2020 LianadeAndradeEsmeraldoPereira
2020 LianadeAndradeEsmeraldoPereira
2020 LianadeAndradeEsmeraldoPereira
BRASÍLIA - DF
2020
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BRASÍLIA - DF
2020
3
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________________
Prof. Dra. Izabel Cristina B. B. Zaneti
Orientadora (UnB-CDS)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Cristiane Gomes Barreto
Examinadora Interna (UnB-CDS)
_________________________________________________________
Profa. Dra Claudia Pato
Examinadora Externa (UnB/Faculdade de Educação)
_______________________________________________________
Profa. Dra Suely Salgueiro Chacon
Examinadora Externa (UFC/PPGAPP)
4
_________________________________________________________
Prof. Dr. José Luiz Andrade
Suplente (UnB-CDS)
5
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço ao meu Deus que me permitiu chegar até aqui; ao Espírito
Santo que me inspirou em todos os momentos; e a Jesus Cristo, razão da minha fé, que colocou
em meu caminho tantas pessoas valiosas, as quais estão contidas em vários momentos desta
obra. A Ele toda a glória, honra e louvor!
Expresso meus agradecimentos à minha abençoada família nuclear e extensa:
Meus pais, especialmente, minha mãe Lianira, que intercede por mim continuamente e
me cobre com suas orações. Sua vida é preciosa para mim. E minha irmã Joyce, minha amiga,
que é uma eterna incentivadora.
Meu esposo Ophir e meus filhos Tiago, Lucas e Felipe por me estimularem com suas
palavras, compreenderem as minhas ausências e assumirem minhas tarefas domiciliares para
que eu pudesse me dedicar a construção desta tese. Vocês me deixaram muito feliz, meus filhos,
por terem me acompanhado até a comunidade, possibilitando-me partilhar este momento da
minha vida com vocês. Estendo os agradecimentos a Pâmela Tavares, namorada do meu filho
Tiago, ambos estudantes de direito, que participou das visitas, agregando informações e
criando, juntamente com Tiago, um projeto versando sobre a comunidade.
Agradeço à minha orientadora, Izabel Zanetti, excelente profissional, pessoa
espetacular, carismática e acolhedora, que representou o impulso que eu precisava para
caminhar e avançar neste trabalho. As suas palavras “eu tenho orgulho de você”, foram
fundamentais para eu acreditar, e ainda ecoam em minha vida como um grito de guerra. Minha
colega do DINTER diz que nós somos a tampa e a panela (risos).
Algumas pessoas foram especiais, pois me introduziram na história da comunidade e
possibilitaram que eu desenvolvesse o apego ao lugar. Por isso, quero também agradecer:
À Mônica Martins, que me apresentou a situação do Baixio e caminhou junto comigo
nas ruas e casas do distrito; sonhou o meu sonho; e agregou-se à equipe do projeto Resistência
no Baixio das Palmeiras. Obrigada pelos riquíssimos diálogos, por compartilhar ideias, pelas
trocas afetivas, por todos os ensinamentos; enfim, você foi minha coorientadora;
Aos meus colegas do Doutorado Interinstitucional (DINTER): Geovani (conduziu-me a
primeira visita à comunidade, as primeiras conversas com moradores, compartilhou bibliografia
e eventos associados ao meu tema), Augusto (in memoriam, ajudou-me a estabelecer uma rede
de contato com gestores/técnicos do projeto), Cristiano (pelas brincadeiras, quem diria? Sempre
tão sério), Ildisvan (sempre nos socorrendo na tecnologia de informação), Ingrid (nossos
momentos de descanso foram inesquecíveis!), Milton (nosso grupo de estudo foi muito
7
Foi um trabalho minucioso destacar uma a uma das inúmeras mãos que teceram este
produto, mas, não poderia ser menos do que isso, afinal, todos vocês com seus saberes, palavras,
crenças, atitudes e afetos colocaram um pouco de si neste trabalho. Caso tenha esquecido de
citar alguém, por favor, perdoe-me!
Todavia, deixo também para todos esses anônimos. Meu muito obrigada!!!
12
RESUMO
O presente estudo visa discutir a implementação do projeto hídrico Cinturão das Águas do
Ceará (CAC) e a migração compulsória ocasionada na região do Cariri Cearense. No trecho
que abrange o município do Crato, as comunidades empoderadas do distrito Baixio das
Palmeiras, através da mobilização e participação dos equipamentos sociais comunitários,
formaram uma hidroresistência denominada Fórum Popular das Águas, com o objetivo de
proteger seu hidroterritório. O estudo tem como questão norteadora: quais os impactos na
relação pessoa e ambiente provocados pela migração compulsória para os moradores atingidos
pelo Projeto Cinturão das Águas do Ceará (CAC)?A metodologia adotada foi a abordagem
multimétodos, incluindo instrumentos de abordagem mista, tais como observação participante,
entrevistas, aplicação de survey baseado em uma escala adaptada de apego e identidade de lugar
e autobiografia ambiental. A amostra foi composta por gestores do projeto, lideranças
comunitárias, as comunidades atingidas, e os moradores que tiveram ou que terão suas casas
desapropriadas. Para análise dos dados, utilizou-se análise de conteúdo, discurso do sujeito
coletivo, tratamento estatístico e autobiografia ambiental. Os resultados do estudo
demonstraram diferentes perspectivas na interação da pessoa-ambiente. Os pontos de
convergência são o reconhecimento da importância de um empreendimento que se propõe a
garantir segurança hídrica; a falta de habilidade na estratégia de abordagem aos moradores; a
morosidade dos órgãos de gestão na execução da obra; e a falta de transparência nas
informações. O sofrimento ocasionado pela violação dos direitos humanos dos atingidos,
impactaram os modos de vida, bem como a saúde física e mental da comunidade, além de causar
danos ambientais. A existência de fortes vínculos de apego e identidade de lugar, se observa
tanto em nativos como em não nativos, nos homens, mais do que nas mulheres, e na faixa etária
de 50 anos em diante. O conflito socioambiental instalado alcançou, como externalidade
positiva, a modificação estrutural do projeto, de forma a diminuir o quantitativo de imóveis
desapropriados. Conclui-se que o enraizamento e pertencimento dos habitantes em relação à
casa, à vizinhança e ao patrimônio natural do lugar está evidenciado na coesão social e
satisfação residencial com o espaço apropriado. As ações de mitigação precisam contemplar as
relações psicoafetivas das pessoas no território; construir relações cooperativas e de
corresponsabilização na gestão partilhada de recursos hídricos; fortalecer a gestão integrada dos
recursos hídricos, a participação ativa e informada da sociedade, incluir programas de educação
ambiental para crianças, jovens e comunidade a fim de promover a compreensão das condutas
humanas no ambiente, pois as relações afetivas com o lugar tendem a reverberar em
comportamentos pró-ambientais. Desta forma, o diálogo interdisciplinar sobre as questões
ambientais precisa incorporar as contribuições da psicologia ambiental e da psicologia rural,
tanto para mitigar quanto para prevenir danos ambientais. O Projeto CAC minimizou os
impactos sociais e desconsiderou os psicológicos na vida das comunidades atingidas, portanto,
recomenda-se que as políticas públicas voltadas para diminuir a vulnerabilidade devam
incorporar estes impactos e ter um novo olhar nas discussões sobre política hídrica, gestão
ambiental, planejamento territorial e projetos de desenvolvimento, de forma a adotar medidas
que considerem os impactos psicossociais nos cidadãos implicados nessas ações.
ABSTRACT
The present study aims to discuss the Ceará Water Belt (CWB) water project implementation
as well as the compulsory migration brought about in the Cariri region in Ceará. In the stretch
that encompasses the municipality of Crato, the Baixio das Palmeiras district’s empowered
communities, through the mobilization and participation of community social institutions,
formed a hydroresistance social grassroots called The Popular Water Forum, whose objective
is to protect its hydroterritory. The study’s guiding question is: what are the impacts on the
relationship between person and environment caused by compulsory migration for residents
affected by the Ceará Water Belt (CBW) Project? The methodology that was adopted was the
multi-method approach, including mixed approach instruments, such as participant observation,
interviews, survey application based on a scale adapted of attachment and place identity and
environmental autobiography.The sample consisted of project managers, community leaders,
affected communities, and residents who had or will have their homes expropriated. For data
analysis, content analysis, collective subject discourse, statistical treatment and environmental
autobiography were used. The study results showed different perspectives on the person-
environment interections.The convergence points are the recognition of the importance of an
enterprise that aims to ensure water security; lack of skill in approaching residents; the
management bodies sluggishness in carrying out the work; and lack of transparency of
information. The suffering caused by the human rights violation of those who are affected, ways
of life are also affected, as well as the physical and mental health of the community, in addition
to causing environmental damage. The existence of attachment strong bonds and place identity,
is observed in both natives and non-natives, in men, more than in women, and in the age group
of 50 years onwards.The socio-environmental conflict instituted reached, as a positive
externality, the project structural modification, in order to reduce the amount of expropriated
properties. It is concluded that the rooting and belonging of the inhabitants in relation to the
house, the neighborhood and the natural heritage of the place is evidenced in social cohesion
and residential satisfaction related to the appropriate space. Mitigation actions need to
contemplate the people’s psycho-affective relationships in the territory; build cooperative and
co-responsability relationships when it comes to shared management of water resources;
strengthen integrated water resources management, the active and informed participation of the
society, include Environment Education programs for children, youth and for the community
people with the aim of promoting the understanding of the human behavior in the environment,
because the affective relationships with the place tend to reverberate in pro environmental
behaviors.Therefore, interdisciplinary dialogue on environmental issues needs to incorporate
the environmental psychology and rural psychology contributions, both to mitigate and to
prevent environmental damage. The CWB Project downplayed the social impacts as well as
disregarded the psychological ones in the lives of the affected communities, consequently, it is
recommended that public policies aimed at reducing vulnerability should incorporate these
impacts and have a new perspective in discussions on water policy, environmental management,
territorial planning and development projects, so as to adopt measures that consider all the
psychosocial impacts on the citizens involved in such actions.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo discutir la implementación del proyecto de agua del Cinturón
de Aguas de Ceará (CAC) y la migración obligatoria causada en la región de Cariri Cearense.
En el tramo que abarca el municipio de Crato, las comunidades empoderadas del distrito de
Bajío de las Palmeras, a través de la movilización y participación de los equipamientos sociales
comunitarios, formaron una hidroresistencia llamada Foro Popular de las Aguas, con el objetivo
de proteger su hidroterritorio. El estudio tiene como pregunta orientativa: ¿cuáles son los
impactos en la relación entre las personas y el medio ambiente causados por la migración
obligatoria para los residentes afectados por el Proyecto Cinturón de las Aguas de Ceará
(CAC)? La metodología adoptada fue el enfoque multimétodos, incluyendo los instrumentos
de aproximación mixta, tales como la observación participante, las entrevistas, aplicación de
encuesta basada en una escala adaptada de apego e identidad del lugar y la autobiografía
ambiental. La muestra fue compuesta por gerentes de proyectos, líderes comunitarios, las
comunidades afectadas y los residentes que tuvieron o tendrán sus hogares expropiados. Para
el análisis de datos, se utilizaron análisis de contenido, discurso de sujeto colectivo, tratamiento
estadístico y autobiografía ambiental. Los resultados del estudio demostraron diferentes
perspectivas en la interacción de la persona-medio ambiente. Los puntos de convergencia son
el reconocimiento de la importancia de una empresa que tiene por objeto garantizar la seguridad
del agua; la falta de habilidad en la estrategia de acercarse a los residentes; el retraso de los
órganos de dirección en la ejecución de la obra; y la falta de transparencia en la información.
El sufrimiento causado por la violación de los derechos humanos de los afectados, afectó las
formas de vida, así como la salud física y mental de la comunidad, además de causar daños
ambientales. La existencia de fuertes lazos de apego e identidad del lugar se observa tanto en
nativos como en no nativos, en hombres, más que en mujeres, y en el grupo de edad de 50 años
en adelante. El conflicto socioambiental instalado logró, como externalidad positiva, la
modificación estructural del proyecto, con el fin de reducir el número de propiedades
expropiadas. Se concluye que el enraizamiento y pertenencia de los habitantes en relación a la
casa, a la vecindad y al patrimonio natural del lugar se evidencia en la cohesión social y la
satisfacción residencial con el espacio adecuado. Las acciones de mitigación deben contemplar
las relaciones psicoafectivas de las personas en el territorio; construir relaciones de cooperación
y corresponsabilidad en la gestión compartida de los recursos hídricos; fortalecer la gestión
integrada de los recursos hídricos, la participación activa e informada de la sociedad, incluir
programas de educación ambiental para los niños, los jóvenes y la comunidad con el fin de
promocionar la comprensión de las conductas humanas en el medio ambiente, ya que las
relaciones afectivas con el lugar tienden a reverberar en los comportamientos proambientales.
Por lo tanto, el diálogo interdisciplinario sobre las cuestiones ambientales debe incorporar las
contribuciones de la psicología ambiental y la psicología rural, tanto para mitigar como para
prevenir daños ambientales. El Proyecto CAC redujo los impactos sociales y no tuvo en cuenta
los impactos psicológicos en la vida de las comunidades afectadas, por lo tanto, se recomienda
que las políticas públicas destinadas a reducir la vulnerabilidad incorporen estos impactos y
examinen de nuevo los debates sobre políticas hídricas, gestión ambiental, planificación
territorial y proyectos de desarrollo, a fin de adoptar medidas que consideren los impactos
psicosociales en los ciudadanos involucrados en estas acciones.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 27
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DE PESQUISA............ 34
2.1 A CIDADE DO CRATO: ASPECTOS GEOGRÁFICOS E
SOCIODEMOGRÁFICOS.......................................................................... 34
2.2 CONHECENDO O DISTRITO BAIXIO DAS PALMEIRAS.................... 40
3 GESTÃO DAS ÁGUAS NO ESTADO DO CEARÁ E O PROCESSO
DE IMPLEMENTAÇÃO DO CAC NO DISTRITO BAIXIO DAS
PALMEIRAS............................................................................................. 44
3.1 POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO DAS ÁGUAS NO ESTADO DO
CEARÁ........................................................................................................ 44
3.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E GESTÃO DAS ÁGUAS...... 48
3.3 O PROJETO CINTURÃO DAS ÁGUAS DO CEARÁ (CAC) E SUA
INSERÇÃO NO DISTRITO BAIXIO DAS PALMEIRAS......................... 51
4 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO HIDROTERRITÓRIO
BAIXIO DAS PALMEIRAS E O PROCESSO DE MIGRAÇÃO
COMPULSÓRIA....................................................................................... 57
4.1 HIDROTERRITÓRIO E HIDRORESISTÊNCIA....................................... 57
4.2 CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM HIDROTERRITÓRIOS............ 59
4.3 HIDRORESISTÊNCIA NO HIDROTERRITÓRIO BAIXIO DAS
PALMEIRAS: O FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI............ 64
4.4 MIGRAÇÃO COMPULSÓRIA EM HIDROTERRITÓRIO...................... 70
5 MIGRAÇÃO COMPULSÓRIA, DESTERRITORIALIZAÇÃO E A
RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE SOB A ÓTICA DA
PSICOLOGIA............................................................................................ 76
5.1 INTERAÇÃO PESSOA-AMBIENTE E SUAS IMPLICAÇÕES NO
COMPORTAMENTO EM PROL DO TERRITÓRIO................................ 76
5.2 OS VÍNCULOS AFETIVOS COM O AMBIENTE: APEGO E
IDENTIDADE DE LUGAR........................................................................ 78
5.3 APROPRIAÇÃO DE ESPAÇO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS............ 82
5.4 FAMÍLIA, COMUNIDADE E CASA: REDES DE APOIO....................... 85
5.5 ASPECTOS PSICOSSOCIAIS DO PROCESSO DE MIGRAÇÃO
COMPULSÓRIA......................................................................................... 89
25
6 PERCURSO METODOLÓGICO............................................................ 94
6.1 LOCAL DE ESTUDO................................................................................. 94
6.2 INSTRUMENTOS DE COLETAS E ANÁLISE DE DADOS DE
ACORDO COM OS OBJETIVOS ESPECÍFICOS..................................... 96
6.2.1 Procedimentos metodológicos gerais........................................................ 96
6.2.2 Métodos referentes ao primeiro objetivo.................................................. 96
6.2.3 Métodos referentes ao segundo objetivo................................................... 99
6.2.4 Métodos referentes ao terceiro objetivo................................................... 102
6.2.5 Métodos referentes ao quarto objetivo..................................................... 110
7 RESULTADOS E DISCUSSÕES............................................................. 115
7.1 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO CAC NAS COMUNIDADES DO
DISTRITO BAIXIO DAS PALMEIRAS: A VISÃO DOS GESTORES
PÚBLICOS ENVOLVIDOS NO PROCESSO............................................ 115
7.2 A ATUAÇÃO DO MOVIMENTO DE HIDRORESISTÊNCIA FÓRUM
POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, FRENTE AOS CONFLITOS
GERADOS PELO CAC NO BAIXO........................................................... 124
7.3 RELAÇÕES DE APEGO, IDENTIDADE DE LUGAR, COESÃO
SOCIAL E SATISFAÇÃO RESIDENCIAL DOS MORADORES O
DISTRITO BAIXIO DAS PALMEIRAS, ATINGIDOS............................. 140
7.3.1 Perfil socioeconômico................................................................................. 140
7.3.2 Discussão dos resultados da escala............................................................ 144
7.3.2.1 Apego ao lugar............................................................................................. 146
7.3.2.2 Identidade.................................................................................................... 151
7.3.2.3 Coesão Social............................................................................................... 155
7.3.2.4 Satisfação Residencial................................................................................. 161
7.3.3 Discussão dos resultados............................................................................ 165
7.4 RESISTIR E/OU MIGRAR: APROPRIAÇÃO DE ESPAÇO NO
HIDROTERRITÓRIO BAIXIO DAS PALMEIRAS.................................. 177
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 188
REFERÊNCIAS......................................................................................... 194
APÊNDICE A - Termo de Autorização de Uso de Imagem........................ 213
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos
Participantes da Pesquisa............................................................................. 214
26
1 INTRODUÇÃO
Sobre o elemento ambiental que foi trabalhado nesse estudo, temos como objeto central
o processo de migração compulsória. Como justificativa desse processo, está a construção de
um projeto hídrico que tem como objetivo promover garantia hídrica para abastecer localidades
com déficit hídrico, seja em pequenas cidades ou metrópoles.
Sobre a pauta social abordada nesse estudo, explanamos quais as consequências sociais
e psicológicas da chegada desse empreendimento nas quatro comunidades pesquisadas. Foi
observado que, quando o projeto adentrou as localidades supracitadas, gerou uma mobilização
social, a princípio intracomunitária e, posteriormente, agregando diversos segmentos da
sociedade na luta pelo território, que é possuidor de riqueza hídrica, patrimonial e social. A
força da integração social dessas comunidades foi destacada em pesquisas e reconhecida por
gestores.
A contingência, ou seja, a relação de dependência entre os eventos ambientais e eventos
comportamentais suscitados pelo projeto, forçou o deslocamento das famílias que, por uma
coação situacional, tiveram que deixar seus lares. Essa circunstância gerou um impacto que é
compreendido neste estudo como consequências sociais, físicas, ambientais e psicológicas para
as famílias realocadas, uma vez que a desterritorialização impacta tanto os vínculos sociais
quanto afetivos, através do rompimento com o lugar de habitação, interferindo no bem-estar e
na qualidade de vida das pessoas.
Entender a gestão dos recursos hídricos no contexto das políticas públicas e de seus
projetos, na forma de execução em comunidades rurais, trouxe questionamentos sobre a reação
das pessoas em uma situação percebida como ameaçadora para o ambiente de moradia.
Ambiente esse percebido de inúmeras formas por diferentes pessoas e em diferentes contextos,
através de uma multiplicidade de variáveis que influenciarão os sentimentos de apego ao lugar,
de pertencimento e consequentemente desencadearão ações participativas da comunidade em
prol do lugar de habitação.
Outro fator de destaque no contexto migratório reside na força desse ambiente
comunitário que atuou como suporte funcional, criando e fortalecendo alianças em prol do
objetivo compartilhado por muitos: reduzir os efeitos danosos do projeto na região. Essa ação
coletiva demonstrou empoderamento através da participação nas negociações.
Estudos sobre movimentos migratórios podem ser encontrados no contexto da
geografia, psicologia e sustentabilidade, concebidas neste trabalho como áreas a serem
integradas.
Visto esse panorama, considera-se o seguinte problema de pesquisa: Como as obras do
Cinturão das Águas do Ceará afetam a relação pessoa-ambiente nas famílias rurais residentes
29
sala de aula, vamos ao campo, onde a vida acontece! Foi pensando nisto que levei meus filhos
para conhecerem a comunidade: ouvir o relato das pessoas e participar de oficinas com elas.
O doutorado está finalizando! Considero-me um pouco menos ignorante e ingênua de
quando nele adentrei. Finalmente, respondo a grande pergunta: qual foi a motivação para este
trabalho? A força advinda desses moradores, fortalecidos pelas relações comunitárias de
respeito, solidariedade e confiança. Quero continuar aprendendo com as comunidades
pesquisadas.
Cientificamente, esta tese se justifica pela possibilidade de dar contribuições, sob o
paradigma da psicologia ambiental, para o estudo das comunidades afetadas pelo deslocamento
involuntário e da sua relação com o meio ambiente. Além, de contribuir para discussão sobre
Psicologia e Sustentabilidade. Destaca-se o modo como o padrão comportamental coletivo,
através da atuação das associações, influenciou a comunidade a responder diante de um projeto
de alteração ambiental, com resistência e mobilização. É um elemento importante para
compreender a potencialidade interacional de grupos comunitários.
Socialmente, a possibilidade de desenvolver um projeto de cultura nas comunidades,
levando educação em saúde e possibilitando aconselhamento psicossocial, trouxe contribuições
para todos os envolvidos. Enquanto as comunidades se beneficiam, a equipe também, pois
desenvolve sua formação prática e humana. Todos saem fortalecidos nessa vinculação.
O esquema apresentado na Figura 1 retrata o delineamento seguido neste trabalho.
Figura 1 - Estrutura esquemática do trabalho
Partindo de tudo que aqui foi ilustrado até então, construímos este trabalho.
Inicialmente, no primeiro capítulo, será feita a descrição do contexto da pesquisa que apresenta
o delineamento geográfico da região a ser estudada. O cenário da pesquisa é o distrito Baixio
das Palmeiras, no município do Crato, Ceará; especificamente, as comunidades Baixio das
Palmeiras, Baixio do Muquém, Chapada do Baixio e Baixio do Oitis.
O segundo capítulo abordará questões teóricas sobre as políticas hídricas do Estado do
Ceará e suas práticas que resultaram na implementação do projeto CAC e seus desdobramentos
na região do Cariri, especificamente no hidroterritório Baixio das Palmeiras. No contexto da
escassez hídrica no nordeste brasileiro, surgem as políticas hídricas, frente à necessidade de
amenizar o problema da ausência de água e garantir uma igualitária distribuição regional
hídrica.
No terceiro capítulo, falaremos sobre Conflitos territoriais, participação social e o
surgimento de movimentos de resistência, abordando também a história do movimento de
hidroresistência denominado Fórum Popular das Águas (FOPAC). Buscou-se entender as
circunstâncias sob as quais a comunidade veio a participar da tomada de decisão relativa ao
percurso do trajeto e outras medidas mitigatórias dos danos a serem provocados pela obra.
No quarto capítulo, trabalharemos elementos psicológicos para entender o processo de
migração compulsória, tendo como foco os processos psicossociais de apego, apropriação e
identidade de lugar, coesão social e satisfação residencial, envoltos na vinculação dos
moradores com sua comunidade. Quando se aborda sobre percepção ambiental, é possível
compreender como as experiências físicas do indivíduo com seu entorno, incorpora aspectos
psicossociais, socioculturais e históricos que mobilizam o indivíduo a adotar determinados
comportamentos em seu ambiente.
No quinto capítulo, serão ilustrados os procedimentos metodológicos optados para a
realização desse estudo. No sexto capítulo, trabalharemos a percepção dos gestores e dos
movimentos sociais no processo de implementação das obras do CAC nas comunidades
trabalhadas e como esses verificam o impacto da situação de conflito gerada por esse processo
nos locais pesquisados.
No sétimo capítulo, ilustraremos os processos psicológicos envoltos na migração, a
partir da análise das escalas aplicadas e do processo de autobiografia ambiental,
compreendendo a relação entre os moradores e o seu local de moradia e como esta foi afetada
pela chegada do CAC nas comunidades. Por fim, nas considerações finais, abordaremos os
principais resultados dessa pesquisa, as respostas aos objetivos propostos e demais observações
pertinentes.
34
1
O total previsto para 2019 foi de 132.123 pessoas (IBGE, 2020).
35
O Crato faz parte da Região Metropolitana do Cariri (RMC) (Figura 2), que integra
também os municípios de Juazeiro do Norte, Barbalha, Jardim, Missão Velha, Caririaçu, Farias
Brito, Nova Olinda e Santana do Cariri. A RMC foi criada no ano de 2009, partindo da
conurbação CRAJUBAR (Crato, Juazeiro e Barbalha) e adicionando algumas cidades
circunvizinhas. Um dos objetivos da referida criação foi transformar a região citada em um polo
de desenvolvimento econômico, potencializando setores como o comércio de bens e serviços,
setor industrial, agricultura e o turismo religioso e de natureza (IBGE, 2017).
A pirâmide etária do município de Crato, tendo como base o Censo realizado pelo IBGE
em 2010, demonstra a predominância da população do sexo feminino: 63.812 (52,55% do total)
em relação ao total de homens: 57.616 (47,45% do total). As faixas etárias predominantes são:
20 a 24 anos, 15 a 19 anos e 10 a 14 anos, conforme se observa na Figura 3.
Figura 3 - Pirâmide etária do município de Crato - CE (2010)
2
Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginice.def. Acesso em: 21 jul. 2020.
36
Matrículas
20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
Ensino infantil Ensino fundamental Ensino médio
matrículas 6801 18349 5552
Fonte: elaborada pela autora com base em Ceará (2018).
No que se refere ao potencial hídrico local, a grande maioria dos rios do Ceará é
temporária, fato que dificulta a implantação de empreendimentos que exijam uma maior
garantia de água, tal como a obra a que nos referimos mais à frente deste estudo. Destarte,
ressaltamos a importância da Bacia Hidrográfica do Salgado (Figura 6) para o equilíbrio
ecossistêmico do município, como aponta Sobreira Neto (2019, p. 92) “A sub-bacia do
Jaguaribe é composta por 27 municípios e drena uma área de 24.538 km², o equivalente a 16%
do território cearense. Mesmo tendo só 18,31% de suas terras inseridas nesta bacia”.
38
Segundo Rocha (2013), o Cariri Cearense tem como destaques o contraste da riqueza
natural da água, elemento crucial na formação do território Cariri; beleza da chapada do
Araripe; a preservação da Floresta Nacional do Araripe (FLONA); a conservação do Geopark
Araripe (primeiro da América Latina); e uma cultura popular alicerçada na religiosidade e nas
manifestações dos saberes tradicional.
40
O povoamento do Cariri, que começa a ocorrer em meados do século XVIII, teve como
grande impulsionador a facilidade no acesso à água e terras férteis para a agricultura, acrescenta
Rocha (2013), acompanhadas pela dominação econômica e política das oligarquias agrárias,
como pôde ser observado no esquema de distribuição das águas da Fonte Batateira,
demonstrado acima, do qual muitos sítios pertenciam a coronéis. Anterior à chegada dos
colonizadores na região, como afirma Ceará (2020), constatou-se a existência do povo indígena
Kariri.
No caso do Baixio das Palmeiras, Nobre (2015) afirma que na atualidade, são
encontrados artefatos dos povos Kariri nas comunidades, em especial na comunidade Muquém,
que tem seu nome baseado no nome do chefe indígena que pertencia a essa localidade. O
processo de povoamento do distrito começou a ocorrer no final do século XIX, com a chegada
dos primeiros engenhos de açúcar no local.
Uma parcela do município do Crato integra ainda a Área de Proteção Ambiental (APA)
da Chapada do Araripe, uma área de 972.605,18 hectares, criada pelo Decreto s/n de 04 de
agosto de 1997. Essa unidade de conservação federal é gerida pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), localizada na cidade do Crato - CE (ICMBio, 2013).
Também se localiza no município o Parque Estadual do Sítio Fundão, que tem dentre suas
finalidades a conservação de recursos ambientais e culturais, apresentando flora nativa dos
biomas da Caatinga e do Cerrado, corpos d'água de grande valor para a população local e fauna
silvestre variada. O Parque Estadual do Sítio Fundão faz parte do Geossítio Batateira, ligado ao
Geopark Araripe e está vinculado ao Conselho de Políticas Ambientais do Estado do Ceará
(ICMBio, 2013).
