Sustentabilidade Direito Ao Futuro - Juarez Freitas
Sustentabilidade Direito Ao Futuro - Juarez Freitas
Sustentabilidade Direito Ao Futuro - Juarez Freitas
SUSTENTABILIDADE
O Fórum
Um dos maiores juristas brasileiros,
o Prof. Juarez Freitas leciona nas Faculdades
de Direito da PUCRS e da UFRGS. Membro
do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de
Direito Público, tendo sido Presidente; e,
atualmente, é membro do Conselho Nato do
Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.
Pós-Doutorado na Universidade Estatal
de Milão. Pesquisador Associado na
Universidade de Oxford e Visiting Scholar
na Universidade de Columbia, entre outras
incursões internacionais. Conferencista
sempre requisitado nos mais importantes
Congressos. Recebeu, por este livro, a Medalha
Pontes de Miranda da Academia Brasileira SUSTENTABILIDADE
de Letras Jurídicas, em dezembro de 2011.
Autor de outras obras de grande relevância
DIREITO AO FUTURO
e consagradas, tais como À interpretação
sistemática do direito; O controle dos atos
administrativos e os princípios fundamentais;
Discricionariedade administrativa e o direito
fundamental à boa Administração Pública; e
A substancial inconstitucionalidade da lei injusta.
Membro de Comissão Especial do Conselho
Federal da OAB. Presidente do Conselho
Editorial da revista Interesse Público e membro
do Conselho Editorial de publicações de
prestígio. Entre outras condecorações,
recebeu o Colar do Mérito Geraldo Ataliba
(IBDM), o Colar do Mérito Victor Nunes Leal
(TCMRJ), o Colar do Mérito Miguel Seabra
Fagundes (ATRICON), a Medalha Professor
Santiago Dantas (ANPE), a Medalha do Mérito
Institucional (AMPCON) e a Medalha
Irmão Afonso (PUCRS). Advogado,
Consultor, Parecerista.
JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE
DIREITO AO FUTURO
2º edição
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A Editora Fórum, consciente das questões sociais e
Belo Horizonte
ambientais, utiliza, na impressão deste material, papéis
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de florestas manejadas de maneira ambientalmente
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O 2011 Editora Fórum Ltda.
2012 2º edição
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,
inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.
Conselho Editorial
Or » EDITORA
FE
347 p.
ISBN 978-85-7700-584-0
1. Direito ambiental. 2. Direito administrativo. 3. Sustentabilidade. 1. Título.
O Autor
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO eve ER ae TE RS 15
CAPÍTULO 1
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO... ssrinseneespuitia preso tecaeces 23
1.1 A espécie humana corre real perigo ...............eess 23
12 Brasil do baixo carbono aparece no radar... 27
us Desenvolvimento sustentável: paradigma axiológico ........ 31
1.4 Transformações indispensáveis: exemplos iniciais
1.5 Sustentabilidade não é princípio abstrato: vincula
plenamente”... acres sera ape ARENA ita do mca qe dE dE 39
1.6 Conceito de sustentabilidade... 41
es Se o homem insistir em destruir o planeta, antes a
espécie humana será extinta Jc is qosi-coririrseno
Reiidaara na ia pierinentaçã 44
1.8 Relatório Brundtland foi e é importante, mas cumpre
dALTOVOS PASSOS yr ess raede Sopne Eca dA cestos fodas vt ob sen 46
1.9 O conceito de sustentabilidade deve incluir a
multidimensionalidade do bem-estar ...............ses 49
CAPÍTULO 2
O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA
MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE................ 55
2.1 A sustentabilidade é pluridimensional ..............esa 55
2.2 Dimensões da sustentabilidade (social, ética, jurídico-
política, econômica e ambiental)...........
221 Dimensão social da sustentabilidade
2219 Dimensão ética da sustentabilidade .............easeem
22:83 Dimensão ambiental da sustentabilidade... 64
2.2.4 Dimensão econômica da sustentabilidade...........eeees 65
2.2.5 Dimensão jurídico-política da sustentabilidade...
na Dimensões entrelaçadas
24 Sustentabilidade é princípio-síntese que determina a
proteção do direito ao futuro...:.......sosecnbaimamosisconensasaniapasternea 73
CAPÍTULO 3 6.4 Principais falácias adversárias da sustentabilidade .......... 139
CHOQUE DE PARADIGMAS - O NOVO PARADIGMA 6.4.1 Falácia 'cenctica” ig a acertar nene sao os asa Ra Nan 139
DA SUSTENTABILIDADE VERSUS O PARADIGMA DA 6.4.2, Falácia ad populum ...
6.4.3 Falácia admisericondiatal. eres. ranetso antas cdbtana ana CobN Nasa boo ram ptadarana 141
INSACIABILIDADE PATOLÓGICA ........u.....essemesecsitormeermammaáeros FA
Escolha inevitável...............
6.44 Ralácia ida rdivisaos is Ma ed ide ANDA end DSR Pr ÃO 141
Sd
Contraste dos paradigmas 6:45] “1 Falácia dafalsa causá (state cesçorzd vip iamasa rise potab costa et raiar 141
8.2
E iecoab
dani Ega
PESO as eisisees sor aansesa ando aa do ba one de EM Spina 6.4.6 Falágia:do acidente sms trainer enetaressnas son pie diga deseo h ecra 142
DS
6.4.7 Falácia do consenso... SE
6.4.8 ' Falácia da desqualificação pessoal.................. 144
CAPÍTULO 4
6.4.9 Falácia da amenca =. -açs velcç estado aa STE g Sa SD aa [OS Pa A 144
NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE
6.410 Falácias da autoridade e ad ignorantiam ....... mes 145
MAE PIDIMENSIONAL is Rd t RN AS 87 64.11 | Falácia da petição de princípio...
41 ERINCIDAISLÓDICOS,. Ms SS ante cenia ME ab nara anita 87 64.12 Falácias das muitas questões ............ sueste
4.2: Bloco indissociável. .. 103
6.413 Falácia do uso malicioso de palavra ambígua................... 147
4.3 Desenvolvimento e sustentabilidade:
64.14 Falácia da sequência irresistível.................s me 148
CONSTITUIÇÃO: INÚLTIA o orada dao cuca ator anta Vaca nota pads aa nada 105 6:4.15 Falácia das mãos contaminadas ............... isentos 149
6.5 Armadilhas argumentativas e psicológicas. Ee
CAPÍTULO 5 6.5.1 Armadilha da ancoragem.......... isspeabieanascpneegaudias
pingo jfta diga 150
SUSTENTABILIDADE COMO VALOR 6.5.2 Armadilha da excessiva confiança... 151
CONSTITUCIONAL re e ie A a 109 6.5.3 | Armadilha do apego ao status quo ..... us isisisiasimarareemans 152
5.1 O desenvolvimento sustentável, não qualquer 6.5.4 Armadilha da proteção das decisões anteriores................ 159
desenvolvimento, é valor supremo................. 109 6:55 Armadilha da confirmação das evidências j
BZ A sustentabilidade é valor supremo, no discurso 6.5.6 - - Armadilha do enquadramento..is..utis sela comsbiiiitacerterdenso 155
GONSTLeLOna, o rmiTa Le pe Mat dista OL De ARO, e AE 111 6.5.7 Armadilha da evocação distorcida ............seeesnessessems 156
Bro O desenvolvimento reconceituado .........mtme 114 6.5.8 Armadilha da cautela excessiva ...... eme ereniiniacsrerecentas 157
5.4 O mercado, por si, não dá conta das legítimas 6.5.9 | Armadilha da percepção de padrões inexistentes............. 157
aspirações imateriais. ta causar foetersana aber cE oh epi Lo e S Ba amad 6.6 Mudanças mentais a favor da sustentabilidade................. 159
5.5 Sustentabilidade é diretriz vinculante 6.7 Conceito de decisões insustentáveis ............ceseseseeeees 160
5.6 Escolha valorativa de assento constitucional... 120 6.8 En LeSUNAO,2..scccarsp abit aqua UR Raça é OA dl ad od Neca senda 161
5.7 Sustentabilidade inclusiva............. tenente 127
5.8 Tudo recomenda ultrapassar reducionismos..................... 129 CAPÍTULO 7 º
5.9 Sustentabilidade veda omissões e ações danosas....... -. 130 SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO PARA O
5.10 A Constituição determina estratégias antecipatórias........ 132 DESENVOLVIMENTO QUE IMPORTA ........ mes
5.11 ED LEBUINO Sasori rs ana ca ISA E SS RSRAS So NGRUR USED IS bs sis a eb A 133 ZA Prioritária educação para a sustentabilidade
Zea. Quatro premissas para uma educação exitosa................... 165
CAPÍTULO 6 no. Pré-compreensões terão de ser trocadas... 168
SUSTENTABILIDADE - COMO VENCER AS FALÁCIAS 74 Em TOSUINO LS: cs semrsoteremaasretesdicticasa
ds die r space Rca a fuder ça ria Sora ve 173
E AS ARMADILHAS ARGUMENTATIVAS..... umas 135
6.1 Sustentabilidade exige lucidez, no processo de tomada CAPÍTULO 8 4 ç
(o ER£O (efa: [SELO a rc fe Ed AD NA RN AR VE 135 SUSTENTABILIDADE E A INDISPENSÁVEL SUPERAÇÃO
6.2 Noções subjacentes: 1.0 sente jr irado edad dart ee aa 136 DOS VÍCIOS POLÍTICOS aC o RE tuga AD 175
6.3 Conceito defalÃcas dus Ser E e Ea a 138 81 Questão-chaVe Sater ed M rara teca ni des Mapa endo bo Rb id 175
8.2 Quatro principais vícios da política insustentável............ 179 CAPÍTULO 10
8.2.1 Primeiro vício — Patrimonialismo .............reeesereeerenterieees 180 SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E
8.2.2 Segundo vício — Tráfico de influências........... eee 181 NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA ............ueeeeteemeeerteos 263
8.2.3 Terceiro vício — Omissivismo ..........eseeeeenatereseneeenertreneaeaa 10.1 Características do Estado Sustentável..................... 263
8.2.4 Quarto vício = MercenarismD:.....s..easceapierezaiaenteecasesetoristsaçamo 10.2 Releitura da responsabilidade................seeseseneasasesesensasensõsas 269
8.3 A política da sustentabilidade 10.21 Responsabilidade preventiva................eesseseeeeseeeseseemensersos 271
10.2.2 Responsabilidade e proporcionalidade.................resemms 272
CAPÍTULO 9 10.2.3 Conceito de responsabilidade do Estado: o nexo causal ..... 276
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO 10.2.3.1 Excludentes do nexo causal do
ADMINISTRATIVO: = an O ES A 195 10.2.3.2 Responsabilidade por ação e omissão 278
9 Mudança de paradigma do Direito Administrativo 10.2.4 Omissão desproporcional, ii. siscteisrspesmiassosvesa sema sadincisençõto 280
92 Da sustentabilidade nas relações administrativas........... 198 10.2.5 Configuração da omissão: três questões ................emesmene 281
9.3 Transições rumo à sustentabilidade... 205 10.3 Reservas à reserva do possível ............sessemeneneereeserense 283
9.3.1 Racionalidade imparcial, eficiente e eficaz..............e 205 10.4 Princípios da prevenção e precaução .............mentseesemes 284
9.3.2 Fundamentação e devida processualização 10.4.1 Princípio da/Prevenção ss ceseraspaparmiitoazasoastoninias plo tensao 285
dasidecisdes: o nro A USD eos ARES SSD Srta 206 10.4.2 Princípio da precaução .... .. 285
9.3.3 Sindicabilidade aprofundada das condutas do 10.4.3 Aplicabilidade dos princípios da prevenção e
agenteiestatal ii gisantast sos imar il pata seo ps renan Cod AESA DID 207 PIEEAUÇÃO jjiscsiseconpeasupiecisa deqedatas 286
ro Aria visa es dada Di ro es iate lin
9.3.4 Resolução administrativa dos conflitos... 208 10.5 Interpretação jurídica à luz do princípio da
9.3.5 Fim do burocratismo paralisante ........... estereo 208 sustentabilidade meia ro rear ns rende ERA Seca 291
9.3.6 “Prevenção e precaução, em lugar da gestão que 10.6 Máximas de concretização da sustentabilidade.................. 296
chegatarde: MM A A a TR TO 209
9:37 Defesa da constitucionalidade de ofício e da regulação CONCEUSÕES isa ftao a Si CM
do Estado Sustentável ha quer psirenasesa rante se by quedas coungaEe 210
9.4 Principais mudanças na hermenêutica das relações de a
REFERENCIAS Ut e O A 313
Ad MINISLAÇãÃO esses rare assist seara aa pimba DS 211
9.5 Sustentabilidade e regulação ..................temeeeeess 217
9.5.1 Regulação: necessidade de novo modelo...........t..t 217
iz Conceito de regulação estatal.
05.9 O agente regulador...................
9.5.4 Características da regulação sustentável............tem 223
9.6 Licitações e contratações sustentáveis: obrigatoriedade
de ponderação dos custos e benefícios, diretos e
MÃODAR SALOS pr a PR PESAR E 8 ANGRA E 233
9.6.1 Incorporação cogente de critérios paramétricos de
sustentabilidade para aferir a proposta mais vantajosa
para a Administração Pública..............eniteresinteseeeemenero
9.6.2 Sustentabilidade e contratação administrativa
9.6.3 A proposta mais vantajosa é aquela que se encontra
alinhada com as políticas públicas sustentáveis ................ 248
9.6.4 Conceito de licitações sustentáveis... 257
9.7 Kumo ao Estado sustentável... .esgeesesto siusacemnenasosioqeestosaiics 258
INTRODUÇÃO
o abandono, um a um, dos conceitos insatisfatórios de praxe. da inoperância, que tem permitido a externa-
a precificação
Cessa — ou tende a cessar — O barbarismo irracional dos lização indébita dos custos ambientais; (c) com o foco nas
que apostam no crescimento econômico pelo crescimento, energias renováveis e na economia de baixo carbono; (d) com
nas perdas irreparáveis de biodiversidade e na devastação a “modernidade ambiental”, sem prejuízo das soluções de
da biosfera como método. Resgata-se o equilíbrio ecológico longo prazo; (e) com a adoção de indicadores habilitados a
dinâmico, mediante alocação inteligente dos recursos naturais. aferir a qualidade das políticas públicas e privadas; (f) com
Combatem-se os vícios da política insustentável (examinados o pensamento prospectivo de prevenção e precaução, que
no Capítulo 8) e se descortina, com clarividência, o desenvolvi- amplia sensivelmente o controle de constitucionalidade; e (g)
mento que interessa, sem endosso de qualquer decrescimento com a lógica sistemática retemperada,! que não contempla, em
regressivo. separado ou de modo fragmentário, o ambiental, o econômico,
É certo que não se “descobre” o princípio em tela me- o ético, o jurídico-político e o social.
diante o palmilhar batido das categorias ortodoxas. Requer Pretende-se mostrar, com nitidez, que somente faz sen-
(i) uma acentuada transcendência do vigente modelo calcado tido o desenvolvimento integrado, nos moldes delineados no
no anacrônico patrimonialismo, assim como (ii) a geração de Capítulo 2. Assim, no choque entre paradigmas, realiza-se a
novas memórias, hábeis a gravar a perspectiva ética interge- escolha, nos termos do Capítulo 3, daquele paradigma que,
”
racional. x adere, com responsabilidade objetiva, ao modelo da multi-
Para os propósitos dessa obra, a insaciabilidade figura dimensionalidade do desenvolvimento, a favor do ambiente
como exato oposto da sustentabilidade, ou seja, é entendida para além do conceito en-
limpo (material e imaterialmente),
como volúpia sem freios, voracidade sem fome, subestimação cartado no Relatório Brundtland (progresso notável), ainda
empobrecida da natureza e da humanidade. Nessa acepção excessivamente centrado em necessidades materiais.
patológica, a insaciabilidade nada tem a ver com a legítima Bem por isso, a sustentabilidade merece ser vista, ao
aspiração da evolução ilimitada, feita de sucessivas adaptações mesmo tempo, como valor e como princípio, pelas razões ex-
e moderadas saciedades. postas no Capítulo 4, na ciência de que a dignidade humana,
Não por acaso, o princípio da sustentabilidade se in- embora precise continuar em pauta, já não se mostra suficiente:
surge, graças ao seu horizonte intertemporal, contra o pensar cumpre proteger, agora, o dinâmico equilíbrio ecológico e o
prepotente característico da plutocracia imediatista, que finge valor intrínseco dos seres vivos capazes de sofrimento, com
desconhecer a natureza como recurso escasso e insiste na falta a vedação de crueldade, explicitamente prescrita no art. 225
de empatia ou na indefensável exclusão hostil do ser humano da Constituição.
do mundo natural ou biológico. Essa obra está perpassada pela ideia-chave de que o cres-
Certo: para a realização da almejada troca de paradigma, e o desenvolvimento não são sinônimos.
cimento econômico
revela-se imprescindível criar “mapas neurais” mais avança- É que, sem incorrer nas falácias e nas armadilhas psicológicas
dos e suscitar as transformações correspondentes nas atitudes, (descritas no Capítulo 6), a sustentabilidade apenas pode ser
acima das relutâncias dos omissivistas e da força inercial dos compreendida como processo contínuo, aberto e integrativo
conceitos antiquados. de, pelo menos, cinco dimensões do desenvolvimento.
Ltnd Sustentabilidade, nesse prisma, representa formidável
compromisso intergeracional: (a) com a equidade; (b) com
1 Vide Juarez Freitas, in A interpretação sistemática do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
18 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO INTRODUÇÃO | 19
Em sua dimensão social, a sustentabilidade reclama: 225, 3º, 170, VI), que requer nova interpretação jurídica, con-
(a) o incremento da equidade intra e intergeracional; (b) a ducente ao Estado Sustentável, assim como preconizado
gestão aperfeiçoada de processos, que assegure condições nos Capítulos 9 e 10; (b) norma que determina, a partir da
favoráveis ao florescimento virtuoso das potencialidades revisão de titularidades (admitidos os direitos de gerações
humanas, especialmente no atinente à educação de qualidade, futuras), a eficácia intertemporal de todos os direitos funda-
em consonância com as premissas arroladas no Capítulo 7; e mentais (não apenas os de terceira dimensão); (c) critério que
(c) o engajamento na causa do desenvolvimento que perdura e permite afirmar a antijuridicidade das condutas causadoras de
faz a sociedade apta a sobreviver, a longo prazo, com respeito danos intergeracionais, tais como as práticas deploráveis do
ao valor intrínseco dos demais seres vivos. patrimonialismo, entre outros vícios descritos no Capítulo 8.
Em sua dimensão ética, a sustentabilidade admite: (a) Convém grifar: a sustentabilidade não é uma campanha |
a ligação de todos os seres, acima do antropocentrismo es- episódica, pois acarreta uma Agenda permanente, nos termos
trito; (b) o impacto retroalimentador de ações e omissões; descritos no Capítulo 4, que implemente, entre outras provi-
(c) a exigência moral de universalização concreta, tópico- dências, o trabalho em rede sinérgica e cooperativa de todos;
sistemática, do bem-estar duradouro. a nova sistemática de licenciamento ambiental, em processo
Em sua dimensão ambiental, a sustentabilidade faz
com duração razoável; a segurança energética, com o redese-
perceber que: (a) não pode haver qualidade de vida e longe- nho do plexo normativo regulatório, no intuito de incentivar
vidade digna em ambiente degradado; (b) sem prejuízo da seriamente as energias renováveis; a reconstituição jurídico-
“modernização ambiental”, o hiperconsumismo haverá de institucional da matriz de transportes, consoante vocações
ser confrontado, notadamente nos países ricos; (c) no limite,
naturais e prioridades de longo espectro; a obrigatoriedade
de licitações e contratações sustentáveis, com a apuração crite-
não pode sequer perdurar a espécie humana, sem o zeloso
riosa de custos diretos e indiretos (externalidades); a tributação
resguardo da sustentabilidade ambiental, em tempo útil.
corretiva (sem finalidade arrecadatória), a par de incentivos x
Em sua dimensão econômica, a sustentabilidade, como
fiscais destinados a projetos comprovadamente sustentáveis; a
será realçado, faz perceber que: (a) é indispensável lidar ade-
educação de qualidade, inclusive para o consumo; os financia-
quadamente com custos e benefícios, diretos e indiretos, bem
mentos públicos e privados conferidos de maneira prudencial,
como efetuar o pertinente trade-off entre eficiência e equidade sob pena de formação de bolhas creditícias; o saneamento
intra e intergeracional; (b) a economicidade implica o combate
como dever subjetivo público; o planejamento demográfico
ao desperdício lato sensu, bem como o incremento da poupança sem violência; o uso racional das propriedades públicas e pri-
pública, da taxa de investimentos, da responsabilidade fiscal ;Vadas; a aplicação expandida dos princípios da prevenção e
e do limite regulatório do poder (público e privado), tendo da precaução; o enfrentamento das causas da poluição letal e
toda e qualquer propriedade que cumprir função (social, eco- da degradação dos recursos naturais; o controle participativo
nômica e de equilíbrio ecológico); (c) a regulação estatal do do orçamento ecoeficiente e eficaz; a rejeição do fundamen-
mercado precisa acontecer de maneira que a eficiência guarde talismo irracional de mercado; a geração do trabalho formal
comprovada e mensurável subordinação à eficácia. e decente; a fixação de políticas regulatórias consistentes; a
Em sua dimensão jurídico-política, a sustentabilidade, cultura avessa ao extrativismo simplista, com o fomento a
no enfoque aqui adotado, assume as feições de: (a) princípio negócios inclusivos e “verdes” e a mencionada inserção de
constitucional, imediata e diretamente vinculante (CF, arts. melhores indicadores do desenvolvimento.
20 | |SUSTENTABILIDA
UAREZ FREITAS
DE - DIREITO AO FUTURO
INTRODUÇÃO | A
Não custa sublinhar: a sustentabilidade vincula juridi- No Capítulo 3, realiza-se o cotejo dos principais para-
camente, em sentido forte, porque se trata, em nosso sistema, digmas em choque, isto é, situa-se o paradigma da sustenta-
de princípio constitucional, incorporado por norma geral bilidade em contraposição com o enlouquecido comando da
inclusiva (CF, art. 5º, 82º), a demandar a sua eficácia direta e insaciabilidade. Nesse caso, afastado o contórcionismo das
imediata. Em boa hora, o princípio do desenvolvimento sus- falsas conciliações, urge optar pelo novo paradigma, com
tentável foi albergado, de modo expresso, na legislação infra- a saída progressiva do modelo defasado, cuja performance
constitucional (por exemplo, no art. 3º da Lei de Licitações), o tem-se revelado trágica, em função das gigantescas doses de
que só reforça o dever de observância maciça e generalizada. mal-estar individual e coletivo.
Arrolem-se, então, as premissas centrais do livro: (a) a No Capítulo 4, propõe-se a aludida Agenda da Susten-
sustentabilidade apresenta feições multidimensionais, vale tabilidade. Por certo, não se tem a pretensão de divergir de
dizer, é ética, social, econômica, jurídico-política e ambiental: grande parte das propostas agendas em circulação (referidas
qualquer concepção unilateral, excessivamente reducionista, aqui), mas tão só de concentrar o plexo de providências que
afigura-se flagrantemente errada e distorcida; (b) a susten- podem espelhar esse compromisso amigável com o ambiente,
tabilidade vincula juridicamente a liberdade do tomador de empático, solidário e ecologicamente equilibrado. Numa ex-
decisões (públicas e privadas), ao solicitar a tutela simultânea pressão: socialmente homeostático.?
das gerações presentes e futuras; (c) a sustentabilidade não No Capítulo 5, enfoca-se a sustentabilidade como valor.
se coaduna com a crença fetichista e falaciosa no crescimento Não só valor, senão que valor constitucional supremo, isto é,
material como fim em si, pois cobra o uso justo dos recursos o outro lado do desenvolvimento que interessa. Percorre-se,
naturais e o término do domínio desarvorado e perdulário em passos largos, a Constituição, no intuito de prová-lo.
No Capítulo 6, envereda-se para o campo da teoria da
nas relações com a natureza; e (d) a sustentabilidade reclama
íntegra e integrada acepção do desenvolvimento, mormente
decisão. Aqui, o ponto está em como vencer as falácias e as
armadilhas argumentativas. Por exemplo, as falácias do cres-
em face das grandes questões ambientais.
Breves palavras se impõem sobre a estrutura da obra. cimento ilimitado e do caráter supostamente inarredável da
insaciabilidade são convenientemente desmascaradas.
No Capítulo 1, cuida-se de formular o conceito de sus-
No Capítulo 7, preconiza-se, em pinceladas, nada menos
tentabilidade, que absorve e dá passo adiante em relação ao
do que uma nova educação ambiental, com alta qualidade
conceito do festejado Relatório Brundtland, de 1987. É que a
científica, desde a mais tenra idade, rumo à economia “verde”
noção baseada em necessidades tem sido útil, contudo é de-
e ao desenvolvimento durável. Uma educação para o respeito
masiado acanhada.? ao valor intrínseco de todos os seres vivos, que mobilize inte-
No Capítulo 2, pretende-se esclarecer o caráter multi- ligências e vontade. Uma educação para a sustentabilidade do
dimensional da sustentabilidade. Além do tripé consagrado consumo, do trabalho decente e da produção, que assuma o
das dimensões econômica, social e ambiental, propõe-se o horizonte causal de longa duração.
acréscimo oportuno das dimensões jurídico-política e ética.
? Sobre homeostase e a seleção natural, bem como sobre origem biológica dos valores, vide
António R. Damásio, in O livro da consciência; a construção do cérebro consciente. Lisboa:
2 Vide Amartya Sen, in A ideia de justiça. Coimbra: Almedina, 2010, com posição crítica, ao Temas e Debates, 2010, p. 70: “a valorização que atribuímos nas atividades sociais e cul-
realçar que, mais do que necessidades, tem-se de levar em conta valores (p. 343). Retomar- turais do dia-a-dia tem uma ligação direta ou indireta aos processos de regulação da vida,
se-á o tema, adiante. descritos pelo termo homeostase”.
JUAREZ FREITAS
22 | SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 1
No Capítulo 8, em face da dimensão política inescapável
da sustentabilidade, apontam-se os quatro principais vícios
políticos que esse paradigma terá de dissipar, vale dizer, o
patrimonialismo, O tráfico de influências, o omissivismo in-
constitucional e o mercenarismo.
No Capítulo 9, examina-se, em traços gerais, o tema
fascinante do novo Direito Administrativo, notadamente da
SUSTENTABILIDADE
regulação, sob a forte influência do princípio emergente: o CONCEITO
Direito Administrativo que não se deixa prender à simples
obediência às regras nem às pré-compreensões weberianas,
mas que converte o agente público lato sensu num aplicador da
Constituição de ofício, capaz de oferecer respostas eficientes e Sumário: 1.1 A espécie humana corre real perigo — 1.2 Brasil do baixo carbono
eficazes, num mundo altamente complexo e financeiramente aparece no radar — 1.3 Desenvolvimento sustentável: paradigma axiológico — 1.4
volátil. Transformações indispensáveis: exemplos iniciais — 1.5 Sustentabilidade não é
princípio abstrato: vincula plenamente — 1.6 Conceito de sustentabilidade — 1.7
No Capítulo 10, trata-se da relação umbilical entre sus- Se o homem insistir em destruir o planeta, antes a espécie humana será extinta
tentabilidade e responsabilidade do Estado, assim como, de — 1.8 Relatório Brundtland foi e é importante, mas cumpre dar novos passos
maneira sintética, das diretrizes para uma interpretação juri- - 1.9 O conceito de sustentabilidade deve incluir a multidimensionalidade do
bem-estar
dica sustentável, no intuito de ilustrar o imenso cabedal das
transformações acarretadas pela assunção do novo paradigma.
Após tal jornada, se o livro, em sua segunda edição,
tornar suficientemente vívida a sustentabilidade como prin-
1.1 A espécie humana corre real perigo
cípio constitucional e, ao mesmo tempo, estimular uma ousada Ao que tudo indica, nos próximos milhões de anos, o
reciclagem de categorias e conceitos, terá cumprido inteira- planeta não será extinto. A humanidade é que corre real perigo. A
mente a sua tarefa. gravidade das questões ambientais encontra-se, no presente
estágio, isenta de dúvidas, em pontos fulcrais.*O peso dessa ou
daquela causa, sim, pode ser debatido, mas a crise ambiental é
indesmentível. Negar, nessa altura, os malefícios dos bilhões
de toneladas de gases tóxicos (com os enormes custos asso-
ciados) parece atitude despida de mínima cientificidade.
* Vide Sérgio Henrique Hudson Abranches, in Copenhague: antes e depois. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010, p. 76.
5 Vide William D. Nordhaus, in Economic Aspects of Global Warming in a Post-Copenhagen
Environment. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America
— PNAS, v. 107, n. 26, p. 11726, June 29% 2010: “(...) several policies could limit our
“dangerous interference' with the climate system at modest costs. However, such policies
would require a well-managed world and globally designed environmental policies, with
most countries contributing, with decision makers looking both to sound geosciences and
economic policies”.
