TCC Pavan

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O ESTUDO DE UMA NOVA CONCEITUAÇÃO PARA OS NÚMEROS

REAIS

Fernando Pavan Guido

Trabalho de Conclusão do Curso Superior de Licenciatura em Matemática, orientado


pelo Prof. Dr. Rogério Ferreira da Fonseca.

IFSP
São Paulo
2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Guido, Fernando Pavan.


O Estudo de uma Nova Conceituação para os Números Reais/
Fernando Pavan Guido - São Paulo: IFSP, 2013.
51f

Trabalho de Conclusão do Curso Superior de Licenciatura em


Matemática - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
São Paulo
Orientador: Rogério Ferreira da Fonseca.

1. Número. 2. Filosofia da Matemática. 3. Complementaridade. 4.


Números Reais. 5. Fundamentos da Matemática I. Título do trabalho.
“A Matemática quando a compreendemos bem
possui não somente a verdade, mas também a
suprema beleza” Bertrand Russell
A Cantor,
por seu infinito… e além
AGRADECIMENTOS

Agradeço à Bolsa de iniciação científica do Instituto Federal de Educação, Ciência e


Tecnologia de São Paulo, sem o qual teria sido muito difícil realizar esse trabalho.

Agradeço à minha noiva por estar ao meu lado nos momentos mais difíceis e
compreender as várias vezes em que deixamos de sair para eu estudar.

A todos os colegas que começaram comigo (infelizmente restaram poucos) e aos


que fiz durante o curso, em especial Ana Olivia, Anderson (Biga four), Arnaldo,
Cideni, Douglas, Everton, Felipe Araujo (agente duplo), Felipe Marcos, Fil, Jéssica,
Laura, Orlando, Paçoca, Perucão, Rafa, Renata, Silviene, Thaís, Thalita, Mestre
Toninho e Will que contribuíram para tornar essa caminhada menos dolorosa.

Ao prof. Dr. Armando Traldi por acreditar em nós nesses semestres como
coordenador, ao prof. Me. Amari Goulart pela força, conselhos e as melhores
“conversas filosóficas de boteco” que tive, à prof. Dra. Delacir Poloni por fazer as
coisas acontecerem, à prof. Dra. Mariana Baroni e à prof. Dra. Cristina Lopomo
Defendi pela ajuda e inestimáveis conselhos nesta reta final, à prof. Ma. Fabiane
Marcondes por me ouvir e discordar de mim (mesmo quando concordava) apenas
para enriquecer nossas discussões, ao prof. Me. César Adriano e ao prof. Me.
Eduardo Curvello pelas maravilhosas aulas, por sempre sanar (com extrema
paciência) todas as minhas dúvidas (e foram muitas) e ainda permitir que eu
dividisse um pouco dos meus problemas quando precisei.

Em especial ao prof. Dr. Rogério Ferreira da Fonseca não apenas por contribuir para
a minha formação com suas ótimas aulas, mas por me orientar de modo magistral
na elaboração deste trabalho e por preciosos conselhos que levarei para vida toda.

E, por fim, a dois professores que me marcaram não apenas pelo conhecimento
dividido, mas pelas horas que se colocaram no papel de amigo, por vezes até
psicólogo me guiando, aconselhando ou simplesmente me ouvindo, muito obrigado
Granero – muito obrigado Henrique.

Obrigado a todos.
RESUMO

Neste trabalho abordamos o conceito de número, fundamental para diversas áreas


da Matemática, como o Cálculo Diferencial e Integral e a Análise Real. Por meio de
um levantamento histórico e filosófico, compreendemos como as três principais
escolas filosóficas conceituavam o número bem como suas potencialidades e falhas.
Tal estudo vai buscar a conceituação do número na noção de complementaridade,
utilizada pelo físico teórico Niels Bohr, para descrever fenômenos quânticos, e
posteriormente, por matemáticos como Michael F. Otte, para analisar aspectos
filosóficos, epistemológicos e cognitivos relacionados a conceitos matemáticos. Por
fim, apresentamos uma construção informal dos números baseada na proposta do
matemático inglês John Horton Conway que, ao relacionar tal construção à
representação por meio de uma classe de jogos, satisfaz do ponto de vista filosófico
a noção de complementaridade.

Palavras-chave: Número; Filosofia da Matemática; Complementaridade;


Fundamentos da Matemática; Análise Matemática.
STUDY OF A NEW CONCEPT FOR THE REAL NUMBERS

ABSTRACT

In this paper we approach the concept of number, fundamental to many areas of


math, such as the Differential and Integral Calculus and Real Analysis. Through a
historical and philosophical analysis comprising how the three main schools of
philosophy conceived the number as well as their strengths and flaws. This study will
seek the conceptualization of the notion of complementarity number, used by
theoretical physicist Niels Bohr, to describe quantum phenomena, and then by
mathematicians like Michael F. Otte, to analyze philosophical, epistemological and
cognitive aspects related to mathematical concepts. Finally, we present an informal
construction of figures based on the proposal of the British mathematician John
Horton Conway that relate to such construction through the representation of a class
of games, satisfying both the philosophical point of view the notion of
complementarity.

Keywords: Number; Philosophy of Mathematics; Complementarity; Foundations of


Mathematics; Mathematical Analysis.
LISTA DE FIGURAS

Pág.

Figura 1 – Representação dos números inteiros por meio do jogo. .......................... 36


Figura 2 – Representação dos racionais diádicos por meio do jogo. ........................ 44
Figura 3 – Representação de e por meio do jogo. ...................................... 46
Figura 4 – Representação de , ℮, por meio do jogo. ......................................... 47
SUMÁRIO

Pág.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 19
2 ARITMETIZAÇÃO DA ANÁLISE ......................................................................... 21
2.1. Peano e sua Axiomática .................................................................................. 23
2.2. Critica à Axiomática de Peano......................................................................... 25
3 A NATUREZA DO NÚMERO: CORRENTES FILOSÓFICAS ............................. 27
3.1. Nominalismo .................................................................................................... 27
3.2. Conceitualismo e Intuicionismo ....................................................................... 29
3.3. Realismo e a tese Logicista ............................................................................. 31
4 A NOÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE NA MATEMÁTICA ............................. 33
4.1. Complementaridade na teoria de Conway ...................................................... 34
5 TEORIA DE CONWAY ....................................................................................... 35
5.1. Números Surreais............................................................................................ 35
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 49
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 51
19

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho abordou os números reais pela sua importância frente ao seu papel
fundamental em várias áreas da Matemática, como o Cálculo Diferencial e Integral.

Entre os propósitos deste estudo, busca-se explorar uma nova conceituação de


número real estabelecendo a relação desta nova teoria com as abordagens
clássicas, quais sejam, cortes de Dedekind, classes de equivalência de sequências
de Cauchy de números racionais e a abordagem axiomática. Como produto final
deste trabalho de conclusão de curso, apresentei uma nova construção para o
conjunto real baseada na teoria do matemático inglês John H. Conway1.

O tema do trabalho foi escolhido pelo fato de perceber de forma empírica a


existência de uma dificuldade de entendimento em várias das disciplinas do curso de
Licenciatura em Matemática. Tal dificuldade se apresenta pela não compreensão
dos números reais que, além de outras, é a base do conceito de Limite que, por sua
vez, é a ferramenta essencial para se compreender a derivada e a integral.

