A Inclusão Das Mulheres Nos Jogos Olimpicos 1

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

A Inclusão das Mulheres: Períodos Diferentes, Leituras Diferentes

a. De 1896 a 1928

Hargreaves (1984) identificou três períodos de participação de mulheres atletas


nos Jogos Olímpicos da Era Moderna: (1º) de 1896 a 1928; (2º) de 1928 a
1952 e (3º) de 1952 até hoje.
O primeiro período é caracterizado pela tradição da exclusão e alguns esforços
para resistir a essa prática. Foi também a época em que as mulheres estavam
começando a trabalhar fora, tendo mais acesso à educação, lutando para ter
direto ao voto e tentando se ajustar às mudanças constantes de uma nova
sociedade que exigia novos papéis de gênero. Este período inclui os anos de
1920, quando, de acordo com Théberge (1991), havia alguma luta pelo controle
do esporte feminino internacional e pela forma e definição da participação das
mulheres. Na medida em que o progresso empurrou os países industrializados
para frente, também pressionou uma mudança no esporte feminino
internacional. Já que o COI se recusava a incluir o atletismo feminino nos
Jogos Olímpicos, a francesa Alice de Milliatt desafiou a situação da época,
fundou a Fédération Sportive Féminine Internationale (Federação Esportiva
Feminina Internacional) e organizou os primeiros Jogos Olímpicos Femininos
em 1922 (Drevon,2005). Eles foram tão bem sucedidos que foram re-editados
em 1926, 1930 e 1934 como The Women’s World Games (Jogos Femininos
Mundiais). Eles se tornaram visíveis ao COI especialmente por causa do
enorme interesse do público, contrariando declarações de Coubertin, que dizia
que o esporte feminino era ‘desinteressante’. Os Jogos Femininos Mundiais
com seu enorme público pressionaram o COI a incorporá-los permanentemente
aos Jogos Olímpicos, porém somente depois de longas negociações e
manobras políticas (Miragaya & DaCosta, 2006). Os Jogos Femininos Mundiais
também influenciaram os Jogos Femininos no Brasil em 1933 (Tavares) e em
1949 (Mourão & Soares, 1999).
As mulheres estavam começando a vencer suas batalhas para a inclusão, o
que pode ser observado nas palavras de Coubertin quando ele deixou a
presidência do COI em 1925: “Eu continuo contra a participação das mulheres
nos Jogos Olímpicos. Elas foram incluídas em grandes números contra a
minha vontade” (Pfister, 2000).
Foi ainda durante o período 1896-1928 que apareceram dois pontos cruciais de
debate sobre o envolvimento da mulher no esporte. Eles iriam influenciar por
um bom tempo o papel da mulher no esporte e sua participação nos Jogos
Olímpicos. O primeiro ponto, ainda baseado na tradição e relacionado à
sabedoria médica pobre e limitada da época, com nenhuma evidência que
pudesse provar, promoveu crenças baseadas na suposta fragilidade natural da
mulher e condenou a atividade física vigorosa como perigo para a saúde e o
bem-estar da mulher. Consequentemente, ao longo das várias Olimpíadas, a
participação de mulheres no atletismo e em esportes de equipe, que exigiam
contato físico, era feita de forma restrita e supostamente baseada no caráter da
fragilidade. A mulher ainda era o ser que procriava, biologicamente diferente do
homem, e sujeita a prescrições dos médicos, todos, claro, do sexo masculino.
As mulheres foram então excluídas das modalidades de força do atletismo e
somente aos poucos as equipes femininas de esportes coletivos foram
introduzidas nos Jogos Olímpicos.
O segundo ponto de debate era sobre o controle do esporte feminino, assunto
novo para a sociedade e para as mulheres. De acordo com a tradição, as
posições ativas de comando e poder deveriam pertencer aos homens e não às
mulheres. Estas deveriam obedecer e se manter passivas. Muitas disputas
ocorreram sobre quem deveria controlar o esporte feminino nacional e
internacional e quais deveriam ser a forma e definição da participação da
mulher. Para seguir a tradição mais uma vez, as mulheres continuaram
excluídas, fora do controle de sua própria participação no esporte nacional e
internacional. Sumarizando, é possível afirmar que os acontecimentos das
décadas de 1920 e de 1930 tiveram dois significados essenciais de cunho
cultural e social: (1) a definição e o significado do esporte feminino baseados
nas diferenças biológicas e (2) o controle da organização dos esportes
femininos como uma função tipicamente masculina.

