Recensão Crítica: "The Outsiders" Howard Becker

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ANO LETIVO 2021/2022

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

CURSO DE 1º CICLO: Licenciatura em Sociologia

1º ANO | 2º SEMESTRE

UNIDADE CURRICULAR: Teorias Sociológicas II

DOCENTE: Paula Guerra

RECENSÃO CRÍTICA INDIVIDUAL

Beatriz Costa Matos

Porto, 11 de maio de 2022


ANO LETIVO 2021/2022

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

CURSO DE 1º CICLO: Licenciatura em Sociologia

1º ANO | 2º SEMESTRE

UNIDADE CURRICULAR: Teorias Sociológicas II

DOCENTE: Paula Guerra

ANÁLISE CRÍTICA DOS CAPÍTULOS III, IV E V DA OBRA OUTSIDERS:


ESTUDOS DE SOCIOLOGIA DO DESVIO DE HOWARD SAUL BECKER

Beatriz Costa Matos

Porto, 11 de maio de 2022

1
ÍNDICE

Introdução................................................................................................................................... 3

Explanação conceptual ............................................................................................................... 3

Confronto crítico ........................................................................................................................ 7

Conclusão ................................................................................................................................... 9

Anexos ...................................................................................................................................... 10

1. Artigo de jornal....................................................................................................... 11

2. Ficha de leitura ....................................................................................................... 12

Referências bibliográficas ........................................................................................................ 28

2
INTRODUÇÃO

No âmbito da unidade curricular de Teorias Sociológicas II, a docente Paula Guerra


propôs a realização de uma recensão crítica sobre três dos capítulos do livro Outsiders: Estudos
de sociologia do desvio de Howard Saul Becker. Este trabalho está focado nos capítulos III, IV
e V da obra e foi dividido em duas grandes partes: a primeira trata-se duma explanação dos
principais conceitos abordados pelo autor ao longo dos capítulos e a segunda é um confronto
crítico entre a teoria de Howard Becker com a teoria de classes de Karl Marx.

Howard Saul Becker é um sociólogo norte-americano e professor na Northwestern


University de Evanston, Illionois. Nascido a 18 de abril de 1928, Becker é conhecido pelo seu
contributo para várias áreas da sociologia, como a sociologia da arte. Foi na sua obra Outsiders
que se basearam os fundamentos para a teoria da etiquetagem social. Escreveu outros livros
com grande relevância académica como Art Worlds, 1982 e Boys in White, 1961. Integrou a
segunda escola de Chicago, sendo um dos grandes autores do interacionismo simbólico.

EXPLANAÇÃO CONCEPTUAL

Howard Becker começa o capítulo III com a premissa de que o uso da marijuana apenas
se torna contínuo quando é tido como um ato de prazer. Isto porque, do ponto de vista aditivo,
a marijuana não tem substâncias que causem dependência. Então, o autor expõe-nos à carreira
do usuário que será o processo de aprendizagem que levará um usuário a levar adiante o seu
consumo enquanto iniciante.

Este processo encontra-se dividido em três fases distintas. A primeira é aprender a


dominar a técnica de fumar. Para Becker, se um novo usuário não souber como fumar de forma
correta não irá sentir os efeitos da droga que pretende e que estava à espera porque o seu corpo
não irá absorver as substâncias psicoativas da marijuana. Assim, terá a sensação que não vale a
pena fumar uma vez que não está a obter resultados visíveis, deixando o consumo de marijuana.

A segunda fase do processo de aprendizagem é marcada pelo reconhecimento dos


efeitos da droga. Isto é, não é porque os efeitos realmente acontecerem que a pessoa os irá
reconhecer conscientemente. Ou seja, segundo Howard, “antes de ter essa experiência, o
usuário precisa ser capaz de mostrá-los para si mesmo e associá-los conscientemente ao fato de
ter fumado maconha. De outra maneira, quaisquer que sejam os efeitos reais produzidos, ele
considera que a droga não teve efeito algum sobre ele.” (Becker, 1963, p. 58). Quando não há

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um reconhecimento dos efeitos a pessoa irá perder o interesse pela droga, cessando o seu
consumo.

A última fase acontece quando há o novo usuário de marijuana aprende a gostar dos
seus efeitos. Consequências do consumo de marijuana são tidas casualmente como algo
desagradável e pouco desejável, como a perda da noção de tempo e espaço, sendo assim um
entrave ao consumo contínuo. Portanto, terá de existir uma redefinição destes efeitos para
passarem a ser prazerosos e agradáveis, que vai permitir a superação deste processo, levando o
iniciante a passar a ser um usuário mais experiente. São principalmente os connaisseurs (grupos
de amigos mais experientes no consumo da marijuana), termo usado por Becker, que
possibilitam esta redefinição, mas ela pode acontecer em vários contextos diferentes.

No capítulo IV, Becker começa por definir o que é o comportamento desviante.


Considera-o um conjunto de atos que metem em causa as normas e os valores alicerces da
sociedade. Assim, a partir dessas normas e valores, formam-se conceções que perduram no
tempo sobre o ato de consumir marijuana que acabam por ser as formas de controlo social e um
guia moral das sociedades. Com isto, Becker questiona “Qual é a sequência de eventos e
experiências pela qual uma pessoa se torna capaz de levar adiante o uso da maconha, apesar
dos elaborados controles sociais que funcionam para evitar tal comportamento?” (Becker, 1963,
p.70). Respondendo a esta situação, Becker distingue três tipos de controlos sociais: o
fornecimento, o sigilo e a moralidade.

