A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino

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A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino

Até o momento já publiquei vários posts baseado no


livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto
Belarmino, abrangendo a primeira parte do livro,
sobre práticas cristãs, até o capítulo IX. Pela lista
abaixo, fica evidente que alguns capítulos resultaram
em mais de um post.
Quem vive bem, irá morrer bem (capítulo I)
Quem vive bem, irá morrer bem
A regra geral "quem vive bem, irá morrer bem" deve
ser mencionada antes de tudo, pois sendo a morte
nada mais que o fim da vida, é certo que quem viver
bem até o final da sua vida, morrerá bem; nem pode
morrer doente quem que nunca estiver doente; por
outro lado, quem nunca tiver vivido bem, não poderá
morrer bem. A mesma coisa é observável em muitos
casos similares: todos que houverem percorrido o
caminho certo poderão chegar aos seus destinos; ao
contrário, aqueles que vaguearem por aí, jamais
chegarão ao final de sua jornada.

Também, quem se aplicar diligentemente aos estudos,


logo se tornará sábio doutor; mas aqueles que não se
dedicarem, serão ignorantes. Mas, talvez, alguém
mencione o exemplo do Bom Ladrão, que viveu de
maneira errada e morreu corretamente. Este não é o
caso; pois o Bom ladrão teve uma vida santa e,
portanto, teve uma morte também santa. Mas,
mesmo entendendo que ele dispendeu grande parte
dos seus dias na maldade, outra parte de sua vida foi
tão bem dispendida que ele facilmente se arrependeu
de seus pecados e ganhou as maiores graças do céu.

Queimando com o amor de Deus, ele abertamente


defendeu nosso Salvador das calunias de Seus
inimigos; e dirigiu-se com a mesma caridade a seu
vizinho, ele repreendeu e admosteu, dizendo: "Nem
sequer temes a Deus, estando na mesma
condenação? Quanto à nós, é de justiça; pagamos por
nossos atos; mas ele não fez nenhum mal" (Lc 23, 40-
41). Nem estava ele morto quando, confessando e
chamando por Cristo, ele pronunciou estas nobres
palavras: "Jesus, lembra-te de mim quando vieres com
teu reino" (Lc 23, 42). O Bom Ladrão então chegou
para ser um daqueles que chegaram por último na
vinha e, no entanto, recebererão a mesma
recompensa dos primeiros.

Verdade, por isso, a sentença "quem vive bem, irá


morrer bem"; e "quem viver mal, morrerá mal". Nós
temos que concordar que é mais perigoso adiarmos
nossa conversão dos pecados para a virtude: muito
mais feliz são os que aceitam o jugo do Senhor desde
sua juventude, como disse Jeremias; e extremamente
abençoados são aqueles "que não são contaminados
por mulheres, e em cuja boca não se encontram
mentiras, pois estão sem manchas, em frente ao trono
de Deus. Estes foram resgatados dentre os homens,
como primícias para Deus e para o Cordeiro" (Ap 14,3-
5). Exemplos são Jeremias, São João, "mais que um
profeta", e acima de todos, a Mãe de nosso Senhor,
bem como todos a quem Deus reconheceu.
A primeira grande verdade, agora, está estabelecida,
pois uma boa morte depende de uma boa vida.
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto
Belarmino, bispo (século XVIII)

-- Nota: sempre que possível procuro utilizar fontes


creditáveis, como textos traduzidos por profissionais e
publicados com autorização de nossas autoridades
eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a
partir do livro em Inglês. Minha fonte está disponível
aqui.
Para viver bem, deve-se morrer para o mundo
(capítulo II)
Para viver bem, deve-se morrer para o mundo

Agora, para viver bem é necessário, em primeiro lugar,


morrer para o mundo antes de morrer em corpo.
Todos que vivem para o mundo estão mortos para
Deus: não podemos de nenhum modo viver para
Deus, exceto se primeiro morrermos para o mundo.
Esta verdade está tão plenamente revelada nas
Sagradas Escrituras, que apenas infiéis podem negá-
la. Mas, como toda verdade deve ser proclamada pela
boca de duas ou três testemunhas, vou citar os santos
apóstolos, São João, São Paulo e São Tiago, por que
através deles o Espírito Santo, o espírito da verdade,
falou plenamente.

Escreve São João: "Já não conversarei muito convosco,


pois o príncipe deste mundo vem, contra mim ele
nada pode" (Jo 14,30). Aqui o demônio é dito "o
príncipe deste mundo", que é rei de todos os vícios; e
por "mundo", é entendido a companhia de todos os
pecadores que amam o mundoe são amados por ele.
Um pouco depois, o evangelista continua: "Se o
mundo vos odeia, sabei que, primeiro, odiou a mim.
Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu;
mas porque não sois do mundo e minha escolha vos
separou do mundo, o mundo, por isso, vos odeia." (Jo
15, 19). E em outro ponto: "Não rogo pelo mundo,
mas pelos que me deste, porque são teus" (Jo 17, 9).
Aqui, Cristo claramente nos    diz que por "mundo"
significa quem, com o príncipe do mundo, devem
ouvir no último dia: "Vão, conforme predito, para o
fogo eterno." (cf Ap 20, 19). São João acrescenta em
sua epístola: "Não ameis o mundo, nem o que há no
mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o
amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e
o orgulho da riqueza - não vem do Pai, vem do
mundo. Ora, o mundo passa com suas
concupiscências; mas o que faz a vontade de Deus
permanece eternamente" (1Jo 2 16-17).

Vamos agora ouvir como São Tiago fala em sua


epístola: "Adúlteros, não sabeis que a amizade com o
mundo é inimizade com Deus? Assim, todo aquele
que quer ser amigo do mundo torna-se inimigo de
Deus" (Tg 4,4). Então, São Paulo, aquele vaso da
eleição, escreve em sua Primeira Epístola aos   
Coríntios, para todos que tem fé: "Vossas
necessidades vão além deste mundo", e em outro
lugar, na mesma Epístola: "Mas por seus julgamentos
o Senhor nos corrige, para não sejamos condenados
com o mundo" (1Co 11,32).
Aqui nos é dito claramente que o mundo inteiro será
condenado no último dia. Mas por "mundo" não
significa céu e terra, nem aqueles que vivem nele;
mas somente aqueles que amam o mundo. Os justos
e piedosos, em quem reina o amor de Deus, não a
concupiscência da carne, estão no mundo, mas não
são do mundo: mas os perdidos em vícios não apenas
estão no mundo, eles também pertencem a este
mundo; pois não o amor de Deus, mas a
concupiscência do mundo reina em seus corações, ou
seja, luxúria e a concupiscência dos olhos, a avareza e
o "orgulho da vida", que é a estima por eles mesmos
acima dos outros; então eles imitam a arrogância e o
orgulho do demônio, não a humildade e suavidade de
Jesus Cristo.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto


Belarmino, bispo (século XVIII)
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar fontes
creditáveis, como textos traduzidos por profissionais e
publicados com autorização de nossas autoridades
eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a
partir do livro em Inglês.
As três virtudes teologais (capítulo III)
As três virtudes teologais

Estátua da Esperança - Jacques du Brouecq


A finalidade desta admoestação é a caridade, que
procede de coração puro, de boa consciência e de fé
sem hipocrisia. (1Tm 1 ,5)

Vamos iniciar pela fé, que é a primeira das virtudes


que existem no coração do homem justificado pela fé.
Não sem razão, o apóstolo acrescenta "sem
hipocrisia" a fé. Pela fé vêm a justificação, desde que
seja verdadeira e sincera, não falsa e afetada. A fé dos
heréticos não conduz à justificação, pois não é
verdadeira, é falsa; a fé dos maus católicos não
conduz à justificação por que não é sincera, mas
afetada. É afetada de duas maneiras: quando nós não
acreditamos realmente, mas somente fingimos
acreditar; ou quando, apesar de acreditar, não é
vivida, como acreditamos que deve ser. Nestas duas
situações é que as palavras de São Paulo na epístola a
tito devem ser compreendidas: "Afirmam conhecer a
Deus, mas negam-no com seus atos". (Tt 1,16a) Desta
maneira os santos padres Jerônimo e Agostinho
interpretam estas palavras do apóstolo.

Agora, desta primeira virtude de um homem justo,


nós podemos facilmente entender quão grande deve
se a multidão daqueles que não vivem bem, e, da
mesma maneira, morrem no pecado. Eu vejo infiéis,
pagãos, heréticos e ateístas que são completamente
ignorantes da arte de morrer bem. E entre católicos,
quantos existem que "afirmam conhecer a Deus, mas
negam-no com seus atos". Quem reconhece ser
virgem a mãe de Nosso Senhor, mas não teme
blasfemar contra ela? Quem preza orar, jejuar, ser
caridoso e outras boas obras, mas ainda se permite
vícios opostos? Eu omito outras coisas que são
conhecidas de todos. Aqueles dizem possuir fé "sem
hipocrisia", que não acreditam naquilo que dizem
crer, ou não vivem de acordo com os mandamentos
da Igreja Católica; e, por isso, demonstram pela sua
conduta que ainda não começaram a viver bem, nem
podem tr esperança de uma morte feliz, exceto se por
uma graça de Deus aprenderam a arte de morrer
bem.

