Estrutura Interna Da Palavra

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Cadernos WGT: Representação

Análise da estrutura interna das palavras complexas parassintéticas

Maria do Céu Caetano

Abstract: Parasynthetics are the type of complex words which have received less attention in
Portuguese . However, for recent models of morphological analysis, parasynthesis has be-
come a crucial problem. In this short paper, the traditional proposals (e.g. Said Ali [1931]
19643) will be confronted with other approaches, in particular those in which parasynthesis is
understood as circumfixation (e.g. Pottier 1962, Booij 1977, Bosque 1982 and Rio-Torto
1994), or in which parasynthetics are not considered either (e.g., Aronoff 1976 and Scalise
1984).
From the analysis of the structures a-X-ar, a-X-ejar and a-X-ecer, the complexity of parasyn-
thetic derivation and, therefore, the difficulty of representing the products generated by this
process of word formation, will be emphasized.

Pref N/Adj Suf


1. Parassíntese
Como é geralmente descrito, os parassin- Basílio (1991 e 2004) também segue esta
téticos são palavras complexas em que perspetiva, argumentando que a exclusão
ocorrem três constituintes, sendo a deri- de um dos afixos implica a inexistência
vação parassintética tida como um pro- da palavra na língua (por ex. *acalma,
cesso complexo de formação de palavras, *calmar).
não só morfológica, mas também seman-
ticamente. Parassíntese ou circunfixação?
Nas gramáticas tradicionais (cf., por Para Pottier (1962: 106), Booij (1977:
exemplo, Ali [1931] 19643, Câmara Jr. 32), Bosque (1982: 131) e Rio-Torto
1975, Cunha & Cintra 1984), pela paras- (1994), entre outros, a parassíntese é um
síntese1 formam-se verbos a partir de caso de circunfixação, ou seja, um meca-
nomes e adjetivos, recorrendo à «adjun- nismo de tipo não concatenativo, que
ção simultânea de prefixo e sufixo a uma pressupõe a anexação de um prefixo e um
base» (Ali [1931] 19643: 254). sufixo a uma base, mas os mesmos são
Esta interpretação tradicional da parassín- tratados enquanto circunfixos.
tese, ancorada em Darmesteter (1875), O circunfixo é tido, então, como um mor-
conduz a uma representação ternária (já fema descontínuo que se separa para a
que a base prefixal ou a base sufixal não intercalação da base. Em consequência
têm existência autónoma): desta análise, temos, por exemplo para o
V amolecer, a seguinte representação:
V

aecer

1
Nestas gramáticas (cf., por exemplo, Caetano
mole
2003), dentro da Formação de Palavras, o proces-
so da parassíntese é aquele a que foi dedicado um a…ecer
tratamento menos exaustivo. Assim, como pro-
cesso mais estudado temos a sufixação, seguida
da prefixação e da composição e, por fim, da
parassíntese.
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(em- + barco + Ø + -a- + -r)


Representações Binárias
Em Aronoff (1976: 63), «the morpho- agigantar
phonological operation is phonologically (a- + gigante + Ø + -a- + -r)
unique», isto é, um afixo uma regra (uma
Regra de Formação de Palavras junta um Como se pode observar, estas formações
e só um afixo a uma base), excluindo, podem ser contrastadas, na opinião de
assim, as estruturas ternárias: Monteiro (1987), com, por exemplo:

[Pref + [X + Suf]V]V apedrejar


(a- + pedra + -ej- + -a- + -r)
No seguimento do autor anterior, Scalise
(1984: 206) defende uma estrutura entardecer
binária «in two steps: first2 suffixation (en- + tarde + -ec- + -e- + -r)
creates a possible, though not necessarily
existent word, and second, prefixation em que a posição de sufixo é ocupada por
generates the rest of the form». Ora, isto -ej- e -ec-, respetivamente.
acaba por colocar em causa a Hipótese Villalva (2000) aponta para o facto de
Base-Palavra de Aronoff (1976), segundo existirem dois tipos de parassíntese: uma
a qual uma nova palavra se forma sempre formada por sufixo derivacional, outra
de uma palavra já existente e, quer a nova por sufixo flexional. Embora não invo-
palavra, quer a palavra que lhe deu ori- cando a existência de um morfe zero na
gem pertencem a classes lexicais maiores posição de sufixo, com esta distinção
(Nomes, Adjetivos e Verbos, no entender entre dois tipos de parassintéticos, forne-
do autor). ce indícios para uma concordância com
Num outro modelo, associativo e estrati- Monteiro (op. cit.), visto que, como pode
ficado, Corbin (1980: 191-192) considera ser observado nos exemplos por si forne-
ser legítimo derivar uma palavra de uma cidos, a posição do sufixo está ora preen-
base não atestada mas possível; a não chida (a), ora vazia (b):
atestação de uma etapa intermediária en- a)
tre o derivado e a base «ne peut donc pas ensurdecer
être un argument en faveur d’une analyse (en- + surdo + -ec + -er)
parasynthétique». Para a autora, a forma-
ção morfológica e as propriedades se- b)
mânticas são (relativamente) autónomas: abaixar
um significado parassintético (a- + baixo + ... + -ar)
«n’implique donc pas à coup sûr une
analyse morphologique parasynthétique». ensopar
(en- + sopa + ... + -ar)
Morfema zero
No caso dos Verbos em –ar, do tipo de avermelhar
embarcar e agigantar, alguns autores, (a- + vermelho + ... + -ar)
como por exemplo Monteiro (1987), de-
fendem a ideia de um morfema zero na adoçar
posição de sufixo: (a- + doce + ... + -ar)

embarcar

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Sublinhados meus.
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Verbos a- X –ar
Seguidamente são apresentados (na tabela Como se pode observar, dos 25 exemplos
abaixo) alguns dados extraídos do Corpus selecionados, 22 verbos ocorrem ora com
Informatizado do Português Medieval - / sem o prefixo, en-quanto 4 verbos ocor-
CIPM3, e discutidos aspetos relativos à rem com prefixos diferentes (a- e en-(em-
sua análise. )).
Salvaguardando que é necessário, por um
abaixar (var. abayxar, baixar lado, analisar todos os contextos e, por
abaxar) outro, verificar as datas das ocorrências4,
abastar (var. habastar) bastar não se conhecendo parassintéticos forma-
acajoar (var. acajõar) cajoar 'magoar'
dos recentemente e retomando Caetano
acautelar cautelar
acimar cimar, encimar (2013), em que se concluía que a repre-
acoimar (var. acooimar, coomar 'castigar, sentação dos parassintéticos continua a
acoomhar, acooymar, censurar' ser problemática, colocam-se as seguintes
acoomiar, acoymar) hipóteses:
acostumar (var. acostume- costumar / custumar
ar, acustumar, acustumear) / hacustumar
afadigar fadigar
1. Se todo e qualquer afixo é portador de
aferrar (var. afferar, affer- ferrar significado, como explicar:
rar) 1.1 a ocorrência de verbos com e sem
alagar (var. allagar) enlagar prefixo?
alargar (var. allargar) largar 1.2 o mesmo verbo acompanhado de pre-
alimpar (Var. alimpar, limpar fixos diferentes, podendo as formas ver-
alimphar, alinpar, alĩpar,
alĩphar, allympar,
bais ocorrerem em contextos em que são
alympar) comutáveis? Cf., por exemplo:
aluzecer luzecer, luzir 'ama- [séc. 15 DSG] nunca comecei cousa que nom
nhecer' acimasse a mĩa honra
amadurecer madurecer [séc. 15 PMP] Se nom quis as tribulaçoões dos
amanhecer (var. amanhe- manhecer seus christaãos scuytar. Se lhes nom quis aas
cçer, amanheçer, ama- fraquezas das almas encimar.
nheecer, amanheeçer,
hamanhecer) 2. O prefixo a- latino terá sofrido um
amercear (var. amerçear) mercear 'compade- enfraquecimento semântico e, por isso,
cer' temos verbos não prefixados sinónimos?
anoitecer (var. anocticer, noitecer (Cf. Monteiro 1987 e Villalva 2000: 954-
anoutecer, anoytecer)
anojar (var. annojar, ano- nojar
955, a qual contrasta formas pertencentes
grar, anoiar, anoyar, hano- e não pertencentes ao português padrão,
jar) como baixar / abaixar, mandar / aman-
apeçonhar Cf. empeçonhar dar, etc.)
'envenenar'
apodrecer podrecer
3. Serão o a-/en- iniciais reminiscências
apontar (var. apomtar) pontar
das preposições que ocorriam antes do
aportar portar verbo no infinitivo e, por reanálise, terão
arrugar Cf. enrugar sido (re)interpretados como prefixos?
asselar selar
assombrar Cf. ensombrar

