobzokov tinha oferecido seus préstimos às
tropas alemãs assim que elas chegaram à sua região do Cáucaso. “Nós o
vimos entrar na aldeia com os alemães e reunir as pessoas, comunistas e
judeus”, declarou. “Eu o vi com tropas das SS que levavam pessoas.”12
Houve quem dissesse tê-lo visto usando um uniforme da SS na Romênia,
onde tentou recrutar refugiados para uma unidade militar caucasiana
patrocinada pela SS.
Apesar de ter servido até 1945 na Waffen-SS, o braço combatente da
SS, Soobzokov não tivera a menor dificuldade para se apresentar como
refugiado de guerra quando o conflito terminou. Em 1947, tinha feito
parte de um grupo de circassianos que emigrou da Itália para a Jordânia,
onde trabalhou como engenheiro agrícola. Logo conseguira novo
emprego: na CIA. A agência queria usá-lo para identificar companheiros
circassianos que pudessem ser mandados como agentes secretos para a
União Soviética, e ele não se fez de rogado.13
Os novos chefes de Soobzokov tinham poucas ilusões sobre seus
antecedentes. “Indivíduo tem reações consistentes e pronunciadas a
perguntas relativas a crimes de guerra, e sem dúvida esconde de nós
numerosas atividades no momento”,14 informou um funcionário da
CIA, em 1953. Apesar disso, era evidente que a prioridade da agência era
utilizar seus serviços da melhor maneira possível, independentemente do
que ele ocultava. Chegando aos Estados Unidos, em 1955, Soobzokov
continuara a trabalhar para a CIA, mas suas histórias absurdas e
inconsistentes levaram outro funcionário da agência a concluir que se
tratava de “um impostor incorrigível”,15 e ele foi deixado de lado em
1960.
Apesar disso, quando começou a investigar seus antecedentes nos anos
1970, um alto funcionário da CIA alegou que, apesar de haver “questões
não respondidas”16 a seu respeito, ele desempenhara “serviços úteis” para
os Estados Unidos, e a agência jamais encontrara provas concretas de que
estivesse envolvido em crimes de guerra. Diante disso, o INS
interrompeu a investigação. Quando a recém-criada Diretoria de
Investigações Especiais do Departamento de Justiça tentou retomar o seu
caso em 1980, os investigadores descobriram que Soobzokov apresentara
uma lista das suas filiações nazistas ao pedir visto americano. Como a
estratégia da OSI era pedir o cancelamento da cidadania norte-americana
de supostos criminosos de guerra demonstrando que tinham mentido
para conseguir entrar no país, tiveram que desistir, ainda que relutantes.
Suas confissões, por mais incompletas que fossem, bastavam para minar
qualquer alegação de que ele ocultara seu passado.
A despeito da controvérsia que o cercava, Soobzokov pareceu ter saído
da situação abalado, mas vitorioso. Chegou até a processar Howard Blum
por calúnia pelo que ele tinha escrito a seu respeito em Wanted!, e o autor
teve que fazer um acordo extrajudicial, apesar de não retirar nada do que
disse.17
Em 15 de agosto de 1985, uma bomba caseira explodiu na frente da
residência de Soobzokov, em Paterson. O homem que estivera no centro
de tantas controvérsias foi gravemente ferido e morreu em 6 de setembro
em decorrência dos ferimentos. Mais tarde, o FBI diria que a Liga de
Defesa Judaica talvez fosse responsável pelo atentado, mas o caso nunca
foi resolvido.18
Oito anos depois, houve outro assassinato que bem poderia ter saído
das páginas de um thriller. Dessa vez o cenário foi um apartamento
parisiense no chique 16º Arrondissement, e a vítima foi René Bousquet,
o octogenário ex-chefe de polícia que tinha orquestrado a deportação de
judeus da França ocupada, incluindo milhares de crianças. Apesar de
Bousquet ter sido julgado e condenado depois da guerra, o tribunal não
exigiu que cumprisse pena, com a justificativa de que ele teria ajudado a
Resistência. Depois disso, ele iniciou uma bem-sucedida carreira nos
negócios, e sua entusiástica participação no Holocausto pareceu ter sido
quase esquecida. Mesmo depois de seu passado ter sido investigado
novamente como parte dos esforços da França para expiar um legado de
colaboração, e apesar de ter havido um movimento para apresentar novas
acusações contra ele, Bousquet jamais manifestou arrependimento,
aparentemente por julgar que nada tinha a temer, e continuou a passear
com seu cão duas vezes por dia no Bois de Boulogne.19
Em 8 de junho de 1993, um homem chamado Christian Didier
chegou ao apartamento de Bousquet a pretexto de entregar-lhe
documentos do tribunal. Quando o ex-chefe de polícia abriu a porta,
como Didier contaria mais tarde às equipes da televisão francesa, “puxei o
revólver e disparei à queima-roupa”. Apesar de atingir o alvo, Bousquet
correu em sua direção. “O sujeito tinha uma energia incrível”,
acrescentou. “Fiz um segundo disparo, mas ele continuou vindo para
cima de mim. No terceiro tiro, começou a cambalear. Na quarta vez, eu
o atingi na cabeça ou no pescoço, e ele caiu, perdendo muito sangue.”20
Didier fugiu e depois convocou as equipes de TV para fazer sua
confissão, mas em nenhum momento disse que se arrependia. Bousquet
era a “encarnação do mal” e sua atitude fora como “matar uma
serpente”, declarou, acrescentando: “Eu representava o bem.” Na
realidade, o homem que se descrevia como um escritor frustrado parecia
movido pelo desejo de alcançar a fama a qualquer preço. Antes tinha
tentado matar Klaus Barbie, entrado nos jardins do palácio presidencial
francês e tentando chegar à força a estúdios de TV. Passara uma
temporada num hospital psiquiátrico e, depois de matar Bousquet, foi
condenado a dez anos de prisão. Solto após cumprir metade da pena,
mostrou-se arrependido, mas acrescentou: “Se o tivesse matado cinquenta
anos atrás, eu receberia uma medalha.”21 Também modificou a
explicação dos seus motivos, apresentando uma lógica distorcida. “Achei
que, matando Bousquet, eu mataria o mal em mim.”22
Para Serge Klarsfeld e outros que esperavam levar Bousquet a um novo
julgamento, o assassinato foi um grande revés. “Os judeus querem justiça,
não vingança”,23 disse ele. Apesar de um dia ter pensado em matar
Barbie, ele sempre preferiu levá-lo a julgamento e condená-lo, como
acabou acontecendo. Isso servia à causa da justiça e ajudava a instruir mais
o público sobre o Holocausto. Um julgamento de Bousquet teria tido a
vantagem extra de oferecer um exemplo prático de como os
colaboracionistas franceses participaram ativamente nos crimes dos
alemães. Isso tudo significava que, diferentemente dos filmes de
Hollywood, ninguém aplaudiu quando o pistoleiro matou o vilão. Neste
caso, a justiça foi negada.

***

Em 1985, a intermitente caçada a Josef Mengele — o médico da SS de


Auschwitz conhecido como “Anjo da Morte” e presente no imaginário
popular como a personificação do mal graças ao romance best-seller e
filme de sucesso Os meninos do Brasil — de repente foi retomada com
nova urgência. O fugitivo se tornara cidadão paraguaio 25 anos antes, mas
seu paradeiro exato era fonte de constantes conjecturas, em meio a
rumores de que teria sido visto em vários países latino-americanos e
europeus, incluindo a Alemanha Ocidental. Sob crescente pressão
internacional, o Paraguai tinha cassado a cidadania de Mengele em 1979,
e o presidente Alfredo Stroessner, o ditador direitista do país, alegava não
saber mais nada a respeito dele. Mas nenhum dos perseguidores de
Mengele acreditava, e havia entre eles um pressuposto comum. Ao enviar
meu primeiro relato sobre seu caso para meus editores em Nova York,
em 16 de abril de 1985, escrevi: “Ninguém duvida que Mengele esteja
vivo.”24
Simon Wiesenthal vivia anunciando supostas pistas e informando que
ele quase fora encontrado. Apesar de ser por vezes acusado de espalhar
rumores indiscriminadamente, ele não era a única pessoa ansiosa por
manter Mengele presente no noticiário — ou por ver as pistas como
claras provas que justificavam uma busca intensificada. Em maio de 1985,
Fritz Steinacker, advogado de Frankfurt, foi um pouco além do seu
habitual “sem comentários” ao declarar: “Sim, eu representei Mengele e
ainda o represento.” Apesar das negativas do filho de Mengele, Rolf, e de
outros parentes em sua cidade natal bávara de Günzburg, onde a empresa
de máquinas agrícolas da família ainda prosperava, Wiesenthal me disse
que estava convencido de que eles sabiam o tempo todo onde ele estava.
Ressaltando que a família continuava a dizer “sem comentários” a
respeito de todos os relatos sobre Mengele, afirmou que isso significava
que ele ainda estava vivo e fugindo. “Quando puderem garantir que o
homem está morto, o constrangimento acaba”, disse.
Serge e Beate Klarsfeld estavam igualmente convencidos, e Beate
viajou ao Paraguai para protestar contra o papel do governo. “Mengele
está no Paraguai sob proteção do presidente Stroessner”, afirmava Serge,
sem rodeios. Wiesenthal, o Centro Simon Wiesenthal em Los Angeles, os
Klarsfelds, os governos da Alemanha Ocidental e de Israel e outros
ofereciam recompensas pela captura do médico de Auschwitz, num total
de mais de 3.4 milhões de dólares em maio de 1985. Hans-Eberhard
Klein, o promotor de Frankfurt encarregado da caça a Mengele pela
Alemanha Ocidental, contou que dispunha de “pastas e mais pastas de
informações” dadas por pessoas que diziam tê-lo visto, mas “nenhuma o
conduziu ao sucesso”. Era por isso que a Alemanha Ocidental e os
demais interessados vinham aumentando as recompensas oferecidas,
explicou. Ainda em maio, Klein e sua equipe se reuniram em Frankfurt
com autoridades dos Estados Unidos e de Israel para coordenar os
esforços dos três países.
Porém, como todos os envolvidos no caso descobririam dentro de um
mês, àquela altura eles já perseguiam um fantasma havia seis anos: Josef
Mengele se afogara numa praia em Bertioga, no Brasil, em 1979,
provavelmente depois de sofrer um derrame.25 Seus restos mortais foram
encontrados em um túmulo perto de São Paulo, e uma equipe de
médicos-legistas procedeu com o que foi amplamente aceito como uma
identificação conclusiva. Rolf Mengele finalmente admitiu o que
Wiesenthal e outros suspeitavam o tempo todo: a família não só se
mantinha em contato com o pai, como ele mesmo lhe fizera uma visita
no Brasil em 1977. Disse também que voltara ao Brasil dois anos depois
“para confirmar as circunstâncias de sua morte”. Em 1992, testes de
DNA ofereceram a confirmação final. Josef Mengele, que tinha 67 anos
quando morreu afogado, conseguira se livrar da Justiça e enganar seus
perseguidores até mesmo na morte.
Apesar de resolver o enigma do seu fim, a descoberta ainda deixou em
aberto uma questão: como o homem mais procurado desde o caso
Eichmann tinha conseguido escapar? Seu nome viera à tona no decorrer
do caso do Tribunal Militar Internacional contra os principais líderes
nazistas em Nuremberg. Depondo como testemunha, o comandante de
Auschwitz, Rudolf Höss, mencionara especificamente “experimentos
com gêmeos feitos pelo oficial médico da SS dr. Mengele”.26
Posteriormente, sobreviventes de Auschwitz apresentaram relatos
minuciosos do papel excepcional que ele exercia na morte e nos
tormentos dos prisioneiros do campo. Recebendo com grande ansiedade
os trens de prisioneiros, ele participava com regularidade do processo de
seleção, despachando imediatamente milhares para a morte nas câmaras de
gás. De início, costumava poupar gêmeos, para realizar seus experimentos
obsessivos. Injetava corantes nos olhos de bebês e outras crianças para
mudar a cor, e fazia múltiplas transfusões de sangue e punções lombares.
Testava a resistência de outros prisioneiros expondo-os, como no caso de
freiras polonesas, a enormes doses de raios X, que os queimavam.
Também operava órgãos sexuais, contaminava prisioneiros saudáveis com
tifo e outras doenças e extraía sua medula óssea. Em um relatório, um
oficial superior lhe fez elogios por sua “valiosa contribuição no campo da
antropologia pelo uso dos materiais científicos ao seu dispor”. Mengele
executou pessoalmente inúmeros prisioneiros que conseguiram sobreviver
a seus experimentos, dispondo assim das sobras de “materiais científicos”.
De acordo com Robert Kempner, o advogado judeu alemão que
deixou seu país em 1935 e retornou como integrante da equipe de
promotores dos Estados Unidos em Nuremberg, o nome de Josef
Mengele surgiu ligado ao “Julgamento dos Médicos” em 1947, o
primeiro dos processos que vieram em seguida ao Tribunal Militar
Internacional. “Começamos a caça a Mengele em Nuremberg”, admitiu,
em 1985. “Tentaram pegá-lo, mas não o encontraram na Alemanha. Já
vivia clandestinamente em algum outro lugar.” Acrescentou que o
médico de fato estivera sob custódia norte-americana imediatamente após
a guerra, mas os carcereiros não sabiam de quem se tratava.27 O
prisioneiro, homem muito vaidoso, tinha convencido a SS de que não
precisava da tatuagem padrão deles, pois não queria estragar sua aparência;
com isso, os americanos não o reconheceram.28
Apesar de Mengele já fazer parte da lista de criminosos de guerra,
Kempner não ficou surpreso com o fato de que alguém que pertencera
aos imensos grupos detidos pelas tropas americanas conseguisse
desaparecer naquele período caótico. “Esses homens simplesmente
evaporaram”, disse. “Não era tão difícil assim. Os verdadeiros criminosos
eram mais espertos do que os nossos rapazes.” Kempner estava
convencido de que, ao contrário de Klaus Barbie, Josef Mengele não
precisou fazer nenhum acordo com os norte-americanos. “Era um
homem independente”, disse. “Ao contrário de tantos outros, possuía
seus recursos.”
Devido ao caso Barbie, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos
ficou particularmente ansioso para examinar os registros nesse sentido,
quando os restos mortais de Mengele foram encontrados. A Diretoria de
Investigações Especiais realizou outro estudo exaustivo, publicado em
1992. Apesar de observar que, usando um nome falso, Josef Mengele fora
trabalhador rural na zona de ocupação americana até seguir para a
América do Sul, em 1949; o documento concluía: “Mengele fugiu da
Europa sem que os Estados Unidos ajudassem ou soubessem. Não há
prova de que tenha possuído qualquer relação com os serviços de
inteligência dos Estados Unidos.”29
De início, Mengele morou em Buenos Aires, chegando a residir em
Olivos, o mesmo subúrbio onde Eichmann viveu. Quando os israelenses
iniciaram sua operação para sequestrar Eichmann, Isser Harel, o chefe do
Mossad, disse ter ouvido que Mengele talvez estivesse lá, mas avisou que
a informação não tinha sido confirmada. Seus sentimentos sobre o
médico de Auschwitz eram claros. “De todas as figuras perversas que
desempenharam papel principal na macabra tentativa de destruir o povo
judeu, ele se destacava pelo abominável prazer que sentia na função de
mensageiro da morte”,30 comentou. Quando surgiu uma questão sobre
o custo da operação Eichmann, ele disse a um integrante de sua equipe:
“Para que o investimento compense mais, tentaremos levar Mengele
também.”31
Embora estivesse ansioso para encontrar o médico, Harel não queria
fazer nada “que pudesse pôr em risco nosso objetivo primeiro, a operação
Eichmann”.32 Sua equipe em Buenos Aires estava inteiramente
concentrada em seguir sua presa, arranjando esconderijos e transporte e
planejando o sequestro e o que fariam depois. Estavam cientes de que
Josef Mengele também poderia se tornar um alvo, mas concordavam com
a decisão de cuidar primeiro do assunto principal. “Nenhum de nós
demonstrava entusiasmo pela operação Mengele”,33 disse Zvi Aharoni,
um dos principais integrantes da equipe encarregada de Eichmann,
selecionado para interrogá-lo depois do sequestro. “Com certeza não
tinha nada a ver com falta de coragem. Nosso medo era que uma ação
dupla à la Rambo comprometesse o êxito da operação Eichmann.”
Segundo ele, o mais ansioso para pegar Mengele era Harel, e foi Rafi
Eitan, líder da operação no local, que inicialmente o convenceu a não
tomar nenhuma medida nessa direção, citando o provérbio hebraico que
diz: “Quem tenta pegar tudo acaba sem nada.”34
Contudo, logo que os israelenses capturaram Eichmann, Harel insistiu
com Aharoni que perguntasse ao prisioneiro sobre Mengele. De início, o
cativo se recusou a revelar fosse o que fosse, mas acabou admitindo que
tinha encontrado Mengele uma vez num restaurante em Buenos Aires e
alegou que o encontro tinha sido por acaso. Disse que não sabia o
endereço do médico, mas indicou que ele mencionara uma casa de
hóspedes em Olivos de propriedade de uma alemã. Aharoni acreditou
nele, mas, pelo que lembrava, Harel, não. “Ele está mentindo!”, disse
Harel. “Ele sabe onde está o Mengele!”35 Nas palavras de Aharoni, o
chefe do Mossad “ficou possesso”.
Na realidade, Josef Mengele tinha se mudado da Argentina para o
Paraguai no ano anterior, depois que a Alemanha Ocidental emitira um
mandado de prisão contra ele. Se lhe restava alguma dúvida de que
deveria se retirar para um país que talvez oferecesse mais garantia de
proteção a criminosos de guerra nazistas do que a Argentina, o sequestro
de Eichmann a teria dissipado. Mas o Paraguai também não parecia
seguro. Depois do bem-sucedido sequestro de Eichmann, Harel
despachou Aharoni e outros agentes para procurar Mengele em vários
países latino-americanos. Com a ajuda de outros antigos nazistas que se
estabeleceram na região, o médico tinha se mudado para uma fazenda
perto de São Paulo, voltando a ser trabalhador rural, mas sempre sentindo
muita pena de si mesmo — ainda mais quando soube que jornais da
Alemanha Ocidental recordavam aos leitores sua macabra folha de
serviços em Auschwitz.
“Como se pode ver, meu estado de espírito atual é péssimo,
principalmente porque, nas últimas semanas, tive de lidar com essa
bobagem de tentar rasgar corpos em B [Auschwitz-Birkenau]”, escreveu
em seu diário. “Neste estado de espírito, ninguém encontra alegria em
um radiante céu ensolarado. Somos reduzidos a criaturas miseráveis, sem
amor à vida nem essência.”36
Aharoni alegou que, em 1962, graças a subornos pagos a um dos
contatos de Mengele na América do Sul, foi encaminhado na direção de
Wolfgang Gerhard, nazista que morava perto de São Paulo e dera abrigo a
Mengele. “Naquela época, não sabíamos que estávamos tão perto do
nosso alvo”,37 escreveu. Ele se pôs a vigiar a área e, em retrospecto, hoje
suspeita de que tenha avistado o médico com outros dois homens numa
trilha na mata. Mas, para surpresa de Aharoni e dos outros agentes
destacados para o caso, Harel de repente os chamou de volta para cuidar
de um novo projeto de alta prioridade: procurar um menino de oito anos
que tinha sido tirado clandestinamente de Israel por extremistas religiosos,
violando uma ordem judicial. Os agentes encontraram o menino em
Nova York e o levaram de volta para a mãe. Depois disso, não foram mais
mandados à América do Sul.
Uma mudança na cúpula do Mossad explica o declínio do interesse
pela caça a Mengele. Quando Harel deixou o cargo, em março de 1963,
foi substituído por Meir Amit. O novo chefe logo passou a se preocupar
com os preparativos para o iminente conflito com os vizinhos árabes de
Israel, a Guerra dos Seis Dias, que aconteceu em 1967. “Demos pouca
importância a encontrar Mengele, por isso não o encontramos”,38
explicou Eitan, que tinha chefiado a operação Eichmann e continuou a
trabalhar para o Mossad depois da mudança de chefia. Mais uma vez, a
caçada aos nazistas deixara de ser prioridade.
Quando o corpo de Mengele foi encontrado, em 1985, o filho Rolf
explicou por que o pai não tinha sido capturado. “Sua casa era pequena e
extremamente pobre, tão simples que ninguém suspeitava dele”,39 disse à
revista alemã Bunte. Como ele vinha de família rica, os que estavam em
seu encalço “procuravam um homem que vivesse numa casa branca e
elegante à beira-mar, com uma Mercedes, protegido por seguranças e
cães de raça”, acrescentou. A insinuação: era quase como se esperassem
encontrar o Mengele representado por Gregory Peck em Os meninos do
Brasil.
Rolf nunca pediu desculpas pelo longo silêncio, mesmo quando já
sabia que o pai falecera. “Permaneci calado até agora em consideração às
pessoas que estiveram em contato com meu pai durante trinta anos”,40
declarou. O pai foi igualmente impenitente com relação a seus crimes.
Em carta a Rolf, escreveu: “Não tenho a mínima razão para tentar
justificar ou desculpar qualquer decisão, ação ou comportamento
meu.”41
O fato de, como admitiu Rolf, a família e tantas outras pessoas terem
ajudado Mengele a fugir da Justiça por anos a fio também levantou
dúvidas sobre a investigação alemã-ocidental encabeçada pelo promotor
Klein, de Frankfurt. Nenhum mandado de busca e apreensão foi
ordenado para casas ou escritórios de membros da família Mengele, e
parece não ter havido grande empenho em interrogá-los. De acordo com
Dieter Mengele, sobrinho do fugitivo, ele nunca foi abordado pelo
promotor. Klein declarou que a família tinha sido “apenas” parcialmente
posta sob vigilância, seja o que for que isso signifique.42
A Agência de Investigações Especiais do Departamento de Justiça,
quando divulgou seu relatório sobre Mengele em 1992, reconheceu o
óbvio. “O fato de o ‘Anjo da Morte’ de Auschwitz ter conseguido
perpetrar seus crimes e morrer velho no Brasil é prova de fracasso”,43
concluíu-se no documento. Mas ele também ressaltava que a Alemanha,
Israel e os Estados Unidos tinham tardiamente montado “uma caçada
mundial sem precedentes”, indicando que não estavam satisfeitos com
esse fracasso. Mais significativamente, levando-se em conta “os muitos
anos que ele passou quase na miséria no Brasil, torturado pelo medo de
que agentes de Israel estivessem prestes a capturá-lo, pode-se dizer que
eles proporcionaram uma espécie de áspera, ainda que inadequada,
‘justiça’”. Ele pagou o preço, acrescentou o relatório, no sentido de que
foi “prisioneiro do pesadelo de ser capturado”.
Josef Mengele tinha escapado dos caçadores de nazistas, mas não das
sombras cada vez mais longas que eles projetavam.
CAPÍTULO DEZESSEIS