b. De 1928 a 1952

Esses dois significados foram levados para a segunda fase. Hargreaves (1984)
identificou o período entre 1928 e 1952 como de luta e de consolidação. As
mulheres se esforçaram muito para se tornarem visíveis e para consolidar sua
posição como esportistas. Este era um conceito novo não somente para elas,
mas também para a sociedade como um todo. As mulheres estavam numa
situação complexa que exigia a criação de modelos de mulheres que
praticavam esportes e que participavam de grandes competições como os
Jogos Olímpicos. As mulheres até então só podiam se espelhar em modelos do
sexo masculino: os heróis das Olimpíadas. Elas se viram então numa
encruzilhada que apontava em duas direções: ou elas continuavam a seguir o
modelo masculino tradicional, que já existia com sua temática própria, ou então
elas teriam que inventar modelos novos de mulheres do esporte, baseados
nelas próprias e em sua temática feminina. Naquela época a decisão ficou para
a primeira alternativa, que significava alguma inclusão, especialmente por
causa do acesso limitado aos esportes olímpicos imposto pelo COI em 1928.
As mulheres deram um pequeno passo para frente e garantiram seu papel com
participantes ativas no esporte e na sociedade. Esta posição de certa
estabilidade foi reforçada durante os anos 40, quando as mulheres tiveram que
ser mobilizadas em maior número para ocupar os postos deixados pelos
homens que tiveram que ir para os campos de batalha na Europa. A Segunda
Guerra Mundial impediu as edições dos Jogos Olímpicos dos anos 1940 e
1944. Por outro lado, a participação maciça direta e indireta e a consequente
maior inclusão das mulheres na economia de seus países que estavam em
guerra contribuíram enormemente para o re-posicionamento da mulher na
sociedade e para a conscientização do lugar que ocupavam.
Durante esta época, o modelo da mulher esportiva, baseado nas diferenças
biológicas e que havia sido construído durante os anos 30, foi levado para os
currículos escolares e acabou limitando a forma com que as mulheres olhavam
sua própria capacidade atlética e esportiva. Entretanto, ao final deste período,
a participação de mulheres atletas nas Olimpíadas transformou-se num fato
corriqueiro. Os ganhos eram conservadores porque o modelo da mulher atleta
que havia sido adotado espelhava o do herói masculino e reforçava o ideal
feminino atlético, seu significado cultural e o mito da fragilidade feminina (The
Real Story of the Ancient Olympic Games, 2005). Daí então é possível observar
a manutenção dos papéis tradicionais da mulher.