Comprovando essa afirmação, encontramos no artigo escrito por Igliori (2001)


respostas evasivas e até mesmo erradas, inclusive de alunos do último ano de
licenciatura em matemática. O artigo apresenta testes que foram aplicados em
alunos de ensino médio e de licenciatura em matemática e consistiram em
perguntas relacionadas às principais propriedades dos números reais entre elas
densidade e completude.

Como sabemos, os objetos matemáticos possuem uma natureza dual, tanto lhe
cabem uma teoria axiomática, como podem ser complementados por aplicações, ou
seja, modelos apoiados no mundo real que traduzem seus processos lógicos. Frente
a isso, buscaremos no conceito de complementaridade o quanto as teorias clássicas
dão conta da intensionalidade (axiomática) e da extensionalidade (aplicação ao
mundo real) e qual a potencialidade de uma nova construção frente a esse conceito
(complementaridade). Vale ressaltar que esse conceito foi cunhado pelo físico

1
“John Horton Conway nasceu em Liverpool no dia 26 de dezembro de 1937. Estudou em
Cambridge, realizando seu doutorado em 1964. Fez importantes contribuições em Teoria dos
Números, Teoria dos Grupos e Teoria dos Jogos Combinatórios. Atualmente é professor da
Universidade de Princeton” (FONSECA , 2010, p. 11).
20

teórico Niels Bohr e posteriormente utilizado por matemáticos como Michael F. Otte
para abordar aspectos epistemológicos e cognitivos de assuntos matemáticos.

A teoria de Conway (2001) será a base da pesquisa. Sua abordagem referente aos
números reais possibilitará o desenvolvimento de uma nova construção. A
comparação dessa teoria com as teorias clássicas mostrará o resultado referente à
abordagem de uma das problematizações propostas para a pesquisa, a de que a
primeira traz uma melhor contribuição frente à complementaridade.

Algumas questões que motivaram nossa pesquisa são:

• Como se desenvolveram e evoluíram as fundamentações para a matemática


existente hoje?
• Quais teorias fundamentam a construção dos números reais?
• Do ponto de vista da complementaridade, as teorias clássicas dão conta de
toda problemática que concerne aos números reais?
• As teorias clássicas possuem o aspecto extensional e intensional?
• Frente a questões históricas e filosóficas acerca da natureza dos numerais,
seja no campo computacional ou teórico, como podemos responder à questão: O
que é número?

Foram utilizadas obras voltadas ao ensino de Análise Real, obras que abordam os
Fundamentos e a Filosofia da Matemática e os trabalhos (dissertação e tese) do
professor e pesquisador do IFSP e PUC-SP Rogério Ferreira da Fonseca, entre
outras obras que julgamos necessário.

No tópico 2 vemos como se deu o desenvolvimento histórico das teorias clássicas


que dão contas dos reais e apresentamos brevemente cada uma delas. No tópico
seguinte buscamos nas principais escolas filosóficas surgidas no final do século XIX
como era compreendido o conceito de número e a natureza de sua existência. No
tópico 4 discorremos sobre a complementaridade como conceito filosófico e
epistemológico, bem como os conceitos de extensionalidade e intensionalidade na
Matemática. No tópico 5 apresentamos ideias introdutórias de uma nova abordagem
para a construção dos números baseado na teoria de Conway e, por fim, no tópico
6, expomos algumas reflexões à guisa de conclusão.
21

2 ARITMETIZAÇÃO DA ANÁLISE

No século XIX a Matemática já havia se desenvolvido de maneira surpreendente, já


havia passado por um período que pode ser chamado "Idade Áurea da Matemática"
por apontar muitas ideias novas e revolucionárias. Gauss (1777 – 1855) já havia
dado suas contribuições para as mais distintas áreas da Matemática, Física e
Astronomia e nomes como Abel (1802 - 1829) e Galois (1811 - 1832) foram
responsáveis pela origem do que ficou conhecido como Teoria dos Grupos e da
chamada Álgebra Moderna.

Nesse período, mais precisamente em 18292, também foi apresentada a geometria


não euclidiana por Lobachevsky e Bolyai, mostrando a construção de novas
geometrias, indo além da famosa Geometria Euclidiana, tida até então como o maior
triunfo da racionalidade humana e base para muitas descobertas matemáticas. Um
acontecimento que veio corroborar com toda essa evolução e possibilitar a
consolidação de novas ideias foi o movimento de retorno aos fundamentos da
Matemática. Um dos motivadores desse fato ancorou-se na necessidade de colocar
sobre bases rigorosas algumas noções do Cálculo Diferencial e Integral, como os
números reais, limites, e a própria noção de infinito.

Uma das primeiras sugestões para tal veio de Jean-le-Rond D’Alembert “ao observar
muito corretamente, em 1754, que era necessária uma teoria dos limites” (EVES.
2011, p.610) que possibilitasse fundamentar alguns conceitos essenciais para o
cálculo diferencial e integral, entre eles, uma teoria para os limites. “O mais antigo
matemático de primeiro plano a efetivamente tentar uma rigorização do cálculo foi o
ítalo-francês Joseph Louis Lagrange” (EVES, 2011, p.610) em 1797. Bolzano, em
1817, apresentou alguns resultados importantes, mas seu trabalho ainda continha
muito da intuição geométrica o que colocou em xeque várias de suas ideias.
Grandes matemáticos como Gauss também contribuíram para amadurecer as
discussões a respeito dos fundamentos. Sob o impulso de matemáticos como
Cauchy e Weierstrass iniciou-se o movimento de retorno aos fundamentos da
Matemática, conhecido como Aritmetização da Análise ou ainda redução dos
princípios da Análise ao conceito de número real.
2
Howard Eves cita que em 1829 Lobachevsky apresentou, “mas devido as barreiras da língua e a
lentidão com que as informações de novas descobertas se propagavam naqueles dias, seu trabalho
permaneceu ignorado na Europa ocidental por vários anos (2011, p.542).
22

Esse movimento “Aritmetização da Análise” tinha a intenção de eliminar algumas


noções intuitivas sobre conceitos extremamente importantes para o cálculo, como os
infinitésimos, e dessa maneira solidificar os alicerces que o sustentam. Cauchy, em
1821, formalizou conceitos como limite, diferenciabilidade, continuidade e integral,
porém essa teoria dos limites foi construída sobre uma noção intuitiva ou ingênua do
sistema de números reais, ainda no século XIX, como afirma Eves (2011, p. 611)
Weierstrass defendeu um programa no qual o próprio sistema de números reais
fosse colocado à prova, tornando-o rigoroso e dessa forma tudo que decorresse dele
estaria bem fundamentado. Tinha-se então a Análise Matemática e,
consequentemente, toda a Matemática repousando sobre bases mais rigorosas.

Mas como o espírito humano não se aquietou, surgiram outras questões, por
exemplo, será que o máximo rigor tinha sido atingido? No final do século XIX, com o
trabalho de Richard Dedekind e Georg Cantor, novas construções para os números
reais foram propostas, reafirmando o movimento de Aritmetização da Análise.

Dessa forma, produziram-se duas grandes teorias “clássicas” que dão conta de
fundamentar o campo dos números reais, quais sejam Cortes de Dedekind e
Classes de Equivalência de Sequências Convergentes de Cauchy (de números
racionais), além de uma terceira teoria axiomática que será citada posteriormente.

