Relatorio Portugal Mais Velho
Relatorio Portugal Mais Velho
Relatorio Portugal Mais Velho
Apesar de vivermos numa sociedade cada vez mais envelhecida, continua a predominar entre nós uma visão
negativa do envelhecimento – populacional e do indivíduo. Tal visão comporta estereótipos quanto às pessoas
idosas, que são frequentemente vistas pela sociedade como pessoas frágeis, doentes e dependentes. Por sua vez,
todo o grupo populacional a que pertencem estas pessoas é encarado pelas camadas mais jovens da população
– a população ativa – como um encargo económico e social que pesa nos bolsos do Estado e que lhes retira
oportunidades de crescimento e prosperidade.
No entanto, um dos maiores sinais de prosperidade é, na verdade, o aumento da esperança média de vida,
um dos fatores que tem vindo a contribuir precisamente para este envelhecimento populacional e que muitos
rotulam como um dos maiores problemas da atualidade ou, alguns/mas mais num tom mais positivo, o maior
desafio com que se deparam as sociedades ocidentais.
Se em em 1961 por cada 100 jovens existiam 27 pessoas idosas em Portugal e se, em 2018, apenas 57 anos
depois, este número subiu para 1571, então vivemos numa sociedade em que os avanços tecnológicos, médicos,
sociais e outros, permitiram à população viver mais. O que não significa necessariamente viver melhor.
Esta reflexão, exposta no presente Relatório, partiu de uma seleção de matérias diretamente relacionadas com
a violência contra pessoas idosas mas também de outras que, embora não diretamente conexas com aquele
fenómeno, são igualmente pertinentes por se entender que a violência contra pessoas idosas, ou pelo menos
parte dela, é uma manifestação da generalizada perceção negativa e dos constantes atropelos à autonomia das
pessoas idosas.
Após selecionadas estas matérias, foram auscultados mais de 80 profissionais e consultadas quase 40 pessoas
idosas e, ainda, cuidadores/as informais ou familiares que prestam cuidados a pessoas idosas. A estas consultas
somou-se uma extensa e profunda análise bibliográfica levada a cabo pela APAV durante cerca de um ano, tendo
resultado um Relatório que apresenta de forma simplificada e sempre numa ótica mais que multidisciplinar,
interdisciplinar, aquilo que são as conclusões e recomendações tecidas no âmbito do projeto Portugal Mais Velho.
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Após esta profunda reflexão, a APAV defende que é absolutamente necessário adotar uma perspetiva de direitos Envelhecimento 2018 https://
humanos transversal a todos os setores de atuação do Estado e da sociedade, que se funde no princípio da www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
participação e no empoderamento dos indivíduos, incluindo as pessoas idosas, e das comunidades, capacitando- (consultado a 26-02-2020)
os para exercer e reivindicar os seus direitos. Nesta necessária mudança de paradigma, as pessoas idosas deixam 2
Conselho Nacional de Ética
de ser um sujeito passivo, pessoas que precisam de ajuda e proteção, e passam a ser vistas como seres humanos para as Ciências da Vida,
com direitos. “Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
É fundamental desconstruir os mitos que persistem acerca do envelhecimento, dissociando as ideias de em instituições” (2014) https://
envelhecimento, doença e encargos sociais, e conferir às pessoas idosas uma participação mais equitativa e uma www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
visibilidade mais justa. 80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
3
É premente produzir e disseminar mais informação acerca da violência contra pessoas idosas, em especial
aquelas dimensões e tipos de violência que são ainda mais invisíveis do que o fenómeno como um todo, por
exemplo, a violência institucional, a violência económico-financeira ou a violência sexual.
Apesar de não existirem estatísticas oficiais e concretas que a permitam confirmar, a generalizada perceção de que
o número de casos de abandono de pessoas idosas, incluindo em instituições de saúde, é extremamente elevado
aumenta a preocupação social, sendo urgente compreender as causas e a incidência de situações de abandono
de pessoas idosas.
Deve conferir-se maior tutela jurídica às pessoas idosas vítimas de crime, por exemplo através do alargamento
do conceito de coabitação presente na alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º (Violência Doméstica) do Código Penal,
ao mesmo tempo que se aperfeiçoam os procedimentos e serviços de apoio às mesmas, sendo especialmente
necessário avaliar e melhorar as condições das casas de abrigo.
Numa ótica de prevenção da violência mas também de resposta às necessidades que possam resultar de
situações de vulnerabilidade apresentadas por algumas pessoas, incluindo pessoas idosas, é necessário criar
estruturas locais adequadamente preparadas. A criação de Comissões para Pessoas Adultas em Situação
de Vulnerabilidade que desempenhem funções de promoção e tutela dos direitos dos/as adultos/as que se
encontram incapazes de os exercer efetivamente, independentemente da sua idade, poderia ser uma resposta
eficaz àquelas necessidades. Idealmente, depois de estabilizadas as competências destas estruturas, o seu âmbito
de atuação deveria ser alargado, de modo a promover e tutelar os direitos de todas as pessoas, adultas ou não,
numa perspetiva de integração.
É essencial promover a formação, supervisão e apoio de todos/as os/as profissionais que trabalham com
pessoas idosas, com objetivo de os capacitar para a mais adequada prestação de cuidados e para o tratamento
digno e respeitoso daquelas pessoas.
Deve primar-se pela promoção da aprendizagem ao longo da vida, pelo investimento em soluções
intergeracionais e pela adequada integração de princípios de direitos humanos e valores como a empatia e
respeito pelo próximo na educação e formação de todas as pessoas, especialmente das crianças e jovens.
Com esta reflexão, onde se fundamentam e desenvolvem estas e outras recomendações, pretende-se apresentar
ao público e, em especial, aos/às profissionais das mais diversas áreas, uma ferramenta de apoio que lhes permita
não só aprofundar conhecimentos como, também, ter contacto com boas práticas e, acima de tudo, conhecer e
repensar a realidade nacional na área do envelhecimento e da violência contra as pessoas idosas.
4
ÍNDICE
CONSENTIMENTO
SUMÁRIO EXECUTIVO 3
ÍNDICE 5
LISTA DE ABREVIATURAS 7
INTRODUÇÃO 9
PORTUGAL MAIS VELHO: O PROJETO 11
CONCLUSÕES 141
POSFÁCIO 147
BIBLIOGRAFIA 151
ANEXO 159
Recomendações 159
LISTA DE ABREVIATURAS
CE Conselho da Europa
CP Código Penal
7
INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população significa um triunfo da Humanidade, uma vez que a esperança média de vida é
maior porque a população, em geral, tem melhores condições de vida. Contudo o envelhecimento populacional
é encarado por muitos estritamente como um problema demográfico, no qual as pessoas idosas representam um
encargo económico e social, sendo vistas negativamente pela sociedade.
Esta visão negativa do envelhecimento tem vindo a resultar na propagação de estereótipos e preconceitos sobre
as pessoas idosas que, por sua vez, conduzem à sua discriminação e marginalização, sendo este o fenómeno que
a Organização Mundial de Saúde (OMS) qualifica como um dos principais entraves à adoção de políticas públicas
eficazes e benéficas. À exclusão, pobreza, isolamento e discriminação, junta-se ainda um outro fenómeno cuja
escala tem vindo a gerar uma onda de preocupação global: a violência contra pessoas idosas.
A OMS estima que uma em cada seis pessoas com 60 ou mais anos é vítima de violência3. Entre os anos de 2013
e 2018, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) prestou apoio a 5.482 pessoas idosas vítimas de crime
e violência. Reconhece-se, todavia, que este fenómeno está sub-representado, dada a tendência das vítimas para
não denunciar: a OMS estima que 80% das situações de violência não são conhecidas e as estatísticas da APAV4
parecem confirmar esta asserção, uma vez que somente cerca de 35% das vítimas apoiadas pela Associação entre
2013 e 2018 apresentou queixa contra o/a agressor/a.
O Relatório Portugal Mais Velho procura identificar as lacunas das políticas públicas e da legislação em relação ao
envelhecimento da população e à violência contra pessoas idosas, apresentar boas práticas existentes nestas áreas
e outras conexas, que possam ser replicadas ou alargadas no território nacional, e ainda listar recomendações
para melhorar a situação atual. Sabemos que há ainda um longo caminho a percorrer, pelo que o objetivo último
deste Relatório é contribuir para a melhoria do exercício efectivo dos direitos das pessoas idosas e o combate ao
fenómeno da violência contra este grupo da população.
A elaboração deste Relatório compreendeu o recurso a várias fontes de informação. Por um lado foi desenvolvida
uma longa pesquisa, que incidiu sobre literatura estrangeira e nacional dedicada ao envelhecimento e à violência
contra pessoas idosas, mas também sobre instrumentos de cariz legal nacionais, europeus e internacionais. Esta
pesquisa recaiu igualmente sobre estudos e investigações realizados em vários países, alguns contando com a
participação de Portugal, mas também sobre textos de opinião, notícias e reportagens publicadas pelos órgãos de
comunicação social acerca dos temas em apreço.
Na redação do Relatório foram igualmente tidos em conta os contributos oferecidos pelos/as 81 profissionais
que participaram nas reuniões de trabalho e nas auscultações individuais levadas a cabo no âmbito do projeto
Portugal Mais Velho, bem como as opiniões partilhadas pelas 38 pessoas idosas auscultadas nos grupos de
discussão e pelos/as 4 cuidadores/as de pessoas idosas entrevistados/as. Estes contributos foram fundamentais
para conhecer mais aprofundadamente a realidade portuguesa, os desafios com que aqueles profissionais,
pessoas idosas e cuidadores/as se deparam e algumas das inúmeras boas práticas que existem em Portugal e
noutros países.
O Relatório começa por apresentar o projeto Portugal Mais Velho, dividindo-se de seguida em quatro grandes
capítulos, nos quais se apresentam os resultados da pesquisa realizada e dos contributos oferecidos por todos/as 3
Organização Mundial de Saúde,
aqueles/as que participaram no projeto. “Abuse of older people on the rise
– 1 in 6 affected” (2017) https://www.
who.int/en/news-room/detail/14-06-
No primeiro capítulo – Tipos de violência exercidos contra pessoas idosas – faz-se uma análise dos contextos em 2017-abuse-of-older-people-on-
que a violência contra este grupo da população pode surgir, apresentando-se depois os vários tipos de violência the-rise-1-in-6-affected (consultado
a 06-02-2020)
que vitimizam pessoas idosas e a caracterização das vítimas. Segue-se a análise das consequências da violência
para as vítimas, para quem é próximo/a destas e ainda para a sociedade como um todo. Neste capítulo discute-se 4
Estatísticas APAV, “Pessoas Idosas
também a necessidade de serem criadas legislação e estruturas específicas para a proteção das pessoas idosas. Vítimas de Crime e de Violência
2013-2018” (2019) https://apav.pt/
apav_v3/images/pdf/Estatisticas_
No segundo capítulo, intitulado Perfil do/a agressor/a e fatores de risco, partindo da literatura existente traça-se APAV_Pessoas_Idosas_2013_2018.pdf
(consultado a 06-02-2020)
9
o perfil daqueles/as que exercem violência sobre pessoas idosas, enumerando-se ainda os fatores de risco desta
forma de violência, bem como os fatores protetores contra esta. O capítulo termina com a análise da violência
entre pessoas idosas.
De seguida, no capítulo d’Os/As Cuidadores/as começam por ser discutidas as terminologias mais adequadas
relativamente a quem presta cuidados a pessoas idosas, pois apesar de existirem conceitos já estabilizados,
estes podem não ser os mais apropriados. Apresentam-se depois as principais dificuldades sentidas pelos/as
cuidadores/as de pessoas idosas e os mecanismos ou instrumentos de apoio e formação que estes/as têm ao seu
dispor para os/as auxiliar na prestação de cuidados. O capítulo encerra com a discussão sobre os benefícios de
supervisionar quem assume o papel de cuidador/a.
O último capítulo dedica-se à ligação entre a sociedade e a violência contra pessoas idosas, de onde surge o seu
título: (In)tolerância da sociedade à violência contra pessoas idosas. Neste capítulo é analisada a forma como a
sociedade encara o envelhecimento, procurando as possíveis causas de tal visão e como esta pode resultar numa
maior tolerância à violência. São ainda feitas sugestões sobre como alterar a forma como a sociedade olha para
as pessoas idosas, mormente através da adoção de uma perspetiva de direitos humanos, da educação de crianças
e jovens com base em princípios como o respeito pelo outro e empatia, e da adoção de um sério compromisso
relativamente ao envelhecimento ativo e saudável.
A leitura integrada destes quatro capítulos permite realizar uma análise abrangente sobre o envelhecimento e
a violência contra as pessoas idosas, não se colocando a ênfase apenas nas causas e consequências diretas da
vitimação do grupo mais velho da população. Do mesmo modo, incinde-se alguma luz sobre os desafios, mas
também – e até mais importante – sobre os benefícios que o envelhecimento comporta e a importância de se
alcançar uma sociedade onde todos são tratados como iguais.
No final do Relatório, seguindo as conclusões, é apresentada uma lista de 30 recomendações para que a
sociedade portuguesa possa tornar-se numa sociedade onde os direitos não têm idade.
10
PORTUGAL MAIS VELHO: O PROJETO
Motivada pela crescente consciencialização de que os direitos humanos das pessoas idosas em Portugal são
sistematicamente desrespeitados e de que aquelas não são devidamente tidas em conta no desenvolvimento
de legislação nacional e das políticas públicas, e partindo do reconhecimento que as atitudes idadistas e a
desconsideração do valor e da contribuição das pessoas idosas estão generalizadas na sociedade, a Associação
Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), desenvolveu, entre
janeiro de 2019 e junho de 2020, o projeto Portugal Mais Velho.
Os objetivos centrais deste projeto foram a promoção da mudança de políticas (públicas, sociais e privadas)
relativas ao envelhecimento e à vitimação das pessoas idosas e contribuir para a consciencialização pública
acerca desta temática. Assim, o projeto teve como público-alvo dois grandes grupos: os decisores políticos e a
sociedade em geral.
Para alcançar estes objetivos, foram levadas a cabo diversas atividades. Desde logo, foram criados dois grupos de
trabalho: o Grupo de Trabalho Restrito e o Grupo de Trabalho Alargado, que, embora com funções diferentes, têm
por finalidade comum contribuir para a reflexão, pesquisa e comunicação sobre o tema do envelhecimento e da
violência contra pessoas idosas.
O Grupo de Trabalho Restrito, composto por representantes da APAV e da FCG, bem como por outros/as cinco
profissionais com vasta experiência e conhecimento especializado na temática das pessoas idosas, teve por
função orientar e supervisionar o desenrolar dos trabalhos do projeto, o que se concretizou através do desenho da
metodologia do mesmo e realização de reuniões regulares nas quais se discutiam as atividades desenvolvidas e a
desenvolver e nas quais se analisavam e validavam os resultados alcançados.
O Grupo de Trabalho Alargado foi composto por 81 profissionais de várias áreas, entre as quais Medicina, Direito,
Serviço Social, Forças de Segurança, Psicologia, Gerontologia ou Comunicação Social, e atuou numa lógica de
think-tank. Assim, através da participação dos vários membros deste grupo em reuniões, aqueles/as profissionais
contribuíram para o mapeamento dos desafios sentidos na atuação do Estado, das instituições, das comunidades
e das famílias em situações de violência contra as pessoas idosas, mas também para a partilha de boas práticas e
para discussão conjunta de possíveis soluções. O Grupo de Trabalho Alargado foi estrategicamente dividido em
quatro subgrupos, subordinados aos temas que agora dão título aos grandes capítulos deste Relatório: Tipos de
violência exercidos contra pessoas idosas; Perfil do/a agressor/a e fatores de risco; Os/As Cuidadores/as; e (In)
tolerância da sociedade à violência contra as pessoas idosas.
Uma vez que uma das ideias que motivou este projeto foi a necessidade de fomentar a participação social das
pessoas idosas, particularmente nos assuntos e nas discussões que lhes dizem diretamente respeito, uma das
prioridades do projeto Portugal Mais Velho foi garantir que várias pessoas idosas teriam oportunidade de
debater os mesmos assuntos que foram alvo de discussão por parte dos profissionais envolvidos nos Grupos
de Trabalho. Assim, foram também realizados quatro grupos de discussão, tendo sido ouvidas 38 pessoas com
idades compreendidas entre os 65 e os 95 anos, em três zonas do país: Lisboa, Porto e Alentejo. Alguns/mas
dos/as participantes nestes grupos de discussão encontravam-se institucionalizados/as em Estrutura Residencial
para Pessoas Idosas, ao passo que outros/as, embora não institucionalizados/as, careciam de algum tipo de
apoio de terceiros (por exemplo, usufruíam de serviços de centro de dia) e outros/as não apresentavam qualquer
necessidade de apoio de outrem, revelando-se completamente autónomos.
Foram igualmente levadas a cabo entrevistas a cuidadores e cuidadoras informais (ou familiares) de pessoas
idosas, com o objetivo de conhecer e compreender as dificuldades que experienciavam na prestação de cuidados
e como estas afetam o seu bem-estar e a qualidade dos cuidados que prestam. Outro objetivo desta atividade
foi criar um espaço no qual os cuidadores e as cuidadoras entrevistados/as pudessem dar a sua opinião sobre
o que poderia ser melhorado (a nível familiar e comunitário) para que a prestação de cuidados a outrem não
apresentasse tantas dificuldades.
11
Os contributos oferecidos por todas as pessoas ouvidas, a par de uma extensa pesquisa realizada pela APAV, ao
longo dos 18 meses de execução do projeto, resultaram na elaboração do Relatório Portugal Mais Velho, bem
como numa lista de recomendações (anexa ao Relatório).
Os resultados alcançados com o projeto Portugal Mais Velho, contudo, extravasam em larga medida estes dois
documentos. Desde logo, todas as temáticas abordadas ao longo do projeto foram-no a partir de uma perspetiva
de direitos humanos, sem a qual se cairia no erro de identificar soluções que se revelariam desadequadas e
poderiam mesmo vir a ser contraproducentes por não ter em conta aqueles direitos fundamentais.
Por outro lado, a metodologia adotada permitiu que o fenómeno da violência contra pessoas idosas fosse
abordado de forma abrangente: ao invés de serem focadas somente as causas e consequências diretas da
vitimação (que não são todavia esquecidas), foi realizada uma análise profunda da sociedade e da forma como
esta (des)valoriza as pessoas idosas, e como tal circunstância está intimamente relacionada com a violência.
Tendo sido levadas a cabo várias discussões sobre as terminologias mais adequadas, não só no que concerne
à nomenclatura a adotar quanto ao grupo mais velho da população, como também àquelas que são utilizadas
para referir os vários tipos de violência e ainda as que se referem aos/às cuidadores/as, contribuiu-se para o
esclarecimento dos conceitos relevantes nas temáticas do envelhecimento e da violência contra pessoas idosas,
numa lógica de estabilização dos mesmos.
O projeto permitiu igualmente a criação de sinergias entre mais de 80 profissionais que participaram no projeto, o
que se revela ainda mais positivo quando se atenta na diversidade de áreas profissionais de que cada profissional
provém. A reunião destes/as profissionais permitiu aproximar académicos e práticos, reduzindo o hiato que por
vezes se verifica entre quem pensa e influencia políticas e quem as põe em prática. Acresce que a partilha de
ideais e a busca de soluções torna-se tanto mais rica quanto mais diversidade existir, o que se refletiu ao longo das
reuniões e se reflete também agora neste Relatório.
12
I.
CONSENTIMENTO
VIOLÊNCIA
CONTRA
PESSOAS
IDOSAS
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
13
I. VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS IDOSAS
1. As várias terminologias
1.1 Definir o grupo-alvo
1.2 Terminologia a adotar quanto ao grupo-alvo
1.3 A discriminação baseada na idade
1.4 Violência, abuso ou maus-tratos
4. Idade e vulnerabilidade
6. O abandono
6.1 O que devemos entender por abandono
6.2 Abandono pelo Estado
7. Negligência
CRITÉRIO ETÁRIO
Sem definições precisas qualquer projeto estará destinado ao insucesso. Assim, torna-se imperioso, por um lado,
escolher a terminologia que melhor se adeque aos objetivos do projeto e à realidade nacional e, por outro, adotar
definições inequívocas, sem se revelarem incoerências.
As terminologias adotadas deverão ainda ser suficientemente claras, de modo a ser facilmente compreendidas
por qualquer cidadão, facilitando, em consequência, a compreensão da temática global.
Neste capítulo apresentaremos várias terminologias que surgem na literatura especializada e adotaremos aquela(s)
que cremos ser a(s) mais adequada(s) às finalidades do presente projeto, sempre justificando as nossas escolhas.
Contudo trataremos neste ponto somente os vocábulos ou expressões transversais a todo o Relatório, deixando
para os capítulos seguintes – quando se afigure necessário – a discussão de outras terminologias específicas.
Focando a nossa atenção no panorama nacional, parece haver consenso – na legislação e na sociedade –
relativamente à utilização do critério dos 65 anos para considerar alguém uma pessoa idosa. Na legislação, ainda 5
Organização Mundial de Saúde,
que esta já não seja a idade tida em conta para efeitos de reforma, a verdade é que continua a ser este o critério World Report on Ageing and Health
(2015) https://apps.who.int/iris/
etário a observar para a concessão de certos direitos (veja-se, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 58/2016, de 29 de bitstream/handle/10665/186463/978
agosto, que estabelece as condições de acesso a atendimento prioritário). Também é este o critério utilizado na 9240694811_eng.pdf?sequence=1
(consultado a 19-07-2019)
proposta do Grupo de Trabalho Interministerial para Estratégia Nacional Para o Envelhecimento Ativo e Saudável
2017-20256 (ENEAS). 6
Estratégia Nacional para o
Envelhecimento Ativo e Saudável
2017-2025 – Proposta do Grupo
Por outro lado, verificamos que este limite etário é igualmente utilizado pela doutrina portuguesa7. Na sequência de Trabalho Interministerial https://
do Projeto Títono, dedicado a questões relacionadas com o atendimento de pessoas idosas vítimas de crime e www.sns.gov.pt/wp-content/
uploads/2017/07/ENEAS.pdf
violência, e apoiando-se na literatura nacional, o Manual Títono8, desenvolvido pela APAV, utiliza como limiar (consultado a 19-07-2019)
mínimo para considerar uma pessoa idosa aquela que tiver 65 anos. 7
Maria Paula Ribeiro de Faria, Os
Crimes Praticados Contra Idosos (2ª
Para efeitos do presente Relatório consideraremos pessoa idosa aquela que tiver 65 anos ou mais, por Edição, Universidade Católica Editora,
Porto, 2018)
acreditarmos ser um limite suficientemente reconhecido pela sociedade portuguesa. Ainda assim reconhecemos a
cada vez mais premente necessidade de revisão deste limite dada a evolução por que a sociedade ocidental, onde 8
Associação Portuguesa de Apoio à
Vítima (APAV), Manual Títono – Apoio
naturalmente se inclui a nossa, está a passar, nomeadamente o aumento da esperança média de vida9. a Pessoas Idosas Vítimas de Crime
e Violência (2010) https://apav.pt/
idosos/index.php/manual-titono
9
Em 1998 a esperança média de
vida à nascença para homens e
Uma vez delimitado o segmento populacional que ocupará o presente Relatório, resta acordar a sua nomenclatura. mulheres situava-se nos 73,6 anos
Na temática do envelhecimento são vários os vocábulos utlizados, por vezes indiscriminadamente, para referir o de idade. Volvidos 20 anos (em
2018) a mesma aumentou para 80,8
segmento etário mais velho da população. Neste contexto, são usados os termos “pessoa idosa”, “adulto idoso”, anos. Instituto Nacional de Estatística,
“pessoa mais velha”, “idoso”, “mais velhos” e ainda “seniores”. “Tábuas de Mortalidade para Portugal
2016-2018” (2019) https://www.ine.pt/
xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_
Ocasionalmente também se verifica o recurso ao termo “velho”, ao qual não se fará referência no presente destaques&DESTAQUESdest_
texto, pois tende a surgir em discurso coloquial. Deve contudo referir-se que embora parte das pessoas idosas boui=354096866&DESTAQUESmodo=2
(consultado 06-09-2019)
15
O TERMO “PESSOA IDOSA”
entrevistadas no âmbito do projeto Portugal Mais Velho considere que a expressão “velho/a” ou “velhinho/a” pode
revestir um carácter carinhoso, especialmente quando usado em contexto familiar, a maioria dos/as entrevistados/
as revela considerar este vocábulo depreciativo, associando-o a algo que já não tem utilidade – o que jamais
poderá ser dito de uma pessoa.
O termo “pessoa idosa” é adotado em alguns instrumentos internacionais, como a Resolução 46/91 da Assembleia
Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1991, que elenca os “Princípios das Nações Unidas para as
Pessoas Idosas”, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Carta Social Europeia e o Parecer do
Comité Económico e Social Europeu sobre os «Maus-tratos a pessoas idosas» (2008/C 44/24).
Todavia existem instrumentos internacionais que na sua versão em inglês adotam a terminologia “older persons”
ou “older people”, o que numa tradução literal corresponde a “mais velhos” ou “pessoas mais velhas”. Entre estes
contam-se a Recomendação CM/Rec(2014)2 do Comité de Ministros aos Estados Membros sobre a Promoção
dos Direitos Humanos das Pessoas Mais Velhas e a Declaração Política e Plano de Ação Internacional para o
Envelhecimento de Madrid (2002). A OMS, no seu documento Active Ageing: a Policy Framework (2002), no
Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2002), bem como no Relatório Mundial sobre Envelhecimento e
Saúde (2015) recorre igualmente ao termo “older people”.
Sucede porém que outros instrumentos internacionais, onde se inclui o Plano de Acção Internacional de Viena
sobre o Envelhecimento e as Resoluções A/RES/46/91 (1991) e A/RES/47/5 (1992) da Assembleia Geral das Nações
Unidas, mas também o estudo Abuse and Health among Elderly in Europe - ABUEL utilizam o termo “elderly” ou
“elderly people”, o que se traduz para “idoso” ou “pessoas idosas”.
A Declaração de Toronto adotada pela OMS (2002) utiliza o vocábulo “elder”, nomeadamente no seu título, The Toronto
Declaration on the Global Prevention of Elder Abuse. Em Portugal este instrumento é apelidado de Declaração de Toronto
Para a Prevenção Global do Mau Trato a Pessoas Idosas, ainda que “elder” possa ser traduzido como “idoso”.
A doutrina publicada em inglês divide-se entre a utilização dos termos “older people/persons” e “elderly people”, o
mesmo se passando com a literatura nacional, que tanto recorre aos vocábulos “idosos”, “pessoas idosas” ou “mais velhos”.
Atualmente a OMS procura estabilizar as definições relativas ao grupo da população com 65 e mais anos,
preferindo o termo “pessoas mais velhas” (older persons) e rejeitando a expressão “pessoas idosas” (elderly
people). O que motiva esta opção é fazer desaparecer a idade do indivíduo como condição estática, um
entendimento que acompanhamos. Contudo esta definição está ainda em evolução e reconhecemos que os
termos “pessoas mais velhas” e “mais velhos” apelam à relatividade: mais velhos que quem? Uma pessoa com
66 anos é mais velha do que outra com 65 anos e ambas são mais velhas do que uma terceira com 64. Neste
Relatório procuramos vocábulos que resolvam as ambiguidades observadas, pelo que os termos em apreço não
nos parecem os mais adequados para utilizar neste documento. Sem prejuízo, cremos que a opção da OMS
representa um passo dado na direção certa de estabilização dos conceitos.
10
Conselho Nacional de Ética para
as Ciências da Vida (n.º 2) A palavra “idoso” é muito utilizada para fazer referência ao grupo etário com 65 ou mais anos, tanto na literatura
como no quotidiano. Cremos, porém, que não apresenta tantas qualidades positivas quanto o termo “pessoa
11
Instituto Nacional de Saúde
Pública Doutor Ricardo Jorge, idosa”, sendo este preferível àquele. Desde logo, “pessoa idosa” não faz distinções de género, não obrigando
“Envelhecimento e Violência” a uma adequação textual ou oral (escrevendo ou dizendo idoso/a). Por outro lado, usando esta expressão a
(2014) http://repositorio.insa.pt/
bitstream/10400.18/1955/3/
qualidade de pessoa vem antes da sua idade, sendo esta somente uma das características que pode definir
Envelhecimento%20e%20 alguém. Dizendo “pessoa idosa” acentua-se a dignidade da pessoa, inerente a todos os seres humanos,
Viol%C3%AAncia%202011-
2014%20.pdf (consultado a 19-07-
independentemente da sua idade.
2019)
Finalmente – e este é um argumento de extrema importância – no âmbito do Ano Internacional das Pessoas
12
Estratégia Nacional para o
Envelhecimento Ativo e Saudável Idosas, das Nações Unidas (1999), foram auscultadas diversas pessoas idosas com o intuito de definir qual o termo
2017-2025 – Proposta do Grupo de mais adequado a utilizar na linguagem corrente para referir esta camada etária da população, tendo-se chegado à
Trabalho Interministerial (n.º 6)
16
IDADISMO
conclusão de que o termo “idoso” acarreta uma conotação negativa, ao contrário do termo “pessoa idosa”.
Posto isto, usaremos o termo pessoa idosa para nos referirmos ao segmento da população com 65 ou mais anos.
Na língua inglesa, o preconceito em função da idade avançada tem o nome de “ageism”. É já comum
encontrarmos na literatura portuguesa a utilização do vocábulo idadismo para designar a discriminação das
pessoas idosas. Os vocábulos parecem iguais, já que ambos partem do substantivo “idade” (“age”) para lhe
acrescentar o sufixo –ismo.
Alternativas à utilização deste neologismo são as expressões discriminação etária ou discriminação com base/em
função da idade, que parecem não deixar dúvidas quanto à sua definição, podendo facilitar a compreensão do público.
Estes conceitos não se referem necessariamente a práticas discriminatórias contra pessoas idosas em função
da sua idade, podendo igualmente englobar atitudes ou comportamentos discriminatórios contra jovens, por
exemplo. Assim, chamando a atenção para o fenómeno específico do preconceito e discriminação contra pessoas
idosas, alguns Autores sugerem o uso do termo “gerontismo”13.
É certo que o prefixo gero- expõe a ideia de velhice, pelo que o vocábulo gerontismo é o mais adequado para
denotar discriminação de pessoas idosas com base na sua idade. Contudo, procuramos não só as terminologias
que consideramos mais apropriadas ao que pretendemos significar, como aquelas que são mais facilmente
apreendidas pelo público. Não nos parece que gerontismo cumpra esta função, visto os vocábulos derivados de
gero- (como gerontologia, por exemplo) não surgirem amiúde no quotidiano do cidadão comum.
Assim, embora não desconsiderando a pertinência do termo gerontismo, adotaremos neste Relatório o termo
idadismo quando nos quisermos referir à discriminação das pessoas idosas em função da sua idade.
Reconhecendo a existência das diferentes terminologias, o Manual Títono optou por recorrer ao vocábulo
“violência”, “pela sua maior abrangência e por se tornarem mais claras para o Senso Comum e, naturalmente,
também para os meios profissionais implicados no tema.”14
Na verdade, o termo “maus-tratos” pode ser enganador, por sugerir uma remissão para o artigo 152.º-A do Código
Penal, e tornar-se demasiado redutor da realidade. Por outro lado, “abuso” não parece enquadrar-se no contexto
deste projeto, pois é definido como “mau uso; uso demasiado; exorbitância de atribuições; ultraje ao pudor”15,
parecendo uma mera tradução literal do termo “abuse” encontrado nos instrumentos e literatura internacionais. 13
Sibila Marques, Discriminação
da Terceira Idade (Ensaios da
Assim, e na senda do Manual Títono, utilizaremos a expressão violência contra pessoas idosas. Fundação - População e Demografia
- Questões Sociais n.º 12, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2011).
Excerto disponível em: https://www.
ffms.pt/FileDownload/bcd5b46f-
7e1e-4263-ae4c-0b1d06c61bf8/
discriminacao-da-terceira-idade
(consultado a 19-07-2019)
14
APAV (n.º 8)
15
J. Almeida Costa e A. Sampaio
e Melo, Dicionário da Língua
Portuguesa, 7.ª Edição, revista e
ampliada, Porto Editora
17
EXPECTATIVA DE 2. Definição de violência contra pessoas idosas
CONFIANÇA
A definição de violência contra pessoas idosas tende a colher generalizado consenso. Sem embargo, existem
variadas definições que não obstante apresentarem elementos comuns diferem em algumas particularidades, das
quais cumpre dar nota.
A Organização das Nações Unidas (ONU) define a violência como “todo o ato violento de natureza tal que acarrete,
ou corra o risco de acarretar, um prejuízo físico, sexual ou psicológico; pode tratar-se de ameaças, negligência,
exploração, constrangimento, privação arbitrária da liberdade, tanto no âmbito vida pública como privada”. Na 2.ª
Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, a mesma organização passou a definir a violência contra pessoas
idosas em termos distintos daqueles utilizados para a violência em geral, definindo-a como “qualquer ato único ou
repetido, ou falta de ação apropriada que ocorra em qualquer relação, supostamente de confiança, que cause dano
ou angústia, a uma pessoa de idade”.
Também em 2002, na Declaração de Toronto, a Organização Mundial de Saúde (OMS), com base no trabalho
inicialmente desenvolvido pela organização Action on Elder Abuse na década de 9016, apresentou a sua definição
de violência contra pessoas idosas, sendo esta “um ato único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que
ocorre no âmbito de qualquer relacionamento onde haja uma expetativa de confiança, que cause mal ou aflição a
uma pessoa mais velha”. Esta noção, embora semelhante à adotada pela ONU, é a mais comummente utilizada na
literatura especializada.
Por seu turno, a International Network for the Prevention of Elder Abuse apresenta a seguinte definição de
violência contra a pessoa idosa: “um ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se
produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.
Os pressupostos comuns a estas definições são facilmente identificáveis: (i) ato ou falta de ação, (ii)
desnecessidade de reiteração, (iii) relação em que exista algum nível de confiança e (iv) a criação de efeitos
negativos na vítima, podendo estes ser físicos e/ou mentais17.
Naturalmente que a dispensabilidade de repetição de uma conduta violenta para se considerar que há violência
é uma conclusão importante, que tutela as vítimas, e como tal é elemento imprescindível de qualquer definição.
Do mesmo modo, a referência aos efeitos negativos causados pela conduta violenta é indispensável a uma correta
definição, sob pena de tornar o conceito subjetivo.
Cremos contudo que noutros pontos as definições da OMS e da ONU ficam aquém da realidade ou não a
representam devidamente.
Por um lado o conceito de expectativa de confiança é demasiado vago e, por outro, exclui do âmbito da
definição sob análise variadas situações em que não obstante tal expectativa de confiança inexistir, configuram
materialmente situações de violência contra pessoas idosas. Há crimes que vitimizam desproporcionalmente
pessoas idosas em relação aos demais grupos populacionais, como as burlas ou os roubos por esticão. Nestes
crimes não existe qualquer expectativa de confiança entre o/a agressor/a e a vítima, porém o que subjaz à
vitimação é precisamente o facto de a vítima ser uma pessoa idosa, que o/a agressor/a percebe como vulnerável.
Pode advogar-se que a noção de expectativa de confiança remete para as assimetrias relacionais que facilitam
a violência e que assim não pode ser ignorada. A ideia que subjaz a esta argumentação é a de que existem
Instituto Nacional de Saúde
16
18
VIOLÊNCIA CONTRA
Acresce que o termo “confiança”, tal como utilizado nas definições sob análise, parece significar familiaridade (ou até
PESSOAS IDOSAS
intimidade); a expetativa de que os indivíduos presentes na relação se comportem de determinado modo, sem causar
danos mútuos. Contudo a pessoa idosa, ainda antes de ser vitimizada, poderá não sentir qualquer familiaridade com
o/a seu/sua agressor/a nem deter quaisquer expectativas sobre a forma como a relação deverá desenvolver-se.
Pensemos no exemplo de uma pessoa idosa institucionalizada: poderá defender-se que o/a utente terá a
expetativa de que o/a seu/sua cuidador/a não lhe causará quaisquer danos, todavia esta expetativa surge da
relação contratual existente entre ambos e não da confiança que tenha sido depositada no/a prestador/a de
cuidados, tal como sugerido pela definição. Até nas relações familiares se pode congeminar este exemplo: uma
pessoa idosa desavinda com o/a seu/sua filho/a durante vários anos poderá até prever que este/a a irá violentar. A
expetativa de confiança pode não existir, mas a violência sim.
Concluímos assim pela exclusão da referência a uma relação onde exista uma expetativa de confiança na definição
de violência contra pessoas idosas, sob pena de desproteção das vítimas quando não se observe tal circunstância.
A definição sugerida pelo Conselho da Europa (CE) em 2002, enquanto colmata algumas das deficiências
apontadas às demais definições, peca quanto a outros elementos. O CE define a violência contra pessoas idosas
como “todo o ato ou omissão cometido contra uma pessoa idosa, no quadro da vida familiar ou institucional
e que atenta contra a sua vida, a segurança económica, a integridade física e psíquica, a sua liberdade ou que
comprometa, gravemente, o desenvolvimento da sua personalidade”.
Mencionou-se já que a referência aos efeitos negativos da conduta do/a agressor/a é indispensável à correta
definição de violência, pelo que, neste aspeto, a proposta do CE parece ser a mais adequada: não só refere os
efeitos negativos, como especifica em que âmbitos da vida estes podem verificar-se, tendo também em conta
não apenas os efeitos imediatos como também aqueles verificáveis no longo prazo ao incluir a expressão
“desenvolvimento da sua personalidade”18. Determinando que os danos causados à pessoa idosa podem ocorrer
na sua vida, segurança económica, integridade física ou psíquica, liberdade ou no desenvolvimento da sua
personalidade, esta definição facilita a compreensão do fenómeno da violência contra as pessoas idosas e afasta
indubitavelmente a errónea ideia de que só existe violência quando é física. Cremos, ainda assim, que está em
falta uma referência à dimensão sexual da pessoa idosa na qual podem também verificar-se atos violentos.
Embora não sejam especificadas as ações abusivas que consubstanciam violência, a definição do CE confere mais
objetividade à noção do que as demais definições, dado restringir a violência a determinadas áreas da vida. Não
permitindo o alargamento do conceito a todos os males, angústias, danos e aflições de que possa sofrer a pessoa
idosa causados por outrem, esta definição reduz o risco de “falsos-positivos”19.
A definição sugerida pelo CE não menciona qualquer expetativa de confiança. Desfazendo-se daquele conceito
vago, esta definição poderia ser a mais adequada, todavia é elemento da definição que o ato ou omissão ocorra
no quadro da vida familiar ou institucional. Em relação às demais definições, a ora apresentada alarga o âmbito
de aplicação do conceito de violência contra pessoas idosas, pois reconhece que não é necessário existir qualquer
relação de confiança (ou expetativa de tal) para que estejamos perante violência, porém não o alarga o suficiente 18
Esta expressão contraria
igualmente o estereótipo de
de modo a contemplar todas as situações de violência perpetradas contra pessoas idosas, como os crimes que a partir da idade adulta a
cometidos fora daqueles âmbitos, por exemplo, o já mencionado crime de burla, e os crimes cometidos no espaço personalidade do indivíduo já está
completamente desenvolvida e,
público, como o crime de roubo por esticão. portanto, as pessoas idosas estão
estagnadas e não desenvolverão
Acresce que o CE não refere explicitamente a desnecessidade de reiteração, o que pode ser problemático aquando mais a sua personalidade.
da análise da conduta do/a agressor/a, facilitando a desculpabilização. Na verdade, o critério da reiteração (ou da 19
Isabel Dias e outros, “O Abuso
frequência) do comportamento tem implicações práticas na consideração de uma conduta como violenta ou não, de Pessoas Idosas: Definições e
Controvérsias”, em Mauro Paulino e
sendo por isso um dos problemas de definição levantados pela literatura que estuda a vitimação de pessoas idosas20. Dália Costa (coord.), Maus-tratos a
Pessoas Idosas (1.ª edição, Pactor,
2019)
Defendemos a importância de incluir na definição a referência à intencionalidade. Um ato ou omissão podem
consubstanciar violência ainda que não exista intencionalidade – quer na prática do ato (ou omissão quando 20
Ana João Santos e outros,
“Psychological elder abuse:
este deveria ser praticado), quer na produção dos efeitos nocivos (sendo disso o melhor exemplo a negligência). measuring severity levels or potential
A inclusão desta menção na definição não obsta à incriminação mesmo que seja extremamente difícil provar a family conflicts?” (2017), Vol. 19 Issue
intenção do/a agressor/a em agir de determinado modo ou em causar certos efeitos. 6, The Journal of Adult Protection,
380 https://www.emerald.com/
insight/content/doi/10.1108/JAP-06-
Constatando a importância de utilizar definições internacionalmente reconhecidas, defendemos a adoção de 2017-0025/full/html (consultado a
27-01-2020)
19
CRITÉRIO DA
uma perspetiva holística, que reúna o melhor de todas as definições apresentadas. As quatro definições aqui
VULNERABILIDADE
apresentadas têm um defeito comum: ao referir-se a pessoa idosa ou pessoa mais velha, acabam por utilizar
a idade (que é o elemento que subjaz atualmente à definição de pessoa idosa) como critério para classificar a
violência praticada como violência contra pessoas idosas. No entanto salientamos não dever ser esquecida a
adequação ao critério da vulnerabilidade ao invés de se utilizar apenas o critério da idade avançada21.
Deste modo avançamos com uma definição de violência contra as pessoas idosas, à qual nos referiremos ao longo
deste relatório:
21
Cf. Idade e Vulnerabilidade
20
3. As dimensões particular, institucional e pública da VIOLÊNCIA EM DIFERENTES
violência contra pessoas idosas CONTEXTOS
A violência, independentemente do indivíduo ou grupo que afeta, pode ocorrer em vários contextos, sendo até
possível que as dimensões de violência estejam interligadas e se verifiquem concomitantemente. Na verdade
a dimensão pública da violência contra pessoas idosas influencia indubitavelmente as dimensões individual e
institucional: sendo um tipo de violência que toma forma a um nível mais macro/genérico, como se verá, tem
como efeito a legitimação das violências ocorridas em níveis mais micro.
É importante salientar que nem todas as formas de violência configuram crimes, dada a apertada tipificação a que
estes estão sujeitos. Nem por isso devemos descurar as condutas violentas que não são criminalizadas, almejando
sempre viver num mundo onde inexista violência, quer esta seja punível por lei ou meramente ofensiva dos
valores da comunidade.
pelo/a cuidador/a formal ou outro/a profissional que se relacione com a pessoa idosa, esta é a dimensão de 26
Cf., a título de exemplo, Maria
violência mais prevalente no panorama internacional. De igual modo, é a dimensão de violência mais evidente, Cecília Minayo, “Violência Contra
Idosos” (2003) 19(3), Caderno de
precisamente por ser possível identificar um indivíduo que atua23, uma ação e um indivíduo que é vitimizado. Saúde Pública, 783 http://www.
scielo.br/pdf/csp/v19n3/15881.pdf
(consultado a 04-07-2019)
Em 2018 a APAV prestou apoio a 926 pessoas idosas, representando 9,9% do total de vítimas apoiadas nesse
ano24. As estatísticas da Associação sobre violência contra pessoas idosas indicam que entre os anos de 2013 e 27
Organização Mundial de Saúde,
2018 foram registados 6878 processos de apoio a pessoas idosas, das quais 5482 foram vítimas de crime e de “Elder Abuse” https://www.who.int/
news-room/fact-sheets/detail/elder-
violência25. A maioria dos/as agressores/as (65%) era familiar da vítima (filho/a ou cônjuge) e 53,3% dos crimes abuse (consultado a 04-07-2019).
teve lugar na residência comum da vítima e do/a autor/a do crime. Estes dados permitem comprovar o advogado Resultados confirmados por Yongjie
Yon e outros, que indicam que 64,2%
pela literatura especializada, no sentido de que o tipo de violência mais frequente é o que ocorre no seio dos/as cuidadores/as admite ter
familiar26. cometido alguma forma de violência
contra pessoas idosas. Yongjie
Yon e outros, “The prevalence of
Não obstante, não é só a violência intrafamiliar que corporiza a violência individual: também os/as cuidadores/as elder abuse in institutional settings:
a systematic review and meta-
formais ou profissionais de saúde ou outros que entram em contacto com pessoas idosas podem vestir a pele de analysis” (2018), 29(1), The European
agressores/as. Em 2018, a OMS deu conta que 2 em 3 profissionais de saúde e/ou cuidadores/as assumiram ter Journal of Public Health, 58 https://
as informais. Tal perceção pode ser resultado do reconhecimento de que as pessoas idosas institucionalizadas Union” (2007) https://data.europa.eu/
euodp/en/data/dataset/S657_67_3_
tendem a ser as que demonstram mais fragilidades e dependência de terceiros, o que resulta em maior EBS283 (consultado a 04-07-2019)
vulnerabilidade à violência30. 30
Yon (n.º 27)
21
FALTA DE CONDIÇÕES E
A dimensão individual da violência é aquela contra a qual o nosso Código Penal está preparado para reagir, uma
SEGURANÇA
vez que foi concebido tendo em mente o/a agressor/a enquanto pessoa física. Assim, várias condutas – mas não
todas – levadas a cabo por um indivíduo que configuram atos de violência, consubstanciam igualmente ilícitos
penais, podendo os/as seus/suas autores/as ser responsabilizados/as criminalmente.
A dimensão institucional da violência é mais subtil do que a dimensão particular, pela desnecessidade de se
Brian K. Payne, Crime & Elder
verificarem atos (ou omissões) de violência. Esta violência não permite identificar um/a agressor/a em concreto,
31
22
RESPONSABILIDADE PENAL
Outra flagrante manifestação de violência institucional prende-se com o acolhimento e/ou prestação de
DAS PESSOAS COLETIVAS
cuidados de uma pessoa idosa com plenas capacidades cognitivas contra a sua vontade. Quando um/a filho/a
institucionaliza um/a pai/mãe idoso/a contra a vontade deste/a, somente porque não está disposto/a a encontrar
alternativas para lidar com a dependência, há uma situação de violência individual. Porém quando a instituição
de acolhimento acede ao pedido do/a filho/a, sabendo que a pessoa idosa está a ser obrigado/a a dar entrada na
estrutura, estamos perante uma situação de violência institucional: há uma instituição que não respeita a vontade
livre e esclarecida de uma pessoa.
Embora não tão facilmente identificável como no âmbito da violência individual, a violência institucional tem
efeitos devastadores nas suas vítimas, gerando sentimentos de desespero e abandono, baixa autoestima ou até
mesmo depressão40, pelo que urge debelar todas as formas de violência institucional.
Mencionou-se já que a violência institucional pode ter reflexos no modo como os/as colaboradores/as da
instituição lidam com as pessoas idosas com as quais entram em contacto. Todavia a dimensão institucional da
violência não se confunde com violência individual, podendo haver cumulação destas duas dimensões.
São as pessoas físicas e não as jurídicas que praticam atos ou se omitem à prática de atos necessários, mas se o
fazem em respeito de ordens, políticas ou procedimentos instalados nas instituições ou porque não receberam a
formação adequada ou porque o seu descanso não lhes é assegurado, há violência institucional.
Para enfrentar eficazmente várias formas de violência institucional, alguns Autores sugerem a possibilidade
de responsabilização penal das pessoas coletivas (como lares/Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas ou
instituições de acolhimento ou saúde) quando aquelas práticas constituam crime. A responsabilização das pessoas
físicas que atuam no seio de uma pessoa jurídica por vezes é insuficiente para realizar os fins do Direito Penal,
tendo este evoluído para passar a consagrar a responsabilidade das pessoas coletivas, visando acautelar o respeito
pelos valores do Estado de Direito que deixariam de ser tutelados em caso de impunidade41.
O Código Penal (CP) português, no seu artigo 11.º, nº 2, determina já que as pessoas coletivas são responsáveis,
entre outros, pelo crime de maus-tratos, previsto no artigo 152.º-A do mesmo diploma42.
Todavia, nos termos do disposto no citado artigo, para que a pessoa coletiva seja responsável, é necessário que
o crime tenha sido praticado pelos seus órgãos ou representantes (cf. artigo 11.º, n.º 4 CP) ou por quem tiver
autoridade para exercer o controlo da atividade, desde que atuem em nome e no interesse da pessoa coletiva
(alínea a). Outros indivíduos cujos atos podem responsabilizar a pessoa coletiva são aqueles que ajam sob a
autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou
controlo que lhes incumbem (alínea b).
Há portanto um núcleo restrito de indivíduos cujos atos são suscetíveis de responsabilizar criminalmente a
pessoa coletiva. Acresce que não basta que os agentes pratiquem o crime; têm de o praticar em determinadas
circunstâncias para que a sua responsabilidade possa ser imputada à pessoa jurídica.
A principal desvantagem deste modelo (ao qual se dá o nome de modelo de responsabilidade por substituição
ou representação) prende-se com a impunidade da pessoa coletiva quando não se consiga ligar a autoria do
facto a um indivíduo concreto. Neste caso, apesar de ser cometido um crime e de existir uma vítima, não haverá
quaisquer sanções.
Maria Paula Ribeiro de Faria43 sugere a adoção do modelo de responsabilidade direta, segundo o qual a pessoa 40
Ribeirinho (n.º 37)
coletiva pode ser punida criminalmente independentemente da individualização de um agente concreto, o que 41
Germano Marques da Silva,
dificultaria a impunidade da pessoa coletiva. Responsabilidade Penal
das Sociedades e dos seus
Administradores e Representantes
Este modelo assenta na responsabilização das pessoas coletivas por um defeito na organização: as pessoas (Editorial Verbo, Lisboa/São Paulo,
coletivas devem ter instituídos mecanismos de controlo das pessoas físicas que atuam no seu âmbito, pelo que 2009)
se são praticados ilícitos é somente porque aqueles mecanismos falharam. Como tal, a pessoa coletiva merece 42
Pomos em evidência este crime
censura penal, tornando-se dispensável a individualização da pessoa física que tenha atuado. por ser aquele que porventura
será o mais frequente no seio de
instituições de acolhimento ou de
Apesar de debelar a desvantagem apresentada pelo modelo de responsabilidade por substituição, o modelo saúde.
de responsabilidade direta também tem fraquezas: enquanto construção jurídica, as pessoas coletivas não são 43
Faria (n.º 7)
23
DIMENSÃO PÚBLICA
capazes de ação ou culpa próprias, beneficiando sempre da atuação de pessoas físicas. Quando o modelo de
responsabilidade direta dispensa a identificação do agente concreto que atuou, dispensa a análise da culpa e, assim,
prescinde de um dos pressupostos de responsabilização penal, o que redunda na responsabilidade objetiva44.
A citada Autora sugere que o Direito Penal faça uma equiparação ao disposto na Lei da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado, segundo a qual o Estado e outras pessoas coletivas públicas são responsáveis pelos
danos causados ainda que não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas tais danos devam
ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço45.
Há que ter em conta que estão em causa dois ramos do Direito com características marcadamente distintas,
nomeadamente no que se refere a efeitos da prática de ilícitos. O Direito Civil admite a responsabilidade objetiva
como exceção e sempre tendo presente que quaisquer consequências negativas que daí advenham terão a
forma de indemnização. Já no Direito Penal a responsabilização de um agente por um ato vai muito para além
do pagamento de uma compensação, impondo-se um mal ao agente. Ainda que se argumente que as pessoas
coletivas não serão sujeitas à privação de liberdade, a multa (sanção pecuniária) é uma pena criminal, com todos
os efeitos negativos que tal carreta.
Outra questão que nos parece pertinente é a de, mantendo-se o modelo adotado no Código Penal, estender
a possibilidade de responsabilização das pessoas coletivas por atos praticados por quaisquer trabalhadores,
desde que praticados no âmbito do seu posto de trabalho, em benefício e em conformidade com as orientações
A responsabilidade objetiva em
ou procedimentos habituais da pessoa coletiva46. Esta possibilidade também tem a capacidade de superar a
44
24
ATUAÇÃO DO ESTADO
Por outro lado, as consequências destas leis ou políticas públicas são nitidamente negativas: as pessoas idosas
ficam destituídas de poder de compra, o que pode culminar na incapacidade de cuidarem de si mesmas (ficando
impedidas de fazer face a despesas com medicação, renda de habitação ou alimentação). Acresce que ficam
desprovidas de quaisquer apoios públicos e/ou respostas sociais que colmatem as dificuldades geradas pela falta
de rendimentos. Assim as pessoas idosas tornam-se incapazes de responder às suas necessidades básicas, o que
gera evidente marginalização e acréscimo de vulnerabilidade.
Parece-nos então adequado falar em violência estrutural, definindo-a como a adoção de leis ou políticas que
resultam na marginalização das pessoas idosas.
Podemos apontar como exemplo complementar de violência estrutural a obrigatoriedade de reforma chegada
determinada idade: há uma lei que impõe a retirada de um/a trabalhador/a do mercado de trabalho, mesmo que
este/a continue plenamente capaz e interessado na manutenção do seu emprego. Há claramente discriminação
imposta legalmente, pois o/a trabalhador/a é dispensado com base na sua idade e não com base no seu
51
Sílvia Roque, “Violência (estrutural)”
desempenho ou vontade. (s/d), Observatório das Crises e
Alternativas, Centro de Estudos
Sociais da Universidade de Coimbra
É de salientar que a violência estrutural não tem forçosamente o objetivo de infligir sofrimento, mas este acaba https://www.ces.uc.pt/observatorios/
por ser uma consequência necessária da distribuição desigual de poder e oportunidades. Não podemos afirmar crisalt/index.php?id=6522&id_
que esteja em causa um processo deliberado para criar estas circunstâncias, mas há por certo um processo – ainda lingua=1&pag=7865 (consultado a
15-07-2019)
que negligente – de criação ou manutenção das mesmas, que culmina na desproteção dos direitos e na falta de
resposta às necessidades das pessoas idosas51. 52
É curioso notar que os/as
europeus/europeias indicaram como
maiores causas de discriminação
Cremos todavia que a dimensão pública da violência não se esgota na violência estrutural. Além das leis e de que foram alvo o seu género e
a sua idade. Comissão Europeia,
políticas públicas, a sociedade gira em torno de valores e princípios socioculturais comuns que podem traduzir-se, “Special Eurobarometer 471 -
e muitas vezes traduzem, em condutas discriminatórias face às pessoas idosas52. Neste caso não estamos perante Fairness, inequality and inter-
generational mobility” https://data.
violência estrutural, mas sim ante violência cultural53: as consequências negativas não têm origem na atuação do europa.eu/euodp/en/data/dataset/
Estado enquanto legislador ou decisor político, mas antes no conjunto de indivíduos que o compõe. S2166_88_4_471_ENG (consultado a
08-01-2020)
A violência cultural é influenciada (ou até potenciada) pela religião ou ideologias, mas também pelas imagens 53
Aquando do estudo desta
negativas construídas à volta do envelhecimento54/55. temática ponderou-se a utilização
da expressão “violência social” ao
invés de “violência cultural”. Todavia
Uma diferença significativa entre a dimensão individual da violência e a dimensão pública prende-se com a primeira tende a ser definida como
qualquer tipo de violência cometida
a invisibilidade56. Se já a violência institucional é difícil de apreender, a violência pública obriga a esforços por indivíduos ou pela comunidade,
acrescidos. Isto sucede porque a violência estrutural e cultural está de tal forma enraizada na sociedade que as com uma finalidade social, podendo
traduzir-se em conflitos armados,
suas vítimas, aqueles/as que as rodeiam, mas também aqueles que a praticam tendem a acostumar-se à sua violência de gangues, terrorismo,
existência, tornando-se indiferentes perante a mesma. remoção forçada ou segregação,
sendo um conceito desadequado
à realidade sobre a qual nos
A violência estrutural e cultural afeta todas as pessoas idosas, vulneráveis ou não. Na verdade esta forma de debruçamos. Por outro lado, Galtung
violência é potenciadora das vulnerabilidades que abrem a porta às outras dimensões da violência, precisamente define violência cultural como
violência simbólica, que serve
por reforçar as desigualdades existentes. para legitimar a violência direta e a
violência estrutural, manifestando-se
de várias formas (religião, ideologia,
Apesar de ser exercida simultaneamente sobre todos aqueles que constituem o grupo das pessoas idosas e linguagem, arte, ciência, educação…),
não sobre um indivíduo em específico, a violência na sua dimensão pública é uma forma de perpetuação das enquanto inibe a reação das suas
vítimas. Johan Galtung, “Cultural
iniquidades a vários níveis, tanto para o grupo como para cada indivíduo que o compõe. Muitas vezes afeta Violence” (1990), 27(3), Journal of
desproporcionalmente as pessoas idosas que, por experienciarem certos fatores de vulnerabilidade, já se Peace Research, 291 https://www.
encontram marginalizadas. Não obstante, a forma como a vitimação é experienciada difere de indivíduo para jstor.org/stable/423472?seq=1#page_
scan_tab_contents (consultado a
indivíduo, sendo influenciada pelas suas características pessoais. 12-08-2019)
54
Charlotte Strümpel e Cornelia
É então claro que esta forma de violência, não sendo rastreada de volta para um indivíduo específico que a pratica, Hackl, “Breaking the Taboo –
representa uma responsabilidade coletiva e do Estado. Esta é uma realidade para a qual importa chamar a atenção European Report” (2008), Daphne
https://www.roteskreuz.at/fileadmin/
para que individualmente se alterem comportamentos e para que a coletividade exija do Estado leis e políticas user_upload/PDF/GSD/European_
públicas que respeitem os direitos humanos, incluindo os das pessoas idosas. report.pdf (consultado a 17-07-219)
55
Não nos alongaremos neste
momento no que toca à violência
cultural, dada a sua proximidade com
a temática do idadismo que será
discutida infra. Cf. Idadismo
56
Galtung (n.º 49)
25
4. Idade e vulnerabilidade
Quando nos debruçamos sobre o tema da violência contra as pessoas idosas, não poderemos deixar de questionar se será
a idade – como critério administrativo que delimita o grupo etário das pessoas idosas57 – o fator adequado para delimitar
também o fenómeno em apreço. Pense-se no exemplo de uma pessoa de 64 anos vítima de um crime, por contraponto ao
exemplo de uma pessoa de 66 anos, já considerada idosa, vítima do mesmo crime. A vitimação em ambos os exemplos,
quando considerados os seus impactos poderá não diferir em nada exceto no facto de no último caso a vítima ser
já considerada uma pessoa idosa e estarmos, portanto, perante um caso de violência contra uma pessoa idosa.
Tendo em conta a limitação que advém da utilização de um critério etário e administrativo para o balizamento de
um fenómeno como o da violência contra pessoas idosas, há quem sugira que um critério mais adequado seria o
da vulnerabilidade da vítima.
O conceito de vulnerabilidade radica nas ciências ambientais, mais precisamente no estudo do impacto de
desastres naturais. O termo vulnerabilidade surgiu para explicar que nem todas as pessoas ou grupos sofrem
da mesma forma as consequências de um desastre natural. Para compreender se se verificaram consequências
negativas é necessário, portanto, estudar quer o desastre natural – a ameaça externa – quer a população afetada
ou em risco de ser afetada pelo mesmo58.
Assim, no âmbito das ciências ambientais, vulnerabilidade era entendida como o potencial para perturbações ou
danos59. No entanto, esta definição apresenta a pessoa vulnerável como um sujeito passivo à ameaça externa.
Esta visão enfatiza o papel da ameaça externa e leva a crer que para medir e explicar a severidade dos danos
provocados devemos focar-nos na magnitude, duração e frequência da ameaça externa, ignorando que o risco de
sofrer danos é altamente desigual de pessoa para pessoa ou de grupo para grupo60.
Mais recentemente, a vulnerabilidade tem vindo a ser entendida como uma construção social: são processos
sociais, condicionados pelas relações de poder que operam na sociedade, que causam a desigual exposição ao
risco. Segundo esta construção de vulnerabilidade, a tónica está nas desigualdades, fragilidades e acesso (ou falta
de acesso) a proteção social61.
Alguns Autores/as defendem que uma mais correta conceção de vulnerabilidade atribui igual peso à ameaça externa
57
Cf. As várias terminologias
e à capacidade do sujeito exposto para lidar com tal ameaça. Entendido como a exposição a certas contingências e
stress e a capacidade para lidar com os mesmos62, o termo vulnerabilidade pode ser adaptado ao estudo da violência
Elisabeth Schröder-Butterfill
contra pessoas idosas, nomeadamente, para perceber que pessoas são vulneráveis na idade adulta e porquê63.
58
61
Ibid. Não
Resultados
materialização
62
Robert Chambers, “Vulnerability, - negativos
coping and policy” (1989), 20(2), IDS da ameaça
Bulletin
63
Schröder-Butterfill e Marianti Figura 1 — Esquematização do conceito de vulnerabilidade de Chambers. Nesta representação identificam-se
(n.º 58) os níveis de possível atuação com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade individual: antes da materialização da
ameaça – prevenindo a ocorrência da ameaça ou a suscetibilidade do sujeito em causa à mesma – ou depois
64
Chambers (n.º 62)
da materialização da ameaça – aumentando a capacidade de reação do sujeito em causa.
26
FATORES DE
Avaliar a vulnerabilidade de uma pessoa ou grupo levanta, inevitavelmente, o problema de saber quem mede
VULNERABILIDADE
e define esta vulnerabilidade e de se existem, na verdade, critérios objetivos que permitam apreciar e definir
vulnerabilidade65. Além disso, a vulnerabilidade é um fenómeno complexo. Fora do panorama teorético, isto
é, na vida real, existem ambiguidades e uma conjuntura de fatores posteriores ao evento em causa que nem
sempre permitem, no enquadramento proposto por Chambers, distinguir cada um dos quatro fatores (exposição
à ameaça, materialização da ameaça, capacidade de reação e resultados). No entanto, esta dificuldade não deve
resultar no abandono da vulnerabilidade como importante marcador da violência contra as pessoas idosas66.
