Psicoterapia Analitica
Psicoterapia Analitica
Psicoterapia Analitica
de orientao junguiana
RESUMO Este relato versa sobre a prtica clnica com adultos no acompanhamento do processo de amadurecimento psicolgico ou processo de individuao, tal como descrito por C. G. Jung. O especfico desse trabalho que, alm dos sonhos e sua interpretao, tambm utilizamos espaos e tcnicas fora do consultrio, tais como: o Atelier de Expresso, a prtica do Chi Kung e do Tai Chi Chuan. Aqui expomos e discutimos essas prticas complementares empregadas e experienciadas por ns como auxlio psicoterpico e comentamos alguns casos embasados teoricamente no s na Psicologia Analtica de C. G. Jung, como tambm pelo conhecimento das tcnicas milenares chinesas e das artes plsticas como expresso. No conjunto vemos emergir no paciente a funo de ampliao da conscincia na medida em que vai ocorrendo o conhecimento de si e a integrao de contedos antes inconscientes. Conclumos que o processo de amadurecimento psicolgico, como evidenciado por Jung, ocorre naturalmente em todo Ser humano. No entanto, aquelas pessoas que buscam a conscientizao e utilizam os meios oferecidos pela interpretao e integrao dos contedos dos sonhos, o trabalho de expresso no atelier, assim como os exerccios de Chi Kung e de Tai Chi Chuan, o desenvolvimento tende a fluir mais harmonioso na realizao de sua individuao. Nossa prtica psicoterpica, certamente, contribui para que a pessoa se torne aquilo que realmente , oportunizando a manifestao de sua singularidade de um modo bastante eficaz. Palavras chave: psicoterapia, psicologia analtica, individuao, sonhos, atelier de expresso, chi kung, tai chi chuan. ABSTRACT This narration consists of the clinical practice with adults accompaniment of the psychological maturation process or individuation process, according to C. G. Jungs description. The focus of this work is that, yonder of the dreams and its interpretation, we use places and techniques besides the office, such as: the Atelier de Expresso, the practice of the Chi Kung and the Tai Chi Chuan. Here we explain and discuss these complemental practices applied and tried by us as support in the psychotherapy and to explain some cases with theoretical support, not only in C.G. Jungs Analytical Psychology, but also through knowledge of the Chinese millenarian techniques and of the arts as expression. In the whole we see the amplification function of the conscience of patient emerging, while the self-knowledge and the integration of the contents previously unconscious occur. We conclude that the psychological maturation process, as Jung makes evident, is inherent in the whole human being. However, those persons that search the conscientiousness and utilize the ways offered through interpretation and integration of the dreams contents, the work of expression on the atelier, as well as the exercises of Chi Kung and Tai Chi Chuan, the development tends to flow more harmoniously in the realization of self-individuation. Our psychotherapy practice, certainly, contributes so that the person become what he/she is in reality, providing an opportunity to manifest his/her singularity in an efficient way. Key words : psychotherapy, analytical psychology, individuation, dreams, atelier de expresso, chi kung, tai chi chuan.
Psicoterapeutas de orientao junguiana, possuem sua Clnica no Espao Arte-Cincia, na cidade de Porto Alegre, Brasil www.espacoarteciencia.com.br
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PSICOTERAPIA ANALTICA A psicoterapia analtica tem incio depois de examinada tanto a histria pessoal que contm o segredo que trouxe a pessoa para tratamento , como o contexto social e coletivo no qual ela est inserida e atua , pois eles, de alguma forma, constituem a sua personalidade. imprescindvel descobrir a chave do segredo, propor no s perguntas que lhe digam respeito explorando o material narrado conscientemente , como tambm no se limitar apenas a sintomas, mas ir investigando os contedos inconscientes, trazidos pelos sonhos, pelas associaes, enfim, pelas fantasias expressadas como um todo, pois trabalhamos com a totalidade da psique, isto , a dimenso consciente e inconsciente. Para isso precisamos considerar todos os fatores que influenciam de maneira decisiva a vida psquica, seja de ordem social, ambiental, fsica ou emocional, no s estritamente psicolgica. Numa poca como a nossa, conturbada em alto grau pela negligncia dos poderes governamentais, pela corrida atrs do dinheiro, abalada por catstrofes ecolgicas, pelo crescimento da misria no mundo, afetando de algum modo o processo psquico das pessoas, ns psicoterapeutas, no podemos deixar de dedicar uma ateno especial aos efeitos que tais acontecimentos provocam na psique individual. A avalanche dos acontecimentos no mundo no perceptvel apenas no lado de fora, no exterior e distante. Ela atinge tambm a tranqilidade do nosso consultrio e a privacidade da psicoterapia. Ns, psicoterapeutas, somos responsveis pelas pessoas que acompanhamos e por isso no podemos, de maneira alguma, nos isolar numa torre cercada por uma montanha de livros e teorias. Precisamos tambm andar nas ruas e participar das lutas coletivas, das opinies, das paixes, alm de observar os modismos, pois do contrrio nos tornamos incapazes de sentir as inquietaes do nosso tempo e de entender o sofrimento das pessoas que nos procuram. Se no soubermos a discusso do nosso tempo, por mais que a hipocrisia dos protagonistas da poltica e do governo nos enoje, no saberemos lidar com os conflitos daquelas pessoas que nos procuram. Jung salientou que cada caso acompanhado por ns suscita novas abordagens psicoterpicas. Ele quis dizer com isso que existem tantas psicoterapias quanto o nmero de pacientes. O processo analtico deve tratar cada um to singularmente quanto possvel, pois a soluo do problema s pode ser encontrada na perspectiva individual. impossvel estabelecer regras gerais, salvo com grandes reservas. claro que devemos ter conhecimento de mtodos, porm o que queremos enfatizar que uma postura de rigidez por um caminho determinado e rotineiro desconsidera a individualidade que se encontra diante de ns. Jung chamou a ateno para a utilizao prudente das hipteses tericas, evitando a sistematizao, para deixar brotar a compreenso individual.