Como pode ser visto até então, o município do Crato está localizado em um território
rico em diversidade e cultura, que é o Cariri Cearense. Dentre os distritos rurais existentes, o
presente estudo dará destaque ao Baixio das Palmeiras, uma das localidades rurais diretamente
atingidas pelas obras do Cinturão das Águas do Ceará, como poderá ser visto adiante.
O território do Distrito Baixio das Palmeiras (Figura 8), território desta investigação, é
situado ao sul do município do Crato, interior do estado do Ceará na Região Nordeste do Brasil.
O Distrito foi instituído por meio da Lei Municipal nº 1.540, de 05/05/19943, ato legislativo que
3
Sob a mesma Lei, o distrito de Padre Cícero passou a denominar-se Bela Vista e foram extintos os distritos de
Muriti e Lameiro (IBGE, 2017).
41
cria os distritos de Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo Alegre, Monte Alverne e Santa
Rosa, no município de Crato. Em divisão territorial datada de 1995, que permanece atualmente,
o município é constituído de 10 distritos: Crato, Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo
Alegre, Dom Quintino, Monte Alverne, Bela Vista, Ponta Serra, Santa Fé e Santa Rosa (IBGE,
2017).
Figura 8 - Mapa Divisão das Comunidades do Baixio das Palmeiras
O Distrito Baixio das Palmeiras é composto por dez comunidades rurais. Seus
moradores, mormente agricultores, constituem famílias que ocupam um território com
considerável nível de recursos hídricos e biodiversidade integrada à Chapada do Araripe.
Nessas localidades, os moradores “[...] vivem, em sua maioria, da agricultura familiar e
partilham uma história e um intenso cotidiano de vivências e práticas” (VENÂNCIO, 2017, p.
14). Ressalta-se sobre a formação do referido território que:
Segundo Martins (2020), a história desse distrito perpassa por várias lutas, em especial
no que se refere ao direito à terra. A situação de trabalho dos primeiros agricultores situados
nessa localidade era muito precária, sendo que em alguns casos eles não possuíam remuneração,
mas apenas parte da produção como soldo mensal. Tal realidade modifica-se com o advento
das lutas sindicais, quando na década de 1970 se cria a base sindical do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Crato (STTR).
Nas comunidades, delimitadas geograficamente como foco do estudo, há um notório
“[...] engajamento comunitário desde a década de 1960 do século XX, quando alguns
agricultores estiveram envolvidos diretamente na formação e consolidação do sindicato rural
da cidade de Crato” (NOBRE, 2017, p. 23). Entre as iniciativas associativas e de auto-
organização dos moradores do distrito, destacam-se: a Associação Rural do Baixio das
Palmeiras, Grupo de Mulheres (Nós Mulheres), o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais do Crato (STTR), o Fórum Popular das Águas do Cariri (FOPAC) e a Casa de Sementes
Crioulas do Baixio das Palmeiras (NOBRE, 2017).
No Baixio das Palmeiras, e em outros territórios da Região do Cariri, há comunidades
tradicionais que datam a formação do País, num complexo de atores que vão de descendentes
43
de pessoas antes escravizadas e sesmeiros4 que chegaram durante o período colonial a indígenas
que já habitavam tal território e que até hoje travam disputas pela ocupação e uso das terras.
Sendo possível rememorar sua história a partir de acontecimentos como a chegada das missões
portuguesas, o trabalho nos engenhos de rapadura, as grandes secas, a criação e ataque ao
Caldeirão do Beato José Lourenço5, o milagre do Padre Cícero etc. (LEITE; LEITE, [201-]).
Isso reforça o entendimento de como se dão as dinâmicas internas das comunidades
pesquisadas.
O distrito supramencionado tem saído da invisibilidade que anteriormente se
apresentava e recebido alguns estudos diante do contexto de conflitos e a resistência frente aos
impactos decorrentes das obras realizadas para a extensão da Transposição do Rio São
Francisco, o Cinturão das Águas do Ceará (CAC), cujo cenário será abordado nesta pesquisa.
Esta pesquisa foi realizada nas comunidades Baixio das Palmeiras (sede do distrito com o
mesmo nome), Baixio do Muquém, Chapada do Baixio e Baixio dos Oitis, as quatro
diretamente afetadas pelo problema. Igualmente, as quatro comunidades têm um total de 318
famílias, conforme Figura 9.
Figura 9 - Quantitativo de famílias residentes no território pesquisado
Baixio das Palmeiras
Baixio do Muquém Baixio dos Oitis Chapada do Baixio
(sede do distrito)
Dentre esses moradores, atualmente 72 famílias foram notificadas como público a ser
desapropriado nas quatro comunidades citadas acima, sendo dezoito pessoas, a princípio, que
perderam casas e os demais irão perder terrenos e/ou benfeitorias. Os moradores relatam que
não receberam informação prévia sobre o processo de desapropriação, e só souberam que iriam
ser desapropriado com a chegadas dos trabalhadores da terceirizada VBA empreendimentos
para demarcação da área a ser desapropriada (NOBRE, 2017).
A seguir, faremos a contextualização da obra que gera a situação aqui estudada,
abordando primeiramente a trajetória das políticas hídricas no estado do Ceará, o conceito de
hidroterritório e ilustrando a trajetória do eixo 1 do CAC no distrito Baixio das Palmeiras.
4
Segundo Ceará (2020), o processo de povoamento branco inicia-se a partir da sessão das sesmarias, áreas
consideradas abandonadas que eram entregues pelo governo português aos sesmeiros, que eram responsáveis
por cultivar plantações nessa área.
5
A comunidade rural Caldeirão de Santa Cruz do Deserto, no município do Crato, foi uma comunidade liderada
pelo Beato José Lourenço e era vista pelos flagelados da seca como um local de bênçãos. Foi vítima de um ataque
bélico estatal, onde dois aviões e 200 soldados metralharam o território. Disponível em
http://memorialdademocracia.com.br/card/comunidade-do-caldeirao-e-massacrada. Acesso em: 21 jul. 2020.
44
Este capítulo objetiva compreender aspectos históricos das políticas de gestão das águas
do Ceará e como essas reverberam no processo de implementação das obras do Cinturão das
Águas do Ceará no distrito Baixio das Palmeiras. Por fim, será apresentado o Cinturão das
Águas do Ceará, marcos importantes e como chegou até as comunidades estudadas.
As relações humanas, com seu espaço físico, político, econômico e cultural, determinam
importantes elementos de análise da estruturação da realidade, tanto ao nível local, quanto
global. No caso do nordeste brasileiro, a ocupação territorial e as migrações fornecem
importantes informações sobre as interações sociais no e com o território.
A escassez hídrica, nesta região, tornou-se objeto de análise por meio da literatura,
ciência e política. Compreender os fatores climáticos para desenvolver ações de combate à seca
e prover mecanismos para manutenção da população no campo, evitando-se a superpopulação
nas grandes cidades, passa a ser alvo de políticas públicas no âmbito estadual e federal.
Para Howllet, Ramesh e Perl (2013), política pública é o resultado de uma deliberação
governamental, podendo a mesma gerar ações estratégicas possíveis ou não de serem
concretizadas. Por ser um processo composto de decisões oriundas de vários espaços, no
conteúdo dessas estratégias devem ser abordados vários fatores, como as necessidades do
público-alvo interventivo, relações entre os atores políticos envolvidos na construção da
política, conflitos políticos, histórico da área em que a política se localiza, entre outros.
Logo, quando se analisa uma política pública, é preciso levar em consideração o
contexto socioeconômico e político no qual a mesma está vinculada. Tem-se que levar em
consideração que essas ações podem gerar, em alguns casos, efeitos não intencionados, capazes
de serem nocivos a determinados grupos populacionais (HOWLLET; RAMESH; PERL, 2013).
Para isso, faz-se necessário compreender as peculiaridades do fenômeno da seca no contexto
nordestino.
A questão das secas é uma problemática histórica nessa região, em especial na vida das
comunidades interioranas. Historicamente, essa ocorrência climática tem sido vista como um
fator limitante do crescimento econômico da região, bem como condição importante para
45
favorecimento dentro do jogo político para dar suporte ao sistema dominante, legitimador e
opressor (BURZSTYN, 2008; CHACON, 2007).
Na década de 1990, começa a emergir nas grandes instituições de fomento e em vários
espaços de discussão a temática sobre desenvolvimento sustentável, na qual a prerrogativa da
necessidade do uso racional dos recursos naturais, promoção da superação de situações de
desigualdade social e promoção de um desenvolvimento econômico que não desconsiderasse
questões sociais e ambientais estavam em alta. Partindo disso, o Estado torna-se um ator
importante na promoção de políticas públicas que proporcionem sustentabilidade nos três
âmbitos supracitados.
Mas, como é observado por Chacon (2007), quando se refere às políticas hídricas, a
pauta do desenvolvimento sustentável foi apropriada para legitimar a criação de projetos de
infraestrutura pautados nas necessidades dos grandes centros urbanos, para suprir a demanda
de abastecimento. Como também para atender os pré-requisitos das instituições de fomento
internacional, que começaram a pautar sustentabilidade em seus editais. Tal movimento limitou
ainda mais a participação do sertanejo, que seria o real interessado em ações de mitigação dos
efeitos da seca, no processo da formulação das políticas de gestão das águas.
Atualmente, entende-se que, na verdade, o combate à seca, arranjo institucional viável
nas décadas passadas, é substituído pelo novo paradigma de convivência com o semiárido, em
um contexto em que se discute sustentabilidade, mudanças climáticas e adaptação ambiental.
Em linhas gerais, a condução das políticas referente à pasta de recursos hídricos é
realizada atualmente com o apoio de vários instrumentos. O principal deles é a Política Estadual
de Recursos Hídricos, instituída pela Lei Nº 11996, sancionada em 24/07/1992, que, segundo
Ceará (1992), objetiva traçar estratégias para assegurar condições para utilização, planejamento
e gerenciamento dos recursos hídricos de forma integrada, descentralizada e participativa,
compreendendo a água como recurso natural e essencial.
Também é importante ressaltar a criação de órgãos governamentais específicos da pasta,
como a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) e Superintendência de Obras Hidráulicas
(SOHIDRA), no ano de 1987, e em 1993 a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
(COGERH), que estão tornando possível uma estrutura de gestão especializada para tratar da
pauta. Mais adiante, em 1994, começam a ser implementados os Comitês de Bacias
Hidrográficas (CBHs), instâncias responsáveis pela integração e planejamento de ações das
políticas de Recursos Hídricos a nível social (SABOIA, 2015).
Com a definição da unidade de gestão bacia hidrográfica em 1994, como unidade de
gestão de Recursos Hídricos, o comitê de bacia se torna a instância principal no que diz respeito
47
a participação social nos processos decisórios sobre a gestão das águas, tendo caráter
deliberativo e consultivo a responsabilidade pela integração e planejamento de ações das
políticas de Recursos Hídricos (CHACON, 2007).
Casarin e Santos (2011, p. 83) afirmam que o comitê de bacia se configura como um
“[...] espaço privilegiado para a negociação de conflitos e de estabelecimento de regras de
convivência com a água”. Nesses espaços de deliberação dos processos de gestão das águas, é
preciso ter representação tanto do poder público quanto da sociedade civil organizada. Essas
instâncias possuem poder consultivo (emissão de pareceres), normativo (estabelece normas) e
deliberativo (toma decisões). Tais prerrogativas demonstram que, para que haja de fato uma
gestão participativa das águas, é necessário o estímulo à participação, em especial do terceiro
setor, nesses comitês. São estruturas que têm potencial em, a partir do estímulo à participação
efetiva da sociedade civil, aproximar as reais necessidades das populações que vivem em um
território de bacia, do planejamento pautado pelos gestores de políticas públicas estaduais
(CASARIN; SANTOS, 2011).
A proposta de convivência com o semiárido traz um novo enfoque de adaptação às
condições naturais do clima, (NASCIMENTO et al., 2014) que implica conhecer as
características do bioma para desenvolver atividades produtivas, considerando-se as
especificidades locais, tais como aproveitar a energia solar, abundante no nordeste brasileiro,
como potencial energético (MALVEZZI, 2014), valorizando, portanto, a integração entre
território e recursos hídricos (TORRES; LIMA; VIANNA, [2007]).
As estratégias de convivência com o semiárido têm como foco aproveitar saberes,
provenientes dos camponeses, para criação de tecnologias de baixo custo que orientem a
população a lidar com os limites e potencialidades climáticas da região onde vivem,
possibilitando aos camponeses transformarem as formas de manejo dos problemas climáticos
enfrentados. A base da convivência é conhecer bem o clima e as peculiaridades do mesmo,
adaptando-se de forma inteligente a esse e interferindo no ecossistema de maneira responsável
e respeitável (SILVA; SAMPAIO, 2014).
Camponeses têm, por excelência, uma capacidade de ler e prever fenômenos naturais,
isso porque convivem de forma direta com a natureza há muitos anos. No caso dos nordestinos,
as práticas de convivência com o semiárido possibilitam o manejo das condições climáticas de
estresse hídrico, como pode ser observado no contexto cearense dos “profetas da chuva”.
Algumas técnicas comuns no escopo das tecnologias sociais são a coleta da água da chuva, a
implantação de cisternas, o formato de cultivo a partir do sistema Mandala e a construção de
barreiros, cacimbões e tanques. As tecnologias sociais promovem autonomia nas comunidades,
48
socioambiental. Tais reflexões começam a ganhar força na década de 1970, com os debates
fomentados na Conferência de Estocolmo.
Com o avançar das discussões em espaços de debate e com o advento da publicação do
Relatório de Brundtland (CMED, 1988), a noção de desenvolvimento, aos poucos, foi sendo
dissociada da ideia de crescimento econômico. Começam a ser consideradas questões
relacionadas às esferas social, ambiental, cultural, política, ética e territorial. Logo, surge a
necessidade de uma nova conceituação de desenvolvimento, a ser estruturada através da
harmonização da justiça social, economia e ética com o meio ambiente.
Os debates sobre os modelos de desenvolvimento econômico e como os mesmos podem
promover situações de desigualdade social começam a ganhar mais força. Arrighi (1997)
questiona se há a possibilidade de alguma mudança social ante o modelo vigente, pois, ainda
que seja possível alguma mobilidade dentro da economia capitalista mundial, os países em
desenvolvimento ficam à margem nesse processo.
Já na perspectiva do desenvolvimento como mito, defendido por Furtado (1985), o
desenvolvimento econômico e os padrões de produção e consumo não podem ser generalizados.
O autor percebeu os contrastes e contradições desse modo de produção capitalista, que na
realidade é um sistema de crises e problemas que mantém situações de desigualdade extrema e
subordinação das classes vulneráveis aos que concentram o poder. Assim, o desenvolvimento
atrelado ao crescimento da economia surge apenas para legitimar os países desenvolvidos nas
suas práticas hegemônicas, excludentes e devastadoras do meio ambiente.
De outra via, a pauta da discussão entre desenvolvimento e sustentabilidade começa a
emergir nas obras de Ignacy Sachs. Tendo como origem a noção de Ecodesenvolvimento. O
autor pauta que a ética planetária e a solidariedade são imprescindíveis para garantir o direito
de todos ao desenvolvimento equilibrado do meio ambiente. Assim, a solidariedade com as
gerações atuais e futuras perpassa pelo respeito à biodiversidade e pela responsabilidade de sua
conservação (SACHS, 2009).
O autor reflete sobre a forma que o sistema econômico neoliberal, que obteve sua
escalada em meados dos anos 1980, compreende os bens naturais, como sendo recursos à serem
usados para proporcionar o progresso econômico e satisfazer as necessidades humanas. O uso
desordenado e a inequidade ao acesso a esses recursos apontam a necessidade de mudança de
paradigma. É necessário um novo modelo de desenvolvimento pautado no uso racional do meio
ambiente (SACHS, 2009).
Tal realidade é estabelecida pela a agenda 2030, que se constitui em um plano de ação
para todas as pessoas de todas as nações, visando o fortalecimento de políticas e práticas
50
E justamente a junção da perspectiva de água como recurso com a busca incessante pelo
crescimento econômico (algo que também é objetivado na construção de obras hídricas) e a
falta de estratégias para aproximar a população da construção da agenda política da pauta que
evidencia a necessidade de se pensar ações estatais promotoras de conflitos. Martins (2020)
afirma que no processo de elaboração de uma ação de infraestrutura de larga escala, é possível
haver efeitos danosos à comunidade afetada, sendo a desapropriação um dos mais
emblemáticos, como o que ocorreu no projeto CAC, que será apresentado a seguir.
CAC (CEARÁ, 2010), esse trecho tem perspectiva de atender ao abastecimento humano, a
indústria, a perenização de rios e reservatórios.
As obras iniciaram em junho de 2013 com previsão de conclusão em 36 meses. No
entanto, em decorrência de questões políticas e econômicas, as obras sofreram atrasos,
prorrogando-se o tempo de conclusão. Em caráter de urgência, fez-se um trecho emergencial
que conduz as águas do São Francisco até o riacho Seco em Missão Velha, continuando até rios
Salgado, Jaguaribe, e finalmente, açude Castanhão (RODRIGUES, 2019). Com a finalização
das obras do Eixo Norte do PIRSF e o investimento de 41 milhões de reais, destinados pelo
Ministério da Integração Nacional, é esperado o retorno das obras no mês de junho, como consta
em uma matéria do jornal O Povo6. Segundo informações colhidas no site do Governo do
Estado7, o eixo emergencial já está apto para aduzir as águas advindas do eixo norte, que
garantirá abastecimento para Região Metropolitana de Fortaleza, Baixo e Médio Jaguaribe e
bacia do Salgado.
No EIA/RIMA (CEARÁ, 2010) da obra são descritas as características de execução do
empreendimento, aspectos gerais da região que será interceptada pela obra, como também as
questões climáticas, hidrológicas, geológicas, geotécnicas e antrópicas, área de abrangência,
avaliação de impactos e medidas de mitigação desses impactos. A opção pela alternativa
locacional 5, entre as justificativas apresentadas para construção do canal, se deu: (1) por não
interceptar áreas de preservação ambiental; (2) por ser um trajeto favorável para construção, na
qual o transporte gravitacional da água é possível, topologicamente falando; (3) pela redução
de custos energéticos; (4) e por ser a opção com menor demanda de desapropriação e realocação
de atingidos.
No que se refere às medidas mitigatórias, consta o programa de comunicação social que
prevê como estratégia de ação a realização de palestras informativas, divulgação de medidas de
prevenção de acidentes e interferência no sistema viário e curso de capacitação para obreiros.
Porém, durante o período de execução da obra, esse programa não foi executado. Os moradores
não tiveram acesso às palestras informativas, não houve informes prévios para a população
sobre o que era o CAC e porque ele seria construído naquela área, como também a comunidade
não foi chamada a participar ativamente das primeiras audiências públicas realizadas sobre as
obras (MARTINS, 2020).
6
Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2020/05/12/com-injecao-de-mais-r--41-1-milhoes--
obras-do-cinturao-das-aguas-devem-ser-retomadas-em-junho.html. Acesso em: 20 jul. 2020.
7
Disponível em: https://www.ceara.gov.br/2020/07/07/conheca-o-caminho-das-aguas-do-rio-sao-francisco-no-
ceara/. Acesso em: 20 jul. 2020.
53
ambiental de obras que possam causar prejuízos socioambientais. A própria criação da Política
Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
Figura 10 - Infográfico do Marco Legal do CAC (Parte 1)
No âmbito local é visto que o projeto CAC foi apresentado pela primeira vez, como
também o seu Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA),
na Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano, em 2010. Sendo essa primeira apresentação
realizada para os membros dessa autarquia. No mesmo ano, ocorre a primeira apresentação do
CAC ao Conselho Municipal da Defesa do Meio Ambiente do Município do Crato
(CONDEMA), onde a pauta principal foi expor o projeto CAC para esse conselho.
Em 2012, foi emitido um parecer (Anexo D) da Superintendência Estadual do Meio
Ambiente do Ceará (SEMACE), que consistia na análise técnica do EIA/RIMA da obra.
Também nesse ano, por parte do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade, o
projeto teve o licenciamento ambiental aprovado (Anexo E).
55
No ano seguinte, a partir de denúncias feitas pela população atingida sobre a forma de
condução da obra na comunidade, foi realizada a primeira auditoria da obra, por parte do
Tribuna de Contas da União (TCU) e uma nota de esclarecimento da Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Controle Urbano do Crato sobre os impactos socioeconômicos e ambientais
do projeto ao ser implantado na região, sendo essa nota também fruto da situação de conflito
gerada pelo empreendimento, que será esmiuçada no próximo capítulo.
Na Figura 11, constam os documentos mais recentes sobre o andamento do CAC na
cidade do Crato. Foi elaborada uma versão atualizada de apresentação do CAC pela SRH em
2015, como também a ficha técnica do empreendimento e a inclusão do CAC como projeto
estratégico no Planejamento Estratégico da SRH referente aos anos de 2015 a 2022.
Figura 11 - Infográfico do Marco Legal do CAC (Parte 2)8
8
Ver documento referente ao ‘Relatório de esclarecimento de ocorrências do projeto CAC’ no Anexo F.
56
Em 2016, foi feito um relatório pela Secretaria de Planejamento e Gestão do Ceará sobre
a aplicação de uma metodologia chamada “Gestão de Investimento Público”, no processo de
implementação. Em 2017, a obra passa novamente por uma auditoria do TCU. Em 2018, foram
repassadas informações pelo Ministério da Integração Nacional sobre o investimento previsto
para a obra e durante 2019, foram encontrados três documentos: um emitido pela SRH sobre a
situação física e financeira dos três trechos da obra, um oficio da Procuradoria Geral da Justiça,
com a notificação de para uma audiência pública requerida pela comunidade sobre as medidas
compensatórias da obra e um documento da SRH sobre a atuação situação de desapropriação
dos lotes do trecho 1.
No que concerne a participação dos moradores das comunidades atingidas nas
discussões sobre o processo de implementação da obra, é visto pelo levantamento feito por
Martins (2020) que a primeira audiência junto à comunidade ocorreu no ano de 2012. Também
é em 2012 que surge o movimento social “Somos Todos Baixio das Palmeiras”, movimento de
cunho reivindicatório onde os moradores das comunidades afetadas pelo CAC relatam os
problemas vivenciados por eles por conta do iminente processo de desterritorialização.
Nas quatro dissertações encontradas que abordam o CAC (BRITO, 2016; TAVARES,
2016; NOBRE, 2017; MARTINS, 2020), são ilustrados relatos do incomodo dos moradores
com a forma com que foram abordados no início do processo, em especial na abordagem inicial
do processo de medição da área afetada. Segundo os relatos, os trabalhadores entraram nos
domicílios sem pedir permissão aos moradores. Foi a partir dessa visita técnica que os
moradores ficaram sabendo sobre o CAC e que seriam desapropriados. E esse problema de
comunicação inicial se tornou o estopim das situações de conflito entre moradores, estado e
empresa terceirizada. As temáticas Conflitos socioambientais e Migração Compulsória serão
trabalhadas no capítulo seguinte.
57
É possível afirmar que quando se tem territórios em que a água é motivo de luta,
disputada por posse e controle do recurso, pode-se denominá-los hidroterritórios. Este conceito
foi definido por Torres (2007, p. 14) como “[...] aqueles territórios demarcados por questões de
poder político e/ou cultural oriundas da gestão da água, assumindo assim, o papel determinante
em sua ocupação”. É expressão de um fenômeno social no qual a dominação territorial é
estabelecida pelo controle da água que possui tanto valor simbólico como econômico.
Segundo Torres, Lima e Vianna ([2007]) e Torres (2007), os arranjos territoriais
estabelecidos pela gestão dos recursos hídricos no Nordeste podem ter três configurações: (1)
hidroterritórios privados, em que a água é reconhecida como mercadoria, excetuando-se os
serviços de tratamento e distribuição; (2) hidroterritórios de águas livre como os de
comunidades indígenas, nos quais se verifica a socialização do bem coletivo; (3) e
hidroterritórios de luta, cuja a disputa sobre o recurso comum se estabelece entre diversos atores
sociais pela dominação da água para determinados fins como o agronegócio.
Observa-se, segundo os mesmos autores, o papel articulador da água na produção de
energia, agricultura e desenvolvimento industrial; definindo, consequentemente a formação
territorial. Ou seja, água, energia e alimentos são recursos indispensáveis à sociedade.
Entretanto, as ações de gestão e planejamento são analisadas setorialmente, destaca Rodrigues
(2017), portanto, desconectadas, o que contribui para uma visão fragmentada dos problemas
ambientais.
A distribuição irregular da água e o uso irracional dos recursos hídricos, acrescido dos
fatores geoclimáticos, são responsáveis pela crise da água, salienta Silva (2012). Outros
58
motivos estão associados à percepção da água quanto recurso, como moeda de troca (TORRES;
LIMA; VIANNA, 2007), mercadoria (TORRES, 2007; CHACON, 2007; NOBRE, 2017), a
falta de integração da Política Nacional dos Recursos Hídricos com outras políticas, a saber a
política ambiental e de desenvolvimento territorial e a ausência de saneamento básico.
Bordalo, Ferreira e Silva (2017) ressaltam que determinados conflitos se estabelecem
pela disputa da água em um contexto onde o uso para uma atividade acontece em detrimento
de outra que termina sendo prejudicada. Exemplo disso é o projeto CAC, que vai levar água
para cidades com escassez hídrica próximas a capital, e também será usada para abastecer o
consumo da população de Fortaleza, bem como para as atividades agroindustriais e de turismo.
Entretanto, irá fechar os poços e destruir nascentes da região, o que trará riscos socioambientais
pelas alterações a serem feitas na chapada.
Torres, Lima e Viana (2007) destacam a importância dos recursos hídricos na formação
do território, na gestão da água e na perspectiva integradora de convivência com o semiárido.
Pensando nisso, estabeleceu-se o comitê de bacias como mecanismo de gestão, visando a
promover uma maior equidade nos interesses múltiplos na utilização do recurso hídricos para
alguns e bem livre para outros.
Como afirma Afonso (2013), foi a partir da Lei 9.433/97 que a descentralização da
gestão das águas começa a ser discutida a nível nacional. A participação da sociedade civil no
processo de gerenciamento das águas a partir do Comitê de Bacia e a delimitação da Bacia
Hidrográfica como unidade de gestão são tidas como instrumentos importantes para o uso
racional pelos usuários através da cobrança da água, a ser adotada como competência pelo
Comitê de bacias, que definirá também a metodologia de cálculo e o valor a ser cobrado.
Segundo a mesma autora, as comunidades rurais questionam a paridade na formação do
comitê de bacias entre sociedade civil e Estado, de forma que as leis instituídas desconsideram
as particularidades dos saberes e vivências da população com a água e a terra, elementos
constituintes do modo de viver desses povos (AFONSO, 2013).
No caso do Ceará, a discussão sobre os comitês de Bacia inicia em 1992, com a criação
do primeiro comitê de bacia do estado, o comitê do território Curu, em virtude da Lei estadual
nº 11.996/92, que institui a Política Estadual de Recursos Hídricos. Frente às pesquisas
realizadas, o plano mencionado reforçou que a gestão do uso da água deve ser realizada de
forma participativa e descentralizada. É válido ressaltar que a PERH foi a primeira lei de gestão
das águas no âmbito nacional, servindo como modelo para a PNRH.
Posteriormente, o Ceará foi dividido em 11 regiões hidrográficas (Salgado, Alto
Jaguaribe, Médio Jaguaribe, Baixo Jaguaribe, Banabuiú, Metropolitanas, Curu, Litoral, Acaraú,
59
Coreaú e Poti-Longá). No mesmo ano, também foi instituído o Sistema de Gestão dos Recursos
Hídricos (SIGERH) pela Lei Estadual n°11.996, porém, foi somente em 1993 que ele se
consolidou, quando através do governo do Estado do Ceará foi inaugurada a Companhia de
Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará (COGERH), pela Lei nº 12.217. Essa companhia tinha
os seguintes princípios norteadores: a integração, descentralização e a participação dos Comitês
de Bacia, onde se encontram os principais atores envolvidos na gestão, que são Estado e
usuários da água (LINS, 2011).
É importante ressaltar que as políticas ambientais não podem ignorar a relação entre
dinâmicas sociais e preservação da natureza, pois uma gestão eficiente contempla a inserção
geográfica, formas de apropriação do contexto das relações sociais estabelecidas com o
território; compreendendo os significados atribuídos pelos atores ao seu ambiente (BECKER,
2005; ARGENTA, 2018).
