Na Teia Das Relações de Poder: As Juntas Governativas E Os Militares Na Paraíba (1821-1823)

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NA TEIA DAS RELAÇÕES DE PODER:

AS JUNTAS GOVERNATIVAS
E OS MILITARES NA PARAÍBA (1821-1823)
Serioja R. C. Mariano1
“Senhor. Acaba de rebentar em dois diferentes pontos desta Província o Vulcão
que há muito os inimigos da ordem e do socego tratam de influírem ao povo rústico
(...)”2. O documento acima apresenta o temor do governo da Paraíba com os
motins que estavam acontecendo por toda a Província, em decorrência das novas
ordens que vinham de Portugal com a instalação das Cortes.
O movimento começou no Porto, mas logo ganhou novos adeptos no território
português, com a proposta de fazer uma regeneração política inspirada pelas idéias
liberais. Convocar uma “assembléia nacional”, com o nome de “Cortes”, era a
exigência básica dos grupos que lideravam a “revolução”. Com a promessa de
acabar com absolutismo monárquico, considerado como o responsável por todas
as opressões, o movimento vintista teve, imediatamente, a adesão de alguns
segmentos da população, principalmente militares, comerciantes e magistrados, e
se transformou em uma “revolução” liberal.
No Brasil, as notícias logo se propagaram: foram recebidas com entusiasmo
por aqueles que tinham interesse em limitar o poder do rei e redefinir as relações
entre Brasil e Portugal; e eram contrários os que queriam manter a centralização e
o poder absolutista.
Em 1821, o temor da população na Paraíba refletia as notícias, muitas vezes
imprecisas, que vinham do Rio de Janeiro ou de Lisboa, sob a forma de artigos
publicados em jornais e das correspondências oficiais e particulares. Era assim
que as Câmaras locais tomavam conhecimento dos acontecimentos e passavam a
aderir ou não às Cortes portuguesas. Em um momento de indefinições político-
administrativas, o cenário se transformara com o movimento constitucionalista
gerando um reordenamento dos poderes.
Era uma situação de mudança dos poderes locais que não agradava a todos,
como fora o caso da Província de Pernambuco, que pedira ajuda a Paraíba para
combater os motins e “manter a ordem”. Após a solicitação do governo de
Pernambuco, as lideranças políticas da Paraíba se reuniram e a representação na
Câmara da cidade argumentou que

1
Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Departamento de
Geo-História da Universidade Estadual da Paraíba, Campus de Guarabira. Desde 2001 coordena
o Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura na Paraíba Imperial, vinculado ao CNPq.
2
Carta do governo da Paraíba em que assinaram os membros da Junta Governativa no dia 12 de
março de 1822. Documento citado por: PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a História da
Paraíba. 2 vols. 2 ed. facsimilar. João Pessoa: Ed. Universitária/ UFPB, 1977, p. 22-24.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 137


(...) este Povo senão deve reputar inimigo nem o Direito particular de
hum deve prevalecer aos sentimentos geraes de todo aquelle povo “(...)
nós vivemos nesta Província debaixo de toda a paz e harmonia e nada
temos com aquella outra e não devemos concorrer para uma guerra
civil, indo atacar aos nossos mesmos irmãos que se não afastam da
Constituição e só querem sacudir o jugo do despotismo.3

Como afirma Lúcia B. Pereira Neves, a palavra despotismo aparece, no cenário


do Reino Unido do Brasil, como expressão de uma nova cultura política. O conceito
ganha novo sentido, neste caso, como sinônimo de uma negação da liberdade. O
termo despotismo se torna equivalente a absolutismo, em uma herança clara do
contexto revolucionário de fins do século XVIII, assumindo o sentido de algo arbitrário
e oposto a um governo constitucional4.
A grande meta a seguir era obra da Regeneração, afirmava o documento. Enviado
ao Conselho Ultramarino, o texto continuava apresentando a situação da Província.
Mostrava como as vilas do Rio do Peixe e do Brejo de Areia se opuseram ao
juramento da Constituição. A primeira se recusou, inclusive, a enviar os seus
representantes para votarem nas eleições paroquiais da capital. As vilas do interior
viam com desconfiança as mudanças que estavam acontecendo e aqueles que
haviam “expulsado” do Brasil o “seu” rei.
Algumas lideranças da Paraíba consideravam que o apoio ao constitucionalismo
representava a continuidade do domínio português, e, portanto, um tipo de
recolonização. A proposta de recolonizar o Brasil não foi pensada, de início, como
objetivo específico das Cortes (pelo menos nos primeiros seis meses), diferentemente
da versão construída por uma certa historiografia, que sempre viu na atitude das
Cortes a necessidade de recolonizar o Brasil. Naquele momento, era mais importante
para Portugal o retorno do rei, pois só assim haveria a superação da crise por que
passava a metrópole.
Entretanto, após o momento inicial, as informações de que as Cortes queriam
restabelecer o poder e domínio sobre o restante do Império se espalharam pelas
províncias, soando isto como uma recolonização, o que causou um clima de
desconfiança nas populações locais que, inicialmente, tinham abraçado com euforia
o movimento constitucionalista, principalmente entre os militares.
Com o acirramento dos conflitos no interior da província da Paraíba, a Câmara
resolveu criar um conselho governativo, em que reconhecia a legitimidade do
governador como presidente, mas esse conselho deveria assumir o mais rápido
possível, tendo em vista o crescimento de um “partido” anticonstitucional que,
para ganhar adeptos, vinha “abusando da credulidade da gentalha”. A população
pobre é vista como massa de manobra de uma elite dirigente. Estas pessoas, que
seguiam aqueles contrários ao sistema constitucional (segundo o discurso do