CAPÍTULO 1
SUSTENTABILIDADE — CONCEITO | 25
vd Ra REZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREIT
O AO FUTURO
história, salvo nada mais são do queo subproduto dessa cultura de insaciabilidade
Provavelmente, trata-se da primeira vez na
de simplesmente patrimonialista e senhorial, que salta de desejo em desejo, no
risco'de guerra nuclear,* que à humanida
por obra e des- encalço do nada.
pode inviabilizar a sua permanência na Terra, Nessa linha, o diagnóstico preliminar é seguro: para
larga escala, do seu estilo devo rant e, compulsivo e
graça, em terão
.” avançar a bandeira da sustentabilidade, vários muros mentais
pouco amigável. O alerta está acionado da crença
Este livro contempla os trans torno s ambientais sistêmicos, de cair. Até porque a cultura da insaciabilidade (isto é,
em bloco, isto é, não se concentra exclusivamente
no tema das mu- ingênua no crescimento pelo crescimento quantitativo e do consumo.
danças climáticas, a despeito de sua importância nevrálgica
.º fabricado) é autofágica, como atesta O doloroso perecimento de
s
Quer-se realçar que, a par de suas conhecidas e indissolúvei civilizações.
dimensões (social, ambiental e econômica), a sustentabilidad
e tem Para sair dessa rotina insana, sem mergulhar no deses-
de se
de ser assimilada também na sua dimensão jurídico-política — por se pero ou na apatia, a sociedade do conhecimento terá
tratar de princípio constitucional gerador de novas obrigações,
, ada, de um
tornar uma sociedade do autoconhecimento volt
do e
assim como na sua dimensão ética. É que, para enfrentar os de- lado, à construção articulada do bem-estar universaliza
or uso
safios de tornar o mundo habitável, convém não esquecer,
ao da homeostase social e,'º de outro, para fazer o melh
lado das causas físicas externas, o peso dos males comp orta men- possível da capacidade tipicamente humana de projetar e ex-
tais e jurídico-políticos, tais como o antropocentrismo excessivo
jo a
perimentar os fatos antes que ocorram, o que rende ense
e despótico, a bizarra dificuldade de implementar políticas não tropeçar e a aprender com os erros sem precisar cometê-
“alinhadas ou a carência de poupança para manter taxas de los. )
investimentos estratégicos em processos qualitativos, sem os Somente assim réunirá forças objetivas para fazer frente
quais o desenvolvimento duradouro não passa de miragem. à magnitude das múltiplas crises que interagem entre si. Crise
Tais males resultam de anos e anos, séculos e séculos, sistêmica, que põe, não poucas vezes, uma trava de pess
imismo
do império da vista curta, às voltas com o poder subjugador em vários analistas.2 Trata-se, sem dúvida, de crise supe
rlativa
e prepotente, como se o outro fosse — ou, pior, tivesse que ,
e complexa. Crise do aquecimento global, do ar irrespirável
ser — um reles objeto a ser docilmente ofendido, perniciosa- da desigualdade brutal de renda, da favelização inco
ntida,
mente manipulado e violentado. Quer dizer, os maiores males da tributação regressiva e indireta, da escassez visív el de de-
mocracia participativa, da carência flagrante de qualidade da
dramático da Guerra
é Tem-se em mente a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, momento
Fria. ntes
incertezas citar os exemplos dos maias e da ilha de Páscoa como provas contunde
7 Vide o documento Mudanças climáticas e ambientais e seus efeitos na saúde: cenários e 9 Costumam-se
Ministério da Saúde, dos males da destruição da natureza.
para o Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde — OPAS; Letras,
2008, p- 34: “As mudanças climáticas ameaçam as conquistas e os esforços de
redução das 1% Vide António R. Damásio, in E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das
ambiente mais saudável se sociocult ural, que passa a abranger a busca delibe-
doenças transmissíveis e não-transmissíveis. Ações para construir 2011, p. 44, a propósito da homeosta
milhões de
poderiam reduzir um quarto da carga global de doenças, e evitar cerca de 13 rada do bem-estar.
2007, p. 262: “Our
Vide Daniel Todd Gilbert, in Stumbling on Happiness. New York: Vintage,
es de “adaptação”
mortes prematuras (...) o setor saúde deve tomar medidas e intervençõ 1
serão inevitáveis. e events before they happen
para reduzir ao máximo os impactos via ambiente, que de outra maneira ability to project ourselves forward in time and experienc
podem somente ser to evaluate actions without
(...) Por outro lado, os determinantes das mudanças climáticas globais enables us to leam from mistakes without making them and
superados a longo prazo, com medidas de “mitigação”. Também
nesse caso, o setor saúde
them. If nature has given us a greater gift, no one has named it. (...) But if our great
tasking
they at least allows us to
pode ter um papel importante”. big brains do not allow us to go sure-footedly into our futures,
ção de
Vide José Eli da Veiga, in Economia política da qualidade. Revista de Administra understand what makes us stumble”.
pensar em
Empresas — RAE, São Paulo, v: 50, n. 3, p: 339, jul./set. 2010: “não é possível 2 Vide Martin J. Rees, in Our Final Hour: a Scientists
Waming: How Terror, Error, and
questão
muitas reversões de danos ambientais se não for enfrentada concomitantemente a Environmental Disaster Threaten Humanki nd's Future in this Century on Earth and
comece pela tran-
climática (...). Não há rumo para o desenvolvimento sustentável que não beyond. New York: Basic Books, 2003.
sição energética que permitirá a superação da atual dependência das fontes fósseis”.
cm
TCP F““a
26 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 1 | 27
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
Por razões geopolíticas altamente favoráveis, o Brasil tem tudo em ciclo virtuoso, demanda uma modificação, sem precedentes, das
para se converter numa das lideranças mundiais do desenvolvimento, pré-compreensões e, correspondentemente, do estilo de ser e
de gerir, de sorte a se acolher, com transparência redutora
em todas as dimensões.? Para isso, mais do que de reformas cos-
méticas, carece de inovação robusta na tecnologia de gestão, no de assimetrias, uma perspectiva inovadora de co-criação do
intuito de melhor aproveitar os campos promissores ligados valor,” que é a sustentabilidade.
à economia “verde” (como, por exemplo, na área vital das Nesse prisma, a sustentabilidade não pode ser considerada
energias renováveis).2 Naturalmente, sem o engano de supor um tema efêmero ou de ocasião, mas prova viva da emergência de
que o desenvolvimento sustentável terá de acarretar qualquer uma racionalidade dialógica, interdisciplinar, criativa, antecipatória,
decréscimo recessivo.” Bem ao contrário. Oportunidades medidora de consequências e aberta. O culto tosco e desenfreado
brilhantes estão à frente, desde que adotada a “cultura do do imediatismo, com os seus fetiches tirânicos ou servis, está
desenvolvimento” de baixo carbono, alta inclusão e trabalho dramaticamente em xeque.
decente, em substituição à matriz calçada na economia dos Verdade que lamentavelmente até os fundadores da
combustíveis fósseis e nos vícios da política degradada (exa- sociologia subestimaram as questões ambientais.” Hoje, en-
minados detidamente no Capítulo 8). tretanto, o quadro é muito diferente. A boa notícia é que o
E o que é capital: em face das vultosas transformações realismo crítico e o construcionismo, cada um a seu modo,
ambientais,” o aproveitamento, em tempo útil, das oportunidades, tentam desvendar as causas dos tormentos ambientais. A
noção de crescimento econômico? iníquo e a qualquer custo,
2
tão cara a economistas, juristas, sociólogos e políticos clássicos,
Vide Jonathan Lash, do World Resources Institute, in Desafio é fazer mais com menos
recursos. Valor Econômico, São Paulo, Especial Negócios Sustentáveis, p. 2, 23 dez. 2010:
“O Brasil tem pontos fortes e produz inovações que fazem dele um líder natural global
na busca por soluções nessa área”. Propõe três princípios: a) “Tudo está relacionado com 7 Vide, sobre co-criação de valor e transparência, C. K. Prahalad e Venkat Ramaswamy, in O
alimentos” (perda de habitats, superexploração, poluição, espécies invasoras e mudança futuro da competição: como desenvolver diferenciais inovadores em parceria com os clientes.
climática). Cita a Avaliação Ecossistêmica do Milênio da ONU para corroborar a assertiva; São Paulo: Campus, 2004, p. 34-51. Especificamente sobre transparência, observam, com
b) “Mais com menos para mais” (citando Prahalad); c) “O governo deve estabelecer as acurácia, à p. 47: “Tradicionalmente, os negócios beneficiaram-se da assimetria de infor-
condições”, com “reformas na política tributária, novos marcos regulatórios e incentivos mações entre os consumidores e as empresas. Mas esta assimetria está desaparecendo
inovadores”. com rapidez. As empresas não mais podem pressupor a opacidade dos preços, custos e
Ainda que a expressão seja polêmica e, de fato, possa induzir leituras erradas, vide, para margens de lucro. E à medida que as informações sobre produtos, tecnologias e sistemas
ilustrar as oportunidades da green economy, sobretudo no tema das energias renováveis, o de negócios ficam mais acessíveis, o desenvolvimento de novos níveis de transparência
documento Towards a Green Economy: Pathways to Sustainable Development and Poverty torna-se cada vez mais desejável”.
Eradication — A Synthesis for Policy Makers. Nairobi: UNEP, 2011: “Renewable energy 28 Vide Anthony Giddens, in Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 2012, p. 123: “Os fundadores
services would be even more competitive if the negative externalities associated with fossil da sociologia — Marx, Durkheim e Weber — prestavam pouca atenção naquilo que hoje
fuel technologies were taken into account”. chamamos de “questões ambientais”. (...) O ambiente natural era considerado dado, sim-
Correta a preocupação com a aceitabilidade social do pacto ecológico de Edgar Morin, plesmente como pano de fundo para os problemas sociais muito mais urgentes e pre-
industrial gerava”. Como acentua, os enfoques, hoje, oscilam
rejeitando o preconceito de que o desenvolvimento sustentável possa ser sinônimo de mentes que o capitalismo
recessão. Vide Edgar Morin e Nicolas Hulot, in. El ano I de la era ecológica: la Tierra que entre os construcionistas (p. 124), que consideram que os problemas ambientais são,
depende del hombre que depende de la Tierra. Barcelona: Paidós, 2008, p. 135. Em França, em parte, criados socialmente, e os adeptos do realismo crítico (p. 125) que pretendem
porém, existe o movimento Décroissance, em sentido diverso. olhar cientificamente “abaixo da superfície das evidências visíveis para revelar as causas
Vide Ignacy Sachs, in À terceira margem: em busca do ecodesenvolvimento. São Paulo: subjacentes” dos problemas ambientais. Vide, a propósito, Philip W. Sutton, in The
Companhia das Letras, 2009, p. 352, a respeito da “cultura do desenvolvimento”: “Por esse Environment: a Sociological Introduction. Cambridge: Polity, 2007, p. 5: “Without socio-
termo entendo um conjunto de noções que facilitam a compreensão da história e preparam logical analysis of long-term social development, we can seriously misunderstand the
a reflexão sobre o futuro de nossas sociedades tanto na ecologia cultural como na ecologia nature of the human nature, as it were”.
natural”. Esclarece, ainda, a sua posição acerca do núcleo central do desenvolvimento in- 2 Vide, para uma visão crítica, Peter A. Victor, in Managing without Growth: Slower by Design,
cludente: “é o trabalho decente, tal como o define a OIT” (p. 346). not Disaster. Cheltenham; Northampton: Edward Elgar, 2008. Vide, ainda, a polêmica
26
Vide, para uma didática cronologia das mudanças, Marcel Bursztyn e Marcelo Persegona,
contribuição de Herman E. Daly e John B. Cobb, in For the Common Good: Redirecting the
in A grande transformação ambiental: uma cronologia da dialética homem-natureza. Rio de Economy toward Community, the Environment, and a Sustainable Future. 24 ed. Boston:
Janeiro: Garamond, 2008. Beacon Press, 1994.
30 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO1 | 3]
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
passou a ser agudamente problematizada e desconstituída De fato, importa que a sustentabilidade não seja entendida
pelos intelectos mais equipados. como um cântico vazio e retórico, tampouco espúria ferramenta
Claro, de nada adianta só nutrir intenções positivas, de propaganda ou de (falsa) reputação, destinada a camuflar
se estas conspirarem, por falta de calculabilidade. sistêmica, produtos nocivos à saúde ou simples palavra sonora usada
contra a atmosfera respirável, supostamente agindo em nome como floreio para discursos conceituosos, amaneirados e
dela. Note-se que, comprovadamente, a eficiência pode, em inócuos.
muitas ocasiões, ser nefasta,” como revela o famoso “paradoxo As grandes questões ambientais do nosso tempo” (a
de Jevons”: a maior eficiência no carvão, por exemplo, costuma saber, o aquecimento global, a poluição letal do ar e das águas,
levar ao aumento do consumo do carvão, ao contrário do que a insegurança alimentar, o exaurimento nítido dos recursos
a ingenuidade postularia.” Daí a importância de se pensar em naturais, o desmatamento criminoso e a degradação dissemi-
termos de eficácia (resultados justos), acima da eficiência (meios nada do solo, só para citar algumas) devem ser entendidas
idôneos). Ou seja, o que importa é a eficácia direta e imediata como questões naturais, sociais e econômicas, simultaneamente,
do princípio constitucional da sustentabilidade, no enfrenta- motivo pelo qual só podem ser equacionadas mediante uma abor-
mento da poluição alastrada (com o seu cortejo de milhões de dagem integrada, objetiva, fortemente empírica e, numa palavra,
doentes e mortos) e da política visceral de omissão e desprezo sistemática.
contumaz aos direitos fundamentais em bloco.
Estes, os direitos fundamentais de todas as dimensões, me-
recem um novo olhar eficacial de longo alcance. Nesse ponto, o 1.3 Desenvolvimento sustentável: paradigma
princípio constitucional da sustentabilidade aparece como axiológico
potencialmente abolicionista de inúmeras falácias e arma-
Sem mais preâmbulo, o princípio do desenvolvimento
dilhas (a serem examinadas no Capítulo 6), embora seja, não
sustentável (ou da sustentabilidade, como se prefere), levado a
raro, conceito perigosamente difundido em sentido demasiado
bom termo, introduz gradativa e plasticamente, na sociedade e
fraco,” para não dizer banal. Confundi-lo com isso, no entanto,
na cultura, um novo paradigma, que precisa reunir os seguintes
como querem alguns dos seus críticos aligeirados, é simplismo
aspectos nucleares:
demais, que sequer merece análise.
(a) é determinação ética e jurídico-institucional (oriun- apenas do Direito Ambiental, é chave em qualquer
da, no contexto brasileiro, diretamente da Consti- programa consequente de aplicação constitucional.
tuição, especialmente dos artigos 3º, 170, VI, e 225) de De fato, se é certo que a nossa Carta está em con-
assegurar, às gerações presentes e futuras, o ambiente sonância com os princípios da Carta das Nações
favorável ao bem-estar, monitorado por indicadores Unidas, cumpre, na vida real, exigir, por exemplo,
qualitativos, com a menor subjetividade possível; que os gastos públicos passem a respeitar a eficácia
(b) é determinação ética e jurídico-institucional de res- direta do desenvolvimento durável, de modo a
ponsabilização objetiva do Estado pela prevenção e pela serem efetivamente sopesados os custos e bene-
precaução, de maneira que se chegue antes* dos eventos fícios, diretos e indiretos (externalidades), sociais,
danosos, à semelhança do que sucede nos dispositivos econômicos e ambientais. Não por mera coinci-
antecipatórios biológicos; dência, no rol das diretrizes da Lei nº 12.593, de 2012,
(c) é determinação ética e jurídico-institucional de sin- que instituiu o Plano Plurianual da União, figura a
dicabilidade ampliada das escolhas públicas e privadas, promoção da sustentabilidade. Urge, porém, cobrar
de sorte a afastar cautelarmente vieses e mitos comuns,” a sua cabal observância, por meio dos controles
armadilhas falaciosas e o desalinhamento corri- disponíveis (interno, externo, social e judicial).
queiro das políticas públicas, com vistas à promoção Concebido desse modo, isto é, como determinação ético-
do desenvolvimento material e imaterial; jurídica, o princípio constitucional da sustentabilidade estatui,
(d) é determinação ética e jurídico-institucional de Pe
com eficácia direta e imediata, em primeiro lugar, o reconheci-
responsabilidade pelo desenvolvimento de baixo mento da titularidade dos direitos daqueles que ainda não nasceram.
carbono, compatível com os valores constantes no Em segundo lugar, impõe assumir a ligação de todos os seres, acima
-
preâmbulo da Carta, os quais não se coadunam das coisas, e a inter-relação de tudo.* De fato, uma das lições mais |
tm
com a ânsia mórbida do crescimento econômico, significativas das ciências ambientais é de que todas as coisas '
considerado como fim em si. O que importa é a susten- são interdependentes.” Em terceiro lugar, o princípio determina
tabilidade nortear o desenvolvimento, não o contrário. sopesar os benefícios, os custos diretos e as externalidades, ao lado
Ou seja, uma releitura valorativa “esverdeada” e de | dos custos de oportunidade, antes de cada empreendimento.
cores limpas de todo o ordenamento jurídico, não Somente para ilustrar obrigações decorrentes desse prin-
cípio, interessante referir: o programa de biocombustível pode
& Vide, para conferir ousada defesa de indicadores subjetivos de bem-estar para informar ser positivo, mas apenas à estrita condição de que a matéria-
as políticas públicas, Ed Diener et al, in Well-Being for Public Policy. Oxford; New York:
Oxford University Press, 2009.
prima não seja obtida com o trabalho escravo, nem às custas
* Vide, sobre a dimensão antecipatória em relação a desequilíbrios, por meio de dispositivos
trazidos pela evolução biológica, António R. Damásio, in O livro da consciência: a construção
do cérebro consciente. Lisboa: Temas e Debates, 2010, p. 66. * Vide Annie Leonard, in La historia de las cosas: de cómo nuestra obsesión por las cosas está
” Vide José Eli da Veiga, in Sustentabilidade: a legitimação destruyendo el planeta, nuestras comunidades y nuestra salud: y una visión del cambio.
de um novo valor, “op. cit,
p: 143-146, ao apontar o fetichismo do crescimento do PIB com distribuição de renda, e ao Madrid: Fondo de Cultura Económica, 2010, propondo visão panorâmica (p. 44), com
salientar que o “PIB é um cadáver insepulto, tão bem embalsamado pelo Sistema de Contas mudança de paradigma, redefinindo o progresso (p. 310), internalizando as externalidades
Nacionais, que há 35 anos resiste ao bombardeio dos melhores cérebros, fornecendo um
(p. 313) e valorizando o tempo acima das coisas (p. 315).
dos maiores exemplos históricos de inércia institucional” (p. 144). Outra “múmia do senso ? Vide G. Tyler Miller Jr, in Ciência ambiental. São Paulo: Cengage Learning, 2006, p. 135:
econômico comum é supor que a desigualdade social seja bem aferida pela distribuição de “Todas as coisas estão relacionadas e são interdependentes”.
renda. (...) Essencialmente porque a renda de um indivíduo ou de uma família é uma das “ Vide, outra vez, G. Tyler Miller Jr. in Ciência ambiental, op. cit., p. 135: “Nunca fazemos uma
mais grosseiras aproximações de sua situação econômica” (p. 145). ação única”. Ou seja, há “efeitos colaterais e, na maioria das vezes, indesejados”.
CAPÍTULO 1 | 35
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
34 || UAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
maneira
a sustentabilidade Assim, cada ser humano será -chamado, de
da produção global de alimentos. Se o for, com a marcha do
Outro exemplo: a proporcional, a se afastar da cumplicidade
terá sido comprometida irremediavelmente. te responsável
udo não se pode colapso: quem nada fizer será solidariamen
palma pode ser uma cultura promissora, cont outras palavras, a
critério. pela omissão causadora de danos. Por
aceitar o preço da devastação florestal sem a à disposição
Por todos os ângulos, destacadamente nas contratações atmosfera da Terra terá que ser ajudada e coloc
, cabendo reparar os
rar, a sua impressionante força regeneradora
públicas (pela força indutora do Estado), impõe-se ponde os riscos nada
os custos e benefícios, inclusive indiretos. erros individuais e coletivos, em vez de ignorar
motivadamente, na, esquecida
Afinal, o que se afigura o custo menor, isoladamente considerado, subestimáveis de perecimento da espécie huma
da natureza.”
de que depende vitalmente dos rendimentos
pode representar o custo proibitivo, quando os efeitos colaterais e
A irracionalidade conducente à catástrofe nada mais é do que
involuntários (externalidades) forem incorporados à apreciação. cheia de so-
Como acentuado, as gerações presentes e futuras têm o a resultante lógica dos desejos dilapidadores e da ilusão
Impende,
direito fundamental ao ambiente limpo e à vida digna e frutífera fismas do crescimento material ilimitado como solução.
e a falta de educação
(direito oponível ao Estado e nas relações horizontais ou priva
das), pois, combater a iniquidade estrutural
o para que
sem condescendência com a degradação de qualquer tipo. Vida dig- (cognitiva e emocional) para o convívio, sobremod
e livre
na, não apenas material, mas coexistência fecunda e, o mais
se processe outro tipo de desenvolvimento, universalizável
(com os garga los
possível, isenta dos males oriundos das corrupções típicas da dos gargalos da irracionalidade empedernida
logística sofrível e
da má distribuição dos bens e serviços, da
insaciabilidade, que prefere primeiro crescer e, só no futuro
distante, mitigar ou compensar. da tributação perversa).
ta
Por essa razão de fundo, cumpre evitar o peso desmedido Segundo a lógica do novo desenvolvimento, impor
ia, o que
dado ao gozo imediato, em detrimento do futuro. Decerto, a preo- que a eficiência esteja inteiramente subordinada à eficác
supre ssão crescente
cupação com a equidade no presente é ponto destacado, ao supõe maior equidade intertemporal,
poração (sem
das assimetrias injustificáveis e criteriosa incor
permitir o desfrute da vida atual. No entanto, o horizonte do capital
tem de ser elastecido, isto é, tornado de longo prazo. É nítid
o cair nos pontos cegos e reducionistas) da teoria
os” de
que as estratégias sustentáveis são necessariamente aquelas de humano, no atinente especificamente aos seus mérit
de renda
longa duração, não as governadas por impulsos reptilianos ou pela
ressaltar a importância da educação para a melhoria
compulsão da 'obsolescência programada. Os próprios valores
e da qualidade de vida.
biológicos! não se coadunam com qualquer desconto desme-
e, 1.4 Transformações indispensáveis: exemplos iniciais
surado e excessivo do futuro.2 Saber lidar, de conseguint a
com o desconto do futuro é obrigatório para os defensores Propor-se-á, em capítulo específico, uma ampla Agend
er inadi ável
competentes do paradigma da sustentabilidade, no trabalho da Sustentabilidade. Apenas para ilustrar o carát
de erguer uma civilização que não se extermine, ao dilapidar
o patrimônio natural do planeta.“ o capital natural da Terra, mas podemos sustentar
uma que sobreviva do rendimento
biológico fornecido pelo capital natural do planeta” .
l, op. cit., p. 135: “Nossas vidas, estilos de
“4 Vide, ainda, G. Tyler Miller Jr. im Ciência ambienta
4 Vide, sobre valor biológico, António R. Damásio, in O livro da consciência:
a construção do
vida e economias são totalmente depende ntes do Sol e da Terra (...) como espécie, somos
cérebro consciente, op. cit. p. 68-71. dispens áveis”.
Vide, sobre o desconto do futuro, Martin Daly e Margo Wilson, in Carpe Diem:
Adaptation a Theoretical and Empirical Analysis,
4 Vide, por exemplo, Gary S. Becker, in Human Capital:
: University of Chicago Press, 1993.
and Devaluing the Future. The Quarterly Review of Biology, v. 80, p. 55-60, 2005. with Special Reference to Education. 314 ed. Chicago
of Population
ambiental, op. cit., Schultz, in Investing in People: the Economics
43
Vide, entre as diretivas sustentáveis de vida, G. Tyler Miller Jr. in Ciência Vide, ainda, Theodore W.
p- 135: “Não podemos sustentar indefinidamente uma civilização que exaure
e degrada Quality. Berkeley: University of California Press, 1981.
o cn!
36 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 1 | 37
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
das transformações, eis exemplos de aplicativos de difícil serão impositivas. É certo, hoje, que a degradação
refutação: ambiental encontra-se significativamente correla-
(a) Os combustíveis fósseis são responsáveis por inú- cionada à baixa performance escolar. Logo, força
meros malefícios em matéria de saúde pública, enfrentá-la, nessa perspectiva, assim como a pobreza
para além dos transtornos ligados à temperatura. multidimensional.“ Imperativo, por todos os moti-
Vai daí que, à luz da sustentabilidade, ainda que
vos (éticos, jurídico-políticos, sociais, econômicos
haja muito petróleo em águas profundas e apesar e ambientais), conferir um tratamento integrado à
das tentações do pré-sal, a era desses combustíveis
degradação das escolas e à performance escolar. As
(largamente dominantes ao longo do Século XX)
dimensões têm de ser tratadas em sincronia. O atraso de
precisa ser, a pouco e pouco, ultrapassada, certo
como é que aqueles países que não investirem em ener- uma delas (no caso, a ambiental) acarreta o atraso das
gias renováveis (a cada passo, mais competitivas) restarão demais dimensões. Na natureza, o inter-relacionamento
literalmente fossilizados e caducos. Por outro lado, se é dado inelutável.
o enxofre, liberado pelo diesel mineral, à diferença (c) Umnovo urbanismo, o das cidades saudáveis,º com o
do diesel vegetal, mata milhares de pessoas por ano, cumprimento enérgico do Estatuto da Cidade” e da
elimine-se tal veneno, o quanto antes. Ainda: se os Lei de Mobilidade Urbana,” é outro exemplo robusto
policloretos, utilizados em sistemas elétricos, são de providência sinérgica e sistêmica cogente, à luz
compostos químicos causadores de vários tipos de da sustentabilidade, seja via regularização fundiária,
câncer, mister abandoná-los, na linha da Convenção seja via arquitetura e construção verdes ou incentivo
de Estocolmo, sem tardar.“ prioritário ao transporte público, seja via urgente
(b) Uma visão multidimensional da sustentabilidade contenção das encostas e remoção das pessoas de
implica o aproveitamento de providências sistêmi-
cas, que levem em conta as evidências empíricas
daquilo que realmente funciona: por exemplo, se escolaridade dos pais, e em particular a da mãe, é, de forma robusta, a mais importante
para determinar o desempenho educacional dos jovens em questão. Um ano adicional de
as melhorias de infraestrutura sabidamente con- escolaridade dos pais leva a um acréscimo de cerca de 0,3 ano de estudo para os filhos”
tribuem para o avanço de aprendizagem,” então (p. 27). Especificamente quanto ao impacto da infraestrutura: “O impacto estimado (pelo
índice sintético/média simples) de passarmos de uma escola próxima à casa do aluno, que
funciona durante o dia, onde os alunos passam mais de quatro horas por dia e que possua
todos os equipamentos desde livros até computadores e vídeo, para uma sem qualquer
46
equipamento, distante, que funciona à noite e uma jornada diária inferior a quatro horas é
Vide Diogo Pupo Nogueira et al. in Acúmulo de policloretos de bifenila na população da equivalente a cerca de 0,9 ano de estudo” (p. 28).
Grande São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 21, n. 4, p. 279-290, 1987. saúde
Vide o Índice de Pobreza Multidimensional, que mostra as privações em educação,
4 Vide João Batista Gomes Neto, Eric A. Hanushek e Ralph W. Harbison, in Efficiency- e padrão de vida, lançado pelo PNUD em conjunto com a Oxford Poverty and Human
Enhancing Investments in School Quality. In: Nancy Birdsall Richard H. Sabot. Development Initiative (OPHIN), encartado no Human Development Report 2010.
Opportunity Foregone: Education in Brazil. Washington, DC: Inter-American Development 49
Vide pesquisas do Centro de Estudos, Pesquisas e Documentação em Cidades Saudáveis —
Bank, 1996, p. 385-424, A propósito, Gustavo Ioschpe, in A ignorância custa um mundo: o
valor da educação no desenvolvimento do Brasil. São Paulo: Francis, 2004, p. 181-182,
CEPEDOC, sediado na USP e criado em 2000 a partir do movimento Cidades Saudáveis.
arrola os fatores que têm efeito positivo comprovado sobre educação, a começar pela
so
Vide Lei nº 10.257/2001: “Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desen-
escolaridade dos pais, passando pela infraestrutura e manutenção da escola, entre outros, volvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes
tais como o conhecimento do professor de sua área de ensino, disponibilidade de livros diretrizes gerais: 1 - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à
didáticos e materiais de apoio, frequência da realização de deveres de casa, assiduidade terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte
e status socioeconômico dos alunos. Vide, a respeito da importância da escolaridade e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (...)”.
dos pais, Ricardo Paes de Barros et al. in Determinantes do desempenho educacional 5
Vide Lei nº 12.587/2012: “Art. 5º A Política Nacional de Mobilidade Urbana está funda-
no Brasil. Texto para Discussão, n. 834, p. 1-33, out. 2001, em cujas conclusões se lê: “Os mentada nos seguintes princípios: (...) II - desenvolvimento sustentável das cidades, nas
resultados encontrados revelam que, dos quatro conjuntos de variáveis analisadas, a dimensões socioeconômicas e ambientais; (...)”.
Tg A O O
CAPÍTULO 1 | 39
38 | | SUSTEN
UAREZ FREITAS
TABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
áreas de risco, devidamente mapeadas. Chuvas de dessas questões difíceis, que envolvem o meio ambiente,
omissão não podem continuar matando, ano após em sentido larquíssimo.*
ano. Cumpre introjetar e fazer respeitar, sem pro- Tais exemplos são, por ora, suficientes para introduzir o
crastinação, o direito fundamental (tutelável judi- próximo tópico, no qual se enfatizará que a sustentabilidade
cialmente) a cidades integradas, amistosas, seguras tem de ser encarnada, eficaz e consistentemente, sob pena de
e fluentes. servir como simples discurso de propaganda.