CÍRCULO COMPLETO
“Sobreviver é um privilégio que implica obrigações. Não paro nunca de me
perguntar o que posso fazer por aqueles que não tiveram a mesma sorte.”1
SIMON WIESENTHAL

Em abril de 1994, uma equipe da ABC News vigiava seu homem


atentamente. Os jornalistas tinham localizado Erich Priebke em San
Carlos de Bariloche, cidade turística argentina situada no sopé dos Andes,
onde imigrantes alemães do século XIX construíram casas alpinas. Como
muitos nazistas envolvidos em assassinatos em massa, o ex-capitão da SS
tinha fugido da Europa depois da guerra e, desde então, levava uma vida
aparentemente normal. Administrava uma delicatéssen e até viajava de vez
em quando à Europa, não tendo jamais se preocupado em mudar de
nome. Seu passado parecia ter ficado definitivamente para trás — ao
menos até o dia em que se viu diante do obstinado repórter Sam
Donaldson com a câmera ligada.
A infâmia de Priebke era seu papel de organizador da execução de 335
homens e meninos, incluindo 75 judeus, nas Fossas Ardeatinas, nos
arredores de Roma, em 24 de março de 1944. Guerrilheiros italianos
tinham matado 33 alemães, e Herbert Kappler, o chefe da Gestapo em
Roma, ordenou o massacre com base no princípio de que, para cada
alemão morto, dez italianos deveriam pagar com a vida. Ao contrário de
Priebke, Kappler não saiu da Itália a tempo: foi condenado à prisão
perpétua, mas, em 1977, saiu de um hospital militar e ficou livre por um
ano, antes de morrer. Havia relatos também de que Priebke participara da
deportação de judeus italianos para Auschwitz.2
“Sr. Priebke, sou Sam Donaldson, da televisão americana”, berrou o
repórter, abordando Priebke na rua quando ele ia entrar no carro. “O
senhor estava na Gestapo em Roma em 1944, não estava?”3
De início, Priebke não pareceu nem um pouco confuso ou irritado e
não fez o menor esforço para fingir que nada teve a ver com as
execuções. “Sim, em Roma, sim”, disse, falando um inglês com sotaque,
mas fluente. “Sabe, foi lá que os comunistas explodiram um grupo de
soldados alemães. Para cada soldado alemão, dez italianos tinham de
morrer.”
De camisa polo, blusão e chapéu bávaro, Priebke parecia apenas outro
alemão que tinha resolvido fixar residência na cidade pitoresca.
“Civis?”, perguntou Donaldson.
Mantendo o tom inalterado, mas já começando a demonstrar certo
desconforto, Priebke respondeu que eram “quase todos terroristas”.
“Mas crianças foram mortas”, insistiu o repórter.
“Não”, rebateu Priebke. Quando Donaldson lembrou que meninos de
quatorze anos tinham sido mortos, ele balançou a cabeça e repetiu:
“Não.”
“Mas por que o senhor os fuzilou? Eles não tinham feito nada.”
“Você sabe que eram as ordens que tínhamos. Sabe que, numa guerra,
acontecem coisas assim.” A essa altura, Priebke parecia ansioso para
interromper a conversa.
“O senhor apenas cumpria ordens?”
“Sim, claro, mas não atirei em ninguém.”
Donaldson repetiu que ele tinha matado crianças nas fossas, e mais
uma vez Priebke protestou: “Não, não, não.”
Depois de tocarem de novo na questão das ordens, Donaldson
declarou: “Mas ordens não servem como desculpa.”
Priebke estava claramente indignado com a aparente incapacidade do
repórter americano de compreender como as coisas funcionavam. Ele
tinha que executar as ordens recebidas, reiterou. “Naquela época, ordem
era ordem.”
“E civis morreram”, continuou Donaldson.
“E civis morreram”, admitiu Priebke. “Muitos civis morreram e
continuavam morrendo em todas as partes do mundo.” Com um riso
nervoso e balançando a cabeça, acrescentou: “Você vive agora, mas nós
vivíamos em 1933”, referindo-se ao ano em que Hitler assumiu o poder.
“Consegue entender? Toda a Alemanha era (...) nazista. Não cometemos
nenhum crime. Fizemos o que nos mandaram. Isso não era crime.”
Donaldson simplesmente continuou atacando, perguntando se tinha
deportado judeus para campos de concentração.
Priebke balançou a cabeça. “Judeus, não, ninguém... Nunca fui contra
judeus. Eu era de Berlim. Vivíamos em Berlim junto com muitos judeus.
Não, não fiz isso.”
Dito isso, entrou no carro e bateu a porta. Suas últimas palavras ao
perseguidor foram ditas pela janela aberta: “Você não é um cavalheiro.”
Foi a vez de o repórter rir ironicamente quando Priebke saía: “Eu não
sou um cavalheiro”, repetiu.
Nascido em 1934, Sam Donaldson era jovem demais para combater na
Segunda Guerra Mundial, mas sempre fora fascinado pelo conflito e pelo
fato de Hitler ter conseguido hipnotizar o povo alemão. Na ABC assistia
repetidamente a O triunfo da vontade, de Leni Riefenstahl, para estudar o
que considerava o “primeiro verdadeiro filme de propaganda”.4
Na época em que o produtor Harry Phillips localizou Priebke e
vigiou seus passos por aproximadamente duas semanas antes de armar a
emboscada com a câmera, Donaldson estava convencido de que o
interesse público pelos nazistas e seus crimes entrara em declínio. Mas a
história de Donaldson e Phillips repercutiu no mundo inteiro e provocou
o primeiro esforço sério para levar Priebke à Justiça.5 A Argentina o
extraditou para a Itália em 1995, e seguiu-se uma grande batalha jurídica.
De início, o tribunal militar decidiu soltá-lo com base numa minúcia
técnica, mas ele foi preso novamente, submetido a novo julgamento e
condenado à prisão perpétua em 1998. Devido à idade avançada, foi
mantido em prisão domiciliar em Roma, onde morreu com 103 anos em
2013.
A Igreja Católica se recusou a realizar um funeral público para ele em
Roma, tampouco a Argentina ou a Alemanha se prontificaram a prestar
esse serviço. Coube à Fraternidade Sacerdotal São Pio X, grupo católico
dissidente que se opõe às reformas introduzidas na Igreja nas últimas
décadas e tem expressado dúvidas sobre o Holocausto, organizar o
sepultamento numa igreja em Albano Laziale, minúscula cidade no topo
de um morro ao sul da capital. Quando o carro fúnebre passou pelas ruas,
a polícia de choque fez o que pôde para conter os manifestantes furiosos
que protestavam, esmurrando o veículo.6
Priebke mantivera uma postura desafiadora até o fim, apegando-se à
desculpa de que apenas cumprira seu dever. Exceto quanto a um detalhe:
em vez de matarem 330 italianos, à razão dez para um, Priebke admitiu
que eles tinham detido 335 pessoas, o que significava que foram mortas
cinco pessoas a mais do que o número exigido. Aparentemente, Priebke
acrescentara cinco nomes ao preparar as listas de execução. “Deu errado”,
disse ele a um repórter do jornal alemão Süddeutsche Zeitung. Mas estava
claro que ele considerava aquilo uma falha sem importância um erro de
contabilidade que não pôde ser desfeito numa operação bem-executada,
que, segundo consta, consistiu em levar as vítimas, com as mãos
amarradas atrás, para dentro das fossas. Ali elas eram obrigadas a se
ajoelhar, depois eram mortas com um tiro na nuca.
Refletindo sobre sua longa carreira na televisão, Donaldson disse que
se orgulhava particularmente da reportagem sobre Priebke. “Quando me
perguntavam qual foi a entrevista, esperando que eu dissesse Reagan,
Sadat ou coisa parecida, eu mencionava a de Priebke”, disse ele,
descrevendo-a como o “trabalho mais importante e interessante que
realizei”.
Apesar de jornalistas não serem, intrinsecamente, caçadores de nazistas,
o credo desses homens sem dúvida contagiou Donaldson, como
contagiou alguns colegas seus que foram atrás de histórias semelhantes.
Eram narrativas que eles julgavam importantes não apenas pelas
manchetes que inspiravam. Como disse Donaldson: “Acredito na velha
ideia de que, se não mantivermos viva a lembrança dessas coisas para as
gerações futuras, a frase de [George] Santayana se aplicará: Quem não
recorda o passado está condenado a repeti-lo.”
Na maioria dos casos, os jornalistas cobriam qualquer coisa que os
caçadores de nazistas descobrissem ou seguiam as pistas que ofereciam,
incluindo as repercussões legais subsequentes. No caso de Priebke, a
dramática entrevista de Donaldson na rua resultou de um trabalho
jornalístico de detetive, mais do que de qualquer grande descoberta dos
próprios caçadores de nazistas. Quando a entrevista foi ao ar, o destino do
ex-capitão da SS estava selado, pondo fim a sua confortável vida na
Argentina e levando a sua extradição e condenação.

***

O ano de 2015 marcou o septuagésimo aniversário da libertação de


Auschwitz e de outros campos de concentração, bem como do fim da
guerra que produziu o maior número de mortos da história. Não era
surpresa nenhuma que houvesse cada vez menos criminosos de guerra
nazistas para serem caçados e julgados. Os oficiais superiores
provavelmente estavam todos mortos. Um guarda de campo de
concentração que tivesse vinte anos em 1945 teria noventa àquela altura,
o que significava que, inevitavelmente, os últimos casos envolviam o
pessoal mais jovem, de patente mais baixa. Isso provocava divergências até
mesmo entre os caçadores de nazistas sobre o valor desses casos restantes,
considerando que viviam num momento em que a saga dos caçadores se
aproximava do fim.
Ironicamente, um dos casos mais antigos relativos a um desses guardas
de campo de concentração de nível inferior teve uma surpreendente
reviravolta no início deste século, obrigando a uma revisão das regras do
jogo para qualquer criminoso ainda à solta. O processo se estendeu por
décadas nos Estados Unidos, em Israel e na Alemanha, provocando
controvérsia a cada passo. E, mesmo quando John Demjanuk, operário
aposentado da indústria automobilística de Cleveland de 91 anos,
personagem central do caso, morreu num asilo de idosos na Alemanha,
em 2012, ficaram sem resposta algumas perguntas sobre as questões mais
amplas deflagradas pelos sucessivos processos iniciados contra ele.
Apenas a primeira fase da história de Demjanuk é ponto pacífico.
Como tantos outros indivíduos apanhados nas convulsões sociais do
século XX, ele teve o azar de ser criado numa região que logo sentiria o
peso das políticas homicidas de Stalin e Hitler. Nascido em 1920 num
minúsculo vilarejo perto de Kiev, Iwan Demjanuk (ele trocaria o
primeiro nome para John ao naturalizar-se americano), depois de apenas
quatro anos de escola, foi trabalhar numa fazenda coletiva.7 Stalin, ao
desencadear uma campanha para destruir toda e qualquer oposição
ucraniana à coletivização forçada no começo dos anos 1930, provocou
uma epidemia de fome que custaria milhões de vidas. Demjanuk e a
família sobreviveram por pouco. Quando os exércitos de Hitler invadiram
a União Soviética, ele foi recrutado pelo Exército Vermelho, sofreu
ferimentos graves e, depois de uma longa recuperação, retornou à luta.
Em 1942, foi capturado pelos alemães, juntando-se às fileiras dos
prisioneiros de guerra soviéticos, muitos dos quais logo sucumbiram ao
tratamento brutal, à fome e à doença.
Para Stalin, todos os soldados capturados pelos alemães eram “traidores
que fugiram para o exterior”8 e que deveriam ser punidos imediatamente
ao retornar. Enquanto isso, suas famílias também seriam castigadas. Nessas
circunstâncias, e devido às severas condições que padeceram antes da
guerra sob o regime soviético, não era de admirar que alguns prisioneiros
de guerra achassem que tinham mais chances de sobreviver se tomassem o
partido dos captores. Atendiam a convocações por “voluntários” para se
tornarem guardas de campo ou, posteriormente, soldados do Exército de
Libertação Russo, comandado pelo general Andrei Vlasov, herói soviético
do início da guerra que mudou de lado depois de capturado. Vlasov
alegava que seu objetivo era derrubar Stalin, não servir a Hitler, mas sua
ação demonstrava a disposição em lutar lado a lado com os invasores
alemães.
Segundo o próprio Demjanuk, ele serviu primeiro numa unidade da
Waffen-SS composta só de ucranianos — onde recebeu uma tatuagem
com tipo sanguíneo no antebraço —, em seguida no Exército de
Libertação Russo de Vlasov; mas disse nunca haver participado de
combates no fim da guerra e, mais tarde, conseguiu guardar segredo sobre
seus antecedentes durante o tempo que passou num campo de deslocados
de guerra na Alemanha. Dessa maneira, escapou da repatriação
compulsória dos soldados de Vlasov para a terra natal, onde o líder e
muitos seguidores foram prontamente executados. Casou-se com uma
ucraniana no campo de deslocados de guerra e arranjou emprego de
motorista no Exército dos Estados Unidos.
Ao requerer o status de refugiado, inventou que tinha trabalhado
como agricultor durante quase toda a guerra em Sobibor, vilarejo
polonês que se tornou infame devido ao campo de extermínio ali
instalado pelos alemães. Demjanuk insistia em afirmar que tinha escolhido
essa aldeia porque muitos ucranianos moravam lá. Em 1952 radicou-se
nos Estados Unidos com a mulher e a filha. Teve mais dois filhos e se
adaptou bem à comunidade de exilados ucranianos em Cleveland, onde
era tido como um cristão incondicionalmente anticomunista empenhado
a libertar sua terra natal do jugo soviético.
Porém, em 1975, Michael Hanusiak, ex-membro do Partido
Comunista dos Estados Unidos que editava o Ukrainian Daily News,
preparou uma lista de setenta supostos criminosos de guerra que
moravam nos Estados Unidos. Um deles era Demjanuk, identificado
como guarda da SS em Sobibor. Tanto o FBI como a comunidade
ucraniana viam o jornal de Hanusiak como uma fonte bastante suspeita,
que canalizava desinformações soviéticas, mas o Serviço Nacional de
Imigração e Naturalização, cobrado pela congressista Elizabeth Holtzman
por não tomar providências em relação à maioria dos criminosos de
guerra que moravam nos Estados Unidos, começou a averiguar. Seus
investigadores mandaram a Israel algumas fotos de Demjanuk e de vários
outros suspeitos de crimes de guerra, todas tiradas quando eram jovens. A
ideia era verificar se as pessoas que tinham sobrevivido aos campos se
lembravam de alguns daqueles rostos nas fotografias.9
A investigadora da polícia Miriam Radiwker, de origem polonesa, que
trabalhara na União Soviética e na Polônia antes de emigrar para Israel,
mostrou as fotos a sobreviventes dos campos. Quando as exibiu para
sobreviventes de Treblinka tentando identificar outro suspeito nas fotos,
um deles apontou para a de Demjanuk e exclamou: “Iwan, Iwan de
Treblinka, Iwan Grozny.”10 A última expressão significava “Ivan, o
Terrível”, designação dada a um guarda que operava as câmaras de gás e
sentia prazer em espancar, chicotear e fuzilar prisioneiros. Como as
informações enviadas pelos americanos indicavam que Demjanuk tinha
sido guarda em Sobibor e não em Treblinka, Miriam ficou confusa e
descrente ao mesmo tempo.
Mas dois outros sobreviventes de Treblinka separaram a foto de
Demjanuk e o identificaram como Ivan, o Terrível, um deles com
certeza, o outro com a ressalva de que não estava totalmente seguro, pois
a foto não era do mesmo período de quando Demjanuk supostamente
prestara serviço no campo. Apesar de suas descrições físicas de Ivan, o
Terrível, sugerirem uma estreita semelhança com Demjanuk, não eram
perfeitas, sobretudo quando se tratava de sua estatura.
Miriam relatou suas descobertas para os americanos, a quem cabia
tentar desenredar o mistério. Em 1977, a Procuradoria Federal em
Cleveland denunciou formalmente Demjanuk, acusando-o de ser o
guarda de Treblinka conhecido como Ivan, o Terrível. A OSI, do
Departamento de Justiça, criado em 1979, logo se encarregou do caso.11
Como os registros de Treblinka tinham sido destruídos pelos alemães, um
dos investigadores se pôs a procurar documentos de Trawniki, o campo
de treinamento para os prisioneiros de guerra soviéticos destinados a se
tornarem guardas da SS. Supondo que os registros estavam em mãos dos
soviéticos, fez consultas por intermédio da embaixada dos Estados Unidos
em Moscou. No começo de 1980, a embaixada soviética em Washington
mandou para a OSI um envelope contendo cópia de um documento de
identificação emitido pela SS em nome de Iwan Demjanuk. A data de
nascimento e o nome do pai estavam corretos. A carteira também
apareceu em alguns jornais ucranianos.
Alan Ryan, que entrara na OSI como vice-diretor, e sua equipe
compararam a foto na carteira com a do formulário de pedido de visto
americano que Demjanuk preenchera em 1951. “Não havia dúvida de
que as fotos eram do mesmo homem”,12 afirmou. Embora a carteira
indicasse que Demjanuk tinha sido lotado em Sobibor e não fizesse
qualquer menção a Treblinka, Ryan chegou à conclusão de que aquele
era o homem que buscavam. “Seu filho da puta”, pensou. “Nós o
pegamos.”13
Mas nem todos estavam convencidos de que o pleito do governo era
correto. O Ukrainian Daily News já tinha informado que um antigo
guarda ucraniano da SS, que cumprira uma longa sentença de prisão na
União Soviética e então se encontrava na Sibéria, dizia ter servido com
Demjanuk em Sobibor, e não em Treblinka. George Parker, advogado do
Departamento de Justiça que trabalhava no caso Demjanuk desde o
princípio, ficou tão incomodado com as inconsistências que redigiu um
memorando para o diretor da OSI, Walter Rockler, e para Alan Ryan
recomendando que considerassem outras opções — como, pelo menos,
acrescentar serviço em Sobibor à acusação — e, se possível,
abandonassem por completo a acusação sobre Treblinka.14 Mas Ryan,
que substituíra Rockler no cargo supremo, decidiu insistir na acusação de
que Demjanuk era Ivan, o Terrível, de Treblinka.
Ao longo da batalha judicial subsequente, o governo ganhou a ação, e
a cidadania de Demjanuk foi cassada. A comunidade ucraniana dos
Estados Unidos protestou com estridência, acusando a OSI de mandar
para a cadeia sem julgamento imparcial um homem inocente, com base
em provas fabricadas por Moscou, mas isso não impediu que Israel
pedisse sua extradição. Em 27 de janeiro de 1986, Demjanuk foi posto
num voo da El Al para Tel Aviv.15 Pela primeira vez desde Eichmann,
Israel decidira levar a julgamento um suposto criminoso de guerra nazista.
Apesar de o ministro do Exterior Yitzhak Shamir proclamar que Israel
o fazia em nome da “justiça histórica”,16 a decisão foi altamente
polêmica. Avraham Shalom, que tinha sido vice-comandante da operação
Eichmann em Buenos Aires, na época era diretor do Shin Bet, a agência
de segurança interna. Antes que Israel solicitasse a extradição de
Demjanuk, o primeiro-ministro Shimon Peres havia pedido a opinião de
Shalom. “Eu lhe disse: não faça isso, porque Eichmann só existe um”,
contou Shalom, referindo-se ao fato de que Demjanuk era uma figura
menor, em comparação. “Se diminuirmos o prêmio, o efeito será
menor.”17
Em depoimentos emocionados no julgamento de Demjanuk em
Jerusalém, sobreviventes de Treblinka juraram que ele era Ivan, o
Terrível. “Está sentado ali”, berrou Pinchas Epstein, apontando para o
réu. “Sonho com ele todas as noites (...) Está gravado em mim. Na minha
memória.” A plateia aplaudiu e berrou insultos contra Demjanuk e
Yoram Sheftel, seu advogado israelense. “Você é um mentiroso. Você
assassinou meu pai”, gritou um judeu polonês para Demjanuk. Sheftel
era atingido por termos como “Kapo”, “nazista” e “canalha descarado”.
Em abril de 1988, o tribunal declarou Demjanuk culpado e o condenou
à morte.18
Entretanto, na época em que seus advogados de defesa apelaram para a
Suprema Corte israelense, novas provas tinham surgido de que o
verdadeiro Ivan, o Terrível, era um guarda chamado Ivan Marchenko. O
programa 60 Minutes, da CBS, noticiou que uma prostituta polonesa de
quem Marchenko era cliente aceitara falar; antes, seu marido tinha
confirmado o que ela dissera, acrescentando que Marchenko, que
comprava vodca em sua loja, falava abertamente sobre operar a câmera de
gás.19 Isso, e mais outras informações que enfraqueciam a ação contra
Demjanuk, prenunciavam um desastre para a acusação.
A Suprema Corte israelense absolveu Demjanuk em julho de 1993, e a
Sexta Comarca dos Estados Unidos decidiu que ele poderia voltar ao país.
Para agravar a situação, também restituiu sua cidadania e declarou a OSI
culpada de má conduta de promotoria. Durante todo o processo, os
defensores de Demjanuk acusaram a OSI de ocultar provas que
levantassem dúvida sobre seu pleito, chegando até a vasculhar o lixo em
frente a seus escritórios à procura de documentos incriminadores. “As
alegações de que houve impropriedades na investigação representam uma
ferida ainda não cicatrizada”, me disse o ex-diretor da OSI Alan Ryan
em 2015. Mas Eli Rosenbaum, que ocupou o mesmo cargo a partir de
1995, admitiu: “Esse caso nos infligiu uma grande mácula moral, e eu
diria que a merecemos.”20
Não quer dizer que Rosenbaum tenha se deixado influenciar pelos
protestos de inocência de Demjanuk. “Claro que Demjanuk estava
mentindo e que foi guarda num campo de extermínio, no mínimo em
Sobibor”, disse. Em outras palavras, exatamente como indicava seu
documento de identificação. Sob a direção de Rosenbaum, a OSI iniciou
uma nova investigação e reconstituiu penosamente o pleito, com base
sobretudo em seu documento de identificação e em novos registros
obtidos nos arquivos alemães e soviéticos, mais do que em supostas
testemunhas.
Entre as descobertas: Demjanuk jamais fora soldado do Exército de
Libertação Russo de Vlasov, como dizia. Tal como a informação que
constava do seu formulário de pedido de visto americano sobre ter sido
agricultor em Sobibor, isso era só para despistar.21 Em 2002, a Sexta
Comarca cassou a cidadania de Demjanuk pela segunda vez. As batalhas
em torno de sua deportação finalmente chegaram ao fim em 2009,
quando Demjanuk mais uma vez foi expulso do país para ser julgado,
dessa vez na Alemanha.
Demjanuk alegava que era idoso e doente demais para viajar ou para
enfrentar um novo julgamento e embarcou no voo para Munique numa
maca.22 No tribunal, era transportado numa maca sobre rodas e parecia
praticamente sem vida. Tinha 89 anos e não era nem um pouco saudável,
mas seus adversários estavam convencidos de que aquilo tudo era só
encenação quando aparecia em público. Pouco antes de ser levado de
avião para Munique, o Centro Simon Wiesenthal tinha divulgado um
vídeo no YouTube em que ele aparecia andando na rua do bairro e
entrando num carro sem problemas nem necessidade de ajuda.
Em maio de 2011, o tribunal decidiu contra Demjanuk, julgando
convincentes as provas de que servira como guarda em Sobibor.
Diferentemente de casos anteriores contra alemães, entendeu-se que isso
era motivo suficiente para condená-lo como cúmplice no assassinato de
29.060 pessoas, total de mortos no campo durante o tempo em que ele lá
esteve. Condenado a cinco anos de prisão, teve a pena reduzida em dois
anos pelo tempo de detenção que cumprira antes do julgamento.
Enquanto seus advogados recorriam, ele teve permissão para viver num
asilo de idosos. Morreu em 17 de março de 2012, com o recurso ainda
por ser julgado.
Isso deu a seu filho motivo para alegar que, em termos práticos, o
veredicto do tribunal não tinha mais validade. Ele manifestou ainda a
convicção de muita gente na comunidade ucraniana nos Estados Unidos
de que a Alemanha tinha usado seu pai “como bode expiatório para
responsabilizar prisioneiros de guerra ucranianos indefesos pelo que os
nazistas alemães fizeram”.23 O colunista Pat Buchanan tinha travado uma
furiosa campanha contra a perseguição pela OSI “deste Dreyfus
americano”,24 rótulo que atribuiu a Demjanuk. “Quantos homens na
história deste país foram tão implacavelmente perseguidos e tão
impiedosamente processados?”, perguntou.
Os defensores de Demjanuk poderão sempre citar o fato de ele ter
sido equivocadamente identificado no início como Ivan, o Terrível, e a
pena de morte que lhe foi imposta em Israel como provas de que
promotores e juízes são capazes de erros atrozes. Mas, depois de quase três
décadas de batalhas jurídicas, sua culpa por fim foi estabelecida, e as
histórias que inventou para ocultar sua identidade foram expostas. Mais
significativamente, o veredicto de Munique abriu um precedente sobre a
maneira como a Alemanha deveria lidar com os processos contra um
número cada vez menor de suspeitos de crimes de guerra ainda vivos. As
regras do jogo tinham subitamente mudado.