3
PINTO, Datas e notas..., p. 12-13. Grifos meus.
4
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ/ Revan, 2003, p. 120.

138 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.


documento), eram vistas como uma “gentalha sem instrução”5.
Vale ressaltar que a utilização da palavra partido, naquele momento, estava
relacionada ao sentido de tomar partido, de pertencimento a determinado grupo,
unido pela mesma escolha política. Não tinha a conotação de agremiações políticas
institucionalizadas (a exemplo dos partidos conservador e liberal), só criadas na
década de 1830. O que denota a complexidade de compreensão e os cuidados
com os anacronismos na utilização de vocábulos da época em estudo. Aliás, essa
advertência deve ser considerada quando se registra que os anticonstitucionais se
diziam do “partido brasileiro contra o partido europeu”: era o momento em que os
conflitos entre brasileiros e portugueses se acirraram.
Como forma de aumentar a adesão das províncias ao movimento constitucional
e transformá-las em interlocutores das Cortes, foram, implantadas as Juntas
Governativas em uma nova rede de poder das províncias, estruturada por todo o
império, e de acordo com o liberalismo vintista, que garantia maior autonomia
provincial em relação ao Rio de Janeiro, e legitimada por um processo eleitoral.
Com essa reordenação dos poderes, as “pátrias locais”, através dos seus
representantes, assumiram um maior controle na administração local, barrando a
tentativa de implementar um governo central no Rio de Janeiro. Uma relação
conflituosa entre poder central e poder local que se estenderá até depois do I
Reinado6.
Este sistema administrativo, de Juntas Governativas, era parte integrante de
um período de transição e de desestruturação de uma antiga ordem, o Antigo
Regime, para os ideais de liberalismo vindos de Portugal e influenciados pela
constituição espanhola. Mas, ao mesmo tempo, representava, com o sistema
constitucional, um retrocesso político, dado o controle direto das províncias pelas
Cortes, o que é um tanto paradoxal.
O termo adesão (numa referência à identidade e à vinculação ao Estado Imperial
português) é recorrente nos discursos. A Paraíba enviou uma carta de juramento e
adesão à Constituição portuguesa, considerando que essa peleja era “estúpida
por sermos todos irmãos, todos eguaes em direitos, prerrogativas e privilégios (...)”,
pois “no seculo de luzes”, a razão deveria prevalecer. Uma adesão vista como um
“Código Regenerador”, capaz de ser compreendida por “homens ilustrados e não
por uma população que padece da ignorância”. Para “assentar a glória da Nação”
e as bases da felicidade, era preciso que a Constituição fosse jurada, e que a
Paraíba enviasse representantes para as Cortes7. Os deputados iriam representar
a “pátria”, ou seja, o lugar de origem, da sua comunidade, porém, a “nação” a
que pertenciam ainda era Portugal 8.
5
Paraíba, 12 out. 1821. DAHU (Projeto Resgate), Paraíba Cx. 2. AHU_ACL_CU_014, Cx. 49, doc.
3449.
6
SOUZA, Iara Lis Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo - 1780-1831.
São Paulo: UNESP, 1999, p. 115-117.
7
Paraíba, 12 out. 1821. DAHU (Projeto Resgate), Paraíba Cx. 2. AHU_ACL_CU_014, Cx. 49, doc.
3449.
8
JANCSÓ, István & PIMENTA, João Paulo. “Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo
da emergência da identidade nacional brasileira)”. In: MOTA, Guilherme (org.). Viagem incompleta:
a experiência brasileira (1500-2000). São Paulo: SENAC, 1999, p. 130.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 139