O fornecimento de marijuana pode ser um controlo social porque esta não se encontra
acessível a todas as pessoas. Sendo de difícil acesso, o iniciante terá de estar integrado num
grupo que sirva de intermédio e possibilite esse fornecimento e que esteja assente em valores
contrários aos das normas societais. “A pessoa usa a droga quando está com outras que têm um
fornecimento; quando esse não é o caso, o uso cessa. Ela tende, portanto, a flutuar em termos
das condições de disponibilidade criadas por sua interação com outros usuários.” (Becker, 1963,
p. 72). Então, para se tornar num consumidor regular, deverá encontrar outra forma de se
abastecer e que seja mais estável, criando ligações com pessoas que traficam narcóticos.

No entanto, mesmo quando o iniciante já tem uma fonte direta e estável de fornecimento,
essa fonte pode ser boicotada, isto é, sendo uma atividade ilegal e perigosa, o traficante de
narcóticos poderá ser preso ou desaparecer. Este acontecimento não é raro e obriga a uma

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repetição do processo de arranjar uma nova fonte de fornecimento. Isto cria instabilidade no
seu consumo de marijuana, favorecendo o controlo social que lhe é imposto.

Os novos usuários de marijuana estão sujeitos a um sigilo em relação ao seu consumo


devido ao medo das sanções que podem receber dos não-usuários. Este sigilo é promovido pelo
medo de que se descubra os seus hábitos de consumo e das respetivas consequências informais
que derivam dos códigos morais e das conceções sociais que acima referi. Esse medo ir-se-á
repercutir numa irregularidade na frequência do consumo da marijuana, tornando impossível
criar uma rotina. Para um consumidor se tornar regular terá de romper com este medo e, caso
este rompimento não aconteça, não há um avanço para um nível superior de consumo,
retornando até ao estágio de consumidor ocasional ou até mesmo cessando o consumo.

Segundo Becker, os usuários de drogas limitam e escondem o seu consumo de acordo


com o grau de medo de outras pessoas mais convencionais, segundo a sociedade, descobrirem
este hábito com receio de uma má reação e de consequências. Isto faz do sigilo um controlo
social na medida em que, se não romper com estas conceções, o uso da droga irá terminar. No
entanto, quando o usuário chega à conclusão de que os seus medos podem ser exagerados e que
a prática do consumo de drogas é possível de se manter em segredo, este controlo social
enfraquece.

O controlo social adjacente à moralidade é baseado nas normas morais da sociedade,


que apelam ao autocuidado e autocontrolo. Uma pessoa que não esteja de acordo com esta
perspetiva convencional, como um usuário de marijuana, será visto como um outsider, criando
uma hesitação ao início do consumo da droga. Todos os usuários já partilharam desta opinião
mais convencional. No entanto, através de interações e redefinições, como expliquei acima, este
controlo perde-se, visto que o iniciante arranja justificações (apelidadas de racionalizações por
Becker) para responder às objeções feitas pelas noções básicas da sociedade convencional e
para neutralizar a sensibilidade ao estereótipo para que a ‘carreira do usuário’ progrida, caso
contrário ir-se-á autointitular como um ‘outsider desviante’.

A racionalização mais frequente é a tese de que “as pessoas convencionais entregam-se


a práticas muito mais nocivas, e que um vício comparativamente pequeno com o fumar
maconha não pode ser errado quando coisas como o uso de álcool são tão aceitas” (Becker,
1963, p. 83).

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Logo depois, o autor introduz-nos à ‘teoria’ psiquiátrica popular, que também afeta o
consumo de marijuana e, por isso, também é um controlo social. Esta teoria, defendida por
alguns usuários de marijuana, diz que o uso de drogas na mesma quantidade e frequência que
eles usam está associado a transtornos e desequilíbrios psíquicos. Assim, o uso da droga torna-
se um sinal de fraqueza moral e psíquica, enfraquecendo o uso regular.

Para concluir, Becker defende que “(…) uma pessoa se sentirá livre para usar maconha
à medida que passe a considerar as conceções convencionais sobre ela como as ideias mal
fundamentadas de outsiders e as substitua pela visão ‘inside’ que adquiriu por meio de sua
experiência com a droga na companhia de outros usuários.” (Becker, 1963, p. 87).

No capítulo V, o autor dá-nos o exemplo dos músicos das casas noturnas, que são
considerados outsiders devido à extravagância do seu modo de vida, mesmo quando a sua
atividade é completamente legal.

Becker apresenta-nos a perspetiva sobre a cultura de Hughes, que se opõe à visão


antropológica da cultura (a cultura é resultado dos consensos finais que determinado grupo
concebe para a definir um comportamento, por isso são significados básicos que todos os
indivíduos reconhecem como corretos). Este autor afirma que a sociedade contemporânea, por
ser extremamente heterogénea e complexa, não se resume a um conceito tão simples como o da
conceção antropológica. Tendo este caráter heterogéneo, a cultura terá também subculturas que
incluem, no exemplo deste capítulo, os músicos das casas noturnas. O seu trabalho é
condicionado pelos clientes, então “para alcançar sucesso, ele sente necessidade de se ‘tornar
comercial’, isto é, tocar de a cordo com os desejos dos não-músicos para quem trabalha; ao
fazê-lo, sacrifica o respeito de outros músicos e, assim, na maioria dos casos, seu autorrespeito”
(Becker, 1963, p. 92).

De seguida, Becker distingue os músicos dos ‘quadrados’. Os músicos autodescrevem-


se como alguém que tem um dom inato para a música, sendo, por isso, superiores a outros
cidadãos. Numa dinâmica intragrupo, eles não se criticam nem se julgam, crendo que todos
devem viver como quiserem e à sua própria vontade – repudiando, assim, qualquer tipo de
discriminação. “O quadrado, por outro lado, não possui esse dom especial nem qualquer
compreensão da música ou do modo de vida dos que a possuem (…) é visto como uma pessoa
ignorante e intolerante, que deve ser temida, uma vez que produz as pressões que forçam o
músico a tocar de maneira não-artística” (Becker, 1963, p. 98).