***

Antes do caso Demjanuk, os promotores alemães tinham que enfrentar o


desafio de provar que supostos criminosos nazistas eram culpados de atos
específicos de homicídio e outros crimes. O resultado era um baixo
índice de condenações. Encontrar testemunhas e provas aceitas em juízo
que indicassem a prática de assassinatos em massa não era difícil, mas
encontrar documentos e testemunhas que pudessem atribuir
responsabilidades por determinados assassinatos a indivíduos específicos
era um desafio imenso. De acordo com o Instituto de História
Contemporânea em Munique, a Alemanha Ocidental realizou
investigações sobre 172.294 pessoas de 1945 a 2005. Isso produziu 6.656
condenações, mas apenas 1.147 dos veredictos de culpa se referiam a
casos de homicídio.25 Levando em conta a enorme quantidade de vítimas
do Terceiro Reich, isso significava que apenas uma fração minúscula dos
assassinos prestou contas de seus atos.
O que houve de diferente no caso de Demjanuk foi que, em vez de
exigir que a acusação provasse que ele era culpado de atos específicos de
assassinato, o tribunal de Munique aceitou a formulação de que era
cúmplice de assassinatos em massa. Em outras palavras, todos os que
trabalharam em campos de extermínio seriam culpados em virtude da
posição que ocupavam. Kurt Schrimm, chefe do Escritório Central para a
Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo em Ludwigsburg, logo
deixou claro que se guiaria por esse novo modelo. Em setembro de 2013,
ele anunciou que seu escritório estava prestes a enviar informações a
respeito de trinta ex-guardas de Auschwitz-Birkenau a promotores
estaduais, para que eles investigassem se também eram cúmplices de
homicídio. “Somos da opinião que esse trabalho [em Auschwitz-
Birkenau] os torna culpados de cumplicidade em homicídio não importa
do que possam ser acusados individualmente”,26 declarou. A idade dos
trinta ex-guardas variava de 86 a 97 anos, e muitos efetivamente
escapariam em razão de morte, doença ou outros fatores. Até o começo
de 2015, treze desses casos ainda estavam sendo investigados, e apenas um
resultara em condenação.27
Oskar Gröning, que pertencera à SS e ficara conhecido como
“contador de Auschwitz”, tinha 93 anos ao ser acusado de cumplicidade
na morte de aproximadamente 300 mil prisioneiros. Quando foi a
julgamento na cidade alemã de Lüneburg em abril de 2015, admitiu que
tinha trabalhado como guarda e contabilizava o dinheiro confiscado dos
prisioneiros a caminho das câmaras de gás. Mas, como muitos outros réus
de julgamentos anteriores, alegou que tinha sido apenas uma pequena
roda na engrenagem da imensa máquina de matar. “Peço perdão”, disse.
“Compartilho moralmente da culpa, mas os senhores é que vão decidir se
sou culpado sob a lei penal.”28 Com isso, ele admitiu mais do que a
maioria dos outros acusados, mas ainda sugeria que não deveria ser
considerado legalmente responsável.
Em 15 de julho de 2015, o tribunal julgou Gröning culpado,
condenando-o a quatro anos de prisão — sentença mais severa do que os
três anos e meio pedidos pela acusação.29 O juiz Franz Kompisch
ressaltou que ele, por vontade própria, tinha ingressado na SS e
“assumido uma segura função de escritório” em Auschwitz, o que o
tornava cúmplice de assassinatos em massa. Dirigindo-se a Gröning,
declarou que a decisão dele “foi talvez afetada pela sua época, mas não
porque o senhor estivesse privado de liberdade”.
Schrimm tinha explicado que o objetivo não era tanto punir os
antigos guardas, mas mostrar que ainda havia um esforço para alcançar
certa dose de justiça. “Minha opinião é que, em vista da monstruosidade
desses crimes, temos para com os sobreviventes e as vítimas um dever que
vai além de simplesmente dizer ‘já se passou algum tempo, isso tudo
deveria ser varrido para baixo do tapete’”,30 acrescentou.
A ironia foi que o tribunal de Munique que condenou Demjanuk
tinha finalmente aceitado os argumentos apresentados décadas antes sobre
o que constituía prova adequada da culpa dos que trabalharam na
máquina da morte nazista. William Denson, o promotor-chefe do
Exército dos Estados Unidos no julgamento de Dachau iniciado no fim
de 1945, tinha baseado seu pleito na tese do “desígnio comum”. Em vez
de ter que provar a prática de crimes individuais, ele argumentava que
seria suficiente que “cada um dos acusados fosse uma roda na
engrenagem dessa máquina de extermínio”.31 Fritz Bauer, o promotor
alemão que encabeçara os esforços para responsabilizar seus compatriotas
por seus atos durante o Terceiro Reich, tinha usado argumentos parecidos
durante o Segundo Julgamento de Auschwitz, nos anos 1960, afirmando
que “quem quer que tenha operado essa máquina é culpado de
participação em assassinato, não importa o que tenha feito, desde que, é
claro, soubesse para que servia a máquina”.32
Há uma ironia ainda maior. Se os tribunais alemães tivessem aceitado
essa abordagem já nos anos 1950 ou 1960, teria havido um imenso
acréscimo no número de julgamentos e condenações. Como disse Piotr
Cywiński, atual diretor do Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau: “É o
que sempre acontece: você só consegue uma prestação de contas pelos
crimes quando não há mais quase ninguém para prestar contas.”33 Toda a
base lógica anterior dos tribunais alemães era falha, sustentou Cywiński.
“Se a máfia mata pessoas a tiro, não importa saber se alguém está atirando
ou só montando guarda para que ninguém entre. Ele está participando do
crime. É chocante que os alemães tivessem decidido de outra forma.”
A revista alemã Der Spiegel ofereceu outra explicação em sua
reportagem de capa de 25 de agosto de 2014, sob o título “Arquivos de
Auschwitz: Por que os últimos guardas da SS não serão punidos”.34
Klaus Wiegrefe, autor da longa reportagem, concluiu que o medíocre
histórico de condenações na Alemanha se devia a algo mais do que
simplesmente os rígidos requisitos legais. “A punição de crimes
cometidos em Auschwitz não fracassou porque alguns políticos e juízes
tentaram frustrar esses esforços”, escreveu. “Fracassou porque havia
pouquíssima gente interessada em condenar e punir decisivamente os
criminosos. Muitos alemães ficaram indiferentes aos assassinatos em massa
em Auschwitz depois de 1945.”
Apesar disso, Cywiński e muitos outros críticos estrangeiros ficaram
estimulados com a decisão sobre Demjanuk e com a determinação de
Schrimm, do escritório de Ludwigsburg, de atuar com base nela.
“Estamos na área não apenas da lei, mas também da moralidade”, disse
Cywiński. “Os que dizem que não se deveriam condenar pessoas de mais
de noventa anos alegam que isso é uma espécie de equívoco moral. O
maior fracasso moral seria evitar o julgamento. Isso seria o triunfo da
injustiça.”

***

Como bem o demonstra sua maneira de lidar com Demjanuk e outros


casos, as autoridades americanas não precisavam ser convencidas nesse
particular. Em 23 de julho de 2014, o magistrado do Juízo Distrital do
Leste da Pensilvânia, juiz Timothy R. Rice, ordenou que Johann Breyer,
de 89 anos, ex-guarda da SS em Auschwitz e ferramenteiro aposentado
que morava na Filadélfia, fosse extraditado para a Alemanha a fim de ser
julgado. No pedido de extradição, a Alemanha apresentara uma
justificativa que era reflexo dos argumentos utilizados no caso Demjanuk.
Segundo o documento, Breyer fizera “parte de uma organização que
executava deliberadamente ordens para praticar os assassinatos dentro da
cadeia de comando”,35 referindo-se às unidades da Divisão “Caveira” da
SS. Breyer não negou que serviu em Auschwitz, mas alegou não ter
participado dos assassinatos.
Em sua decisão, o juiz americano fugiu do seco linguajar jurídico para
explicar a base lógica da sua decisão. “Como esboçado pela Alemanha,
um guarda de campo de extermínio como Breyer não poderia ter
trabalhado em Auschwitz durante o auge do reino de terror nazista em
1944 sem ter conhecimento de que centenas de milhares de seres
humanos estavam sendo brutalmente abatidos em câmaras de gás e depois
queimados no local”, escreveu. “Uma procissão diária de trens trazia
centenas de milhares de homens, mulheres e crianças, cuja maioria
simplesmente virava fumaça da noite para o dia. Apesar disso, os gritos, os
cheiros e a mortalha da morte impregnavam o ar. As alegações
estabelecem que Breyer já não pode enganar a si mesmo nem aos outros
quanto a sua cumplicidade nesse horror.” Ressaltou também que
“nenhum prazo de prescrição oferece refúgio seguro para homicídio”.36
Contudo, no mesmo dia em que Rice anunciou sua decisão, o ex-
guarda da SS morreu. Não foi a primeira vez que suspeitos de crimes de
guerra nazistas morreram antes de serem deportados dos Estados Unidos
para enfrentar acusações em outros países. A ação legal costumava ser
tortuosa, isso quando havia ação legal. Para quem trabalhou durante anos
para ganhar uma causa contra supostos criminosos de guerra nazistas
como Breyer, foi uma vitória significativa, mas sua morte foi também
frustrante. Pareceu mais uma oportunidade perdida, não apenas de punir
o culpado, mas também de dar uma lição sobre responsabilidade e história
em um tribunal alemão — a lição de que indivíduos são responsáveis por
seus atos numa situação como essa, pouco importando as ordens que
recebam.
A morte de Breyer antes de poder ser extraditado também levantou
perguntas sobre por que esses casos demoravam tanto a se concretizar e
sobre o que de fato já fora obtido. Desde sua criação, em 1978, até 2015,
a Diretoria de Investigações Especiais ganhou 108 causas contra
participantes de crimes de guerra nazistas, de acordo com seu diretor Eli
Rosenbaum. Cassou a cidadania de 86 pessoas e deportou, extraditou ou
de alguma forma expulsou 67.37
A ex-congressista Elizabeth Holtzman, cujo trabalho incansável levou
à criação da OSI, acha que o número é muito expressivo sobretudo
quando se consideram as dificuldades de tentar processar pessoas por
crimes cometidos há tanto tempo. “Tenho o maior orgulho das pessoas
que encabeçaram esses esforços”, disse. “Fizemos a unidade funcionar de
maneira profissional, buscando provas no mundo inteiro. Conseguimos,
apesar de ser quase improvável. Nenhum outro país do mundo fez mais
do que nós nesse período.”38
Rosenbaum, que voltou para a OSI em 1988, assumindo como diretor
em 1995, sem dúvida concorda com essa avaliação. Admite prontamente
que a política da Guerra Fria foi responsável pelo longo período em que
os Estados Unidos perderam o interesse em punir criminosos nazistas e,
em alguns casos, os recrutaram em sua nova batalha contra a União
Soviética. Mas ressalta que, mesmo no fim dos anos 1940 e em boa parte
dos anos 1950, os Estados Unidos mantiveram arquivos de criminosos
nazistas e tentaram impedir que muitos entrassem no país. A decisão de
trabalhar com outros deve ser vista no contexto da época, quando a luta
entre as superpotências parecia uma disputa de vida ou morte. “Na
aplicação da lei, usamos gente má o tempo todo”, comentou.
Seriam os esforços subsequentes da OSI para ir atrás de criminosos de
guerra, como os casos recentes empreendidos por promotores alemães,
um remédio tardio demais para ser eficaz? Em certo sentido, sim.
Contudo eles tiveram impacto significativo ao demonstrar que os Estados
Unidos já não estão dispostos a fazer vista grossa para os criminosos
restantes, que ainda podem ser identificados e sujeitos à perda de
cidadania e à deportação.
A OSI se fundiu com a Seção de Segurança Interna do Departamento
de Justiça para formar uma nova unidade chamada Divisão de Direitos
Humanos e Processos Especiais em 2010, mas Rosenbaum e sua equipe
seguiram em frente com os casos de nazistas restantes. Esses esforços, disse
Elizabeth Holtzman, “criam um registro histórico e mostram que os
Estados Unidos não se tornarão lugar de refúgio para assassinos em
massa” e que também devem servir de “aviso para as futuras gerações”,
instruindo-as sobre genocídio e sobre como lidar com casos dessa
natureza. Na hipótese mais otimista, podem também ter efeito dissuasivo
— embora ela mesma reconheça que o histórico de genocídios em países
como Camboja e Ruanda indica fracasso nesse particular.