Quando essas particularidades não são levadas em consideração, pode-se eclodir
situações de conflito no processo de gestão das águas. Os conflitos, fenômeno decorrente de
intervenções ambientais de impacto, reproduzem- se por todo o Brasil na medida em que as
relações de poder continuam assimétricas, mantendo “[...] os mesmos mecanismos desiguais de
distribuição do acesso ao meio ambiente e da divisão dos custos, riscos e impactos resultantes
das práticas dominantes de apropriação dos recursos naturais” (ZHOURI; ZUCARELLI, 2008,
p. 4).
Um conflito pode vacilar durante anos entre os estágios latentes e manifesto: pode
haver momentos do conflito ficar muito “quente” e depois perder sua visibilidade,
para posteriormente “esquentar” de novo. O entendimento da dinâmica interna do
conflito inclui a identificação das polarizações das posições e o mapeamento das
alianças e coalizões, sempre sob a observação que, durante o longo percurso do
conflito, as posições dos distintos grupos podem mudar de tal forma que antigos
aliados se transformam em inimigos ou vice-versa (LITTLE, 2006, p. 92).
Logo, é preciso analisar as estratégias utilizadas pelos grupos sociais abordados para
lidar com a situação conflitante e pensar a resolução a partir desse estudo. Little (2006, p. 62)
afirma que assim “[...] a etnografia dos conflitos sociais se insere plenamente no paradigma
ecológico: tem foco nas relações; usa uma metodologia processual; e contextualiza o
conhecimento produzido”.
Já para Acselrad (2004), conflitos socioambientais ocorrem quando nos mesmos se
envolvem diversos grupos sociais, que tem seus próprios modos de apropriação e
ressignificação do território. Para este autor, quatro dimensões são importantes para entender
conflitos: apropriação simbólica, apropriação material, durabilidade e interatividade. E quanto
ao tipo de conflito, ele traz duas classificações: conflito por distribuição de externalidades e
conflito pelo acesso e uso dos recursos naturais.
Quando partirmos para a compreensão do conflito a partir do conceito de hidroterritório,
como destaca Brito (2013), os conflitos por água surgem quando o arranjo territorial sofre
alguma mudança, resultando na construção de uma barragem, de um perímetro irrigado, de
canais de transposição, dentre outros. Projetos de integração de bacias hidrográficas, por
exemplo, quando incorporadas ao território, resultam numa nova configuração territorial,
podendo fortalecer ou enfraquecer determinados territórios, provocar desterritorialização e/ou
criar novas territorialidades.
Torres (2007) assevera a força existente de territórios criados em torno da disputa pela
água, denominados de hidroterritórios, variando o tamanho de acordo com a origem e trajetória
da água. A concepção da água como valor econômico fundamenta o seu uso estratégico na
demarcação de territórios, gerando as disputas entre pequenos e grandes usuários (AFONSO,
2013).
Portanto, as decisões relativas a investimentos que reverberem em impactos ambientais
e sociais, precisam ser exaustivamente discutidas com todas as instâncias envolvidas, incluindo
a sociedade civil e, principalmente, as populações atingidas por essas obras. Participação social
também é um índice importante na promoção da sustentabilidade, estando vinculada à dimensão
social da sustentabilidade.
63
Segundo Sachs (2009), uma das experiências mais comuns para que o
Ecodesenvolvimento seja alcançado mais facilmente é o aproveitamento dos sistemas
tradicionais de gestão de recurso combinados com a organização de um processo participativo
de identificação das necessidades, dos recursos potenciais e das maneiras de aproveitamento da
biodiversidade, tendo isso como caminho para melhoria da vida da população, a partir da
negociação com os stakeholders (atores locais). O êxito dessa estratégia está na transformação
dos resultados da negociação em um contrato entre os atores envolvidos, gerando uma “gestão
negociada e contratual dos recursos”, apontada por Sachs como pedra fundamental para o
Desenvolvimento Sustentável.
Sobre o motivo dos hidroconflitos, Martínez (2012) assinala que não está associado à
questão da escassez hídrica, mas corrobora com o entendimento de Rocha que diz: “Os conflitos
existem porque há interesses divergentes de quem domina a água devido aos seus múltiplos
usos: abastecimento humano e animal, assim como uso em atividades produtivas (indústria,
agricultura, por exemplo)” (ROCHA, 2013, p. 28).
Martínez (2012) evidencia a importância da água para o desenvolvimento econômico e
social e para garantir a sobrevivência do ecossistema, de forma que essa conexão envolve tanto
interesses geoeconômicos como geopolíticos que podem acarretar conflitos ou cooperação. Os
conflitos por consumo ou acesso à água, pela qualidade e quantidade da mesma e pela
distribuição irregular geram tensões hidroambientais. No caso do Ceará, como pode ser
observada na Figura 12, são listados 22 conflitos hídricos, que possuem motivações tanto
referente ao acesso às águas, quanto a privação do direito a terra por consequência de um projeto
hídrico.
Figura 12 - Mapa dos Conflitos Hídricos
Como foi falado no capítulo anterior, apesar das promessas de melhorias feitas aos
afetados pelas consequências da seca, o CAC suscitou resistências da população das
comunidades atingidas. Em especial, aos moradores de comunidades que se localizam no lote
3, do Eixo Jati-Cariús (Eixo 1) da obra, principalmente os do distrito do Baixio das Palmeiras.
É nesse território onde há a maior concentração de atingidos pelo CAC, especialmente em
quatro comunidades: Baixio das Palmeiras (sede do distrito), Chapada do Baixio, Baixio do
Muquém e Baixio dos Oitis (NOBRE, 2017).
As quatro comunidades citadas comportam 318 famílias, distribuídas da seguinte forma:
Baixio das Palmeiras (sede do distrito): 87 famílias, Baixio dos Oitis: 41 famílias, Chapada do
Baixio: 68 famílias e Baixio do Muquém: 122 famílias (NOBRE, 2017). Além disso, estima-se
que no total 168 habitações do lote 3 serão afetadas pela passagem do sistema adutor, sendo 11
famílias localizadas na zona urbana do Crato e 157 família em comunidades rurais que estão
no percurso do CAC, sendo as comunidades supracitadas parte dessa área afetada.
Como é mostrado na análise do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto
Ambiental (EIA/RIMA) feita por Martins (2020), apesar de haver uma ideia no plano de
mitigação de agravos, no sentido de estimular a transparência do processo por meio de um plano
de comunicação, esse plano de comunicação não foi executado como previsto, sendo que todo
o processo de informação sobre o problema e esclarecimentos à comunidade sobre o CAC se
deu a partir dos esforços dos movimentos sociais locais.
Também, não ocorreu, inicialmente, convite aos moradores para participação em
espaços de deliberações, como o Comitê de Bacia do Salgado, para discutir sobre o CAC, seus
impactos e como o processo de desapropriação iria acontecer. Logo, para os moradores
afetados, o processo de desterritorialização e, decorrente disso, migração, é compreendido
como algo imposto por um agente externo, não permitindo aos moradores das comunidades a
decisão do rumo das suas vidas.
65
Segundo a definição de hidroresistência adotada por Torres (2007), pode-se falar que a
reação da comunidade ao projeto CAC é denominada de hidroresistência, que são “[...]
movimentos sociais que lutam pela água de seu hidroterritório” (TORRES, 2007, p. 65).
Hidroterritório, como foi trabalhado no tópico anterior, é um termo específico utilizado para
denominar território que possui particularidades em relação à gestão da água. Elemento
historicamente disputado, a água favorece a luta de classes pelo seu domínio, de acordo com os
interesses em conflito, seja para o agronegócio, abastecimento humano, agricultura familiar ou
dessedentação animal.
Apesar de o EIA/RIMA apresentar um estudo onde afirma ampla aceitação das
comunidades ao CAC, estudos como o de Nobre (2015, p. 17) explanam que a maioria dos
moradores das comunidades afetadas no Baixio das Palmeiras afirma que não foram abordados
por essa pesquisa. Visto a chegada da obra, que foi vista pelos populares como processo
impositivo, e do consequente abalo na relação cultura/espaço, a reação da população começou
a girar em torno da Associação Rural do Baixio das Palmeiras.
Isso começou a partir da percepção dos moradores de uma intensa movimentação de
veículos oficiais do governo estadual nas estradas do Baixio. Com o surgimento dos primeiros
estudos de campo e o desconforto gerado pela abordagem inicial dos trabalhadores da empresa
terceirizada contratada, surge o primeiro movimento de resistência comunitária relacionado ao
CAC, o ‘Somos Todos Baixio das Palmeiras’ (NOBRE, 2017; TAVARES, 2016). Outra
produção da comunidade, como forma de dar visibilidade a problemática instaurada, foi a
poesia escrita pelo Didi, morador da comunidade da Chapada, intitulada ‘O Baixio preocupado’
(Anexo G).
Após diversas denúncias realizadas e tendo em vista a pressão dos moradores que faziam
parte do movimento social de resistência, foi realizada em 2012 a primeira reunião com
membros da SRH e da VBA com os moradores das comunidades afetadas, realizadas no Baixio
do Muquém. Nessa ocasião, foi comunicado que 113 casas faziam parte do trajeto da obra e
que as mesmas seriam desapropriadas, partindo do marco legal da Lei de desapropriação por
utilidade pública.
Em 2013, após modificações feitas no projeto, no que se refere ao trajeto da obra, o
número de casas atingidas diminuiu para 28 casas. À pedido dos membros do Somos Todos
Baixio das Palmeiras, acontece uma nova reunião de esclarecimento do processo pela SRH,
onde foi informado o novo quantitativo de casas a serem desapropriadas (NOBRE, 2017).
Vale ressaltar que esse número é flutuante, sendo modificado ao longo dos anos do
processo de desterritorialização. Atualmente, segundo o último levantamento feito pelos
66
membros da Associação Rural do Baixio das Palmeiras, o trajeto conta com 18 famílias que já
foram ou estão sinalizadas para serem desapropriadas nas quatro comunidades de abrangência
da pesquisa e, mais recentemente, duas casas da comunidade Romualdo.
Como demonstra Martins (2020), desde 2012 os moradores têm realizado diversas
práticas de resistências, definidas pela autora como práticas de mobilização social, de
comunicação social, de cultura e realizadas por parceiros. Práticas essas que encontram
sustentação nos vínculos sociais morador-comunidade e morador-território.
Tavares (2016) apresenta em sua dissertação um estudo sobre a gênese do movimento
‘Somos Todos Baixio das Palmeiras’, o movimento social de base promotor dos principais atos
de resistência às obras do CAC. Para a autora, foi a partir da percepção inicial dos moradores
ligados à Associação Rural do Baixio das Palmeiras acerca dos possíveis danos que o
empreendimento traria a comunidade, quanto à forma impositiva e invasiva de comunicação
sobre a desapropriação e ao zelo pela memória desse território, que os moradores se uniram à
resistência.
Tendo a água e a terra como elementos de forte simbolismo para suas trajetórias de vida,
o movimento se fortaleceu na defesa do seu território de vida. A defesa pela indenização justa
e por clareza nos processos de gestão da obra não minimiza a dor real causada pela iminente
fragmentação dos laços entre os moradores desapropriados e o seu lugar, no caso, as
comunidades do Baixio das Palmeiras. Por ter na água e no seu acesso uma carga simbólica
expressiva, o conflito eclodido nesse hidroterritório pode ser considerado um conflito
socioambiental hídrico (TAVARES, 2016).
Da mesma forma, segundo as definições de hidroterritórios elencadas por Torres, Lima
e Vianna (2007), pode-se classificar o Baixio das Palmeiras como hidroterritório de luta, onde
os que nele residem lutam contra a dominação com fins econômicos, seja para agronegócios ou
complexos industriais. Sendo assim, entende-se que a luta pela água é também luta pela terra,
pelo território em que se habita e com o qual se estabelecem relações identitárias e culturais.
É nesse contexto de hidroresistência que se ergue o Fórum Popular das Águas, criado
em novembro de 2015, surgido diante da necessidade de reunir outras comunidades para
promover os questionamentos sobre o CAC, além do distrito do Baixio das Palmeiras. Como é
ilustrado por Brito (2016), Nobre (2017) e Martins (2020), o Fórum Popular das Águas do Cariri
(FOPAC) é uma iniciativa dos moradores das comunidades atingidas pelo CAC no distrito
Baixio das Palmeiras, zona rural do município do Crato, Ceará. A criação dessa instância
ocorreu durante o IV Seminário das Associações Rurais do Baixio das Palmeiras, em 2015,
como deliberação derivada dos grupos de trabalho do evento.
67
O Fórum é definido como “[...] espaço alternativo em relação à questão hídrica no estado
do Ceará pautando a água como um direito fundamental contribuindo para uma gestão hídrica
que seja ecológica, social e cidadã” (NOBRE, 2017, p. 185). Como demonstra Martins (2020),
a criação dessa instância supriu a demanda inicial por um espaço de comunicação,
monitoramento e acompanhamento de todos os processos referente ao CAC e a seus
desmembramentos, como também apoio ao público atingido pelas obras.
À vista disso, o Fórum Popular das Águas do Cariri surge como uma forma expressiva
de hidroresistência que reúne, além das comunidades afetadas diretamente pelo CAC,
movimentos sindicais, movimentos sociais de base, associações, dentre outros. O Movimento
dos Atingidos por Barragens (MAB), a Cáritas do Crato, a Comissão Pastoral, a Rede Nacional
de advogados populares (RENAP), a URCA, a UFCA e outras organizações contribuíram para
a implementação do Fórum.
Como demonstrado no estudo de Nobre (2017), o FOPAC surgiu durante a realização
do IV Seminário das Associações Rurais do Baixio das Palmeiras, que ocorreu no ano de 2015.
O Fórum surgiu como consequência de vários debates realizados pelos moradores integrantes
do movimento “Somos Todos Baixio das Palmeiras” e é visto como espaço importante não
somente para discutir os impactos socioambientais do CAC no Baixio das Palmeiras, mas
também para se falar sobre aspectos relacionados a democratização do acesso à água.
Em seu processo de criação, foi elaborado um documento chamado ‘Carta de Princípios
do Fórum Popular das Águas do Cariri’, onde foram definidos os seguintes objetivos: “1º)
Debater e publicizar a campanha através de debates com as comunidades e a sociedade em
geral; 2º) Possibilitar o acesso à campanha; e 3º) Fortalecer a luta com os parceiros [...]”
(DANTAS; CAVALCANTE; DAMASCENO JUNIOR, [2017]).
Partindo disso, o surgimento dos movimentos sociais de resistência ao CAC é visto
pelos moradores envolvidos como promotor de empoderamento das comunidades envolvidas.
Isso porque, os indivíduos e grupos transformam-se em protagonistas das relações as quais estão
submetidos, abandonando a passividade por meio da valorização, da conscientização e da
informação sobre o problema da água. Dessa forma, a partir de processos de participação, as
comunidades são empoderadas, resistindo e lutando pelos seus direitos.
A mobilização exercida pela população da comunidade, em decorrência dos efeitos da
abordagem inicial do Projeto Cinturão das Águas do Ceará, demonstrou a força da integração
social em atitudes de envolvimento e participação, na medida em que houve uma percepção
coletiva de ameaça ao território.
68
das subalternas; interna ou externa. As discussões giram em torno de alguns aspectos, tais como:
pode-se considerar toda migração como desterritorialização?
Trazendo essa reflexão para o contexto da pesquisa: o distrito Baixio das Palmeiras,
destaca-se que uma expressiva quantidade de moradores, que foram ou estão em processo de
desapropriação por conta das obras do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), está optando por,
ao invés de mudar-se para a cidade, construir uma moradia em comunidades circunvizinhas,
sendo somente um morador que migrou da zona rural para a cidade do Crato. Esse fenômeno
não se repete, por exemplo, no município vizinho, Barbalha, em que alguns moradores foram
para uma agrovila e outros se dispersaram. Isso aponta que para estudar sobre processos de
migração ambiental compulsória e desterritorialização, é preciso se atentar não somente ao
processo de deslocamento, mas também, aos fatores sociais e culturais que estão atrelados ao
processo.
Dessa feita, Mondardo (2009, p. 4) ressalta que “[...] a mudança, por mais simples (nada
simples) que seja de deslocamento, de um lugar para o outro, já acarreta, em algum nível, uma
‘desterritorialização’, especialmente, para as classes menos privilegiadas e hegemonizadas da
sociedade”. Ou seja, movimentos de mudanças como o pesquisado (comunidade-comunidade)
também podem acarretar consequências físicas, sociais e subjetivas na vida do sujeito afetado.
O mesmo autor acrescenta a força da identidade de determinados grupos que mantém sua
coesão.
E o que provoca essa estreita relação intergrupal ou intracomunitária? Utilizando-se os
conceitos discutidos no capítulo anterior, pressupõe-se que as relações afetivas com o lugar,
vivenciada ao longo dos anos, resultam na formação da identidade, ao mesmo tempo em que
esse espaço se torna significativo, tanto de maneira simbólica como funcional.
Higuchi e Theodorovitz (2018) explicam que os comportamentos adotados pelas
pessoas em prol de tomar posse ou apropriar-se de um lugar, denotam territorialidade e
manifestam atitudes de personalização, sinalização e defesa da ocupação e/ ou posse
assegurada. Esse processo se caracteriza por abranger diversos fatores: pessoais, sociais ou
contextuais, como pode ser observado nas variáveis trabalhadas no capítulo anterior.
Segundo Altman (1975), a personalização do território é mais importante do que o
território em si. Essa conquista é gradativa e ocorre concomitante ao desenvolvimento de outros
processos interligados, como o pertencimento e enraizamento. As pessoas que habitam em um
território agem delimitando fronteiras de acesso e separação, e também de uso dos recursos
disponíveis. Portanto, nesse lugar coexistem espaços privados, públicos e semi-públicos. Em
uma situação conflitiva, permeada por um projeto governamental que implique
73
[...] mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social,
destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de
baixa renda, aos grupos nacionais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, às
populações marginalizadas e vulneráveis (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009,
p. 41).
Não há como estudar ambiente de forma fragmentada sem haver unidade e cooperação
de várias áreas da ciência a partir da interdisciplinaridade, sendo que esta deve ir além do
método. Neste tópico, e no seguinte, serão trabalhados os conceitos advindos da Psicologia
Ambiental.
As relações dos indivíduos com seu ambiente têm sido objeto de estudo de algumas
disciplinas, notadamente a psicologia ambiental. Os processos psicossociais relacionam os
significados às percepções, emoções e à cognição com os comportamentos evidenciados nos
diversos espaços de vida. Esses espaços de interação do ser humano com seu ambiente
propiciam o surgimento de elementos importantes na relação pessoa e ambiente, como
pertencimento, apropriação e territorialidade.
Acerca da Psicologia Ambiental, Kruse (2004) afirma que os estudos iniciais dessa área
partiam do local, sem se reportar tanto para o global, e isso corrobora com a perspectiva da
psicologia ambiental dos EUA nos anos 1960. A necessidade de sair do estudo das relações
pessoa-ambiente a partir dessa perspectiva e da compreensão do global nos estudos de
Psicologia Ambiental surge em meados dos anos 1980, com a chegada das grandes conferências
ambientais e o fenômeno das mudanças climáticas.
Visto o reconhecimento do desenvolvimento como um processo de continuidade e
transformação da realidade e dos problemas ambientais crescentes, como o aquecimento global,
desmatamento progressivo, entre outros, as dimensões humanas e psicológicas desses
fenômenos começam a ser abordadas (KRUISE, 2004).
77
Como pode ser observado até então, o ambiente é composto por aspectos físico, social,
político e espiritual. Logo, é importante abordar como o vínculo afetivo está imbricado na
relação pessoa-ambiente. Para isso, serão abordadas as categorias que serão discutidas nessa
pesquisa: apego ao lugar, identidade de lugar e apropriação do espaço.
Os primeiros estudos sobre apego ao lugar remontam ao trabalho dos psiquiatras Fried
e Gleicher sobre renovação urbana, em West End, Boston, como resultado de uma pesquisa
sobre percepção ambiental e saúde mental (HOLZER, 2016; HIDALGO; HERNÁNDEZ, 2001;
GIULIANI, 2004). Os resultados indicavam que as reações a um deslocamento forçado eram
semelhantes à perda de um parente próximo (FELIPPE; KUHNEN, 2012), trazendo sofrimento
e angústia aos moradores forçados à realocação (HIDALGO; HERNÁNDEZ, 2001).
As definições de apego ao lugar são abrangentes, pois existe uma diversidade de
abordagens se propondo a tratar desse aspecto. Neste trabalho, será utilizada a definição de
apego ao lugar de Hidalgo e Hernández (2001), que definem esse fenômeno como resultado da
vinculação emocional entre pessoa e lugares específicos. Vínculo, esse, que precisa ser
compreendido de forma multidimensional, abordando todos os aspectos que circunda a
interação do sujeito com determinado ambiente.
Giuliani (2004) apresenta três processos que caracterizam o apego e podem ser
complementares: o apego funcional, que está relacionado à possibilidade do lugar atender as
demandas individuais e grupais, havendo predominância do cognitivo em relação ao afetivo; o
apego simbólico, relacionado ao significado atribuído ao lugar, considerando-se as emoções e
relacionamentos significativos; e apego ao lugar derivado dos sentimentos propiciados pelo
lugar quanto à segurança e ao conforto, resultante da familiaridade com o local sob uma
proporção temporal (ALVES; KUHNEN; BATTISTON, 2015; ELALI; MEDEIROS, 2011;
LIMA; BOMFIM, 2009).
Outra perspectiva na análise do apego ao lugar é abordada por Rosa (2014), ao destacar
que existe o apego individual relacionado às histórias de vida, vivências e memórias construídas
no lugar que são elementos importantes na estabilização do eu; e o apego grupal estabelecido
pelas pessoas em relação à representatividade de um lugar significativo.
A autora acrescenta que o afeto é uma dimensão central no apego ao lugar, mas não é a
única, pois a cognição, estruturada em valores e crenças, e o comportamento tipificado em
79
atitudes de cuidar e manter a proximidade com o lugar, evidenciam essa relação positiva com
o lugar.
Sobre os ambientes de desenvolvimento de apego, Hidalgo e Hernandez (2001) e Rosa
(2014) dividem em espaço físico e social. O físico se refere a ambientes significativos com os
quais se busca proteção e abrigo, e remete às necessidades hierárquicas de Maslow e à teoria
dos fatores higiênicos e motivacionais de Herzberg (ROBBINS, 2005). A dimensão social
destaca as interações estabelecidas com a vizinhança que influenciam o sentimento de apego.
Os mesmos autores apresentam que os níveis de apego são diferenciados em relação à casa,
vizinhança/bairro e cidade. Esses níveis, também são destacados por Brancaleone (2008) ao
abordar padrões de relações comunitárias no território.
Felippe e Kuhnen (2012) apresentam 23 indicadores de apego ao lugar (Quadro 2), tais
como conforto, dificuldade para substituí-lo, desejo de proximidade/envolvimento, segurança,
dentre outros. Tais elementos são destacados por Giuliani (2004) quando define apego ao lugar
como vínculo relativamente duradouro entre pessoa e ambiente, pela constituição de
importância deste, em razão de sua singularidade; pelo desejo de proximidade ao lugar; pelo
sentimento de segurança e conforto através do contato; e pelo sofrimento em função da
separação.
Quadro 2 - Conceitos relacionados à ocorrência de apego ao lugar
Indicadores de apego ao lugar
1 Conforto
2 Conhecimento do lugar
3 Desejo de defender o lugar
4 Desejo de proximidade e/ou envolvimento
5 Dificuldades para substituição do local
6 Felicidade
7 Grau de atração
8 Grau de cuidado com o lugar
9 Grau de influência do lugar sobre os acontecimentos
10 Mobilidade para a interação social
11 Percepção de controle e possibilidade de ação
12 Prazer
13 Preferência
14 Satisfação de interesses e necessidades
15 Segurança
16 Sensação de dependência
17 Sentido de lar
18 Sentimento de enraizamento
19 Sentimento de identificação
20 Sentimento de orgulho pelo lugar
21 Sentimento de perda e/ou deslocamento pela separação
22 Sentimento de pertencimento
23 Sentimento de propriedade
Fonte: Felippe e Kuhnen (2012, p. 613).
80
Segundo Santoro (2014), o apego ao lugar constitui-se uma variável antecedente e tem
um papel determinante em relação à satisfação e lealdade com o lugar, bem como ao
comportamento pró-ambiental.
O comportamento ecológico pode ser manifesto através de atitudes voltadas à
sustentabilidade e proteção do ambiente (PATO; TAMAYO, 2006). Segundo Stokols (1978),
as representações internas do indivíduo, em relação ao ambiente, tanto cognitivas como
afetivas, mobilizam no sentido de adotar comportamentos visando a melhoria do ambiente. Do
mesmo jeito que o apego ao lugar, a identidade de lugar também predispõe o indivíduo à adoção
de comportamentos de defesa e cuidado com o ambiente.
De acordo com Gómez (2015), a identidade com o lugar compreende o estabelecimento
de um vínculo socioespacial que produz sentimentos de pertencimento ao entorno físico e
concreto e à comunidade que o habita. Portanto, o processo perceptivo é fundamental na
compreensão da dinâmica da construção da identidade, seja individual, social ou de lugar. O
senso de pertencimento, de continuidade e segurança trazem estabilidade ao indivíduo e
impulsionam a adoção de atitudes pró-ambientais (TUAN, 1983; MOURÃO; CAVALCANTE,
2011).
Mourão e Cavalcante (2011) descrevem a formação e os elementos constitutivos da
identidade de lugar, forjada na conexão com o processo perceptivo, construída na interação do
indivíduo com seu entorno físico e social, compreendendo tanto a cognição como a afetividade
e o sentimento de pertencimento ao ambiente simbolicamente significativo. Está atrelado às
vivências, memórias e aos atos de investimento emocional que almejam a satisfação das
necessidades e desejos.
As autoras acrescentam que, além da dimensão temporal, ou seja, da percepção vincular-
se à interpretação das experiências psicológicas dos indivíduos de acordo com o momento
sócio-histórico vivido e do próprio estágio do ciclo de vida humano em que se encontram, há
uma dimensão espacial, vinculada aos lugares expressivos e emocionalmente relevantes para o
sujeito.
A identidade de lugar, portanto, acontece em longo prazo, pois, comparando-se com o
apego, é resultante das experiências e interações com o lugar e seus habitantes ao longo do
tempo de moradia, destacam Hernández, Hidalgo, Salazar-Laplace e Hess (2007) e Hidalgo e
Hernández (2001). Da mesma forma, o significado do lugar, para o indivíduo, é incorporado à
sua própria identidade, sendo absorvido pelo nexo estabelecido entre o homem e seu ambiente.
81
Dessa forma, ao estudar o comportamento das pessoas nas situações, deve-se considerar
as atividades praticadas naquele contexto histórico-social específico, a especificação do lugar,
as experiências anteriores e o objetivo da pessoa pretendido/obtido naquela situação.
Percebendo-se isso, pode-se afirmar que a identidade do indivíduo se constitui na
medida da convivência com seu espaço. O vínculo entre a pessoa e seu espaço é uma construção
social de lugares investidos afetivamente e apropriados. Segundo Moranta e Pol (2005), a
relação das pessoas com seu espaço possui uma dimensão psicossocial que inclui a questão da
exclusão e inclusão de pessoas e grupos; os significados e vínculos com seu entorno e a relação
entre as experiências e à noção de lugar.
Logo, a identidade de lugar é uma subestrutura da identidade pessoal, construída a partir
da interação do indivíduo com seu entorno físico e social. Está relacionada à percepção de um
conjunto de cognições e ao estabelecimento de vínculos emocionais e de pertencimento,
relacionado aos entornos significativos para o sujeito, configurando-se como processo dinâmico
e mutável (HERNÁNDEZ et al., 2010).
Esse processo possui relação com às vivências e atos de investimento emocional no
lugar, tendo em vista a satisfação das necessidades e desejos; bem como apresenta um aspecto
temporal, relacionado ao desenrolar da vida e espacial, que está ligado ao lugar ou lugares com
os quais a pessoa se sente vinculada a partir da apropriação. Para um ambiente ser significativo
precisa satisfazer necessidades, exigências e desejos. Logo, a função identitária de lugar é
elaborar um cenário interno para proteção da identidade (HERNÁNDEZ et al., 2010).
Nesse sentido, Castello (1999) destaca a importância de se inserir a percepção ambiental
em metodologias de análise e intervenções ambientais. O autor traz como exemplo a concepção
do projeto MAB-UNESCO em 1983, cuja noção de ambiente ainda estava locada nas divisões
meio natural e meio construído, para além dos elementos psicológicos da relação dos afetados
com o ambiente, de forma que não haviam as visões integral e integradora do ambiente, trazidas
à tona pela interdisciplinaridade.