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A comercialização forçada do seu trabalho provoca um conflito interno nos músicos,
que enfrentam um dilema entre o desejo de dar à sua música um significado íntimo e de
autoexpressão e a ‘necessidade’ de ceder às preferências dos ‘quadrados’, com o objetivo de
poder obter estabilidade financeira. Quem não ceder aos ‘quadrados’ acabará por cair no
isolamento e auto-segregação, último tópico do capítulo.

Para proteção da sua música, os músicos ir-se-ão afastar do seu público devido ao receio
que sentem em relação aos ‘quadrados’. Este afastamento do seu público e das ‘pessoas
convencionais’ irá provocar a entrada numa espiral de medo, onde cada vez mais serão
rotulados como outsiders e desviantes. Como exemplo disto mesmo, Becker dá-nos a conhecer
o grupo de jazzmen, X Avenue Boys. Este grupo é um grande opositor à música comercial e ao
estilo de vida dos ‘quadrados’. Então, os X Avenue Boys sempre tocaram em locais específicos
onde conviviam apenas com pessoas no mesmo círculo social, sendo um bom exemplo da auto-
segregação e do isolamento a que são sujeitos como medida de autoproteção.

CONFRONTO CRÍTICO

Ao longo destes três capítulos vemos uma perspetiva beckeriana sobre grupos
desviantes que fogem das normas da sociedade, principalmente os consumidores de marijuana.
Esta obra, embora tenha muitos pontos fortes como, por exemplo, demonstrar na prática, através
de entrevistas, tudo o que autor teoriza, apresenta também algumas falhas.

Ao estudarmos Karl Marx conhecemos a sua teoria das classes sociais. Esta teoria,
resumidamente, diz que a sociedade contemporânea, marcada pelo capitalismo, é uma
sociedade de classes. Ou seja, existem duas grandes classes distintas, a dos dominadores e a
dos dominados – burguesia e proletariado, respetivamente. Estas classes são determinadas
principalmente pela condição económica, isto é, quem detém e quem não detém os meios de
produção. A partir do materialismo-histórico, sabemos que quem controla a base, ou
infraestrutura, também terá o poder e o controlo da superestrutura. Então, é possível afirmar
que a nossa condição económica, ou seja, a nossa classe, irá determinar toda a nossa vida. O
sistema de classes oprime uns e facilita outros, portanto as nossas experiências e vivências serão
todas influenciadas pela nossa classe – não só a nível financeiro como também a nível social.

Howard Becker erra ao não levar em conta isto mesmo, a questão da classe. Por
exemplo, no capítulo III o autor descreve o caminho que um não-usuário terá de percorrer até

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ser considerado um consumidor rotineiro e experiente de marijuana. Fala de três fases do
processo de aprendizagem mas não tem em conta se o novo usuário terá capacidades financeiras
para poder continuar o seu uso, mesmo que tenha aprendido a dominar a técnica e a reconhecer
os efeitos e tenha completado a redefinição dos mesmos.

Ainda nesta linha de pensamento, nós sabemos que certos grupos sociais são
extremamente marginalizados devido apenas à sua posição social. Desde cedo que lhes é
incutido que devem fazer certas coisas só porque vivem num certo bairro ou porque são de
determinada família. Assim sendo, isto poderá influenciar o seu consumo de marijuana. É
óbvio, do ponto de vista financeiro, que as classes mais altas terão uma melhor condição para
o consumo regular de marijuana, no entanto, as classes mais baixas são as mais afetadas. A
marginalização que vivem é um entrave, por exemplo, a conseguirem ou não um emprego. Isso
terá repercussões a nível social porque, como já sabemos, o desemprego é um dos fatores que
pode aumentar o nível de exclusão social. Esta exclusão social levará os indivíduos para os
‘maus caminhos’ que se começam a tornar numa bola-de-neve, cada vez maior e mais difícil de
contornar.

Já no capítulo IV, é-nos apresentado três tipos de controlos sociais – o fornecimento, o


sigilo e a moralidade – mas, tal como na carreira do usuário, Becker esquece a condição
económica dos indivíduos. Como já referi, o dinheiro, ou a falta dele, pode ser uma causalidade
do consumo, ou não, de marijuana. Relacionado com o fornecimento, o consumidor também
precisa de uma fonte de rendimento minimamente estável que possa manter o seu ‘vício’ ativo,
só assim poderá manter uma frequência mais regular de uso. É, portanto, óbvio que a falta de
estrutura económica na vida de alguém o possa fazer afastar-se, sem mesmo antes experimentar,
da marijuana (ou até outras drogas).

Já o capítulo V trata do grupo desviante dos músicos das casas noturnas. Neste capítulo,
Becker foca, numa das suas partes, um ponto muito importante e fulcral que preocupa à
comercialização quase forçada que muitos músicos sentem no processo de criação artística. No
anexo número 1 – Artigo de Jornal – encontra-se uma publicação online do site Fama ao Minuto
com uma entrevista à banda musical Todagente. No texto abaixo citado, podemos ver um
excerto desta entrevista que, em contraponto ao que Becker fez mostrar na sua análise em
Outsiders, mostra algum conforto na ‘comercialização’ dos seus trabalhos.

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“Podes chamar comercial. Não devemos de ter medo de lhe chamar música comercial, porque
a partir do momento que o nosso intuito como compositores é entrar num mercado de música
em que a música passa a ser um produto – que tem que ser visto como um produto industrial
como outro qualquer –, passa a ser um comércio. Nós também temos de ganhar a vida com a
música.”
(Membro da banda Todagente, 2022)

Não obstante, a visão beckeriana sobre este assunto não deixa de ser atual e de elevada
importância para os músicos, que se sentem vendidos para algo que não é realmente deles.
Neste momento podemos, mais uma vez, aproximar Marx à discussão na medida em que a
necessidade de sobrevivência faz com que estes indivíduos façam de tudo para conseguirem
ganhar dinheiro, mesmo que isso signifique o distanciamento total dos seus valores e desejos.