As pessoas idosas são um grupo tão heterogéneo quanto qualquer outro grupo etário. Enquanto o facto de uma
pessoa de 75 anos viver sozinha aumenta o risco de ser vítima, por exemplo, de um assalto ao seu domicilio
por alguém que se faz passar por um/a canalizador/a ou eletricista, para uma pessoa de 75 anos que viva
acompanhada esse risco não é tão elevado. É notório que, no primeiro caso, a vulnerabilidade que advém do facto
de a pessoa idosa viver sozinha parece ser mais adequada para medir o risco de vitimação do que a idade67. Para
além do facto de viver sozinha, outros fatores de vulnerabilidade podem aproximar a pessoa idosa do risco de
vitimação, por exemplo, ser iletrada não tendo como saber o que diz a alegada cédula profissional apresentada
pelo/a canalizador/a ou eletricista. Pode concluir-se com este exemplo ilustrativo que qualquer estudo, abordagem
ou intervenção em casos de violência contra pessoas idosas deve ter em conta fatores para além da idade68.
A consideração dos diferentes fatores de vulnerabilidade tem vários benefícios no que diz respeito à formulação
de políticas de prevenção da violência contra pessoas idosas:
• Permite uma alocação de recursos com base em evidências: sendo possível identificar a confluência de
fatores de vulnerabilidade que levam os/as agressores/as a selecionar determinadas vítimas, é possível
delimitar os esforços e os recursos de prevenção;
• Permite uma melhor resposta de prevenção, uma vez que a o envelhecimento é um processo que, este sim,
não pode ser parado ou revertido;
• Permite a desconstrução da ideia de que todas as pessoas idosas são vulneráveis. Esta ideia socialmente
enraizada é, também, partilhada pelos/as agressores/as que serão assim desencorajados a visar pessoas
idosas por as considerarem necessariamente indefesas;
• Aquando do estudo, atuação e prevenção de certos tipos de crimes que atingem desproporcionalmente
as pessoas idosas, previne a exclusão de outros grupos que estão, por outras razões que não a idade,
igualmente ou em maior risco de vitimação69.
Aumentar o nosso conhecimento sobre a vulnerabilidade, seja no plano teorético geral seja aquando da
intervenção com uma vítima – pessoa idosa ou não – é, certamente, uma tarefa desafiante mas é, igualmente, uma
tarefa que contribuirá para a melhoria das respostas a situações de violência e prevenção das mesmas70.
65
Schröder-Butterfill e Marianti
(n.º 58)
66
Ibid.
67
Stuart Lister e David Wall,
“Deconstructing distraction burglary:
an ageist offence?” em Wahidin Azrini
e Cain Maureen (eds), Age, Crime
and Society (2ª Edição, Routledge
2012)
68
Ibid.
69
Ibid.
70
Schröder-Butterfill e Marianti
(n.º 58)
27
CINCO TIPOS DE VIOLÊNCIA 5. Tipos de violência exercidos sobre pessoas idosas
Antes de quaisquer considerações sobre o tema em epígrafe, deve ser tido em conta que quando uma pessoa
idosa é vítima de um crime ou qualquer ato violento que não se configure juridicamente como tal, raramente é
alvo de apenas um tipo de violência. Não obstante, é importante discernir os conceitos e estudar a incidência, as
causas e os efeitos dos diferentes tipos de violência contra pessoas idosas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS)71 distingue cinco tipos de violência neste âmbito: violência física,
violência psicológica ou emocional, violência sexual, violência financeira e negligência ou abandono. Porém esta
divisão, bem como as definições apresentadas por esta organização, não é unânime.
Violência
Violência
psicológica
física
ou emocional
OMS Violência
sexual
Negligência Violência
ou abandono financeira
Figura 2 — Diferentes tipos de violência contra pessoas idosas segundo a Organização Mundial de Saúde.
Desde logo, denota-se que a OMS aglomera situações de negligência e abandono, remetendo-se aqui, sob pena
de repetição de ideias desnecessária, para uma discussão mais aprofundada desta questão à qual se dedica outra
parte desta publicação72.
Cumpre sim, e como se referiu acima, apresentar as correntes definições dos restantes tipos de violência contra
pessoas idosas apresentadas pela OMS e tecer algumas considerações sobre as mesmas.
28
o recurso à expressão “entre outras”, a utilização de exemplos pode ser demasiado redutora, especialmente por
não se destacar na definição conforme se apresenta, a intenção do/a autor/a.
Assim, não desconsiderando o devido peso de qualquer definição apresentada por uma organização internacional 74
Santos (n.º 17)
como a OMS, parece-nos mais acertado optar por uma definição de violência física contra pessoas idosas mais
75
UNECE - United Nations Economic
simples que evidencie a intenção do/a autor/a, nomeadamente: atos levados a cabo com intenção de causar dor ou Commission for Europe (2013),
sofrimento físico. “Policy Brief on Ageing No. 14 –
Abuse of Older Persons” https://
www.unece.org/population/ageing/
Não sendo, também, de descurar a importância do recurso à técnica que, na gíria jurídica, se denomina como policybriefs.html (consultado a
exemplos-padrão, parece-nos de acolher a seguinte definição apresentada no artigo “Prevalência da violência 19-12-2019)
77
Joaquim J.F. Soares e outros,
“Abuse and Health among Elderly in
O estudo - não raras vezes citado como um bom exemplo de investigação transnacional acerca da violência contra Europe” (2010) https://www.hig.se/
download/18.3984f2ed12e6a7b4c35
idosos75 - Abuse and Health among Elderly in Europe, ABUEL76, conduzido em sete países europeus, incluindo 80003555/ABUEL.pdf (consultado a
Portugal, indicou que 2,7% dos inquiridos foram, nos 12 meses anteriores ao inquérito, vítimas de violência 19-12-2019)
física77. Mais recentemente, o Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FL/UP) 78
Maria Isabel Correia Dias e outros,
e o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) desenvolveram o estudo HARMED: O abuso “Harmed – O Abuso de Idosos:
Determinantes Sociais, Económicas
de idosos: determinantes sociais, económicas e de saúde78 que teve como objetivo avaliar se houve alteração e de Saúde – Relatório Final” (2020),
da prevalência, dinâmicas e tipo de abusos entre os indivíduos que participaram no ABUEL. Este último estudo no prelo. Os dados do estudo
HARMED foram recolhidos no ano de
demonstra que a prevalência da violência física diminuiu, sendo, de acordo com os dados colhidos em 2017 pela 2017, incidindo sobre uma amostra
equipa de investigação do HARMED, de 0,9%. final de 677 indivíduos com 60 e
mais anos residentes na cidade do
Porto.
Outro estudo focado na realidade nacional, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor
Ricardo Jorge e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do Projeto Envelhecimento e 79
O projeto Envelhecimento e
Violência foi coordenado pelo
Violência79, do qual a APAV foi uma das entidades parceiras, indica que 2,3% dos inquiridos80 sofreu violência Instituto Nacional de Saúde Pública
física, também nos 12 meses que precederam o estudo. Doutor Ricardo Jorge, financiado
pela Fundação para a Ciência e
a Tecnologia e implementado em
Apesar da ainda marcada prevalência da violência física sobre pessoas idosas – numa época em que a violência parceria coma a APAV, o CESNOVA
da Faculdade Ciências Sociais
física contra outros grupos etários, por exemplo crianças, parece ser menos tolerada – este não é o tipo de e Humanas da UNL (CESNOVA/
violência que mais vitima aquele grupo. FCSH), o Instituto Nacional de
Medicina Legal e Ciências Forenses,
IP (INMLCF, IP), o Instituto da
Segurança Social, IP (ISS, IP e
5.2. Violência psicológica a Guarda Nacional Republicana
(GNR). Este projeto compreendeu
dois estudos distintos: o estudo
A violência psicológica, sim, parece ser o tipo de violência mais comum contra pessoas idosas. Os estudos acima populacional sobre a violência e o
estudo sobre vítimas de violência.
mencionados assim o indicam: segundo o estudo Envelhecimento e Violência, 6,3% dos 1123 inquiridos foram Pretendeu estimar o número de
vítimas deste tipo de violência no ano anterior ao inquérito. O estudo ABUEL apurou que 19,4% das pessoas vítimas de violência na população
com 60 e mais anos residente em
inquiridas tinham sofrido de violência psicológica, tendo sido verificado um ligeiro aumento da incidência Portugal, bem como reconstituir a
aquando da realização do estudo HARMED, que incidiu sobre a mesma coorte e que concluiu que 19,9% dos/as lógica e as condições de ocorrência
contexto nacional e europeu no qual, ao contrário do contexto norte-americano, não se encontra enraizado o 80
“O estudo populacional sobre a
conceito de violência emocional e considerando que na maioria das vezes os dois termos são utilizados para cobrir violência compreendeu uma amostra
de 1.123 pessoas, com 60+ anos,
o mesmo tipo de situações, utilizar apenas a expressão violência psicológica. residentes em domicílios particulares
em Portugal (continente e ilhas)”,
em Ibid.
Segundo a OMS, este tipo de violência é aquele que se traduz em “insultos, ameaças, humilhação, comportamento
controlador, confinamento ou isolamento”. António Valente soma aos exemplos enumerados pela OMS, outros 81
António Valente, Vitimização
atos que nos parecem importantes de evidenciar, nomeadamente, os atos de repreender ou tratar a pessoa idosa criminal dos idosos em Portugal –
Análise sócio criminal dos crimes
como criança – infantilização – e a ausência de expressões de afeto81, aos quais nós próprios juntamos as ameaças participados às Forças de Segurança
à institucionalização que causam um profundo sofrimento e medo nas pessoas idosas. em 2011 (Cadernos da Administração
Interna, 2013)
29
CONSENTIMENTO
E é exatamente este sofrimento psicológico que o National Center on Elder Abuse (EUA) sublinha na definição que
apresenta de violência psicológica: “a inflição de angústia, dor ou aflição, por meios verbais ou não verbais.”82. Encontra-se
aqui também destacada a inflição de danos pela via verbal ou não verbal, ilustrando que este tipo de violência não se
reduz a insultos ou ameaças verbais, por exemplo, podendo incluir outros comportamentos do/a autor/a que não implicam
a expressão verbal de algo, como a reiteração da falta de atenção ou até mesmo os chamados “tratamentos de silêncio”.
Assim, e à semelhança do que se propôs anteriormente em relação à violência física, cremos que a melhor definição será
aquela que junta a referência aos efeitos e aos meios da violência com exemplos do que se pode incluir nesta tipificação:
Por outro lado, a definição da OMS menciona, e bem, o consentimento, referindo-se, neste caso, à ausência
de acordo, anuência ou concordância por parte da vítima. Ora, parece-nos ser importante referir o pleno
consentimento, de modo a acautelar e incluir na definição de violência sexual as situações em que pessoas sem
capacidade para consentir em qualquer ação sexual oferecem o seu consentimento.
Assim, propomos uma versão alterada da definição inicialmente reproduzida de violência sexual que se traduz em:
Mais uma vez referindo-nos aos estudos acima citados, a violência sexual foi a que teve menos representatividade:
82
National Center on Elder Abuse, no estudo ABUEL, 0,7% dos/as inquiridos/as afirmaram ter sido vítimas deste tipo de violência enquanto o estudo
“Freaquently Asked Questions”
https://ncea.acl.gov/FAQ.aspx Envelhecimento e Violência apurou uma prevalência de 0,2%. É importante salientar que o estudo HARMED
(consultado a 13-08-2019) apresenta uma taxa de prevalência de violência sexual consideravelmente superior àquela apresentada no estudo
83
Organização Mundial de Saúde
ABUEL: segundo os dados recolhidos em 2017 no âmbito do projeto de investigação HARMED, 1,9% dos/as
(n.º 71) inquiridos/as foi vítima de violência sexual no ano anterior ao inquérito.
84
Hannah Bows, “Sexual violence
against older people: a review of the Apesar de vários estudos assinalarem que os relatos de abuso sexual diminuem com a idade84, importa sugerir
empirical literature” (2018), 19 (5),
que as baixas percentagens apresentadas por estes e outros estudos85 podem não traduzir a realidade no que diz
Trauma violence, and abuse, 567
respeito à violência sexual contra pessoas idosas.
85
Estudos populacionais sobre
pessoas idosas apresentam
por norma baixos resultados de Por um lado, sabe-se que as cifras negras em relação a crimes sexuais contra pessoas idosas são bastante elevadas,
incidência de violência sexual devido à vergonha sentida pelas vítimas e ao facto de, especialmente entre este grupo etário da população, a
(variando entre 0,2% e 3,1%),
enquanto estudos que envolvem
sexualidade ser ainda um assunto tabu. Por outro lado, a ideia de que as pessoas idosas podem ser vítimas de
subgrupos específicos de pessoas violência sexual parece ser também um tabu para profissionais e para a academia, verificando-se um diminuído
idosas, por exemplo, pessoas idosas
entrevistadas em centros de saúde
número de investigações e publicações que tratem especificamente este tema86.
ou pessoas idosas que contactam
linhas de apoio, apresentam uma
Por fim, não deverá deixar-se de salientar que aquele aumento registado pelo estudo HARMED pode estar relacionado
margem ligeiramente mais alta
(variando entre 0,2% e 5,2%), em Ibid. com uma maior sensibilização da população para questões de igualdade de género, maior grau de informação sobre o que
constitui violência sexual e desconstrução de alguns mitos relacionados com a mesma, por exemplo, a ideia de que dentro
86
Ibid.
30
APROPRIAÇÃO E
do casamento não poderão ocorrer violações. Ora, estes fatores, poderão contribuir para a redução de constrangimentos das
USO ILEGAL DO SEU
vítimas aquando da resposta ao questionário, podendo ter sido, pelo menos em parte, esta a razão daquele aumento.
PATRIMÓNIO
Ainda que não se encontrem na doutrina grandes discrepâncias quanto à definição ora apresentada, é de
esclarecer que a terminologia não é unânime. Apesar de o termo “violência financeira” ser o mais difundido na
doutrina e instrumentos internacionais, alguns Autores utilizam também os conceitos de “violência económica”89
e outros “violência patrimonial”, existindo ainda aqueles que lançam mão dos vários vocábulos indiferentemente.
Uma breve pesquisa semântica revela que o termo “financeiro”, relativo a finanças, remete para as circunstâncias
pecuniárias de alguém, ao passo que o termo “patrimonial”, relativo a património, se refere a propriedade, àquilo
que nos pertence e à capacidade de dispor livremente desses bens. Atendendo a estas definições, temos que o
vocábulo “patrimonial” engloba todos os bens do indivíduo, enquanto o vocábulo “financeiro” alude somente
ao seu dinheiro, sendo o primeiro mais adequado a cobrir todo o tipo de situações que a definição acima
apresentada pretende englobar. No entanto, tendo em conta que os termos mais comuns na literatura são, como
acima referido, “violência financeira” ou “violência económico-financeira” e que o público em geral está já mais
familiarizado com estes, admitindo-se que o termo “violência patrimonial” poderá não ser de imediata apreensão,
adotamos o vocábulo “violência económico-financeira” propondo, então, a seguinte definição do mesmo:
No que à violência económico-financeira diz respeito, deve destacar-se que esta é frequentemente levada a cabo
por descendentes das pessoas idosas que têm a errada convicção de que o património das pessoas idosas lhes
pertence automaticamente90. Em resultado da inversão de poderes que não raramente se verifica nas relações
entre a pessoa idosa e os seus descendentes, muitas vezes a própria pessoa idosa não se apercebe ou não
considera a apropriação e uso ilegal do seu património por aqueles como uma forma de violência.
Há que relevar duas considerações quanto à violência económico-financeira filioparental: em primeiro lugar, não
é raro os/as filhos/as das pessoas idosas vítimas retirarem estas das estruturas residenciais em que habitam para
retomar a coabitação, pois o/a seu/sua pai/mãe representa uma fonte de rendimento necessária à sobrevivência
do/a agressor/a. Mais, é comum a pessoa idosa vítima não interpretar a violência como crime, antes como
obrigação parental de sustentar os/as filhos/as, existindo até situações em que a pessoa idosa perceciona os atos 87
Organização Mundial de Saúde
(n.º 71)
abusivos como contrapartida necessária dos cuidados prestados pelo/a seu/sua filho/a.
88
APAV (n.º 8)
89
Porém quando na literatura se
É, desta forma, fundamental que, numa lógica de prevenção, se criem estruturas utiliza o termo “violência económica”,
tal não é feito em exclusivo (a sua
comunitárias preparadas para alertar as autoridades competentes quando suspeitem utilização é sempre acompanhada da
de comportamentos irregulares (por exemplo, permitir às instituições bancárias ressalva “ou financeira”).
31
6. O abandono
A Organização Mundial de Saúde (OMS) agrupa os conceitos de abandono e negligência92 tratando-os como
sinónimos e definindo-os como a “recusa, omissão ou ineficácia na prestação de cuidados, obrigações ou deveres
à pessoa idosa”93, exemplificando com os atos de não providenciar comida, alojamento ou cuidados médicos94.
91
Comissão Europeia (n.º 52) Por seu turno, Barboza95 identifica o abandono como uma forma de negligência, correspondendo ao ato praticado
pelo/a cuidador/a de votar a pessoa idosa à solidão.
92
Cf. Tipos de violência exercidos
sobre pessoas idosas
Reconhecemos que os dois termos são próximos, pelo que compreendemos a tendência da literatura em aceitar
93
Santos (n.º 17)
a definição proposta pela OMS, não distinguindo os dois conceitos96. Cremos contudo que não se tratam de
94
Organização Mundial de Saúde sinónimos, mas antes de dois tipos de violência autónomos.
(n.º 71)
95
G.E. Barboza, “Elder maltreatment: Fazemo-lo, antes de mais, com base numa pesquisa semântica. O Dicionário da Língua Portuguesa97 define
The theory and practice of elder-
negligenciar como “tratar negligentemente; não dar atenção a; descurar; omitir”, ao passo que abandonar é
abuse prevention” em C.A. Cuevas
e C.M. Rennison (eds.), The Wiley definido como “deixar ao abandono; não fazer caso de; desamparar; largar”, o que nos permite concluir que estes
handbook on the psychology of conceitos não são sinónimos.
violence (Wiley Blackwell, Chicesther)
apud Paulo Barbosa Marques e
outros, “Tipologia de Maus-tratos a Apesar da distinção semântica destes conceitos, se pensarmos no resultado de condutas que são passíveis de
Pessoas Idosas” em Paulino e Costa
(n.º 19)
os consubstanciar, chegamos à conclusão que este é bem menos distinto: quer a negligência quer o abandono
resultam na não prestação de cuidados a pessoas idosas quando estes eram devidos. É neste sentido que Morera
Blanca Morera, “Maltrato
considera como consequência do abandono a falta de prestação de cuidados98 e que Escobar e Fagundes o
96
32
DISTANCIAMENTO
na definição da OMS não sendo um comportamento absoluto (um/a cuidador/a poderá ser negligente quanto
ABSOLUTO E DEFINITVO
à medicação da pessoa idosa, mas não o ser quanto à sua higiene, por exemplo; já o abandono implicaria não
atender a quaisquer necessidades da pessoa idosa).
Além de absoluta, a cessação da prestação de cuidados deverá ser definitiva para se considerar que há abandono, daí
resulta a nossa referência à sua extensão temporal. Por exemplo, se uma família responsável por prestar cuidados
a uma pessoa idosa vai de férias (tendo portanto uma data de regresso) sem solicitar a alguém que assegure os
cuidados adequados àquela pessoa, estaremos perante uma situação de negligência, como melhor se explicará de
seguida, compreendendo o abandono um elemento definitivo, que pressupõe um distanciamento concludente.
Tendo em conta tudo o que acima foi referido, consideramos importante distinguir a negligência e o abandono
como duas formas de violência contra pessoas idosas. Estas, embora tenham o mesmo resultado imediato – a
falta de prestação de cuidados quando estes são devidos –, consubstanciam-se em condutas distintas e têm
consequências – para a vítima e para a sociedade – que merecem ser tratadas separadamente.
O abandono é um tipo de violência complexo, podendo verificar-se em vários espaços, por exemplo, em casa, na
rua e/ou em instituições. Pode dar-se no domicílio da pessoa idosa, quando esta é votada à solidão102 na sua própria
casa, sem capacidade de interagir socialmente com outras pessoas ou de cuidar de si mesma. Também pode ocorrer
nas ruas, sendo a pessoa idosa abandonada na via pública sem capacidade de regressar a casa ou buscar auxílio.
Já o abandono em instituições consiste no corte de relações, daquele/a que tinha a custódia física da pessoa idosa
ou a responsabilidade de prestar cuidados após a institucionalização (mesmo que legítima). Ocorre quando o/a
agente deixa de visitar ou comunicar com a pessoa idosa institucionalizada. Outro exemplo prende-se com o
abandono da pessoa idosa no hospital onde se encontrava internado/a após lhe ser concedida alta médica e social.
Vemos, assim, que várias condutas em diferentes circunstâncias podem assumir-se como abandono no sentido
que acima lhe conferimos. No entanto, nem todas as condutas que consubstanciam a violência na forma de
abandono são subsumíveis ao crime de exposição ou abandono, previsto no artigo 138.º do Código Penal.
33
O CÓDIGO PENAL FRANCÊS
A legislação penal francesa encontra-se mais próxima da portuguesa, determinando que o abandono, em
104
J. M. Damião da Cunha, “Artigo
qualquer lugar, de pessoa incapaz de se proteger devido à sua idade ou estado físico ou mental, é punível.
138.º” em Jorge de Figueiredo Dias
(dir.), Comentário Conimbricense Também no Código Penal francês se exige, para consumação do crime, que seja criado um perigo para aquele/a
do Código Penal – Parte Especial que é abandonado/a (cf. artigo 223-3 do Código Penal francês). Mais, a Câmara Criminal do Tribunal de
– Tomo I – Artigos 131.º a 201º (2.ª Cassação francês, no recurso n.º 17-84067, em audiência pública no dia 23-05-2018, determinou que no crime
edição, Coimbra Editora, 2012)
de abandono deve estar “expressa por parte de seu autor a vontade de abandonar definitivamente a vítima”.
105
Ainda que quem abandona a pessoa
idosa num hospital ou instituição de
acolhimento tenha o dever de a guardar,
vigiar ou assistir e atue em violação Por outro lado, se quem tinha o dever de cuidar de uma pessoa idosa a abandona na sua casa, causando perigo
desse dever (cf. artigo 138.º, n.º 1, alínea para a sua vida, gera uma situação de abandono punível nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º 1, alínea b).
b), não se concebe que tal conduta
coloque a pessoa idosa numa situação
Neste caso não se trata de exposição por não existir uma deslocalização da vítima104 como no exemplo anterior,
de perigo para a vida, ficando em falta havendo sim a deslocalização do agente.
um elemento típico do ilícito penal.
106
Resolução do Conselho de O abandono de pessoas idosas em hospitais é um tipo específico de abandono que tem vindo a chamar a atenção
Ministros nº 63/2015, de 25 de
do legislador, por se considerar que esta conduta não se enquadra na letra do artigo 138.º do Código Penal105.
agosto (Um Memorandum para o
Futuro - Legislação do XIX Governo Em 2015, a Estratégia de Proteção ao Idoso106, com o objetivo de reforçar a proteção dos direitos das pessoas
Constitucional - Ministério da Justiça) idosas através da tutela penal, previa a criminalização do abandono de pessoas idosas em hospitais ou outros
https://www.sg.mj.pt/sections/
noticias/estrategia-de-protecao estabelecimentos dedicados à prestação de cuidados de saúde, quando aquela se encontrasse a cargo do/a
(consultado a 08-07-2019). É agente107. Esta medida, apesar de prevista nos Projetos de Lei n.º 62/XIII e 746/XIII/3.ª, não foi concretizada até à
interessante notar que na elaboração
deste documento não foram
presente data, mas nem por isso deixa de merecer discussão.
auscultadas associações de pessoas
idosas ou organizações de promoção
dos direitos das pessoas idosas.
O Ministério da Saúde não recolhe dados sobre o abandono de pessoas idosas em hospitais108, pelo que
a realidade nacional é desconhecida. Embora não existam estatísticas nacionais, a comunicação social tem
A norma parece buscar inspiração
apresentado alguns números: numa reportagem datada de 08-02-2018, a TVI24 noticiou que 40% das três
107
34
a criminalização da pobreza, pois aqueles/as com capacidade económico-financeira para garantir a adequada
prestação de cuidados à pessoa idosa fá-lo-iam, mesmo que somente para escapar à punição.
Assim acompanhamos o entendimento de Maria Paula Ribeiro de Faria113 quando afirma que:
“sendo certo – certíssimo - que o mero ato de abandonar o pai, ou a mãe, idosos, à porta de um hospital é
eticamente reprovável, não se esqueça que a vítima pode correr riscos muito mais graves para a sua vida e
integridade física se for mantida, à custa do receio da incriminação penal ou da atuação das autoridades, ao
cuidado de quem procede deste modo”.
Cremos, então, que mais importante do que criminalizar o abandono, é criar as condições para que ninguém
se sinta obrigado/a a adotá-lo114. Importa estudar as razões que motivam a adoção desta conduta e, uma vez 112
O Estatuto do Cuidador determina
identificadas tais razões, compete ao Estado eliminá-las, criando as condições socioeconómicas para que que os/as cuidadores/as informais
as famílias possam cuidar das pessoas idosas que delas dependem e simultaneamente fomentar a criação têm direito a receber formação
“para o desenvolvimento das
de cuidados comunitários integrados. Estas respostas deverão promover a autonomia da pessoa idosa e do suas capacidades e aquisição de
envelhecimento ativo e capacitar as famílias para a adequada prestação de cuidados através da formação, a competências para a prestação
adequada dos cuidados de saúde
qual deverá ir além dos meros cuidados de saúde115. Apesar de o abandono consistir em conduta diretamente à pessoa cuidada” (artigo 5.º, alínea
perpetrada pelos mais próximos das pessoas idosas, habitualmente as suas famílias, não será de ignorar o papel b), todavia não foi ainda aprovada
a regulamentação desta matéria
que o Estado tem na resposta a este fenómeno. e, quando o seja, demorará algum
tempo até que o seu sucesso venha
a ser comprovado.
114
Aparentemente a favor da
Ante o abandono de uma pessoa idosa por parte de um/a familiar, já sabemos que, por enquanto, a via da sanção criminalização, ainda que sem
criminal não é uma das estratégias de resposta. Como reage então o Estado às situações de abandono? negar a importância da criação de
condições para cuidar de pessoas
idosas, Belmira Raposo Felgueiras,
No que concerne ao abandono de pessoas idosas nas suas residências – quando não constitua o crime previsto “Envelhecimento e Violência:
Enquadramento Jurídico-Penal do
no artigo 138.º do Código Penal – é pertinente referir que tanto a Polícia de Segurança Pública (PSP) como a Abuso” em Paulino e Costa (n.º 19)
Guarda Nacional Republicana (GNR) dispõem de programas especiais dedicados às pessoas idosas no contexto
do policiamento de proximidade116. Estes programas especiais têm três grandes objetivos: (i) garantir as APAV, “Parecer da APAV relativo
115
Forças de Segurança; e (iii) ajudar a prevenir e a evitar situações de risco117. As atividades desenvolvidas incluem a CDS-PP) e 63/XIII/1.ª (PSD E CDS-
PP)” (2016) https://apav.pt/apav_v3/
sinalização das situações de risco e encaminhamento para instituições que possam responder adequadamente às images/pdf/Parecer_APAV_proj_lei_
necessidades identificadas. idosos_26_1_Jan2016.pdf (consultado
a 06-09-2019)
116
O policiamento de proximidade
pode ser definido como a presença
O MINISTÉRIO DA SOLIDÃO de patrulhas em determinados locais
ou a interação com grupos específicos
No Reino Unido, a solidão é encarada como um problema tão grave que em 2017 foi criada a posição de (escolas, idosos, comerciantes). Maria
Dalila Correia Araújo Teixeira, “Portugal,
Ministro da Solidão, cuja missão é liderar um grupo intergovernamental a agir contra a solidão e tornar esta
Novos Paradigmas De Segurança: Os
questão uma prioridade parlamentar consistente. Em 2018 foi lançada a estratégia nacional para o combate modelos de segurança de proximidade
à solidão, que inclui um inquérito sobre a frequência com que as pessoas se sentem sozinhas e a criação de e o contrato local de segurança
estrutura para melhorar e conectar serviços sociais, entre outras atividades. de Loures” (2018) https://run.unl.pt/
handle/10362/53904?locale=en
(consultado a 09-08-2019)
Fonte: HM Governement, “A Conected Society – A strategy for tackling loneliness - laying the foundations for change”
“O Policiamento Comunitário e os
Programas Especiais na GNR” https://
www.gnr.pt/ProgEsp_main.aspx
Este trabalho das Forças de Segurança não só é imprescindível para conhecer a realidade de pessoas idosas (consultado a 18-12-2019)
isoladas ou a residir sozinhas ou com outras pessoas igualmente idosas, como também para responder às 118
Vejam-se os dados dos Censos
vulnerabilidades que advêm da circunstância do isolamento e possível abandono118. Sénior da GNR, que em 2017 permitiu
a sinalização de 45.516 pessoas idosas,
das quais 28.279 viviam sozinhas, 5.124
A este importante trabalho de sinalização levado a cabo pelas Forças de Segurança deve seguir-se uma viviam isoladas e 3.521 viviam sozinhas e
intervenção articulada com serviços e entidades da área da saúde, segurança social e educação, bem como um isoladas. 8.592 pessoas idosas embora
não vivessem sozinhas/isoladas, viviam
trabalho em rede com as instituições de apoio e respostas sociais locais. em situação de vulnerabilidade devido
a limitações físicas e/ou psicológicas.
GNR, “Operação Censos Sénior
Relativamente ao abandono de pessoas idosas nos hospitais, o Estado parece falhar a sua tarefa de tutela de direitos. 2017 – Resultados” https://www.gnr.
pt/comunicado.aspx?linha=4206
(consultado a 03-02-2020)
35
CUIDADOS CONTINUADOS
6.2. Abandono pelo Estado
O abandono pelo Estado é uma forma de violência estrutural, que se traduz na incapacidade de resposta
adequada ao fenómeno do envelhecimento, deixando aquele de prestar assistência e proteção às pessoas idosas
que delas necessitam.
De acordo com as teorias contratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau, os seres humanos começaram por viver no
Estado Natural, no qual inexistia qualquer organização política. Esta época era marcada por constantes conflitos e
perigos para a vida e a propriedade, pelo que os indivíduos sentiram necessidade de encontrar um poder maior e
imparcial que garantisse a sua sobrevivência e desenvolvimento.
Para alcançar estes objetivos, os indivíduos firmaram um acordo com o Estado, o contrato social, de acordo com o
qual o Estado deveria tutelar os direitos dos cidadãos e permitir o desenvolvimento da sociedade e, em troca, cada
indivíduo abdicaria parcialmente da sua liberdade, submetendo-se às leis gerais e à soberania estadual.
Partindo destas teorias, sem olvidar as particularidades inerentes a cada nação, os Estados foram-se
desenvolvendo até à contemporaneidade. É hoje incontestável que uma das tarefas fundamentais do Estado
português é garantir os direitos e liberdades fundamentais dos seus cidadãos, bem como o seu bem-estar,
qualidade de vida e igualdade (cf. artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP).
Vivemos hoje num Estado-providência, tendo a responsabilidade face às pessoas idosas sido transferida dos seus
familiares mais jovens para o Estado. Em termos genéricos compete ao Estado assegurar um sistema de segurança
social que proteja os cidadãos na velhice e na invalidez, bem como proteger a saúde e a família e desenvolver
uma “política de terceira idade”, que engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a
proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal (cf. artigos 63.º, 64.º, 67.º e 72.º da CRP).
Não nos debruçaremos sobre a questão do valor e hierarquia constitucional dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais, nem questionaremos a constitucionalidade de medidas ou políticas adotadas pelo Estado em relação
com a proteção dos direitos das pessoas idosas. Compete-nos contudo questionar se não nos encontramos perante
uma situação de abandono das pessoas idosas pelo Estado, face à realidade observável.
De acordo com um estudo da Organização Internacional de Trabalho (OIT), datado de 2015119, Portugal é dos
países que presta menor apoio aos cuidados continuados a pessoas idosas. Na realidade, entre 2006 e 2010, o
nosso país gastou apenas 0,1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em cuidados continuados, ficando a par de
países como a Indonésia, Índia e China. O país que mais gastou no mesmo período foi a Holanda, com 2,3% do
PIB a ser canalizado para cuidados continuados de pessoas idosas.
119
Organização Internacional do
Devido à escassez de cuidadores/as formais, estima-se que 90,4% da população portuguesa com 65 ou mais anos
Trabalho, “Long-term care protection esteja impossibilitada de aceder a serviços de cuidados continuados de qualidade120.
for older persons: A review of
coverage deficits in 46 countries”
(2015), ESS – Working Paper n. Se as pessoas idosas que necessitam de cuidados continuados são confrontadas com a inexistência de serviços,
50 https://www.ilo.org/wcmsp5/
com serviços de fraca qualidade ou com a falta de profissionais, o Estado está a contribuir – se não estiver a
groups/public/---ed_protect/---
soc_sec/documents/publication/ causar – para a insatisfação das suas necessidades, prejudicando a sua qualidade de vida e a sua saúde. Parece
wcms_407620.pdf (consultado a indubitável a afirmação de que o Estado, privando a grande maioria da população idosa de aceder a serviços de
18-07-2019)
cuidados continuados de qualidade, está a abandoná-la.
120
Ibid.
121
Instituto da Segurança Social,
Em junho de 2019, o número de beneficiários do Complemento Solidário para Idosos era de 165.122
“Síntese de informação estatística indivíduos121. Tal significa que mais de 165.000 pessoas idosas tinham rendimentos inferiores a 5.258,63€ por
da Segurança Social – junho
de 2019” http://www.seg-social.
ano e careciam de apoio monetário por parte do Estado para fazer face às suas despesas.
pt/documents/10152/1864931/
SIESS201906.pdf/5cf23d86-
Já no ano de 2017 o limiar de pobreza encontrava-se nos 467€ por mês. Nesse ano, de acordo com dados do Instituto
c8cc-4c06-95d7-46cd55c996e1
(consultado a 22-07-2019) Nacional de Estatística (INE), o risco de pobreza para a população idosa aumentou para 17,7%, (mais 0,7% do que no
ano anterior)122, tendo diminuído para os outros dois grupos etários. Ainda que não sejamos capazes de descortinar o
122
Instituto Nacional de Estatística,
“Anuário Estatístico de Portugal – motivo por trás não só deste aumento do risco de pobreza, como também do valor apresentado, podemos dizer com
2018” (2019), Instituto Nacional de certeza que se trata de uma situação de abandono das pessoas idosas por parte do Estado quando verificamos que ainda
Estatística, IP https://www.ine.pt/
xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_
que parte da população esteja a afastar-se do limiar de pobreza, outra aproxima-se cada vez mais. Viver em situação de
destaques&DESTAQUESdest_ risco de pobreza significa estar-se privado/a das condições necessárias a uma vida digna; estar-se impossibilitado de
boui=382055969&DESTAQUESmodo
=2 (consultado a 22-07-2019)
exercer eficazmente direitos económicos, civis, culturais, políticos e sociais, constitucionalmente tutelados.
36
CASAS DE ABRIGO
As pessoas idosas são também afetadas em larga medida por mortalidade derivada de causas não relacionadas
com o envelhecimento ou doenças. Em 2017, as pessoas idosas eram as que apresentavam a maior taxa de
mortalidade por causas relacionadas com lesões e envenenamento (os óbitos de pessoas com 65 e mais anos por
esta causa representavam 61% do total) e também por acidentes e sequelas dos mesmos (cerca de 67% dos óbitos
por esta causa foram de pessoas com 65 e mais anos)123.
No mesmo ano, 30% dos óbitos derivados de agressões e sequelas destas ocorreram no grupo das pessoas idosas,
tendo 19% dos óbitos por esta causa vitimado indivíduos com 75 e mais anos124. Podemos acreditar que o número
real seja mais elevado do que o reportado, uma vez que a violência contra as pessoas idosas continua a ser um
fenómeno escondido.
Para além das medidas de proteção previstas no Estatuto da Vítima125 para as vítimas especialmente vulneráveis
nas quais se podem eventualmente incluir as pessoas idosas, o Estado não apresenta qualquer política de
proteção das pessoas idosas vítimas de crime, o que configura mais uma situação de abandono.
No caso concreto da violência doméstica, a lei prevê o acolhimento da vítima em casa de abrigo126, sem impor
restrições de idade máxima. Todavia na prática inexistem casas de abrigo aptas a acolher vítimas de violência
doméstica vulneráveis em razão da idade ou vítimas idosas com necessidades de apoio ou acompanhamento
especiais. Ademais, no nosso país existe somente uma casa de abrigo que acolhe vítimas do sexo masculino,
o que agrava ainda mais a situação dos homens idosos vítimas de violência doméstica. As casas de abrigo
existentes atualmente apresentam barreiras arquitetónicas incompatíveis com estados de mobilidade reduzida
e os/as funcionários/as não estão aptos/as a prestar cuidados às pessoas idosas que deles necessitem (por
exemplo, tarefas de apoio às atividades da vida diária). Ademais, as pessoas idosas mais vulneráveis podem
ter necessidades acrescidas de ir a consultas médicas, não estando as casas de abrigo equipadas com os
meios materiais e humanos para as transportar sempre que necessário. Todas estas circunstâncias indiciam a
despreocupação do Estado com a realidade que é a vitimação das pessoas idosas.
A demissão do Estado da elaboração de políticas públicas que protejam ativamente os direitos das pessoas idosas
é uma forma de abandono deste segmento da população. Conhecendo as vulnerabilidades que caracterizam 123
Instituto Nacional de Estatística,
muitas pessoas idosas, nomeadamente a nível socioeconómico, ao furtar-se ao seu dever de legislar para “Causas de Morte 2017” (2019),
Instituto Nacional de Estatística,
contrariar tais vulnerabilidades e assegurar uma vida digna a todos os cidadãos, o Estado demonstra não se I.P. https://www.ine.pt/xportal/
preocupar com parte da população. xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicaco
es&PUBLICACOESpub_boui=358633
033&PUBLICACOEStema=00&PUBLI
O abandono pelo Estado é uma forma de violação do contrato social, na medida em que as pessoas idosas se CACOESmodo=2 (consultado a
22-07-2019)
submetem livremente às leis, pagam impostos e votam, não recebendo em troca a proteção adequada à sua
prosperidade ou, em muitos casos, sobrevivência. Não haverá abandono das pessoas idosas por parte do Estado 124
Ibid.
quando se verifique que este assume os seus compromissos internacionais, cumpre o disposto na Constituição e, 125
Lei n.º 130/2015 de 4 de setembro
mais do que conceder apoios económicos às pessoas idosas, se esforça para a construção de políticas públicas de que procede à vigésima terceira
inclusão e valorização daquelas pessoas fundada nos seus direitos humanos127. alteração ao Código de Processo
Penal e aprova o Estatuto da Vítima,
transpondo a Diretiva 2012/29/
UE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 25 de outubro de 2012,
que estabelece normas relativas
aos direitos, ao apoio e à proteção
das vítimas da criminalidade e
que substitui a Decisão -Quadro
2001/220/JAI do Conselho, de 15
de março de 2001, publicada em
Diária da República n.º 173, I Série, 4
setembro 2015
126
Decreto Regulamentar n.º 2/2018
37
7. Negligência
É importante aprofundar a temática negligência, para que fique exatamente clara a sua definição, mormente os
pontos que diferem do abandono128.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a negligência pode definir-se como a “recusa, omissão ou
ineficácia na prestação de cuidados, obrigações ou deveres à pessoa idosa, e inclui, entre outros exemplos, a recusa/
omissão de alimentação, recusa/omissão de suporte material e emocional e o descuido a nível dos cuidados de
higiene e de saúde”129.
A definição proposta pelo National Center On Elder Abuse130 é muito semelhante à oferecida pela OMS: “a recusa
ou a falha no cumprimento de obrigações ou deveres para com uma pessoa idosa”. Esta entidade esclarece que
a negligência tende a traduzir-se em condutas de recusa ou falha em colmatar as necessidades da pessoa idosa
no que concerne a alimentação, vestuário, abrigo, higiene pessoal, medicação, conforto e segurança pessoal,
mas também quaisquer outras necessidades incluídas ou implícitas no acordo celebrado com a pessoa idosa. O
National Center On Elder Abuse explica ainda que a negligência pode incluir o incumprimento de obrigações
fiduciárias de prestar cuidados a uma pessoa idosa (como, por exemplo, pagar pelos serviços de prestação de cuidados
necessários) ou o incumprimento por parte dos serviços de apoio domiciliário em prestar os cuidados devidos.
O National Institute on Aging, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos da América,
por seu turno, refere que a negligência “ocorre quando o/a cuidador/a não tenta responder às necessidades da
pessoa idosa”131.
As três definições aqui trazidas são suficientemente semelhantes para se compreender em que consiste a
negligência: este tipo de violência é praticado por quem deixa de socorrer as necessidades básicas da pessoa idosa.
Cremos, porém, que a definição proposta pelo National Institute on Aging acrescenta uma valiosa contribuição
em relação às demais quando se refere ao/à cuidador/a da pessoa idosa. Na verdade não é qualquer indivíduo
que está em posição de negligenciar as necessidades da pessoa idosa; pelo contrário, só quem tiver a
responsabilidade de responder a tais necessidades é que incorrerá em negligência quando deixar de o fazer.
Deste modo, partiremos da definição proposta pela OMS, reconhecida internacionalmente como adequada à
descrição do fenómeno, mas acrescentar-lhe-emos a componente do/a agente deste tipo de violência. Assim, a
negligência pode ser definida como:
Alguns Autores dividem este tipo de violência entre negligência ativa ou passiva, conforme seja intencional ou
não intencional, respetivamente132. Existirá negligência ativa quando a recusa, omissão ou ineficácia na prestação
128
Cf. O abandono de cuidados é propositada, estando o/a cuidador/a consciente de que está a falhar aos seus deveres. Por outro
lado, verificar-se-á uma situação de negligência passiva quando o/a cuidador/a não estiver consciente de que está
129
Santos (n.º 17)
a omitir-se aos seus deveres de cuidado.
130
National Center on Elder Abuse
(n.º 100)
No plano dos casos concretos, pode suceder que a distinção entre negligência e violência física se mostre
131
National Institute on Aging, dificultada. Por exemplo, como classificar a conduta de submedicação de uma pessoa idosa pelo/a seu/sua
“Elder Abuse” https://www.nia.nih.
gov/health/elder-abuse#types
cuidador/a? Tal conduta tem a faculdade de causar dor ou sofrimento físico à pessoa idosa e é simultaneamente
(consultado a 11-11-2019) causada por uma ineficácia na prestação de cuidados devidos àquela.
132
Santos (n.º 17)
38
Cremos que para distinguir entre estas formas de violência é importante focarmo-nos na consciência da prática
do ato negligente e na intenção de causar dor ou sofrimento à pessoa idosa, elemento essencial da definição de
violência física133. Assim:
Cuidador/a não
administra medicação
Violência Negligência
física ativa
Figura 3 – Representação da diferença entre negligência e violência física no caso concreto da submedicação.
Os episódios de negligência surgem muitas vezes devido ao desconhecimento do/a cuidador/a, que não recebe
a formação devida para a adequada prestação de cuidados, ou devido à impreparação física ou cognitiva do/a
cuidador/a para assumir esse papel (pense-se, por exemplo, nos/as cuidadores/as de pessoas idosas que são
também pessoas idosas e que apresentam, eles/as mesmos/as, algum tipo de limitação física ou cognitiva).
Por outro lado, é possível imaginar situações em que o/a cuidador/a sabe que não está a prestar devidamente os
cuidados a que estaria obrigado/a, mas não está consciente dos efeitos que essa conduta produz na pessoa idosa.
Retomando o exemplo acima, podemos observar situações nas quais o/a cuidador/a sabe que não está a medicar
corretamente a pessoa idosa de quem cuida, porque se esquece de lhe dar os comprimidos à hora de almoço como
seria suposto, mas não tem intenção de com esse comportamento causar-lhe qualquer dor ou sofrimento (ainda
que este resultado possa vir a verificar-se). Embora estejamos indubitavelmente na presença de negligência,
cremos que nestes casos deve ser-se cauteloso/a nos juízos de censura que recaiam sobre aquele/a cuidador/a.
Naturalmente estas questões serão mais frequentes (e mais ou menos desculpáveis) quando se trate de
cuidadores/as informais, poucas vezes chegando sequer a colocar-se quando há um/a profissional a cuidar da
pessoa idosa: a contratualização de serviços de prestação de cuidados pressupõe que a mesma será realizada
nos termos devidos, ou seja, espera-se legitimamente que inexista qualquer recusa, omissão ou ineficácia na
resposta às necessidades da pessoa cuidada. Não obstante reconhecermos que a formação dispensada a estes/
as profissionais é (também) muitas vezes deficitária, dificilmente se encontrarão situações de negligência
desculpável quando o/a agente é um/a cuidador/a formal, pois a profissionalização da sua função e a
contratualização dos serviços impõem uma maior responsabilidade na prestação de cuidados adequada.
Contrariamente ao que se verifica com o abandono, a negligência não é definida por condutas absolutas ou
definitivas que culminam na não prestação de cuidados. Assim, como se referiu anteriormente134, o/a cuidador/a
poderá ser negligente quanto a uma parte da prestação de cuidados, mas não o ser em relação a outras.
Cf. Tipos de violência exercidos
133
Este contexto relativo em que a negligência pode manifestar-se faz com que seja um tipo de violência que passa sobre pessoas idosas
muitas vezes despercebido: pode compreender condutas que produzem efeitos de pequena gravidade e pode não 134
Cf. O abandono
39
se traduzir necessariamente em ações, mas mais frequentemente em omissões. Ainda assim não é possível afirmar
que a negligência seja um fenómeno tão difícil de detetar como a violência psicológica, por exemplo, uma vez que
pode consubstanciar-se no descuido em relação à higiene pessoal ou saúde da pessoa idosa, que tem reflexos físicos.
A negligência por parte dos/as cuidadores/as informais poderia mais facilmente ser assinalada e combatida caso
houvesse um acompanhamento frequente e eficaz por parte de cuidadores/as formais, capazes de detetar os sinais
deste tipo de violência e informar os/as agentes que a praticam dos erros em que estão a incorrer. Para tanto, é
necessário investir no aumento de recursos humanos em áreas como a saúde, o apoio domiciliário e o apoio social.
AUTONEGLIGÊNCIA
Outra forma de negligência identificada é a autonegligência, que pode ser definida como o comportamento de
uma pessoa idosa que ameaça ou prejudica a sua própria saúde ou segurança. Desta definição devem excluir-se
as situações em que uma pessoa idosa mentalmente capaz, ou seja, que entende as consequências das suas
decisões, toma uma decisão consciente e voluntária de levar a cabo atos que ameaçam sua saúde ou segurança.
40
8. Caracterização das pessoas idosas vítimas de crime
135
Sónia Cardoso e outros, “Estado
e Políticas Sociais sobre Velhice
(1990-2008)” (2012), 204, vol. XLVII
(3.º), Análise Social http://www.
scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0003-25732012000
300005 (consultado a 22-07-2019)
O estudo do fenómeno da violência contra pessoas idosas não ficaria completo sem a resenha das características das 136
Maria João Valente Rosa, “O
Desafio Social do Envelhecimento
vítimas. É necessário pôr em evidência quem tipicamente é vítima de crime, pois a consciencialização da sociedade Demográfico” (1993), vol. XXVIII
e o combate à violência só serão eficazes quando se conhecer mais aprofundadamente o fenómeno. Sem embargo, (122), 686, Análise Social
o que aqui ficar listado não pretende ser um retrato exaustivo das características das pessoas idosas vítimas de http://analisesocial.ics.ul.pt/
documentos/1223291769P9jTF5la0
crime, servindo principalmente para enquadrar os resultados do projeto e evidenciar a importância do mesmo. Hq76JE3.pdf (consultado a 22-07-
2019)
É importante ter em conta que a caracterização das pessoas idosas vítimas de crime e violência aqui revelada não 137
Agência para os Direitos
implica que todas as pessoas que apresentem as características abaixo indicadas sofram algum tipo de vitimação nem, Fundamentais da União Europeia,
“Fundamental Rights Report 2018”
por outro lado, que pessoas idosas que não apresentem tais características nunca sejam vítimas de crime ou violência. (2018), Publications Office of the
European Union https://fra.europa.eu
/en/publication/2018/fundamental-
As pessoas idosas são normalmente encaradas como um grupo homogéneo, como consequência da criação da rights-report-2018 (consultado a
noção de reforma ligada à idade biológica e ao tempo de trabalho: o grupo dos inativos135. Deve ser-se cauteloso 24-07-2019)
quando se olha para um grupo de pessoas que é identificado somente por uma característica comum, neste caso, 138
Ibid.
a sua idade. Como acentua Maria João Valente Rosa, o processo de envelhecimento biológico difere consoante
os indivíduos136 e, naturalmente as experiências acumuladas por cada pessoa idosa são afetadas pelos contextos Cf. Fatores de risco da violência
139
Sendo, portanto, um grupo heterogéneo, as pessoas idosas não estão sujeitas a ser vítimas de violência de igual forma, Instituto Nacional de Saúde
141
existindo vários fatores que influenciam este risco e que vão para além da sua idade: género, condição de saúde, Doutor Ricardo Jorge (n.º 11)
rendimentos e capacidade financeira para viver uma vida autónoma são alguns dos fatores que podem aumentar ou 142
O estudo não usou o habitual
diminuir a potencial exposição à violação de direitos fundamentais138/139. Estes fatores não só influenciam o nível de critério dos 65 anos de idade (ligado
exposição à violência, como influenciam o tipo de violência de que a pessoa idosa pode ser vítima. à idade da reforma) para caracterizar
as pessoas idosas, optando por
entrevistar pessoas com 60 ou mais
anos por considerar que a saída do
traçar o panorama geral da vitimação de pessoas idosas não deixa de ser complicado, uma vez que a amostra para detetar e reagir a situações de
violência contra mulheres idosas no
selecionada e até as definições de violência adotadas influenciam os resultados alcançados. seio familiar. Strümpel e Hackl (n.º 54)
144
De acordo com Ana Paula
As estatísticas da APAV para o período 2013-2018140 indicam que a maioria das pessoas idosas vítimas de crime Gil e outros, a genderização da
e violência que recorrem à APAV são do sexo feminino (78,95%), com idades compreendidas entre os 65 e os violência em desfavor das mulheres
idosas observada em Portugal
69 anos, casadas e com uma família nuclear com filhos. A maioria das situações de vitimação ocorre de forma é consentânea com os estudos
continuada e na residência comum da vítima e do/a agressor/a. Cerca de 79% dos crimes que vitimaram pessoas internacionais. Ana Paula Gil e outros,
“Estudo sobre pessoas idosas vítimas
idosas registados pela APAV foram crimes de violência doméstica. de violência em Portugal: sociografia
da ocorrência” (2015), 31(6), Caderno
Os resultados do estudo às vítimas de violência do projeto Envelhecimento e Violência141 vão ao encontro das Saúde Pública, 1234 https://research.
unl.pt/ws/portalfiles/portal/3389610/
estatísticas da APAV, indicando que a maioria das vítimas é do sexo feminino, com idades compreendidas entre os CICS.Nova_Ana_Paula_Gil_et._al._
60 e os 69 anos142 e casada. Estudo_sobre_pessoas_idosas_v_
timas_de_viol_ncia_em_Portugal.pdf
(consultado a 02-09-2019)
No que se refere ao sexo das vítimas importa referir que em 2008 uma das conclusões do projeto europeu Breaking the
145
Minna-Liisa Luoma e outros,
Taboo143 revelava que apesar de a dimensão de género ser importante para o contexto do envelhecimento e da violência “Prevalence Study of Abuse and
doméstica, muito pouca atenção era dedicada às questões de género quando se discutia violência contra pessoas Violence against Older Women -
Results of a Multi-cultural Survey in
idosas144. Em 2011 surgiram os resultados do projeto AVOW145 - Prevalence Study of Abuse and Violence against Older Austria, Belgium, Finland, Lithuania,
Women, no âmbito do qual foram entrevistadas 2 880 mulheres com idades compreendidas entre os 60 e 97 anos, and Portugal (European Report of
que viviam em habitações particulares, em cinco países europeus146 durante o ano de 2010. Dos cinco países, Portugal the AVOW Project)” (2011), National
Institute for Health and Welfare
demonstrou ser aquele com maior taxa de prevalência de violência contra mulheres idosas, tendo 39,4% das inquiridas
revelado ter sido vítima de violência nos 12 meses anteriores à entrevista, seguido da Bélgica com uma taxa de 32%. 146
Áustria, Bélgica, Finlândia, Lituânia
e Portugal.
41
Relativamente a outros fatores presentes nas experiências de vitimação, é importante destacar que as conclusões
alcançadas no âmbito do mencionado projeto Envelhecimento e Violência demonstram que a partir dos 76 anos
o risco de ser vítima de violência aumenta 10% por cada ano de idade. O mesmo estudo indica ainda que a
incapacidade funcional (incapacidade para realizar atividades de vida diária de forma independente) e o nível de
escolaridade mais baixo aumentam o risco de vitimação.
Outra conclusão importante do estudo das vítimas de violência é a de que 74,1% dos/as entrevistados/as experienciou
situações de polivitimização, significando que a grande maioria das vítimas sofreu vários tipos de violência.
Uma vez feita a resenha possível sobre as pessoas idosas vítimas de violência, devemos esclarecer que a
caracterização das vítimas se altera em função do tipo de violência. Tentaremos demonstrar as características das
vítimas por tipo de violência experienciada com base em alguns estudos nacionais e transnacionais já realizados.
O estudo Envelhecimento e Violência não apresenta uma análise da prevalência de violência física por grupos
específicos por ter obtido uma estimativa de prevalência muito reduzida.
O estudo populacional sobre violência do projeto Envelhecimento e Violência indica que são sobretudo as pessoas
idosas do escalão etário mais velho (80 e mais anos) e as do escalão etário mais jovem (60-69 anos) quem é mais
vitimado por condutas como gritar, ofender, insultar, humilhar e ameaçar, que constituem formas de violência
psicológica. Os resultados do estudo ABUEL coincidem com os do Envelhecimento e Violência no que concerne aos
escalões etários mais jovens, mas diferem no restante, indicando que as pessoas idosas com 80 ou mais anos não
são as mais vitimadas149.
Neste tipo de violência, as vítimas são sobretudo casadas e sem rendimentos. Embora se tenha destacado
maior prevalência de violência psicológica na população com alguma incapacidade, não se encontrou qualquer
associação estatisticamente significativa segundo situação familiar, estado de saúde e o nível de escolaridade.
No que diz respeito à idade das vítimas não há diferenças significativas, situando-se o valor de prevalência mais
baixo nos 0,5% (80-84 anos) e o mais elevado nos 0,9% (65-69 anos).
147
Soares (n.º 77)
no estudo.
42
notar que enquanto se estima que 7% das mulheres tenha sofrido alguma conduta de violência económico-
financeira, este valor decresce somente para 5,3% no caso dos homens, implicando que as diferenças verificadas
com base no sexo das vítimas deste tipo de violência não são estatisticamente significativas.
É pertinente então, nesta parte, apresentar as conclusões do estudo ABUEL, que indicam que as vítimas de violência
económico-financeira são sobretudo homens. Os resultados deste estudo coincidem com os do Envelhecimento e
Violência quanto à análise do estado civil das vítimas e escalão etário mais afetado (80-84 anos de idade).
Saliente-se que os resultados do estudo ABUEL demonstram que Portugal apresenta os maiores índices de
prevalência deste tipo de violência de todos os países envolvidos no estudo: a média é de 3,8%, ao passo que o
nosso país apresenta uma taxa de 7,8% (9,6% para os homens e 6,6% para as mulheres versus 4,1% e 3,7% para a
média dos homens e mulheres).
Os resultados do Envelhecimento e Violência revelam ainda a existência de associações entre o estado de saúde e os
níveis de incapacidade, sendo a prevalência de violência económico-financeira superior no caso de pessoas idosas
com pelo menos uma doença crónica ou com necessidade de ajuda para realizar alguma atividade da vida diária (AVD).
Os estudos do projeto Envelhecimento e Violência e o estudo ABUEL não indicam quaisquer dados relativos
à prevalência de negligência nem abandono. Cremos que tal parte da reconhecida dificuldade em estudar
a incidência daqueles fenómenos, dada a inadequação dos inquéritos de base populacional: aqueles
mais vulneráveis são os que enfrentam maior risco de serem vítimas de negligência ou abandono e
concomitantemente são aqueles estão mais socialmente isolados, que menos recorrem a serviços de apoio e a
quem é mais difícil chegar e, por consequência, integrar em amostras populacionais para estudos empíricos.
150
Cf. O abandono
43
9. Consequências da violência contra pessoas idosas
Inicialmente reconhecido como um problema social e de saúde pública, a violência contra pessoas idosas é hoje
também identificada como uma questão de justiça criminal, tendo consequências para diversos setores da sociedade.
Este tipo de violência tem, inevitavelmente, consequências para a saúde, bem-estar e qualidade de vida das vítimas,
assim como para os familiares, amigos, vizinhos e outras pessoas próximas daquelas que não o/a agressor/a151.
Perceber as consequências da violência contra as pessoas idosas é pertinente não apenas para fundamentar a
urgente necessidade de conceber políticas públicas concertadas que tutelem os direitos das vítimas, mas também
para quantificar e demonstrar os custos de saúde e os custos económicos que podem ser evitados se tais políticas
forem criadas e implementadas152.
151
Risa Breckman e outros, “When
Helping Hurts: Non-abusing Family, 9.1. Consequências para as vítimas
Friends, and Neighbors in the Lives
of Elder Mistreatment Victims” (2016)
58(4), Gerontologist (2018), 719. Têm sido identificados vários efeitos adversos para a saúde de pessoas idosas vítimas de crime e violência.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ Quando comparadas com pessoas idosas que não sofreram qualquer tipo de violência, aquelas apresentam maior
articles/PMC6044408/pdf/gnw257.
pdf (consultado a 17-11-2019) risco de mortalidade, maior probabilidade de vir a experienciar uma deficiência e/ou sintomas de depressão,
maior probabilidade de serem hospitalizadas e maior risco de perder autonomia153. Pessoas idosas vítimas de
152
Raudah Mohd Yunus e outros,
“Consequences of Elder Abuse
violência reportam, igualmente, experienciar problemas de sono mais graves, dor crónica e intenções suicidas154,
and Neglect: A Systematic Review bem como baixa auto estima, medo e ansiedade155.
of Observational Studies” (2017),
20(2) Trauma, Violence & Abuse
(2019), 197 https://www.academia. Qualquer ato de violência tem consequências para a sua vítima. No entanto, como admite a OMS, a violência
edu/35229076/Consequences_
contra pessoas idosas pode ter repercussões particularmente sérias. Fisicamente, as pessoas idosas tendem a ser
of_Elder_Abuse_and_Neglect
(consultado a 17-11-2019) mais vulneráveis do que adultos mais jovens e mesmo uma lesão de pequena dimensão pode resultar em danos
permanentes. Adicionalmente, as pessoas idosas experienciam maiores períodos de convalescença. Também a
153
Ibid.
representação psicológica da vitimação e da possibilidade de recuperação, física mas essencialmente emocional,
154
Ibid. difere entre as pessoas idosas e pessoas mais jovens. A idade e a menor esperança de vida podem levar as pessoas
155
Sílvia Fraga e outros, “Lifetime
idosas vítimas de crime e violência a desistirem da sua recuperação ou a perderam a esperança na mesma156,
Abuse and Quality of Life among aumentando-se o risco de depressão e isolamento.
Older People” (2017), 42(4) Health &
Social Work 215 https://repositorio-
aberto.up.pt/handle/10216/111646 Importa ainda perceber que a relação entre os vários tipos de violência perpetrados contra pessoas idosas e
(consultado a 17-10-2019)
as suas consequências para a saúde – física e mental –, para o bem-estar e qualidade de vida das vítimas nem
156
Organização Mundial de Saúde, sempre é direta e linear157. Esta relação é determinada pela correlação entre os fatores de risco da violência158
Serviço Regional para a Europa, - estudos indicam, por exemplo, que pessoas idosas com mais elevados níveis de depressão e menores redes
“European report on preventing
elder maltreatment” (2011) http:// sociais apresentam maior probabilidade de mortalidade após uma situação de violência159 – e determinantes
www.euro.who.int/__data/assets/ sociodemográficos, como o género, etnia, rendimentos, entre outros – as mulheres idosas vítimas de violência física
pdf_file/0010/144676/e95110.pdf
(consultado a 17-10-2019)
apresentam maiores níveis de ansiedade comparativamente aos homens vítimas de violência física, por exemplo160.
