Recensao Han B-C 2016 O Aroma Do Tempo Um Ensaio F
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Vitor de Sousa
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Han, B.-C. (2016). O aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora. Lisboa: Relógio d’Água. . Vítor de Sousa
os meios, pois que, a não ser assim, nada mais lhe resta: “em certo sentido, sofremos
uma perda radical de tempo, do ser-com (Mitsein). A saúde do frágil corpo de cada um
substitui no mundo e substitui Deus. Nada perdura além da morte. (…) As pessoas en-
velhecem sem se tornarem maiores” (p. 10). Mas nem por isso a vida atual está menos
ligada à absolutização da vida ativa, sendo que esta última conduz a um imperativo do
trabalho, que degrada a pessoa em animal laborabs. “A hipercinesia quotidiana despoja
a vida humana de qualquer elemento contemplativo, qualquer capacidade de demora.
Pressupõe a perda do mundo e do tempo”. As chamadas estratégias de desaceleração
não são capazes de pôr fim à crise temporal contemporânea. É, assim, necessária uma
revitalização da vida contemplativa: “A crise temporal só será superada no momento em
que a vida ativa, em plena crise, acolha de novo no seu interior a vida contemplativa”
(pp. 10-11).
Byung-Chul Han é claro na sua escrita que assume, por vezes, contornos de um
verdadeiro soundbyte (por exemplo, “é assim que a fazer zapping nos movemos no mun-
do”, p. 56). As ideias são percecionadas logo à primeira leitura, mesmo que a complexi-
dade do pensamento pudesse indiciar o contrário. O aroma do tempo está dividido em
12 capítulos. Em “Des-tempo” (p. 13), escolhe Nietzsche para abrir as hostilidades, e
discorre sobre a aceleração atual que, afirma, tem a sua causa na incapacidade geral de
acabar e de concluir “o tempo aperta porque nunca se acaba – nada conclui porque não
se rege por gravitação alguma”. A aceleração exprime, portanto, que se romperam os
diques temporais e já não há diques que regulem, articulem ou deem ritmo ao fluxo do
tempo, que possam detê-lo e guiá-lo (p. 14); em “Tempo sem aroma” (p. 25), aborda a
problemática do tempo histórico, que não conhece um presente duradouro, em que as
coisas não persistem numa ordem inamovível. O tempo já não remete para trás, mas
impele para diante; já não repete, mas alcança, ficando o passado e o futuro ficam des-
compensados. O tempo histórico é linear, mas manifesta-se de diferentes maneiras nas
suas formas de transcorrer ou aparecer: “o homem não é livre. Está submetido a Deus.
Não se projeta no futuro. Não projeta o seu tempo. Está antes lançado no fim definitivo
do mundo e do tempo. Não é o sujeito da história” (p. 27).
Outro dos capítulos intitula-se “A velocidade da história”, em que o autor refere
que a técnica moderna afasta o homem da Terra, já que “os aviões e as naves espaciais
arrancam-no da força da gravidade terrestre” e, quanto mais se distancia da Terra, mais
pequeno se torna, e quanto mais depressa nela se move, mais se retrai. A Internet e o
correio eletrónico fazem com que a geografia e a própria Terra desapareçam” (p. 33);
seguindo-se “Da época do marchar à época do zumbido” (p. 43) em que, através de Zyg-
munt Bauman, se refere ao homem moderno como um peregrino que percorre o mundo
como se se tratasse de um deserto, dando forma ao informe, conferindo continuidade
ao episódico e fazendo do fragmentário um todo. Para Han, o peregrino moderno, no
entanto, pratica uma vida “a caminho”, sendo o seu mundo “determinado”, pelo que a
ideia do “peregrino” de Bauman, não corresponde ao homem moderno, uma vez que o
peregrinus se sente estrangeiro nesta terra. Dessa forma, escreve que o retraimento do
presente não esvazia nem dilui o tempo, assentando o paradoxo no facto de “que tudo é
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um presente simultâneo, tudo tem a possibilidade, ou deve tê-la, de ser agora”. É assim
que “a fazer zapping nos movemos no mundo” (p. 56). Seguem-se os capítulos “Cristal
de tempo aromático” (p. 57) e “O tempo dos anjos” (p. 65), em que pega de novo na
ideia do fim das grandes narrativas, reputando-o como “fim da época épica, da história
como intrigue – que denota os acontecimentos de uma trajetória narrativa e, por meio
de uma relação, cria uma significatividade”. O fim da narrativa é, por isso e antes de
mais, “uma crise temporal”, que destrói qualquer gravitação temporal que possa reunir
o passado e o futuro no presente: “os representantes do pós-modernismo tendem antes
a desenhar diferentes estratégias do tempo e do Ser para contrariar a desintegração do
tempo, a destemporalização” (pp. 65-66).