Corte de Dedekind, ou simplesmente corte, é todo par (E,D) de conjuntos não vazios
de números racionais, cuja união seja Q, tais que todo elemento de E seja menor
que todo elemento de D (ÁVILA. 2006, p.58). É importante ressaltar a existência de
cortes que não possuirão um racional como elemento separador, de sorte que temos
aí caracterizada a descontinuidade do conjunto Q, sendo necessário acrescentar
novos elementos para "preencher" as lacunas deixadas na reta aceita como
representante geométrico de R. A partir dessa definição e uma série de proposições
munidas de duas operações, conseguimos construir os números reais como um
corpo ordenado e completo, tendo como ponto forte o teorema que diz: todo corte de
números reais possui um número real como elemento separador.

A teoria conhecida como Critério de convergência de Cauchy afirma: Uma condição


necessária e suficiente para que uma sequência seja convergente é que, dado

> 0, existe N tal que n, m > N | – |< (ÁVILA, 2006, p.97). De sorte
23

que, dentre tais sequências, existem as convergentes, mas também existe uma
infinidade de sequências que não convergirão para um racional e é justamente
desse fato que postulamos a existência dos números irracionais. Cantor,assim como
Dedekind, também parte do conjunto dos números racionais e de suas propriedades.

A abordagem axiomática se baseia em aspectos estruturais da Matemática,


apresentando uma série de fatos tidos como elementares (os axiomas), e duas
operações (adição e multiplicação), para conceber a partir de processos puramente
lógicos o conjunto dos números reais como um Corpo. A partir daí é possível
demonstrar que tal conjunto é um Corpo Ordenado e Completo e, a menos de um
isomorfismo, é único.

Uma vez que toda a teoria dos números reais podia ser reduzida aos números
naturais, o próximo passo foi reduzir os próprios números naturais ao menor número
de termos não definidos e premissas dos quais se pudessem derivar. Esse trabalho
foi realizado em 1889 por G. Peano através de um sistema axiomático.

No princípio do século XX, o sistema de números naturais foi definido em termos de


conceitos da teoria dos conjuntos por especialistas em Lógica, como Friedrich
Ludwig Gottlob Frege, Bertrand Russel e Alfred North Withehead, que se
empenharam em aprofundar ainda mais os fundamentos com base na teoria dos
conjuntos e em noções de Lógica. Esse movimento ficou conhecido como logicismo,
que acabou por atrair tantos adeptos quanto opositores, gerando discussões
acaloradas entre três grandes escolas filosóficas: os logicistas, como citado acima,
os formalistas liderados por David Hilbert e os intuicionistas que tem como principal
defensor o matemático holandês Luitzen Egbertus Jan Brouwer.

2.1. Peano e sua Axiomática

Giuseppe Peano (1858 – 1932) foi um matemático italiano, tido como um dos
fundadores da Lógica simbólica e figura de extrema importância no já citado
movimento de Aritmetização da Análise. Sua obra influenciou Russel e Whitehead.
Publicou pela primeira vez em 1889 seus famosos axiomas, conhecidos como
axiomas de Peano que tomaram forma definitiva em 1898 e, a partir deles, podem-
se conceber os números naturais e suas propriedades. Os axiomas contêm três
termos não definidos, quais sejam, “zero”, “sucessor” e “número natural”.
24

Peano não tinha interesse algum em esclarecer o que é um número, pois segundo
ele, os axiomas são suficientes para deduzir todas as propriedades para tais
números, existindo ainda uma infinidade de outros sistemas que também se
verificariam por meio deles, sendo, portanto, número natural o que se obtiver por
abstração desse sistema axiomático. Acreditava também que por um ponto de vista
pragmático, não existe a necessidade de definir número, pois tal ideia já aparece
clara em demasia para todos, podendo alguma definição confundir ou ainda
obscurecer os pontos mais importantes em voga. Desse modo, além da total
consciência de que seus axiomas não respondem a questão “o que é um número?”,
também evitava qualquer definição para eles, afirmando que:

O conceito de número é distinguido de muitos outros conceitos


dos cursos da escola por sua primariedade. Isto significa que
na maioria esmagadora das formas na qual matemática pode
ser desenvolvida como um sistema lógico, a ideia de número
pertence ao conjunto daqueles conceitos que não são definidos
em termos de outros conceitos, mas junto com os axiomas
participam da listagem do dado inicial. Isto significa que a
matemática não contém com ela mesma uma resposta para a
questão ‘o que é um número?’ – uma resposta, que é pela qual
poderia consistir de uma definição deste conceito em termos de
conceitos que tem sido introduzido um estágio prévio; a
matemática dá uma resposta numa forma diferente, por listar
as propriedades de um número como axioma. (PEANO, apud
KENNEDY, 2002, p.64).3

Acredita que não se deve definir o que servirá de definição, pois existe o perigo de,
ao fazer isso por meio de ideias aparentemente mais simples, cair em um círculo
vicioso, na qual se usa termos para definir outros e por meio dessa tentativa de
simplificação, torna-se tudo mais complexo. E, ao ser questionado, deixa claro o
porquê de sua escolha,

3
The concept of number is distinguished from many other concepts of the school course by its
primarity. This means that in the overwhelming majority of ways in which mathematics can be
developed as a logical system, the idea of number belongs to the set of those concepts which are not
defined in terms of other concepts, but together with the axioms enter into the ranks of the initial data.
It means that mathematics does not contain within itself an answer to the question ‘what is a number?’
– an answer, that is, which would consist of a definition of this concept in terms of concepts that had
been introduced at an earlier stage; mathematics gives this answer in a different form, by listing the
properties of a number as axioms.
25

Para esta questão podem ser dadas diferentes respostas por


vários autores, pois a simplicidade pode ser entendida
diversamente. Da minha parte, a resposta é que número
(inteiro positivo) não pode ser definido (vendo que as ideias de
ordem, sucessão, agregado, etc., são tão complexas quanto os
números). (PEANO apud KENNEDY, 2002, p.10).4

Apesar de estar entre os fundadores da Lógica simbólica, não é possível enquadrar


sua visão dentre as principais correntes filosóficas logicistas, uma vez que via a
Lógica como uma ferramenta para a Matemática e acreditava que as ideias
matemáticas derivavam de nossas experiências com o mundo real não sendo um
mero jogo especulativo, entretanto necessitando de uma recursão lógica. Pensava
também na Lógica como mediadora entre o real e o formal, uma vez que as ciências
possuem os objetos de estudos não formais e a Lógica não necessita de tais
objetos, porém é formal. Pensamento esse que contraria a posição tomada por
Russel quanto à redução puramente lógica da matemática:

A matemática tem lugar entre a lógica e as ciências


experimentais. Ela é lógica pura; todas suas proposições são
da forma: ‘Se se supõe A, então B é verdadeiro’. Mas estas
construções lógicas não devem ser feitas para mero prazer de
raciocinar sobre elas. O objeto estudado por elas é dado pelas
ciências experimentais; elas devem ter um objetivo prático.
(PEANO, apud KENNEDY, 2002, p.64).5

2.2. Critica à Axiomática de Peano

Para Russel, a obra de Peano é de extrema importância uma vez que fundamenta
os números a partir de uma recursão lógica, porém está muito longe de concordar
com todas as suas ideias. Para Russel, no que tange a essa abordagem
(axiomática), não existe qualquer descrição, interpretação ou aplicação para o objeto
matemático, importando apenas as relações entre os objetos. Acrescenta que se
"suponhamos que '0' significa o número um e que 'número' significa o conjunto 1,
1/2, 1/4, 1/8,... e suponhamos que 'sucessor' significa 'metade'. Nesse caso, todos
os cinco axiomas de Peano se aplicarão a esse conjunto" (Russell, 2007, p.24).
4
To this question one can give different answers from various authors, seeing that simplicity can be
understood differently. For my part, the answer is that number (positive integer) cannot be defined
(seeing that the ideas of order, succession, aggregate, etc., are as complex as that of number).
5
Mathematics has a place between logic and the experimental sciences. It is pure logic; all its
propositions are of the form: ‘If one supposes A, then B is true.’ But these logical constructions must
not be made for the mere pleasure of reasoning about them. The object studied by them is given by
the experimental sciences; they must have a practical goal.
26

É um ponto extremamente delicado, o fato de que apenas olhando para os axiomas


não podermos dizer o que é “0”, “número” e ”sucessor”. Devemos compreendê-los
de forma independente, pois assevera Russel que não é interessante que os
números em questão apenas verifiquem fórmulas matemáticas, como em um jogo,
mas também que possam ser aplicados a objetos comuns em nosso dia-a-dia.