***

“Há uma tensão natural entre a aplicação da lei e funcionários do


governo e pessoas como nós, que não temos nenhum mandato”, explicou
Efraim Zuroff, diretor da filial em Israel do Centro Simon Wiesenthal,
durante uma entrevista em Jerusalém. “Nosso mandato se baseia no apoio
da opinião pública. Não vem das urnas; vem mais do talão de cheque [de
doadores].”39
Nascido em 1948, Zuroff foi criado no Brooklyn antes de se mudar
para Israel, em 1970. De 1980 a 1986, trabalhou como pesquisador da
OSI naquele país. Fundou o escritório israelense do Centro Simon
Wiesenthal em 1986 e, nos últimos anos, tem sido descrito como o
último caçador de nazistas, designação que aceita com alegria. Nunca
trabalhou para Wiesenthal, que atuava de forma independente, embora as
pessoas costumem imaginar que essa ligação existia. Zuroff descreve o
trabalho do caçador de nazistas como “um terço detetive, um terço
historiador, um terço lobista”. Acrescenta que caçadores de nazistas não
processam ninguém, mas ajudam a tornar os processos possíveis.
Por mais polêmico que Wiesenthal fosse, Zuroff é mais ainda, com
frequência acusado de buscar a publicidade pela publicidade e de
hostilizar não só os adversários, como possíveis aliados também. Nos
Países Bálticos, que ele costuma atacar por ocultarem seu histórico de
colaboração com os nazistas durante a guerra e reescreverem a história
para reduzir a importância do Holocausto, alguns líderes judeus locais se
assustam com suas táticas. “Essas comunidades são muito vulneráveis”, ele
reconhece. “Não têm recursos nem coragem para travar sozinhas essas
batalhas.” Segundo ele, o objetivo de seus esforços é lhes dar esse apoio.
Mas, tal como a comunidade judaica de Viena durante o caso Waldheim,
os judeus bálticos costumam achar que essas ações reacendem o
profundamente arraigado antissemitismo local.
Além disso, Efraim Zuroff fez viagens cercadas de muita publicidade à
procura de criminosos de guerra nazistas — mais notavelmente, o médico
Aribert Heim, de Mauthausen. No verão de 2008, viajou ao Chile e à
Argentina, “no encalço de Heim”,40 como disse. Logo depois, quando
surgiu a notícia de que Heim tinha morrido no Cairo em 1992,
confessou que foi uma “informação chocante”41, e, de início, afirmou
que o caso continuava em aberto, na dependência de uma confirmação
adequada.
Mais recentemente, Zuroff preparou uma nova campanha, com o
nome Operação Última Chance. Em 2013, providenciou a colocação de
outdoors nas principais cidades alemãs com uma foto do campo de
Auschwitz-Birkenau e os dizeres em letras garrafais: “Tarde, mas não
tarde demais.” Nessas placas publicitárias, fazia um apelo para que as
pessoas dessem informações sobre qualquer um ainda vivo que pudesse
ter participado de crimes nazistas. Zuroff disse que os outdoors
provocaram uma inundação de pistas que incluíam 111 nomes. Dessas,
segundo ele, quatro foram repassadas para promotores alemães, que
investigaram duas. Uma dizia respeito a um guarda de Dachau, que,
segundo se descobriu, estava com mal de Alzheimer; a outra, a uma
pessoa que colecionava objetos nazistas como recordação, além de armas e
munição, porém já tinha morrido.42
Não foram só os resultados duvidosos da campanha que provocaram
ceticismo sobre o seu valor intrínseco. “É verdade que existem antigos
nazistas que conseguiram viver sossegados, numa época em que os
sobreviventes levavam uma vida atormentada”, comentou Deidre Berger,
diretora da filial berlinense do Comitê Judaico Americano. “A injustiça é
incrível e exasperante. O problema é que, quando uma sociedade se sente
na mira, como tende a acontecer com uma campanha como essa, há uma
reação adversa em muitos setores.” Porém ela acredita, ao mesmo tempo,
que faz sentido levar aos tribunais os últimos casos possíveis. “O que quer
que aconteça em termos de sentença é menos importante do que dar aos
poucos sobreviventes que ainda restam uma sensação de justiça moral, de
finalmente poderem depor”, explicou.43
Contudo, mesmo entre os caçadores de nazistas, há quem seja contra ir
atrás dos últimos idosos que foram guardas de campo de concentração.
Serge Klarsfeld chamou a noção pós-Demjanuk, de que alguém pode ser
culpado simplesmente em virtude de sua posição, de “bastante
soviética”.44 Ele e Beate põem em dúvida tanto a campanha de Efraim
Zuroff quanto a recente investida dos investigadores alemães. As
autoridades de Ludwigsburg “querem preservar seus cargos”, disse Serge,
afirmando que se trata de uma tática para estender mandato.
Apesar de o número de casos sobre nazistas ter diminuído, o mesmo
não se deu com as brigas internas entre os caçadores de nazistas.
Rosenbaum, da OSI, por exemplo, continuou acalentando suas queixas
contra Wiesenthal, seu temível rival no caso Waldheim, e outros
autônomos que, segundo ele, supervalorizam os próprios papéis. Embora
não fale publicamente de Zuroff, não há dúvida de que o inclui nessa
categoria. “Parece que, em relação ao destino de criminosos nazistas no
pós-guerra, a única coisa que o mundo está preparado para aceitar é que
esses criminosos foram encontrados pelos assim chamados ‘caçadores de
nazistas’ e que os serviços americanos de inteligência atuaram
principalmente para atrapalhar as tentativas de obter justiça”, disse ele
num simpósio sobre o caso Eichmann na Faculdade de Direito de Loyola
em Los Angeles, em 2011. “Na verdade, as duas premissas são
evidentemente falsas.”45
Zuroff não dá muita importância a essas críticas. “Jamais conheci um
caçador de nazistas que estivesse disposto a dizer qualquer coisa de
positivo sobre outro”, comentou. “É inveja, é competição, é tudo isso
junto.” Jura que não é “o tipo de pessoa” que leve essas disputas para o
plano pessoal, mas logo em seguida reclama dos Klarsfelds. “Fizeram um
comentário muito desagradável a meu respeito, como se eu caçasse
nazistas sentado na minha sala de estar.” E acrescentou: “Acho que o que
os Klarsfelds fizeram nos casos da França é formidável, não há dúvida.
Fizeram coisas ótimas em termos de documentação. Mas pararam de
caçar nazistas.”
Em Ludwigsburg, o escritório de investigação de crimes nazistas
inaugurou um setor de arquivo em 2000, e espera-se que essa parte das
atividades se expanda à medida que o número de possíveis investigados vá
diminuindo. O arquivo já atrai visitantes regulares, particularmente
grupos de estudantes, como parte de suas aulas sobre o Terceiro Reich e
o Holocausto, mas não é provável que as operações iniciais de
Ludwigsburg cessem em um futuro próximo. “Ainda temos material para
examinar, e ainda temos pessoas que podem ser indiciadas”,46 disse o
vice-diretor Thomas Will.
Efraim Zuroff é ainda mais enfático a respeito de suas intenções.
“Nunca haverá uma entrevista coletiva na qual eu diga que estamos
jogando a toalha, basta, não aguento mais, vou para o Taiti sentar debaixo
de um coqueiro”, garantiu. “Pode ser que eles [os criminosos nazistas]
estejam todos mortos, mas não sou eu quem vai anunciar isso.”

***

“Não levamos pessoas a julgamento como um gesto simbólico nem para


servir a um objetivo de consciência mais amplo”, escreveu Allan Ryan, o
chefe da OSI no começo dos anos 1980. “Nós as levamos a julgamento
porque violaram a lei. Esta deveria ser a única razão para processar
alguém.”47 Tendo sido chefe da OSI nos primeiros tempos, Ryan se
sentia obrigado a fazer essa declaração. Mas estava enganado, pelo menos
quanto à segunda parte, porque os caçadores de nazistas estavam em busca
de um “objetivo de consciência mais amplo”. Selecionavam como alvo
aqueles que, quaisquer que fossem as leis em vigor na época, violaram
conceitos básicos de humanidade e comportamento civilizado.
O pequeno grupo de pessoas conhecidas como caçadores de nazistas
compreendia que seria impossível fazer todos os que violaram esses
conceitos pagarem pelo que fizeram. Como ressaltou Fritz Bauer,
procurador-geral de Hesse que orquestrou o Segundo Julgamento de
Auschwitz, nos anos 1960, os réus foram “de fato apenas bodes
expiatórios escolhidos”. A ideia era punir alguns dos que cometeram
crimes monstruosos, bem como instruir a sociedade sobre o que tinha
acontecido, ainda que inúmeros outros culpados permanecessem livres.
O processo de instrução não foi fácil, mas nenhum país se esforçou
mais do que a Alemanha para reconhecer os horrores que desencadeou.
Uma parte não pequena desse esforço é resultado das atividades de Bauer
e outros caçadores de nazistas, incluindo Jan Sehn, da Polônia,
encarregado do primeiro julgamento de Auschwitz, logo depois da
guerra. Eles é que insistiram em algum tipo de ajuste de contas com o
passado.
Filho de um alto diplomata do Terceiro Reich, Richard von
Weizsäcker serviu no exército alemão que invadiu a Polônia em 1939,
tendo sepultado o irmão, que morreu lutando ao seu lado. Mas, quando
chegou à presidência da Alemanha Ocidental e, depois, de uma
Alemanha reunificada, ele não perdia a oportunidade de lembrar aos
compatriotas quanto o país precisava expiar. “Dificilmente há um país
que, em sua história, tenha permanecido livre de culpa pela guerra e pela
violência”, declarou, em seu famoso discurso no Parlamento, em 1985,
por ocasião do quadragésimo aniversário da rendição da Alemanha no fim
da Segunda Guerra Mundial. “Mas o genocídio dos judeus não tem
paralelo na história.”48
Von Weizsäcker também fez questão de falar ao seu povo sobre os
sentimentos que o invadiram quando soube que a guerra tinha acabado.
“Foi um dia de libertação”, disse. Numa entrevista que me concedeu
depois de deixar o cargo, ele reconheceu prontamente que muitos
compatriotas seus não pensavam assim na época, sobretudo porque foi
um período de sofrimento generalizado. “Porém já não há nenhuma
contestação séria: essa data foi de libertação”,49 insistiu. Esse discurso está
longe de ser o que as potências derrotadas normalmente usam. É uma
linguagem que Bauer com certeza aprovaria — se tivesse vivido o
bastante para ouvi-la.
Alguns alemães reagem com raiva e de forma defensiva ao fato de
serem constantemente lembrados dos horrores que seu país infligiu.
Martin Walser, famoso escritor cujos romances e ensaios exploram as
muitas maneiras encontradas pelos alemães para reconstruírem a vida
depois do Terceiro Reich, costuma provocar polêmicas ao contestar o
que chama de “jeito ritualizado de falar sobre o passado alemão”50 —
questionando implicitamente a linguagem usada por Von Weizsäcker e
outras figuras públicas. Quando quer ser mais específico, tem advertido
que Auschwitz não deveria ser empregado com fins políticos. “Pela
minha experiência, Auschwitz costuma ser usado como argumento para
fazer os outros calarem a boca”, disse-me, em meio ao clamor provocado
por um dos seus discursos. “Quando se coloca Auschwitz como
argumento, não há mais nada que os outros possam dizer.”
Quando perguntei a Walser se estava sugerindo que já se falou o
suficiente sobre o Holocausto, sua resposta foi: “Este capítulo jamais
poderá ser encerrado; seria maluquice pensar assim. Mas ninguém pode
dizer aos alemães como devem lidar com a vergonha deste país.” Em
outras palavras, a vergonha subjacente não estava sendo posta em dúvida.
Cada julgamento realizado — fosse em Nuremberg, Cracóvia,
Jerusalém, Lyon ou Munique — ajudava na compreensão dessa vergonha.
Mesmo as caçadas malsucedidas contribuíram para essa compreensão, pois
lembravam à opinião pública por que pessoas como Mengele precisavam
se esconder enquanto vivessem.
Da mesma forma, cada batalha dos Klarsfelds para expor ou levar a
julgamento os alemães responsáveis por crimes como a deportação de
judeus da França ocupada oferecia oportunidades para restabelecer a
verdade histórica, incluindo o mito de que “só os alemães”51
perseguiram os judeus, como disse Serge Klarsfeld. Ele mesmo reuniu
boa parte da documentação que, em 1998, possibilitou a condenação de
Maurice Papon, antigo policial do regime de Vichy, por deportar judeus
do sudoeste da França para campos de extermínio. Arno, filho dos
Klarsfelds, que recebeu esse nome em homenagem ao avô morto em
Auschwitz, foi um dos advogados da parte queixosa nesse pleito.52
A meticulosa documentação de Serge Klarsfeld sobre o que aconteceu
durante a guerra tem servido um recurso útil para numerosos esforços
destinados a obrigar a França a enfrentar a história que o país tentou
ignorar no pós-guerra. Kurt Werner Schaechter, judeu francês nascido na
Áustria, se debruçou sobre muitos dos achados de Serge para uma
demanda judicial que moveu contra a SNCF, a empresa ferroviária
francesa, por ter mandado seus pais para a morte. Um tribunal de Paris
decidiu contra ele em 2003, mas, depois disso, a SNCF tem tomado
medidas para reconhecer sua história recente.53
Em 2010, a empresa manifestou “profundo pesar e arrependimento”
pelo papel que desempenhou durante a guerra e, em dezembro de 2014,
a França e os Estados Unidos anunciaram um pacote indenizatório de 60
milhões de dólares para vítimas do Holocausto francês despachadas para a
morte em trens da SNCF, com o governo francês pagando a conta.54 Ao
mesmo tempo, uma exposição em Paris intitulada “Colaboração: 1940-
1945” apresentava um telegrama de René Bousquet, chefe de polícia de
Vichy, recomendando que os funcionários locais que trabalhavam para o
regime colaboracionista passassem a “assumir o controle pessoal das
medidas tomadas com relação aos judeus estrangeiros”.55 Essas medidas, é
claro, consistiam em despachar judeus para os campos de deportação, de
onde eram mandados para campos de extermínio.
Apesar de muitos criminosos de guerra nazistas nunca terem prestado
contas por seus crimes, acredito que os Klarsfelds vivem um momento de
reflexão, agora que a maioria de suas batalhas pessoais, intensas e muitas
vezes arriscadas, terminou. “Estou totalmente satisfeito com a história e a
justiça”, disse Serge. “A justiça, em sua essência, não é efetiva: não pode
ressuscitar pessoas assassinadas. Portanto, é sempre simbólica. Acreditamos
que se fez justiça pela primeira vez na história da humanidade.”56
Na Alemanha, Beate ainda é figura altamente polêmica. Em 2012, Die
Linke (A Esquerda) a indicou para o cargo de presidente. Como se tratava
de eleição parlamentar, e todos os outros grandes partidos apoiavam
Joachim Gauck, antigo pastor luterano dissidente da Alemanha Oriental,
ela sofreu derrota fragorosa. Mas o fato de ter sido a candidata de
oposição já foi importante por si, como ressaltou Serge. “Significa que a
sociedade alemã melhorou bastante; fizemos parte desse processo de
aperfeiçoamento”, disse. “Quando Beate deu um tapa no [chanceler]
Kiesinger, eu disse: ‘Quando for velha, você terá a gratidão dos alemães.’”
Ainda que muitos alemães continuem desaprovando suas táticas
conflituosas dos primeiros tempos, algo de altamente simbólico já
ocorreu quando a atual chanceler, Angela Merkel, foi apertar a mão de
Beate, no dia em que o Parlamento se reuniu para a votação. E em 20 de
julho de 2015, Susanne Wasum-Rainer, embaixadora da Alemanha na
França, concedeu a Beate e Serge a Medalha do Mérito, a mais alta
condecoração do seu país, expressando aos dois seus agradecimentos por
“reabilitarem a imagem da Alemanha”.57 Para Beate, que um dia
esbofeteou um chancelar alemão, seria difícil imaginar momento mais
comovente.
No fim da vida, Wiesenthal declarou que uma de suas maiores
satisfações foi viver mais do que a maioria dos criminosos que o
mandaram, e a milhões de pessoas, para campos de concentração. “Tentei
fazer tudo para não deixar as pessoas esquecerem o que aconteceu”,
disse-me em nossa última conversa. Desde a sua morte, em 2005, a
Áustria — sua residência depois da guerra e o país que ele
frequentemente denunciava por não enfrentar seu passado nazista — tem
reconhecido cada vez mais sua contribuição. As pessoas que compraram a
casa de Wiesenthal, no 19º distrito de Viena perguntaram à sua filha,
Paulinka, se podiam colocar uma placa em sua homenagem e se ela se
encarregaria da redação. O texto diz o seguinte: “Aqui moraram Simon
Wiesenthal, que dedicou a vida à justiça, e sua esposa, que tornou isso
possível.”
A história dos caçadores de nazistas está quase chegando ao fim, pelo
menos a parte relativa a tentar localizar criminosos de guerra que ainda
sobrevivem. Mas seu legado perdura.
AGRADECIMENTOS