Com isto podemos ver que o trabalho de Howard Becker está bastante incompleto no
que toca à visão socioeconómica do consumo de marijuana na população; no entanto, aborda
outros temos de igual importância como a comercialização emergente dos trabalhos dos
músicos.

CONCLUSÃO

Com a análise dos capítulos III, IV e V de Outsiders, posso concluir que Howard Saul
Becker é um dos grandes pilares da sociologia do desvio. Através de uma pesquisa exaustiva,
que descreveu por completo nesta obra, Becker conseguiu desmontar alguns dos estigmas
enraizados na sociedade relativamente ao que não é convencional bem como a forma como isso
pode afetar a nossa vida individualmente. Todos nós já fomos, ou seremos um dia, parte dos
outsiders, mas Becker vem com a sua teorização explicar o porquê e a forma de tal acontecer.

Com o confronto crítico pude desenvolver o meu espírito mais crítico e, na minha
opinião, enriquecer um pouco a sociologia do desvio e do interacionismo simbólico com o que
acrescentei sobre a teoria de classes. Assim, a leitura deste livro e a realização deste trabalho
foram umas excelentes oportunidades para poder aprofundar e consolidar os conhecimentos já
adquiridos na unidade curricular de Teorias Sociológicas II.

Embora seja um trabalho de 1963, considero esta obra atemporal na medida em que
podemos ainda projetá-la nos dias de hoje para perceber comportamentos que se calhar não
eram nem pensados no século XX, quando foi publicado.

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ANEXOS

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1. ARTIGO DE JORNAL

Fonte: Gonçalves, M. (1 de abril de 2022). "Não devemos de ter medo de lhe chamar música
comercial". Obtido em 29 de abril de 2022, de Fama ao Minuto:
https://www.noticiasaominuto.com/fama/1965364/nao-devemos-de-ter-medo-de-lhe-chamar-musica-
comercial

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2. FICHA DE LEITURA

Resumo: Outsiders é um livro escrito por Howard Becker onde há uma análise em torno
dos outsiders da sociedade americana, isto é, os grupos de todos aqueles que possuem
comportamentos desviantes, como por exemplo os usuários da marijuana. O capítulo III ocupa-
se da delineação de uma “carreira do usuário”, onde o autor distingue as três fases do processo
de aprendizagem dum novo usuário da marijuana. A primeira fase é aprender a técnica do ato
de fumar, a segunda é reconhecer os efeitos que a marijuana tem nas pessoas e a terceira é
aprender a gostar dos efeitos provocados pela marijuana. O capítulo IV, Becker explica como
certos usuários de marijuana desistem do seu consumo mesmo completando o processo de
aprendizagem. O autor explica isso a partir dos três principais tipos de controlos sociais: o
fornecimento, o sigilo e a moralidade. Já o capítulo V aborda os músicos de casas noturnas e a
sua subcultura e modo de vida extravagantes e não-convencionais que os fazem ser rotulados
de outsiders, segundo as normais societais.

Conceitos-chave: carreira desviante; comportamentos desviantes; estrutura social; ‘uso por


prazer’ da marijuana; carreira do usuário; connaisseurs; comportamento desviante; controle
social; fornecimento; sigilo; moralidade; sanções; grupos desviantes; contactos convencionais;
racionalizações; isolamento; autossegregação; ‘quadrados’; jazzmen; comercialização.

Capítulo Análise Excertos do texto Conceitos-chave


Capítulo III: Ao longo deste capítulo, “A maconha não produz ‘Uso por prazer’
“Tornando- Becker explica que o uso adição, pelo menos não no da marijuana
se um usuário da droga marijuana só se mesmo sentido em que o
de maconha” torna estável e regular álcool e as drogas opiáceas. Carreira
quando a o seu consumo O usuário não experimenta desviante
é tido como prazeroso. nenhuma síndrome de
Assim, o autor fala-nos abstinência e não exibe Carreira do
da carreira do usuário e qualquer ânsia inextirpável usuário
explicita que este deve pela droga. O padrão mais
passar por um processo frequente de uso poderia ser Connaisseurs
de aprendizagem como denominado ‘recreativo’.
iniciante do uso de Lança-se mão da droga
marijuana. O autor ocasionalmente pelo prazer
também fala sobre o que o usuário encontra nela,
termo connaisseurs, um tipo de comportamento
sendo ele referente aos relativamente casual em
usuários de marijuana comparação com aquele
mais experientes e associado ao uso de drogas
conhecedores.

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que geram dependência.”
(Becker, 1963, p. 52)

O processo de
aprendizagem é feito em “A droga não é fumada da
três fases distintas. A maneira apropriada, isto é,
primeira é aprender e de um modo que assegure
saber a técnica de fumar. dosagem suficiente para
Se não souber fumar, o produzir sintomas reais de
iniciante não sentirá os embriaguez.” (Becker,
efeitos da droga e 1963, p. 55)
portanto sentirá que não
vale a pena usá-la,
cessando o consumo da
marijuana.

A segunda fase é ocupada


pela aprendizagem e pelo “Não basta que os efeitos
reconhecimento dos estejam presentes; por si
efeitos do consumo da sós, eles não fornecem
droga em questão. automaticamente a
Segundo Becker, os experiência de estar no
usuários de marijuana barato. Antes de ter essa
têm de reconhecer experiência, o usuário
conscientemente as precisa ser capaz de mostrá-
consequências do seu los para si mesmo e associá-
consumo pois, caso los conscientemente ao fato
contrário, não irão de ter fumado maconha. De
reconhecer que estão outra maneira, quaisquer
realmente sobre o seu que sejam os efeitos reais
efeito e vão assumir que a produzidos, ele considera
marijuana não resulta que a droga não teve efeito
com eles, perdendo o algum sobre ele.” (Becker,
interesse nesta droga e, 1963, p. 58)
consequentemente,
desistindo de a consumir.