Entretanto devemos ressaltar que o principal esforço de Peano foi propor uma
axiomatização que permitisse fundamentar os números naturais e não responder à
questão “O que é número?”. Em outras palavras, entendemos que Peano busca
fundamentar as principais propriedades dos números. Por este motivo, é possível
afirmar que, enquanto Peano buscava mais o aspecto intensional do conceito de
número, Russell pretendia explorar mais o aspecto extensional, ou seja, enquanto o
primeiro observava mais os aspectos estruturais e as relações entre os objetos
matemáticos, o segundo focava possíveis interpretações, aplicações ou modelos
para os números. Mais adiante, no capítulo 4, abordaremos os significados das
palavras intensional e extensional com base na noção de complementaridade. Por
enquanto, vamos ver como as principais escolas filosóficas tratavam da questão do
que é o número.
27

3 A NATUREZA DO NÚMERO: CORRENTES FILOSÓFICAS

As teorias matemáticas no final do século XIX confrontavam-se com questões


filosóficas sobre a existência e a natureza dos conceitos matemáticos, como
podemos observar nas obras de Frege e Russell. Dentre as questões fundamentais,
inclui-se saber se o conhecimento matemático é empírico ou a priori, assim como
questões que envolvem atributos ou referências para o conceito de número
(aspectos intensional ou extensional do conceito de número Cap. 4).

Diversos filósofos e matemáticos buscaram responder à pergunta “O que é


número?”. De fato, as respostas apresentadas foram insuficientes do ponto de vista
da complementaridade. Na tentativa de conseguir respostas, foram considerados
apenas aspectos intensionais ou somente extensionais do conceito de número, e
não a complementaridade entre eles.

Discorremos agora sobre algumas das respostas apresentadas pelas principais


correntes filosóficas para as questões que envolvem a natureza do número.
Faremos uma apresentação sucinta das ideias centrais acerca do conceito de
número e de concepções de alguns matemáticos que se dedicaram aos
fundamentos da Matemática e, posteriormente, trataremos da questão da
complementaridade.

3.1. Nominalismo

Para os Nominalistas não existem entidades abstratas que se identifiquem aos


números (existência de objetos matemáticos no sentido platônico), “o número,
enquanto tal existe em sua representação ou em ato mental de natureza unicamente
psicológica, nasce e morre como ato do pensamento” (FONSECA, 2010, p.105). De
fato para essa escola a existência concreta ou a verdade física não importam,
contanto que o objeto em estudo seja consistente, e por consistente devemos
entender como não existindo contradições dentro desse sistema. No campo
matemático, podemos citar John Stuart Mill,6 que foi um grande defensor dessa

6
John Stuart Mill nasceu em Londres em 1806 e morreu na mesma cidade em 1873. Suas
contribuições abrangem diversas áreas do conhecimento como a Lógica, a Psicologia, o Direito, a
Economia e a Política. Publicou diversas obras, entre elas A System of Logic, composta por dois
volumes, publicada em 1843. Suas principais contribuições encontram-se no campo da Economia.
28

corrente, segundo a qual os números são fruto da abstração realizada a partir da


realidade empírica.

Uma das lacunas apontadas por Barker (1969) refere-se aos números naturais,
como 0 ou 1. Tais números são únicos conceitualmente. Quando dizemos “zero” ou
“um”, entendemos e queremos indicar o mesmo objeto mental. Se, ao contrário, o
número fosse simples representação de realidades empíricas, como defendido pelos
nominalistas, não nos compreenderíamos, pois cada pessoa poderia atribuir
realidades diferentes ao número.

Há números que abarcam entidades às quais não se pode fazer corresponder uma
realidade fora do pensamento; é o caso do número zero, dos números transfinitos 7
ou ainda de números não computáveis8. Se aos números devessem corresponder
necessariamente a entidades concretas, se tivéssemos que indicar realidade
concreta correspondente a cada número, grande parte da Matemática se tornaria
impossível.

Sendo assim, podemos chegar à conclusão de que a concepção segundo a qual os


números são exclusivamente meras representações mentais de entidades concretas
não fornece uma interpretação adequada da Matemática, nem torna possível a
formulação de grande parte dos seus axiomas e teoremas.

O nominalismo, entendido como teoria que nega o valor ideal e autônomo da


Matemática, reduzindo à interpretação ou tradução mental de realidades e relações
concretamente existentes, é insuficiente para justificar a natureza e a existência de
conceitos matemáticos. Além do exposto, a tese nominalista foi derrubada pelo
trabalho de Kurt Gödel (1906-1978) em 1931. Empregando uma engenhosa cadeia
de raciocínios metamatemáticos, Gödel demonstrou que a consistência é
incompatível com a completude. Tais sistemas, se consistentes, devem,
necessariamente, ser incompletos, derrubando por completo a ideia de que as
verdades matemáticas poderiam ser identificadas unicamente nos processos de
dedução a partir de axiomas e, por conseguinte, não sendo capaz de se interpretar
toda a teoria dos números através dela.

7
São números que representam a cardinalidade de conjuntos infinitos.
8
São números reais que não podem ser obtidos através de um algoritmo finito.
29

3.2. Conceitualismo e Intuicionismo

Segundo Barker (1969), o conceitualismo é a doutrina segundo a qual os conceitos


só existem como ideias em nosso espírito, não possuindo nada que lhes
corresponda na realidade. Em outras palavras, doutrina segundo a qual as ideias
gerais que servem para organizar nosso conhecimento são instrumentos intelectuais
criados por nosso espírito, mas sem nenhuma existência fora dele.

A visão de que objetos matemáticos, como números, são entidades abstratas


nascidas do pensar parece bastante atraente a muitas pessoas. Entretanto,
conforme alerta Barker (1969, p. 98), uma forma extremada de conceitualismo
sustentaria que o espírito está dotado de poderes para criar os números e as
entidades matemáticas que desejasse.

Ainda segundo Barker (1969), o filósofo Kant é um dos mais ilustres representantes
do conceitualismo matemático, sustentando que as leis dos números, como as da
Geometria Euclidiana, eram ao mesmo tempo a priori e sintéticas. Sustenta ainda
que,

Embora Kant não tenha deixado tão explícitas as suas ideias


sobre a filosofia dos números quanto deixou explícitas as suas
impressões a propósito da filosofia do espaço, disse o bastante
para fixar, em seus leitores, a noção de que, para ele, nosso
conhecimento dos números se assenta numa consciência do
tempo, entendida como “forma de intuição pura”, e numa
consciência que o espírito possui de sua própria capacidade de
repetir, seguidamente, o ato de contar (BARKER, 1969, p. 99).