157
Yunus (n.º 152)
Num estudo realizado recentemente em Portugal, 454 vítimas de violência, com idades compreendidas entre os
Cf. Fatores de risco da violência
158
60 e mais de 80 anos, reportaram as emoções e sentimentos que a vitimação lhes causou. Os sentimentos mais
contra pessoas idosas
frequentes foram medo (em 34% dos casos) e tristeza (em 33% dos casos), seguindo-se outros como raiva, solidão,
159
W. Q. Dong e outros, “Elder ódio ou humilhação. O estudo concluiu que aqueles/as que eram violentados pelos/as seus/suas descendentes
Abuse and Mortality: The Role of reportaram menos raiva, vergonha e ultraje do que aqueles/as vitimados pelos/as seus cônjuges, sugerindo que
Psychological and Social Wellbeing”
(2010), 57(6) Gerontonlogy 549, nos casos de violência de filhos/as ou netos/as contra pais ou avós, existe um maior sentido de responsabilização a
apud Yunus (n.º 152) par de um sentimento de maior proteção do/a agressor/a161.
160
Yunus (n.º 152)
Sem esquecer que a prevenção da violência desde cedo é a melhor ferramenta para a mitigação das
161
Ana João Santos e outros,
“Older adults’ emotional reactions
consequências do fenómeno da violência contra pessoas idosas, afigura-se, de qualquer forma, que quaisquer
to elder abuse: Individual and ações que se proponham a mitigar as consequências da violência na saúde, bem-estar e qualidade de vida de uma
victimisation determinants” (2018),
pessoa idosa não podem ignorar a relação entre os vários determinantes acima mencionados. Isto significa que
Health Soc Care Community, 1
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/ qualquer intervenção potencialmente eficaz junto das vítimas terá de ser, tendencialmente, interdisciplinar.
abs/10.1111/hsc.12673 (consultado a
30-01-2020)
44
FRAGILIZAÇÃO DOS LAÇOS
9.2. Consequências para os familiares, cuidadores/as e FAMILIARES
pessoas próximas das vítimas
A violência contra pessoas idosas não tem impacto apenas nas vítimas mas, igualmente, nos seus familiares,
cuidadores/as, amigos, vizinhos, e outras pessoas próximas. Referimo-nos a este grupo de pessoas, do qual
excluímos o/a agressor/a, como “pessoas interessadas”.
Apesar de ter vindo a ser dispensada menos atenção científica e investigativa às consequências da violência
contra pessoas idosas para estes grupos de pessoas interessadas, alguns estudos indicam que estas experienciam
uma série de problemas emocionais e de índole prática quando têm conhecimento ou se vêm envolvidos numa
situação de violência contra a pessoa idosa com quem mantêm uma relação afetiva162.
A partir daquele momento, as pessoas interessadas focam-se nas necessidades da vítima podendo, como em
qualquer outra situação de prestação de ajuda e/ou de cuidados, negligenciar a sua própria saúde, pôr em risco as
suas relações pessoais e a sua vida profissional, bem como experienciar elevados níveis de stress e depressão163.
Quando se trata de um crime e este é reportado às autoridades, quer pela vítima, quer por uma pessoa
interessada, quer por um/a terceiro/a, alguma ou algumas das pessoas que constituem a rede familiar e social
mais alargada podem ser chamadas a assistir a vítima, por exemplo, recolher e apresentar documentação,
prestar apoio financeiro, providenciar alojamento, ativar mecanismos legais como o processo especial de
acompanhamento de maiores ou o processo de fixação de alimentos, entre outros. Esta intervenção tem,
inevitavelmente, um impacto significativo na pessoa interessada que é requerida, que se revela especialmente
grave se aquela for chamada a intervir de forma súbita, sem tempo para se preparar devidamente (em termos
emocionais e práticos) para a nova realidade de assistência e apoio.
A violência intrafamiliar praticada contra pessoas idosas pode, ainda, resultar na perpetuação de comportamentos
violentos na família. A título de exemplo, pense-se numa criança que observa o seu pai ou a sua mãe a violentar
um avô ou uma avó. Esta criança normalizará este comportamento violento e quando aqueles/as agressores/as
envelhecerem poderão ser sujeitos, por parte dos/das seus/suas filhos/as, aos mesmos comportamentos violentos
que em tempos infligiram ao(s) seu(s) progenitor(es).
A violência no seio familiar resulta também na fragilização dos laços familiares e na perpetuação de conflitos,
o que tem potencialmente consequências emocionais para todos os membros da família e outras pessoas
interessadas. Não obstante a maioria da violência contra pessoas idosas ocorrer no seio familiar, é preciso atentar
que é perpetrada por um ou dois membros da família e não pela família em bloco, mas esta acaba por ser afetada:
a pessoa idosa vítima de violência pode distanciar-se do resto da família na sequência da vitimação, o que traz aos
demais familiares um sentimento de impotência ou até culpabilização.
Apesar da referida escassez de investigação no que diz respeito às consequências da violência contra pessoas idosas na
saúde, bem-estar e qualidade de vida das pessoas interessadas com quem aquelas mantêm uma relação de afetividade,
bem como para as relações familiares, as iniciativas de prevenção e resposta a este fenómeno não podem ignorar
que estas pessoas são também afetadas pela violência. Assim, tais iniciativas devem ter em conta estes grupos, não
descurando a importância que estas pessoas e a sua assistência podem ter na recuperação da vítima nem obliterando os
danos para a saúde das mesmas que a violência, ainda que tenha como vítima outra pessoa, pode ter nelas.
Para basear tais respostas em dados empíricos que melhor nos permitam
compreender este tipo de consequências da violência contra pessoas idosas, é
imprescindível aumentar o estudo e investigação científica focada nos familiares,
amigos, vizinhos e outras pessoas da rede social da vítima idosa.
162
Breckman (n.º 151)
163
Ibid.
45
9.3. Consequências para a sociedade
Apesar de a investigação sobre os custos sociais da violência contra pessoas idosas ser ainda muito escassa,
sabemos que, tal como noutras formas de violência, esta tem consequências profundas, diretas e indiretas, para
a sociedade164. Estas consequências são os chamados “custos sociais” da violência, i.e. os custos que a sociedade
como um todo acarreta em resultado de casos de violência contra pessoas idosas.
Normalmente estes custos sociais são associados, desde logo, ao aumento da despesa pública relacionado com
a maior necessidade de recurso a serviços de saúde e serviços sociais por parte das pessoas idosas vítimas de
crime e violência165. No entanto a despesa pública é apenas um dos componentes dos custos sociais associados à
violência contra pessoas idosas.
“Os custos sociais da violência contra pessoas idosas correspondem aos efeitos tangíveis e intangíveis daquela
violência para as próprias pessoas idosas, para as suas famílias e amigos, para comunidade e para as empresas.”
Charmaine Spence, “Exploring the Social and Economic Costs of Abuse in Later Life” (2000)
Num estudo produzido para a Health Canada, a agência governamental para a saúde pública do Canadá,
Charmaine Spencer avança com uma proposta de modelo de medição do custo social da violência contra pessoas
idosas166. Neste estudo, a Autora justifica a importância de tal modelo enfatizando a potencial contribuição
positiva do estudo aprofundado dos custos socias da violência contra pessoas idosas para a avaliação e construção
de políticas públicas nesta área167.
Na base deste modelo está a divisão dos custos sociais em custos tangíveis – aqueles a que é possível associar
um valor económico, por exemplo, o custo da hospitalização ou o custo da formação de profissionais – e os custos
intangíveis – aqueles a que não se atribui facilmente um valor monetário, como o comprometimento de normas
sociais e a quebra de laços familiares e comunitários168.
Os encargos com serviços de deteção e resposta a casos de violência, com a formação de profissionais e com
a reabilitação quer das vítimas, quer dos/as agressores/as contribui, igualmente, para aquele aumento de
despesa169. Em particular, no âmbito do sistema de justiça, também os custos com a compensação a vítimas de
crime contribuem para o acréscimo da despesa.
A Autora chama ainda a atenção para o facto de que para a medição dos custos sociais da violência contra pessoas
idosas não importar apenas a quantificação dos gastos incorridos mas também os custos de oportunidade, explicando
que o maior financiamento de uma determinada área ou serviço significa um menor financiamento de outra(s)170.
Segundo o modelo proposto, os custos sociais da violência contra pessoas idosas dividem-se em quatro áreas principais:
164
Charmaine Spencer, “Exploring the
Social and Economic Costs of Abuse
in Later Life” (2000), University Custos com
Library of Munich, Germany Custos de
serviços
https://ideas.repec.org/p/wpa/ saúde
wuwple/0004006.html (consultado comunitários
a 17-10-2019)
165
Organização Mundial de Saúde, Custos de
Serviço Regional para a Europa
(n.º 156)
Custos com prevenção,
a justiça educação e
Spencer (n.º 164)
investigação
166
167
Ibid.
168
Ibid.
169
Organização Mundial de Saúde,
Figura 4 — As áreas dos custos sociais da violência contra pessoas idosas. Fonte: Charmaine Spencer,
Serviço Regional para a Europa ‘Exploring the Social and Economic Costs of Abuse in Later Life’ (2000), University Library of Munich, Germany.
(n.º 156)
170
Spencer (n.º 164)
46
Os custos de saúde são aqueles habitualmente apontados pela literatura e aqueles mais reconhecidos pela
sociedade. De facto, como anotámos anteriormente, a violência contra pessoas idosas contribui para mais elevadas
taxas de hospitalização e de medicação, maior necessidade de utilizar serviços de saúde pública e uma maior e
mais precoce necessidade de institucionalização. Adicionalmente, no âmbito da saúde, deve ainda salientar-se a já
mencionada prematura mortalidade das pessoas idosas vítimas de crime, bem como os efeitos emocionais, sociais
e financeiros que essa perda tem nos seus familiares e amigos171.
Os custos com serviços comunitários prendem-se com o potencial maior recurso por parte das pessoas idosas
vítimas de crime e violência aos serviços sociais de base comunitária, que no nosso país são os que se encontram
elencados na Figura 5:
Serviço de apoio
Centro de convívio Centro de dia
domiciliário
Estruturas residenciais
Centro de noite Acolhimento familiar para pessoas idosas
(ERPIs)
Figura 5 — Respostas de apoio social para pessoas idosas. Fonte: http://www.seg-social.pt/idosos (consultado
a 17 outubro 2019)
O estudo em análise sublinha que estes custos, no Canadá, poderiam ser ainda mais elevados, no entanto, 30% a
40% das pessoas idosas vítimas de violência declinam a sua utilização, em parte devido ao estigma associado a estas
respostas e à própria violência, e em parte devido à desadequação das respostas sociais às reais necessidades das
vítimas. Tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem em Portugal dados que permitam fazer uma afirmação
semelhante. Sabe-se contudo que, apesar de muitas das respostas sociais, particularmente as ERPI, apresentarem
longas listas de espera – demonstrando que não existem respostas suficientes para as pessoas idosas que as
procuram –, muitas pessoas idosas vítimas de crime não recorrem a qualquer resposta social. Este facto poderá
dever-se, como no caso canadiano, ao estigma associado a estas, à desadequação das mesmas às necessidades de
grande parte da população idosa, nomeadamente a população idosa mais autónoma e ativa, bem como à falta de
conhecimento e informação sobre as mesmas. Conclui-se, assim, que se todas as pessoas idosas vítimas de crime
recorressem às respostas sociais, os custos das mesmas representariam uma maior fatia da despesa pública.
Para além das respostas sociais, há ainda que considerar no âmbito dos serviços comunitários outro tipo
de respostas, como serviços de apoio à vítima, casas de abrigo, aconselhamento jurídico e apoio judiciário,
mencionando apenas alguns exemplos, que necessitam de ser financiados e representam maiores custos quanto
maior for a incidência da violência contra pessoas idosas.
Uma vez que a população está a envelhecer, os clientes de várias empresas privadas, por exemplo, de
instituições bancárias, seguradoras e empresas do setor imobiliário, estão, também, a envelhecer.
As instituições bancárias estão a lidar cada vez mais com situações de violência financeira contra pessoas
idosas, o que implica crescentes gastos com a formação dos/as colaboradores/as destas instituições para
prevenir e reagir àqueles casos, com a investigação de queixas apresentadas por pessoas idosas e com os
processos iniciados contra as próprias instituições pelas pessoas idosas ou seus/suas familiares.
171
Ibid.
47
Quanto aos custos com a justiça sabe-se que os processos penais podem ter elevados custos para o Estado172, por
exemplo em recursos humanos e na indemnização de vítimas de crimes violentos ou de violência doméstica173.
As Estatísticas da Justiça não permitem, no entanto, por não desagregarem os dados de acordo com a idade da
vítima e por não contemplarem na sua secção de temas174 a violência contra pessoas idosas, quantificar o número
de processos que dizem respeito a crimes cometidos contra pessoas idosas e, consequentemente, perceber qual
o custo da violência contra pessoas idosas para a Justiça. Todavia deve sublinhar-se que mesmo que tal fosse (e
bem) possível, os custos não representariam o verdadeiro custo da violência contra pessoas idosas uma vez que
este fenómeno é ainda muito invisível e muitas das vítimas não apresentam queixa ou denunciam o crime às autoridades.
Apesar de a violência contra pessoas idosas ser ainda, como se referiu, um fenómeno pouco visível, é cada vez
maior o seu reconhecimento como um problema transversal à sociedade portuguesa. Assim sendo, é também
cada vez maior o reconhecimento da necessidade de sensibilizar o público e formar os profissionais para
prevenir, detetar e responder adequadamente a situações de violência contra pessoas idosas. Isto significa,
inevitavelmente, maiores custos de prevenção, educação e investigação, que deverão somar-se aos anteriormente
apontados custos sociais da violência contra pessoas idosas.
Conclui-se, assim, que para além das consequências para as vítimas e para as suas famílias, amigos e vizinhos,
que são deveras importantes e não devem nunca ser obliteradas, a violência contra pessoas idosas tem elevados
custos sociais. Para consciencializar o público e para avaliar as políticas públicas que deverão surgir na área do
envelhecimento e do combate à violência contra pessoas idosas, é imprescindível quantificar estes custos sociais
através da realização de estudos e investigações que nos permitam calcular todas as suas componentes.
172
Entre os anos de 2016 e 2018,
15% dos processos entrados nos
tribunais judiciais de 1ª instância
eram processos penais. Estatísticas
da Justiça https://estatisticas.justica.
gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/
tribunais.aspx (consultado a 17-10-
2019)
173
Lei n.º 104/2009, de 14 de
setembro que aprova o regime de
concessão de indemnização às
vítimas de crimes violentos e de
violência doméstica. No ano de
2017 a Comissão de Proteção às
Vítimas de Crime terá concedido
indemnizações a vítimas de crimes
violentos e de violência doméstica
no valor total de 854.292,00€.
Comissão de Proteção às Vítimas de
Crime, https://cpvc.mj.pt/ (consultado
a 06-11-2019)
174
Direção-Geral da Política de
Justiça, “Estatísticas da Justiça –
Temas” https://estatisticas.justica.gov.
pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Temas.
aspx (consultado a 17-10-2019)
48
10. Legislação específica para a proteção das pessoas PRINCÍPIO DA NÃO
idosas DISCRIMINAÇÃO
As pessoas idosas e a promoção e proteção dos seus direitos estão abrangidas pelos tratados gerais que compõem
o sistema internacional de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reconhece que
todos os seres humanos têm direitos pela simples razão de serem seres humanos, independentemente da sua HelpAge International, “Towards a
175
respeitar e garantir os direitos humanos de todas as pessoas sem qualquer tipo de distinção. 176
Fleur van Leeuwen, “The United
Nations and the Promotion and
Protection of Women’s Human
Apesar de o princípio da não discriminação estar incluído em todos os tratados genéricos de direitos humanos, alguns Rigths: a Work in Progress” em
ativistas pela promoção dos direitos das pessoas idosas consideram que estes instrumentos e os mecanismos de proteção Ingrid Westendorp (ed.), The
que deles resultaram não protegem nem promovem de forma adequada os direitos da população idosa. Estes ativistas Women’s Convention Turned 30
– Achievements, Setbacks, and
defendem que a criação de um único instrumento, uma nova convenção internacional sobre os direitos das pessoas idosas, Prospects (Maastricht Centre for
é a forma mais eficaz de assegurar que todas as pessoas exercem e desfrutam dos seus direitos humanos na velhice175. Human Rights, Intersentia, Cambridge
– Antwerp – Portland, 2012)
Remetendo-nos para os argumentos que justificaram a criação de outros tratados especializados, como a 177
Ibid.
Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, é possível compreender as Open-ended Working Group on
178
reivindicações destes ativistas. Os tratados gerais de direitos humanos operam, segundo vários Autores, na base Ageing (OEWG), “Strengthening
Older People’s Rights: Towards a
da igualdade formal entre as pessoas que tem em conta a similaridade (sameness, em Inglês) entre os seres UN Convention - A resource for
humanos176. Ora, a desvantagem desta estratégia é que muitas pessoas, incluindo pessoas idosas, não são de facto promoting dialogue on creating a
similares porque não vivem vidas iguais. Segundo aqueles que consideram a tutela dos tratados genéricos de new UN Convention on the Rights of
Older Persons” https://social.un.org/
direitos humanos insuficiente, o conceito de similaridade faz com que o sistema de direitos humanos das Nações ageing-working-group/documents/
Unidas não tenha em conta estas diferenças e não tenha capacidade para corrigir as estruturas que perpetuam a Coalition%20to%20Strengthen%20
the%20Rights%20of%20Older%20
discriminação177. Em especial no caso da discriminação contra as pessoas idosas, aqueles que defendem a criação People.pdf (consultado a 04-12-2019)
de uma convenção especializada realçam que as cláusulas de proibição da discriminação daqueles tratados
179
van Leeuwen (n.º 176)
genéricos não incluem especificamente a idade como uma característica com base na qual as pessoas não devem
ser discriminadas178. Estes Autores e ativistas argumentam, ainda, que apesar de existirem vários documentos 180
Por norma, os tratados de direitos
humanos, gerais ou especializados,
internacionais e regionais que tutelam os direitos das pessoas idosas, esta tutela é dispersa e não é sistemática. prevêem a criação de mecanismos
de monitorização da implementação
No outro lado da contenda, há quem defenda que a criação de tratados especializados, incluindo um sobre os direitos das de tais tratados.
pessoas idosas, tem ou poderá ter um efeito perverso, resultando na marginalização dos direitos das pessoas que tal tratado O órgão responsável pela
181
visa tutelar, bem como na atomização das questões dos direitos humanos e na criação de ghettos de ativismo que perderão monitorização da implementação
do Pacto Internacional sobre
tanto mais força quanto mais divididos e separados estiverem179. Nesta linha de pensamento, argumenta-se que a criação os Direitos Civis e Políticos é o
de mecanismos, como Comités ou Relatores/as Especiais, para a monitorização dos direitos humanos180 que se foquem em Comitê de Direitos Humanos,
enquanto o órgão responsável pela
grupos específicos faz com que os Comités dos tratados genéricos181 não dispensem a atenção necessária à aplicação das monitorização da implementação do
normas dos tratados que monitorizam àqueles grupos ou às violações de direitos humanos contra os mesmos182. Pacto Internacional para os Direitos
Económicos, Sociais, e Culturais é
o Comité de Direitos Económicos,
Aqueles que defendem que a criação de uma convenção própria sobre os direitos das pessoas idosas seria Sociais e Culturais.
contraproducente no âmbito da proteção e promoção destes direitos, defendem uma outra solução que passa pela 182
van Leeuwen (n.º 176)
49
generalização do tratamento de questões relacionadas com grupos específicos, o chamado mainstreaming dos direitos
humanos, ou seja, a integração das questões relacionadas com estes grupos na atividade, nas estruturas e mecanismos já
existentes nas Nações Unidas183. Nesta senda, o Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), recomendou
aos Estados Parte dos vários tratados sobre direitos humanos, no seu relatório de follow-up da Segunda Assembleia
Mundial sobre Envelhecimento, em 2011184, que se esforcem para incorporar explicitamente a situação das pessoas idosas
nos relatórios periódicos que apresentam aos órgãos de monitorização de cada tratado. Estes órgãos, por sua vez, devem
abordar de forma regular e sistemática os direitos das pessoas idosas nas suas avaliações e recomendações.
Não obstante esta discussão atual, como já mencionado, existem instrumentos internacionais e regionais que
versam sobre os direitos humanos das pessoas Idosas. Em 1991 a ONU, pela Resolução 46/91 da Assembleia
Geral, de 16 de dezembro, adotou os Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas, que encoraja os
Governos nacionais a consagrá-los nas suas políticas sempre que possível. Em 2002 foi assinada a Declaração
Política e Plano de Ação Internacional de Madrid sobre o Envelhecimento, que veio trazer força ao consenso
político sobre a necessidade de endereçar o envelhecimento populacional. Contudo estes diplomas não são
convénios como os acima referidos, não tendo qualquer força obrigatória, deixando a incorporação dos princípios
nos programas dos Governos sob a discricionariedade dos mesmos.
No contexto da União Europeia, o artigo 25.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia determina o
reconhecimento e o respeito pelos direitos das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua
participação na vida social e cultural, porém a concretização deste direito tem vindo a ser um processo lento no
âmbito da UE185.
Já a Carta Social Europeia prevê especificamente o direito das pessoas idosas a uma proteção social186, todavia não tem
183
Ibid.
força de lei, servindo as suas normas apenas como critérios interpretativos ou para reforço das decisões judiciais187.
184
Escritório do Alto-Comissário
das Nações Unidas para os Direitos
No âmbito penal, na Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2012 que estabelece
Humanos, “Human rights of older normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-
persons” (s/d) https://www.ohchr.
Quadro 2001/220/JAI do Conselho188, a idade é uma das características pessoais a ter em conta aquando da avaliação
org/en/issues/olderpersons/pages/
olderpersonsindex.aspx (consultado das necessidades específicas das vítimas de crime, mas esta previsão é válida tanto para as pessoas idosas como para
a 17-12-2019) os menores de idade. Acresce que a idade per se revela muito pouco acerca das necessidades específicas da vítima.
185
A única exceção é a Directiva
2000/78/CE do Conselho, de Admitindo que a criação de uma convenção sobre os direitos das pessoas idosas poderia ser útil no combate
27 de Novembro de 2000, que
estabelece um quadro geral de
à fragmentação dos instrumentos atualmente existentes e estabeleceria obrigações legais vinculativas sobre
igualdade de tratamento no emprego os seus Estados Parte – criando padrões mínimos na promoção e efetivação daqueles direitos – ao mesmo
e na atividade profissional. Esta
Diretiva estabelece a proibição de
tempo não exonerando os órgãos responsáveis pela monitorização dos tratados de direitos humanos genéricos
discriminação com base na idade, da responsabilidade de terem em conta a situação das pessoas idosas na sua atuação, consideramos que tal
ainda que não de forma absoluta.
convenção é bem-vinda. No entanto não é necessário esperar pela sua eventual criação para que se confrontem
Agência para os Direitos Fundamentais
da União Europeia (n.º 137) os Estados com as obrigações internacionalmente estabelecidas em relação à proteção dos direitos das pessoas
idosas e da não discriminação das mesmas em razão da idade, obrigações essas já explanadas nos instrumentos
Artigo 23.º da Carta Social
186
Europeia, que Portugal assinou em acima referidos. A inexistência de tal convenção no sistema internacional de direitos humanos também não pode
1996 e entrou em vigor no nosso significar que não devam os Estados adotar uma perspetiva dos direitos humanos na elaboração de legislação e
país em 2002.
políticas públicas que digam diretamente respeito ou de alguma forma influenciem a vida das pessoas idosas,
187
Maria Paula Ribeiro de Faria, questão mais profundamente abordada à frente189.
“A Proteção Social das Pessoas
Idosas na Carta Social Europeia
Revista, no Código Europeu da
Segurança Social e no Direito
Português” (2017), Monográfico 1,
10.2. Legislação de âmbito nacional
Lex Social, 302 https://www.upo.es/
revistas/index.php/lex_social/article/ Em Portugal os direitos das pessoas idosas não são tutelados por um diploma legal específico, embora outros
view/2589/2033 (consultado a
28-10-2019) ordenamentos jurídicos próximos do português, designadamente o espanhol e o francês, tenham criado
legislação que tutela especificamente os direitos das pessoas idosas.
188
Diretiva 2012/29/UE do
Parlamento Europeu e do Conselho,
de 25 de outubro de 2012, que Em França, a Lei n.º 2015-1776 de 28 de dezembro de 2015 relativa à adaptação da sociedade ao envelhecimento190
estabelece normas mínimas relativas
aos direitos, ao apoio e à proteção
define o quadro jurídico das instituições e serviços para idosos dependentes e alicerça-se em três pilares:
das vítimas da criminalidade e
que substitui a Decisão-Quadro
1. Melhoria da vida quotidiana das pessoas idosas;
2001/220/JAI do Conselho
2. Melhoria das condições de trabalho dos/as cuidadores/as;
Cf. Alterar o paradigma: uma
189
3. Prevenção da perda de autonomia.
perspetiva de direitos humanos
50
Este diploma abrange seis grandes áreas de atuação:
Nota-se que esta lei compreende variados campos de atuação, ainda que a ênfase seja colocada nas pessoas
idosas dependentes dos cuidados prestados por outrem.
No que concerne ao ordenamento jurídico espanhol, a Lei n.º 39/2006, de 14 de dezembro adotou o regime
jurídico e promoção da autonomia pessoal e atenção às pessoas em situação de dependência, criando o Sistema
de Autonomia e Assistência à Dependência (SAAD). Este regime visa o desenvolvimento dos serviços sociais,
promovendo o avanço do modelo de Estado Social, sendo o objetivo do SAAD a garantia das condições básicas e a
dos níveis de proteção previstos na Lei.
Segundo a exposição de motivos da Lei, esta justifica-se, em parte, pelas alterações demográficas resultantes num
aumento da população com mais de 65 anos e na duplicação da população com mais de 80 anos num período de
20 anos. Contudo também esta lei não se foca apenas nas pessoas idosas, mas em todas as pessoas dependentes,
entre as quais se podem encontrar algumas pessoas idosas.
No que concerne ao nosso ordenamento jurídico, a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo
72.º, n.º 1, impõe a garantia de segurança económica e condições de habitação e convívio familiar e comunitário
das pessoas idosas, o respeito pela sua autonomia pessoal e o combate ao isolamento ou a marginalização social.
O n.º 2 do mesmo artigo determina que “[a] política de terceira idade engloba medidas de carácter económico,
social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma
participação ativa na vida da comunidade”.
191
Faria (n.º 187)
Deste normativo não decorre a obrigação de criar legislação específica que tutele os direitos enumerados,
pelo que tratar-se-á de uma opção do legislador ordinário. Acresce que, tratando-se de direitos sociais, não são 192
Renato Barroso refere-
diretamente oponíveis ao Estado191. Sem prejuízo, existem já vários mecanismos previstos na lei que pretendem se a estes como “diplomas
incoerentes, medidas atomizadas e
assegurar a proteção dos direitos das pessoas idosas192 e que vale a pena mencionar, ainda que de forma sumária. descoordenadas, que não refletem
nem promovem, os direitos daqueles
que atingem idades mais avançadas.”
O Código Civil determina que filhos/as e progenitores/as se devem mutuamente respeito, auxílio e assistência193, Barroso (n.º 34)
compreendendo este dever a obrigação de prestar alimentos194 e a de contribuir para os encargos da vida comum 193
Relativamente aos cônjuges,
quando haja coabitação (cf. artigo 1874.º do Código Civil). Acresce que a violação da obrigação de alimentos por o Código Civil prevê os deveres
quem esteja em condições de a satisfazer constitui um crime, nos termos do artigo 250.º do Código Penal. mútuos de respeito, fidelidade,
coabitação, cooperação e
assistência (cf. artigo 1672.º).
O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, criado pela Lei n.º 49/2018, estabelece que aqueles/as que se Focamo-nos aqui nos/as
encontrem incapazes de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou cumprir os seus deveres, por descendentes por considerar que
geralmente as pessoas idosas casadas
razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento podem beneficiar de medidas de acompanhamento. O novo são-no com outras pessoas também
artigo 140.º do Código Civil, introduzido na sequência desta Lei, determina que o acompanhamento visa assegurar o idosas, acreditando que quando
um dos cônjuges se encontrar em
bem-estar e o exercício de todos os direitos e o cumprimento de deveres do/a acompanhado/a, sempre no respeito da situação de carência de proteção,
autonomia deste/a e só podendo ser decretado quando outras medidas menos gravosas não cumpram o objetivo. o mesmo estará provavelmente a
acontecer com o outro.
Além destes institutos jurídicos, existem respostas sociais que visam tutelar os direitos das pessoas idosas,
nomeadamente as ilustradas na figura 5, indo ao encontro do disposto no artigo 72.º da CRP. 194
Nos termos do disposto no
artigo 2003.º, n.º 1 do Código
Civil, alimentos é tudo o que for
O Estado, através da Segurança Social, prevê ainda uma gama de subsídios e pensões, aos quais as pessoas indispensável ao sustento, habitação
e vestuário.
51
LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA
idosas podem aceder, nomeadamente: complemento por dependência, pensão de velhice, pensão social de
velhice e rendimento social de inserção195.
Atendendo ao exposto, parece que a pessoa idosa que se encontre numa situação de incapacidade para se autossustentar
ou que tenha perdido a sua autonomia (em todo ou em parte) está protegida por vários instrumentos legais.
É pertinente questionar a necessidade de, no panorama da sociedade portuguesa atual, criar legislação que
vise especificamente proteger e promover os direitos das pessoas idosas.
A aprovação de legislação que tutelasse especificamente os direitos das pessoas idosas poderia representar uma
forma de o Estado se mostrar empenhado na criação de uma política de terceira idade, tal como prevista no artigo
72.º, n.º 2 da Constituição.
Pode argumentar-se também ser mais fácil atuar politicamente, criando este tipo de legislação do que alterar as normas
já existentes para ir ao encontro do disposto na CRP. Um diploma no qual fossem enumerados os direitos das pessoas
idosas e no qual fosse exigido o respeito pelos mesmos teria o potencial de empurrar a sociedade para a direção certa,
isto é, representaria um esforço na construção de uma sociedade que respeita as pessoas idosas e os seus direitos.
Cremos contudo que a existência de legislação não significa o seu cumprimento e, por outro lado, uma política de
terceira idade não depende de uma lei, mas antes da efetiva concretização de medidas protetoras dos direitos dos
cidadãos idosos. No que concerne a estes direitos, há que esclarecer que estes são os mesmos direitos dos demais
cidadãos, já tutelados constitucionalmente.
Acresce que a individualização dos direitos das pessoas idosas poderia vir a resultar numa política discriminatória,
em dois momentos. Num primeiro momento por se considerar que as pessoas idosas fazem parte de um grupo
homogéneo, que apresenta iguais vulnerabilidades e, como tal, deve ser protegido. Noutro momento, poderia
agravar a marginalização que se verifica em relação a muitas pessoas idosas, acentuando a separação existente
entre as camadas mais velhas da população e as gerações mais jovens.
Mais importante do que a aprovação de diplomas legais é a criação de um ambiente que não seja hostil para as
pessoas idosas, o que implica uma mudança de paradigma e de cultura enraizados na nossa sociedade – e que
não se alterará através de leis, mas antes através da consciencialização dos decisores políticos acerca do valor
das pessoas idosas e a sensibilização da sociedade no mesmo sentido. Devemos procurar a inclusão das pessoas
idosas na família e na sociedade, garantindo todos os mecanismos que lhes permitam desenvolver livremente a
sua personalidade, a sua autonomia, dependência, dignidade e participação196.
Outra questão, diferente da discutida até agora mas intimamente relacionada, seria a da pertinência de criar legislação
dedicada ao combate das vulnerabilidades de algumas pessoas idosas. Atendendo aos mecanismos já existentes
no ordenamento jurídico português acima referidos, cremos não se afigurar pertinente a criação de legislação à
semelhança da francesa ou espanhola: estes diplomas visam a tutela das situações de dependência, que podem ser já
enfrentadas pelos instrumentos previstos na lei portuguesa. Existindo já legislação cuja efetiva aplicação pode auxiliar
aqueles/as que experienciam algumas vulnerabilidades, há que apostar na formação dos/as profissionais que lidam
com os referidos instrumentos. Por exemplo, os/as profissionais da Segurança Social devem estar capacitados para
indicar às pessoas idosas que careçam de cuidados domiciliários as soluções disponíveis na sua área de residência,
devendo igualmente ser capazes de prestar aconselhamento sobre as mais adequadas. Outro exemplo prende-se
com os/as advogados/as, mas também assistentes sociais ou outros/as profissionais que trabalhem regularmente com
um público idoso, que devem conhecer as implicações das normas contidas no Código Civil (incluindo as que dizem
respeito ao novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado) de modo a auxiliarem as pessoas idosas a compreender o
seu sentido e consequências práticas, quando aquelas careçam de ajuda na compreensão.
195
Comissão Europeia - Direção-
Devemos esclarecer que não nos opomos à criação de um diploma legal que sirva de auxiliar ou como guia à interpretação
Geral do Emprego, dos Assuntos da legislação portuguesa que existe e à qual podem recorrer as pessoas idosas. Reconhecemos que a atual legislação é
Sociais e da Inclusão, “Os seus
direitos de segurança social em
dispersa, o que pode dificultar não só a sua aplicação como, a montante, o seu conhecimento por aqueles/as que a devem
Portugal” (2019), União Europeia aplicar, pelo que um diploma que oriente os/as profissionais poderá significar a correta aplicação da legislação existente.
https://ec.europa.eu/social/
O que temos vindo a dizer não obsta à criação de normas específicas que tutelem as vulnerabilidades que
BlobServlet?docId=13770&langId=pt
(consultado a 25-10-2019) experienciam algumas pessoas idosas. Ou seja, ainda que não defendamos a criação de uma legislação própria para
as pessoas idosas, reconhecemos que o princípio da igualdade exige um tratamento diferenciado do que for diferente,
196
Barroso (n.º 34)
52
pelo que as eventuais vulnerabilidades sentidas pelas pessoas idosas devem ser endereçadas especificamente,
assumindo os desafios colocados pela evolução demográfica. Neste sentido, é benéfico (e necessário) contemplar as
pessoas idosas na política de família, no direito sucessório, no direito fiscal ou nas ações de despejo, por exemplo.
No que concerne a legislação, podemos ainda colocar uma questão adicional: além das situações de dependência,
as pessoas idosas podem ser afetadas por outros tipos de vulnerabilidades, que prejudiquem a sua saúde, bem-
estar ou o livre desenvolvimento da sua personalidade. Assim, será a criação de legislação semelhante à Lei de
Proteção de Crianças e Jovens para as pessoas idosas justificada?
Olhando para a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo197, facilmente se conclui que as pessoas idosas
também podem encontrar-se em situação de perigo, tal como as descritas no artigo 3.º, n.º 2: podem estar
abandonadas198, sofrer várias formas de violência199, não receber os cuidados ou afeição adequados, ser mesmo
obrigadas a executar trabalhos ou atividades desajustados à sua condição ou ser sujeitas a comportamentos que
prejudiquem a sua segurança ou equilíbrio emocional.
A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo determina que as comissões de proteção de crianças e jovens
podem intervir juntos dos/as menores quando os seus pais, representantes legais ou quem os tenha à sua guarda
de facto os coloque em situação de risco, mediante consentimento escrito destes. O objetivo desta Lei é que
aquelas entidades protejam as crianças e jovens, retirando-as das situações de perigo causadas por aqueles/as que
têm o dever legal de os proteger, e que promovam os seus direitos. A proteção que se confere às crianças e jovens
justifica-se com a vulnerabilidade tendencialmente ligada à idade e ao desenvolvimento pessoal decorrente desta.
As pessoas idosas podem vivenciar situações de perigo, e por vezes tais situações são criadas pelos seus familiares,
carecendo de apoio para se libertarem. Porém falta um importante elemento que justifica a criação daquela legislação e
que, portanto, impede a sua transposição para o panorama das pessoas idosas: nestas a idade não significa vulnerabilidade;
as pessoas idosas são adultas e não estão necessariamente à guarda ou sob a responsabilidade de outrem, tendo a
possibilidade de exercer todos os direitos de que são titulares (o que não sucede com os menores). Com isto queremos dizer
que se as pessoas não regressam ao estado de infância por serem idosas então não precisam de ser protegidas, precisam
sim de ser capacitadas para agir no sentido de exercer os seus direitos e de se defenderem de situações de perigo.
Posto isto, não consideramos justificável a criação de legislação semelhante à Lei de Proteção de Crianças e Jovens
em Perigo para pessoas idosas. Sem embargo, reconhecemos que existem pessoas idosas que experienciam
múltiplas vulnerabilidades e que carecem de apoio, mas a forma de responder a estas necessidades terá de ser
diferente, conforme se explora de seguida200.
198
Cf. O abandono
O EXEMPLO ESPANHOL
Cf. Tipos de violência exercidos
199
Até à revisão de 2015, o artigo 619.º do Código Penal espanhol punia quem deixasse de prestar assistência ou sobre pessoas idosas
auxílio a uma pessoa idosa (edad avanzada) ou pessoa com deficiência que se encontrasse desamparada e 200
Cf. Uma resposta para a
dependesse dos cuidados daquele/a. vulnerabilidade das pessoas idosas
A Lei Orgânica 1/2015, de 30 de março, que alterou o Código Penal, veio revogar aquele artigo, por se considerar 201
Assim é de concluir que o
que a conduta nele prevista se subsume à previsão de omissão de socorro ou a um crime de resultado, quando legislador português considera
que a idade avançada e a idade
cometido por quem tinha o dever de garante da pessoa idosa (vendo-se obrigado a prestar-lhe assistência).
diminuta carecem de igual tutela. Rita
Assim, a tutela da prestação de auxílio ou assistência devidos a uma pessoa idosa deixou de estar autonomizada. Fonseca e outros, “Perspetivas atuais
sobre a proteção jurídica da pessoa
idosa vítima de violência familiar:
contributo para uma investigação em
A vulnerabilidade da vítima resultante da sua idade pode relevar em dois momentos: saúde pública” (2012), 30(2), Revista
Portuguesa de Saúde Pública, 149
http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpsp/
• Como agravante da conduta criminosa: se a vítima for uma pessoa particularmente indefesa em razão da v30n2/v30n2a06.pdf (consultado a
25-10-2019)
53
idade, a punição do/a agressor/a pode ser agravada. Por exemplo, o crime de burla é punido com pena de
prisão de seis meses a três anos, porém se o/a autor/a do crime de burla se aproveitar da vulnerabilidade
da vítima em razão da idade, a pena prevista passa a ser de dois a oito anos (cf. artigos 217.º e 218.º do
Código Penal);
• Como elemento do tipo de crime: a conduta só é punível se a vítima for uma pessoa vulnerável devido
à sua idade. Por exemplo: os maus-tratos, tal com previstos no artigo 152.º-A do Código Penal, só são
criminalmente puníveis se a vítima for “pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade,
deficiência, doença ou gravidez”. Caso a vítima não se enquadre em qualquer destas categorias não haverá
crime de maus-tratos (sem prejuízo de poder existir outro tipo de conduta criminalmente punível).
Devemos esclarecer, todavia, que no nosso ordenamento jurídico não se verifica a incriminação de qualquer
conduta somente devido ao facto de a vítima ser uma pessoa idosa, o que, de resto, é a tendência nos demais
países europeus202. Isto significa que não há uma categoria de crimes contra pessoas idosas203, sendo estas
tuteladas nos termos acima descritos se forem vulneráveis ou, não o sendo, beneficiando da mesma tutela penal
que os/as demais cidadãos/ãs maiores de idade.
A grande maioria dos tipos de violência contra pessoas idosas é subsumível aos crimes tipificados no Código
Penal, tal como se pode conferir na tabela de correspondências abaixo. Os crimes abaixo identificados não visam a
somente a proteção das pessoas idosas, estando previstos para todos os/as cidadãos/ãs.
FÍSICA Conjunto de ações levadas a cabo com intenção de causar dor Ofensas à integridade física (artigos
física ou ferimentos à pessoa idosa, da qual são exemplos, 143º-147.º)
entre outros, as punições físicas (bater, esbofetear), empurrar,
atirar um objeto e sub ou sobremedicar. Sequestro (artigo 158.º)
PSICOLÓGICA Conjunto de ações levadas a cabo com intenção de causar angústia, Ameaça (artigo 153.º)
dor ou aflição à pessoa idosa, por meios verbais ou não verbais,
como insultos, ameaças, incluindo ameaças de institucionalização,
humilhação, comportamento controlador, confinamento, isolamento, Coação (artigo 154.º)
infantilização, ausência de expressões de afeto, entre outras.
SEXUAL Qualquer envolvimento sexual sem pleno consentimento Coação sexual (artigo 163.º)
ECONÓMICO- O uso ilegal ou inapropriado do património da pessoa idosa Furto (artigo 203.º)
FINANCEIRA através de qualquer ato que vise o impedimento do controlo
por parte da mesma e/ou que visem a exploração danosa do Roubo (artigo 210.º)
seu dinheiro e/ou dos seus bens
Burla (artigo 217.º)
54
Da leitura da Tabela 1 pode concluir-se que nem todas as condutas que configuram formas de violência contra
as pessoas idosas têm correspondente sanção criminal. A título de exemplo, refira-se a situação em que um/a
descendente se apropria do domicílio da pessoa idosa, tomando decisões relevantes sobre o imóvel sem consultar
o/a seu/sua ascendente. Aqui está em causa um ato de violência económico-financeira, mas nem por isso se encontra
sanção penal para tal conduta205 (sem prejuízo de o Direito Civil, mormente através dos mecanismos de defesa da
posse, previstos nos artigos 1276.º e seguintes do Código Civil, se debruçar sobre esta questão em particular).
Por outro lado, quando esteja em causa a falta de afeição ou a falta de cuidados que não se reflita
prejudicialmente na integridade física da pessoa idosa, o Direito Penal não chega também a intervir, não obstante
se verificar uma situação de negligência. Isto sucede porque em Direito Penal a negligência não é um crime, mas
antes uma forma de o cometer: diz-se que um crime foi praticado na forma negligente quando o/a seu/sua autor/a
não teve intenção de causar o resultado que acabou por se verificar206.
Enquanto forma de violência contra as pessoas idosas, a negligência, na definição apresentada, só poderá vir
a ser punida se os comportamentos que a caracterizam possam subsumir-se a alguns crimes tipificados na lei.
Por exemplo, se a recusa ou omissão de alimentação causar danos à saúde da pessoa idosa, haverá um crime de
ofensa à integridade física (cf. artigo 143.º) e este poderá estar a ser praticado com dolo (intenção de causar o
dano à saúde) ou com negligência (ausência de intenção de causar o dano).
Há ainda que chamar a atenção para os crimes de violência doméstica de maus tratos (artigos 152.º e 152.º-A do Código
Penal, respetivamente), que abarcam também muitas das condutas em que a violência contra pessoas idosas se traduz:
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos 1 - Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a
físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da responsabilidade da sua direção ou educação ou a trabalhar
liberdade e ofensas sexuais: ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, e:
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o a) Lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos
agente mantenha ou tenha mantido uma relação de físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais,
namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar
que sem coabitação; cruelmente;
c) A progenitor de descendente comum em 1.ª grau; ou b) A empregar am atividades perigosas, desumanas ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente proibidas; ou
em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 205
Se esta apropriação se der por
meio de violência ou ameaça grave
poderá consubstanciar um crime de
usurpação de coisa imóvel, previsto
e punido nos termos do artigo 215.º
Estes dois crimes apresentam especificidades face àqueles apresentados na Tabela 1, não obstante os comportamentos do Código Penal, dependendo o
processo criminal de queixa do/a
levados a cabo pelos/as autores/as poderem ser exatamente os mesmos. Pense-se no exemplo da violência física e, mais ofendido/a. Exige-se violência ou
concretamente, na conduta de pontapear outrem: esta conduta pode ser considerada um crime de ofensa à integridade ameaça grave para punir a conduta
porque o Direito Penal se pauta pelo
física207, um crime de violência doméstica ou ainda um crime de maus tratos. O que diferencia os vários tipos de princípio da mínima intervenção,
incriminações são as circunstâncias em que aquela conduta violenta é perpetrada. Assim, por exemplo: escolhendo não punir condutas sem
aquelas características.
206
Quando aquela intenção se
verifica, diz-se que o/a autor/a atuou
A pontapeia B, A pontapeia B, pessoa idosa e com dolo. Assim, por exemplo, se
pessoa idosa vulnerável em razão da idade, uma pessoa pratica uma ação que
com quem coabita culmina na morte de outrem, mas
OFENSA À não pretendia que tal resultado
INTEGRIDADE FÍSICA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA se verificasse, está-se perante
um homicídio por negligência.
Simplificamos propositadamente
esta questão para ser facilmente
A pontapeia B, pessoa idosa e A pontapeia B, pessoa idosa e
apreendida por qualquer leitor/a. Cf.
vulnerável em razão da idade vulnerável em razão da idade, artigo 15.º do Código Penal.
de quem cuida
OFENSA À 207
Artigo 143.º - Ofensa à
INTEGRIDADE FÍSICA MAUS TRATOS integridade física simples
1 - Quem ofender o corpo ou a
saúde de outra pessoa é punido
com pena de prisão até 3 anos ou
Figura 7 — Possíveis crimes em que a conduta de pontapear pode traduzir-se com pena de multa.
55
A maioria da violência contra pessoas idosas é levada a cabo pelos/as seus/suas familiares ou cuidadores/as208,
pelo que a previsão dos crimes de violência doméstica e maus tratos poderá conferir uma maior e mais eficaz
tutela às pessoas idosas, quando estas se encontrem num estado de vulnerabilidade.
É importante salientar que, no que às pessoas idosas concerne, só quando estas sejam vulneráveis em razão
da idade é que poderá equacionar-se a punição de quaisquer condutas enquanto crime de violência doméstica
ou maus tratos, pois esta condição de “particularmente indefesa” é requisito destas incriminações. Assim, por
exemplo, se a pessoa idosa for vítima de uma agressão, mas não for considerada particularmente indefesa, a
conduta não é punida pelos artigos 152.º ou 152.º-A do Código Penal (CP), mas antes pelo disposto no artigo
143.º do mesmo diploma (ofensa à integridade física), que rege todas as situações de ofensas à integridade física,
sem ter em consideração quaisquer características especiais das vítimas.
Pensamos ser razoável considerar que a característica que justifica a punição com alguma especificidade seja a
vulnerabilidade (na fórmula de particularmente indefesa em razão da idade), pois se as pessoas idosas são iguais
às pessoas das demais faixas etárias, não vemos justificação para uma tutela específica209.
Analisemos por ora o elemento da coabitação exigido no crime de violência doméstica e as suas consequências
em termos de punição. Partamos do seguinte exemplo: um filho reside no primeiro andar de uma moradia, sendo
o piso térreo ocupado pelo seu pai idoso. Todos os dias, o filho visita o seu pai e insulta-o e grita consigo, apesar
de nunca terem existido episódios de violência física. O pai é considerado particularmente indefeso em razão
da idade e as condutas do seu filho são subsumíveis ao crime de violência doméstica. Por que crime poderá o
208
Cf. Perfil do/a agressor/a
agressor ser condenado? Inexiste coabitação entre o agressor e a vítima, logo aquele filho não poderá ser punido
209
No seu acórdão datado de pelo crime de violência doméstica; não poderá ser punido pelo crime de maus tratos, uma vez que o progenitor
26-11-2015, o Supremo Tribunal de
Justiça (STJ) parece partilhar deste
do agressor não está ao cuidado deste, nem sob a sua responsabilidade ou a trabalhar ao seu serviço; finalmente,
entendimento: apurando a especial não havendo violência física, não poderá aplicar-se o crime de ofensa à integridade física210. Eventualmente
censurabilidade de um crime de
homicídio de uma pessoa de 75
poderá estar em causa o crime de injúria211, dependendo do que é dito quando o filho grita ao seu pai idoso, mas
anos, o STJ afirma que “[p]essoa mesmo esta tutela ficaria aquém da necessária, visto que a violência psicológica que está a ser exercida por aquele
particularmente indefesa (…) é aquela
agressor, bem como os efeitos que causa na vítima, vai muito para além da mera ofensa da honra ou consideração
que se encontra à mercê do agente,
incapaz de esboçar uma defesa da pessoa idosa.
minimamente eficaz (…). Estará nessa
situação a pessoa que (…) não tem
capacidade de movimentos, destreza Se a situação acima descrita ocorresse entre cônjuges, ex-cônjuges, companheiros/as ou ex-companheiros/as
ou discernimento para tomar conta ou ainda progenitores comuns de descendente de primeiro grau, estaria plenamente enquadrada no crime de
de si e, logo, para verdadeiramente
se defender de uma agressão,
violência doméstica, nos termos do disposto no artigo 152.º do CP.
encontrando-se numa situação
de completa ausência de defesa.”
Acrescenta ainda o Supremo que
A conclusão a que chegamos é que a exigência da coabitação entre agressor/a e vítima particularmente
não deverá considerar-se pessoa indefesa em razão da idade no crime de violência doméstica implica que alguns comportamentos violentos
particularmente indefesa “a vítima de
não sejam qualificados como violência doméstica e, no limite, que os/as seus/suas agentes saiam impunes
homicídio que apesar de possuir 75
anos de idade e sofrer de diabetes e, por conseguinte, desprotege a pessoa idosa vulnerável. Tal sucede porque os fenómenos de violência contra
(…), vivia sozinha, era autónoma e pessoas idosas são tratados “no âmbito dos regimes jurídicos de proteção da violência doméstica e dos maus
até ofereceu resistência ao arguido,
com quem lutou denodadamente, tratos”212, que não tendo sido inicialmente pensados para as agressões de filhos/as a pais/mães, não se encontram
acabando por ser vencida”. Acórdão equiparados com as demais situações previstas na norma.
do Supremo Tribunal de Justiça de
26-11-2015, Processo 119/14.0JAPRT,
5.ª secção, Relator Manuel Braz. Afiguram-se-nos três possíveis alternativas para resolver a questão em apreço:
http://www.dgsi.pt/ (consultado a
31-10-2019)
1. Alteração do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea d) do CP, de modo a eliminar a exigência de coabitação
Poderá suceder que caso a
quando a violência seja exercida contra pessoa particularmente indefesa em razão da idade;
210
211
Artigo 181.º - Injúria
1. Eliminação da exigência de coabitação
1 - Quem injuriar outra pessoa,
imputando-lhe factos, mesmo sob a
forma de suspeita, ou dirigindo-lhe
O elemento da coabitação não é exigido para as demais formas de violência doméstica, previstas nas alíneas a)
palavras, ofensivos da sua honra ou a c) do n.º 1 do artigo 152.º do CP, pelo que poderia tornar-se incompreensível esta exigência adicional quando
consideração, é punido com pena de
estão em causa pessoas particularmente indefesas.
prisão até 3 meses ou com pena de
multa até 120 dias
Em ordenamentos jurídicos próximos do nosso, nomeadamente o francês e o italiano, a coabitação não é
212
Fonseca (n.º 201)
56
elemento do crime, significando que basta a prática das condutas violentas previstas na Lei para que o/a
agressor/a seja punido/a. O Código Penal italiano pune as condutas violentas praticadas contra um membro da
família, mesmo que inexista coabitação. Já o Código Penal francês pune as condutas violentas praticadas contra
pessoas particularmente indefesas em razão da idade, sem exigir quaisquer outras condições.
A violência habitual contra menores de quinze anos de idade ou contra uma pessoa cuja vulnerabilidade específica, devido à idade, doença,
enfermidade, deficiência física ou mental ou estado de gravidez, é aparente ou conhecida pelo autor, este é punido (…).
Posto isto, a alteração do artigo 152.º no sentido de deixar de contemplar a exigência da coabitação poderia
ser uma solução. Cremos, contudo, não ser a mais adequada: retirando tal elemento do tipo de crime para
punir o/a agressor/a, corre-se o risco de a norma passar a ser um “cheque em branco”, passando a abarcar
inúmeras situações, incluindo aquelas nas quais não se verifique um substrato relacional (ou de familiaridade
ou afetividade) que se verifica nos demais casos de violência doméstica. Todas as situações de violência contra
pessoas idosas poderiam passar a estar contempladas no crime de violência doméstica, independentemente do
tipo de relação que existisse entre o/a agressor/a e a vítima, por exemplo, se um médico agredisse um utente
idoso e vulnerável, poderia vir a ser condenado por um crime de violência doméstica, o que vai de encontro ao
objetivo da punição do artigo 152.º. Defendemos então que esta não é a melhor opção.
A criação de uma nova incriminação que tutelasse as situações não abrangidas pelo disposto no artigo 152.º do CP
traria várias questões, para muitas das quais não temos resposta.
Deveria esta nova incriminação tutelar somente os bens jurídicos das pessoas idosas vulneráveis ou de todas
as pessoas vulneráveis, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica? Todas as
pessoas vulneráveis estão igualmente desprotegidas, deixando de estar abrangidas pelo disposto no artigo 152.º
do CP, quando não coabitem com o/a agressor/a. Assim, não se vislumbra justificação para autonomizar o crime
em relação às pessoas idosas vulneráveis, pelo que qualquer nova incriminação neste âmbito deveria tutelar
todas as pessoas vulneráveis.
Deve ainda deixar-se nota de que a eventual autonomização de um novo crime contra as pessoas idosas teria de
partir de uma necessidade de maior censura dos atos praticados contra estas vítimas do que contra quaisquer
outras (vulneráveis ou não) e obrigaria à definição, em termos penais, de pessoa idosa ou pessoa idosa vulnerável.
A questão seguinte é qual seria o bem jurídico tutelado pela nova incriminação. Se fossem aqueles tutelados pela
incriminação da violência doméstica (dignidade da pessoa humana, saúde e integridade física), cremos ser mais
fácil levar a cabo alterações no elemento da coabitação (seja eliminando-o ou alargando a sua interpretação) do
que arquitetar todo um novo crime.
Procurando a tutela de outros bens jurídicos, quais seriam estes? E não serão estes outros bens jurídicos
extensíveis a todos os cidadãos? Sendo bens jurídicos que pertencem à generalidade dos/as cidadãos/ãs, não se
justifica a incriminação que vise somente as pessoas vulneráveis, visto que o Código Penal tutela bens jurídicos
que pertencem à generalidade das pessoas e não as particularidades de uma condição213.
A tudo isto acresce o facto de o artigo 145.º, em conjugação com o artigo 132.º, n.º 2, alínea c) do CP, (ofensa à
integridade física qualificada) já tutelar as situações em que o corpo ou a saúde de uma pessoa particularmente 213
Felgueiras (n.º 114)
57
indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez é ofendido. O artigo 145.º determina que os/as
agentes deste crime deverão ser punidos com uma pena de prisão até quatro anos, estando assim já protegidas as
situações que uma nova incriminação poderia vir a tutelar.
Mais, outro fator que qualifica o crime de ofensa à integridade física, passando a sua moldura penal a prever um
máximo de quatro anos de prisão (ao invés de três anos de prisão ou pena de multa, nos termos do artigo 143.º),
é a relação do/a agente do crime com a vítima (artigo 145.º em conjugação com o artigo 132.º. n.º 2, alínea a) do
CP): se a vítima for ascendente do/a agressor/a, o crime será qualificado, pelo que as situações de violência contra
pessoas idosas perpetradas pelos seus descendentes já estão criminalmente previstas.
Pode argumentar-se que o artigo 145.º não abrange de forma direta os danos psíquicos nem as ofensas sexuais,
vindo uma nova incriminação eventualmente a abrangê-los. Mas nesse caso não estaríamos a repetir o disposto
no número 1 do artigo 152.º CP? Parece-nos que sim, pelo que a incriminação nos termos ora discutidos poderia
conduzir à punição diferenciada das mesmas condutas devido ao tipo de vítima atacada pelo/a agente do crime.
Assim, cremos que o mais adequado seria atuar sobre a condição de coabitação do que correr o risco de repetir a
incriminação de violência doméstica sob outra epígrafe.
Coabitar significa habitar em comum e implica a partilha de um mesmo espaço, o que, como se viu com o
exemplo acima, poderá culminar na desproteção das vítimas.
No seu artigo 5.º, n.º 1, alínea a), o Domestic Violence, Crime and Victims Act, determina que uma pessoa é
considerada culpada de um crime se uma criança ou adulto vulnerável morrer ou sofrer danos físicos graves em
resultado de uma atuação ilegal da pessoa que (i) era membro da mesma habitação que a vítima ou (ii) tinha
contacto frequente com esta. No n.º 4 do mesmo artigo esclarece-se que se considera que o/a agressor/a é um
membro da mesma habitação que a vítima quando visita a habitação de forma tão frequente e por tais períodos
de tempo que seja razoável considerá-lo/a como membro daquela habitação, mesmo que aí não resida.
Aquele que, por qualquer meio ou procedimento, causar a outrem uma deficiência psíquica ou um dano menor do que aquele previsto no
artigo 147.º, parágrafo 2, ou atingir ou maltratar o trabalho de outrem sem lhe causar dano, quando a pessoa ofendida (...) seja uma pessoa
particularmente vulnerável quem mora com o autor, será punido com pena de prisão de seis meses a um ano ou trabalhará em benefício da
comunidade por trinta e um a oitenta dias (...).
Parece-nos que esta é a melhor solução face às três propostas, pois não implica uma alteração legislativa, mas
somente uma redefinição de conceitos em termos doutrinários e jurisprudenciais. Cremos que esta noção de
coabitação permitiria equiparar as situações de violência contra pessoas idosas vulneráveis, quando praticadas
pelos/as seus/suas familiares, ainda que não existisse coabitação no sentido “clássico” do termo, permitindo a
adequada tutela da vida, segurança e integridade física das pessoas idosas. É de salientar ainda que esta aceção teria
o potencial de permitir que não se ignorasse o substrato intrafamiliar que subjaz à violência doméstica e que não
deixa de se verificar somente porque estão em causa vítimas idosas e os/as agressores/as não coabitam com estas.
58
11. Uma resposta para a vulnerabilidade das pessoas
idosas
Existem pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, podendo esta ser de vária ordem, como a incapacidade
de gestão do seu património, condições socioeconómicas desfavoráveis, isolamento social, dificuldades de
locomoção que afetam a sua autonomia ou até mesmo situações de vitimação.
Surge então a questão sobre a melhor forma de prevenir e intervir nestas situações de vulnerabilidade. Tem
vindo a preconizar-se como eventual resposta a criação de estruturas próprias para lidar com as fragilidades
apontadas, mas neste âmbito as opiniões dividem-se: por um lado, existem vozes que defendem a criação de uma
estrutura própria para a tutela ou promoção dos direitos das pessoas idosas e, por outro, há quem considere
que a solução passará antes pela criação de uma estrutura que intervenha em situações de vulnerabilidade,
prestando apoio aos/às cidadãos/ãs independentemente da sua idade.
Ao longo deste texto apresentaremos os argumentos que fundamentam cada uma das opiniões, escolhendo de
seguida aquela que consideramos mais adequada para colmatar as necessidades e combater as vulnerabilidades
sentidas pelas pessoas idosas.
Antes de mais devemos dar conta de que atualmente existem em Portugal várias comissões cujo trabalho se
foca na proteção e promoção dos direitos das pessoas idosas. Alguns concelhos do País dispõem deste tipo de
estruturas, porém não se verifica uma atuação concertada pelo território nacional: cada município que deseje
instalar uma entidade que dedique exclusivamente o seu trabalho aos direitos das pessoas idosas deverá elaborar
o respetivo regulamento (no qual indica a composição da comissão, atribuições e regras de funcionamento).
geral, permite encará-las como um grupo distinto dos demais, com características específicas que merecem ser quer física quer económica e mesmo
em situação de incapacidade,
endereçadas, também, de forma específica. com inegável impacto ao nível das
estruturas familiares e nos sistemas
de proteção social” e que tal
Por outro lado, pode advogar-se a necessidade de atender à realidade social em que muitas pessoas idosas justificaria a criação de “comissões
se encontram, nomeadamente o isolamento, o abandono e a incapacidade214/215. Estas estruturas poderiam de proteção e promoção dos direitos
dos idosos”. A iniciativa legislativa
acompanhar estas situações e encaminhá-las para as respostas sociais adequadas. caducou a 04 de abril de 2004.
215
No ano de 2011 residiam em
Acresce que, à semelhança do que sucede com as comissões de proteção de crianças e jovens, as eventuais Portugal 2 010 064 pessoas com
estruturas dedicadas às pessoas idosas poderiam funcionar como entidades sinalizadoras de situações de 65 anos ou mais, representando
violência contra esta população, combatendo a invisibilidade do fenómeno. 19% da população portuguesa
total. 50% deste segmento
populacional assumia ter muita
Por último, estas estruturas, sendo necessariamente multidisciplinares, facilitariam o trabalho em rede, permitindo colmatar dificuldade ou não conseguir realizar
pelo menos uma das atividades
as falhas existentes no apoio a pessoas idosas dependentes ou vulneráveis, respondendo às suas múltiplas necessidades. diárias (ver, ouvir, andar, memória/
concentração, tomar banho/
vestir-se ou compreender/fazer-se
compreender). Instituto Nacional
11.1.2. Argumentos contra de Estatística, “Censos - Resultados
definitivos. Portugal – 2011” (2012)
https://censos.ine.pt/xportal/
Existem também argumentos contra a criação de uma estrutura cuja missão seja exclusivamente a tutela e/ou xmain?xpid=CENSOS&xpgid=ine_
promoção dos direitos das pessoas idosas. O principal argumento é o de que a criação de estruturas específicas censos_publicacao_det&contexto=pu
&PUBLICACOESpub_boui=73212469
para a proteção e/ou promoção dos direitos das pessoas idosas potenciaria a atomização da proteção social deste &PUBLICACOESmodo=2&selTab=tab
grupo, já muitas vezes remetido para as franjas da sociedade, ao invés de o integrar nos mecanismos de proteção 1&pcensos=61969554 (consultado a
08-01-2020)
59
social já existentes e disponíveis para todos os/as cidadãos/as, independentemente da sua idade.