(d) As insofismáveis mudanças climáticas” não podem
ser ignoradas, nos seus múltiplos impactos sociais
e econômicos, eis que, sempre à luz da sustentabi- 1.5 Sustentabilidade não é princípio abstrato:
lidade, requerem o compromisso mensurável com vincula plenamente
metas rigorosas de redução das emissões dos gases
de efeito estufa (sem gerar guerra ambiental pre- As limitações do atual modelo de crescimento pelo cres-
datória entre os Estados — o que seria uma versão cimento (inconfundível com o desenvolvimento aqui pleiteado)
Zz
pavorosa, no plano interno, da guerra fiscal ou, no são evidentes. O planeta está no limite da exaustão. E bem
plano externo, da guerra cambial). Com efeito, as provável que, em dado momento, haja até severa disruptura,
mudanças climáticas simplesmente têm o condão na qual os modelos neokeynesianos não consigam dar conta,
de minar os esforços de segurança alimentar? e de na velocidade desejada.º Nesse quadro, a sustentabilidade não é
combate à miséria. Como se percebe, o compromisso princípio abstrato ou de observância protelável: vincula plenamente
com a sustentabilidade é mais do que o aproveita- ese mostra inconciliável com o reiterado descumprimento da função
mento das janelas de oportunidade da chamada socioambiental de bens e serviços. Nessa linha de raciocínio, não se
economia “verde”, embora não as exclua. Investe mostra razoável tratá-lo como princípio literário, remoto ou de
numa autêntica mudança de lógica, como demonstra concretização adiável, invocado só por razões de marketing
o exemplo. A lógica cooperativa do tipo “win-win” é que ou de pânico. As suas razões, devidamente calibradas, são
carece de ser firmemente expandida, no enfrentamento filosóficas e biológicas. Razões éticas e constitucionais.
2 Vide o decreto de regulamentação da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC), % Vide a definição ampla de meio ambiente de G. Tyler Miller Jr., in Ciência ambiental, op.
de São Paulo, em cumprimento,da Lei nº 13.798/2009, que estabeleceu a meta de reduzir cit., p. 3: “Meio ambiente é tudo o que afeta um organismo vivo (qualquer forma de vida
20% das emissões dos gases de efeito estufa (meta mais rigorosa do que a estatuída pelo única)”.
Protocolo de Quioto, com os seus vários equívocos). Força convir, no caso brasileiro, que o 5 Vide, sobre os limites ecológicos e a necessidade de reformulação da economia, a obra im-
melhor seria haver uma meta federativa, no intuito de evitar guerra entre os Estados, que pactante (ainda que, a seu modo, otimista) de Paul Gilding, in The Great Disruption: Why
podem oferecer metas menos restritivas a empresas, no afã errado de atraí-las. the Climate Crisis Will Bring on the End of Shopping and the Birth of a New World, op.
3 Vide a versão inicial do documento “The future we want”, da Rio+20, o draft zero — ex- cit. Vide, ainda, André Lara Resende, in Os novos limites do possível. Valor Econômico, São
cessivamente tímido —, no qual constou: “88. We reaffirm that climate change is one of the Paulo, 20 jan. 2012.
greatest challenges of our time, and express our deep concern that developing countries are
5 No entanto, já existe tentativa de marketing baseado em valores, que reconhece a im-
particularly vulnerable to and are experiencing increased negative impacts from climate Kotler, Hermawan
portância de maior consciência ambiental. Vide, nessa linha, Philip
change, which is severely undermining food security and efforts to eradicate poverty, and
Kartajaya e Iwan Setiawan, in Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing
also threatens the territorial integrity, viability and the very existence of small isle and
centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Campus, 2010, p. 191: “Entre os benefícios, estão
developing states. We welcome the outcome of COP17 at Durban and look forward to the
urgent implementation of all the agreements reached”. redução de custos, melhor reputação e maior motivação dos empregados”.
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TO |
DADE — CONCEI
SUSTENTABILI
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40 | JUAREZ FRE EITO AO FU
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42 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 1
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO | 43
Entendida, portanto, com base nesses elementos indis- Sen, por exemplo, trabalha para introduzir indicadores mais
sociáveis, a sustentabilidade, corretamente assimilada, consiste em avançados. Com efeito, no importante relatório da Comissão
assegurar, hoje, O bem-estar material e imaterial, sem inviabilizar Stiglitz-Sen-Fitoussi,* a sustentabilidade desponta como um
o bem-estar, próprio e alheio, no futuro. Desse modo, quando dos fatores a serem considerados na avaliação da performance
colegas, como Anthony Giddens,º opõem (até certo ponto, econômica.
compreensíveis) reservas à expressão desenvolvimento sus- Melhor assim. Sendas se, a passo e passo, os sérios en-
tentável,” vendo-a como oxímoro (contradição em termos), ganos induzidos pelo PIB, que não mede qualidade de vida.
estão a cogitar de acepção demasiadamente convencional do Ter, a propósito, o sexto PIB do mundo pode não representar
desenvolvimento, isto é, aquela que o embaralha com o cres- muita coisa, especialmente se o país deixar a desejar em itens
cimento econômico e se exprime no velho PIB. como renda per capita, probidade nas relações públicas e pri-
Entretanto, o desenvolvimento não precisa ser contraditório vadas, qualidade educacional, respeito à biodiversidade e
com a sustentabilidade. Claro que não, Desde que se converta confiabilidade do ambiente negocial.
num deixar de se envolver (des-envolver) com tudo aquilo que Avança-se (lentamente,é verdade) rumo à avaliação
aprisiona e bloqueia o florescimento integral dos seres vivos. líquida e qualitativa da atividade econômica. Eis o rumo conve-
Dito de outro modo, uma vez reconcebido, o desenvolvimento niente, a despeito das fortes resistências culturais a sobrepujar,
pode-deve ser sustentável, contínuo e duradouro. notadamente daqueles que parecem não querer que aflorem
Afortunadamente, surgem alternativos indicadores mais as verdadeiras prioridades constitucionais ou que se deixam
confiáveis do que o PIB, ao passo que outros são redesenhados. enredar, sem soluções, na chamada tragédia dos bens comuns.
Certo: a seu tempo, o Índice de Desenvolvimento Humano (que Desde logo, impõe-se pôr em realce, como reconhece o
mede renda, longevidade e educação) representou um considerável próprio Anthony Giddens, que a sustentabilidade “implica
progresso, apesar de simples e limitado em sua métrica sin- que, ao lidarmos com problemas ambientais, estamos em
tética.º2 Não faz muito, aliás, foi reformulado.“ Mais: Amartya busca de soluções duradouras, não de jeitinhos a curto prazo.
Temos que pensar a médio e longo prazos e desenvolver estra-
tégias que se estendam por essas escalas temporais. Existe a
9 Vide Anthony Giddens, in A política da mudança climática. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. Para
uma crítica, vide José Eli da Veiga, in Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor, op.
obrigação de considerarmos de que modo as políticas atuais
cit., p. 42-43. Observa: “Neste livro uma de suas afirmações mais chocantes é de que o tenderão afetar a vida dos que ainda não nasceram”.
crescimento econômico nunca cessará, sem sequer mencionar o imenso acúmulo teórico
e empírico da economia ecológica, desde as contribuições de Georgescu-Roegen até as de
Peter Victor, passando pelas de Herman F. Daly. (...) Por mais que os crentes na eternidade
do crescimento econômico mereçam respeito, é incrível que um acadêmico tão renovado foi substituído pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita. No tocante à educação, em
desconheça a profunda fundamentação na economia ecológica, da ideia oposta”. lugar da taxa bruta de matrícula, entrou o número estimado de anos de estudos. Mais; em
: 4 Video Relatório Brundtland: Report of the World Commission on Environment and Development: vez da taxa de analfabetismo, restou introduzida a média de anos de estudo da população
Our Common Future. New York: United Nations, 1987. adulta. Nesses moldes, o Brasil ficou no 73º lugar (0,699).
& Vide, entre outros, os Calvert-Henderson Quality of Life Indicators, com várias dimensões da * Vide o documento Commission on the Measurement of Economic Performance and Social
vida contempladas (education, employment, energy, environment, health, human rights,àincome, Progress: “We are also facing a looming environmental crisis, especially associated with
infr astructure, national security, public safety, re-creation, shelter). - global warming. Market prices are distorted by the fact that there is no charge imposed
63 on carbon emissions; and no account is made of the cost of these emissions in standard
À vista da mudança metodológica, pode-se denominar novo IDH o que consta no docu-
mento da ONU, intitulado A verdadeira riqueza das nações: vias para o desenvolvimento national income accounts. Clearly, measures of economic performance that reflected these
humano, divulgado em Nova Iorque, -em novembro de 2010. A lista é liderada pela environmental costs might look markedly different from standard measures”.
Noruega (0,938) e a pior posição coube ao Zimbábue (0,140). O índice, ora reformulado, & Vide Garrett Hardin, que popularizou o tema, in The Tragedy of the Commons. Science,
segue abarcando os indicadores de educação, de renda e de longevidade (estabelecidos em v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, Dec. 131 1968.
1990), mas com alterações nos dois primeiros subíndices. No caso da renda, o PIB per capita 5 Vide Anthony Giddens, in A política da mudança climática, op. cit., p. 88.
GEO el o
CAPÍTULO 1 | As
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO
44 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
Justamente por isso, não se admite a métrica tradicional tomar as necessárias medidas adaptativas. Malthus,º a pro-
pósito, errou na extrapolação alimentar, todavia não pode ser
do desenvolvimento (bruto e, não raro, brutal), consoante o
qual só os povos que atingissem determinado patamar de
considerado falho naquilo que enxergou como dificuldade na
expansão populacional desenfreada. Em menos de 50 anos,
desenvolvimento passariam a se preocupar com questões
ambientais. Tudo errado.
no século XX, o mundo multiplicou por três a sua população.
Tal concepção distorcida e antiquada merece cair em O consumo de energia aumentou várias vezes mais. Natu-
profundo descrédito, dado que se impõe admitir, com real ralmente isso não acontece sem enorme impacto negativo.
senso de urgência, que o planeta pode se tornar simplesmente Negligenciar esse fenômeno pode ser fatal.
inviável para a vida humana, a persistir o ritmo de crescimento A ocupação judiciosa do solo — sem violência e sem que
poluente e o uso desmedido dos recursos naturais. o Estado Constitucional deixe de comparecer — é outro dos
imperativos descendentes da sustentabilidade, ainda que se
estime o crescimento populacional estacionário ou negativo,
1.7 Se o homem insistir em destruir o planeta, antes em vários países, em 2030. É que a média engana e, nos se-
a espécie humana será extinta tores de mais baixa renda, o crescimento demográfico, sem
esclarecimento e sem planejamento voluntário, frequentemente
O crescimento econômico, sem respeito ao direito fundamental opera acima do razoável e de modo dramático.”
ao ambiente limpo e ecologicamente sadio, provoca danos irreparáveis A pouco e pouco, porém, observa-se o despertar da com-
ou de difícil reparação. É chegada a hora de precificar a inércia perante preensão de que as dissipações de energia podem provocar danos
esses males tenebrosos. Com efeito, o homem não pode exercer ambientais irreversíveis ou de difícil reparação, de modo que se revela
o papel de asteroide” destruidor e nada criativo, pois se é ver- essencial rever a relação entre economia e vida, sem qualquer aposta
dade, como dito no início desse capítulo, que o planeta não frívola ou adocicada nos milagres da tecnologia. Esta, sem
corre grande perigo (os irisetos, por exemplo, sobreviveriam dúvida, quando sensata e limpa,” tende a auxiliar muito (as
ao aquecimento global mais intenso),* a humanidade poderá células solares, o etanol, os veículos elétricos ou a hidrogênio,
ser extinta, em função do aumento exagerado da poluição e da
temperatura, fenômenos com inegável componente de culpa
humana, mercê do imediatismo e da falta de solidariedade & Vide Eduardo Giannetti, in Ricardo Amt (Org.). O que os economistas pensam sobre sus-
intergeracional. tentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 79, a propósito de Malthus: “Ele errou ao
extrapolar a restrição do lado alimentar, mas acertou na ideia de que populações e padrões
O papel eticamente esperado, nesse contexto, é o de de vida não se sustentam indefinidamente”.
salvar a humanidade dela mesma, enquanto é tempo, O que inclui 7 Não se trata de ser otimista ou pessimista, em matéria populacional, mas de adotar posição
que estimule transição demográfica para taxas de fertilidade mais baixas nos países mais
pobres, como observa Jeffrey Sachs, in A riqueza de todos: a construção de uma economia
sustentável em um planeta superpovoado, poluído e pobre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2008, p. 199: “Embora a taxa de crescimento da população mundial tenha-caído, qualquer
7 Vide Niles Eldredge, in Pesquisa FAPESP, São Paulo, abril 2008. Suplemento Especial
complacência em relação ao incremento demográfico do planeta seria um equívoco”. Por
- Revolução Genômica, ao sustentar que os seres humanos são equivalentes atuais do isso, pondera, o “mundo deve adotar um conjunto de políticas que, por meio de escolhas
meteoro que matou os dinossauros. Vide, ainda, Edward Osborne Wilson, in La creación: voluntárias, ajude a estabilizar a população do planeta” (p. 200).
salvemos la vida en la tierra. Buenos Aires: Katz, 2006, p. 122: “Pero no cabe dudar que
71 Vide José Eli da Veiga, in Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor, op. cit., p. 38:
somos el gran meteorito de estos tiempos ni de que hemos iniciado el sexto cataclismo de
la historia fanerozoica”. “= “qualquer profunda transformação do que se pode chamar de “modelo dominante de civi-
lização' jamais vai ser obtida sem muita inovação, adaptação e reforma”.
Vide José Eli da Veiga, in Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor, op. cit., p. 35.
|
46 JUAREZ FREITAS
e
SUSTENTABILIDADE = DIREITO AO FUTURO E CAPÍTULO1 7
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO | 4
o plástico verde? e o grafeno” são provas eloquentes disso), deixar nítido que as necessidades atendidas não podem ser
mas não pode tudo. Quadra referir, a propósito, o trabalho aquelas artificiais, fabricadas ou hiperinflacionadas pelo con-
instigante de Nicholas Georgescu-Roegen,”* por sua proposta sumismo em cascata. Como se ponderou, em lugar da tríade
de aplicação à economia da noção de entropia, numa relei- de elementos básicos do conceito do Relatório (ou seja, (1) o
tura da segunda lei da termodinâmica, que tem, no mínimo, | desenvolvimento (2) que atende as necessidades das gera-
o mérito de apontar os vícios do pensamento, segundo o qual ções presentes (3) sem comprometer as gerações futuras),
a economia seria moto perpétuo. O
melhor é adotar uma série mais completa de elementos, nos
Com efeito, seria tolo não perceber a significação es-
moldes aqui preconizados. Com efeito, apesar dos méritos, o
tratégica de (tentar) conciliar tecnologia e modernização conceito do Relatório não se mostra suficiente, nem adianta
ecológica,” contudo com a condição de que não se caia na acrescentar, como fez Robert Solow, que a sustentabilidade
armadilha do otimismo excessivo e panglossiano. determinaria que a nova geração mantivesse o mesmo padrão
de vida da geração atual, assegurando está condição para
a
geração subsequente.”s
1.8 Relatório Brundtland foi e é importante, mas Avanço realmente expressivo consiste em dizer com
cumpre dar novos passos Amartya Sen que, uma vez recaracterizada, “a liberda
de sus-
Adota-se, como se observa, um conceito eminentemente ( tentável poderá soltar-se dos limites que lhe vêm das formu-
valorativo e multidimensional de sustentabilidade, que não se resume lações propostas pelo Comitê Brundtland e por Solow, para
ao suprimento das necessidades. abraçar a preservação e, quando possível, a expansão das
Verdade que o desenvolvimento sustentável, para o liberdades e capacidades substantivas das pessoas dos dias de
Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio hoje, “sem” com isso, “comprometer a capacidade das futuras
Ambiente e Desenvolvimento, de 1987, no citado documento gerações” para terem uma idêntica ou maior liberdade”7
Nosso futuro comum, seria aquele que satisfizesse as necessi- Acrescente-se: sustentável é a política que insere-todos os
dades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações seres vivos, de algum modo, neste futuro comum, evitand
o apego
futuras de suprir as suas. excessivo a determinado padrão material de vida.” Por outras
Trata-se de progresso histórico, digno de nota. Entre- palavras, considerar a satisfação das necessidades
das gerações
tanto, indispensável aperfeiçoar esse conceito, com o fito de atuais e futuras foi e é relevante, mas diz muito
pouco sobre
o caráter valorativo da sustentabilidade.”
? Sobre o “plástico verde” (polímero verde), convém examinar a experiência da Brasken, * Vide Robert M. Solow, in An almost Practical Step toward
em Triunfo (RS), ainda que não signifique que seja um plástico mais degradável do que Sustainability. Resources Policy,
o v.19,n.3, p. 168, Sept. 1993: “The duty imposed by sustaina
convencional. bility is to bequeathto posterity
. notany particular thing — with the sortofrare exception Ihave
? Sobre o grafeno, recorde-se que receberam o Prêmio Nobel de Física de 2010 Andre mentioned — but rather to
Geim e endow them with whatever it takes to achieve a standard
Konstantin Novoseloy, que descobriram, com o uso de uma of living at least as good as our
fita adesiva normal, esse novo own and to look after their next generation similarly”.
material, muito mais resistente do que o aço, ótimo condutor e altamente flexível.
7 Vide Amartya Sen, in Desenvolvimento como liberdade. São Paulo:
?* Vide Nicholas Georgescu-Roegen, in The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge: 2000, p. 343.
Companhia das Letras,
Harvard University Press, 1971. .
Vide Amartya Sen, in Desenvolvimento
como liberdade, op. cit., p. 342, que bem exemplif
Vide, para um panorama da ecological modernization theory, Arthur P. J. Mol e David ica
e
JUAREZ FREITAS
48 | |
SUSTENTABILIDADE —
DIREITO AO FUTURO
de
to do Convém notar que se o desenvolvimento aparece,
ndo em relação ao concei
A sustentabilidade, evolui priamen- modo expresso, no preâmbulo da Constituição, a sustenta-
assumir as demandas pro constitucional
Relatório Brundtland, faz zo, bilidade surge, por assim dizer, como qualificação
físico e psíquico, a longo pra do art. 225. Ou
te relacionadas ao bem-estar ais e O insuprimível do desenvolvimento, sob o influxo
to às necessidades materi
acima do simples atendimen ustrial, seja, consoante a Carta, O desenvolvimento
que importa é aquele
produzidos, em escala ind lidade, condicionado
faz sem ampliar os riscos que se constitui mutuamente com a sustentabi
pelo próprio ser humano. erimenta notável por ela. Qualquer outro será inconstituciona
l.
Desse modo, o desenvolvimento exp Nessa perspectiva, em lugar do desenvolvimentis
mo
camente consistente: todo e
reconfiguração para se fazer eti r da cego ou, na melhor das hipóteses, míope, O conceito tem
tornar, a longo prazo, negado de enver-
qualquer desenvolvimento que se de dar conta da sustentabilidade como prinçípio
pague elevados tributos, não há outra
dignidade dos seres vivos em geral, ainda que gadura constitucional —-até porque, a rigor,
daí, abandonar
será tido como insustentável. escolha juridicamente aceitável — e, a partir
ceito seja pronun- valor
Mas ainda não é tudo. É preciso que con o viciante modelo do crescimento quantitativo como
mente. Numa expressão: em si. Decididamente, à sustentabilidade é que deve adjeti
var,
ciadamente includente, política e social
sentido lato. Populações ao desenvolvimento,
incorpore a “justiça ambiental”, em condicionar e infundir as suas características
tarde, terão de reagir contra
excluídas ou reprimidas, cedo ou nunca o contrário.
gero, pois, dizer que toda
os tentáculos da repressão. Não é exa
entável. Nessa medida,
repressão ou iniquidade afigura-se insust incluir a
pensar em planejamento estratégico nunca
poderá ser colidente com 1.9 O conceito de sustentabilidade deve
. De fato, é pressuposto multidimensionalidade do bem-estar
a primazia da equidade intergeracional
ipação, na tomada das
da boa governança a mais larga partic Na sociedade de risco mundial, na qual não mais
pode excluir os legiti-
decisões, porém essa participação não podem ser negligenciadas as consequências invol
untárias
sso ao bem-estar, seja
mados futuros, que merecem igual ace (externalidades)º e a dramaticidade das questões ambie
ntais
relações privadas de
nas relações de direito público, seja nas lato sensu (notadamente as causadas por atuação
e omissão
tabilidade insira
consumo. humanas), é irrenunciável que o conceito de susten
aperfeiçoado de
Importante sublinhar que O conceito a multidimensionalidade do bem-estar como opção delibe
rada pelo
r, sob hipótese alguma, à condição isso, não
sustentabilidade não pode ignora reequilíbrio dinâmico a favor da vida. Precisamente por
da, a sua estatura consti- ser sabid amente
jurídico-política do princípio, melhor ain icação
faz sentido, por exemplo, conservar nada que possa
a brasileiro), sem prejuízo da densif onismo
tucional (no sistem dos
destrutivo para a saúde humana, sob pena de preservaci
itações, art. 3º, além autoriza
infraconstitucional (vide a Lei de Lic simplista, tampouco cair naparalisia do pânico, que nada
lmente
exemplos ministrados no Capítulo 5). fazer. E somente o desenvolvimento duradouro e socia
gica”
homeostático,! que faz consciente cada “pegada ecoló
e algumas
nas nossas necessidades de satisfação)
nossos próprios padrões de vida (ou reconheçamos uma risco, Ulrich Beck, in World Risk Society.
» Vide, nesse enfoque, ainda que variável a noção de
sentid o de valore s e para que
delas apelam sobretudo para o nosso nte não
o autor destaca que a “questão do ambie Cambridge: Polity, 1999; especialmente p. 48-90.
nossa responsabilidade fiduciária”. Mais: m com atitude
a de preservaçã o”, mas també no enfoque do livro, construída intencio-
tem apenas a ver com uma atitude passiv ação e ao melhoramento do s Homeostase, além de biológica, pode-deve ser,
ao nosso alcanc e proce der à ampli tudo a cargo de um automatismo autorregulador (supressor
ativa, sendo certo que “está nalmente, pois é erro deixar
ambiente natural em que vivemos” (p. 340).
| M
CAPÍTULO 1
SUSTENTABILIDADE - CONCEITO [51
JUAREZ FREITAS
50 SUSTENTABILIDADE = DIREITO AQ
FUTURO.
-E
a system problem, so
. of Shopping and the Birth of a New World, op. cit. p. 315: “We have
de pré-compreensões espúrias e unidimensio- we need a system solution. How do we do that? The only force on earth
powerful enough
impe de o in India, the
nais, com a libertação de tudo o que entrepren eur bringing energy to her village
to fix this now is us. The woman
CEO in Davos cleverly using
organic farmer in Australia locking up carbon in the soil, the
ice cores in Antarctica, and the
his power to shift market attitudes, the scientists taking
more. AJ of us, acting
mother in China teaching her children how to shop less and live
as disfunções, independentemente de
da liberdade de escolha) que daria conta de todas collectively”.
autono mia do natural —vide Dale Jamieson. limitado e despótico,
Vide, no sentido da preconizada superação do antropocentrismo
nossa influência. Embora se admita a relativa
p. 256 —, não se pode diminuir o peso da
Ética & meio ambiente: uma introdução, op. cit. elucidativa decisão do STF: “A promoção de briga de galos,
ar prática
além de caracteriz
destino de nossa espécie e, de certo modo, de a à Constituição
ação ou da omissão humana, na definição do criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatóri
todas as espécies.
CAPÍTULO 1
| 58
52 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
SUSTENTABILIDADE — CONCEITO
(NI) A sustentabilidade não se coaduna com a crença pueril Decididamente, o qualitativismo tem de ocupar
no crescimento material como fim em si, tampouco se o lugar das mensurações quantitativistas de vista
coaduna com o regressivismo de qualquer matiz: im- curta.
porta preservar, com senso crítico, o legado da (V) A sustentabilidade prescreve que o progresso material
biodiversidade, assim como ultrapassar as limi- não pode sonegar o imaterial, nem o curto prazo pode
tações inerciais, por exemplo, no enfrentamento ocorrer às custas do longo prazo, convindo prati-
dos malefícios causados por espécies exóticas car uma educação multidimensional balanceada,
invasoras. nésses moldes, no campo das inteligências e da
(IV) “A sustentabilidade deve estar indissoluvelmente asso- vontade, para desmistificar os vieses de julgamento
ciada ao bem-estar duradouro, especialmente em face (descritos em capítulo próprio), no processo de
do stress climático e das vulnerabilidades sociais tomada de decisão.
correlacionadas. O PIB, como indicador econômi- (VI) A sustentabilidade implica a prática da equidade, na)
co, deve ser lido criticamente. Novos indicadores, relação com as gerações futuras e, ao mesmo tempo, a
atentos às várias dimensões da sustentabilidade, realização da equidade no presente, cumprindo o papel
precisam ocupar, gradativamente, o seu lugar de, em parceria e de maneira coordenada, erradicar
(ou, na pior das hipóteses, servir de contraponto a miséria e as discriminações (inclusive de gênero),
a ele), em face dos desafios gigantescos trazidos promover a segurança e a reeducação alimentar,
pelas mudanças climáticas, relacionadas às falhas universalizar a prevenção e precaução em saúde
de mercado” (a desafiar revisão da teoria das ex- pública, induzir o consumo lúcido (desmistificada
ternalidades) e às crassas injustiças ambientais. a“ética romântica”* do consumismo desastroso”),
regularizar a ocupação segura do solo e garantir o
da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza acesso a trabalhos decentes.
perversa, à semelhança da “farra do boi (RE nº 153.531/SC), não permite sejam eles qua-
lificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico. (...) Essa
E
(VII) A sustentabilidade requer, com ousadia crítica, uma
especial tutela, que tem por fundamento legitimador a autoridade da Constituição da “cidadania ecológica” (para evocar a expressão de
República, é motivada pela necessidade de impedir a ocorrência de situações de risco que uma cidadania ativista
ameacem ou que façam periclitar todas as formas de vida, não só a do gênero humano,
Mark Smithº), ou, melhor,
mas, também, a própria vida animal, cuja integridade restaria comprometida, não fora a do bom desenvolvimento, aliado da justiça ambiental
vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversas e violentas contra os seres irra-
cionais, como os galos de briga (gallus-gallus)” (ADI nº 1.856/RJ, Pleno. Rel. Min. Celso de (cujas “campanhas demonstram o potencial para
Mello, unânime. Julg. 26. 5.2011. DJe, 14 out. 2011). relacionar as desigualdades sociais e a pobreza
8
Vide, a propósito da relação entre mudanças climáticas e falhas de mercado, Nicholas
H. Stern, in The Stern Review Report on the Economics of Climate Change. London: HM
Treasury, 2006, p. 25: “The climate is a public good: those who fail to pay for it cannot be
excluded from enjoying its benefits and one person's enjoyment of the climate does not é Vide Colin Campbell, in The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism. Oxford:
diminish the capacity of others to enjoy it too. Markets do not automatically provide the Basil Blackwell, 1987.
right type and quantity of public goods, because in the absence of public policy there are
% Vide Anthony Giddens, in Sociologia, op. cit., p. 145-146: “Em uma perspectiva ambiental,
limited or no returns to private investors for doing so: in this case, markets for relevant
a “ética romântica” do consumismo é desastrosa. Constantemente, queremos novos pro-
goods and services (energy, land use, innovation, etc.) do not reflect the consequences of
dutos, e cada vez mais. (...) embora os abastados sejam os principais consumidores do
different consumption and investment choices for the climate. Thus, climate change is an
mundo, o dano ambiental causado pelo consumo crescente mostra seu maior impacto
example of market failure involving externalities and public goods. (...) The basic theory of Pessoas
sobre os pobres. (...) A pobreza também intensifica esses problemas ambientais.
externalities and public goods is the starting point for most economic analyses of climate
'com poucos recursos têm poucas opções além de maximizar os recursos disponíveis”.
change and this Review is no exception. The starting point embodies the basic insights J. Smith, in Ecologism: towards Ecological
& Vide, sobre “cidadania ecológica”, Mark
of Pigou, Meade, Samuelson and Coase (...). But the special features of this particular
externality demand, as we shall see, that the economic analyses go much further”. Citizenship. Buckingham: Open University, 1998.