Um grupo de matemáticos nominalistas acreditava que a pura intuição da contagem


seria o ponto de partida para a justificativa do conceito de número. A Filosofia desse
grupo recebeu o nome de intuicionismo, e entre eles estavam matemáticos como
Brouwer9 e Kronecker10.

9
Luitzen E. J. Brouwer (1881-1966) nasceu em Overschie (Holanda) e realizou doutoramento na
Universidade de Amsterdam. Relizou célebres trabalhos em topologia algébrica. Toda a sua carreira
foi consagrada ao desenvolvimento das matemáticas intuicionistas.
10
Leopold Kronecker (1823-1891) nasceu em Liegnitz (Alemanha) e estudou em Berlim, Bona e
Breslau. Realizou o doutoramento em 1845 na Universidade de Berlim. Conforme afirma Jean
Dieudonné, seus textos de álgebra, de teoria dos números e de análise são de uma profundidade
notável.
30

Partindo da visão intuicionista os números são conceituados da seguinte forma, a


partir de um primeiro elemento e uma lei de formação que soma uma unidade a um
dado elemento a fim de se obter o seguinte, repetimos o processo tantas vezes
quanto queiramos, muito embora nunca se alcance uma totalidade. Obtemos então
uma sequência de elemento o qual o conjunto 1,2,3,4,… é totalmente conveniente.
Dessa forma a possibilidade de repetição indefinidamente em um ato semelhante ao
ato da criação leva-nos ao conceito de número natural. De fato não apenas os
números, mas para os intuicionistas “o matemático não descobre as entidades
matemáticas; é o próprio matemático quem cria as entidades que estuda” (COSTA,
2008, p.36).

Do ponto de vista dos intuicionistas, deve-se dispor de uma demonstração


construtiva, de qualquer enunciado matemático a propósito dos números, antes de
admitir a verdade sobre o enunciado considerado. Se o enunciado afirma a
existência de pelo menos um número de tal espécie, devemos saber como construir
ou computar esse número, usando apenas um número finito de fases.

Lembramos nesse ponto que para Kronecker, um dos defensores da escola


Intuicionista, não é possível conceber um infinito acabado concebido por objetos já
existentes.Desse modo os números reais em sua conceituação clássica é
desprezada, e disso decorre sua célebre frase: “Deus nos deu os números naturais,
o resto é obra dos homens” (EVES. 2011, p.616).

Entretanto, tal noção entra em conflito com a teoria dos números transfinitos de
Cantor de 1874, bem como com as noções de infinito atual11 e potencial12, que são
consistentes do ponto de vista matemático. Assim, o conceitualismo também não
conseguiu fornecer definitivamente uma resposta às questões relacionadas à
natureza dos números.

“O intuicionismo, uma das mais influentes formas de filosofia conceitualista, mutila,


assim, de modo considerável, a Matemática clássica, rejeitando alguns de seus
métodos e abandonando alguns de seus axiomas” (Barker, 1969, p. 104).

11
Infinito atual faz menção a uma entidade já existente com um número infinito de elementos. Como
exemplo podemos tomar o segmento de reta de tamanho um, apesar de podemos até desenhá-lo e
visualizar seu início e fim, possui infinitos pontos.
12
Algo que pode ser aumentado indefinidamente, tanto quanto necessário.
31

Pelo exposto, conclui-se que a doutrina segundo a qual os números nascem da pura
intuição do processo de contagem é muito vaga e discutível, especialmente se
interpretada literalmente.

3.3. Realismo e a tese Logicista

Diferentemente do conceitualismo, o realismo não aceita que as entidades abstratas


estejam limitadas pela capacidade de criação da mente humana. Para eles objetos
matemáticos existem em si e por si, não dependendo de construções da mente. O
realista acredita que existem (sem a necessidade de aplicações ou modelos)
quaisquer entidades citadas nos axiomas e teoremas da teoria dos números.

Segundo essa corrente filosófica, não há justificativa para rejeitar demonstrações


não construtivas na Matemática. Se os números e os demais conceitos matemáticos
têm realidade independente de nós, os critérios da filosofia dos conceitualistas não
fazem qualquer sentido.

Dessa forma, ao contrário dos intuicionistas não existem motivos para se rejeitar
demonstrações não construtivas como, por exemplo, a demonstração da não
enumerabilidade do conjunto dos números reais, proposta por Cantor.

Ainda dentro da corrente realista, temos a que ficou conhecida como tese logicista.
Essa tese, como defende o matemático, lógico e filósofo alemão Frege sustenta que
é possível reduzir os números e todas as suas regras da Lógica. Posteriormente,
Russell e Whitehead irão além sustentando que não apenas os números, mas toda a
Matemática pode ser reduzida à Lógica, afirmando ainda que da mesma forma que a
Geometria se relaciona com seus axiomas, a Aritmética e todo o resto da
Matemática dos números se relacionam às leis da Lógica.

Barker (1969) afirma que não foi por acaso o fato de a tese logicista ter sido
desenvolvida pelos adeptos do realismo, pois tais concepções caminham juntas.

Com o avanço da tese, vários problemas começaram a ser percebidos, dentre eles
muitos paradoxos que foram corrigidos enunciando-se o axioma da redutibilidade e o
axioma do infinito13 que acabaram por levantar tantos opositores quanto

13
Existe um conjunto que tem o conjunto vazio como elemento e o sucessor de todo elemento seu.
32

simpatizantes. Temos também a teoria dos tipos formulada para superar as críticas
ao axioma da redutibilidade14 e que por sua vez também levantou dúvidas quanto ao
sistema.

Desse modo é possível concluir que a tese realista não deu conta do proposto
(reduzir a matemática à lógica) e consequentemente não tornou possível a
fundamentação dos números criando paradoxos que a cada tentativa de sanar, dava
à luz novos problemas.

14
Para toda propriedade de ordem maior que zero existe uma propriedade de ordem zero que lhe é
equivalente.
33

4 A NOÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE NA MATEMÁTICA

Conceitos opostos que se corrigem mutuamente são conhecidos por


complementares e ainda que dicotômicos integram-se para descrever um fenômeno.
A partir desse princípio o físico dinamarquês Niels Bohr (1885 - 1962), explicita o
conceito dual de onda e corpúsculo nos fenômenos ópticos da mecânica quântica
moderna que se complementam ao invés de se confrontarem. Filósofos e
matemáticos, como Kuyk (1977) e Otte (2003) utilizaram a complementaridade para
explicar o desenvolvimento epistemológico e cognitivo de conceitos matemáticos.

De acordo com Otte (2003), a complementaridade é concebida segundo noção dual


de extensão e intensão. Em seu artigo intitulado Complementary, Sets and Numbers
ele utiliza a noção de complementaridade para explicar e analisar o desenvolvimento
de conceitos matemáticos, em especial a noção de número e conjuntos. Para ele os
aspectos intensionais e extensionais relacionados à noção de número não devem
ser encarados apenas como uma dualidade, mas sim como complementares.

Entendemos por “complementares dois conceitos opostos que, porém se corrigem


reciprocamente e se integram na descrição de um fenômeno” (ABBAGNANO, 1982,
p. 144).

A visão intensional compreende estruturas teóricas, descrições axiomáticas e as


relações entre classes de objetos matemáticos. A abordagem axiomática da
aritmética, por exemplo, não trata de objetos concretos, mas apenas de relações
lógicas e objetos ideais.