A terceira e última fase


do processo de “Dadas essas primeiras
aprendizagem acontece experiências tipicamente

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quando o novo usuário da assustadora e desagradáveis,
marijuana aprende a o iniciante não dará
gostar dos efeitos do continuidade ao uso, a
consumo desta droga. menos
Para o autor, certos que aprenda a redefinir as
efeitos como a perda da sensações como
noção de tempo e espaço agradáveis.” (Becker, 1963,
ou a incessante sede são, p. 62)
à partida, efeitos “Em interação com seus
desagradáveis que iriam amigos, ele se tornou capaz
evitar o consumo de encontrar prazer nos
contínuo da droga. No efeitos da droga e
entanto, podemos ver que finalmente tornou-se
o consumo continua usuário regular.” (Becker,
mesmo assim porque há 1963, p. 63)
uma redefinição destes
efeitos, que passam a ser
tidos com prazerosos e
agradáveis. Esta
redefinição é obtida por
várias razões e vários
contextos, como por
exemplo uma maior
interação com grupos de
amigos mais experientes
no consumo da marijuana
– os connaisseurs.
Capítulo IV: No capítulo IV, o autor “Aprender a gostar de Comportamento
“Uso de fala dos controles sociais maconha é uma condição desviante
maconha e e da luta que é necessária necessária mas não
controle acontecer contra eles suficiente para que uma Controle social
social” para que o consumo da pessoa desenvolva um
marijuana se mantenha. padrão estável de uso da Fornecimento
Becker começa por droga. Ela precisa lutar
definir comportamento ainda com as poderosas Sigilo
desviante como um forças de controle social que
conjunto de atos que fazem o ato parecer Moralidade
metem em causa as inconveniente, imoral ou
normas e os valores ambos.” (Becker, 1963, p. Sanções
básicos da sociedade. 69)
Grupos
desviantes

Contactos
Howard considera que, “Conjunto de ideias convencionais
como forma de controle tradicionais definindo a
social, há a formação de prática como uma violação Racionalizações
conceções sobre o ato de de imperativos morais,

14
consumir marijuana. como um ato que leva à
Essas conceções são perda do autocontrole, à
criadas em situações paralisia da vontade e, por
socias e perduram no fim, a escravidão à droga.”
tempo, sendo quase um (Becker, 1963, p.70)
guia moral das
sociedades. Este
conjunto de ideias têm
como consequências as
sanções informais (por
exemplo o ostracismo ou
a retirada de afeto), sendo
por isso um grande
obstáculo ao consumo
regular da marijuana.

Com isto, surge a grande “Qual é a sequência de


questão de Becker neste eventos e experiências pela
capítulo: como é que as qual uma pessoa se torna
pessoas conseguem levar capaz de levar adiante o uso
avante o seu consumo de da maconha, apesar dos
marijuana mesmo com elaborados controles sociais
todos os entraves que funcionam para evitar
impostos pelo controle tal comportamento?”
social? (Becker, 1963, p.70)
Para responder a esta “Os principais tipos de
questão, o autor distingue controle a serem
os principais tipos de considerados são: (a)
controle social: o controle pela limitação do
fornecimento, o sigilo e a fornecimento da droga e do
moralidade. acesso a ela; (b) controle
pela necessidade de evitar
que não-usuários descubram
que a pessoa é usuária; (c)
controle pela definição do
ato como imoral.” (Becker,
1963, p.71)

O fornecimento pode ser “O uso de maconha é


um entrave ao consumo limitado (…) por leis que
de marijuana na medida tornam a posse ou a venda
em que ela não está da droga passíveis de

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acessível a qualquer severas punições.” (Becker,
pessoa, tornando-se de 1963, p. 71)
difícil acesso. Para “A pessoa usa a droga
consumirem, as pessoas quando está com outras que
têm de pertencer a um têm um fornecimento;
grupo que sirva de quando esse não é o caso, o
intermédio de uso cesso. Ela tende,
fornecimento. Este grupo portanto, a flutuar em
tem de ser “organizado termos das condições de
em torno de valores e disponibilidade criadas por
atividades opostos aos da sua interação com outros
sociedade convencional usuários.” (Becker, 1963, p.
mais ampla” (Becker, 72)
1963, p. 71). Durante o
início, esta será a fonte de
abastecimento do
iniciante e de quem
dependerá para obter
droga e quando não
existe mais interação
com este grupo, o
consumo cessa.

O passo seguinte para se “Se um usuário ocasional


tornar num consumidor começa a se mover em
mais rotineiro, o usuário direção a um modo de
terá de encontrar uma consumo mais regular e
fonte de fornecimento sistemático, isso só será
mais estável, isto é, irá possível se ele encontrar
criar ligações com uma fonte de fornecimento
pessoas que traficam mais estável que os
narcóticos (porém, terão encontros fortuitos com
de ultrapassar primeiro outros usuários, e isso
um processo de ganhar a significa estabelecer
confiança dos conexões com pessoas que
traficantes). se dedicam a traficar
narcóticos.” (Becker, 1963,
p. 73)

Mesmo assim, já com “O uso regular é muitas


uma fonte direta de vezes interrompido pela
fornecimento, o usuário prisão ou desaparecimento
pode-se ver numa do homem de quem

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situação em que o seu compram (…) o uso regular
fornecedor é preso ou só pode prosseguir se o
desparece, obrigando a usuário for capaz de
repetição toda do encontrar uma nova fonte de
processo de arranjar uma fornecimento.” (Becker,
nova fonte segura e 1963, p. 75)
estável de abastecimento “A instabilidade das fontes
de marijuana. Toda esta de fornecimento é um
instabilidade nas fontes importante controle sobre o
de fornecimento podem uso regular (…).”(Becker,
ser um controle social 1963, p. 75)
imposto ao consumo de
drogas.