Outra virtude de um homem justo é a esperança, ou


uma "boa consciência", como São Paulo no ensina.
Esta virtude vêm da fé, pois não há como ter
esperança em Deus sem conhecer o Deus verdadeiro
ou não acreditar Nele como todo-poderoso e
misericordioso. Mas, para exercitar e fortalecer nossa
fé, para que possa ser chamada não apenas
esperança, mas também confiança, uma boa
consciência é necessária. Como se aproximar de Deus
e pedir seus favores, quando sabe ter cometido
pecados e não tê-los expiados por uma correta
penitência? Quem pede um benefício ao inimigo?
Quem pode esperar ser perdoado por ele, se
reconhece ter estado contra ele?
Escute o que um homem sábio pensa da esperança
dos ímpios: "A esperança do ímpio é como a palha
levada pelo vento, como espuma miúda que a
tempestade espalha; é dispersa como fumaça pelo
vento, fugaz como a lembrança do hóspede de um
dia" (Sb 5, 14). Assim o sábio admoesta o ímpio, que
sua esperança é fraca, não forte; fugaz, não
persistente; eles, enquanto estão vivos, ainda tem
alguma esperança, em algum momento devem se
arrepender e reconciliar-se com Deus; mas quando a
morte lhes chegar, a menos que o Todo Poderoso por
alguma graça especial mover seus corações e inspirá-
los verdadeiro arrependimento, sua esperança será
transformada em desespero, e eles dirão junto aos
demais ímpios: "Sim, extraviamo-nos do caminho da
verdade; a luz da justiça não brilhou sobre nós, para
nós nãsceu o Sol. Cansamo-nos nas veredas da
iniqüidade e perdição, percorremos desertos
intransitáveis, mas não conhecemos o caminho do
Senhor! Que proveito nos trouxe o orgulho? De que
nos serviram riqueza e arrogância? Tudo isso se
passou como uma sombra" (Sb 5, 6-9a).
Portanto, deixemos o sábio nos corrigir, se queremos
viver e morrer bem, nós não devemos permanecer no
pecado, mesmo que por um momento, nem nos
permitir enganar por um vã confiança, que ainda
teremos muitos anos para viver e e poderemos utilizar
estes anos para ganhar nosso perdão.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto


Belarmino, bispo (século XVIII)

-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos


traduzidos por profissionais e publicados com
autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no
entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em
Inglês, por não ter encontrado disponível em
Português. Minha fonte está disponível aqui.
Três conselhos evangélicos (capítulo IV)
rês Conselhos Evangélicos
Assim nos fala São Lucas: Tendes os rins cingidos e
acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos
homens que esperam o seu senhor ao voltar das
núpcias para lhe abrirem a porta quando ele chegar e
bater (Lc 12, 35-36). Esta parábola pode ser entendida
de duas maneiras: como preparação para a chegada
do Senhor nos últimos dias; ou para Sua chegada no
dia da morte de cada um. Nós iremos explicar esta
parábola pelo segundo sentido, entendida como
preparação para a morte, que sobre todas as coisas é
tão absolutamente necessária para nós.

As núpcias do Senhor

O Senhor nos ordena a observar três coisas: primeiro,


nós devemos "cingir os rins"; depois, devemos ter
"lâmpadas queimando nossas mãos"; terceiro,
estarmos atentos "vigiando" em expectativa a
chegada de nosso julgamento, estando ignorantes do
momento de sua chegada, assim como ignoramos a
chegada dos ladrões.
Expliquemos estas palavras: "cingir os rins". O sentido
literal destas palavras é que devemos estar
preparados ara seguirmos adiante e encontrar o
Senhor quando a morte nos chamar para nosso
particular julgamento. A comparação comas
vestimentas estarem cingidas é relacionada aos
costumes das nações orientais de utilizarem longas
vestes; e quando estão preparados para iniciar uma
longa jornada, eles tomam suas vestes e as cingem,
isto é, apertam, para evitar que nelas tropecem. De
acordo com o mesmo costume dos orientais, São
Pedro escreve: Cingi, portanto, os rins do vosso
espírito, sede sóbrios e colocai toda vossa esperança
na graça que vos será dada no dia em que Jesus Cristo
aparecer.(1Pe 1, 13). E São Paulo na Epístola aos
Efésios diz: Ficai alerta, à cintura cingidos com a
verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça (Ef
6,14).

Ter nossos "rins cingidos" significa duas coisas:


primemiro, a virtude da castidade; segundo, estar
pronto para encontrar nosso Senhor vindo para o
julgamento, particular ou geral. Os Santos Basílio,
Agostinho e Gregório Magno citam a primeira
explicação. E, verdadeiramente, a concupiscência da
carne, sobre todas as paixões, nos impede de
estarmos prontos para encontrar Cristo; por outro
lado, nada nos faz mais prontos para encontrar o
Senhor, que a castidade virginal. Isto podemos ler nos
Apocalipse, sobre as virgens que seguem o Senhor. E o
apóstolo diz: O solteiro cuida das coisas que são do
Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado
preocupa-se com as coisas do mundo, procurando
agradar à sua esposa. A mesma diferença existe com a
mulher solteira ou a virgem. Aquela que não é casada
cuida das coisas do Senhor, para ser santa no corpo e
no espírito; mas a casada cuida das coisas do mundo,
procurando agradar ao marido (1Cor 7,32-34).

Agora expliquemos outro dever do servo fiel e


diligente: äs lâmpadas devem estar acesas". Não é
suficiente para o servo ter os "rins cingidos", para que
possa facil e livremente encontrar o Senhor. Uma
lâmpada acesa é requerida para mostrá-lo o caminho,
por que à noite deve estar vigilante à Sua espera,
quando retornar do banquete nupcial. Aqui,
"lâmpada" significa a lei de Deus que aponta o
caminho correto. Diz Davi: Vossa palavra é um facho
que ilumina meus passos, uma luz em meu caminho
(Sl 119, 105).

A "lei é uma luz" diz Salomão no Livro dos Provérbios.


Mas a lâmpada não pode iluminar ou apontar o
caminho se estiver dentro da casa, ela deve ser
erguida pelas nossas mãos. Muitos existem que
conhecem as leis divinas e humanas, mas cometem
muitos pecados, ou se omitem de bons e necessários
trabalhos, por que não possuam uma lâmpada
erguida em suas mãos, por que seu conhecimento
não se estende às atividades diárias. Quantos homens
existem que ouviram a palavra e cometem sérios
pecados, por que quando agem não consultam a lei
do Senhor, mas suas vontades, desejos e paixões. Se o
Rei Davi, quando viu Bersabéia nua, tivesse lembrado
da lei "não desejai a mulher do próximo", ele nunca
teria cometido tão grave crime; mas como estava
deliciado com a beleza da mulher, esqueceu a lei
divina. Este homem, tão justo e abençoado, cometeu
adultério. Donde, nós devemos ter a lâmpada da lei,
não escondida no nosso quarto, mas em nossas mãos,
e obedecer estas palavras do Espírito Santo, que nos
diz para meditarmos sobre os mandamentos dia e
noite. Aquele que mantém em frente a seus olhos os
mandamentos, sempre estará pronto para encontrar o
Senhor, não importa o momento de sua chegada.

O terceiro é último dever do servo é "vigiar" estando


incerto sobre quando chegará o Senhor: Bem-
aventurados os servos a quem o senhor achar
vigiando, quando vier! (Lc 12, 37) Nosso Senhor não
quer que saibamos o momento de nossa morte, para
que possamos pecar à vontade, e empreendermos
nossa conversão pouco antes da morte. A Divina
providência dispos as coisas de tal modo que nada é
mais incerto que a hora da morte: alguns morrem no
ventre da mãe, alguns tão logo nascem, outros já
muito velhos, alguns na flor da juventude; alguns
sofrem por um bom tempo, ou morrem subitamente,
ou se recuepram de doenças gravese quase
incuráveis; e quando parecem estar sãos e curados, a
doença ataca novamente. Esta incerteza Jesus alude
nos Evangelhos: Se vier na segunda ou se vier na
terceira vigília e os achar vigilantes, felizes daqueles
servos! Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que
hora viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria
forçar a sua casa. Estai, pois, preparados, porque, à
hora em que não pensais, virá o Filho do Homem (Lc
12, 38-40). Para nos convencer da incerteza do
momento de nossa morte ou de quando virá nos
julgar, nada é mais frequente nas Escrituras que a
palavra "vigiar" e também a comparação com o
ladrão.