Mais, advoga-se que se se criar uma entidade que se dedique exclusivamente às pessoas idosas e às
vulnerabilidades que estas podem experienciar, aumenta-se a estigmatização destas como grupo vulnerável
(vistas meramente como vítimas do isolamento, doença ou violência) e consequentemente dificulta-se a sua
plena integração na sociedade. Ou seja, uma estrutura que pretendesse promover os direitos das pessoas idosas
acabaria por produzir o efeito inverso, excluindo-as ainda mais da sociedade.
No que concerne à questão da violência, argumenta-se que este é um problema transversal à sociedade – na
medida em que qualquer pessoa, e não só as pessoas idosas, pode ser vítima de crime ou violência – logo esta é
uma questão que deve ser tratada transversalmente e não de forma atomizada.
Tendemos a concordar com a argumentação expendida contra a criação de estruturas cuja missão seja
exclusivamente a tutela e/ou promoção dos direitos das pessoas idosas: como temos vindo a afirmar ao longo
deste trabalho – e nunca é demais repetir – os direitos das pessoas idosas são direitos humanos e não caducam
com a idade. Não havendo diferenças entre os direitos de que as pessoas idosas são portadoras e os dos/as
demais cidadãos/ãs, não encontramos justificação para fragmentar uma tutela que eventualmente seja necessária.
Salientamos novamente que a vulnerabilidade não é consequência exclusiva da idade avançada, mas de outras
conjunturas, como condições socioeconómicas desfavoráveis, iliteracia, ausência de redes familiares e/ou sociais
ou comorbilidade, por exemplo. A heterogeneidade verificada na população idosa permite afirmar que, ainda que
muitas experienciem algum tipo de vulnerabilidade, esta não é uma característica definidora das pessoas idosas.
Por outro lado, as condições que colocam algumas pessoas idosas em situação de vulnerabilidade podem ocorrer
em qualquer idade, não sendo necessariamente um problema de um determinado grupo etário. Deste modo
qualquer intervenção que vise combater vulnerabilidades, deverá dirigir-se às pessoas que as experienciam
realmente, independentemente da sua idade cronológica.
Cumpre antes de mais esclarecer que consideramos que a criação de uma estrutura de base comunitária com
competência para atuar sobre as vulnerabilidades das pessoas de todas as idades seria uma mais-valia para o
exercício efetivo de direitos por todas as pessoas. Reconhecemos, contudo, que a implementação desta estrutura
dificilmente ocorrerá numa primeira fase, uma vez que já desde os anos de 1990 existe legislação específica para
a proteção e promoção dos direitos das crianças e jovens em situação de perigo216, na senda da qual foram criadas
as comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ) e a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção
das Crianças e Jovens (CNPDPCJ). Estas comissões têm já um longo passado de experiência consolidada, pelo que,
ainda que consideremos que o ideal seja a existência de uma única estrutura que atue sobre as vulnerabilidades
de todas as pessoas independentemente da sua idade, o passo de a criar não seria suscetível de aplicação imediata.
Feito este esclarecimento, defendemos a criação de Comissões para Pessoas Adultas em Situação de
Vulnerabilidade, que atuem ao nível local, e uma Comissão Nacional para Pessoas Adultas em Situação de
Vulnerabilidade. Não existe atualmente uma entidade que concentre as funções de promoção e tutela dos
direitos dos/as adultos/as que se encontram incapazes de os exercer efetivamente, o que admite a perpetuação
das vulnerabilidades sentidas. As crianças e jovens beneficiam já de uma entidade que promove e tutela os seus
direitos, mas no futuro em que seja possível alcançar o ponto ideal, juntando as competências das atuais CPCJ
com as das Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade, será possível ter-se as Comissões para
Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, que atue sobre as vulnerabilidades das pessoas de todas as idades.
216
Inicialmente com o Decreto-Lei
n.º 189/91, de 17 de maio e depois Havendo uma estrutura comunitária única capaz de lidar com as variadas vulnerabilidades que todas as pessoas
revogado pela Lei n.º 147/99, de 01
podem experienciar, é vantajoso, por motivos de gestão de recursos, que aquela seja composta por equipas
de Setembro.
60
ou unidades especializadas em cada tipo de vulnerabilidade/temática, precisamente para poder ter em conta
as especificidades de cada tipo de vulnerabilidade. Todavia estas equipas ou unidades devem atuar de forma
integrada, não polarizando as suas intervenções junto daqueles/as que revelem vulnerabilidades.
A estrutura cuja criação defendemos deveria operar em dois planos: no plano local, existindo células espalhadas
pelo país que lidam com os casos concretos das pessoas adultas em situação de vulnerabilidade, e no plano
nacional, criando-se uma entidade que tem por missão supervisionar e orientar as células locais.
A intervenção junto das pessoas em situação de vulnerabilidade deverá seguir um modelo de intervenção
mínima: as comissões só poderão atuar na estrita medida do necessário, não estando autorizadas a interferir na
vida pessoal dos/as utentes para além da vulnerabilidade que justifica a intervenção em primeiro lugar. Portanto
defendemos que a sinalização de pessoas adultas em situação de vulnerabilidade só poderá ser feita às comissões
(i) pelo/a próprio/a, (ii) por outras entidades previamente autorizadas para tal pelo/a próprio/a ou (iii) pelo
acompanhante e somente em caso de incapacidade cognitiva217. A intervenção mínima, portanto, obriga a que a
atuação das comissões esteja sempre dependente do consentimento do/a visado/a.
Os membros das comissões deverão seguir um código de conduta a ser criado de forma a salvaguardar,
nomeadamente, a privacidade dos/as adultos/as em situação de vulnerabilidade em causa e o respeito pelos seus
direitos. Deste código deverá constar obrigatoriamente o dever de sigilo dos membros das comissões.
11.2.1. Composição
As Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade deverão ter uma composição multidisciplinar,
de modo a atacar as vulnerabilidades de forma concertada. Os casos concretos deverão ser discutidos e decididos
por um núcleo executivo do qual façam parte representantes das seguintes entidades:
Sociedade Civil,
Ministério Segurança Forças de
Saúde Autarquia Local Instituições ou
Público Social Segurança
Comunidade
Figura 8 — Composição do núcleo executivo das Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade
Os representantes da sociedade civil, das instituições ou da comunidade não deverão ter uma presença
permanente no núcleo executivo, sem prejuízo de poderem ser cooptados para auxiliar nas tomadas de
decisão, quando o caso específico assim o exija. Pensamos não ser de assegurar um lugar permanente a estes
representantes por defesa da reserva da intimidade da vida privada dos/as visados/as nos processos que venham
a correr nas comissões: especialmente nos meios mais pequenos, mas não exclusivamente, é fácil que todos/as se
conheçam, principalmente quando há um trabalho que implica um contacto acentuado (como sucederá entre as
organizações da sociedade civil, instituições e a própria comunidade), o que pode levar a que as discussões tidas
no âmbito do processo sejam transportadas para fora da comissão.
As comissões deveriam também ser compostas por um conselho consultivo, formada pelos membros do
núcleo executivo e por representantes da sociedade civil, instituições ou comunidade, de forma permanente.
Estes últimos representantes não seriam necessariamente os mesmos que podem ser cooptados para o núcleo
executivo: a finalidade desta cooptação é ter alguém dentro daquele grupo que conheça a situação de forma mais
próxima, ao passo que a função do conselho consultivo seria discutir questões genéricas ligadas à competência
das comissões. Assim, a função deste órgão seria, por exemplo, a prevenção de situações de vulnerabilidade
na comunidade (e como envolver esta nas soluções propostas), formação de profissionais para a prestação de
cuidados a pessoas idosas ou para o acompanhamento nos termos do novo Regime do Maior Acompanhado. 217
O acompanhamento pode
restringir-se a âmbitos muito
específicos da vida do/a maior
Colocamos a ênfase na integração de representantes das entidades acima mencionadas nas comissões por estas acompanhado/a, pelo que permitir
terem já competências bem definidas que lhes permite atuar no contexto das fragilidades sentidas pelos/as a sinalização de pessoas adultas
por qualquer acompanhante
cidadãos/ãs. Acresce que aproximando representantes destas entidades numa comissão, potencia-se o trabalho representaria uma intromissão
em rede de todos os serviços, o que resulta num melhor atendimento e acompanhamento das pessoas que injustificada na esfera privada
daqueles indivíduos.
61
àqueles recorrem. Assim, as comissões com a composição sugerida poderão favorecer o funcionamento articulado
de todas as entidades em determinada localidade, tornando os processos mais céleres e mais eficazes.
11.2.2. Competências
As comissões, tanto as que atuam ao nível local como a Comissão Nacional, deverão ter como objetivo a prevenção
de situações de vulnerabilidade e a atuação quando estas já se verifiquem, numa ótica de empoderamento das
pessoas adultas218.
A Comissão Nacional, bem como as comissões locais, deverão garantir a cobertura multidisciplinar das seguintes
áreas: psicologia, área social, gestão (nomeadamente a gestão do património) e direito. Cremos que as
vulnerabilidades experienciadas por pessoas adultas se verificam principalmente nestes contextos, pelo que é de
suma importância contratar profissionais com formação específica nestas áreas para intervir eficazmente junto das
pessoas em situação de vulnerabilidade.
As Comissões teriam duas grandes áreas de atuação: junto de pessoas adultas em situação de acompanhamento ou em
situação suscetível de vir a beneficiar de acompanhamento e junto de pessoas adultas em situação de vulnerabilidade.
Maiores acompanhados
Pessoas em situação de
Pessoas em situação de isolamento
vulnerabilidade
Pessoas em situação de
insuficiência económica
Vítimas de crime
Figura 9 — Áreas de competência das Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade
No que concerne à atuação na área das pessoas adultas em situação de vulnerabilidade que não seja susceptível
de conduzir ao acompanhamento, as comissões teriam essencialmente a competência de encaminhamento para
as respostas adequadas (outras entidades ou serviços).
218
Neste âmbito deve sublinhar-se
uma importante diferença em relação
às CPCJ que passa pelo facto de no
Relativamente à atuação na área do acompanhamento de maiores, até porque o regime é muito recente, cremos que
caso das crianças não se observar há espaço para as comissões terem uma intervenção mais profunda. Neste âmbito importa distinguir as competências
esta dimensão do empoderamento
(pelo menos de ordem jurídica), uma
das comissões de génese local e aquelas da Comissão Nacional para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade.
vez que as crianças e jovens, sendo Devido à sua novidade, existe muita desinformação em relação ao Regime Jurídico do Maior Acompanhado, quer
menores, não têm capacidade de
dos/as técnicos/as das instituições, quer dos/as seus/suas dirigentes, e ainda dos/as colaboradores/as da Segurança
exercício de alguns dos seus direitos.
62
Social, que carecem de orientação por parte de uma entidade autónoma. Cremos assim que uma das mais importantes
competências da Comissão Nacional seria a formação destes/as profissionais sobre aquele novo regime.
Numa fase inicial esta formação seria obrigatória para os/as acompanhantes que não sejam escolhidos/as pelo/a maior
(sendo escolhidos/as pelo representante legal daquele/a ou pelo/a juiz/a) e para os/as acompanhantes do/a maior que
não sejam familiares do/a mesmo/a. Sem embargo, a formação deverá estar acessível a todos/as os/as acompanhantes.
Numa fase posterior, a obrigatoriedade de formação ministrada pela Comissão Nacional seria transversal a todos/as os/
as acompanhantes, incluindo aqueles/as escolhidos/as pelo/a maior e/ou os/as familiares do/a mesmo/a.
Por seu turno, as comissões locais poderiam desde já supervisionar o cumprimento das medidas de
acompanhamento tal como decretadas na sentença judicial219 por todos/as os/as acompanhantes.
Defendemos que as comissões poderão ter outras competências no âmbito do Regime Jurídico do Maior
Acompanhado que seriam vantajosas não só para os/as beneficiários/as de medidas de acompanhamento como
também para os/as acompanhantes. Porém estas outras competências implicariam uma alteração legislativa do
regime – que, de resto, poderia ser levada a cabo pela legislação que instalasse as comissões.
O atual artigo 143.º do Código Civil prevê uma lista de pessoas que podem ser designadas para ser
acompanhante de um maior quando tal se justifique. Sobretudo quando se tratem de familiares do/a
beneficiário da medida de acompanhamento, poderá faltar o conhecimento técnico necessário para levar a cabo
um acompanhamento bem-sucedido, de acordo com o decretado na sentença. Tal situação pode mostrar-se
especialmente gravosa no caso daqueles que não podem pedir escusa ou ser exonerados (nos termos do disposto
no artigo 144.º, n.º 1 do Código Civil, cônjuges, descendentes ou ascendentes).
Outra dificuldade atual, particularmente no que concerne a pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, é
a inexistência de familiares idóneos para assumir a responsabilidade de acompanhamento, o que resulta na
designação de terceiros sem qualquer relação ou conhecimento sobre o/a beneficiário/a e sua história de vida.
Por outro lado, atendendo à possibilidade de as instituições em que o/a beneficiário/a está integrado/a indicarem
alguém para ser acompanhante daquele/a, corre-se o risco de instalação de um movimento das pessoas coletivas
para serem escolhidas, através de representante, como acompanhantes, o que por sua vez representa um risco de
transformar o acompanhamento num negócio lucrativo. Outro risco que podemos imaginar é as estruturas que
acolhem ou prestam cuidados a pessoas em situação de vulnerabilidade abusarem da sua relação de proximidade
com o/a beneficiário de modo a se tornarem os/as seus/suas acompanhantes para terem acesso ao seu património.
Caso se conferisse à Comissão Nacional competência para criar um Registo Nacional de Acompanhantes
Voluntários/as, poder-se-ia combater estes riscos. De modo a garantir que não se desenvolveriam relações
abusivas entre os/as acompanhantes e os/as beneficiários/as de medidas de acompanhamento, competiria
à Comissão Nacional não só formar aqueles/as acompanhantes, como também validar a sua atuação: o
acompanhamento ganharia um cunho profissional, devendo os/as acompanhantes ser assistidos/as ou
monitorizado/as pela Comissão Nacional, que os/as avaliaria.
Esta “bolsa de acompanhantes” permitiria que aqueles/as que não podem ou não querem ser acompanhantes
de outrem pudessem escusar-se, pois o tribunal não se depararia com um vazio quando tivesse de designar
um/a acompanhante. Simultaneamente, combateria à partida a generalização de acompanhamentos da
responsabilidade de colaboradores/as ou diretores/as de instituições.
Para operacionalizar o acompanhamento prestado por acompanhantes voluntários/as, a Comissão Nacional teria
a obrigação de disponibilizar uma lista de acompanhantes disponíveis no concelho em que reside o/a maior que
beneficiará das medidas de acompanhamento, quando solicitado pelo tribunal competente.
Instalando-se as comissões de génese local, que estariam mais próximas das pessoas, recebendo sinalizações das
situações de vulnerabilidade, cremos que estas deveriam ter a competência de requerer o acompanhamento (além do 219
Discutir-se-ão os benefícios de
Ministério Público). Este requerimento não careceria de autorização do/a beneficiário/a, uma vez que o conhecimento da uma adequada supervisão dos/
situação de vulnerabilidade pela comissão e sucessível intervenção partiria já de uma base de consentimento informado. as cuidadores/as, mas cremos que
os mesmos argumentos se aplicam
No âmbito da supervisão feita aos/às acompanhantes, profissionais ou não, as comissões deveriam também ter a também ao acompanhamento de
competência de requerer a remoção/exoneração do acompanhante que falte ao cumprimento dos seus deveres. maiores. Cf. Supervisão dos/as
cuidadores/as formais e informais.
63
Se um dos objetivos da instalação destas estruturas é o acompanhamento próximo daqueles/as que se encontrem
em situação de vulnerabilidade, é legítimo conceder-lhes poderes para atuar quando outros que intervêm junto
das pessoas adultas vulneráveis não cumpram os seus deveres.
Outra competência que as comissões poderiam ter seria a de acompanhar os/as maiores quando inexistissem
pessoas idóneas para assumir aquela tarefa – por não existirem familiares ou outras pessoas idóneas ou ainda nos
casos em que a “bolsa de acompanhantes” não esteja sedimentada ou se mostre insuficiente.
Assim, após uma alteração legislativa dos artigos 138.º e seguintes do Código Civil, cremos que idealmente as
comissões teriam as seguintes competências:
Garantir a formação dos/as profissionais para a identificação Dar início ao processo de acompanhamento (além do
de sinais de perda da capacidade cognitiva ou sinais de Ministério Público)
vulnerabilidade e para posterior sinalização
Criação de um Registo Nacional de Acompanhantes Voluntários Requerer a remoção/exoneração do acompanhante que falte ao
cumprimento dos seus deveres
Criação de um Registo Nacional de Acompanhantes Acompanhar os/as maiores quando inexistam pessoas idóneas
Voluntários/as e posterior disponibilização de uma lista de
acompanhantes disponíveis no concelho em que reside o/a
maior que beneficiará das medidas de acompanhamento
quando solicitado pelo tribunal competente
Tabela 2 — Eventuais competências das Comissões no âmbito do Regime Jurídico do Maior Acompanhado
11.3. Conclusão
Sabendo que não é a idade que determina a vulnerabilidade de uma pessoa mas sim outros fatores, como a
existência de doenças, fraco poder económico, iliteracia ou exclusão social, não nos parece adequada a criação
de uma estrutura que intervenha somente junto das pessoas idosas. As vulnerabilidades apontadas podem ser
sentidas por pessoas de qualquer idade, merecendo todas o mesmo apoio, o que justifica a criação de uma
estrutura com competência para atuar sobre as vulnerabilidades, sim, mas não sobre as vulnerabilidades de um
grupo etário específico. Reconhecendo, contudo, o papel consolidado na sociedade das Comissões de Proteção de
Crianças e Jovens, defendemos a criação de Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade.
Estas comissões deverão atuar ao nível local, fazendo uma gestão de casos de pessoas adultas em situação de
vulnerabilidade. Contudo, impõe-se a criação concomitante de uma Comissão Nacional para Pessoas Adultas em
Situação de Vulnerabilidade que terá competências de supervisão e orientação das comissões locais.
Agindo sempre em respeito do princípio da intervenção mínima e procurando cumprir o objetivo de prevenir
as situações de vulnerabilidade ou atuar quando estas já se verifiquem, as comissões (as locais e a nacional)
terão várias competências, com maior preponderância nos casos em que se verifiquem os pressupostos do
decretamento de medidas de acompanhamento de um/a maior ou naqueles casos em que o acompanhamento já
esteja em vigor.
64
II.
PERFIL
DO/A
AGRESSOR/A
E FATORES
DE RISCO
II. PERFIL DO/A AGRESSOR/A E FATORES DE RISCO 114
4. Fatores protetores
4.1 Fatores protetores ligados ao indivíduo
4.2 Fatores protetores ligados ao contexto
4.3 Conclusão
Para se atuar eficazmente sobre qualquer fenómeno é necessário conhecer as suas características. No caso da
violência contra pessoas idosas, além de conhecer os tipos de violência, as vítimas e os fatores de risco que as
podem tornar mais vulneráveis, importa conhecer os/as agressores/as. Assim procuraremos demonstrar o que os
estudos realizados em Portugal revelam sobre o perfil dos/as agressores/as de pessoas idosas, avançando desde já
que há escassez de pesquisa nesta área no que concerne à realidade nacional.
Só uma visão alargada das circunstâncias que envolvem a violência contra as pessoas idosas permitirá
compreender as especificidades deste fenómeno e consequentemente reagir de forma adequada. Com este
documento não pretendemos fazer um retrato exaustivo do perfil do/a agressor/a, porém o que aqui ficar dito
poderá servir de base para o desenvolvimento de modelos de prevenção de violência especializados.
Conhecendo o perfil do/a agressor/a teremos em nossa posse mais ferramentas para sensibilizar a comunidade
quanto ao fenómeno da violência contra pessoas idosas, que, sabemos já, é ainda muito escondido.
Simultaneamente favorecer-se-á a prevenção de violência no caso concreto, uma vez que estando conscientes das
características típicas dos/as agressores/as, aqueles/as que entram em contacto com pessoas idosas poderão estar
mais alerta para a existência de violência.
Além de nos socorrermos das Estatísticas da APAV220, neste capítulo utilizaremos os resultados dos seguintes
estudos: (i) estudo populacional sobre violência do projeto Envelhecimento e Violência221; (ii) projeto ABUEL222;
(iii) projeto AVOW223; e (iv) projeto HARMED224. Utilizamos aqui estes estudos pois são aqueles nos quais é
possível encontrar dados sobre a realidade portuguesa, uma vez que no âmbito de cada estudo referido foi
conduzida investigação em Portugal com vista ao desenho do perfil do/a agressor/a.
Os resultados do projeto AVOW, apesar de confirmarem que os/as agressores/as pertencem à família nuclear da vítima
idosa, indicam que quando se analisam apenas os casos em que as vítimas são mulheres225 os principais agressores/
as são os cônjuges seguidos pelos/as filhos/as. Por seu turno, o estudo populacional sobre a violência do projeto
220
APAV (n.º 4)
Envelhecimento e Violência indica que os/as principais agressores/as são familiares da pessoa idosa, mas não fazem parte
da sua família nuclear (ou seja, não são o/a cônjuge nem descendentes). No que concerne a este estudo, é importante dar Instituto Nacional de Saúde
221
O facto de os/as agressores/as de pessoas idosas serem maioritariamente familiares das vítimas, complexifica 223
Luoma (n.º 145)
o fenómeno da violência, na medida em que ainda que as pessoas idosas pretendam que a violência cesse,
simultaneamente desejam manter a relação com os/as agressores/as226. 224
Dias (n.º 78)
225
Recorde-se que o projeto AVOW
No que se refere à violência perpetrada pelo/a cônjuge da pessoa idosa, os estudos mostram que esta se trata se debruçava sobre o estudo da
prevalência de violência contra
essencialmente de uma “violência conjugal envelhecida”: traduz-se na manutenção da violência iniciada entre mulheres idosas.
o casal antes de os seus elementos se tornarem pessoas idosas ou até numa nova experiência de vitimação no
226
Bonnie Brandl, “Domestic Abuse
seio de um relacionamento recente, não sendo a idade da vítima o fator mais relevante nesta experiência de In Later Life” (2001), vol. 8, The
vitimação227. Assim sendo, nestes caso não será adequado falar-se em violência contra pessoas idosas. Elder Law Journal, 297 https://
theelderlawjournal.com/wp-content/
uploads/2015/02/Brandl.pdf
As supramencionadas estatísticas da APAV revelam ainda que os crimes contra pessoas idosas são maioritariamente (consultado a 05-09-2019)
perpetrados por homens (68,3%) com idades compreendidas entre os 65 e os 74 anos de idade. Atendendo a este 227
Gil (n.º 144)
67
intervalo de idades é facilmente compreensível que a generalidade dos/as agressores/as se encontre reformado/a.
Importa salientar que os resultados do projeto Envelhecimento e Violência demonstram que o sexo do/a
agressor/a, bem como a sua relação com a vítima, diferem consoante o sexo da vítima: as vítimas do sexo feminino
sofrem violência perpetrada maioritariamente pelos seus cônjuges ou companheiros e pelos seus descendentes
do sexo masculino; já as vítimas do sexo masculino indicam como principais agressores os descendentes do sexo
masculino, seguidos das cônjuges ou companheiras228.
Focando o nosso olhar no contexto institucional, a literatura indica que são as mulheres as principais agressoras
de pessoas idosas. Esta conclusão não pode ser avaliada sem ter em consideração que são as mulheres quem
tendencialmente presta cuidados a pessoas idosas em instituições229. Também neste contexto há proximidade entre
as vítimas e os/as agressores/as, pelo constante contacto potenciado pela prestação de cuidados numa instituição.
Além do sexo do/a agressor/a e da sua relação com a vítima, a literatura refere outras características típicas de
quem exerce violência contra pessoas idosas.
Os/as agressores/as de pessoas idosas não raramente têm comportamentos aditivos (álcool ou estupefacientes),
circunstância que pode verificar-se nos vários tipos de violência, por exemplo: um indivíduo toxicodependente
que se encontre num período de carência será incapaz de responder adequadamente às necessidades da pessoa
idosa a quem deve prestar cuidados podendo verificar-se uma situação de negligência; por outro lado, se se
encontrar sob o efeito de álcool ou drogas, poderão verificar-se comportamentos de descontrolo que conduzem
a violência psicológica e/ou emocional. Esta tendência é ilustrada nos resultados do projeto Envelhecimento e
Violência, segundo os quais 18% dos/as agressores/as eram alcoólicos e 5,4% toxicodependentes.
Há, igualmente, uma tendência para se verificarem situações de problemas financeiros por parte dos/as
agressores/as e dependência da pessoa idosa230: o citado estudo indica que 13,5% dos/as agressores/as
dependia financeiramente da vítima, sendo os/as descendentes e os outros familiares (fora do círculo da família
nuclear) os/as agressores com mais problemas financeiros.
Vários estudos apontam, ainda, para o facto de muitos dos/as agressores/as de pessoas idosas revelarem
problemas de saúde mental231.
Todavia, olhando para os dados relativos a Portugal obtidos no âmbito do projeto AVOW, podemos observar que
são os/as descendentes e as noras e genros os principais agressores/as físicos (42,1%), seguidos pelos cônjuges
ou companheiros/as (36,8%). É curioso notar contudo que, dos cinco países envolvidos no estudo, somente em
Portugal é que os cônjuges ou companheiros/as são ultrapassados por outros/as perpetradores/as.
É interessante notar que os/as profissionais de saúde (onde se incluem médicos/as e enfermeiros/as, naturalmente)
Ibid.
foram referidos como responsáveis por violência física em 6,3% dos casos estudados no projeto HARMED.
227
229
Gabrielle Griffins, “Visibility Blues:
Gender Issues in Elder Abuse in Em conclusão, é seguro afirmar que a maioria das situações de violência física sobre pessoas idosas é perpretada
Institutional Settings” (1999), 10(1-2),
Journal of Elder Abuse and Neglect, pelo/a seu/sua cônjuge ou companheiro/a.
29 https://www.researchgate.net/
publication/233006858_Visibility_
Blues_Gender_Issues_in_Elder_
Abuse_in_Institutional_Settings 1.3. Violência psicológica
(consultado a 05-09-2019)
230
APAV (n.º 8) Seguindo a tendência já identificada, a violência psicológica é perpetrada sobretudo pelos/as familiares da vítima.
Os estudos ABUEL, AVOW e HARMED indicam que são os/as cônjuges ou companheiros/as quem pratica mais
Os dados do estudo populacional
231
sobre a violência do projeto este tipo de violência, porém os resultados do projeto Envelhecimento e Violência demonstram que são outros/as
Envelhecimento e Violência apontam familiares (que extravasam o núcleo familiar) os principais agressores/as.
para 23,4% dos/as agressores/as.
68
RELAÇÃO DE PROXIMIDADE
Na verdade, neste estudo os/as cônjuges ou companheiros/as surgem em segundo lugar com uma representação
de 29,6%, atrás de outros/as familiares, que representam 37,4% do total de agressores/as.
Mais, enquanto os estudos ABUEL, AVOW e HARMED demonstram que os/as descendentes ocupam o segundo
lugar na lista de agressores/as psicológicos, no estudo do projeto Envelhecimento e Violência estes surgem
somente em quarto lugar, sendo imediatamente precedidos por amigos/as ou vizinhos/as da vítima.
Apesar de não estarmos em condições de traçar o típico perfil do/a agressor/a sexual, podemos afirmar que este tem uma
relação de proximidade física com a vítima, o que permite concluir que poderá tratar-se de um crime de oportunidade.
É pertinente esclarecer que muitos/as dos/as agressores/as não estão conscientes que o seu ato consubstancia a
prática de violência sexual e um crime. Na verdade estes/as tendem a convencer-se que a vítima, sendo uma pessoa
adulta, poderia evitar a prática do ato caso assim o desejasse, pensamento que denota falta de conhecimento sobre
aquilo que o envelhecimento implica, nomeadamente um aumento de vulnerabilidade física e/ou psíquica.
No estudo do projeto Envelhecimento e Violência refere-se que as vítimas deste tipo de violência foram aquelas
que mais se recusaram a identificar o/a agressor/a (em 22,3% dos casos), o que pode significar “uma subestimação
do problema no diz [sic] respeito à identidade do agressor, perpetuando assim a crença de que da família
(sobretudo dos filhos), não se faz queixa”236.
1.6. Negligência
Os estudos ABUEL e HARMED não apresentam quaisquer dados relativamente a negligência e no âmbito do
projeto Envelhecimento e Violência somente quatro das 510 pessoas idosas inquiridas mencionaram ter sofrido
algum tipo de negligência.
Os resultados do projeto AVOW indicam que quase 10% das mulheres idosas inquiridas (288 pessoas) assumiu
ter sido vítima de negligência. Este estudo conclui que a maioria (54,7%) dos/as agressores/as são os/as
descendentes em primeiro grau da vítima (filhos ou filhas) ou noras e genros.
Instituto Nacional de Saúde
232
quando existe, a impossibilidade destes de a pagar ou frequentar (por falta de tempo ou por não existir um 235
Soares (n.º 77)
terceiro que preste cuidados à pessoa idosa na sua ausência, por exemplo).
Instituto Nacional de Saúde
236
69
1.7. Abandono
Não encontrámos quaisquer dados relativamente ao perfil do/a agressor/a que abandona uma pessoa idosa,
porém, e por definição, este/a será alguém constituído no dever de prestar cuidados à pessoa idosa, o que aponta
para a família nuclear, outros/as familiares (na ausência daquela) ou também cuidadores/as formais. Assim
encontra-se igualmente uma relação de proximidade do/a agressor/a com a vítima.
1.8. Conclusão
Apesar de estes e outros estudos terem sido muito importantes para descortinar o perfil do/a agressor/a, é
importante realizar mais investigação de forma a coletar dados desagregados mais recentes e amostras mais
diversificadas e representativas que nos permitam traçar um perfil do/a agressor/a não só mais atualizado mas
também mais específico.
Cumpre, claro, colmatar as falhas verificadas na literatura, mormente no que à temática do abandono diz respeito.
Compreendemos que esta lacuna possa advir da associação feita entre o abandono e a negligência (na senda
da definição da Organização Mundial de Saúde237), porém cremos que o futuro da pesquisa da violência contra
pessoas idosas deverá passar não só pela autonomização deste tipo de violência, como pelo seu estudo mais
aprofundado, reconhecendo-se a sua multidimensionalidade.
Mais, além de estudar o perfil do/a agressor/a em si, importa delinear também o contexto e/ou o perfil da
instituição em que ocorre violência para traçar linhas de resposta.
237
Cf. O abandono
70
2. Perfil do/a agressor/a – os estudos
As tabelas que se seguem apresentam de forma mais estruturada e de mais fácil leitura as conclusões
apresentadas ao longo do texto sobre o perfil do/a agressor/a.
Na tabela 3 pode ver-se o ano de publicação de cada estudo, bem como a amostra coletada e o método de recolha
de informação. Esta organização facilita a comparação não só dos métodos de investigação escolhidos, como dos
resultados alcançados pelos três estudos utilizados na nossa análise.
As tabelas 4 e seguintes, por seu turno, apresentam as principais conclusões a que cada estudo chegou por tipo de
violência. Para cada estudo indica-se a nomenclatura utilizada (pois esta por vezes varia), a conduta que define o tipo
de violência sob análise e aquele/a que é identificado como o/a principal agressor/a. No caso do estudo populacional
sobre violência do projeto Envelhecimento e Violência e do projeto AVOW apresentam-se os dados relativos a Portugal;
no caso do estudo ABUEL, os resultados apresentados referem-se a todos os países envolvidos na investigação, uma vez
que o relatório não apresenta dados desagregados por país no que concerne aos/às agressores/as.
Tal como se referiu no texto, estes estudos não recolheram dados sobre o abandono, pelo que não é apresentada
uma tabela relativa a este tipo de violência.
Algumas caixas nas tabelas encontram-se preenchidas com a cor cinzenta. Tal acontece quando os estudos não
apresentam informação que permita preencher aqueles espaços.
AVOW 2011 2880 mulheres com 60-97 anos, Aplicação de questionário por via postal
residentes em domicílios particulares (Bélgica, Finlândia e Portugal); aplicação
na Áustria, Bélgica, Finlândia, Lituânia e de questionário presencialmente (Bélgica
Portugal e Lituânia); aplicação de questionário via
telefone (Áustria)
Estudo populacional 2014 1123 pessoas com 60+ anos, residentes Aplicação de questionário através de
sobre violência (projeto em domicílios particulares em Portugal entrevistas telefónicas assistidas por
Envelhecimento e computador
Violência)
HARMED N/A239 677 indivíduos com 60+ anos residentes Aplicação presencial de um inquérito por
na cidade do Porto questionário, seguido da realização do
estudo qualitativo, a partir da aplicação de
45 entrevistas semiestruturadas
Tabela 3 — Os estudos
238
Sheltered housing consiste em
acomodações para pessoas idosas
ou portadoras de deficiência,
constituídas por unidades
independentes privadas, com
algumas instalações compartilhadas
e um diretor.
239
À data da redacção deste
Relatório, fevereiro de 2020,
os resultados deste estudo
encontravam-se ainda por publicar.
71
ESTUDO TIPO DE VIOLÊNCIA CONDUTA AGRESSOR/A
(NOMENCLATURA)
AVOW Física Condutas levadas a cabo com intenção de Filho/a, noras ou genros
causar dor ou danos físicos ou privações (42,1%)
de necessidades básicas (restrições físicas,
atacar, atirar objetos, sobremedicar)
Estudo populacional Psicológica Gritar; ofender; insultar; humilhar; ameaçar Outros familiares241 (37,4%)
sobre violência (projeto
Envelhecimento e
Violência)
72
ESTUDO TIPO DE VIOLÊNCIA CONDUTA AGRESSOR/A
(NOMENCLATURA)
ABUEL Financeira Ex.: tentar forçar a dar dinheiro, bens ou Outros242 (61,7%)
propriedade
Estudo populacional Financeira Roubo e/ou utilização de objetos e/ou bens Descendentes (26,1%)
sobre violência (projeto sem autorização da pessoa idosa; forçar a
Envelhecimento e pessoa a assinar documento ou conceder
Violência) direitos legais; apropriação de casa; não
comparticipação nas despesas domésticas
ABUEL
HARMED
Tabela 8 — Negligência
242
Excluem-se os/as cônjuges e
companheiros/as, descendentes,
outros familiares, amigos/as,
conhecidos/as e vizinhos/as. O
exemplo mencionado no estudo é o
dos/as cuidadores/as formais.
73
3. Fatores de risco da violência contra pessoas idosas
Fatores de risco são “comportamentos, experiências, particularidades individuais ou aspetos referentes ao estilo
de vida ou ambiente, que aumentam a probabilidade de ocorrerem maus-tratos”243. No campo teorético, a
identificação de fatores de risco relacionados com certos tipos de violência possibilita um mais aprofundado
conhecimento das suas causas e a criação de respostas mais adequadas à diminuição da sua incidência. Já no
plano prático, a identificação dos fatores de risco será idealmente levada a cabo através de uma avaliação de
risco devidamente fundamentada e realizada mediante diretrizes que espelhem o conhecimento clínico, teórico
e empírico atual sobre a violência244. No que à prevenção da violência diz respeito, esta correta identificação de
fatores de risco permite a definição de estratégias que podem ser adaptadas e colocadas em prática exatamente
para prevenir que se verifiquem situações de crime ou violência245. Por outro lado, no que toca à intervenção
junto das vítimas, aquela identificação possibilita a criação de um plano de gestão do risco, operacionalizado, por
exemplo, através da elaboração de um plano de segurança pessoal, com o objetivo último de criar um contexto de
vida mais seguro para a vítima.
Qualquer estudo sobre violência, particularmente sobre violência contra pessoas idosas, não estará completo se
se ignorarem os fatores de risco associados a esse tipo de violência ou ao grupo de vítimas em causa. Admitindo
que os fatores de risco de seguida apresentados são individualmente merecedores de considerações mais
aprofundadas do que as que aqui serão feitas, cabe-nos neste contexto listar de forma não exaustiva aqueles
que têm sido indicados pela literatura e pelos vários estudos empíricos dedicados a esta temática. O objetivo é
apresentar ao/à leitor/a um quadro tão abrangente quanto simples de consultar, para que seja útil a sua utilização
no exercício profissional diário.
Uma vez que fatores de risco dizem respeito aos comportamentos e experiências individuais (conforme o conceito
acima apresentado), a literatura existente tem vindo a focar-se na identificação e estudo de fatores de risco
relacionados com os indivíduos: fatores de risco relativos à vítima, ao/à agressor/a e à relação entre ambos. Esta
estrutura de pensamento adequa-se melhor, claro, à violência contra pessoas idosas no seu plano individual,
243
Egas Moniz – Cooperativa de
Ensino Superior CRL, Associação
isto é, violência que é exercida por uma pessoa singular ou interpessoal246. Nesse sentido, o quadro abaixo
Portuguesa de Apoio à Vítima e apresentado lista os fatores de risco normalmente identificados em casos de violência individual, agrupando-
outros, “AGED Assessment Guidelines
for Elder Domestic Violence: Manual
os em (i) fatores de vulnerabilidade247, (ii) fatores de risco do/a agressor/a e (iii) fatores de risco contextuais e
e Protocolo de Aplicação” (2018) relacionais. Estes últimos dizem respeito à dinâmica relacional entre a vítima e o /a agressor/a e ao ambiente em
que esta se desenvolve.
244
Ibid.
245
Ibid. É importante sublinhar que aquando da avaliação de risco em casos concretos raramente se identifica apenas
246
Cf. As dimensões particular, um dos fatores de risco apresentados. A violência, e em particular a violência contra pessoas idosas, resulta
institucional e pública da violência da interação complexa de fatores individuais, relacionais, sociais, culturais e relacionados com o ambiente,
contra pessoas idosas
não devendo os fatores de risco ser considerados individualmente248. Neste sentido, afirmam Odete Borralho,
247
É comum falar-se em “fatores de Margarida Pedroso Lima e José Ferreira-Alves, diferentes contextos e meios resultam em diferentes relações entre
risco da pessoa idosa”, contudo esta
nomenclatura pode sugerir que a
os condicionantes do abuso e uma maior expressão de um determinado fator de risco249.
vítima tem um papel ativo no risco
e na vitimação, quando não é esta
a ideia que se pretende transmitir.
Assim, adota-se aqui a terminologia
utilizada pelo projeto AGED (Egas
Moniz – Cooperativa de Ensino
Superior CRL, n.º 243)
249
Odete Isabel Afonso Borralho e
outros, “Lições Aprendidas Através
do Despiste de Abuso a Pessoas
Idosas num Serviço de Urgência”
em Sónia Alexandra Galinha (Ed.),
Pedagogia e Psicologia Positiva
(LivPsic 2011) http://repositorium.
sdum.uminho.pt/handle/1822/57429
(consultado a 08-01-2020)
74
FATORES DE FATORES DE RISCO FATORES DE RISCO
VULNERABILIDADE DO/A AGRESSOR/A CONTEXTUAIS E
RELACIONAIS
Normalização da violência
Falta de empatia
Tabela 9 – Fatores de risco identificados pela literatura e estudos empíricos no que toca à violência individual
Os fatores de risco acima apresentados, tendo sido identificados no âmbito da violência individual contra pessoas
idosas não se aplicam verbatim às suas outras dimensões: institucional e estrutural e cultural250.
No que toca à violência institucional, é importante relembrar que se enquadram aqui situações de violência
Cf. As dimensões particular,
que resultam do funcionamento e organização deficitários das estruturas que acolhem ou cuidam de pessoas
250
no contexto institucional serão mais relevantes os chamados fatores de risco situacionais: características da 251
E.I. Megargee, “Psychological
instituição em que a violência tem lugar251. De forma geral, estes fatores podem incluir, por exemplo, aspetos assessment in jails: Implementation
ligados à organização da instituição, aos seu modelo e estrutura de gestão, ao seu ambiente físico e à quantidade of the standards recommended by
the National Advisory Commission
e qualidade dos/as colaboradores/as, entre outros. on Criminal Justice Standards”
(1982), 82, Crime & Delinquency
Issues (National Institute of Mental
Como já foi acima mencionado, os estudos acerca da violência contra pessoas idosas têm vindo a focar-se na Health), 100 apud David J. Cooke
identificação de fatores de risco individuais, existindo, por comparação, menos pesquisa sobre a violência e outros, “Situational Risk Factors
and Institutional Violence” (2008)
institucional e uma grande lacuna no estudo de fatores de risco situacionais. Os poucos estudos que existem Scottish Prison Service Occasional
neste âmbito frequentemente dizem respeito a instituições prisionais ou a instituições de saúde, tornando clara Paper No.1 http://www.sps.gov.
a necessidade de realização de estudos mais aprofundados acerca dos fatores de risco situacionais presentes em uk/nmsruntime/saveasdialog.
aspx?fileName=SPS_Research_
instituições que acolhem e/ou apoiam pessoas idosas, como sejam as ERPI. Não obstante, aqueles estudos em Report_-_Situational_Risk_Factors_-_
contexto prisional poderão ser um ponto de partida. Volume_2.doc (consultado a
08-01-2020)
75
Ao descrever os aspetos que distinguem uma instituição, seja uma prisão ou uma estrutura de acolhimento,
por exemplo, Goffman identificou as barreiras que existem em relação ao contacto social fora da instituição e as
barreiras que existem relativamente à livre saída da pessoa institucionalizada, o facto de todos os aspetos da vida
das pessoas institucionalizadas decorrerem no mesmo sítio e sob a mesma autoridade e de toda a sua atividade
diária ser conduzida na presença ou companhia de outras pessoas252. Goffman conclui que as instituições, em
particular, as instituições fechadas nas quais as pessoas passam a totalidade do seu tempo – as instituições
totais -, têm aspetos que as tornam únicas, o que significa que ao ignorar estas características para nos focarmos
unicamente nos fatores de risco individuais estamos a subestimar a influência que o cenário das instituições tem
na maior ou menor incidência de violência contra pessoas idosas253.
Cooke, Johnstone e Gadon realizaram uma revisão da literatura acerca dos fatores de risco situacionais em
instituições prisionais a pedido do Serviço Prisional Escocês (Scottish Prison Service), no qual sistematizaram
aqueles que, devidamente adaptados ao contexto de instituições de acolhimento e/ou apoio de pessoas idosas, se
apresentam de seguida.
FATORES SITUACIONAIS
Atmosfera (por exemplo, n.º de janelas, Adaptação à mudança/ Flexibilidade da Abordagens e métodos
quantidade de luz natural, sensação criada instituição
por odores, presença de componentes
artísticos e musicais)
N.º de utentes por quarto Requisitos legais mínimos Número de colaboradores/as e proporção
entre número de colaboradores/as e utentes
252
Erving Goffman (1961) apud
Penelope Campling, Steffan Davies Acordo de cooperação com o Instituto da Vocação/motivação
and Graeme Farquharson (Ed) From Segurança Social, I.P.254
toxic institutions to therapeutic
environments residential settings Zonas verdes Garantias de participação (assegurar que Condições de trabalho255
in mental health services (2004) as pessoas idosas estão devidamente
apud Ibid. representadas e que são ouvidas nas
tomadas de decisão que lhes dizem respeito)
253
Cooke (n.º 251)
Zonas que permitam atividades de lazer Adaptação dos procedimentos às Trabalho em equipa
254
Uma estrutura de acolhimento necessidades dos/as utentes
para pessoas idosas só se encontra
legalizada quando, após a verificação Aceitação da diversidade Supervisão dos/as colaboradores/as
dos requisitos legais mínimos,
celebra um acordo de cooperação Abertura à comunidade
com o Instituto da Segurança Social,
I.P.. Sem a celebrar deste acordo,
caso entre em funcionamento, a
instituição será ilegal. Consideramos Tabela 10 – Fatores de risco identificados pela literatura e estudos empíricos no que toca à violência institucional
que a existência dos chamados lares
ilegais são per se uma forma de
violência institucional, daí a inclusão
destes fatores na tabela 10.
Por último, no que se refere à terceira dimensão da violência contra pessoas idosas, a violência estrutural e cultural256,
255
A Psicologia Organizacional e e embora tenham sido já apresentados fatores contextuais257, não nos parece adequado identificar fatores de risco
do Trabalho identifica que certas
condições de trabalho potenciam
no sentido acima apresentado, i.e. como comportamentos ou experiências individuais. Ao invés, parece-nos mais
o desgaste dos trabalhadores. São adequado discutir uma conjuntura social pautada por desafios cuja resposta por parte do Estado e dos indivíduos que
exemplos disso o trabalho por turnos
o compõem resulta numa maior ou menor incidência de violência pública contra pessoas idosas.
e os baixos salários.
256
Cf. As dimensões particular, Identificam-se, assim, os seguintes fatores, sem prejuízo de outros que possam vir a ser reconhecidos por estudos
institucional e pública da violência
contra pessoas idosas que tratem especificamente esta dimensão da violência ou por circunstância das rápidas alterações sociais a que
possamos vir a assistir:
257
Cf. Fatores de risco contextuais e
relacionais, tabela 10
76
• Falta de reconhecimento ou reconhecimento tardio das consequências do envelhecimento
populacional e das necessidades de adaptação dos Estados, por exemplo, dos Sistemas de Segurança
Social, dos Sistemas de Saúde, das soluções de acolhimento para pessoas idosas, entre outros;
• Não medição das consequências de leis e políticas para a população idosa;
• Não auscultação e envolvimento efetivo das pessoas idosas em iniciativas legislativas e novas políticas
públicas que a si digam diretamente respeito;
• Falta de reconhecimento do valor económico (direto e indireto) das atividades das pessoas idosas;
• Decisão e aplicação de medidas com efeitos regressivos258 sem acautelar devidamente as consequências
para grupos mais vulneráveis;
• Falta de iniciativas de sensibilização da população sobre o envelhecimento;
• Sobrevalorização da juventude;
• Falta de preparação para a reforma dos indivíduos, que poderão tornar-se pessoas idosas menos
conscientes e reivindicativas dos seus direitos enquanto pessoas que já não se encontram no ativo;
• Idadismo: conjunto de estereótipos, preconceitos e comportamentos de discriminação em relação a
grupos ou indivíduos com base na sua idade259;
• Barreiras à participação política e social das pessoas idosas;
• Falta de reconhecimento da diferença entre envelhecer e as questões sociais e geracionais. Por
exemplo: as pessoas presentemente idosas têm níveis baixos de escolaridade, mas isto não é uma
consequência de serem idosas, mas sim porque não houve uma adequada política de educação quando
eram jovens.
• Não reconhecimento da heterogeneidade das pessoas idosas.
Conclusão
Ao largo estudo dos fatores de risco de violência contra pessoas idosas na sua dimensão individual contrapõe-se
a parca investigação daqueles fatores nas dimensões institucional e estrutural e cultural, necessária para que
se conheça em profundidade a violência contra pessoas idosas e se possa atuar sobre a mesma de forma eficaz.
Recomenda-se a realização de estudos dos fatores de risco da violência no contexto específico das instituições
que acolhem ou prestam cuidados a pessoas idosas, mas também estudos que se foquem a conjuntura social e
cultural que legitima a violência.
Uma vez produzido o conhecimento sobre os fatores de risco da violência contra pessoas idosas importa que estes
sejam endereçados de modo a que não se concretizem em atos de violência ou crime e uma forma de o fazer é
através do desenvolvimento de fatores protetores, que se analisam de seguida.
258
Em inglês e no contexto do
sistema internacional de direitos
humanos, esta expressão traduz-se
para “retrogressive measures” e diz
respeito a qualquer medida que,
direta ou indiretamente, resulte no
retrocesso no gozo de um direito
internacionalmente reconhecido.
259
Cf. Idadismo
77
4. Fatores protetores
260
Rosa Novo e outros, “Violência
Contra a Pessoa Idosa no
Contexto Familiar - Guia de
apoio aos profissionais na
identificação e sinalização” (2016)
https://bibliotecadigital.ipb.pt/
handle/10198/14270 (consultado a
12-12-2019) Os fatores protetores (ou fatores de proteção) podem ser definidos como características individuais ou
261
Michiel de Vries Robbé, Vivienne
condições situacionais ou contexto ambiental que minoram a vulnerabilidade de um indivíduo a situações
de Vogel, Jeantine Stam, “Protective de vitimação260. Pense-se no seguinte exemplo: duas pessoas apresentam os mesmos fatores de risco de serem
Factors for Violence Risk: The Value
for Clinical Practice” (2012), Vol.3,
expostas a violência física, mas uma delas tem um guarda-costas. A existência deste guarda-costas é um fator
No.12A, Psychology, 1259 https://www. protetor, na medida em que torna aquela pessoa menos vulnerável à possibilidade de experienciar violência.
scirp.org/journal/psych/ (consultado
a 27-01-2020)
Os fatores de proteção, de resto tal como os fatores de risco, podem estar ligados ao indivíduo, dizendo respeito
262
Karl Pillemer e outros, “Elder à potencial vítima ou ao/à potencial agressor/a, ou estar ligados ao contexto em que aqueles/as se inserem261.
Abuse: Global Situation, Risk Factors,
and Prevention Strategies” (2016), Podem não estar sequer diretamente relacionados com a violência, ligando-se antes a recursos pessoais ou sociais
Vol. 56, n.º 2, The Gerontologist, (a “bagagem” que cada um de nós tem).
194 https://academic.oup.com/
gerontologist/article/56/Suppl_2/
S194/2605277 (consultado a 13- A literatura internacional e nacional tende a focar-se nos fatores de risco, esquecendo um pouco os fatores de
12-2019)
proteção262. Por outro lado, quando são estudados, estes são por vezes interpretados de forma enviesada sendo
263
Vivienne de Vogel e outros, vistos como a mera ausência de fatores de risco263. Na realidade, os fatores protetores têm um lugar próprio na
“Assessing Protective Factors
análise do risco de violência que não se determina exclusivamente por oposição aos fatores de risco.
in Forensic Psychiatric Practice:
Introducing the SAPROF” (2011),
10:3, International Journal Of Sem prejuízo da autonomia dos fatores protetores e dos fatores de risco, a gestão de risco e a definição de estratégias
Forensic Mental Health, 171 https://
www.tandfonline.com/loi/ufmh20 para prevenir a violência deve reunir ambos264. Se a identificação de fatores de risco pode resultar na criação de
(consultado a 27-01-2020) um plano de segurança que atue sobre os mesmos e diminua a vulnerabilidade em relação ao crime e violência, a
264
Egas Moniz – Cooperativa de
sinalização de fatores protetores viabiliza a avaliação do quão realista é aquele plano265. Por exemplo: ainda que os
Ensino Superior CRL (n.º 243) fatores de risco apresentados por duas vítimas sejam iguais, a forte rede comunitária de uma delas funcionará como
265
Vogel (n.º 263)
um fator protetor, diferenciando a intervenção e o plano de segurança traçado em relação à outra vítima.
272
Ana Paula Gil (coord.), “Relatório
Sabendo que o isolamento social é um fator de risco, é preciso proporcionar a integração da pessoa idosa numa
Científico Envelhecimento e rede comunitária, sendo esta, por sua vez, um fator de proteção. A convivência com um número alargado
Violência” (s/a) http://repositorio.insa.
pt/handle/10400.18/2584?mode=full
de pessoas dificulta a prática de atos violentos por variados motivos: desde logo, a sua presença física ou
(consultado a 12-12-2019) proximidade pode funcionar como inibidor. Por outro lado, verificando-se alguma situação de violência (ou
suspeitando-se que existe), aqueles/as podem intervir, mormente denunciando-a às autoridades competentes273.
273
Dias (n.º 38)
78
4. Fatores protetores
Adicionalmente, a existência de pessoas próximas (fisicamente ou com um contacto frequente, como amigos/as
ou filhos/as com os/as quais a pessoa idosa fala ao telefone diariamente, por exemplo) contribui para o bem-estar
e segurança das pessoas idosas274.
Os fatores de proteção podem ser encontrados também nos/as potenciais agressores/as: enquanto os fatores de
risco são aquelas variáveis que os/as compelem a praticar atos de violência, os fatores de proteção são variáveis
que os dissuadem da prática desses atos.
O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos
(Center for Disease Control and Prevention) identifica como fatores de proteção relacionados com os/as agressores/
as a existência de várias e fortes relações com pessoas de variados estatutos sociais275. Também a resiliência e
o suporte social foram nomeados como importantes fatores de proteção relativamente ao abuso de pessoas com
demência num estudo realizado com 326 cuidadores/as informais em Castela e Leão (Espanha)276.
Os benefícios da formação dos/as cuidadores/as277 podem também ser entendidos como fatores protetores
ligados ao/à potencial agressor/a, na medida em que se traduzem não só na preparação para os cuidados, como
também os/as preparam para normalizar as suas expectativas em relação ao ato de cuidar e àquilo que as pessoas
idosas cuidadas são capazes de fazer, minimizando as situações de conflito e frustração278.
do público sobre o processo de envelhecimento pode ser entendido como um fator protetor da violência280, uma 275
National Center for Injury
vez que coloca as expetativas sobre quem são e do que são capazes as pessoas idosas mais próximas da realidade. Prevention and Control, Division
of Violence Prevention, “Risk and
Protective Factors”, Centers for
Outro importante fator de proteção é a informação disponível sobre violência, direitos e serviços de apoio como Disease Control and Prevention
forma de diminuir (ou idealmente erradicar) a marginalização das pessoas idosas e aumentar a sua autonomia. A https://www.cdc.gov (consultado a
13-12-2019)
disseminação desta informação deve ocorrer junto das pessoas idosas e das suas famílias, mas também do público
em geral, focando-se nos direitos enquanto vítima das pessoas idosas, nos seus direitos enquanto cidadãos e Lídia Serra e outros, “Resilience
276
A violência contra pessoas idosas tem de ser vista na sua globalidade, incluindo não apenas as condutas violentas Cf. O apoio e a formação como
278
281
Ibid.
282
Ibid.
79
Uma vez que a literatura internacional e nacional tem vindo a focar-se nos fatores
de risco e não na forma de os minorar, é recomendável a elaboração de mais
estudos sobre os fatores de proteção da violência contra pessoas idosas. A esta
investigação deve seguir-se a criação de instrumentos de avaliação de risco que
contabilizem não só os fatores de risco presentes como os fatores de proteção.
A APAV, em parceria com a Egas Moniz – Cooperativa de Ensino Superior, a Escola de Criminologia da Faculdade
de Direito da Universidade do Porto e o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, encontra-se a
desenvolver o Manual AGED – Assessment Guidelines for Elder Domestic Violence. Este instrumento de avaliação do
grau de risco foi criado com o objetivo de dar suporte aos/às profissionais que atuem na área da violência doméstica,
mais concretamente, no acompanhamento e/ou avaliação de processos de violência contra pessoas idosas283.
80
5. Pessoas idosas como agressoras e violência entre
pessoas idosas
As pessoas idosas são um grupo tão heterogéneo como qualquer outro grupo etário, sendo cada indivíduo que o
compõe marcado pelas suas experiências e vivências pessoais, pelo que não deverá ser de estranhar que existam
pessoas idosas que cometem crimes ou, de resto, praticam alguma forma de violência sobre outros.
Apesar de este trabalho se focar nas pessoas idosas vítimas de crime e violência, cremos que ficaria incompleto
caso não fossem feitas algumas considerações sobre as pessoas idosas como agressoras – tanto de outras pessoas
idosas como de outras pessoas das demais faixas etárias. Na verdade, o reconhecimento de que existem pessoas
idosas que vestem a pele de perpetrador/a de violência terá necessariamente de conduzir à conclusão de que nem
todas as pessoas idosas são vulneráveis nem tão-pouco de que todas as pessoas mais velhas são indefesas.
Neste capítulo pretendemos abordar a temática das pessoas idosas como agressoras nos variados tipos de
violência, todavia é pertinente fazer de imediato uma ressalva no que concerne à negligência, um tipo comum
de violência contra pessoas idosas284. Sendo certo que esta pode ser perpetrada por uma pessoa idosa (quando
esteja encarregue da prestação de cuidados de outra pessoa idosa e falhe o seu cumprimento devido), há que ser
cuidadoso para se considerar que há, de facto, um/a agressor/a285.
Não obstante estarmos perante uma conduta que causa prejuízos a outrem, o/a prestador/a de cuidados idoso/a
pode não ser merecedor da censura moral (e ainda menos de censura penal) que sobre ele/a recairá. Queremos
com isto dizer que ainda que uma pessoa idosa seja negligente com outra, o termo “agressor/a” e o teor pejorativo
que o acompanha podem ser excessivos, quando se verifiquem determinadas circunstâncias na prestação de
cuidados, mormente as incapacidades físicas ou cognitivas do/a próprio/a cuidador/a286.
É também importante chamar a atenção para as questões de imputabilidade: os quadros demenciais ou outros
que afetem capacidades cognitivas, e que podem verificar-se com frequência entre pessoas idosas, devem ser tidos 284
Cf. Negligência
em conta quando se categoriza um indivíduo como agressor/a. Cerca de metade das pessoas diagnosticadas com
demência apresentam comportamentos de agressão (muitas vezes associados a um rápido declínio cognitivo)287, 285
A argumentação que se segue
valerá, naturalmente, para as pessoas
pelo que será inadequado falar-se em agressores/as no sentido comummente utilizado, ainda que se verifiquem de qualquer faixa etária que prestem
comportamentos violentos da pessoa idosa para com outros (muitas vezes, os/as seus/suas cuidadores/as). cuidados a pessoas idosas e não
estejam aptas a tal.
Assim, referindo-nos às pessoas idosas como agressoras não estaremos a referir-nos àquelas que negligenciam 286
Cf. As principais dificuldades dos
ou agridem outras pessoas idosas por desconhecimento ou incapacidade desculpáveis. Focar-nos-emos antes nas cuidadores/as
pessoas idosas que praticam atos que materialmente configuram violência, conhecendo os efeitos nefastos para 287
Diane Dettmore, Ann Kolanowski
os outros, mesmo que não os caracterizando como violência. Ou seja, referir-nos-emos àquelas pessoas idosas que e Malaz Boustani, “Aggression in
Persons with Dementia: Use of
ainda que não conheçam quais os atos típicos que são considerados violência contra pessoas idosas, conhecem as Nursing Theory to Guide Clinical
consequências da sua conduta (tendo ou não intenção de provocar tais consequências)288. Practice” (2009), 30(1): 8, Geriatr
Nurs https://www.ncbi.nlm.nih.
gov/pmc/articles/PMC3365866/
Neste capítulo daremos especial atenção à violência praticada por pessoas idosas contra pessoas idosas. Todavia (consultado a 14-10-2019)
queremos deixar uma outra nota às situações em que as pessoas idosas são agressoras dos/as seus/suas 288
Aqui incluir-se-ão as situações
cuidadores (fora de um quadro de demências). Ainda que não tenhamos encontrado estudos realizados nesta em que as pessoas idosas falham
área289, existem relatos de comportamento agressivo das pessoas idosas para aqueles que lhes prestam cuidados, intencionalmente o cumprimento
dos seus deveres de prestação de
sejam eles profissionais ou não. cuidados a outra pessoa idosa.
289
A literatura por nós encontrada
No que concerne aos/às cuidadores profissionais, é de ter em conta o possível desenvolvimento de uma tende a focar-se nos pacientes
mentalidade de “nós versus eles”, na qual as pessoas idosas não encontram pontos de confluência com o staff com demências ou alterações
neurológicas, que já excluímos do
que lhes presta apoio. O/A prestador/a de cuidados pode reger-se por princípios e valores que a pessoa idosa escopo desta discussão.
rejeita ou até ter uma origem étnica ou orientação sexual diferente daquelas com as quais a pessoa idosa se
290
Robin Bonifas e Marsha Frankel,
sente confortável – e tem dificuldade em aceitar. A incapacidade de aceitação da diferença pode revelar-se em “Senior Bullying Part 3: What is
comportamento violento, que pode consubstanciar-se em condutas de violência física ou psicológica290. Por outro the Impact of Bullying?” (2012),
lado, a pessoa idosa pode considerar que a prestação de cuidados que recebe é inadequada ou insuficiente ou My Better Nursing Home http://
www.mybetternursinghome.com/
que o/a cuidador/a não é capaz de fazer o seu trabalho devidamente, demonstrando o seu descontentamento ou senior-bullying-part-3-what-is-the-
81
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Quando se tratam de cuidadores/as informais, não será de ignorar o quadro relacional em que o comportamento
violento se verifica. É possível que a violência perpetrada pela pessoa idosa represente a continuação de violência
praticada ao longo da relação entre a pessoa cuidada e quem cuida ou ser também o resultado da insatisfação
com a prestação de cuidados ou atenção recebida.
Os comportamentos violentos das pessoas idosas para com os/as seus/cuidadores criam um ambiente de medo
e desrespeito, fazendo com os últimos se sintam insatisfeitos com a prestação de cuidados e com a sua relação
com os primeiros291. A estes sentimentos acrescem as consequências negativas que qualquer forma de violência
acarreta para as vítimas292.
Devemos neste momento fazer uma nota às situações de violência doméstica. É certo que esta pode ocorrer entre
pessoas idosas, porém não é por os intervenientes serem pessoas com 65 ou mais anos que a conduta deve deixar
de ser qualificada como violência doméstica, para passar a ser qualificada como violência contra pessoas idosas294.
É indispensável ter em conta o eventual historial prévio de violência doméstica entre a vítima e o/a agressor/a. Por
291
Ibid. exemplo, se um homem agride a sua esposa na constância do matrimónio estamos perante um crime de violência
Cf. Consequências da violência
292
doméstica. Se esta situação se mantiver até o casal ter mais de 65 anos, continuamos a estar perante um crime de
contra pessoas idosas violência doméstica e não perante uma situação de violência contra pessoas idosas.