Para isso, sugere-se a inclusão da população nos processos de planejamento e tomada
de decisão em casos de ações que fomentem o surgimento de situações de conflito
socioambiental. Como a pesquisa de Del Rio (1999), realizada sobre a área portuária do Rio de
Janeiro, onde foi observado que as pessoas do entorno se manifestaram a favor da comunidade
participar de planos para a área. Outro exemplo emblemático, agora em território cearense, foi
a construção do açude Castanhão, que culminou na transferência de todos os moradores da
extinta cidade de Jaguaribara para a cidade planejada chamada Nova Jaguaribara. Como pode
ser visto no estudo de Braz (2011), o poder público não promoveu espaços de participação para
82
que os moradores da cidade atingida opinassem de forma ativa sobre o processo, logo o
processo de mudança e adaptação a nova cidade foi promotor de sofrimento aos atingidos.
O apego ao lugar e identidade de lugar não são um mecanismo automático que se
transferem de um lugar para o outro; ou seja, a construção de Nova Jaguaribara, apesar das
casas serem idênticas as anteriores e ter sido mantida a mesma vizinhança, os moradores
manifestaram sofrimento psicológico com a mudança (BERTINI, 2014). As memórias foram
construídas na antiga moradia. As pessoas que se mudaram carregaram Jaguaribara junto, em
um processo de desterritorialização e reterritorialização, segundo Haesbart (2007) e Mondardo
(2009). Esses processos atingiram a comunidade como um todo.
Visto o que foi apresentado, é notória a importância dos vínculos afetivos e sociais no
processo de apropriação do espaço. Elemento que será abordado no próximo tópico.
O conceito de apropriação de espaço foi apresentado pela primeira vez por Perla
Korosec em uma Conferência de Psicologia Arquitetural em Estrasburgo (POL, 2002b). É
definido como um processo psicossocial presente nas relações do sujeito com seu ambiente, no
qual a pessoa se projeta no espaço de tal forma que o percebe como um prolongamento de si
mesmo (CAVALCANTE; ELIAS, 2011), estruturado em torno de “[...] práticas e relações
afetivas que a pessoa mantém com um lugar determinado” (MOSER, 2018, p. 91).
Esse processo surge em oposição à ideia de alienação de Marx, em que o produto do
trabalho realizado não pode ser apropriado pelo trabalhador. Portanto, a “[...] apropriação
reflete uma relação com a natureza mediada pelo trabalho, pela qual a humanidade, por sua
própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza” (MASSOLA; SILVA
JUNIOR, 2019, p. 3).
torno dele na vida cotidiana”. Moser (2018) destaca a importância do espaço pessoal e
privacidade na qualidade de vida das pessoas. Ou seja, o quanto é importante a delimitação dos
territórios, que através de objetos, como fotografias e móveis, revelam a apropriação desse
espaço. Tais elementos reasseguram a identidade pessoal e oferecem segurança, estabilidade e
continuidade ao indivíduo, o que é relevante tanto para a constituição psíquica como para as
trocas realizadas entre os membros da família.
Altmann (1975) reforça a importância do território como forma de exercer controle da
própria vida, tendo como função a preservação e regulação da privacidade, elementos
importantes para a saúde mental e o funcionamento social de muitas pessoas. A apropriação de
espaço possibilita a construção da identidade de lugar (MOURÃO; CAVALCANTE, 2006;
ARCARO; GONÇALVES, 2012) e a personificação como processos complementares
(JERÔNIMO; GONÇALVES, 2013).
A apropriação, destaca Serfaty-Garzon (2003), revela tanto o ato como as motivações
inconscientes do fazer, as vicissitudes das relações individuais no espaço habitado, a
historicidade presente no espaço e as ambiguidades do conceito de posse. “Este espaço é, muitas
vezes, apropriado pelo coletivo (cultura); outras, pelo sujeito, enquanto ser singular e cuja
particularidade se expressa na forma como ele se apropria do espaço. O fato é que, no espaço
apropriado, o sujeito se reconhece” (JERÔNIMO; GONÇALVES, 2013, p. 118).
A apropriação, segundo Cavalcante e Elias (2011) acontece de duas formas. Uma delas
é por ação/transformação que compreende comportamentos explícitos de demarcação e
ocupação territorial. Envolve também atitudes de reivindicação, delimitação e defesa diante das
ameaças. Esse comportamento de defesa, segundo Felippe e Kuhnen (2012), é indicativo de
apego ao lugar. Pol (2002b, p. 124, tradução nossa) explicita que “[…] o componente de ação-
transformação é de base comportamental. Mediante a ação sobre o ambiente, a pessoa e a
comunidade transformam o espaço, deixando sua marca, e o incorporam em seus processos
cognitivos e afetivos de forma ativa e atualizada”.
Na apropriação por identificação simbólica, Cavalcante e Elias (2011) expõem que o
sujeito reconhece e dá significado ao espaço, personalizando-o através de processos simbólicos,
cognitivos, afetivos e interativos que transformam o espaço em lugar. Pol (2002b) ressalta o
papel da apropriação na formação da identidade, suscitando apego.
Segundo Santoro (2014), as relações emocionais com o lugar podem vir a gerar
enraizamento e criar o apego ao lugar. Massola e Svartman (2018) apresenta várias concepções
do termo enraizamento, tais
[...] como habitação por longo tempo em um lugar; sentimento de estar “em casa” em
um lugar; familiaridade que provém da frequência recorrente a um lugar; forma não-
consciente de vínculo com um lugar que é sentido como a “casa” ou o “lar”; relação
com o passado e com a tradição do grupo ou do povo que fundamenta o sentido de
identidade pessoal. É às vezes tomado como uma relação restritiva com o
socioambiente e, às vezes, como uma relação enriquecedora que fomenta o
crescimento identitário (MASSOLA, 2018, p. 112).
Segundo Bruno et al. (2018, p. 213), “[...] este senso de pertencimento ao lugar, que
toca fundo tanto pessoalmente como coletivamente, é a condição necessária para que se possa
ir além do apego emocional e estabelecer conexões entre seu ambiente local e os demais níveis
ambientais, em diferentes escalas locais e globais”. Massola e Svartman (2018) apresentam a
metáfora da árvore em que da mesma forma que ela precisa dos nutrientes advindos do solo,
assim também, o passado e a biografia estão para a identidade psicossocial, representando a
nutrição de um corpo em crescimento.
Consequentemente, Jerônimo e Gonçalves (2013, p. 122) confirmam que “[...] o
reconhecer-se em um lugar refere-se à soma das lembranças, sentimentos, vivências e
significados dos sujeitos que habitam um mesmo espaço”. Machado (1999, p. 119) salienta que
“[...] o enraizamento do homem ao lugar é um aspecto que não pode mais ser colocado de lado
pelos pensadores preocupados com o espaço humano”.
Portanto, sejam estudiosos, gestores ou até mesmo, membros da família precisam
compreender a dimensão temporal dos espaços, para um melhor entendimento das reações das
pessoas frente a ameaças, ou outras situações que possam levar a perda do território, tanto físico
quanto simbólico-afetivo. No contexto rural, o sentido de pertencimento, participação e a
própria resiliência comunitária são suportes de sobrevivência frente a situações conflitivas
(ACOSTA, 2009), muitas vezes, ancoradas em um contexto de exclusão social que
desconsidera a realidade e as necessidades locais.
Pinheiro (2019) descreve três tipos de ambientes rurais. Para este estudo, destaca-se
apenas o ambiente rural socioambiental, por ser o Baixio das Palmeiras assim classificado. Esse
tipo de ambiente é constituído por espaços e tempos diferenciados, formado por múltiplos atores
que articulam práticas sociais e ambientais, recriando um lugar em que as relações com a
natureza estão associadas às relações sociais.
85
Do mesmo modo que as famílias, Jerônimo e Gonçalves (2013) e Lidz (1983) destacam
o processo de formação da identidade humana, do nascimento até a morte, seguindo os estágios
do ciclo vital, envolvendo reconhecimento de si e estruturação da personalidade, e
influenciando a percepção e o comportamento (ROSA, 2014).
Dessa forma, compreende-se que as relações familiares constituem o primeiro núcleo
de formação de identidade, na medida em que o indivíduo se apropria do mundo, através das
atividades nele desenvolvidas e interações estabelecidas. De acordo com o estágio do
desenvolvimento, as experiências vividas com os lugares construirão um significado e/ou serão
ressignificadas (ROSA, 2014; PINHEIRO; GURGEL, 2011).
Segundo Tuan (1983), como a sensação de tempo afeta a sensação de lugar, este não
representa somente a dimensão espacial, mas também a relação com as pessoas do entorno,
sabendo-se que a dimensão temporal também exerce a sua influência, pois a percepção dos
membros da família, de faixas etárias diferentes, é diferenciada. Por exemplo, a criança ou o
jovem não “sente” a casa da mesma forma que o idoso. Martins e Szymansky (2004) descrevem
as várias camadas de ambientes com as quais as pessoas estão interconectadas, e a casa
constitui-se no microssistema de relações face a face.
Portanto, apropriar-se de uma casa, destaca Serfaty-Garzon (2003), é um movimento no
sentido de dotar aquele espaço (abrigo) de um sentido pessoal que vai para além das paredes,
de forma que “[...] para alguns, espaços públicos, espaço de trabalho ou local de estudo são
mais investidos do que a casa, enquanto para outros a apropriação da casa faz fronteira com o
projeto de uma vida” (SERFATY-GARZON, 2003, p. 6, tradução nossa).
Vilela-Petit et al. (1976) expõem que, ao mesmo tempo em que o indivíduo se apropria
de um espaço, registrando nele a sua presença, sua marca é também por ele, de certa forma,
apropriada. Assim, é como se aquele espaço fosse um reflexo ou representação de si mesmo.
Tal proposição é também corroborada por Feldman e Stall (1994, p. 172, tradução
nossa), ao afirmarem que “[…] apropriação do espaço é conceituada como um processo
interativo, através do qual os indivíduos transformam propositalmente o ambiente físico em um
lugar significativo e, por sua vez, se transformam”.
Tuan (1983) acrescenta que a mudança de tempo afeta a percepção sobre o ambiente,
pois na medida em que se desenvolve familiaridade com o entorno, o espaço se transforma em
lugar. A partir dessa interação é que se desenvolve a identidade, que, em pessoas idosas, tende
a ser preservada (FREIRE; VIEIRA, 2006).
Habitar, segundo Moser (2018, p. 91), é “[...] uma conduta de apropriação e expressão
de si (identitária). Dá um significado ao espaço habitado e produz um sentimento de segurança”.
87
essa função é muito visível, dadas as relações de parentesco filial ou político de algumas
famílias com outras” (QUINTANAR, 2009, p. 25, tradução nossa).
Nessa cultura comunitária são escolhidos os representantes que irão resolver os
problemas comuns. E as relações família e comunidade contribuem para um conceito favorável
e uma identidade étnica sólida. Os sentimentos associados aos lugares, como a estima de lugar,
segundo Bomfim (2003), podem ser potencializadores (positivos) ou despotencializadores
(negativos), e atuarem de forma a influenciar as ações individuais, de maneira que, destaca
Ferreira (2006), instigará as decisões em relação a migrar de um lugar. Quando se prevalece a
estima positiva e o enraizamento que está estabelecido, o partir podem gerar situações de
sofrimento, dificuldade de adaptação e luto pela separação, ocasionando desequilíbrio
emocional e, muitas vezes, acompanhado de adoecimento físico.
No caso do território abordado, há um estudo sobre a categoria afetividade e o processo
de desapropriação dos moradores de duas comunidades do distrito Baixio das Palmeiras: Baixio
das Palmeiras (sede) e Baixio do Muquém. O estudo realizado por Martins (2020) utilizou como
uma das ferramentas metodológicas o Instrumento Gerador de Mapas Afetivos (IGMA), criado
por Bomfim (2008, p.253) objetivando a “[...] compreensão psicossocial e sociocultural na
relação entre subjetividade e espaço construído, enfatizando o afeto como grande agregador da
percepção e do conhecimento sobre a cidade”.
Com o instrumento, é possível mapear cinco estimas de lugar: Afetividade,
Pertencimento, Insegurança, Destruição e Constrates, sendo as duas primeiras promotoras de
afetos potencializadores, insegurança e destruição promotoras de estimas despotencializadoras
e os contrastes tanto podem ser potencializadores, como despotencializadores (BOMFIM,
2010).
O mapeamento afetivo feito por Martins (2020), no que se refere aos moradores em
processo de desapropriação das comunidades Baixio das Palmeiras e Muquém, apontou a
predominância de três estimas: Contraste, Pertencimento e Agradabilidade. Sendo que o
Contraste estima de lugar, referente a sentimentos ambíguos acerca de um lugar, estava situado
no polo pertencimento-insegurança.
Decerto que as pessoas não reagem da mesma forma quando submetidas a situações
similares. Temos que observar o contexto social, a história de vida, etnia, gênero e
faixa etária como alguns fatores que interferem na percepção do indivíduo diante de
circunstâncias inesperadas (PEREIRA; ZANETTI, 2019a, p. 54).
6 PERCURSO METODOLÓGICO
O presente estudo foi desenvolvido no município do Crato, que fica localizado no sul
do estado do Ceará, na Região Metropolitana do Cariri. Segundo o Ceará (2018), o município
fica localizado na área de abrangência da Chapada do Araripe e da Bacia Hidrográfica do
Salgado. Dentre os dez distritos rurais que compõem esse município, localiza-se o espaço desta
pesquisa: o distrito rural Baixio das Palmeiras.
Na base de dado do IPECE, a criação do distrito é datada no ano de 1994. Porém, como
apontado nos estudos de Nobre (2015), as primeiras habitações do distrito remetem ao século
XIX, com a ascensão da pecuária e dos engenhos na região do Cariri. Atualmente, o distrito
conta com 10 comunidades, entre elas, Baixio das Palmeiras, Baixio do Muquém, Baixio dos
Oitis e Chapada do Baixio, que são as comunidades que estão na área de abrangência do CAC
nesse distrito.
O território mencionado tem como base econômica a agricultura familiar, apesar do
declínio dessa prática nos últimos anos. Possui população aproximada de 2.428 habitantes. Sua
rede comunitária consta de vários equipamentos públicos (unidades básicas de saúde, escolas,
ilha digital) e sociais (capelas, associações comunitárias, espaços recreativos, casa de cultura).
95
É constituído, segundo Nobre (2017), por dez comunidades rurais, dentre as quais: Baixio dos
Oitis, Baixio do Muquém, Chapada dos Baixios e Baixio das Palmeiras (sede do distrito), que
fazem parte do delineamento geográfico da pesquisa. O mapa ilustrado abaixo possibilita a
localização da área de estudo.
Figura 13 - Mapa de localização da área de estudo
Nas quatro comunidades pesquisadas, residem 318 famílias, sendo entre essas 25
diretamente afetadas pela construção do CAC e notificadas que serão desapropriadas. Além
dessas famílias, também fizeram parte da amostra da pesquisa representantes da gestão estadual,
lideranças comunitárias e moradores que perderão terrenos ou benfeitoria. A distribuição do
96
um estudo indicam novos participantes que, por sua vez, indicam novos participantes e, assim
sucessivamente, até que seja alcançado o objetivo (o ponto de saturação)”.
Durante a visita aos órgãos, também foram obtidas algumas informações de natureza
informal, que serão apresentadas segundo a relevância da temática. Os órgãos visitados serão
representados na Figura 15:
Figura 15 - Órgãos visitados
foi elaborada por um informante-chave, que, segundo Bisol (2012), trata-se de sujeitos que
apresentam amplo contato com os indivíduos de um determinado espaço, sendo que nesse
contexto encaixa-se os moradores das comunidades.
A entrevista, de acordo com Günther (2008), apresenta-se de várias formas e
modalidades, e, por requerer um contato pessoal, possibilita uma perspectiva mais abrangente
através da observação que proporciona verificar “[...] o comportamento verbal e não-verbal, a
aparência e as condições gerais de saúde, permitindo combinar informações de diferentes
fontes” (GÜNTHER, 2008, p. 60).
Apesar do roteiro pré-estabelecido (Apêndice D), os relatos procederam de forma
espontânea, propiciando uma conversa informal que possibilitou a compreensão da
representação da comunidade na vida de seus moradores. A coleta de dados se deu de abril a
novembro de 2019, período também da realização das atividades do projeto Resistência no
Baixio das Palmeiras na comunidade. A análise dos dados foi realizada através da construção
de uma linha do tempo de atuação do Fórum Popular das Águas (Apêndice E), desde o início
de 2015 até 2019. Para sua construção, foram analisados documentos como atas, convites,
dissertações, ofícios e relatórios fornecidos pelo próprio fórum; já os documentos como
cartazes, notas e programação de eventos deu-se a partir da pesquisa no motor de busca Google,
utilizando o termo ‘Fórum Popular das Águas’ e restringindo o ano de 2015 (data de sua
criação) até 2019.
As entrevistas foram apresentadas segundo a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo
(DSC) de Lefevre e Lefevre (2003), que tem como fundamento:
são moradores de comunidade rural. A adaptação da escala foi feita com a colaboração da
professora Ada Raquel Teixeira Mourão, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que utilizou
a escala em sua tese ajustando-a aos seus objetivos (MOURÃO,2014).
A escala utilizada na pesquisa foi desenvolvida utilizando-se a escala Likert de 5 escores
no intervalo de 1 (nem um pouco) até 5 (com toda certeza). O entrevistado assinalava um único
item de acordo com seu grau de satisfação. Os itens das questões receberam as seguintes
classificações, de acordo com as informações a serem coletadas: sobre a cidade; sobre a
comunidade; sobre os moradores; sobre a casa; e sobre o Fórum Popular das Águas.
Esses itens continham informações referentes aos processos psicossociais de apego ao
lugar (itens 1, 2, 4, 5 a 12, 16 a 18); identidade de lugar (3, 9, 13 a 15); coesão social (19 a 25,
31 a 35), satisfação residencial (26 a 30); e informações referentes ao Fórum Popular das Águas
(31 a 35)
Os dados serão apresentados em tabelas e/ou gráficos. Foram calculadas as medidas
estatísticas, média e desvio padrão de idade, tempo de vivência na comunidade e tempo de
residência na casa atual. A escala utilizada para avaliar as categorias apego, identidade de lugar,
coesão social e satisfação residencial foi construída com cinco alternativas, onde o número 1
representa o maior nível de discordância e o número 5 o maior nível de concordância ao item
(1 a 5).
A associação entre a escala e as variáveis: idade, sexo, escolaridade, trabalho, tipo de
trabalho, renda per capita familiar, local de nascimento, procedência, tempo de vivência na
comunidade e tempo de residência na casa atual será verificada pelos testes não paramétricos
de χ2 e de razão de verossimilhança. Para analisar a força das associações, a escala foi
transformada em apenas duas categorias: insatisfeito e satisfeito, quando foram calculadas as
medidas razão de chances e de proporções.
A comparação das médias da nova escala com as variáveis sexo, escolaridade, trabalho,
tipo de trabalho, local de nascimento e procedência foi feita pelos testes paramétricos t de
Student e ANOVA, ou pelos não paramétricos de Mann-Whitney e Friedman. Para todas as
análises inferenciais foram consideradas como estatisticamente significantes aquelas com
p<0,05. Os dados foram processados no SPSS 20.0, licença número 10101131007.
O teste de fidedignidade, avaliado pelo coeficiente alfa de Cronbach, utilizado como
técnica para aferir a confiabilidade de um instrumento de medição, neste estudo, constatou que
todas as dimensões estudadas possuem consistência interna, no mínimo aceitável, conforme
relatório técnico emitido pela DeltaStat (2020).
105
A análise dos dados foi feita de modo descritivo. Foi realizada a análise da distribuição
das respostas às variáveis: localidade, sexo, faixa etária e natividade, agrupadas por perguntas
referentes ao apego ao local, identidade e coesão. Os elementos foram avaliados a partir das
respostas aos seguintes tópicos:
Quadro 4 - Identidade
Categorias: Identidade
03 Esta cidade tem a ver com a minha história pessoal
14 Esta comunidade é parte da minha identidade
28 Esta casa tem a ver com a minha história de vida
29 Esta casa é parte da minha identidade
Fonte: elaborado pela autora (2020).
(UBS) do Baixio das Palmeiras e do Baixio do Muquém. Todas as aplicações foram feitas de
forma individual.
Antes de iniciar a aplicação, a pesquisa foi dividida em dois momentos. No primeiro
momento, estabeleceu-se contato com lideranças da comunidade para explicar o trabalho e
solicitar o apoio. No encontro inicial, algumas lideranças informaram sobre a necessidade de
suporte emocional à comunidade e indagaram sobre as contribuições da pesquisa nesse intuito.
Foram informados de que havia sido feita a submissão de um projeto de cultura, com foco em
educação em saúde, intitulado Resistência no Baixio das Palmeiras: Psicologia, Saúde e Meio
Ambiente (Apêndice G), o qual aguardava-se o resultado e foi aprovado.
Portanto, concomitante à aplicação do instrumento da pesquisa, houve o
desenvolvimento de atividades nas comunidades em quatro campos de trabalho: nos postos de
saúde do Baixio das Palmeiras e do Baixio do Muquém; na escola Rosa Ferreira de Macêdo;
na casa de Quitéria, projeto desenvolvido por um geógrafo, agricultor e morador do Baixio das
Palmeiras; e na base do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Crato (STTR),
localizada no distrito.
No segundo momento, antes de entrar em campo, houve o processo seletivo da equipe
para realizar o projeto na comunidade. Inicialmente, convidou-se uma colega psicóloga que
pudesse colaborar. Em seguida, realizou-se a divulgação do projeto e a seleção propriamente
dita. Foram escolhidos 4 estudantes de medicina da Universidade Federal do Cariri, ex-alunos
da pesquisadora/professora, sendo que três já conheciam as comunidades de atividades
anteriores; e sete estudantes de psicologia do Centro Universitário Leão Sampaio. No segundo
semestre, a equipe de psicologia ficou com quatro estudantes, mas foi acrescida de uma
psicóloga que também desenvolvia pesquisa e atividades no distrito.
A equipe passou por treinamento constituído de três etapas:
1. informações sobre o projeto Cinturão das Águas e a realidade das comunidades afetadas;
2. indicação de leitura do livro Hacia uma Psicología Rural Latinoamericana de Fernando
Landini, de modo a equipar os participantes da equipe de conhecimento sobre as
especificidades da população rural;
3. apresentação da pesquisa, de forma a instrumentalizá-los na aplicação para que
estivessem preparados para tirar dúvidas, lidarem com demandas situacionais e
capacitá-los para desenvolver uma atitude de acolhimento e habilidade de observação.
sociais que são requeridas de um aplicador. Portanto, foi vista a necessidade selecionar e
capacitar os aplicadores previamente. Priorizou-se capacitar a equipe na abordagem de fazer
perguntas e obter respostas, como salienta Gunther (2008); e, principalmente, e o mais
importante, o acolhimento, devido à situação atual da comunidade; às outras pesquisas nas
quais foram participantes; e à abordagem inadequada pelos técnicos representantes da empresa
licitada para a obra.
Após a capacitação, fez-se a primeira visita às comunidades, denominada de abordagem
piloto, na qual a equipe, ao encerrar a atividade, discutiu sobre as aplicações realizadas.
Percebeu-se, primeiramente, que as pessoas solicitavam a leitura do instrumento, o que foi feito
na maioria absoluta das aplicações. Identificou-se a necessidade de acrescentar na alternativa 1
a palavra de jeito nenhum, pois embora possua um significado equivalente a nem um pouco,
facilitava a compreensão de algumas assertivas. Outra questão importante foi assegurar a
utilização de um tempo hábil, de acordo com a necessidade do morador, para que pudesse
responder as questões adequadamente.
Acerca dos locais de realização de atividades comunitárias desenvolvidas durante a
escrita da tese e de locais de aplicação do instrumento, cita-se:
1. No Baixio das Palmeiras:
• A sede da associação rural que recebeu o nome de Associação Rural do Baixo
das Palmeiras. Organização atuante e comprometida com a comunidade;
Figura 19 - Reunião na Associação Rural do Baixio das Palmeiras
• Unidade Básica de Saúde que recebeu o nome UBS Baixio das Palmeiras;
Figura 21 - Atividades realizadas na Unidade Básica de Saúde do Baixio das Palmeiras
2. No Baixio do Muquém:
• Escola de Ensino Fundamental Rosa Ferreira de Macêdo, que atende à demanda
de ensino fundamental de várias comunidades do distrito, incluindo as
comunidades pesquisadas;
109
Figura 26 - Imóveis atingidos no Baixio do Muquém Figura 27 - Imóveis atingidos na Chapada do Baixio
Figura 28 - Imóveis atingidos no Baixio dos Oitis Figura 29 - Imóveis atingidos no Baixio das Palmeiras
7 RESULTADOS E DISCUSSÕES
JUSTIFICAR a obra. A obra, é em alguns momentos, ela será necessária, até porque a alternativa a ela era você
des-con-cen-trar a riqueza ou poder, as oportunidades do Estado do Ceará /.../” (BRACHYPHYLLUM INSIGNE,
H, 2019, informação verbal).
“/.../ o CAC, ele pode até ajudar numa coisa que investe (+) no Ceará em termos de (incompreensível), mas o
principal /.../ é pra complemento e abastecimento humano /.../. (+) Agora onde ele talvez possa (+) usar a
agricultura, que tem todo um potencial (+) /.../ que vai dar uma garantia, associada com à (+) a (+) /.../ água
subterrânea que já tem, complementando (+) seria nessa parte. /.../ a OBRA já tá com quase cinco anos, não sei
quanto, e começou a gerar emprego desde quando (+) nós começamos a trabalhar na topografia (+) e começou
gerando, gerou MAIS TRANSPORTES, gerou mais ÔNIBUS passando /.../ gerou todo uma gama de serviços,
/.../ empregos. /.../” (TOMAXELLIA BIFORME, H, 2019, informação verbal).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Como pode ser observado nos discursos dos gestores entrevistados, o CAC é visto pelos
operadores da política pública como um instrumento de promoção de crescimento econômico,
pois com a chegada das águas aduzidas pela obra nas comunidades cearenses, será possível
promover melhorias no abastecimento humano, fortalecimento do setor agropecuário e geração
de emprego e renda. A grande questão em relação à destinação da água transposta é
efetivamente o uso que dela se dará, para que se garanta que os beneficiários sejam os que
efetivamente dela precisam, como destacam Coelho (1985) e Chacon (2007).
Para se promover a segurança hídrica, precisa-se de fiscalização na gestão da água de
forma a garantir a qualidade e quantidade da água a ser consumida. Como destacam Ituarte e
García (2016), é preciso uma gestão conjunta de abastecimento e saneamento que leve em
consideração a formação de equipes multidisciplinares, a preferência por tecnologias
inovadoras e flexíveis com base na sustentabilidade e a adaptação das estratégias utilizadas
anteriormente ao contexto físico e social da área de trabalho.
Essa dimensão é, muitas vezes, negligenciada, pois se desenham projetos sem
efetivamente estudar o impacto social no local onde vai ser implementado, acreditando-se que
as pessoas veem o mundo da mesma forma em todos os lugares. Como foi apontado
anteriormente no estudo de Martins (2020) no caso do EIA/RIMA do CAC, os determinantes
socioeconômicos da área de impacto foram trabalhados de forma meramente descritiva.
Conforme Tomaxellia biforme (2019, informação verbal), o projeto traria benfeitorias
como a implantação de vários mini-hortos. Questiona-se, por sua vez, se essa benfeitoria
compensará, efetivamente, as perdas sofridas e se corresponderá as necessidades e/ou desejos
da comunidade. Acrescenta o mesmo entrevistado que a concepção de desenvolvimento para
esses projetos difere da almejada pela população local.
Observa-se, não obstante, a sinalização por analistas ambientais da necessidade de
atentar para o uso do recurso da água de forma ordenada, tanto pelas pessoas como pelas
instituições, como pode ser observado no Quadro 9:
117
Quadro 9 - Falas dos entrevistados acerca da manutenção da obra e gestão das águas
Transcrição das falas
“Tem atividades econômicas que são compatíveis com a produção do recurso hídrico. Então, a ideia é buscar
com todo conhecimento que a gente tem, aquilo que hoje tá na moda, que se fala tanto de desenvolvimento
sustentável. Então, que as atividades econômicas sejam compatíveis com a biodiversidade e com a vida humana,
é isso que nós queremos” (BRACHYPHYLLUM INSIGNE, H,2019, informação verbal).