Destas considerações resta evidente como grande


pode ser a negligência e ignorência, para não dizer
cegueira e loucura da parte da humanidade, que,
mesmo estando advertida pelo Espírito da Verdade,
que não pode mentir, que deve estar preparada a
morte, esta grande e difícil questão, da qual depende
eterna felicidade ou miséria, ainda poucos deixam-se
elevar pelas palavras ou poder do Espírito Santo.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto


Belarmino, bispo (século XVIII)
O erro dos ricos deste mundo (capítulo V)
O erro dos ricos deste mundo
Além de tudo que já foi ditto, eu devo acrescentar
uma refutação a certo erro muito prevalente entre os
ricos deste mundo, que muito os afasta de uma vida
correta e uma boa morte. O erro consiste nisto: o rico
supõe que toda riqueza que possui é absolutamente
sua propriedade, se justamente adquirida; e,
portanto, podem legalmente gastá-la ou disperdiçá-la
e ninguém pode lhes dizer: “Por que você fez isto? Por
que se vestir tão ricamente? Por que organizar festas
tão suntuosas? Por que gastar tão prodigamente com
teus cachorros e falcões? Por que gastar tanto em
jogos e outros prazeres semelhantes”. E eles
respondem: “O que é isto para ti? Não é correto eu
gastar o meu dinheiro para fazer aquilo que eu
desejar?”
Este erro é sem dúvida, mais grave e pernicioso:
considerar que os ricos são mestres das suas
propriedades com relação aos demais homens;
embora, em relação a Deus, eles não sejam mestres,
mas apenas administradores. Esta verdade pode ser
provada com muitos argumentos: Do Senhor é a terra
é o que nela existe, o mundo e seus habitantes (Sl 24,
1). E ainda: Não preciso do novilho do teu estábulo,
nem dos cabritos de teus apriscos, pois minhas são
todas as feras das matas; há milhares de animais nos
meus montes. Conheço todos os pássaros do céu, e
tudo o que se move nos campos. Se tivesse fome, não
precisava dizer-te, porque minha é a terra e tudo o
que ela contém. (Sl 50, 9-12).

E no primeiro livro de Crônicas, quando Davi ofereceu


para a construção do templo três mil moedas de ouro
e sete mil moedas de prata e mármore em grande
abundância; e quando movidos pelo exemplo do Rei,
os príncipes das tribos ofereceram cinco mil moedas
de ouro, dez mil moedas de prata, dezoito mil de
bronze e cem mil de ferro, então Davi disse ao Senhor:
A vós, Senhor, a grandeza, o poder, a honra, a
majestade e a glória, porque tudo que está no céu e
na terra vos pertence. A vós, Senhor, a realeza, porque
sois soberanamente elevado acima de todas as coisas.
É de vós que vêm a riqueza e a glória, sois vós o
Senhor de todas as coisas; é em vossa mão que
residem a força e o poder. E é vossa mão que tem o
poder de dar a todas as coisas grandeza e solidez.
Agora, ó nosso Deus, nós vos louvamos e celebramos
vosso nome glorioso. Quem sou eu, e quem é meu
povo, para que possamos fazer-vos voluntariamente
estas oferendas? Tudo vem de vós e não oferecemos
senão o que temos recebido de vossa mão. (1Cr 29,
11-14) O testemunho de Deus pode ser acrescentado
através das palavras do profeta Ageu: A prata e o ouro
me pertencem - oráculo do Senhor dos exércitos (Ag
2,8). Assim falou o Senhor, para que o povo
compreendesse que nada seria necessário caso o
Senhor ordenasse sua construção, pois a Ele
pertencem todo ouro e prata deste mundo.
Devo acrescentar dois outros testemunhos das
palavras de Cristo, no Novo Testamento: Havia um
homem rico que tinha um administrador. Este lhe foi
denunciado de ter dissipado os seus bens. Ele chamou
o administrador e lhe disse: Que é que ouço dizer de
ti? Presta contas da tua administração, pois já não
poderás administrar meus bens (Lc 16, 1-2). O
“homem rico”, aqui, significa Deus, como dissemos a
pouco, pois como diz o profeta Ageu, dele é o ouro e a
prata. Por “administrador”entenda-se os homens
ricos, como explicam os santos padres Agostinho,
Ambrósio e o Venerável Beda sobre esta passagem.

Se o Evangelho, então, deve ser acreditado, todo


homem rico deste mundo deve reconhecer que suas
riquezas, justa ou injustamente adquiridas, não são
suas: se ele as adquiriu corretamente, ele é apenas o
administrador; se injustamente, ele não é nada além
de um ladrão. E desde que o homem rico não é
mestre de suas riquezas, por consequencia, quando
acusado de uma injustiça frente a Deus, Deus pode
retirá-las através da morte ou tomando-as, pois assim
esta indicado nestas palavras: Presta contas da tua
administração, pois já não poderás administrar meus
bens. Para Deus sempre haverá meios de reduzir um
rico à probreza, retirando os bens de sua custódia.
Naufrágios, roubos, tempestades de granizo, pragas,
muita chuva, seca e outras aflições são as muitas
vozes de Deus dizendo ao rico: já não poderás
administrar meus bens.

Mas, então, ao final da parábola, nosso Senhor diz:


fazei amigos com a riqueza injusta, para que, no dia
em que ela vos faltar, eles vos recebam nos
tabernáculos eternos (Lc 16, 9). Ele não quer dizer que
as esmolas são dadas a Ele, mas que os ricos não são
ricos, propriamente falando, mas somente sombras
Dele. Isto é evidente em outra passagem do
Evangelho de São Lucas: Se, pois, não tiverdes sido
fiéis nas riquezas injustas, quem vos confiará as
verdadeiras? (Lc 16, 11)

O significado destas palavras é: se nas injustas


riquezas ou seja, nas falsas riquezas, não tiverdes sido
fiéis dando tudo liberalmente aos pobres, quem vos
confiará as verdadeiras que fazem um homem
realmente rico? Esta é a explicação dada por São
Cipriano e Santo Agostinho.

Em outra passagem do mesmo evangelho, que pode


ser considerada como um comentário sobre o
administrador injusto: Havia um homem rico que se
vestia de púrpura e linho finíssimo, e que todos os
dias se banqueteava e se regalava. Havia também um
mendigo, por nome Lázaro, todo coberto de chagas,
que estava deitado à porta do rico. Ele avidamente
desejava matar a fome com as migalhas que caíam da
mesa do rico... Até os cães iam lamber-lhe as chagas.
Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos
anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi
sepultado. estando ele nos tormentos do inferno (Lc
16, 19-23a). Este rico era certamente um daqueles
que supõe ser mestre de seu próprio dinheiro e não
adminsitrador, e portanto ele imaginou não estar
ofendendo a Deus quando estava vestido de púrpura
e linho, e celebrava suntuosamente todos os dias,
tinha seus cães e bufões. Talvez tenha dito a si
mesmo: eu gasto o meu dinheiro, não ataco ninguém,
eu não violo as leis de Deus, eu não blasfemo nem
juro em falso, observo os dias santos, honro pai e
mãe, não mato, não sou adultero, não roubo, não dou
falso testemunho, não desejo a mulher do próximo,
nào faço nada disto. Mas se é este caso, por que ele
foi para o Inferno, ser atormentado no fogo? Devemos
reconhecer que aqueles enganados, que supõe ser
mestres absolutos de seu dinheiro, devem responder
por muitos graves pecados, que as Santas Escrituras
deveriam mencionar. Mas como nada mais é dito,
entendemos que os adornos supérfluos e caros, seus
magníficos banquetes, a multidão de servos e cães,
enquanto não possuía nenhuma compaixão pelo
pobre é causa suficiente para condená-lo aos
tormentos eternos.

Portanto, podemos estabelecer uma regra clara para


viver e morrer bem, e sempre considerar que iremos
prestar contas a Deus de nosso palácios luxuosos,
jardins, muitos servos, esplendor nas vestimentas,
banquetes, gastos desnecessários, que afetam a
multidão de pobres e doentes, que procuram pelos
nossos superfluos, que chorar a Deus, e no dia do
julgamento não pararão de clamar contra todos
homens ricos, até que sejam condenados às chamas
eternas.
Três virtudes morais: piedade, justiça e sobriedade
(capítulo VI)
Três virtudes morais: piedade, justiça e sobriedade.
Embora as três virtudes teologais fé, esperança e
caridade incluam todas as regras para viver bem e,
portanto, morrer bem; o Espírito Santo, autor de
todos os livros da Sagrada Escritura, para melhor
compreensão da necessária arte de viver
corretamente, acrescentou piedade, justiça e piedade,
das quais fala o apóstolo Paulo na Epístola a Tito:
Manifestou-se, com efeito, a graça de Deus, fonte de
salvação para todos os homens. Veio para nos ensinar
a renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a
viver neste mundo com toda sobriedade, justiça e
piedade, na expectativa da nossa esperança feliz, a
aparição gloriosa de nosso grande Deus e Salvador,
Jesus Cristo (Tt 2, 11-13).