293
Cf. Idade e vulnerabilidade
Feita esta breve explicação, neste texto não nos focaremos nos/as agressores/as idosos/as em contexto de violência
294
Na verdade, a letra da lei não doméstica, virando antes a nossa atenção para a violência entre pessoas idosas em contexto de bullying.
faz qualquer distinção com base na
idade da vítima para considerar que
se existe ou não violência doméstica Como sucede em todas as faixas etárias, por vezes os conflitos pessoais entre as pessoas idosas culminam em
(cf. artigo 152.º do Código Penal).
agressões físicas. Por outro lado, também são observáveis situações de violência psicológica, na forma de ameaças
295
Ana Lígia da Cunha, “Dos Oito ou insultos ou outros, ainda que sem se prolongarem no tempo. Além de episódios esporádicos de violência entre
aos Oitenta - Bullying Sénior:
Emergência e Preocupações Acerca
pessoas idosas, é possível observar um fenómeno de bullying entre pessoas idosas.
de um Fenómeno (Des)Conhecido”
(2016), Dissertação de Mestrado
Bullying tende a ser o conceito utilizado para definir a violência entre pares295, independentemente da sua
apresentada à Universidade
Católica Portuguesa para obtenção idade296. Não obstante inexistir uma definição universal do termo, pode considerar-se que o bullying inclui
do grau de mestre em Serviço comportamentos de intimidação, insulto, violência, agressividade, perseguição, maus-tratos e outros como
Social https://repositorio.ucp.pt/
bitstream/10400.14/20843/1/ prepotência, egoísmo e rejeição, não se esgotando nesta lista297. Ainda que não haja uma correspondência exata
Disserta%C3%A7%C3%A3o%20 entre os comportamentos que constituem bullying e os tipos de violência contra pessoas idosas nas definições
Bullying%20S%C3%A9nior.pdf
(consultado a 14-10-2019)
adotadas neste trabalho, há certamente convergência em vários pontos. Por exemplo, a rejeição de uma pessoa
idosa de um grupo social pode constituir uma forma de violência psicológica; o ato de intimidar uma pessoa idosa
O bullying é estudado
com o objetivo de se apropriar dos seus bens pode constituir uma forma de violência económico-financeira.
296
298
Ibid. A literatura geralmente divide esta forma de violência em dois tipos299:
299
Jennifer E. Rooney, “The
Effect of Playback Theatre on 1. Direto: é o tipo de bullying mais óbvio de identificar, podendo ser físico (agressões físicas como esbofetear
Managing Elderly Bullying in Senior
Communities” (2014), St. Catherine
ou pontapear) ou não (insultos, ameaças, furto de pertences);
University https://sophia.stkate.edu/ 2. Indireto: ocorre ao nível das interações sociais e é mais difícil de identificar (exclusão de um grupo,
msw_papers/380/ (consultado a
desprezar, espalhar boatos).
17-10-2019)
82
O bullying indireto é o mais comum entre as pessoas idosas300, porém a inexistência de marcas físicas não
significa que seja uma forma de violência menos gravosa ou que mereça menos atenção. O bullying, em
qualquer das suas variantes, tem efeitos nefastos na saúde da vítima, podendo conduzir a stress pós-traumático,
medo, isolamento, aumento de perturbações mentais (e.g. depressão), perda de independência funcional ou
problemas emocionais que, por sua vez, se traduzem no aumento dos custos com a prestação de cuidados301/302.
Concomitantemente, a verificação destes fatores potencia ainda mais a vulnerabilidade da vítima, criando um
ambiente propício para o/a agressor/a adotar mais condutas violentas303.
De acordo com Robin Bonifas, Professora de Serviço Social da Universidade do Arizona nos Estados Unidos da 300
Ibid.
América e autora da publicação Bullying Among Older Adults: How to Recognize and Address an Unseen Epidemic, 301
Joana Teixeira Ferreira, “Bullying
o bullying afeta 1 em cada 5 pessoas idosas304. Um estudo conduzido em cinco instituições de acolhimento de entre idosos institucionalizados
pessoas idosas no estado do Minnesota, também nos EUA, concluiu que 98% dos profissionais que aí trabalhavam – expressões num contexto”
(2017), Dissertação apresentada
tinham observado algum tipo de bullying entre os residentes305. Em Portugal, um estudo publicado em 2018, à Universidade de Aveiro para
no qual foram entrevistadas 15 cuidadoras em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), concluiu que obtenção do grau de Mestre
em Gerontologia. https://ria.
a violência entre pessoas idosas institucionalizadas ocorre diariamente, ainda que não envolvendo sempre os/as ua.pt/bitstream/10773/18865/1/
mesmos/as residentes306. Disserta%C3%A7%C3%A3o_
JoanaFerreira.pdf (consultado a
15-10-2019)
Atendendo aos números apresentados, podemos afirmar que estamos perante um problema de grande relevância
na população idosa que, com o aumento da longevidade e da institucionalização, será de esperar que agrave Bonifas e Frankel (n.º 290)
302
se não for devidamente combatido. Recomendamos o estudo deste fenómeno em Portugal para se conhecer a 303
Maria José D. Martins,
verdadeira extensão deste problema e identificar os meios eficazes de o anular. “Violência interpessoal e maus-
tratos entre pares, em contexto
escolar” (2007), Vol. XV, nº 2,
2007, Revista da Educação, 51
ainda mais problemas à identificação e relacionamento com os outros307. outros. Felicia Jo VandeNest,
“Bullying in Senior Living Facilities: A
Qualitative Study” (2016), All Theses,
Outro fator de risco associado à concentração de indivíduos é a falta de privacidade: as pessoas idosas aquando Dissertations, and Other Capstone
Projects. Paper 601 https://pdfs.
da institucionalização são confrontadas com a partilha de espaços que até então teriam sido privados (como o semanticscholar.org/3bf2/ec03
seu quarto ou a casa-de-banho). Não só passam a ter de partilhar estes espaços de forma constante, como podem 8ed68a96e5fd18b59886c9449488f
509.pdf (consultado a 17-10-2019)
ver-se obrigadas a partilhá-los com pessoas com as quais não se relacionam de forma positiva. A convivência
obrigatória e a partilha de espaços com outras pessoas com experiências de vida e modos de estar tão díspares 306
O estudo não se debruça
somente sobre o bullying entre
pode causar sentimentos negativos (como inveja, irritação ou impaciência), que conduzem a frustração e podem pessoas idosas, mas sobre
culminar em agressões a outros/as. todas as formas de violência
que se verificam entre pessoas
idosas institucionalizadas. Joana
Sabemos já que as estruturas residenciais para pessoas idosas são consideradas uma instituição total308, o que Ferreira, João Tavares e Liliana
limita fortemente a liberdade dos residentes. Observa-se um processo de despersonalização de todos/as os/as Sousa, “Resident-to-resident
elder mistreatment (R-REM): a
residentes, através da imposição de horários para as atividades diárias, e respetiva uniformização, da limitação study in residential structures for
da locomoção dos/as utentes, ou através até de coisas mais simples como a impossibilidade de escolher o canal elderly people (ERI) in Portugal”
(2017), Vol. 31, No 1, Journal
de televisão a que pretendem assistir, visto que a televisão é partilhada por vários/as. Estas imposições, ainda of Elder Abuse & Neglect, 66
que facilitem a organização e o funcionamento da instituição, por um lado não permitem às pessoas idosas https://www.tandfonline.com/doi/
abs/10.1080/08946566.2018.15396
desenvolver a sua personalidade conforme desejariam e por outro impede-as de se relacionarem com quem 90?journalCode=wean20
realmente gostariam de se relacionar (pense-se no exemplo em que os lugares para refeição são atribuídos aos/às (consultado a 27-01-2020)
A institucionalização é um processo que pode ser doloroso para as pessoas idosas, já que as obriga a abdicar da Cf. Fatores de risco de violência
308
83
vida que sempre viveram para se adaptarem a novas regras, rotinas e hábitos, com as quais podem não concordar
ou sequer estar interessadas. A perda de identidade social ou do sentido de pertença são outros elementos
potenciadores de violência entre as pessoas idosas309, na medida em que podem gerar uma necessidade de a
pessoa se sentir em controlo e uma forma de o fazer será através da diminuição dos/as outros/as310.
Do lado das vítimas, há também alguns fatores a ter em atenção311, como o facto de serem recém-chegados/as à
instituição e serem percebidos/as como pessoas vulneráveis.
Também a rede de suporte pode apresentar-se como um fator de vulnerabilidade, quando seja fraca ou dispersa
(por exemplo, ter filhos/as com quem se relaciona positivamente, mas que vivem noutro ponto do país). A viuvez
seguida de institucionalização, ligada à rede de suporte disponível, é também um fator de risco, na medida em
que a pessoa idosa não só terá de aprender a viver sem o/a seu/sua companheiro/a, como terá de enfrentar o
processo de adaptação a novos hábitos e rotinas sozinha.
A dependência de terceiros e as condições de saúde enfraquecida são também fatores a considerar, pois tornam
a pessoa idosa mais vulnerável.
Não podendo eliminar por completo os fatores de risco (pois existirão situações em que inevitavelmente rotinas
serão impostas e os espaços partilhados), as ERPI e os centros de dia deverão esforçar-se para criar um ambiente
positivo de interação entre os/as residentes e entre estas/as e os profissionais. As regras de conduta, mormente
o respeito pelos/as demais e censura do bullying, deverão ser claramente estabelecidas, a par da instituição de
uma política de abordagem dos problemas. Nesta lógica, deve criar-se um espaço de incentivo à denúncia,
no qual utentes e staff se sintam confortáveis para partilhar as situações de bullying que vivenciaram ou
testemunharam312.
Os/As cuidadores/as e outros/as colaboradores/as dos centros de dia ou instituições de acolhimento de pessoas
idosas devem estar capacitados para identificar as situações de violência entre pessoas idosas, o que implica
309
Robin Bonifas (2015) apud fornecer-lhes formação nesse sentido313.
Ferreira (n.º 301)
310
Kate Jackson, “Older Adult A um nível mais micro, cremos que o modelo de gestão de caso para detetar episódios de bullying (e, de resto,
Bullying — How Social Workers Can dos demais tipos de violência de que as pessoas idosas podem ser vítimas) assume incontestável importância.
Help Establish Zero Tolerance” (s/d)
https://www.socialworktoday.com/ Como nas demais formas de violência, detetar situações de bullying nas suas fases iniciais diminui o tempo de
archive/exc_051513.shtml (consultado exposição da pessoa idosa à violência314 e por conseguinte as consequências nefastas são minoradas. Deve ser
a 17-10-2019)
prestada especial atenção às pessoas idosas recém-chegadas à instituição, fornecendo-lhes o apoio necessário à
311
National Center for Assisted Living, transição e adaptação ao seu novo espaço habitacional.
“Bullying Among Seniors (and Not
the High School Kind) - A Prevention
and Surveillance Resource for
Assisted Living Providers” (2017)
https://www.ahcancal.org/ncal/
operations/Documents/Bullying%20
Among%20Seniors.pdf (consultado a
17-10-2019)
312
National Center for Assisted Living
(n.º 311)
313
Ibid.
84
III.
CONSENTIMENTO
OS/AS
CUIDADORES/AS
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
85
III. OS/AS CUIDADORES/AS
1. Terminologias
1.1 Cuidadores formais ou profissionais
1.2 Cuidadores informais ou familiares
1.3 Os/as cuidadores/as e a violência contra pessoas idosas
3. Apoio e formação disponíveis para os/as cuidadores/as e a violência contra pessoas idosas
3.1 Cuidadores/as formais ou profissionais
3.2 Cuidadores/as informais ou familiares
3.3 O apoio e a formação como forma de combater a violência contra pessoas idosas
O termo cuidador/a é genericamente entendido como representando qualquer pessoa que presta cuidados
a outrem. Em Portugal, e no âmbito dos cuidados prestados a crianças, pessoas portadoras de deficiências,
pessoas idosas ou qualquer outra que necessite, ainda que temporariamente, de cuidados, aquele termo assenta
atualmente num binómio: temos, por um lado, os/as chamados/as cuidadores/as formais e, por outro, os/as
cuidadores/as informais.
Antes de tecer quaisquer considerações acerca do papel dos/as cuidadores/as, das dificuldades que enfrentam e
das circunstâncias que podem desencadear situações de violência por parte destes/as contra as pessoas de quem
cuidam, em particular as pessoas idosas, é importante esclarecer estes dois termos.
315
Magda A. Oliveira, Cristina Queirós
1.1. Cuidadores formais ou profissionais e Marina Prista Guerra, “O Conceito
De Cuidador Analisado Numa
Perspectiva Autopoiética: Do Caos À
Para esclarecer o conceito de cuidadores/as formais, partiremos de uma definição apresentada por Magda A. Autopoiése” (2007) 8(2) Psicologia,
Oliveira e outros, que consideram cuidador formal como: Saúde e Doenças, 181 http://www.
scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1645-008620070002
“[O] profissional de saúde que assume formalmente o exercício de uma profissão, pela qual optou 00003 (consultado a 08-01-2020)
como por exemplo, assistentes sociais e outros/as técnicos/as, em equipas multidisciplinares ou interdisciplinares. alta dependência no contexto
familiar” - Dissertação de Mestrado
Uma definição de cuidador/a, quer formal quer informal, não deverá, portanto, limitar-se a consubstanciar um apresentada à Faculdade de
paradigma biomédico mas, sim, transparecer a realidade complexa dos cuidados prestados a pessoas idosas. Educação, Universidade Estadual
de Campinas (2001) apud Maria
Eduarda Machado Melo Ferreira,
Por outro lado, esta definição realça a “profissão” e a “preparação académica e profissional” para a prestação de “Ser cuidador: um estudo sobre a
satisfação do cuidador formal de
cuidados, refletindo assim a “formalidade” dos cuidados prestados, i.e. as habilitações académicas e técnicas que idosos” - Dissertação apresentada
são necessárias para prestar certos tipos de cuidados e o exercício de uma profissão regida por regras deontológicas à Escola Superior de Educação de
Bragança para a obtenção do Grau
e procedimentos transparentes. No entanto, e apesar de a definição apresentada sublinhar a profissionalização dos de Mestre em Educação Social (2012).
cuidados, existe outro aspeto que não se encontra contemplado: o exercício de uma atividade remunerada, que é
também elemento central da prestação de cuidados por profissionais. Assim, partindo da definição apresentada e Por sua vez, para Sequeira o
cuidador formal é aquele que exerce
com base noutras316, postulamos que cuidadores/as formais devem ser entendidos/as como: uma atividade profissional “onde
a prestação de cuidados é por
norma executada por profissionais
qualificados, podendo estes ser
Profissionais com habilitações técnicas que exercem funções de cuidado como médicos, enfermeiros, assistentes
sociais, entre outros, que ganham
contrapartida de uma remuneração. a designação de cuidadores
formais, pois existe uma preparação
específica para a atividade
profissional que desempenham,
É exatamente devido ao facto de a definição por nós proposta enfatizar o exercício de uma atividade remunerada sendo esta atividade variada de
que consideramos esta uma oportuna ocasião para tecer ainda algumas considerações acerca do próprio termo acordo com o contexto onde
se encontram (lares, instituições
cuidadores/as formais. Admitindo-se que a terminologia cuidador/a formal é a mais comummente utilizada a nível comunitárias...) ” em Carlos Sequeira,
académico, profissional e até pelo público em geral, não poderemos deixar de argumentar a favor da substituição Cuidar de Idosos Dependentes
(2007), Porto: Quarteto apud Maria
daquele termo por um outro que nos parece melhor acomodar a realidade daquilo que vem significar. Defendemos Eduarda Machado Melo Ferreira,
assim a transição para o termo cuidador/a profissional uma vez que esta expressão melhor encerra a vertente “Ser cuidador: um estudo sobre a
satisfação do cuidador formal de
remuneratória do serviço prestado, bem como a formação académica/profissional do/a prestador/a de cuidados. idosos” - Dissertação apresentada
Além do mais, consideramos que a expressão cuidador/a profissional evoca a necessária responsabilização do/a à Escola Superior de Educação de
Bragança para a obtenção do Grau
prestador/a de cuidados remunerado/a, característica que pode perder-se com a expressão formal. de Mestre em Educação Social
(2012) https://bibliotecadigital.ipb.pt/
handle/10198/7936 (consultado a
19-12-2019)
87
ADOÇÃO DO TERMO Sem prejuízo dos argumentos expendidos e de defendermos a necessária
CUIDADOR/A FAMILIAR transição para o termo cuidador/a profissional, reconhecemos a vulgarização
do termo cuidador/a formal. Como tal, e uma vez que este trabalho procura ser
acessível para todo o tipo de leitor/a, recorreremos à terminologia cuidador/a
formal para nos referirmos aos/às profissionais que prestam cuidados como
contrapartida de uma remuneração.
No binómio acima apresentado o termo cuidador formal (no nosso ver melhor representado pela expressão
cuidador profissional) surge por oposição ao termo cuidador informal, mas também quanto a esta última
terminologia surgem divergências, que exploraremos abaixo.
A adoção de uma definição deste tipo de cuidadores/as carece do tratamento de uma série de questões prévias
que se apresentarão de seguida.
317
Family Caregiver Alliance,
“Caregiver Assessment: Principles,
Guidelines and Strategies for Em primeiro lugar, importa realçar que o termo cuidador/a informal levanta algumas questões problemáticas,
Change - Report from a National
nomeadamente o facto de, por oposição ao termo cuidador/a formal, relegar aqueles/as prestadores/as de
Consensus Development Conference
Vol. I” (2006), San Francisco: cuidados para uma posição secundária em relação a estes/as. Para além do mais, a utilização da palavra informal
Author https://www.caregiver.org/ parece desresponsabilizar o/a prestador/a de cuidados, transmitindo a ideia de que os cuidados prestados
sites/caregiver.org/files/pdfs/
v1_consensus.pdf (consultado a neste âmbito não necessitarão de se reger por regras de atuação precisas ou não implicarão qualquer tipo de
08-01-2020) conhecimento ou formação acerca da adequada prestação de cuidados.
318
O/a cuidador/a primário ou
principal é aquele/a responsável Estes problemas poderiam ser ultrapassados com a adoção do termo cuidador/a familiar que tem vindo a ser
pela prestação de cuidados, tendo
a responsabilidade de supervisionar,
defendida por vários profissionais.
orientar, acompanhar e/ou cuidar
diretamente da pessoa cuidada. O/a
De facto, a expressão cuidador/a familiar consiste na tradução literal do termo que em inglês representa este tipo
cuidador/a secundário é aquele/a
que presta cuidados de forma de cuidadores/as: family caregiver. É exatamente fazendo uso desta expressão que a Family Caregiver Alliance
ocasional ou regular mas não tem (EUA) adota a seguinte definição:
responsabilidades principais no
cuidado. Sílvia Alexandra Nascimento
Saraiva, “O Cuidado Informal ao “(…) qualquer parente, parceiro, amigo ou vizinho que tenha um relacionamento pessoal
Idoso Dependente: Impacto no
Cuidador Primário e Secundário”
significativo e que forneça uma ampla gama de assistência a uma pessoa idosa ou a um adulto
- Dissertação apresentada à com uma doença crónica ou incapacitante. Estes indivíduos podem ser cuidadores primários ou
Universidade de Aveiro para
obtenção do grau de Mestre em
secundários e viver com, ou separadamente, da pessoa que recebe cuidados.” 317/ 318
Gerontologia (2008) https://ria.ua.pt/
handle/10773/3262 (consultado a
O termo cuidador/a familiar não apresenta os problemas apontados à expressão cuidador/a informal. No entanto,
08-01-2020)
poderá ser redutor relativamente à sua própria definição. Isto porque a expressão familiar remete de imediato
319
É relevante contudo, dar nota para uma relação de parentesco, enquanto sabemos que estes cuidados poderão ser prestados por parceiros,
de que a Direção-Geral de Saúde,
na sua Norma n.º 53/2011 relativa amigos ou vizinhos como é, aliás, patente na definição proposta pela Family Caregiver Alliance.
à Abordagem Terapêutica das
Alterações Cognitivas, recorre ao
termo cuidador familiar. Direção-
Adicionalmente coloca-se uma questão semelhante à que acima se expôs acerca do termo cuidador/a profissional,
Geral da Saúde “Abordagem que passa pelo facto de a expressão cuidador/a informal ser já mais reconhecida pelo público em geral e a mais
Terapêutica das Alterações
Cognitivas” (2011) https://www.dgs.
utilizada em literatura sobre o assunto319. Neste caso, soma-se, ainda, o facto de a Lei n.º 100/2019 que aprova o
pt/directrizes-da-dgs/normas- Estatuto do Cuidador Informal320 vir acolher, precisamente, este termo.
e-circulares-normativas/norma-
n-0532011-de-27122011.aspx
(consultado a 12-12-2019)
Assim, escolhemos, no âmbito deste trabalho, recorrer ao termo cuidador/a informal,
320
Lei n.º 100/2019, de 6 de
setembro, que aprova o Estatuto do facilitando a compreensão dos/as leitores/as, sem prejuízo de defendermos a criação
Cuidador Informal e altera o Código das condições – mormente através da divulgação de informação e disseminação do
dos Regimes Contributivos do
Sistema Previdencial de Segurança
conhecimento – para que venha a adotar-se o termo cuidador/a familiar.
Social e a Lei nº13/2003, de 21 de
Maio
88
O facto de os cuidados neste âmbito poderem ser, e em muitos casos serem, prestados por um grupo de pessoas
que extravasa a família da pessoa cuidada, remete-nos para a ideia de que, mais do que a consanguinidade, os
cuidadores/as informais partilham com a pessoa cuidada uma relação de afetividade.
Esta relação de afetividade é acolhida por algumas definições de cuidadores/as informais. Por exemplo, em
França, a Lei n.º 2015-1776 de 28 de dezembro de 2015 relativa à adaptação da sociedade ao envelhecimento321
introduziu uma definição alargada de cuidador/a informal, “proche aidant”:
“[Q]ualquer pessoa que coabite ou tenha uma relação estável com uma pessoa que necessite de
cuidados a quem preste assistência, regular ou frequentemente numa base não profissional, para
realizar todas ou parte das atividades da vida diária.”
Este não poderá, no entanto, ser o único critério diferenciador entre os termos cuidadores/as formais e cuidadores/
as informais, uma vez que os/as cuidadores/as formais também prestam apoio de índole emocional e podem
desenvolver com a pessoa cuidada uma relação afetiva.
Pelo que foi acima exposto, denota-se que o elemento-chave que distingue a definição de cuidador/a formal e cuidador/a
informal é a remuneração em razão do exercício de uma profissão pelos primeiros, enquanto os cuidados prestados pelos
segundos, ainda que possam beneficiar da atribuição de um subsídio (como se prevê, aliás, no recentemente aprovado
Estatuto do Cuidador Informal), não se reconduzem ao exercício de uma profissão. Por sua vez, este elemento é destacado
noutras definições. Por exemplo, em Itália, a Lei Regional n.º 2 de 28 de março de 2014 para o reconhecimento e apoio do/a
cuidador/a familiar (pessoa que preste cuidados e assistência voluntariamente)322, define cuidador informal como:
“Uma pessoa que voluntária e gratuitamente cuide de outra pessoa que autorize esta prestação de
cuidados e de que dela necessite.”
Ora, considerando o exposto, partindo da definição adotada pela Family Caregiver Alliance e somando-lhe o
elemento da gratuitidade, chegamos à seguinte definição de cuidador/a informal que tem em conta todos os
elementos essenciais acima descritos:
O artigo 2.º do recém-aprovado Estatuto do Cuidador Informal (cf. nota de rodapé n.º 305), define dois tipos
de cuidadores informais:
• O cuidador informal principal – o cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4.º grau da linha reta
ou da linha colateral da pessoa cuidada, que acompanha e cuida desta de forma permanente, que com
ela vive em comunhão de habitação e que não aufere qualquer remuneração de atividade profissional ou
pelos cuidados que presta à pessoa cuidada; e
• O cuidador informal não principal – o cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4.º grau da linha reta
ou da linha colateral da pessoa cuidada, que acompanha e cuida desta de forma regular, mas não permanente,
podendo auferir ou não remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada.
Fora dos critérios estabelecidos neste diploma, ou seja impossibilitados de requerer o Estatuto de Cuidador
Informal, ficam todos aqueles que não são familiares da pessoa cuidada, nomeadamente vizinhos e amigos.
A limitação da definição de cuidador informal a familiares da pessoa cuidada vem ignorar a representatividade 321
Legifrance (n.º 190)
dos cuidados prestados por cuidadores não familiares. Para citar apenas um exemplo, segundo a Family
322
Disponível em: http://sociale.
Caregiver Alliance, cerca de 15% dos cuidadores informais nos Estados Unidos da América cuidam de um/a
regione.emilia-romagna.it/
amigo/a, vizinho/a ou outra pessoa de quem não são parentes documentazione/norme/leggi/
successivi-il-2010/lr-2-2014-1
Fonte: https://www.caregiver.org/caregiver-statistics-demographics consultado a 18-10-2019 (consultado a 18-10-2919)
89
IDENTIFICAR E MITIGAR
DIFICULDADES 1.3. Os/as cuidadores/as e a violência contra pessoas idosas
Feitos os necessários esclarecimentos acerca dos termos em apreço, cumpre agora esclarecer por que se foca o
presente documento e, de modo geral, o projeto Portugal Mais Velho, no conjunto de pessoas que presta cuidados
a pessoas idosas.
Como se detalhará de seguida323, as pessoas idosas são aquelas que mais dependem de cuidados formais. Os/
As cuidadores/as formais, acompanhando as pessoas idosas no que diz respeito aos cuidados de saúde, são não
raras vezes os profissionais a quem aquelas mais recorrem no sentido de procurar orientações e conselhos. O
estudo HARMED revela que 28,6% dos/as inquiridos/as, mediante uma situação de vitimação, pediu ajuda ou
aconselhamento/orientação sobre o que devia fazer a profissionais de saúde324. Já no que diz respeito à prestação
de cuidados informais, e pese embora a escassez de dados que demonstrem a sua representatividade, sabe-se
que esta está em crescimento.
Segundo dados apresentados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)325
relativos a 2017, em média 13,5% da população com mais de 50 anos presta cuidados a uma pessoa idosa
diariamente (7,2%) ou semanalmente (6,3%). O Inquérito Social Europeu de 2014 estimou que 1 em 3 adultos
com idades compreendidas entre os 25 e os 75 anos presta cuidados informais e que 1 em 13 cuidadores/as
presta cuidados durante no mínimo 11 horas por semana326. Em Portugal, estima-se que existem mais de 800 mil
cuidadores informais327.
Tendo em conta este panorama, quando se aborda o tema da violência contra pessoas idosas não pode deixar
de ser prestada atenção aos/às cuidadores/as. Estes/as estão, muitas vezes, em risco de perpetrar violência
contra a pessoa idosa de quem cuidam quando a sua própria saúde física e mental se encontra comprometida,
quando experienciam ansiedade ou depressão em resultado dos cuidados que prestam, quando estes cuidados
representam uma sobrecarga física e emocional, quando não recebem o apoio devido328 ou quando experienciam
uma série de outras dificuldades que abordaremos de seguida329.
O combate e prevenção da violência contra pessoas idosas passa, também, por identificar e mitigar aquelas
dificuldades, reconhecer o importante e desafiante papel assumido pelos/as cuidadores/as formais e informais e
criar mecanismos de atuação quando aqueles/as exercem violência contra a pessoa cuidada.
323
Cf. As principais dificuldades dos
cuidadores/as
324
Dias (n.º 78)
325
OCDE, “Health at a Glance 2019:
OECD Indicators” (2019), OECD
Publishing, Paris https://www.oecd-
ilibrary.org/docserver/4dd50c09-en.
pdf?expires=1574342321&id=id&acc
name=guest&checksum=93064EDF
72E24D86254058E7F57A037D
(consultado a 21-11-2019)
326
UNECE, “Policy Brief on Ageing
No. 22 – The challenging roles of
informal carers” (2019). https://www.
unece.org/fileadmin/DAM/pau/
age/Policy_briefs/ECE_WG1_31.pdf
(consultado a 18-10-2019)
327
Alexandra Campos, “Trabalho
dos cuidadores informais vale 333
milhões de euros por mês” (Público)
https://www.publico.pt/2018/03/10/
sociedade/noticia/trabalho-dos-
cuidadores-informais-vale-333-
milhoes-de-euros-por-mestrabalho-
dos-cuidadores-informais-vale-333-
milhoes-de-euros-por-mestrabalho-
de-cuidadores-informais-vale-333-
milhoes-de-euros-por-mes-1806056
(consultado a 05-11-2019)
328
UNECE (n.º 75)
329
Cf. As principais dificuldades dos
cuidadores/as
90
2. As principais dificuldades dos/as cuidadores/as CARACTERIZAÇÃO DAS
PESSOAS INTERNADAS
No âmbito da prestação de cuidados a pessoas idosas, quer formal quer informal, os/as cuidadores/as debatem-se
diariamente com dificuldades que, por um lado, põem em causa a qualidade dos cuidados prestados e, por outro,
podem prejudicar a saúde e qualidade de vida dos/as próprios/as cuidadores/as. Fatores como a falta de conhecimento
sobre a(s) patologia(s) que a pessoa idosa cuidada apresente, o stress resultante da prestação de cuidados e a falta de
apoio e supervisão, entre outros, podem culminar ainda, e em alguns casos, em situações de violência.
Sem a criação de respostas que as mitiguem, as dificuldades experienciadas pelos/as cuidadores/as agravar-se-ão à
medida que a população envelhece causando pressões nos serviços de prestação de cuidados e naqueles que assumem
o papel de cuidador/a informal. É, assim, importante conhecê-las e refletir sobre como devemos combatê-las.
Este facto é particularmente notório no que diz respeito aos cuidados de saúde. Um estudo realizado em 2015 pela
Sociedade Portuguesa de Medicina Interna concluiu que 76% dos pacientes internados nos Serviços de Medicina
Interna de 43 hospitais de todo o país tinham 70 ou mais anos331. Este estudo evidenciou ainda que 45% dos pacientes
330
OCDE, “Health at a Glance 2017:
avaliados se encontravam acamados pelo menos 50% do tempo, apresentando um elevado nível de dependência. OECD Indicators” (2017), OECD
Publishing, Paris. https://www.oecd-
A pressão populacional causada pelo aumento da esperança média de vida, somada ao aumento da incidência de ilibrary.org/docserver/health_glance-
2017-en.pdf?expires=1571413614&id=
doenças crónicas e ao maior grau de dependência dos pacientes, tem vindo a alterar a caracterização das pessoas id&accname=guest&checksum=FB86
internadas em Serviços de Medicina Interna dos Hospitais, resultando no aumento daqueles valores. Um estudo A51504BA0CD8E9D354EB833E188F
(consultado a 18-10-2019)
publicado em 2018 sobre a evolução do internamento em Medicina Interna no Hospital da Universidade de Coimbra
do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra332 demonstra claramente esta tendência. Este estudo apurou que, 331
O estudo “O Internamento de
Medicina Interna em Portugal em
entre 1992 e 1994, 41,5% dos pacientes internados tinham mais de 65 anos, 19,5% tinham mais de 75 anos e 3,7% 2015” foi realizado no âmbito do
tinham mais de 85 anos. Duas décadas depois, entre 2012 e 2014, 80,4% dos pacientes internados tinham mais de projeto “Caminhos da Medicina
Interna”, tendo sido coordenado
65 anos, 62,4% tinham mais de 75 anos, 26,4% tinham mais de 85 anos e 1,8% tinham mais de 95 anos. pelo Núcleo de Internos de Medicina
Interna (NIMI) da Sociedade
Portuguesa de Medicina Interna
(SPMI). Neste estudo foram avaliados
100%
100% todos os indivíduos internados
90% 80%
79 no dia 17 de dezembro de 2015
60% nos Serviços de Medicina Interna
61
80% 40%
de 43 Unidades Hospitalares do
20%
70% 0%
Sistema Nacional de Saúde de
1992—1994 2012—2014 Portugal Continental. In Relatório
60% do Grupo de Trabalho de Medicina
Interna da Rede de Referenciação
50% Hospital (2016) https://www.sns.gov.
> 95 ANOS
40% pt/wp-content/uploads/2018/01/
RRH-Medicina-Interna-Para-
> 85 ANOS
30% CP-21-12-2017.pdf (consultado a 11
> 75 ANOS -10-2019)
20%
> 65 ANOS
10% 332
Helena Temido e outros,
“Internamento em Medicina
0% < 65 ANOS
Interna: Evolução em 20 Anos num
1992—1994 2012—2014 Hospital Universitário” (2018) Vol.
25, n.º 4, Medicina Interna 275
http://www.scielo.mec.pt/scielo.
Figura 10 — Distribuição dos pacientes internados por faixa etária (1992-1994 e 2012-2014). php?script=sci_arttext&pid=S0872-
Fonte: Helena Temido e outros, ‘Internamento em Medicina Interna: Evolução em 20 Anos num Hospital Universitário’ (2018) 25/4 Medicina Interna 275 671X2018000400006 (consultado
a 11-10-2019)
91
COMORBILIDADE
O facto de as pessoas idosas apresentarem problemas de saúde mais complexos, nomeadamente devido à sua
maior propensão para a associação de diversas patologias crónicas – a chamada comorbilidade333 - tem como
consequência direta o elevado nível de utilização de recursos dos serviços de saúde334, incluindo os recursos
humanos. Perante tal complexidade de cada paciente, os/as cuidadores/as formais deparam-se com “a gestão
simultânea de múltiplas doenças crónicas e de problemas de índole social”335. Esta conjuntura de fatores
biomédicos com fatores sociais colocam múltiplos desafios aos/às cuidadores/as formais.
Num estudo sobre a prestação de cuidados formais a pessoas idosas com demência336 - considerado mais
exigente do que a prestação de cuidados a pessoas idosas com limitações de outra ordem337 - que se baseou na
perceção dos/as próprios/as profissionais, destacaram-se algumas dificuldades sentidas pelos/as mesmos/as:
336
Ana L. Barbosa e outros,
Uma visão holística e crítica sobre o atual estado dos serviços de prestação de cuidados a pessoas idosas, permite
“Cuidar de idosos com demência verificar outras dificuldades com que se deparam os prestadores de cuidados formais.
em instituições: competências,
dificuldades e necessidades
percepcionadas pelos Destaca-se, antes de mais, a escassez de formação específica para a prestação de cuidados a pessoas idosas.
cuidadores formais” (2011), Vol. João Paulo Almeida Tavares e outros conduziram uma investigação sobre a perceção dos/as enfermeiros/as sobre
12, n.º 1, Psicologia, Saúde &
Doenças, 119 http://www.scielo. o cuidado a pessoas idosas hospitalizadas, na qual a maioria dos/as profissionais (86,3%) referiu não ter recebido
mec.pt/scielo.php?script=sci_ qualquer tipo de educação ou de formação gerontológica338. Acresce que em contexto hospitalar, a formação dos
arttext&pid=S1645-0086201100010
0008 (consultado a 11-10-2019)
profissionais prende-se essencialmente com a segurança do/a paciente, a gestão rápida de condições médicas
agudas com o fim de ser possível dar alta ao/à utente. É necessário sensibilizar e permitir aos profissionais de
337
Ibid.
saúde que se afastem do padrão meramente biomédico da prestação de cuidados, sendo essencial aumentar o
338
João Paulo de Almeida Tavares e seu conhecimento sobre envelhecimento e sobre como avaliar, gerir e comunicar com pessoas idosas339.
outros, “Percepção dos enfermeiros
sobre o cuidado a idosos
hospitalizados – estudo comparativo No contexto institucional, a falta de formação dos/as prestadores/as de cuidados é justificada por vários fatores,
entre as regiões Norte e Central de nomeadamente más práticas das instituições e situações financeiras graves que as constrangem a recorrer a
Portugal” (2017), 25:e2757, Revista
Latino-Americana de Enfermagem estratégias de contenção de custos, onde se inclui a contratação de mão-de-obra pouco qualificada e o fraco
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v25/ investimento em formação contínua. Nestes casos, grande parte das competências dos/as cuidadores/as formais
pt_0104-1169-rlae-25-e2757.pdf
(consultado a 08-11-2019)
advém apenas da experiência adquirida ao longo do tempo e da interação com os colegas340. Para além da
escassez de formação, é importante não esquecer que a prestação de cuidados a pessoas idosas não exige apenas
339
Inderpal Singh, “Assessment and
Management of Older People in the
formação mas, previamente a esta, um perfil e sensibilidade de que algumas pessoas carecem341.
General Hospital Setting” em Edward
T. Zawada Jr. (Ed.), Challenges in
A esta dificuldade acrescem outras relacionadas com as condições de trabalho, como o trabalho por turnos que
Elder Care (IntechOpen, 2016)
https://www.intechopen.com/ causa riscos para a saúde dos/as trabalhadores/as342, e a baixa remuneração dos/as profissionais, que resultam na
books/challenges-in-elder-care/ insatisfação laboral343.
assessment-and-management-
of-older-people-in-the-general-
hospital-setting (consultado a A insatisfação laboral pode, também, estar relacionada com o fraco reconhecimento profissional daqueles
08-11-2019)
que prestam cuidados a pessoas idosas. Os preconceitos existentes em relação às pessoas idosas traduzem-se,
340
Ibid. inevitavelmente, numa visão pouco positiva e redutora das profissões que se ocupam de prestar cuidados àquelas.
341
Luísa Pinheiro, “Cuidar ensina-se”
(impulso +, suplemento do Jornal No contexto hospitalar, é ainda de relevar o número de enfermeiros/as existentes no País. Em 2017 havia,
Público 5 de setembro de 2019), 10
em média, em Portugal 6,7 enfermeiros/as para cada 1000 habitantes, algo abaixo da média da OCDE (8,8
DECO PROTESTE, “Trabalho
342 enfermeiros/as para cada 1000 habitantes). O país com o melhor rácio era a Noruega, onde havia 17,7
por turnos: alteração de hábitos enfermeiros/as por cada 1000 habitantes344. Comparando com a média dos países da OCDE, podemos concluir
tem riscos para a saúde” (DECO
PROTESTE, 26 de abril de 2017) que o número de enfermeiros em Portugal é baixo, especialmente se tivermos em conta que nos valores
https://www.deco.proteste.pt/saude/ apresentados estão incluídos não só enfermeiros/as que prestam cuidados diretamente a pacientes como também
doencas/noticias/trabalho-por-
turnos-alteracao-de-habitos-tem-
aqueles/as que ocupam posições de gestão em unidades de saúde, docentes, investigadores e outros. Esta falta
riscos-para-a-saude (consultado a de enfermeiros/as faz com que cada profissional tenha de acompanhar mais indivíduos, não sendo as tarefas
11-10-2019)
distribuídas pelo número de enfermeiros/as que seria aconselhável.
343
Barbosa (n.º 336)
A escassez de recursos geriátricos é também uma dificuldade sentida pelos/as cuidadores/as formais, que
344
OCDE (n.º 325)
92
reconhecem que esta funciona como barreira potencial para a promoção de cuidados de qualidade ao/à paciente e
influencia os cuidados hospitalares às pessoas idosas345.
No âmbito das instituições que prestam serviços a pessoas idosas, como os centros de dia e as Estruturas
Residenciais para Pessoas Idosas, a excessiva padronização da prestação de serviços impede os profissionais de
adaptarem as respostas oferecidas às necessidades reais e individuais dos/as utentes. O facto de os órgãos sociais
de muitas destas instituições serem compostos por membros sem conhecimentos na área do envelhecimento
traduz-se numa gestão pouco profissionalizada das mesmas. A este desafio estrutural das instituições acresce
o facto de o modelo de gestão lucrativa das mesmas primar pela sua rentabilidade ao invés de preponderar a
qualidade dos serviços. Nesta senda, é importante destacar que existem Estruturas Residenciais para Pessoas
Idosas que recebem maior financiamento se os/as utentes apresentarem um maior grau de dependência,
significando que é mais vantajoso, numa perspetiva lucrativa, favorecer a dependência e não a autonomia dos/as
utentes. Este deficiente balanço entre a obtenção de lucro e a promoção de autonomia dos/as utentes é agravado
pela errónea perceção social acerca das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) que são vistas como
instituições dirigidas a um público com fraca condição económica, reduzindo-as a serviços de “gestão da pobreza”
dos/as utentes e não da sua autonomia e emancipação.
A todas estas dificuldades, soma-se a escassa supervisão dos serviços prestados o que, inevitavelmente se
traduz na qualidade dos mesmos. Atualmente, as fiscalizações realizadas nas instituições ao invés de avaliarem a
qualidade dos serviços prestados (horas de trabalho, horas de formação dos/as colaboradores/as, adequação dos
procedimentos, satisfação dos/as utentes, entre outros fatores), focam-se essencialmente em aspetos burocráticos
e/ou relacionados com o espaço físico das instituições. Naturalmente que as condições físicas dos espaços
habitados por pessoas idosas devem ser supervisionadas, mormente por questões de segurança, mas não em
detrimento da avaliação da qualidade dos cuidados prestados.
Assegurar, em primeiro lugar, a dignificação dos cuidadores formais, o seu reconhecimento e desenvolvimento
profissional, bem como garantir a formação para a prestação de cuidados a pessoas idosas e a qualidade dos
serviços prestados através de procedimentos de supervisão/avaliação válidos e transparentes, são medidas
fundamentais que poderão diretamente mitigar dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as formais e,
indiretamente, criar melhores condições para a prestação de cuidados de saúde e outros.
93
A forma como os/as cuidadores/as informais respondem às dificuldades resultantes da prestação de cuidados
a pessoas idosas depende de, entre outros fatores, da sua própria idade. O número de pessoas idosas a cuidar
informalmente de outras pessoas idosas cresce ao ritmo do aumento da esperança média de vida. Neste
panorama, o número de cuidadores/as informais sem condições físicas e/ou económicas para prestar cuidados
com qualidade pode aumentar, podendo assistir-se, ainda, ao aumento de situações de negligência da pessoa
cuidada346. De acordo com a Family Caregiver Alliance, em 2015 34% dos cuidadores informais dos Estados
Unidos da América (EUA) tinham mais de 65 anos347 e a idade média dos/as cuidadores/as informais de pessoas
com 65 ou mais anos é 63.
Em 2017, a COFACE Families Europe348 realizou um estudo349 no âmbito do qual consultou mais de 1160
cuidadores/as informais em 17 países europeus, incluindo Portugal, onde 234 cuidadores informais foram
consultados. Neste estudo a COFACE apresentou as principais dificuldades identificadas pelos/as respondentes,
agrupando-as em seis grandes tópicos:
Dificuldades
Problemas de saúde Reconhecimento social
administrativas
Figura 11 — As principais dificuldades sentidas pelos cuidadores/as informais segundo a COFACE Families Europe.
Fonte: Madgi Birtha, Kathrin Holm, COFACE Families Europe, ‘Who Cares? Study on the challenges and needs of family carers in Europe’ (2017).
Dentro destes tópicos, a COFACE apresenta as dificuldades sinalizadas pelos/as cuidadores informais
entrevistados, conforme o quadro abaixo apresentado:
346
Cf. Pessoas idosas como
agressores e violência entre pessoas
idosas
IMPACTO NA VIDA ACESSO A CONSTRAN- PROBLEMAS DIFICULDADES RECONHECIMENTO
347
Family Caregiver Alliance, PROFISSIONAL E SERVIÇOS GIMENTOS DE SAÚDE ADMINISTRATIVAS SOCIAL
“Caregiver Statistics: Demographics” PESSOAL BASEADOS NA FINANCEIROS
(National Centre on Caregiving, COMUNIDADE
Family Caregiver Alliance, s/d)
Falta de tempo Falta de acesso a apoio Dificuldades financeiras Stess e exaustão Falta de conhecimento Baixo reconhecimento
https://www.caregiver.org/caregiver-
relacionadas com o mental ou emocional social
statistics-demographics (consultado
custo da prestação de
a 11-10-2019)
cuidados
348
A COFACE Families Europe
Dificuldade em Falta de serviços Falta de apoios ao Sobrecarga física Falta de competências Isolamento social
é uma rede de organizações da
conciliar a prestação de temporários e flexíveis rendimento
sociedade civil que representam os
cuidados com a vida
interesses da família e da qual fazem
profissional e pessoal
parte as seguintes organizações
portuguesas: Fundação LIGA,
Isolamento social e Falta de serviços Falta de segurança social Impacto negativo nas Entraves burocráticos Falta de representação
Associação Nacional de Famílias para
solidão de qualidade relações sociais e voz política
a integração da pessoa deficiente
economicamente
(AFID) e a Confederação Nacional
acessíveis
das Associações de Família (CNAF)
http://www.coface-eu.org/about-2/
members/ (consultado a 11-10-2019)
Tabela 11 — Problemas identificados pela COFACE divididos por temas.
349
Madgi Birtha, Kathrin Holm, Fonte: Madgi Birtha, Kathrin Holm, COFACE Families Europe, ‘Who Cares? Study on the challenges and needs of family carers in Europe’ (2017).
COFACE Families Europe, “Who
Cares? Study on the challenges and
needs of family carers in Europe”
(2017) http://www.coface-eu.org/ O baixo reconhecimento e o isolamento social dos/as cuidadores/as informais resulta da diminuída valorização
wp-content/uploads/2017/11/
COFACE-Families-Europe_Study- do trabalho que estes/as prestam, quer pela sociedade em geral quer pelas suas próprias famílias350. Apesar de os
Family-Carers.pdf (consultado a cuidados prestados por cuidadores/as informais representarem cerca de 80% dos cuidados prestados na Europa351,
11-10-2019)
ainda assim estes/as cuidadores/as não são considerados como prestadores/as de serviços sociais o que impede o
350
UNECE (n.º 326) seu adequado e justo reconhecimento352.
351
Birtha e Holm (n.º 349)
O novo Estatuto do Cuidador Informal parece apontar para o reconhecimento legal da importância da atividade
352
UNECE (n.º 326)
94
dos/as cuidadores/as informais. Contudo não há neste Estatuto uma equiparação destes/as aos/às prestadores/
as de serviços sociais, pelo que as conclusões da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE)
continuam a ser plenamente aplicáveis ao panorama português.
As dificuldades na conciliação da prestação de cuidados com a vida profissional e pessoal deve-se ao facto
de a prestação de cuidados consumir muito tempo, deixando os/as cuidadores/as com pouca disponibilidade
para exercer uma atividade profissional ou investir nas suas relações sociais353. A maioria dos/as cuidadores/
as informais acaba por deixar o seu trabalho remunerado, passando a dedicar-se em exclusivo à prestação de
cuidados, enfrentando posteriormente dificuldades em reingressar no mercado de trabalho354. Esta dedicação
exclusiva à pessoa cuidada faz com que os/as cuidadores/as não usufruam de períodos de descanso e de
afastamento do ato de cuidar, experienciando inclusivamente fortes sentimentos de culpa, por não quererem
abandonar a pessoa idosa em casa ou aos cuidados de outrem para realizarem atividades que consideram
lúdicas. Por outro lado, a impossibilidade de conciliar o ato de cuidar com a vida pessoal e profissional tem como
consequência o isolamento social e a solidão do/a cuidador/a.
As dificuldades económicas sentidas pelos/as cuidadores/as informais são causadas pela necessidade de reduzir
ou cessar a atividade profissional que os/as ocupava previamente ao início da prestação de cuidados (o que,
por sua vez, resultará em pensões de reforma mais reduzidas)355. Estas dificuldades económicas podem ainda
ser agravadas pelo custo da prestação de cuidados em si, quando a pessoa cuidada não tem rendimentos ou
património suficiente para cobrir a prestação de cuidados que necessita356. Uma investigação realizada na Área
Metropolitana do Porto, com uma amostra de 123 cuidadores/as de pessoas idosas com demência, concluiu que
o custo dos cuidados informais, calculados com base nas despesas com alguns serviços de saúde, outros serviços
sociais e tempo despendido na tarefa de cuidar para a díade de cuidador/a informal ou familiar e pessoa cuidada é
de 619,8€/mês357. 353
Ibid.
354
Ibid.
No que diz respeito ao acesso a serviços baseados na comunidade, a falta de serviços flexíveis que permitam
complementar a prestação de cuidados informais resulta no fraco apoio e em sentimentos de solidão por parte 355
Ibid.
dos/as cuidadores/as informais. O desconhecimento dos/as cuidadores/as informais acerca das respostas sociais 356
Ibid.
existentes358 e falta de informação sobre como agir quando necessitam de ajuda acentuam a dificuldade de
acesso a serviços que, de facto, estejam disponíveis. Esta investigação analisou
357
dos serviços de apoio a que podem recorrer359, não estando, assim, preparados para responder às exigências Pires e outros, “Custos Associados
à Prestação Informal de Cuidados a
administrativas e burocráticas com que se defrontam antes, durante e após a prestação de cuidados. Para além do Pessoas com Demência” (2020), Vol.
mais, verifica-se um elevado grau de desconhecimento quanto a regimes legais relevantes, como o novo Regime 33, No. 13, Acta Med Port https://doi.
org/10.20344/amp.11922 (consultado
Jurídico do Maior Acompanhado, que, sendo conhecidos e postos em prática, poderiam refrear as dificuldades a 24-02-2020)
impostas pela prestação de cuidados.
358
Em 2007 cerca de 45,6% dos/
as cuidadores/as informais em
Tal como os/as cuidadores/as formais, muitos/as cuidadores/as informais não dispõem de formação para a Portugal desconhecia a existência
de respostas sociais para descanso
prestação de cuidados à pessoa idosa. Muitas vezes devido à falta de preparação do envelhecimento, os/as do/a cuidador. Santa Casa da
familiares, amigos/as ou vizinhos/as da pessoas idosa que carece de cuidados são apanhados de surpresa quanto Misericórdia de Lisboa, Estudo
à necessidade de os prestar, não tendo uma formação que os/as torne aptos/as a tal. prospectivo sobre a adequação das
respostas da SCML às necessidades
dos cuidadores informais (Lisboa:
Baseada nas conclusões da COFACE Families Europe acima apresentadas, a Comissão Económica das Nações Centro de Estudos Territoriais, 2007)
apud Daniela Brandão, Óscar Ribeiro
Unidas para a Europa, num recente documento sobre políticas públicas intitulado “O papel desafiante dos e Ignacio Martín, “Políticas dos
cuidadores informais”360, propõe uma série de estratégias de política pública que podem ser implementadas serviços de descanso ao cuidador”
(2012), v. 4, n.º 1, Argumentum
pelos governos de forma a apoiar os/as cuidadores/as informais e a mitigar os desafios com que estes/as se (Vitória), 107 http://periodicos.ufes.
deparam. Estas estratégias são sucintamente apresentadas de seguida: br/argumentum/article/view/2944
(consultado a 24-02-2020)
359
UNECE (n.º 326)
360
Ibid.
95
RECONHECER A CONTRIBUIÇÃO DOS/AS CUIDADORES/AS INFORMAIS
• Introdução de subsídios que são prestados à pessoa cuidada, como por exemplo na Áustria, Alemanha, Itália
ou Luxemburgo, ou diretamente ao/à cuidador/a informal, como na Irlanda, Reino Unido, República Checa e
Turquia (VER CAIXA 2)
• Possibilidade dos munícipios de contratar os/as cuidadores/as informais, permitindo-lhes auferir salários
equivalentes aos auferidos por prestadores de cuidados formais, como acontece na Finlância e na Suécia
• Garantir que os/as cuidadores/as informais mantêm a capacidade de receber pensões de reforma dignas e
de contratar seguros, por exemplo, de acidentes de trabalho
PROMOVER A FORMAÇÃO
• Desenvolver uma estratégia nacional para a formação de cuidadores/as informais (VER CAIXA 3)
96
CAIXA 1 — LICENÇA PARA CAIXA 2 — SUBSÍDIO PARA
CUIDADORES INFORMAIS CUIDADORES/AS INFORMAIS
Em França, os/as trabalhadores/as podem usufruir de uma O Estatuto do Cuidador Informal, aprovado pela Lei n.º
licença de solidariedade familiar (congé de solidarité familiale). 100/2019, de 6 de setembro, estabelece que “ao cuidador
Podem usufruir desta licença pessoas cujo/a descendente, informal principal pode ser reconhecido o direito ao subsídio
ascendente, irmão ou irmã, ou outra pessoa com quem coabite, de apoio ao cuidador informal principal” (Cfr. Art.º 10.º do
sofra de uma patologia potencialmente fatal ou se encontre Estatuto).
num estado avançado ou terminal de uma doença grave e
incurável. Os requisitos da verificação da condição de recursos, o valor de
referência do subsídio de apoio ao cuidador informal principal
A licença permite ao/à trabalhador/a suspender a sua atividade e o montante da prestação, bem como os termos da atribuição,
profissional por um período de três meses (renovável), durante pagamento e cessação da majoração prevista no número
o qual o/a cuidador/a pode beneficiar do subsídio diário de anterior, são definidos em diploma próprio que, à data da
acompanhamento (allocation journalière d’accompagnement à redação deste texto, não foi ainda publicado.
domicile, AJAP), atribuído pela segurança social.
No entanto, o Estatuto do Cuidador Informal versa sobre a
Fonte: Madgi Birtha, Kathrin Holm, COFACE Families Europe, suspensão e cessação deste subsídio, sendo possível tecer
“Who cares? Study on the challenges and needs of family carers desde já algumas considerações, nomeadamente sobre a
in Europe” (2017) averiguação da verificação de condições suspensivas.
O direito ao subsídio de apoio ao cuidador informal principal
é suspenso sempre que o cuidador informal deixe de prestar
cuidados permanentes à pessoa cuidada por período superior a
30 dias ou quando se verifique a institucionalização da pessoa
cuidada em resposta social ou em unidade da RNCCI, ou o
internamento hospitalar, por período superior a 30 dias. Resta
saber quem irá controlar os períodos em que o/a cuidador
informal não está a prestar os cuidados permanentes à pessoa
cuidada. Mais, o que acontece se o/a cuidador/a informal
estiver continuamente sem prestar cuidados permanentes à
pessoa cuidada por períodos de 29 dias?
97
3. Apoio e formação disponíveis para os/as
cuidadores/as e a violência contra pessoas idosas
Uma vez conhecidas as principais dificuldades dos/as cuidadores/as, é o momento para discutir de que forma é
que estas estão associadas à violência contra pessoas idosas, que é maioritariamente perpetrada por aqueles/as
que lhes prestam cuidados.
Focar-nos-emos primeiramente nos/as cuidadores/as formais e de seguida nos/as cuidadores/as informais, pois as
dificuldades que cada grupo sente não são exatamente as mesmas.
A par da padronização da prestação de cuidados, também a adoção dos modelos de gestão lucrativa no
acolhimento e/ou tratamento de pessoas idosas se pode traduzir em violência. Estes modelos favorecem a
contratação de recursos humanos aquém dos necessários ou com formação aquém da necessária (pois quanto
menos qualificada for a mão-de-obra, mais baratos são os serviços que presta), o que significa que as pessoas
idosas que carecem da prestação de cuidados não receberão a devida atenção às suas necessidades.
A persecução do lucro pode também implicar a escassez ou falta de renovação de instrumentos que facilitam a
prestação de cuidados por parte dos/as cuidadores/as formais, como bancos para auxiliar no banho ou cadeiras de
rodas, que aliada à insuficiência de recursos humanos, coloca demasiado trabalho sobre os ombros daqueles/as
que prestam cuidados.
Se os/as cuidadores/as formais estão sobrecarregados, cumprindo tarefas destinadas a mais profissionais do que
aqueles/as que realmente existem na instituição, e não têm ao seu dispor instrumentos que facilitem a prestação
de cuidados, facilmente aumentam os seus níveis de stress, o que representa um dos fatores de risco de violência.
Acresce que um/a profissional stressado tem uma menor capacidade para lidar com os desafios apresentados, o que
afeta a qualidade dos serviços que presta, e nos casos mais extremos pode até entrar numa situação de burnout.
A falta de formação específica dos/as cuidadores/as formais para a prestação de cuidados a pessoas idosas é uma
flagrante forma de violência. Esta é uma representação típica de violência institucional que tem reflexos negativos
na qualidade do serviço prestado, podendo levar à violação dos direitos das pessoas idosas cuidadas.
A falta de formação potencia condutas violentas, especialmente na forma de negligência, não podendo
legitimamente esperar-se que aqueles/as que não sabem cuidar prestem cuidados adequados. Por outro lado, a
falta de formação não permite aos/às cuidadores/as estar preparados para aquilo que as doenças incapacitantes
que justificam a prestação de cuidados implicam e cria espaço para que aqueles/as tenham expetativas irrealistas
sobre as capacidades da pessoa cuidada. Por exemplo, se um/a cuidador/a não sabe que um/a paciente com
demência tende a ser mais agressivo362, pode encarar os comportamentos de agressão como um ataque pessoal e
361
Cf. As dimensões particular, não ser capaz de reagir de forma adequada, mostrando-se igualmente agressivo/a para com aquela pessoa. Outro
institucional e pública da violência
contra pessoas idosas
exemplo prende-se com a crença por parte do/a cuidador/a de que a pessoa idosa não faz determinada atividade
ou tarefa porque não quer, o que deixa aquele/a frustrado e leva-o/a a adotar comportamentos violentos.
362
Dettmore, Kolanowski e Boustani
(n.º 287)
98
Na sua investigação sobre a perceção dos/as enfermeiros sobre pessoas idosas hospitalizadas, João Paulo
Almeida Tavares e outros afirmam que a falta de formação pode também estar relacionada com um baixo nível de
conhecimento e atitudes negativas daqueles/as profissionais sobre o envelhecimento363. Veremos, de seguida,
aquando da discussão do tema do idadismo364 como estas atitudes têm efeitos negativos no bem-estar (e até
saúde) das pessoas idosas, o que representa mais uma forma de violência exercida sobre estas.
O trabalho por turnos conduz à insatisfação laboral, prejudicando a situação do/a cuidador/a perante o trabalho,
que é um fator de risco da violência associado ao/à agressor/a. Simultaneamente, o trabalho por turnos pode
potenciar o stress do/a cuidador/a, na medida em que não permite um descanso adequado e dificulta a conciliação
da vida profissional com a vida pessoal.
Outro fator de risco ligado à situação laboral do agressor/a, mas também a problemas financeiros é a baixa remuneração.
O fraco reconhecimento profissional advém da desvalorização generalizada da sociedade dos vários âmbitos
de atuação que estejam relacionados com as pessoas idosas. Sabendo de antemão que enfrentarão este fraco
reconhecimento, aqueles/as que poderiam prestar cuidados a pessoas idosas escolhem alternativas de emprego,
nas quais podem ser mais valorizados e respeitados. Assim, apenas os/as profissionais mais fracos/as (com
menores competências técnicas e/ou relacionais) ou só aqueles/as que sentem alguma paixão na prestação
de cuidados é que optam por esta via. Uma vez confrontados/as com todas as dificuldades já mencionadas, os/
as cuidadores/as vão sentir-se desmotivados e desinteressados, o que terá efeitos negativos na qualidade dos
cuidados que prestam.
Quando sentem que o acesso a serviços baseados na comunidade não está ao seu alcance, os/as cuidadores/
as sentem mais fortemente o isolamento, na medida em que reconhecem que não existe uma rede de suporte
pronta para os/as auxiliar. A falta de acesso a serviços de apoio é per se um fator de risco da violência: o
distanciamento do/a prestador/a de cuidados da comunidade em que se insere, além de evidenciar o isolamento
já previamente sentido, cria um espaço de legitimação da violência, uma vez que não haverá quem esteja
disponível para intervir.
A esta dificuldade somam-se as dificuldades administrativas e o desconhecimento dos regimes legais, que não só
afastam o/a cuidador/a da comunidade com os efeitos nocivos já mencionados, como também potenciam o seu stress.
A difícil conciliação da prestação de cuidados com vida pessoal e profissional pode conduzir a vários resultados.
O principal que pode apontar-se é o esgotamento do/a cuidador/a: não havendo flexibilização de horários no
âmbito laboral, o/a cuidador/a terá de trabalhar cerca de oito horas por dia, às quais se seguem (ou intercalam)
outras tantas a prestar cuidados a uma pessoa idosa. Ainda que os cuidados de que carecem as pessoas idosas
variem em grande medida, não deixará de se considerar que correspondem sempre a uma tarefa muito exigente
para o/a cuidador/a. O cansaço excessivo causado pela difícil conciliação da prestação de cuidados com a vida 363
Tavares (n.º 338)
pessoal e profissional, ao qual acresce o isolamento social e a falta de tempo de descanso, fará com que a
364
Cf. Idadismo
99
qualidade do trabalho do/a cuidador/a, bem como a qualidade dos cuidados prestados, diminua, o que pode
resultar em negligência. A situação perante o trabalho é também um fator de risco da violência, pelo que aquela
difícil conjugação poderá resultar noutros tipos de violência além da negligência.
Outro resultado que pode advir da difícil conciliação da prestação de cuidados com a vida pessoal e profissional é
o/a cuidador/a ter de despedir-se do seu emprego, para se dedicar a cuidar de uma pessoa idosas. Quando se vê
obrigado/a a sair do mercado de trabalho, aquele/a terá maiores dificuldades económicas, uma vez que perde
o valor do salário que anteriormente auferia. Estas dificuldades económicas por seu turno podem potenciar a
dependência do/a cuidador/a face à pessoa idosa, que se mostra a única fonte de rendimento. Estes são dois
fatores de risco e facilmente se concebem episódios de violência, em especial violência económico-financeira,
nestas circunstâncias: por exemplo, um/a cuidador/a que se encontre numa situação de carência económica
começa a reter a pensão de reforma da pessoa idosa de quem cuida como contrapartida da prestação de cuidados.