Sou imensamente grato a todas as pessoas que entrevistei durante as


minhas pesquisas. A maioria está relacionada após a Bibliografia, mas isso
é apenas parte da história. Sou grato também a todos aqueles que me
ajudaram a identificar e entrar em contato com essas e outras fontes
depois que lhes contei do meu projeto, estejam ou não mencionados
aqui. Como aprendi quando trabalhava em meus livros anteriores,
divulgar o que eu estava fazendo foi quase garantia de que novas e valiosas
pistas se materializariam. Como resultado disso, pude me valer de um
rico volume de testemunhos escritos e orais, que tornaram possível
construir uma narrativa abrangendo toda a era do pós-guerra.
Como no passado, quando trabalhava no Arquivo do Instituto Hoover,
Brad Bauer, arquivista-chefe do Museu Memorial do Holocausto dos
Estados Unidos, forneceu conselhos e contatos inestimáveis. Graças a ele,
cheguei a Benjamin Ferencz, promotor-chefe no julgamento dos
Einsatzgruppen em Nuremberg, e Gerald Schwab, intérprete civil em
Nuremberg. Brad me pôs em contato também com grandes especialistas
no assunto, como Peter Black e Henry Mayer, que trabalham no museu,
e também com Alina Skibinska, representante do museu em Varsóvia.
Em Cracóvia, Maria Kała, a diretora do Instituto de Pesquisas
Criminalísticas, me apresentou a um dos colegas de Jan Sehn do tempo
em que ele dirigiu o instituto, logo depois da guerra. Arthur Sehn, seu
sobrinho-neto, que divide o tempo entre Estocolmo e Cracóvia, me
ajudou a traçar a história da família, lançando uma luz especial sobre o
papel de Jan como interrogador do comandante de Auschwitz, Rudolf
Höss. Desejo fazer uma menção especial também a Marcin Sehn,
membro mais jovem do clã, que me ajudou a entrevistar pelo Skype o
sobrinho de Jan, Józef Sehn, e sua mulher, Franciszka. Justyna Majewska
ofereceu ajuda adicional de Varsóvia.
Tenho uma dívida especial com Gary Smith, ex-diretor da Academia
Americana em Berlim, e com suas colegas Ulrike Graalfs e Jessica Biehle,
por me receberem como pesquisador visitante na Alemanha. Linda
Eggert, minha ex-aluna no Programa de Globalização e Relações
Internacionais da Bard (BGIA), em Nova York, me ajudou a navegar em
meio às fontes alemãs. A cineasta Ilona Ziok não só me enviou seu
documentário inovador sobre Fritz Bauer como também me forneceu
bastante material de referência. Monika Boll, curadora da exposição sobre
Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt, foi minha guia na
inauguração da exposição e respondeu minhas muitas perguntas com
bastante paciência. Em Lu-dwigsburg, Thomas Will foi igualmente
acessível no tocante à história e às atividades atuais do Escritório Central
para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo.
Em Israel, meu antigo colega da Newsweek, Dan Ephron, forneceu
vários contatos que me ajudaram nas pesquisas sobre personagens centrais
da história de Adolf Eichmann. Em especial, quero mencionar Dror
Moreh, diretor do vigoroso documentário Os guardiões, sobre as forças de
segurança interna de Israel. Eli Rosenbaum, além de conversar comigo
sobre seu trabalho na Diretoria de Investigações Especiais do
Departamento de Justiça, apresentou-me a Gabriel Bach, último
sobrevivente da equipe de acusação no julgamento de Eichmann, além de
ter me fornecido pistas e informações sobre diversos assuntos.
No Arquivo do Instituto Hoover, Carol Leadenham e Irena Czerni-
chowska foram imensamente prestativas, como sempre. David Marwell,
que foi diretor do Museu da Herança Judaica em Nova York e historiador
da OSI, teve a generosidade de compartilhar seu vasto conhecimento dos
assuntos que eu investigava. Meus ex-colegas da Newsweek Joyce
Barnathan e Steve Strasser deflagraram meu esforço para reconstruir os
enforcamentos em Nuremberg colocando-me em contato com Herman
Obermayer, que tinha trabalhado com o carrasco responsável pelos
chefões nazistas condenados. Michael Hoth, meu velho amigo de Berlim,
me apresentou a Peter Sichel, que comandou a primeira operação da CIA
naquela cidade. Meu primo Tom Nagorski, que trabalhou para a ABC,
me contou como seus antigos colegas de emissora localizaram Erich
Priebke.
Três pessoas que entrevistei — Avraham Shalom, número dois na
equipe de sequestradores de Eichmann; o intérprete de Nuremberg
Gerald Schwab; e Józef Sehn — morreram antes da publicação deste
livro. Simon Wiesenthal, é claro, morreu há mais de uma década, mas tive
a sorte de encontrá-lo e entrevistá-lo com frequência durante meus
primeiros trabalhos como repórter da Newsweek. Quando visitei Israel, a
filha de Wiesenthal, Paulinka, e o marido, Gerard Kreisberg, foram
particularmente hospitaleiros.
No começo das pesquisas para este livro, eu trabalhava também no
EastWest Institute. Quero agradecer à minha equipe maravilhosa — Sarah
Stern, Dragan Stojanovski, Alex Schulman e a estagiária Leslie Dewees
— pela amizade e pelo apoio.
Quando se trata de Alice Mayhew, minha extraordinária editora na
Simon & Schuster, qualquer coisa que eu possa dizer parecerá pouco.
Como de hábito, ela me orientou do começo ao fim, com a combinação
certa de entusiasmo e estímulo para que eu não esmorecesse. Quero
agradecer também a Stuart Roberts, Jackie Seow, Joy O’Meara, Maureen
Cole, Stephen Bedford, Nicole McArdle e o restante da equipe da Simon
& Schuster, que fizeram sua mágica de sempre, junto com o copidesque
Fred Chase. Meu agente, Robert Gottlieb, como de costume, me deu
todo o apoio neste projeto, tornando-o viável. Gostaria de agradecer,
ainda, às colegas dele no Trident Media Group, Claire Roberts e Erica
Silverman.
Tenho a sorte de contar com um vasto círculo de amigos. Desejo
manifestar meu reconhecimento a David Satter, Ardith e Steve Hodes,
Francine Shane e Robert Morea, Alexandra e Anthony Juliano, Eva e
Bart Kaminski, Monika e Frank Ward, Linda Orrill, Ryszard Horowitz e
Ania Bogusz, Renilde e Bill Drozdiak, Linda e Michael Mewshew, Anna
Berkovits, Victor e Monika Markowicz, Sandra e Bob Goldman, Elaine e
Marc Prager, Lucy e Scott Lichtenberg, Jeff Bartholet, Fred Guterl,
Arlene Getz e Leslie e Tom Freudenheim. Peço desculpas por esta lista
bastante incompleta.
Finalmente, minha família. Agora que meu pai, Zygmunt, não está
mais entre nós, minha mãe, Marie, deu continuidade à tradição de
acompanhar meu progresso na pesquisa e na redação, incentivando-me a
cada passo. Quero agradecer também a minhas irmãs, Maria e Terry, e
seus cônjuges, Roberto e Diane.
Quero prestar um tributo especial a Eva Kowalski, a alma mais
generosa que se poderia encontrar em qualquer parte. Seu falecido
marido, Waldek, não era apenas meu cunhado; era também um grande
amigo.
Sou o pai muito orgulhoso de quatro filhos adultos: Eva, Sonia, Adam
e Alex. Espero que se deem conta de quanto seu amor e seu apoio
significam para mim, todos os dias. Junto com seus cônjuges, Eran e Sara,
eles constituíram as próprias famílias, e posso me vangloriar de sete netos
maravilhosos: Stella, Caye, Sydney, Charles, Maia, Kaia e Christina.
Quanto a Krysia, a mulher que conquistou meu coração quando eu
ainda era aluno de intercâmbio na Universidade Jaguelônica de Cracóvia,
ela sempre foi a primeira pessoa com quem discuto minhas ideias sobre
absolutamente qualquer coisa, incluindo cada linha nestas páginas. Não
consigo me imaginar fazendo nada disto sem ela.
NOTAS
INTRODUÇÃO
1. Patterson, A permuta de Valhala, p. 166.
2. Declaração de David Marwell em entrevista concedida ao autor.
3. Trechos dessa entrevista: “Horror at Auschwitz”, Newsweek, 15 de
março de 1999; e artigo de Andrew Nagorski “Farewell to Berlin”,
publicado na Newsweek.com em 7 de janeiro de 2000.
CAPÍTULO UM: O TRABALHO BRAÇAL DO CARRASCO
1. A. Mann, Judgment at Nuremberg, p. 62.
2. Os detalhes das execuções têm como fonte principal Kingsbury Smith,
o repórter encarregado de cobrir o evento. A reportagem integral está
em:
<http://law2.umkc.edu/faculty/projects/ftrials/nuremberg/Nurembe
rgNews10_16_46.html>. Informações adicionais foram extraídas dos
textos de Whitney R. Harris, advogado que fez parte da equipe
americana em Nuremberg e foi designado pelo promotor Robert H.
Jackson para representá-lo no Palácio da Justiça na noite de 15 e 16 de
outubro. Seu relato consta em seu livro Tyranny on Trial: The Evidence
at Nuremberg, pp. 485-88.
3. T. Taylor, The Anatomy of the Nuremberg Trials, p. 588.
4. G. M. Gilbert, Nuremberg Diary, p. 431.
5. Harold Burson em entrevista ao autor.
6. T. Taylor, p. 600.
7. Ibid., p. 602.
8. Ibid., p. 623.
9. Todas as citações de Obermayer provêm de duas fontes: entrevista de
Herman Obermayer ao autor e seu artigo “Clean, Painless and
Traditional”, publicado na edição de dezembro de 1946 da Dartmouth
Jack-O-Lantern, a revista literária da faculdade.
10. Ann e John Tusa, The Nuremberg Trial, p. 487. Alguns questionam essa
contagem. Veja, por exemplo: <http://thefifthfield.com/biographical-
sketches/john-c-woods/>.
11. Gilbert, p. 255.
12. Ibid., p. 432.
13. S. Tilles e J. Denhart, By the Neck Until Dead, p. 136.
14. W. Maser, Nuremberg, p. 255.
15. Ibid., p. 254.
16. T. Taylor, p. 611. Também incluía menção de Taylor às fotos dos
nazistas enforcados.
17. A. Pierrepoint, Executioner, p. 158.
18. Maser, p. 255.
19. Tusa e Tusa, p. 487.
20. Herman Obermayer, “Clean, Painless and Traditional”, Dartmouth
Jack-O-Lantern, dezembro de 1946.
21. Pierrepoint, p. 8.
22. Idem.
CAPÍTULO DOIS: “OLHO POR OLHO”
1. C. R. Browning, Ordinary Men, p. 58.
2. R. Overy, Russia’s War, pp. 163-64.
3. M. Beschloss, The Conquerors, p. 21.
4. Idem.
5. Ibid, p. 26.
6. Idem.
7. Ian Cobain, “Britain Favoured Execution over Nuremberg Trials for
Nazi Leaders”, The Guardian, 25 de outubro de 2012.
8. Idem.
9. Idem.
10. R. Bessel, Alemanha 1945, p. 11 no original.
11. Ibid., p. 18 no original.
12. N. H. Naimark, The Russians in Germany, p. 72.
13. D. Stafford, Fim de jogo, 1945, p. 315 no original.
14. F. Taylor, Exorcising Hitler, p. 54.
15. Naimark, p. 74.
16. D. Botting, From the Ruins of the Reich, p. 23.
17. F. Taylor, p. 70.
18. Ibid., p. 73.
19. Bessel, pp. 68-9.
20. As informações acerca da Divisão Arco-Íris e da libertação de Dachau
foram extraídas de Sam Dann (org.), Dachau 29 April 1945: The
Rainbow Liberation Memoirs.
21. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, “Dachau”,
<www.ushmm.org>.
22. Dann (org.), p. 14.
23. Ibid., pp. 22-4.
24. Ibid., p. 32
25. Ibid., p. 77.
26. Ibid., pp. 91-2.
27. Ibid., p. 24.
28. Todas as citações de Tuvia Friedman provêm de uma única fonte The
Hunter, pp. 50-102.
29. N. Davies, Heart of Europe, p. 72.
30. F. Taylor, p. 226.
31. Todas as citações e detalhes autobiográficos de Simon Wiesenthal
provêm de duas fontes: J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us,
pp. 23-44, 45-9; T. Segev, Simon Wiesenthal, 35-41.
32. Andrew Nagorski, “Wiesenthal: A Summing Up”, Newsweek
International, 27 de abril de 1998.
33. Idem.
34. Wechsberg (org.), p. 28.
35. Segev, p. 27.
36. Wechsberg (org.), p. 8.
37. Friedman, p. 146.
38. Todas as citações de Wiesenthal sobre Mauthausen provêm de
Wechsberg (org.), pp. 47-9.
CAPÍTULO TRÊS: DESÍGNIO COMUM
1. F. Forsyth, O dossiê Odessa, p. 92 no original.
2. Wechsberg (org.), p. 11.
3. Anotações de Saul K. Padover, 1944-45, The New York Public
Library Manuscript and Archives Division.
4. Entrevista de Peter Heindeberger ao autor. Salvo indicação contrária,
suas citações foram extraídas dessa entrevista.
5. Beschloss, p. 275.
6. J. M. Greene, Justice at Dachau, pp. 17-20.
7. M. T. Kaufman, “William Denson Dies at 85; Helped in Convicting
Nazis”, The New York Times, 16 de dezembro de 1998.
8. Idem.
9. Greene, p. 13.
10. Ibid., p. 19.
11. Ibid., p. 24.
12. Ibid., p. 26.
13. Ibid., p. 36.
14. Ibid., pp. 39-44, 53-4; e entrevista de Peter Heidenberger ao autor.
15. P. Heidenberger, From Munich to Washington, p. 53.
16. Ibid., p. 57.
17. Greene, p. 44.
18. Ibid., p. 64
19. Ibid., p. 101.
20. Ibid., pp. 103-4.
21. Idem.
22. Lorde Russell de Liverpool, Scourge of the Swastika, p. 251.
23. “Nazi War Crime Trials: The Dachau Trials”,
<jewishvirtuallibrary.org>.
24. Lorde Russell de Liverpool, p. 252.
25. Greene, pp. 2, 349.
26. “Chief Prosecutor Returns Home”, The New York Times, 24 de
outubro de 1947; Greene, p. 316.
27. F. Whitlock, The Beasts of Buchenwald, p. 196.
28. Greene, pp. 226-27.
29. Ibid., p. 128.
30. Ibid., pp. 80-5, 345.
31. Ibid., p. 127.
32. Ibid., p. 348.
33. Whitlock, p. 199.
34. Greene, p. 266.
35. Ibid., p. 263.
36. Heidenberger, p. 61.
37. Greene, pp. 263-64.
38. Ibid., p. 273.
39. Heidenberger, p. 58.
CAPÍTULO QUATRO: A REGRA DO PINGUIM
1. M. A. Musmanno, The Eichmann Kommandos, p. 70.
2. Citado por Eli M. Rosenbaum ao apresentar Ferencz no 102o
Encontro Anual da American Society for International Law (ASIL),
em Washington, 10 de abril de 2008.
3. Esta e outras citações, bem como detalhes biográficos, provêm de
entrevista de Benjamin Ferencz ao autor e <www.benferencz.org>
(“Benny Stories”).
4. Esta e outras citações de Ferencz, salvo indicação contrária, foram
extraídas de <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
5. Entrevista de Benjamin Ferencz ao autor e <www.benferencz.org>
(“Benny Stories”).
6. <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
7. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, “Subsequent
Nuremberg Proceedings, Case #9, The Eisatzgruppen Case”,
Holocaust Encyclopedia.
8. <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
9. H. V. Stuart e M. Simons, The Prosecutor and the Judge, p. 18.
10. Trials of War Criminals Before the Nuernberg Military Tribunals Under
Control Council Law No 10, Vol. IV, p. 30.
11. Ibid., p. 39.
12. D. Frieze (org.), Totally Unofficial, p. 22.
13. <www.benferencz.com> (“Benny Stories”).
14. Trials of War Criminals Before the Nuernberg Military Tribunals Under
Control Council Law No 10, Vol. IV, p. 30.
15. Ibid., p. 53.
16. Musmanno, The Eichmann Kommandos, p. 65.
17. Ibid., p. 126.
18. Len Barcousky, “Eyewitness 1937: Pittsburgh Papers Relished
‘Musmanntics’”, Pittsburgh Post-Gazette, 7 de março de 2010.
19. Associated Press, “Decrees Santa Claus Is Living Reality”, conforme
publicado em The New York Times, 23 de dezembro de 1936.
20. <www.benferencz.com> (“Benny Stories”).
21. Idem.
22. Musmanno, The Eichmann Kommandos, pp. 78-79.
23. <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
24. Musmanno, The Eichmann Kommandos, p. 148.
25. Trials of War Criminals Before the Nuernberg Military Tribunals Under
Control Council Law No 10, Vol. IV, pp. 369-70.
26. Stuart e Simons, p. 20.
27. <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
28. Entrevista de Benjamin Ferencz feita pelo autor e
<www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
29. Entrevista de Harold Burson feita pelo autor.
30. R. W. Sonnenfeldt, Witness to Nuremberg, p. 13.
31. Mann, p. 48.
32. Lord Russell de Liverpool, p. XI.
33. Esta e as demais citações dos roteiros dos programas de rádio de
Burson foram extraídas de
<http://haroldburson.com/nuremberg.html>.
34. Esta declaração e os comentários de Agee sobre as cenas de Dachau
provêm de Greene, p. 14.
35. J. F. Kennedy, Profiles in Courage, p. 199.
36. Frieze (org.), p. 118.
37. <www.benferencz.com> (“Benny Stories”).
38. Entrevista de Herman Obermayer concedida ao autor.
39. Entrevista de Gerald Schwab concedida ao autor.
40. Stuart e Simons, p. 23.
41. W. R. Harris, Tyranny on Trial, p. 35.
42. Ibid., p. XXIX
43. Ibid., p. XIV.
44. Mann, p. 13.
45. Musmanno, The Eichmann Kommandos, pp. 175-76.
CAPÍTULO CINCO: O RESPONSÁVEL POR MEU IRMÃO
1. W. L. Shirer, Diário de Berlim, 1934-1941, p. 284 do original.
2. Dr. J. Sehn, Obóz Koncentracyjny Oświęcim-Brzezinka.
3. Władyslaw Mącior, “Professor Jan Sehn (1909-1965)”, Gazeta
Wyborcza, Cracóvia, 12 de outubro de 2005.
4. Esta e outras informações a respeito da família de Jan Sehn foram
concedidas por Arthur Sehn em entrevista ao autor.
5. Jan Markiewicz e Maria Kozlowska, “10 rocznica smierci Prof. J.
Sehna”, Wspomnienie na U.J., XII, 1975, Arquivos de Jan Sehn.
6. Esta e outras citações de Józef Sehn e sua esposa, Franciszka Sehn,
foram extraídas da entrevista concedida pelo casal ao autor.
7. Esta e outras citações e informações de Maria Kozlowska foram
extraídas de sua entrevista concedida ao autor.
8. Davies, 64.
9. Esta citação, demais trechos sobre os primórdios do campo de
concentração e citações de prisioneiros políticos poloneses foram
extraídas de Andrew Nagorski, “A Tortured Legacy”, Newsweek, 16 de
janeiro de 1995.
10. T. Harding, Hanns e Rudolf, p. 165 do original.
11. R. Hoess, Commandant of Auschwitz, p. 172.
12. Ibid., p. 173; e Harding, pp. 201-2 do original.
13. Harding, pp. 201-2 do original. O livro de Harding fornece um
relato detalhado da fuga inicial de Höss e de sua posterior captura, que
eu esboço aqui.
14. Esta informação e a sequência de fatos que levaram à captura de Höss,
incluindo os métodos de Alexander para fazer Hedwig falar e, depois,
o próprio Rudolf Höss após ter sido capturado, a citação da
palavra“intacto”, a celebração no bar e Höss caminhando nu pela
neve: Ibid., pp. 234-45.
15. R. Gellately (org.), As entrevistas de Nuremberg, p. 295 do original.
16. Ibid.
17. Harris, p. 334.
18. Esta e outras citações da confissão de Höss: Ibid., pp. 336-37.
19. Gellately (org.), pp. 304-5 do original.
20. Y. Gutman e M. Berenbaum, Anatomy of the Auschwitz Death Camp,
pp. 70-72. Eles citam o número de 1,5 milhão, que era a estimativa da
época.
21. Gilbert, p. 266.
22. Esta e outras citações da confissão de Höss: Harris, pp. 336-37.
23. T. Taylor, p. 362.
24. Harris, p. 335.
25. Idem.
26. Esta e outras citações de Gilbert a respeito de Höss: Gilbert, pp. 249-
51, 258-60.
27. Gellately (org.), p. 315 do original.
28. Depoimento de Jan Markiewicz sobre Jan Sehn, arquivos de Jan
Sehn.
29. Esta e outras informações acerca do comportamento de Sehn e de
seus hábitos, incluindo a forma como tratara Höss, foram extraídas da
entrevista feita pelo autor com Zofia Chłobowska, Maria Kozlowska e
Maria Kała.
30. Dr. J. Sehn (org.), Wspomnienia Rudolfa Hoessa, Komendanta Obozu
Oświęcimskiego, p. 14.
31. Idem.
32. Hoess, p. 176.
33. Esta e as demais citações do parágrafo: Ibid., p. 77.
34. Esta citação e os subsequentes detalhes autobiográficos e declarações
relativas a seus primeiros anos e a seu trabalho em Dachau e
Sachsenhausen: Ibid., pp. 29-106.
35. Esta informação e o restante do relato acerca do caso de Höss com a
prisioneira Eleanor Hodys foram extraídos de Harding, pp. 142-46 do
original.
36. Dr. Jan Sehn (org.), introdução à segunda edição polonesa das
memórias de Höss, p. 32.
37. As informações e citações do relato de Höss sobre seu período em
Auschwitz foram extraídas de Hoess, Commandant of Auschwitz, pp.
107-68.
38. Sehn, Obóz Koncentracyjny Oświęcim-Brzezinka, p. 32.
39. Hoess, Commandant of Auschwitz, p. 19.
40. Gutman e Berenbaum, p. 64.
41. Sehn, Obóz Koncentracyjny Oświęcim-Brzezinka, p. 10.
42. Joe Belling, “Judge Jan Sehn”, <www.cwporter.com/jansehn.htm>.
43. Entrevista de Piotr Cywiński feita pelo autor.
44. Franciszek Piper, Ilu Ludzi Zgineło w KL Auschwitz.
45. Gutman e Berenbaum, p. 67.
46. Entrevista concedida por Franciszek Piper ao autor.
47. Esta citação e outros detalhes de Sehn foram extraídos de entrevista
concedida ao autor por Maria Kozlowska e Zofia Chłobowska e de
recordações de Jan Markiewicz e Maria Kozlowska nos Arquivos de
Jan Sehn.
CAPÍTULO SEIS: FAZENDO VISTA GROSSA
1. Cópia de telegrama, cortesia de Eli Rosenbaum.
2. Anotações de Saul K. Padover, The New York Public Library
Manuscript and Archives Division.
3. F. Taylor, p. 273.
4. Esta informação, as citações e o restante da história de Sichel foram
extraídos de uma entrevista concedida ao autor.
5. P. Biddiscombe, The Denazification of Germany, p. 37.
6. F. Taylor, pp. 247-50.
7. N. Annan, Changing Enemies, p. 212.
8. F. Taylor, p. 268.
9. J. E. Smith, Lucius D. Clay, p. 302.
10. Ibid., p. 271.
11. S. Schulberg, Filmmakers for the Prosecution, The Making of Nuremberg,
p. III.
12. Biddiscombe, p. 183.
13. F. Taylor, p. 285.
14. Biddiscombe, p. 191.
15. Ibid., p. 199.
16. Smith, p. 240.
17. L. D. Clay, Decision in Germany, p. 262.
18. Annan, p. 205.
19. F. Taylor, p. 321.
20. P. Heberer e J. Matthäus (orgs.), Atrocities on Trial, p. 175.
21. H. Leide, NS-Verbrecher und Staatssicherheit, pp. 45-46.
22. Clay, p. 145.
23. Leide, p. 414.
24. <https://www.trumanlibrary.gov/library/online-collections/berlin-
airlift>.
25. Cópia de telegrama, cortesia de Eli Rosenbaum.
26. Greene, p. 321.
27. Esta informação e as declarações de Clay foram extraídas de Clay, pp.
253-54.
28. Ibid., p. 254.
29. Smith, p. 301.
30. Greene, p. 323.
31. Esta citação e o restante do depoimento de Denson no subcomitê do
Senado: Ibid., pp. 328-29.
32. Ibid., p. 336.
33. Ibid., p. 340.
34. Clay, p. 254.
35. N. Frei, Adenauer’s Germany and the Nazi Past, pp. 6-7.
36. Whitlock, p. 258.
37. Entrevista concedida por Peter Heidenberger ao autor.
38. Greene, p. 347; e Whitlock, pp. 259-61.
39. Whitlock, p. 260.
40. Stuart e Simons, p. 17.
41. Greene, pp. 351-52.
42. Entrevista dada por Benjamin Ferencz ao autor.
43. Smith, p. 297.
44. H. Earl, The Nuremberg SS-Einsatzgruppen Trial, 1945-1958, p. 276.
45. Esta citação e a abordagem de McCloy do caso Einsatzgruppen: Ibid.,
pp. 277-86
46. Ibid., p. 286.
47. Stuart e Simons, p. 24.
48. Earl, p. 286.
49. Esta informação e o restante do relato sobre reivindicações de
propriedade e outras organizações e seus fundos: Stuart e Simons, pp.
31-32; e <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
50. Entrevista de Benjamin Ferencz concedida ao autor.
51. <www.benferencz.org> (“Benny Stories”).
52. Entrevista de Benjamin Ferencz concedida ao autor.
53. Esta informação e a história do documentário de Nuremberg, da qual
provém a maior parte do meu relato, foram extraídos de Sandra
Schulberg, Filmmakers for the Prosecution. O livreto está incluído na
versão Blu-ray restaurada do documentário de Schulberg. Ver
<www.nurembergfilm.org>.
54. Entrevista concedida por Sandra Schulberg ao autor.
55. S. Schulberg, p. 6.
56. Ibid., p. 37.
57. Esta e as demais citações de Stuart Schulberg: Ibid., pp. 42-45.
58. Esta e as demais citações da correspondência entre Jackson e Royall
foram extraídas de fotografias digitalizadas (cortesia do professor John
Q. Barrett) e de cópias de anotações de Robert H. Jackson, Biblioteca
do Congresso, Caixa 115, Pasta 3.
59. Sandra Schulberg, pp. 46-47.
60. Ibid., p. 47.
61. Ibid., p. 50.
62. Ibid., p. 49.
63. Esta informação e a história da restauração do filme foram extraídas
da entrevista de Sandra Schulberg concedida ao autor e da
correspondência trocada entre os dois.
CAPÍTULO SETE: “IDIOTAS COMO EU”
1. Do documentário Death by Installments.
2. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 98.
3. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 68-70.
4. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 102.
5. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 51.
6. Idem, ib., p. 51
7. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 40 do original.
8. Idem, ibid., p. 56.
9. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 58.
10. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 79, 423.
11. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 95
12. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 78-80.
13. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 273 do original.
14. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 103.
15. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 85, 82.
16. Ibid., p. 105. Para um relato detalhado dos esforços da Brichah para
levar judeus clandestinamente à Palestina, ver Y. Bauer, Flight and
Rescue.
17. Andrew Nagorski, “Wiesenthal: A Summing Up”, Newsweek
International, 27 de abril de 1998.
18. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 55 do original.
19. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 65.
20. Entrevista concedida por Paulinka (Wiesenthal) Kreisberg ao autor.
21. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 86-88; e
<www.jewishvirtuallibrary.org>.
22. <www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/History/muftihit.html>.
23. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 86-88
24. Idem, ibid, pp. 90-95. O restante do relato acerca do envolvimento e
das interações de Wiesenthal com os serviços de inteligência
israelenses foi extraído da mesma fonte.
25. Idem, ibid. pp. 90-95
26. T. Friedman, The Hunter, p. 180.
27. Esta informação, os detalhes do caso Mattner e as citações: Ibid., pp.
180-82.
28. P. Heberer e J. Matthäus (orgs.), Atrocities on Trial, p. 235.
29. T. Friedman, The Hunter, p. 191.
30. Ibid., p. 193.
31. P. Heberer e J. Matthäus (orgs.), Atrocities on Trial, p. 235.
32. T. Friedman, The Hunter, pp. 188-90.
33. Ibid., p. 199.
34. Ibid., pp. 210-11.
35. Ibid., p. 211.
36. Ibid., p. 146.
37. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 100.
38. Ibid., pp. 100-101; e S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 67-69
do original.
39. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, pp. 101-2.
40. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 69 do original.
41. G. Walters, Hunting Evil, p. 80.
42. T. Friedman, The Hunter, p. 122.