Este, portanto, é o sexto conselho para viver e morrer


corretamente: que negando a impiedade e os desejos
do mundo, nós vivamos sóbria, justa e piedosamente
neste mundo. Aqui um resumo para toda lei divina,
reduzida a uma curta sentença: Aparta-te do mal e
faze o bem, para que permaneças para sempre (Sl 36,
27). No mal há duas coisas; a distância de Deus e
proximidade com as criaturas, de acordo com o
profeta Jeremias: Porque meu povo cometeu uma
dupla perversidade: abandonou-me, a mim, fonte de
água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que
não retêm a água (Jr 2, 13). O que o homem deve
fazer para afastar-se do mal? Ele deve negar a
impiedade e os desejos carnais. A impiedade nos
afasta de Deus e os desejos carnais nos tornam meras
criaturas do mundo. Para fazer o bem, nós devemos
cumprir a lei e viver sóbria, justa e piedosamente.
Sóbrios em relação a nós, justos em relação ao
próximo, piedosamente em relação a Deus.

Mas nós entraremos um pouco mais em detalhes,


com o objetivo de facilitar a prática deste salutar
conselho. O que é, então, a impiedade? O contrário da
piedade. O que é a piedade? A virtude ou dom do
Espírito Santo, pelo qual reconhecemos o Senhor,
adoramos a Deus e o veneramos como nosso Pai. O
Espírito Santo nos ajuda a compreendermos que se
desejarmos agradar a Deus, devemos cari de amores
por ele piedosamente a ponto de não admitir
impiedade. Pois há muitos cristãos que parecem ser
piedosos rezando a Deus, participando do adorável
sacrifício, ouvindo sermões e catequeses, mas, ao
mesmo tempo, blasfemam contra Deus, juram em
falso ou quebram seus votos. E o que mais é isto
senão fingir ser piedoso, mas ao mesmo tempo ser
impiedoso?

É proveitoso para aqueles que desejam viver


corretamente, adorar a Deus e negar toda impiedade.
Sim, qualquer sombra de impiedade. Pois será de
pouco lucro ouvir a missa diária se também blasfemar
contra Deus ou jurar por seu santo nome, Temos que
cuidadosamente alertar que o apóstolo não diz
apenas para evitar a impiedade, mas toda impiedade,
ou seja, qualquer tipo de impiedade, nào apenas as
mais graves, mas também as leves. E isto é dito contra
quem não hesita jurar sem necessidade; quem em
lugares sagrados olha para mulheres de modo
inconveniente, para não dizer lascivo; quem conversa
durante a missa; e comete outras ofensas; como se
não acreditasse que Deus está presente e observasse
até mesmo os mais leves pecados. Nosso Deus é um
Deus ciumento: Não te prostrarás diante delas e não
lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um
Deus zeloso que vingo a iniqüidade dos pais nos
filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me
odeiam, mas uso de misericórdia até a milésima
geração com aqueles que me amam e guardam os
meus mandamentos (Ex 20, 5-6).
Isto o próprio filho de Deus nos ensinou com seu
exemplo. Embora manso e humilde de coração,
“ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; ele,
maltratado, não proferia ameaças” (1Pe 2,23), mas
quando “encontrou no templo os negociantes de bois,
ovelhas e pombas, e mesas dos trocadores de
moedas”, com grande zelo, “fez ele um chicote de
cordas, expulsou todos do templo, como também as
ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos
trocadores e derrubou as mesas. Disse aos que
vendiam as pombas: Tirai isto daqui e não façais da
casa de meu Pai uma casa de negociantes”(Jo 2, 14-
16). E isto ele fez duas vezes no primeiro ano de sua
pregação, e novamente no último ano de seu
ministério, de acordo com o testemunho dos três
evangelistas.

Vamos proceder agora para a segunda virtude, que


direciona nossas ações ao próximo. Esta é a virtude da
justiça, da qual o apóstolo fala que negando os
desejos do mundo, vivemos justamente. Aqui, no dito
“afastai-vos do mal, fazei o bem” é incluída; pois não é
possível alcançar a verdadeira justiça para com o
próximo quando os desejos carnais prevalecem. Os
desejos carnais significam “a concupiscência da carne,
a concupiscência dos olhos e a soberba da vida”(1Jo 2,
16). Estas não são de Deus, mas do mundo. Assim
como a justiça não pode ser injusta, os desejos carnais
não podem, de nenhuma maneira, estarem unidos a
verdadeira justiça. Uma criança deste mundo pode, de
fato, afetar a justiça em suas palavras, mas não pode
realizá-la em obras e verdade. O apóstolo diz que não
apenas devemos viver justamente, mas ele explicou
que devemos negar os desejos carnais, temos que
compreender que o veneno da concupiscência deve
primeiro ser extirpado antes que a boa árvore da
justiça possa ser plantada em nosso coração. Ninguém
pode questionar o que significa viver justamente, pois
todos nós sabemos que a justiça nos leva a dar a cada
um o respeito devido, como diz o apóstolo: Pagai a
cada um o que lhe compete: o imposto, a quem
deveis o imposto; o tributo, a quem deveis o tributo; o
temor e o respeito, a quem deveis o temor e o
respeito (Rm 13, 7). Para o comerciante, devemos o
preço acordado; para o trabalhor, seu salário; e assim
em todas atividades. E com muito maior razão aqueles
a que esta atribuída a administração dos bens
públicos, devem agir com a máxima atenção, não
deixando-se influenciar por pessoas, sejam parentes
ou amigos próximos. Se, então, nós desejamos
aprender a arte de morrer justamente, ouçamos o
que diz o homem sábio clamando: "amai a justiça, vós
que sois juízes na terra". Escutemos São Tiago em sua
epístola: Eis que o salário, que defraudastes aos
trabalhadores que ceifavam os vossos campos, clama,
e seus gritos de ceifadores chegaram aos ouvidos do
Senhor dos exércitos (Tg 5,4).

Agora falemos da terceira virtude, chamada


sobriedade, para a qual os desejos carnais não são
menos contrários que para a justiça. E aqui não
entendemos a sobridade apenas como a virtude
contrária a bebedeira, mas como a virtude da
temperança ou moderação, que faz um homem
regular os desejos de seu corpo de acordo com a
razão, não de acordo com suas paixões. Atualmente
esta virtude é raramente encontrada entre os
homens; os desejos carnais parecem parecem ter se
apoderado dos ricos deste mundo. Mas aqueles que
são sábios não seguem o exemplo dos tolos, embora
estes sejam quase inumeráveis, devemos seguir
somente o exemplo dos sábios. Salomão, que era
certamente o mais sábio dos homens, pediu a Deus:
Eu te peço duas coisas, não mas negues antes de
minha morte: afasta de mim falsidade e mentira, não
me dês nem pobreza nem riqueza, concede-me o pão
que me é necessário, para que, saciado, eu não te
renegue (Pv 30, 7-9a). E o sábio apóstolo Paulo diz:
Porque nada trouxemos ao mundo, como tampouco
nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário,
contentemo-nos com isto. (1 Tm 6,7-8).

Estas são palavras muito sábias, pois por que


cuidarmos de acumular riquezas, quando não
podemos carregá-las conosco para o lugar que a
morte nos conduzir. Cristo, nosso Senhor era mais
sábio que Salomão e Paulo, pois ele era a Sabedoria
propriamente dita, também disse: Bem-aventurados
os que têm um coração de pobre, porque deles é o
Reino dos céus! (Mt 5, 3) e de si mesmo: As raposas
têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do
Homem não tem onde reclinar a cabeça (Lc 9,
5).Quanto mais devem ser verdadeiras estas palavras
que sai boca destes três sábios homens? E, se a isto
acrescentarmos que nossas desnecessárias riquezas
não são nossas, mas pertencem aos pobres, como é a
opinião dos santos padres, não são os homens
estúpidos que cuidadosamente cuidam das coisas da
terra que irão ser condenados ao inferno?