3 Seguindo as palavras de Jung2: O fato decisivo que enquanto ser humano, encontro-me diante de um outro ser humano. A anlise um dilogo que tem necessidade de dois interlocutores. O analista e o doente se encontram, face a face, olhos nos olhos. O mdico tem alguma coisa a dizer, mas o doente tambm. Por isso a formao em si ou a aplicao de um mtodo apenas no o suficiente para o trabalho no consultrio. Uma formao somente psiquitrica ou psicolgica no o bastante, porque a psique humana vai alm desses conhecimentos prticos de consultrio. A psique no s uma problemtica pessoal, mas uma questo que abarca a poca atual e o mundo humano. Sendo assim, a profisso exige uma formao muito ampla, profunda, longa e permanente, enfim, uma cultura geral. O resultado de um tratamento deve ir mais adiante do que uma simples soluo e abandono da atitude patolgica. Deve levar a pessoa a uma renovao, a uma atitude mais saudvel e apta para a vida. Muitas vezes isso pode implicar em uma modificao radical na maneira de encarar o mundo, pois a pessoa dever ser capaz, no s de reconhecer a causa e a origem (se isso for possvel) de seu problema, mas tambm de enxergar a meta a ser atingida. A parte doente no pode ser simplesmente eliminada, como se fosse um corpo estranho, sem risco de destruir, ao mesmo tempo, algo essencial que poderia e deveria continuar vivo e atuante. Nossa tarefa no destruir, mas cercar de cuidados o novo que surge, que deseja crescer, at se tornar, finalmente, capaz de desempenhar um papel importante na psique - quem sabe mensageiro do que imprescindvel em nossa vida psquica. um engano se acreditar que o inconsciente inofensivo, embora no se queira dizer tambm que seja apenas perigoso. No entanto, a cautela sempre a melhor maneira de abordar o que desconhecemos. Quando se manifesta uma neurose, isso pode ser sinal que no inconsciente h um acmulo de energia, como uma espcie de carga pronta a explodir. Alm disso, h as psicoses latentes, escondidas no interior de pessoas aparentemente normais que, infelizmente, no so to raras. Ao se iniciar, por exemplo, uma anlise de sonhos, no se pode saber que tipo de reao se vai provocar, por isso todo o cuidado pouco, quem sabe se pode evitar uma psicose de se manifestar, ou ao contrrio, temos de faz-la vir tona para tentar transform-la em sua prpria cura. Foi seguindo um caminho assim que nos fez criar um ESPAO de expresso para as pessoas que nos procuram nos fazendo sair de nosso campo estritamente clnico e muitas vezes participarmos de eventos que, de alguma forma, puderam fazer mais pessoas pensar sobre si mesmas, sobre a sua poca sempre que isso nos pareceu conveniente. Alm disso, a justificativa percebemos que muitos fatos coletivos precisam de um esclarecimento psicolgico, pois a sintomatologia psictica vem se estendendo aos acontecimentos pblicos e polticos com bastante
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4 facilidade. Em vista disso, comeamos a experimentar outros mtodos e criar novos espaos teraputicos, alm dos j usados por Jung, a saber: a interpretao dos sonhos e a imaginao ativa; com o fim de ampliar o espao de expresso do humano existente no interior de todas as pessoas. Como terapeutas na abordagem da Psicologia Analtica, seguimos o caminho proposto por Jung: Apenas conhecendo-se a si mesmo e a seus problemas, poder cuidar (...)3; num dilogo intenso conosco mesmas, procurando obter a compreenso constante e vivenciando os mtodos que aplicamos, num trabalho constante de autodescobrimento e desenvolvimento psquico.
O sonho uma criao psquica involuntria que possui suficiente conscincia para ser reproduzida no estado de viglia. um modo de expresso do nosso inconsciente, que se situa mais ou menos margem da continuidade do desenvolvimento dos contedos conscientes. Dizemos que o sonho est mais ou menos margem da conscincia, porque em quase todos os sonhos podemos ver detalhes de impresses, pensamentos e estados de esprito do dia ou dos dias precedentes. Esse um dos motivos do sonho muitas vezes aparentar ter uma continuidade da conscincia para trs. Mas quem observar atentamente ver tambm uma indicao para frente, esses so sonhos que nos informam eventos possveis de serem realizados, podendo ser favorveis ou desfavorveis ao/a sonhador/a. Os sonhos so fugazes, muitos deles escapam tentativa de rememorao, no o capturamos. Alguns s podemos reproduzir com uma duvidosa fidelidade e poucos recordamos claramente, o que explica a sua natureza muitas vezes fantstica. Eles se mostram numa seqncia bastante estranha visto assim pelo nosso modo de pensar realista , motivo pelo qual so percebidos como absurdos, resultando na projeo devido a nosso desconhecimento, o que no impede de o sonho ter o seu significado intrnseco e prprio. Como o sonho, geralmente, captado durante o sono, ele contm as caractersticas de baixa tenso energtica se comparados com os contedos conscientes, possuindo as seguintes qualidades: descontinuidade lgica; carter fragmentado; formaes analgicas; associaes de natureza verbal, sonora e/ou visual; irracionalidade de expresso e confuso; encontra-se fora do tempo e do espao, entre outros aspectos; o que os diferencia do pensar racional e linear. Para explicarmos um sonho primeiro investigamos as experincias precedentes e o momento atual, ficando em aberto a perspectiva futura que o mesmo aborda. Uma mulher ao iniciar o seu tratamento psicolgico traz o seguinte sonho: Um homem velho acompanhado de um auxiliar entrega um objeto sonhadora que ao segur-lo foi se flexionando
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5 para coloc-lo no cho. Na medida em que ia se aproximando do solo, a sonhadora percebia o que era aquele objeto. Inicialmente era um cristal no centro de uma almofada. Do cristal emergia uma luz, que quando colocada no solo ia se transformando no menino Jesus. O velho possua um ar sbio e sobre o corpo tinha uma pele de animal. No silncio, foi dito para a sonhadora: agora cuida dele. Esse foi o primeiro sonho trazido por uma mulher jovem que procurou o tratamento quando ainda era estudante de psicologia e quis comear seu caminho de autoconhecimento. Certos sonhos, em particular os sonhos iniciais de um tratamento, muitas vezes, elucidam com toda a clareza necessria, o fator etiolgico essencial. A anlise onrica dessa mulher lhe estimulou a um trabalho profundo, o qual lhe pedia uma postura de reflexo no contato com a realidade. Seu caminho psicolgico foi marcado pelo relacionamento com aspectos do masculino em si, que lhe conduziram a seu centro interior, ao si-mesmo, nas representaes j anunciadas pelo cristal e pelo menino Jesus. Foi dito a ela que cuidasse e ela acabou se aprofundando na Psicologia Analtica, no s para seu conhecimento pessoal, mas se tornando, anos depois, uma terapeuta tambm. Uma histria narrada pela conscincia tem incio, meio e fim, mas tal no acontece com um sonho. Suas dimenses de espao e tempo so diferentes. Para compreend-lo preciso examinar sob todos os aspectos, queremos dizer com isso que devemos olh-lo, igual quando tomamos algo desconhecido nas mos, virando e revirando at nos familiarizarmos com cada detalhe. Eles tm uma textura diferente, se acumulam de imagens que parecem contraditrias e ridculas, perdemos a noo de tempo e as coisas banais vo tendo um aspecto fascinante e/ou aterrador. As imagens produzidas nos sonhos adquirem uma significao psquica mais intensa, mesmo que