c. Após 1952

O ano de 1952 dá início a um período de desafios à hegemonia masculina no


esporte olímpico, especialmente por causa de dois eventos (Boutilier &
Giovanni, 1991). Não se pode dizer que durante esta fase as relações de
gênero seriam reconstruídas para compensar por desigualdades passadas,
porém pôde se observar que as mulheres descobriram novos caminhos para
lutar contra a exclusão, tradição, passividade e as tarefas impostas pela
sociedade para então tentar alcançar seus objetivos de inclusão, inovação,
atividade e o design de novos papéis num mundo que estava mudando rápido
demais. Uma análise em perspectiva do passado recente e das mudanças
detectadas nas Olimpíadas de 2000 pode ilustrar esses pontos.
O primeiro acontecimento foi a entrada da União Soviética e dos outros países
do bloco do Leste como novos participantes na expansão dos Jogos que
aconteceram em Helsinque, na Finlândia, no pós-guerra. Estes países não
discriminavam as mulheres atletas porque tinham objetivos e tradições culturais
diferentes, nas quais as mulheres já haviam sido incluídas há muito tempo
atrás. Valorizava-se demais o desempenho dos atletas sem discriminação do
gênero dos vitoriosos. Grandes investimentos materiais e sociais no
treinamento desses atletas haviam sido feitos para que eles pudessem
participar nos Jogos Olímpicos. Consequentemente, o número de atletas
mulheres participantes aumentou de 385 em 1948 para 518 em 1952. As novas
atletas se tornaram visíveis por seu desempenho de sucesso, expondo seu
treinamento e sua educação específica nas escolas e faculdades (Schneider,
1996). O número de medalhas era o mais importante para os estreantes nas
Olimpíadas.
Mesmo quando os países que faziam parte da antiga União Soviética
começaram a competir por si próprios nos Jogos Olímpicos, o número de
medalhas ainda era mais importante do que o gênero dos atletas que as
recebiam. Sempre que um atleta, masculino ou feminino, conquista uma
medalha de ouro, o hino de seu país é ouvido e a bandeira hasteada, tornando
aquele país visível para o mundo (IOC, 2005). Já era o período da Guerra Fria.
O número de medalhas significava quantas vezes esses países eram
homenageados com suas vitórias. Uma vez que os países do bloco soviético
tinham descoberto uma nova forma de se tornarem visíveis e de fazer
propaganda política, o mundo ocidental foi forçado a se preocupar com sua
própria posição nas Olimpíadas e a prestar maior atenção na participação e no
desempenho das mulheres. Começaram então a investir no treinamento e na
preparação delas. As mulheres souberam aproveitar a oportunidade e se
beneficiaram da situação, tornaram-se inovadoras e começaram a aumentar
sua participação.
O segundo evento aconteceu nos anos 60. Foi o movimento feminista que
ocorreu na América do Norte e na Europa como conseqüência do
desenvolvimento científico e tecnológico, especialmente por causa da invenção
da pílula anticoncepcional, que ajudou as mulheres a enfrentar os métodos
tradicionais, controlar sua vida sexual, e planejar sua família. Os novos papéis
que as mulheres assumiram durante e depois da Segunda Guerra Mundial,
especialmente relacionados à sua entrada no mercado de trabalho e
consequente emancipação financeira, adicionaram-se aos avanços da ciência
produzindo
um re-pensar da posição da mulher na sociedade: um desafio às idéias
tradicionais sobre os papéis do gênero. Como resultado desse novo
posicionamento, foi possível observar um aumento na participação das
mulheres no esporte e, com ele, a preocupação com a posição de
desigualdade da mulher na sociedade e no esporte.
O número de atletas olímpicas tem aumentado. Pode até parecer que as
mulheres já tenham atingido posições de igualdade em relação a sua
representação em números. Nos Jogos de Sydney o número de mulheres
atletas (4.069) foi 38,3% do número total de atletas participantes (10.651)
enquanto que em Atenas foi de 40,7% (4.306 mulheres) do total de 10.864
participantes. Se o objetivo é alcançar 52,0% como proposto por Lucas (1999),
há ainda um caminho longo a percorrer.

O Futuro

Enquanto a biologia e a fisiologia podem oferecer condições para melhor


interpretar as diferenças entre os sexos, acrescentando mais esportes e
modalidades às agendas das mulheres atletas, os contextos cultural e social
continuam a mostrar as diferenças e desigualdades entre os gêneros.
É questionável que a Inglaterra, a Alemanha, a Austrália, os Estados Unidos e
a Rússia aumentem seus números de atletas olímpicas sem que, ao mesmo
tempo, a América do Sul, a América Central, a África e as nações islâmicas
enviem suas atletas para as Olimpíadas. Como o mundo do esporte reflete a
sociedade, pode ainda levar mais algum tempo para que as sociedades
islâmicas, as culturas menos favorecidas economicamente e um número de
países nos quais a igreja católica tradicionalmente tenha compartimentalizado
meninos e meninas a desempenharem papéis específicos na sociedade
abrirem espaço para a igualdade no esporte e em outras funções ligadas ao
esporte. As culturas e costumes antigos devem ser respeitados; crenças
milenares não podem ser eliminadas. A tradição no sentido da exclusão deve
ser re-analisada por lideranças diferentes para que seja tratada de forma
diferente. É essencial se considerar que o esporte é um direito humano já que
ele pertence a todos os seres humanos, homens e mulheres, meninos e
meninas. As diferenças biológicas têm que ser respeitadas para que a
humanidade atinja a igualdade social, especialmente no esporte.
A atividade física e o esporte são direitos do ser humano e devem ser incluídas
em todas as práticas.
O objetivo desejável da liderança olímpica é para que as mulheres de cada
país participem dos Jogos Olímpicos como atletas, treinadoras, e
administradoras e também como representantes nos CONs, nas federações e
no COI. Aumentando o número de representantes femininas no movimento
mundial é ainda uma tarefa mais desafiadora na medida em que cada país se
move na sua própria velocidade em direção a igualdade dos sexos de acordo
com seu próprio contexto (DaCosta & Miragaya, 2002). De alguma forma as
mulheres que têm mais talento têm que descobrir seu próprio caminho para
preencher posições locais, nacionais e internacionais e, exatamente como os
homens têm feito ao longo dos séculos, e aproveitar as oportunidades.
De acordo com Schneider (1996), "qualquer organização que reivindica o
desenvolvimento humano como um de seus principais objetivos tem que apoiar
a representatividade completa da mulher em todos os níveis da organização.
Negar as mulheres o seu próprio espaço - do lado dos homens como iguais e
parceiros - é errado e vergonhoso".
Novas políticas de incentivo para mulheres que praticam esporte terão impacto
positivo no perfil da mulher olímpica e no seu novo papel na sociedade. Pela
primeira vezas mulheres nas áreas do esporte estarão capacitadas a fazer
suas escolhas quando chegarem à encruzilhada. Elas poderão escolher e
seguir o exemplo do herói masculino ou desenvolver seu próprio construto
feminino como heroínas e líderes sem levar em consideração que posição
ocupam no mundo dos esportes se esportistas, administradoras, gerentes,
representantes dos CONs ou até mesmo se for presidente do COI. Elas
estarão conscientes de que também têm o direito ao esporte e à prática da
atividade física e se sentirão com o poder de escolher qualquer um dos dois
caminhos que as leva à inclusão no esporte e à inclusão social.

