Minuta - Decisão Liminar - Assinado - RCL 55991 MC

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MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 55.

991 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA


RECLTE.(S) : U.U.O.S.
ADV.(A/S) : TAIS BORJA GASPARIAN
RECLDO.(A/S) : RELATOR DO PROC. Nº 0731352-
94.2022.8.07.0000 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) : F.B.
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO:

MEDIDA CAUTELAR NA
RECLAMAÇÃO. ARGUIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL Nº 130/DF.
APARENTE INOBSERVÂNCIA DO
PARADIGMA. COGNIÇÃO
SUMÁRIA: LIMINAR DEFERIDA.

1. Trata-se de reclamação com pedido liminar, formalizada por


UOL - Universo Online S.A., em face de decisão proferida pelo Relator do
processo nº 0731352-94.2022.8.07.0000, no âmbito de Medida Cautelar
Inominada em trâmite perante a 3ª Turma Criminal do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios, que teria inobservado o que
decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/DF.

2. A parte reclamante narra ter sido surpreendida com a ordem


judicial sob exame, que determinou a remoção imediata de duas matérias
jornalísticas do seu portal de notícias, proibindo, ademais, sua divulgação
nos perfis do UOL e da jornalista Juliana Dal Piva, mantidos nas redes
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sociais “Twitter” e “Instagram”.

3. Alega que as premissas da decisão estão equivocadas,


tratando-se, em realidade, de imposição de censura que, a par de
restringir o livre exercício da atividade de imprensa, desautoriza o
entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº
130/DF.

4. Sustenta prejudicado seu direito de defesa, visto que a


decisão reclamada foi proferida em processo do qual não faz parte, e que
tramita em segredo de justiça, afirmando serem lícitas as matérias
jornalísticas, por tratarem de assunto de notório interesse público.

5. Ressalta a natureza não sigilosa dos documentos e das


informações que embasaram a veiculação das reportagens, aduzindo que
a divulgação seria lícita, ainda que as publicações tivessem origem em
processo sob sigilo, conforme jurisprudência desta Suprema Corte.

6. Requer a concessão de tutela liminar, a fim de suspender a


decisão reclamada até o julgamento final da reclamação, “permitindo-se ao
UOL que mantenha as matérias jornalísticas publicadas em seu site, assim como
a divulgação dessas matérias em suas redes sociais”. No mérito, postula a
procedência do pedido reclamatório.

É o relatório.

Decido.

7. A reclamação, inicialmente concebida como construção


jurisprudencial, reveste-se de natureza constitucional, tendo como
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finalidades a preservação da competência do Supremo Tribunal Federal,


a garantia da autoridade de suas decisões, bem como a observância de
enunciado da Súmula Vinculante do STF.

8. No caso em tela, alega-se inobservância, pelo tribunal


reclamado, do que decidido por esta Suprema Corte quando do
julgamento da ADPF nº 130/DF, ocasião em que o Pretório Excelso julgou
procedente o pedido para declarar não recepcionado pela Constituição
da República todo o conjunto de preceitos da Lei nº 5.250, de 1967,
conhecida como Lei de Imprensa.

9. Confira-se a ementa do acórdão apontado como paradigma:

“EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE


PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA
‘LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA’,
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A
‘PLENA’ LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA
JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA
PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA
COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E
DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO
ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO
SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA
COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO
DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E

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COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA
FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS
AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO
DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE
BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE
DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O
BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE
E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO.
INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE
DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE
RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL,
CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS
CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE
IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE
PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO
INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS
PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA.
PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA
E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA
CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E
DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE
PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA
COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA
OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO
OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU
OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E
AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO
DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS
PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E
REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO
RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA
ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA
DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.” (ADPF nº 130/DF, Rel.
Min. Ayres Britto, DJe 06/11/2009).

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10. No referido julgamento, reiterou-se a plena liberdade de


imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura,
bem assim, a imposição, ao Poder Judiciário, do dever de dotar de
efetividade os direitos fundamentais de imprensa e de informação.
Tomada em relação de mútua causalidade com a democracia, a liberdade
de imprensa foi considerada “patrimônio imaterial que corresponde ao mais
eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo”.

11. Na espécie dos autos, a decisão reclamada concedeu efeito


suspensivo ativo ao recurso de apelação interposto no âmbito da ação
penal nº 0734741-84.2022.8.07.0001, em trâmite perante a 4ª Vara Criminal
de Brasília/DF, “para determinar a imediata retirada do ar das matérias
jornalísticas que residem nas seguintes URLs: (...), bem como para determinar a
imediata remoção dessas postagens nas redes sociais Twitter e Instagram, nos
perfis (...)” (e-doc. 5).