Outros capítulos que integram a obra são “Relógio aromático: um breve excurso
sobre a China antiga” (p. 71) e “A dança do Mundo” (p. 77), para além de “O cheiro a
madeira de carvalho” (p. 87), em que se refere à aceleração generalizada do processo de
vida que priva o homem da capacidade contemplativa. Escreve que “a aceleração não é
um acontecimento primário, que só a posteriori condiz à perda da vida contemplativa”,
pelo que a relação entre a aceleração e a perda da vida contemplativa é muito mais com-
plexa. O livro termina com os capítulos “O tédio profundo” (p. 97) e “Vida contempla-
tiva” (p. 103), já destacado anteriormente e que termina tal como começou, com uma
citação de Nietzsche: “à falta de sossego, a nossa civilização desemboca numa nova
barbárie. Em nenhuma época foram mais cotados os ativos - quer dizer, os desassosse-
gados”. Pelo que entre as correções necessárias que devem introduzir-se no caráter da
humanidade, se deve contar “uma ampla medida de fortalecimento do elemento con-
templativo” (p. 135).
O que quer dizer que, “se se expulsar dela todo o elemento tranquilo, a vida acaba
numa hiperatividade letal”, e a pessoa “afoga-se no seu assunto particular”. Uma revi-
talização da vida contemplativa é, assim, necessária, “porque abre um espaço de respi-
ração (Atemraume). Talvez o espírito deva a sua origem a um excedente de tempo, a um
otium, a uma respiração pausada” (pp. 135-136).
Desde os anos 60 do século XX que se vive numa era assente no desenvolvimento
das Tecnologias da Informação e da Comunicação, decorrente do incremento da veloci-
dade e da alteração do conceito de tempo. A fragmentação subsequente e a integração
de novas realidades desembocou na crise de paradigmas (Lyotard, 1986) que trouxe ao de
cima, por exemplo, a crise de identidade (Hall, 1992). Toda a lógica da modernidade foi
desconstruída, provocando o descentramento daquilo que se julgava estável, colocando
em causa a legitimidade e a “bondade” explicativa anterior, caindo, assim, por terra a
organização hegeliana de tese, antítese e síntese, uma vez que todos estão, agora, con-
vocados para o presente, sabendo-se da existência de um princípio, mas não de um fim
(Martins, 2011). Byung-Chul Han está de acordo com isso, muito embora sublinhe que
o final do tempo enquanto duração narrativa não teria de implicar um vazio temporal.
Existe, agora, pelo contrário, a possibilidade de uma vida que prescinda da teologia e
da teleologia e que apesar disso tenha um aroma próprio. Seria necessário recuperar
conceitos de Hannah Arendt plasmados em A condição humana, em que o pensamento
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foi sempre privilégio reservado a muito poucos: “mas, precisamente por isso, o número
desses poucos não se reduziu ainda mais na atualidade” (p. 129), pois a crise temporal
só poderá ser ultrapassada quando a vida ativa acolher de novo a vida contemplativa.
