Na Teia Das Relações de Poder: As Juntas Governativas E Os Militares Na Paraíba (1821-1823)
Na Teia Das Relações de Poder: As Juntas Governativas E Os Militares Na Paraíba (1821-1823)
Na Teia Das Relações de Poder: As Juntas Governativas E Os Militares Na Paraíba (1821-1823)
AS JUNTAS GOVERNATIVAS
E OS MILITARES NA PARAÍBA (1821-1823)
Serioja R. C. Mariano1
“Senhor. Acaba de rebentar em dois diferentes pontos desta Província o Vulcão
que há muito os inimigos da ordem e do socego tratam de influírem ao povo rústico
(...)”2. O documento acima apresenta o temor do governo da Paraíba com os
motins que estavam acontecendo por toda a Província, em decorrência das novas
ordens que vinham de Portugal com a instalação das Cortes.
O movimento começou no Porto, mas logo ganhou novos adeptos no território
português, com a proposta de fazer uma regeneração política inspirada pelas idéias
liberais. Convocar uma “assembléia nacional”, com o nome de “Cortes”, era a
exigência básica dos grupos que lideravam a “revolução”. Com a promessa de
acabar com absolutismo monárquico, considerado como o responsável por todas
as opressões, o movimento vintista teve, imediatamente, a adesão de alguns
segmentos da população, principalmente militares, comerciantes e magistrados, e
se transformou em uma “revolução” liberal.
No Brasil, as notícias logo se propagaram: foram recebidas com entusiasmo
por aqueles que tinham interesse em limitar o poder do rei e redefinir as relações
entre Brasil e Portugal; e eram contrários os que queriam manter a centralização e
o poder absolutista.
Em 1821, o temor da população na Paraíba refletia as notícias, muitas vezes
imprecisas, que vinham do Rio de Janeiro ou de Lisboa, sob a forma de artigos
publicados em jornais e das correspondências oficiais e particulares. Era assim
que as Câmaras locais tomavam conhecimento dos acontecimentos e passavam a
aderir ou não às Cortes portuguesas. Em um momento de indefinições político-
administrativas, o cenário se transformara com o movimento constitucionalista
gerando um reordenamento dos poderes.
Era uma situação de mudança dos poderes locais que não agradava a todos,
como fora o caso da Província de Pernambuco, que pedira ajuda a Paraíba para
combater os motins e “manter a ordem”. Após a solicitação do governo de
Pernambuco, as lideranças políticas da Paraíba se reuniram e a representação na
Câmara da cidade argumentou que
1
Doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Departamento de
Geo-História da Universidade Estadual da Paraíba, Campus de Guarabira. Desde 2001 coordena
o Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura na Paraíba Imperial, vinculado ao CNPq.
2
Carta do governo da Paraíba em que assinaram os membros da Junta Governativa no dia 12 de
março de 1822. Documento citado por: PINTO, Irineu Ferreira. Datas e notas para a História da
Paraíba. 2 vols. 2 ed. facsimilar. João Pessoa: Ed. Universitária/ UFPB, 1977, p. 22-24.
3
PINTO, Datas e notas..., p. 12-13. Grifos meus.
4
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ/ Revan, 2003, p. 120.
O conselho convocado pelo governo era composto por oficiais militares, por
prelados seculares e regulares, o Senado da Câmara e os principais negociantes.
Ou seja, as camadas dirigentes representadas pelos segmentos militar, religioso e
civil.
Os conflitos que estavam acontecendo nas vilas do interior foram vistos pelo
governo como sendo uma represália dos homens que haviam feito fortuna
oprimindo a população e que, com o governo constitucional, perdiam a âncora do
seu poder e viam seus privilégios diminuídos. A partir desta justificativa, a Junta
Governativa mandou prender Mathias da Gama Cabral e Vasconcelos e João
Alves Sanches Massa, considerados os líderes da oposição por oferecerem ajuda
a Pernambuco (considerado reduto dos anticonstitucionalistas), bem como: “(...)
13
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 547-548.
14
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 548.