Por outro lado temos a visão extensional de objetos matemáticos que se caracteriza
por fornecer a descrição dos objetos, por meio de aplicações, interpretações ou
modelos matemáticos. Para Thorn (1972 apud Otte, 2003b, p. 203) o verdadeiro
problema pelo qual é confrontado o ensino da matemática não é o rigor, mas sim um
problema de desenvolver um significado para a interpretação a partir de objetos
existentes no mundo real.

Como podemos observar os objetos matemáticos possuem uma natureza dual, tanto
lhe cabe uma teoria axiomática, como podem ser complementados por aplicações,
ou seja, modelos apoiados no mundo real que traduzem seus processos lógicos.
34

A matemática não é uma teoria vazia, um matemático não monta simplesmente um


quebra-cabeça livre de contradições, existe a necessidade de interpretação de sua
teoria. Por outro lado, não é possível encontrarmos todas as possíveis aplicações de
um conceito matemático. Dessa forma “existe a necessidade de uma
complementaridade entre o caráter intensional e extensional de conceitos
matemáticos” (Fonseca, 2005, p. 19).

4.1. Complementaridade na teoria de Conway

A teoria do matemático britânico John Horton Conway, pode fornecer uma resposta
mais completa à questão. Conway (2001) afirmou que número é um “jogo”.
Certamente devemos considerar que ele não estava buscando responder a pergunta
“O que é número?” do ponto de vista filosófico, mas sua teoria pode ser usada para
apresentar uma resposta a essa questão, visto que garante a complementaridade na
conceituação de número.

A teoria formulada por Conway para a construção dos números reais satisfaz o
caráter intensional ao elaborar uma tese consistente baseada em axiomas e
definições da Teoria dos Conjuntos, e também satisfaz o caráter extensional já que
tal construção é possível também por meio de uma classe de jogos.

Dessa forma concomitantemente à construção por meio de conjuntos, podemos ver


o jogo como um modelo empírico que favorecerá a criatividade quanto às
conjecturas e propriedades estudadas, ou seja, existe a possibilidade de se construir
os números de maneira informal por meio do jogo ou formal por meio da teoria dos
conjuntos.

Outro ponto de extrema importância em sua teoria reside no fato de contrariamente


às teorias clássicas que necessitam de uma ruptura no processo, Conway faz a
construção por um caminho linear e com os mesmos objetos desde os naturais até
os reais, indo além, construindo diversos tipos de números (como complexos e
transfinitos). Assim, não necessita abandonar as operações com pares ordenados e
passar a utilizar novos métodos como cortes de Dedekind ou as classes de
equivalência de sequências de Cauchy. Por fim, possibilita responder à questão que
há muito faz parte de discussões tanto matemáticas quanto filosóficas. O que é
número?
35

5 TEORIA DE CONWAY

Vamos apresentar de modo informal como Conway utiliza a noção de Cortes de


Dedekind para conceituar os chamados Números Surreais. Antes saliento que ao
contrário de Dedekind que parte dos racionais como conjunto formado e daí erige
sua teoria, Conway inicia pelo vazio e do que podemos chamar de Cortes
generalizados e constrói todos os conjuntos numéricos existentes, incluindo os
transfinitos e os infinitesimais. Posteriormente à apresentação de cada conjunto,
faremos a associação dele à sua representação pelo jogo Hackembush, que é uma
classe de jogos derivada do jogo NIN. Esses jogos são caracterizados por: (1)
admite apenas um ganhador; (2) não possui informação escondida; (3) tem uma
quantidade finita de jogadas; (4) não envolve fator de sorte. Esta pesquisa não
apresenta maiores detalhes do jogo, apenas mostra sua existência e sua relação
com os Conjuntos. Para um conhecimento mais aprofundado do jogo, sugiro
FONSECA (2010), que trata de forma muito didática e detalhada do assunto.

5.1. Números Surreais15

Um número x é o conjunto formado pelas classes representado como


x = ( ) em que essas classes são conjuntos de números previamente
construídos e que se verifica a propriedade que chamamos:

(I) para qualquer e , temos que  .

A partir do conjunto vazio é construído o primeiro número: 0 = ( ).

Para provar que zero é realmente um número, precisamos mostrar que não é

maior ou igual a por (I): 0=( ) 

Uma vez que mostramos ser 0 = ( ), realmente um número, o utilizamos em cada


uma das duas classes a fim de se obter dois novos números, como
mostramos a seguir:
15
“Número surreal é todo número que pode ser criado a partir da teoria de Conway, com a qual
também é possível criar números reais e transfinitos. Esses números podem ser representados por
conjuntos ou por configurações de uma classe de jogos. Por volta de 1974, o matemático Donald E.
Knuth chamou os números de Conway de números surreais; posteriormente o próprio Conway
começou a utilizar essa designação” (FONSECA, 2010, p.18).
36

-1 = ( {0}) e 1 = ({0}| )
que por (I) obtemos:

-1 = ( {0}) 0 e

1 = ({0}| ) 0

Tomando agora os números obtidos e substituindo-os em cada uma das duas


classes, conseguimos mais dois novos:

-2 = ( |{-1}) e 2 = ({1}| )
E novamente por (I) mostramos que são números de Conway:

-2 = ( {-1}) 1

2 = ({1}| ) 1

Repetindo esse processo, encontraremos sempre dois novos números do qual todo
número n é da forma n = ({n-1}| ) e respectivamente os números negativos são da
forma -n = ( {-(n-1)}).

A partir do observado, vamos generalizar o seguinte resultado;

Para qualquer x = ( ) temos que -x = (- |- ).

Representação dos inteiros por meio do jogo

Figura 1 – Representação dos inteiros por meio do jogo.


37

Agora que obtemos vários números é pertinente estabelecer uma relação entre eles,

a qual chamaremos (II) e diz que x y y e x .

Vamos fazer uma análise dos três primeiros números obtidos:

Prova 1: 0-1

Supomos por absurdo que 0 -1, teríamos então ( ) ( {0}) e por (II):

0 -1 y e x

-1 e 00

Ora obtemos aí um absurdo, pois sabemos que 0 0 , dessa forma abandonamos

nossa hipótese inicial e concluímos então ser 0-1

Prova 2: 10

Supomos por absurdo que 1 0, teríamos então ({0}| ) ( ) e por (II):

1 0 y e x 

00 e 1

Ora obtemos aí um absurdo, pois sabemos que 0 0 , dessa forma abandonamos

nossa hipótese inicial e concluímos então ser 10

Prova 3: 1-1

Supomos por absurdo que 1 -1, teríamos então ({0}| ) ( {0}) e por (II):
38

1 -1 y e x 

0-1 e 10

Ora obtemos dois absurdos, pois sabemos que 0 e também que 1 0, dessa

forma concluímos então ser 1-1

É interessante ressaltar nesse ponto que apesar de parecer óbvio do ponto de vista
comum, não podemos afirmar que -1<1 apenas provando que -1<0 e que 0<1.

Com isso a prova três se faz realmente necessária.

Vamos generalizar a propriedade acima:

Teorema: Sejam X e Y conjuntos de números com x = ( X) e y = (Y| ) então


sempre teremos x y.