4
Estas permitirão comprovar ou não que a ocor-
rência do prefixo e do sufixo se dá em diferentes
3
Sobre a caraterização e especificidades deste fases dentro do mesmo sistema linguístico, isto é,
corpus, cf., por exemplo, Xavier, Brocardo & aferir da sucessividade ou da simultaneidade dos
Vicente (1994). afixos.
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Aceitando esta última hipótese, por ser Dissertação de Doutoramento apresentada à


aquela que me parece mais sustentável, Universidade Nova de Lisboa
muitos destes verbos serão falsos paras- Caetano, M. C. (2013) Alguns aspetos da
sintéticos. O sustentar desta hipótese ca- formação de verbos em português. Estudos
rece, obviamente, de um estudo posterior Linguísticos / Linguistic Studies 8. Lisboa:
mais exaustivo. Contudo, Väänänen Colibri / CLUNL, pp. 107-122
(2003), citado por Viñas (2012: 177), Câmara Jr., J. M. (1975) História e Estru-
considera que alguns prefixos, principal- tura da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
mente a- e en-, só atuam como reforço, o Padrão
que já aconteceria em latim. Ou seja, o
Cunha, C. & L. F. L. Cintra ([1984] 19896)
prefixo latino a-, oriundo das preposições Nova Gramática do Português contem-
latinas AD ou AB, já não funcionaria nal- porâneo. Lisboa: Sá da Costa
guns casos com o valor de ‘direção’ e, no
caso de en-, procedente da preposição Darmesteter, A. ([1875] 18942) Traité de la
formation des mots composés dans la langue
latina ĬN, o seu significado já não seria,
française comparée aux autres langues ro-
nal-gumas formas, o de ‘em, dentro’. manes eu au latin. Paris: Emile Bouillon
Apesar de as questões aqui tratadas exi-
girem um aprofundamento, pode, no en- López Viñas, X. (2012) A Formación de
tanto, concluir-se que a representação Palabras no Galego Medieval: a afixación.
formal das palavras complexas em que Dissertação de Doutoramento apresentada à
Universidade da Coruña
ocorrem prefixos e sufixos proposta pelos
generativistas, ainda que por outras ra- Monteiro, J. L. (1987) Morfologia Portu-
zões e com base noutros critérios, se afi- guesa. Fortaleza: EDUFC
gura como a mais correta, na medida em Pottier, B. (1962) Remarques sur les limites
que nesta não se admite um processo de de l’analyse formelle. In Miscelánea ho-
formação de palavras em que haja junção menaje a André Martinet. Estruc-turalismo e
simultânea de prefixo e sufixo a uma Historia. La Laguna: Uni-versidad de La
mesma base. Laguna, vol. III, pp. 167-170
Rio-Torto, G. M. (1994) Formação de verbos
Referências em português: parassíntese, circun-fixação
Aronoff, M. (1976) Word Formation in Gen- e/ou derivação?. In Actas do IX Encontro
erative Grammar. Cambridge Massachu- Nacional da Associação Portu-guesa de Lin-
setts): MIT Press guística (Coimbra, 1993). Lisboa: Colibri /
Basílio, M. (1991) Teoria Lexical. São Paulo: APL, pp. 351-362
Ática, pp. 43-47 Said Ali, M. ([1931] 19643) Gramática His-
Basílio, M. (2004) Formação e classes de tórica da Língua Portuguesa. São Paulo:
palavras no português do Brasil. São Paulo: Edições Melhoramentos
Contexto Scalise, S. ([1984] 19862) Generative
Booij, G. (1977) Dutch morphology. A study morphology. Dordrecht: Foris Publications
of word formation in generative grammar. Villalva, A. (20005) Formação de palavras:
Dordrecht: Foris afixação. In Mateus et al. Gramática da Lín-
Bosque, I. (1982) La morfología. In Francis- gua Portuguesa. Lisboa: Caminho, cap. 23,
co Abad Nebot & Antonio García Berrio pp. 939-967
(coord.) Introducción a la lingüística. Ma- Xavier, M.F., M.T. Brocardo & M.G. Vicen-
drid: Editorial Alhambra, pp. 115-154 te (1994) CIPM - Um Corpus Informatizado
Caetano, M. C. (2003) A Formação de Pala- do Português Medieval. In Actas do X En-
vras em Gramáticas Históricas do Potuguês. contro da Associação Portuguesa de Lin-
Análise de algumas correlações sufixais. guística. Évora: APL, pp. 599-612

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