“A nossa sociedade antiecológica, a maneira como fomos colonizados, os hábitos que desenvolvemos e, mais
recentemente, com essa globalização, nós queremos viver de uma maneira incompatível com o nosso potencial
ecológico” (BRACHYPHYLLUM INSIGNE, H, 2019, informação verbal).
“Toda atividade tem o problema de quanto comporta o equilíbrio de estabelecer uma cultura, uma exploração
do recurso em cima da capacidade de suporte daquele recurso. A gente nunca avalia isso [...] você cai até os
limites de esgotar aquilo que você tem. Você nunca fica satisfeito, entendeu?” (BRACHYPHYLLUM
CASTILHOI, H, 2019, informação verbal).
“Do mesmo modo que se busca a segurança hídrica, as pessoas necessitam ter garantias quanto ao fornecimento
e manutenção da água e de seu território. Os entrevistados, gestores de órgãos governamentais, reconhecem a
necessidade da manutenção da obra, da qualidade hídrica e da verificação, se os condicionantes estão sendo
cumpridos” (TOMAXELLIA BIFORME, H, 2019, informação verbal; FRENELOPSIS SP, H, 2019, informação
verbal; BRACHYPHYLLUM OBESUM, H, 2019, informação verbal).
“Precisa receber tanto um cuidado técnico com relação (+) à:: MANUTENÇÃO DA OBRA (+) em si, como
também de:: de alguns, alguns riscos de (+) acesso a:: por exemplo, animais (+) tipo (+) gado, bode, ovelha,
enfim e:: a pessoas mesmos chegarem e colocarem, fazerem retirada d’água (+) de /.../ forma imprópria ...”
(BRACHYPHYLLUM INSIGNE, H, 2019, informação verbal).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Como pode ser observado nas falas, há uma preocupação sobre o equilíbrio entre a obra
e o território natural em seu entorno. Alguns reconhecem as raízes da lógica da exploração dos
espaços naturais, sendo que dois trazem essa preocupação de forma mais enfática, falando sobre
o esgotamento dos recursos naturais proveniente desse sistema. Um dos entrevistados fala sobre
a noção de desenvolvimento sustentável como “moda”, isso reforça o que é percebido por
Chacon (2007) sobre a incorporação do termo Desenvolvimento Sustentável por algumas
iniciativas públicas e privadas, para atender às exigências de agências internacionais de
fomento.
Outro ponto notável nas falas analisadas é que, ao mesmo tempo em que se reconhece
a importância do projeto, alguns gestores e técnicos ressaltam as problemáticas causadas pela
execução da obra, como é exposto no Quadro 10:
Quadro 10 - Falas dos entrevistados acerca dos problemas causados pela execução da obra
Transcrição das falas
“As pessoas chegaram e começaram a entrar nas propriedades, nos quintais da casas, mais especificamente no
Baixio (+) e isso provocou muito mal-estar. Então, faltou por PARTE DESSE SETOR da Secretaria de Recursos
Hídricos, da empresa contratada (+), um diálogo melhor (+), isso é:: mais do que reconhecido, um diálogo
melhor com a comunidade (+) e: (+) COM OS AFETADOS mais diretamente (+). E isso provocou uma série
de outros problemas e outras discussões, e até hoje rola alguma coisa nesse sentido. É porque, de repente, a
abordagem ela não (+) não é tão apropriada pra você tratar com pessoas,...” (RUFFORDIA GOEPPERTII, H,
2019, informação verbal).
“/.../ Essas pessoas da engenharia sabe, elas são muito: cartesianas (+) elas não OLHAM (+) pra lagartixa, fica::
sabe, a obra quando vem os impactos ambientais, nunca o engenheiro (+) tem sentimento ambiental. Tá aí
Brumadinho, tá aí, é só isso (+) sabe? Ele::: tá construindo um açude, não quer saber da população impactada
com a poeira que vai sair, que faz 200 anos que mora lá, e que vai se impactar, não quer saber disso. (+) Ele
118
quer construir (+) A EMPRESA. (+) Então, quando:: quando: o (+) Estado vai construir, não é o Estado (+)
,mas o Estado é responsável sim pelo entendimento, (+) e houve essa falha, e que causou um dano ENORME
ao processo” (ARAUCARITES VULCANOI, H, 2019, informação verbal).
“O que aconteceu foi que a empresa que tá contratada pra ELABORAR o projeto pra - - fazer topografia, essas
coisas..., chegou já invadindo as terra do pessoal. Chegaram derrubando cerca, árvore, fazendo picado no meio
da mata... Aí a comunidade (+) se armou contra eles” (ARAUCARIA CARTELLI, H, 2019, informação verbal).
”Então, (+) lá houve esse tipo de conflito (+). A empresa não qualificou os seus quadros devidamente pra
trabaLHAR (+) com aquelas pessoas (+). AÍ VOCÊ CHEGA (+) a uma comunidade, extremamente (+)
extremamente, extremamente é é é é:: TRADICIONAL, (+) que tem vivências ,(+) vivências SOCIAIS (+)
MUITO FECHADAS (+),e, de repente, VOCÊ ABRE isso aí pra dizer que ELE VAI SER DESAPROPRIADO
QUE ELES VÃO SER (+) REALOCADAS. (+) ISSO É UM CHOQUE!” (ARAUCARIOSTROBUS SP, H,
2019, informação verbal).
“[...] foi uma audiência pública MUITO diferente da que houve (+) em Missão Velha, que era só os meninos
do 5º ano e tal. Então aqui as perguntas eram ‘Vem cá, (+) quanto vão pagar pela terra? Como? /.../ Então, por
conta disso, de ser uma (+) além da Com-vida (Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida), tem um
outro fator (+), um: eles têm um sindicato rural atuante. Então o:: (+) pra você ter uma ideia, (+) acho que foi a
primeira delegacia sindical - - se não foi a primeira foi uma das primeiras - - criada a partir no Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do Crato. Então, o pessoal tem uma consciência sindical /.../ Então, o que houve aqui no
Baixio que nós tivemos lá (+) é que aqui no Baixio havia um sindicato organizado, havia uma Com-vida
estruturada. Então, as pessoas, a começar dos estudantes do Fundamental II, passando pelos pais (+) deles, o
nível do pessoal era muito melhor e eles MUITO mais unido, lá não! /.../ Inclusive, QUANDO a empreiteira
chegou invadindo as propriedades, antes que (+) alguém tenha sido indenizado, eles chegaram (enfiando
máquinas) e tal... e num sei o quê. ‘Pera! Num é assim não! Pode parar, pode parar! Quem são vocês? Num é
do estado, nós num conversamos com vocês não, num vimos vocês na reunião e tal’. ‘Não, nós estamos aqui
fazendo uma topografia simples’. ‘Tinha que ter vindo, comunicado - oh! vai passar, as pessoas são essas’ /.../”
(BRACHYPHYLLUM INSIGNE, H, 2019, informação verbal).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
uma expressão do forte senso de pertencimento ao lugar expresso pela comunidade, como
também de sua grande capacidade de mobilização social em vista de um bem comum, no caso,
as comunidades afetadas. Essas temáticas serão trabalhadas de forma ampliada no tópico 7.3.
Ressalta-se, portanto, a importância de atentar para os aspectos humanos na prospecção
de projetos hídricos de forma a capacitar a equipe que irá ao campo, e garantir o respeito às
pessoas que habitam nos territórios atingidos, pois, como ressalta Chacon (2007), quando se
utilizam os modelos de desenvolvimentos adotados em outras regiões, as políticas públicas
serão equivocadas.
Quanto à referência ao aspecto humano de perda do território; ao respeito à privacidade
das pessoas; bem como à garantia do direito de informação, foram identificadas algumas
questões. Dentre elas, destaca-se, além da sinalização do problema, propostas de melhorias para
novas execuções, como mostra o Quadro 11:
Quadro 11 - Falas dos entrevistados acerca das propostas de melhorias para novas execuções
Transcrição das falas
“Quando você vai (+) o poder público (+), quando você CHEGA a uma comunidade (+), você tem que levar
profissionais capacitados, que saibam EN-TEN-DER a comunidade (+) e mais, VOCÊ FAZER ENTENDER,
(+) QUE É O QUE É PRINCIPAL: (+) AS PESSOAS ENTENDEREM (+) O QUE É QUE (+) AQUELE
PROJETO (+) VAI TRAZER (+), não só desse, particularmente, MAS COMO DE toda uma SOCIEDADE. (+)
Porque aqui prevalece (+) o direito público e não o direito privado (+). Então, TEM QUE SE FAZER
ENTENDER ISSO. (+) Agora, quando você vai abordar... (+) aí (+) TÁ A DIFERENÇA do profissional que
tem uma experiência (+) e vivência em desapropriação” (ARAUCARIOSTROBUS SP., H, 2019, informação
verbal).
“Vê-se, normalmente só a parte técnica e faltou a humana. Deveria ter sido feito trabalho nas escolas, com a
comunidade para explicar. A educação ambiental deve ser antes da execução, e não durante” (JAGUARIBA
WIESEMANIANA, H, 2019, informação verbal).
“Então, eu... eu... eu... defendo que os valores de desapropriação têm que considerar (+) esses elementos todos
e, de repente, (+) esse estudo (+) desse valor, ele tem que ser feito por uma equipe que tenha (+) uma visão
também, do imaterial, como um bem (+) com um valor, pra poder (+) é... assim você (+) possa minimizar um
pouco (+) o sofrimento e a dor, ou a perda, melhor dizendo, que essa família vai ter com o (+), vamos dizer
assim, com a aquisição pelo governo /.../ dessa área que ele tanto (+) estimava. Quer dizer, tem a terra (+) e tem
os valores (+) imateriais que estão sobre esse ambiente” (RUFFORDIA GOEPPERTII, H, 2019, informação
verbal).
“Eu não me lembro. Não sei se teve. Até me interessa, curiosidade de ficar sabendo, de algum transtorno assim,
(+) de alguém que... que (+) ... ficou insatisfeito, transtorno familiar ou:: ficou na miséria, porque PIOROU (+).
Eu não sei de ninguém que possa ter piorado (+) de vida, de família, por conta disso. Eu não (+) me lembro se
houve algum, não tenho conhecimento. (+) É até bom saber essas coisas, porque, se tiver (+), eu acho que é um
caso de (+) o governo /.../ saber o que tá acontecendo, o social tem que dar resultado. Eu acho que até deveria
ter uma ouvidoria, uma coisa pra saber o que (+) teve” (TOMAXELLIA BIFORME, H, 2019, informação verbal).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Como pode ser observado, foi reconhecida pela maioria dos entrevistados a necessidade
de se compreender as dinâmicas internas da comunidade e seus valores imateriais em um
processo de desapropriação. Elementos como a falta de preparo dos profissionais executores da
obra, ausência de ações em educação ambiental e falhas na comunicação sobre a condução da
obra são trazidos como alguns pontos de reflexões sobre as consequências do processo no
distrito afetado.
120
Como pode ser observado, o entrevistado teve vários contratempos por conta da obra.
Na primeira fala, vê-se a necessidade de aproximação entre os saberes da comunidade e dos
técnicos. Em seguida, é vista a morosidade do processo de cadastramento para recebimento da
indenização, o que também está acontecendo nas comunidades do Baixio das Palmeiras, que
ainda estão no processo de negociação e cadastramento das famílias. Por fim, são trazidos os
danos materiais do processo, algo que se repete em várias comunidades afetadas por grandes
obras.
E um último aspecto a ressaltar é a percepção de gestores/técnicos sobre a relação do
morador com seu território, destacando-se:
[...] a importância da relação com a terra. Aquela mangueira que foi plantada porque
dá frutos e ele vive através disso.... Não tem como avaliar o impacto psicológico. Os
jovens não são tão impactados quanto os mais velhos. Os pais de família que não
morreram, ainda estão impactados pelo Castanhão (JAGUARIBA WIESEMANIANA,
H, 2019, informação verbal).
QUANTO VALE ISSO? Essa é a grande pergunta! Quanto é que vale esse ambiente,
essa ligação fortemente (+) construída ao longo de tanto tempo por um grupo familiar
que, de repente, (+) às vezes até passa GERAÇÕES, duas, três gerações, pode, em
alguns casos até existir isso. A família se reúne naquele ambiente pra se alimentar, pra
lanchar, pra brincar com a garotada e tal. /.../ Lá no Baixio mesmo é possível encontrar
várias famílias, não só uma, várias famílias com histórias diferentes (+), de relação
com esse ambiente que eles, de repente, estão perdendo (RUFFORDIA GOEPPERTII,
H, 2019, informação verbal).
Como pode ser notado nas falas, somente com o contato direto com a população e com
suas histórias de vida, os gestores puderam perceber que o impacto do CAC atravessava as
questões econômicas, trazendo danos também na esfera psicológica e social. Rodrigues et al.
(2012) ressalta a importância de aproximar o gestor da população local, de forma a preencher
lacunas no processo de gestão. Dessa forma, portanto, “[...] o reconhecimento das percepções
torna-se extremamente relevante para fornecer subsídios ao processo de gestão e formulação de
políticas públicas” (RODRIGUES et al., 2012, p. 101).
As entrevistas, aliadas à análise documental feita anteriormente, também
proporcionaram uma compreensão cronológica dos fatos relativos ao planejamento, à
implementação e à avaliação do projeto, expostas na mídia social. A linha do tempo (Figura
30), ilustrada a seguir, permite um maior conhecimento cronológico do projeto CAC,
mediatizado nas redes de comunicação. Tal linha do tempo fora construída partindo de relatos
de moradores, mapeamento artigos jornalísticos e de quatro dissertações realizadas nas
comunidades pesquisadas. A versão ampliada da linha do tempo estará disponível no Apêndice
H.
122
Como pode ser observado, apesar da obra ter sido apresentada pela primeira vez no
Crato na 1º Reunião Extraordinária do ano de 2010 do Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente do município, a comunidade atingida só tem conhecimento a respeito em 2012, com
as primeiras visitas dos funcionários da terceirizada contratada pelo governo do estado para
medição das áreas afetadas. Sem haver um diálogo inicial com os moradores, os funcionários
adentraram as residências e iniciaram as marcações. Tanto em Brito (2016), quanto em Tavares
(2016), Nobre (2017) e Martins (2020) há relatos de moradores falando sobre o incômodo e
indignação que essas visitas, referenciadas pelos moradores como invasões, lhe acometeram.
No mesmo ano, em resposta às demarcações e à falta de esclarecimento por parte do
governo do estado, os moradores, amparados pela Associação Rural Baixio das Palmeiras,
iniciam o movimento Somos Todos Baixio das Palmeiras. Como afirma Tavares (2016, p. 97),
a criação desse movimento “[...] representa a resistência e a mobilização social que aponta
alguns fios de esperança para a Comunidade Baixio das Palmeiras e para a organização e a luta
no município do Crato em torno da questão da água”.
O movimento segue suas atividades e pautas reivindicatórias até que, em 2015, é criado
o Fórum Popular das Águas do Cariri (FOPAC), estratégia que, como demonstra Brito (2016),
reune várias entidades locais para debaterem sobre os meandros das políticas de recursos
hídricos na região do Cariri, como também para realizar o controle social do andamento das
obras do CAC nas comunidades locais. Apesar de no momento atual está passando por um
período de desmobilização, o FOPAC é um espaço muito importante para o fortalecimento das
lutas da comunidade acerca dos impactos trazidos pelas obras, como também instrumento
importante para educação ambiental local, conforme será demonstrado no próximo capítulo.
Entre os anos de 2015 a 2018, foram realizadas diversas ações na comunidade, para
além das audiências requisitadas pela mesma, a fim de que o governo do estado trouxesse
esclarecimentos sobre os trâmites da obra. Nobre (2017) ilustra que várias atividades artísticas
e culturais floresceram nesse processo, como também grupos para pensar questões de gênero
no processo de condução da obra, a exemplo o grupo Nós Mulheres. Também foi nesse período
que foi criada a Casa de Quitéria, um espaço de difusão de cultura e preservação da memória
local.
Por fim, nos dias atuais (2018-2020), os atos dos movimentos sociais diminuem
gradativamente, mas a fiscalização sobre o processo de cadastramento dos afetados e
pagamentos das indenizações continua. Segundo Martins (2020), o processo de cadastramento
dos moradores encontra-se em finalização, muitos desses já estão notificados sobre a
desapropriação e já buscam novas moradias. Um fato intrigante prospectado pela autora é o fato
124
de a maioria dos moradores optarem por se manter no distrito Baixio das Palmeiras, mudando
para propriedades próximas de suas antigas moradias. Na pesquisa, a autora aponta que isso
tem relação direta com o alto índice de sentimento relacionados à estima pertencimento na
comunidade.
Pode-se verificar os atrasos relativos à execução da obra, seja por motivos orçamentários
ou políticos. Tal atraso impacta na vida das pessoas que estão aguardando a indenização ou o
desfecho da obra para darem seguimento as suas vidas. Atualmente, a preocupação maior gira
em torno do pagamento das indenizações e dos efeitos do pós-obra nas comunidades afetadas.
Os resultados nesse tópico serão apresentados de duas formas: por meio da linha do
tempo do Fórum Popular das Águas e das entrevistas analisadas a partir do método do discurso
do sujeito coletivo. No primeiro momento, a fim de caracterizar o movimento do Fórum Popular
das Águas do Cariri no seu processo de formação, será utilizada a linha do tempo construída a
partir de ofícios, atas, projetos, relatórios, notas, cartazes e programação de eventos do referido
fórum.
Analisando a linha de tempo (Figura 31), é possível compreender a trajetória de suas
ações desde sua fundação em 2015 até o ano de 2019. Como pode ser observado na ilustração,
a maior parte das ações do FOPAC foi concentrada entre os anos de 2015 e 2017. Durante esses
anos ocorreram várias atividades importantes para consolidação da resistência comunitária,
como audiências públicas, seminários das Associações Rurais do Baixo das Palmeiras,
Seminário das Águas do Cariri, lançamento do livro ‘Baixio das Palmeiras: Apontamentos
geográficos e historiográficos’, e o desenvolvimento das dissertações de Brito (2016), Tavares
(2016) e Nobre (2017). A versão ampliada da linha do tempo estará disponível no Apêndice I.
125
A Associação Rural do Baixio mobilizou a comunidade pra que esse impacto fosse
menor. Primeiramente, foi com reuniões, daí partiram pra caminhadas na rua, luta,
contato com a mídia, mobilização nas ruas, na estrada, em eventos com a participação
de pessoas de várias idades, jovens, idosos e mulheres. É nessa situação aqui que
127
O fórum foi um resultado dos esforços coletivos para obter mais informações sobre os
trâmites da obra; informações que só foram acessadas por conta do empenho dos grupos sociais,
visto que os problemas iniciais da execução do CAC foram ocasionados por conta da falta de
informações sobre o que era o CAC, qual o seu propósito e porque aquele território estava sendo
atingido. Como foi visto no tópico anterior, os problemas na comunicação entre as entidades
executoras da obra e os moradores são também reconhecidos pelos gestores, que também
reconhecem a existência de movimentos de resistência ao CAC nas comunidades estudadas.
Logo, o FOPAC é um instrumento agregador.
Muitos dos discursos dos moradores revelam os seus sentimentos e percepções sobre a
obra, de forma que permite compreender como e por que se deu a formação do Fórum. O
elemento surpresa, a falta de uma comunicação oficial efetiva e a prestação de informação sobre
a condução do processo também são recorrentes nos discursos.
(H, Palmeiras): /.../ a comunidade, pra pra comunidade e pra mim e pra minha família
foi (+) o pior impacto que a gente já teve na comunidade (+) porque:: (+) a gente não
não quiria (+) que deixasse de passar (+) a... a obra aqui, mas que ela respeitasse os
direitos da gente (+)... quer dizer, procura-se afetar menos as ...as condições de
moradia, é... é... é... respeitasse e... e comunicasse a gente /.../ aí eles foram vendo que
a comunidade era organizada, que a comunidade não aceitava do jeito que eles
queriam. (+) ninguém tava impatano que o governo fizesse a obra dele, que é uma
obra que vai servir pra algumas comunidade, pra algum povo de outro lugar. Agora
que nois não justifica (+) é que (+), pa servir a outras comunidades de fora, fosse
preciso matar a nossa (+). Isso nois não vamo aceitar! Nem aceitemo e nem vamo
aceitar (+) que pa salvar outras pessoas lá de fora seja preciso matar nois aqui, ‘acabar
com a nossa comunidade’. Disso o governo pode ficar certo, que nois não vamos
aceita. Aceita (+) a conversa e a modifica, a ampliar, tudo isso nois aceita (+), e foi
dito na promotoria do Crato (CALAMOPLEUROS CYLINDRICUS, 2019, informação
verbal).
(H, Chapada): Através de audiência, (+) aqui nessa própria escola mesmo, eles
apresentaram um gráfica aí mermo (+). Mermo sem a gente entender os gráfico deles
(+), mas aí /.../ se comprometero a fazer umas restrições em alguns (+) trechos da
obra, diminuir num canto pra avançar mais pra cima (PARAELOPS CEARENSES,
2019, informação verbal).
Entretanto, em um país com uma cultura política marcada por relações clientelistas e
paternalistas, a implantação de um modelo de gestão participativa acaba sendo
permeada por contradições e ambiguidades. Além dos conflitos e divergências de
interesses, os agentes envolvidos confrontam-se com as assimetrias de poder, de
conhecimentos e de habilidades, com a legitimidade das representações, com práticas
arraigadas de gestão tecnocrática e centralizada, enfim, com toda a ordem de
dificuldades (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2004, p. 51).
131
Percebe-se a falta de transparência nas informações, uma vez que a comunidade a ser
atingida desconhecia totalmente o que estava por acontecer.
(H, Muquém): Olha, a informação inicial e outras que ele queria (+) de ter havido
reuniões na comunidade num foi feita nenhuma reunião (+) por parte do governo na
comunidade, toda a reunião que houve, que o governo veio, foi que nós provocamo o
governo pra que ele viesse, certo? (CLADOCYCLUS GARDNERI, 2019, informação
verbal).
Burzstyn (2008) e Ituarte (2009) descrevem a questão da gestão dos recursos naturais
como potencializador de conflitos permeados por diversas concepções sobre os valores
atribuídos a eles, sendo, muitas vezes, deslocado o recurso de um lugar para desenvolver
atividade produtiva em outro: “O debate e o conflito em torno da qualidade da água, muito
provavelmente, virão à tona cada vez mais, assim como a oposição das comunidades
locais/regionais ao ver suas heranças naturais destruídas em prol do desenvolvimento de
atividades de produção externa” (ITUARTE, 2009, p. 92, tradução nossa).
Burzstyn e Persegona (2008, p. 13) afirmam que “[...] a gestão do meio natural (hoje
recursos naturais) sempre foi a base dos sistemas econômico, social e político e serviu de pano
de fundo para os conflitos entre os povos”. Conflitos, esses, estabelecidos pela inapropriada
gestão das políticas, como omitir da comunidade o projeto que a afetava diretamente. Segundo
destaca, o morador da Chapada, Paraelops cearenses (2019, informação verbal): “Na realidade,
quando a comunidade (+) teve conhecimento da obra, foi por... (+)... foi de surpresa, porque
eles já chegaram (+) atrás dos quintal das pessoas, invadino as (+) as propriedades pra fazer al-
gumas demarcações”.
Tais dados corroboram com o que foi apresentado por Nobre (2017) e Martins (2020)
em seus estudos. O primeiro autor, que em sua dissertação focou nos impactos da chegada do
CAC na organização social da comunidade, apresentou algumas falas, apontando a aflição
gerada pelas medições que foram realizadas sem aviso prévio e nem consentimento dos
moradores. A segunda autora, que direcionou seu estudo para compreender os impactos
psicossociais do CAC, a partir da categoria afetividade, ilustrou que todos que foram abordados
por ela na pesquisa afirmaram que a abordagem inicial causou sentimento de insegurança,
indignação e aflição.
Verificou-se na comunidade, por parte das lideranças comunitárias e agentes de saúde,
a percepção de que os idosos foram os mais afetados, inclusive com prejuízos na saúde física e
mental, afetando o sono e ocasionando depressão nesta população, conforme pode ser
132
Gráfico 4 - Membros das famílias mais afetadas pelo processo de migração compulsória por
meio da desapropriação
No gráfico abaixo (Gráfico 5) é mostrado que a maioria dos sujeitos abordados nesse
estudo ficaram sabendo sobre o CAC a partir da chegada dos trabalhadores da empresa
terceirizada para medição das propriedades a serem desapropriadas, em seguida alguns
souberam por representantes da SRH, da terceirizada da obra e dos movimentos sociais na
comunidade.
Gráfico 5 - Como a comunidade teve acesso à informação do projeto CAC
Carvalho (1998) e Chacon (2007) salientam que a participação como oferta estatal se
constitui na generalização do discurso da participação, da democracia e da cidadania, mas
historicamente foi restrita a determinados grupos. Silva, Ferreira e Santos (2017) discutem que
o problema da governança da água não está na escassez do recurso natural, mas na capacidade
de desenvolver políticas mais eficazes que promovam a participação social, possibilitando aos
cidadãos discutirem sobre os seus problemas.
Toda essa mobilização, em prol do direito a participação e tomada de decisão, saiu das
discussões internas no âmbito da associação comunitária e alcançou proeminência ao atingir
outras camadas da sociedade civil, que acionaram o poder público local para que a situação
fosse esclarecida. E somente através das reuniões e audiências públicas, a maioria dessas
convocadas à pedido da comunidade ou por meio de denúncias ao Ministério Público Federal,
foi que a comunidade, ao saber do que se tratava, pode negociar, conforme apresenta o Gráfico
6 abaixo.
134
Gráfico 6 - Como se deu a negociação e informação para as mudanças no projeto CAC após
as primeiras medições
(H, Palmeiras): /.../ teve muitos (+) embates, teve muitos (+) é:: os seminários, os
seminários veio muito pra (+) é:: reformular o projeto, que eles queriam, que o projeto
passasse com 100 metro de um lado e de outro (+) então teve (+) toda essa contestação
da comunidade. /.../ o Ministério Público, o Ministério Público ajudou muito (+) nessa
questão também (+) é::: inclusive teve a reunião agora a pouco que (+) tá po Ministério
Público também (+) retornar /.../ uma situação. /.../ teve audiências pública, Câmara
de Vereadores, então, ESSES FATORES contribuiu muito pra que:: fosse realmente
revisto algumas coisas desse projeto (SANTANACLUPEA SILVASANTOSI, 2019,
informação verbal).
A comunidade, além do cuidado com seu meio ambiente, matas nativas, inúmeras
plantas medicinais e aves existentes na localidade, manifesta a preocupação com as
modificações a serem realizadas pela obra no relevo da chapada.
Véras (2001, p. 33) salienta que “[...] cidadania é também o direito de permanecer no
lugar, no seu território identitário, o direito a seu espaço de memória. Dessa forma, as
associações atuam como responsáveis por fomentar em seus membros, segundo Putnam (2006),
os hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público.
Cribb e Cribb (2007) destacam que para que haja desenvolvimento sob a perspectiva da
sustentabilidade ambiental, as pessoas precisam mudar seus comportamentos, suas atitudes e a
própria concepção de meio ambiente, de forma a conhecer os problemas ambientais e suas
consequências para a vida humana. Perceberem-se, portanto, parte desse ambiente (CAPRA,
1996; MORIN, 2002). Isso pode ser notado em alguns relatos dos moradores, conforme
demonstrado a seguir.
137
(H, Palmeiras): E os (+) os próprios agricultores, eles dizem o seguinte: ‘não faz o
menor sentido.. é:: (+) eu (+) moro aqui (+) ,trabalho minha terra aqui do lado, aí
minha casa vai ser atingida, eu vou morar numa outra comunidade, como é que eu
vou trabalhar na minha terra?’ /.../ você ter relações ainda, não capitalistas, por
exemplo, o cara plantou o feijão, a primeira (+) a primeira colheita do feijão, ele dá
pro vizinho, ele dá pro amigo (+) Então, tem muito disso aqui, porque todo mundo se
conhece (+) mas aí essa é a ideia de desenvolvimento, esse era um discurso que eles...
que eles apresentaram /.../ (NEOPROSCINETES PELNALVA, 2019, informação
verbal).
Os laços de família, pois aqui foi onde nós criamos nossos filhos, foi onde educamos
nossos filhos, você tem uma geração aqui, tem pai e mãe, avós, tudo, então isso nos
cativa e nos une mais. É uma questão de afetividade, você continua com o seu umbigo
enterrado ali naquele local (DSC 4, 2020, informação verbal).
