Textoconf ITV
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J. Cadima Ribeiro
NIPE e Escola de Economia e Gestão, Universidade do Minho, Braga, Portugal,
[email protected]
Resumo
Com a entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), a Indústria dos
Têxteis e do Vestuário (ITV) portuguesa enfrentou grandes dificuldades competitivas,
acentuadas pelo alargamento da União Europeia a Leste. Na procura de futuro para a
fileira, algumas entidades, entre as quais o Centro de Estudos Têxteis Aplicados, foram
levadas a conduzir estudos de natureza estratégica. Em resposta a convite para participar
em conferência sobre a fileira dos têxteis e do vestuário, achei interessante questionar
em que medida os resultados do presente foram os que se antecipava que pudessem ser
alcançados para assegurar a continuidade do setor. Para esse efeito, consultaram-se os
estudos e a informação setorial que vai sendo divulgada sobre a sua evolução e, através
de entrevistas semiestruturadas, inquiriu-se alguns protagonistas da fileira. Concluiu-se
que a ITV portuguesa viveu na última década um momento de reposicionamento e
afirmação, se bem que as razões do sucesso mereçam apreciações diversas, desde a
avaliação de que “Não aconteceu nada daquilo que nós dissemos que ia acontecer”
(Braz Costa) à de que, “15 anos depois, [o que havia sido equacionado] foi concretizado
com muito sucesso” (António Falcão). Em relação ao que possa ser o futuro, as
perspetivas recolhidas são igualmente positivas, com sublinhados feitos para o tipo de
produtos oferecidos, a atualização tecnológica e os avanços que se estão a dar em
matéria de fibras e de economia circular, mas com chamada de atenção unanime para as
dificuldades enfrentadas em matéria de recrutamento de recursos humanos dotados das
competências que são requeridas.
Palavras-chave: Impacte da entrada da China na OMC no desempenho dos têxteis e do
vestuário portugueses; Estratégia de competitividade da fileira dos têxteis e vestuário;
Linhas de força para a ITV; Entrevistas semiestruturadas a atores da ITV.
Introdução
Nos primeiros anos do século XXI, a indústria portuguesa dos têxteis e do vestuário
enfrentou dificuldades competitivas acrescidas decorrentes da entrada da China na
Organização Mundial de Comércio (OMC) e do modelo de operação mantido pelas
empresas multinacionais. Essas dificuldades foram ainda acentuadas pelo alargamento
da União Europeia a leste (a partir de maio de 2004), que se vieram somar aos
problemas estruturais que a economia portuguesa já atravessava, postos em maior
evidência pela criação do Euro e pelas exigências daí decorrentes em matéria de rigor
orçamental e equilíbrio das contas públicas do país.
Nesses tempos incertos e desafiantes, na procura de futuro para uma fileira tão diversa e
complexa como é a dos têxteis e do vestuário, algumas entidades com intervenção no
setor foram levadas a conduzir alguns estudos de reflexão estratégica, de que resultaram
o apontar de caminhos e a definição de metas a alcançar no médio e longo prazos. Entre
essas entidades estiveram o CENESTAP (Centro de Estudos Têxteis Aplicados) e a
APT (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), sendo que a primeira entidade foi
encerrada pouco depois, em meados da década de 2000.
Figura 1 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução dos principais indicadores, entre
1995 e 2017 (milhões de Euros)
Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.
Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.
Nesse mesmo ano, as importações situaram-se nos 4138 milhões de euros (2042
referentes aos têxteis e 2096 milhões de euros, ao vestuário). Em expressão desses
resultados, o saldo da balança comercial permitiu que se atingisse, em 2017, uma taxa
de cobertura de 126% (Direção-Geral das Atividades Económicas, 2018).
Figura 3 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução das exportações e das
importações de bens, entre 2013 e 2017 (milhões de Euros)
Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.
Quadro 1 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: evolução das exportações por grupos de
produtos de bens, entre 2019 e 2021
Fonte: ATP (2022), “O Melhor Ano de Sempre das Exportações de Têxteis e Vestuário”, ATP Press
Release, 9 de fevereiro de 2022.
Por mercados de destino (Quadro 2), os dados de 2021 indicam que a França reforçou o
segundo lugar do ranking, com um crescimento de 15,8% face a 2019, o que significou
uma quota de 15% do total das exportações de têxteis e vestuário nacionais (ATP,
2022). A Espanha continuou a liderar a tabela dos principais destinos, mesmo sofrendo
uma quebra de 13,8% face ao mesmo ano de referência. Em 2019, representava 31% do
total, passando a representar 25% em 2021. Os EUA foram o destino fora da União
Europeia que mais cresceu (+31,5% face a 2019). Globalmente, em 2021, a balança
comercial do setor ITV registou uma taxa de cobertura de 127% (ATP, 2022).