tenhamos sonhado com coisas aparentemente banais, como uma porta fechando, ou at como o que sonhou uma pessoa que estava sentindo que no tinha para onde ir. O sonho lhe apresentou o seguinte contexto: Ela se encontra em um corredor cheio de portas e no sabe qual porta deve abrir. Na poca ela vivenciava a pequenez do ego (centro organizador da conscincia) que no a deixava ver as possibilidades, temia o novo, o desconhecido. O sonho lhe apontava possibilidades. Nada aconteceria em sua vida se no escolhesse, seja aleatoriamente, uma das portas. S depois que ousou uma das possibilidades dirigir-se a uma das portas , seu processo pode se abrir e se expandiu. Uma outra pessoa conservadora, caracteristicamente insegura e com baixa autoconfiana, sonhou que o seu apartamento abria uma porta para uma rplica do mesmo. Essa espcie de anexo ela ainda no conhecia. Essa imagem onrica a impelia para buscar a expanso em si mesma, no seu prprio eu ainda desconhecido. Seu espao psquico era mais amplo do que o que ocupava. Atravs do trabalho teraputico essa pessoa pode descobrir mais de si mesma e usar seus prprios recursos, que ainda desconhecia. Nossos pensamentos conscientes restringem-se aos limites de nossas afirmaes racionais, pois costumamos transferir para o inconsciente todas as fantsticas
6 associaes psquicas inerentes a todas as coisas que nos acontecem, como se aquilo estivesse fora de ns. O sonho coloca-nos a par da organizao psquica da personalidade global. Em oposio concepo freudiana para o qual o sonho no seno a realizao de um desejo , Jung comprova que o sonho mais do que isso, uma auto-representao, em forma espontnea e simblica, da situao atual do inconsciente4. Nesse ponto podemos ver como Jung difere bastante de Freud, o qual v o sonho apenas como um desejo associado sexualidade. A funo geral dos sonhos, segundo Jung, a de tentar restabelecer a nossa balana psicolgica, conseqentemente, produzindo um material onrico que reconstitui de maneira sutil o equilbrio psquico total. o que ele chama de funo complementar (ou compensatria) dos sonhos em relao a nossa constituio psquica consciente. Isso pode explicar por que pessoas com idias pouco realistas, ou que tem um conceito exageradamente alto de si mesmas ou que constroem planos em desacordo com sua capacidade, sonham que voam ou que caem. Nesses exemplos o sonho no s compensa as deficincias de suas personalidades, como tambm previne dos perigos de seguirem seus planos fora da sua realidade. Nem sempre, mas pode acontecer de pessoas assim sofrerem acidentes fsicos. Por isso ouvirmos dizer que os sonhos advertem, revelam situaes antes mesmo de que ocorram, mas isso nem sempre, pois no podemos ler os sonhos literalmente. Temos de lembrar que estamos lidando com smbolos. E um smbolo tudo aquilo que pode traduzir um fato complexo, segundo Jung, ainda no claramente apreendido pela conscincia. Se quisermos entender um sonho corretamente teremos de possuir conhecimentos acurados da conscincia, pois o sonho encerra o seu complemento inconsciente, ou seja, algum material constelado no inconsciente relacionado com o estado momentneo da conscincia. Exemplo: Um paciente sonha que est subindo uma montanha, esta feita de barro. Ao mesmo tempo em que vai subindo, vai moldando o seu prprio corpo, como se o modelasse com aquele mesmo barro, pois a subida mais ou menos de modo deitado. Esta pessoa era muito rgida e racional, s se interessando pelo que estava problematizado em sua vida atual e concreta, no caso especfico eram problemas no seu casamento. Achava que no era hora de tratar de seu processo de desenvolvimento psicolgico. Mas seu inconsciente vem lhe mostrar justamente o contrrio, ele lhe faz ver que deve intervir e experienciar o seu processo de desenvolvimento psquico, pois a formatao do seu ego est de modo intrnseco relacionado com o seu caminho psicolgico, envolvendo, claro, a sua problemtica atual. Para analisarmos um sonho dois pontos so fundamentais: primeiro, o sonho dever ser tratado como um fato, sem termos suposies prvias, a no ser que ele tenha um sentido em si mesmo; depois, precisamos aceitar que o sonho uma expresso do inconsciente. Um outro ponto
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7 importante diz respeito cautela que devemos ter com a interpretao. Existem pessoas em que o seu estado mental to desequilibrado que devemos ter o cuidado ao interpretar seus sonhos. So os casos de uma conscincia to unilateral extremamente isolada do inconsciente , que os dois extremos (consciente/inconsciente) no podem ser colocados em contato sem um cuidado prvio. Exemplo: Uma pessoa estava no mar surfando, mas no podia ir muito longe porque a prancha dela no tinha corda para prender o seu p. Entendemos esse sonho como uma advertncia, pois essa pessoa j tinha passado por um surto com internamento anos atrs. Isso alertava para no se ir muito longe da praia (=conscincia) e adentrar no mar do inconsciente, pois o mar, muitas vezes, est representando a origem da vida psquica, o inconsciente coletivo5. O que mais importante de salientarmos ainda que nenhum smbolo onrico pode ser separado da pessoa que o sonhou, assim como no existem interpretaes definitivas e especficas para qualquer sonho. Os sonhos so fenmenos completamente individuais e seus smbolos no podem ser catalogados. Eles devem ser entendidos com o auxlio do/a sonhador/a que poder nos dar as associaes quanto ao contexto da imagem onrica, por meio dos quais iremos explorar os seus aspectos. Mas algumas vezes um sonho tem elementos que no so individuais e nem fazem parte da experincia pessoal do/a sonhador/a. Sendo assim precisamos estar atentos ao momento coletivo atual, ter estudado mitologia no seu sentido amplo, pois sem essa bagagem ningum conseguir identificar as analogias importantes. Jung dizia a seus alunos: Aprendam tanto quanto puderem a respeito do simbolismo; depois, quando forem analisar um sonho, esqueam tudo6. Isso para lembrarmos que devemos primeiro escutar e captar o mximo possvel as associaes do/a sonhador/a e tambm a mensagem particular daquele sonho (isto quer dizer: a contribuio feita do inconsciente para a conscincia), tendo a mais criteriosa ateno nos mnimos detalhes, e s depois ir buscar as analogias existentes na histria do ser humano, nas religies, arte, etc..., pois acontecem os pequenos e grandes sonhos.7 Antes de acontecer a tragdia do Tsunami tivemos pacientes que trouxeram a imagem coletiva de uma onda gigante que destrua a costa, matando pessoas e invadindo casas. Como j dissemos, o sonho serve ao propsito de compensao, mesmo que seja no sentido coletivo. Por causa disso que o sonho um fenmeno psquico espontneo que transmite conscincia a situao inconsciente individual ou coletiva. Muito embora o sonho seja uma grande contribuio para a auto-regulao psicolgica, trazendo consigo o que estava recalcado, desprezado, ignorado, etc... o significado compensador do sonho, na maioria das vezes, no aparece imediatamente, porque no temos conhecimentos
Inconsciente Coletivo um termo cunhado por Jung para diferenciar do inconsciente pessoal. coletivo porque possui contedos universais. O inconsciente coletivo o repositrio de todas as experincias humanas, fonte dos instintos e gerador do impulso criador. Essas, entre outras, so discusses realizadas por Jung no vol. VIII das Obras Completas. 6 Obras Completas, vol. XVI, 163. 7 Obras Completas, Vol. VIII, 554.
