Mein Kampf Análise Documental

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Licenciatura em História

Isabela Magioni Maróstica Mariano

ANÁLISE DOCUMENTAL DE MEIN KAMPF: PROPAGANDA E


ORGANIZAÇÃO

GOIÂNIA
2021
A obra Mein Kampf ou “Minha Luta”, de autoria de Adolf Hitler, começou a ser escrita
no ano de 1925 e foi terminado, em seu segundo volume, em 1926. A parte II do livro
contém o capítulo “Propaganda e organização”, que será analisado no presente trabalho.
A primeira parte da obra foi publicada em julho de 1925, e a segunda em 1928. Apesar
de ser uma espécie de manifesto, por apresentar um caráter informativo e incentivador
de uma determinada forma de organização política, o livro também é, de certa forma,
autobiográfico, uma vez que, escrito em boa parte dentro da cadeia, conta sobre uma
série de eventos da vida de Hitler dentro do Partido Nacional-Socialista e debate suas
ideias considerando o contexto no qual o autor estava inserido.

Até 31 de dezembro de 2015, o livro estava nas mãos do estado da Baviera, sob
reclamação de direitos autorais, que expiraram-se após 70 anos. O estado negava-se a
reeditar a obra, que ficou sob sua guarda até que pudesse ser publicada em outras
versões, apesar de poder ser facilmente acessada na internet ou em edições antigas. Até
1945 a obra foi impressa aos milhões, chegando ao número de 12 milhões de
exemplares impressos.

O documento é iniciado com uma abertura temática voltada para a importância do ano
de 1921 para Hitler e de sua tomada de direção da propaganda no partido Nazista.
Segundo ele, a propaganda devia preceder a organização, conquistando o material
humano necessário à esta. É perceptível, desde o início do documento, o uso de
adjetivos depreciativos para caracterizar pessoas que viriam a ser empecilhos para a
propaganda e organização, tais como “covardes” ou “fracos” (há menção à fraqueza
humana na primeira página do documento). O autor se coloca, então, em uma posição
de superioridade moral e política acima destes a quem tece críticas e adjetiva de forma
depreciativa.

Um trecho relevante para a compreensão da organização e da propaganda nazistas, bem


como da maneira de pensar as estratégias de conquista do público do autor, é aquele no
qual Adolf Hitler fala sobre a importância da capacidade de entender e dialogar com as
massas:

Um agitador capaz de comunicar uma idéia à grande massa, precisa


conhecer a psicologia do povo, mesmo que ele não seja senão um
demagogo. Mesma nessa hipótese, ele será um líder mais apto do que
o teórico desconhecedor da psicologia humana. Para ser chefe é
preciso ter a capacidade para movimentar massas. (p.306)
Este trecho dialoga com análises feitas a respeito das táticas nazifascistas de propaganda
e organização. Segundo Arendt em Origens do totalitarismo (1951, p.390) dentro do
contexto totalitário, as massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda.

Sob um governo constitucional e havendo liberdade de opinião, os


movimentos totalitários que lutam pelo poder podem usar o terror
somente até certo ponto e, como qualquer outro partido, necessitam
granjear aderentes e parecer plausíveis aos olhos de um público que
ainda não está rigorosamente isolado de todas as outras fontes de
informação. (HARENDT, p. 390)

Considerando o contexto anterior à atuação do Partido Nazista, a propaganda nacional-


socialista viria a se utilizar deste para legitimar, posteriormente, sua própria atuação,
uma vez que a situação anterior era marcada pelo desemprego e pela inflação. A
propaganda nazista seria, assim, primeiramente, uma forma de alistamento (que Hitler
divide entre os adesistas, aqueles que reconhecem e acatam passivamente as ideias, e os
combatentes, que cooperam de forma pessoal e ativa para o alistamento de novos
adesistas) e também, mais à frente, uma forma de autolegitimação.

Hitler passa a definir bem o papel da propaganda e da organização, colocando, por


exemplo que a propaganda não tem o dever de examinar o valor de cada um dos
convertidos, mas sim a organização deve escolher de forma cautelosa aqueles que
efetivamente poderiam levar o movimento à vitória.

O sucesso mais decisivo de uma revolução sempre será conseguido


quando a nova doutrina for divulgada peio maior número, imposta a
todos depois, ao passo que a organização da idéia, isto é, o
movimento, deve abranger unicamente os homens absolutamente
necessários aos postos de comando. (p. 308)

A forma como o autor deixava explícito o papel de cada parte constituinte do partido
revela as bases de seu projeto político anos antes de ser consolidado. O fato de o autor
demonstrar de forma clara seus objetivos com a propaganda e a organização podem
levar o leitor a questionar como os projetos consolidaram-se, uma vez que foram
expostos de maneira tão explícita.