E se, então, queremos aprender a arte de viver e


morrer corretamente, não sigamos a multidão que
acredita e valoriza o que vê, mas sigamos a Jesus
Cristo e aos apóstolos, que pela palavra e exemplo nos
ensinaram que as coisas presentes devem ser
desprezadas e a glória do grande Deus e Salvador
Jesus Cristo deve ser desejada a esperada. E,
verdadeiramente, tão grande é esta glória, que
esperamos pelo retorno de nosso Senhor Jesus Cristo,
que todas as glórias passadas, riquezas e alegrias
deste mundo, serão consideradas como nada, e
aqueles chamados tolos e infelizes, que confiaram em
assuntos tão importantes em palavras sábias, serão
salvos.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, capítulo VI, de São


Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
Porque rezar? (capítulo VII)
Por que rezar?
A necessidade de oração é repetida tão
insistentemente nas Sagradas Escrituras que nada
mais é mais claramente pedido que este dever.
Embora o Todo Poderoso conheça nossas
necessidades, como Nosso Senhor nos fala no
Evangelho segundo São Mateus, Ele deseja que
peçamos, e pela oração recebamos como que por
mãos espirituais. Escuta Nosso Senhor em São Lucas:
é necessário orar sempre sem jamais deixar de fazê-lo
(Lc 18,1b) e vigiai, pois, em todo o tempo e orai (Lc
21,36). Escuta o apóstolo: orai sem cessar (1Ts 5,17) e
o livro do Eclesiastico: nada te impeça de orar sempre
(Eclo 18,22).
Estes preceitos não significam que não devemos fazer
outra coisa, mas somente que nunca devemos nos
esquecer de tão essencial exercício e fazer uso
frequente dele. Isto Nosso Senhor e seus apóstolos
nos ensinaram, pois mesmo nunca tendo deixado de
rezar, não negligenciaram a pregação ao povo,
confirmando suas palavras com sinais e milagres. E
deve-se dizer que eles sempre rezavam e com muita
frequencia. Neste sentido devem ser compreendidas
estas palavras: meus olhos estão sempre fixos no
Senhor (Sl 24,15) e também: bendirei continuamente
ao Senhor, seu louvor não deixará meus lábios (Sl
33,2) e as palavras sobre os apóstolos: permaneciam
no templo, louvando e bendizendo a Deus (Lc 24, 53).

Os frutos da oração são três vantagens: mérito,


perdão e graças. Quanto ao mérito da oração, temos o
testemunho de Cristo no evangelho: Quando orardes,
não façais como os hipócritas, que gostam de orar de
pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem
vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já
receberam sua recompensa. Quando orares, entra no
teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo;
e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á
(Mt 6,5-6). Por estas palavras, o Senhor proibe a prece
em local público como vanglória, para ser visto pelos
outros. Caso contrário, podemos rezar no templo e
encontrar uma "quarto" em nosso coração e, então,
rezar para Deus "em segredo". As palavras
"recompensar-te-á" significam o mérito, pois como
Ele disse sobre os fariseus, já receberam sua
recompensa, ou seja, reconhecimento humano.
Aquele que orar no silêncio de seu coração, que olhar
somente para o Senhor, devemos entender que serão
recompensadas pelo Pai que vêm em segredo.
Quanto ao perdão pelos pecados cometidos,
conhecemos a prática da Igreja, que quando o perdão
é desejado, a oração deve-se unir ao jejum e esmolas;
embora muitas vezes jejum e esmolas sejam
esquecidos, a oração é essencial.

Enfim, pela oração podemos receber muitas graças,


como nos ensina São João Crisóstomo em seus
escritos sobre a oração, nos quais ele emprega uma
comparação com as mãos humanas. Embora o
homem nasça nu e necessitado de todas as coisas,
não pode queixar-se do Criador, por que recebeu suas
mãos, o orgão acima de todos orgãos, através do qual
podemos obter alimento, casa e tudo mais. Do
mesmo modo, o homem espiritual não pode fazer
nada sem a assistência divina; ele possui o poder da
oração, o orgão espiritual mais importante, através do
qual Deus pode facilmente prover todas as nossas
necessidades.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto


Belarmino, bispo (século XVIII)
Seis condições para a oração correta (capítulo VII)
eis condições para a oração correta

Vamos agora falar do método para rezar


corretamente, necessário para a arte de viver
corretamente e, por conseqüência, morrer
corretamente. Comecemos pelo que diz o Senhor:
Pedi e se vos dará. Buscai e achareis (Mt 7,7). São
Tiago, em sua epístola, explica que a frase deve ser
compreendida com uma condição: se nós pedirmos
propriamente: Pedis e não recebeis, porque pedis mal
(Tg 4,3). Devemos entender da seguinte maneira:
aquele que pedir os dons para viver de maneira justa,
sem dúvida será atendido; e aquele que pedir por
perseverança na vida até a sua morte, e pedir por
uma morte feliz, também com certeza obterá.
Portanto, nós explicaremos as condições da oração,
para que saibamos rezar bem, viver bem e morrer
bem.

A primeira condição é a fé, de acordo com as palavras


do apóstolo: Porém, como invocarão aquele em quem
não têm fé? (Rm 10,14a), com as quais São Tiago
concorda: mas peça-a com fé, sem nenhuma vacilação
(Tg 1,6a). Mas a necessidade de fé não deve ser
entendida como se fosse importante acreditar que
Deus deva certamente atender ao que é pedido, pois
neste caso nossa fé seria provada falsa e então não
obteríamos nada. Devemos acreditar que Deus é mais
poderoso, mais sábio e mais digno de fé; e que Ele
sabe, que tem poder e está preparado para atender
nossos pedidos, se entendê-lo apropriado e útil para
nós, receberemos o que pedimos. Esta fé Cristo pediu
aos dois homens cegos que curou: Credes que eu
posso fazer isso? (Mt 9, 28) Com a mesma fé Davi
rezou pelo seu filho adoentado, como provam suas
palavras, pois ele acreditava não ser seguro que Deus
atenderia suas preces, mas que somente Deus seria
capaz de conceder tal graça: Quem sabe, talvez o
Senhor terá pena de mim e o menino ficará bom?
(2Sm 12,22) Disto não se pode duvidar. Com a mesma
fé o apóstolo Paulo rezou para se livrar de um
"espinho na carne". Pois o apóstolo rezou com fé, e
sua fé não era falsa se ele acreditava que Deus
poderia lhe conceder a cura que pedia, embora não
tenha obtido o que pedia. E com a mesma fé a Igreja
pede por todos heréticos, pagãos, cismáticos e maus
cristãos que possam ser converter, e, no entanto, é
certo que nem todos se converterão.

Outra condição muito necessária para rezar é a


esperança. Pois ainda que pela fé, que é conseqüência
da compreensão, nós não acreditemos que Deus
atenderá nossos pedidos; pela esperança, que é um
ato de desejo, podemos firmemente nos apoiar na
bondade divina e termos confiança que Deus poderá
nos atender. Esta condição Deus requer do paralítico,
para quem diz: Meu filho, coragem! Teus pecados te
são perdoados (Mt 9,2). O mesmo pede o apóstolo
para todos, quando diz: Aproximemo-nos, pois,
confiantemente do trono da graça, a fim de alcançar
misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno
(Heb 4,16). E muito antes dele, o profeta apresenta
Deus, falando: Quando me invocar, eu o atenderei; na
tribulação estarei com ele (Sl 90,15). Mas como a
esperança brota da fé perfeita, quando a Escritura
requer fé nas grandes coisas, ela acrescenta algo
sobre esperança. Assim lemos em São Marcos: Em
verdade vos declaro: todo o que disser a este monte:
Levanta-te e lança-te ao mar, se não duvidar no seu
coração, mas acreditar que sucederá tudo o que
disser, obterá esse milagre (Mc 11,23). Que a fé
produz confiança, podemos entender destas palavras
do apóstolo: mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de
transportar montanhas (1Co 13,2b). João Cassiano
escreve em seu Tratado sobre a Oração que um sinal
certo que nossos pedidos serão atendidos, ocorre
quando em oração, nós não duvidamos que Deus
certamente nos atenderá, e não hesitamos de
nenhuma maneira, mas derramos nossas orações com
alegria espiritual.

A terceira condição é a caridade, pela qual nos


libertamos dos pecados; pois os amigos de Deus
obtém os seus dons. Assim fala Davi em um Salmo: Os
olhos do Senhor estão voltados para os justos, e seus
ouvidos atentos aos seus clamores (Sl 33,15). e em
outro: Se eu intentasse no coração o mal, não me
teria ouvido o Senhor (Sl 65, 18).    E no Novo
Testamento, o Senhor mesmo confirma: Se
permanecerdes em mim, e as minhas palavras
permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes
e vos será feito (Jo 15,7). E o amado discípulo fala:
Caríssimos, se a nossa consciência nada nos censura,
temos confiança diante de Deus, e tudo o que lhe
pedirmos, receberemos dele porque guardamos os
seus mandamentos e fazemos o que é agradável a
seus olhos (1Jo 3,21-22).

Isto não é contrário à doutrina. Quando o publicano


suplica por perdão de seus pecados, ele retorna para
casa "justificado"; pois um pecador arrependido não
obtém perdão por ser pecador, mas por estar
arrepedido; pois como pecador ele é inimigo de Deus;
como penitente, amigo de Deus. Aquele que peca,
desagrada a Deus; mas quem se arrepende de seus
pecados, faz o que mais agrada ao Senhor.