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8 perfeitos a respeito da natureza e das necessidades da psique humana. Quanto mais unilateral for nossa atitude consciente e quanto mais nos afastarmos de nossa meta psicolgica, tanto maior ser a possibilidade de que nos apaream sonhos com contedos contrastantes, expressando a autoregulao psquica, tanto no aspecto individual como tambm coletivo. No caso da onda gigante, Jung distingue a funo prospectiva do sonho da funo compensadora. A funo prospectiva uma antecipao, surgida no inconsciente, de futuras atividades conscientes, como um exerccio preparatrio ou um esboo, um plano traado antes. Os sonhos no so profticos, apenas trazem a combinao precoce de possibilidades que podem concordar com o curso real dos acontecimentos, mas isso no quer dizer descrever com os mnimos pormenores. Uma vez uma pessoa sonhou com uma cadeira de balano se balanando sozinha. Ao lhe perguntarmos que cadeira seria essa, respondeu ser de seu padrinho. Dias depois seu padrinho morreu. No tratamento esforamo-nos por compreender e respeitar os sonhos e demais manifestaes do inconsciente; por um lado, para evitar a formao de uma oposio inconsciente, que, com o passar do tempo, pode se tornar perigosa, e por outro, para utilizar, na medida do possvel, o fator curativo da compensao. Uma longa srie de sonhos no aparenta mais aquela sensao de acontecimentos desconexos e isolados (que a maioria das pessoas costuma sentir), mas mostra um processo de desenvolvimento e de organizao que se desenrola segundo um plano bem elaborado, que mais adiante abordaremos no tpico do processo de individuao.
O Atelier de Expresso nasceu da dificuldade da vida atual, em geral, de as pessoas disporem de espao e tempo em seu cotidiano, em sua casa, que propicie a concreta expresso de si. Muitas no possuem uma disciplina e uma autodeterminao para o trabalho de expresso solitria, pois o coletivo social lhes impe verdades, a saber, que as atividades pragmticas e lucrativas so mais importantes. Sendo assim, deixam para o ltimo plano os aspectos intuitivos e imaginativos de seu ser, fazendo com que eles fiquem alojados, ou abafados no inconsciente e, de modo indireto, acabam por influenciar as aes conscientes e racionais. No sabem que essas fantasias constituem os contedos de seus lapsos, esquecimentos e outras perturbaes diversas, causando incmodos nas horas mais imprprias de sua vida. Quando uma pessoa comea o trabalho de expresso no atelier, apenas no manuseio com variados materiais como a argila, papis, lpis de cor, de cera, tintas, pincis, etc, j se sente aliviada de uma opresso emocional. O valor dessa atividade que o simples fato de desenhar, pintar, escrever, modelar, se expressar enfim, liberta-a de um estado psquico antes sentido como
9 perturbador. Isso por si s j basta para sabermos que qualquer pessoa pode usar esse recurso toda a vez que se sentir emocionalmente ruim. Quem o faz sente que se torna mais independente em sua criatividade no sentido amplo, isto , no sentido de criar situaes que envolvam solues de problemas, at mesmo nas questes do seu dia-a-dia. Ao pintar, desenhar, modelar, etc..., a pessoa est se plasmando (se configurando), pois o que vai ser representado so as suas fantasias ativas, aquilo que est mobilizado dentro de si. Ela descobre que uma eterna desconhecida para si, o eternamente outro. Muitas vezes se sabe, mas no se vivencia a ponto de se possuir a conscincia concreta disso. A partir do momento em que a pessoa se d conta que a existncia de fantasias algo inerente ao nosso ser e que dar espao e conquistar um tempo para elas uma abenoada sada para se evitar surpresas desagradveis no cotidiano, uma sensao de alvio e bem estar se instala em sua vida. O trabalho realizado no Atelier de Expresso embasa-se na imaginao ativa. Essa, alm dos sonhos, um outro mtodo usado na terapia analtica ou junguiana de abordagem psique inconsciente. A imaginao uma atividade reprodutora ou criativa da vida psquica, leva em conta que a psique um conjunto formado tanto pelo consciente quanto pelo inconsciente esse ltimo ocupa a maior parte da psique , sendo a imaginao, em sua grande totalidade, originada essencialmente na camada maior e desconhecida inconsciente. Mas nem por isso a imaginao ativa uma faculdade especial, pois ela se manifesta atravs do nosso pensar, sentir, intuir..., expressando livremente o nosso instinto de criao. A fantasia, como uma atividade imaginativa, uma das expresses da energia psquica inconsciente, aparecendo na conscincia em forma de imagens. Mas o que uma imagem na linguagem junguiana? A imagem a expresso concentrada da situao psquica como um todo e no somente dos contedos inconscientes. Isto , ela expressa os contedos inconscientes a princpio no todos , apenas aqueles momentaneamente atrados pela conscincia. Estamos nos referindo queles contedos inconscientes que complementam os assuntos que a conscincia est envolvida. Uma pessoa que comeou a trabalhar no Atelier de Expresso com argila, quis fazer sua primeira modelagem em casa sozinha, mas se assustou com o que confeccionou, narrando que teve de sair de casa e que no conseguia voltar. Como morava s, pediu a uma amiga para acompanh-la na volta para casa. Quando retornou ao Atelier, dias depois, narrou esse ocorrido e trouxe a modelagem que fez. Era uma figura mais ou menos de uns quinze centmetros, que possua uma indefinio se era um velho ou um beb, dependia do ngulo que se olhasse. O interessante que tinha uma cauda suria de uns vinte centmetros. Ao ser perguntado o que a levou a modelar esse ser, disse que estava muito angustiada, pensando em sua vida. Pensava no que j tinha vivido desde criana e no que se tornaria na idade madura. Foi com essa sensao que tomou um punhado
10 de argila e comeou a amassar com as mos, sem prestar ateno no que fazia, estando entregue aos seus pensamentos. Quando viu o que fez se assustou e saiu de casa. A pea modelada condensava seu momento psquico e anunciava a sua entrada no processo de individuao8, que ela vinha se empenhando em conscientizar. Com nossa propenso para criar smbolos, transformamos inconscientemente objetos ou formas em smbolos, conferindo a eles uma enorme importncia psquica. O smbolo, para Jung, no algo nem abstrato e nem concreto, no racional e nem irracional, nem real e nem irreal, mas tudo ao mesmo tempo, pois formado de paradoxos. Por isso ele diz: O smbolo no uma alegoria nem um semeion (sinal), mas a imagem de um contedo em sua maior parte transcendental ao consciente9. Muitas vezes vimos algo parecido acontecer no Atelier, principalmente usando a argila. Parece que esse material puxa o que h de mais profundo. Esse um dos motivos porque usualmente iniciamos a primeiras sesses no Atelier de Expresso com a argila. A orientao da pessoa se entregar emocionalmente ao material e s se preocupar em ficar socando o barro, amassando-o e, ao ir relaxando, deixar que as suas mos modelem, sem se preocupar em perceber o que elas esto fazendo. No foi nem uma nem duas vezes que ouvimos as pessoas dizerem que tinham pensado em fazer tal coisa no Atelier, mas quando se do por conta esto modelando ou desenhando algo a ver com uma das imagens de seu sonho daquele dia ou algo representando um sentimento do momento. Nada a ver com o planejado pela conscincia. Jung tambm via que o processo inconsciente de expresso que guiava o lpis, o pincel, o p (na dana), etc..., era um impulso obscuro que decidia a configurao que iria surgir. Era um a priori inconsciente que levava a criar formas, embora tenhamos a impresso (=iluso) de que conduzimos, na verdade, nos achamos merc de uma casualidade sem limites. O que existe uma precognio obscura que vai no s tomando uma forma definida como tambm mostrando a sua significao. Por isso Jung diz que a imagem e a significao so idnticas10; na medida que a primeira assume contornos mais definidos, a segunda tambm se torna mais clara. Por isso, quando trabalhamos no Atelier de Expresso, no precisamos nos preocupar com a interpretao do que est sendo configurado. Inclusive a srie de trabalhos confeccionados no Atelier ir manifestar com uma clareza suficiente o contedo que dever ser assimilado pela conscincia, sem se precisar elaboraes interpretativas de grande porte. Na segunda metade da vida, quando no se precisa mais educar a nossa vontade (consciente), mas se precisa das experincias de nosso prprio Ser a fim de se entender o sentido da vida fase em que as coisas mudam e tm outra importncia -, nesse momento esse mtodo ou essa tcnica usada no Atelier de Expresso -, auxilia e muito. Com essa atividade se constri uma
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Processo de desenvolvimento psicolgico que ser apresentado no prximo tpico. Obras Completas, vol. V. 114. 10 Obras Completas, vol. VIII, 402.