A falta de formação dos/as cuidadores/as informais não é uma forma de violência institucional, dado não estarem
inseridos em qualquer instituição, mas não deixa de ser um enorme fator de risco de violência. A falta de formação
resulta na incapacidade de prestar cuidados adequados à pessoa idosa, por escassez de conhecimento, o que pode
traduzir-se em negligência. Contudo pode também resultar em episódios de outro tipo de violência, pois a falta de
informação acerca das consequências do envelhecimento e da perda de capacidades que muitas pessoas idosas
experienciam, permite que o/a cuidador/a tenha expetativas irrealistas em relação à capacidade daquelas.
As condições que são atualmente oferecidas aos/às cuidadores/as, formais ou informais, são de tal modo
insatisfatórias que se traduzem em fatores de risco da violência contra pessoas idosas, quando não são em si
mesmas formas de violência. Naturalmente nem todos/as os/as cuidadores/as que experienciam dificuldades
aliadas à falta de apoio ou formação se revelarão agressores/as das pessoas idosas de quem cuidam, porém tal
deve-se à existência de fatores protetores observados em cada cuidador/a e não a um eficaz trabalho na criação de
uma rede de suporte que funcione como forma de suprimir aquelas dificuldades. Ou seja, deixa-se nas mãos de
cada cuidador combater os fatores de risco, quando deveriam ser criadas as condições para que tais fatores não
existissem ou, existindo, fossem adequadamente combatidos.
A Área dos Cuidadores enquadra-se no portal do Serviço Nacional de Saúde e divulga informação sobre os/as cuidadores/as e as pessoas
cuidadas, os seus direitos e benefícios, medidas de apoio e serviços disponíveis, tendo em vista proporcionar às pessoas envolvidas um maior
conhecimento da situação específica em que se encontram. É claramente um sinal positivo para o apoio a quem presta cuidados a outrem,
todavia a sua disseminação pelos/as cuidadores/as não está por enquanto assegurada e a página está ainda em fase de desenvolvimento. Sem
prejuízo, é uma medida que deve ser enaltecida.
Fonte: https://www.sns.gov.pt/cidadao/
É assim perentório investir no apoio e formação oferecidos aos/às cuidadores/as, sejam estes familiares, amigos
ou vizinhos da pessoa idosa ou um/a profissional contratado/a, não só para melhorar as condições de vida
daqueles/as que prestam cuidados a outrem, mas também, por consequência, para melhorar as condições de vida
das pessoas cuidadas e como forma de combate à violência.
No que respeita à formação, é preciso esclarecer que embora se afigure crucial não resolve tudo, sobretudo se
perspetivada em programas fechados, nos quais a aquisição de conhecimento e competências não altera atitudes
100
FORMAÇÃO HOLÍSTICA
a longo prazo. Uma formação imposta aos/às cuidadores/as que não inclua uma dimensão relacional – que
trabalhe a empatia – nem uma dimensão explicativa sobre o que uma situação de dependência implica, não terá
os efeitos positivos esperados no longo prazo, uma vez que permite a manutenção dos estereótipos e expetativas
irrealistas face à pessoa idosa cuidada. Posto isto, deve apostar-se numa formação holística, tanto naquela que é
ministrada aos/às cuidadores/as formais, como aos/às cuidadores informais, garantindo a compreensão integrada
do envelhecimento e da prestação de cuidados a quem deles necessita. Esta formação não deve ser meramente
normativa, impondo regras sobre como cuidar bem e como lidar bem com aqueles/as que recebem os cuidados,
devendo ter uma vertente humanista. Ou seja, a formação deve permitir àqueles/as que prestam ou prestarão
cuidados participar, aplicar dinâmicas de role play e até conhecer casos reais, sendo estimulada a capacidade de
diálogo entre equipa, mas também com a pessoa idosa cuidada. Os/As cuidadores/as deverão ser preparados para Cf. Supervisão dos/as
365
qualificações. Naturalmente a contratação de profissionais mais qualificados implica que as suas remunerações com a Comissão Económica das
Nações Unidas para a Europa, é
sejam mais elevadas, reconhecendo a importância do seu trabalho. Este reconhecimento, todavia, não partirá 33% mais provável as mulheres
somente de uma remuneração mais alta, impondo-se às instituições (e, de resto, à sociedade) que reconheçam prestarem cuidados a outrem do
que os homens, aumentando essa
o importante papel que os/as cuidadores/as formais têm no cuidado de pessoas idosas, escolhendo uma missão probabilidade para 60% ou mais
para a qual nem todas as pessoas têm o perfil adequado. quando está em causa prestação
intensiva de cuidados. UNECE (n.º 326)
Este modelo de gestão sustentável deverá também permitir a adequação dos cuidados à pessoa cuidada, fomentando 368
Mais de 30% dos inquiridos pela
COFACE revelou ser impossível tirar
a sua autonomia e assegurando o respeito pelo direito ao livre desenvolvimento da personalidade de cada um/a. uma licença do trabalho (remunerada
ou não) para prestar cuidados a
Reconhecemos que dado as dificuldades sentidas pelos cuidadores/as e os seus nefastos efeitos na prestação um/a familiar. Birtha e Holm (n.º 349)
de cuidados não serem ainda de conhecimento generalizado e não serem reconhecidos como relevantes, não 369
Cf. Terminologias
é expectável que as instituições adotem tais modelos de gestão sustentáveis voluntariamente. Assim, impõe-se 370
Incluímos aqui somente as
ao Estado uma maior monitorização das instituições, garantindo que as condições que dificultam a prestação de prestações sociais previstas
cuidados e se traduzem em violência (institucional ou até individual) não são perpetuadas. especificamente para as situações
de prestação de cuidados e/ou
dependência (estando assim fora
É de salientar que no âmbito dos cuidados informais, são as mulheres quem normalmente cuida366 e do escopo de análise subsídios
como o Rendimento Social de
tendencialmente provêm de contextos socioeconómicos desfavorecidos367. Para serem capazes de desenvolver um Inserção ou a Pensão ou Velhice ou
trabalho de qualidade, é necessário que estas cuidadoras disponham de apoio, devendo a entidade empregadora Invalidez, por exemplo). São assim
não só proporcionar-lhes tempo de descanso, como ser tolerante com as eventuais faltas e ter em conta que prestações sociais para quem cuida
de pessoas idosas o Complemento
aquela trabalhadora necessita de estar empregada para não se agravar a sua situação de carência económica. por Dependência, uma prestação
em dinheiro dada aos pensionistas
em situação de dependência e que
Soluções como a flexibilização de horários, potenciam o equilíbrio entre a vida profissional e a prestação de carecem da ajuda de outrem para
cuidados, o que contribui positivamente para a saúde mental dos/as cuidadores/as e, consequentemente, a satisfazer as necessidades básicas
da vida quotidiana (nomeadamente
prestação de cuidados. Também deve ser contemplada a possibilidade de os/as empregados/as que prestam higiene pessoal, alimentação ou
cuidados a um/a familiar idoso/a tirarem licenças remuneradas do trabalho para realizar de forma adequada locomoção) e a Prestação Social para
a Inclusão, uma prestação em dinheiro
a prestação de cuidados368. O Estatuto do Cuidador Informal369, que procura atribuir várias garantias aos/às paga mensalmente a pessoas com
cuidadores/as informais, não levou a cabo quaisquer alterações legislativas no Código do Trabalho, continuando deficiência, com grau de incapacidade
este somente a prever licenças para apoiar filhos e/ou netos. A Portaria n.º 2/2020, de 10 de janeiro, que igual ou superior a 60%, à data da
apresentação do requerimento, com
regulamenta os termos do reconhecimento e manutenção do Estatuto do Cuidador, mormente no seu artigo vista a promover a sua autonomia e
13.º, n.º 1, continua sem prever alterações à lei que permitam uma real conciliação entre a vida profissional inclusão social. Incluímos aqui esta
modalidade de subsídio por considerar
e a prestação de cuidados daqueles que cuidam dos/as seus/suas ascendentes idosos/as. Uma medida que que parte das pessoas idosas podem
beneficiaria certamente os/as cuidadores/as de pessoas idosas seria a inclusão de uma norma no Código do apresentar as condições exigíveis para
recorrer a tal prestação.
Trabalho que preveja a possibilidade de o/a trabalhador/a faltar para prestar assistência a familiares idosos.
371
É curioso notar que existem
prestações sociais devidas a quem
Os apoios atualmente disponíveis no nosso país para os/as cuidadores/as informais são essencialmente divididos em presta assistência a filhos/as e/ou
prestações sociais (de ordem pecuniária) ou respostas sociais. As prestações sociais para quem presta cuidados a uma netos/as, mas não existem prestações
pessoa idosa dependente são escassas370, especialmente quando comparadas com a panóplia de subsídios existentes sociais para aqueles/as que cuidem
dos seus ascendentes, denotando
para toda a população371. Também as respostas sociais se mostram insuficientes para os/as cuidadores/as informais falta de conhecimento (ou interesse)
portugueses372. Para contrariar esta situação, podem equacionar-se soluções373 como a criação ou melhoria de: acerca do panorama real em que
ocorre a prestação de cuidados.
101
INTERVENÇÕES COM
• Serviços de apoio que substituam o/a cuidador/a em situações de emergência;
FAMÍLIAS
• Serviços de apoio domiciliário financeiramente acessíveis;
• Acesso facilitado a cuidados formais;
• Acesso facilitado a apoio domiciliário durante a noite e os fins-de-semana;
• Redução das barreiras arquitetónicas nos transportes e edifícios.
O Estatuto do Cuidador Informal prevê, no seu artigo 7.º, um leque de medidas de apoio ao/à cuidador/a informal,
entre as quais, o descanso do/a cuidador/a (internacionalmente tais medidas são apelidadas de respite care). É
preciso dotar os serviços para os quais as pessoas cuidadas serão referenciadas de capacidades técnicas e espaciais
para as receber, sob pena de não se concretizar devidamente aquele objetivo.
A literatura tende a agrupar os tipos de respostas sociais para descanso do/a cuidador/a informal ou familiar
em três grupos:
• Serviços de descanso no domicílio: servem de complemento aos cuidados prestados pelo/a cuidador/a,
nomeadamente auxiliando a pessoa cuidada nas AVD ou assegurando a supervisão ou acompanhamento
do/a cuidador/a;
• Serviços de descanso diários: uma solução intermédia entre o descanso no domicílio e a institucionalização
permanente, estes serviços visam prestar cuidados em meio institucional quando o/a cuidador não pode
prestar cvuidados 24 horas ou carece de alívio por curtos períodos de tempo;
• Serviços de internamento temporário: cuidados institucionais por perídoos de tempo prolongados (em
situações planeadas ou de urgência). São vistos como resposta adequada para cuidadores/as sem
familiares próximos ou vizinhos, que pretendem tirar férias, que necessitam de ser internados/as ou que são
reticentes à entrada de pessoas estranhas em casa.
Fonte: Daniela Brandão, Óscar Ribeiro e Ignacio Martín “Políticas dos serviços de descanso ao cuidador” (2012), v. 4, n.º 1, Argumentum (Vitória), 107
http://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/2944
É preciso levar a cabo intervenções com famílias, que são habitualmente consideradas nas normas/recomendações
terapêuticas, porém escassamente implementadas. De acordo com a Direção-Geral da Saúde374, os/as cuidadores/
as informais devem ser perspetivados como prestadores/as de cuidados mas também como doentes, atendendo
ao aumento do risco de depressão, doenças cardiovasculares, respiratórias e hipertensão. Além disto, devem ser
372
37.18% dos respondentes
portugueses no inquérito da acompanhados de forma regular, mesmo que a pessoa cuidada venha a ser institucionalizada.
COFACE respondeu neste sentido.
Birtha e Holm (n.º 333)
Consideramos que o que acima foi dito acerca dos conteúdos da formação para cuidadores/as se aplica
Sugeridos pelos/as respondentes
373
tanto a cuidadores/as formais como informais. Resta porém fazer uma outra nota relativamente à formação
portugueses/as ao inquérito da
COFACE. Ibid.
especificamente dirigida aos/às cuidadores/as informais. As oportunidades de formação existentes para os/as
cuidadores/as informais tendem a ser disponibilizadas por organizações não-governamentais375, não havendo
Direção-Geral da Saúde (n.º 319)
portanto uma oferta sistematizada. É muito importante alcançar esta sistematização: a formação permite não só
374
375
Comissão Europeia, “Informal Care cuidar melhor de quem o necessita, como assegura uma melhor qualidade de vida ao/à cuidador/a, ensinando-o/a
in Europe - Exploring Formalisation,
a proteger-se contra os fortes impactos associados à prestação de cuidados, nomeadamente o burnout376.
Availability and Quality” (2018)
https://ec.europa.eu/social/main.
jsp?catId=738&langId=pt&pubId=810 Aqueles/as que se dedicam aos cuidados informais, especialmente quando estão em causa cuidados intensivos,
6&furtherPubs=yes (consultado a
08-01-2020); UNECE (n.º 326) ficam com pouco tempo disponível para participar em formações longas e teóricas. Portanto, pensamos ser de
seguir os exemplos da Sérvia ou de Espanha, que facilitam o acesso à formação de cuidadores/as informais, não
376
UNECE (n.º 326)
consumindo demasiado do seu tempo. A Cruz Vermelha Sérvia está a implementar um programa de formação
377
Ibid. de dois dias, cujos conteúdos versam competências práticas para a prestação de cuidados, competências
378
Comissão Europeia (n.º 375)
comunicacionais e consciencialização sobre como lidar com o burnout ou procurar ajudar para lidar377. Por
seu turno, Espanha adotou um sistema de e-training, que permite aos/às cuidadores/as aceder aos conteúdos
Ana Ribas Teixeira e outros,
formativos quando e como preferirem, não os obrigando a ausentar-se do seu lar nem a procurar um terceiro que
379
102
problemas de saúde mental e física associados à prestação de cuidados de pessoas com demência380. Cremos
ser vantajosa a posterior adaptação deste manual para os/as cuidadores/as informais de pessoas idosas que não
apresentem esta patologia, pois também estes correm riscos associados à prestação de cuidados.
Em suma, é urgente endereçar as dificuldades que os/as cuidadores/as experienciam, criando ou desenvolvendo
fatores protetores que combatam os fatores de risco da violência contra pessoas idosas e implicam melhorias na
qualidade de vida dos/as cuidadores/as e das próprias pessoas idosas de quem cuidam.
A ADVITA – Associação para o Desenvolvimento de Novas Iniciativas para a Vida disponibiliza no seu sítio na internet conteúdos informativos
sobre a prestação de cuidados a terceiros, sob a forma de brochura e vídeo. A linguagem utilizada é simples, de modo a ser acessível a quaisquer
cuidadores informais e são partilhados conselhos práticos sobre como cuidar (por exemplo, como vestir e despir uma pessoa acamada ou como
lidar com os sentimentos de frustração).
Fonte: http://www.advita.pt/filmes-cuidar
380
Soraia Teles e outros, “Online
training and support program
(iSupport) for informal dementia
caregivers: protocol for an
intervention study in Portugal”
(2020), 20:10, BMC Geriatrics https://
bmcgeriatr.biomedcentral.com/
articles/10.1186/s12877-019-1364-z
(consultado a 30-01-2020)
381
Comissão Europeia (n.º 375)
103
OBJETIVOS DA 4. Supervisão dos/as cuidadores/as formais e informais
SUPERVISÃO
As dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as, sejam eles/as formais (ou profissionais) ou informais (ou familiares),
produzem efeitos nefastos na saúde do/a próprio/a cuidador/a e na relação que este estabelece com a pessoa idosa
que recebe os cuidados. A falta de acompanhamento e supervisão da prestação de cuidados pode dar azo a omissões
no cumprimento dos deveres ou até situações de violência, mesmo que de forma não intencional382.
Não sendo possível debelar de forma imediata as dificuldades experienciadas, é fulcral atuar numa lógica
preventiva, criando-se as condições para que aquelas dificuldades e a eventual incapacidade de lidar com as
mesmas possam ser detetadas precocemente. Cremos que uma forma de operar esta deteção precoce é pondo em
prática mecanismos de supervisão dos/as cuidadores/as, que avaliem não só a qualidade dos cuidados prestados,
como também o equilíbrio emocional daqueles/as que os prestam383.
384
Jeanne Marie Hughes, “The Role É importante que o/a supervisor/a e quem é supervisionado/a desenvolvam uma boa relação profissional, de modo a
of Supervision in Social Work: A que o/a último/a se sinta confortável para partilhar os seus receios e as dificuldades sentidas na prestação de cuidados,
critical analysis” (2010), vol. 2, Critical
Social Thinking: Policy and Practice,
por um lado, e que receba de forma positiva as críticas e sugestões oferecidas pelo/a supervisor/a, por outro.
59 https://www.ucc.ie/en/media/
academic/appliedsocialstudies/docs/
JeanneHughes.pdf (consultado a
Antes de avançarmos para os benefícios da supervisão, devemos esclarecer a importância de se estabelecerem
25-11-2019) procedimentos de atuação na prestação de cuidados. Os procedimentos permitem adotar uma atuação uniformizada
baseada em boas práticas, sem que tal signifique que se impeça a personalização dos cuidados, pois os
385
Ibid.
procedimentos são linhas orientadoras da atuação, com mais ou menos detalhe, dependendo da matéria tratada.
386
Apud Susana Freitas e outros,
“Cuidadores Informais do Idoso: do
levantamento das necessidades ao Um dos objetivos da supervisão, incluído na função normativa, é apurar se os procedimentos instalados são
desenvolvimento de estratégias de adequados à prática, isto é, a supervisão permite também avaliar a aplicação real dos procedimentos. Para tanto
Intervenção – Guia Orientador 1”
(2014) http://educacare.web.ua.pt/
é naturalmente necessário que tais procedimentos estejam instalados, o que significa que as atividades ou
wp-content/uploads/2017/03/ tarefas compreendidas na prestação de cuidados devem estar reguladas de forma expressa. Deste modo, antes
Supervis%C3%A3o-do-familiar-
cuidador-vFinal.pdf (consultado a
de se instalarem mecanismos de supervisão dos/as cuidadores/as formais ou informais – sem prejuízo de lhes ser
27-11-2019) prestado um apoio emocional que vise combater o burnout – é necessário que se crie um guia de boas práticas na
prestação de cuidados ou protocolos ou modelos de atuação, que orientem quem cuida de pessoas idosas, sob pena
387
Hughes (n.º 384)
104
CUIDADORES/AS FORMAIS
de a função normativa da supervisão não ser devidamente cumprida. Mais, a melhoria da prestação de cuidados fica
impossibilitada se não se determinar uma base segura a partir da qual se discute a aplicação prática, pois é difícil, se
não impossível, melhorar algo quando inexistem outras formas de atuar que sirvam de comparação.
Também a função formativa poderá ser prejudicada se inexistirem procedimentos estabelecidos, na medida em que
dificulta a aprendizagem, pois a informação torna-se dispersa e de difícil acesso. Simultaneamente torna-se complicado
para os/as cuidadores/as saber como agir por não terem um referencial ao qual recorrer em caso de dúvida. Posto isto,
para que se possam instalar mecanismos de supervisão da prestação de cuidados que têm os benefícios apontados
abaixo, é necessário estabelecer modelos de atuação ou protocolos que orientem a prática de cuidar.
No contexto específico da violência contra pessoas idosas perpetrada pelos/as seus/suas cuidadores/as, a
supervisão poderá apresentar os seguintes benefícios:
• Melhoria da qualidade dos cuidados prestados, através da transmissão de conhecimento sobre as boas práticas
existentes. Conhecendo e discutindo as diferentes práticas existentes, o/a cuidador/a estará mais apto/a prestar
os cuidados necessários à pessoa idosa, reduzindo-se os episódios de negligência, mormente a passiva;
• Aumento do conhecimento sobre o envelhecimento e a incapacidade da pessoa idosa: a supervisão é um
meio de transmitir conhecimentos ao/à cuidador/a, capacitando-o para lidar de forma adequada com a
prestação de cuidados, mas também para lidar com a relação com a pessoa idosa;
• Redução do stress do/a cuidador/a, na medida em que permite que este/a partilhe as suas dificuldades e
receber aconselhamento sobre a melhor forma de lidar com as mesmas. A redução do stress é uma forma
de minorar um fator de risco da violência, apostando na saúde mental do/a cuidador/a;
• Deteção dos fatores de risco de violência: enquanto meio de acompanhamento da prestação de cuidados,
a supervisão tem o potencial de detetar prematuramente a presença de fatores de risco relativos ao/à
cuidador/a ou à sua relação com a pessoa idosa cuidada, bem como os fatores de vulnerabilidade da
pessoa idosa. Uma vez detetados estes fatores, é mais fácil a intervenção, evitando a escalada de violência;
• Deteção dos casos de violência por parte do/a cuidador/a: quando não se detetem precocemente os
fatores de risco da violência ou não se consiga atuar eficazmente de forma preventiva, a supervisão
permite detetar casos de violência e reagir aos mesmos, seja mediante a denúncia quando exista crime,
seja mediante o apoio à pessoa idosa, a sinalização para outras estruturas de apoio ou mediante a
intervenção junto do/a cuidador/a agressor/a.
Pensamos que no panorama atual a supervisão será mais fácil de instalar junto dos/as cuidadores/as formais,
uma vez que estes/as atuam já no âmbito de relações hierárquicas, trabalhando muitas vezes em equipa389. 388
Ibid.
Cremos que deverá ser o/a superior hierárquico do/a prestador/a de cuidados o/a responsável pela supervisão,
sem prejuízo de reconhecermos as vantagens de a mesma ocorrer em equipa em determinados contextos (entre 389
Na verdade, existe já alguma
supervisão dos/as cuidadores/
os quais o contexto institucional, como centros de dia ou noite, hospitais ou Estruturas Residenciais para Pessoas as formais, porém não se mostra
Idosas), pois poderá permitir uma melhor relação entre todos/as os/as profissionais envolvidos/as, possibilitando suficiente, uma vez que se prende
apenas com aspetos burocráticos e
também que cada um/a perceba que muitas das dificuldades sentidas são também experienciadas pelos/ espaços físicos, não tendo portanto
as suas/suas colegas. Esta partilha leva a que os sentimentos de isolamento e frustração sejam contrariados, os efeitos positivos que a supervisão
tranquilizando os/as cuidadores/as em relação ao trabalho que realizam. visa ter. Cf. As principais dificuldades
dos cuidadores/as
105
CUIDADORES/AS
É pertinente, neste momento, deixar uma nota sobre a possibilidade de as pessoas idosas que beneficiam da
INFORMAIS
prestação de cuidados terem uma voz ativa na avaliação da qualidade daquela. Sendo certo que a supervisão exerce
já uma função de controlo da qualidade, é também certo que, no caso dos/as cuidadores/as formais ou profissionais,
está em causa a prestação de um serviço remunerado, pelo que os/as utentes deverão assumir um papel de suma
importância naquele controlo. Os/As beneficiários/as da prestação de cuidados – de saúde ou outros – deverão
poder apresentar reclamações aos/às superiores/as hierárquicos do seu/sua cuidador/a, garantindo a qualidade dos
cuidados recebidos. Outra forma de avaliar a qualidade dos cuidados será através da implementação de inquéritos de
satisfação, especialmente nas instituições, onde seria possível aplicar tais inquéritos de forma generalizada a todos/as
utentes e também às suas famílias ou outras pessoas que regularmente os visitem ou frequentem as instituições.
No que concerne aos/às cuidadores/as informais ou familiares, será exigido um maior esforço para instalar mecanismos
de supervisão, visto que atualmente o apoio disponível para aqueles/as é muito disperso e desorganizado. A supervisão
dos/as cuidadores/as informais deverá caracterizar-se pela multidisciplinariedade: ao contrário dos/as cuidadores/
as formais que tendencialmente prestam cuidados na sua área de profissionalização, os cuidados prestados pelos/as
cuidadores/as informais costumam abranger várias áreas da vida da pessoa idosa cuidada, desde a sua saúde física e
mental, aos cuidados de higiene, alimentação, lazer ou finanças. Assim a supervisão destes/as cuidadores/as poderá (ou
deverá) ser levada a cabo por médicos e/ou enfermeiros, assistentes sociais, juristas ou psicólogos/as.
Esta supervisão dos/as cuidadores/as informais poderá realizar-se através de visitas domiciliárias daqueles/
as profissionais ou através da reunião de vários/as cuidadores/as para partilha de dificuldades. O Estatuto do
Cuidador Informal parece dar já um passo na direção da efetivação desta supervisão, quando o seu artigo 7.º,
prevê como medidas de apoio ao/à cuidador/a informal a identificação de um profissional de saúde como contacto
de referência390, a participação em grupos de autoajuda ou o apoio psicossocial.
No caso de ter sido decretada uma medida de acompanhamento à pessoa idosa, o bom cumprimento desta poderá ser
supervisionado (e assegurado) pelas Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade391. Não esqueçamos
que a prestação de cuidados deve afastar-se do paradigma puramente biomédico, pelo que o acompanhamento decretado
em várias facetas da vida da pessoa idosa que não digam respeito à sua saúde deve também ser considerado cuidado.
Na Áustria os/as cuidadores/as informais que revelem problemas emocionais relacionados com a prestação de cuidados recebem sessões de
aconselhamento. Desde 2015 que estes/as cuidadores/as podem beneficiar de aconselhamento a pedido.
Fonte: Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar, “Apoios sociais a idosos” (2018). Assembleia da República
Focando a nossa atenção na função restaurativa ou de suporte da supervisão, importa realçar a relevância do
acesso a apoio psicológico. Cremos que este deverá ser generalizado para os dois grupos de cuidadores/as, de
forma a debelar o stress e o burnout.
Para ambos os tipos de cuidadores/as, a supervisão deverá ter lugar de forma regular e sistemática, criando-se uma rotina no
acompanhamento. Sem embargo, o supervisor deverá estar disponível para prestar aconselhamento em momentos de crise.
Em conclusão, a generalização e melhoria dos procedimentos de supervisão daqueles/as que prestam cuidados
a pessoas idosas, sendo remunerados ou não, contribuirá para uma melhoria na prestação dos cuidados, na
saúde mental dos/as cuidadores/as e, consequentemente, funcionará como obstáculo à violência perpetrada por
aqueles/as contra as pessoas idosas cuidadas.
Na Dinamarca é realizado, de dois em dois anos, um inquérito nacional às pessoas com mais de 67 anos que beneficiam de apoio domiciliário ou
estejam institucionalizadas. O objetivo deste inquérito é apurar o nível de satisfação com a qualidade dos serviços recebidos, mas também apurar
390
Evidencia-se aqui, novamente, o se a pessoa idosa se sente mais autónoma após receber aquele apoio.
paradigma biomédico na prestação
de cuidados. Cremos que esta é uma forma eficaz de avaliar a qualidade dos cuidados prestados, dando voz aos principais interessados naqueles, mas também
de verificar as diferenças existentes no território.
391
Cf. Uma resposta para a
vulnerabilidade das pessoas idosas Fonte: Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar, “Apoios sociais a idosos” (2018). Assembleia da República
106
IV.
CONSENTIMENTO
(IN)TOLERÂNCIA
DA SOCIEDADE
À VIOLÊNCIA
CONTRA
PESSOAS
IDOSAS
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
107
IV. (IN)TOLERÂNCIA DA SOCIEDADE À VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS IDOSAS
5. Idadismo
5.1 O idadismo e a violência contra pessoas idosas
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”392 E estes direitos não têm data de
validade. No entanto, vimos que a visão predominante do envelhecimento se prende com o declínio económico,
físico e social das pessoas idosas393. Nas sociedades modernas, o retrato do envelhecimento traçado pelo discurso
público está mais ligado a esta perda de capacidades do que aos seus aspetos positivos. Este discurso é, por sua
vez, espelhado na legislação e políticas públicas que se focam primordialmente no declínio físico e mental dos
indivíduos e em como as necessidades daí decorrentes devem ser satisfeitas pelo Estado e pela sociedade394.
Assim, a atuação da maioria dos Estados passa pela adoção de uma perspetiva baseada precisamente nas
necessidades das pessoas idosas (“needs-based approach”), na qual o Estado assume um papel protetor. As
políticas públicas focam-se na mitigação, por parte do Estado, das necessidades que decorrem do envelhecimento
e raramente se focam na criação e oferta de um melhor nível de vida às pessoas idosas apesar de estas serem
membros da sociedade e terem, como cidadãos, certas aspirações395.
Embora o envelhecimento – quer dos indivíduos quer da população – justifiquem atuação por parte dos Estados 392
Art. 1.º, Declaração Universal dos
com base em razões económicas e sociais, esta perspetiva inevitavelmente coloca as pessoas idosas numa posição Direitos Humanos
passiva e cria um sentimento protecionista que alimenta, por sua vez e num ciclo vicioso, leis e políticas que 393
Cf. Idadismo
tentam responder às suas necessidades mas que negligenciam a sua potencial contribuição para a sociedade e a 394
Agência para os Direitos
sua autonomia. Fundamentais da União Europeia
(n.º 137)
Como tem vindo a ser proposto a nível internacional, a intervenção do Estado em relação às pessoas idosas 395
Sandra Huenchuan e Luis
deve ter como base o direito a uma vida digna e livre de discriminação, o direito à segurança e o direito à Rodríguez-Piñero, Ageing and the
protection of human rights: current
independência396. O paradigma protecionista atualmente assumido pelos Estados deve, assim, ser substituído por situation and outlook (ECLAC –
um paradigma de direitos humanos. Project Document Collection, 2011)
396
UN Doc A/HRC/AC/4/CRP.1,
Adotar uma perspetiva de direitos humanos significa integrar nas leis, políticas e programas do Estado as normas, Human Rights Council, Advisory
os padrões e os princípios do sistema internacional de direitos humanos397. Dita perspetiva altera radicalmente Committee, “The necessity of a
human rights approach and effective
o ponto de partida da criação de leis e desenvolvimento de políticas publicas que, ao invés de ser a proteção de United Nations mechanism for the
pessoas com certas necessidades, passa a ser a existência de pessoas com certos direitos398. human rights of the older person”
(2009) https://digitallibrary.un.org/
record/681369 (consultado a 18-
12-2019)
e reivindicar os seus direitos400. Aqueles que defendem a adoção de uma perspetiva de direitos humanos 401
Morten Broberg e Hans-Otto
sublinham que esta oferece aos indivíduos e grupos meios legais através dos quais podem melhorar as suas Sano, “Strengths and weaknesses
condições de vida401 com base nas obrigações de direitos humanos assumidas pelos Estados. in a human rights-based approach
to international development– an
analysis of a rights-based approach
Além do mais, uma abordagem de direitos humanos, sendo um dos seus princípios o da não discriminação, to development assistance based on
practical experiences” (2017) 22(5),
permite reconhecer não só as necessidades específicas que resultam do envelhecimento mas outras características The International Journal of Human
e circunstâncias que tornam certas pessoas idosas mais vulneráveis à violação dos seus direitos402, permitindo Rights https://www.tandfonline.com/
doi/pdf/10.1080/13642987.2017.1408
desta forma e pela aplicação daquele princípio, que as leis e políticas públicas tenham sempre em consideração 591?needAccess=true (consultado a
os grupos mais marginalizados ou excluídos. 04-06-2019)
402
Ibid.
109
FERRAMENTA DE AS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS DOS ESTADOS
ADVOCACIA SOCIAL
Quando os Estados se tornam parte de tratados internacionais, assumem uma obrigação tripartida: respeitar,
proteger e realizar os direitos humanos.
A obrigação de respeitar significa que os Estados devem abster-se de interferir ou restringir o gozo dos direitos humanos.
A obrigação de proteger requer que os Estados protejam os indivíduos e grupos contra violações dos direitos humanos.
Por último, a obrigação de realizar implica que os Estados adotem medidas para a gradual realização dos direitos humanos.
A adoção de uma perspetiva de direitos humanos beneficia ainda todas as entidades e instituições que prestem
cuidados ou serviços a pessoas idosas. Uma estrutura legislativa e política coerentemente assente nos direitos
humanos permite a estas entidades e instituições perceber claramente quais os padrões e normas sociais a que
devem responder e, desta forma, prestar cuidados e serviços que respeitem os direitos humanos e a dignidade
das pessoas idosas403.
Os direitos humanos são também uma importante ferramenta de advocacia social. Munidas dos padrões mínimos
de realização dos direitos humanos, as organizações da sociedade civil, organizações ou grupos de pessoas idosas
e os indivíduos, podem confrontar o Estado com a sua própria atuação, denunciar violações de direitos e exigir a
gradual realização dos mesmos.
Com estes e outros benefícios, a alteração de paradigma pela qual aqui advogamos coloca no centro do discurso
público e político não a proteção das pessoas idosas mas sim a promoção dos direitos humanos de todos,
incluindo, claro, os das pessoas idosas.
403
Australian Human Rights
Commission, “Respect and choice:
A Human rights approach to ageing
and health” (2012) https://www.
humanrights.gov.au/sites/default/
files/document/publication/
human_rights_framework_for_
ageing_and_health.pdf (consultado a
04-06-2019)
110
2. O envelhecimento: uma patologia e um encargo? SENESCÊNCIA E
SENILIDADE
Em entrevista ao Jornal Expresso, António Barreto, sociólogo e investigador aposentado do Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa, afirmava que “[a] sociedade tem uma imagem negativa dos idosos, são considerados
consumidores de recursos sociais, estão fora dos mecanismos de produção, o seu papel está estigmatizado perante as
gerações mais novas, que noutros tempos viam os idosos como um poço de sabedoria.”404 Cremos que esta afirmação
sintetiza adequadamente o retrato que a sociedade faz do envelhecimento e das pessoas idosas.
A visão generalizada da sociedade de que o envelhecimento é uma patologia e um problema em vários contextos (com
maior preponderância no contexto económico) tem consequências perniciosas para as pessoas idosas, colocando-as à
margem das normais interações sociais405. Urge combater este retrato, repondo a verdade em relação às pessoas idosas,
recuperando o espaço que lhes é devido em qualquer sociedade e, acima de tudo, respeitando os seus direitos humanos.
Ao longo deste texto iremos apresentar e discutir algumas das ideias preconcebidas, sugerindo formas de as
eliminar do imaginário social.
Para garantir que a sociedade deixa de encarar o envelhecimento como uma patologia é necessário capacitá-
la com o conhecimento acerca do que realmente envolve o processo de envelhecimento. Parece-nos
importante introduzir este tópico evidenciando as diferenças entre senescência e senilidade: a senescência é o
envelhecimento natural, que se pauta pelo declínio físico e mental gradual; a senilidade é o envelhecimento
patológico, pautando-se por acelerados processos de declínio físico e/ou mental.
O envelhecimento é um processo que se inicia no nascimento: cada ser humano nunca ficará mais novo e os sintomas de
envelhecimento não se revelam a partir dos 65 anos, mas muito antes. Por exemplo, logo a partir dos 20 anos verificam-se
declínios na densidade de sinapses, bem como episódios subtis de esquecimento (como eventos ou datas), revelando o
Jornal Expresso, “Idosos. De
envelhecimento do cérebro406. Os pulmões começam a apresentar dificuldades no exercício das suas funções a partir dos
404
ineficaz na sua função de bombear sangue para o corpo quando um homem atinge os 25-30 anos de idade408. expresso.pt/sociedade/2019-10-14-
Idosos.-De-pocos-de-sabedoria-
a-consumidores-de-subsidios
(consultado a 18-10-2019)
Participante num dos grupos de discussão de pessoas idosas no projeto Portugal Mais Velho 406
Carl Sherman, Patrick Griffith
e Laura Reynolds, “Successful
Aging and Your Brain” (2017), The
Dana Foundation https://dana.org/
É então importante pôr em evidência que a idade avançada não comporta necessariamente um processo de perdas wp-content/uploads/2019/05/
físicas e cognitivas abruptas e que muitas pessoas idosas enfrentam somente o processo de senescência, que culmina Successful_Aging_Booklet_2017.pdf
na convergência de “vários envelhecimentos” e que, de resto, todos os seres humanos encaram, caso não contraiam (consultado a 18-10-2019)
doenças ou não enfrentem complicações que acelerem o processo de degradação de funções físicas e cognitivas. 407
American Lung Association, “Your
Aging Lungs” (2018) https://www.
lung.org/about-us/blog/2018/04/
your-aging-lungs.html (consultado a
IDADE CRONOLÓGICA E BIOLÓGICA 18-10-2019)
≠
away from Father Time” (2014),
https://www.health.harvard.edu/
staying-healthy/exercise-and-aging-
IDADE BIOLÓGICA can-you-walk-away-from-father-time
Idade calculada com base na acumulação gradual de danos em células e tecidos do corpo humano. (consultado a 18-10-2019)
111
MITOS SOBRE O
É premente dissociar envelhecimento e doença: todos os indivíduos envelhecem e com isso as suas defesas
ENVELHECIMENTO
podem enfraquecer, mas tal não implica inevitavelmente o desenvolvimento de problemas de saúde. O
envelhecimento em si mesmo não é uma doença e a doença não significa envelhecimento.
Todos os seres humanos envelhecem e fazem-no de forma e a ritmos diferentes. A nossa idade cronológica na
maioria das vezes não corresponde à nossa idade biológica, pelo que não é correto associar as pessoas idosas a
declínios físicos e mentais tão-só por terem nascido há mais tempo do que outras pessoas.
O cálculo da idade biológica tem em conta vários fatores: além da idade cronológica (que não deixa de ser
considerada devido ao processo natural de envelhecimento), são tidos em conta o estilo de vida, a genética, a
nutrição, as doenças e outros problemas409. Assim pode acontecer que uma pessoa idosa apresente uma idade
biológica mais jovem do que um adulto com 30, 40 ou 50 anos, por exemplo.
Revela-se de suma importância a multidisciplinaridade daqueles que estudam o envelhecimento como forma
de revogar o retrato deste processo como uma patologia e um problema da sociedade contemporânea: quaisquer
profissionais que entrem em contacto com pessoas idosas, independentemente da área na qual trabalham,
deverão possuir suficiente conhecimento acerca dos processos de envelhecimento, de modo a não considerarem
que este e doença são sinónimos.
Além dos grupos que contactam com pessoas idosas em contextos profissionais, é necessário ensinar a sociedade
sobre aquilo em que realmente consiste o envelhecimento: não obstante as doenças ganharem prevalência
à medida que envelhecemos, tal não significa necessariamente que todas as pessoas idosas sejam doentes (do
mesmo modo, nem todas as pessoas jovens são saudáveis).
É também imprescindível consciencializar a sociedade de que toda a gente envelhece, abolindo a lógica de “nós
versus eles” que atualmente subsiste entre as gerações. Para tanto, dever-se-á favorecer a plena integração das
pessoas idosas na comunidade em que se inserem e, por outro lado, promover o envolvimento da comunidade
nas intervenções junto das pessoas idosas.
Esta consciencialização facilitará a adoção de práticas de envelhecimento ativo, tão importante na qualidade de vida dos
indivíduos (idosos ou não) e que tem importantes reflexos na perceção que a sociedade tem das pessoas idosas410.
414
Cf. As dimensões particular, Prevenir a violência contra pessoas idosas passa assim, também, por desconstruir aquilo que a Organização Mundial de Saúde
institucional e pública da violência
(OMS) considera um mito sobre o envelhecimento: a ideia de que as pessoas idosas são um encargo para a sociedade.
contra pessoas idosas
112
ECONOMIA DA TERCEIRA
2.2.1. Desconstruir um mito IDADE
Vários estudos comprovam precisamente o contrário, demonstrando que muitas pessoas idosas continuam a
trabalhar, em posições pagas ou não, depois de atingirem a idade a partir da qual são consideradas pessoas
idosas. Por exemplo, um Inquérito sobre a Qualidade de Vida na Europa (EQLS) concluiu que 23% dos inquiridos
com mais de 65 anos passa uma significativa quantidade de tempo – várias horas por semana – a cuidar dos/as
seus/suas netos/as, enquanto 14% cuida dos/as seus/suas filhos/as e 7% cuida de familiares ou amigos/as com
dependência415. Para além da contribuição direta nestes casos, i.e. a prestação de cuidados a alguém que deles
necessite, não deve omitir-se a contribuição indireta aqui presente. Ao prestar cuidados a familiares e amigos,
as pessoas idosas concedem a outros, normalmente os/as seus/suas filhos/as ou outros parentes próximos, mais
tempo para se dedicar e envolver em atividades profissionais, contribuindo assim para a produtividade416.
No entanto, representar a contribuição das pessoas idosas para a sociedade apenas como cuidadores/as é, também,
uma visão reduzida da realidade417. Na verdade, muitas pessoas idosas não têm filhos/as, netos/as, outros familiares
ou amigos/as de quem cuidar. Ou tendo-os, não lhes prestam cuidados porque não vivem próximo ou porque
simplesmente carecem de tempo ou vontade para o fazer. Ainda assim, estas pessoas contribuem para a sociedade
de várias formas. O mesmo inquérito demonstrou que em Portugal 5,4% das pessoas com mais de 65 anos
inquiridas desenvolvem atividades de voluntariado em serviços comunitários e sociais pelo menos uma vez por
mês, por oposição aos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24, dos quais apenas 1% participa em
atividades de voluntariado pelo menos uma vez por mês418. O aumento da esperança média de vida e os avanços
médicos e tecnológicos, que permitem viver de forma saudável durante mais tempo, farão com que as pessoas idosas
possam prestar estes serviços durante cada vez mais tempo. Consequentemente é importante não só estimular 415
Agência para os Direitos
o voluntariado durante o curso de vida – uma vez que pessoas que se envolveram em atividades de voluntariado Fundamentais da União Europeia
(n.º 137)
durante a sua vida têm maior tendência para fazê-lo após a reforma419 – como reconhecer e sensibilizar para a
importância que o voluntariado tem para participação, inclusão social e bem-estar da pessoa idosa voluntária. Ao 416
UNECE, “Policy Brief on Ageing No.
19 – Realizing the potential of living
mesmo tempo é, claro, necessário reconhecer devidamente a sua contribuição para a sociedade com este trabalho. longer” (2017) https://www.unece.
org/population/ageing/policybriefs.
html (consultado a 24-10-2019)
Importa salientar que as pessoas idosas não contribuem para a sociedade apenas através da prestação de
cuidados a outrem e do seu trabalho voluntário. Como os/as cidadãos/ãs de outras faixas etárias, contribuem 417
E pode inclusivamente ser
com prestações fiscais e são consumidoras. Estima-se que atualmente a chamada Silver Economy, em português uma visão idadista. Considerar
que as pessoas idosas têm todas
“economia da terceira idade” – termo utilizado para descrever a economia ligada à população com mais de 50 vocação para ser cuidadores/as,
anos – represente 3.7 biliões de euros para a economia da União Europeia420. O constante aumento da população especialmente quando se trata dos/
as seus/suas netos/as, é condensá-
com mais de 50 anos representa um imenso potencial de crescimento para a economia da terceira idade, sendo las num grupo homogéneo que não
expectável que em 2025 contribua com 5.7 biliões de euros para a economia europeia. corresponde às várias realidades de
cada indivíduo.
Quer as preferências quer as necessidades das pessoas idosas fazem com que estas contribuam para a sociedade como European Quality of Life Survey
418
culturais e de turismo, estimulando estes setores. Por outro lado, pessoas idosas que comecem a experienciar declínio 05-11-2019)
físico e algum tipo de incapacidade poderão procurar serviços de assistência, serviços de adaptação de espaços como 419
UNECE (n.º 416)
os de sua casa e até tecnologias que lhes permitam manter a sua autonomia por mais tempo422. 420
Comissão Europeia, “The Silver
Economy – An Overview of the
Apesar do seu rápido crescimento, o potencial da economia da terceira idade não está ainda suficientemente European Commission’s Activities”
(2019) https://silvereconomyforum.
estudado. Um aprofundamento deste estudo poderá ter não apenas benefícios económicos mas também o eu/wp-content/uploads/2019/07/
potencial de mostrar ao Estado e à sociedade a forma como as pessoas idosas contribuem economicamente para a Silver-Economy-Brochure.pdf
(consultado a 24-10-2019)
mesma. Um bom exemplo de como um estudo científico pode ajudar a quebrar estereótipos são os estudos sobre
a população imigrante apresentados pelo Observatório das Imigrações do Alto Comissariado para as Migrações 421
UNECE (n.º 416)
(ACM), particularmente o estudo “Impacto da Imigração em Portugal nas Contas do Estado” realizado por André 422
Ibid
Corrêa D’Almeida423, que conclui:
423
André Corrêa D’Almeida,
Observatório das Imigrações, Alto
“Apesar de muitas vezes se associar a presença das comunidades estrangeiras em Portugal, ou Comissariado para as Migrações,
noutro qualquer país, prevalentemente a situações de parasitismo social, como se de um fardo se Impacto da Imigração em
Portugal nas Contas do Estado,
tratasse, há aparentemente um benefício líquido para as contas do Estado.”424 (2003) https://www.om.acm.gov.
pt/documents/58428/177157/
ImpactoContas.pdf/dd2601b2-
A replicação de tal iniciativa agora sobre a população idosa, a economia da terceira idade e outras formas através 4731-4ca4-838a-102836fea928
dos quais as pessoas idosas contribuem ativamente para a economia e para a sociedade, teria seguramente (consultado a 05-11-2019)
113
IDADE DE REFORMA
Para quebrar o mito acima mencionado, a Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE) propõe
uma narrativa alternativa que passa pelo reconhecimento do potencial de viver até mais tarde425. Segundo esta
Comissão, identificar e reconhecer este potencial significa transferir o foco até agora colocado nas fraquezas e
limitações das pessoas idosas para as suas capacidades. Esta alteração de foco trará benefícios para os indivíduos,
as comunidades e as sociedades426, incluindo a diminuição da marginalização e isolamento das pessoas idosas,
bem como da violência contra elas exercida.
Em Portugal, poderá começar a percorrer-se este caminho repensando o sistema nacional de pensões, os serviços
de saúde, o mercado de trabalho e aprendizagem ao longo da vida.
Quando a política pública impõe uma idade de reforma428, esta passa “a ser entendida como idade social da
velhice, arrastando consigo toda uma conotação negativa de incapacidade e inutilidade das pessoas idosas”429,
425
UNECE (n.º 416) pois são afastadas do tecido produtivo. A idade cronológica diz muito pouco sobre as capacidades produtivas
(ou inventivas ou intelectuais ou outras) de qualquer indivíduo, pelo que se torna incompreensível remeter
426
Ibid.
compulsivamente as pessoas idosas para um grupo caracterizado pela inatividade e dependência financeira430.
427
Rosa (n.º 136)
428
Em Portugal, a partir de 2014 a
Reconhecendo a capacidade das pessoas idosas da sociedade contemporânea de trabalhar até mais tarde, e de
idade de acesso à pensão de velhice modo a obstar à tradição da imposição da idade da reforma aos 65 anos (que no caso dos funcionários públicos
(vulgo, idade da reforma) passou
a variar em função da evolução da
portugueses se torna compulsória aos 70 anos), em 2015 a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
esperança média de vida aos 65 Económico (OCDE) emitiu uma recomendação aos Estados no sentido de aumentar a idade da reforma431. A OCDE
anos de idade.
defende que a promoção de uma vida ativa mais longa permitirá não só um ajustamento à maior esperança
429
APAV (n.º 8) média de vida como a garantia de um sistema de pensões de reforma sustentável. A par do aumento da idade
da reforma, a OCDE recomenda que se encorajem os empregadores a contratar e a manter nas empresas os/as
430
Rosa (n.º 136)
trabalhadores/as mais velhos/as, mas também que seja promovida a empregabilidade dos/as trabalhadores/as ao
431
OCDE, Recomendação do longo da sua vida ativa (e não só durante os seus anos mais jovens).
Conselho sobre Políticas de
Envelhecimento e Emprego, OECD/
LEGAL/0419 https://legalinstruments. Cremos que o aumento da idade da reforma é um mecanismo eficaz para combater o retrato das pessoas idosas como
oecd.org/public/doc/333/333.en.pdf
(consultado a 18-10-2019)
um problema da sociedade: manter os/as trabalhadores/as no ativo até mais tarde – o que muitas vezes será desejado
pelos/as próprios/as –, permitir-lhes-á continuar a fazer parte do tecido produtivo. Numa sociedade capitalista, a saída
Paulo Nogueira e outros, “Portugal
do mercado de trabalho é vista por muitos como negativa, pelo que adiar tal saída seria uma forma de contrariar
432
433
Instituto Nacional de Estatística
https://www.ine.pt/xportal/ 2.2.3. Os serviços de saúde
xmain?xpid=INE&xpgid=ine_
indicadores&contecto=pi&indOcorr
Cod=0008273&selTab=tab0 Num estudo publicado em 2014432, a Direção-Geral da Saúde deu conta que, em 2012, 50,53% dos custos de
internamento da população foram utilizados nos habitantes com 65 ou mais anos (que representavam cerca de
434
Comissão Europeia, Direção-
Geral dos Assuntos Económicos 19,4% da população total433) o que parece confirmar a ideia generalizada de que a população idosa consome em
e Financeiros, “The 2018 Ageing demasia os serviços do Serviço Nacional de Saúde.
Report: Economic and Budgetary
Projections for the EU Member
States (2016-2070)” (2018), Contudo não é correto fazer-se uma associação do envelhecimento da população e do aumento dos gastos
Publications Office of the European
Union https://ec.europa.eu/info/
públicos com a saúde. No seu Relatório sobre Envelhecimento de 2018434, e indo ao encontro dos resultados
publications/economic-and- obtidos em relatórios anteriores, a Comissão Europeia revela que o envelhecimento tem apenas efeitos
financial-affairs-publications_en
moderados no aumento da despesa com a saúde. Já em 2009 a Organização Mundial de Saúde (OMS) tinha
(consultado a 24-10-2019)
114
REVISÃO DO CÓDIGO DO
concluído que embora os custos com a saúde se elevassem com o aumento da população idosa, os efeitos deste
TRABALHO
aumento eram pouco claros no que concerne à despesa pública435.
O aumento dos gastos com a saúde está também relacionado com fatores não demográficos, como o aumento da
riqueza de um país, que coloca os governos sob pressão para fornecer mais e melhores serviços de saúde. Acresce
que a melhoria da qualidade de vida (e das condições de vida) influencia a atitude dos utentes e a expectativa que
estes têm de viver uma vida mais longa e mais saudável436, que colocará novamente pressão na qualidade dos
serviços oferecidos pelo Estado.
Também a tecnologia envolvida na saúde437, os salários devidos aos profissionais, o atendimento hospitalar, medicamentos
e infraestruturas constituem grandes parcelas de despesa total em saúde438, pelo que são fatores a ter em conta.
Assim, cremos que a forma de combater o retrato das pessoas idosas como consumidoras desmesuradas do
Serviço Nacional de Saúde passará necessariamente por dar a conhecer à sociedade para onde o dinheiro
investido é canalizado, relevando que a maioria dos gastos não se deve às pessoas idosas.
A par desta informação, deve procurar-se alterar a mentalidade da sociedade relativamente à sua saúde,
nomeadamente incutindo-se a ideia da necessidade de um envelhecimento ativo e saudável. De acordo com a OMS e
a Comissão Europeia, este tipo de envelhecimento permitirá controlar os gastos com a saúde ligados ao envelhecimento
populacional. A Comissão Europeia avança que se os anos adicionais439 forem passados com má saúde, o impacto do
envelhecimento na despesa ascenderá aos 1,3% do PIB, ao passo que se a saúde for boa, o impacto será de apenas Bernd Rechel e outros, Policy
435
consumidoras de recursos de saúde (que é uma visão desajustada à realidade), como também preparar a sociedade 436
Comissão Europeia (n.º 434)
para que tal categorização não venha a tornar-se real: todas as pessoas envelhecem e é importante que se preparem
para um envelhecimento saudável. Já em 2014 o relatório Um Futuro para a Saúde, que reuniu contributos de um Rechel (n.º 435)
437
conjunto excecional de personalidades nacionais e estrangeiras, sob a coordenação de Lord Nigel Crisp, adotava o 438
Comissão Europeia (n.º 434)
subtítulo Todos temos um papel a desempenhar. Este relatório lança vários desafios à sociedade para melhoria da 439
Adicionais em referência à maior
saúde e atribui a cada um de nós uma coresponsabilização na preservação da saúde e estilos de vida saudável442. longevidade que se verifica e em
comparação com a esperança média
de vida anterior.
441
Rechel (n.º 435)
O Eurobarómetro de 2015 indica que 56% dos respondentes ao questionário pensam que o facto de uma pessoa
ter mais de 55 anos seria uma desvantagem na candidatura a um emprego. Entre vários critérios (entre os quais a O relatório reúne as
442
recomendações do estudo
aparência, a origem étnica e qualquer deficiência do candidato) este foi referenciado como a forma mais comum sobre a Saúde em Portugal
443
Comissão Europeia, “Special
Para uma sociedade mais inclusiva é imperioso combater estas ideias, não só no setor laboral, como também Eurobarometer 437 – Discrimination
permissividade que a legislação portuguesa apresenta em relação à discriminação etária, aceitando a rejeição de pessoas 444
Steven H. Appelbaum e outros,
com base no critério da idade, quando se mostre necessário e apropriado à realização de um objetivo legítimo (cf. artigo “The effects of old-age stereotypes
on organizational productivity
25.º, n.º 3 do Código do Trabalho). A lei determina que serão objetivos legítimos as necessidades de política de emprego, (part one)” (2016), Vol. 48 n.º 4,
mercado de trabalho ou formação profissional, sem concretizar em que podem traduzir-se tais necessidades, o que Industrial and Commercial Training
facilmente resulta em discriminação injustificada. Atendendo a que muitas vezes os candidatos a um posto de trabalho https://www.researchgate.net/
publication/299404774_The_
não são informados dos motivos da rejeição, uma revisão desta norma do Código do Trabalho poderia ser benéfica, effects_of_old-age_stereotypes_on_
reduzindo ao máximo as possibilidades de exclusão das pessoas mais velhas do mercado de trabalho. organizational_productivity_part_one
(consultado a 08-11-2019)
115
UNIVERSIDADES SÉNIOR
Conforme acima mencionado, os trabalhadores mais velhos podem ser (e são por vezes) acusados de não estar
dispostos a aprender novos conteúdos e/ou de não serem favoráveis à inovação dos métodos de trabalho.
Urge abolir de imediato a perceção errónea de que a vontade de aprender e a capacidade de adaptação está
diretamente ligada à idade de um indivíduo, pois estas variam de acordo com as experiências pessoais e
profissionais, mas também com a personalidade de cada um/a. Alguns Autores defendem mesmo que as pessoas
idosas são mais flexíveis do que as mais jovens, uma vez que tiveram de se adaptar a mais mudanças ao longo da
sua vida (doenças, comportamentos e estilo de vida, falecimento de familiares e/ou amigos)445.
Acresce que o ónus da capacitação não deve recair sobre o/a trabalhador/a, mas sim sobre a entidade
empregadora: é esta quem deve esforçar-se para oferecer formação contínua aos/às seus/suas trabalhadores/
as (independentemente da sua idade), adaptada às suas capacidades já adquiridas, garantindo que os
conhecimentos e estratégias estão plenamente atualizados.
É preciso não esquecer que a manutenção de trabalhadores/as mais velhos/as numa empresa tem como
vantagens a passagem de conhecimentos aos/às trabalhadores/as mais novos (em idade ou na empresa) e
também a sua capacidade – adquirida pela experiência de trabalho – de avaliar a eficácia de novos métodos ou
instrumentos que se pretenda introduzir na empresa446.
Na verdade, de acordo com Ekkehard Ernst, economista da Organização Internacional de Trabalho (OIT), as
economias com uma força de trabalho mais velha provavelmente terão acelerações no crescimento. Ernst
argumenta ainda que os/as trabalhadores/as mais velhos/as podem estar mais inclinados a adotar novas
tecnologias, uma vez que o progresso tecnológico costuma funcionar a seu favor, permitindo que substituam
empregos fisicamente exigentes por tarefas cognitivas447.
A abolição da ideia de que as pessoas idosas não são criativas poderia ser alcançada mediante o financiamento de
novos projetos e a larga divulgação dos projetos já existentes no nosso País, que provam precisamente que a
idade não acarreta a falta de originalidade ou de criatividade.
Esta iniciativa nasceu com o objetivo de prevenir a solidão e a Uma forma de democratização da arte e de promoção do
inatividade das pessoas com mais de 55 anos, proporcionando-lhes envelhecimento ativo, o Projeto Lata 65 consiste em workshops
uma vida ativa através da prestação de serviços nos seus bairros de Arte Urbana direcionados a pessoas idosas, representando
445
Appelbaum (n.º 444)
(em Lisboa), que valorizem os seus conhecimentos, criando uma oportunidade de aproximar este público a formas de arte
redes de apoio informal sólidas e próximas. As pessoas idosas tendencialmente associadas a jovens.
446
Ibid
cozinham refeições, dão aulas de música e fazem petsitting, mas
também prestam serviços de bricolage, pequenas reparações e Até hoje foram realizadas 43 ações em vários países e o participante
447
Ernst avisa contudo que o rápido
jardinagem. mais velho tinha 102 anos.
envelhecimento populacional
Fonte: https://55mais.pt/pt/ Fonte: https://mistakermaker.org/lata-65
pode gerar incompatibilidades
de competências que levam as
empresas a levar a cabo mudanças
nos locais de trabalho para
corresponder às necessidades
dos trabalhadores mais velhos.
Em entrevista à Organização
Internacional de Trabalho, publicada
em 07-04-2015 https://www.ilo.org/
global/about-the-ilo/multimedia/
audio/WCMS_358943/lang--en/
index.htm (consultado a 11-12-2019)
116
A AVÓ VEIO TRABALHAR
Este é um projeto que visa a cooperação intergeracional, oferecendo um lugar onde todas as pessoas possam encontrar-se, discutir e aprender.
No âmbito deste projeto, pessoas idosas criam coleções de produtos para o lar, que vendem ao público, e dinamizam workshops de serigrafia,
bordados e tricô criativos. É um projeto sustentável, na medida em que as receitas dos produtos vendidos revertem para a associação Fermenta,
que promove o projeto, e para as atividades desenvolvidas pelas “avós”.
Fonte: https://www.fermenta.org/
A visão negativa que a sociedade tem das pessoas idosas poderia também
ser combatida pela adoção de manuais de boas práticas a utilizar pelos/as
profissionais/as que contactam com as pessoas idosas. Por vezes, os preconceitos
estão de tal modo enraizados na mente dos indivíduos que a convivência e/
ou trabalho com as pessoas idosas não é suficiente para os derrogar. Assim,
aqueles manuais, sendo facultados num momento de formação inicial ou contínua,
demonstrar-se-iam fundamentais para garantir a capacitação e desconstrução
dos preconceitos dos/as profissionais que lidam com pessoas idosas.
A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM
A “existência de discursos sobre a velhice, de conotação negativa ou positiva, reflete a forma como cada
sociedade considera o lugar dos idosos.” Sabendo que a linguagem influencia a nossa perceção da realidade
e tem a capacidade de alterar mentalidades, é urgente alterar o discurso (público e individual) sobre as
pessoas idosas, suprimindo as tendências protecionistas e paternalistas. Nesta senda, cremos que os meios
de comunicação, mas também o poder político, deverão esforçar-se para compreender o envelhecimento
demográfico da população e o seu significado para a sociedade, trazendo a discussão sobre as reais
necessidades das pessoas idosas a público numa lógica abrangente e não meramente assistencialista.
117
3. Visibilidade e capacitação das pessoas idosas
O combate ao retrato das pessoas idosas como um problema social e económico passará também por conferir a
este grupo da população, tão grande e heterogéneo, uma maior visibilidade, expondo as inverdades que subjazem
aos preconceitos. Simultaneamente importa capacitar as pessoas idosas, buscando a diminuição de eventuais
fragilidades, o que terá igualmente efeitos positivos na forma como as pessoas idosas são vistas pela sociedade.
Tanto a desconstrução dos preconceitos relativos às pessoas idosas como a minoração das dificuldades sentidas
por algumas destas facilitam o combate à violência. Qualquer ação neste sentido deverá apostar em dois fatores: a
visibilidade e a capacitação das pessoas idosas.
3.1. Visibilidade
As pessoas idosas são invisíveis na sociedade contemporânea, havendo muito poucos (e por vezes nenhuns)
representantes dos indivíduos desta faixa etária nos livros, nas novelas, nos filmes, nas escolas, no poder político e na
comunicação social448. Esta ausência, gerada pelo desinteresse comunitário nas pessoas idosas, tem simultaneamente o
potencial de fomentar ainda mais este desinteresse: não nos interessamos pelos assuntos das pessoas idosas, logo não
os damos a conhecer e se não conhecemos as pessoas idosas, não nos interessamos pelos seus assuntos.
No seu ensaio Discriminação da Terceira Idade, Sibila Marques menciona uma análise por si realizada a oito
manuais escolares do 1.º ciclo de escolas portuguesas das disciplinas de Língua Portuguesa e Estudo do Meio. Em
1345 textos, imagens e exercícios que continham representações de figuras humanas, somente 6% continham
imagens ou referências a pessoas idosas. Em contrapartida, as imagens ou referências a crianças representavam
40% e aquelas referentes a adultos 25%449.
Em dezembro de 2019, os Deputados à Assembleia da República tinham em média 48 anos de idade450, e só 15%
do Parlamento tinha mais de 60 anos (o Deputado mais velho tinha 74 anos)451. A idade média dos Ministros do
XXII Governo Constitucional é ligeiramente superior rondando os 53 anos, tendo dois Ministros 65 anos de idade.