“(…) temem o repúdio por


No que toca ao sigilo, os parte de pessoas de cujo
usuários, com medo das respeito necessitam (…)
sanções que podem obter supõem que as suas relações
dos não-usuários, tendem com não-usuários serão
a esconder o seu perturbadas e rompidas caso
consumo. No entanto, à estes venham a descobrir
medida que as interações (…)” (Becker, 1963, p. 76)
com outros usuários e a “Em cada nível de uso, há
experiência com a droga um avanço nessa
aumentam, este controle compreensão que torna
social vai perdendo a possível o próximo estágio.”
eficácia porque o usuário (Becker, 1963, p. 76)
apercebe-se que os
receios que tinha podem
ser ou não verdadeiros.

“(…) prever as
Assim, o medo dos não- consequências da
usuários descobrirem que descoberta do segredo
o usuário consome droga impede a pessoa de manter a
faz com que este último provisão mínima para o uso
se cubra num sigilo regular. O consumo
imenso, provocando uma continua irregular, uma vez
irregularidade na que depende de encontros
frequência do consumo com outros usuários e não
pois é quase impossível pode ocorrer sempre que o
definir uma rotina de usuário deseja.” (Becker,
consumo. Para avançar 1963, p. 78)
para outro nível de

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consumo, o usuário terá “Se a pessoa ingressa quase
de romper com as totalmente no grupo de
relações que impendem o usuários, o problema deixa
consumo regular. Caso de existir sob muitos
este rompimento não aspetos, e é possível que o
aconteça, não há um consumo regular ocorra,
avanço para um nível exceto quando se faz uma
superior de consumo, nova conexão com o mundo
retornando até ao estágio mais convencional.”
de consumidor ocasional. (Becker, 1963, p. 78)

Resumindo, para o autor, “Cada estágio de uso só


os usuários de drogas pode ocorrer depois que a
limitam o seu consumo pessoa reviu sua conceção
mediante o grau de medo dos perigos envolvidos
de outras pessoas não- nele.” (Becker, 1963, p. 82)
usuárias descubram o
consumo devido ao
receio de uma má reação
ou de sanções informais.
Assim, o sigilo é outro
tipo de controle social
uma vez que, se alguém
não romper com estas
relações, o uso da droga
irá terminar. Quando o
usuário ganha a noção de
que os seus medos podem
ser exagerados e que a
prática do consumo de
drogas é facilmente
mantida em segredo, este
tipo de controle social
perde a sua força.

Howard considera que as “Exigem que o indivíduo


normas morais da seja responsável por seu
sociedade – que apelam próprio bem-estar, e capaz
ao autocuidado e ao de controlar seu
autocontrolo – são um comportamento
controle social. Segundo racionalmente. O
estas normas, um viciado estereótipo do viciado em

18
em droga é alguém que drogas retrata uma pessoa
não se encontra de acordo que viola esses
com a sociedade e imperativos.” (Becker,
portanto existirá uma 1963, p. 82)
hesitação por parte dos
iniciantes em
experimentar marijuana.

O iniciante partilhou em “Ela não começará, manterá


algum momento a ou aumentará seu uso de
perspetiva convencional; maconha a menos que possa
ao participar em grupos neutralizar sua sensibilidade
não-convencionais, a sua ao estereótipo, aceitando
opinião irá ser alterada. uma visão alternativa da
Esta interação permite ao prática. De outro modo, irá,
iniciante escapar às como faria a maior parte dos
normas da sociedade e membros da sociedade,
arranjar racionalizações condenar a si mesma como
ou justificações para um outsider desviante.”
responder às objeções (Becker, 1963, p. 82)
feitas pelas noções
básicas da sociedade
convencional. Assim, só
neutralizando a
sensibilidade ao
estereótipo é que a
‘carreira do usuário’ irá
progredir caso contrário
ir-se-á autointitular como
um ‘outsider desviante’.

A racionalização mais “As pessoas convencionais


frequente é a tese que o entregam-se a práticas
resto da população muito mais nocivas, e que
pertencente aos grupos um vício comparativamente
convencionais se subjuga pequeno com o fumar
a outras práticas maconha não pode ser
comprovadas mais errado quando coisas como
nocivas, como o o uso de álcool são tão
consumo de álcool. aceitas” (Becker, 1963, p.
83)

19
Nesta fase, o usuário é “O fato de haver ocasiões
apenas ocasional e em que, a princípio, ele não
portanto tem controlo usa a droga, pode-lhe servir
sobre as situações e como uma prova para si
contextos em que vai mesmo de sua liberdade em
fumar ou não. Esse relação a ela.” (Becker,
controlo dá-lhe o poder 1963, p. 84)
do planeamento de “Pode adotar um modo de
quando vai fumar, seja utilização ocasional porque
ela qual for a quantidade reorganizou suas noções
de marijuana, e por isso o morais de maneira a
usuário não se sente permiti-lo, sobretudo ao
‘escravo’ da droga, adquirir a conceção de que
estando assim de acordo os valores morais
com as regras morais da convencionais sobre drogas
sociedade. não se aplicam a esta droga
que ele consome, e que, de
todo modo, o uso que faz
dela não se tornou
excessivo.” (Becker, 1963,
p. 85)

Se a utilização progredir, “Se a utilização progride até


ou seja, o uso se tornar o ponto de se tornar regular
regular, irão surgir novas e sistemática, podem
questões morais para o ressurgir questões morais
usuário pois ele passará a para o usuário, pois ele
ser, para si a para os passa agora a parecer, para
outros, um ‘viciado em si mesmo e para os outros, o
drogas’ da mitologia ‘viciado em drogas’ da
popular. A solução, mitologia popular. Ele
segundo o autor e a partir precisa se convencer de
dum testemunho, é parar novo — para que o uso
de fumar durante, por regular possa continuar —
exemplo, uma semana e de que não cruzou essa
perceber que nada linha.” (Becker, 1963, p. 85)
aconteceu e que estava
tudo bem. Portanto as
pessoas mantêm o uso
regular da droga porque
essa semana foi prova de

20
que não eram ‘escravos’
da mesma.