11 ponte unindo o intelecto-tecnolgico ao mundo simblico e das emoes. a cicatrizao da ciso psquica que poderia vir a causar doenas. Como disse Jung: O poder da imaginao, com sua atividade criativa, liberta...11, pois o ser humano, ao ativar o seu estado ldico, eleva-se do sentimento de sua finitude. o surgimento do ser imaginativo, criativo, que dinmico e capaz de buscar solues novas, que no so s pensadas e fabricadas pela razo, mas necessitam do lado espontneo e intuitivo, advindo do inconsciente. Muitas pessoas que esto na faixa dos quarenta aos sessenta anos so auxiliadas no seu processo teraputico pelo trabalho desenvolvido no Atelier. O trabalho de expresso tambm funciona como auxlio e expanso das imagens onricas. Pessoas j representaram em desenho, argila e pinturas, figuras que apareceram em seus sonhos, isso as auxiliou na compreenso das mesmas, pois muitas dessas imagens se tornaram mais perceptveis ao serem ampliadas em formas plsticas. Uma paciente compreendeu mais o seu primeiro sonho depois que o modelou. Mais ou menos aos 4 anos de idade teve sonhos repetitivos que andava com sua cama, como se fosse algo locomotor, fugindo de uma cobra que a perseguia. A partir do momento em que trabalhou na ampliao do tema da serpente (fez vrias serpentes no Atelier) compreendeu o que essa imagem onrica poderia representar no seu processo psicolgico. Algumas pessoas que participaram do Atelier de Expresso se descobriram tambm artistas embora no seja o objetivo da atividade , mas acontece que se elas no tivessem se deixado expressar livremente, talvez ainda no tivessem se descoberto no caminho da esttica. Antes dessa descoberta, elas passaram pela vivncia de se libertar de sentimentos bloqueadores de sua expresso enquanto Ser. Inclusive algumas puderam realizar at uma exposio pblica de seus trabalhos como artistas pela primeira vez, depois de muito trabalhar a sua expresso no atelier. Desde ento, no deixaram mais de usar esse tipo de expresso, seja para alvio de uma emoo perturbadora, seja para criar um objeto de arte; sendo esses dois caminhos importantes e fazendo parte de suas vidas. O processo de amadurecimento psicolgico dessas pessoas tem, certamente, uma relao estreita com a esttica, pois como j diziam tambm os autores Lowenfeld e Brittain, a produo artstica a expresso interior total de quem produz a arte, sendo sua vida interior essencialmente representada na obra. Alm do amadurecimento psicolgico, podemos ver o sentimento de autorealizao. No estudo de um conjunto de formas confeccionadas no Atelier por pacientes que assim trabalharam conosco, tambm pudemos ver elementos e/ou temas que se repetem h sculos de forma mais ou menos idntica ou anloga, conforme Jung j nos havia alertado para o fato possvel de encontrar nesse tipo de trabalho expressivo. Muitos desses elementos confeccionados por essas pessoas pertencem a temas mitolgicos que ocasionalmente aparecem, misturados com os seus temas pessoais. So as fantasias profundas dirigidas pelo inconsciente coletivo que podem coincidir
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12 com documentos histricos da atividade humana, conhecidas pelas pesquisas etnolgicas. So os arqutipos12, contedos do inconsciente coletivo, j mencionado. Afora as recordaes pessoais, existem em cada pessoa as grandes imagens primordiais, ou seja, a aptido hereditria da imaginao humana de ser como era nos primrdios. Essa hereditariedade explica o fenmeno de alguns temas e motivos de lendas se repetirem no mundo interno e em formas idnticas, alm de explicar porque os nossos doentes mentais podem reproduzir exatamente as mesmas imagens e associaes que conhecemos dos textos antigos. Isso no quer dizer que as imaginaes sejam hereditrias; hereditria apenas a capacidade de se ter tais imagens, o que bem diferente. Logo, as fantasias no so s as pessoais, mas sim manifestaes da camada mais profunda do inconsciente, no qual jazem adormecidas as imagens humanas universais e originrias. Kandinsky j mencionava da obra de arte nascer misteriosamente no artista por uma via mstica, como quis se referir ao mundo misterioso do inconsciente. Estas experincias e reflexes levaram Jung a reconhecer certas condies coletivas inconscientes e para ele isso que definiu esse mtodo de expresso como imaginao ativa. Ele utilizou a imaginao ativa principalmente no tratamento das neuroses. Pois foi uma das formas mais eficazes que ele achou de levar os contedos inconscientes s fronteiras da conscincia. Seguindo essa sua observao, aprofundamos o trabalho no Atelier, tanto individualmente como em pequenos grupos.
PROCESSO DE INDIVIDUAO
O processo chamado de individuao significa tornar-se aquilo que de fato se . A individuao o fato de tornar-se um consigo mesmo e, ao mesmo tempo, com a humanidade toda. Naturalmente, esse processo mostra conscincia o que a comunidade humana, pois traz conscincia o seu lado inconsciente, que o que une e comum a todos. Jung ao observar e estudar um grande nmero de pessoas e seus sonhos mais ou menos uns 80.000 sonhos no seu conjunto descobriu que obedeciam a uma configurao ou a um esquema, o qual chamou mais tarde de processo de individuao. Qualquer pessoa que anote regularmente seus sonhos e observe a sua seqncia durante anos, ver que certos contedos emergem, desaparecem e depois retornam, sofrendo mudanas lentas, mas perceptveis. Forma-se no todo uma espcie de tendncia reguladora ou direcional oculta, apontando para um processo de crescimento psicolgico o processo de individuao. No decorrer de um perodo, veremos que
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Obras Completas, vol VIII, 280.: So formas de apreenso, e todas as vezes que nos deparamos com formas de apreenso que se repetem de maneira uniforme e regular, temos diante de ns um arqutipo, quer reconheamos ou no o seu carter mitolgico.