Portanto, embora componham 53% da população452, as pessoas idosas não estão devidamente representadas nas
esferas do poder. Assim não será surpreendente que os assuntos que lhes dizem respeito e as suas necessidades não
sejam temas prioritários nas decisões políticas – não obstante o envelhecimento populacional dever importar a todos.
Cf. O retrato das pessoas idosas
448
nos média No que concerne à comunicação social, como será mais aprofundado seguidamente, é mais frequente serem partilhadas
imagens ou histórias de vitimação, de lares ilegais e de abandono de pessoas idosas nos hospitais do que histórias positivas
449
A investigadora concluiu que
apesar de haver sub-representação e de sucesso, o que contribui para a ideia generalizada de que as pessoas idosas são frágeis e um peso para os sistemas
das pessoas idosas, estas não contributivos e de saúde. Por outro lado, quando a comunicação social se esforça para contrariar aquela perceção e trazer ao
eram retratadas somente de forma
negativa e/ou paternalista. Marques público histórias positivas sobre as pessoas idosas, não raras vezes o seu discurso resvala para o paternalismo.
(n.º 13)
450
Rádio Renascença, “Um
As imagens e as referências a pessoas idosas devem ser difundidas no contexto escolar, principalmente junto das
Parlamento quarentão, ainda crianças mais novas, dando-lhes a conhecer desde cedo a realidade da sociedade em que se inserem. Se desde
masculino e com 40% de caras
novas” (07-10-2019) https://rr.sapo.
cedo as crianças forem habituadas a ver as pessoas idosas como membros da comunidade, mais facilmente as
pt/2019/10/07/legislativas-2019/ olharão com o devido respeito e mais dificilmente serão generalizados os preconceitos e estereótipos a que
um-parlamento-quarentao-ainda-
aquelas pessoas são associadas. Esta disseminação de imagens e referências pode tomar várias formas, desde
masculino-e-com-40-de-caras-
novas/noticia/167354/ (consultado figuras nos manuais escolares a intervenções de pessoas idosas nos estabelecimentos de ensino, para que as
a 21-11-2019) crianças tomem contacto com pessoas reais, com quem podem até vir a desenvolver alguma empatia.
451
Correio da Manhã, “PS é o partido
com o deputado mais novo e o mais O poder político deverá empenhar-se na construção de um futuro sustentável, procurando ir ao encontro das
velho nesta legislatura” (08-10-2019)
https://www.cmjornal.pt/politica/
verdadeiras necessidades das pessoas idosas, reconhecendo a sua heterogeneidade. As pessoas idosas carecem
detalhe/ps-e-o-partido-com-o- de mais atenção no seu bem-estar e qualidade de vida, devendo ser-lhes conferidas mais oportunidades para
deputado-mais-novo-e-o-mais-
velho-nesta-legislatura
desenvolver livremente a sua personalidade e para tanto, os decisores políticos deverão desviar o seu discurso (oral e
legiferante) da ótica assistencialista focada meramente nas áreas da saúde e segurança social. Se as esferas do poder
Dados de 2018. Instituto Nacional
reconhecerem publicamente a diversidade das pessoas idosas, a sociedade será incentivada a fazê-lo também.
452
118
FORTALECIMENTO DAS
Assim, é crucial, primeiramente, falar mais sobre pessoas idosas uma vez que representam mais de metade da
REDES COMUNITÁRIAS
população. É crucial, também, normalizar o discurso e as imagens sobre as pessoas idosas, deixando de as retratar
de um modo estritamente bipartido, apresentando-as somente como pessoas carenciadas (de dinheiro, redes
sociais ou afeto) ou como pessoas extremamente ativas453. Conferir mais visibilidade às pessoas idosas implicará
uma reformulação de várias áreas da vida em sociedade, mas terá como consequência uma maior paridade entre
aquelas pessoas e as que compõem as demais faixas etárias.
3.2. Capacitação
A forma como a sociedade olha para as pessoas idosas, mormente enquanto indivíduos dependentes dos
cuidados e atenção de outrem, pode ser modificada mediante a capacitação (empowerment) para suprir as
dificuldades eventualmente sentidas. Atendendo a que mais fragilidade implica maior vulnerabilidade à
violência, combatendo-se as causas da fragilidade (nomeadamente através do desenvolvimento de equipamentos
pensados para pessoas idosas), estar-se-á a prevenir a violência.
Todos os seres humanos dão relevância aos sentimentos de utilidade e autonomia, que estão ligados à aprendizagem
constante, sendo perentório capacitar as pessoas idosas a ultrapassar as suas dificuldades – algo que não sucede atualmente.
Uma das principais formas de capacitação dos indivíduos, independentemente da idade, é a informação. As
pessoas idosas devem conhecer os seus direitos e a forma de os exercer, detendo as ferramentas necessárias para
combater eventuais violações dos mesmos.
É imperativo garantir que o acesso à informação está facilitado. Os programas de televisão, especialmente
aqueles que têm como público-alvo as pessoas idosas, têm um importantíssimo papel nesta tarefa: atualmente
muitas pessoas idosas passam parte do seu tempo a ver programas televisivos, pelo que se estes se dedicassem à
divulgação de informações pertinentes para aquelas, capacitar-se-iam as pessoas idosas sem esforço da sua parte.
Sabendo que chegam à casa da generalidade das pessoas e conhecendo o seu público, os programas de televisão
deveriam também empenhar-se em construir conteúdos intelectualmente estimulantes – sem prejuízo de
manterem a sua marca de entretenimento. A estimulação do intelecto permite que as pessoas se mantenham
ativas e alertas, possibilitando não só uma melhor prevenção e reação a eventuais violações dos seus direitos,
como um maior conhecimento e questionamento do mundo que as rodeia.
Uma iniciativa da Câmara Municipal de Odivelas que tem como Uma iniciativa da Câmara Municipal da Covilhã, o Centro Activ’Idades
objetivo tornar o serviço de empréstimo acessível a todos os é um espaço que oferece um conjunto de valências à população idosa
residentes no Concelho que se encontrem impossibilitados de do município, permitindo-lhe a ocupação dos seus tempos livres e o
frequentar a biblioteca municipal permitindo assim que todos envelhecimento saudável. O Centro conta com uma biblioteca/sala de
os leitores possam usufruir, nas suas casas, de documentos da leitura, onde são desenvolvidas atividades de leitura e investigação
biblioteca. sobre as memórias, o património ou a história local. Há também
ateliers de costura, bordados ou pintura, uma sala de jogos e outra
Fonte: https://www.cm-odivelas.pt/ sala de informática (para formação e utilização de computadores).
No Centro existe ainda um ATL no qual as pessoas idosas podem
desenvolver atividades em conjunto com os/as seus/suas netos/as.
Fonte: http://www.cm-covilha.pt/
Outra das formas de fomentar a capacitação das pessoas idosas é “reinvenção” do design. Este pauta-se ainda pelo
assistencialismo e o cuidado, ao invés de se focar na possibilidade de criar espaços e instrumentos que facilitem a autonomia
de quem os utiliza. Sabendo que a visão e a audição das pessoas idosas não são tão apuradas como as das pessoas mais jovens, Cf. O retrato das pessoas idosas
453
nos média
investimentos criativos na adequação da luz e dos sons das habitações a essas mudanças poderiam facilitar a manutenção
de uma vida autónoma dos indivíduos nas suas casas. Concomitantemente, aparelhos de controlo da temperatura fáceis de 454
Sarah Harper, “The Opportunity
for “Design” to Influence the
manusear (pois perdemos alguma capacidade de controlar a nossa temperatura corporal à medida que envelhecemos)454 têm Ageing Process Itself” (2013), 6,
o potencial de criar ambientes mais confortáveis, desincentivando uma atitude de passividade. Por exemplo, se não tivermos 157, Journal of Population Ageing
frio nem nos sentirmos cansados ou desconfortáveis, temos mais vontade de passear ou fazer tarefas dentro de casa. https://www.researchgate.net/
publication/257768783_The_
Opportunity_for_Design_to_
A capacitação das pessoas idosas pode igualmente ser alcançada através do fortalecimento das redes comunitárias. Influence_the_Ageing_Process_Itself
(consultado a 14-11-2019)
119
A criação de espaços seguros de partilha, entreajuda e cooperação entre os indivíduos pode ter uma influência
positiva na autoestima de cada um/a, o que por seu turno tem influência positiva no bem-estar. Se as pessoas
idosas se sentirem parte de uma rede social, encontrando-se com outras pessoas com as quais se sentem
confortáveis, sentir-se-ão mais motivadas para sair das suas casas e realizar quaisquer atividades.
Dois arquitetos japoneses (Arakawa e Gins) criaram os Reversible Destiny Lofts. Estes são espaços projetados para estimular os sentidos das pessoas
idosas muito além do que normalmente experienciam no seu quotidiano. Com pisos irregulares, paredes coloridas e portas que obrigam quem por
elas passa a baixar-se, estes edifícios procuram adiar os declínios físicos e cognitivos resultantes do envelhecimento. Estes são um exemplo de como
o design pode trabalhar a favor das pessoas idosas, promovendo a sua autonomia no longo prazo.
Fonte: https://www.reversibledestiny.org
A melhoria das condições económicas é igualmente uma forma de capacitação das pessoas idosas. Com melhores
condições económicas, as pessoas têm acesso a melhores bens e serviços, o que beneficia a sua saúde, bem-
estar e qualidade de vida. Mas mais do que isto, as condições económicas estão ligadas à saúde mental: piores
condições económicas significam pior saúde mental457, logo um investimento naquelas condições representa um
investimento na saúde mental e, consequentemente, um investimento em fatores protetores contra a violência.
A educação para a saúde é também extremamente relevante, pois a doença e as incapacidades podem conduzir à
necessidade das pessoas idosas de receber cuidados de terceiros. Não só devem as pessoas idosas ser informadas
455
Organização Mundial de acerca da prevenção de doenças, capacitando-as para agir preventivamente, como acerca da deteção de doenças,
Saúde e Fundação Calouste
Gulbenkian, “Social determinants
permitindo que a atuação dos/as profissionais de saúde seja mais direcionada e, como tal, mais eficaz. Mais,
of mental health” (2014) Geneva, as pessoas idosas devem estar conscientes dos seus direitos em caso de necessidade de recorrer ao sistema de
World Health Organization https://
saúde, uma vez que as pessoas informadas estão em posição de exigir melhor qualidade nos serviços prestados.
apps.who.int/iris/bitstream/
handle/10665/112828/97892415068 Neste ponto os/as profissionais de saúde assumem um imprescindível papel: no seu contacto com pessoas idosas
09_eng.pdf;jsessionid=30DDFB002E não deverão assumir qualquer incapacidade de compreensão, esforçando-se para informar plena e corretamente
1B49B770C0B6AEBDA380AA?
sequence=1 (consultado a 14-11-2019) os/as utentes sobre os seus direitos, o seu estado de saúde e formas de atuar. Com o atual tempo de consultas
de que os/as médicos/as dispõem com os/as pacientes, poderá ser difícil levar a cabo esta tarefa, especialmente
Cf. Fatores de risco da violência
456
Além de se apostar na capacitação daqueles que atualmente já são pessoas idosas, é de suma importância
458
Teresa Rodrigues, professora no
Departamento de Estudos Políticos capacitar aqueles que virão a ser pessoas idosas. A preparação para o envelhecimento fará com que este seja
da Faculdade de Ciências Sociais mais bem-sucedido. Uma das formas mais eficazes para incutir a necessidade desta preparação é a educação das
e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa e autora do ensaio camadas jovens da população: melhores níveis de educação levam a que os indivíduos adotem comportamentos
Envelhecimento e Políticas de de menor risco e façam uma utilização mais racional dos meios e equipamentos disponíveis para a saúde, o que
Saúde, em entrevista ao Jornal
público em 29-09-2018 https://www.
se traduz em menores gastos e dependência458.
publico.pt/2018/09/29/sociedade/
entrevista/a-paragem-brusca-
por-reforma-e-um-desperdicio-
butal-1845439 (consultado a 3.2.1. A tecnologia na capacitação das pessoas idosas e na
15-11-2019)
promoção da sua autonomia
459
Cf. O envelhecimento: uma
patologia e um encargo?
As pessoas idosas são muitas vezes negligenciadas por aqueles que desenvolvem tecnologias, pois um dos estereótipos
460
Eleftheria Vaportzis e outros, associados àquele grupo populacional é que não estão interessadas em aprender a manusear as novas tecnologias
“Older Adults Perceptions of
Technology and Barriers to
ou, estando, são muito lentas a adaptar-se459. Contudo um recente estudo escocês concluiu que as pessoas idosas
Interacting with Tablet Computers: A estão interessadas e entusiasmadas com a possibilidade de utilizar novas tecnologias, todavia encontram barreiras no
Focus Group Study” (2017), volume
8, Frontiers in Psychology https://
cumprimento deste objetivo, como a falta de clareza nas instruções e apoio à aprendizagem460.
www.frontiersin.org/articles/10.3389/
fpsyg.2017.01687/full (consultado a
As crianças de hoje nascem num mundo digital, algo que não sucedeu com as pessoas idosas, a quem se exige um esforço
18-11-2019)
120
FATOR DE INCLUSÃO
adicional de adaptação e aprendizagem para viver na sociedade contemporânea. Dado vivermos numa época em que as
pessoas estão constantemente ligadas através da tecnologia, a iliteracia digital facilmente corresponde a exclusão social e as
pessoas idosas estão em risco de serem excluídas, precisamente por não terem nascido nem crescido num meio digital461.
A OATS é uma organização de impacto social norte-americana que trabalha para auxiliar as pessoas idosas a utilizar a tecnologia para melhorar
a sua saúde, finanças, vida social, aprendizagem e expressão criativa. Esta organização associa-se a outras organizações (governamentais, não
governamentais e privadas) para atingir o seu objetivo, ensinando as pessoas idosas a usar dispositivos populares entre todas as faixas etárias, a fim
de promover a sua integração.
Fonte: https://oats.org/
O acesso à internet facilita também o acesso à informação, que como se discutiu acima, é um direito e um meio
para conhecer e exercer outros direitos. Atualmente alguns serviços públicos são prestados através da internet,
pelo que ensinar as pessoas idosas a aceder-lhes representa não só uma forma de literacia digital, como lhes
permite ter uma cidadania ativa.
Urge capacitar as pessoas idosas na utilização destes instrumentos, pois, como aponta Isabel Dias, tal capacitação
“emerge assim como um meio de alcançarem uma maior autonomia, participação social, conhecimentos,
desenvolvimento pessoal, a par de aptidões concretas que possibilitem o seu relacionamento com outros indivíduos”463.
Fora do contexto da sociedade em rede e da comunicação existem outros tipos de tecnologia que permitem às
pessoas idosas viver de forma independente até mais tarde, em sua casa ou noutro local que prefiram. O Active
Assisted Living – AAL (Vida Ativa Assistida) é um programa que se pauta pela utilização da tecnologia para alcançar
aquele objetivo, existindo atualmente várias soluções que visam facilitar o quotidiano das pessoas idosas.
Alterações simples nos aparelhos eletrónicos que habitualmente utilizamos podem revolucionar o quotidiano de uma
pessoa idosa, que queira permanecer sozinha e independente em sua casa. Por exemplo: para aqueles que revelam
dificuldades visuais, produzir comandos da televisão ou telemóveis com botões maiores e/ou mais iluminados, confere-lhes
autonomia, pois permite utilizar aqueles dispositivos sem recorrer ao auxílio de outra pessoa cuja visão esteja melhor.
Os robots de limpeza, como os aspiradores automáticos, permitem que as pessoas idosas com dificuldades de
locomoção mantenham as suas casas limpas, sem precisarem do auxílio de terceiros. Também para auxiliar
aqueles/as com dificuldades de locomoção, as cadeiras elétricas para subir escadas são uma mais-valia, uma vez
que permitem às pessoas idosas movimentar-se de forma mais livre pela sua casa, sem dependerem da ajuda de
outrem para se deslocarem.
Reconhecendo a propensão de algumas pessoas idosas para cair, existem já aparelhos com sensores de queda. Estes
funcionam como uma pulseira que identifica uma queda no momento em que a mesma ocorre e lança um alerta
para os serviços que acompanham aquele/a utente. A vantagem destes aparelhos reside na segurança que confere à
pessoa idosa que os utiliza, deixando de ser necessária a presença de outrem que monitorize os seus movimentos.
Também os assistentes virtuais poderão permitir a capacitação das pessoas idosas. Funcionando como ajudantes
nas tarefas domésticas, relembrando a pessoa idosa que está na hora de tomar a sua medicação ou, nos casos de 461
Isabel Dias, “O Uso das
tecnologia mais avançada, servindo como uma companhia para quem os utiliza, estes robots podem substituir um Tecnologias Digitais entre os
terceiro que intervenha na vida pessoal daquela pessoa idosa. Seniores” (2012), n.º 68, Sociologia,
Problemas e Práticas, 55 https://
revistas.rcaap.pt/sociologiapp/article/
Não pretendemos que a utilização da tecnologia venha substituir as interações entre as pessoas idosas e outros/ download/693/609/0 (consultado a
18-11-2019)
as, pois tal poderia vir mesmo a potenciar a solidão, algo completamente indesejável. Procuramos apenas pôr
em evidência que investimentos em tecnologias desenhadas a pensar pessoas idosas poderiam diminuir as 462
Ibid.
121
3.3. Conclusão
A invisibilidade e a desvalorização das pessoas idosas, que andam de mãos dadas, criam ambientes facilitadores
da violência contra aquelas. Conferindo mais visibilidade às pessoas idosas, reconhecendo a heterogeneidade
do grupo, é possível combater os preconceitos que subjazem à violência464, mas também trazer à luz as reais
e variadas necessidades que as pessoas idosas apresentam. Conhecendo estas, poderão encontrar-se soluções
adequadas para as colmatar. Portanto, uma maior visibilidade permite não só debelar as ilusões sobre as
fragilidades das pessoas idosas como também minorar as reais fragilidades.
A par da visibilidade, uma maior capacitação faz com que as pessoas idosas não dependam de outros/as, sendo
autónomas até mais tarde. Esta capacitação tem influência positiva tanto no indivíduo, cuja qualidade de vida
melhora, como também na sociedade em si, que começará a aperceber-se que (i) nem todas as pessoas idosas são
dependentes e (ii) aquelas que realmente são dependentes poderiam deixar de sê-lo – ou sê-lo em menor escala –
caso fossem desenhados instrumentos a pensar no seu quotidiano.
Naturalmente capacitação e visibilidade são dois elementos indissociáveis: só começarão a ser produzidos
produtos específicos para as eventuais vulnerabilidades das pessoas idosas quando se reconheça que estas
vulnerabilidades existem.
Temos então de concluir que garantir a visibilidade e a capacitação das pessoas idosas são duas formas de
combater o retrato negativo que a sociedade tem daquelas, mas simultaneamente combater as vulnerabilidades
que aquele grupo etário por vezes apresenta. Por conseguinte, a visibilidade e a capacitação têm o potencial de
debelar fatores de risco da violência, funcionando como motores do combate a este fenómeno.
464
Cf. Idadismo
122
4. Alteração dos padrões familiares e suas APRENDIZAGEM
consequências para as relações intergeracionais INTERGERACIONAL
Independentemente do contexto social, económico e político de um país, a família é, ainda hoje, a instituição
de suporte preferida para a maioria das pessoas idosas465. Além do mais, no que diz respeito à violência contra
pessoas idosas constatámos já que a maioria das situações de violência individual466 ocorre no seio familiar.
Assim, é importante tecer algumas considerações sobre as alterações que têm sofrido os padrões familiares na
nossa sociedade e quais as consequências das mesmas nas relações intergeracionais, nomeadamente na forma
como as camadas mais jovens da família (e da sociedade) veem as pessoas idosas.
465
Graça M. Pereira e Joana Roncon,
Antes de mais, cumpre sublinhar que o conceito de família tem vindo a alargar-se e que novas configurações “Relacionamento Familiar em Pessoas
familiares têm permitido uma alteração da organização e do modo de vida dos seus membros467. Apesar das Idosas: Adaptação do Índice de
Relações Familiares (IFR)” (2010)
novas configurações que o conceito de família tem vindo a abranger, a família não deixa de ser uma unidade 11(1) Psicologia, Saúde & Doenças
social no seio da qual se estabelecem relações entre os seus membros468. 41 http://www.scielo.mec.pt/scielo.
php?script=sci_abstract&pid=S1645-
00862010000100004&lng=pt&nrm
Esta unidade social, “embora considerada uma das instituições mais persistentes no tempo”469, tem vindo a sofrer =iso (consultado a 18-12-2019)
mudanças determinadas por fatores demográficos, económicos, sociais, políticos e culturais470. Maria Olívia Dias 466
Cf. As dimensões particular,
enumera alguns destes fatores: diminuição do número médio de filhos, diminuição das famílias numerosas, institucional e pública da violência
aumento do número de pessoas sós, aumento do número de divórcios e consequente aumento das famílias contra pessoas idosas
recompostas, aumento das uniões de facto e o aumento do número de famílias homoparentais. 467
Maria Olívia Dias, “Um Olhar sobre
a Família na Perspetiva Sistémica:
o Processo de Comunicação
Para além destes fatores, existem outros que têm sido absolutamente determinantes para a alteração das relações no Sistema Familiar” (2011) 19,
familiares, nomeadamente as relações entre os membros da família que se encontram nos extremos opostos do Gestão e Desenvolvimento,
percurso de vida, i.e. as crianças e as pessoas idosas. Estes fatores são, claro, o aumento da esperança média de 139 https://repositorio.ucp.pt/
handle/10400.14/9176 (consultado a
vida, o aumento do número de famílias monoparentais e de famílias em que ambos os progenitores trabalham 18-12-2019)
fora de casa e, por último, a deslocação das famílias para comunidades que não as de origem onde existam 468
Ibid.
maiores oportunidades de trabalho471.
469
Ibid.
O aumento da esperança média de vida contribui para uma maior multigeracionalidade das famílias: atualmente 470
Ibid.
as famílias acumulam mais gerações, ao contrário do que acontecia quando a esperança média de vida era mais
471
Sally Newman, “Intergenerational
baixa e apenas duas ou, em mais raros casos, três gerações conviviam472. No entanto, nas sociedades atuais, Learning and the Contributions of
apesar de aumentar a multigeracionalidade, também se observa, fruto dos fatores acima indicados, uma redução Older People” (2008) 8, Ageing
significativa do intercâmbio intergeracional e para um maior afastamento geográfico das pessoas idosas em Horizons, 31 https://riolis.ipleiria.pt/
files/2011/03/Intergenerational-
relação aos/às seus/suas filhos/as e netos/as473. Learning-and-the-Contributions-
of-Older-People.pdf (consultado a
08-01-2020)
Ao longo da história da humanidade, a aprendizagem intergeracional tem sido o mais importante veículo
informal de transmissão de conhecimento, competências e valores474. Os/As avós são, por norma, os membros 472
Merril Silverstein e Roseann
Giarusso “Aging and Family Life:
da família que partilham a sua sabedoria com os mais novos, perpetuando a história, os valores e a cultura da A Decade Review” (2010) 72(5), J
sociedade da qual provêm e da sua família, constituindo o elo da mesma com o passado475. No entanto, nas Marriage Fam., 1039 https://www.
ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/
sociedades atuais, mais complexas, esta aprendizagem e a preparação dos mais novos para a vida adulta tornou-se PMC3427733/ (consultado a 08-
uma função de grupos sociais mais alargados, extrafamiliares476. 01-2020)
473
Newman (n.º 471)
Apesar de se constatar esta alteração na forma de transmissão de valores e nos grupos que influenciam a
preparação das crianças para a vida adulta, vários estudos sobre as relações familiares têm indicado que a relação Ibid.
474
entre avós e netos continua a ser emocionalmente próxima, apesar de mais sensível às tais alterações das 475
Ibid.
circunstâncias e configurações familiares477. 476
Ibid.
Se a relação entre os avós e os netos continua, em muitas famílias, a ser próxima, importa perceber por que se 477
Ibid.
alterou tão fortemente o padrão de aprendizagem intergeracional478. Isto talvez esteja relacionado com a forma 478
Já em 2010 se tinha constatado
como as crianças interiorizam os estereótipos em relação às pessoas mais velhas que observam na sociedade em a falta de “uma política de família
geral e, não raras vezes, nos seus pais e suas mães. que estrategicamente promova
uma maior ligação intergeracional”,
constatação que permanece
Até à data, a investigação que se propôs a estudar a visão das crianças obteve resultados contraditórios: enquanto plenamente atual. Alzheimer Portugal
(n.º 382)
123
alguns estudos concluem que a perceção das crianças em relação às pessoas idosas é negativa, outros indicam
que as crianças não apresentam diferentes perceções em relação a diferentes grupos etários, tendo até uma
atitude positiva em relação às pessoas idosas479. Os resultados contraditórios dos estudos existentes demonstram
a clara necessidade de investigação mais profunda para que se entenda melhor qual a visão que as crianças têm
das pessoas idosas, como se desenvolve esta visão ao longo infância e quais as consequências para as relações
intergeracionais.
De qualquer forma, sabe-se que as relações entre crianças e pessoas idosas têm inúmeros benefícios para os
envolvidos. As crianças recebem das pessoas idosas apoio durante o seu crescimento e aprendizagem, são-lhes
transmitidos valores, sabedoria e habilidades, bem como carinho e amor. Por outro lado, as pessoas idosas
recebem das crianças novas ideias e conhecimentos sociais e tecnologias, é-lhes transmitida vitalidade e, claro
também, carinho e amor480.
Estas relações intergeracionais, apesar de cada vez mais permeáveis às circunstâncias familiares numa sociedade
mais complexa, não devem nem podem perder-se. Isto porque não são apenas as crianças e as pessoas idosas
que recebem com as relações intergeracionais, mas também uma sociedade que se torna mais empática e que
privilegia os afetos.
479
Joana Mendonça e outros,
“Children’s Attitudes toward
Older People: Current and Future
Directions” em Liat¬ Ayalon e
Clemens Tesch-Römer (eds.)
Contemporary Perspectives on
Ageism (Springer Open)
480
Newman (n.º 471)
124
5. Idadismo ORIGEM
PLURIDIMENSIONAL
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reconhece que todas as pessoas são iguais em direitos e
liberdades. Também a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 13.º, n.º 1, determina que todos
os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Todavia nenhum destes diplomas proíbe
expressamente a discriminação com base na idade. Em contrapartida a idade é um dos motivos que torna ilegítima
a diferenciação de tratamento segundo a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cf. artigo 21.º).
Naturalmente aquela omissão não concede uma autorização para discriminar as pessoas idosas (ou outras
com base na idade), pois observa-se o princípio da igualdade, mas não deixa de ser interessante notar que a
possibilidade de idadismo não foi contemplada aquando da redação daquelas normas481.
Estereótipos
481
A discriminação com base na
idade é contudo expressamente
proibida no n.º 1 do artigo 59.º da
CRP, que se refere aos direitos dos
trabalhadores.
482
Cf. Alterar o paradigma: uma
perspetiva de direitos humanos
483
Cf. As dimensões particular,
institucional e pública da violência
Preconceito Discriminação contra pessoas idosas
484
Vergueiro e Lima (n.º 101)
485
Marques (n.º 13)
Muitas das barreiras criadas às pessoas idosas têm origem num pressuposto comum: o idadismo. por vinte itens que solicitam que a
pessoa considere em que medida
viveu determinados episódios de
O idadismo é composto por três elementos: estereótipos, preconceitos e discriminação em relação a grupos ou discriminação social. Em cada item,
é necessário assinalar o número de
indivíduos com base na sua idade. Depois do racismo e do sexismo, este fenómeno é considerado o terceiro vezes que corresponde à frequência
grande “ismo” da sociedade484. com que a própria pessoa
experienciou o episódio, estando
previstas três hipóteses: (0) o
Ainda que possa existir idadismo contra pessoas jovens, em Portugal este tende a atingir sobretudo as pessoas episódio ‘nunca ocorreu’; (1) ‘ocorreu
uma vez’; ou, então, (2) ‘ocorreu mais
idosas485. Na verdade, segundo o relatório do Eurobarómetro Especial 378 sobre o envelhecimento ativo, em do que uma vez’.
2012 20% dos portugueses acreditava que as pessoas com 55 ou mais anos eram vistas de forma negativa, o
que denota a presença de estereótipos em relação ao envelhecimento na nossa sociedade. Por outro lado, 14% O estudo, conduzido em 2006,
488
com base na idade nos dois anos anteriores, o que, apesar de ficar abaixo da média da União Europeia (20%)486, 60 e os 94 anos, dos quais 38%
entre 60 e 70 anos, 41% entre 71
demonstra outra das facetas do idadismo. e 80 anos e 21% mais de 81 anos
(113 dos participantes eram do sexo
masculino). José Ferreira-Alves e
Através da aplicação de um instrumento criado em 2001 por Palmore487, José Ferreira-Alves e Rosa Ferreira Novo Rosa Ferreira Novo, “Avaliação da
concluíram que a perceção de discriminação com base na idade é relativamente frequente entre as pessoas discriminação social de pessoas
idosas em Portugal” (2006), Vol. 6,
idosas portuguesas488. Este estudo indica que 68% dos participantes reconhecia ter sido alvo de um ou mais Nº 1, pp. 65-77, International Journal
tipos de episódios discriminatórios, sendo a perceção de discriminação em contextos de saúde (desvalorização of Clinical and Health Psychology.
do sofrimento) a mais referenciada, seguida da assunção de surdez e assunção de incapacidade de compreensão http://repositorium.sdum.uminho.pt/
handle/1822/4466 (consultado a
derivada da idade489. Outro estudo, publicado em 2010, indica que apenas 17% da população portuguesa 17-10-2019)
considera ter sido discriminada devido à idade, apontando a discriminação subtil (como ignorar ou tratar com 489
Ibid.
125
VÁRIOS CONTEXTOS
superioridade) como mais frequente do que os maus-tratos devido à idade (como insultos ou recusa de serviços).
Assim, Portugal mostra-se, a par do Chipre, o país onde as pessoas revelam ser menos discriminadas, não
obstante, o idadismo é visto por todos os escalões etários da população portuguesa como um problema sério490.
O idadismo tem uma origem pluridimensional: a sociedade atual valoriza a beleza e a juventude, exalta a
individualidade, a independência e a competição socioeconómica491 e as pessoas idosas, sendo maioritariamente
associadas à inatividade (por se encontrarem em período de reforma) e por algumas delas padecerem de algum
nível de incapacidade ou dependência, não se enquadram nestes valores.
Outra fonte do idadismo é a categorização das pessoas por idades. A classificação dos indivíduos de forma a
enquadrá-los num grupo é um processo comum nos seres humanos, que ajuda à compreensão do mundo que nos
rodeia e a interagir com outros. Porém esta categorização tende a traduzir-se na homogeneização do grupo e no
afastamento claro dos vários grupos, o que tem por consequência o ignorar as especificidades de cada indivíduo
que compõe o conjunto para olhar somente para as características do grupo. A categorização é altamente
influenciada pelo nosso meio ambiente, de tal modo que se a sociedade tem visões negativas acerca das pessoas
idosas, tenderemos a projetar essas visões nas pessoas idosas que encontrarmos492. Assim, se vivemos numa
sociedade idadista, cria-se um círculo vicioso, como o que se apresenta:
Idadismo Categorização
Influencia
Percepção
das pessoas Resulta em
idosas
O idadismo manifesta-se em vários contextos e de formas mais ou menos evidentes. A infantilização da pessoa
idosa, quer na linguagem (falando lentamente, com palavras simples) quer no trato (tratando uma pessoa idosa por
“querido/a” ou “avozinho/a”), é uma das mais comuns formas de idadismo, observável em qualquer contexto social.
A par da infantilização, há o elevar do tom de voz quando se conversa com uma pessoa idosa, mesmo que esta não
tenha demonstrado quaisquer problemas auditivos. Também a desconsideração da opinião da pessoa idosa nos
assuntos que lhe dizem respeito é uma manifestação de idadismo e, de resto, uma forma de violência493.
Centrando a nossa atenção em contextos mais específicos, podemos encontrar manifestações de idadismo no
local de trabalho, sendo os candidatos mais velhos tendencialmente preteridos em prol dos mais jovens e sendo
a reforma imposta a partir de certa idade sem considerar a produtividade ou vontade do/a trabalhadora/a. No
Eurobarómetro de 2015, 2% dos portugueses disse sentir-se totalmente desconfortável caso tivesse de trabalhar
com uma pessoa com 60 ou mais anos494.
Por seu turno, o Direito Civil português revela-se igualmente idadista quando impõe que o casamento celebrado
490
Maria Luís Pedroso de Lima
(Coord.), “Idadismo na Europa – Uma
por quem tenha 60 anos é obrigatoriamente contraído sob o regime da separação de bens (cf. artigo 1720.º,
Abordagem psicossociológica com o n.º 1, alínea b) do Código Civil). Esta norma parece basear-se na assunção de que a partir dos 60 anos há um
foco no caso português – Relatório
I” (2010).
perigo acrescido – que deve ser legalmente acautelado – de que o nubente se deixe convencer por outros que
pretendem somente apropriar-se do seu património. A lei vê como sinónimo da idade a vulnerabilidade da
Vergueiro e Lima (n.º 101)
pessoa, sujeitando-a a um regime de casamento de forma imperativa, em detrimento do livre desenvolvimento da
491
492
Marques (n.º 13) sua personalidade e até do princípio da igualdade face aos demais nubentes, que não se encontram legalmente
sujeitos a determinado regime.
Cf. Tipos de violência exercidos
493
126
VISÃO ECONOMICISTA
sintomas à idade ao invés de apurar as verdadeiras causas daquelas e receitar a terapêutica adequada. As pessoas
idosas são mais facilmente encaminhadas para a psiquiatria do que para a psicologia do que as pessoas jovens
por os médicos acreditarem na sua incapacidade de autorreflexão. Por outro lado, apesar de as pessoas idosas
serem as maiores consumidoras de medicamentos, são excluídas de testes de ensaio de fármacos495.
Numa sociedade cada vez mais envelhecida, as atitudes e comportamentos idadistas são potenciados por uma
visão estritamente económica da sociedade: as pessoas idosas estão reformadas (o que significa que o Estado
terá de lhes atribuir uma pensão, o que se traduz em custos económicos), podem ter problemas de saúde que as
obrigue a depender do Sistema Nacional de Saúde e/ou da Segurança Social e, em contrapartida, não trabalham,
logo não produzem. Estas ideias são incutidas nos indivíduos desde cedo, o que resulta na manutenção dos
estereótipos, preconceitos e discriminação das pessoas idosas ao longo de várias gerações.
Não é só a visão negativa do envelhecimento que é transmitida na sociedade, encontrando-se também representações
positivas das pessoas idosas, vendo-as como sábias, maduras ou sociáveis. Porém “os estudos sugerem que são muitas
vezes as representações mais negativas que prevalecem nas nossas sociedades idadistas”496.
O idadismo tem consequências muito perniciosas para as pessoas idosas, nomeadamente afetando as suas
capacidades físicas e cognitivas, criando-se uma profecia auto-realizada497.
Estudos498 demonstram que crianças com menos de 12 anos já interiorizaram os estereótipos em relação às
pessoas idosas e que receiam envelhecer. Os estereótipos interiorizados são então reforçados ao longo da idade
adulta, pois à medida que crescemos e envelhecemos somos repetidamente expostos a várias manifestações do
idadismo, que influenciam a nossa categorização. Para além do mais, os estereótipos em relação às pessoas idosas
sobrepõem-se à experiência, significando que tendemos a selecionar determinadas informações de modo a que
cada pessoa idosa se encaixe na nossa ideia de pessoas idosas, ao invés de deixarmos que o nosso preconceito
se altere. Este processo culmina em auto-estereótipos quando cada indivíduo chega à idade a partir da qual é
considerado uma pessoa idosa. Na sua pesquisa, Becca Levy concluiu que os auto-estereótipos das pessoas
idosas influenciam as suas capacidades físicas e cognitivas, indicando que os declínios experienciados na idade
avançada não são somente resultado do processo biológico, mas também de um processo social499.
Estereótipos
Reforço dos
Auto- 495
Marques (n.º 13)
estereótipos na
estereótipos
idade adulta 496
Ibid.
497
Becca R. Levy, “Mind Matters:
Figura 14 — A influência dos estereótipos nos indivíduos Cognitive and Physical Effects of
Aging Self-Stereotypes” (2003),
Vol. 58B, No. 4, 203, Journal
of Gerontology: Psychological
Sciences, https://academic.oup.com/
Atendendo à má imagem associada às pessoas idosas, não será de espantar que quanto mais velho é um indivíduo psychsocgerontology/article/58/4/
mais tarde este considera que começa a “terceira idade”500. À medida que vamos envelhecendo apercebemo-nos P203/523293 (consultado a 01-
que não nos identificamos com os estereótipos e preconceitos associados às pessoas idosas (associados pelos outros 08-2019)
e por nós próprios). Por outro lado, porque são estereótipos e preconceitos negativos, também não queremos 498
Seefeldt, Jantz, Galper, & Serock
identificar-nos com aqueles, o que nos incentiva a dizer que uma pessoa só começa a ser idosa mais tarde. (1977) apud Levy (n.º 497)
499
Levy (n.º 497)
500
Comissão Europeia (n.º 486)
127
5.1. O idadismo e a violência contra pessoas idosas
A mais gravosa manifestação do idadismo traduz-se na violência contra as pessoas idosa: o idadismo não só
está na base da violência como na falta de atenção à existência desta e respetivas consequências.
O facto de a sociedade atual apreciar de sobremaneira o que é jovem e competitivo conduz à desvalorização
das pessoas idosas. Cada indivíduo evita pensar no envelhecimento porque não quer envelhecer (e morrer);
não quer fazer parte do grupo de pessoas que é considerado inútil e incapaz. Assim gera-se uma tendência de
esquecimento das pessoas idosas e dos problemas que as afetam.
Não olhando para as pessoas idosas como pessoas com pleno direito à sua dignidade, quaisquer atos de violência
501
AGE Platform Europe, “Ageism
que sobre elas recaiam são menos censurados do que aqueles perpetrados contra os mais jovens. A AGE Platform
and elder abuse: two faces of the Europe defende que devido ao idadismo os/as assistentes sociais têm mais propensão para detetar e denunciar
same coin” (2019) https://www.age-
platform.eu/press-releases/ageism-
violência contra crianças ou jovens do que contra pessoas idosas. Afirma também que a Justiça e as Forças de
and-elder-abuse-two-faces-same- Segurança tratam os casos de violência contra pessoas idosas com menos seriedade do que quando estão em
coin (consultado a 05-08-2019)
causa pessoas mais jovens501.
502
Vergueiro e Lima (n.º 101)
Os processos biológicos de envelhecimento podem tornar as pessoas idosas mais vulneráveis à violência
503
Apud Marques (n.º 13)
e essa vulnerabilidade é ainda agravada pelas atitudes idadistas, que se repercutem negativamente nas
504
Estatísticas da Justiça, separador capacidades físicas e cognitivas das pessoas idosas.
Polícias e Entidades de Apoio à
Investigação, Polícias, Intervenientes
em Crimes Registados, Lesados/ Maria Emília Vergueiro e Margarida Pedroso Lima concluíram que apesar de não haver qualquer relação
Ofendidos identificados em
crimes registados, segundo o
entre o número de indicadores de abuso preenchidos por uma vítima idosa e o número de comportamentos
escalão etário, por crime http:// discriminatórios a que está sujeita, existe uma relação positiva entre o número de vezes que uma pessoa idosa é
www.siej.dgpj.mj.pt/webeis/index.
vítima de discriminação e o número de indicadores de abuso que preenche: quantas mais vezes a pessoa idosa for
jsp?username=Publico&pgmWindow
Name=pgmWindow_637006121960 sujeita a discriminação negativa mais indicadores de abuso preenche502.
000000 (consultado a 01-08-2019)
505
O Relatório Anual de Segurança Um estudo norte-americano503 concluiu que os jovens com atitudes mais idadistas se revelavam mais céticos em
Interna 2018 utiliza outros escalões relação a uma situação de vitimação de uma mulher idosa e ofereciam menos ajuda. Estes resultados indiciam a pouca
etários, mas só para os crimes contra
a liberdade e a autodeterminação
propensão da sociedade em proteger o segmento idoso da população quando sofre algum tipo de violência.
sexual https://www.portugal.gov.
pt/download-ficheiros/ficheiro.
aspx?v=ad5cfe37-0d52-412e-
No contexto nacional também podemos encontrar indícios desta realidade. Por exemplo, olhando para as
83fb-7f098448dba7 (consultado a Estatísticas da Justiça, não é possível identificar quantas pessoas idosas foram as vítimas dos crimes registados
01-08-2019)
pelas autoridades policiais, uma vez que as vítimas de crime se encontram organizadas por três escalões etários:
506
As estatísticas da APAV indicam menos de 16 anos, 16 a 24 anos e mais de 24 anos504/505. Esta organização agrupa todos os adultos maiores de
que entre os anos de 2013 e 2018, 24 anos vítimas de crime, pelo que quando se procura conhecer a vitimação de pessoas idosas não é possível
em cerca de 52% dos processos
de acompanhamento de pessoas conhecer os números, o que acaba por resultar no desconhecimento pela sociedade da existência ampliada de
idosas vítimas de crime e violência violência contra pessoas idosas.
não tinha sido apresentada queixa
ou denúncia, havendo portanto
inúmeras situações de crime e A esta realidade somam-se as cifras negras506 que não permitem conhecer a verdadeira incidência do fenómeno
violência que não são reportadas
às autoridades. Segundo o estudo
da violência contra pessoas idosas.
populacional sobre a violência do
projeto Envelhecimento e Violência,
A desvalorização das pessoas idosas potencia a falta de dados estatísticos sobre a incidência de crime e violência que
cerca de 64,9% das vítimas não
falou, não contactou ou apresentou vitimizam pessoas idosas, uma vez que a sociedade não reclama conhecer esta realidade. Mais uma vez enfrentamos
queixa sobre a vitimação. APAV um círculo vicioso: a sociedade não está interessada na violência contra as pessoas idosas, o que desmotiva a
(n.º 4); Instituto Nacional de Saúde
Pública Doutor Ricardo Jorge (n.º 11) produção de informação sobre este fenómeno, que tem por consequência a falta de (re)conhecimento pela sociedade
da existência de violência contra pessoas idosas. Uma vez que desconhece esta realidade, a sociedade não a combate.
507
Ribeirinho (n.º 37)
508
Griffin e Aitken (n.º 229) Acresce que as dificuldades de prestação de cuidados a pessoas idosas são reconhecidas pela sociedade, pelo que
509
A defesa do agressor em
quando surgem situações de violência neste contexto, estas tendem a ser encaradas como consequências necessárias
detrimento da vítima é também da falta de recursos507. Como já se mencionou diversas vezes, vivemos numa sociedade que valoriza a autonomia e
comum nos crimes de violação, o
independência, o que potencia a identificação da sociedade com o/a agressor/a de uma pessoa idosa em vez de com
que muitos/as Autores/as atribuem
igualmente a discriminação (com a vítima508. Fazendo o paralelismo com outras formas de violência torna-se evidente a presença de discriminação: são
base no género). Cf. Isabel Ventura, muito raras as situações de crime ou violência nas quais a sociedade se identifica e coloca do lado do/a agressor/a509.
Medusa no Palácio da Justiça ou Uma
História da Violação Sexual (1.ª edição,
Edições Tinta da China, 2018). O idadismo não só influencia a violência contra as pessoas idosas, como impede a sociedade de lidar com esta
510
AGE Platform Europe (n.º 501)
convenientemente, isto é, reconhecendo que se trata de uma violação direitos humanos510.
128
Há uma grande desinformação no que se refere à violência contra as
pessoas idosas, que só poderá ser contrariada recolhendo dados estatísticos
desagregados relativamente à incidência deste tipo de violência e, assim,
combatendo o idadismo que assola a sociedade. Ou seja, para fazer a sociedade
interessar-se pela problemática da violência contra as pessoas idosas, é
necessário alertá-la para a existência da problemática.
Cremos que não basta recolher dados estatísticos acerca dos crimes que
vitimizam pessoas idosas, sendo igualmente necessário produzir informação
sobre todas as formas de violência, mesmo que não estejam tipificadas pelo
Direito Penal, pois nem todas as formas de violência se traduzem numa infração
penal. Mais, é essencial estudar o que motiva o idadismo em todas as suas
componentes e desmistificar o processo de envelhecimento.
129
REPRESENTAÇÃO 6. O retrato das pessoas idosas nos média
POLARIZADA
Nas sociedades atuais, é inegável a profunda influência que os meios de comunicação de massa, também designados
como média511, têm na difusão de informação. A representação das pessoas idosas nos média suscita duas observações
a partir das quais se poderá discutir o papel dos média na prevenção da violência contra pessoas idosas.
Em primeiro lugar, a representação das pessoas idosas nos média – que refletem as práticas e conceções sociais
– pode ser considerada um indicador da visão que as sociedades têm das pessoas idosas, ilustrando as perceções
comuns sobre o envelhecimento e os papéis sociais atribuídos às pessoas idosas512. Em simultâneo, os conteúdos
disseminados pelos média influenciam em grande medida as nossas interações, incluindo a forma como nos
relacionamos com pessoas idosas e a forma como encaramos o nosso próprio envelhecimento513.
Práticas e
Conteúdos
representações
dos média
sociais
511
A palavra média tem origem na
expressão inglesa mass media e
refere-se ao conjunto dos meios de
comunicação social, i.e. todos os
suportes de difusão de informação
Criação/reforço
(rádio, televisão, imprensa, publicação
na Internet, videograma, satélite de de estereótipos
telecomunicação, etc.) que constitui
ao mesmo tempo um meio de Figura 15 — Os conteúdos apresentados pelos média nos quais as pessoas idosas são representadas podem, ao
expressão e um intermediário na
mesmo tempo, refletir as práticas e representações sociais idadistas e contribuir para a criação e/ou
transmissão de uma mensagem.
“media”, in Dicionário Priberam da reforço de preconceitos em relação às pessoas idosas.
Língua Portuguesa [em linha], 2008-
2013, <https://dicionario.priberam.org/
media> (consultado a 24-10-2019)
Vários estudos sobre os média europeus e norte-americanos concluem que as pessoas idosas são
512
UNECE (2012), “Policy Brief on
Ageing No. 12: Images of older
subrepresentadas e quando são de facto figuradas a sua a representação é polarizada. Se, por um lado, as
persons” https://www.unece.org/ pessoas idosas tendem a ser retratadas como frágeis, doentes e isoladas, por outro, estas são representadas
fileadmin/DAM/pau/age/Policy_
briefs/ECE-WG-1-13.pdf (consultado
como parecendo-se com jovens, em forma e saudáveis514. Neste último caso, o objetivo desta representação
a 24-10-2019) mais positiva é, normalmente, passar uma mensagem de anti-envelhecimento enquadrando-o como o único
exemplo de um envelhecimento bem-sucedido515. Por outro lado, a maior representatividade de pessoas idosas
513
Eugène Loos e Loredana Ivan,
“Visual Ageism in the Media” na publicidade que se tem verificado nas últimas décadas deve-se à maior consciência de que está a crescer o
(2018) em Liat Ayalon e Clemens mercado de consumidores de pessoas idosas e do potencial que tem a economia da terceira idade516/517.
Tesch-Römer (eds), Contemporary
Perspectives on Ageism (vol 19,
Springer, Cham) Esta representação polarizada das pessoas idosas e, em especial a que prevalece – aquela que retrata as pessoas
514
Ibid; UNECE (n.º 512)
idosas como frágeis e dependentes – podem não só contribuir para a formação de estereótipos em relação àquelas,
como reforçar os preconceitos já persistentes na sociedade518. Adicionalmente, para as pessoas idosas que se
Colin Milner e outros (2012), “The
deparam com estes conteúdos, os média podem contribuir negativamente para a sua autoimagem e autoestima519.
515
518
Loos e Ivan (n.º 513)
519
Ibid.
130
Estas representações ignoram a realidade da população idosa que é, na verdade, um grupo tão heterogéneo
quanto qualquer outro: as pessoas idosas são diferentes consoante a sua personalidade, experiências de
vida, idade, género, sexualidade, nacionalidade, estatuto socioeconómico, saúde, etc. É precisamente na
representação desta diversidade que os média têm falhado. Assumindo o importante papel que têm na
divulgação de informação e na formação de opinião do público, os média deviam, assim, apresentar um
retrato mais equilibrado, variado e inclusivo da população idosa, revelando tanto os desafios causados
pelo envelhecimento como as oportunidades a ele associadas520/521. Na verdade, os média podem ser um
importante veículo de mensagens que se proponham a alterar as representações do envelhecimento522.
É exatamente como veículo de tais mensagens que os média poderão ter um importante papel na prevenção da
violência contra pessoas idosas. Ao representarem as pessoas idosas de forma mais equilibrada, os média lograrão
ajudar a desconstruir a visão que atualmente a maioria das pessoas mais novas tem daquelas, vendo-as como
“os/as outros/as” em vez de como cidadãos/ãs com os mesmo direitos e deveres. Em consequência, a intolerância
social à violência contra pessoas idosas aumentará.
Por outro lado, os média têm a importante atribuição de informar a população e tornar públicos acontecimentos
e fenómenos pouco visíveis e que, ainda assim, merecem uma discussão social séria que não poderá ser feita 520
Milner (n.º 515)
sem que à sociedade seja facultado acesso a essa informação. Sendo a violência contra pessoas idosas, pelas
características das suas vítimas e agressores/as e pelo facto de ter lugar numa sociedade que é já por si 521
Marques (n.º 13)
idadista, um fenómeno tão invisível, o papel dos média em revelá-la é sem dúvida fundamental. 522
Ibid.
proteção devem ser colocados na balança e nunca suplantados pelo sensacionalismo. É também aqui que se 2009” (2009) http://www.erc.pt/pt/
estudos-e-publicacoes/publicacoes/
torna impreterível procurar aquele equilíbrio no retrato das pessoas idosas, sendo importante ao mesmo tempo estudo-sobre-privacidade-
que se presta o valioso serviço público de divulgação de informação, não cair no erro de representar as pessoas intimidade-e-violencia-na-imprensa
(consultado a 21-11-2019)
idosas apenas como vítimas de crime e violência. O estudo “Privacidade, Intimidade e Violência na Imprensa”523
publicado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em 2009 demonstra precisamente 524
O estudo define “protagonista
principal” como uma das categorias
que as pessoas idosas são mais frequentemente retratadas como vítimas. Segundo o estudo - que analisou de análise nos seguintes termos:
peças jornalísticas sobre crimes, acidentes e doença publicadas entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2009 “Protagonista, a propósito do qual
existem mais informações, ou o
na imprensa diária e semanal – das 3.412 inserções jornalísticas analisadas, 251 tinham como protagonista que é mais destacado. Geralmente
principal524 uma pessoa idosa. Em 122 das peças jornalísticas, a pessoa idosa é apresentada como vítima encontra-se relacionado com o título
525
Entidade Reguladora para a
Como reconhece a própria ERC, “(…) os órgãos de comunicação social desempenham um papel decisivo na Comunicação Social, Diretiva 2019/1
sobre a cobertura informativa de
formação da opinião pública, assumindo, por isso, particulares responsabilidades em matérias sensíveis de cariz situações de violência doméstica,
social (…)”525. A fiscalização do balanço entre a mediatização destas matérias sensíveis e o respeito pelos direitos, Fevereiro 2019
liberdades e garantias pessoais cabe precisamente à ERC, conforme estabelecido no Artigo 39.º da CRP e na Lei n.º 526
Lei n.º 53/2005, de 8 de
53/2005, de 8 de novembro526. novembro que Cria a ERC —
Entidade Reguladora para a
Comunicação Social, extinguindo a
Alta Autoridade para a Comunicação
Social, Diário da República n.º 214, I
Série, 8 de novembro de 2005
131
Considerando a sensibilidade dos casos de crime e violência que envolvem
pessoas idosas vítimas bem como a tendencial vulnerabilidade das mesmas,
cremos que esta Entidade deveria debruçar-se sobre a forma como os média
cobrem estes casos, emitindo uma diretiva como fez, em fevereiro de 2019,
relativamente à cobertura informativa de situações de violência doméstica. Para
além deste papel regulador, a ERC deverá também promover eventos, discussões
e debates entre jornalistas, dirigentes dos grupos de comunicação social, as
organizações da sociedade civil e o público sobre a representação das pessoas
idosas e o papel que os média poderão ter na desconstrução dos preconceitos
em relação a estas.
Exigindo-se aos média que assumam este papel de veículo da mudança de mentalidades em relação às pessoas
idosas e ao envelhecimento, requerendo deles que mantenham o público informado sobre o fenómeno da
violência contra pessoas idosas não deixando que este caia (ainda mais) no esquecimento, e impondo-se que o
façam respeitando os direitos, liberdades e garantias dos/as cidadãos/ãs retratados/as, não podemos esquecer-nos
daqueles que estão no centro da produção de conteúdos mediáticos: os jornalistas.
O papel fundamental dos jornalistas deve ser reconhecido não apenas exigindo-
lhes rigor, profissionalismo e respeito pelos direitos das vítimas de crime, mas
proporcionando-lhes oportunidades formativas sobre violência, em particular
violência contra pessoas idosas, sobre os direitos e necessidades das vítimas,
sobre como comunicar com as mesmas e, acima de tudo, sobre comunicar os
casos de crime e violência ao público sem prejudicar as vítimas e a sua segurança.
132
7. O envelhecimento ativo e saudável: AGENDA 2030 DE
um compromisso sério? DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
No entanto, ao longo das duas últimas décadas, temos vindo a ganhar cada vez mais consciência de que viver por
mais tempo não significa necessariamente viver melhor ou sequer viver bem531.
Perante esta tomada de consciência, a OMS apresentou, como contributo para a Segunda Assembleia Mundial das
Nações Unidas sobre o Envelhecimento que teve lugar em Madrid no ano de 2002, um plano estratégico para o
envelhecimento ativo532 cunhando este termo.
Segundo a OMS, se pretendemos que envelhecer seja uma experiência positiva para os indivíduos, devemos
assegurar que este processo é acompanhado por oportunidades continuadas na área da saúde, participação e
segurança. O processo para atingir este objetivo foi denominado pela definição da OMS de envelhecimento ativo:
527
Organização Mundial de Saúde
(n.º 269)
Processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança de
528
Fundo de População das Nações
forma a melhorar a qualidade de vida à medida que os indivíduos envelhecem. Unidas, “Ageism” https://www.unfpa.
org/ageing (consultado a 11-12-2019)
529
Rocío Fernández-Ballesteros e
A OMS explica ainda que o envelhecimento ativo se aplica quer aos indivíduos quer a grupos populacionais e que é outros, “Active Aging: a Global Goal”
(2012), 2013 Current Gerontology
uma visão que permite a todos/as a realização, ao longo da vida, do seu potencial bem-estar físico, social e mental533. and Geriatrics Research https://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/
PMC3586450/ (consultado a 11-
Desde que o conceito de envelhecimento ativo foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Plano 12-2019)
Internacional de Ação de Madrid sobre o Envelhecimento (MIPAA), verificou-se uma verdadeira alteração de
paradigma, pelo menos no plano teorético, no que toca ao envelhecimento, optando-se por uma visão mais Fundo de População das Nações
530
A 1 de janeiro de 2016 entrou em vigor a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, adotada por todos os vida diária, significando que a maioria
dos anos de vida suplementares são
Estados-Membro da ONU, que compreende 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável num compromisso de vividos com incapacidade. Comissão
garantir que nenhuma pessoa é deixada para trás e que todos/as terão a oportunidade de realizar o seu potencial Europeia, “State of Health in the EU –
Portugal Country Health Profile 2019”
com dignidade e em igualdade. (2019) https://ec.europa.eu/health/
sites/health/files/state/docs/2019_
chp_pt_english.pdf (consultado a
Em 2016, os Estados-Membro da Organização Mundial de Saúde (OMS) adotaram a Estratégia Global e Plano de 18-12-2019)
Ação para o Envelhecimento Saudável com o objetivo de garantir que a resposta global ao envelhecimento se
532
Organização Mundial de Saúde
encontra alinhada com a ambiciosa Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. (n.º 269)
Esta Estratégia Global e Plano de Ação da OMS conceptualiza o termo Envelhecimento Saudável que vem Ibid
533
133
OPORTUNIDADES DE
Segundo a OMS, envelhecimento saudável corresponde ao processo de desenvolver e manter a capacidade funcional
ENVELHECER ATIVA E
dos indivíduos que permite o bem-estar na idade avançada. À semelhança do conceito de envelhecimento ativo, o
SAUDAVELMENTE
conceito de envelhecimento saudável coloca a tónica no bem-estar da pessoa deixando claro que envelhecer de forma
saudável não se trata apenas de não apresentar doenças mas sim de hábitos de vida, de apoio e de oportunidades
garantidas pela sociedade que permitam a manutenção da capacidade funcional da pessoa.
Com base neste novo conceito, a OMS defende que as políticas públicas devem ter como objetivo central a
promoção da capacidade funcional dos indivíduos e tal objetivo pode ser atingido de duas formas: apoiando
a construção e manutenção da capacidade intrínseca, por um lado, e, por outro, permitindo que aqueles/as com
decréscimo desta capacidade realizem aquilo que é importante para eles/as.
Sendo bastante recente a proposta da OMS de substituição do conceito de envelhecimento ativo por envelhecimento
saudável, é comum fazer-se ainda referência ao primeiro ou, noutros casos, aos dois em conjunto. Admitindo que
muitos/as terão tendência para mais facilmente reconhecer e compreender o termo envelhecimento ativo – desde
logo pela sua mais longa história – e, ao mesmo tempo, reconhecendo a importância de seguir as recomendações e
linhas orientadoras da OMS, a partir deste momento, escreveremos envelhecimento ativo e saudável.
535
UNECE, “Policy Brief on Ageing
No. 13 – Active Aging” (2012) https:// Apesar da grande atenção que se tem dado ao conceito de envelhecimento ativo e saudável, poderá ter-se
www.unece.org/population/ageing/
policybriefs.html (consultado a 11
generalizado uma visão limitada do mesmo: a maioria da população vê o envelhecimento ativo e saudável como a
-12-2019) descrição de pessoas idosas que são ainda ativas e autónomas, ocupando o seu tempo com diversas atividades535.
Outros vêm o envelhecimento ativo e saudável como uma questão maioritariamente relacionada com o mercado
536
Ibid
de trabalho e com a participação de pessoas idosas no mesmo536.
537
Ibid
538
Ibid. Ora, as definições de envelhecimento ativo e de envelhecimento saudável apresentadas pela OMS são bastante
mais abrangentes. Ambas estão fortemente associadas ao bem-estar dos indivíduos537. Apesar de um dos
539
Ibid.
objetivos de uma sólida política de envelhecimento ativo e saudável ser a criação de infraestruturas que permitam
540
Ibid. às pessoas serem responsáveis pelo seu próprio processo de envelhecimento, é importante não esquecer que o
541
Estratégia Nacional para o
bem-estar não é meramente individual, sendo invariavelmente influenciado por fatores sociais, de saúde,
Envelhecimento Ativo e Saudável laborais, entre outros538. Todos estes fatores estão dependentes das políticas públicas adotadas num certo país
(n.º 6)
e da forma como estas têm em maior ou menor consideração as tais oportunidades de saúde, participação e
542
Despacho n.º 12427/2016 de 10 segurança das pessoas à medida que envelhecem.
de outubro de 2016, publicado em
Diário da República n.º 199/2016
de 17 de outubro de 2016, Série II O conceito de envelhecimento ativo e saudável implica, portanto, uma responsabilidade individual que recai
https://dre.pt/application/conteudo sobre todos/as nós e que passa por prepararmos e gerirmos de forma adequada o nosso próprio processo de
/75533168 (consultado a 11-12-2019)
envelhecimento e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade dos Estados de criar as estruturas políticas, legais
543
O Grupo de Trabalho e sociais adequadas à criação de oportunidades de envelhecer ativamente539.
Interministerial era, segundo o ponto
3 do Despacho n.º 12427/2016,
composto por: uma personalidade de Uma verdadeira política de envelhecimento ativo, com implicações concertadas sobre todas as esferas da vida
reconhecido mérito que coordena
dos indivíduos e composta por objetivos e ações transversais a todas as faixas etárias, tem o potencial de melhorar
a designar por despacho dos
membros do Governo responsáveis o bem-estar das pessoas idosas e consequentemente contribuir para a sua capacidade de se manter autónomas
pelas áreas das finanças, das por mais tempo, de contribuir para a sociedade e de se protegerem de situações abusivas e de violência540.
autarquias locais, da cidadania e da
igualdade, do trabalho, solidariedade
e segurança social e da saúde; um
representante da Direção-Geral
da Saúde; os coordenadores
7.2. A política de envelhecimento ativo e saudável em Portugal
nacionais ou um seu representante
para as áreas dos Cuidados de
Saúde Primários, dos Cuidados
Aqui chegados, é pertinente questionarmo-nos se estão criadas no nosso país estas oportunidades de envelhecer
de Saúde Hospitalares e dos ativa e saudavelmente. Para além daqueles/as que individualmente se preparam e gerem o seu envelhecimento
Cuidados Continuados Integrados;
de forma ativa e saudável e para além de algumas iniciativas, públicas ou privadas, que promovem atividades que
um representante do Instituto
da Segurança Social, I. P.; um exploram o potencial de envelhecimento dos/as participantes, conclui-se, sem grande atrevimento, que não.
representante da Direção-Geral da
Segurança Social; um representante
da CASES — Cooperativa António Será difícil defender que Portugal é um país onde existem estruturas políticas, legais e sociais que potenciam
Sérgio para a Economia Social; as oportunidades de envelhecer de forma ativa e saudável se continuam a fechar-se em gavetas as necessárias
um representante da Direção-
Geral das Autarquias Locais; um
propostas de políticas públicas, como a Proposta do Grupo de Trabalho Interministerial para a Estratégia
representante da Comissão para a Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025541.