12. Neste juízo perfunctório de apreciação da conjuntura fático-


probatória, revelam-se plausíveis as alegações da parte reclamante
quanto ao eventual descumprimento do entendimento desta Suprema
Corte, no que concerne à vedação à censura e à proteção do direito-dever
de informar.

13. Em casos análogos, o Supremo Tribunal Federal tem se


pronunciado sistematicamente no sentido de, ponderados os valores
envolvidos, vislumbrar a existência dos requisitos autorizadores da
concessão de medida liminar.

14. A esse respeito, cabe mencionar excerto da decisão proferida


pela e. Ministra Cármen Lúcia quando do deferimento da medida liminar
na Reclamação nº 35.039/DF, a qual teve o mérito julgado procedente e
confirmado pela Segunda Turma:
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“Neste exame preliminar e precário, próprio desta fase


processual, parece configurado o descumprimento ao decidido
por este Supremo Tribunal na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. 130/DF.
Ao determinar a retirada de notícia do sítio da Folha de S.
Paulo, a decisão apontada como reclamada prejudica o direito à
informação, restringindo a divulgação de notícias e o resguardo
do que antes noticiado e que, no caso dos autos, sequer vem
sendo veiculado, mas tão somente resguardado em registros da
empresa de notícias, comprovando-se risco a garantia
constitucional da liberdade de informar e de ser informado e de
não se submeter a censura a imprensa.
O risco de haver dano a princípio constitucional
fundamental parece comprovado a ponto de autorizar o
deferimento da medida liminar.”
(Rcl nº 35.039-MC/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, publicada
no DJe em 24/10/2019)

15. Anoto, ainda, nesse mesmo sentido e circunstância de


apreciação do feito, as seguintes decisões: Rcl 51.153-MC, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJe 10/01/2022; Rcl 50.255-MC, Rel. Min. Edson Fachin,
DJe 10/11/2021; Rcl 39.089-MC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 13/03/2020; Rcl
41.850-MC, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 01/07/2020; Rcl 22.328-
MC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 26.11.2015; e Rcl 52.089-MC, Rel.
Min. André Mendonça, DJe 25/02/2022.

16. Desse modo, reconheço, em sede de cognição sumária, a


ocorrência de aparente violação ao que decidido pelo Supremo Tribunal
Federal na ADPF nº 130/DF, bem como a presença dos danos decorrentes
dos efeitos do ato reclamado no âmbito do direito fundamental da
liberdade de imprensa e do direito-dever de informar.

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17. Sopesados os valores em disputa, entendo que, no presente


momento processual, devem prevalecer as liberdades públicas, tanto a de
informar quanto a de expressão em seu mais amplo sentido (art. 5º, IV e
IX, c/c art. 220, da Constituição da República), as quais independem de
censura ou licença.

18. No Estado Democrático de Direito, deve ser assegurado aos


brasileiros de todos os espectros político-ideológicos o amplo exercício
da liberdade de expressão. Assim, o cerceamento a esse livre exercício,
sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que
sejam as intenções, máxime se tal restrição partir do Poder Judiciário, protetor
último dos direito e garantias fundamentais, não encontra guarida na Carta
Republicana de 1988.

19. Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio assegura outros


instrumentos e medidas para propiciar a composição entre os direitos
individuais envolvidos e as garantias constitucionais, sem que seja
necessário recorrer, prima facie, à supressão da liberdade de expressão e
de imprensa.

20. Ante o exposto, defiro o pedido liminar para determinar a


imediata suspensão dos efeitos da decisão reclamada, no processo nº
0731352-94.2022.8.07.0000, permitindo-se à parte reclamante, por
conseguinte, que restabeleça as matérias jornalísticas publicadas em seu
site, assim como a divulgação dessas matérias em redes sociais, até o
julgamento final desta reclamação.

21. Cite-se o beneficiário da decisão reclamada para, querendo,


apresentar contestação no prazo legal (art. 989, III, CPC). Intime-se, se
necessário, a parte reclamante para que forneça o endereço da parte
beneficiária do ato impugnado, sob pena de extinção do feito e revogação
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da medida liminar (arts. 319, II e 321, do CPC).

22. Solicitem-se informações ao tribunal reclamado (art. 989, I,


CPC).

23. Após, abra-se vista do processo à Procuradoria-Geral da


República para sua manifestação no prazo legal (art. 991, do CPC).

Publique-se.

Brasília, 23 de setembro de 2022.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA


Relator

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