Vamos dividir essa prova nos seguintes casos:

CASO 1: X = Y = , teremos x = ( ) e y=( | ):

x y y e x 

0 e 0

CASO 2: X = eY , teremos x = ( ) e y = (Y| ) :

x y y e x 

y e 0

CASO 3: X e Y= , teremos x = ( X) e y = ( | ) :

x y y e x 
39

0 e x

CASO 4: X e Y , teremos x = ( X) e y = (Y| ) :

x y y e x 

y e x 

Propriedade transitiva

Sejam x, y, z três números então vale a propriedade transitiva, ou seja;

(III) Se x y e y z então x z.

Para provar tal asserção, supomos por absurdo que existam três números x,y,z tais
que:

x y e y z xz o qual chamaremos ( )

Temos então por x  z

(i) z ou (ii) x

Então se (x,y,z) são três números que verificam ( ) e supondo sem perda de
generalidade que ocorra (i), temos então:

y z e z e ainda por x y y , ou seja, encontramos um novo

“arranjo” para ( )

Temos agora por y 

(i) ou (ii) y

Então se (y,z, ) são três números que verificam ( ), e supondo novamente sem
perda de generalidade que ocorra (i), temos então:
40

z e e ainda por y z z um outro “arranjo” para ( )

Temos aqui por z  (i) ou (ii) z

Esse processo se estenderia infinitamente, mas devemos observar que cada nova
terna de números satisfazendo ( ) é composta por um número que faz parte de
conjuntos E ou D de outros números, ou seja, foi criado antes que o número
representado. De modo que se definirmos uma função d(x) tal que para um número
x, ela indica o passo em que foi construído (sendo zero construído no passo 1,
menos um e um, construídos no passo 2 e assim por diante), teremos para a terna
(x,y,z) inicial d(x) + d(y) + d(z) = n. Aplicando a função para os casos posteriores
obtidos, obtemos novas ternas com somas menores. Podemos prosseguir assim
infinitamente o que é um absurdo, pois não pode existir qualquer terna com soma
inferior a 3.

De onde somos levados a concluir que para números x,y,z, temos:

Se x y e y z então x z.

(IV): Seja x = ( ) um número, teremos:

x x o que significa que x e x .

Suponha por absurdo que exista um x tal que:

x x x ou x

Por x temos que existe um tal que x por (II)  o que é

um absurdo.

Por x temos que existe um tal que x por (II)  o que é

um absurdo. Logo x x.

(V) Seja x = ( ) temos que x e x .


41

Suponha por absurdo que exista um tal que  x , temos então:

Existe tal que x

ou

Existe tal que , o que é um absurdo por (I).

Vejamos (i):

Como temos que e por (i) x do qual concluímos pela

transitiva x ou ainda  e como  , o que por (IV) é um

absurdo. Logo x x .

Para x a demonstração é análoga portanto:

para x = ( ) temos que x e x .

Agora podemos provar que para dois números x e y , não teremos x y e yx

Tomando x y y ou x .

Sabemos que x x y y x.

Também sabemos que y x y y x.

Para y  x o desenvolvimento é análogo.

(VI) Logo concluímos que se x  y então y x.

Igualdade entre dois números de Conway

(VII) Sejam x = ( ) e y=( ) dois números de Conway;

Temos que se x = y então y e x  e x e y  .


42

Soma para os números de Conway

Agora que temos uma série de números inclusive números negativos e também já
definimos o que é a igualdade para os números de Conway, vamos definir a soma
entre eles:

Sejam dois números de Conway x = ( ) e y=( ), definimos a soma:

x + y = (( + y) (x + )| ( + y) (x + ))

Abaixo temos alguns exemplos importantes da operação, bem como seu


procedimento:

0+0=( )+( ) = (( + y) (x + )|( + y) (x + )) =

= (( + 0) (0 + )|( + 0) (0 + )) = (( ) ( )|( ) ( )) = ( )=0

0+1=( ) + ({0}| ) = (( + y) (x + )|( + y) (x + )) =

= (( + 1) (0 + 0)|( + 1) (0 + )) = (( ) (0)|( ) ( )) = ({0}| )= 1

1 + 1 = ({0}| ) + ({0}| ) = (( + y) (x + )|( + y) (x + )) =

= ((0 + 1) (1 + 0)|( + 1) (1 + )) = ((1) (1)|( ) ( )) = ({1}| )= 2

1 + (-1) = ({0}| ) + ( |{0}) = (( + y) (x + )|( + y) (x + )) =

= ((0 + (-1)) (1 + )|( + (-1)) (1 + 0)) = ((-1) ( )|( ) (1)) =

= ({-1}|{1}) = ?

Obviamente esperávamos que a operação acima resultasse zero, entretanto


não foi o que aconteceu, o resultado foi um número ainda não conhecido. Mas
da mesma forma como devemos diferenciar a operação da representação
para o numeral zero, podemos entender que o resultado obtido é a
representação para o número ( ), o qual podemos mostrar utilizando a
igualdade apresentada logo acima.

Se ({-1}|{1}) = ( ) então -10 e x  e x e 0 1.


43

Multiplicação para os números de Conway

A regra para a multiplicação estabelecida por Conway é a seguinte:

Sejam x = ( ) e y=( ) dois números de Conway, então

xy = (( y+x - ) ( y+x - )|( y+x - ) ( y+x - ))

Números Racionais diádicos

Observe agora o número ({0}| ), podemos mostrar que realmente se trata de um

número de Conway por (I), pois 0  1:

Sabemos também por (V) que 0 ({0}| ) 1, vamos então descobrir se ({0}| )=0
ou ({0}| ) =1.

Se ({0}| )=( ) então 00 um absurdo logo ({0}| ) ( ).

Se ({0}| ) = ({0}| ) então 11 um absurdo logo ({0}| ) ({0}| ).

Sabemos agora que 0 <({0}| )< 1, mas não sabemos ainda de que número se
trata. Nesse ponto o jogo Hackenbush propõe uma tarefa extremamente agradável e
divertida, descobrir de que número se trata jogando.

Em nosso trabalho apresento, sem prova, uma regra para a construção dos
chamados números racionais diádicos, ou seja, números da forma :

Para um número x, na classe esquerda colocamos a parte inteira do número e na


classe direita colocamos o (2x - ).

Dessa forma podemos esperar que ({0}| ) = vamos confirmar isso mostrando

que:({0}| ) + ({0}| ) = ((0 + ) ( + 0)|( + ) ( + )) = ({ }| ) e por (VII)

concluímos que é igual a ({0}| ).

Outros exemplos de números nessa forma (e respectivamente os opostos aditivos):


44

= ({0}| )e - =( )

= ({0}| )e - =( )

= ({1}| )e - = ({-2}| )

= ({3}| ) e - =( |{-3})

= ({3}| ) e - =( )

Representação dos racionais diádicos por meio do jogo

Figura 2 – Representação dos racionais diádicos pelo jogo.


45

Números Racionais não diádicos

Até agora, apresentamos apenas números racionais com sua representação finita,
um dos principais motivos é a dificuldade em representar uma configuração infinita
de peças. Problema esse que o matemático Elwyn Berlekamp16 resolveu utilizando a
representação binária desses números e, por conseguinte possibilitou também a
representação de qualquer racional não diádico.

Colocando sua representação binária na classe esquerda , interrompemos em


algum algarismo “1” e para a classe direita paramos em um algarismo “0” e
somamos 1, garantindo dessa forma que as classes sejam respectivamente menor e
maior que nosso número. O tanto de algarismos que vamos utilizar em cada uma
das classes vai depender do quão preciso queiramos esse número.