15
Alguns nomes dos ditos culpados foram mencionados no documento, são eles: João Alves
Sanches Massa, Coronel Mathias da Gama Cabral, Manoel da Costa Lima, Domingos José de
Carvalho, padre José Antônio Lima, João Gonçalves de Pirpirituba, o sargento-mor Antônio Galdino
Alves da Silva, José Pereira Neves, de Guarabira, e Antônio da Silva, do Brejo de Areia. Citado por:
PINTO, Datas e notas..., p. 22.
16
ARQUIVO NACIONAL, As Juntas Governativas..., p. 550.
17
Correspondência enviada ao governo provincial em 21 de junho de 1822, denunciando José
Maria Correia por ser anticonstitucionalista. Documentos do Arquivo Histórico do Estado da Paraíba
- Documentos manuscritos (DAHEPB/ DM CX 005).
18
Idem.
19
Ainda faziam parte da oposição: o sargento-mor do Regimento dos Henriques, Manoel Mancio
Judici Biquer que teria dito ao Juiz de Fora “que se jurara a Constituição fora por ser obrigado, pois
estava certo de que a mesma Constituição era um desaforo e os seus autores uns malvados”; o
sargento-mor do Regimento de Milícias de Brancos, José Maria Corrêa, que foi enviado a Lisboa
juntamente com os deputados às Cortes (DAHEPB/ DM CX 005).
20
Idem.
21
Esse documento é um abaixo-assinado enviado de Lisboa em 20 de fevereiro de 1824. DAHU
(microfilmado) Cx. 16, Maço 42.
22
DAHU (microfilmado) Cx. 16, Maço 42.
23
Sanches Massa recebeu o título após a insurreição.
24
DAHU (microfilmados/ NDIHR-UFPB) Cx. 04. Só a partir de dezembro 1823 é que o Coronel
Mathias da Gama Cabral de Vasconcelos conseguiu isenção de qualquer culpa e foi liberado para
regressar a “sua casa e fazendas”, com a sugestão que seus soldos fossem pagos.
25
A partir de uma Ordem Régia de 7 de agosto de 1796, as tropas intituladas de Terços Auxiliares
passaram a serem chamadas de Regimento de Milícias, e o cargo de Mestre de Campo, de Coronel
de Milícias.
30
Carta enviada ao Rei D. João VI em 06 de fevereiro de 1822. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2
docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc. 3459. Grifos meus.
31
Ofício do major encarregado do Comando das Armas, Trajano Antonio Gonçalves de Medeiros,
ao secretário de Estado da Guerra, Cândido José Xavier, relatando o tumulto no Batalhão de
Linha. DHAU (Projeto Resgate). Anexo 2 docs. AHU, maço 38. AHU_ACL_CU_014, Cx. 50, doc.
3460.
RESUMO ABSTRACT
Na década de 1820, a Paraíba, como ocorreu In the decade of 1820, the province of
com outras províncias, passou por um Paraíba, like other brazilian provinces, went
processo de redefinição política. Com a a process of political redefinition. With the
implantação de um novo sistema implantation of a new administrative system,
administrativo, de redistribuição de cargos e of redistribution of positions and functions, a
funções, houve um reordenamento dos new framework of the local powers appeared.
poderes locais. As famílias tradicionais The traditional families (Albuquerque
(Albuquerque Maranhão, Carneiro da Cunha, Maranhão, Carneiro da Cunha, Monteiro da
Monteiro da Franca, entre outras) voltaram à Franca, among others) returned to the political
cena política, após a repressão ao movimento scene, after the repression to the movement
de 1817, assumindo a liderança das Juntas of 1817, assuming the leadership of the
Governativas, geralmente apoiados pelos Governmental Committees, generally
militares. Nesse contexto conturbado, a supported by the militaries. In that dazed
participação dos militares foi bastante context, the participation of the militaries was
relevante. Seu papel nas disputas locais quite important. Its role in the local disputes
abalou as estruturas hierárquicas durante todo affected the hierarchical structures during the
o período de construção do Estado Nacional. whole period of construction of the National
Partindo desta constatação, pretendo analisar State. In this work, I intend to analyze the
os motins militares nesse período, inserindo- military mutinies in that period, inserting them
os em um quadro mais amplo, sem deixar de in a wider picture, without leaving of aiming
apontar as especificidades locais. the local realities.
Palavras-Chave: Paraíba; Política; Motins Keywords: Paraiba; Politics; Military
Militares. Mutinies.