Quadro 2 – Indústrias dos Têxteis e Vestuário: principais destinos das exportações entre
2019 e 2021
Fonte: ATP (2022), “O Melhor Ano de Sempre das Exportações de Têxteis e Vestuário”, ATP Press
Release, 9 de fevereiro de 2022.
Estes dados são merecedores de particular atenção em razão da relevância dos mercados
mencionados como destinos e fornecedores das indústrias de têxteis e vestuário
nacionais. Nos Quadros 3 e 4 apresentam-se o contributo desses mercados, em 2017,
estruturados segundo tratar-se de têxteis (Quadro 3) ou de vestuário (Quadro 4).
Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.
Fonte: Direção-Geral das Atividades Económicas (2018), “Indústria Têxtil e Vestuário: Sinopse 2018”,
DGAE.
2. Métodos
Como foi dito, escolheu-se para o efeito, entrevistar atores da fileira que conheci e com
quem interagi amiúde, no passado, no quadro da minha participação no CENESTAP.
Essa opção prendeu-se, por um lado, com a circunstância de terem acompanhado os
debates estratégicos então mantidos sobre o rumo a dar à fileira num momento
especialmente delicado do percurso desta e, por outro lado, pela facilidade de
comunicação (abertura à expressão franca de análises) com esses atores que se
pressupunha que daí pudesse resultar.
Infelizmente, não foi possível estabelecer contacto com alguns dos atores visados pelo
que, nesses casos, quando foi possível e alternativamente, se procurou identificar
alguma entrevista pública que tenham concedido, onde, de alguma forma, tenham dado
expressão do seu posicionamento sobre a ITV e respetiva dinâmica.
i) “Tendo presente a situação do setor em meados dos anos 2000, importa-me saber se
pensa que este evoluiu de acordo com as orientações e metas então pensadas ou
evolui segundo outras diretivas e porquê”;
ii) “Como vê a situação presente do setor e o sucesso relativo que conseguiu,
nomeadamente em matéria de exportações e faturação?”; e
iii) “Qual é a expetativa que mantém em relação à evolução da ITV no curto-médio
prazos e quais as linhas de força que podem orientar esses desenvolvimentos?”.
Depois do período crítico vivido pelos têxteis e vestuário entre 2001 e 2008/2009,
retomando o já enunciado, parece poder atribuir-se a recuperação da atividade a que se
assistiu a um conjunto de fatores, que passaram pela introdução de alguma inovação
tecnológica, por maiores apostas no design, na qualidade dos bens, e na rapidez e
flexibilidade existente, pela fiabilidade dos produtores, por uma maior aposta na
qualificação dos recursos humanos, pela provisão de serviços de maior valor
acrescentado, onde tomaram um papel importante alguns centros de competências, pelo
assumir progressivo de mais rigorosos princípios de sustentabilidade social e ambiental,
e pela aposta crescente em novos produtos (têxteis técnicos e funcionais) (Direção-
Geral das Atividades Económicas, 2018).
Vários desses fatores eram peças-chave do discurso que era feito já na primeira metade
da década começada em 2000, como resulta evidenciado do que escrevi em editorial do
Jornal Têxtil (JT) (Cadima Ribeiro, 2005). Recupere-se aqui, a esse propósito, a
passagem seguinte: “Na senda do caminho feito, o JT tem que redobrar a insistência em
conceitos operativos como os de parceria (parceria de empresas; parceria de empresas e
entidades do sistema científico e tecnológico; parceria de agentes de desenvolvimento),
inovação (no produto, no processo, no modelo de negócio) e de ousadia (ousar fazer
diferente, ousar fazer melhor)” (Cadima Ribeiro, 2005).
A primeira questão levantada nas entrevistas que foram realizadas foi a da evolução
registada pelo setor entre meados dos anos 2000 e o presente, isto é, estava em causa
avaliar em que medida este tinha progredido de acordo com as orientações estratégicas
então pensadas e as metas visadas tinham sido atingidas.
Foi em relação a esta primeira questão que, porventura, as perspetivas enunciadas pelos
entrevistados se diferenciaram mais, com expressão talvez mais extremada na afirmação
de Braz Costa (Diretor-Geral do CITEVE - Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e
do Vestuário de Portugal) de que “Não aconteceu nada daquilo que nós dissemos que ia
acontecer”, acrescentando que, não obstante, “O setor até teve êxito”.