13 surge uma personalidade mais ampla, mais amadurecida que, aos poucos, percebida inclusive por outras pessoas. H um centro organizador, do qual provm a regulao psquica, denominado por Jung de si-mesmo ou self (selbst, em alemo). Ele o descreveu como a totalidade da psique, diferente do ego que centraliza apenas uma pequena parte da psique, a conscincia. O si-mesmo s pode ser apreendido atravs da expresso dos contedos inconscientes. Podemos perceb-lo, muitas vezes, como uma possibilidade inata. Mas o ego que vai lhe dar conscincia e desse modo ajudar a realizar a totalidade psquica. Exemplo: Se uma pessoa possui algum dom artstico que seu ego (=eu) no est consciente, este talento no se desenvolver e ficar como se no existisse. O processo de individuao ocorre no ser humano de modo espontneo e inconsciente. Mas no seu sentido estrito, o processo s se concretiza se estivermos conscientes dele e, conseqentemente, mantendo uma viva relao, isto , cooperando ativamente com ele, tomando decises e fazendo escolhas de acordo com o si-mesmo. Essa cooperao entre ego e si-mesmo pertence ao verdadeiro processo de individuao, tal como estamos nos referindo nessa narrativa. Ainda, cada pessoa vai realizar o processo de desenvolvimento psicolgico de maneira completamente particular, pois cada uma tem algo diferente, unicamente seu. Existem tantos caminhos quanto caminhantes13. Muitas pessoas criticaram Jung por ele no apresentar um material psquico extremamente sistematizado. A questo que essas pessoas no perceberem que o contedo psquico propriamente dito uma experincia viva e singular, repleta de emoes, de natureza irracional e mutvel. Por isso no se presta a sistematizaes a no ser de um modo um tanto superficial. Quando lidamos com nveis mdios e estatsticos podemos fazer descries racionais, sistematizando fatos psquicos, mas quando descrevemos um acontecimento psquico em particular, s podemos com honestidade nos limitar a apresentar e descrever tantos ngulos quantos nos for possvel. Lidar com a psicologia do inconsciente andar no escuro, por isso encontramos vrias dificuldades para uma definio exata. Sempre que tentamos fazer um esboo para fins didticos perigamos cair na superficialidade. A percepo do processo de individuao, buscando a harmonizao do eu consciente como o centro interior da nossa totalidade psquica si-mesmo -, geralmente comea com alguma aflio, havendo um sentimento de vazio, uma sensao de sem sentido. assim que notamos que comeam muitas histrias fantsticas que descrevem esse incio do processo de individuao, o estgio preliminar do desenvolvimento psicolgico: era uma vez um rei que ficou doente ou envelheceu; era uma vez um casal estril que quer ter filhos; um monstro que rouba os homens do vilarejo ou as crianas; e assim por diante; tal qual os mitos e os contos sabem muito bem descrever, como o tema das inundaes, secas e tantas outras tragdias. Lendo muitas dessas
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14 histrias percebemos que o que capaz de solucionar o problema sempre algo peculiar, nico e no menos difcil de ser alcanado. Analogicamente, podemos notar que no diferente em nossas vidas. Os conselhos nesse momento parecem no surtir tanto efeito, mas a atitude correta parece ter um bom resultado. O importante fazermos uma reflexo sobre o segredo que est nos afligindo, nesse mergulho tentamos captar o objetivo secreto e o que nos solicita. nesse instante que um sonho ou uma fantasia brota do inconsciente para nos ajudar. Se focalizarmos nossa ateno para esse ponto em ns desconhecido, sem preconceitos ou rejeies emocionais, desse modo, comea a surgir um propsito envolto em imagens simblicas, do qual podemos tirar muito proveito. Como foi ressaltado no trabalho que realizamos no Atelier de Expresso. Muitas vezes, no comeo do processo teraputico, as pessoas comeam a se confrontar com uma srie de dodas constataes sobre si mesmas. Assim, o incio do processo pode passar por verdades duras e amargas a respeito de si. Depara-se com aspectos da personalidade que havia preferido nem chegar perto, sejam eles aspectos negativos ou no. Jung chamou esse contexto de mundo da sombra. A sombra no a totalidade da personalidade inconsciente. Ela representa as qualidades desconhecidas, esquecidas ou pouco conhecidas por ns, aspectos que, muitas vezes, pertencem esfera pessoal e que com esforo podem ser conscientizadas. Mas a sombra tambm um arqutipo, nesse caso, um contedo do inconsciente coletivo e, portanto, inacessvel. Quando uma pessoa entra em contato com a sua sombra pessoal, ela fica consciente de muitas tendncias e impulsos que nega existir em si mesma, mas que reconhece nas pessoas a sua volta. Em geral, a sombra contm valores necessrios a nossa conscincia esses valores existem e atuam em ns inconscientemente , mas a sua integrao difcil, sendo um dos primeiros trabalhos na psicoterapia. Nos sonhos, muitas vezes, a sombra, aparece representada por uma figura do mesmo sexo. Uma mulher relata o sonho: Est na casa de uma amiga, vai ao banheiro e l encontra um tapete bordado pela amiga que tinha um agradecimento para ela por ter lhe ajudado tanto em seus progressos como em suas dificuldades. Essa amiga vista por essa mulher como uma pessoa invejosa e competitiva. Considerava-a uma amiga estranha. No entanto ela teve de passar na terapia pelo processo de conscientizar em si as qualidades que colocava na amiga, pois a amiga tinha um filho e ela ainda no conseguira engravidar. A queixa inicial queda de cabelos comeava a ser trabalhada pela sombra invejosa. Algumas vezes, Jung denominou de sombra, grosso modo, a personalidade inconsciente. Ele se referiu a um fator relativamente definido, como se tudo o que o ego desconhecesse estivesse includo na sombra desse modo que podemos entender aspectos do inconsciente maior, o inconsciente coletivo.