A Regeneração era a chave para a implantação de um governo constitucional
que promoveria o andamento da “causa da nação” e, através desse novo governo,
removeria os obstáculos de um governo anterior considerado fraco, que precisava
se regenerar de um passado despótico. Uma nação, para os liberais de Portugal,
pensada como a “vontade geral” pautada em uma tradição histórico-cultural,
concepção diferenciada daquela expressa por deputados do Brasil nas Cortes, o
que marcava o caráter nacionalista do pensamento político do Vintismo, do qual,
provavelmente, nem todos os habitantes das vilas da Paraíba tinham a percepção9.
Com um novo sistema administrativo, de redistribuição de cargos e funções, as
tradicionais famílias residentes na Paraíba, Carneiro da Cunha, Monteiro da Franca,
Albuquerque Maranhão, entre outras, voltavam à cena política, após a repressão
da insurreição de 1817. É bem verdade que algumas jamais haviam se ausentado
totalmente do poder. O Vintismo trouxe de volta, para a arena política, algumas
das lideranças que foram libertadas das prisões, porque os representantes das Cortes
consideravam que deveriam ser soltos aqueles que foram acusados de “despotismo
e censura política”. Inclusive foram eleitos para as Cortes, o que denota a aprovação
social, dentro dos círculos eleitorais, de homens que tinham participado, direta ou
indiretamente, de 181710.
A organização dos governos provinciais havia sido discutida nas Cortes, em
setembro anterior, com base no parecer de 21 de agosto. Em linhas gerais, ficava
assim definida: o governo era composto por uma Junta que exercia “toda a
autoridade e jurisdição na parte econômica, administrativa e de polícia”, e pelo
Governador das Armas, que tinha a jurisdição militar, e que respondia diretamente
às Cortes, inclusive na sua indicação para o cargo, seguindo o exemplo das
províncias do reino de Portugal e Algarves. Estas medidas representavam, além de
uma tentativa de diminuir o poder local, uma ameaça à possibilidade de um governo
unificado com sede no Rio11.
Na Paraíba, a situação continuava tensa. Em Itabaiana, a oposição se reunira
para discutir a representatividade das Juntas e o sistema constitucional. O governo
havia recebido denúncias de que as autoridades da vila estariam preparadas para
“assassinar e roubar a sombra de inventados pretextos de desaggravar a causa de
El-Rei (...)”. A partir dessa denúncia, a Junta enviou um destacamento para reprimir
qualquer tentativa de sublevação12.
9
BERBEL, Marcia Regina. A nação como artefato: deputados do Brasil nas cortes portuguesas
1821-1822. São Paulo: HUCITEC/ FAPESP, 1999, p. 38.
10
MARIANO, Serioja R. Cordeiro. Gente opulenta e de boa linhagem: família, política e relações de
poder na Paraíba (1817-1824). Recife: PPGH-UFPE, 2005 (Tese de Doutorado em História).
11
Quanto à composição do sistema administrativo da Província, implementado pelas Cortes, a
autoridade do governo ficava a cargo de três membros assim representados: o presidente, secretário
e o vereador mais velho, contando ainda com dois assessores. O governador das Armas enviado
a Paraíba foi o Tenente-Coronel Francisco de Albuquerque Melo, que assumiu o cargo através de
Carta Régia de 12 de março de 1822. ARQUIVO NACIONAL. As Juntas Governativas e a
Independência. Publicações do Arquivo Nacional, vol. 3. Rio de Janeiro: Conselho Federal de
Cultura, 1973, p.547-548.
12
Em 17 de abril de 1822, o governador Joaquim da Fonseca Rosado, seguindo as ordens vindas
do Rio de Janeiro, proclamou a Constituição portuguesa, esta teve suas bases juradas em 10 de
junho. Documento citado por: PINTO, Datas e notas..., p. 16.

140 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.


Sob o comando do Tenente-Coronel Francisco Inácio do Vale (português e líder
da contra-revolução em 1817), os homens seguiram para a vila, armados com
quarenta baionetas. Alguns dias depois, o Tenente fora acusado, pelo comando
geral dos militares, de haver se hospedado na casa do genro de um dos denunciados
de conspirarem contra o rei, e de que, ao invés de prender os suspeitos, o militar
teria protegido-os, chegando a dizer para os oficiais que se preparavam para
efetuarem as prisões, que “fechasse os olhos que elle também fecharia”. Com a
acusação de proteger os suspeitos, o militar foi afastado e perdeu o cargo de
Comandante das Armas, que estava preterindo, naquele momento, em troca de
um posto mais elevado13.
Como o tumulto não foi resolvido, o presidente da Junta e o Ouvidor seguiram
para Itabaiana para abrir devassa sobre os atos praticados “e premeditados contra
a causa constitucional”14. Ao final do processo, foram acusados e presos dois índios,
que ocupavam os cargos de regente e de Sargento-mor da vila de Pilar. A conclusão
dessa devassa denota as relações de poder e o prestígio das elites, econômicas e
políticas, que continuavam intocáveis e contando com o apoio dos seus amigos e
parentes, enquanto outras categorias sociais, como os índios, por exemplo, foram
os únicos considerados criminosos e, portanto, sujeitos às penalidades da lei.
No interior, os conflitos não cessavam, e foram enviadas tropas do destacamento
de linha para pontos diversos da província. Novas reuniões foram feitas e ficou
decidido que as autoridades agiriam da seguinte maneira:

1º- Que depois de tentados os meios de brandura e persuasão que tem


procurado o Sr. Presidente, os rebeldes sejam levados a ferro e fogo; 2º
- Que o governo deve dar armamento e munições a cidadãos
constitucionais em defesa da causa, 3º - Que as pessoas envolvidas
nos tumultos fossem imediatamente presas (...).15

O conselho convocado pelo governo era composto por oficiais militares, por
prelados seculares e regulares, o Senado da Câmara e os principais negociantes.
Ou seja, as camadas dirigentes representadas pelos segmentos militar, religioso e
civil.
Os conflitos que estavam acontecendo nas vilas do interior foram vistos pelo
governo como sendo uma represália dos homens que haviam feito fortuna
oprimindo a população e que, com o governo constitucional, perdiam a âncora do
seu poder e viam seus privilégios diminuídos. A partir desta justificativa, a Junta
Governativa mandou prender Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos e João
Alves Sanches Massa, considerados os líderes da oposição por oferecerem ajuda
a Pernambuco (considerado reduto dos anticonstitucionalistas), bem como: “(...)
13
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 547-548.
14
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 548.
15
Alguns nomes dos ditos culpados foram mencionados no documento, são eles: João Alves
Sanches Massa, Coronel Mathias da Gama Cabral, Manoel da Costa Lima, Domingos José de
Carvalho, padre José Antônio Lima, João Gonçalves de Pirpirituba, o sargento-mor Antônio Galdino
Alves da Silva, José Pereira Neves, de Guarabira, e Antônio da Silva, do Brejo de Areia. Citado por:
PINTO, Datas e notas..., p. 22.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 141


por serem estes dous homens os poderosos coripheos do partido anti-constitucional
(...) e para os quaes os povos estavão costumados a olhar como árbitros do seu
destino, ostentando especialmente o segundo de ter cabras armados a seu mando
(...)”16.
Havia claramente uma disputa pelo poder local entre grupos da elite. As camadas
dirigentes se aproveitavam de um contexto político que as favorecia, para barrar
qualquer possibilidade de manutenção do status quo daqueles que eram
considerados inimigos. Portanto era importante, naquele momento, prender e
expulsar esses homens acusados de serem anticonstitucionalistas.
As denúncias, com a acusação de anticonstitucionalistas, eram enviadas à Junta
do governo, que prosseguia com as investigações. Nas denúncias, o prestígio dos
grupos familiares fica claro quando, por exemplo, o Sargento-mor do primeiro
regimento de Milícias de Brancos, José Maria Correa, foi considerado perigoso
para o sistema, pois “estando elle aliado em parentesco com huma família cujo
chefe alem de conhecidamente anticonstitucionalista, pode, ou afecta de poder mudar
o seo arbítrio a Ordem Publica tendo, ou afectando de ter gente armada a seo mando
(...)”17.
Os serviços do militar, no cargo de oficial, foram considerados inúteis, as
lideranças locais argumentavam sobre a necessidade de serem tomadas medidas
urgentes para evitar que o oficial causasse outra “erupção”, inclusive recomendavam
a suspensão do pagamento do soldo de vários militares. Em seguida, o documento
apresenta uma crítica ao Governo das Armas: que estava nas mãos de alguém que
não fazia parte da Junta, o que, segundo os seus membros, dificultava a tomada
de qualquer decisão mais enérgica18. Nesta crítica ao governador das armas,
transparece o sentimento de antagonismo aos poderes delegados a um representante
de Portugal, e não da “pátria local”. De fato, quando as Cortes criaram o cargo de
Governador da Armas foi na intenção de vigiar de perto as Juntas Governativas,
formadas pela elite local.
Foi organizado um “partido” anticonstitucional sob o comando do Coronel de
Cavalaria de Milícias Mathias Gama Cabral e Vasconcelos e do Capitão João
Alves Sanches Massa (ricos proprietários de terras e ex-líderes da contra-revolução
em 1817)19. O filho de Sanches Massa, João Alves Massa, iniciou uma campanha
de oposição junto ao seu grupo da 3ª Companhia da força de Linha, da qual fazia
parte ocupando o posto de cabo. Esta campanha pretendia impedir a instalação
do governo constitucional na Província. Irineu Pinto relata que, após a descoberta

16
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 550.
17
Correspondência enviada ao governo provincial em 21 de junho de 1822, denunciando José
Maria Correia por ser anticonstitucionalista. Documentos do Arquivo Histórico do Estado da Paraíba
- Documentos manuscritos (DAHEPB/ DM CX 005).
18
Idem.
19
Ainda faziam parte da oposição: o sargento-mor do Regimento dos Henriques, Manoel Mancio
Judici Biquer que teria dito ao Juiz de Fora “que se jurara a Constituição fora por ser obrigado, pois
estava certo de que a mesma Constituição era um desaforo e os seus autores uns malvados”; o
sargento-mor do Regimento de Milícias de Brancos, José Maria Corrêa, que foi enviado a Lisboa
juntamente com os deputados às Cortes (DAHEPB/ DM CX 005).