“(…) eles raciocinam que


Numa outra dimensão, o ninguém iria usar drogas em
autor afirma que a grandes quantidades a
‘teoria’ psiquiátrica menos que houvesse ‘algo’
popular também afeta o de ‘errado’ com ele, a
consumo de marijuana e, menos que houvesse algum
por isso, também é um desajuste neurótico que
controle social. Isto é, tomasse as drogas
muitos usuários necessárias. Fumar
partilham a opinião de maconha torna-se um
que o uso de drogas na símbolo de fraqueza
mesma quantidade e psíquica e, em última
frequência que eles usam análise, de fraqueza moral.
está associado a Isso predispõe a pessoa
transtornos e contra a continuação do uso
desequilíbrios psíquicos. regular e causa um retorno
Portanto, o uso da ao consumo ocasional (…)”
marijuana torna-se um (Becker, 1963, p. 86)
sinal de fraqueza moral e
psíquica, enfraquecendo
o uso regular da droga.

“(…) uma pessoa se sentirá


Becker conclui então que livre para usar maconha à
o consumo de drogas está medida que passe a
dependente das ideias considerar as conceções
preconcebidas das convencionais sobre ela
normais socias e da como as ideias mal
forma como o usuário fundamentadas de outsiders
consegue, ou não, e as substitua pela visão
substituí-las por outros ‘inside’ que adquiriu por
pontos de vista. meio de sua experiência
com a droga na companhia
de outros usuários.”
(Becker, 1963, p. 87)
Capítulo V: O capítulo V é iniciado “Embora suas atividades Cultura
“A cultura de pela afirmação de que um estejam formalmente dentro
um grupo comportamento da lei, sua cultura e o modo Isolamento
desviante – o desviante é, de vida são suficientemente
músico de consensualmente, extravagantes e não- Auto-segregação
casa noturna” rotulado de criminoso e convencionais para que eles
delinquente, uma vez que sejam rotulados de outsiders ‘Quadrados’
vão contra os acordos

21
morais da sociedade pelos membros mais Jazzmen
contemporânea. No convencionais da
entanto, o autor diz que comunidade.” (Becker, Comercialização
não é tão linear assim, 1963, p. 89)
dando o exemplo dos
músicos das casas
noturnas que, embora os
seus comportamentos
estejam de acordo com a
lei, ou seja, não sejam
criminosos ou
delinquentes, estes
continuam a ser rotulados
de outsiders devido à
extravagância do seu
modo de visa.

Logo depois, é
apresentado ao leitor o “Hughes observou que a
conceito antropológico concepção antropológica da
de cultura que se sustenta cultura parece ser mais
na tese de que a cultura é adequada para a sociedade
resultado dos consensos homogênea, a sociedade
finais que um primitiva com a qual o
determinado grupo de antropólogo trabalha. Mas o
indivíduos concebe para termo, no sentido de uma
a definir um objeto ou organização de
comportamento, portanto entendimentos comuns
são significados básicos aceitos por um grupo, é
que todos os indivíduos igualmente aplicável aos
reconhecem como grupos menores que
corretos. Esta visão é, no compõem uma sociedade
entanto, refutada por moderna complexa, grupos
Hughes que afirma ser étnicos, religiosos,
desadequada para a regionais, ocupacionais. É
sociedade possível mostrar que cada
contemporânea por ser um desses grupos tem certos
extremamente tipos de entendimento
heterogénea e complexa comuns e, portanto, uma
para se resumir a um cultura.” (Becker, 1963, p.
conceito tão simples. 90)

22
Tendo um caráter
heterogéneo, a cultura “No entanto, eles têm de
terá outras subculturas suportar a incessante
que incluem, no exemplo interferência no que tocam
dado neste capítulo, os por parte de patrões e do
músicos das casas público. O problema mais
noturnas. O seu trabalho árduo na carreira do músico
é condicionado pelos médio, como iremos ver, é a
clientes, que acabam por necessidade de escolher
ser ao mesmo tempo os entre sucesso convencional
seus espectadores, e e seus padrões artísticos.
portanto terão também de Para alcançar sucesso, ele
se adaptar ao que vende sente necessidade de se
mais e agrada os ‘tornar comercial’, isto é,
espectadores, tocar de a cordo com os
comercializando a sua desejos dos não-músicos
música. para quem trabalha; ao fazê-
lo, sacrifica o respeito de
outros músicos e, assim, na
maioria dos casos, seu
autorrespeito.” (Becker,
1963, p. 92)

A sua pesquisa foi


através da observação “Colhi o material deste
participante devido à estudo por meio de
facilidade de recolha de observação participante
informação porque o (…). Na época em que fiz a
autor estava ele mesmo pesquisa, eu era pianista
dentro da indústria profissional há alguns anos
musical. Ou seja, a e atuava em círculos
recolha de testemunhos e musicais de Chicago.”
anotações de observações (Becker, 1963, p. 93)
foram feitas muitas vezes “Quando completava a
enquanto tocava em pesquisa, trabalhei como
palco ou até em meras músico em dois outros
conversas com colegas. lugares: uma pequena
Despois de terminada cidade universitária (…) e
esta fase, o investigador uma cidade grande, embora
partiu para trabalhar em não tão grande quanto
duas bandas diferentes: a Chicago (…).” (Becker,
primeira localizada numa 1963, p. 94)
cidade grande (maior
poder de escolha e
liberdade) e a segunda
numa cidade mais

23
pequena universitária
(maior necessidade de
adaptação e
comercialização).