CAPÍTULO 2
com as questões ambientais, prometendo tornar
o ambientalismo mais do que apenas um movi-
mento de defesa da natureza”, como observou,
com propriedade, Anthony Giddens*”). Um novo
E
paradigma da insaciabilidade predatória e plutocrática. Em tormentosas dificuldades ambientais e uma noção demasiado antro-
contrapartida, se não for também material, perde-se nas nu- pocêntrica — não raro, cruel — da dignidade, que só tem negado
vens. Logo, deve ser material e imaterial, concomitantemente, o que há mais digno no próprio ser humano: a sua capacidade
à altura do oferecimento científico? de respostas concretas, de medir consequências e de exercitar, com espírito equitativo,
eficientes, eficazes e universalizáveis. o senso prospectivo de longo prazo, de molde a assegurar a
Em segundo lugar, a pluridimensionalidade, criticamente todos, nascidos e ainda não nascidos, humanos e não huma-
reelaborada, conduz à releitura ampliativa da sustentabilidade (para nos, o direito inalienável ao futuro.
além do consagrado tripé social, ambiental e econômico). Em terceiro lugar, uma acepção acanhada da sustentabi-
Com o acréscimo elucidativo de duas dimensões e com o abandono lidade, em versão mono, pouco ou nada serve, já porque não
de compreensões demasiado reducionistas, torna-se factível dá conta do entrelaçamento das dimensões, já porque deixa
alcançar o desenvolvimento que importa! em sintonia com de incorporar a dimensão valorativa ou ética do desenvolvimento
a resiliência dos ecossistemas” e com a equidade intra e in- (imperativo de universalização concreta das práticas condu-
tergeracional. centes ao bem-estar duradouro) e a dimensão jurídico-política
Tarefa de .densificação normativamente prioritária, como (normatividade de princípio constitucional, direta e imedia-
sublinhado no Capítulo precedente, dado que, à vista da tamente incidente), que muda a concepção e a interpretação
crise ambiental (com milhões de refugiados climáticos) e da de todo o Direito (como é o caso emblemático do Direito
poluição desenfreada e fáustica (que, a cada ano, mata mi- Administrativo, que incorporou explicitamente o princípio,
lhões), não somente espécies são afetadas, mas ecossistemas no plano das normas infraconstitucionais).
inteiros.” Em larga escala, forma-se o nexo causal direto entre as Por essas três razões, no presente capítulo, defender-se-á
uma estratégica releitura da sustentabilidade, com o escopo
de produzir o acréscimo das dimensões ética e jurídico-política,
? Vide Simon A. Levin e William C, Clark (Org.). Toward à Science of Sustainability: Report from evitado qualquer unidimensionalismo. Sustentabilidade é mul-
Toward a Science of Sustainability Conference. Cambridge; Princeton: Center for Inter-
national Development; Princeton Environmental Institute. (CID Working Paper n. 196). tidimensional, porque o bem-estar é multidimensional. Para con-
? Vide John Elkington, in Sustentabilidade, canibais com garfo e faca. São Paulo: M, Books do solidá-la, nesses moldes, indispensável cuidar do ambiental,
Brasil, 2012, p. 107-135, sobre a teoria do triple bottom line e para uma nova contabilidade
que dê conta dos pilares econômico, social e ambiental. Observa, a propósito: “a transição
sem ofender o social, o econômico, o ético e o jurídico-político.
para a sustentabilidade necessitará de uma mudança de paradigma pós-1945, com base E assim reciprocamente, haja vista o fenômeno indesmentível
em objetivos de quantidade, para um paradigma do século 21, com base cada vez mais na
qualidade de vida observada” (p. 133).
da interconexão.” Por isso, uma dimensão carece logicamente do
* Vide Edgar Morin e Anne Brigitte Kern, in Terra-pátria. 6. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011, reforço das demais. Todas as dimensões entrelaçadas compõem
p- 83, que propõem “rejeitar o conceito subdesenvolvido do desenvolvimento que fazia
do crescimento tecno-industrial a panaceia de todo desenvolvimento antropossocial, e re- o quadro de cores limpas da sustentabilidade como princípio
nunciar à ideia mitológica de um progresso irresistível que cresce ao infinito”. constitucional e como valor.
& Resiliência entendida como aptidão de um sistema, após stress, retomar a sua posição
normal ou anterior. Vide, a propósito, o relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-
Geral das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global, intitulado Povos resilientes, planeta
resiliente: um futuro digno de escolha. Nova Iorque: Nações Unidas, 2012.
está ficando preta”. Adiante, observam, com acerto: “o problema da alteração climática é
96
Vide Gabrielle Walker é Sir David A. King, in O tema quente: como combater o aquecimento uma questão de legado” (p. 57).
global e manter as luzes acesas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 46, a propósito do aque- ” Vide, sobre o bem-estar e a ciência de network, Nicholas A. Christakis e James H. Fowler,
cimento global: “Também está afetando ecossistemas inteiros. Os dois exemplos mais dra- in Connected: the Surprising Power of our Social Networks and how they Shape our Lives.
máticos são os recifes de coral, que estão ficando brancos, e a calota de gelo do Ártico, que New York: Little, Brown, 2009.
58 | JUAREZ FREITAS |
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
Consigne-se que, comprovadamente, as sociedades equi- que aqueles que possuem a maior ata gons ciência assumam
tativas, não as mais ricas e assimétricas, são aquelas percebidas como
a tarefa de, sem encolher os ombros, resguardar a integridade
as mais aptas a produzir bem-estar. Em suma, a sustentabilidade,
na sua dimensão social, reclama:
e nobreza de caráter," de sorte a não permitir dano injusto,
(a) o incremento da equidade intra e intergeracional;
por ação ou omissão. Todi iueidude está proibida, por Herta
(b) condições propícias ao florescimento virtuoso das poten- prática jamais universalizável razoavelmente, contrária que
cialidades humanas, com educação de qualidade para é à qualidade intra e intergeracional da vida. Ss
o convívio; e Ao mesmo tempo, sublinhe-se que a dimensão ética
(c) por último, mas não menos importante, o engaja- mostra-se eminentemente racional, pois, nos seres humanos,
mento na causa do desenvolvimento que perdura e faz decorre da preponderância da racionalidade (córtex pré-
a sociedade mais apta a sobreviver, a longo prazo, frontal) sobre a zona límbica dos impulsos tirânicos da insa-
com dignidade e respeito à dignidade dos demais ciabilidade (às voltas com os aludidos bens posicionais) e dos
seres vivos. vícios comportamentais associados. Há, nessa perspectiva, o
dever ético racional de expandir liberdades e dignidades, assim como
de permitir que cada ser humano atue como uma espécie de
2.2.2 Dimensão ética da sustentabilidade
cocriador dos destinos.
Dimensão ética, no sentido de que todos os seres possuem Existe, de fato, o dever ético indeclinável e natural de sus-
uma ligação intersubjetiva e natural, donde segue a empática
tentabilidade ativa, que não instrumentaliza predatoriamente, mas
solidariedade como dever universalizável de deixar o legado
intervém para restaurar o equilíbrio dinâmico. Por outras palavras,
positivo na face da terra, com base na correta compreensão
“existe o dever de ser benéfico para todos os seres, nos limites
darwiniana de seleção natural, acima das limitações dos
formalismos kantianos e rawlsianos. do possível, não apenas deixar de prejudicá-los. Uma atitude
Não se admite, nesse enfoque, qualquer contraposição rígida eticamente sustentável é apenas aquela que consiste em agir
entre sujeito e objeto ou entre sujeito e natureza, tampouco se cai de modo tal que possa ser universalizada a produção do bem-estar
no monismo radical que tenta suprimir as diferenças entre o duradouro, no íntimo e na interação com a natureza Jo
cultural e o natural. O outro, em seu devido apreço, jamais pode Por outras palavras, a atitude ética sustentável dá cabo
ser coisificável, convertido em “commodity”. Cooperação aparece, de dupla tarefa: alcançar bem-estar íntimo e, simultaneamente,
nesse contexto, como magno dever evolutivo, favorável à con- o bem-estar social, na ciência de que, após determinado pata-
tinuidade da vida como sistema ambiental,1% cada vez mais mar de renda, o fim da iniquidade é, sensivelmente, melhor
rico e complexo.!” retorno do que o avantajamento econômico pleonástico, ao
Tal percepção ética habita o íntimo de cada um (embora
débil fagulha em criaturas demasiado instintivas), convindo
"5 Vide Norberto Bobbio, in Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cul-
"8 Vide Samuel Murgel Branco, in Ecossistêmica: uma abordagem integrada dos problemas tura na sociedade contemporânea. São Paulo: Unesp, 1997, p. 29: “Embora eu seja um
meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Blucher, 1999, p. 93-94.
do admirador incondicional das grandes descobertas no campo da ciência, admiro com mais
devota reverência a nobreza de uma consciência moral”. ae
107
Vide James Garvey, in The Ethics of Climate Change: Right and Wrong in a Warming World.
19 Vide Dale Jamieson, in Ética & meio ambiente: uma introdução, op. cit., p. 7: “Não há mais
London: Continuum, 2008. mn
dúvida de que a problemática do meio ambiente constitui uma questão moral (...)”.
BITAS CAPÍTULO 2
O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
'ABILIDADE - DIREITO AO FUTURO | 63
lado da certeza de que, mormente após esse patamar, o cresci- fundamento ético da sociedade, porque — não custa reiterar
mento econômico se converte, no geral das vezes, numa fonte — é muito fácil reconhecer, sem controvérsia séria, que uma
considerável de ansiedade, depressão e doenças similares."º postura insaciável, por mais que seja invejada ou emulada, revela-
Claro, por si, o progresso material bruto não representa, se completamente incapaz de produzir o bem-estar duradouro,
comprovadamente, nenhuma garantia de bem-estar. Não por individual e coletivamente. Em contrapartida, uma relação
acaso, estudos revelam que os ricos não se percebem necessa- exemplar entre ética e economia, por exemplo, serve de
riamente mais felizes.” Daí que se mostra eticamente vital motor para a promoção do bem-estar multidimensional'? e
introduzir uma alocação defensável dos recursos públicos para a correção das falhas estruturais de mercado (tendente à
poupados, agora redirecionados à universalização do bem- entropia, se permanecer solto), assimilado o bem-estar como
estar, em vez de devorados pelo submundo de falsas priori- direito fundamental (oponível a terceiros), a ser tutelado ante-
dades das oligarquias autocentradas. O próprio Estado Consti- cipatoriamente (sempre que necessário), sem provocar dano
tucional, bem observado, só encontra sentido a serviço dos fins injusto. O resto é sofisma e perda de tempo.
éticos fundamentais, diretamente relacionados à sustentabilidade A dimensão ética da sustentabilidade, desse modo, re-
do bem-estar. clama, sem subterfúgios, uma ética universal concretizável, com
Não por outro motivo, pode-se dizer que, para o prin- o pleno reconhecimento da dignidade intrínseca dos seres vivos em
cípio da sustentabilidade, importa é a vontade ética, ou seja, geral, acima dos formalismos abstratos e dos famigerados
coerente, principialista e capaz de produzir bem-estar mate- transcendentalismos vazios.
rial e imaterial ao maior número possível, sem perder de vista Ademais, uma concepção ética consistente da sustenta-
o ideal regulador do bem de todos (CF, art. 3º). Por certo, a bilidade é, por definição, a de longo espectro. Permite perceber o
atitude ética da sustentabilidade nada tem a ver com o mora- encadeamento das condutas, em lugar do mau hábito de se deixar con-
lismo, que jamais se universaliza de modo satisfatório. Nem finar na teia do imediato, típico erro cognitivo dos que não entendem
sucumbe ao relativismo hipócrita, eis que existem consensos “o impacto retroalimentador das ações e das omissões.
éticos indisputáveis. Va Tal ética da sustentabilidade torna plausível, quando
Não se admite escapismo, a propósito: toda corrupção, espargida, o acolhimento de princípios como prevenção e
direta ou indireta; material ou imaterial, resulta eticamente precaução, equidade e solidariedade intergeracional.
reprovável, não universalizável a longo prazo e, nessa medida, Em síntese, a ética da sustentabilidade reconhece (a) a
francamente insustentável. Ou seja, a honestidade de propósitos ligação de todos os seres, acima do antropocentrismo estrito, (b) o
evolutivos é, sim, ingrediente de qualquer filosofia consistente de sus- impacto retroalimentador das ações e das omissões, (c) a exigência
tentabilidade, nas relações públicas e privadas, acompanhada de universalização concreta, tópico-sistemática do bem-estar e (d)
da capacidade de antever os impactos sistêmicos. O engajamento numa causa que, sem negar a dignidade humana,
Todavia, há os que se perdem na busca “metafísica” do proclama e admite a dignidade dos seres vivos em geral.
fundamento ético último. Este é desnecessário para o bom
Nº Vide, em pesquisa a ser aprimorada, Richard G. Wilkinson e Kate Pickett, in The Spirit Level: “É Vide Amartya Sen, in Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 105:
Why Equality is Better for Everyone. London: Penguin Books, 2010, p. 5-6. Sobre igualdade “Procurei mostrar que a economia do bem-estar pode ser substancialmente enriquecida
e sustentabilidade, vide p. 217 et seq. atentando-se mais para a ética, e que o estudo da ética também pode beneficiar-se de um
»? Vide Daniel Kahneman e Angus Deaton, in High Income Improves Evaluation of Life but contato mais estreito com a economia. Também demonstrei que pode ser vantajoso até
not Emotional Well-Being. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States mesmo para a economia preditiva e descritiva abrir mais espaço para considerações da
of America — PNAS, v. 107, n. 38, p. 16489-16493, Sept. 21% 2010. economia do bem-estar na determinação do comportamento”.
64 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 2 | 65
SUSTENTABILIDADE —- DIREITO AO FUTURO O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
reestruturados completamente, numa alteração inescapável Jlongo prazo, O sistema competente de incentivos ea eficiência
do estilo de vida.!” A natureza"! não pode ser vista como sim- | norteada pela eficácia. E supõe, além disso, regulação idônea e
ples capital e a regulação estatal se faz impositiva para coibir “enérgica para evitar a formação de bolhas especulativas e os
o desvio comum dos adeptos do fundamentalismo voraz de
mercado, que ignoram a complexidade do mundo natural.“ infames esquemas Ponzi, cujo desfechoé a fatídica explosão.
Portanto, ignorar a relação umbilical entre economia e susten-
A par de tudo isso, numa abordagem econômica sus-
tabilidade significa deixar de ver o princípio numa de suas
tentável, o investimento educacional robusto (com bons gastos,
dimensões vitais.
em vez de mais gastos), amplia a renda, numa equação custo-
Em última análise, a visão econômica da sustentabili-
benefício que pende para externalidades altamente positivas,
dade, especialmente iluminada pelos progressos recentes da
tornando-se prioridade das prioridades. Seguramente, como
economia comportamental, revela-se decisivo para que (a) a
o abandono da pobreza liberta para alçar voos maiores,”
“sustentabilidade lide adequadamente com custos e beneficios, diretos
nada mais sustentável do que investir naquilo que promove
e indiretos, assim como o “trade-off” entre eficiência e equidade intra
a emancipação econômica. Nesse passo, como salientado,
novos indicadores são indispensáveis (superiores ao limitado e intergeracional; (b) a economicidade (princípio encapsulado no art.
e limitante PIB), tendo como mote.inspirador o Report by the 70 da CF) experimente o significado de combate no desperdício “lato
Commission on the Measurement of Economic Performance sensu” e (c) a regulação do mercado aconteça de sorte a permitir que
and Social Progress (Stiglitz, Sen, Fitoussi).!2! a eficiência guarde real subordinação à eficácia.
A sustentabilidade econômica tem a ver, negativamente
falando, com a situação grega, cuja falta de cuidado regu-
latório, transparência e de responsabilidade fiscal mostrou-se
2.2.5 Dimensão jurídico-política da sustentabilidade
emblemática sinalização dos perigos da negação dos pressu- Dimensão jurídico-política ecoa o sentido de que a sus-
postos econômicos do desenvolvimento durável. tentabilidade determina, com eficácia direta e imediata, indepen-
Por todos os ângulos, a sustentabilidade gera uma nova. dentemente de regulamentação, a tutela jurídica do direito ao futuro
economia, com a reformulação de categorias e comportamentos, e, assim, apresenta-se como dever constitucional de proteger a
o surgimento de excepcionais oportunidades, a ultrapassagem liberdade de cada cidadão (titular de cidadania ambiental ou ecoló-
do culto excessivo dos bens posicionais, o planejamento de gica), nesse status, no processo de estipulação intersubjetiva do con-
teúdo intertemporal dos direitos e deveres fundamentais das gerações
W7 Vide Tim Jackson, in Sustainable Consumption and Lifestyle Change. In: Alan Lewis (Ed.).
presentes e futuras, sempre que viável diretamente?
The Cambridge Handbook of Psychology and; Economic Behaviour. Cambridge: Cambridge Não se trata de princípio potencial, para usar a tipologia
University Press, 2008, p. 335-362.
18 Sobre conceitos de natureza, vide Anthony Giddens, in Sociology. 6% ed. Cambridge: Polity,
de Lang.» É princípio vigente, que supõe, antes de mais nada,
2009, Chapter 5, p. 153 et seg. 0 reconhecimento de novas titularidades e a completa revisão das
“2 Vide Edward Osbome Wilson, in La creación: salvemos la vida en la tierra, op. cit,, papi
im Vide Ignacy Sachs, Carlos Lopes e Ladislau Dowbor, que assinalam, com propriedade, que
a “teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda, é simplesmente des-
mentida pelos fatos: sair da miséria estimula”, in Crises e oportunidades em tempos de “2 Vide Juarez Freitas, in Direito constitucionalà democracia. In: Juarez Freitas e Anderson V.
mudança: Documento de referência para as atividades do núcleo Crises e Oportunidades Teixeira (Org.). Direitoà democracia: ensaios transdisciplinares. São Paulo: Conceito, 2011,
no Fórum Social Mundial Temático — Bahia. p: 19.
21 Vide Joseph E. Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, in Report by the Commission on "É Vide Winfried Lang, in UN-Principles and International Environmental Law. Max Planck
the Measurement of Economic Performance and Social Progress. Yearbook of United Nations Law, v. 3, p- 157-172, 1999.
68 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 2 | 69
O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
teorias clássicas dos direitos subjetivos: acolhe-se, mercê do novo | (a) o direito à longevidade digna, assegurado mediante po-
paradigma, o direito fundamental de gerações futuras, que líticas públicas intra e intergeracionais de bem-estar
sequer nascituros são. Supõe, ainda, novo limitador estatal, físico e mental, focadas na prevenção e na precaução,
que incorpora q proibição de toda e qualquer crueldade contra os com prioridade à proteção dos mais frágeis e o ofere-
seres vivos, não somente humanos. Supõe nova concepção dos cimento de trátamento e remédios gratuitos para os
bens jurídicos, disponibilidade e funcionalização. Supõe outra carentes, assim como disciplina adequada do sistema
concepção de trabalho, consumo e produção, com a ampliação (público e privado) de saúde (por exemplo, consulta
da tutela do consumidor atual e — convém não estranhar — do médica em tempo razoável e o enfrentamento organi-
consumidor futuro. Supõe redesenhar o Direito Administrati- zado das dependências químicas de vários matizes);
vo da Regulação, que não mais sucumba à omissão causadora (b) o direito à alimentação sem excesso e carências, isto é,
de danos inter e intrageracionais, sob a alegação de risco de balanceada e saudável, com amplo acesso à infor-
captura. Supõe que os deveres de precaução e de prevenção mação sobre os efeitós perniciosos, por exemplo, do
acarretem, quando implementados, a completa reformulação excesso de gorduras, sal e açúcares (cujo consumo
da teoria da responsabilidade civil e penal. Supõe, em síntese, pode ser viciante e gerador de distúrbios mortais
uma nova hermenêutica das relações jurídicas em geral. como a diabete!2);
Esse plexo de mudanças brota, por assim dizer, não de (c) o direito ao ambiente limpo, com vigoroso incentivo
uma vaga “norma intersticial” ,2* como diria Lowe, mas de um as energias renováveis,” e o planejamento estatal
princípio jurídico,” vinculante em sentido forte, endereçado, voltado para o reequilíbrio dinâmico do sistema
direta e imediatamente, à tutela efetiva dos direitos relativos complexo da vida, sem inercismo inconstitucional;
ao bem-estar duradouro das atuais gerações, sem prejuízo do (d) o direito à educação de qualidade, desde cedo, com des-
bem-estar das gerações futuras, incidindo sobre o sistema inteiro, taque para o incentivo harmonioso das inteligências
a exigir destacadamente o resguardo dos seguintes direitos e da vontade (não basta, é claro, a expansão quanti-
fundamentais: tativa de matrículas);
(e) o direito à democracia, preferencialmente direta, com o
emprego intensificado das novas tecnologias e das
1% Vide, sobre o caráter intersticial da sustentabilidade, porém sem reconhecer suficiente força redes sociais;
normativa ao princípio, Vaughan Lowe, in Sustainable Development and Unsustainable
Arguments. In: Alan E. Boyle e David Freestone (Ed.). International Law and Sustainable
(f) o direito à informação livre e de conteúdo qualificado, de
Development: Past Achievements and Future Challenges. Oxford: Oxford University Press, maneira a garantir, sem censura, o acesso universal
1999, p. 19-37.
“8 Vide Klaus Bosselmann, in The Principle of Sustainability: Transforming Law and Governance.
Aldershot: Ashgate, 2008, especialmente por reconhecer que a sustentabilidade reúne
condições típicas como fundamental princípio jurídico. Diz, em convergência com o aqui
reiteradamente preconizado, que não se trata de princípio aplicável apenas ao Direito é Vide Robert H. Lustig, Laura A. Schmidt e Claire D. Brindis, in Public Health: the Toxic
Ambiental: “The thesis of this book is that sustainability has the historical, conceptual Truth about Sugar. Nature — International Weekly Journal of Science, v. 482, n. 7383, p. 27-29,
and ethical quality typical for a fundamental principle of law. Like the ideals of justice Feb. 1% 2012. Vide, ainda, o World Health Statistics 2012. Geneva: WHO, 2012, que revela
and human rights, sustainability can be seen as an ideal for civilization both at national haver cerca de meio bilhão de obesos.
and international level. When accepted as a recognized legal principle, sustainability '*” Apropriadamente, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2012 o Ano Inter-
informs the entire legal system, not just environmental laws or not just at the domestic nacional de Energia Sustentável para Todos, ciente de que cerca de 3 bilhões de pessoas
level” (p. 4). Corretamente, identifica raízes remotas do princípio, muito antes do Relatório ainda vivem às custas de “biomassa tradicional”, como o carvão, com todos os imensos
Brundtland, examinando, especialmente no Capítulo 2, o status legal do princípio. prejuízos associados.
CAPÍTULO 2
O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE 71
à internet, assim como a superação da opacidade na disseminação do conceito de casa saudável e o em-
execução dos orçamentos públicos e a subordinação prego de tecnologias “verdes” para construção e
dos gastos públicos aos ditames da sustentabilidade; reconstrução:
(g) o direito ao processo judicial e administrativo com desfecho A sustentabilidade, como princípio jurídico, altera a visão
tempestivo e a melhor definição cooperativa das com- global do Direito, ao incorporar a condição normativa de um
petências,'* numa postura realmente dialógica e tipo de desenvolvimento, para o qual todos os esforços devem
preferencialmente conciliatória, dadas as limitações convergência obrigatória e vinculante. Deixa de ser um slogan
do método tradicional de comando e controle; para assumir a normatividade, como propõe Nicolas de
(h) o direito à segurança, com o emprego de persuasivas Sadeleer.!!
estratégias de ressocialização dos ímprobos e dos Como se nota, a sustentabilidade é (a) princípio constitu-
demais infratores, mas também de ações preventivas cional, imediata e diretamente vinculante (CE, artigos 225, 3º, 170,
e ostensivas; VI, entre outros), que (b) determina, sem prejuízo das disposições
(i) o direito à renda oriunda do trabalho decente, com esta- internacionais"? a eficácia dos direitos fundamentais de todas as
bilidade monetária, incentivo à poupança e respon- dimensões (não somente os de terceira dimensão) e que (c) faz des-
sabilidade fiscal; proporcional e antijurídica, precisamente em função do seu caráter
() o direito à boa administração pública, com a indeclinável normativo, toda e qualquer omissão causadora de injustos danos
regulação das atividades essenciais e socialmente “ntrageracionais e intergeracionais.'*
relevantes, à vista de que o Estado guarda comprovada
relação com o bem-estar;
(k) o direito à moradia digna e segura, com a regularização 2.3 Dimensões entrelaçadas
fundiária em grande escala (dado que boa parte da
Tais dimensões (ética, jurídico-política, ambiental, social
população vive em áreas clandestinas), remoção das
e econômica) se entrelaçam e se constituem mutuamente, numa
pessoas das áreas de risco, fiscalização periódica que
dialética da sustentabilidade, que não pode, sob pena de irre-
evite o inaceitável desabamento de prédios, cum-
mediável prejuízo, ser rompida. Não se trata, como visto, da
primento da multifuncionalidade (social, ambiental
singela reunião de características esparsas, mas de dimen-
e econômica) das propriedades públicas e privadas
soes intimamente vinculadas,"* componentes essenciais à
(CCv, art. 1228), crédito sem bolha especulativa,
modelagem do desenvolvimento. De fato. Condicionam-no.
“28 Vide, a propósito de licenciamento ambiental, a Lei Complementar nº 140, de 2011, art.
6º. “As ações de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
» Vide Nicolas de Sadeleer, in Environmental Principles: from Political Slogans to Legal Rules.
deverão ser desenvolvidas de modo a atingir os objetivos previstos no art. 3º eva ga-
Oxford: Oxford University Press, 2002.
rantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas
governamentais”. “º Vide Patricia W, Birnie, Alan E. Boyle e Catherine Redgwell, in International Law and the
"2 Vide, sobre as limitações do enforcement internacional das obrigações ambientais, Philippe Environment. 3“ ed. Oxford: Oxford University Press, 2009.
Sands, in Principles of International Environmental Law. 24 ed. Cambridge: Cambridge '8 Como acentua Klaus Bosselmann, in The Principle of Sustainability: Transforming Law
University Press, 2003, p. 191. and Governance, op. cit., p. 10, a sustentabilidade desafia a própria ideia de justiça: é
0 Vide John F. Helliwell e Haifang Huang, in How's Your Government? International induvidosamente injusto viver às expensas das novas gerações.
Evidence Linking Good Government and Well-Being. British Journal of Political Science, “4 Vide Thomas E. Graedel e Ester van der Voet, in Linkages of Sustainability. Cambridge: MIT
v. 38, p. 595-619, 2008. Press, 2010.
72 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 2 | 73
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
Moldam-no. Tingem-no. Humanizam-no. Ecologizam-no. admitir a multidimensionalidade material e imaterial, que rein-
Fazem-no duradouro, continuado, sinérgico, estimulante, sere o ser humano na natureza, sem cair em monismo radical,
inclusivo e vinculante.
supressivo da individualidade e da diferença * o
A multidimensionalidade deriva de uma propriedade
Útil aduzir em benefício da plena inteligibilidade desse
natural de difícil refutação: o inter-relacionamento de tudo,
a conexão inevitável de seres e coisas. Assim, a degradação ponto: entendido em sua condição multifacetada, o princípio
ambiental, por exemplo, encontra-se associada à degradação da sustentabilidade suscita uma autêntica transformação do
social e à criminalidade. E vice-versa. A dimensão jurídica estilo de vida, em todos os aspectos, como parte do projeto
influencia a ética, e assim reciprocamente. Noutro modo de maior de religação (mantidas as diferenças) dos seres vivos e
dizer, a sustentabilidade (longe de ser unívoca ou unilateral) só da afirmação da responsabilidade compartilhada.'*
pode ser entendida como princípio multidimensional (de raízes bio- Cumprem-se, nesse Ótica, os compromissos, não apenas
lógicas e evolutivas, com desdobramentos sociais, econômicos, éticos
com a mitigação ou com a adaptação ambiental, porém, antes
e jurídicos), em sentido forte.
de tudo, com a prevenção e com a precaução, no desiderato
Vinculada às noções-chave de empatia, equidade entre
gerações,'* longevidade digna, desenvolvimento limpo! (em de evitar danos previsíveis e, ao mesmo tempo, de. gerar o
termos físicos e éticos), a sustentabilidade reclama uma com- bem-estar sustentável.
preensão integrada da vida, para além do fisicalismo estritamente
material e das exortações românticas.
Situa-se, pois, múltiplos degraus acima do anelo de 2.4 Sustentabilidade é princípio-sintese que
simplesmente viver numa economia de baixo carbono ou de determina a proteção do direito ao futuro
combater o desperdício (o que não é pouco). É uma alteração
evolutiva deliberada, que pode ser favorecida por medidas Sustentabilidade é, por todo o exposto, princípio cons-
heterônomas, mas que depende principalmente de auto- titucional-síntese, não mera norma vaga, pois determina,
persuasão. “numa perspectiva tópico-sistemática, a universalização" con-
Trata-se, em resumo, de princípio'” ético, social, econô- creta e eficaz do respeito às condições multidimensionais da vida de
mico, ambiental e jurídico-político, que determina a descarbo- qualidade, com o pronunciado resguardo do direito ao futuro.
nização dos espíritos e uma completa revisão da normatividade
jurídica. Para implementá-lo de maneira congruente, força
5 Sempre, pois, com o cuidado para que uma suposta ecologia profunda não represente a
rasa negação de nossa racionalidade.
“5 Vide a United Nations Millennium Declaration, IV.21: “We must spare no effort to free all 19 Vide a Lei nº 12.305/2010, art. 30.
of
humanity, and above all our children and grandchildren, from the threat of living on a Ho Vide Tim Jackson, in Prosperity Without Growth?: The Transition to a Sustainable Economy.
planet irredeemably spoilt by human activities, and whose resources would no longer London: Sustainable Development Commission, 2009, p. 99: “In summary, it emerges
be
sufficient for their needs”. that governments must now engage urgently in several interrelated tasks: 1) develop
“6 Vide José Domingos Gonzalez Miguez, Adriano Santhiago de Oliveira, Gustavo and apply a robust macro-economics for sustainability 2) redress the damaging and
Luedemann e Jorge Hargrave, in O Protocolo de Quioto e sua regulamentação no Brasil. unsustainable social logic of consumerism 3) establish and impose meaningful resource
Boletim Regional, Urbano e Ambiental, v. 4, p. 39-45, jul. 2010. and environmental limits on economic activity”.