142 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.


do plano e acusação de conspiração, o cabo foi julgado pelo conselho de guerra,
mas, “devido a grande proteção que tinha, julgaram-no innocente (...)”. A proteção
é uma referência ao poder econômico e político da sua família. Após a acusação,
João Alves Massa (filho) saiu da província para Lisboa com toda a sua família20.
Já o seu pai, o capitão Sanches Massa, foi preso no dia primeiro de março de
1822 e enviado ao Recife, mas logo recebeu a ajuda dos seus parentes, uma família
rica, de prestígio e poder; inclusive, no abaixo-assinado de solicitação da soltura
de Massa, um dos argumentos utilizados, com ênfase, foi a fato de que o mesmo
havia lutado, “com todos os seus parentes”, para manter a “ordem” e a “obediência”
em 1817, e que todos de sua família foram perseguidos e vítimas “dos influentes
constitucionais”. Alguns membros da família retiravam-se para Portugal “para
escaparem dos ferozes da facção revolucionária que pretendia extinguir a dita família
pelas antecedências promovidas no dito ano de 1817”. A justificativa para a
perseguição, segundo os Massa, seria devido à liderança do chefe da família na
contra-revolução de 181721.
Porém, em vereação extraordinária no dia 19 de maio de 1822, em que estavam
presentes todos os representantes do governo, ficou decidido que os prisioneiros
Sanches Massa e Mathias da Gama Cabral, não eram bem vindos à Província.
Para o Senado da Câmara, eram homens considerados:

(...) inimigos reconhecidos do bom systema regenerativo e liberal, pelo


aferro em que tinhão do antigo despotismo querendo ainda sustentar o
caracter de restauradores dos Reais Direitos, que falçamente arrogarão
a se no anno de mil oitocentos e dezacete, não como fiéis Vassalos, e
amigos do Rey, e sim pelos seos interesses particulares (...).22

Mais de uma vez, a participação no movimento de 1817 fora usada na


argumentação, nesse caso, os dois homens que lideraram a contra-revolução, são
acusados de se aproveitarem de um momento de repressão política para se
beneficiarem pessoalmente. Agora, não mais são tratados como heróis, como o
haviam sido pelos realistas, após o mês de maio de 1817, mas acusados como
falsos restauradores da ordem, principalmente em uma conjuntura em que os ex-
insurretos estavam no poder.
As acusações se seguiam e os alvos eram outros militares considerados
anticonstitucionais. Uma reclamação constante dos vereadores era a de que havia
militares que recebiam altos soldos, não prestavam serviços à população, tendo
em vista sempre estarem ocupados em suas propriedades e serem contrários à
Causa, enquanto aqueles fiéis vassalos, quase nada recebiam.
Mais tarde, Alves Massa solicitou, através de requerimento, ascensão militar
para as funções de capitão ou ajudante de Milícias de Brancos e apresentou uma
defesa em que relatava o seu ingresso no batalhão, “voluntariamente”, em 6 de

20
Idem.
21
Esse documento é um abaixo-assinado enviado de Lisboa em 20 de fevereiro de 1824. DAHU
(microfilmado) Cx. 16, Maço 42.
22
DAHU (microfilmado) Cx. 16, Maço 42.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 143


agosto de 1819. O documento traz, ainda, a sua “exemplar conduta” no corpo
militar, e acusa de déspota João de Araújo Cruz - então presidente da Junta
Governativa - pelas perseguições sofridas. Um abaixo assinado consta em anexo
ao documento, atestando que o mesmo é filho de “hum dos principaes proprietários
(...)”, e que seu pai sempre fora fiel ao rei,

cujas provas se verificão em mil oitocentos e desacete, que foi um dos


principais promotores, não só com a sua pessoa, mas athe com serviços
concorreu para que os rebeldes tornassem a ser chamados a Ordem e
Obediência legítima de sua magestade e que por isso mesmo lhe foi
conferida a Mercê da Ordem de Cristo.23