43. R. M. W. Kempner, Ankläger einer Epoche, p. 445.
44. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 70 do original.
45. T. Friedman, The Hunter, p. 203. A movimentação de Eichmann no
pós-guerra é relatada em N. Bascomb, Caçando Eichmann.
46. Idem, ibid., p. 203.
47. T. Friedman, The Hunter, p. 204.
48. Idem, ibid., p. 215.
49. Idem.
50. Esta informação e as falas de Wiesenthal sobre o barão austríaco e seu
encontro com ele estão em S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 76
do original.
51. T. Segev, Simon Wiesenthal, p. 102.
52. J. Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 123.
53. Idem, ibid., p. 123.
54. Esta citação e a informação sobre o relatório enviado ao Congresso
Judaico Mundial e ao consulado israelense foram extraídas de S.
Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 76-77 do original; e J.
Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, p. 124.
55. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 77 do original.
56. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 133.
57. T. Segev, Simon Wiesenthal, p. 117.
58. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 77 do original.
59. P. Heberer e J. Matthäus (orgs.), Atrocities on Trial, p. 191.
60. D. Lipstadt, The Eichmann Trial, p. 27.
61. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 15.
62. Ibid., p. 13.
63. R. Steinke, Fritz Bauer, pp. 26, 29.
64. O título original alemão é Fritz Bauer: Tod auf Raten, CV Films,
2010.
65. Esta e outras citações foram extraídas da entrevista que Ilona Ziok
concedeu ao autor.
66. Esta e outras citações foram extraídas dos textos da exposição que
teve Monika Boll como curadora. Muitos documentos e relatos
também estão incluídos no catálogo da exposição. Boll, Monika, Fritz
Backhaus e Raphael Gross (orgs.). Fritz Bauer. Der Staatsanwal: NS-
Verbrechen vor Gericht.
67. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 62.
68. Ibid., pp. 97-98.
69. R. Steinke, Fritz Bauer, pp. 83-85.
70. Ibid., pp. 97-98.
71. Exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt.
72. Entrevista concedida por Irmtrud Wojak ao autor.
73. Exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt; e R.
Steinke, Fritz Bauer, pp. 106-8.
74. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 109.
75. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 183.
76. Ibid., p. 179.
77. Ibid., p. 221.
78. W. Shirer, Ascensão e queda do III Reich, pp. 1.061-63 do original.
79. A. Searle, Wehrmacht Generals, West German Society, and the Debate on
Rearmament, 1949-1959, pp. 238-39.
80. Idem, ibid., pp. 238-39.
81. Idem.
82. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, pp. 273-74.
83. Carta ao comunista austríaco Karl B. Frank, 2 de março de 1945,
citada na exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt.
84. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 144.
85. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 275.
86. Idem.
87. A. Searle, Wehrmacht Generals, West German Society, and the Debate on
Rearmament, 1949-1959, p. 244.
88. N. Frei, Adenauer’s Germany and the Nazi Past, p. 268.
89. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 137.
CAPÍTULO OITO: “UM MOMENTITO, SEÑOR”
1. Jack Higgins, The Bormann Testament, pp. 49-50.
2. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
3. “Vital Statistics: Population in Israel”,
<www.jewishvirtuallibrary.org>.
4. Entrevista concedida por Avraham Shalom ao autor.
5. Esta informação e o relato do encontro entre Shinar e Bauer, junto
com as citações, foram extraídos de I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p.
4 do original.
6. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 2-3 do original.
7. Idem, ibd., pp. 2-3.
8. Ibid., pp. 4-9 do original. Detalhes e citações do encontro entre
Darom e Shinar foram extraídos da mesma referência.
9. Ibid, pp. 10-12 do original.
10. Idem.
11. Ibid., pp. 12-22 do original. Da mesma fonte foram extraídas as
informações acerca da viagem de Hofstaetter à Argentina, incluindo o
encontro com Hermann, a esposa dele e a filha.
12. N. Bascomb, Caçando Eichmann, pp. 111-12 do original.
13. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p. 27 do original.
14. T. Friedman, The Hunter, pp. 246-49.
15. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 32-35 do original.
16. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, p. 85.
17. Ibid., p. 84.
18. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 36-37 do original.
19. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p. 35 do original; e N. Bascomb,
Caçando Eichmann, pp. 130-31 do original.
20. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p. 36 do original.
21. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, p. 88.
22. Ibid., pp. 90-100. Da mesma referência foram extraídas as
informações restantes acerca da busca de Aharoni por Eichmann,
incluindo visitas ao primeiro e segundo endereços, e também as
citações. Em seu relato, Harel apresenta algumas pequenas variações na
história, alegando que os israelenses usaram um verdadeiro mensageiro
de hotel para a operação de reconhecimento.
23. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, pp. 102-25. Da mesma
referência foram extraídas as informações acerca das ações
subsequentes, as citações e o relato sobre os esforços para fotografar
Eichmann.
24. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 77 do original.
25. Ibid., pp. 77-78.
26. I. Harel, “Simon Wiesenthal and the Capture of Eichmann”
(manuscrito não publicado, cortesia de Eli Rosenbaum), p. 230.
27. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, pp. 86-87.
28. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 85-87 do original.
29. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
30. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, p. 126.
31. Entrevista concedida por Avraham Shalom ao autor.
32. P. Z. Malkin e H. Stein, Eichmann in My Hands, p. 127.
33. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
34. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 150-52 do original.
35. P. Z. Malkin e H. Stein, Eichmann in My Hands, pp. 142, 183.
36. Ibidem, pp. 142, 183.
37. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 162-69 do original; entrevistas
concedidas por Rafi Eitan e Avraham Shalom ao autor; Z. Aharoni e
W. Dietl, Operation Eichmann, pp. 137-44 (citações de Aharoni). As
informações acerca do restante da operação de sequestro foram
extraídas das mesmas fontes.
38. Idem.
39. P. Z. Malkin e H. Stein, Eichmann in My Hands, pp. 186-87. Da
mesma fonte provêm as informações sobre o restante da captura de
Eichmann por Malkin.
40. N. Bascomb, Caçando Eichmann, pp. 262-63 do original.
41. P. Z. Malkin e H. Stein, Eichmann in My Hands, pp. 204-5.
42. Ibid., p. 216.
43. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p. 182 do original.
44. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, pp. 152-53.
45. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 179-80 do original.
46. Entrevista concedida por Avraham Shalom ao autor.
47. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 249, 237 do original.
48. Ibid., pp. 252-56 do original.
49. Loc. cit.
50. N. Bascomb, Caçando Eichmann, p. 290 do original.
51. T. Friedman, The Hunter, p. 266.
52. Loc. cit
53. T. Segev, Simon Wiesenthal, p. 148.
54. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 147.
55. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 70 do original.
56. Entrevista concedida por Paulinka e Gerard Kreisberg ao autor.
57. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, p. 275 do original.
58. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 23.
59. I. Harel, “Simon Wiesenthal and the Capture of Eichmann”, pp. 3,
23.
60. Idem, ibid., pp. 3, 5.
61. Loc. cit.
62. Entrevista concedida por Avraham Shalom ao autor.
63. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 196-97 do original.
CAPÍTULO NOVE: “A SANGUE-FRIO”
1. P. Levi, Os afogados e os sobreviventes, p. 73 do original.
2. “Ben-Gurion’s Bombshell: We’ve Caught Eichmann”, The Times of
Israel, 8 de abril de 2013. Outras citações da transcrição do encontro
de gabinete procedem da mesma fonte.
3. G. Hausner, Justice in Jerusalem, p. 288.
4. N. Bascomb, Caçando Eichmann, pp. 298-99 do original.
5. Ibid., pp. 304-5 do original.
6. Loc. cit.
7. Loc. cit.
8. Adam Bernstein, “Israeli Judge Moshe Landau, Who Presided over
Nazi Officer’s Trial, Dies at 99”, The Washington Post, 3 de maio de
2011; e D. Lipstadt, The Eichmann Trial, p. 34.
9. Ofer Aderet, “The Jewish Philosopher Who Tried to Convince Israel
Not to Try Eichmann”, Haaretz, 28 de dezembro de 2013.
10. D. Lipstadt, The Eichmann Trial, p. 31.
11. Ibid., p. 34.
12. G. Hausner, Justice in Jerusalem, p. 323.
13. Esta e todas as citações subsequentes de Gabriel Bach foram extraídas
da entrevista que ele concedeu ao autor.
14. “Snatching Eichmann”, Zman, maio de 2012, p. 130.
15. J. von Lang e C. Sybill (orgs.), Eichmann Interrogated, p. XIX.
16. Ibid., p. XVII.
17. Ibid., p. 4.
18. Ibid., pp. V-VI. As citações de Less provêm da mesma fonte.
19. Loc. cit.
20. J. von Lang e C. Sybill (orgs.), Eichmann Interrogated, p. 57.
21. Ibid., pp. 76-77.
22. Ibid., p. 90.
23. Ibid., p. 156.
24. Ibid., pp. 157, VI.
25. Ibid., p. IX.
26. Ibid., p. XXI.
27. R. Hoess, Commandant of Auschwitz, p. 155.
28. J. von Lang e C. Sybill (orgs.), Eichmann Interrogated, pp. 101-2.
29. Ibid., pp. 142-44. Exemplos e citações subsequentes foram extraídos
da mesma referência.
30. Loc. cit.
31. J. von Lang e C. Sybill (orgs.), Eichmann Interrogated, p. VI.
32. H. Arendt, The Last Interview and Other Conversations, p. 128.
33. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 153 do original.
34. H. Arendt, The Last Interview and Other Conversations, pp. 11-12, 20.
35. D. Lipstadt, The Eichmann Trial, p. 152.
36. H. Arendt, The Last Interview and Other Conversations, p. 130.
37. Ibid., p. 46.
38. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, pp. 48-49 do original.
39. Ibid., p. 54 do original.
40. Ibid., p. 287 do original.
41. G. Hausner, Justice in Jerusalem, pp. 332, 325.
42. Entrevista concedida por Gabriel Bach ao autor.
43. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 46 do original; e G. Hausner,
Justice in Jerusalem, pp. 359-60.
44. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 46 do original.
45. G. Hausner, Justice in Jerusalem, pp. 348-49.
46. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 47 do original.
47. Ibid., pp. 287-88 do original.
48. Ibid., p. 117 do original.
49. G. Hausner, Justice in Jerusalem, p. 341.
50. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 118 do original.
51. Jonah Lowenfeld, “Rudolf Kastner Gets a New Trial”, Yom HaShoah,
26 de abril de 2011.
52. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, p. 125 do original.
53. M. A. Musmanno, The Eichmann Kommandos, p. 16.
54. A. Averbach e C. Price (orgs.), The Verdicts Were Just, p. 98.
55. Michael A. Musmanno, “No Ordinary Criminal”, The New York
Times, 19 de maio de 1963.
56. “Letters to the Editor: ‘Eichmann in Jerusalem’”, The New York
Times, 23 de junho de 1963. Os demais comentários de Hannah
Arendt e as citações das cartas dos leitores provêm da mesma fonte.
57. J. Robinson, And the Crooked Shall Be Made Straight, pp. 58-59.
58. Ibid., pp. 147, 160-62.
59. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 231 do original.
60. J. Robinson, And the Crooked Shall Be Made Straight, p. 159.
61. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
62. O título alemão do livro é Eichmann vor Jerusalem: Das unbehelligte
Leben eines Massenmörders.
63. B. Stangneth, Eichmann Before Jerusalem, p. 222.
64. Ibid., p. XXIII.
65. H. Arendt, The Last Interview and Other Conversations, pp. 26-27.
66. Ibid., pp. 50-51.
67. Ibid., pp. 44-45.
68. Ibid., p. 42.
69. H. Arendt, Eichmann em Jerusalém, pp. 10-11 do original.
70. S. Milgram, Obediência à autoridade, pp. 6, 8 do original.
71. Loc. cit.
72. Ibid., p. 11.
73. “British PM on New ISIS Beheading”, ABC News, 14 de setembro
de 2014.
74. D. M. Kelley, 22 Cells in Nuremberg, p. 71.
75. G. M. Gilbert, Nuremberg Diary, p. 260.
76. D. M. Kelley, 22 Cells in Nuremberg, p. 3.
77. J. El-Hai, O nazista e o psiquiatra, pp. 218-20 do original.
78. H. Arendt, The Last Interview and Other Conversations, p. 41.
79. G. Hausner, Justice in Jerusalem, p. 464.
80. N. Bascomb, Caçando Eichmann, pp. 316-18 do original. Os demais
dados sobre as apelações e os horários relativos ao enforcamento
provêm da mesma fonte.
81. Loc. cit.
82. “Snatching Eichmann”, Zman, maio de 2012. O relato de Nagar e
suas citações provêm da mesma fonte.
83. N. Bascomb, Caçando Eichmann, p. 319 do original.
CAPÍTULO DEZ: GENTE COMUM
1. B. Schlink, O leitor, p. 104 do original.
2. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, pp. 46-47; e
R. Wittmann, Beyond Justice, pp. 62-63. Da mesma fonte provêm as
informações acerca da entrevista dele com Emil Wulkan, as
negociações com Bauer e a história dos documentos incriminatórios.
3. Claudia Michels, “Auf dem Büfett lagen die Erschiessungslisten”,
Frankfurter Rundschau, 27 de março de 2004.
4. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 62.
5. Idem.
6. Claudia Michels, “Auf dem Büfett lagen die Erschiessungslisten”,
Frankfurter Rundschau, 27 de março de 2004.
7. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 2.
8. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 175.
9. Exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt.
10. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 157.
11. Ibid, p. 156.
12. Ibid, p. 155.
13. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 256.
14. Ibid., p. 215.
15. B. Naumann, Auschwitz, pp. 415, XIV
16. Ibid., Hannah Arendt, Introdução, pp. XIV.
17. Conforme citado em R. Steinke, Fritz Bauer, p. 180.
18. Documentário Verdict on Auschwitz: The Auschwitz Trial, 1963-1965,
produzido em 1993 pela televisão alemã.
19. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, pp. 48-49. O
relato da captura e da morte de Baer têm a mesma fonte.
20. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 139.
21. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, pp. 117-18.
22. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 88.
23. Ibid., p. 75.
24. Ibid., p. 197.
25. Ibid., p. 140.
26. <www.yadvashem.org>.
27. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 158.
28. R. Wittmann, Beyond Justice, pp. 80-81.
29. Idem.
30. B. Naumann, Auschwitz, pp. 410, 409.
31. Idem.
32. Documentário Verdict on Auschwitz: The Auschwitz Trial, 1963-1965,
produzido em 1993 pela televisão alemã. Da mesma fonte foram
extraídas as citações de Frau Boger e Lingens.
33. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 262.
34. R. Wittmann, Beyond Justice, pp. 176-77.
35. Ibid., p. 177.
36. Ibid., p. 180.
37. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 263.
38. B. Naumann, Auschwitz, p. 415.
39. Ibid., pp. 412-13.
40. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 255.
41. B. Naumann, Auschwitz, p. VIII.
42. Ibid., p. XXII.
43. Ibid., p. XXIX.
44. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 256.
45. Ibid., p. 253.
46. Ibid., pp. 256-57.
47. Idem.
48. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 190.
49. B. Naumann, Auschwitz, p. XVII.
50. P. Biddiscombe, The Denazification of Germany, pp. 212-13; e, por
exemplo, “Eichmann to Testify on Dr. Globke’s Role in Deportation
of Greek Jews,” JTA, 31 de janeiro de 1961.
51. Exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt.
52. “Bonn Denounces Globke Trial in East Germany as Communist
Maneuver”, JTA, 10 de julho de 1963.
53. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 15. Da mesma fonte provêm as
estatísticas sobre investigações, julgamentos, absolvições e condenações
por assassinato.
54. Entrevista concedida por Thomas Will ao autor.
55. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, p. 253.
56. Ibid., pp. 182-83.
57. D. O. Pendas, The Frankfurt Auschwitz Trial, 1963-1965, pp. 179-80.
Da mesma fonte provêm as informações acerca da visita da delegação
da Alemanha Ocidental à Polônia.
58. P. Weiss, O interrogatório.
59. Ibid., pp. 73-74 do original.
60. Esta e outras citações de Bernhard Schlink foram extraídas da
entrevista que ele concedeu ao autor.
61. Entrevista concedida por Peter Schneider ao autor.
62. Entrevista concedida por Maria Kozłowska ao autor.
63. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 218.
64. Documentário Death by Installments.
65. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 263.
66. Documentário Death by Installments; e R. Steinke, Fritz Bauer, p. 221.
67. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 257.
68. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 443.
69. Ibid., p. 445.
70. Exposição sobre Fritz Bauer no Museu Judaico de Frankfurt.
71. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 453.
72. R. Steinke, Fritz Bauer, p. 272.
73. Entrevista concedida por Ilona Ziok ao autor.
74. Documentário Death by Installments.
75. I. Wojak, Fritz Bauer, 1903-1968, p. 455.
CAPÍTULO ONZE: UM TAPA A SER LEMBRADO
1. Entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
2. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 4.
3. Ibid., pp. 3-23; S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis,
pp. 11-13, 31-32; e entrevista concedida por Beate e Serge Klarsfeld
ao autor. Outros dados biográficos e citações provêm das mesmas
fontes.
4. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 4.
5. “Alois Brunner”, <www.jewishvirtuallibrary.org>.
6. J. Josephs, Swastika Over Paris. Introdução de Serge Klarsfeld, p. 17.
7. N. Frei, Adenauer’s Germany and the Nazi Past, p. 395, n46; e “Kurt
Kiesinger, 60’s Bonn Leader and Former Nazi, Is Dead at 83”, The
New York Times, 10 de março de 1988.
8. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 18.
9. Ibid., pp. 19-63. O relato de Beate e as citações a respeito de sua
campanha contra Kiesinger provêm da mesma fonte.
10. S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis, pp. 13, 76; e
entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
11. Idem.
12. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 22.
13. Ibid., p. 48.
14. Entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
15. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, pp. 112-40. As informações
acerca das experiências em Praga e Varsóvia provêm da mesma fonte.
16. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 87.
17. Idem.
18. Idem.
19. S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis, pp. 40-41; B.
Klarsfeld, Wherever They May Be!, pp. 160-64.O status dos alemães que
serviram na França provém da mesma fonte.
20. P. Heberer e J. Matthäus (orgs.), Atrocities on Trial, p. 242, n22.
21. S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis, pp. 43-44.
22. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 153. Outros detalhes acerca
dos três: John Vinocur, “3 Ex-Nazis Get Jail Terms for War Crimes,”
The New York Times, 12 de fevereiro de 1980.
23. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 166.
24. Ibid., pp. 167-203; e S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels
Nazis, pp. 43-52. Das mesmas fontes provém o restante do relato das
ações direcionadas a Lischka e Hagen.
25. John Vinocur, “3 Ex-Nazis Get Jail Terms for War Crimes”, The New
York Times, 12 de fevereiro de 1980.
26. Idem.
27. A. Kuenzle e G. Shimron, The Execution of the Hangman of Riga, pp.
29-31.
28. Idem.
29. Idem.
30. Ibid., pp. 32-34.
31. Ibid., pp. 35-43. Depoimentos de sobreviventes acerca de Cukurs
foram extraídos da mesma fonte.
32. A. Kuenzle e G. Shimron, The Execution of the Hangman of Riga, pp.
XX.
33. Ibid., pp. 125-27. Da mesma fonte provêm as informações acerca do
assassinato de Cukurs, incluindo o veredicto.
34. “Reports from Abroad”, The New York Times, 14 de março de 1965.
35. Para os obituários, ver, por exemplo: “Zvi Aharoni and Yaakov
Meidad”, The Telegraph, 16 de agosto de 2012.
36. A. Kuenzle e G. Shimron, The Execution of the Hangman of Riga, pp.
8-9. O restante da conversa de Yoav com Meidad foi extraído da
mesma fonte.
37. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
38. A. Kuenzle e G. Shimron, The Execution of the Hangman of Riga, p.
102.
39. Associated Press, “Latvian Musical on Nazi Collaborator Stirs
Anger”, 30 de outubro de 2014.
40. Idem.
41. “Israel Condemns Latvia’s ‘Butcher of Riga’ Musical”,
<israelnationalnews.com>, 23 de outubro de 2014.
42. Associated Press, “Latvian Musical on Nazi Collaborator Stirs
Anger”, 30 de outubro de 2014.
CAPÍTULO DOZE: “CIDADÃOS MODELOS”
1. Levin, Os meninos do Brasil, p. 12 do original.
2. H. Pick, Simon Wiesenthal, p. 152.
3. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 96-103 do original.
4. Idem.
5. Idem.
6. T. Segev, Simon Wiesenthal, p. 326.
7. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 344 do original.
8. Entrevista concedida por Martin Mendelsohn ao autor.
9. S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis, p. 39; e
entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
10. Idem.
11. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 209 do original.
12. Ibid., p. 7 do original; e entrevista concedida por Simon Wiesenthal
ao autor.
13. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 335-40 do original; e J.
Wechsberg (org.), The Murderers Among Us, pp. 172-83. Foram
extraídas das mesmas fontes as reações e citações relativas à peça de
Anne Frank, além das conversas de Wiesenthal e as ações
subsequentes.
14. Idem.
15. Idem.
16. Idem.
17. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 139-57 do original. Da
mesma fonte procedem o restante do relato de Wiesenthal e as
citações acerca de Braunsteiner.
18. Idem.
19. Clyde A. Farnsworth, “The Sleuth with 6 Million Clients”, The New
York Times, 2 de fevereiro de 1964.
20. Entrevista concedida por Joseph Lelyveld ao autor; J. Lelyveld,
Omaha Blues, pp. 175-82. O restante do relato de Lelyveld procede das
mesmas fontes.
21. Joseph Lelyveld, The New York Times, 14 de julho de 1964.
22. Douglas Martin, “A Nazi Past, a Queens Home Life, an Overlooked
Death”, The New York Times, 2 de dezembro de 2005.
23. A. Elsner, The Nazi Hunter, p. 2.
24. Entrevista concedida por Eli Rosenbaum ao autor. O restante do
relato de Rosenbaum, salvo indicação contrária, provém da mesma
fonte.
25. Idem.
26. H. Blum: Wanted!, pp. 19-22. Blum identificou a fonte como Oscar
Karbach, a quem descreveu como presidente do Congresso Judaico
Mundial. Rochelle G. Saidel, em seu livro The Outraged Conscience,
ressaltou que Karbach era um pesquisador que fazia parte da equipe do
Congresso Judaico Mundial, não o presidente da instituição (p. 98).
27. H. Blum: Wanted!, p. 25.
28. E. Holtzman e C. L. Cooper, Who Said It Would Be Easy?, pp. 90-96;
e entrevista concedida por Elizabeth Holtzman ao autor. Da mesma
fonte provém o restante do relato de Holtzman.
29. Idem.
30. R. G. Saidel, The Outraged Conscience, pp. 31-45.
31. Entrevista concedida por Martin Mendelsohn ao autor. Outras
citações de Mendelsohn também foram extraídas dessa entrevista.
32. Idem.
33. R. G. Saidel, The Outraged Conscience, p. 119.
34. Ibid., p. 127; e A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 249.
35. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, pp. 15-28; e Museu Memorial do
Holocausto dos Estados Unidos, “Displaced Persons”. Das mesmas
fontes procede a história da Lei dos Deslocados de Guerra.
36. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, pp. 22, 26, 268.
37. Idem.
38. Idem.
39. Ibid., p. 42.
40. Uma versão editada do relatório pode ser encontrada online:
<http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB331/DOJ_O
SI_Nazi_redacted.pdf>. O relatório completo não foi oficialmente
divulgado até a data desta publicação, embora tenha sido citado por
Eric Lichtblau em sua reportagem para o The New York Times e em
seu livro, The Nazis Next Door.
41. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 268.
42. Ari L. Goldman, “Valerian Trifa, an Archbishop with a Fascist Past,
Dies at 72”, The New York Times, 29 de janeiro de 1987; e R. G.
Saidel, The Outraged Conscience, pp. 43-45. A história de Trifa provém
da mesma fonte.
43. J. Michel, Dora, pp. 62, 65.
44. F. I. Ordway III e M. R. Sharpe, The Rocket Team, pp. 79-85.
45. Entrevista concedida por Eli Rosenbaum ao autor. O restante da
conversa de Rosenbaum com Sher provém da mesma fonte.
46. Transcrição dos Arquivos Nacionais (cortesia de Eli Rosenbaum).
47. Idem.
48. Entrevista concedida por Elizabeth White ao autor.
CAPÍTULO TREZE: INDO E VOLTANDO DE LA PAZ
1. S. Klarsfeld, The Children of Izieu, p. 7.
2. Ibid., p. 15.
3. T. Bower, Klaus Barbie, pp. 112-13.
4. S. Klarsfeld, The Children of Izieu, p. 15.
5. Ibid., p. 45.
6. Ibid., p. 15.
7. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, pp. 215-77. O relato de Beate
Klarsfeld acerca do caso Barbie provém da mesma fonte.
8. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, pp. 234, 240.
9. Ibid., p. 239.
10. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, p. 242.
11. Ibid., pp. 255-56.
12. Ibid., pp. 263-73.
13. Idem. O restante da narrativa acerca da visita a La Paz foi extraído da
mesma fonte.
14. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 279.
15. B. Klarsfeld, Wherever They May Be!, pp. 247-48.
16. T. Bower, Klaus Barbie, pp. 18-19; S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque
des criminels Nazis, p. 55; e entrevista concedida por Beate e Serge
Klarsfeld ao autor.
17. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, pp. 277-79.
18. S. Klarsfeld, The Children of Izieu, p. 7.
19. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, pp. 280-323. O restante do relato de
Ryan acerca da investigação de Barbie provém da mesma fonte.
20. Ibid., p. 282.
21. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 285. Embora Ryan não tenha
nomeado em seu livro o correspondente da emissora, ele o identificou
em uma entrevista concedida ao autor. Em outra entrevista, por sua
vez, John Martin confirma o relato de Ryan.
22. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 288.
23. Ibid., p. 289.
24. Ibid., p. 290.
25. Ibid., p. 291.
26. “Klaus Barbie and the United States Government: A Report to the
Attorney General of the United States”, Departamento de Justiça dos
Estados Unidos, agosto de 1983. Outras citações do relatório da OSI
foram extraídas da mesma fonte.
27. Entrevista concedida por David Marwell ao autor.
28. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 321.
29. Ibid., p. 322.
30. Ibid., p. 323.
CAPÍTULO QUATORZE: MENTIRAS DO TEMPO DA
GUERRA
1. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, pp. 1-13. Outras citações de
Rosenbaum, incluindo suas conversas com Zelman, foram extraídas da
mesma fonte.
2. Idem.
3. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, p. 15.
4. Ibid., p. 12.
5. Ibid., pp. 22-33. O restante das trocas entre Schuller e Rosenbaum
provém da mesma fonte.
6. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, pp. 46-49. O restante da
conversa entre Schuller e Rosenbaum acerca de Wiensenthal provém
da mesma fonte.
7. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, pp. 57-58.O restante da
discussão do Congresso Judaico Mundial e o papel desempenhado por
Bronfman foram extraídos da mesma fonte.
8. “Files Show Kurt Waldheim Served Under War Criminal”, The New
York Times, 3 de março de 1986.
9. “Waldheim: A Nazi Past?”, Newsweek, 17 de março de 1986; e um
dossiê mais extenso que enviei a meus editores em 7 de março de
1986. Meu relato acerca das entrevistas com Waldheim e Wiesenthal
provém da mesma fonte.
10. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 311 do original.
11. Idem.
12. Ibid., p. 313 do original.
13. Mais tarde, em carta ao editor da Newsweek publicada em 7 de abril
de 1986, Wiesenthal alegou que não me dissera explicitamente que
Waldheim era mentiroso. Contudo, não voltou atrás em sua afirmação
de que não acreditava na alegação de Waldheim de não saber nada
acerca das deportações de judeus de Salônica.
14. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, pp. 318-19 do original. Da
mesma fonte provém a conversa entre Wiesenthal e Waldheim.
15. Ibid., pp. 315, 313.
16. Idem.
17. Idem.
18. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, pp. 90-91.
19. Idem.
20. “Waldheim on the ‘A’ List”, Newsweek, 21 de abril de 1986; meu
dossiê para a Newsweek em 11 de abril de 1986; e R. E. Herzstein,
Waldheim: The Missing Years, pp. 128-29. Das mesmas fontes provém
meu relatório acerca das aldeias, junto ao contexto mais amplo.
21. “Waldheim Under Siege”, Newsweek, 9 de junho de 1986; e meu
dossiê mais longo para a Newsweek.
22. “Waldheim Under Siege”, Newsweek, 9 de junho de 1986.
23. “Waldheim: Home Free?”, Newsweek, 16 de junho de 1986.
24. Idem.
25. “In the Matter of Kurt Waldheim”, Escritório de Investigações
Especiais do Departamento de Justiça norte-americano, 9 de abril de
1987, pp. 200-201.
26. R. E. Herzstein, Waldheim: The Missing Years, pp. 23, 254.
27. “Waldheim Under Siege”, Newsweek, 9 de junho de 1986.
28. Idem; e James M. Markham, “In Austrian Campaign, Even Bitterness
Is Muted”, The New York Times, 6 de junho de 1986.
29. Entrevista concedida por Beate Klarsfeld ao autor. As falas dirigidas a
ela pelo prefeito Busek no comício de Waldheim foram extraídas do
meu dossiê para a Newsweek, 30 de maio de 1986.
30. Andrew Nagorski, “Clumsy Acts, Bad Blood”, Newsweek, 12 de maio
de 1986; e E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, p. 142.
31. Idem.
32. E. M. Bronfman, The Making of a Jew, p. 115.
33. Andrew Nagorski, “Clumsy Acts, Bad Blood”, Newsweek, 12 de maio
de 1986.
34. Meu dossiê para a Newsweek, 5 de junho de 1986. Da mesma fonte
provêm outras citações dos judeus austríacos sobre as ações do
Congresso Judaico Mundial.
35. Andrew Nagorski, “Clumsy Acts, Bad Blood”, Newsweek, 12 de maio
de 1986.
36. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, p. 165.
37. Idem.
38. Idem.
39. Ibid., pp. 300-301.
40. Ibid., p. 461.
41. Ibid., p. 463.
42. Ibid., p. 461.
43. Ibid., p. 304.
44. Op. cit.
45. Ibid., p. 472.
46. Ibid., p. 304.
47. Entrevista concedida por Eli Rosenbaum ao autor.
48. Entrevista concedida por Martin Mendelsohn ao autor.
49. Antigo oficial da OSI que não quis ter seu nome divulgado em
qualquer discussão acerca de Rosenbaum.
50. Andrew Nagorski, “Wiesenthal: A Summing Up”, Newsweek
International, 27 de abril de 1998.
51. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 321 do original.
52. Entrevista concedida pelo rabino Marvin Hier ao autor. Outras
citações de Hier também foram extraídas da entrevista.
53. E. M. Rosenbaum e W. Hoffer, Betrayal, p. 149.
54. Entrevista concedida por Simon Wiesenthal ao autor e incluída no
dossiê para a Newsweek, 21 de maio de 1986.
55. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 301 do original.
56. R. E. Herzstein, Waldheim: The Missing Years, p. 250.
57. Joshua Muravchik, “The Jew Who Turned the Left Against Israel”,
The Tablet, 29 de julho de 2014.
58. Idem.
59. T. Segev, Simon Wiesenthal, pp. 292-93.
60. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 320 do original.
61. R. E. Herzstein, Waldheim: The Missing Years, p. 229.
62. Entrevista concedida por Peter Black ao autor.
63. Idem.
CAPÍTULO QUINZE: PERSEGUINDO FANTASMAS
1. W. Goldman, Maratona da morte, p. 262 do original.
2. N. Kulish e S. Mekhennet, The Eternal Nazi; Souad Mekhennet e
Nicholas Kulish, “Uncovering Lost Path of the Most Wanted Nazi”,
The New York Times, 4 de fevereiro de 2009. Os detalhes biográficos
provêm das mesmas fontes.
3. D. Baz, The Secret Executioners, p. XIII.
4. Ibid., p. 10.
5. R. Gray, I Killed Martin Bormann!, p. 5; livro publicado em fascículos,
conforme registrado pela Reuters; “Most Wanted Nazi Shot, Claims
Ex-British Agent”, publicado em The Montreal Gazette, 8 de agosto de
1970.
6. R. Gray, I Killed Martin Bormann!, p. 73.
7. L. Farago, Aftermath, p. 428.
8. Souad Mekhennet e Nicholas Kulish, “Uncovering Lost Path of the
Most Wanted Nazi” The New York Times, 5 de fevereiro de 2009.
9. N. Kulish e S. Mekhennet, The Eternal Nazi, p. 173.
10. “New Genetic Tests Said to Confirm: It’s Martin Bormann”, The
New York Times, 4 de maio de 1998. As informações acerca da
identificação do DNA de Bormann foram extraídas da mesma fonte.
11. H. Blum: Wanted!, pp. 47-48, 42-61; R. Rashke, Useful Enemies, pp.
48-50. Dados biográficos sobre Soobzokov procedem das mesmas
fontes.
12. H. Blum: Wanted!, p. 57.
13. Richard Breitman, “Tscherim Soobzokov,” American University
(<https://www.fas.org/sgp/eprint/breitman.pdf>). As informações
acerca da história de Soobzokov no pós-guerra foram extraídas da
mesma fonte.
14. Opp cit.
15. Opp cit.
16. Opp cit.
17. H. Blum: Wanted!, pp. 258-63.
18. Ibid., p. 263.
19. Richard J. Goslan, “Memory and Justice Abused: the 1949 Trial of
René Bousquet”, Studies in 20th Century Literature, Vol. 23, 1-1-1999;
Paul Webster, “The Collaborator’s Pitiless End”, The Guardian, 8 de
junho de 1993; e Douglas Johnson, “Obituary: René Bousquet”, The
Independent, 9 de junho de 1993. O restante da história de Bousquet,
incluindo suas citações, provém das mesmas fontes.
20. Idem.
21. Sorj Chalandon, “L’assassinat de René Bousquet: larmes du Crime”,
Libération, 4 de abril de 2000.
22. Idem.
23. Entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
24. “Hunting the Angel of Death” Newsweek, 20 de maio de 1985; meu
dossiê mais extenso para a Newsweek, 16 de abril de 1985; e os dossiês
subsequentes enviados até junho de 1985, junto com os cadernos dos
meus repórteres daquele período (arquivos pessoais). As informações
sobre a caçada de Mengele foram extraídas das mesmas fontes.
25. “Reaching a Verdict on the Mengele Case”, Newsweek, 1º de julho
de 1985; “Who Helped Mengele”, Newsweek, 24 de junho de 1985; e
meus dossiês para a Newsweek.
26. G. L. Posner e J. Ware, Mengele, p. 76.
27. Entrevista concedida por Robert Kempner ao autor.
28. G. L. Posner e J. Ware, Mengele, p. 63.
29. “In the Matter of Josef Mengele”, Diretoria de Investigações
Especiais do Departamento de Justiça norte-americano, outubro de
1992, p. 193.
30. I. Harel, A casa da rua Garibaldi, pp. 210-11.
31. Idem.
32. Idem.
33. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, pp. 149-50.
34. Idem.
35. Idem.
36. G. L. Posner e J. Ware, Mengele, p. 163.
37. Z. Aharoni e W. Dietl, Operation Eichmann, p. 151.
38. Entrevista concedida por Rafi Eitan ao autor.
39. “Mengele: The Search Ends”, Newsweek, 1º de julho de 1985.
40. “Who Helped Mengele?”, Newsweek, 24 de junho de 1985.
41. Ibid.; e “Reaching a Verdict in the Mengele Case”, Newsweek, 1º de
julho, 1985. As informações acerca das falhas da investigação alemã-
ocidental provêm da mesma fonte.
42. Idem.
43. “In the Matter of Josef Mengele”, Diretoria de Investigações
Especiais do Departamento de Justiça norte-americano, outubro de
1992, pp. 196-97.
CAPÍTULO DEZESSEIS: CÍRCULO COMPLETO
1. S. Wiesenthal, Justiça não é vingança, p. 351 do original.
2. Alison Smale, “Erich Priebke, Nazi Who Carried Out Massacre of
335 Italians, Dies at 100” The New York Times, 11 de outubro de
2013; “Erich Priebke: ‘Just Following Orders’”, The Economist, 26 de
outubro de 2013; “Erich Priebke”, <jewishvirtuallibrary.org>. O
restante da história de Priebke na Itália e na Argentina e sua posterior
extradição provêm das mesmas fontes.
3. Vídeo no YouTube. Todo o diálogo Donaldson-Priebke provém dessa
fonte.
4. Entrevista concedida por Sam Donaldson ao autor. As citações de
Donaldson e outras informações sobre seu passado também foram
extraídas da entrevista.
5. Entrevista concedida por Harry Phillips ao autor; e Robert Lissit,
“Out of Sight”, American Journalism Review, dezembro de 1994. As
informações acerca do papel desempenhado por Phillips provêm das
mesmas fontes.
6. Elisabetta Povoledo, “Funeral for Ex-Nazi in Italy Is Halted as
Protesters Clash”, The New York Times, 16 de outubro de 2013. As
informações acerca do funeral provêm da mesma fonte.
7. R. Rashke, Useful Enemies, pp. X-XIII, 548-49; Robert D. McFadden,
“John Demjanuk, 91, Dogged by Charges of Atrocities as Nazi Camp
Guard, Dies”, The New York Times, 17 de março de 2012. Outros
detalhes biográficos da juventude de Demjanuk provêm das mesmas
fontes.
8. A. Nagorski, A batalha de Moscou, p. 70 do original.
9. R. Rashke, Useful Enemies, pp. 108-16. Os dados acerca da
investigação preliminar nos Estados Unidos e em Israel provêm da
mesma fonte.
10. Idem.
11. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, pp. 106-7.
12. Idem.
13. Idem.
14. R. Rashke, Useful Enemies, pp. 149-54. A informação sobre o
memorando de Parker provém da mesma fonte.
15. Ibid., p. 313.
16. Ibid., p. 348.
17. Entrevista concedida por Avraham Shalom ao autor.
18. R. Rashke, Useful Enemies, pp. 361-69. A reação da plateia foi
extraída da mesma fonte.
19. Ibid., pp. 466-68.
20. Entrevista concedida por Eli Rosenbaum ao autor.
21. R. Rashke, Useful Enemies, p. 502.
22. Ibid., pp. 513-15.
23. Robert D. McFadden, “John Demjanuk, 91, Dogged by Charges of
Atrocities as Nazi Camp Guard, Dies”, The New York Times, 17 de
março de 2012.
24. Patrick J. Buchanan, “The True Haters”,
<http://buchanan.org/blog/pjb-the-true-haters-1495>, 14 de abril
de 2009.
25. Escritório Central para a Investigação de Crimes do Nacional-
Socialismo, folheto informativo, dezembro de 2012. As estatísticas
abrangem o período que inclui a unificação da Alemanha, mas
refletem os registros do judiciário da Alemanha Ocidental.
26. Melissa Eddy, “Germany Sends 30 Death Camp Cases to Local
Prosecutors”, The New York Times, 3 de setembro de 2013.
27. Estatísticas fornecidas por Thomas Will, vice-diretor do Escritório
Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo.
28. “Auschwitz Trial: Oskar Gröning Recalls ‘Queue of Trains’”, BBC
News, 22 de abril de 2015.
29. Alison Smale, “Oskar Gröning, Ex-SS Soldier at Auschwitz, Gets
Four Year Sentence”, The New York Times, 15 de julho de 2015.
30. David Crossland, “Late Push on War Crimes: Prosecutors to Probe
50 Auschwitz Guards”, Spiegel Online International, 8 de abril de 2013.
31. J. M. Greene, Justice at Dachau, p. 44.
32. R. Wittmann, Beyond Justice, p. 256.
33. Entrevista concedida por Piotr Cywiński ao autor.
34. Der Spiegel, 25 de agosto de 2014. A versão em inglês foi publicada
em Spiegel Online International em 28 de agosto de 2014.
35. “In the Matter of the Extradition of Johann (John) Breyer”, Juízo
Distrital do Leste da Pensilvânia, código de identificação 14-607-M
(cortesia de Eli Rosenbaum).
36. Idem.
37. E-mail de Eli Rosenbaum, 4 de fevereiro de 2015. As estatísticas
abrangem o período de existência da OSI até 2010 e, os cinco
primeiros anos de operações como parte de uma unidade, chamada
Seção de Direitos Humanos e Processos Especiais.
38. Entrevista concedida por Elizabeth Holtzman ao autor.
39. Entrevista concedida por Efraim Zuroff ao autor.
40. E. Zuroff, Operation Last Chance, pp. 199, 206.
41. Idem.
42. Entrevista concedida por Efraim Zuroff ao autor; e subsequente troca
de e-mails, 11 de fevereiro de 2015.
43. Entrevista concedida por Deidre Berger ao autor.
44. Entrevista concedida por Serge Klarsfeld ao autor.
45. Eli M. Rosenbaum, “The Eichmann Case and the Distortion of
History”, Loyola of Los Angeles International & Comparative Law Review,
primavera de 2012.
46. Entrevista concedida por Thomas Will ao autor.
47. A. A. Ryan, Jr., Quiet Neighbors, p. 335.
48. Wolfgang Saxon, “Richard von Weizsäcker, 94, Dies: First President
of Reunited Germany”, The New York Times, 31 de janeiro de 2015.
49. Entrevista concedida por Richard von Weizsäcker ao autor. Foi
incluída em “Voices of the Century”, Newsweek, 15 de março de
1999.
50. Entrevista concedida por Martin Walser ao autor (“Hitler Boosts
Ratings”, Newsweek, 21 de dezembro de 1998).
51. S. Klarsfeld e A. Vidalie, La Traque des criminels Nazis, p. 57.
52. Pascale Nivelle, “Maurice Papon Devant Ses Juges”, Libération, 10 de
fevereiro de 1998.
53. Alan Riding, “Suit Accusing French Railways of Holocaust Role Is
Thrown Out”, The New York Times, 15 de maio de 2003; seleção do
material de Serge Klarsfeld feita por Schaechter: coleção Kurt Werner
Schaechter, The Hoover Archives.
54. “France Agrees Holocaust SNCF Rail Payout with US”, BBC
Europe, 5 de dezembro de 2014.
55. Maïa de la Baume, “France Confronts an Ignoble Chapter” The New
York Times, 16 de dezembro de 2014.
56. Entrevista concedida por Serge e Beate Klarsfeld ao autor.
57. “Nazi-Hunting Couple Honored by Germany”, The Forward, 21 de
julho de 2015.
1. O sargento da Marinha americana John C. Woods (centro) foi incumbido de enforcar
onze líderes nazistas em Nuremberg em 16 de outubro de 1946. Hermann Göring (no
alto à esquerda) escapou da forca ao cometer suicídio. Os outros dez eram (fileira de
cima, depois de Göring) Hans Frank, Wilhelm Frick e Julius Streicher; (segunda fileira)
Fritz Sauckel e Joachim von Ribbentrop; (terceira fileira) Alfred Jodl e Arthur Seyss-
Inquart; (fileira de baixo) Alfred Rosenberg, Ernst Kaltenbrunner e Wilhelm Keitel. A
pergunta que não quer calar: teria Woods deliberadamente desempenhado seu trabalho
com certo descuido em um ou dois enforcamentos?
2. Nenhum outro caçador de nazistas alcançou tanta fama — ou gerou tanta
controvérsia e, às vezes, tanta fúria — quanto Simon Wiesenthal. Contudo, mesmo seus
críticos reconhecem que ele desempenhou um papel-chave em manter a pressão sobre
os líderes de Hitler que tinham escapado da Justiça.
3. Assim como Wiesenthal, Tuvia Friedman foi um sobrevivente do Holocausto que
acabou indo para a Áustria atrás de criminosos de guerra. Os dois caçadores de nazistas
trabalharam juntos em algumas ocasiões, mas seguiram caminhos bastante distintos
depois que Friedman se mudou para Israel.
4. William Denson, o Promotor de Justiça do exército dos Estados Unidos no Tribunal
Militar de Dachau, alcançou uma marca memorável: a condenação de todas as 177
pessoas que acusou. Essa taxa de sucesso, porém, levantou suspeitas de que os
julgamentos tivessem sido feitos às pressas.
5. Apelidada de Cadela de Buchenwald, Ilse Koch, viúva do primeiro comandante
daquele campo, era conhecida por provocar sexualmente os prisioneiros. Denson
convocou testemunhas que deram depoimentos horripilantes, incluindo histórias
duvidosas a respeito de abajures feitos com a pele de suas vítimas.
6. Benjamin Ferencz tinha apenas 27 anos quando se tornou promotor-chefe no que a
Associated Press chamou de “o maior julgamento por assassinato da história”: o
julgamento em Nuremberg dos 22 comandantes dos Einsatzgruppen, os pelotões
especiais que cometeram assassinatos em massa na frente oriental.
7. Comandante do Einsatzgruppe D, o mais notório pelotão nazista de matança, Otto
Ohlendorf era um homem de alto nível de escolaridade. O general Telford Taylor
considerou que ele e os outros réus tinham sido os líderes dos “homens do gatilho no
gigantesco programa de matança”. Ohlendorf foi enforcado em 1951.
8. O juiz investigador polonês Jan Sehn (na imagem, usando farda) interrogou Rudolf
Höss, o oficial que serviu em Auschwitz por mais tempo, e o convenceu a escrever suas
memórias antes que fosse levado à forca, em 1947. O relato de Höss mostra seu orgulho
pelas “melhorias” que implementou na maquinaria da morte no campo de concentração
e oferece uma visão arrepiante da mente de um assassino em massa. O livro foi
considerado leitura essencial pelos caçadores de nazistas.
9. No lado esquerdo, Richard Baer, último comandante de Auschwitz, com Josef
Mengele (ao fundo, na direção de Baer) e Rudolf Höss (diante de Baer) num recuo das
tropas em julho de 1944, depois da transferência de Höss para a Inspetoria de Campos
de Concentração.
10. Após receber a pista de que Eichmann estava em Buenos Aires, o chefe do Mossad,
Isser Harel (na imagem, de óculos escuros), deu início à investigação que levaria à
captura de sua presa. Ele enviou uma equipe de agentes a Buenos Aires para montar a
elaborada operação que surpreendeu a Argentina e o mundo.
11. Rafi Eitan (acima, num campo de tiro em Israel em 1984) liderou o grupo que
sequestrou Eichmann em Buenos Aires em 11 de maio de 1960. Ele ressaltou que, até
então, Israel não considerava a caça aos nazistas uma prioridade.
12. Da cabine de vidro à prova de balas construída para seu julgamento em Jerusalém,
Adolf Eichmann, um dos grandes arquitetos do Holocausto, ouviu a Corte sentenciá-lo
à morte em 15 de dezembro de 1961. Depois que agentes do Mossad o sequestraram em
Buenos Aires e o levaram em segredo para Israel em um voo especial, seu caso
desencadeou novos debates acerca do Holocausto e da “banalidade do mal”.
13. Eichmann no pátio de sua cela numa penitenciária israelense.
14. Social-democrata oriundo de uma família judia secular, o juiz e promotor alemão
Fritz Bauer passou a maior parte do período nazista no exílio. De volta à Alemanha
Ocidental após a guerra, ele desempenhou um papel secreto e decisivo na captura de
Eichmann. Na década de 1960, Bauer orquestrou em Frankfurt o Segundo Julgamento
de Auschwitz, que obrigou muitos alemães a confrontarem o próprio passado.
15. O sargento da SS Wilhelm Boger se destacou entre os réus do Segundo Julgamento
de Auschwitz devido a seus depoimentos particularmente sádicos. As descrições de suas
técnicas de tortura elaboradas eram ao mesmo tempo hipnotizantes e repulsivas.
16. Na década de 1970, livros e filmes de sucesso apresentaram histórias muito
envolventes, porém enganosas, a respeito dos caçadores de nazistas. Em Os meninos do
Brasil, Gregory Peck encarnou Josef Mengele, perseguido por um personagem inspirado
em Simon Wiesenthal
17. Em Maratona da morte, o nazista pérfido era um fugitivo que trabalhara como
dentista num campo de concentração. Interpretado por Lauren Olivier, ele torturava
Babe Levy, seu jovem perseguidor americano vivido por Dustin Hoffman.
18. Em maio de 1941, este grupo de judeus estrangeiros que viviam na França foi detido
e despachado da estação de Austerlitz, em Paris, para campos de prisioneiros de guerra.
Posteriormente, judeus franceses também foram presos pelos ocupantes alemães e seus
colaboradores locais, e milhares foram mandados para campos de extermínio.
19. Os caçadores de nazistas Beate e Serge Klarsfeld numa coletiva de imprensa em
Bonn em 1979, apresentando evidências contra Kurt Lischka, ex-oficial da SS, a respeito
de seu papel na deportação de judeus franceses. O pai de Serge morreu em Auschwitz,
o que dava ao casal franco-alemão um forte motivo para ir atrás de casos como esse.
20. Uma das proezas mais famosas dos Klarsfelds foi rastrear, na Bolívia, Klaus Barbie, o
ex-chefe da Gestapo conhecido como Açougueiro de Lyon. (Na imagem, algemado)
Barbie entrando na corte de Lyon em 1987, onde foi condenado à prisão perpétua.
21. A casa que abrigava crianças na aldeia francesa de Izieu serviu de refúgio para judeus
até 6 de abril de 1944, quando Barbie, então chefe da Gestapo, deteve todas as 44
crianças e sete encarregados pelo local. Exceto por uma mulher, todos morreram em
Auschwitz.
22. Tendo sido o diretor da Diretoria de Investigações Especiais do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos que mais tempo ficou no cargo, Eli Rosenbaum direcionou
os esforços governamentais para a identificação de criminosos de guerra nazistas que
viviam no país e a cassação de sua cidadania americana.
23. Num dos primeiros casos, Rosenbaum teve como alvo Arthur Rudolph, membro da
equipe de cientistas alemães especializados em foguetes que fora levada aos Estados
Unidos. Rudolph desenvolveu o foguete Saturno V, que levou os primeiros astronautas à
Lua, mas também mandou milhares de prisioneiros para a morte enquanto produzia
foguetes V2 durante a guerra. (Na imagem carimbada) o cartão de identificação de
Rudolph dos tempos de guerra, com um selo britânico do pós-guerra.
24. O ex-secretário-geral das Nações Unidas Kurt Waldheim em campanha para a
Presidência da Áustria em 1986. Eli Rosenbaum, então principal advogado do
Congresso Judaico Mundial, apresentou novas evidências de que Waldheim ocultara um
capítulo do histórico de suas ações durante a guerra: o fato de, nos Bálcãs, ter sido
oficial do estado-maior de um general que posteriormente foi executado como
criminoso de guerra.
25. Sem jamais se intimidar diante de um confronto, Beate Klarsfeld (acima) liderou
protestos contra Waldheim antes e depois da vitória dele. A campanha provocou muitas
divergências e causou discórdia até mesmo entre os caçadores de nazistas, com Simon
Wiesenthal culpando o Congresso Judaico Mundial pela nova onda de antissemitismo na
Áustria.
26. Josef Mengele, o famigerado médico da SS em Auschwitz conhecido como Anjo da
Morte, conseguiu escapar dos israelenses e de outros caçadores de nazistas mudando-se
para a América do Sul. Ele se afogou enquanto nadava numa praia brasileira em 1979,
mas a busca continuou até que seus restos mortais foram encontrados, em 1985.
27. Assim como Mengele, Aribert Heim, o Doutor Morte do campo de concentração
de Mauthausen, conseguiu escapar de seus perseguidores. Mesmo bem depois de sua
morte, em 1992, no Cairo, continuaram circulando especulações e supostos relatos de
avistamentos.
28. Até 1994, Erich Priebke viveu confortavelmente na Argentina, apesar do papel que
desempenhara na execução de 335 homens e meninos, incluindo 75 judeus, nas
proximidades de Roma, em 1944. Contudo, depois que o correspondente da ABC Sam
Donaldson o confrontou diante da câmera, ele acabou sendo extraditado para a Itália.
Priebke (no centro da imagem) foi condenado à prisão perpétua, mas, devido à idade
avançada, foi mantido em prisão domiciliar.
29. Efraim Zuroff, diretor do Centro Simon Wiesenthal em Jerusalém, lançou a
operação Última Chance, uma campanha para rastrear criminosos nazistas já em idade
avançada. Na foto, de 2013, ele está diante de um dos cartazes colocados em cidades
alemãs: “Tarde, mas não tarde demais.”
30. Nenhum caso foi tão longo nem teve tantas reviravoltas complexas quanto o de John
Demjanuk, trabalhador aposentado da indústria automobilística de Cleveland.
Inicialmente confundido com Ivan, o Terrível, um famigerado guarda de Treblinka,
Demjanuk foi mandado para a Alemanha em 2009, não tendo poupado esforços para
parecer extremamente doente. Considerado culpado por atuar como guarda em outro
campo de concentração, morreu em 2012.
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ENTREVISTAS