1” Vide, para contraste, a acepção fraca de sustentabilidade, assim como descrita por Jeroen 1
Bolsa Família é exemplo interessante, nesta linha, ainda que mereça ser aperfeiçoado
=
C. J. M. van den Bergh, in Sustainable Development in Ecological Economics. In: Giles com as contrapartidas pedagogicamente orientadas. Outro exemplo é o programa Luz
Atkinson, Simon.Dietz e Eric Neumayer (Ed.). Handbook of Sustainable Development, op. cit., para Todos, a despeito da lentidão do processo. Como quer que seja, a universalização de
p. 65-68. condições de renda razoável e dos serviços públicos é tarefa impostergável.
74 | JUAREZ FREITAS
CAPÍTULO 2 | 75
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO O QUE SE ENTENDE POR NATUREZA MULTIDIMENSIONAL DA SUSTENTABILIDADE
Requer a garantia de biodiversidade,'2 e cobra, sobre- Apresenta-se como poderoso anteparo crítico contra o
maneira, a compatibilização dos imperativos da eficiência!“ paradigma da insaciabilidade, ainda hegemônico, nos seus
(abarcando pesquisas avançadas e de fronteira), com a eficácia tentáculos corruptos, chicaneiros e dissolutos.
e a equidade intergeracional, extrapolados os limites estreitos Justamente por isso, afigura-se oportuno contrapor os
do antropocentrismo exacerbado. dois modelos de conceber e de gerir da vida. Existe o mo-
Por outras palavras, a sustentabilidade do desenvol- delo sustentável, que faz jus ao reequilíbrio dinâmico. Em
vimento, afastadas as crendices no progresso linear e auto- “contraposição, existe o modelo da insaciabilidade viciada,
mático, não é, como muitos imaginam, um princípio trivial que conspira disfuncionalmente contra a homeostase básica
de continuidade do crescimento econômico cego, a qualquer 'ecultural.!* Importante estabelecer, em seus aspectos mais
custo. Tampouco pode ser vista como relacionada a em- expressivos, o cotejo entre esses paradigmas opostos, exata-
preendimentos dirigidos à estrita e imediatista-satisfação de mente o tema do próximo capítulo.
necessidades materiais, não raro artificialmente fabricadas.
A postura sustentável, sem se autocontradizer, é bioética
(autodeterminada, materialmente justa, não maleficente e
beneficente), ecologicamente responsável e segura! que
jamais acarreta sacrifícios desproporcionais à dignidade da
vida. O que, cumpre notar, é bem mais do que defender áreas
de preservação permanente e reserva legal, apesar da impor-
tância evidente dessas lutas.
Beauchamp e James F. Childress, in Principles of Biomedical Ethics. 4% ed. New York: Oxford
“e Vide António R. Damásio, in O livro da consciência: a construção do cérebro consciente,
University Press, 1994.
op. cit, p. 46-47: “Tanto a homeostase básica, orientada de forma não consciente, como
145
Não por acaso, por exemplo, a Lei nº 12.334/2010 afirma didaticamente, no art. 4º, que “a
a homeostase sociocultural, criada e orientada por mentes conscientes refletivas atuam
segurança de uma barragem influi diretamente na sua sustentabilidade e no alcance de como curadoras do valor biológico. (...) No caso da homeostase sociocultural, esse objetivo
seus potenciais efeitos sociais e ambientais”. expande-se, englobando a procura deliberada do bem-estar”.
CAPÍTULO 3
CHOQUE DE PARADIGMAS
O NOVO PARADIGMA DA
SUSTENTABILIDADE VERSUS O PARADIGMA
DA INSACIABILIDADE PATOLÓGICA
Sumário: 3.1 Escolha inevitável — 3.2 Contraste dos paradigmas — 3.3 Em resumo
17 Sobre o conceito de consciência, para cotejo, vide António R. Damásio, in O livro da cons-
ciência: a construção do cérebro consciente, op. cit., p. 199.
78 JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 3
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO DE PARADIGMAS — O NOVO PARADIGMA DA SUSTENTABILIDADE VERSUS O PARADIGMA DA INSACIABILIDADE...
| 79
CHOQUE
predatória surge como geradora de sofrimento inútil, de falso (d) A sustentabilidade é empática e intergeracionalmente
progresso e de cumulativos desequilíbrios que encaminham solidária, ao estabelecer alargadas obrigações," tendo em
para a extinção da espécie humana. conta o reconhecimento do valor intrínseco do ambiente
Parece irrefutável, nessa altura dos acontecimentos, que saudável. Por sua vez, a insaciabilidade está voltada
apenas a sustentabilidade modelará um desenvolvimento acei- para a crença tosca de que o antropocentrismo des-
tável, com o enfrentamento hábil das mais candentes questões pótico é dado inextirpável.
do século em curso. (e) A sustentabilidade vibra com as estações, isto é, recebe
as advertências da natureza, com realismo crítico! Ao
contrário, a insaciabilidade está sempre na estação
3.2 Contraste dos paradigmas errada e conspira para que ocorram lesivas mudan-
A questão central desse capítulo é: como realizar o con- ças climáticas, causadas pela danificação irrefreada
- traste seguro entre os paradigmas da sustentabilidade e da da camada de ozônio.
insaciabilidade? Para tentar resolvê-la, eis uma contraposição, (£) A sustentabilidade alcança, com técnicas agroecológicas
deliberadamente vertida em largos traços: avançadas)? a produtividade de longo prazo. Por sua
(a) A sustentabilidade investe no uso precípuo de fontes re- parte, a insaciabilidade nunca serena as motosserras
nováveis! (especialmente, hidreletricidade, biomassa, do extrativismo de mandíbulas afiadas.
hidrogênio, solar e eólica) e no emprego racionalizado dos (g) A sustentabilidade ergue e ampara os menos favorecidos
recursos energéticos. A insaciabilidade tenta perpetuar e redefine os direitos humanos,'* à base das exigências do
o império da poluição e dos combustíveis fósseis,
pouco se importando com danos e custos associados. 150 Vide Klaus Bosselmann, in The Principle of Sustainability: Transforming Law and Governance,
(b) A sustentabilidade é engenhosa na utilização das tecnolo- - op. cit, p. 113: “From a sustainability perspective, rights need to be complemented by
obligations. Merely advocating environmental rights would not alter the anthropocentric
gias limpas e na construção “verde” 1º A insaciabilidade concept of human rights”. Mais adiante, observa, com pertinência: “A better option is
constrói em áreas contaminadas, é demasiado frágil the development of all human rights in a manner which demonstrates that humanity is
an integral part of the biosphere, that nature has an intrinsic value and that humanity
na perspectiva do tempo maior e tenta manter fór- has obligations towards nature. In short, ecological limitations, together with corollary
mulas primárias de produção e de consumo, num obligations, should be part of the rights discourse” (p. 129).
&5t Vide, sobre o realismo crítico, Anthony Giddens, in Sociologia, op. cit., p. 125: “Ao contrário do
conservadorismo sem nexo e atrasado. agnosticismo do construcionismo social em relação à realidade dos problemas ambientais,
os realistas críticos estão preparados para aceitar e debater o conhecimento e as evidências
(c) A sustentabilidade é evolucionista e incentiva as pes- das ciências naturais e ambientais em suas explicações”. Vide, ainda, Riley E. Dunlap et
quisas de biologia evolucionária. A insaciabilidade, por al, (Ed.). Sociological. Theory and the Environment: Classical Foundantions, Contemporary
Insights. Lanham: Rowman & Littlefield, 2002.
cúmulo da arrogância, é fixista e acredita (e quer 1 Vide Miguel Altieri, im Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável.
a8
fazer crer) que o mundo foi criado há pouco tempo 5. ed. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 2009, p. 65: “Os princípios básicos de um agroecossis-
tema sustentável são a conservação dos recursos renováveis, a adaptação dos cultivos ao
e para sua satisfação solitária e bárbara. ambiente e a manutenção de um nível moderado, porém sustentável, de produtividade”.
15
Vide Prue Taylor, in Ecological Integrity and Human Rights. In: Laura Westra,
aR
Klaus
Bosselmann e Richard Westra (Ed.). Reconciling Human Existence with Ecological Integrity:
Science, Ethics, Economics and Law. London: Earthscan, 2008, p- 93: “From an ethical
“8 Vide José Goldemberg e Francisco Carlos Paleta (Coord.). Série Energia e Sustentabilidade —
perspective, human rights developed without any moral concern for non-human life. In
Energias Renováveis. São Paulo: Blucher, 2012.
sum, the growing catalogue of 'freedoms from” and the more positive “rights to” existed
“9 Vide, por exemplo, a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), que, in a vacuum, isolated from concern for ecological integrity”. Mas houve avanço, como
entre outros aspectos, considera itens como o uso racional da água, eficiência energética registra: “At present, there are essentially three emerging trends evident in human rights
e
qualidade dos ambientes internos. - law. All are intended to better integrate human rights law and the environment” (p. 94).
80 | JUAREZ FREITAS )
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 3
OQUE DE PARADIGMAS -O NOVO PARADIGMA DA SUSTENTABILIDADE VERSUS O PARADIGMA DA INSACIABILIDADE...
| 81
ct
bem-estar
** A seu turno, a insaciabilidade usa e deita (k) A sustentabilidade implica regulação de feições socialmente
fora os seres vivos como objetos descartáveis. homeostáticas. A insaciabilidade, por sua vez, alimenta
(h) A sustentabilidade sabe dizer não ao patológico, no campo falhas estruturais de mercado e contágios negativos
dos impulsos e das emoções, operando equidade na saúde, em profusão.
em termos multidimensionais.:5
A insaciabilidade, por (1) A sustentabilidade tem o seu forte na cidadania ativa,
sua vez, está sempre em sofreguidão e propaga falsas que abrange a faceta ecológica.'s A insaciabilidade
carências de todo tipo, sem saber operar de manei- boicota qualquer ativismo constitucional.
ra preponderante no córtex pré-frontal e com fraco (m) A sustentabilidade é valor compartilhável, com bem-estar
controle dos impulsos, “característica marcante da experienciado.!º A insaciabilidade é o culto unidi-
maioria dos criminosos” .:5 recional da sensação pela sensação, a qualquer preço.
(1) A sustentabilidade é também imaterial e valorativa, no (n) A sustentabilidade é arquitetura aberta e biológica, que
sentido de aberta a dimensões sutis do ser, pois, como
modifica o cenário estrutural das grandes cidades. A
bem assinala Amartya Sen, conceber “as pessoas insaciabilidade é caverna que cerceia, cárcere que
somente em termos de necessidades pode nos neurotiza.
proporcionar uma visão um tanto acanhada da (o) A sustentabilidade resguarda o horizonte de longo prazo.
humanidade” .” De sua parte, a insaciabilidade está Ainsaciabilidade está deslocada no tempo, ao sabor
calcada no limitante jogo cego das necessidades. dos ventos do imediatismo.
0) A sustentabilidade é movida pela razão sistemática, que (p) 4 sustentabilidade é prospectiva, preditiva e antecipa-
sopesa custos e benefícios (diretos e indiretos) sociais, tória. A insaciabilidade vive de palpites nebulosos e
econômicos, éticos e ambientais, antes de cada empreen-
bizarras superstições.
dimento. Já a insaciabilidade é movida por decisionis- (q) A sustentabilidade é benigna ao desfazer ilusões cogni-
mos irrefletidos e erráticos, sem medição adequada
tivas. A insaciabilidade utiliza os recursos do neuro-
de consequências e impactos. marketing para ser ardilosa no manejo das falácias
e impedir o consumo consciente.
'* Vide o relatório Ecossistemas e bem-estar humano: estrutura para uma avaliação, World
(r) Asustentabilidade coíbe o omissivismo. A insaciabilidade,
Resources Institute - WRI, 2003. por mais rápida que seja, chega tarde e afoita.
158 Vide Amartya Sen e Bernardo Kliksberg, in As pessoas em primeiro lugar: a ética do desen-
volvimento e os problemas do mundo globalizado. São Paulo: Companhia das Letras, (s) A sustentabilidade defende a dignidade intrínseca de
2010, p. 90-91: “a equidade na saúde tem muitos aspectos, e é mais bem vista como um todos os seres vivos, com responsabilidade assumida pelo
conceito multidimensional. Ela inclui questões sobre a realização da saúde e a capa-
cidade de realizar a boa saúde, não apenas sobre a distribuição de atendimento da
futuro das espécies. A insaciabilidade perde tempo
saúde. Mas ela também inclui a justiça processual e, portanto, deve associar importância
à não discriminação na entrega do atendimento da saúde. Além disso, um engajamento
em disputas frívolas de território e nos torneios da
adequado com a equidade na saúde também requer que as considerações da saúde sejam racionalidade meramente instrumental.
integradas a questões mais amplas de justiça social e equidade como um todo (...)”.
156
Vide David Eagleman, in Incógnito: as vidas secretas do cérebro, op. cit. p. 195. Propõe,
-assim, a estratégia de “dar aos lobos frontais a prática na repressão nos circuitos de curto
prazo” (p. 196). 'º Vide, sobre cidadania ecológica, Andrew Dobson, in Citizenship and the Environment.
15;
Vide Amartya Sen e Bernardo Kliksberg, in As pessoas em primeiro lugar: a ética do de- Oxford: Oxford University Press, 2003.
x
(t) A sustentabilidade é princípio-síntese de natureza vin- base da pirâmide social, ao passo que a insaciabilidade quer
culante. A insaciabilidade é manipulação de regras estar no topo da cadeia alimentar, e mais nada.
legais, de modo a concentrar privilégios espúrios. O ponto é que a sustentabilidade precifica a inércia e in-
(u) A sustentabilidade orienta o consumidor sobre o ciclo de. ternaliza os custos ambientais, ao passo que a insaciabilidade
vida dos produtos e serviços. À insaciabilidade fabrica mira o luxo e se despreocupa com preço justo. A sustentabili-
o consumo irracional e fadado ao desperdício, sem dade opera em rede e se propaga livremente, ao passo que a
logística reversa. insaciabilidade vive nas sombras, na opacidade e fenece.
(v) A sustentabilidade é inclusiva e preserva a biodiversi- A sustentabilidade reclama soluções universalizadas,
dade, para além do interesse próprio. A insaciabilidade sem esquecer da individualização de acordo com necessidades
é cruelmente excludente de tudo aquilo que não e merecimentos, ao passo que a insaciabilidade só cuida de
acarretar vantagem pessoal, no plano imediato. conquistar e de expandir, num processo de extrativismo auto-
(w) A sustentabilidade reinventa o planeta e promove uma fágico. A sustentabilidade cuida da qualidade de vida, sem
reciclagem material e imaterial de monta. A insaciabili- prejuízo da produtividade, ao passo que a insaciabilidade
dade perpetua a noção ilógica do crescimento econô- sacrifica a qualidade, em nome da quantidade.
mico ilimitado e sem escrúpulos, que só faz provocar Vistas as coisas nesses termos, constata-se, sem dificul-
tragédias, devastação e extinção de espécies. dades, que somente a sustentabilidade norteia, condiciona
(x) A sustentabilidade favorece a democracia participativa. | e modela o desenvolvimento que importa. Não o contrário.
Enfim, é a sustentabilidade o paradigma da renovação indis-
A insaciabilidade degrada o homem, pretendendo
pensável de costumes, a opção maior pela dignidade da vida.
vê-lo como senhor da vida e da morte.
(y A sustentabilidade subordina a eficiência à eficácia dos
resultados constitucionalmente justos. A insaciabilidade 3.3 Em resumo
é, paradoxalmente, perdulária e sovina, conforme as
A título de consolidação, conclui-se, nesse breve con-
conveniências.
traste, que existe uma franca e inconciliável oposição entre o
(z) A sustentabilidade enaltece os pontos fortes das inteli-
emergente paradigma (da sustentabilidade) e o paradigma de-
gências multifacetadas e flexíveis. A insaciabilidade é
cadente (da insaciabilidade patológica e compulsiva), oposição
rígida e explora os temores apocalípticos, simples-
que pode ser resumida nos seguintes contrapontos principais:
mente para nada fazer.
(1) | Novo paradigma do desenvolvimento durável,
Por outras palavras, a sustentabilidade é racional (não .
simultaneamente material e imaterial versus o
do tipo instrumental, é claro), até quando conserva e adapta,
simplista!” paradigma do crescimento econômico
ao passo que a insaciabilidade é refratária a qualquer mu-
dança que acarretar a saída do obsoleto domínio sem limites |
do corpo e para o corpo. Mais: a sustentabilidade envolve a “º Entre os chavões simplistas, arrolados criticamente por Jared M. Diamond, figura o de que
o ambiente deveria ser equilibrado de acordo com a economia. Observa, com acerto, in
correta fixação de prioridades, ao passo que a insaciabilidade, Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 2. ed. Rio de Janeiro: Record,
2005, p- 601-602: “Tal citação retrata as preocupações ambientais como um luxo, vê as
por mais que simule, sobrevive do engano e do autoengano. medidas para solucionar problemas ambientais como causadoras de despesas, e considera
A sustentabilidade acontece em todas as esferas, inclusive à deixar os problemas ambientais sem solução como uma forma de economizar dinheiro.
Esse chavão deixa a verdade literalmente de lado. Os danos ambientais custam muito
84 | JUAREZ FREITAS
CAPÍTULO 3
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
cH (OQUE DE E PARADIGMAS - O NOVO PARADIGMA DA SUSTENTABILIDADE VERSUS O PARADIGMA DA INSACIABILIDADE... | 85
como fim em si e dos investimentos ambientais poder é sinônimo de dominação e violência e (iii) o
vistos como despesas adiáveis. advento da governança pautada pela racionalidade
(1) Novo paradigma da escolha intertemporal'* de es- intersubjetiva, que rompe com a manipulação ex-
cala longa e capaz de poupança sem avareza (com plícita ou subliminar. É, em outro modo de dizer, o
elevadas taxas de investimento produtivo) versus novo paradigma da transparência em tempo real,'º
o imediatismo e a negação escapista do futuro. da racionalização máxima dos procedimentos (pú-
(1) Novo paradigma da inovação e das energias re: blicos e privados) e do uso inovador da tecnologia
nováveis versus a mantença obscurantista da des- da informação em rede (sem cair na “webcracia””),
truição imotivada. de molde a conferir chances inéditas à democracia
(IV) Novo paradigma da titularidade dos direitos participativa. É o paradigma da motivação, isto
presentes e futuros versus o patrimonialismo pa- é, da explicitação dos fundamentos de fato e de
rasitário e concentracionista, acompanhado dos
direito, na tomada das decisões, em contraposição
vícios do omissivismo, do tráfico de influências e
à discricionariedade sem controle. É o paradigma
“do mercenarismo (examinados, com-detença, no dos “novos” princípios constitucionais, tais como
Capítulo 8). prevenção, precaução, eficiência, eficácia e justiça
(V) Novo paradigma da compreensão sistemática intergeracional. É o paradigma da superação do
do Direito versus a concepção do Direito unilate- Direito de tipo predominantemente repressivo,
ralmente voltado, na realidade, para garantir, de com a resolução dos conflitos, em tempo útil.
modo inconsequente, a dominação subjugadora. Novo paradigma do consumo consciente! e frugal
Com efeito, o novo paradigma é, juridicamente,
(VI)
versus o hiperconsumismo!“ compulsivoe incapaz
o da proporcionalidade como vedação de excesso de realizar trade-offs no tempo.
e de omissão, conjugado à noção de causalidade
(VII) Novo paradigma da transparência, dos selos eco-
intertemporal longa. É o paradigma valorativo e lógicos confiáveis e da qualidade na produção e
biológico do desenvolvimento cognitivo e volitivo, no consumo! versus os ardis do mercado e das
que contribui para (i) o fim do burocratismo (com sintomáticas pirâmides de Ponzi.
os seus rituais carcomidos e o seu gosto pelo
segredo), (ii) o fim da cultura segundo a qual o
1? Vide o art. 48-A da LRF.
'8 Ainda há expressivo trabalho de esclarecimento a fazer, rumo ao consumo sustentável e à
afirmação do novo paradigma. Segundo a pesquisa “O consumidor brasileiro e a susten-
dinheiro tanto a curto quanto a longo prazo; limpar ou evitar esses danos nos ajudam à tabilidade: atitudes e comportamentos frente ao consumo consciente, percepções e expec-
poupar dinheiro a longo prazo, assim como frequentemente ocorre a curto prazo. Sabemos tativas sobre a RSE”, efetuada pelos institutos Akatu e Ethos, cerca de 5% da população
que é mais barato e preferível evitar ficar doente do que tentar curar a doença depois que brasileira apresenta padrões sustentáveis de consumo (consumidores conscientes). Há
ela se desenvolveu. O mesmo se aplica à saúde do meio ambiente”. muitos consumidores indiferentes (37%). O termo sustentabilidade é solenemente desco-
16
Vide, sobre a faculdade de escolha intertemporal, Eduardo Giannettí in O valor do amanhã:
-
de efeito estufa tenha a ver diretamente com quei- os Estados, o DF e os Municípios, de maneira a
madas — facilmente monitoráveis'” — e com os garantir a sustentabilidade, em processo efetivo e com
desmatamentos).” De outra parte, se é certo que duração razoável, a partir do olhar federativo sobre as
a elevação da temperatura pode beneficiar deter- competências e do reequacionamento maduro das
minadas culturas, outras serão seriamente preju- responsabilidades comuns, em lugar do império
dicadas. Em matéria de grãos, a região nordestina do medo paralisante e da falta de exercício regular
provavelmente será a mais castigada: o deserto das competências supletivas. Também se apresenta
tenderá a tomar conta. Migrações agrícolas podem prioritário o investimento maciço na capacitação
ocorrer. Entre outras providências de escala, novas técnica para a avaliação de impacto das obras e dos
variedades de grãos precisam ser introduzidas, empreendimentos, sem cair nas armadilhas dos
mais resistentes à seca. Quer dizer, providências grandes números.”
coordenadas, sistêmicas e antecipatórias, sem o (c) Inovação precípua em segurança energética, com
isolamento histórico dos órgãos ambientais, não 6 redesenho do plexo normativo e regulatório, apto
podem tardar, em termos de adaptação. Contudo, a conferir prioridade às inovações científicas e
não devem tardar igualmente as providências sistê- tecnológicas de ponta,”* sobremodo em energias
micas de mitigação, para diminuir, por exemplo, a renováveis (sem embarcar, sem o devido sopesa-
insolação, com o emprego sinérgico de culturas que mento, na aventura de adicionais investimentos
produzam sombra. Ainda: se é muito provável que na perigosa energia nuclear),'* com destaque
as mudanças climáticas aumentarão a intensidade para a energia solar (incrivelmente desperdi-
dos ventos, especialmente no nordeste, os ricos çada), as plantas ou “fazendas” eólicas!” e os
potenciais eólicos da região precisam ser aprovei- biocombustíveis, longe de descurar dos impactos
tados de modo condizente. Tudo a reclamar uma sociais. De fato, a pesquisa a respeito das fontes
atuação concatenada, que elimine, vez por todas, limpas e seguras de energia — inclusive com ino-
a lamentável ameaça de guerra ambiental entre os vação aberta!” — tem de contribuir à abolição do
reguladores. inescusável emprego de trabalho escravo e para
(b) Implantação de nova sistemática de licenciamento
ambiental,” com efetiva cooperação entre a União,
que tem de observar prazo útil, como todo processo administrativo (EC nº 45). Quer dizer:
não pode andar com velocidade errada, mas razoável. Vide, apropósito de licenciamento e
da cooperação federativa para o desenvolvimento sustentável, a Lei Complementar nº 140,
O Vide, no caso brasileiro, o trabalho do Instituto de 2011. ;
Nacional de Pesquisas Espaciais, que
monitora as queimadas com satélites, avalia e prevê os
riscos associados, em termos de 13 Vide, sobre externalidades como problemas que são, em sua maioria, large numbers
emissões. cases, William J. Baumol e Wallace E. Oates, in The Theory of Environmental Policy. 2"º ed.
171
Vide Márcio Pochmann, in Desenvolvimento sustentável Cambridge: Cambridge University Press, 1988, p. 10.
na transição da sociedade urbano-
industrial. In: João Paulo dos Reis Velloso (Coord.). Brasil, 4 Vide o art. 13 da Lei nº 6.938/81.
novas oportunidades: economia
verde, pré-sal, carro elétrico, Copa e Olimpíadas. Rio de Janeiro:
]. Olympio, 2010, p. 170: “8 Vide, com argumentos fortes contra novas usinas nucleares, José Goldemberg, in Potencial
“(..) no Brasil,as emissões de dióxido de carbono possuem natureza distinta
da verificad
a hidroelétrico não está esgotado. Folha de S.Paulo, 22 jam. 2011.
nos países desenvolvidos, Até o presente momento, quase 4/5
das emissões de dióxido 1% Vide o Atlas do potencial eólico brasileiro. Brasília: CRESESB, 2001. No campo internacional,
de carbono provêm de queimadas e das mudanças no uso da terra
e das florestas, o que vide, por exemplo, o Atlantic Wind Connection (AWC), projeto financiado por Google, Good
permite controle relativamente mais fácil do observado
nos países desenvolvidos”. Energies e Marubeni Corporation.
172
Licenciamento ambiental é processo complexo e vinculado (licença
prévia, de instalação e W Vide Henry William Chesbrough, in Open Innovation: the New Imperative for Creating and
de operação) e de caráter não precário (CF, art. 225, 81º, IV; Lei nº 6.938,
arts. 9º, IV, e 10), Profiting from Technology. Boston: Harvard Business School Press, 2003, p. 43.
CAPÍTULO 4 | 91
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL
evitar o sacrifício indevido de áreas destinadas à dar prioridade aos serviços de transporte público
produção de alimentos. Por igual, as pesquisas de coletivo sobre o transporte individual motorizado.
biologia evolucionária precisam ser estimuladas,
Ao lado disso, urge incentivar os investimentos, de
sem titubeio. Em suma, quer-se o aumento acelerado
grande monta, no campo da logística. Anova matriz
dos investimentos em segurança energética, tecnologias .
de transportes é, seguramente, requisito essencial
“verdes” e de participação das energias renováveis na
para a sustentabilidade, sem os custos altíssimos
construção da autonomia. É, sem margem de erro,.
dos gargalos para o escoamento da produção, que
estratégico marchar, em que pese o pré-sal, para a
impedem a formação de preços internacionalmente
superação definitiva da dependência dos combus-
competitivos. A calhar, indispensável cumprir à
tíveis fósseis.
Redesenho jurídico-institucional da matriz de trans- risca os princípios da Política Nacional de Mobi-
lidade Urbana, entre os quais o desenvolvimento
portes, com substancial incremento da participação dos.
modais hidroviário e ferroviário, bem como o ofereci- sustentável das cidades, com a justa distribuição
mento de alternativas viáveis ao automóvel, nos»
dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos dife-
grandes centros urbanos. Tradução: melhorias a) rentes modos e serviços, bem como a estipulação
expressivas do transporte público, serviço essencial de padrões de emissão de poluentes para locais e
e contínuo, com a adoção, por exemplo, de veícu- horários determinados e constante monitoramento
los leves sobre trilhos. Está certo Nicholas Stern, das emissões dos gases de efeito local e de efeito
ao salientar que o “planejamento das cidades e o estufa dos modos de transporte motorizado.!s!
papel do transporte público terão efeito podero- (e) Obrigatoriedade de licitações sustentáveis, em
so. O transporte não raro é muito destrutivo, por todas as esferas federativas, isto é, cumpre partir,
força, por exemplo, de veículos que levam uma sem hesitações inconstitucionais, para a implemen-
única pessoa e a engarrafamentos crescentes, mas tação imediata e federativa das contratações sustentáveis
políticas sensatas podem estimular o voluntário (tema a ser tratado no Capítulo 9), com a adoção
melhor uso da infraestrutura existente, e o bom de critérios objetivos, impessoais e fundamentados
design físico e tecnológico pode fazer os sistemas de sustentabilidade para avaliar e classificar as pro-
de infraestrutura funcionarem com muito mais postas, em todos-os-certames brasileiros. Sim, em
eficiência” .7* Nessa linha, um eficaz e eficiente pro- todos os certames. A obrigatoriedade decorre da
grama de mobilidade urbana requer, antes de mais aplicação direta do princípio em tela, tese facilitada
nada, o sério compromisso com o acesso facilitado enormemente após a explicitação do princípio,'
a transporte público de qualidade, observada a incorporado ao art. 3º da Lei de Licitações.