Com todos os pré-requisitos, de prestígio e status social, os militares que


assinaram o documento afirmaram que a família Sanches Massa fora vítima dos
partidários do constitucionalismo.
Mesmo com o pedido negado, mais tarde, João Alves Massa (filho) enviou de
Portugal, em abril de 1824, uma solicitação de despacho para Moçambique “para
não morrer de fome”, pois o seu pai (de 80 anos) estava preso em Pernambuco e
os seus bens haviam sido confiscados em julho de 1823. Solicitava ao Imperador
o pagamento do soldo que havia sido cancelado, e que, no prazo de dois ou três
anos, pudesse voltar à província da Paraíba, no posto de Capitão de Milícias de
Homens Brancos, do Corpo de Linha do qual fazia parte como cabo24.
Esses eram cargos importantes, na estrutura militar, que significavam um sinal
de prestígio e de riqueza, de pessoas influentes na sociedade local. Uma estrutura
que estava organizada a partir de três segmentos: a Tropa de Linha, Milícias e
Ordenanças. A Tropa de Linha, inicialmente, estava estruturada de forma regular,
permanente e burocrática, constituída por membros do exército português,
remunerados. A partir da necessidade de mais gente nas tropas, tendo em vista a
insuficiência do efetivo luso, esse exército passou a incorporar soldados e oficiais
brasileiros; as Milícias25, formadas por tropas auxiliares territoriais - comarcas,
freguesias - com critérios de hierarquias sociais e raciais, com divisões entre brancos
ricos, pretos, pardos, índios, que custeavam seus próprios fardamentos e
armamentos, não sendo pagas regularmente, só quando estavam na ativa; e por
último, os Corpos de Ordenanças, que não podiam ser afastados dos locais de
residência, diferiam do corpo de milícias, eram comandados por um capitão-mor
que podia recrutar a população masculina livre, mas que não pertencia nem à
tropa de linha, nem à de milícias, em caso de necessidade militar. Com a escassez
de agentes administrativos, as Ordenanças auxiliavam na manutenção da ordem
pública, na realização de obras públicas e na coleta de alguns tributos.

23
Sanches Massa recebeu o título após a insurreição.
24
DAHU (microfilmados/ NDIHR-UFPB) Cx. 04. Só a partir de dezembro 1823 é que o Coronel
Mathias da Gama Cabral de Vasconcelos conseguiu isenção de qualquer culpa e foi liberado para
regressar a “sua casa e fazendas”, com a sugestão que seus soldos fossem pagos.
25
A partir de uma Ordem Régia de 7 de agosto de 1796, as tropas intituladas de Terços Auxiliares
passaram a serem chamadas de Regimento de Milícias, e o cargo de Mestre de Campo, de Coronel
de Milícias.

144 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.


Esses segmentos eram de primeira, segunda e terceira linhas, respectivamente.
Em O Miserável Soldo, Kalina Vanderlei Silva chama a atenção para a existência
dessas forças que, mesmo atuando como auxiliares - milícias e ordenanças - eram
tropas reconhecidas institucionalmente, com leis e regulamentos da Coroa. Vale
ressaltar que essas forças atuaram como instituições de agregação social, que
enquadravam segmentos da população em hierarquias militares26.
Nesse processo conturbado, um aspecto relevante foi a participação dos
militares, em uma intricada teia de relações entre os militares e o governo legalista,
como pode ser observado nessa citação: “não podendo a Junta ser indiferente a
mesma desordem, tão pública, tão escandaloza e tão criminoza, huma desordem
(...), e transtorno da Cauza Pública, e mesmo da Guerra Civil, pois que a Junta está
persuadida, que a tropa foi para isto aliciada, pelos inimigos da Ordem, das Cortes
e de El Rey (...)”27.
O tumulto, descrito pela Junta Governativa, foi deflagrado por uma parte do
Batalhão de Linha da capital, insatisfeito com a nomeação do Capitão de Linha
da Primeira Companhia, Manoel Maria da Fonseca, para o comando do batalhão,
no lugar do sargento-mor graduado Trajano Antônio Gonçalves de Medeiros, que
assumia o cargo de Comandante das Armas da Província.
Com a insatisfação na indicação de mudanças de cargos, alguns soldados
seguiram até o Senado da Câmara e pediram a expulsão do capitão Manoel Maria
da Fonseca. Imediatamente, o comandante Trajano Antônio Gonçalves de Medeiros,
por considerar esta atitude um ato de rebeldia, mandou prender dezesseis
“insubordinados”. O tumulto estava feito. Os soldados que conseguiram escapar
à prisão saíram às ruas convocando todos os militares para pressionarem o governo.
Pressionado pela situação, o Comandante das Armas mandou soltar os prisioneiros
e, só depois, negociou com os amotinados, que saíram pelas ruas da cidade “dando
vivas a diferentes indivíduos e sendo aplaudido por outros”28.
Há relatos de muitos soldados embriagados nos quartéis, chamados de
“desordeiros e insubordinados” por promoverem “tumultos e aliciado reuniões
nos Povos dos subúrbios para assassinar e roubar”, para prejudicarem a “Cauza
de El Rey que procura persuadir o Povo rústico”, e cooperarem com os militares.
Claro que, num discurso elaborado pelos legalistas, alguns adjetivos como:
desordeiros, insubordinados, entre outros, são usados em oposição ao “bom
soldado” que luta para manter a “ordem” nos quartéis29.
Vale ressaltar que uma boa parte dos militares, que ocupavam os postos de
soldados, eram pessoas de categorias sociais mais baixas economicamente. Pessoas
que recebiam um soldo miserável para se manterem, sendo muitas vezes mal
26
SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e
marginalidade na Capitania de Pernambuco dos Séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura
da Cidade do Recife, 2001.
27
Carta enviada ao Rei D. João VI em 6 de fevereiro de 1822. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2
docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3459.
28
Carta enviada ao Rei D. João VI em 6 de fevereiro de 1822. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2
docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3459.
29
Idem.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 145