No próximo tópico, o
autor aborda a diferença “O músico é concebido
entre músicos e como um artista que possui
‘quadrados’. Os músicos um misterioso dom artístico
autodescrevem-se como que o distingue de todos os
alguém que tem um dom demais.” (Becker, 1963, p.
inato para a música, 94)
sendo ‘superiores’ aos
outros cidadãos pois
nasceram com este dom.
Na dinâmica intragrupo,
não se criticam nem
julgam, crendo que todos
devem viver como
quiserem e à sua própria
vontade – repudiando,
assim, qualquer tipo de
discriminação. Aos
músicos que fazem
práticas não-
convencionais, é dado
respeito e a ideia de
heroísmo.

Já os ‘quadrados’ são,
para os músicos, são “O quadrado, por outro
indivíduos iguais e sem lado, não possui esse dom
distinção. São vistos com especial nem qualquer
um misto de raiva e compreensão da música ou
medo. Raiva porque se do modo de vida dos que a
considera que não deverá possuem (…) é visto como
existir nenhum tipo de uma pessoa ignorante e
obstáculo exterior ao intolerante, que deve ser
processo de criação temida, uma vez que produz
musical individual dos as pressões que forçam o
músicos. E medo porque músico a tocar de maneira
são estas pessoas que não-artística.” (Becker,
consomem a produção 1963, p. 98)
musical, tendo nas suas
mãos o poder de decidir o

24
mercado desta indústria.
Concluímos que,
segundo o autor, os
‘quadrados’ não terão
conhecimento ou um
bom gosto sobre a
música, sendo apenas
uma manta homogénea
da sociedade.

Como segundo tópico,


Becker apresenta-nos as “Dois temas conflitantes
relações ao conflito constituem a base da
interno que os músicos concordância: (1) o desejo
experienciam. O conflito de autoexpressão de acordo
surge devido ao desejo de com as crenças do grupo de
dar à sua música um músicos e (2) o
significado íntimo e de reconhecimento de que
autoexpressão que choca pressões externas podem
com a ‘necessidade’ de forçar o músico a se privar
ceder às preferências dos de satisfazer esse desejo.”
‘quadrados’ com o (Becker, 1963, p. 101)
objetivo de poder obter “Além da pressão para
estabilidade financeira. agradar ao público que
Assim, através de vários emana do desejo que o
testemunhos e músico tem de maximizar
depoimentos de diversos salário e renda, há pressões
artistas, Howard Becker mais imediatas. Muitas
vai perceber neste vezes é difícil sustentar uma
capítulo o porquê de atitude independente.”
existir tanta necessidade (Becker, 1963, p. 103)
de adaptação ao estilo
dos ‘quadrados’.
Resumindo, é possível
afirmar que há um certo
tipo de privilégio para
aqueles que conseguem
fazer da sua vida a
música e/ou ter
reconhecimento artístico
sem ceder à
comercialização da sua
arte uma vez que são
poucos aqueles que

25
obtêm os mesmos
resultados.

Para encerrar o capítulo “Os músicos são hostis a


IV, Becker fala-nos do seus púbico, temerosos de
isolamento e da auto- ter de sacrificar seus
segregação sentidos neste padrões artísticos aos
meio social. Para os ‘quadrados’.” (Becker,
músicos, o receio que 1963, p. 105)
sentem em relação aos
‘quadrados’ resulta num
afastamento dos
primeiros para com o seu
público, com vista à
proteção da sua música.
Ao se afastarem do seu
público e das ‘pessoas
convencionais’, estarão a
entrar numa espiral de
medo onde cada vez mais
serão rotulados como
outsiders.

Para isso, o autor “Em suma, sua rejeição ao


apresenta-nos ao grupo comercialismo na música e
de jazzmen, ‘X Avenue aos quadrados na vida social
Boys’. Este grupo é fazia parte do embargo a
composto na grande toda a cultura norte-
maioria por imigrantes de americana erguido por
classe alta que rejeitam o homens que gozavam de
seu privilégio e a cultura uma posição privilegiada,
americana que é imposta mas eram incapazes de
na arte. Assim sendo, conseguir um ajuste pessoal
mostram-se grandes satisfatório dentro dela.”
opositores à música (Becker, 1963, p. 107)
comercial e ao estilo de
vida dos ‘quadrados’.
Como tal, os ‘X Avenue
Boys’ sempre tocaram
em locais específicos
onde conviviam apenas
com pessoas no mesmo

26
círculo social, isto é, com
músicos. Este grupo é um
bom exemplo da auto-
segregação e do
isolamento a que são
sujeitos com medida de
autoproteção e,
consequentemente, da
sua arte.

Por fim, também temos “Mas estou satisfeito por


um testemunho dum estar deixando a profissão.
artista que devido à Estou enjoado de ficar no
diferenciação entre meio de músicos. Há tanto
músicos e ‘quadrados’ ritual e cerimônia sem
abandonou a sua sentido. Eles têm de falar
atividade artística. uma língua especial, se
vestir de maneira diferente,
usar um tipo diferente de
óculos. E, tudo isso não
significa porcaria alguma, a
não ser: ‘Nós somos
diferentes’.” (Becker, 1963,
p. 110)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Becker, H. S. (1963). Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. Nova Iorque,


Estados Unidos da América: The Free Press (pp. 51-110).

Engels, F., & Marx, K. (1867). A Ideologia Alemã. Bruxelas, Bélgica.

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