Lei de Mobilidade Urbana,” no ponto crítico de
(f) Ensaio de tributação pigouviana corretiva e transitória a ponto de orientar,'” por exemplo, sobre a dieta
(sem finalidade arrecadatória)'º sobre a poluição,'* ag” equilibrada, com o aconselhamento para evitar
lado da adoção de incentivos fiscais a projetos. a obesidade. Medidas que evitariam milhares de
sustentáveis (nas várias dimensões entrelaçadas), mortes e assegurariam o direito à alimentação ade-
com o induzimento, por exemplo, à reciclagem ou. quada. Portanto, um grande programa de educação
à formação de reservas particulares de preservação para a sustentabilidade deve ser implementado,
“ambiental. Sem prejuízo de medidas paralelas,15" com o emprego de todas as tecnologias e linguagens
pode-se afirihar, desde logo, que a transição para o disponíveis. Abordagens quantitativistas precisam
chamado desenvolvimento de baixo carbono recla- ceder espaço para o diálogo estimulante e para a
ma celeremente uma tributação menos dependente maciça capacitação de professores (o assunto será
da técnica regressiva, mais indutora de consumo retomado no Capítulo 7).
consciente e fora da rendição acrítica à noção de poluição (h) Cobrança de que os financiamentos públicos! e pri-
ótima. vados incorporem a variável ambiental e, mais do que
(8) Cumprimento do dever constitucional de oferecer isso, o exame acurado de custos diretos e indiretos, para
educação" de qualidade, dirigida para a sustentabili- além da observância dos chamados Princípios do
dade multidimensional (adotada a responsabilidade Equador,'º sem esquecer da redução estrutural dos
pelo ciclo de vida dos produtos — da obtenção de custos excessivos do capital. Para efeitos da estabi-
matérias-primas até a destinação final ambiental- lidade financeira, crucial, ainda, que os reguladores
mente adequada, como determina a Lei de Resíduos evitem cenários de inadimplência, associados à
Sólidos), aplicável ao estilo de vida, sobretudo concessão de crédito irresponsável.
por
intermédio do esclarecimento científico. sobre os (1) Exigência sistemática de combate à degradação
imensos benefícios de atitude amigável com a vida, habitacional, com a aplicação tempestiva das leis de
regularização fundiária e o cumprimento inadiável
'8 O caráter transitório tem a ver com o reconhecimento
de que, por exemplo, a tributação
sobre o tabaco não tem sido suficiente para corrigir as
externalidades negativas e os altos 1 Vide, a propósito da alimentação, Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, in Nudge: Improving
custos externos associados. De qualquer sorte, importan
te examinar a contribuição de Decisions about Health, Wealth, and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.
Arthur C. Pigou, in The Economics of Welfare. 44 ed. London; Macmill
an and Co., 1932. 18 Vide o documento Financiamentos públicos e mudança do clima: análise das estratégias e
Vide a Lei nº 6.938/81, art. 3º, II: “(...) poluição é a degrada
ção da qualidade ambiental práticas de bancos públicos e fundos constitucionais brasileiros na gestão da mudança
resultante de atividades que direta ou indiretamente: a)
prejudiquem a saúde, a segu- do clima. Rio de Janeiro: FGV/EAESP (GVces); PNUMA, 2011: “soluções para adaptação
rança e o bem-estar da população; b) criem condiçõe
s adversas às atividades sociais e e vulnerabilidade à mudança do clima são oportunidades até o momento pouco explo-
econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d)
afetem as condições estéticas ou sani- radas pelas instituições. As iniciativas promovidas pelas instituições financeiras públicas
tárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacord
o com os padrões mapeadas neste estudo estão, em sua maioria, associadas à mitigação dos desafios
ambientais estabelecidos”.
climáticos. Foram encontradas poucas experiências de apoio à adaptação e às vulnera-
Vide, a propósito de medidas paralelas e para uma reflexão
crítica sobre o comércio de bilidades que o Brasil apresenta frente aos impactos da mudança do clima” (p: 8). Entre
emissões (cap-and-trade), Tamra Gilbertson e Oscar
Reyes, in El mercado de emisiones: cómo as sugestões, mencione-se o “investimento na construção de sistemas de monitoramento
funciona y por qué fracasa. Uppsala; Barcelona: Dag Hammars
kjóôld Foundation; Carbon de impacto das atividades (financiamentos e investimentos) como ferramenta eficaz
Trade Watch, 2009. para aferir o impaçto em termos de contribuição para uma economia de baixo carbono e
Vide, sobre educação ambiental e o respeito ao outro,
e
Alessandra Galli, in Educação ambiental oferecer bases adequadas tanto para o planejamento estratégico quanto para o processo
como instrumento para o desenvolvimento sustentável.
Curitiba: Juruá, 2008, p. 21. Vide, ainda, decisório em geral” (p. 56).
a Lei nº 6.938/81, art. 2º, que estabelece que
a Política Nacional do Meio Ambiente tem Vide The Equator Principles: a Financial Industry Benchmark for Determining, Assessing
s
do dever de remoção das pessoas das áreas de risco 2008, do IBGE, mais de 40% dos municípios não
(sem-o costumeiro inercismo inconstitucional, que tinham serviço de esgotamento sanitário por rede
faz vítimas rotineiramente), oferecendo alternativas coletora, sendo que somente 28,5% dos municípios
habitacionais saudáveis, mercê da aplicabilidade com esgotamento desse tipo faziam tratamento do
direta e imediata do direito fundamental à moradia. esgoto coletado.'! O quadro não se alterou muito
Oargumento contrário, baseado em custos, é frágil
de lá para cá. Os números dispensam comentários.
demais, particularmente quando se reconhece que (k) Planejamento demográfico"? sem violência, com forte
as limitações orçamentárias derivam da falta de
incentivo à maternidade e à paternidade conscientes,
poupança pública direcionada ao cumprimento notadamente nas zonas pobres, com base na ar-
precípuo das finalidades constitucionais do Estado. gumentação calçada em sustentabilidade multi-
Nesse ângulo, importa nutrir reservas à reserva do dimensional, que estimula a justa preocupação
possível. Quanto às áreas urbanas,!º força tratá-las
com a qualidade de vida dos descendentes. Não
como ecossistemas, que não comportam sobrecarga. se deve esquecer que, no caso brasileiro, o bônus
A ocupação racional e a interiorização dos centros
demográfico tem prazo para encerrar, em 2025, não
urbanos, sem querer ingenuamente devolver a. podendo ser desperdiçado.
população à atividade rural, afiguram-se medidas
(1 Uso racional das propriedades públicas e privadas, o
estruturais de sustentabilidade, no intuito de evitar
que implica, nas áreas rurais,!'º entre outros requi-
a formação de megalópoles poluídas, destituídas
sitos, a prática induzida de rotação das culturas
de mobilidade e de moradias suficientes. (agricultura limpa, tecnologicamente avançada e
() Saneamento ambiental visto como dever incon- isenta de toxicidade), com respeito à saúde e à pre-
tornável, donde segue a exigência, via Ministério
servação essencial da biodiversidade. Como salienta
Público (com a sua reconhecida legitimação ativa
para intentar ações civis públicas na matéria),
de melhorias significativas em termos de saneamento
ambiental, com a concomitante redefinição estatal 191
Vide PNSB 2008, do IBGE, publicado em 2010. Um dado merece especial atenção, de
regulatória e a viabilização de retemperadas par- passagem: 34,7% dos municípios mencibnaram áreas de risco que demandam drenagem
especial.
cerias público-privadas. Vale dizer, o saneamento Vide Dam W. O'Neill, Rob Dietz e Nigel Jones (Ed.). Enough is enough: Ideas for a
ambiental (abastecimento de água potável, tra- Sustainable Economy in a World of Finite Resources: the Report of the Steady State
Economy Conference. Arlington; Leeds: Center for the Advancement of the Steady
tamento de resíduos, etc.) precisa ser visto como State Economy; Economic Justice for All, 2010, p. 56: “The first step toward achieving
prioridade estratégica e, mais do que isso, como a sustainable population is to overcome the population taboo and re-open the public
discourse on optimal size. People need to engage in an honest discussion that questions
direito fundamental. Segundo estarrecedora Pes- both overconsumption and overpopulation. The hope is that this discussion, in tum, will
quisa Nacional do. Saneamento Básico - PNSB lead to the development of compassionate and proactive population policies that don't
rely on top-down regulation — policies that stabilise population and ensure enough
resources are available for everyone”.
193
Vide a Lei nº 8.629/93, art. 9º: “A função social é cumprida quando a propriedade rural
“º Vide Daniel Joseph Hogan, Eduardo Marandola Jr. e Ricardo Ojima, in População
e ambiente; atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes
desafios à sustentabilidade. São Paulo: Blucher, 2010, p. 77, com impressionante estimativa
requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; TI - utilização adequada dos recursos
da ON U sobre a população vivendo em aglomerações maiores do que
750 mil habitantes: naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (...) 82º Considera-se adequada a
Estima-se que, em 2025, serão mais de 4,5 bilhões de pessoas, a metade
da população utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a
mundial”.
vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade”.
JUAREZ FREITAS
E
96 SUSTENTABIL) IDADE - DIREITO AO CAPÍTULO 4 | 97
FUTURO NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL
impactos, com a correspondente sindicabilidade Ainda: importa combinar, desde logo, eficiência e
aprofundada, em vez do formalismo de praxe. Por
equidade em larga escala, numa revigorada ciência
exemplo: adequadamente concebidas, as usinas
hidrelétricas, mormente “fios d'água”, devem econômica “socioambiental”, assumido que o
ser crescimento sem critério mata. é
consideradas, prima facie, prioritárias em relaç
ão às. (q) Acelerar o acesso ao trabalho formal, com a redução
térmicas de carvão.” E excluem novas usina
s nu- consistente dos encargos trabalhistas sem nexo
cleares. Segundo a mesma lógica, a energia solar
e a eólica”! merecem tratamento orçament e incentivo à regularização de empresas. Claro
ário de
primazia, observadas todas as variáveis. que há setores informais que podem, de imediato,
(p) Reavaliação dos modelos neoclássicos de otimi até aumentar o crescimento econômico, porém se
smo in-
gênuo, alicerçados no fundamentalismo mostram altamente lesivos à sobrevivência, por
irracional
de mercado, que, sozinho, não dá conta das exemplo, da seguridade social. Por todas as razões,
iniqui-
dades e aposta em poluição ótima.“ De maneira o acesso formal ao trabalho decente é componente
pertinente, observa Charles C. Mueller que “o para- essencial'dessa Agenda.
digma neoclássico de poluição ótima só é viável (r) Reconstrução do Direito Administrativo e do Di-
se
a industrialização e o progresso econômico se reito Público em geral, de molde a conferir o acento
res-
tringirem” e depende “da hipótese de manutenção. devido à fixação de políticas intertemporais de re-
do status quo entre grupo de nações, em combinaç gulação do Estado Sustentável, em vez das políticas
ão
com uma fé ilimitada na substituibilidade entre discricionárias desse ou daquele governo (quase
fatores e no desenvolvimento tecnológico” 23 Ou sempre tendentes ao circuito de prazo curto e àfalta
seja, o desenvolvimento que interessa ao paradigm
a de vocação de justiça intergeracional), com o cuida:
da sustentabilidade, nos moldes aqui sugeridos, do de redobrar as aludidas políticas antecipatórias,
precisa estar ciente de que o excessivo otimismo
de maneira que o Direito chegue antes, não tarde,
tecnológico costuma ser enganoso. Certamente,
inovações não tecnológicas são imprescindíveis. como sói ocorrer.” Por exemplo, desde já, precisam
24 ser adotadas políticas que favoreçam o chamado
envelhecimento ativo, nos termos da OMS, haja
% É certo que já existem térmicas movidas a biomass
CPFL Energia, em Pirassununga (SP),
a. Vide, para ilustrar, a experiência da vista o crescimento expressivo do contingente
com a Usina Baldin.
” Vide Al Gore, in Nuestra elección: un Plan para resolve
r la crisis climática. Barcelona: Gedisa, de idosos (mais de 20 milhões).* De passagem,
2010, p. 80, a respeito do baixo
custo da energia eólica.
“2 Vide PNUD. Relatório do Desenvolviment
o Humano 2005, p. 36: “(...) distribuição
dimento global assemel do ren-
ha-se a um copo de champanhe (...). No topo, onde
larga, os 20% mais ricos da população detêm três a taça é mais
quartos do rendimento mundial. No 2 Vide José Eli da Veiga (Org.). Economia socioambiental. São Paulo: Senac, 2009.
fundo, onde o copo é mais estreito, os 40% mais
pobres detêm 5% do rendimento mundial
e os 20% mais pobres detêm apenas 1,5%”. 2% Vide IPEA — Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasil; o estado de uma nação: mer-
203
Vide Charles C. Mueller, in Economia e meio-a cado de trabalho, emprego e informalidade. Rio de Janeiro: IPEA, 2006. É
mbiente na perspectiva do mundo indus-
trializado: uma avaliação da economia ambient *7 Vide, sobre os princípios da prevenção e da precaução, com as devidas apa Dr
al neoclássica. Estudo Econômicos, v. 26,n.
p. 261-304, maio/ago. 1996. 2, Freitas, in Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Adminis ração F E .
» Vide Fernando Almeida, in Os desafios da sustenta 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. Sobre a transformação dos paradigmas hermenêuticos,
bilidade: uma ruptura urgente. 5. ed. Rio de vide Juarez Freitas, in A interpretação sistemática do direito, o cit. ;
Janeiro: Elsevier, 2007, p. 168: “a inovação tecnoló
gica, por si só, não é capaz de assegurar
sustentabilidade. É preciso que seja acompanhada “8 A tendência estatística é a crescente incorporação de milhões de idosos, que precisam pre
de inovações não-tecnológicas”.
ferencialmente de centros dignos de convivência, em vez de depósitos asilares.
100 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO.
NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL 101
metas internacionais
E
da legíti m |
e ações coordenadas, em linh
a com as prioridades uentanillidade. Cada uma delasé p peça vitalpesa
OSustentabi nie
da Rio +20, na certezade que as soluções ambientais o lta paradigmática em curso, mormente
viravo
não se restringem ao âmbito
do Estado-nação, uma desafiad
Vez que a poluição não respeita fron tt
teiras. i cional.
(v) Mapear os focos de injustiça climát
ambiental, no sentido E. em dúvida, ; o fenômeno das mudanças
de se adotarem políticas públicas com
máximo ren- i i lemen-
adas 7
anteo /
aBorda E
2
desse indicador, especialmente no
tocante ao “modo
de avaliar a biocapacidade das áreas <http://www.ipcee,ch>. Ea ! latório subrê
Ocupadas pela agropecuária. Ela 219 No ponto, ainda que frágil em qo as das suas premissas, merece registro
não tem como referência o potencial o Rela limática
no que seria o rendimento sustentá produtivo baseado nco Mundial, ão assinalar que a mudança
a
vel dos solos. Ao contrário, o desenvolvimento mundial de 2010, dol c de
a capacidade produtiva constatada”. tem como referência , nte para os países em desenvolvimento,
Por isso, não é razoável que se é ameaça para todos os países, especia osm
ecológicas com biocapacidades compare pegadas E Done acima das temperaturas
locais. O certo é compará-las à biocapa hneráveis: “Até mesmo um aquecimento pré-industriai
sentido, a pegada não é um indicado cidade global. Neste srimentará — poderia resultar em
r de sustentabilidade de um país RR imo que provavelmente o fund reduções
indicador de sua contribuição à ou região. É um deste Asiático. A maioria dos países
insusten E
footprint-network.org>; e <www.footprint tabilidade global. Disponível em: <http://wrww. E do PIB de 4% a 5% par a a eo Su financeiras e técnicas
Africa em
standards.org>. uol imento carece de suficientes capacid para gerenciar
*º Vide o Report by the Commission Es mis décadas os sistemas energéticos
on the Measurement of Economic
Performance and So- eliadco cada vez maior”. Nas do
cial Progress, que reconhece o caráter pa do deverão ser transformados próximas. se lobais caiam de 50% a 80%.
multidimensional do bem-estar: para que as a
Well-being means a multidimensional “To define what E imnáticos Extremos pára
definition has to be used. Based mundo forçar a infraestrutura para suportar
search and a number of concrete on academic re- : novos e da ais eqpanistemas já
initiatives developed around Deve-se as a três bilhões de pessoas sem ameaçar entres:
has identified the following key dimensi the world, the Commission aim eotaside apoios Festrte
principle, these dimensions should be on that should be taken into account. At least in alimentar mai iso aumentar a produtividade e
a eficiência ER ível de longo:prazo
considered simultaneously: 1. Material sados será ES ma e larga
' dards (income, consumption and
wealth); ií. Health; iii. Education;
living stan- hídricos. Ed gestão integrada e um planejamento
including work v. Political iv. Personal activities a E crescentes demanda flex s naturais de alimentos,
s sobre os recurso
, O! V m: do
conserva ao ao mu mesmo
Ss. p
tempo
VIÇ
e serviços sist
do eco ssistema
Envi onment (pre: ); viii. Insecurity, of an economic as well Pas bioener gla, energia hidroelétrica
a physical nature” (p. 14-15). à biodiversidade e mantendo estogui
toques de carbono no so Jo e florestas.
104 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 4 | 105
NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL
energias renováveis, multimodalidade racional nos trans- Com efeito, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente
portes, controle do desmatamento? e, de resto, tudo aquilo e Desenvolvimento, de 1992, materializou-se a noção correta
que se insere numa poderosa transformação do estilo de de que “a proteção ambiental constituirá parte integrante do
consumo e de produção, com a observância da função sus-
rocesso de desenvolvimento e não pode ser considerada iso-
tentável das propriedades.?: E mente deste” (Princípio 4). Mais adiante, entre os Objetivos
No entanto, a Agenda da Sustentabilidade é desafio que do Milênio, figurou o propósito de integrar os princípios do j
ultrapassa - e muito - a questão do aquecimento global, pois desenvolvimento sustentável nas políticas e nos programas
seria inadiável por outras razões ainda mais críticas. Tem
a nacionais. Em 2012, essa linha filosófica aparece em vários
ver, mais propriamente, com uma opção filosófica pelo modo documentos.
de viver capaz de produzir o bem-estar, a longo prazo. Não se pode subestimar ou negar o acerto de tais pres-
Por outras palavras, a Agenda da Sustentabilidade crições, que andam na via acertada. Mas tudo isso é pouco.
assimila e transcende aquilo que consta-no citado Relatório Muito pouco. O que releva, em termos de Agenda, é aprofundar
Brundtland, em que pese a sua já louvada importância a percepção de que o desenvolvimento e a sustentabilidade
histó-
rica? Ou seja, é mais do que querer aquele desenvolvimento não são categorias necessariamente colidentes, no plano nor-
que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer mativo eno campo empírico. Esta, a sustentabilidade, modela
à
capacidade das gerações futuras de suprir as suas próprias aquele. Condiciona-o. Redefine-o.
necessidades. Supõe passo adiante (em relação ao conceit
o.
limitado de necessidades), especialmente pelos argumentos
veiculados no Capítulo 1. 43 Desenvolvimento e sustentabilidade:
A Agenda da Sustentabilidade Multidimensional é mais constituição mútua
rica, fecunda-e desafiadora do que simplesmente suprir
as Convém remarcar: o desenvolvimento e a sustentabilidade
necessidades materiais. É ousar o extraordinário
e assegurar, não apenas são compatíveis, mas se constituem mutuamente. Por
com eticidade intertemporal, a marcha positiva das atuais
e futuras esse motivo, acolhida uma lógica distinta da dominante,?
gerações, garantindo a múxima qualidade possível, material
e ima- devem ser incrementados, nos moldes propostos pela Agenda,
terial, à vida de todos os seres, hoje e amanhã.
aqueles empreendimentos vinculados à economia de baixo
carbono, com os estímulos competentes à implantação con-
creta do novo paradigma.
20 Vide Ronaldo Seroa da Mota, in Aspectos regulató
Boletim Regional
rios das mudanças climáticas no Brasil.
, Urbano e Ambiental, v. 4, P. 35, jul. 2010: “Metas naciona
Nesse prisma, sem deixar de reconhecer o caráter enig-
is concentradas
no controle do desmatamento podem oferecer
ao país uma significativa vantagem com- mático da expressão desenvolvimento sustentável, destaca,
parativa, pois a redução do desmatamento é,
sem dúvida, menos restritiva ao crescimento
econômico que as restrições ao consumo de energia,
inclusive no processo industrial”.
*! Vide, de modo explícito, o Código Civil, art. 1.228,
81º: “O direito de propriedade deve * Vide os Objetivos do Milênio, da ONU, entre os quais o nº 7, “Qualidade de vida e res-
ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que peito ao meio ambiente”, inclusive com a melhora significativa nas vidas de milhões de
sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, habitantes de bairros degradados. E)
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas”. ** Vide João Carlos Ferraz, in Grandes e pequenas empresas competitivas e modernas. e
222
Vide, outra'vez, o Relatório Brundtland, da Comissã João Paulo dos Reis Velloso (Coord.). Brasil, novas oportunidades: economia verde, pré-sal,
o Mundial sobre Meio Ambiente e De- carro elétrico, Copa e Olimpíadas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2010, p. 113: Este país
senvolvimento (CMMAD). Nosso futuro comum: a
relatório da Comissão Mundial sobre Meio avançará enquanto não contarmos com uma indústria financeira que esteja financiando o
Ambiente e Desenv olvimento, op. cit.
longo prazo”.
106 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 4 | 107
NOVA AGENDA DA SUSTENTABILIDADE MULTIDIMENSIONAL
SUSTENTABILIDADE COMO
VALOR CONSTITUCIONAL
Advoga, com acerto, Ignacy Sachs que o “desenvol. olíticas macroeconômicas e administrativas, outrora imunes ao
vimento pretende habilitar cada ser humano a manifestar E trole paramétrico, no tocante aos custos sociais, ambien-
potencialidades, talentos e imaginação, na procura da. tais? e econômicos, diretos e indiretos (externalidades). Esse
da sim-
autorrealização e da felicidade, mediante empreendimentos
controle tem de sair do mundo virtual ou potencial
individuais e coletivos, numa combinação de trabalho autô- ples promessa. Não basta ser letra da lei ou da Constituição.
nomo e heterônomo e de tempo dedicado a atividades não Concretamente, as políticas precisam ser escrutinadas, de maneira
objetivos funda-
produtivas”. sustentável, em consonância com os princípios e
Tal descrição possui a vantagem de incorporar elementos mentais da Carta, não consoante os clientelismos antifuncionais,
como o acesso a ativos fundamentais, tais como habitação e imediatistas e sem nexo.
tempo livre. Mas ainda é pouco. Segundo otexto constitu-
cional, “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi-
mento, a igualdade e a justiça” são valores supremos. Logo, 5.4 O mercado, por si, não dá conta das legítimas
o desenvolvimento só faz sentido exatamente quando auxilia. aspirações imateriais
a concretização de todos os valores de uma “sociedade fra-
Todo o afirmado conduz a assimilar uma lição valiosa
terna”, no presente e no futuro. Nesse passo, reafirma-se quea
das crises sistêmicas recentes: o mercado, por si só, não con-
sustentabilidade apenas se elucida em contato objetivo com os demais
segue lidar com aspirações imateriais e com as externalidades
valores e os qualifica, por assim dizer, material e imaterialmente.
negativas e, via de consequência, solicita a mais vigilante
regulação” pluralista, interdisciplinar e independente das
pressões espúrias dos plutocratas e dos manipuladores.
5.30 desenvolvimento reconceituado
Tampouco se mostra razoável insistir na postura de
Crucial incorporar nota de pronunciado destaque ao singela restrição, que não sabe tratar do tema do desconto do
componente imaterial ou valorativo. Daí nasce o desenvol- futuro ou, o que dá no mesmo, do processo fatigante e contra- .
vimento como florescimento das condições, internas e externas, producente do alarmismo inflamado e meramente gerador
viabilizadoras do círculo coexistencial benéfico de consciências que de pânico.
recuperam a filosofia da unidade dialética da vida, em termos físicos, Naturalmente, os alarmes podem ser extremamente
psíquicos e, em derradeira instância, éticos e imateriais. úteis, como, por exemplo, ao mostrar que, consoante os mo-
Nesses moldes, não há exagero em afirmar que a inter-. delos climáticos disponíveis, as secas na Amazônia tendem
pretação da Constituição requer novo referencial axiológico
e normativo,” que estimule a sindicabilidade aprofundada das
% Vide, apesar de sua crença algo exagerada no mercado, para exemplificar anecessidade de
sopesar os custos ambientais da energia, Stephan Schmidheiny, in Changing course: a global
business perspective on development and the environment. Cambridge: MIT Press, 1992,
especialmente o Capítulo 4.
*s Vide Ignacy Sachs, in A terceira margem: em busca do ecodesenvolvimento
, op. cit., p. 35. *» Não se trata, porém, de aderir a críticas fáceis demais à economia e ao livre mercado, como
“6 Vide Ignacy Sachs, in A terceira margem: em busca do ecodesenvolvimento
, op. cit. p. 35. parece ter sido o caso de John Gray, in False Dawn: the Delusions of Global Capitalism.
Sachs define a inclusão justa Por oposição ao padrão de cresciment
o perverso (p. 38). New York: New Press, 1998.
*” Foge dos objetivos, nesse momento, examinar as noções de
norma deontológica-e norma 2º Vide, apenas para ilustrar, sobre regulação e seus princípios, Carol Harlow e Richard
axiológica, assim como formuladas por Robert Alexy, in Teoría de
los derechos fundamentales. Rawlings, in Law and Administration. 3º ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2009,
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales,
2002, p. 142. p.252.
jié | ESUSTENTABILIDADE
'AREZ FREITAS
- DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 5 | 117
SUSTENTABILIDADE COMO VALOR CONSTITUCIONAL
de fato e de direito, a preponderância da mirada prospectiva (nos tudo, de valores, isto é, de dentro para fora. Tem razão Dale
moldes a serem enfatizados no Capítulo 10) e a considerável Jamieson: “A fim de encararmos as nossas responsabilidades,
expansão das liberdades substantivas, na linha de Amartya devemos pensar claramente nos valores que estão em jogo,
Sen," embora mais propriamente deva gerar uma expansão porque o mundo do futuro será aquele que construirmos. O
intersubjetiva das dignidades, em contraste com a desenfreada exame final não será uma prova no fim do semestre, mas como
busca dos bens posicionais e das rendas poluídas por privi- escolhemos viver”8 : Ra
légios — para esse efeito, adotado o conceito pejorativo de Felizmente, boa parcela da população brasileira” emite
rent seekinge sinais de que entende o desenvolvimento não mais como
Bem por isso, todas as providências aqui sugeridas excentricidade ou marketing oportunista. Ao que tudo indica,
devem ser, antes de mais nada, o resultado de profunda rea- a causa da sustentabilidade encontra circunstâncias inéditas
valiação dos (des)valores disseminados, tendo em vista a para difundir o novo paradigma constitucional, por mais que
gravidade sem precedentes da situação global,*º causada pelo a hegemonia da insaciabilidade pretenda dizer o contrário.
modelo dominante, que, a exemplo da má alimentação, quer. As condições estão dadas. A luz da Constituição, o novo
se passar como inevitável. desenvolvimento, moldado pela sustentabilidade como valor
No cenário interno, importa decididamente implementar e como princípio, mostra-se perfeitamente racional, plausível
a preconizada Agenda da Sustentabilidade como poderosa e cogente. Lógico: quanto mais forem proteladas as medidas obri-
transformação do estilo de vida. Transformação, acima de outórias de mitigação e de adaptação, mais graves serão as perdas
perfeitamente evitáveis. Vale dizer, quanto mais proteladas as
8 Vide Amartya Sen, para quem o desenvolvimento é visto'como “eliminaçã
medidas de sustentabilidade, mais dispendiosas serão e maior
de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas
o de privações
de exercer ponde-
a probabilidade de que cheguem fora do prazo hábil.
radamente suas condições de agente”, in Desenvolvimento como liberdade,
op. cit. p. 10. Catastrofismos à parte?” (conquanto não possam ser
Defende, pois, o desenvolvimento como “expansão das liberdades
reais que as pessoas
desfrutam” (p. 17), consideradas as razões avaliatórias e de eficácia (p. 18). Fala minimizados os ganhos de pensar, preventiva e precavida-
de liber-
dades (“distintas mas inter-relacionadas”, P. 25) como liberdades
políticas, facilidades
econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança
mente, sobre catástrofes), todas as medidas sugeridas afigu-
protetora
(p. 55) Considera as liberdades “os fins primordiais do desenvolvimento”
e os seus “meios ram-se axiologicamente defensáveis e perfeitamente factíveis,
principais” (p. 25). Aqui, ao se acentuar a necessária expansão das dignidades (engloband
as liberdades), quer-se realçar uma dimensão imaterial no desenvolv
o desde que o omissivismo não as impeça. SR
imento como tônica
irrenunciável. Como quer que seja, o enfoque está de acordo com Amartya Sen,
quando Acolhida essa premissa, a perda da biodiversidade, por
destaca: “O crescimento econômico não pode ser insensatamente considerad
si mesmo” (p. 29) e, ainda, ao quando ele realça as liberdades substantiv
o um fim em exemplo, não prosseguirá no presente ritmo delirante, uma vez
as (p. 32) e a
qualidade de vida (p.39). que será considerada inconstitucionalidade manifesta. A falta de
Não se endossam, por inteiro, as análises extremadas sobre rent-seeking; contudo,
o sentido pejorativo, vide James M. Buchanan, in Rent-Seeking and Profit
sobre água potável, a seu turno, não continuará absurdamente
Seeking. In:
James M. Buchanan, Robert D. Tollison é Gordon Tullock (Ed.). Toward a Theory of the indigna: o saneamento e a racionalização do uso dos recursos
Rent-Seeking Society. College Station: Texas A & M University, 1980, p. 47: “The
term rent-
seeking is designed to describe behavior in institutional settings where individual
efforts to
maximize value generate social waste rather than social surplus”.