Cidadania e Igualdade de Género;
um representante da Associação
Nacional de Municípios Portugueses; Criado a 17 de outubro de 2016 através da entrada em vigor do Despacho n.º 12427/2016542, este Grupo
e um representante da Associação
Interministerial543 encontrava-se mandatado para “apresentar uma proposta de Estratégia Nacional para o
Nacional de Freguesias.
134
Envelhecimento Ativo e Saudável” (cfr. Ponto 1 do Despacho n.º 12427/2016).
A Proposta do Grupo de Trabalho Interministerial foi apresentada a 10 de julho de 2017, tendo sido publicado,
no dia 31 de julho de 2017, na página da internet do Serviço Nacional de Saúde, um aviso de consulta pública.
Segundo esta publicação, todos os interessados poderiam “apresentar opiniões, sugestões e contributos,
decorrentes da apreciação da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável em Consulta Pública ao
Ministério da Saúde, até ao dia 15 de agosto de 2017”544.
Vários indivíduos e organizações, entre elas a APAV, contribuíram com os seus pareceres para a elaboração
da Proposta por parte do Grupo de Trabalho Interministerial545 e outras – onde também se inclui a APAV –
responderam à referida consulta pública.
Desde esta consulta pública, nem aqueles indivíduos nem aquelas organizações foram contactados. Parece que a
esta Proposta não foi dado qualquer seguimento por parte do Governo, não tendo a Estratégia Nacional para
o Envelhecimento Ativo e Saudável (ENEAS) sido publicada em Diário da República, como sublinha, aliás, o
Deputado à Assembleia da República do Partido Pessoas Animais e Natureza (PAN), André Silva, numa pergunta
dirigida ao Ministério da Saúde, datada de 17 de janeiro de 2019546.
Deve reconhecer-se o mérito da iniciativa conjunta dos Ministérios da Saúde, das Finanças e do Trabalho, Solidariedade
e Segurança Social – apesar de ser de apontar a ausência do Ministério da Justiça que deveria, igualmente, envolver-se –
que, em reconhecimento da importância de combater os desafios colocados pelo envelhecimento populacional através 544
Serviço Nacional de Saúde,
de estratégias de envelhecimento ativo e saudável, criaram o Grupo de Trabalho Interministerial. A interdisciplinaridade “Consulta Pública – Estratégia
da iniciativa e do Grupo de Trabalho que ficou encarregue de apresentar a proposta da ENEAS é um sinal positivo de Nacional para o Envelhecimento
Ativo e Saudável” (Serviço Nacional
vontade por parte destes Ministérios de atuar em conjunto. É ainda de louvar o reconhecimento por parte do Grupo de de Saúde, 31 julho 2017) https://www.
Trabalho da importância da auscultação de entidades externas, públicas e privadas, e do acolhimento de muitos dos sns.gov.pt/2017/07/31/consulta-
publica-estrategia-nacional-para-o-
contributos que estas apresentaram quando consultadas. envelhecimento-ativo-e-saudavel/
(consultado a 11-12-2019)
No entanto, se à data da escrita deste documento, fevereiro de 2020, a ENEAS que pretendia cobrir o período 545
Na sequência de uma reunião do
de 2017 a 2025 não foi sequer publicada, parece-nos seguro afirmar que não há um sério compromisso dos Grupo de Trabalho Interministerial
decisores políticos em adotar as medidas necessárias à promoção do envelhecimento ativo no nosso país. realizada no dia 24 de março de
2017, a APAV apresentou o seu
1º Contributo da Associação
Demonstrando-se, assim, que os nossos decisores políticos não têm receio em assumir obrigações internacionais547 e Portuguesa de Apoio à Vítima
para a Estratégia Nacional para o
têm ainda menos pudor em limitá-las ao papel, conclui-se que Portugal está na retaguarda do compromisso global Envelhecimento Ativo e Saudável
para o envelhecimento ativo e saudável, restando-nos recomendar que todo o trabalho já efetuado pelo Grupo 2017-2025 https://apav.pt/apav_v3/
index.php/pt/1552-apav-contribui-
de Trabalho Interministerial e por todos aqueles/as que contribuíram para o mesmo com o seu conhecimento e para-estrategia-nacional-para-
experiência seja, em primeiro lugar, atualizado e, depois, publicado, implementado e monitorizado. o-envelhecimento-ativo-e-
saudavel-2017-2025 (consultado a
11-12-2019)
A ser aproveitado o trabalho já levado a cabo pelo Grupo de Trabalho Interministerial na construção da proposta da
ENEAS conforme publicada em julho de 2017, cumpre salientar que esta proposta pode ainda ser melhorada. Pergunta n.º 1148/XIII (4.º),
546
publicada a 18 de janeiro de
2019. https://www.parlamento.pt/
Uma Estratégia que pretenda criar as condições necessárias para um envelhecimento ativo e saudável da ActividadeParlamentar/Paginas/
DetalhePerguntaRequerimento.
população não deve cair no erro de representar as pessoas idosas como pertencentes a dois extremos de um aspx?BID=109558 (consultado a
espectro, ora como pessoas extremamente ativas e autónomas ora como pessoas dependentes e em necessidade 11-12-2019)
de proteção. Deve, sim, procurar um equilíbrio que represente de forma mais adequada a população idosa do 547
Lê-se no preâmbulo do Despacho
nosso país e deve dar primazia à vontade e decisão da pessoa idosa. n.º 12427/2016 de 10 de outubro de
2016 que “Portugal comprometeu-
se com a Estratégia e Plano de
Por último, para que seja realmente suscetível de produzir resultados positivos, uma Estratégia como a proposta Ação Global para o Envelhecimento
pelo Grupo de Trabalho Interministerial deve ser acompanhada de um orçamento e de uma metodologia de Saudável da Organização Mundial de
Saúde (OMS) e com as Propostas
avaliação que permita monitorizar a implementação da dita Estratégia. É, no fundo, necessário depois de aprovar de Ação da União Europeia para
uma Estratégia, criar um Plano de Ação que permita concretizar as linhas orientadoras daquelas e que a promoção do Envelhecimento
Ativo e Saudável e da Solidariedade
permita um eficiente trabalho em rede das entidades envolvidas. entre Gerações, através da Decisão
n.º 940/2011/UE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 14
de setembro.” Estes mesmos
compromissos são reafirmados no
preâmbulo da Estratégia Nacional
para o Envelhecimento Ativo e
Saudável 2017-2025 – Proposta do
Grupo de Trabalho Interministerial
(n.º 6)
135
7.3. Envelhecimento ativo e saudável: a sua importância
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as atuais políticas públicas, especialmente ao nível da saúde,
não estão a surtir efeito, o que é demonstrado pelo facto de a saúde e o bem-estar da maioria das pessoas idosas
não estar a acompanhar o aumento da sua longevidade548. Assim, é imperativo criar e implementar políticas
públicas em diversas áreas, nomeadamente na área da saúde, segurança social, educação e justiça, que adotem o
conceito de envelhecimento ativo e saudável.
Envelhecer de forma ativa e saudável permite aos/às cidadãos/ãs prepararem-se para o envelhecimento ao longo
da sua vida, e, para além de todos os benefícios de saúde que pode ter, permite às pessoas idosas manterem-se
autónomas por mais tempo, socialmente ativas e participativas.
548
Organização Mundial de Saúde
(n.º 5)
136
8. O papel da educação das crianças e jovens e das PROGRAMAS
soluções intergeracionais no combate à violência INTERGERACIONAIS
Existem já várias iniciativas que alertam os/as jovens para o bullying, o racismo, a violência no namoro ou a
violência doméstica, preparando-os/as para detetar situações violentas e agir em conformidade, desenvolvendo a
sua intolerância para com estes fenómenos. É importante disseminar iniciativas semelhantes que se debrucem
sobre a violência contra pessoas idosas, confrontando-os/as com os seus preconceitos para os desconstruir, para
erigir uma sociedade que não tolera que quaisquer indivíduos sejam vítimas.
Estes ensinamentos deverão criar espaço para que as crianças e os/as jovens desenvolvam pensamento crítico e
possam reagir de forma ativa aos estereótipos e preconceitos que lhes são transmitidos pela sociedade. As camadas
mais novas da população são muitas vezes o motor da mudança do pensamento da sociedade, tendo a capacidade de
aprender e de ensinar valores aos outros550. Se desde cedo lhes forem incutidos valores como o respeito pelo outro e
a empatia, dificilmente se tornarão agressores/as de pessoas idosas, por um lado, e, por outro, dificilmente tolerarão
atos de violência contra pessoas idosas. A educação das crianças e jovens é um fator imprescindível no combate à
violência e na procura de uma sociedade mais justa e igualitária, inclusiva para as pessoas idosas.
549
Cf. Idadismo
infância organizam visitas de estudo das crianças a Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), para que 552
Portanto não são de incluir aqui
passem algumas horas juntas. Os verdadeiros programas intergeracionais têm em conta as potencialidades de somente as soluções nas quais
as pessoas jovens trabalham ou
cada grupo etário e como a relação entre pessoas de várias idades pode ser vantajosa para cada uma delas. fazem voluntariado para colmatar as
necessidades das pessoas idosas,
pois não obstante o grande mérito
Têm vindo a ser desenvolvidos alguns estudos sobre os efeitos dos programas intergeracionais, cujos resultados destas iniciativas, as vertentes de
demonstram, em geral, a promoção da satisfação e o aumento da qualidade de vida das pessoas envolvidas553. As cooperação e partilha podem não
pessoas idosas sentem melhorias na sua saúde e bem-estar, pois a sua atividade física ou intelectual é promovida. ser plenamente alcançadas.
As crianças são estimuladas a mudar atitudes e comportamentos face às camadas mais velhas da população e no 553
Não obstante, entende-se que o
que concerne aos adolescentes, os programas intergeracionais contribuem para a sua construção identitária554. impacto que estes programas têm no
longo-prazo ainda não é totalmente
conhecido. Canedo-García, García-
Apresentaremos de seguida algumas sugestões de medidas ou programas que podem ser implementados para Sánchez e Pacheco-Sanz (n.º 551);
Organização Mundial de Saúde
promover a relação entre gerações, procurando a melhoria do bem-estar de todos/as os/as envolvidos/as. Estas sugestões (n.º 156)
não devem ser entendidas como as únicas possíveis, servindo apenas para levantar o véu das possibilidades.
Canedo-García, García-Sánchez e
554
137
RELAÇÕES EMOCIONAIS
Podemos avançar com a crítica de que a forma como a prestação de cuidados a pessoas idosas e crianças está
segregada não permite que as duas gerações convivam, criando não só um fosso sobre a informação que
cada grupo tem sobre o outro, como também um fosso emocional: as crianças não são preparadas para a
convivência com pessoas idosas, não se identificando com estas, o que dificulta o estabelecimento de relações
emocionais. Assim é importante que as instituições nas quais as pessoas idosas passam a maioria do seu tempo
e aquelas nas quais as crianças passam a maioria do seu tempo, por exemplo, centros de dia e escolas estejam
geograficamente próximas, de modo a que a presença de pessoas idosas seja normalizada para as crianças e vice-
versa. Nesta linha de pensamento, faz sentido que as Universidades Sénior sejam instaladas nas Universidades,
criando uma simbiose entre os/as estudantes de todas as idades.
As pessoas idosas têm mais disponibilidade, habilidades e competências que geralmente são subaproveitadas
e que poderiam ser uma mais-valia na educação e formação das crianças e jovens. Estudos demonstram que
alguns modelos de programas intergeracionais contribuem de forma positiva e significativa para os resultados
académicos dos/as estudantes555, portanto criar centros de estudo ou sessões de tutoria entre as pessoas
idosas e os/as jovens que apresentassem qualquer dificuldade de aprendizagem em determinada matéria
poderia contribuir não só para o sucesso escolar dos/as estudantes, como também para manter as pessoas idosas
intelectualmente ativas e estimuladas a responder a desafios, por terem um objetivo claramente definido: ajudar
outrem a alcançar o sucesso. Por outro lado, também as crianças e jovens têm um novo incentivo para aprender,
na medida em que, desenvolvendo uma relação de confiança e proximidade com o/a tutor/a, se esforçarão para
não o/a desapontar. Dependendo das qualificações académicas das pessoas idosas – que atualmente são cada vez
mais – as explicações ou tutorias poderiam ir das matérias mais simples, compreendendo o estudo acompanhado
de crianças para as ensinar a ler ou a fazer cálculo simples, às mais complexas, como aquelas matérias ministradas
em disciplinas dos cursos universitários.
A Orquestra Intergeracional de Nova Jérsia une para ensaios semanais músicos de todas as idades e níveis de competência técnica. Nesta orquestra,
músicos profissionais trabalham como mentores de outros membros, permitindo que a NJIO junte uma visão de excelência artística com um forte
componente educacional num ambiente musical não competitivo e desafiante.
Fonte: https://njio.org/
A Ser Mais Valia é uma associação de voluntários com 55 ou mais anos, que partilham e rentabilizam os seus conhecimentos, competências e
experiências profissionais em projetos de cooperação e desenvolvimento. Até hoje foram realizadas 47 missões nas áreas da Educação, Saúde,
Capacitação de Formadores, Diagnóstico de Necessidades e Reforço Institucional em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e
Príncipe, mas também em Portugal.
Fonte: https://sermaisvalia.org/
Para além da formação académica, as pessoas idosas têm outros conhecimentos que carecem de ser transmitidos
às gerações mais novas, sob pena de se perderem eternamente. Falamos aqui, por exemplo, dos jogos
tradicionais, das histórias da comunidade onde se inserem ou até mesmo de competências práticas: muitas
pessoas idosas contemporâneas tiveram empregos que os/as obrigava a realizar trabalhos manuais, como
marcenaria, eletricidade, costura ou cozinha, tendo valiosos contributos pragmáticos a partilhar com os/as mais
jovens, que hoje se preparam maioritariamente para trabalhos intelectuais. Cremos que tais contributos podem
ser partilhados através de sessões sistemáticas organizadas pelos centros de dia, ERPI ou escolas, sob a forma de
workshops, por exemplo.
Um programa criado no estado do Massachusetts, EUA, permite que pessoas de várias gerações participem em projetos de serviços ambientais e
Matthew S. Kaplan, “School- se tornem administradores do seu ambiente. Desta forma, trabalhando em conjunto e ao ar livre, o HIP permite aos/às participantes desconstruir
555
based Intergerational Programs” mitos sobre como os jovens e as pessoas idosas devem comportar-se e sobre o que são capazes de fazer.
(2001), UNESCO Institute for
Education https://unesdoc.unesco. Fonte: https://www.massaudubon.org/
org/ark:/48223/pf0000200481Z
(consultado a 16/12/2019)
138
MECANISMO NO COMBATE
A organização regular de tertúlias ou conversas, aberta a todos/as interessados/as poderá ser mais uma
À VIOLÊNCIA CONTRA
interessante forma de interação entre jovens e pessoas idosas. Estas iniciativas obrigam os/as participantes a
PESSOAS IDOSAS
preparem-se para discutir determinado tema, o que contribui para manter as pessoas idosas intelectualmente
ativas, contribuindo igualmente para o desenvolvimento intelectual das pessoas mais jovens. A discussão entre
várias pessoas, especialmente entre pessoas de várias gerações, tem o potencial de contribuir não só para o
desenvolvimento emocional de cada um, como também para o desenvolvimento das aptidões sociais556, pois
coloca em confronto perspetivas opostas que devem ser harmonizadas.
Os/As jovens e as pessoas idosas podem ainda unir esforços para o bem-comum, participando em iniciativas de
voluntariado nas mais variadas áreas.
Naturalmente também as gerações mais novas terão algo a ensinar às gerações idosas. Pensamos que a área
onde tal possibilidade se torna mais evidente é a tecnologia: algumas pessoas idosas têm alguma dificuldade
em adaptar-se aos aparelhos eletrónicos e à constante novidade da tecnologia. Os/as jovens, por seu turno,
tendencialmente têm mais facilidade em compreender a utilização de aparelhos eletrónicos, pelo que, querendo,
poderiam igualmente contribuir para a aprendizagem das pessoas idosas, obstando à sua exclusão digital e
contribuindo para a sua acuidade mental.
Os benefícios da interação significativa entre pessoas idosas e crianças ou jovens vão para além do
desenvolvimento de capacidades ou competências ou a sua manutenção. A Organização Mundial de Saúde
(OMS)557 e a Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa (UNECE)558 encaram tal interação
como um promissor mecanismo no combate à violência contra pessoas idosas, uma vez que os programas
intergeracionais têm a aptidão de influenciar atitudes pessoais, mas também atitudes sociais e estereótipos559.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) considera igualmente que a
interação entre gerações promove a mudança de atitudes sociais em relação às pessoas idosas e ao processo de
envelhecimento560.
Sabendo que o idadismo é uma característica que subjaz à violência contra pessoas idosas, banalizando-a ou
permitindo a sua tolerância, contribuir para a erradicação daquele significa contribuir para a erradicação da
violência. Simultaneamente uma sociedade menos idadista é mais inclusiva, sensibilizando os indivíduos para
a importância de lutar para que as pessoas idosas possam exercer efetivamente os seus direitos para estarem
plenamente integradas.
Acresce que a integração de pessoas idosas em programas intergeracionais não só combate o isolamento, como
também melhora o seu bem-estar mental, pois a atividade com outras gerações permite-lhes (re)descobrir as
suas capacidades e tomar consciência acerca das suas virtudes e potencialidades561, desenvolvendo assim fatores
protetores da violência. 556
Ibid.
557
Organização mundial de saúde
(n.º 156)
558
UNECE (n.º 75)
559
Patricia Osborne Hannon e
Sarah Hall Gueldtier, “The Impact of
Short-Term Quality Intergenerational
Contact on Children’s Attitudes
Toward Older Adults” (2007), Vol.
5(4), Joumal of Intergenerational
Relationships http://people.stern.
nyu.edu/kbrabazo/Eval-repository/
Repository-Articles/short%20
term%20quality%20impact%20
on%20attitudes.pdf (consultado a
18-12-2019)
560
Kaplan (n.º 555)
561
Sara Santini e outros,
“Intergenerational Programs Involving
Adolescents, Institutionalized Elderly,
and Older Volunteers: Results
from a Pilot-Research-Action in
Italy” (2018), Volume 2018, BioMed
Research International https://doi.
org/10.1155/2018/4360305
139
CONCLUSÕES
CONSENTIMENTO
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
141
Conclusões
O Relatório Portugal Mais Velho, enquanto um dos resultados do projeto Portugal Mais Velho, reúne as
considerações tecidas pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) após uma extensa e profunda
pesquisa bibliográfica, que incluiu literatura, instrumentos legais e práticas nacionais e internacionais, à qual se
somaram os contributos dos 81 profissionais que integraram o Grupo de Trabalho Alargado e o Grupo Restrito do
projeto, bem como opiniões de 38 pessoas idosas e de 4 cuidadores/as informais ou familiares. As considerações
vertidas neste Relatório refletem os pontos de vista da APAV, não podendo os/as participantes no projeto Portugal
Mais Velho ser responsabilizados/as pelas mesmas.
Este Relatório tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva, na qual
todas as pessoas estejam plenamente integradas e capacitadas para o exercício dos seus direitos, sem serem
diferenciadas com base na sua idade.
Como se demonstrou ao longo do presente Relatório, existem ainda lacunas e desafios na área do envelhecimento
e da violência contra as pessoas idosas que importa endereçar urgentemente. Ao ritmo a que a sociedade
portuguesa envelhece, sendo o nosso país já o quinto país mais envelhecido do mundo, revela-se cada vez mais
necessária uma política pública concertada nestas áreas.
Desde logo, se a criação da Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável demonstrou vontade dos
decisores políticos de atuar de forma positiva no campo do envelhecimento, a insuficiência do seu conteúdo, numa
perspetiva holística, bem como a sua queda no esquecimento revela que tal vontade não foi levada até ao fim.
As necessidades ou desafios que o envelhecimento populacional acarreta devem ser abordados por várias vias e
sempre através de uma abordagem de respeito pelos direitos humanos das pessoas idosas. As políticas públicas
não devem focar-se apenas nas necessidades de saúde daquelas, como tem vindo a acontecer, mas também nas
suas necessidades, aprendizagem ao longo da vida, relações interpessoais e aspirações em igualdade em relação
aos/às cidadãos/ãs de outras idades.
Também a legislação e a Justiça devem caminhar no sentido de acautelar os desafios trazidos pelo
envelhecimento, conferir maior tutela às pessoas idosas vítimas de crime e, ao mesmo tempo, permitir o mais
eficaz combate da violência contra pessoas idosas. Neste âmbito, embora os recentemente aprovados Regime
Jurídico do Maior Acompanhado e o Estatuto do Cuidador Informal sejam um passo na criação de medidas
tendentes a responder a tais desafios, mostram-se ainda claramente insuficientes.
Relativamente ao Regime Jurídico do Maior Acompanhado, subsistem muitas dúvidas quanto à sua forma de
operar, existindo também o risco de serem nomeados/as acompanhantes que venham a abusar dos seus poderes
de acompanhamento, sem que exista uma entidade que supervisione a sua atuação e garanta o respeito pelos
direitos daqueles/as que são acompanhados/as.
No que concerne ao Estatuto do Cuidador Informal, falta ainda a devida regulamentação. Apesar de ter sido já
publicada a Portaria n.º 2/2020, a mesma regula de forma insatisfatória aquele Estatuto: a regulamentação do
reconhecimento e manutenção do estatuto de cuidador não foi acompanhada das necessárias alterações legislativas
ao Código do Trabalho no sentido de permitir uma real conciliação entre a vida profissional e a prestação de cuidados.
Em especial, a lei laboral continua a sem prever que os/as trabalhadores/as possam usufruir de licenças para prestar
cuidados a familiares idosos/as, apesar de prever tal possibilidade para cuidar de descendentes.
No que toca em particular à violência contra pessoas idosas, e ainda no campo legislativo, há que renovar o
olhar sobre a alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal, que prevê a punição de quem cometer o crime
de violência doméstica contra pessoa particularmente indefesa, desde que exista coabitação entre o/a agressor/a
e a vítima. A interpretação sem mais desta norma exclui do seu âmbito de tutela situações que materialmente
configuram violência doméstica, mas sobre as quais não se aplica a mesma censura por não haver coabitação (por
exemplo, quando um filho violenta o seu pai idoso e vulnerável, mas que não vive com este, não comete o crime
143
de violência doméstica). Para obstar a esta situação, defendemos a adoção de um conceito alargado de coabitação,
no qual se inclua quem visita a habitação da vítima de forma tão frequente e por tais períodos de tempo que seja
razoável considerá-lo/a como membro daquela habitação, mesmo que aí não resida.
Não se defende neste Relatório a criação de legislação ou de estruturas específicas para proteger as pessoas
idosas, por se ter concluído que tal poderia resultar na atomização dos direitos humanos e criaria (ou acentuaria)
distância entre as pessoas idosas e a restante sociedade. Contudo é inegável que existem pessoas idosas em
situação de vulnerabilidade (como incapacidade de gestão do seu património, condições socioeconómicas
desfavoráveis, isolamento social, dificuldades de locomoção que afetam a sua autonomia ou até mesmo situações
de vitimação) e que é urgente prevenir e intervir nestas situações.
Cremos que esta prevenção e intervenção deveria ser responsabilidade de Comissões para Pessoas Adultas
em Situação de Vulnerabilidade, a ser criadas a nível local com o objetivo de atuar sobre as eventuais
vulnerabilidades de todas as pessoas adultas. Tais comissões deveriam pautar-se pelo princípio da intervenção
mínima e sempre com o consentimento do/a visado/a, respeitando a autonomia dos/as seus/suas utentes, e a
sua atuação deveria ser monitorizada por uma Comissão de âmbito nacional. As Comissões teriam duas grandes
áreas de atuação: junto de pessoas adultas em situação de acompanhamento ou em situação suscetível de vir a
beneficiar de acompanhamento (prestando formação a acompanhantes e/ou monitorizando o cumprimento das
medidas de acompanhamento, entre outras funções) e junto de pessoas adultas em situação de vulnerabilidade,
(desempenhando nesta área a função de encaminhamento para as respostas adequadas). Quando fosse revelado
o sucesso do trabalho das Comissões junto das pessoas adultas em situação de vulnerabilidade, o ideal seria o
alargamento das suas competências, bem como do âmbito de atuação, de modo a que pudessem promover e
tutelar os direitos de todas as pessoas, adultas ou não, numa lógica de integração.
As dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as de pessoas idosas, tanto os/as formais ou profissionais como
os/as informais ou familiares devem ser endereçadas prontamente. A resposta adequada a tais dificuldades terá
efeitos positivos não só na qualidade de vida de quem presta cuidados a outrem, como também na qualidade
dos cuidados prestados, e por conseguinte implicará a melhoria da qualidade de vida das pessoas cuidadas.
Simultaneamente contraem-se os fatores de risco da violência contra as pessoas idosas, que não raramente se
verificam em contextos de prestação de cuidados com cuidadores/as que se sentem assoberbeados/as e incapazes
de lidar com a tarefa de cuidar de outrem.
A devida resposta às dificuldades sentidas pelos/as cuidadores/as passará por um maior apoio da parte do
Estado (através de medidas que permitam o descanso do/a cuidador/a, aumento de salários dos/as cuidadores/as
formais ou profissionais, melhor fiscalização das instituições que acolhem e prestam cuidados a pessoas idosas,
entre muitas outras possíveis), mas também pela oferta de formação específica para a prestação de cuidados.
Esta formação, tanto a que é ministrada aos/às cuidadores/as formais, como aos/às cuidadores informais, deverá
garantir a compreensão integrada do envelhecimento e da prestação de cuidados a quem deles necessita. Isto
significa que deverá dotar os/as cuidadores/as de ferramentas não só para apoiar a pessoa cuidada nas atividades
da vida diária, ou na sua estimulação física e cognitiva, como também de capacidades que lhes permitam
reconhecer eventuais sinais de burden ou burnout e cuidar da sua própria saúde.
Por outro lado, as pessoas idosas são vistas como um encargo social e económico, uma imagem injusta e que
é necessário eliminar. A desconstrução desta imagem negativa deverá passar por conferir mais visibilidade às
pessoas idosas e por capacitá-las para o exercício dos seus direitos e para viverem de forma ativa e saudável, o
que representará igualmente uma forma de combate à violência que as vitimiza.
A visibilidade será alcançada com a normalização do discurso sobre as pessoas idosas, tanto pelos meios de
comunicação social como pelo poder político: o segmento mais velho da população não pode continuar a ser
subrepresentado nem apresentado de forma polarizada, olhando-se para os indivíduos idosos apenas como
vítimas (de violência ou de contextos socioeconómicos desfavorecidos), como causas de despesa pública ou,
por outro lado, como indivíduos excecionais que são o espelho do vigor. As pessoas idosas são um grupo tão
heterogéneo como qualquer outro e é essa heterogeneidade que importa fazer transparecer. Mais, as crianças
e jovens devem ser habituadas desde cedo a lidar com imagens e referências de pessoas idosas, compreendendo
que fazem parte de uma sociedade envelhecida, educando-as para contrariar os preconceitos que existem em
relação às pessoas idosas.
144
As pessoas idosas devem ser informadas sobre os seus direitos e a forma de os exercer, bem como da
importância de viver uma vida ativa e saudável. Os programas de televisão desempenham um importantíssimo
papel nesta tarefa de informar, pois estão presentes em todo o território português e asseguram a disseminação
da informação. A capacitação passa também pelo desenvolvimento de equipamentos que permitam às pessoas
idosas manter a sua autonomia por um maior período de tempo possível, não se sentido em necessidade de
recorrer a apoio de terceiros.
É fulcral chamar a atenção do público para a realidade que é vivida pelas pessoas idosas. Cremos que muitas
das dificuldades experienciadas por estas não são eficazmente combatidas porque são desconhecidas pela
generalidade da sociedade, pelo que a sensibilização do público é um meio fundamental para combater não
só a violência contra pessoas idosas – através da promoção da intolerância – como as demais vulnerabilidades
sentidas por algumas pessoas idosas. A par desta sensibilização deve apostar-se numa verdadeira educação para
a cidadania, de modo a que todas as pessoas se desenvolvam valorizando o respeito pelo outro e a empatia.
A intolerância da violência e de todas as formas de desigualdade só é plenamente alcançada quando aqueles
valores estão presentes na vida em sociedade.
Por fim, há que capacitar também a sociedade para o seu próprio envelhecimento: uma preparação adequada
hoje significa pessoas idosas mais ativas, saudáveis e conscientes dos seus direitos amanhã.
Em conclusão, falta ainda percorrer um longo caminho para alcançarmos uma sociedade onde os direitos não têm
idade, mas – especialmente quando olhamos para os aspetos positivos da sociedade em que vivemos – cremos
que os primeiros passos nesse sentido já foram dados.
145
POSFÁCIO
CONSENTIMENTO
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
147
Posfácio: Portugal mais velho – Por uma sociedade
onde os direitos não têm idade
É enorme o reconhecimento por ter a oportunidade de Posfaciar um Relatório de tão elevada qualidade. A sua
leitura contribui para um melhor conhecimento sobre uma das dimensões mais sombrias e invisíveis que afeta,
grandemente, a qualidade de vida e o bem-estar geral dos adultos mais velhos, designadamente a violência de que
são vítimas em contexto familiar, institucional, mas também no espaço público. Desde logo, somos interpelados pelo
próprio título que refutando, à partida, o critério idadista, sobretudo em matéria de direitos humanos, nos abre a
porta à reflexão sobre as inúmeras vulnerabilidades que se acumulam na fase avançada do ciclo de vida.
A vulnerabilidade, conceito a partir do qual acrescentarei algumas reflexões finais aos resultados trazidos por
este Relatório, não é uma característica exclusiva da idade avançada, mas é um facto que o envelhecimento traz
consigo, nas nossas sociedades, não só o risco de exposição a desafios específicos que surgem frequentemente
nesta fase do ciclo de vida, mas também uma menor capacidade de resposta, sobretudo quando os cidadãos mais
velhos apresentam condições de vida e de saúde debilitadas.
Esta representação das pessoas mais velhas como vulneráveis está muito presente no discurso público, assim como na
literatura científica que alimenta grande parte das políticas sociais, de tal modo que a promoção da saúde e bem-estar
na idade avançada constitui um dos objetivos da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 20301. Sob o lema
“ninguém fica para trás”, a referida Agenda assume que as pessoas que são vulneráveis devem ser empoderadas,
contando-se, entre as várias categorias identificadas, os adultos mais velhos. Ora, é nesta linha estratégica que se
posiciona o presente Relatório, mostrando-nos que a violência constitui uma dimensão maior de desempoderamento
dos mais velhos e de agravamento das múltiplas vulnerabilidades que confluem na idade avançada.
É certo que a vulnerabilidade na velhice resulta de interações complexas entre riscos, a exposição a ameaças e a
falta de recursos para lidar com essas ameaças e riscos. Também é certo que a distribuição de riscos na velhice é
muito desigual, quer porque existem eventos e condições que não são controláveis pelas pessoas (e.g., viuvez,
dependência física e/ou cognitiva, violência, propagação da COVID-19), quer porque existem dimensões de
vulnerabilidade que são socialmente construídas, que têm uma base estrutural e que se desenvolvem ao longo
do ciclo de vida (e.g. trajetórias profissionais precárias, pobreza, reforma), influenciando largamente a forma como
se gere os desafios específicos que surgem na idade avançada2.
Os riscos são também desiguais em função do género. Com efeito, a maior esperança média de vida conquistada
pelas mulheres, conduzindo a uma feminização do envelhecimento à medida que se avança na composição 1
UN General Assembly (2015).
das coortes mais velhas, faz-se acompanhar por um conjunto de vulnerabilidades que importa destacar: menor Transforming our world: the
expectativa de vida saudável e, portanto, maior probabilidade de debilidades físicas, cognitivas e de dependência 2030 Agenda for Sustainable
Development.
de cuidados formais e informais; maior probabilidade de viver em agregado doméstico isolado; maior risco de
privação material decorrente de trajetórias socioprofissionais precárias e de carreiras contributivas incertas e, 2
Clegg, A.; Young, J.; Illife, S.; Rikkert,
M. O. de & Rockwood, K. (2013).
ainda, maior exposição à violência que assume contornos de género, de novo, na idade avançada3. Frailty in elderly people, Lancet,
381:752-62.
A pandemia causada pela propagação da COVID-19 veio reforçar as vulnerabilidades pré-existentes entre esta 3
Dias, I., Lopes, A. & Lemos, R (2017).
população, acentuando os fatores de risco de exposição à violência e à negligência em contexto familiar e Violência contra as mulheres idosas:
institucional. A opacidade do fenómeno conta agora com um confinamento profilático, primeiro obrigatório, depois o peso das assimetrias de género na
idade avançada. Revista Feminismos.
recomendável, por força da declaração pela OMS, em janeiro de 2020, do estado de emergência de saúde pública Universidade Federal da Baia, Núcleo
de âmbito internacional. Ao conter a propagação do vírus, esta medida evita, ao mesmo tempo, a sobrecarga dos de Estudos Interdisciplinares sobre
a Mulher. Salvador da Baía. Available
serviços de saúde, mas também protege a população mais velha que tem vindo a ser dizimada, em várias regiões do from: http://www.feminismos.neim.
mundo, pelo novo agente SARS-COV-2 (Severe acute respiratory coronavírus). Porém, o isolamento que protege do ufba.br/index.php/revista.
contágio e preserva a vida, é o mesmo que segrega e causa dano psicológico e emocional, por força da distância física 4
Henriques, A. & Dias, I. (2020).
e social dos mais velhos face às redes familiares, amicais, de vizinhança e comunitárias4. As duas faces do isolamento dos
idosos em tempo de pandemia:
quem “achata a curva” da solidão?
Tal como é demonstrado neste Relatório, a violência e a negligência encontram no isolamento das pessoas mais Da emergência de um novo vírus
velhas um dos seus maiores aliados, o que exige, em termos de políticas públicas, dos serviços médico-sociais, humano à disseminação global de
uma nova doença. Available from:
das associações de apoio à vítima e das forças de segurança pública, uma maior atenção e vigilância dos contextos http://asset.youoncdn.com/ab296ab3
familiares e institucionais de inserção desta população. Exige, ainda, na linha de uma das conclusões fortes deste 0c207ac641882479782c6c34/f7aafb
30d68b18e754ae186b05b04e87.pdf.
149
estudo que a vulnerabilidade seja atendida a partir da criação de uma estrutura que atue sobre todas as pessoas,
com vista à promoção efetiva de uma “sociedade onde os direitos não têm idade”.
A atualidade e diversidade dos temas abordados, a qualidade dos resultados, assim como as vias de intervenção
propostas, fazem deste Relatório uma referência no âmbito da problemática da violência sobre os adultos mais
velhos e as múltiplas dimensões geradoras de vulnerabilidade nesta fase da vida humana. Em suma, trata-se de
um Relatório de consulta incontornável, cujo posfácio muito me honrou escrever.
Isabel Dias
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que
residem em instituições” (2014)
https://www.cnecv.pt/admin/
files/data/docs/1413212959_
Parecer%2080%20CNECV%20
2014%2Aprovado%20FINAL.pdf
(consultado a 27-02-2020)
150
BIBLIOGRAFIA
CONSENTIMENTO
1
PORDATA, Indicadores de
Envelhecimento, Índice de
Envelhecimento 2018 https://
www.pordata.pt/Portugal/
Indicadores+de+envelhecimento-526
(consultado a 26-02-2020)
2
Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida,
“Parecer 80/CNECV/2014 sobre
as vulnerabilidades das pessoas
idosas, em especial das que residem
em instituições” (2014) https://
www.cnecv.pt/admin/files/data/
docs/1413212959_Parecer%20
80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
151
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158
ANEXOS
CONSENTIMENTO
Recomendações
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2
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80%20CNECV%202014%20
Aprovado%20FINAL.pdf (consultado
a 27-02-2020)
159
# RECOMENDAÇÕES PARA QUEM?
1 Adotar uma perspetiva de direitos humanos transversal a diversas áreas da atuação do Estado. Isto Ministra de Estado e da Presidência
significa integrar nas leis, políticas e programas do Estado, os princípios do sistema internacional de Provedoria de Justiça
direitos humanos, tendo como base a promoção dos direitos dos/as cidadãos/ãs e não a proteção de Comissão para a Cidadania e
pessoas com certas necessidades. Igualdade de Género
Comissão de Políticas Sociais e
A adoção de uma perspetiva de direitos humanos na criação de políticas públicas implica, também, da Família do Conselho Nacional
considerar o impacto que terão na população idosa e, em especial, ouvir as pessoas idosas sobre para as Políticas de Solidariedade,
aquelas que mais diretamente lhe digam respeito. Voluntariado, Família, Reabilitação
e Segurança Social
2 Promover uma visão positiva das pessoas idosas através da visibilidade e capacitação das mesmas. Ministra de Estado e da Presidência
Ministério da Ciência, Tecnologia e
Visibilidade: fomentar e normalizar o discurso sobre as pessoas idosas, uma vez que estas Ensino Superior
representam mais de metade da população. Apresentar imagens mais realistas de forma a Provedoria de Justiça
combater o retrato bipartido que se faz atualmente entre pessoas idosas como pessoas carenciadas Comissão para a Cidadania e
e pessoas idosas como pessoas extremamente ativas. Igualdade de Género
Direção-Geral da Saúde
Capacitação: capacitar as pessoas idosas para o conhecimento e exercício dos seus direitos através: Comissão de Políticas Sociais e
da Família do Conselho Nacional
• Disseminação de informação em canais acessíveis e adequados; para as Políticas de Solidariedade,
• Fortalecimento das redes comunitárias, isto é, criação de espaços seguros de partilha, entreajuda Voluntariado, Família, Reabilitação
e cooperação; e Segurança Social
• Promover a educação para a saúde e a participação das pessoas idosas na tomada de decisões Associação Nacional de Municípios
acerca da sua saúde; Associação Nacional de Freguesias
• Estimular o acesso e utilização, com segurança, das novas tecnologias por parte das pessoas idosas.
3 Generalização (mainstreaming) do conceito de envelhecimento ativo e saudável: segundo a OMS, as Ministério da Saúde
políticas públicas devem ter como objetivo central a promoção da capacidade funcional dos indivíduos. Ministério das Finanças
Ministério do Trabalho,
Para tal, importa distanciarmo-nos de uma visão limitada do conceito de envelhecimento ativo Solidariedade e Segurança Social
e saudável, passando a compreender que a capacidade funcional depende quer de capacidades Ministério da Educação
intrínsecas dos indivíduos quer dos ambientes em que estes se inserem. Ministro de Estado, da Economia e
da Transição Digital
Envelhecer de forma ativa e saudável permite aos/às cidadãos/ãs prepararem-se para o envelhecimento Ministério da Justiça
ao longo da sua vida, permitindo às pessoas idosas manterem-se autónomas por mais tempo, Ministro do Planeamento
socialmente ativas e participativas. No entanto, o processo de envelhecimento acabará sempre por Provedoria de Justiça
resultar em alterações na nossa saúde e na perda de capacidades físicas e cognitivas. Isto não tem, Secretário de Estado da Segurança
porém, de significar uma total perda de autonomia, desde que os ambientes em que o indivíduo se Social
insere estejam preparados para, atendendo às características de cada um, promover a sua autonomia. Secretário de Estado da Mobilidade
Direção-Geral da Saúde
Cumpre, então, aos Estados criar as estruturas políticas, legais e sociais adequadas à criação de Comissão de Políticas Sociais e
ambientes que potenciem o envelhecimento ativo e saudável. da Família do Conselho Nacional
para as Políticas de Solidariedade,
Em Portugal, o ponto de partida será, inevitavelmente, a atualização e entrada em vigor da Estratégia Voluntariado, Família, Reabilitação
Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025, que apesar de ter sido elaborada pelo Grupo e Segurança Social
de Trabalho Interministerial e sujeita a consulta pública em 2017, não está ainda a ser implementada. Academia/Centros de Investigação
4 Realizar um estudo sobre o impacto da população idosa nas contas do Estado, à semelhança Ministra de Estado e da Presidência
do estudo conduzido, em 2003, pelo Alto Comissariado para as Migrações relativamente aos/às Comissão para a Cidadania e
imigrantes. A realização de um estudo que compreendesse a denominada “economia da terceira Igualdade de Género
idade” e outras formas através das quais as pessoas idosas contribuem ativamente para a economia Ministério das Finanças
(como o valor do voluntariado e do apoio familiar), ajudaria a perceber que a alocação de recursos Ministro de Estado, da Economia
a políticas públicas focadas na população idosa é um investimento e permitiria a quantificação dos e da Transição Digital
seus retornos, seguramente contribuindo para uma visão mais positiva das pessoas idosas e do Ministério do Trabalho,
envelhecimento. Solidariedade e Segurança Social
161
Secretário de Estado Adjunto e da
Economia
Secretário de Estado da
Segurança Social
Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE)
Gabinete de Estratégia e
Planeamento (GEP) do Ministério
do Trabalho, Solidariedade e
Segurança Social
Academia
5 Traçar o retrato continuamente atualizado da violência contra pessoas idosas em Portugal, dando Ministra de Estado e da Presidência
seguimento aos esforços de investigação já realizados e promovendo a realização de estudos Ministério da Justiça
longitudinais com amostras significativas que cubram todo o território nacional. Direção-Geral da Política de Justiça
Provedoria de Justiça
Desenvolver, em especial, o conhecimento acerca da violência sexual contra pessoas idosas e da Comissão para a Cidadania e
violência perpetrada por cuidadores/as formais ou profissionais, uma vez que existem menos dados Igualdade de Género
sobre estes temas. Instituto Nacional de Estatística
Academia/Centros de Investigação
6 Apresentar dados desagregados sobre a vitimação de pessoas idosas nas Estatísticas da Justiça. Ministério da Justiça
Ainda que a verdadeira dimensão do fenómeno seja desconhecida devido às cifras negras, a falta de Direção Geral da Política de Justiça
dados desagregados não permite sequer conhecer aqueles que chegam às instâncias judicias, o que
seria necessário para otimizar a política criminal.
7 Sensibilizar a sociedade para as consequências da violência contra pessoas idosas, nos planos Ministério da Saúde
individual, familiar, comunitário e social. A utilização do argumento económico é, muitas vezes, Ministro de Estado, da Economia
eficaz no despoletar de novas políticas públicas e de movimentos sociais de prevenção de e da Transição Digital
fenómenos como a violência. Assim, o aprofundamento dos estudos e quantificação dos custos que Ministério do Trabalho,
a violência contra pessoas idosas tem para os indivíduos, para as famílias e para o Estado (através Solidariedade e Segurança Social
da estimação de custos com cuidados de saúde, segurança social e justiça), poderá contribuir para a Ministério das Finanças
consciencialização global sobre o impacto efetivo da violência contra pessoas idosas. Por outro lado, Secretário de Estado Adjunto e da
a quantificação dos custos da violência poderá servir de incentivo ao investimento na prevenção da Economia
mesma e na formação dos/as profissionais, sendo depois possível demonstrar quais os retornos de Secretário de Estado da
tal investimento. Segurança Social
Direção-Geral da Segurança Social
Direção-Geral da Saúde
Academia/Centros de Investigação
9 Melhorar os procedimentos de fiscalização das instituições que acolhem ou prestam apoio a Secretaria de Estado da
pessoas idosas. Esta fiscalização deverá ir muito além dos aspetos burocráticos (como a altura a que Segurança Social
se encontram os extintores, por exemplo), procurando apurar se as pessoas idosas institucionalizadas Instituto da Segurança Social
são tratadas com dignidade ou se estão a ser vítimas de violência ou em risco de ser vítimas, seja
esta perpetrada pelo staff ou imposta pelas condições e regras da instituição.
10 Compreender os fatores de proteção que podem diminuir a vulnerabilidade de uma pessoa idosa a Academia/Centros de Investigação
situações de vitimação.
A prevenção de, e intervenção em, casos de violência contra pessoas idosas será mais eficaz se estes fatores
forem tidos em conta na definição de estratégias de segurança para as pessoas idosas vítimas de crime.
162
11 Compreender as causas e a incidência de situações de abandono de pessoas idosas em hospitais Ministério da Saúde
através da sistemática recolha de dados, nomeadamente, quantas pessoas são abandonadas em Direção-Geral da Saúde
unidades de saúde, por quem são abandonadas e por que foram abandonadas. Uma vez mais bem Instituto Nacional de Estatística
compreendido este fenómeno, será possível avaliar e implementar soluções no seu combate. Academia/Centros de Investigação
12 Conferir uma maior tutela às pessoas idosas vítimas de crime perpetrado em contexto doméstico Ministério da Justiça
através do alargamento do conceito de coabitação na alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Procuradoria-Geral da República
Penal. A atual redação desta alínea exige coabitação entre o/a agressor/a do crime e a vítima Magistrados/as judiciais
particularmente indefesa em razão da idade. Uma vez que em muitos casos de violência contra Magistrados/as do Ministério Público
pessoas idosas o/a agressor/a não vive com a vítima (por exemplo, filho/a que tem a sua própria casa), Academia/Centros de Investigação
alguns comportamentos violentos não são qualificados como violência doméstica à luz do critério
da coabitação. Para acautelar estas situações bastante frequentes, deverá passar a considerar-se que
há coabitação quando o/a agressor/a visita a habitação da vítima de forma tão frequente e por tais
períodos de tempo que seja razoável considerá-lo como membro daquela, mesmo que aí não resida.
13 Promover a adoção de termos mais adequados no que diz respeito aos/às cuidadores/as: Instituto da Segurança Social
Direção-Geral de Saúde
• Cuidador/a profissional, ao invés de cuidador/a formal - a expressão “profissional” realça a preparação Academia/Centros de Investigação
académica e profissional para a prestação de cuidados, refletindo assim as habilitações académicas
e técnicas que são necessárias para prestar certos tipos de cuidados, bem como o exercício de uma
profissão regida por regras deontológicas, procedimentos transparentes e padrões de qualidade;
• Cuidador/a familiar, ao invés de cuidador/a informal - o termo cuidador/a informal, em relação
ao termo cuidador/a formal, parece remeter aquele/a para uma posição secundária ou de
inferioridade. Por seu turno, a expressão “familiar” remete-nos para um contexto de maior
proximidade e afeto, onde não há um substrato profissional. É de esclarecer, contudo, que o
termo cuidador/a familiar não engloba apenas os parentes da pessoa cuidada, mas também
vizinhos/as ou amigos/as que assumam a função de cuidador/a.
Promover a formação dos/as profissionais de saúde e da área social para a adequada prestação Ministério da Saúde
14 de cuidados a pessoas idosas, através da reavaliação dos currículos universitários de cursos como Ministério do Trabalho,
Medicina, Enfermagem, Psicologia e Serviço Social, tal como dos cursos de formação de prestadores/ Solidariedade e Segurança Social
as de cuidados (como os auxiliares de ação direta). É importante que tais currículos incluam como Ministério da Educação
obrigatórias unidades curriculares sobre o envelhecimento e intervenção gerontológica. Ministério da Ciência, Tecnologia
e Ensino Superior
Esta formação deverá também incluir conteúdos específicos sobre crime e violência, em especial A3ES
os fatores de risco da violência contra pessoas idosas, e como preveni-la e intervir nestas situações. Direção-Geral da Educação (DGE)
Direção-Geral do Ensino Superior
(DGES)
Direção-Geral do Emprego e das
Relações de Trabalho (DGERT)
Desenvolver uma estratégia nacional para a formação de cuidadores/as informais ou familiares. Ministério da Educação
15 A falta de formação é indicada como uma das maiores dificuldades na prestação de cuidados Ministério da Saúde
pelos/as cuidadores/as informais ou familiares. A formação permite não só cuidar melhor de quem Ministério do Trabalho,
necessita, como assegurar uma melhor qualidade de vida ao/à cuidador/a, ensinando-o/a a proteger- Solidariedade e Segurança Social
se contra os fortes impactos associados à prestação de cuidados, nomeadamente o burnout. Direção-Geral da Saúde
Instituto da Segurança Social
Esta formação deverá também incluir conteúdos específicos sobre crime e violência, em especial
os fatores de risco da violência contra pessoas idosas, e como preveni-la e intervir nestas situações.
Garantir a formação dos dirigentes ou proprietários de equipamentos para pessoas idosas (como Instituto da Segurança Social
16 ERPI ou Centros de Dia). A falta de formação dos quadros superiores em gerontologia ou outras áreas
que compreendam matérias sobre o envelhecimento conduz, muitas vezes, a que as instituições
que prestam serviços ou acolhem pessoas idosas adotem uma gestão tendo em vista apenas o lucro,
não se preocupando com a qualidade dos cuidados prestados. A garantia da formação especializada
levaria mais facilmente não só à adoção de regras de funcionamento que assegurassem cuidados de
qualidade, como também à melhor supervisão e acompanhamento dos/as colaboradores/as.
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17 Certificação/reconhecimento da carreira profissional nas áreas da gerontologia, incluindo a Ordens profissionais (Ordem
de cuidador/a formal ou profissional e a de assistente operacional. A certificação é uma forma dos Médicos, Enfermeiros,
de dignificação da profissão, o que tem por consequência o maior reconhecimento social e a Psicólogos, Assistentes Sociais)
remuneração mais elevada dos/as profissionais. Sabendo que a falta de reconhecimento social, as Instituto da Segurança Social
dificuldades económicas e a situação precária perante o trabalho são fatores de risco da violência, a
certificação da profissão seria uma forma eficaz de os minorar.
18 Criar mecanismos de supervisão e de apoio dos/as cuidadores/as formais ou profissionais e Instituto da Segurança Social
informais ou familiares. A falta de acompanhamento da prestação de cuidados pode dar azo a
omissões no cumprimento dos deveres ou até situações de violência, sendo fulcral atuar numa lógica
preventiva, dando àqueles/as que prestam cuidados a pessoas idosas a oportunidade de avaliar
criticamente os seus conhecimentos, valores, competências e práticas e receber aconselhamento. É
igualmente importante que existam serviços de apoio onde os/as cuidadores/as possam partilhar as
suas dificuldades e trabalhar em conjunto para as ultrapassar.
19 Definição de uma Política de Família que passe por: Ministra de Estado e da Presidência
Ministério do Trabalho,
• Reconhecer a importância dos/as familiares na prestação de cuidados a pessoas idosas, Solidariedade e Segurança Social
resultando, entre outras medidas, na alteração do Código do Trabalho. A conciliação entre a Ministério das Finanças
vida profissional e a prestação de cuidados é uma das maiores dificuldades apontadas pelos/ Ministério da Justiça
as cuidadores/as informais ou familiares, sendo urgente combatê-la na prática. No entanto, este Secretaria de Estado da
Código – e não obstante as disposições do Estatuto do Cuidador Informal – continua a prever Segurança Social
apenas licenças, reduções ou flexibilizações de horário para assistência a descendentes e não a Comissão de Políticas Sociais e
progenitores/as ou outros/as familiares idosos/as; da Família do Conselho Nacional
• Rever o Direito Sucessório, de modo a permitir uma maior liberdade na disposição de bens para as Políticas de Solidariedade,
(garantindo que numa situação em que os descendentes de uma pessoa idosa que não a apoiem Voluntariado, Família, Reabilitação
ou até maltratem, possam ser “deserdados”); e Segurança Social
• Alterar o regime de benefícios fiscais para promover a manutenção da pessoa idosa em sua
casa (ou, pelo menos, no seu meio normal de vida).
20 Produzir mais conhecimento sobre a violência entre pessoas idosas em contexto institucional Academia/Centros de Investigação
(bullying entre pessoas idosas), à semelhança do que se tem vindo a fazer há largos anos com Serviços de Apoio à Vítima
a violência nas escolas. Atendendo ao atual número de pessoas idosas institucionalizadas, é
cada vez mais necessário conhecer a extensão deste fenómeno e perceber como a organização e
funcionamento das instituições pode contribuir para existência deste tipo de violência. Uma vez mais
bem estudado, será necessário sensibilizar as pessoas idosas, vítimas e agressoras, bem como dotar
as instituições de ferramentas para prevenir e reagir adequadamente a este fenómeno.
21 Desenvolvimento de uma estrutura de base comunitária com competência para atuar sobre Ministra de Estado e da Presidência
as vulnerabilidades das pessoas de todas as idades. Estas estruturas, podendo denominar- Ministério da Justiça
se Comissões para Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade, de âmbito local, Ministério do Trabalho,
desempenhariam funções de promoção e tutela dos direitos dos/as adultos/as que se encontram Solidariedade e Segurança Social
incapazes de os exercer efetivamente, independentemente da sua idade. Procuradoria-Geral da República
Secretário de Estado da
Agindo sempre em respeito do princípio da intervenção mínima e com o objetivo de prevenir as Segurança Social
situações de vulnerabilidade ou atuar quando estas já se verifiquem, tais estruturas deverão ter Secretária de Estado da Ação Social
várias competências, com maior preponderância nos casos em que se verifiquem os pressupostos Direção-Geral da Segurança Social
do decretamento de medidas de acompanhamento de um/a maior ou naqueles casos em que o Conselho Nacional para as
acompanhamento já esteja em vigor. Políticas de Solidariedade,
Voluntariado, Família,
A monitorização das Comissões locais deverá ser competência de uma Comissão Nacional para Reabilitação e Segurança Social
Pessoas Adultas em Situação de Vulnerabilidade.
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22 Desenhar uma estratégia de informação sobre os tipos de violência contra pessoas idosas, como Ministério da Cultura
preveni-los e como reagir. Ministra de Estado e da Presidência
Comissão para a Cidadania e
Disseminar esta informação com especial atenção sobre a violência económico-financeira por ser Igualdade de Género
um tipo de violência não facilmente identificado como tal, nem pelas próprias vítimas, nem pelos/ Ministério da Justiça
as agressores/as. Para combater estas dificuldades de sinalização deste tipo de violência, deverá, por Ministério da Administração Interna
exemplo, capacitar-se os/as colaboradores/as das entidades bancárias, em especial os/as gestores/ Provedoria de Justiça
as de conta, para que estejam alertados para eventuais situações de violência económico-financeira Secretário de Estado do Cinema,
contra os/as seus/suas clientes mais velhos. Audiovisual e Media
Procuradoria-Geral da República
Direção-Geral da Política de Justiça
Forças de Segurança
Organizações da Sociedade Civil
Órgãos de Comunicação Social
Instituições bancárias
23 Adoção de manuais de boas práticas a utilizar pelos/as profissionais/as que trabalham com pessoas Comissão para a Cidadania e
idosas e, em geral, profissionais que contactam com o público, sobre como tratar com dignidade Igualdade de Género
e comunicar com aquelas. Por vezes os preconceitos negativos em relação às pessoas idosas estão
de tal modo enraizados que a convivência e/ou trabalho com aquelas não é suficiente para os
derrogar. Assim, estes manuais, sendo facultados num momento de formação inicial ou contínua,
demonstrar-se-iam fundamentais para garantir a capacitação e desconstrução dos preconceitos dos/
as profissionais que lidam com pessoas idosas.
24 Alterar a representação normalmente feita das pessoas idosas nos meios de comunicação e Ministério da Cultura
noutras formas de disseminação de informação e imagem, por exemplo anúncios, livros ou Secretário de Estado do Cinema,
manuais escolares. Audiovisual e Media
Entidade Reguladora para a
Os meios de comunicação social e de disseminação de imagem influenciam o modo como nos Comunicação Social
relacionamos com os outros. Desta maneira, a sub-representação das pessoas idosas, por um lado, e, Órgãos de Comunicação Social
por outro, a representação das mesmas de formas que não correspondem à realidade, focando-se, ao Jornalistas/repórteres
invés, em situações extremas (como pessoas idosas doentes, frágeis e dependentes e pessoas idosas Escolas de Comunicação
extremamente ativas), permitem a perpetuação de estereótipos e discriminação. Sindicato de Jornalistas
Empresas de produção
Inversamente e considerando a tal forte influência que exercem na sociedade, estes meios de Empresas de marketing e publicidade
comunicação e de disseminação de imagem devem contribuir para a difusão de imagens mais Editoras de livros
realistas e positivas das pessoas idosas. Editoras de manuais escolares
Observatório da Comunicação
(Obercom)
25 Promover a formação de jornalistas sobre violência, em particular violência contra pessoas idosas, Ministério da Cultura
sobre os direitos e necessidades das vítimas, sobre como comunicar com as mesmas e, acima de Secretário de Estado do Cinema,
tudo, sobre como transmitir informação sobre casos de crime e violência ao público sem prejudicar Audiovisual e Media
as vítimas, a sua privacidade e segurança. Entidade Reguladora para a
Comunicação Social
Estas oportunidades formativas podem ocorrer em contexto curricular mas também em contextos Estações televisivas
informais como eventos, discussões e debates entre jornalistas, dirigentes dos grupos de Jornais
comunicação social, as organizações da sociedade civil e o público sobre a representação das pessoas
idosas e o papel que os média poderão ter na desconstrução dos preconceitos em relação a estas.
26 Estimular a aprendizagem ao longo da vida e desconstruir o preconceito de que a vontade e Ministra de Estado e da Presidência
capacidade de aprender e estagnam na idade adulta. Ministério da Educação
Ministério do Trabalho,
As Universidades Sénior são uma boa prática já bastante generalizada. No entanto, deverá garantir-se que Solidariedade e Segurança Social
os currículos estimulam verdadeiramente a aprendizagem e autonomia, não se tratando meramente Universidades Sénior (ou
instituições com oferta de ocupação de tempo/lazer. Além disso, as Universidades Sénior poderão ser um motor instituições responsáveis)
de promoção da intergeracionalidade se, por exemplo, forem localizadas perto ou mesmo dentro dos Campi Academia/Centros de Investigação
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Universitários. Deverá igualmente estimular-se, neste contexto, o desenvolvimento e/ou consubstanciação de
programas de formação universitária para seniores (por exemplo, cursos livres, ciclos de conferências).
Promover programas e soluções intergeracionais com impacto positivo comprovado, estimulando, Ministra de Estado e da Presidência
27 desde logo, as relações entre as gerações no seio da família. Comissão de Políticas Sociais e
da Família do Conselho Nacional
Aqueles programas e soluções, por exemplo tertúlias ou iniciativas de voluntariado abertas a para as Políticas de Solidariedade,
todas as idades, deverão ter em vista o fomento da cooperação, interação e partilha com base nas Voluntariado, Família, Reabilitação
potencialidades de cada indivíduo e grupo etário. e Segurança Social
Centros de dia
Estruturas Residenciais para
Pessoas Idosas
Escolas e Universidades
Famílias
Integrar o paradigma dos direitos humanos na educação e formação académica das crianças Ministério da Educação
28 e jovens. As camadas mais novas da população são, muitas vezes, o motor da mudança do Comissão para a Cidadania e
pensamento da sociedade, tendo a capacidade de aprender e de ensinar valores aos outros. Se, Igualdade de Género
desde cedo, desenvolverem o pensamento crítico, mais facilmente reagirão de forma ativa aos Direção-Geral da Educação
estereótipos e preconceitos que lhes são transmitidos pela sociedade. Além disso, a transmissão Direção-Geral do Ensino Superior
de valores como o respeito pelo outro e a empatia, diminuirá a tolerância a atos de violência, Agrupamentos escolares
nomeadamente contra pessoas idosas. Famílias
Melhorar implementação, avaliação e impacto dos programas e/ou projetos na área do Ministra de Estado e da Presidência
29 envelhecimento ou que tenham por destinatárias pessoas idosas, por exemplo: Agência para o Desenvolvimento
e Coesão
• Garantir que os programas e/ou projetos financiados se enquadram numa lógica de Secretária de Estado da
governação integrada e que respondem às prioridades nacionais traçadas nesta área; Segurança Social
• Criar orientações nacionais para a o financiamento, supervisão e avaliação de programas e/ Instituto da Segurança Social
ou projetos, de forma a garantir que estes respondem às necessidades efetivas da população e
que resultam na promoção da autonomia dos/as destinatários/as, e não na perpetuação da sua
dependência. Estas orientações devem valer quer para entidades financiadoras públicas, quer
privadas, precisamente numa ótica de governação integrada;
• Agilizar processos que permitam que os programas e/ou projetos avaliados positivamente
resultem em alterações e melhorias das políticas públicas e que sejam replicados, quando possível.
Monitorizar e avaliar as políticas públicas na área do envelhecimento através da criação de um Ministra de Estado e da Presidência
30 grupo de trabalho interdisciplinar e interministerial e com participação da sociedade civil na Vários Ministérios
dependência do Gabinete da Ministra de Estado e da Presidência. Organizações da Sociedade Civil
Organizações representantes de
A resposta aos desafios suscitados pelo envelhecimento e o combate à discriminação, marginalização pessoas idosas
e violência contra pessoas idosas não se esgota com a criação de políticas públicas mas implica, Academia/Centros de Investigação
igualmente, uma séria monitorização e avaliação das mesmas. A avaliação de políticas públicas, na sua
vertente político-estratégica e democrática remete para a responsabilização e para a transparência e, na
sua vertente de gestão, permite uma melhor gestão pública e prestação de contas.
Assim, aquela monitorização e avaliação deveria competir a um grupo de trabalho composto por
representantes de instituições, de natureza pública ou privada, numa ótica da governação integrada,
assegurando uma análise mais completa das políticas públicas, dado que nenhuma instituição
consegue, por si só, conhecer qualquer fenómeno em toda a sua extensão.
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