A quarta condição é a humildade, pela qual o


suplicante, confia não em sua própria justiça, mas na
bondade de Deus: Fui eu quem fez o universo, e tudo
me pertence, declara o Senhor. É o angustiado que
atrai meus olhares, o coração contrito que teme
minha palavra (Is 66,2). E o Livro do Eclesiástico
acrescenta: A oração do humilde penetra as nuvens;
ele não se consolará, enquanto ela não chegar (a
Deus), e não se afastará, enquanto o Altíssimo não
puser nela os olhos (Eclo 35,21).

A quinta condição é a devoção, pela qual não


devemos rezar de maneira negligente, como muitos
costumam fazer, mas com atenção, sinceridade,
diligência e fervor. Nosso Senhor severamente adverte
aqueles que rezam apenas com os lábios. Assim Ele
nos fala em Isaias: O Senhor disse: Esse povo vem a
mim apenas com palavras e me honra só com os
lábios, enquanto seu coração está longe de mim (Is
29, 13). Esta virtude é fruto de uma fé viva e consiste
não apenas no hábito de orar, mas na ação. Para
aqueles que com fé firme e atenção consideram a
grandeza de Sua Majestade Nosso Senhor, quão
grande é nossa insignificância, e como são
importantes nossos pedidos, não pode fazer diferente
que rezar com grande humildade, reverência, devoção
e fervor.

Aqui devemos acrescentar o testemunho importante


de dois santos padres. São Jerônimo escreve: começo
pela oração: não devo orar se não acreditar; mas se
eu tiver fé verdadeira, este coração, que Deus vê,
posso limpá-lo; posso bater no peito, posso molhar
minhas faces com minhas lágrimas, posso negligenciar
toda atenção ao meu corpo e tornar-me fraco; posso
me jogar aos pés do meu Senhor, molhá-los com
minhas lágrimas e secá-los com meus cabelos; me
apoiar na cruz, e não abandoná-la enquanto não
obtiver misericórdia. Porém mais frequentemente
durante minhas orações encontro-me caminhando
pela cidade e sendo levado por pensamentos maus,
entretenho-me em coisas das quais me envergonho
de falar. Onde está nossa fé? Supomos que Jonas
rezou assim? Os três jovens? Daniel na cova dos
leões? Ou o bom ladrão na cruz?

São Bernardo, no seu Sermão sobre os Quatro


Métodos da Oração, escreve: sobretudo nos impele,
durante o tempo de oração, entrar no quarto celestial,
no qual o Rei dos Reis encontra-se sentado em seu
trono, cercado por inumerável e glorioso exército de
almas abençoadas. Com tal reverência, tal temor, tal
humildade, nos aproximamos com pó e cinzas, nós
que não somos nada além de pequenos insetos
rastejantes. Com tal temor, seriedade, atenção e
solicitude deve tão miserável homem estar próximo
da divina majestade, na presença de anjos, na
assembléia dos justos? Em todas nossas ações temos
necessidade de vigilância, especialmente na oração.

A sexta condição é a perseverança, que nosso Senhor


em duas parábolas recomenda: uma sobre o amigo
importuno que pede dois pães em um horário
inconveniente, no meio da noite, e recebe pela sua
perserverança (Lc 11,5-8); outra sobre a viúva que
pede sem esmorecer para que o juiz a livre de seu
adversário; e o juiz, embora sendo iníquo, homem
que não temia nem Deus nem os homens,
sobrepujado pela perseverança da mulher, livrou-a de
seu inimigo. Destes exemplos o Senhor conclui, que
muito mais perseverantes devemos ser na oração a
Deus, porque ele é justo e misericordioso. E São Tiago
completa: Deus concede generosamente a todos, sem
recriminações (Tg 1,5). Ou seja, ele concede seus dons
liberalmente a todos que pedem, e "sem
recriminações" por serem inoportunos, pois Deus não
tem limites em suas riquezas nem em sua
misericórdia.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto


Belarmino, bispo (século XVIII)
A importância do jejum (capítulo VIII)
A importância do jejum
Seguindo a ordem dada pelo anjo, agora falaremos
sobre o jejum. Nossa intenção é explicar a arte de
viver justamente, porque nos preparará para
morrermos justamente. Para jejuar de maneira
correta, três coisas são suficientes, assim como
escrevemos sobre a oração: a necessidade, os frutos e
um método apropriado.

A necessidade de jejuar é dupla, derivada da lei


humana e divina. Da divina, nos fala o profeta Joel:
Por isso, agora ainda - oráculo do Senhor -, voltai a
mim de todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e
gemidos de luto (Jl 2,12). A mesma linguagem utiliza o
profeta Jonas, que testemunha sobre os ninivitas, que
para acalmar a ira de Deus, proclama um jejum; e, no
entanto, na época não havia nada dito sobre jejum na
lei. Da mesma forma aprendemos das palavras de
Nosso Senhor: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça
e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens
que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente
ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto,
recompensar-te-á. (Mt 6,17-18).

Profeta Jonas, ícone da Igreja Ortodoxa


Russa, pintado no século XVI (Monastério
de Khizi, Karelia, Russia)
Podemos acrescentar as palavras de um dos santos
padres, Santo Agostinho, que fala: "nos Evangelhos e
epístolas, ao longo de todo Novo Testamento, eu vejo
o jejum como um preceito. Mas em certos dias nos é
dito para não jejuarmos; e os dias em que devemos
jejuar não está definido pelo Senhor ou apóstolos."
São Leão (Papa Leão I) diz em seu sermão sobre o
jejum: "aquilo que era figura das coisas futuras foram
deixadas, uma vez que o seu significado foi realizado.
Mas a utilidade de jejuar não passou com o Novo
Testamento; deve ser piedosamente observado, pois o
jejum é sempre lucro para a alma e o corpo". As
palavras "Adorarás o Senhor teu Deus e a ele só
servirás" (Lc 4,8) foram dadas aos primeiros cristãos.
São Leão não quer dizer que os cristãos devem jejuar
da mesma maneira que os judeus estavam
acostumados. Mas, que o preceito dado aos judeus
deve ser observado também pelos cristãos seguindo a
determinação dos pastores da igreja quanto ao tempo
e maneira.

Os frutos e as vantagens do jejum são facilmente


provadas. Primeiro, é útil porque ajuda a preparar a
alma para a oração e contemplação das coisas divinas,
com disse o anjo Rafael: a oração é boa com jejum.
Moisés por quarenta dias preparou sua alma
jejuando, antes de falar com Deus; Elias jejuou por
quarenta dias, com o objetivo de estar pronto, tanto
quanto permite as limitações humanas, para
conversar com Deus; e Daniel, por um jejum de três
semanas, estava preparado para receber as revelações
de Deus. A Igreja definiu jejuns nas vigílias de grandes
festividades, para que os cristãos estejam prontos ao
celebrar as solenidades divinas. Os santos padres
falam desta utilidade do jejum. Não posso deixar de
citar São João Crisóstomo: o Jejum é um suporte para
a alma, nos dá asas para subir aos céus e apreciar as
mais altas contemplações.

Outra vantagem do jejum é que sacrifica a carne; e tal


jejum é particularmente agradável a Deus, pois a Ele
agrada quando crucificamos a carne, com seus vícios e
concupicências, como São Paulo nos ensina na
Epístola aos Gálatas e diz sobre si mesmo: Ao
contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em
servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído
depois de eu ter pregado aos outros (1Co 9,27). De
maneira semelhante falam Teófilo, São Ambrósio, São
Cipriano, São Basílio, São Jerônimo e Santo Agostinho.
E nos ofício das orações, a Igreja canta: "Carnis terat
superbiam potûs cibique Parcitas." (Moderação na
bebida e comida sacrificam o orgulho da carne).

Outra vantagem é que honramos Deus em nossos


jejuns, porque quando jejuamos em sua intenção, nos
o honramos. Assim fala o apóstolo Paulo na Epístola
aos Romanos: Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas
misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos
em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o
vosso culto espiritual (Rm 12,1). Deste culto espiritual,
São Lucas fala quando menciona a profetisa Ana:
Depois de ter vivido sete anos com seu marido desde
a sua virgindade, ficara viúva, e agora com oitenta e
quatro anos não se apartava do templo, servindo a
Deus noite e dia em jejuns e orações (Lc 2,37). O
grande Concílio de Nicéia no V Canon, pede jejum
durante a Quaresma, como um presente solene
oferecido pela Igreja para Deus. Da mesma maneira
escreve Tertuliano no seu livro "Ressureição da
Carne", onde ele chama alimentos secos e já sem
sabor tomados tardiamente como sendo sacrifícios
agradáveis a Deus; e São Leão I, no segundo sermão
sobre o jejum fala que para seguramente receber
todo os frutos do jejum, o sacrifício de abstinência é
mais valioso quando oferecido para Deus, aquele que
nos dá tudo que precisamos.