Gabriel Bach (2014)


John Q. Barrett (2014)
Deidre Berger (2014)
Peter Black (2013)
Monika Boll (2014)
Harold Burson (2014)
Zofia Chłobowska (2014)
Piotr Cywiński (2015)
Sam Donaldson (2014)
Rafi Eitan (2014)
Benjamin Ferencz (2013)
Alice Heidenberger (2014)
Peter Heidenberger (2014)
Marvin Hier (2015)
Elizabeth Holtzman (2014)
Maria Kała (2014)
Beate Klarsfeld (2013)
Serge Klarsfeld (2013)
Maria Kozłowska (2014)
Gerard Kreisberg (2014)
Paulinka (Wiesenthal) Kreisberg (2014)
Joseph Lelyveld (2014)
John Martin (2015)
David Marwell (2013–2014)
Jürgen Matthäus (2013)
Henry Mayer (2013)
Martin Mendelsohn (2014)
Herman Obermayer (2013)
Krzysztof Persak (2014)
Harry Phillips (2015)
Eli Rosenbaum (2013–2014)
Allan Ryan (2015)
Bernhard Schlink (2014)
Peter Schneider (2014)
Sandra Schulberg (2013)
Gerald Schwab (2013)
Arthur Sehn (2013-2014)
Franciszka Sehn (2014)
Józef Sehn (2014)
Avraham Shalom (2014)
Peter Sichel (2013)
Elizabeth White (2013)
Thomas Will (2014)
Irmtrud Wojak (2014)
Ilona Ziok (2014)
Efraim Zuroff (2014)
SELEÇÃO DE ENTREVISTAS ANTERIORES

Niklas Frank (1998)


Zygmunt Gaudasiński (1994)
Robert Kempner (1985)
Beate Klarsfeld (1986)
Peter Kocev (1986)
Abby Mann (2001)
Risto Ognjanov (1986)
Franciszek Piper (1994)
Kurt Waldheim (1986)
Martin Walser (1998)
Richard von Weizsäcker (1998)
Simon Wiesenthal (1985–1998)
Mieczysław Zawadzki (1994)
Leon Zelman (1986)
CRÉDITOS DAS IMAGENS

1. Associated Press
2. Associated Press/Ronald Zak
3. Associated Press/Max Nash
4. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
5. Associated Press/Hanns Jaeger
6. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
7. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
8. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
9. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
10. Gabinete de Imprensa do Governo de Israel
11. Copyright Yossi Roth
12. Gabinete de Imprensa do Governo de Israel
13. Gabinete de Imprensa do Governo de Israel
14. Associated Press
15. Bettmann/Corbis/AP
16. AF Archive/Alamy
17. Pictorial Press Ltd/Alamy
18. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
19. Associated Press/Fritz Reiss
20. Associated Press/Lionel Cironneau
21. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos
22. Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, cortesia de
Miriam Lomaskin
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24. Associated Press/W.Vollman
25. Associated Press/Martha Hermann
26. Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau
27. DB/ picture-alliance/ dpa/Associated Press
28. Associated Press/Gregorio Borgia
29. Associated Press/Kerstin Joensson
30. Associated Press/Oliver Lang, Pool
SOBRE O AUTOR

Andrey Rudakov

ANDREW NAGORSKI comandou as sucursais da revista Newsweek em


Hong Kong, Moscou, Roma, Bonn, Varsóvia e Berlim. É autor de
Hitlerland, entre outros títulos sobre a Segunda Guerra Mundial.
www.andrewnagorski.com
@andrewnagorski
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Toda luz que não podemos ver
Antony Doerr

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