15 Tambm emerge do inconsciente do sonhador aqui estamos nos referindo apenas ao homem uma figura interior denominada de anima. Esse personagem simblico aparece trazendo novos e diferentes problemas. A anima a personificao de todas as tendncias psicolgicas femininas na psique do homem, no mais profundo de si poderamos dizer que o relacionamento com o prprio inconsciente. Nas manifestaes individuais o carter da anima tem muito a ver com a me e todas as representaes femininas importantes em sua vida. Um homem muito racional que rompeu o namoro com uma jovem mulher teve o seguinte sonho: Recebe de presente de uma mulher, enfeitado com uma fita vermelha, um quebra-cabea que tem 3 quadrados maiores na ordem das cores: amarelo, vermelho e verde claro; sobrepostos por outros 3 quadrados menores das mesmas cores. Eles so presos entre si por um eixo e giram para vrios lados. A mulher lhe envia isso como uma mensagem, para ele descobrir o que isso quer dizer. Um aspecto de sua anima se comunica com ele atravs de figuras geomtricas um simbolismo bastante hermtico , provocando sua rigidez racional. A comunicao bastante difcil com o seu lado inconsciente. Em contrapartida, a personificao masculina no inconsciente da mulher o animus apresenta, tal como a anima no homem, aspectos que podem ser sentidos como positivos ou negativos. O carter individual do animus, assim como vimos da anima, bastante influenciado pelas representaes masculinas da vida de uma mulher, seja o pai, irmos, etc... Uma mulher sonhou que foi com o marido ao mdico, pois a coluna de ambos estava doendo. Fizeram exames e o mdico chamou o marido e lhe informou que no havia problema nenhum nas colunas. O casamento para essa mulher era construdo na base dos papis sociais. Ela sente o peso dessa situao, comeava a ruir a estrutura que a segurava e a mantinha casada. Aps esses confrontos inconscientes sombra e anima/animus e significativas integraes em sua conscincia, aparece uma nova forma simblica representada pelo ncleo mais profundo da psique: o si-mesmo ou self (como conhecido na nomenclatura inglesa); para alcanarmos a verdadeira ampliao da conscincia. O si-mesmo nos sonhos e fantasias aparece comumente sob uma forma que sugere a sua onipresena, ambivalncia, paradoxalidade, instintividade, preciosidade, podendo ser tanto personificado como uma pessoa, como um animal, um vegetal e at mesmo um objeto ou lugar. Lidar com o inconsciente um processo, denominado por Jung de funo transcendente, porque representa um funcionamento interno que une o consciente com o inconsciente. Essa funo no algo misterioso ou metafsico. Ela uma funo psicolgica que transcende um processo meramente natural. a manifestao de energia psquica produzida pela tenso entre os contrrios consciente/inconsciente , formado por uma sucesso de processos fantasiosos que surgem espontaneamente atravs dos sonhos, vises e imaginaes.
16 Em resumo, a funo transcendente a mudana que acontece na psique, obtida pelo confronto com o inconsciente. No processo psicoterpico a pessoa do terapeuta que exerce a funo transcendente, pelo menos a princpio, at que a pessoa analisanda consiga alcanar uma nova atitude. A experincia nos tem mostrado que consciente e inconsciente raramente esto de acordo no que refere aos seus contedos e tendncias. Isso se deve ao fato de o inconsciente se comportar de maneira compensatria ou complementar em relao conscincia. A tendncia do inconsciente e da conscincia so dois fatores que formam a funo transcendente. Como j foi dito, ela chamada de funo transcendente, porque torna possvel a passagem de uma atitude para a outra, sem perda do inconsciente. Para isso necessrio que haja a confrontao dos opostos consciente versus inconsciente. A confrontao contem tanto o ponto de vista do eu, como confere igual autoridade ao inconsciente. Mas esse confronto conduzido pelo ego, pois a partir de sua permisso, que o inconsciente consegue falar.
CHI KUNG E TAI CHI CHUAN Sabemos que toda a produo da cincia e da cultura chinesa est fundada no TAO e nos dois princpios que o expressam o Yng e o Yang. Para a mentalidade chinesa, esses dois princpios constituem todos os fenmenos em suas diversas expresses. No Chi Kung e no Tai Chi Chuan o TAO se expressa, ora como Yng, ora como Yang. O TAO a sntese, o Uno se manifestando harmonicamente na criao. Na prtica dessas duas tcnicas, desenvolvidas pelos antigos mestres chineses, utilizamos nosso corpo para materializao do TAO em ns, e isso favorece a integrao harmnica do nosso Ser. Por suas qualidades teraputicas essas prticas vm sendo utilizadas em hospitais psiquitricos, nos trabalhos com os idosos, nas Artes, em Empresas, e em outros campos do saber e do fazer. A utilizao do Chi Kung e do Tai Chi Chuan em nosso trabalho psicoterpico justifica-se pelo poder transformador que essas duas tcnicas do Antigo Oriente possibilitam. Trabalhando determinadas posturas do Chi Kung e as seqncias do Tai Chi Chuan, percebemos que a assimilao dos contedos do inconsciente, trazidos atravs dos sonhos, acontece de forma mais concreta e pragmtica para o nosso paciente. O fato que essas tcnicas possibilitam a experincia consciente, com aquilo que os sonhos falam, a saber, o inconsciente. O fator fundamental nesse trabalho a presena da conscincia, tendo o corpo como referencial, como ponto de conexo e materialidade dessa experincia. Podemos dizer que essa prtica implica em uma postura de aproximao reflexiva da conscincia com o inconsciente, utilizando para isso o prprio corpo.
17 Essa conexo entre o corpo fsico, o corpo emocional e o corpo psquico promove o fluir harmnico da energia interna, favorece a concentrao integrando o Ser total e, conseqentemente, favorecendo ao processo de maturao psicolgica, objetivo da anlise Junguiana. Aquilo que o paciente vivencia emocionalmente, durante a prtica do Chi Kung e do Tai Chi Chuan vivido concretamente em seu corpo, integrando assim os corpos fsico, emocional e psquico14. Uma paciente com tendncia a racionalizaes, sentia dificuldades em compreender a importncia de seus sonhos e, por esse motivo, no se sentia motivada anot-los. Iniciamos um trabalho com o Chi Kung, meditando no Tan Tien inferior15. Nos primeiros exerccios a paciente teve vrias e rpidas sensaes de desmaios, tendo-se que segur-la, at que conseguisse concentrar-se no Tan Tien. Essa meditao fez acontecer o recolhimento da energia dispersa no mundo externo. Este recolhimento imps um impacto tanto fsico ( breves apagamento da conscincia), quanto psquico na paciente, o que a fez mudar de atitude frente a seu mundo interno. Chi significa energia e Kung quer dizer arte, portanto Chi Kung a Arte da Energia presente em um conjunto de posturas que visam o trabalho com a energia existente no Ser, favorecendo o seu fluir sem interrupo e de maneira harmnica. Existem vrias posturas dirigidas cada uma a determinados objetivos e prticas. Uma paciente que apresenta hepatite do tipo C foi sugerido, alm do tratamento clnico que realiza, praticar diariamente Chi Kung, enfatizando as posturas relacionadas ao meridiano do fgado. Esta prtica tem auxiliado a paciente a se sentir melhor e mais forte frente s dificuldades clnicas, assim com ao seu humor. Descobriu-se com mais pacincia no desenvolvimento psicolgico o fgado o rgo dos humores portanto, lidando melhor com as suas raivas. importante salientar que esses exerccios fsicos e mentais no tm vnculo algum com sistemas religiosos, mas sim fruto de um conhecimento milenar que integra a totalidade do Ser, promovendo a harmonia da mente, da emoo e do corpo. Literalmente, Tai significa grande, Chi energia e Chuan punho fechado, mas o sentido que melhor expressa a definio de Tai Chi Chuan A Arte da Meditao em Movimento, ou ainda A Poesia em Movimento, assim, a partir do trabalho com o corpo, pois Tai Chi Chuan tambm um exerccio corporal, podemos atingir nosso Ser e transform-lo nos suaves e contnuos movimentos do Tai Chi Chuan, fazendo fluir a energia do trabalho com o Chi Kung. A energia cultivada no Chi Kung colocada em movimento quando na prtica do Tai Chi Chuan. Atravs dos harmnicos movimentos, o corpo, as emoes e o psquico entram em um harmnico equilbrio.