26:
Vide William D. Nordhaus, in A Question of Balance: Weighing the Options %5 Vide Dale Jamieson, in Ética & meio ambiente: uma introdução, op. cit., p. 278.
m
on Global
Warming Policies. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 2: “(...)
there can be little 2% Vide a pesquisa “O que os brasileiros pensam do meio ambiente e do desenvolvimento
scientific doubt that the world has embarked on a major series of geophysical changes sustentável”, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com pune instituições:
that
are unprecedented in the past few thousand years”. 2 Vide, para problematizar, Jean-Pierre Dupuy, in Pour un catastrophisme éclairé: quand
264
Vide, sobre os ares de inevitabilidade que assumem determinadas questões, Himpossible est certain. Paris: Seuil, 2002. ; E
Eric Schlosser,
in Fast Food Nation: the Dark Side of the All-American Meal. New York: HarperColl 2 Vide Clarissa Ferreira Macedo D'Isep, in Á gua juridicamente sustentável. São Paulo: Revista
ins,
2002, p. 7. dos Tribunais, 2010, p. 59: “vida tutelada pelo sistema jurídico não se limita à existência
120 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 5 | 121
SUSTENTABILIDADE COMO VALOR CONSTITUCIONAL
hídricos se impõem, afastadas as indefinições (escapistas) De fato, interna e externamente, é erro grave insistir que
de titularidades.” A moradia em zonas seguras será vista
como direito insofismável, por força direta da Constit sustentabilidade seja um custo extra a ser evitado ou adiado,
uição, E é, na realidade, uma considerável vantagem Ga
Enfim, a preponderar esse modo de ver a Carta,
evoluir-se-á Ea o advento dos benefícios da economia do baixo carbono
para a condescendência zero em relação à
insustentabilida- a overnança geradora de bom desenvolvimento.
de, entendida como verdadeira inconstitucion
alidade, cujos Ee aa cabe invocar a discricionariedade administrativa ou a
efeitos não podem deixar de ser coibidos pela
jurisprudência, reserva do possível para adiá-la. Configura-se, ainda, Ra
tergiversação ou sinuosidade diversionista a tese e qe a
5.6 Escolha valorativa de assento cons sustentabilidade seria algo inacessível sem prévia coor Ne
titucional ção internacional ou tarefa perdida de legião de especialistas
O ambiente sustentável e duradouramente limp opiniosos e birrentos. Ao revés. Núcleos atuantes superam
o é, portanto,
uma escolha valorativa de assento constitu os separatismos cartesianos e têm sido mais do E
cional. Desse modo,
cumpre realizar a Agenda da Sustentabilidade, de impactar positivamente as políticas públicas, den a
no descrita
Capítulo 4, como desdobramento dessa es
escolha valorativa, fora do velho Estado-nação, promovendo Res
de sorte que as fantasias protelatórias (ind mudanças de filosofia comportamental. A ponto de, RR
ividuais e grupais),
incautas e estouvadas sejam definitivamente de irradiação, causarem melhoras sensíveis na qualida e a
varridas.
Mas não só. O Brasil precisa, se quiser verd cadeia global de fornecedores, na disseminação de a
adeiramente
exercer positiva liderança mundial em maté biodegradáveis e na introdução de produtos e processos am
ria de sustenta-
bilidade, dispor-se a protagonismo mais bientalmente rentáveis, em grandes e pequenos projetos.
acentuado na cena
internacional, operando como ator firme Dito de outro modo, são, interna e externamente, im-
e exemplar. Tome-se
como exemplo a Conferência das Partes e
das Nações Unidas perativas as transparentes,” mensuráveis, monitoráveis
sobre Mudança Climática (Cop-16), realizad “holísticas”?”! (na acepção de pluridimensionais, não no sen-
a em Cancún. Ao
lado de estabelecer a operação de Fund tido totalitário) medidas tópico-sistemáticas de mitigação,
o Verde, tentou-se,
modestamente, incorporar a meta de manute adaptação, prevenção e precaução. Medidas que se mac
nção da elevação
da temperatura global a 2ºC, com previsõe por inteiro, dos pressupostos ArEaICOs e desconcerta as o
s de revisão entre
2013 e 2015. Todavia, medidas bem mais ousa secular paradigma da insaciabilidade patológica, que só tem
das poderiam ter
sido sugeridas. Ampliar, Pois, o protagon gerado uma indiferença disfuncional por parte de intérpretes
ismo internacional,
revela-se tarefa imprescindível. defasados da Constituição.
física (o que garante o acesso gratuito à % Sobre transparência, vide, para melhor análise, a experiência da gua a
água ), e sim uma vida qualificada, qual
vida digna. Por vida digna entende-se a seja a bauxita
i da Mina
í de Juruti i (Pará),
À com uma Agenda Positiva,
) u inclui açõ
que pise
proteção à incolumidade física, psíquica e
econômica e ambiental da pessoa humana. social, i
destinadas ic
a beneficiar i
a comunidade loca le a tentativa de diálogo transparente.
Pp a
(...) Isso reflete no ordenamento jurídico,
forma a assegurar que essa qualificação de tanto, como reconheceu prudentemen te Franklin
ê Feder, presidente da Alcoa,
— vida digna — se comunique-à água,
garantidora da vida e tome igualmente qualif como Exame de Sustentabilidade 2010, p. 128, ainda é cedo para dizer que se trata de nei Ep
icada”. Reitere-se, nos termos assinalados
capítulo precedente, que
a água, em nosso sistema constitucion no * Nada a ver com a concepção “holística”, criticada por Karl E Popper, E a a
os efeitos, bem público, por maiores resist al, passou a ser, para todos
ências que tal conceito possa enfrentar. j and its
Society j Enemies.i New York: ; Harper an d Row, , 1963, v. 2. O holismo, às vezes, RR e
9 Em boa hora, a ONU, em julho de
2010, aprovou resoluç ão que declara
i
de vista indivi
o individual. ão, éé preciso
Então, iso i ir da par: te para N o todo e do todo para) a Eparte. a Aos
potável e ao saneamento básico um direi o acesso à água afirmar, aqui,i a unidade
i ialéti
dialética da vida,i quer -se se dedeixar claro que a reinserção
einse sauud,
to de todo ser h umano. Tragicamente,
bilhões de pessoas não desfrutam do serviç cerca de 2,6 do om na natureza não pode ser sinal de aniquilamento ou de diluição romântica e
o essencial de saneamento-básico.
desprovida de lucidez.
"EH
122 REZ FREIT;
| JUAREZ FREITAS
CAPÍTULO 5
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
SUSTENTABILIDADE COMO VALOR CONSTITUCIONAL 123
Importa reconhecer, com todos os consectários, que q estabeleceu, entre as diretrizes gerais da política urbana, “a
valor constitucional da sustentabilidade endereça à ultra- garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o
passagem ousada de relutâncias pusilânimes?”? e reclama direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à
precificação da inércia inconstitucional. Urge, pois, com ênfase infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos,
e destemor, sobreaviso e tino, acolher como descendente da ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.
axiologia constitucional, o valor da sustentabilidade, trans- Para corroborar a tendência no plano normativo,
missível a longo prazo? e antes que seja tarde.
registre-se a Lei nº 9.433/97, art. 2º, II, que, entre os objetivos
Certo, em matéria normativa, verificam-se progressos
da Política Nacional de Recursos Hídricos, fez constar “a uti-
significativos. Fora de dúvida razoável, no atinente às normas,
lização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo
contemplado o rol dos diplomas legais brasileiros, sopram
o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento
ventos favoráveis ao novo paradigma. -
sustentável”. Por sua vez, a Lei nº 11.145/2007, art. 48, II,
O diploma seminal é a Lei nº 6.938/81, que estabeleceu
prescreve que a União, no estabelecimento de sua política de
a Política Nacional do Meio Ambiente, com a consagração da
saneamento, observará, entre outras diretrizes, a “aplicação
“manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio
dos recursos financeiros por ela administrados de modo a
ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente
promover O desenvolvimento sustentável, a eficiência e a
assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”
.7s
eficácia”. Ainda: evoque-se a Lei nº 9.985/2000, arts. 2º, II, XI,
A partir da Carta de 1988, notáveis progressos norma-
XII (sobre extrativismo sustentável), 5º, VI (“assegurem, nos
tivos sucederam. Por exemplo, a Lei nº 10.257/2001, art. 2º, IL
casos possíveis, a sustentabilidade econômica das unidades de
conservação”), 7º, Il e 82º, art. 14, VI, art. 17 (“com ênfase em
? Vide Paul Krugman, sobre a necessidade de coragem e superação do pensamento métodos para exploração sustentável de florestas nativas”).
mesquinho, in Who Cooked the-Planei? — Opinion. The New York Times, New York, July
25% 2010: “Did reasonable concerns about the economic impact of climate legislation Por sua vez, a Lei nº 12.188/2010 encarta, no art. 3º, o princípio
block action? No. It has always been funny, in a gallows humor sort of way, to watch do “desenvolvimento rural sustentável”.
conservatives who laud the limitless power and flexibility of markets turn around and
insist that the economy would collapse if we were to put a price on carbon. All serious Sempre para ilustrar, figurem-se: a Lei nº 8.666/93, com
estimates suggest that we could phase in limits on greenhouse gas emissions with at most
a small impact on the economy's growth rate. So it wasn't the science, the scientists, or
a mencionada alteração que incluiu, no art. 3º, o princípio
the economics that killed action on climate change. What was it? The answer is, the usual do desenvolvimento sustentável; a Lei nº 9.790/99, art. 3º, VI;
suspects: greed and cowardice”. j
273 Vide, nessa linha, A Carta da Terra (2000), princípio 4: “Assegurar a generosidade e a beleza
a Lei nº 11.959/2009, arts. 1º, 1, 3º e 7º; a Lei nº 12.305/2010,
da Terra para as atuais e às futuras gerações. a. Reconhecer que a liberdade de ação de cada com destaque para os arts. 3º (“gestão integrada de resíduos
geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras. b. Transmitir às futuras
gerações valores, tradições e instituições que apoiem a prosperidade das comunidades sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de soluções
humanas e ecológicas da Terra a longo prazo”. : para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões
274
Vide a Lei nº 6.938/81, art. 2º, I. No art. 3º, 1, define-se o meio ambiente como “o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle
abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Como fonte de inspiração, vide a Convenção
social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável”), 6º,
de Estocolmo (Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano. Estocolmo, jun. 1972), que
proclama o meio ambiente como “essencial para o bem-estar e para o gozo dos direitos IV, e 30, parágrafo único, 1, e a Leinº 12.187/2009, instituidora
fundamentais, até mesmo o direito à própria vida”, assim como expressa, no Princípio 1,
que o “homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de con- da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que acrescentou
dições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar pistas à decifração do valor e do princípio constitucional da
uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melho-
rar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras”. sustentabilidade, ao assumir o desenvolvimento sustentável,
124 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 5
SUSTENTAI BILIDADE COMO VALOR CONSTITUCI | 125
ONAL
i ição,
içã ao poluidor
i e ao predador, da obrig ção
brigação de recuperar e Eira
4 Vide Nicholas Stern, in O caminh Dados - nto da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins
o para um mundo mais sustentável, op.
“Olhando para trás, acredito que os pressu cit., p. 11. Reconhece: econômicos”. E A
postos do Relatório Stern nos levaram a subes-
timar Os custos da inação. (...) Novos indício 2% Vide Ana Maria Moreira Marchesan, Annelise Monteiro Steigléder e Sílvia e
s e provas mostram que o relatório foi excessi
vamente cauteloso em relação ao aumen - 7
irei ambiental.
Direito ã Paulo: ê Verbo Juri ídico, y 2010,
6. ed. São 20] RR não
p. 59: “O princípio
to das emissões, à deterioração da capaci
absorção do planeta e ao ritmo e à gravidade dade de içã mediante
a tolerar a poluição i um preço, n em se limita a compensar os danos pipipeer )
dos impactos da mudança climática” (p. 99). pelo lançamen
5 Vide, sobre inovação, Daniel C. Esty i
mas evitar o dano ao ambiente.í Nesta linha, z o pagamento ç E ja PJ
e Andrew S. Winston, in O verde que pn
empresas inteligentes usam a estratégia ambien vale ouro: como i
ã alforriai condutas inconsequentes,
não de modo a ensejar o descarte de resí
tal para inovar, criar valor e construir uma ientai A cobrança só po de ser efetuada
ões e das normas ambientais. efe que tete:
sobre o que
vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campu
s, 2008. Vide, ainda, Noah Walley e Bradle lei, F pena de se admitir o direito a poluir. Caso contrário, o nome do princípio seria
Whitehead, in It's not easy being green. y Dera
Harvard Business Review, v. 72,n.3, p. E of
Jun. 1994, segundo os quais a atitude verde 46-52, May/ agador-poluidor”.
é um catalisador de constante inovação e novas
oportunidades. E o sobre as possíveis razões da inércia, Simon Zadek, in The Civil Corporation: the New
*6 Vide Joel Bakan, in The Corporation: the Pathol Economy of Corporate Citizenship. London: Earthscan, 2001, p. 21 ne a a
ogical Pursuit of Profit and Power. New York:
Free Press, 2004. k % Vide Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática, ao definir, é
1º, os gases de efeito estufa.
ARSo
122 | E /AREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
NULOE
SUSTENTABILIDADE COMO VALOR CONSTITUCIONAL
| 133
(públicos e privados) nas energias renováveis (sol, potenciais ilustrar: o desenvolvimento durável significa, por exemplo,
eólicos, biocombustíveis devidamente certificados) e na ge- não admitir que o pré-sal (com os riscos da grave “doença
ração de milhões de “trabalhos verdes”.
holandesa”) seja desviante do caminho energético sustentado
Quer dizer, resulta frontalmente danosa todae qualquer omissão e sustentável.
desproporcional. Omissão que se aninha, emblematicamente, na Por todos os motivos, em nosso sistema constitucional,
demora injustificável para o licenciamento ambiental, por o desenvolvimento sustentável não pode ser posto entre
fatores alheios à qualidade do projeto, em razão de estranhas parênteses ou desfigurado como ociosa retórica quimérica. De
disputas ou bizarros conflitos de competência. Omissão que fato, reconhecida a natureza como recurso escasso? e aceito o
se flagra em programas sociais sem monitoramento de resul- bem-estar intra e intergeracional como prioridade máxima, a
tados. Omissão, em suma, que se mostra na tímida demo- sustentabilidade passa a ser, na prática, foco da transformação
cratização”! da riqueza e no déficit de acesso efetivo aos maiúscula de nossa cultura.”
direitos fundamentais de todas as dimensões. Sustentabilidade é valor e é princípio-síntese vinculante e
mudancista, gerador de novos direitos subjetivos públicos das ge-
rações presentes e futuras. Assimilado dessa maneira, com o
5.10 A Constituição determina estratégias devido engajamento, encontra-se fadado a alterar literalmente
antecipatórias “anossa paisagem jurídico-institucional.
qr E
É
ção acanhada de causa e efeito é típico da solução é a mais indicada, nem Re E
erro daqueles que não
sabem, por exemplo, o que é 1) por 1 sso, necessariamente a melhor
, sobretudo o no
causalidade reversa. Ademais,
como ensina a biologia, a vida = intertem porais. Trata-se, pois, de argume nto fraco e não raro,
é uma teia retroalimentadora. +
de causas e consequências. Ao idor da revisão científica de dogmas e doutrinas
se inserir numa determinada. 3 pi
rede causal, pequena movimenta itaçã or
en rca E se com o argumento da aceitação comum.
k 322 P
dominação obscurantista de pessoa ou grupo. Acessar dados | qTraduz-se no apelo irracional e alarmista às ameaças catas-
supervenientes, fazer a reflexão crítica permanente e desafiar fróficas ou ao pânico para distorcer a eleição das premissas,
os consensos, eis a tarefa da racionalidade sustentável, que "ou seja, para, mediante constrangimento ou intimidação, ob-
não se acomoda ao mundo das explicações perfunctórias e “ter conclusão indevida.”* O apelo ao medo costuma aparecer
fáceis demais.
mos discursos que defendem tal ou qual decisão, sob pena
k de catástrofe. Por exemplo, diz-se que faltarão recursos para
alimentar a população se determinada decisão protetiva do
6.4.8 Falácia da desqualificação pessoal
ambiente for tomada. Na maior parte das vezes, a ameaça é
Uma das falácias mais lamentáveis e de incidência rei- escandalosamente falsa, mas prejudica os defensores racionais
terada é a do argumento que tenta convencer, desqualificando da medida. Daí a necessidade de se investir em habilitação
o adversário, mediante o ataque injusto de ordem pessoal, científica e cognitiva para resistir a argumentações desse tipo,
para impedir que a audiência perceba a debilidade das, que beiram a chantagem. Não raro, tal falácia surge para
próprias razões. Certo, não é inerentemente falacioso, contudo forçar que preponderem aspectos econômicos imediatistas,
se converte numa falácia sempre que se utilizar de traço sob a ameaça sem lastro de que, a não ser assim, nefastos e
pessoal do pretérito, próximo ou longínquo, para apontar, incontroláveis efeitos adviriam. Note-se: o argumento não
sem outras provas, uma falha demonizante no presente. é, em si, falacioso, porque o exame das consequências é ele-
Toda argumentação que deixa de ser imparcial faz-se discri-. mento inerente de todo juízo de prudência, todavia mostra-se
minatória negativa e tende a incorrer, de algum modo, protesca tática sofística, quando a ameaça e a imposição do
nessa
falácia. Precisamente em função disso, uma das razões para medo servem para burlar o ônus de oferecer genuínas razões.
se defender a imparcialidade como princípio associado à
sustentabilidade radica em impedir que as preferências ou
as hostilidades subjetivas determinem as decisões. Na defesa 6.4.10 Falácias da autoridade e ad ignorantiam
do novo paradigma, convém afastar as desqualificações Outra falácia deletéria é a do argumento de autori-
pessoais, ainda que se deva fazer-a descrição exata, o
mais dade” (ou autoritário, para ser mais preciso), segundo o
isenta possível, dos inúmeros malefícios pessoais trazidos
“qual, com base no conhecimento, na trajetória ou na titulação,
pela insaciabilidade patológica. pretende-se fugir do peso da prova. Claro que não se invalida
a força argumentativa da autoridade legítima e dotada de
credibilidade (por exemplo, no caso de perito ou de jurista
6.4.9 Falácia da ameaça
Nociva, igualmente, é a falácia argumentativa do medo
“4 Vide Robert Audi (Ed.). The Cambridge Dictionary of Philosophy, op. cit., p. 433: Ho) appeals
ou da ameaça, diversamente do sadio dispositivo de alerta. toa threat or to fear in order to support a conclusion”. Convém notar que, às vezes, o
medo está distorcido ou desbalanceado, por razões históricas. Por exemplo, o frio é muito
visto como sinônimo de doença e morte (o que não deixa de ser verdade e tem sido evolu-
tivamente útil pensar assim), mas isso não deveria fazer com que não houvesse suficiente
preocupação com o aquecimento global, ameaça tão ou mais séria. Sobre o tema, vide a
“º Trata-se do argumento que lança ataque pessoal injusto, isto é,
quando o ataque não é observação de Tim Flannery, in Os senhores do clima: como o homem está alterando as con-
merecido ou é empregado para distrair a audiência. Vide Robert Audi
(Ed.). The Cambridge dições climáticas e o que isso significa para o futuro do planeta. Rio de Janeiro: Record,
Dictionary of Philosophy, op. cit., p. 433. Não é argumento inerentemente 2007, p. 217.
falacioso, mas pode
induzir em erto decisório.
*» Vide Robert Audi (Ed.). The Cambridge Dictionary of Philosophy, op. cit., p. 433.
146 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 6
| 147
SUSTENTABILIDADE - COMO VENCER AS FALÁCIAS E AS ARMADILHAS ARGUMENTATIVAS
de notória especialização e de altos predicados morais). Oy E araue são insaciáveis, tudo por aversão a mudanças (não
seja, pode ser argumento sadio, sob certas condições. Torna-se. à: E s incrementais), no campo das pré-compreensões. Não
falacioso quando assume o lugar do dever de fundamentação E
E: sed o direito de pensar que poderiam ser saciados de neces-
suficiente. des básicas, pois preferem sucumbir ao desejo de tolices
Ao lado dessa falácia, merecendo tratamento conjunto gi
tem-se a falácia ad ignorantiam, que consiste em apelar à. E E visto, se o desenvolvimento sustentável é aquele
ignorância como prova: se uma asserção não puder ser reco oduz o bem-estar presente sem comprometer a possi-
e “que pr
nhecida como comprovadamente falsa, então erradamente, * bilidade de que as gerações futuras encontrem o bem-estar
afirma-se como verdadeira, ou o contrários Exemplo: a faláci | * multidimensional (para além do Relatório Brundtland), de
a
de intentar fazer crer que, por não haver uma teoria unifi * mada serve a noção convencional de crescimento pelo cresci-
cada
das causas do efeito estufa, seria impossível a posição mini- mento, que tenta se manter à base de uma petição de princípio
mamente sólida sobre o papel das causas antrópicas. A aber- b “grosseira: o crescimento econômico seria O caminho, porque
tura mental para a autonomia de pensamento parece ser q o o caminho seria o crescimento econômico. Essa ilogicidade
mais poderoso antídoto contra esse grave vício na construção tem de ser abandonada, sobremodo porque é uma das falácias
dos silogismos. mais deletérias da cultura contemporânea.
possível a especia-
lizaç ão do bem.
No entanto, o argumento falacioso E“Na seara ambiental, essa falácia aparece, por exemplo, quando
dm
toma a ex
pressão “bem de uso comum do povo” diz que, se se adotar um monitoramento ambiental mais
em sentido impróprio
e distorcido , às vezes para desmoralizá-lo ou
E oroso da poluição atmosférica, nenhum ER
Pio e
j
amputar-lhe a
credibilidade. | Po seria possível ou milhares de empregos seriam perdidos.
Outro elucidativo exemplo dessa falácia no
encontra-se na Tudo sem prova válida.
manipulação do sentido da expressão
“interesse público”:
pode haver leviandade, nas motivaçõ
es administ rativas, ao
asseverarem que tais ou quais razões de
interesse público terão 6.4.15 Falácia das mãos contaminadas)”
sido decisivas. A simples alusão, sem
prova ou consistente
motivação, torna a motivação insu
fici no mínimo, sus- ente ou, Com a ressalva expressa de que o rel não é pa
peita.*º A mera alegação de conveniência cumpre, por fim, mencionar a falácia das “mãos a e que
ou de oportunidade
mostra-se inaceitável. É preciso fundam ar
entá-la, com rigor. O tenta justificar ações indefensáveis, sob o
grave é que, seguidamente, aê
utiliza-se a expressã
o ora para alguém precisa fazer O trabalho odioso. Na argu
designar o interesse público autêntico
(“bem de todos”), ora jurídica, tem servido para tentar justificar poluições co P E
para designar o mero interesse do apar
ato estatal, que é par- tamente evitáveis. E preciso reconhecer que, às e
ticularista e, não raro, colide, flag
rantemente, com o interesse combater o fator de degradação, forçoso ir ao seu territó E
geral! e, desse modo, com a sust
entabilidade.
mas se torna explícito engodo toda vez que puESe RR
texto para justificar o moralmente injustificável. Ram É
6.4.14 Falácia da sequência irre falácia pode acontecer no manejo DPR gd an a Ea
sistível
desproporcional da “economia de males”, um dos ma
Essa falácia consiste'2 em argumenta
r contra ação ou. tagiosos vícios de argumentação.
inação sob o fundamento de que seria
o primeiro passo de se-
quência difícil de resistir ou de aceitar.
Argumentos desse tipo,
6.5 Armadilhas argumentativas e psicológicas
*º O Poder Judiciário brasileiro começ
a a acolher essa perspectiva, com vigor
exemplo, vide o julgamento do MS nº crescente, Por
9.944 (1º Seção. Rel. Min. Teori Albino Tais falácias, sumariamente arroladas, sãoCER
Julg. 25.5.2005. DJ, 13 jun. 2005), Zavascki.
no qual o STJ entendeu que, nada
de liberdade de escolha da conveniênc obstante a margem lesivas e contrárias às decisões sustentáveis. Ao lado ed
ia e oportunidade da Administração,
adequada motivação do ato que nega,
mera invocação da cláusula do intere
limita ou afeta direitos ou interesses, sem
exige-se
admitir a
reconhecer — para nelas não cair — determinadas armadi as
sse público.
* Vide Robert Audi (Ed.). The Cambridge
Dictionary
|
of Philosophy, op. cit., p. 435. Ainda que
argumentativas, de raízes eminentemente psicológicas.
passagem, cumpre mencionar também de
a falácia da amphiboly, ou seja, o uso de sentenças
sintaticamente ambíguas (p. 435), que
deriva
falácia assaz comum em técnicas de propa da lista de falácias de Aristóteles, Trata-se
de
ganda enganosa.
*2 Trata-se da falácia the slippery *8 Vide Simon Blackburn, in Dicionário Oxford de filosofia, op. Cit, p: e o aa
slope argument. Vide Robert Audi
Dictionary of Philosophy, op. cit., p. (Ed.). The Cambridge
435. E , te, como observa Dale ê Jamieson,
i in Etica & meio ambiente;
in e
o, Op.
E 5 e “os problemas do meio ambiente derivam de falhas morais de algum tip
150 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 6 | 151
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE —- COMO VENCER AS FALÁCIAS E AS ARMADILHAS ARGUMENTATIVAS
De fato, entrelaçadas às falácias, encontram-se arma- . fenômeno faz com que a mente outorgue desproporcional peso
dilhas que precisam ser conhecidas por todo aquele que almeja. vorimeira informação que recebe.:º O que importa destacar,
decidir de maneira sustentável, uma vez que, como mostram E ue frequentemente as âncoras são nocivas, pois
as pesquisas de campo, impedem a tomada das melhoreg>» a E raciocínio e influenciam negativamente as decisões,
decisões. O do-as desproporcionais e inviáveis a longo prazo.
Tem-se de conferir atenção, entre outras, às seguintes ”" Constata-se a tendência a se apegar à primeira linha de
armadilhas, didaticamente referidas por Ralph L. Keeney e o
investigação, algo que gera a falta aguda de
seus colegas: a armadilha da ancoragem (the achoring trap), ênc
novos conceitos e abordagens, assim como a nefasta ten
a armadilha do status quo (the status quo trap), a armadilha
de de se aferrar às decisões tomadas de modo provisório, com
proteger decisões anteriores (the sunk-cost trap), a armadilha requer plena noção
rarefeita cognição. A Pee
do enquadramento (the framing trap), a armadilha da confiança ômeno para evitá-lo.
excessiva (the overconfidence trap), a armadilha da evocação
E Ei, a coisa é consolidar o princípio da susten-
distorcida (the recallability trap) e a armadilha da precaução
excessiva (the prudence trap).
tabilidade, fixá-lo na própria consciência, outra - se aerea
levar pelo fixismo no campo das ideias e se enredar e ân
Todas são armadilhas que costumam aparecer no pro-
coras de pré-compreensões erradas, conducentes ao colapso.
cesso de interpretação e de aplicação do princípio consti-
tucional da sustentabilidade, donde segue a relevância de Por exemplo, alguém pode ficar ancorado à noção de que a
desvendar esses mecanismos deformadores das decisões. humanidade não corre perigo de extinção, por estar preso ao
mito de que sempre é possível escapar dos perigos. Ou seja,
a armadilha faz com que não se consiga (ou queira) o
o perigo real. Outro exemplo: um país fixa um cg e
6.5.1 Armadilha da ancoragem
siadamente alto de renda per capita, somente a partir lo qua
A primeira é a armadilha da ancoragem, demasiado começará a se preocupar com o ambiente. Fa a audi
comum em todas as questões da sustentabilidade, sempre
disso, perderá os trilhos do desenvolvimento limpo e das im
à espreita. A armadilha da ancoragem ocorre por apego ex-|
gias renováveis. É algo tão errado como alguém ficar ancorado
cessivo àx primeira ideia sobre determinado assunto. da
Esse à fantasia de que, para conquistar O bem-estar, precisa de
quantia financeira elevada, somente a partir do acúmulo a
335 Vide, sobre armadilhas psicológicas, John S. Hammond, Ralph
L. Keeney e Howard Raiffa, qual começaria a ser generoso, empático e solidário.
in Smart Choices: a Practical Guide to Making Better Life Decisions
. New York: Broadway
Books, 2002, Capítulo 10. Ao prescreverem como tomar decisões,
no Capítulo 11, numa
abordagem fiel ao sistematic thinking, propõem enunciar corretam
ente o problema de-
6.5.2 Armadilha da excessiva confiança
cisório, clarificar os reais objetivos, desenvolver uma série
de alternativas criativas,
entender as consequências das decisões, fazer apropria
das negociações entre objetivos
A segunda armadilha psicológica é a da excessiva con-
conflitantes, lidar sensivelmente com incertezas, tomar
em consideração a atitude em face
do risco e planejar decisões interligadas (p. 215), sugestões
válidas, na maior parte das
vezes, para o intérprete do princípio da sustentabilidade.
fiança. Nunca é boa a confiança que nasce da falha de cognição. Tal
armadilha guarda íntima vinculação com a da ancoragem e
*s Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, in Smart Choices: a Practical
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit. p. 185-213.
*” Prefere-se evitar a tradução literal, dado o caráter peculiar
que o termo prudência possui
na área jurídica.
8 Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, in Smart Choices: a Practical
Raiffa, in Smart Choices: a Practical 39 Vide John S. Hammond,
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit.,
p. 187. Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. 187.