139
(+) NADA VEM PRA GENTE, pra o agricultor, principalmente aqui. O pessoal fala
muito que não vem (+) benefício da água. Só que a gente já andou vendo, fazendo
alguma coisa. A gente tem o direito (+)! Nois temos o direito de... de ter (+) o ponto
d’água, e isso tem um custo, tem um gasto, tem toda uma elaboração de documentação
pra que você tenha um ponto da água que se chama outorga, que é um ponto de direito
que a gente tem (+), que não é tão fácil de a gente adquirir porque tem gastos. A gente
tem que ter gastos com essa questão (+) mas a gente (+) tem direito sim, porque a
água é universal, é um direito da humanidade, então a gente tem o direito. Como esse
direito? Restrito? Sim, porque a gente sabe: o poder de fogo é menor (+) devido à
questão do poder (+) financeiro. Até odeio essa questão, porque a gente sabe que o
país tem esse lado, manda quem tem e a gente tem que obedecer. Mas a gente tem que
discutir, a gente tem que chamar pra discutir, porque eu acho que (+) é a voz e a vez
de nois, e nois tem que falar, nois tem que bater assim, de frente, tem que discutir, da
melhor maneira que a gente sabe (+), com a comunicação que a gente tem, o
conhecimento que a gente tem, por ser agricultor, por ser da roça (+) mas a gente TÁ
VENDO e a gente tá aprendendo (+) e a gente tem que discutir (+), tem que debater.
Participaram deste estudo 150 moradores. É válido ressaltar que este estudo compreende
moradores afetados pela obra em três vertentes: moradores que serão desapropriados,
moradores que perderão bens imobiliários, como terrenos e benfeitorias, mas não passíveis de
desapropriação; e lideranças comunitárias.
Os dados da Tabela 2 correspondem ao quantitativo de moradores pesquisados por
comunidade, demonstrando haver uma prevalência de moradores entrevistados da localidade
Baixio das Palmeiras.
Tabela 2 - Quantitativo de moradores pesquisados por comunidade
Lugar
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem válida acumulativa
Válido Baixio do Muquém 51 34,0 34,0 34,0
Baixio das Palmeiras 61 40,7 40,7 74,7
Chapada 22 14,7 14,7 89,3
Baixio dos Oitis 16 10,7 10,7 100,0
Total 150 100,0 100,0
Fonte: elaborada pela autora (2020).
50 a 59 32 21,9
60 a 81 29 19,9
Fonte: elaborada pela autora (2020).
A comparação das médias da escala total e de seus domínios apego ao lugar, identidade
de lugar, coesão social e satisfação residencial relacionadas à habitação e comunidade dos
moradores, está apresentada na Tabela 8, abaixo.
145
As variáveis que não influenciaram essa relação, tanto na escala total como em cada um
dos seus domínios, foram as seguintes: raça (p>0,320), número de filhos (p>0,060), renda
familiar (p>0,055) e a existência de alguma deficiência (p>0,148). Após essa exposição geral,
iremos lidar com as peculiaridades de cada categoria.
Como é afirmado por Hidalgo e Hernández (2011), o apego ao lugar é uma dimensão
estudada, quando se trabalha com relação pessoa-ambiente na Psicologia Ambiental, que se
refere aos vínculos estabelecidos com o lugar, mais necessariamente a força desses vínculos e
como esses influenciam na forma que o sujeito lida com o seu ambiente de entorno. Seja ele
um espaço privado, como a casa; ou espaço público, como locais de convívio comunitário.
Em seu estudo, os autores supracitados afirmam que a compreensão de apego ao lugar
não deve se restringir ao ambiente social, pois elementos correlacionados à satisfação
residencial também são indicadores relevantes para compreender o vínculo sujeito-casa. No
caso deste estudo, foram levadas em consideração tanto a relação dos moradores atingidos pelo
Cinturão das Águas do Ceará (CAC) com sua comunidade, quanto a relação dos mesmos com
seus locais de moradia. É válido ressaltar que no universo deste estudo estão sendo
compreendidos moradores que serão ou já foram desapropriados, e moradores que perderam
propriedades (terrenos e benfeitorias), porém, não serão desapropriados.
Seguindo os critérios definidos para análise quantitativa dos dados, esta análise está
distribuída entre as seguintes variáveis: localidade, gênero, faixa etária e natividade. Antes de
iniciá-la, é importante ressaltar que a amostra de atingidos nas comunidades Oitis e Chapada
do Baixio é menor do que nas comunidades Muquém e Palmeiras, e isso também pode incidir
no quantitativo apresentado.
No Gráfico 9, referente à localidade, partindo da proposta de estudo de Hidalgo e
Hernández (2001), que determinou a compreensão de apego dividindo-se em casa,
bairro/vizinhança/comunidade e cidade, é observado que os moradores das comunidades
147
Muquém e Palmeiras são mais apegados ao espaço comunidade, do que à casa e à cidade,
respectivamente. Um fato relevante sobre os moradores das comunidades supracitadas é que os
mesmos, quando desapropriados, preferiram construir suas novas casas na mesma comunidade
de origem ou numa comunidade vizinha.
Os moradores de Oitis e Chapada do Baixio, por outro lado, apresentam um apego maior
à casa; em seguida, à comunidade, sendo a cidade o item de menor pontuação, em especial na
Chapada do Baixio. Os sujeitos que já foram desapropriados nas comunidades Oitis e Chapada
do Baixio apresentam verossimilhança nas medidas de casa e comunidade.
As assertivas apresentadas nos itens referentes a categoria apego ao lugar são: eu gosto
de viver nesta cidade; eu gosto de morar nesta comunidade; eu me sinto apegado à comunidade
onde moro; e eu gosto de morar nesta casa.
Gráfico 9 - Distribuição de respostas a perguntas referentes ao apego ao lugar por localidade
Em relação a variável gênero (Gráfico 10), foi observado que o sexo masculino
apresentou maior média no domínio apego (p=0,003), enquanto que a menor faixa etária (de 18
a 25) teve a menor média na escala total (p<0,0001). Isso contrariou o que foi percebido na
pesquisa de Hidalgo e Hernández (2001), os idealizadores da escala, em Santa Cruz de Tenerife
(Espanha). Na pesquisa realizada por eles, as mulheres possuem mais apego ao lugar do que os
homens. Entretanto, sinaliza-se que o contexto daquela pesquisa possuía algumas
148
especificidades, não sendo um ambiente rural. A citação desta pesquisa se dá pela expectativa
prévia de que o resultado daria maior apego nas mulheres.
Gráfico 10 - Distribuição de respostas a perguntas referentes ao apego ao lugar por gênero
Quanto aos níveis de apego em relação ao gênero, percebe-se, conforme o Gráfico 10,
que os homens também são mais apegados à comunidade do que à casa e à cidade. Hidalgo e
Hernández (2001) reforçam o papel que o apego de lugar possui para desenvolver identidade
de lugar e também o sentimento de comunidade. Foi notado que os homens expressaram mais
falas com a temática de sofrimento do que as mulheres, na autobiografia, na qual alguns homens
falam sobre terem desenvolvido sintomas depressivos ao ter que deixar sua casa, visto que os
mesmos construíram as casas com as próprias mãos e viveram por muito tempo dos frutos de
sua terra. Vale ressaltar que os moradores com companheiro tiveram médias quase iguais às
dos sem companheiros na escala total e nos domínios apego.
No que se refere ao apego relacionado à variável faixa etária, é visto que pessoas com
idades intermediárias e idosos apresentam um maior índice de apego ao lugar do que jovens.
Como pode ser visto no Gráfico 11.
149
Gráfico 11 - Distribuição de respostas a questões referentes ao apego ao local por faixa etária
Como é observado por Torres (2015), ao estudar sobre o papel do ambiente residencial
na qualidade de vida de idosos, em seu contexto de pesquisa, a autora observou que apesar dos
idosos conviverem com limitações tanto no microambiente (casa), quanto no macroambiente
(comunidade e cidade), os pesquisados desejavam continuar morando na mesma localidade e
isso se explica pelo forte apego ao lugar, considerado pela mesma um fator importante para
qualidade de vida dos idosos. Quando estudamos os dados obtidos pela análise da escala, é visto
que nas perguntas dois (eu gosto de morar nessa comunidade) e quatro (eu gosto de morar nessa
casa), os idosos obtiveram as maiores pontuações.
Isso pode ser compreendido pelos seguintes elementos: tempo de moradia, vínculos
comunitários consolidados e apego à memória social local. Sendo o primeiro item diretamente
relacionado à variável naturalidade, que estudaremos logo após. Sobre o tempo de moradia, é
visto que 82,7% dos entrevistados vive nas comunidades pesquisadas desde o nascimento,
sendo que expressiva parte desses nativos é composta por idosos. Sabe-se também que os idosos
compõem a maior parte da amostragem da pesquisa, no que refere à faixa etária (49,3%). Na
pesquisa de Nobre (2017), houve relatos de diversos idosos abordados na etnografia; já em
Martins (2020), a maioria dos IGMA foi aplicada em pessoas entre 50 e 70 anos de idade.
É válido também falar sobre o que diz Giuliani (2003) acerca do alto índice de apego
em idosos, que para a autora pode estar relacionado à necessidade de segurança e sentimento
150
de proteção. Logo, o seu espaço de convívio é visto como mais seguro do que uma realidade
desconhecida.
No caso deste estudo, é percebido que a variável faixa etária está ligada à variável
naturalidade. Nessa dimensão, são trabalhados dados sobre apego a partir da divisão entre
nativos (pessoas que sempre viveram na comunidade) e não-nativos, como pode ser visto no
Gráfico 12.
Gráfico 12 - Distribuição de respostas a perguntas referentes ao apego ao lugar por natividade
7.3.2.2 Identidade
Para fins deste estudo, será abordado o conceito de Identidade de Lugar, definido por
Proshansky, Fabian e Kaminoff (1983) como uma subestrutura da identidade social, que tem
como base dois elementos: a cognição sobre o entorno e os vínculos emocionais, que são
desenvolvidos na relação pessoa-ambiente, sendo essa uma construção pessoa-dinâmica, que
tem envolvido elementos de ordem biológica, psicológica, social entre outros. Mourão e
Cavalcante (2011, p. 210) afirmam que “[...] a identidade de lugar tem como função principal
a criação de um cenário interno que sirva de sustento e proteção à autoidentidade”.
Para Valera e Pol (1994), é necessário entender a importância do entorno como elemento
constitutivo da identidade social do sujeito, processo que está intimamente ligado à noção de
pertencimento. Logo, esse entorno, que é socialmente construído, irá trazer transformações nos
modos de representação da identidade do sujeito, como também o próprio sujeito que, ao
modificar o ambiente, modifica, também, as formas de ver esse lugar. Partindo dessa
perspectiva dialética, os autores compreendem que a identidade de lugar está diretamente
relacionada ao sentimento de pertença e os significados e sentimentos construídos nesse espaço
físico.
Como afirma Giuliani (2003, p. 151, tradução nossa),
Assim como refletem Mourão e Cavalcante (2011, p. 215), “[...] a identidade de lugar é
construída a partir dos espaços de pertencimento e vivência, envolvendo tempo de exposição
ao lugar e possibilidade de transformá-lo em busca da satisfação”. Visto o que foi apresentado
até então, será avaliada, agora, a categoria identidade na escala, aplicada a partir de quatro
variáveis: gênero, localidade, faixa etária e natividade.
As afirmativas que dizem respeito a categoria identidade de lugar são: esta cidade tem
a ver com a minha história pessoal; esta comunidade é parte da minha identidade; esta casa tem
a ver com a minha história de vida; e esta casa é parte da minha identidade.
No que se refere à variável localidade, percebe-se que em todos as comunidades
pesquisadas foram obtidos alto nível de identificação dos moradores com a comunidade e com
suas casas, como pode ser percebido no Gráfico 13.
152
É observado que os índices de apego ao lugar foram altos nessas comunidades, o Baixio
das Palmeiras e o Baixio do Muquém se destacam na pergunta referente à relação comunitária.
Isso se explica tanto pela força do vínculo pessoa-ambiente existente nesses dois territórios,
como também reflete no alto índice de engajamento dos moradores dessas localidades nos
movimentos de resistência às mudanças territoriais ocasionadas pelo CAC.
Gráfico 13 - Distribuição de resposta a questões referentes à identidade por localidade.
Também sendo coerente aos respondentes presentes sobre a identidade com a casa, é
visto que, da mesma forma que ocorreu em apego, Oitis e Chapada do Baixio tiveram mais
respostas afirmativas nos itens que abordaram a identidade dos sujeitos com as casas onde
vivem. Novamente é importante ressaltar que o número de sujeitos de pesquisa atingidos pelo
CAC nas comunidades Oitis e Chapada do Baixio é menor do que nas comunidades Palmeiras
e Muquém.
Como pode ser visto no Gráfico 14, da mesma forma que foi observado na categoria
apego, os homens demonstram um maior senso de identidade de lugar do que as mulheres
pesquisadas.
153
É importante ressaltar que a pergunta que teve um índice da resposta ‘com certeza’ mais
expressivo foi a referente à comunidade ser parte de sua identidade. Como explanado no tópico
apego, observou-se maior envolvimento dos homens nos grupos sociais locais e nas atividades
de resistência, confirmando que essa direta participação se dá em virtude da própria trajetória
de vida desses homens, que veem nesse espaço o lugar onde, além de construir sua casa,
construíram sua história. É possível ver a conexão entre apego e identidade de lugar, pois os
elementos emocionais que permeiam as histórias de vida e fortalece o apego dos moradores
incide diretamente na construção da identidade de lugar das comunidades pesquisadas como
um lugar de referência e vida para eles.
Visto o que foi dito anteriormente por Mourão e Cavalcante (2011) a identidade de lugar
tem relação com as dimensões pertencimento e vivência. Tal apontamento nos remete à
perspectiva do trabalho com a terra ou do trabalho no espaço rural como constituinte da
identidade, o que amplifica o reconhecimento do morador como sujeito rural ou camponês,
tendo como referência essa pesquisa, na qual aparece com mais ênfase nas escalas dos
moradores do sexo masculino. É preciso ressaltar que moradores com companheiro
apresentaram maior média em identidade do que os sem companheiro (p=0,040).
No que se refere à faixa etária, vemos no Gráfico 15 que, novamente, os idosos se
destacam, sendo os detentores das maiores porcentagens no que se refere à categoria identidade.
154
Neste tópico, será trabalhada a categoria Coesão Social. Para definição dessa categoria,
levar-se-á em consideração tanto a importância dos vínculos sociais e da participação social na
consolidação do apego e da identidade de lugar (GIULIANI, 2003), quanto a contribuição de
Toünies (1973) acerca dos vínculos comunitários. Esse autor aborda em seu estudo os padrões
156
Será dado destaque, nesta ocasião, às três dimensões estudadas neste tópico: união,
participação e mobilização. No item união, a comunidade Baixio das Palmeiras foi a que obteve
maior porcentagem. A mesma comunidade apresenta expressivas porcentagens no que se refere
às assertivas de apego comunitário e identidade. Esse senso de união reflete diretamente no
engajamento no processo de resistência as obras do Baixio e na defesa dos seus direitos frente
ao processo de desapropriação.
157
Como é apontado por Nobre (2017) foi na comunidade Baixio das Palmeiras que se
iniciaram as primeiras atividades reflexivas sobre o que estava acontecendo com a comunidade,
sendo a medição das áreas estimadas de desapropriação por parte da VBA, sem informar
previamente os moradores, o estopim dos conflitos. Foi lá e por meio da mobilização de
moradores engajados na Associação Rural Baixio das Palmeiras que tudo começou. A força
dos vínculos sociais também é refletida nos respondentes de mobilização, como será visto mais
adiante. Entre as outras comunidades, Chapada do Baixio apresenta as menores porcentagens
no que se refere à união.
Na modalidade participação, o Baixio dos Oitis se destaca com maior porcentagem.
Uma das explicações sobre esse fenômeno é o fato das proximidades dos moradores, que vivem
em propriedades próximas, pertencentes ao mesmo dono que as subsidias para trabalho próprio.
A noção de participação no caso do Oitis transcende a participação social a nível engajamento
em lutas comunitárias, pois, nesse caso, como pode ser visto nos relatos, a participação é mais
voltada para atividades intracomunitárias. Em algumas situações, como no caso da comunidade
em estudo, o trabalho que beneficia um pode beneficiar todos, o que fortalece o vínculo
comunitário entre esses moradores. Oitis vão pensar em redes de apoio mútuo, formas de lidar
com a situação em que vivem, e essas redes os auxiliarão na organização e enfrentamento do
contexto de vulnerabilidade, lembrando que os mesmos vivem em terras cedidas para produção.
Curiosamente, o Baixio das Palmeiras, que é a comunidade com maior porcentagem de
apego à comunidade e índices de identidade, foi a comunidade que menos pontuou no que se
refere à participação, seguida de Muquém, que também possui fortes indicadores de apego e
identidade. Esse dado pode ser reflexo da desmobilização da comunidade frente as lutas sociais
do CAC. O decrescimento no senso de participação pode ser reflexo da diminuição das ações
do FOPAC e do engajamento das pessoas nos movimentos sociais das comunidades referentes
ao CAC.
Em relação a variável gênero, é visto no Gráfico 18 um fato interessante. Ao passo que
os homens se veem como espaço de união, de acordo com o gráfico de coesão social e gênero,
as mulheres acreditam que a comunidade é participativa e mobilizadora. Também foi observado
que moradores com companheiro tiveram médias quase iguais às dos sem companheiros na
escala total e nos domínios apego e coesão.
158
Sobre a maior percepção de união comunitária vinda dos homens, isso reforça o alto
índice de apego e identidade observados no tópico anterior. Porém, o que chama atenção é o
resultado das mulheres nas esferas participação e mobilização, que contraria os dados trazidos
inicialmente sobre a baixa adesão de mulheres nos movimentos de resistência. Porém, quando
se reporta à participação em outras instâncias sociais da comunidade, observa-se que as
mulheres, em especial as idosas, possuem bastante engajamento em atividades comunitárias.
Por falar em idosas, como é visto no Gráfico 19, os resultados da pesquisa, associando
coesão social com idade, demonstram a existência de coesão social entre os moradores da faixa
etária anos intermediários e velhice.
159
Gráfico 19 - Distribuição de resposta a questões referentes à coesão social por faixa etária
Como foi dito no parágrafo anterior, idosos são uma parcela populacional importante
para conhecer a dinâmica das comunidades pesquisadas. Os dados de maior coesão social entre
idosos fazem, também, alusão aos dados de apego e identidade, mostrando que essas duas
dimensões têm influência direta com a forma de o sujeito se integrar e agir no meio onde vive.
Também é válido ressaltar que a maioria desses idosos é enquadrada na variável nativo, que
engloba pessoas que nasceram e ainda vivem nas comunidades em que nasceram.
Na categoria coesão social, comparando-se nativos com não nativos, conforme Gráfico
20, as respostas encontradas revelam que apesar dos nativos se considerarem mais unidos do
que os não-nativos, estes consideram que há maior participação da comunidade nas atividades
coletivas. Observando também a média do coeficiente (p=0,002).
160
Neste último tópico, será discutida a categoria Satisfação Residencial. Para definição
dessa categoria, levar-se-á em consideração a representatividade que este ambiente possui tanto
em relação a história de vida, como na formação da identidade. Referir-se a casa é identificar
o território privado e território primário.
Segundo Valera e Vidal (2010, p. 130, tradução nossa), acerca das definições de
território privado e primário,
Verifica-se que os moradores de Oitis e da Chapada são totalmente satisfeitos com sua
moradia; logo em seguida Palmeiras e Muquém. Nesta última comunidade aparece indicativo
de insatisfação. De forma geral, a maioria revela que se arrependeria de mudar, e os dados do
Muquém corroboram a assertiva anterior. É importante lembrar que, no caso dos moradores da
Chapada, todos já mudaram para casas novas e esse resultado diz respeito a satisfação com a
residência atual. Isso dialoga com os índices mais baixos desse território com os outros índices,
como apego e identidade, que foram direcionados ao contexto de qual foram desapropriados.
Como observado no item identidade, foi visto que 100 % do Oitis e da Chapada, 91,8%
do Muquém e 88,1% das Palmeiras identificam o território com as suas histórias de vida.
Lembrando que o item identificação com a casa também era mais expressivos no Oitis do que
em Muquém e Palmeiras, é compreensível que esta comunidade tenha se destacada nos índices
de satisfação residencial.
163
Evidencia-se os fortes laços dos moradores com suas casas, de ambos os sexos.
Conforme Chombart de Lauwe (1976), a casa é o primeiro ambiente de apropriação. E em
comunidades rurais, esta conexão é intensificada, pelo modo de vida existente em que se
observa a ligação com a terra da qual tira o sustento, uma vez que a maioria é agricultor. Como
já foi mencionado nos tópicos anteriores.
A comunidade também tem como característica a prevalência da população idosa.
Segundo Elali e Medeiros (2011, p. 57), ressalta-se a “[...] importância do processo de apego
ao lugar para o self e para as relações com os outros”, principalmente quando se fala em idosos,
havendo pesquisas que corroboram a percepção diferenciada do ambiente de acordo com o
período do ciclo de vida.
164
No Gráfico 23, pode-se verificar que todas as faixas etárias evidenciam um índice
elevado de satisfação com seu ambiente de moradia, indo de 91,7% a 100%, conforme o
aumento da idade, ressaltando-se que o grupo mais satisfeito (100%) foi o de 42 anos acima.
Gráfico 23 - Distribuição de resposta a questões referentes à satisfação residencial por faixa
etária
Sobre a dinâmica comunitária, Góis (2005) ressalta que os moradores compartilham das
mesmas dificuldades, pois habitam em um território comum, no qual a identidade foi
construída.
Entende-se, portanto, a reação apresentada e a atratividade desse ambiente em que as
pessoas vivem em união, com respeito aos outros, a tradição, a história do lugar e a natureza
que os cerca. Como afirmam Ortiz e Zavala (2006, p. 239, tradução nossa), “[...] a proteção
mais importante em nossas vidas do ponto de vista psicológico é o lar, é o refúgio mais
significativo do estresse do trabalho, da escola e da vida na rua”.
No distrito do Baixio se observa, de maneira geral, que a população da sede Baixio das
Palmeiras está mais envolvida nos movimentos de resistência. A comunidade do Muquém
também é muito atuante, pois construíram, em mutirão, o posto de saúde e a ilha digital, que,
166
infelizmente, está desativada por falta de equipamentos. Na comunidade dos Oitis, as famílias
desapropriadas são moradoras em propriedade de outrem, portanto, não têm força política e
econômica. Esses terão indenização calculada apenas com base nas benfeitorias da propriedade,
como casas e plantações, visto que a propriedade da terra pertence a outrem. A indenização lhes
permitirá uma moradia um pouco melhor que a atual.
Os idosos entrevistados permanecem na comunidade, praticamente sem ir à cidade; já
os adultos, com vida na cidade, têm empregos, mas retornam para suas casas ao fim do dia, e
não manifestam desejo de migrar para a cidade. A maioria da amostra é composta por
agricultores. A associação e o sindicato rural são bem atuantes na localidade.
Tais dados trazem em mente as reflexões suscitadas por Machado (1999), que destaca
que gostar de um ambiente não implica necessariamente permanecer nesse lugar. Portanto,
satisfação pode não estar associada à afeição profunda, mas ausência de irritação persistente.
Por sua vez,
[...] para aqueles que viveram muitos anos em um lugar, a familiaridade engendra
aceitação e até afeição; afeição por uma localidade raramente é adquirida de
passagem, pois com o tempo, nos familiarizamos com o lugar, o que quer dizer que
cada vez mais o consideramos conhecido (MACHADO, 1999, p. 113-114).
dificuldade de acesso à água (que só foi sanado em 1991, a partir da construção de um poço
profundo) também são fatores de vulnerabilidade que permeiam a vida dos moradores dessa
localidade, e isso pode ter impacto direto nos laços dos sujeitos com seu território. Mas, ao
mesmo tempo, nessa localidade há vozes importantes para a construção do FOPAC e do Somos
todos Baixio das Palmeiras, que são atuantes até hoje. Como também foi de lá que surgiu um
dos símbolos do movimento, o cordel Baixio Preocupado.
Reforçando os dados sobre como o engajamento em atividades comunitárias pode ser
um elemento importante para entender o processo de apego ao lugar, Martins (2020), que
desenvolveu sua pesquisa nas comunidades Baixio das Palmeiras e Muquém, mostrou que a
maioria dos participantes possuía algum tipo de relação comunitária com um grupo de base,
como o grupo da igreja, as associações comunitárias e o sindicato dos trabalhadores rurais. A
participação dessas associações apareceu durante a aplicação do Instrumento Gerador de Mapas
Afetivos9 (IGMA), com o qual a pesquisa pode reforçar a noção de que a estima de lugar10
pertencimento se mostra expressiva em sujeitos com algum tipo de engajamento comunitário
ativo.
Tuan (2012, p. 111) fala sobre o forte vínculo do homem rural com sua terra, visto que
o mesmo se constitui como sujeito nesse espaço: “A topofilia do agricultor está formada desta
intimidade física, da dependência material e do fato de que a terra é um repositório de
lembranças e mantém a esperança”. Martins (2020) também fala sobre a topofilia do agricultor
na relação das lideranças do Baixio das Palmeiras e do Baixio do Muquém, com a defesa do
território, visto que nos mapas afetivos avaliados que foram produzidos por lideranças tiveram
muitos elementos que denotavam amor pelo lugar e sentimentos relacionados à estima
pertencimento, em contraponto dos sentimentos expressos no contraste da estima insegurança,
gerados pelo temor trazido pelo CAC. Nesta pesquisa, a maioria dos representantes de
lideranças era masculina.
Ainda acerca dos índices de apego por gênero, na pesquisa de Tavares (2016), é falado
sobre uma menor participação das mulheres nos movimentos de resistência. Essas, criaram, em
meio as discussões, um grupo para debater especificamente questões de gênero no contexto do
9
Instrumento de pesquisa desenvolvido pela professora Zulmira Bomfim que objetiva a “[...] compreensão
psicossocial e sociocultural na relação entre subjetividade e espaço construído, enfatizando o afeto como grande
agregador da percepção e do conhecimento sobre a cidade” (BOMFIM, 2003, p. 253). O IGMA também pode
ser aplicado para estudar comunidades, equipamentos sociais e espaços residenciais.
10
Segundo Bomfim (2015, p. 382) “A validação da categoria estima de lugar e seus indicadores mostrou a
importância do afeto como uma categoria integradora da relação do indivíduo com o lugar, envolvendo vários
tipos de ambiente em situações de vulnerabilidade social”. São compreendidas cinco categorias de estimas de
lugar no instrumento: agradabilidade, pertencimento, insegurança, destruição e contrastes.
169
distrito do Baixio das Palmeiras, o grupo Nós Mulheres. Porém, como observa Nobre (2017),
as mulheres, em especial as idosas, também são portadoras da memória da comunidade,
contando histórias importantes sobre como se formaram as comunidades pesquisadas pelo
mesmo, devendo, portanto, serem participativas e ouvidas.
Em Nobre (2017), é visto, em relatos de moradoras, que a criação do grupo Nós
Mulheres serviu para estimular mais mulheres a participarem dos movimentos; refletir sobre
episódios machistas que ocorreram nas comunidades; e refletir sobre os possíveis efeitos do
CAC na rotina das mulheres da comunidade. Questões como problemas de saúde pública,
aumento dos casos de alcoolismo, prostituição e temores acerca da chegada dos trabalhadores
do CAC na comunidade são abordados nesse espaço.
Outro espaço de organização feminina existente no distrito é o grupo das Fuxiqueiras
do Baixio. O fuxico é um artesanato com tecido, popular em cidades interioranas no Nordeste.
Nesse grupo, a produção das peças em fuxico se alia ao fortalecimento dos vínculos
comunitários entre as mulheres da Chapada do Baixio, como também na possibilidade de renda
alternativa para as participantes. As atividades do grupo têm ganhado força e suas peças têm
sido expostas em várias feiras, locais e estaduais11.
Partindo da perspectiva geracional, foi visto durante as atividades desenvolvidas na
observação realizada que os idosos são uma parcela populacional importante para comunidade.
Os mesmos estão envolvidos em atividades em dispositivos culturais como a Casa de Farinha
Mestre José Gomes, Casa de Quitéria e grupos de cultura populares. Os idosos também possuem
engajamento nas atividades do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do
Crato e em atividades da Associação Rural do Baixio das Palmeiras e do Fórum Popular das
Águas do Cariri. Vale ressaltar que a presidência da associação está a cargo de um líder idoso12.