Conclusão

Olhando para 1896, é possível observar que as mulheres progrediram muito


em seus desafios e lutas. Elas trabalharam bravamente para se inserirem na
sociedade de forma igualitária e têm sido bem sucedidas em vários aspectos.
Elas conquistaram a cidadania e sua inclusão nos Jogos Olímpicos, mas ainda
não atingiram a igualdade em termos de números. Será que elas se tornaram
heróis, heroínas ou mediadoras (Tavares, 2002)? Será que já atingiram uma
posição de equilíbrio?
Seria inimaginável há alguns anos atrás que as mulheres iriam competir numa
maratona e na corrida dos 10.000 metros, ou jogar futebol com habilidade,
dedicação e poder das mulheres das Olimpíadas de 2000. Ao mesmo tempo,
seria difícil de imaginar que as mulheres ocupariam alguma posição no COI ou
chefiariam um Comitê Olímpico Nacional, embora a extensão das mudanças a
níveis organizacionais não tem sido tão dramática quanto aquelas entre
participantes. Há ainda algumas barreiras para serem superadas, das quais a
mais crucial é dividir o poder com a figura masculina que representa a tradição
e o poder no esporte. As mulheres têm questionado papéis tradicionais e se
tornado mais conscientes de seu lugar no terceiro milênio. Elas aprenderam a
pensar que as diferenças biológicas são parte delas próprias e que as
permitem competir em seus próprios termos, mas tendo as mesmas
oportunidades que os homens.
É importante mencionar que a inovação que causou a inclusão da mulher nas
Olimpíadas da Era Moderna pressionou a ciência e a tecnologia para a
pesquisa e novas descobertas que têm mostrado que as mulheres podem de
fato fazer mais do que elas pensaram que poderiam: não somente em termos
de participação em Olimpíadas, mas também em termos de participação em
qualquer tipo de atividade física. A pressão que as mulheres têm feito para
terem o direito de participar das Olimpíadas como seres humanos tem
contribuído muito para o direto que elas têm agora de praticar esportes e
atividade física.
A mulher de amanhã precisa hoje de modelos femininos de atletas, dirigentes,
líderes, administradoras, heroínas como incentivo a desenvolver carreira no
esporte. Isso significa também que necessita de modelos femininos em todas
as outras esferas da sociedade: na sua família, na sua escola, na sua cidade,
em seu país e demais organizações.
A mulher olímpica é um modelo ideal. Os desafios futuros tornam-se mais
claros porque eles contrastam com este modelo. É necessário consolidar
igualdade de direitos e diferenças nas práticas e na educação porque este
parece ser o único caminho. As mulheres então sentirão que tem os mesmos
direitos e saberão que caminho escolher. Será que essa posição representa
um bom exemplo de como procurar um modelo de conflito-resolução
equilibrado em termos de oposições dentro do Movimento Olímpico?

Você também pode gostar