A quarta vantagem do jejum é ser realizado como


penitência por um pecado. Muitos exemplos na
Sagradas Escrituras provam este ponto. Os ninivitas
agradaram a Deus pelo jejum, como testifica Jonas. Os
judeus fizeram o mesmo, jejuando com Samuel
ganharam a vitória sobre os inimigos. O ímpio rei
Acab, jejuando e vestindo roupa de sacos, satisfez
parcialmente a Deus. Nos tempos de Judite e Ester, os
judeus obtiveram misericórdia de Deus por nenhum
outro sacrifício além de jejuns, choros e lutos.

Por fim, jejuar é meritório e muito poderoso para


obter favores divinos. Ana, embora já com o ventre
seco, mereceu por jejuns ter um filho. São Jerônimo
interpreta assim esta passagem: ela chorou e não
tomou alimentos e então Ana, por sua abstinência,
mereceu dar à luz um filho. Sara, por um jejum de três
dias, libertou-se de um demônio, como podemos ler
no livro de Tobias. Mas também há uma passagem
importante no Evangelho de São Mateus: Quando
jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto.
Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas
somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu
Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á (Mt
6,17-18).

As palavras "recompensar-te-á" indica que dará um


prêmio; em oposição a outra palavra: Quando
jejuardes, não tomeis um ar triste como os hipócritas,
que mostram um semblante abatido para manifestar
aos homens que jejuam. Em verdade eu vos digo: já
receberam sua recompensa (Mt 6,16). Pois os
hipócritas ao jejuarem, recebem seu prêmio, ou seja,
a admiração humana; os justos também recebem seu
prêmio, o reconhecimento divino.
O modo de jejuar (capítulo VIII)
O Modo de Jejuar
Agora explicarei brevemente a maneira pela qual
devemos jejuar, para que nosso jejum seja proveitoso
e útil, nos conduza à uma vida justa, e, por
conseqüência, à uma morte justa. Muitos jejuam em
todos os dias indicados pela Igreja: nas vigílias, dias de
semana e durante a Quaresma. Alguns jejuam
também durante o Advento, prepararando-se
piedosamente para a Natividade de Nosso Senhor; ou
nas sextas-feiras, em memória da paixão de Cristo; ou
aos sábados, em honra a Nossa Senhora Virgem Mãe
de Deus. Mas, qualquer que seja o motivo, é
questionável se estão aproveitando bem as vantagens
do jejum. O principal objetivo do jejum é a
mortificação da carne e que o espírito seja fortalecido.
Com este propósito, devemos nos restringir apenas à
dietas não prazerosas. Assim nossa mãe a Igreja nos
orienta a termos apenas uma refeição completa por
dia, e sem comer carnes vermelhas ou brancas e
partir apenas ervas ou frutas.

Cristo no Deserto.
Pintura de Moretto da Brescia, (Metropolitam
Museum of Art/NY)
Tertuliano assim qualifica em duas palavras, no seu
livro "A Ressureição da Carne", quando chama o
limento daqueles que jejuam como "refeições tardias
e secas". Há aqueles que certamente não observam
estes preceitos, que nos dias de jejum comem em
apenas uma refeição tudo que comeriam durante
num dia normal, que almoçam e jantam ao mesmo
tempo, que para apenas uma refeição preparam
tantos pratos de diferentes peixes e outras coisas
agradáveis, que não parece algo para piedosos
jejuadores, mas um banquete nupcial que continua
através da noite. Estes que assim jejuam, certamente
não aproveitam os benefícios do jejum.

Também não obtém os frutos de um jejum piedoso


quem, apesar de comer moderadamente, nos dias de
jejum não se abstem de jogos, festas, disputas,
discussões, músicas lascivas, e atitudes imoderadas;
ou ainda pior, cometem crimes como se fossem dias
comuns. Escutem o que diz o profeta Isaias sobre este
tipo de pessoas: De que serve jejuar, se com isso não
vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais
atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de
vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários.
Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo
com o punho o pobre. Não é jejuando assim que
fareis chegar lá em cima vossa voz. (Is 58, 3-4) Então o
Todo-Poderoso corrige o povo, porque nos dias de
jejum, preferem fazer a sua vontade e não a vontade
de Deus; por que não perdoam seus devedores, como
rezam para serem perdoados por Deus; não são
capazes nem de esperar para cobrar seu dinheiro.
Também passam o tempo que deveria ser utilizado
em orações ocupados em disputas e discussões. Assim
agindo, ao invés de ocuparem o dia atendendo coisas
espirituais, como deve-se fazer em dias de jejum, eles
estão somando pecados novos aos pecados
anteriores, atacando ao próximo.

Estes e outros pecados devem ser evitados por


pessoas piedosas, que desejam que seu jejum agrade
a Deus e seja útil para si mesmo. Estes poderão ter
esperança em uma vida justa e em um dia, morrer de
maneira santa.
Os frutos da esmola (capítulo IX)
Os frutos da esmola
Em primeiro lugar, ninguém duvida que as Sagradas
Escrituras pedem esmolas. A sentença que nosso
supremo e justo Juiz proferirá contra os ímpios no
último dia é suficiente, mesmo supondo que não
tenha nada mais contra nós:    Retirai-vos de mim,
malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao
demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me
destes de comer; tive sede e não me destes de beber;
era peregrino e não me acolhestes; nu e não me
vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes (Mt
25,41-43). E um pouco depois: Em verdade eu vos
declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a
um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de
fazer (Mt 25,45).   

Se não há muito a dizer sobre a necessidade de dar


esmolas, há muito mais sobre os frutos, pois estes são
abundantes. Primeiro, esmolas salvam a alma da
morte eterna, sejam elas uma forma de satisfação ou
disposição de receber as graças. Esta doutrina é
claramente ensinada nas Sagradas Escrituras. No livro
de Tobias podemos ler: a esmola livra do pecado e da
morte, e preserva a alma de cair nas trevas (Tb 4,11);
no mesmo livro, o anjo Rafael afirma: a esmola livra
da morte: ela apaga os pecados e faz encontrar a
misericórdia e a vida eterna (Tb 12,9). E Daniel disse
ao rei Nabucodonosor: Queiras então, ó rei, aceitar
meu conselho: resgata teu pecado pela justiça, e tuas
iniqüidades pela piedade para com os infelizes; talvez
com isso haja um prolongamento de tua prosperidade
(Dn 4,24 ).

Esmolas também, se dadas por um homem justo, e


com verdadeira caridade, são meritórias para a vida
eterna:    isto o Juiz dos vivos e mortos pode
testemunhar: Vinde, benditos de meu Pai, tomai
posse do Reino que vos está preparado desde a
criação do mundo, porque tive fome e me destes de
comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino
e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me
visitastes; estava na prisão e viestes a mim (Mt 25, 34-
36). E logo após: Em verdade eu vos declaro: todas as
vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais
pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes (Mt
25,41).

Maria Madalena aos pés de Jesus

Em terceiro lugar, esmolas são como um batismo,


porque levam consigo tanto os pecados quanto a
punição, de acordo com as palavras do Eclesiástico: A
água apaga o fogo ardente, a esmola enfrenta o
pecado (Eclo 3,33). A água extingue completamente o
fogo, de tal modo que a fumaça permanece. Desta
maneira ensinam muitos dos Santos Padres, como São
Cipriano, São Ambrósio, São João Crisóstomo e São
Leão, cujas palavras é desnecessário citar. Esta,
portanto, é uma grande vantagem, que pode inflamar
em todos os homens o amor às esmolas. Mas isto não
pode ser entendido de qualquer modo, mas apenas
aquelas que são procedidas de grande contrição e
caridade, tais como Santa Maria Madalena, que, em
lágrimas de verdadeira contrição, lavou os pés do
Senhor; e tento comprado o mais precioso perfume,
derramou-o sobre Seus pés.

Em quarto lugar, as esmolas aumentam a confiança


em Deus e produzem alegria espiritual; embora isto
seja comum a outras obras de caridade, dá-se de
modo particular com as esmolas, pois através delas
prestasse um serviço especial a Deus e aos irmãos, e
esta obra é claramente reconhecida como boa. Daí a
palavra de Tobias: A esmola será para todos os que a
praticam um motivo de grande confiança diante do
Deus Altíssimo (Tb 4,12). E o apóstolo, na sua Epístola
aos Hebreus, diz: Não percais esta convicção a que
está vinculada uma grande recompensa (Hb 10, 35).
São Cipriano, no Sermão sobre as Esmolas, a chama
de "grande conforto dos fiéis".
Em quinto lugar, as esmolas conciliam a boa vontade
de muitos que rezam por seus benfeitores e obtém
para eles tanto a graça da conversão, ou o dom da
perseverança, ou um aumento de méritos e glória. De
todas estas maneiras devem ser compreendidas estas
palavras do Nosso Senhor: fazei-vos amigos com a
riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar,
eles vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9).