Durante a aplicação das escalas, os idosos falavam um pouco sobre a vida na
comunidade: o fato de morarem desde crianças na localidade, de terem construído suas casas e
suas trajetórias de vida nesse espaço e sobre o vínculo com a vizinhança. Essas trajetórias de
vida foram aprofundadas durante a realização das entrevistas de autobiografia ambiental, que
serão esmiuçadas no próximo capítulo. De antemão, é possível afirmar que nas falas das idosas
é explicitado o valor sentimental da comunidade e da casa, sendo que a maioria relata dor e
tristeza por ter que sair de sua casa para outra habitação. Nesse público, majoritariamente, é
decidido mudar para uma casa na mesma comunidade ou numa comunidade vizinha, não
almejando ir para a cidade.
11
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
12
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
170
13
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
14
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
171
espaço da Associação. Histórias acerca do Baixio das Palmeiras também eram compartilhadas
pelos idosos.
Na pesquisa de Nobre (2017), o autor se refere às mulheres da comunidade como as
principais portadoras da história oral das comunidades pesquisadas. Mulheres de três
comunidades (Baixio das Palmeiras, Muquém e Oitis) contam sobre a formação destas, como
as primeiras povoações indígenas (em especial no Muquém), a chegada dos engenhos e das
atividades pecuárias, acesso à água e crescimento do povoamento.
Em Martins (2020), é falado sobre uma atividade desenvolvida pela pesquisadora no
âmbito intergeracional, quando a mesma levou duas idosas, uma da comunidade Baixio das
Palmeiras e outra do Muquém, para contarem a história das comunidades a partir de suas
vivências a jovens que participam da Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida (COM
VIDA) da Escola Rosa Ferreira de Macêdo. Também é falado pela autora a importância da
memória social para compreender o processo de resistência, visto que uma das modalidades de
atuação nesse processo foi a prática cultural, em especial a da Casa de Farinha e a da Casa de
Quitéria.
Giuliani (2004, p. 96) define apego ao lugar como “[...] associação prolongada entre um
indivíduo e um lugar”. Devendo-se considerar, nesse aspecto, elementos pessoais e sociais da
vida do indivíduo durante o processo de estudo. No caso em questão, a dimensão tempo de
moradia é um fator importante para entender o porquê de os nativos terem um resultado um
pouco mais expressivo. Como foi dito no tópico anterior, muitos moradores vivem na
comunidade desde o nascimento, em especial os idosos. Suas histórias de vida andam lado a
lado com a história da comunidade e isso faz com que eles se sintam mais ligados a esse
território, que é visto como parte importante para compreender sua trajetória de vida.
Como falado anteriormente, em pesquisas pregressas há uma expressiva amostragem de
moradores nativos. Em Tavares (2016), a maioria das lideranças entrevistadas para
compreensão da formação do movimento Somos Todos Baixio das Palmeiras é nativa. Em
Nobre (2017), há uma grande quantidade de relatos de moradores que sempre viveram nas
comunidades abordadas.
No que se refere a identidade de lugar e os índices de localidade, foi visto que no Oitis,
o elemento tradição é uma constante entre os entrevistados. A maior identificação com o espaço
doméstico, assim como o apego, também passa pelo crivo laboral, sendo que a maioria dos que
foram entrevistados nessa localidade é vinculada à agricultura familiar. Por mais que o terreno
não seja deles, existe a visão da terra como seu lugar de provisão, apesar das adversidades que
o cercam. E, ao mesmo tempo, eles se sentem felizes por verem que, com a indenização que
172
será paga pelo Governo do Estado, poderão recomeçar a vida em um terreno próprio, por mais
que isso lhes ocasione, inicialmente, tristeza, em virtude da saída do lugar onde construíram a
vida. Eles se identificam com a casa, mas sair da situação da vulnerabilidade que estão hoje,
tendo a possibilidade de obter a casa própria, fá-los menos impactados emocionalmente,
situação essa ocasionada pela mudança de casa, consequência da desapropriação.
Muquém e Palmeiras têm resultados aproximados, sendo que Palmeiras se destaca no
respondente sobre a identificação com a comunidade e com a cidade, e Muquém tem
porcentagem expressiva sobre a relação da casa com à história de vida do sujeito. Isso faz
correlação com o nível de apego, que também foi bastante expressivo nessas duas comunidades.
Essa identificação com a comunidade também reverbera nas formas como os moradores
lidam com o território e defendem-no, pois, como reflete Giuliani (2003, p. 152, tradução
nossa),“A tensão entre continuidade e mudança, particularmente em relação às normas sociais
e processos culturais, reflete-se nos laços afetivos a lugares durante a vida [...]”. Isso fica mais
nítido quando recorremos tanto aos dados colhidos na autobiografia ambiental, quanto quando
nos voltados para os estudos anteriores desenvolvidos nessas comunidades.
Na autobiografia, o processo de desapropriação para moradores do Baixio das Palmeiras
e Muquém foi relatado como causador de tristeza e sofrimento, tendo em vista a força dos laços
afetivos dos moradores dessas comunidades, aliada à perda patrimonial, que faz com que o
processo fomente movimentos de defesa ao território, como foi ilustrado na trajetória do
movimento Somos Todos Baixio das Palmeiras e no Fórum Popular das Águas do Cariri no
capítulo anterior, movimentos que surgiram no Baixio das Palmeiras e tiveram grande adesão
de moradores do Muquém em sua gênese.
Sobre as pesquisas anteriores, em Tavares (2016) é dito que o Somos Todos Baixios das
Palmeiras agrega a identidade do distrito Baixio das Palmeiras e das comunidades que fazem
parte do movimento, uma conotação de comunidade de luta e de mobilização social por um
bem comum, que no caso é o acesso à terra e à água. Sendo que isso também é reconhecido
pelos gestores, como mostra o capítulo dois desta tese.
Nobre (2017) reforça que a noção de identidade, no caso dos habitantes do Baixio das
Palmeiras como distrito, está relacionada tanto a aspectos culturais peculiares das comunidades,
quando ao simbolismo que esse espaço detém na vida, em especial dos agricultores familiares.
Em Martins (2020), é dito que a prevalência de estimas potencializadoras nos habitantes do
Baixio das Palmeiras e do Muquém, em especial o pertencimento, tem a ver com a noção de
identidade de lugar. A autora descreve uma oficina realizada pela mesma como convidada do
projeto Resistência, intitulada ‘Identidade de Lugar e Promoção de Saúde na Comunidade’.
173
Nessa oficina, foi trabalhado como o espaço da casa e da comunidade está vinculado à trajetória
de vida de mulheres que participam do grupo no Muquém.
Sobre a experiência, Martins (2020, p. 140) afirma que
Foi percebido que, ao mesmo tempo em que esses lugares marcaram suas vidas, a
representação de cada lugar era construída por elas, a partir do momento que elas
tornaram aquele espaço como algo delas (apropriação), sentiram que pertenciam
aquele lugar (pertencimento) e sentiam-se ligadas afetivamente aos mesmo (apego).
Sobre os menores índices terem sido notados na Chapada do Baixio, vale ressaltar as
questões das dificuldades de locomoção na comunidade, por se situar em uma região mais alta
do distrito, a distância entre as casas e o fato de que todos os moradores entrevistados que eram
da Chapada já estão morando em suas novas residências, a maioria em comunidades vizinhas
como o Muquém.
No que se refere aos índices de gênero, foi observado que o ato de ter construído a casa,
que foi relatado durante a aplicação da escala em alguns moradores homens, de preparar a terra
e plantar, bem como de ser parte desse território faz com que essa comunidade e essa casa sejam
parte da identidade de homem do campo. Isso reverbera nas formas de identificar suas
comunidades como um lugar de lembranças felizes, um lugar que ele faz parte e que ajudou a
construir. Em Nobre (2017), o autor reflete como os agricultores e agricultoras residentes das
comunidades do distrito Baixio das Palmeiras veem estas como territórios de construção
coletiva. Sendo que o simbólico para o autor está localizado na relação cultura-espaço de vida.
Sobre o aspecto geracional, em todas as perguntas, as maiores porcentagens de
assertivas são de idosos, e isso pode ser explicado justamente sobre a força do apego na
construção da identidade de lugar das comunidades e da própria identidade local para essa
parcela populacional, corroborando com o que é falado por Giuliani (2003) sobre a importância
das características sociais e vivenciais para além das características físicas no processo de
construção da identidade de lugar, como também de como o indivíduo se adapta nesse meio.
Sobre as vivências com o território e a identidade de idosos em demais pesquisas, os
três estudos consultados (TAVARES, 2016; NOBRE, 2017; MARTINS, 2020) trazem
experiências de idosos na comunidade e como em suas histórias de vida aparece a comunidade
como um fator importante tanto para seu reconhecimento enquanto membro do território, como
no processo de aproximação dos movimentos de resistência as obras.
Giuliani (2003), ao falar sobre a relação entre apego e identidade a partir da esfera
geracional, cita o exemplo do experimento de Bahi-Fleury, que ao estudar a relação dos
174
parisienses com o bairro de residência, percebeu que a chegada no bairro e a forma de construir
laços dentro da comunidade foi mais impactante para os pesquisados do que o tempo de
moradia.
Os dados sobre o índice da categoria identidade em nativos se sobressaíram, com
pequenas diferenças, aos não-nativos, também coaduna com as trajetórias de vida das idosas na
comunidade demonstradas nos estudos de Nobre (2017) e Martins (2020).
Para discutirmos sobre os índices de coesão social, precisamos retomar algumas
questões. Como é visto na linha do tempo produzida no capítulo dois, o auge das ações de
resistência se deu entre os anos de 2012 a 2017, sendo que em 2018 a desmobilização começa
a ficar mais notória, sendo realizadas atividades pontuais no espaço da Associação, parcerias
com os grupos culturais, como a Casa de Quitéria e a Casa de Farinha e ações de pesquisa; e
extensão e cultura da Universidade Federal do Cariri e da Universidade Regional do Cariri. À
medida que as negociações com o governo do estado avançam e são pagas indenizações, o
número de pessoas participando de ações comunitárias de cunho reivindicatório está
diminuindo.
Algumas pessoas também se encontram em estado de negação, relatando acreditar que
a construção nunca irá ocorrer, sendo que já foi sinalizado para as lideranças comunitárias que
o governo do estado quer concluir as negociações este ano para iniciar em seguida as
construções15.
Nos mapas afetivos das lideranças abordadas por Martins (2020), sendo sua maioria
advinda do Baixio das Palmeiras, a preocupação e desapontamento com o estado atual de
inércia da população do entorno é falada. Os temores com o pós-obra, a dimensão sofrimento,
no que se refere a presenciar a demolição das casas e as modificações territoriais ocasionadas
pela obra, unem-se ao discurso do incomodo trazido pela aparente tranquilidade da comunidade,
que não tem refletido e se engajado da mesma forma que no início das lutas.
Já quando se refere à mobilização, novamente Palmeiras se destaca. Como já foi dito
anteriormente, o início de todo o movimento de resistência foi em Palmeiras. Várias pesquisas
abordando a história dos movimentos sociais locais, como Tavares (2016) e Nobre (2017),
mostram que as primeiras ações partiram de associados à Associação Rural Baixio das
Palmeiras, que agregou também na luta de moradores das outras três comunidades atingidas no
distrito, moradores do Assentamento 10 de abril, da comunidade Poço Dantas e outras
comunidades que foram abordadas pelo CAC em Crato e Barbalha, para além da criação de
15
Informações retiradas tanto de um diário de campo de uma ação realizada pelo projeto em 2019, quanto de
Martins (2020).
175
uma rede de apoio com os movimentos sociais do Cariri e movimentos nacionais, como o
Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).
Visto que Coesão Social gera participação, essa capacidade mobilizadora do Baixio das
Palmeiras fez com que a comunidade tivesse um forte engajamento no início do Somos Todos
Baixio das Palmeiras e compunha a formação do FOPAC. Porém, como foi visto na avaliação
de participação, hoje eles não se sentem tão participativos.
Contudo, é afirmado pelos moradores abordados pela pesquisa, o papel dessa
mobilização no resultado das ações empreendidas para mitigar os danos iniciais do CAC à
comunidade. O próprio FOPAC pode ser visto como uma expressão da coesão social
comunitária, coesão essa reconhecida pelos gestores, como visto no capítulo dois. Toucqueville
(2005) reforça o papel da associação que representa a opinião de certo número de indivíduos e
constitui-se em uma força que agrega “[...] os esforços de espíritos divergentes e impele-os com
vigor em direção a um só objetivo claramente indicado por ela” (TOUCQUEVILLE, 2005, p.
220).
É visto nos estudos consultados anteriormente (TAVARES, 2016; NOBRE, 2017;
MARTINS, 2020) o reconhecimento dos envolvidos no processo, e por parte de moradores
afetados pelo CAC, a importância da mobilização em prol da defesa do território para realizar
o processo de monitoramento e controle social do processo de desapropriação gerado pelas
obras.
A partir das ações, foi possível obter informações sobre o que era o CAC, pressionar o
poder público para obter dados sobre a negociação e pagamentos das indenizações, fiscalizar e
denunciar situações de violação de direitos causadas pelo processo de desapropriação e mostrar
à população do Cariri a dimensão desse processo, por meio da comunicação.
Sobre a Chapada do Baixio, que apresentou os menores índices em mobilização, é válido
ressaltar novamente a distância física entre as casas vizinhas. Mas, além disso, o fato de a
Chapada não ter uma associação de moradores, como nas outras três comunidades. Quem é da
Chapada vincula-se à associação das Palmeiras ou à associação da comunidade Currais de
Baixo. Também se ressalta o fato de a maioria dos moradores abordados, que era da Chapada
do Baixio, já foi desapropriada e já está morando e integrando comunidades, na maior parte as
circunvizinhas como Palmeiras e Muquém.
Segundo informações colhidas nos diários de campo16 das ações do grupo de Educação
em Saúde desenvolvida pelo projeto Resistência, a maioria das participantes é mulher. Em
16
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
176
Martins (2020), mulheres idosas são mais engajadas nos grupos religiosos da igreja Católica,
organizando atividades como as tradicionais renovações, prática de louvor católico, específica
das cidades interioranas, grupos de oração e organização de quermesses. A capela aparece
inclusive no desenho de três mulheres (duas idosas e uma adulta), quando foram perguntadas o
que a comunidade significava para elas.
Sobre mobilização, é percebida a função das mulheres, em especial das idosas, a relação
entre mobilização comunitária e transmissão oral da memória comunitária. Nobre (2017), como
já foi citado anteriormente, fala sobre as idosas como as guardiãs das histórias da comunidade.
No processo de observação, várias idosas falaram sobre histórias do Baixio e que essas histórias
reverberam na consolidação da identidade comunitária.
Um dos exemplos17 vistos durante o percurso com a comunidade foi o evento I Mostra
de Saberes do Baixio das Palmeiras, realizada na Casa de Quitéria a partir de uma parceria entre
a UBS do Baixio das Palmeiras e a Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da URCA.
Nesse evento, mulheres idosas engajadas em grupos de cordelistas mostraram suas habilidades
em mobilizar pessoas a partir da arte do cordel, contando suas histórias e histórias da
comunidade, como também partilhando conhecimentos sobre ervas medicinais e práticas
tradicionais religiosas de cura, como as benzedeiras e mezinheiras.
Como é afirmado por Giuliani (2003), quanto maior o tempo de moradia na comunidade,
maior identidade e coesão social, o que pode ser confirmado a partir dos resultados observados
na escala, da qual se inferiu que os maiores índices nas três categorias (união, participação e
mobilização) são dos moradores mais antigos. Idosos percebem a comunidade como um lugar
de pertença e união, sentem-se estimulados a participar tanto de atividades comunitárias
peculiares a cada localidade (grupos culturais e religiosos) quanto de atividades relacionadas à
resistência ao CAC.
A maioria dos mapas afetivos de idosos, avaliados por Martins (2020), trazia o elemento
união como importante para o fortalecimento do vínculo deles com o lugar. Um dos mapas de
uma idosa falava sobre a importância de grupos comunitários, no caso, o grupo da capela, e do
apoio entre vizinhos para que a mesma consiga lidar com a situação de luto, vivenciada pela
perda do seu marido. Também é ilustrado isso quando um dos moradores adultos médios relata
sobre um caso em que os moradores da comunidade se uniram para poder ajudar
financeiramente um morador idoso que precisava passar por uma cirurgia, a partir de um bingo
comunitário.
17
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
177
Boa parte das lideranças comunitárias abordadas neste estudo é composta por homens
entre 40 e 80 anos, situados na faixa adulto e idoso. Idosos também são sempre presentes em
atividades do STTR e são a maioria do público das reuniões da Associação Rural Baixio das
Palmeiras, como consta na observação realizada18. Eles também são engajados em atividades
de mobilização das causas comunitárias.
Em contraponto, os jovens apresentam menor coesão social. No elemento união, isso é
perceptível nas faixas de 18 a 25 anos, cujos jovens não percebem a comunidade tão unida, mas
percebem que há uma boa participação. Já os jovens entre 26 e 33 anos consideram que há uma
união na comunidade, mas não há tanta participação, entretanto conseguiram mobilizar a
sociedade na luta pelos seus direitos. Isso pode ser compreendido tanto pelo baixo envolvimento
em atividades comunitárias de base nesses grupos, quanto que uma faixa populacional tem sua
vida laboral engajada na cidade, retornando à comunidade para dormida e descanso no final de
semana, não tento tanto envolvimento com a terra e com as dinâmicas locais, como os idosos.
Já no que se refere à participação, não-nativos mostram uma noção de comunidade
participativa maior do que os nativos. Isso pode se dar tanto pela percepção do papel dos
movimentos de resistência na garantia de direitos dos atingidos pelo CAC, como pelo
engajamento em atividades comunitárias. Já ambas as faixas reconhecem a capacidade de
mobilização social das comunidades abordadas, sendo notável a situação de empate na
porcentagem das afirmativas.
18
Conteúdo retirado de diários de campo das observações realizadas em 2019.
178
a terra que o rio ia passar, nós soubemos assim” (ARARIPEPHLEBIIDAE, 2019, informação verbal,
grifo nosso).
(M, Palmeiras): “Fiquei muito abalada, porque (+) a gente não sabia (+), eles começaram, é: destruindo,
fazendo caminho aí por trás de minha casa, coisa que a gente nem sabia (+) né? Eu tava aqui em minha
casa quando (+) escutei um barulho (+) aí no mato roçando, né? Quando eu saio (+), fiquei
assustada (+), fiquei muito assustada (+)! SAI E VI uns caras roçando, aí:: (+) depressa eu fui
d)
avisar a minha mãe, né? Fui avisá a minha mãe e falei. Aí ela subiu aqui pra cima (+) e minha
irmã também, e a gente vimos. (+) Só que aí eles, muito mal-educado, não queria nem conversa,
queria faze o trabalho deles (+) sem pedi permissão, né?” (MESOBLATTINIDAE, 2019, informação
verbal, grifo nosso).
(H, Palmeiras): “Porque não é fácil você tá em sua casa, em sua residência, naquela luta /.../ e veno como
é que tá a situação. Quando a gente (+) ca-i na real, /.../ você tá em sua casa e ser desacatado da forma
e)
que nois fumo /.../ .../ E quando a gente chegou da roça, que a gente somo todos agricultor, graças
a Deus samo agricultor (+)!” (BLATTULIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
gente, do meus irmãos (+) que aqui é tudo uma família muito unida, né?” (MESOBLATTINIDAE, 2019,
informação verbal, grifo nosso).
(M, Oitis): “Eu nasci aqui nesse chãozim aqui (+) quando eu fui pra lá, /.../ já era mãe desse menino
d)
tudim” (ARARPEGRYLLUS SERRILHATUS, 2019, informação verbal, grifo nosso).
(H, Muquém): “Que se chegar alguém e disser (incompreensível) se valesse 500 reais e dissesse ‘te dou
mil!’ A gente num dava, tá entendendo? ‘Eu te dou dois milhões, um milhão!’. Num tem dinheiro que
e) pague! É o nosso refúgio, aqui a gente pensava que era pra filhos e netos (+). Quando minha mãe
morreu tava na construção dessa casa, eu só num tô tão triste, tão triste...” (ARARIPEGOMPHIDE, 2019,
informação verbal, grifo nosso).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
(M, Chapada): Há cinco anos... mas /.../ ela começou a construí:: (+) há mais de 10
anos. Assim, porque:: (+) nois casamos (+) e aí começamos... antes até do casamento
a gente já tinha começado lá a construir. E aí:: /.../ nos casamos e eu fiquei na /.../ casa
de minha mãe (+) e ele ficou na casa da mãe dele, pra que a gente desce continuidade
a obra, né? E aí fomos fazendo de pouco, tentamos fazer (+) um empréstimo, mas aí
não deu certo. E aí (+) demos continuidade (+) a construção. Fizemos.Aí tive um
primeiro filho (+), e aí aqui na casa da minha mãe (+) meu bebê não sobreviveu (+).
Aí tive o segundo filho (+) ,que também foi na casa da minha mãe (+). E aí continuei
na casa da minha mãe e o sonho de í pra minha casa, né? Sempre nessa luta. Eu
trabalhava dois expediente, meu esposo também. A gente (+) abriu mão de (+) de
toda:: (+) todas as partes de festa, de tudo, pra construir essa casa, né? E aí, quando
eu engravidei (+) da menina /.../, em março, eu fiquei grávida. E em agosto (+) eu fui
pra uma reunião (+) lá no ginásio, que foi na escola aqui, Municipal (+). E aí /.../ a
gravidez (+) era o sonho meu. Era assim, quando eu tivesse a minha filha eu já ia mora
na minha casa e, de fato, isso aconteceu. Minha menina vai completa seis anos (+). E
aí, em agosto, eu fui pra lá, pra essa reunião, e tive a (+) a notícia (+) que:: a minha
casa ia ser demolida /.../. Fizemos a construção da casa, e aí (+) compramo tijolo pra
murar, pra ter mais (+), uma certa, segurança. Porque eu tenho crianças pequena e
tudo. Mas, infelizmente, /.../ de veiz em quando arrebenta essa história do Cinturão
das Águas, e aí eu (+) acabei não fazendo o muro” (CRETEREISMA, 2019,
informação verbal).
porque não tem mais nada lá, só os tijolo, né? Essas coisa tudo caído, as fruteira” (CARIRIEPHEMERA
MARQUESI, 2019, informação verbal, grifo nosso)
(M, Oitis): “As menina diz: ‘Mãe, mãe achava melhor lá ou aqui? Eu disse: ‘Aqui é bom, mas eu não
ESQUEÇO (+) do meu tempo, /.../ não esqueço de jeito nenhum!’. De veiz em quando eu vou lá,
ATÉ LÁ MESMO. Porque assim, depois que a gente saiu, o mato toma de conta (+), tá um deserto lá
f) agora /.../. Mas (+) a lembrança continua (+), não sai da memória não. CHOREI TANTO no dia
que eu saí, /.../ chorei demai! (O esposo) Ele achou bom a morada aqui (+), mass sempre vai lá /.../. Ele
sente (saudade). /.../ Aí, eu sei que /.../ é uma lembrança tão forte, tão grande, sei lá:: (+). Mas (+) tamo
viveno aqui /.../” (ELCANIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Como pode ser observado na maioria das falas expressas por idosos, a construção da
trajetória de vida no território é um fator importante para a manutenção do indivíduo no local.
Conforme é apontado por Guiliani (2004, p. 159) sobre as relações de apego de idosos a um
lugar,
Na verdade, pode-se conjecturar que a necessidade de segurança e proteção
prepondera durante determinadas fases da vida (por exemplo, infância e velhice),
enquanto outras necessidades emergem mais energicamente na adolescência e em
vários estágios da vida adulta (por exemplo, exploração, afiliação, auto-expressão,
etc.). O forte apego que os idosos manifestam em direção ao lar pode, portanto, ser
compreendido como o ressurgimento da necessidade dominante de segurança e
proteção (GIULIANI, 2004, p. 159).
/.../. O que eles tem na mesa dele é nois, pequeno agricultor /.../, que bota dento do prato dele (+). Paga
baratim, nois tira o ano todim /.../” (BLATTULIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
(M, Oitis): “Nois morano no Baixio do Oitis (+) por causa que (+) quando eles vieram, disse que a
casa não era pa ninguém arruma:: (+), aí nois (+) também não liguemo, pensando que eles viam
logo, né? Orxe, a casa nesse invernão começou (+) a quere cair. (+) Aí meu fitinha feito essa casa
e) aqui, aí disse: ‘Mãe vai pra lá (+) enquanto vem (+) alguma coisa do rio pa mãe faze a de mãe /.../. Aí eu
disse (+) ‘eu vou caí debaixo de (+) da casa cair por cima’. Aí eu vim pra cá (+) no tempo do inverno
/.../ Então, aí disse: ‘Não é pa arruma nada, se arruma perde! Aí nois fiquemo com aquilo na cabeça
(+). Orxe, a casa caiu!” (EPHEMERIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
(H, Muquém): “A gente tinha plantado um monte de pé de ipê (+) ali na: (+), ali no [asserim] da mata
f) (+), que minha sobrinha é: ambientalista e ela trouxe (+)! A gente plantou, ai já tava bem GRANDE
e eles contaram TUDO” (ARARIPEGOMPHIDE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Como pode ser observado nas falas demonstradas, os elementos do meio físico, como a
água, as plantações e jardins, também são importantes para a manutenção e fortalecimento da
relação pessoa-ambiente no caso analisado. Adiante será mencionado novamente o que é dito
por Tuan (2012) sobre a topofilia do agricultor, que por ter na terra um elemento que lhe nutre,
de onde tem o seu sustento e alimento, elemento que faz parte de sua trajetória, a natureza se
torna uma dimensão muito benquista para o mesmo.
Nos relatos captados, foi percebido que toda essa vivência é cognitiva, comportamental
e afetiva. Tais afetos aparecem na categoria Sensações e Sentidos (Quadro 20). Como
sentimentos positivos tem-se apego, sonho, saudade e resolutividade. Como sentimentos
negativos aparecem, predominantemente, injustiça, seguido de incerteza, insegurança e medo;
ocasionando prejuízos à saúde física e mental dos moradores, como insônia, ansiedade,
nervosismo e depressão.
Quadro 20 - Sensações e sentidos
7. Sensações e sentidos
I POSITIVOS
Apego (M, Palmeiras): “Minha casa é uma casinha bem simples, bem humilde, mas pra mim (+) é
o meu canto, é o meu (+) né? Meu lar:: do jeito que for /.../ É MEU, né? Chei de pedra, não é /.../ num
local bom, mas (+) é (+) é meu, né? Tenho muito amor, tenho muito:: (+)! Foi construída com muito
a)
sacrifício (+), porque (+) financeiramente, a gente não tem condições. Aí, por isso /.../, sou muito
APEGADA mesmo, sou (+) de (+) de alma mesmo” (UMENOCOLEIDAE, 2019, informação verbal,
grifo nosso).
Resolutividade (H, Muquém): “Foi um valor justo, eu num vou dizer nem que foi abaixo nem acima.
Foi assim, foi um valor justo! Eu fiquei satisfeito! Depois de tudo, eu fiquei satisfeito, porque (+)
RESOLVI minha vida. Talvez se hoje tivesse brigado com Governo, que eu sei que (+) num adianta,
b) uma hora ou outra a justiça vai decretar que você vai ter que sair e você vai sair (+)! E talvez eu nem
recebesse o valor que eu recebi, talvez que eu recebesse era abaixo se eu num negociasse, porque essas
coisas, quando você meche com justiça é desse jeito. Aí por isso que eu tomei a frente de RESOLVER
a minha situação /.../” (CARABIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
II NEGATIVOS
Injustiça (H, Palmeiras): “Pega, pega aqueles senhor de casa /.../ Quando mediu aqui que vê que é só
gente fraco, não vai passar lá! E se vire! (+) Corra quem puder correr (+), é por isso que deixa a
a) gente indignado, porque (+) a gente é pobre, a gente é simple sim (+), mas a gente é humano, a gente
tem história (+). Tudo que nois colhe nesse Baixio /..,/ esse povo não tem sentimento, esse povo não tem
família (+) ,esse povo não tem coração!” (BLATTULIDAE, 2019, informação verbal, grifo nosso).
186
“Eu fico muito triste em saber que um dia (+) a gente sai daqui (+) !NINGUÉM SABE PRA ONDE,
b) né? E esse essa casinha aqui, esse pedacin de chão é tudo (+) na minha vida /.../ Não gosto nem de
(+) pensá muito, porque (+) é muito (+) sofrimento pra mim (+)” (Mesoblattinidae, M , Palmeiras).
Injustiça (M, Chapada): “Então (+), tem toda nossa história ali (+), e e eu não acho justo (+) assim,
por mais que eu saiba que vá beneficiar uma outra (+) uma outra comunidade, ou ou uma grande
c) população, mas eu não acho justo mexer com alguém (+) que já está no que é certo! Porque eles
podiam desviá e eu sei bem que: (+) pra desviá (+) eles /.../ poderiam fazer isso” (CRETEREISMA, 2019,
informação verbal, grifo nosso).