Retornando aos testemunhos dos entrevistados, António Falcão (Têxtil António Falcão,
Lda.), empresário e Presidente da Mesa do Conselho Geral do CITEVE, foi, porventura,
quem mais valorizou o trabalho estratégico feito pelo CENESTAP e continuado pelo
CITEVE e pela ATP. Alguns dos projetos que o CITEVE desenvolveu foram a
continuação do que foi proposto pelo CENESTAP. Nas suas palavras, “15 anos depois,
[o que havia sido equacionado] foi concretizado com muito sucesso, permitindo a
consolidação do setor”. Nesse processo, verificaram-se grandes mudanças. “O
surgimento de empresas novas, mais flexíveis, e novos mercados permitiram esse
sucesso”.
Como ilustração do que vai sendo feito em Portugal em matéria de adoção de fibras
naturais tradicionais e de práticas apostadas na sustentabilidade, pode invocar-se o caso
da Riopele, que, conforme noticiou o Portugal Têxtil (2022d), foi recentemente
reconhecida como uma produtora de tecidos em linho sustentável pela Confederação
Europeia de Linho e Cânhamo, uma organização sem fins lucrativos que certifica as
origens e supervisiona as etapas de produção e transformação do linho europeu.
Mantendo presente a aposta que está a ser feita nas fibras e, em particular, nas fibras
naturais, mencione-se que a Fibrenamics tem nesta altura, em curso, entre outros,
projetos visando o desenvolvimento de fibra de caseína a partir dos desperdícios da
indústria de laticínios, a decorrer nos Açores, e sobre como o amido de batata ou os
resíduos agroindustriais podem permitir criar materiais alternativos (Portugal Têxtil,
2022e).
Conclusão
De um tempo incerto e desafiante como foi o que as indústrias dos têxteis e vestuário
atravessaram no início do século ficaram as questões sobre como a fileira podia
enfrentar as dificuldades sentidas e quais as estratégias recomendáveis. Foi tomando
essa realidade de partida que nesta comunicação se olhou para o percurso feito e as
soluções que foram sendo encontradas, adotando ou descartando as propostas então
enunciadas. Importou, também, olhar para o “sucesso” do presente como indiciador do
caminho que está pela frente.
Temia-se nessa altura que fossemos invadidos pelos produtos chineses, algo que “…
aconteceu numa fase inicial”, como salientou Fernando Ferreira, mas isso não impediu,
porventura, pelo contrário, funcionou como um impulso para que se tivesse evoluído
muito em termos de materiais, de tecnologias e se tivesse apostado muito mais na
produção de bens de maior valor acrescentado, mesmo que as margens continuem a ser
pequenas (Mário de Araújo).
Sobre qual é a expetativa que mantêm em relação à evolução da ITV portuguesa e quais
as linhas de força que podem orientar esse desenvolvimento, as perspetivas recolhidas
são igualmente positivas em expressão da diversificação operada em matéria de
produtos, que se acredita que possa ser continuada, da atualização a nível de
equipamento tecnológico de muitas empresas que operam em Portugal, e dos avanços
que se estão a dar em matéria de fibras e de economia circular, se bem que há muito que
fazer em termos de qualificação dos recursos humanos, até para acomodar “os grandes
passos que é necessário dar a nível de aplicações de inteligência artificial e de edição
genética” (Mário de Araújo). Nesta dimensão da qualidade dos recursos humanos
importa também, e em particular, ter presente a necessidade de dar resposta a exigências
em termos de formação de ativos com capacidade de liderança e posicionamento nas
empresas (António Falcão).
Para rematar, retomando ideias de um pequeno texto que escrevi há mais de 15 anos,
diria que, num quadro que continua a ser de alguma globalização, para sobreviverem e
afirmarem-se, empresas e territórios precisam encontrar formas de posicionamento nos
mercados adequados aos produtos que produzem/comercializam ou partir para novos
produtos e novos modos de operar. Para se ter sucesso, não basta que se seja inovador
em matéria de produto, processo ou modelo de negócio. O produto e/ou o modelo de
negócio têm que ser capazes de ir ao encontro de uma procura efetiva. Nessa vertente,
importa perceber as exigências do “novo consumidor”, e ser capaz de acompanhar,
senão antecipar, a regulamentação que vai sendo definida pelas autoridades públicas
europeias em matéria de impactes ambientais, seguramente, muito centradas nos
conceitos de redução de resíduos, reciclagem e reutilização.
Referências
ATP (2022), “O Melhor Ano de Sempre das Exportações de Têxteis e Vestuário”, ATP
Press Release, 9 de fevereiro, disponível em
https://atp.pt/wp-content/uploads/2022/02/PressRelease-Exportacoes-da-ITV-
2021_9.2.22.pdf (acesso em 2022/04/16).
Cadima Ribeiro, J. (2005), “Jornal Têxtil: para que te quero?”, Jornal Têxtil, maio.