alimentadas, mal armadas e mal vestidas. Sem contar que a tropa de primeira
linha ainda passava pelos rigores da disciplina militar, uma situação que só piorava
com o clima de tensão pela qual a Província passava.
A reclamação do presidente da Junta, João de Araújo Cruz, era a de não poder
combater os amotinados. Faltava uma força armada, pois a única tropa que havia
na cidade, era a do batalhão de linha e, mesmo assim, nem todos os militares
estavam na capital, alguns haviam sido enviados à vila de Itabaiana para
combaterem um “tumulto e se premeditava huma reunião de Povo armado que foi
preciso evitar”, alegava o presidente. Nesse sentido, a palavra “povo” fazia referência
à população em geral, diferentemente da qualificação de “povo” que era dada a
quem tinha direito à votação nas Câmaras.
Cogitara-se a possibilidade de pedir ajuda a Pernambuco, idéia que foi
imediatamente descartada, pois “aquella Província está na maior convulsão e
desordem repetindo-se freqüentes tumultos e dividida em facções”. Portanto,
Pernambuco tinha os seus problemas e não podia ajudar ao governo da Paraíba.
A Junta também pensou em requisitar a força de uma tropa de Portugal, enviada a
Pernambuco pelas Cortes, atracada na Baia da Traição, localizada a dezoito léguas
(cerca de 108 Km) ao norte da capital. Seria uma espécie de troca de favores,
pois, desde que haviam atracado “os mais assíduos socorros e a hospitalidade”
foram dados à tropa portuguesa. Porém, o presidente chamava a atenção para o
cuidado que deveriam ter com esta medida, para não acirrar os ânimos da
população, tendo em vista que Pernambuco tinha rechaçado qualquer tentativa de
desembarque dos portugueses e, “sendo o Povo desta província um seguidor cego
dos passos e movimentos daquella; e isto pela sua proximidade, pelas suas
íntimas relações e pela decidida preponderância, que aquella tem sobre esta
província”30.
A referência do presidente à preponderância de Pernambuco sobre a Paraíba,
ao que parece, é uma crítica à situação de dependência desta última. Mas ele
reconhecia que a proximidade que ligava as duas províncias, e as íntimas relações
que eram mantidas entre elas, transformava a Paraíba numa seguidora cega da
província vizinha.
Com o constante clima de desconfiança, e temendo que a população se rebelasse
contra o governo, os membros da Junta decidiram, por unanimidade, não requisitar
a tropa portuguesa. Foi sugerido o nome de outro tenente, o mais antigo da
corporação, que logo foi aceito pelos soldados, “[que] debandados pelas ruas d’esta
cidade recebendo aplausos da plebe, e dando vivas a um Capitão como Ajudante
de Ordens que pertenceo já ao referido Batalhão”, este último desejado para assumir
o comando31. Infelizmente, a documento não deixa claro o porquê da recusa do
nome do Capitão Manoel Maria da Fonseca para o cargo, sendo possível que o

30
Carta enviada ao Rei D. João VI em 06 de fevereiro de 1822. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2
docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3459. Grifos meus.
31
Ofício do major encarregado do Comando das Armas, Trajano Antonio Gonçalves de Medeiros,
ao secretário de Estado da Guerra, Cândido José Xavier, relatando o tumulto no Batalhão de
Linha. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2 docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc.
3460.

146 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.