Exemplos:

a) em notação binária é 0,010101..., por meio de conjuntos temos:

{0,01|0,1} ou {0,0101|0,011} ou {0,010101|0,01011} etc

b) em notação binária é 0,100100100..., por meio de conjuntos temos:

{0,1|0,11} ou {0,1001|0,101} ou {0,100100100|0,100100101} etc.

Representação de alguns racionais não diádicos pelo jogo

Para compreender a notação infinita, temos: As duas primeiras peças de cores


diferentes olhando de baixo para cima, representarão a “vírgula binária”, as peças
escuras e claras são os dígitos 1 e 0, respectivamente que estão a direita da vírgula
(lembrando, notação binária) e a parte inteira será o número de peças que se
encontram antes do par que representa a vírgula.

16
“Elwyn Berlekamp nasceu em Dover, Ohio, nos Estados Unidos, em 6 de setembro de 1940, é
professor emérito de Matemática, de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação na Universidade
da California, Berkeley, desde 1971. É conhecido por seus trabalhos na teoria de Informação e na
Teoria dos Jogos Combinatórios. Com John Horton Conway e Richard K. Guy, escreveu a coletânea
de livros Winning Ways for Your Mathematical Plays” (FONSECA, 2010, p. 36).
46

Figura 3 – Representação de e por meio do jogo

Alguns exemplos de números irracionais

Novamente para os números irracionais utilizamos a regra de Berlekamp, e também


vamos destacar que o número de algarismos utilizados em cada uma das classes
vai depender do quão preciso queiramos esse número, assim como fazemos com os
irracionais em sua notação decimal. Uma vez dito isso, podemos apresentar os
números que não possuem um período da seguinte maneira:

Exemplos:

= 11,001001000011111101101... será igual a:

{11,01|11,1} ou {11,001|11,01} ou {11,00100100001|11,0010010001} etc.


47

Da mesma forma podemos tratar o número irracional e, que possui notação binária
10, 101101..., e que por meio de conjuntos é:

e = {10,101|10,11} ou {10,1011|10,10111} e assim por diante.

Por fim, vamos apresentar um número muito importante para o desenvolvimento da


matemática e conhecido desde a antiguidade, o número , cuja representação em
notação binária é 1,01010001... e por meio de conjuntos temos:

= {1,01|1,1} ou {1,0101|1,011} ou {1,01010001|1,0101001} etc.

Representação dos irracionais por meio do jogo

Figura 4 – Representação do , ℮, por meio do jogo.


48
49

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o trabalho aqui apresentado, podemos dizer que o pensamento moderno


em relação aos números pode ser descrito por três tendências, conforme
descrevemos sucintamente a seguir.

De um lado, temos as abordagens axiomáticas, como a de Peano ou a abordagem


axiomática clássica dos números reais, que podem ser classificadas como
formalismo, que constrói o campo numérico em um campo de operações, com base
em alguns axiomas singulares.

Por outro lado, temos as tendências que se baseiam na noção conjunto-teórica,


como as de Dedekind e Cantor, que determinam os números em um caso particular
de hierarquia de conjuntos. Nesse caso, o conceito de número faz um retorno
ontológico, de modo que as grandes ideias são os axiomas clássicos da teoria dos
conjuntos. Nesse contexto, “número” é um caso particular de predicado com certas
propriedades distintivas.

Por fim, a proposta por Frege e apoiada por Russel (que pode ser chamada de
logicismo) defende que a essência do conceito de número baseia-se apenas na
consideração de algumas leis do próprio pensamento. Número de acordo com essa
tendência é apenas uma consequência conceitual totalmente deduzida de alguns
princípios originais.

A essência do conceito de número é múltipla, ou seja, possui aplicabilidade a todas


as coisas e suas características estruturais. A conceituação de número deve ser
concebida por meio da complementaridade entre aspectos intensional e extensional.

Acreditamos, à luz da complementaridade, que a perspectiva logicista deve ser


abandonada por razões de consistência, já que não pode satisfazer as exigências do
pensamento, especialmente do pensamento filosófico.

As perspectivas axiomáticas têm a tendência de socializar a tese de que os números


circunscrevem apenas um projeto técnico, fornecendo para esse conceito apenas
uma característica operacional ou estrutural, de modo que são exploradas
50

exclusivamente as relações entre os objetos matemáticos, com ênfase no aspecto


intensional do conceito de número.

A tese conjunto-teórica (cortes de Dedekind e classes de equivalência de


sequências de Cauchy) não favorece a exploração do aspecto extensional do
conceito de número, pois não fornecem um modelo ou interpretação às suas teorias.

Nenhuma dessas perspectivas oferece uma unificação do conceito de número. Para


nós, uma abordagem que forneça um conceito unificado para tais objetos
matemáticos deve ser considerada dentro de uma conjuntura que envolva a Filosofia
e a Matemática.

Costumeiramente, falamos de número a respeito dos naturais, inteiros, racionais e


reais. Também falamos dos números mais diretamente no sentido conjunto-teórico
ao designar tipos de boa ordenação e quantidades, incluindo quantidades infinitas
(cardinais). Parece plausível esperar que algum conceito de número fosse construto
de todos esses casos, ou pelo menos dos “mais clássicos”, ou seja, dos números
naturais (discreto) aos números reais (contínuo). Mas não é isso o que ocorre com
as abordagens clássicas.

Como sabemos, “número” emerge com muitos sentidos. Mas qual desses sentidos
pode constituir um conceito, permitindo que algo singular seja proposto ao
pensamento sob este nome? Ou, dito de outra forma, o que é número?

Como se pode obter uma ideia única de número por meio de tal processo se todas
as abordagens envolvendo as extensões dos conjuntos privilegiam apenas os
aspectos operacionais do conceito de número, em outras palavras, podemos dizer
que apenas o aspecto intensional do conceito de número é explorado e o aspecto
extensional não é contemplado.

Diante desse contexto, apontamos para a potencialidade de uma “nova” abordagem:


a proposta de J. H. Conway. Tal proposta possibilitou a construção dos números
desde os naturais até os reais por um processo único, sem rupturas, permitindo
também uma abordagem complementar entre os aspectos intensional e extensional
do conceito de número fornecendo portanto uma possibilidade de resposta à
questão “O que é número?”. Nesse caso, a resposta é “número é um jogo”.
51

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Tradução: Alfredo Bosi. 2. ed. São Paulo:


Mestre Jou, 1982.

ÁVILA, G. Introdução à análise matemática. 2. ed. São Paulo: Edgard Blucher,


1999.

BARKER, S. F. Filosofia da Matemática. Tradução: Leonidas Hegenberg e Octanny


Silveira da Mota. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1969.

COSTA, N. Introdução aos Fundamentos da Matemática. 4. São Paulo: Hucitec,


2008.

EVES, H. Introdução à história da matemática. Tradução de Hygino H.


Domingues. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

FONSECA, R. F. Da. Número: o conceito a partir de jogos. 2005. Dissertação


(Mestrado em Educação Matemática) – PUC-SP. São Paulo.

_________, R. F. da. A complementaridade entre os aspectos intensional e


extensional na conceituação de número real proposta por John Horton
Conway. 2010. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - PUC-SP. São Paulo.

IGLIORI, S. B. C.; SILVA, B. A. Concepções dos alunos sobre os números reais.


In: LAUDARES, João Bosco (Org.). Educação Matemática: a prática educativa sob o
olhar de professores de cálculo. Belo Horizonte: Fumarc, 2001.

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