O filósofo sul-coreano nascido em Seul, em 1959, e radicado na Alemanha desde os
anos 80 do século XX, onde estudou filosofia, literatura e teologia nas Universidades de
Munique e Friburgo, tendo-se doutorado em 1994 com uma tese sobre a obra de Heide-
gger, tem dedicado o seu pensamento aos principais temas e problemas que ocupam as
sociedades contemporâneas; às causas dessa evolução, refletindo sobre a possibilidade
de a inverter. Em A agonia de Eros (2014b), debruça-se sobre a banalidade do amor e
da fantasia relativamente à emergência do impulso narcísico, consumista e pornográ-
fico. As ideias de pressão, desgaste e perturbação no universo do trabalho e da família
preenchem A sociedade do cansaço (2014a); a crítica estrutural à democracia, ao sistema
capitalista e ao poder totalizador da técnica e das realidades digitais são a temática de
Psicopolítica (2014c) e de A sociedade da transparência (2014d). Numa outra obra mais
recente, A expulsão do Outro (2016), Han que sublinha a ideia de que o que hoje leva a
sociedade a adoecer não é a alienação, a proibição ou a repressão, mas o excesso de
informação e o hiperconsumo, sublinhando que a globalização provoca a uniformização
e o esbatimento do “outro”, seja ele qual for. Diz ser necessária uma revolução temporal
que faça com que um tempo totalmente outro comece: “ao contrário do tempo do eu,
que nos isola e nos individualiza, o tempo do outro cria uma comunidade. Por isso, é um
tempo bom” (p. 95). Já em Psicopolítica (2014c), o autor se referia à figura do “idiota”,
tipificando-o não como aquele com comportamentos duvidosos, mas como o que se
afasta para contemplar (o “herege moderno”) o que acontece, de resto, em O aroma do
tempo, dando coesão ao tempo e permitindo o resgate da narrativa como força criadora.
O idiotismo opõe-se, assim, “ao poder de dominação neoliberal, à comunicação, e à
vigilância totais”(p. 89).
São ideias que o próprio Byung-Chul Han aborda a cada passo, como na entrevista
que deu a Carles Geli (El Pais, Brasil), em que afirma ser preciso revolucionar o uso do
tempo, uma vez que “a aceleração atual diminui a capacidade de permanecer”. Precisa-
mos, por isso, de um tempo próprio, livre, que o sistema produtivo não nos deixa ter,
que signifique ficar parado, sem nada produtivo a fazer, “mas que não deve ser confun-
dido com um tempo de recuperação para continuar trabalhando; o tempo trabalhado é
tempo perdido, não é um tempo para nós” (2018, s.p.).
Através do pensamento de Han, que diaboliza o trabalho e, em alternativa, envere-
da pela via do pensamento contemplativo, através do culto do ócio, resta saber se essa
será a via para reformular a dispersão temporal que, ainda que o próprio afiance que
a crise temporal não tenha já que ver com o processo de aceleração generalizada, terá
tudo a ver com isso.
Referências
Crary, J. (2013). 24/7: Late capitalism and the ends of sleep. Londres/Nova Iorque: Verso.
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Han, B.-C. (2016). O aroma do tempo. Um ensaio filosófico sobre a arte da demora. Lisboa: Relógio d’Água. . Vítor de Sousa
Geli, C. (2018, 7 de fevereiro). Byung-Chul Han: “Hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização”.
El Pais, Brasil. Retirado de https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/07/cultura/1517989873_086219.
html?%3Fid_externo_rsoc=FB_BR_CM
Martins, M. L. (2011). Crise no castelo da cultura – das estrelas para os ecrãs. Coimbra: Grácio Editor.
Nota biográfica
Vítor de Sousa é doutorado em Ciências da Comunicação (Comunicação Intercul-
tural), pela Universidade do Minho, com a tese Da ‘portugalidade’ à lusofonia, é mestre
(especialização em Educação para os Média) e licenciado (especialização em Informa-
ção e Jornalismo) na mesma área. Entre as suas áreas de investigação constam as ques-
tões em torno da identidade, Estudos Culturais, Educação para os Média e teorias de
Jornalismo. É investigador do CECS, onde integra o Grupo de Estudos Culturais, mem-
bro do projeto “CulturesPast&Present – Memories, cultures and identities: how the past
weights on the present-day intercultural relations in Mozambique and Portugal?” (FCT/
Aga Khan) e do Museu Virtual da Lusofonia. É sócio da Sopcom, ECREA e da Associa-
ção dos Amigos da Biblioteca Municipal de Penafiel. Venceu o Prémio Científico Mário
Quartim Graça 2016, que distinguiu a melhor tese concluída nos últimos três anos na
área das Ciências Sociais e Humanas, em Portugal e na América Latina. Foi jornalista
(1986-1997) e assessor de imprensa (1997-2005).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6051-0980
Email: [email protected]
Morada: CECS-Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, ICS-Instituto de
Ciências Sociais, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga
Submetido: 18/01/2019
Aceite: 18/02/2019
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