mesmo fosse português e, tendo em vista o clima de desconfiança em relação aos
portugueses, com os boatos sobre uma possível recolonização, talvez fosse esse o
motivo.
O encarregado do comando das armas da Província, o Major Trajano Antônio
Gonçalves de Medeiros, enviou um ofício ao secretário de Estado e da Guerra,
Cândido José Xavier, pedindo a expulsão do Comandante do Batalhão e do seu
ajudante, acusando-os de promoverem o motim e de serem anticonstitucionais,
bem como a punição dos soldados. Foi solicitada a ajuda da tropa de Milícias,
para que estas auxiliassem na manutenção da ordem, com a promessa de pagamento
de soldos por três meses e ração por dois meses32. São promessas que deixam
claras as péssimas condições das tropas milicianas.
A dificuldade para a punição dos soldados se dava pela falta de forças militares,
principalmente em um momento de conturbações no interior da Província, em que
se precisava de braços armados. Essa foi uma das justificativas do juiz de Fora
para negar o pedido de punição, pois, naquele momento, era necessário enviar
uma parte do batalhão para outros pontos da Paraíba, fazendo a seguinte ressalva:
“que necessitão as vigias e rondas de Polícia e chamar os serviços da praça as
Milícias, dissimulando entretanto o facto, athe que circunstâncias mais pacificas
permitão proceder com o devido e necessário castigo”33.
Para o juiz de Fora aquele não era o momento para punição, tendo em vista que
as tropas estavam, ainda, exaltadas. Mas faz a seguinte ressalva: no momento em
que as coisas se acalmassem, cada um dos soldados que participara do motim,
teria o seu devido castigo, e a ordem voltaria aos quartéis. De todo modo, este não
era o momento para punições, o que denota a carência de braços armados. Foi
ordenado que se fizesse um recrutamento para a Primeira Linha de Guarnição,
com uma tropa “formada de homens voluntários, bem educados e com princípios
de honra”, regras básicas e hierárquicas na formação militar, e que ficariam no
posto por um período de três anos34. Em uma Portaria Imperial, de 5 de outubro de
1822, o Regimento de Milícias de Pardos passou a ser considerado como 2º
batalhão de milicianos.
Na militarização da população masculina, os regimentos eram agrupados em
Ordenanças e Milícias, compostos por homens que tinham entre quatorze e sessenta
anos. Os cargos de coronéis, majores, capitães e tenentes, todos oficiais, eram
ocupados, em sua maioria, por grandes proprietários, daí a enorme quantidade
de oficiais que existiam na província.
As Ordenanças, formadas por civis recrutados entre a população de várias
camadas sociais, mesmo não estando entre aqueles de 1ª e 2ª linhas, tinham um
peso muito grande nas suas áreas de ação, tendo em vista as funções que
32
Ofício enviado em 06 de fevereiro de 1822. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2 docs. AHU, maço
38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3459.
33
Ofício da junta Governativa da Paraíba ao secretário de Estado da Guerra, Cândido José Xavier,
relatando o tumulto no Batalhão de Infantaria de Linha, em 6 de fevereiro de 1822. DHAU
(Projeto Resgate). Anexo 2 docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3461.
34
Documento do Conselho Supremo Militar em 2 abr. 1822, DHAU (Projeto Resgate). Anexos 3
docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3474.

[15]; João Pessoa, jul./dez. 2006. 147


desempenhavam no controle da administração, ou seja, nos serviços policiais e
administrativos, exercendo um caráter muito mais civil do que militar. Portanto,
por estarem vinculados diretamente ao poder local, eram passíveis de controle
pelos proprietários locais. Estes proprietários viam a carreira das armas como
mais uma maneira de reforçar seus laços de dominação e poder sobre a população
não proprietária, e, também, como sinônimo de prestígio. Daí a facilidade de
mobilização nos acontecimentos políticos.
Percebe-se que a luta pelo poder local interferia com as estruturas hierárquicas
dos militares, permanecendo este conflito por todo o período de construção do
Estado Nacional, em uma verdadeira guerra pela redefinição na ocupação dos
cargos.
Este é um assunto que merece um maior aprofundamento analítico,
representando um campo aberto para futuras pesquisas, tendo em vista que o
tema não foi exaurido. As perguntas dirigidas ao passado são sempre refeitas, e a
temática, é claro, não se encerra neste trabalho. Acredito que a pesquisa contribuiu
para ajudar os pesquisadores a compreenderem essa teia de relações que podem
ser observadas nas vilas da província da Paraíba, o que mostra a importância de
estudar, dentro de um contexto mais abrangente, as especificidades de cada
Província.

RESUMO ABSTRACT
Na década de 1820, a Paraíba, como ocorreu In the decade of 1820, the province of
com outras províncias, passou por um Paraíba, like other brazilian provinces, went
processo de redefinição política. Com a a process of political redefinition. With the
implantação de um novo sistema implantation of a new administrative system,
administrativo, de redistribuição de cargos e of redistribution of positions and functions, a
funções, houve um reordenamento dos new framework of the local powers appeared.
poderes locais. As famílias tradicionais The traditional families (Albuquerque
(Albuquerque Maranhão, Carneiro da Cunha, Maranhão, Carneiro da Cunha, Monteiro da
Monteiro da Franca, entre outras) voltaram à Franca, among others) returned to the political
cena política, após a repressão ao movimento scene, after the repression to the movement
de 1817, assumindo a liderança das Juntas of 1817, assuming the leadership of the
Governativas, geralmente apoiados pelos Governmental Committees, generally
militares. Nesse contexto conturbado, a supported by the militaries. In that dazed
participação dos militares foi bastante context, the participation of the militaries was
relevante. Seu papel nas disputas locais quite important. Its role in the local disputes
abalou as estruturas hierárquicas durante todo affected the hierarchical structures during the
o período de construção do Estado Nacional. whole period of construction of the National
Partindo desta constatação, pretendo analisar State. In this work, I intend to analyze the
os motins militares nesse período, inserindo- military mutinies in that period, inserting them
os em um quadro mais amplo, sem deixar de in a wider picture, without leaving of aiming
apontar as especificidades locais. the local realities.
Palavras-Chave: Paraíba; Política; Motins Keywords: Paraiba; Politics; Military
Militares. Mutinies.

148 [15]; João Pessoa, jul./ dez. 2006.

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