Em sexto lugar, as esmolas demonstram disposição


para receber a graça da justificação. Deste fruto
Salomão nos fala no livro dos Provérbios, onde afirma:
É pela bondade e pela verdade que se expia a
iniqüidade (Pv 16,6a). E quando Cristo ouviu falar da
liberalidade de Zaqueu: Senhor, vou dar a metade dos
meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém,
restituirei o quádruplo. Disse-lhe Jesus: Hoje entrou a
salvação nesta casa (Lc 19, 9b-10a). Também lemos
nos Atos dos Apóstolos o que foi dito à Cornélio, que
ainda não era um cristão, mas deu grandes esmolas:
As tuas orações e as tuas esmolas subiram à presença
de Deus como uma oferta de lembrança (At 10,4).
Deste ponto Santo Agostinho prova que Cornélio,
pelas suas esmolas obteve de Deus a graça da fé e
perfeita justificação.

Por fim, esmolas são um instrumento para aumentar


os bens materiais. Isto afirma o homem inteligente:
Quem se apieda do pobre empresta ao Senhor, que
lhe restituirá o benefício (Pv 19,17). E também: O que
dá ao pobre, não padecerá penúria (Pv 28,27). Jesus
nos ensinou esta verdade pelo seu próprio exemplo,
quando ordenou a seus discípulos que distribuíssem
os cinco pães e dois peixes; em retorno receberam
doze cestos, dos quais serviram-se por muitos dias.
Tobias também distribui fartamente aos pobres e, em
curto espaço de tempo, obteve grandez riquezas. A
viúva de Sarepta, deu a Elias apenas um refeição e um
pouco de óleo, obeteve de Deus por este ato de
caridade, abundância de alimentos e óleo, que por
longo tempo não terminaram.
Como dar esmolas (capítulo IX)
Como dar esmolas
Agora iremos discutir um pouco o método de dar
esmolas; pois é especialmente necessário para viver
bem e ter uma morte feliz.

Primeiro, devemos dar esmolas com pura intenção de


agradar a Deus e não obter reconhecimento humano.
Isto Nosso Senhor nos ensina quando diz: Quando,
pois, der esmola, não toques a trombeta diante de ti,
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas,
para serem louvados pelos homens.Quando deres
esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a
direita. (Mt 6,2-3). Santo Agostinho expõe esta
passagem assim: a mão esquerda significa a intenção
de dar esmolas para obter honras mundanas e outras
vantagens temporais; a mão direita significa a
intenção de conceder esmolas para ganahr a vida
eterna, ou para glória de Deus, e por caridade ao
próximo.

Segundo, nossas esmolas devem ser dadas pronta e


voluntariamente, tal que não pareça ter sido
extorquida através de súplicas, nem adiada dia após
dia. O homem sábio diz: Não digas ao teu próximo:
Vai, volta depois! Eu te darei amanhã, quando dispões
de meios (Pv 3,28). Abraão, temente a Deus, pediu
aos anjos para ir à casa dele, não esperou que lhe
pedissem, e disse a Ló para fazer o mesmo. E lemos
que Tobias também não esperou que o pobre viesse a
ele, mas procurou-os por si mesmo.

Terceiro, devemos das esmolas com alegrias, não


tristeza. O Eclesiástico diz para mostrar
contentamento. São Paulo escreve: Dê cada um
conforme o impulso do seu coração, sem tristeza nem
constrangimento. Deus ama o que dá com alegria (2
Cor 9,7).

Quarto, nossas esmolas devem ser dadas com


humildade, pois o homem rico deve lembrar que
recebe muito mais do que el dá. Sobre este ponto, São
Gregório fala: quando der bens terrenos, o homem
encontrará muito proveito em controlar seu orgulho e
relembrar cuidadosamente as palavras de seu Mestre
celestial: eu vos digo: fazei-vos amigos com a riqueza
injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos
recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9). Para
através de suas amizades adquirir tabernáculos
eternos, aqueles que dão, sem dúvida, devem lembrar
de oferecer seus dons para os pobres, não para os
ricos.

Em Jope havia uma discípula chamada Tabita - em


grego, Dorcas. Esta era rica em boas obras e
esmolas que dava (At 9,36).
Quinto, nossas esmolas devem ser dadas
abundantemente, em proporção aos nossos bens.
Assim fez e nos ensinou Tobias, o mais generoso em
dar esmolas: se tiveres muito, dá abundantemente; se
tiveres pouco, dá desse pouco de bom coração (Tb
4,9). E o apóstolo ensina que as esmolas devem ser
dadas para alcançar a benção, não com avareza. São
João Crisóstomo acrescenta: não apenas dar, mas dar
abundantemente, isto é esmola. E, no mesmo sermão,
repete: aqueles que desejam ser ouvidos por Deus
quando dizem "tenha piedade de mim, oh Deus", de
acordo com a divina misericórdia, devem ter
misericórdia para com os pobres, na medida de suas
posses.

Por fim, acima de todas as coisas, quem desejar ser


salvo e ter uma boa morte, diligentemente deve
perguntar-se, através de leituras e meditações, ou
consultando homens santos e sábios, se suas
supérfluas riquezas podem ser mantidas sem cometer
pecado, ou se devem dá-las para os pobres; o que
deve ser compreendido como supérfluo e quais são os
bens necessários. Pode ocorrer que algumas riquezas
moderadas sejam supérfluas, enquanto outras
grandes riquezas seja absolutamente essenciais.

E desde que este tratado não requer estudos


escolásticos aprofundados, irei brevemente citar
algumas passagens da Escritura e Santos Padres. As
Escrituras dizem: não podeis servir a Deus e à riqueza
(Mt 6,24) e quem tem duas túnicas dê uma ao que
não tem; e quem tem o que comer, faça o mesmo (Lc
3,11). E no capítulo 12 de São Lucas é dito sobre quem
tem grandes riquezas, que nem sabe o que fazer com
elas: Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua
alma. E as coisas, que ajuntaste, de quem serão? (Lc
12,20). Santo Agostinho explica que estas palavras
indicam que o homem rico perecerá porque não sabe
utilizar suas riquezas supérfluas.

São João Crisóstomo afirma em sua 34a. homília ao


povo de Antioquia: tens algumas posses? O interesse
dos pobres está confiado a ti, sejam teus bens frutos
de justos trabalhos ou herdados de teus pais. São
Agostinho, nos Comentários sobre o Salmo 147:
nossos bens supérfluos pertencem aos pobres; se não
forem dados a eles, nós possuímos o que não temos
direito. São Leão fala: bens temporais são dados para
nós pela liberalidade de Deus, e Ele pedirá contas
deles, pois foram concedidos a nós. São Tomás ensina
que as riquezas temporais que possuímos, por lei
natural pertencem aos pobres. E também que o
Senhor nos pede para dar aos pobres não apenas a
décima parte, mas todos bens supérfluos. O mesmo
autor assegura que esta é a opinião comum de todos
teólogos. E acrescento também, que se alguém quiser
obedecer estritamente a letra da lei, não é apenas
convidado a dar seus bens para os pobres, é obrigado
a fazê-lo pela lei da caridade, pois tanto faz se
escaparmos do inferno por seguirmos a lei ou por
verdadeira caridade.
Os próximos sete capítulos que completam o livro
falam sobre os sacramentos, um capítulo para cada
sacramento.

Escolhi este livro por dois motivos: (1) achei excelente


e (2) até onde pesquisei, não está disponível em
língua portuguesa. Assim, achei que seria muito útil
para todos uma tradução, mesmo que parcial. O texto
original , no qual tenho me baseado, está disponível
neste link.
Gostaria de deixar claro que esta tradução é de minha
responsabilidade, não sou tradutor nem tenho
formação específica na área. Apenas resido nos EUA e
por isso tenho certa facilidade com a língua inglesa.
Algumas frases ou parágrafos do livro, escrito em um
inglês um pouco mais arcaico são mais dificeis para
traduzir e, eventualmente, não traduzo para evitar
confusões. Outro problema é quanto a textos citados
de outros santos que já foram publicados em
português, mas que não tenho cópia a disposição para
utilizar a tradução adequada. Em geral, se não
encontro o texto na Internet, evito uma tradução
própria simplesmente não postando o trecho. As
citações bíblicas baseiam-se na versão da Ave Maria,
disponível no site Bíblia Online.

Escrevo isto para que fique claro não se tratar de um


trabalho completo ou profissional. Não acho
adequado sua utilização em trabalhos acadêmicos ou
publicações oficiais. Mas afirmo que tenho o máximo
cuidado em ser fiel às ideias de São Roberto
Belarmino.

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