Para que não se subestime a importância das mentiras da propaganda,


convém lembrar os muitos casos em que Hitler foi completamente
sincero e brutalmente claro na definição dos verdadeiros objetivos do
movimento, os quais, no entanto, simplesmente deixaram de ser
percebidos pelo público, despreparado para tamanho despropósito.
(HARENDT, p.392)

Hitler fala sobre a questão da necessidade de demonstração de radicalidade do


movimento, o que denota a importância deste tópico tanto para a propaganda quanto
para a organização dentro do Partido Nazista.

Quanto mais radical e incitadora era a minha propaganda, tanto mais


assustava os homens débeis e as naturezas tímidas, impedindo a sua
entrada no núcleo primitivo da nossa organização. Eles talvez tenham
ficado adeptos da causa, mas certamente não com espírito decidido.
(...) O movimento teria que ser tão radical que os seus adeptos
poderiam ser expostos aos mais sérios perigos, de maneira que não se
devia censurar um cidadão respeitável e pacifico por, ao menos por
certo tempo, ficar á margem, embora de todo coração pertencesse à
causa. (p.309)

De acordo com Hitler, a agressividade da consolidação da propaganda foi o que garantiu


a tendência radical do movimento, pois foi assim que este ficou constituído de homens
radicais. É relevante pensar na agressividade da propaganda, que mostra mais uma vez a
existência de uma demonstração, desde o início, da radicalidade do movimento em sua
divulgação. A agressividade e as artimanhas da propaganda nazista são múltiplas e
patentes, uma vez que os nazistas não tinham nenhuma ressalva ao mentir para atingir
seus objetivos (LENHARO, 1986).

O autor prossegue entrando em mais detalhes acerca do processo de organização, ao


qual ele atribui como mais alta missão tomar precauções para que não nasçam
divergências íntimas entre os adeptos do movimento, o que poderia gerar uma
desarmonia e, consequentemente, um enfraquecimento da causa. A organização
nazifascista, ao contrário da propaganda (inspirada nos partidos de esquerda), era algo
totalmente novo. Ela visava dar às mentiras propagandísticas do movimento a realidade
operante e a construir uma sociedade cujos membros ajam e reajam segundo as regras
de um mundo fictício (HARENDT, 1951). Ainda segundo Harendt, a seriedade com a
qual é tratada a propaganda é expressa muito mais assustadoramente na organização dos
seus adeptos do que na liquidação física de seus oponentes. Para a autora, propaganda e
organização, e não propaganda e terror, são faces da mesma moeda.

A partir deste ponto do documento, Hitler elenca alguns acontecimentos e discute


composição do movimento. Ele destaca contradições como o modelo adotado, uma vez
que o movimento, que se propunha a fazer uma “guerra à loucura parlamentar”,
corporificava em seu comitê justamente o parlamentarismo. Adolf passa, segundo seu
próprio relato, a não comparecer nas assembleias e fazer sua própria propaganda, o que
demonstra uma discordância entre os modelos adotados pelo partido e suas convicções
acerca das contradições deste.

Em determinado momento, Hitler faz uma observação sobre o meio jornalístico,


afirmando que ao lado da “poderosa imprensa judaica”, só existiria um único jornal
popular de real importância. Essa constatação demonstra seu incômodo perante a ideia
do monopólio judeu, utilizada em sua propaganda. Como já visto em Arendt, dentro da
organização visava-se criar a realidade operante destas mentiras propagandísticas.

Ao falar da competência e da convicção partidária, o autor diz que a convicção de cada


nacional-socialista prova-se a partir de sua boa vontade, atividade e capacidade do
cumprimento do trabalho que lhe foi confiado pela coletividade, não podendo ele se
vangloriar de ideias quando não cumprir com seu dever. A menção à coletividade é
relevante, uma vez que demonstra sua importância para a determinação da convicção
partidária.

Pode-se concluir, a partir desta documentação, que a propaganda e a organização


estavam intrinsicamente ligadas dentro do Partido e atuavam de forma conjunta para o
fortalecimento deste, sendo importante destacar fatores como a agressividade da
propaganda, voltada para recrutar aqueles que não eram, segundo Hitler, homens
“débeis”, bem como considerar o papel da organização enquanto elemento relevante
para evitar as divergências internas do Partido.

Referências:

ARENDT, Hannah. O movimento totalitário. In Origens do totalitarismo. São Paulo:


Companhia das Letras, 1989, 390-438
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. 1941-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995
LENHARO, Alcir. Nazismo: O Triunfo da Vontade. São Paulo: Ática, 1986.

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