Insegurança, Injustiça e Incerteza (M, Chapada): “...a casa e vim morar no sítio, até porque é um lugar
mais sossegado, tranquilo, né? Que meus filhos pudessem ter a tranquilidade, de onde eu fui criada,
porque eu fui criada aqui. Mas aí, infelizmente (+), não sei, eu não tenho tanta segurança /.../ isso me
machuca demais! É é como se: (+) eu já tivesse a certeza (+), e aí eu não consigo mais tê calma pra
d)
passar po meur menino. Então (+) eu tô me policiando demais, pra que eu não fique (+) tão nervosa e
me passe (+) tanta tristeza, porque: (+) tava de um jeito, que quando meus meninos vê alguém diferente:
‘Mãe, é o homem do (+) do rio, /.../ eles vão derruba nossa casa!’. Assim, sabe, aquela incerteza, até
porque...” (CRETEREISMA, 2019, informação verbal, grifo nosso).
Fatalismo (M, Chapada): “Aí pa tá nessa pendenga, briga com o governo, /.../ não adianta (+)! Já
e) que vem mesmo o Cinturão das Águas, então...” (CARIRIEPHEMERA MARQUESI, 2019, informação
verbal, grifo nosso).
Medo (H, Chapada): “Ela ficou muito alterada (+), até hoje qualquer coisinha (+) ela fica toda se
tremeno. /.../ Ela... ela ficou mal, /.../ ainda tava recente da lembrança do meu pai. /.../ Ela ficava
f)
muito agitada (+), ficou com medo de sair. Ela tem medo de sair daqui /.../” (POTAMONTHIDAE,
informação verbal, grifo nosso).
Depressão e Insônia (M, Muquém): “EU SAÍ DE LÁ, eu adoeci, /.../ eu adoeci quando eu saí de lá (+)
pra vim pra cá (+). MAS QUANDO EU VOU PRA LÁ parece que meu coração tá é lá /.../ ! Adoeci,
g) tipo que nem uma (+) depressão que deu /.../. Eu tava com uma ansiedade muito grande (+), eu
não dormia (+). Passei: (+) mais de semana sem dormi” (COSTALIMELLA NORDESTINA, 2019,
informação verbal, grifo nosso).
Perda (M, Chapada): “Aí quando foi que aconteceu isso. EU que disse a ele que não precisava mais (tirar
os tijolos). /.../ (Ele) pegou uma alavanquinha assim e foi tirar o tijolo. A PAREDE caiu e ele não sabia
h)
nem que eu tava em casa ou quem não tava” (LOCUSTOPSIDAE, 2019, informação verbal, grifo
nosso).
Fonte: elaborado pela autora (2020).
Sobre a dimensão dos sentimentos e sensações, temos como reforço a compreensão dos
sentimentos descritos nas autobiografias ambientais, os dados apresentados tanto na escala de
apego aplicada nesta pesquisa como no mapeamento afetivo realizado por Martins (2020).
Sobre o primeiro, foi visto que as pessoas mais apegadas e com maior predominância
de respondentes de identidade também são as pessoas que mais sofrem, como o exemplo do
sofrimento dos idosos no que se refere à situação de desapropriação. Sobre a pesquisa de
Martins (2020), como afirmado no capítulo anterior, a estima contraste, que possui relação com
sentimentos ambíguos do sujeito com o lugar, está situada em dois polos: pertencimento,
relacionado à comunidade, e insegurança, relacionada ao CAC. Essa situação de insegurança
desencadeia os sintomas que foram listados no processo de autobiografia ambiental, como
insônia e tremores.
No próximo tópico a ser analisado (Quadro 21), é possível notar o aparecimento das
figuras de influência nos relatos analisados. Sendo essas a mãe, a família e as lideranças
comunitárias.
187
É visto também nos capítulos anteriores deste estudo a importância dos equipamentos
sociais e dos movimentos de resistência, não só na defesa dos direitos da comunidade como
também na promoção de ações de educação ambiental e fortalecimento de práticas culturais.
Uma novidade nos discursos são os relatos sobre figuras de referência familiar, como as mães.
188
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho apresentou uma discussão teórica e prática sobre os impactos produzidos
pelo processo de migração ambiental compulsória, suscitado pela implementação de um projeto
hídrico (Cinturão das Águas do Ceará), no hidroterritório Baixio das Palmeiras, distrito de zona
rural do Crato, município do Ceará.
No primeiro capítulo, procedeu-se a identificação do distrito e das comunidades
pesquisadas. O cenário desta pesquisa é em ambiente rural caririense, onde foi observado
durante a construção dessa contextualização as especificidades socioambientais das
comunidades apontadas. Nos capítulos teóricos foram abordadas as principais temáticas
pesquisadas: políticas de gestão das águas, conflitos socioambientais, migração compulsória e
relação pessoa-ambiente. E na metodologia os principais caminhos percorridos para a
construção desse estudo.
Os dois primeiros tópicos de resultados componentes deste estudo suscitavam reflexões
sobre aspectos de gestão; no primeiro observa-se a percepção dos gestores públicos do CAC e
no segundo é apresentado o Fórum Popular das Águas do Cariri, instância de controle social
criada pelos movimentos sociais locais para monitorar as ações do CAC nas comunidades
afetadas.
O crescimento econômico e o desenvolvimento territorial colocam desafios constantes
na gestão de políticas públicas no nordeste brasileiro, considerando a escassez hídrica e
convivência com o semiárido como uma questão de saúde pública e garantia da continuidade
da vida para as gerações futuras. O aumento da demanda por água em virtude da globalização
e consequentemente do processo de expansão econômica tem gerado debate sobre o uso
sustentável desse recurso. Verifica-se que o crescimento populacional e a crescente necessidade
por água implicam na necessária gestão do recurso, de forma a garantir a quantidade e qualidade
para usufruto atual e para as gerações futuras.
Considerando a necessidade de prover segurança hídrica para a população, reconhece-
se a necessidade do empreendimento. O fato, em questão, é que a projeção deixou lacunas em
determinados aspectos essenciais e a implementação foi mal planejada pela equipe e
desenvolvida sem a participação dos reais interessados, o que, caso contrário, poderia ter
minimizado os conflitos estabelecidos.
A construção de um projeto hídrico não é somente uma questão de arranjos materiais,
mas também envolve, principalmente, a organização social dos moradores das localidades
afetadas por essas obras. A negligência na observação das características ambientais locais e da
189
Como pode ser observado, durante a trajetória de construção do Fórum Popular das
Águas do Cariri, a comunidade passou por vários entraves por conta de uma obra pública de
viés impositivo, sobre o qual não houve acordo ou comunicação social com o governo. O
FOPAC surge, então, com essa iniciativa de proporcionar ambiente alternativo aos espaços
governamentais, tendo em vista que não houve a possibilidade de os moradores participarem,
de fato, do controle social do empreendimento em estudo.
No espaço do fórum, os moradores, que já possuíam em sua história a cultura de
participação, conseguiram, a partir dos movimentos sociais de base, criar um espaço de estímulo
à participação e ao engajamento com as temáticas emergentes. Para além das demandas
referentes à desapropriação, o FOPAC possibilitou também discussões com foco na defesa do
ambiente físico. Logo, o espaço do FOPAC é um espaço que também promove estratégias de
educação ambiental na comunidade. Essas transformações são processos lentos, pois é
necessário trabalhar as crenças que mantém o comportamento e ao mesmo tempo, desenvolver
um trabalho coletivo que apoie os novos paradigmas e dê sustentação as novas condutas.
Conforme foi dito no Fórum Mundial de La Haye, Holanda, maio de 2000, muitas lutas
seriam travadas, motivadas pela água (WORLD WATER COUNCIL, 2000). No Brasil, em
várias regiões e pelos mais variados motivos, produzem-se conflitos socioambientais,
levantam-se hidroresistências pelo direito ao acesso e uso da água.
Logo, é visível que o processo de hidroresistência no Baixio das Palmeiras é concreto,
tendo como foco a defesa dos patrimônios materiais e imateriais desse hidroterritório. Mudam-
se os atores, mas o cenário permanece o mesmo. Se não for pela mobilização e resistência, não
há como dar voz as desigualdades sociais perpetuadas ao longo da história. Quais as custas
desse desenvolvimento que é um imperativo para conceber ambiente como mercadoria e as
populações tradicionais como empecilho ao progresso?
Através de processos de debates, conscientização e informações sobre a problemática
da água, os indivíduos adquirem conhecimentos e instrumentos de participação que
possibilitam a busca pelo exercício de seus direitos e a capacidade de influir nas ações estatais.
No terceiro tópico foram abordados resultados do processo de aplicação da escala de
apego ao lugar. Para isso, foram analisadas as categorias apego, identidade, coesão social e
satisfação residencial, partindo das variáveis: localidade, gênero, faixa etária e natividade. Por
fim, no quarto artigo, foram trabalhados os sentimentos e histórias de vida dos moradores,
através da metodologia autobiografia ambiental.
Na investigação realizada, destacaram-se a coesão dos moradores e o empoderamento
da comunidade, expressos na participação e mobilização social. Essa movimentação deu
191
nativa; práticas sustentáveis dos quintais produtivos, uso das sementes crioulas, cultivação de
hábitos de vida saudáveis, disseminados através dos instrumentos coletivos da associação e
sindicato; e formação de uma cultura baseada no reconhecimento do patrimônio natural,
desenvolvida na escola com crianças e adolescentes.
A cultura da comunidade é alicerçada no respeito aos idosos, na luta pela preservação
do lugar, na disseminação de informações que gerem conhecimentos de forma a promover a
participação social na busca pelo direito à manutenção do seu modo de vida; na organização
coletiva manifesta na construção da ilha digital do posto de saúde; na capacidade de
solidariedade com doações de terreno para construção desses projetos coletivos; e nas
iniciativas dos equipamentos sociais, que auxiliam no processo de engajamento e
fortalecimento dos vínculos comunitários.
Quanto ao processo de identidade de lugar, observou-se a conexão entre os nativos e
não-nativos com o distrito, concluindo-se que até mesmo os não nativos se reconhecem naquele
lugar. Isso mostra que, à medida que o sujeito se apropria do espaço, por mais que não tenha
nascido do mesmo, ele pode se reconhecer e transformar o mesmo.
As comunidades rurais possuem um histórico de lutas pelo direito à terra, por condições
dignas de trabalho, por serem alvo de políticas públicas inócuas, pelo direito à água; e
resistências, seja pela seca, êxodo rural, opressão do trabalho, exclusão social ou outros fatores.
Entretanto, ao mesmo tempo, são resilientes, pois fortalecem sua identidade individual e
coletiva nas relações sociais com os pares, cuja rede de solidariedade e cooperação permitem o
enfrentamento das adversidades.
Então: o que os mobiliza? O vínculo estabelecido com o lugar de moradia, suas
memórias, onde viveram seus pais, criaram seus filhos e de onde tiram os recursos para sua
subsistência representam a força necessária que os une em prol da luta pela permanência nesse
lugar. Ao mesmo tempo em que se apropriam dos espaços vividos e personaliza-os, o indivíduo
também é por ele apropriado.
Diante dos fatos apresentados, constata-se que a reação de mobilização dos moradores
evidencia os fortes laços de apego e identidade de lugar, coesão social e satisfação residencial
das comunidades atingidas, no distrito Baixio das Palmeiras, pelo projeto CAC.
As famílias rurais possuem sentimento de pertencimento, enraizamento e apropriação
de espaço com suas moradias pois representam uma extensão de si mesmo e de suas histórias
de vida. Na cultura dos moradores existe uma rede de apoio que os une e torna as conexões
sociais relevantes e o cuidado com os idosos, como valor importante a ser preservado.
193
REFERÊNCIAS
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risco diante de desastres naturais. Psico., Porto Alegre, v. 46, n. 2, p. 155-164, abr./jun. 2015.
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213
(assinatura)
Impressão Datiloscópica
Telefone para contato:
Documento de Identificação: CPF/RG
214
Prezado Sr(a),
Esta pesquisa é referente ao projeto do doutorado interinstitucional (DINTER) entre a
Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal do Cariri (UFCA).
O objetivo do estudo é analisar os efeitos da migração ambiental compulsória em
hidroterritórios, nas famílias das comunidades do Baixio das Palmeiras, Chapada do Baixio,
Oitis e Muquém; em uma perspectiva intergeracional, em virtude do projeto Cinturão das Águas
do Ceará (CAC).
Considerando que a pesquisa só poderá ser realizada através de vossa participação,
convido-o (a) a responder voluntariamente e colaborar com este estudo. Sua participação é livre
e deve ser consentida após os esclarecimentos quanto aos objetivos da pesquisa, à forma de
contribuição; e ao que será feito com os resultados da pesquisa. Seu anonimato será garantido.
O procedimento utilizado para coleta de dados será uma entrevista guiada por
formulários semiestruturados. Quanto aos riscos oferecidos pela pesquisa, entendemos que sua
aplicação poderá trazer algum desconforto, como por exemplo, inibição do sujeito pesquisado.
Embora tal risco seja mensurado como mínimo, esse será considerado, de forma a buscarmos
estratégias para que tal desconforto se minimize, como utilização de espaço calmo e reservado,
além do fato de que eventuais esclarecimentos serão fornecidos, quando solicitados; bem como
o respeito ao direito do sujeito pesquisado de solicitar o não registro de suas respostas, caso isso
lhe gere constrangimento.
Sua contribuição será no sentido de responder aos questionários da pesquisa. Suas
sugestões e considerações serão importantes e, após analisadas, poderão ser acatadas.
Os dados informados serão mantidos em sigilo e utilizados somente para fins de pesquisa,
podendo ser apresentados em encontros, debates, eventos científicos e publicados em revistas
científicas.
Ressalto que você não receberá nenhum pagamento e que a pesquisa não acarretará em
nenhum dano, risco ou desconforto, bem como em despesas financeiras. E ainda, caso você
desista de participar da pesquisa, seu direito em retirar o consentimento será garantido.
Caso precise de qualquer informação a respeito da pesquisa, comunique-se com:
Nome: Liana de Andrade Esmeraldo Pereira
Instituição: Universidade Federal do Cariri (UFCA)
Endereço: Av. Tenente Raimundo Rocha S/N - Bairro Cidade Universitária
Juazeiro do Norte - Ceará - CEP: 63048-080.
215
E-mail: [email protected]
Telefone para contato: (88) 9 9703-1377
Podendo procurar também o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do
Cariri, situado na rua Divino Salvador, 284 - Bairro: Rosário - Térreo - Sala do Comitê de Ética
em Pesquisa, Barbalha/ Ce, ou através do telefone (88) 3221-9607.
Desde já, agradeço sua colaboração para o desenvolvimento desta pesquisa.
2010
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As referências estão ordenadas de acordo com a data de publicação dos documentos apresentados.
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Disponível em: https://www.ceara.gov.br/2018/12/05/em-reuniao-com-governador-ministro-libera-r-
43-milhoes-para-o-cac-e-marca-inauguracao-da-transposicao/. Acesso em: 22 abr. 2019.
MATOS, Deputado Raimundo Gomes de. Relatório final: [projeto de integração da bacia do Rio São
Francisco com região Nordeste]. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=02D9183288156D51B099
0358AED2EA77.proposicoesWeb2?codteor=1699241&filename=REL+1/2018+CEXTRRIO. Acesso
em: 22 abr. 2019.
2019
10 RODRIGUES, Antonio. Trecho emergencial do Cinturão das Águas é concluído, diz governo. Diário
do Nordeste, 6 fev. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/regiao/trecho-emergencial-do-cinturao-das-
aguas-e-concluido-diz-governo-1.2059973. Acesso em: 22 abr. 2019.
RODRIGUES, Antonio; COSTA, André. Obras hídricas do Nordeste trazem esperança e causam
transtornos. Diário do Nordeste, 7 fev. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/regiao/obras-hidricas-do-nordeste-trazem-
esperanca-e-causam-transtornos-1.2060328. Acesso em: 22 abr. 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. O Cinturão de Águas do Ceará (CAC) tem dois grandes
objetivos... O Povo, 15 mar. 2019. Disponível em: https://www.ana.gov.br/noticias-antigas/cinturapso-
das-aguas.2019-03-15.5043709136. Acesso em: 17 mar. 2020.
JORNAL JANGADEIRO. Cinturão das Águas é uma das obras inseridas no Plano de Segurança
Hídrica do Governo Federal. Tribuna do Ceará, 2019. Disponível em:
https://tribunadoceara.uol.com.br/videos/jornal-jangadeiro/cinturao-das-aguas-e-uma-das-obras-
inseridas-no-novo-plano-de-seguranca-hidrica-do-governo-federal/. Acesso em: 22 abr. 2019.
220
G1 CEARÁ. Bloqueio de recursos atrasa obras do Cinturão das Águas no Ceará. G1.com,16 maio
2019. Disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/05/16/contingenciamento-de-
recursos-atrasa-obras-do-cinturao-das-aguas-no-ceara.ghtml. Acesso em: 17 mar. 2020.
NASCIMENTO, Hugo Renan do. Cinturão das Águas tem obras paralisadas no
Cariri; funcionários devem ser demitidos no próximo mês. Globo.com, 31 maio 2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/05/31/cinturao-das-aguas-tem-obras-paralisadas-no-cariri-
funcionarios-devem-ser-demitidos-no-proximo-mes.ghtml. Acesso em: 17 mar. 2020.
CASTRO, Alessandra; ROVERE, Flávio. Impasse sobre Cinturão das Águas se mantém e preocupa
deputados. Diário do Nordeste, 8 ago. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/politica/impasse-sobre-cinturao-das-aguas-se-
mantem-e-preocupa-deputados-1.2133462. Acesso em: 17 mar. 2020.
MENDES, Wagner. Águas têm prazo para chegar ao CE; impasse sobre recursos persiste. Diário do
Nordeste, 30 ago. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/politica/aguas-tem-prazo-para-chegar-ao-ce-
impasse-sobre-recursos-persiste-1.2143502. Acesso em: 17 mar. 2020.
CAVALCANTE, IRNA. Obras do Cinturão das Águas voltam a paralisar, desta vez no Cariri. O Povo,
28 set. 2019. Disponível em: https://mais.opovo.com.br/jornal/economia/2019/09/27/obras-do-
cinturao-das-aguas-voltam-a-paralisar--desta-vez-no-cariri.html. Acesso em: 17 mar. 2020.
G1 CEARÁ. Governo Federal repassa R$ 16,6 milhões para obras do Cinturão das Águas do Ceará.
G1.com, 9 out. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/10/09/governo-
federal-repassa-r-166-milhoes-para-obras-do-cinturao-das-aguas-do-ceara.ghtml. Acesso em: 17 mar.
2020.
RODRIGUES, Antonio. Obra do Cinturão das Águas ameaçada por falta de recursos. Diário do
Nordeste, 29 out. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/regiao/obra-do-cinturao-das-aguas-ameacada-
por-falta-de-recursos-1.2167. Acesso em: 17 mar. 2020.
REDAÇÃO DO DIÁRIO DO NORDESTE. Cinturão das Águas deve receber mais R$ 15 milhões até
o fim do ano. Diário do Nordeste, 12 nov. 2019. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/editorias/negocios/cinturao-das-aguas-deve-receber-mais-
r-15-milhoes-ate-o-fim-do-ano-1.2174196. Acesso em: 17 mar. 2020.
221
FRANCO, Esther. Guilherme Landim comenta repasses do Governo Federal ao Cinturão das Águas do
Ceará. PDT 12, 13 nov. 2019. Disponível em: https://www.pdt.org.br/index.php/guilherme-landim-
comenta-repasses-do-governo-federal-ao-cinturao-das-aguas-do-ceara/. Acesso em: 17 mar. 2020.
BLOG DO EDISON SILVA. Camilo Santana consegue recursos do Governo Federal para o Cinturão
das Águas. 11 dez. 2019. Disponível em: https://blogdoedisonsilva.com.br/2019/12/camilo-santana-
consegue-recursos-do-governo-federal-para-o-cinturao-das-aguas/. Acesso em: 17 mar. 2020.
2020
11 COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS. Comitê do Rio Salgado discute Cinturão
das Águas e transposição do São Francisco. COGERH, 20 fev. 2020. Disponível em:
https://portal.cogerh.com.br/comite-do-rio-salgado-discute-sobre-cinturao-das-aguas-e-transposicao-
do-rio-sao-francisco/. Acesso em: 21 mar. 2020.
TORRENT, Andréa. Após 14 anos, transposição do Rio São Francisco entra na reta final. Gazeta do
Povo, 4 jul. 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/transposicao-rio-sao-
francisco-obras-reta-final/. Acesso em: 24 ago. 2020.
CORDEIRO, Marília. 2 mil pessoas são retiradas de casa no entorno da barragem de Jati, no Ceará,
após rompimento de tubulação. G1, 22 ago. 2020. Disponível em:
https://g1.globo.com/google/amp/ce/ceara/noticia/2020/08/22/duas-mil-pessoas-sao-evacuadas-do-
entorno-da-barragem-de-jati-no-ceara-apos-rompimento-de-
tubulacao.ghtml?__twitter_impression=true. Acesso em: 24 ago. 2020.
Fonte: elaborado pela autora (2020).
222
Dados de Identificação:
1. Nome
2. Data de Nascimento
3. Profissão
4. Função na comunidade
Dados de Identificação:
1. Nome
2. Data de Nascimento
3. Formação Profissional
4. Função
APÊNDICE E - Linha do Tempo do Fórum Popular das Águas do Cariri (FOPAC): quadro
de referências
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2015, Crato-CE. Ata [...]. [Fica estabelecida a organização
do Fórum...]. Crato-CE, FOPAC, 2015b. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2015, Crato-CE. Convite [...]. [Reunião de criação do Fórum
Popular das Águas do Cariri]. Crato-CE, FOPAC, 2015c. Não publicado.
2016
ASSOCIAÇÃO RURAL BAIXIO DAS PALMEIRAS. V Seminário Das Associações Rurais Do Baixio Das
Palmeiras. Crato: E.E.I.E.F. Professora Rosa Ferreira de Macedo, Baixio do Muquém, 2016. 1 cartaz.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2016, Crato-CE. Ata [...]. [Definição da audiência que
acontecerá no auditório da Universidade Federal do Cariri]. Crato-CE, FOPAC, 2016a. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2016, Crato-CE. Ata [...]. [Encaminhamentos e ações do
Fórum]. Crato-CE, FOPAC, 2016b. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2016, Crato-CE. Ata [...]. [Estabelecimento da mesa-
redonda: água e saneamento]. Crato-CE, FOPAC, 2016c. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2016, Crato-CE. Ata [...]. [Fica estabelecido o
acompanhamento dos sindicatos...]. Crato-CE, FOPAC, 2016d. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Caracterização das comunidades atingidas pelo Cinturão
das Obras do Ceará: CAC. Crato-CE: FOPAC, [2016e]. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Carta de princípios do Fórum Popular das Águas do
Cariri. Crato-CE, 2016f. Não publicação.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Debate: água e saneamento. Juazeiro do Norte: FOPAC.
2016g. 1 cartaz.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Formulário de cadastro ação de extensão: edital 07/2015
- PROEX. Juazeiro do Norte: Universidade Federal do Cariri, Pró-Reitoria de Extensão, [2016h]. 9 p. Não
publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Ofício. Crato-CE: FOPAC, 8 out. 2016i. Assunto: Convite
ao Deputado Renato Roseno para participação da mesa-redonda no Seminário das águas do Cariri. Não
publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Programação do Seminário das Águas do Cariri. Crato-
CE: FOPAC, 2016j. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. [Rascunho do projeto Yara]. [Crato-CE]: FOPAC, 2016k.
Não publicado.
20
Os documentos estão disponíveis no arquivo particular do Liro Nobre, representante do FOPAC. As referências
estão ordenadas de acordo com a data de elaboração dos documentos apresentados.
225
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. [Relatório de atividades do FOPAC]: CAC. Crato-CE:
FOPAC, 2016l. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Seminário das Águas do Cariri: os impactos das grandes
obras e diagnóstico hídrico regional e estadual. Crato: Auditório Papa Francisco. 2016m. 1 cartaz.
2017
ASSOCIAÇÃO RURAL DO BAIXIO DAS PALMEIRAS. Ofício. Crato-CE: FOPAC, 10 jul. 2017. Assunto:
Conforme resposta, (IC 04/2013) no e-mail do dia 21 de março de 2017 [...].Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2017, Crato-CE. Ata [...]. [Aborda os impactos do açude
Barbosa em Várzea Alegre]. Crato-CE, FOPAC, 2017a. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2017, Crato-CE. Ata [...]. [É definida a necessidade de ir às
comunidades e coletar informações como mapeamento das propriedades e número de removidos, coleta de
denúncias e principais demandas]. Crato-CE, FOPAC, 2017b. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2017, Crato-CE. Ata [...]. [Solicitação de ata de audiência
pública sobre o Cinturão das Águas, ocorrido em maio no Assentamento...]. Crato-CE, FOPAC, 2017c. Não
publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Nota de repúdio. Crato-CE: FOPAC, jun. 2017d. Não
publicado.
2018
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI, 2018, Crato-CE. Ata [...]. [Ata da reunião do Fórum Popular
das Águas do Cariri ocorrida no dia vinte e nove de janeiro de dois mil e dezoito na sede do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do Crato, às dez horas da manhã]. Crato-CE, FOPAC, 2018a. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Nota de apoio à proibição da pulverização aérea de
agrotóxicos no Estado do Ceará. [Crato-CE]: FOPAC, 2019b. Não publicado.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Programação [I Jornada Internacional Injustiça hídrica
e territórios de resistência]. [Fortaleza]: FOPAC, 2019d. 1 cartaz.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. Programação: IX Semana Zé Maria do Tomé. Limoeiro do
Norte; Quixeré; Tabuleiro do Norte: FOPAC, 2019.
FÓRUM POPULAR DAS ÁGUAS DO CARIRI. [Resumo das atividades do Fórum Popular das Águas].
[Crato-CE]: FOPAC, 2019e. Não publicado.
Primeiramente, agradecemos por sua colaboração. Abaixo você tem uma série de
perguntas pessoais, as quais nos ajudarão a compreender sua história de vida e seu lugar de
moradia. Qualquer dúvida em alguma questão, consulte nosso aplicador.
DADOS DO APLICADOR
Nome: Data: Hora:
Lugar: Questionário número:
FORMULÁRIO SÓCIOECONÔMICO
1. DADOS PESSOAIS
NOME DO ENTREVISTADO (INICIAIS):
1.1 SEXO: ( ) M ( ) F
1.2 IDADE: 18 a 25 ( ) 26 a 33 ( ) 34 a 41 ( ) 42 a 49 ( ) 50 ou mais ( )
1.3 VOCÊ SE CONSIDERA: ( ) branco ( ) pardo/moreno ( ) preto ( ) indígena ( ) quilombola
1.4 FILHOS: ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ou mais ( ) nenhum
1.5 RELIGIÃO:
( ) católica ( ) evangélica ( ) afro-brasileira ( ) oriental ( ) espírita ( ) sem religião ( ) outra
1.6 ESTADO CIVIL:
( ) solteiro(a) ( ) casado(a) ( ) separado(a)/divorciado(a) ( ) viúvo(a) ( ) mora com um(a)
companheiro(a)
1.7 NASCEU NA COMUNIDADE? Sim ( ) Não ( ) Se não, de onde veio?
1.8 HÁ QUANTO TEMPO VIVE NA COMUNIDADE?
2. ESCOLARIDADE, TRABALHO E RENDA
2.1 NÍVEL DE ESCOLARIDADE:
( ) não estudou ( ) 1ª a 4ª série do fundamental (antigo primário) ( ) 5ª a 8ª série (antigo ginásio)
( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio completo ( ) ensino superior incompleto
( ) ensino superior completo ( ) pós-graduação
2.2 EM QUE TRABALHA?
( ) não trabalha ( ) comércio ( ) agricultura ( ) pecuária ( ) pensionista ( ) construção civil (
)empregado de propriedade rural de outra pessoa ( ) autônomo
Se autônomo, especifique o tipo de trabalho: ( ) trabalhador doméstico ( ) funcionário do governo
( ) outra categoria ____
227
As frases abaixo expressam sentimentos e percepções que você pode ter sobre seu lugar
de moradia e a sua comunidade. Leia com atenção cada opção e marque os itens com
sinceridade. Procure não deixar respostas em branco e saiba que não há certo ou errado.
direitos
33. O fórum não significou nada para minha vida 1 2 3 4 5
34. O fórum foi importante para eu entender as consequências da
1 2 3 4 5
política de água na nossa comunidade
35. O fórum não representou nada para nossa comunidade 1 2 3 4 5
231
2
263
264