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A dimenso do corpo aquela que possibilita a experincia no sensvel; a dimenso emocional so todas as emoes em determinado momento, e a dimenso psquica se refere aos contedos psquicos pertencentes s emoes. 15 O Tan Tien inferior aquele centro energtico localizado trs dedos abaixo do umbigo. A palavra inferior nada tem a ver com qualquer juzo de valor, refere-se apenas localizao desse importante centro de energia em nosso corpo.
18 A PRTICA DO CHI KUNG E DO TAI CHI CHUAN NA PSICOTERAPIA Uma paciente diagnosticada com Dficit de Ateno procurou nossa Clnica. Mesmo medicada com ritalina por mais de um ano, no conseguia concentrar-se em seu trabalho. O nvel de ansiedade dessa paciente, quando nos procurou, estava atingindo os limites quase insuportveis, a ponto da paciente no conseguir terminar de escrever a sua tese de doutoramento. Iniciou-se o trabalho com ela, pedindo que observasse e anotasse seus sonhos. Os sonhos mostravam animais sendo sacrificados e pessoas sendo banidas de suas cidades. A paciente no sonho apenas percebia, como se estivesse fora da situao. Paralelamente ao trabalho psicoterpico se comeou a prtica do Chi Kung, buscando concentrar a energia em determinados pontos do corpo da paciente, principalmente no Tan Tien inferior. Eram visveis as transformaes ocorridas no decorrer das sesses. J nas primeiras semanas os sonhos comearam a apontar mudanas significativas e a prpria paciente comeou a relatar mudanas em seu comportamento. No interferimos na administrao da medicao, porm, depois de um ms de trabalho, a pedido da paciente, o mdico comeou a retirada da ritalina. Com o continuar das sesses de psicoterapia e das sesses de Chi Kung a paciente tambm praticava em casa diariamente exerccios de Chi Kung aprendidos em nossos encontros o resultado foi surpreendente. No segundo ms de tratamento em nossa Clnica, ela conseguiu realizar todo o trabalho estatstico de sua tese de doutorado, imprimindo um ritmo produtivo em sua tarefa e com a ateno concentrada. A possibilidade de materializar suas emoes em uma vivncia concreta, tal como promove essas duas antigas tcnicas chinesas, auxiliou a referida paciente a elaborar seus medos e incertezas de uma maneira concreta e pragmtica. A partir dessa experincia a paciente continuou na prtica do Tai Chi e do Chi Kung sem utilizar a referida medicao.
CONSIDERAES FINAIS
Sabemos o quanto difcil para a maioria das pessoas admitirem a validade do argumento de uma outra, embora isso seja uma das premissas principais para o enriquecimento pessoal, para as relaes interpessoais e a vida harmnica em comunidade. O exerccio do dilogo comea em primeira instncia consigo mesma. Tomamos como exemplo o modo como o ego d voz ao outro (inconsciente), que est no mais profundo desconhecimento de si, reconhecendo, dessa maneira, o valor do outro. A capacidade de dilogo interior um dos critrios bsicos para o desenvolvimento psicolgico, resultando na ampliao da conscincia. Essa confrontao consciente/inconsciente , que no precisa e nem pode ser conscientizada em todos os seus detalhes, o trabalho da psicoterapia analtica, apoiada tanto no Atelier de Expresso, como nas prticas de
19 Chi Kung e Tai Chi Chuan, j que essas atividades partem do princpio do exerccio ativo e so experincias com a funo transcendente. A confrontao gerada entre os opostos consciente e inconsciente traz tona uma tenso carregada de energia que produz algo vivo, um terceiro elemento, configurado no atelier pelo que foi modelado na argila, representado na pintura ou no desenho, e tambm nos exerccios e posturas experimentados corporalmente no Chi Kung e Tai Chi Chuan. Acontece o deslocamento, a partir da suspenso entre as posies contrrias, que leva a pessoa a um novo nvel do Ser, a uma nova situao, a uma nova personalidade. Como o processo vivencial de confrontao com o elemento contrrio tem carter de totalidade, nada fica excludo. Embora tudo se ache envolvido nessa discusso, s se ter conscincia de alguns fragmentos. assim que a conscincia ampliada continuamente ou, para sermos mais exatas, poderia ser ampliada pela confrontao com os contedos at ento inconscientes. As tcnicas auxiliares utilizadas funcionam como facilitadores no trabalho de integrao pela conscientizao de contedos inconscientes necessrios para o caminho da individuao. Mas o processo de individuao pode ser perturbado se aparecerem os fatores como a falta vontade, de coragem, de autoconfiana, entre outros, os quais devero ser conscientizados para que se efetive o livre arbtrio da escolha do caminho de vida. A soluo do problema dos contrrios passa pela ateno e permisso que o consciente cede a seu lado antes inconsciente, pela disposio e boa vontade da compreenso que no apenas intelectual, mas vinculada vivncia psquica e passa pela experincia individual, integrando todas as expresses do seu Ser.
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SOBRE AS AUTORAS
Flora Bojunga Mattos, psicloga e artista plstica, psicoterapeuta de orientao junguiana e atua no Espao Arte-Cincia (www.espacoarteciencia.com.br), na cidade de Porto Alegre/Brasil. Desde 1986, dedica-se ao estudo da Psicologia Analtica e vem transformando a sua vida na vivncia concreta do processo de individuao. Fez Especializao em Arte-Educao, Mestrado em Psicologia Social e da Personalidade com nfase no envelhecimento. autora do livro recentemente lanado Procura-se Jung: metfora da busca do humano no humano, alm de outros livros em coautoria e publicaes de artigos em revistas acadmicas. [email protected]
Maria da Conceio Soares Beltro Filha, psicloga e psicoterapeuta de orientao junguiana, graduada em Psicologia, mestra em Psicologia Social e da Personalidade e doutora em Literatura, coordena as atividades de Ensino e Pesquisa no Espao Arte-Cincia (www.espacoarteciencia.com.br), na cidade de Porto Alegre/Brasil. Alm do livro de sua autoria A obra alqumica de Clarice Lispector, tem publicaes nas reas da Psicologia e da Literatura. [email protected]