152 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 6 | 153
ÁCIAS E E AS AS ARMADILHAS ARGUMENENTATIVAS
SUSTENTABILIDADE - COMO VENCER AS FALÁCIAS
dos erros pretéritos ou em curso, pelo receio orgulhoso de julgador tende a ver apenas aquilo que quer ver e se empenha
admitir falhas estratégicas. Em determinadas situações, quiçá em corroborar uma ideia já escolhida, não apenas afetando a
por insegurança, déficit de autoestima ou pelo exclusivismo coleta de evidências, mas sobretudo a interpretação.” Aqui,
do interesse próprio,“ alguém segue uma trilha sabidamente como observam Ralph L. Keeney e colegas, atuam duas forças
insustentável, percebe o erro, mas resolve manter aquela psicológicas: uma é a tendência de decidir o que queremos
marcha, apenas para não ter que confessar o equívoco a seus
fazer antes de fixar o porquê, e a outra, a de haver mais
parceiros de trajeto ou a si mesmo, quando o razoável seria” engajamento naquilo que gostamos.” Tais forças parecem
retomar o ponto anterior ao desvio. j evidentes. E são. No entanto, fazem errar diariamente, desde
; Para o paradigma da sustentabilidade, o apego às de- que não se esteja com a mente treinada no autocontraditório.
cisões passadas é armadilha das mais problemáticas, especia Existe um experimento que comprova essa necessidade de
l.
mente quando se lida com maus precedentes cristalizado vigilância, de modo agudo. É o estudo de Charles Lord, Lee
s
Admitir os erros sistêmicos e a necessidade de mudar Ross e Mark Lepper sobre polarização: grupos com po-
de
posição é condição para a retificação de rota. Algo sição formada (contra e a favor) sobre certo assunto, ao exa-
que não
pode ser visto como ceder às pressões, fraqueza de formaç minar argumentos favoráveis e contrários, leem os mesmos
ão
ou tibieza, mas sinal de inteligência ao realizar o contín documentos fornecidos de maneira a apenas confirmar as
uo
aperfeiçoamento autocrítico, no processo decisório. próprias convicções. Ou seja, ambos os grupos somente veem
A título de exemplo, o apego excessivo à indústria dos o que querem ver. E o truque psicológico, inconsciente no geral
fósseis pode ser um erro desse tipo, por parte de muitos das vezes, de apenas compreender o que se quer compreender. ,
que Como sublinhado, em matéria de sustentabilidade, imperativo
preferem permanecer inertes, sem uma reorientação
, ao menos resguardar a imparcialidade na formação dos juízos, no sen-
gradativa e complementar, dos investimentos para
as energias tido de realizar o sopesamento devido, com a abertura de
renováveis.
espírito às novas evidências.
Outro caso emblemático é o uso de técnicas flagrante-
mente equivocadas na construção de prédios, pelo temor
de
admitir o erro histórico, quando o racional seria imedi 6.5.6 Armadilha do enquadramento
atamente
substituí-las por alternativas compatíveis com o cliina tropica
l, Merece menção a perigosíssima armadilha do enqua-
Enfim, anatureza é mutável, de modo que todo
fixismo é erro dramento.*º Tal armadilha guarda relação com a falácia das '
cognitivo, com graves repercussões multidimensionais.
7 Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, in Smart Choices: a Practical
6.5.5 Armadilha da confirmação das evidências %
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. 194-195.
Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, in Smart Choices: a Practical
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. 195.
Outra cilada psicológica inibitória da tomada de decisões “> Vide Charles G. Lord, Lee Ross e Mark R. Lepper, in Biased Assimilation and Attitude
sustentáveis é a da confirmação das evidências,
Polarization: the Effects of Prior Theories on Subsequently Considered Evidence, Journal
isto é, o of Personality and Social Psychology, v. 37, n. 11, p. 2098-2109, Nov. 1979. Sobre o tema, vide
também Cass R. Sunstein, in A verdade sobre os boatos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p.
50: “a mediana pré-deliberação é o melhor indicador da direção do desvio. Quando os
membros do grupo estão inicialmente dispostos a correr riscos, desviam-se para um maior
6 E fita M. PA e Keith P. Sentis, in Estimating Social and Nonsoci
entusiasmo para correr riscos. Onde os membros estão inicialmente inclinados à cautela,
ounchons al Utility se tornam mais cautelosos depois de conversar”.
uçá tia
from Ordinal Data. European
pean Ji Journal ofof Social
Socia Psychology, v. 15, n. 4, p. 389-399,
0 Vide a contribuição notável de Amos Tversky e Daniel Kahneman, in The Framing of
Decisions and the Psychology of Choice. Science, v. 211, n. 4481, p. 453-458, Jan 30% 1981.
156 | ESUSTENTABILIDADE
'AREZ FREITAS
- DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE - COMO VENCER AS FALÁCIAS CAPÍTULO 6 | 157
E AS ARMADILHAS ARGUMENTATIVAS
muitas questões. Aqui, trata-se de condicionar a decisão em memórias é exemplo cabal disso. Exagera probabilidades,
função do modo errôneo pelo qual.o problema é apresentado. fixa suposições sem a menor comprovação. A evocação, que
inicialmente. Com efeito, pode-se apresentar a mesma questão implica associação de ideias, pode
ser — como mostra Ivan
com diversos enquadramentos e, em razão Izquierdo — provavelmente a atividade principal do sistema
disso, chegar a
resoluções distintas. Tome-se, outra vez, nervoso.” Vai daí que se tem de estar prevenido, pois pode
Keeney e colegas, 31
salientando que se pode formular a questão enfati ser altamente enganadora, na tarefa de relembrar dispositivos
zando ga-
nhos ou perdas e, a partir daí, o resultado ou fatos. A evocação distorcida costuma ser uma inimiga da
variará conforme a
ênfase, mantida a pergunta de fundo. Sugerem, sustentabilidade, porque não permite a correta recuperação
com acerto,
que sejam abraçados pontos de referência diferentes, de dados e impede as estratégias de longo prazo, pautadas
a par
da reflexão atenta sobre o modo pelo qual houver pela aprendizagem com os erros do passado.
sido es-
truturado o problema. De fato, o automatismo
— típico
do paradigma da insaciabilidade patológica —
leva a aceitar
O enquadramento inicial da questão, de maneira 6.5.8 Armadilha da cautela excessiva
acrítica,
esquecido de que inescapavelmente as distorções Próxima armadilha psicológica de obrigatória menção
cognitivas
ocorrem e é preciso repor os problemas sociais, é a da cautelá excessiva e paralisante, que não se confunde
econômicos,
ambientais, éticos e jurídico-políticos de maneiras com a necessária prudência (chave para a precaução e a pre-
diferentes,
apesar da eventual sobrecarga dos processos Venção). Aparece, por exemplo, na metodologia que adota o
decisórios.
“pior cenário (worst case analysis) isto é, que projeta custos
econômicos e sociais muitíssimo mais elevados do que são
6.5.7 Armadilha da evocação distorcida na realidade. O excesso de cautela pode redundar numa das
Outra armadilha psicológica, próxima da
piores das decisões, a de nada fazer. Exemplo veemente em
anterior é a da matéria ambiental: o excesso de precaução, em que pese a
evocação distorcida,** que prefere concentrar-se
em eventos magnitude do princípio, pode fazer retardar, em excesso, a
dramáticos ou sulcados pelas emoções do agente.
Não deve liberação de obra vital para o suprimento de energias reno-
ser subestimada a maneira deturpada pela qual são
evocados váveis. De fato, o excesso de cautela, supostamente em nome
os fatos, a acarretar uma distorção decisória ou avaliativa. da sustentabilidade, pode ser tão nocivo como a falta dela.
A memória, que não se encontra disciplinada
pelo hábito
da pesquisa empírica, desorienta. O fenômeno
das falsas
6.5.9 Armadilha da percepção de padrões
Vide, ainda, Amos Tversky e Daniel Kahneman, in
Judgmentunder Uncertainty: Heuristics
inexistentes
and Biases. Science, v. 185, n. 4157, p. 1128, Sep.
27h 1974: “The illusory correlation effect
was extremely resistant to contradictory data. It persisted even when
the correlation
Grave, igualmente, é a cilada ou armadilha de perce-
between symptom and diagnosis was actually negativ
detecting relationships that
e, and it prevented the judges from ber padrões onde eles não existem. Trata-se de armadilha
were in fact present”.
* Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard
Raiffa, in Smart Choices: a Practical
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. 199.
*2 Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard * Como mostra Ivan Izquierdo, in Tempo de viver. São Leopoldo: Unisinos, 2002, p. 59.
Raiffa, in Smart Choices: a Practical Diz
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. mais: “Todos nós, de fato, precisamos aprender, precisamos pensar e precisamos
200. esquecer.
Há um tempo para cada coisa” (p. 61).
* Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard
Raiffa, in Smart Choices: a Practical * Vide John S. Hammond, Ralph L. Keeney e Howard Raiffa, in Smart Choices: a Practical
Guide to Making Better Life Decisions, op. cit. p. 200 et seg. Guide to Making Better Life Decisions, op. cit., p. 206.
JUAREZ FREITAS
1 58 | SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 6 | 159
SUSTENTABILIDADE - COMO VENCER AS FALÁCIAS E AS ARMADILHAS ARGUMENTATIVAS
** Vide, para realçar o tema da empatia, Jeremy Rifkin, in The Empathic Civilization: the Race
to Global Consciousness in a World in Crisis. Cambridge: Polity Press, 2010, p. 428. Vide,
“ainda, Frans de Waal, in A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 19: “Muitos animais sobrevivem cooperando |
e compartilhando os recursos, e não aniquilando-se uns aos outros ou conservando tudo |
para si mesmos. (...) O que necessitamos é de uma completa reformulação dos nossos
pressupostos sobre a natureza humana. Muitos economistas e políticos assumem como
modelo da sociedade humana a luta permanente que julgam existir na natureza, o que
não passa de uma projeção. Como os mágicos, primeiro eles jogam seus preconceitos ideo-
lógicos dentro da cartola da natureza, para então tirá-los de lá pelas orelhas, mostrando
que a natureza corresponde ao que eles pensam. Já caímos nesse truque por um tempo
longo demais”.
*P Vide a Lei nº 12.305/2010, art. 6º, VII.
164 | AREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO PARA O DESENVOL
CAPITULO? | 165
VIMENTO QUE IMPORTA
quo, mas para rejeitar toda e qualquer postura nociva ao equi. ea coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
líbrio dinâmico da vida. ) habilidades, atitudes e competências voltadas para a conser-
Com pertinência, André Lara Resende assinala que “ci. vação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essen-
vilização e educação estão cada vez mais ligadas à redução cial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (art. 19).
da agressão ambiental. Mas educação e civilização não têm
Nesse contexto, perceber que as graves falhas educacionais
correlação necessária com riqueza material — esse éum ponto
* encontram-se, de modo objetivo, associadas ao quantitativis-
fundamental”.%
mo dos enfoques corriqueiros, suscita progresso significativo,
A par disso, não é ocioso lembrar que a educação pro-
porque abre os olhos, por exemplo, para o papel estratégico
posta não se confunde com a reprodução cultural”! embora
da qualidade dos professores”: (recrutamento e formação
inegável a ocorrência do fenômeno. Tampouco se ignora que
permanente em rede).
referir a educação como prioridade virou clichê, com a força
Por outras palavras, o mais importante é acentuar que,
empobrecida e empoeirada dos lugares comuns. No entanto,
a educação será, sim, uma verdadeira prioridade se não for ao longo da vida, a educação, na escola e em todos os lugares, pre-
vítima de enfoque exclusivamente material e imediatista, cisa servir a outro tipo de desenvolvimento,» justamente aquele que
isto é, se não estiver endereçada ora ao mero incremento da resulta de a sociedade ter encontrado o bem-estar no presente sem
produtividade (em que pese a sua importância), ora ao “eno- fazê-lo às custas do bem-estar das gerações futuras.
brecimento da classe patrícia”? (a despeito dos eventuais
ganhos da vida contemplativa).
Deveras, reconhecer a obrigação de garantir uma for-
7.2 Quatro premissas para uma educação exitosa
mação qualificada contínua, amigável e geradora de bem-estar Em matéria de políticas educacionais, portanto, o funda-
duradouro, é muito mais do que pedir ao Poder Judiciário mental é processar o reequacionamento valorativo do desen-
que determine a matrícula de criança em escola ou que sejam volvimento, conjugando-o a incentivos aptos a promover uma
cumpridas as metas da expansão quantitativa. alteração dos estilos de produção e de consumo.
O que se exige, intra e intergeracionalmente, é uma edu- Nada contra os que lutam pelo incremento da renda
cação sustentável de qualidade ou, para dizer nos termos da per capita ou os que tentam mostrar uma conexão empírica
Lei nº 9.795/99, “os processos por meio dos quais o indivíduo entre educação de qualidade e maiores chances de sucesso
no mercado de trabalho.”* Todavia, mostra-se insuficiente
t
%0 Vide André Lara Resende, in: Ricardo Arnt (Org.). O que os economistas pensam sobre sus- *
tentabilidade, op. cit., p. 39. Está certo, ainda, ao ver que desenvolvimento sustentável “2 Vide Eric A. Hanushek, in The Economics of School Quality. German Economic
só é Review, 6(3),
um oxímoro (contradição em termos), quando desenvolvimento e crescimento p. 269-286, Aug. 2005.
material
são identificados. Já bem-estar sustentável não é um oxímoro. “Bem-estar é Ecologia acho
“NA Vide, a respeito dos efeitos da qualidade dos docentes, o relatório How
muito possível de combinar, mas crescimento material com Ecologia é dificil” (p. 41). the World's Best-
Performing Schools Come out on Top. E
37
Vide, sobre reprodução cultural e conflitos, Paul E. Willis, in Learning to Labour: How
?» Vide Arjen E. J. Wals (Ed.). Review of Contexts and Structures for Education
Working Class Kids Get Working Class Jobs. New York: Columbia University Press, 1977, for Sustainable
Development: 2009. Paris: Unesco, 2009, p. 30: “(...) recent ESD documents
*2 Vide Gustavo Ioschpe, in À ignorância custa um mundo: o valor da educação no desen- and discourse
tend to show a shift from education to learning to emphasize the need for continuous
volvimento do Brasil, op. cit. p. 14-15: “Hoje, fala-se de educação no Brasil como se engagement in sustainability in formal, non-formal and informal settings on the one hand
estivéssemos na Roma antiga; como se sua função fosse o enobrecimento da classe patrícia and the need for capacity-building, participation and self-determination for sustainable
em sua trajetória rumo à vida contemplativa e/ou sua preparação para discussões no foro development on the other”. Sobre o tema, vide Denise Souza Costa, in Direito fundamental
imperial sobre a construção da polis ideal. (...) Mas a educação (...) não é apenas um direito à educação, democracia e desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
do cidadão, mas um patrimônio estratégico do país, uma ferramenta indispensável ao seu
? Vide David Card e Alan B. Krueger, in Wages, School Quality, and Employment Demand.
desenvolvimento”.
Oxford: Oxford University Press, 2011.
JUAREZ FREITAS
CAPÍTULO 7 | 167
166 | SUSTENTABILIDADE = DIREITO AO FUTURO Ã PARA O
SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO DESENVOLVIMENTO QUE IMPORTA
e reducionista limitar-se a essa abordagem. Há, sob o Ponto Assentadas tais premissas, resulta nítido que a educação
de vista da sustentabilidade, quatro eminentes pressupostos,
indispensáveis para se alcançar o alto retorno da educação. Et condição de investimento apenas econômico (ainda que não
maximizadora do desenvolvimento, a saber:
(a)' Educação para a causalidade de longo espectro: a educação
| Precisa ser fortemente redirecionada para o desenvolvimento
sustentável é aquela que se compagina com uma per E quradouro.”” Mais: tem de ser processada, desde a infância,
cepção intertemporal de que as condutas (omissivas
= no intuito de vencer, nos primórdios, as razões do stress ne-
ou comissivas) são peças de sutil engrenagem cha-
— gativo, dos distúrbios comportamentais e da perturbação
mada causalidade, com a nota de que existem efeitos,
= emocional, características desses tempos de excessivo indi-
que se propagam até depois de nossas vidas. Existe.
vidualismo*! e de insatisfação mais ou menos generalizada.
uma espécie de lei que faz com que tudo repercuta em E. Como acentua Howard Gardner, “um dos segredos da
tudo e projeta os impactos positivos e negativos de nossas
E mudança mental é a produção de uma mudança nas “repre:
ações, a longuíssimo prazo, donde emana o componente
h * sentações mentais” do indivíduo — a maneira específica pela
intertemporal da sustentabilidade como inerência.
a qual a pessoa percebe, codifica, retém e acessa informações”.
nuclear do conceito articulado no Capítulo 1.
Exatamente por esse motivo, sobe de ponto a valia
g
au
SUSTENTABILIDADE E EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO QUE IMPORTA
a entropia.
E Educação para a sustentabilidade ajuda ) E a Estocolmo, chegando a Rio+20; estabelecer, na vida
a compreender E parceria para o desenvolvimento que interessa, como
as leis naturais e aplicá-las com acurácia
, na demolição de: os Objetivos do Milênio; avançar, nos moldes
mitos e apriorismos dos que só veem prec DE: E onizam
onceitos nos Outros, : eridos, em relação ao importante Relatório Brundtland, de
as voltas com a manipulação, grosseira ou
dissimulada, típica Ee” enfim, acatar o valor e o princípio da sustentabilidade em
dos dominadores que não se dominam.
Nessa linha de considerações, , seu E raizamento constitucional de 1988, em vez de patética
a educação para a sus.
tentabilidade convoca uma pedagogia de
unidade na biodi- E O o remancádo, tudo começa pela mudança das pré-
versidade, que conduza o ser hum
ano a sair da caverna do.
imediatismo nevoento. Incorpora a titu » compreensões e continua na prática vitalícia do reconheci-
laridade de direitos k "mento da interligação do mundo natural, que permite uma
fundamentais daqueles que sequer nasc
eram. Descrê de tudo
aquilo que se revelar impeditivo da boa
lógica intertemporal, “uma atitude que caracteriza uma educação para a susten-
em face da compenetrada descoberta do
nexo de causalidade “tabilidade é a do constante gosto pelo novo, com a necessária
de longa duração.
Com esse foco, a educação para a sustentabili E filtragem crítica e o comprometimento sólido com o bem in-
dade faz com que, k tertemporal de todos, não com ideias rígidas e ortodoxas que
sob determinado aspecto, o porvir se converta
em instantaneidade, servem somente a vas ilusões. E
na conquista do dinâmico reequilíbrio
ecológico. Antecipa- Mas, afinal, o que há de realmente promissor nos voláteis
se. Liberta a consciência do movimento
das manadas. O e paradoxais dias que correm? Certamente, é avançada a ideia
ponto crítico passa a ser, então, o de enco
ntrar os afins, nesse de que o sistema político-institucional existe para propiciar
grande empreendimento, a favor do bem-
estar material e condições estruturais para o bem-estar das gerações presentes
imaterial no presente, sem prejuízo do futu
ro, usando o poder sem inviabilizar o bem-estar das gerações futuras. Para ser
multiplicador é polarizador para viabiliz mais exato, a novidade pedagógica radica no cumprimento do
ar, sem retrocesso, a
sustentabilidade multidimensional. princípio vinculante do desenvolvimento sustentável (ou da
Educação para a sustentabilidade é num sustentabilidade, como se prefere), aplicável interdisciplinar
a fórmula, pre-
parar para a escolha do modelo mais adequado e transversalmente.
ao desenvolvimento
intertemporal. Tudo sem abdicar do sens Em lugar das categorias presas ao curto prazo, a novi-
o de urgência e da
melh or compreensão da unidade da vida, dade reside nas lentes da sustentabilidade e no acesso que
que não suprime
as diferenças benéficas. proporcionam à causalidade de longo alcance. Assim, mentes
Apesar desse quadro, a sociedade mostra certa satu- as votações congressuais secretas, O desestímulo à
ração relativamente à política viciada. Percebe-se que a imentos sociais, E O
à dos movime
boa. rticipação direta, a cooptação
! idolos?,
política da sustentabilidade experimenta chances de, a Pouco. pá e porativismo de aluguel, a rendição à real politik, a regulação
e pouco, assumir o controle da situação. Lentamente, poderá. co
“estat al sem indepen
dência e'a descontinuidade administrativa.
sair do abrigo e, à luz do sol, proporcionar uma libertação Cogita-se, aqui, da política não apenas esverde ada, mas
dos condicionamentos aprisionantes, oferecendo sinais
con- E vel, no sentido de fortalecer a racionalidade social e de
cretos de respeito à dignidade das atuais e futuras gerações, iso , numa transiçã
j a das decisões Ç o
avar a sério a tomada conjunt
—Pe ao
Com sinergia e novas relações sociais, afirmando
o valor eq a economia de baixo carbono,“" com o sábio resgate das
N
intensamente, con
spiram contra a sustentabilidade
que tudo indica, quatro os principa . S ão, ag Eco ntinuados. é A cidadania ecológica sequer desponta, a não
is vícios, a saber:
monialismo arcaico, o tráf
ico de influênc O Patrj
ias para ao
de vantagens ilícitas, o omi
ssivismo causador de dan btenção E a politica do Estado patrimonial, patologica-
mercenari o E Rida é o reino do senhor que faz os cidadãos virarem
smo sem peias. Sem
E ra sugá-los energeticamente e, a seguir, descartá-los.
oras, a é a realidade crua do Estado patrimonial.
8.2.1 Primeiro vício — Pat ão se pode deixar de considerar essa prática como ri-
rimonialismo
E. E incompatível com a filosofia política do Estado
“a tável. Crucial, nessa medida, extinguir esse patrimo-
4 a : uicáio por sua primariedade distorcida, mediante
E! — A dos “insights” libertadores da sustentabilidade.
a atmosfera das articulações E” E Daí a relevância da descrença em relação ao culto feti-
e dos debates. Instaura, o p
monialismo,
a identificação indevida entre E “chista dos políticos “proprietários” do poder, que A
e privada. O espaço público é as esferas pública | a dimensão econômica da sustentabilidade e a se se
tido, sem a menor cerimônia, b “dãos como meros objetos decorativos, pa
como extensão do privado. à o e e
Quer dizer, os patrimonialistas * empregados para a satisfação de seus caprichos. y ' Ro
apoderam-se do Estado e despudoradamente, das elites estatamentais, gm o
como se fosse um aparelho tecnoc
rático, espécie de engrenagem
de préstimos secundários, a ser a E Raymundo Faoro, com o objetivo de manter o Es
viço de mesquinhos propósitos E
pessoais ou grupusculares. nação“!
A rigor, o Estado patrimoni ! sos peso como realmente são, tudo parece expe-
al, segund
o o olhar envie-
sado pelo vício, deixa de existir rimentar desencanto. É natural. A racionalidade Ens o
para a eficácia direta «imediata
dos direitos fundamentais exige dar passo adiante. Sobrevém, então, aquela orça se
(salvo concessões mínimas), eis que
gravita em torno de suas própri mum dos que superam o amargor do diagnóstico e pa E
as razões, invariavelmente
ligadas aos caprichos dos que se a encarnar o discurso sadio e inteligente da ae cando :
assenhoram da força política
para gerenciar a manutenção face de tudo o que acorrenta, confina, desvia e estiola. Rs
do status quo.
Segundo o patrimonialismo, a con o princípio da sustentabilidade, cedo ou tarde, represen
quista do poder é for- fim do patrimonialismo.
temente nutrida pela cobiça dos espólios, à
custa do bem-estar
das gerações atuais e futura
s, num espetáculo de biza
mescla do com pitadas de assistencial rrice,
ismo para camuflar e de 8.2.2 Segundo vício — Tráfico de influências
formalismo abstrato e tecnocrát
ico para tentar “legitimar”.
Nesse freak show predatório, os pat O segundo principal vício da política insustentável, um-
rimonialistas abusam
do Estado Constitucional bilicalmente associado ao anterior, é o tráfico de influências,
e da sociedade, desmatam
pública e fazem a queimada contín a cena
ua das melhores aspirações. * no encalço da vantagem ilícita. Significa o uso de situação
Cidadãos são vistos como escrav
os submissos ou potenciais
servidores temerosos do Projet z
o de saques e vampirismos “! Vide Raymundo Faoro, in Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, op.
cit. p. 836.
182 | JUAREZ FREITAS CAPÍTULO 8 | 183
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
SUSTENTABILIDADE É A INDISPENSÁVEL SUPERAÇÃO DOS VÍCIOS POLÍTICOS
| próxima ou íntima do poder para obter vant "os descendentes, no mercado da política. Numa percepção
agens indevid, as,
Diferencia-se da pressão legítima, porque pret a título de ajuda, estragam a vida de
À T ; ende “rasa do emotivismo,*”
do favorecimento ímprobo ou da promessa envenenadapelafaso vi
seus filhos, amigos ou parentes. Desviam-nos, nos atalhos do
preponderar o interesse ilegítimo, nunca o 4 er
trabalho prostituído. Enriquecem-nos apenas materialmente.
mérito
O tráfico político vende facilidades, em nome
do pode “Contraem, desse modo, dívidas sérias para cóm o futuro. Por
ou da proximidade com os poderosos, no
comércio ilícito de “outras palavras, destroem o futuro, ao prometer sucesso rá-
vantagens ou das promessas de vantagens.
j ido e ardiloso, em detrimento da lucidez autocrítica.
Curioso nota
r que se repete o que ocorreu no
escravidão. A época, alguns alforriados
tempo da. pP Tal prática ignóbil, avessa ao trabalho digno, representa
tornavam-se, y forte aversão ao mérito. Para vencê-la, só se conhece um
vez conq uistada a liberdade, traficantes
vos, quando deveriam ter-se convertido
e senhores de a "remédio eficiente e eficaz: defender, em contraponto, os in-
em abolicionistas d * teresses legítimos da-sustentabilidade, exclusivamente por
| Pope linha . Acomodaram-se às seduções fácei
s da nova meios idôneos e com a máxima transparência de intenções.
E O remédio consiste, portanto, em avançar nas boas
Infelizmente, com muitos contem
rosamente o mesmo. Uma vez conquist
porâneos rigo- dá-se , práticas da política reconfigurada, particularmente por meio
convivio com os poderosos), agem como
ado o poder (ou 0 = da democracia participativa (se possível, em escala global e
membros de ua- Fora dos limites de modelos clássicos)“* e do constante moni-
drilhas que almejam tomar cada milímetr
o dos palácios nah » foramento social das prioridades, como forma de revitalizar
insaciável busca de Vantagens e recompen
sas espúrias. | " 0jogo democrático, que não se exaure em concepções repre-
Note-se que tais vantagens são sempre
materiais. Nin- E sentativas.
guem pode alcançar ganho substancial
ou imaterial dessa | Aolado disso, é imprescindível consolidar o novo para-
maneira. Mas criaturas fortemente obnu
biladas praticam os digma da sustentabilidade, erguendo instituições compatíveis.
maiores truq ues para cométer o engano e o auto
enga
no. Fazem Sem dúvida, o tráfico de influências sobrevive das falhas de
amágica e, frequentes vezes, acreditam no
próprio ilusionismo mercado, da informação assimétrica e, destacadamente, deins-
Empregam, com desfaçatez, o pretexto
do realismo acrítico, tituições frágeis e capturadas. Nutre-se das descontinuidades
Em nome dele e de supostas imposições
da “política real” o abruptas, da ausência gritante de motivação racional dos atos
mais rudemente, da expectativa de aposentadoria
afrouxam Os seus padrões éticos e se dourada administrativos, dos superfaturamentos e direcionamentos
permitem fazer o que ilícitos das contratações, das punições seletivas de acordo com
jamais aceitariam, de bom grado, que
outros fizessem.
Admitem exceções injustificadas para status e renda, entre outras impropriedades e desleixos morais.
si e para os seus Em contraste, consoante o paradigma da sustentabili-
Vendem-se. Aplicam estranha argument
ação com base numa
pessimamente assimilada economia dos dade, o poder é, antes de tudo, dever ético. O poder não precisa ser,
males. Anelam vida
fácil e fabricam dificuldades alheias. como na descrição weberiana, a capacidade de fazer com que
Numa metáfora: atro-
pelam a República para cuidar dela. Adot as nossas pretensões sejam acolhidas, apesar das resistências
am, para far6io
uma argumentação corrompida, prenhe
daquelas falácias e
armadilhas examinadas no Capítulo 6. sen-
am A propósito, o trabalho apela também à sensibilidade, mas não é emotivista, naquele
Em grande parte das vezes, cedem a apel tido de Charles L. Stevenson, in Ethics and Language. New Haven: Yale University Press,
os familiares 1944. Contém prescrição, com o uso do deve, mas não se renuncia à busca de verdade.
ou de alcova. Tentam resolver a vida
econômico-financeira “3 Vide David Held, in Models of Democracy. 3º ed. Cambridge: Polity, 2004.
18 4 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
| 185
SUSTENTABILIDADE E A INDISPENSÁVEL SUPERAÇÃO DOS VÍCIOS POLÍTICOS
O]
afastar o poder do dever
tas a tudo para " "| Oque dizer da carência de políticas públicas de saúde
incontornável da sustentabilidade or
multidimensional. . Hb preve ntiva ou da falta de leitos hospitalares? E dos deveres
"| desegurança, com a falta crônica de policiamento ostensivo?
EE E da qualidade do processo de desenvolvimento cognitivo e
8.2.3 Terceiro vício — Omi Yvolitivo chamado educação? E o saneamento ambiental, capaz
ssivismo
o de salvar tantas vidas, algo que não tem sido feito de modo
Outro vício político grave a sup
erar é o omissivismo, ou * minimamente satisfatório?
Seja, a prática de impor o dan
o, fingindo nada fazer, com Claro, em face de tantas omissões, não setrata de clamar
descumprimento culposo ou q
intencional dos deveres da sus- pelo populismo onírico, mas de combater a inércia incons-
tentabilidade. Trata-se de arbitr .
ariedade por omissão. titucional disseminada. Inércia omissivista insustentável.
Como é recorrente, por exempl
o, pessoas morrem, por- Faz-se decisivo compreender que o novo estilo político da
que vivem em zonas de risco.
Mortes facilmente evitáveis. sustentabilidade não se coaduna com essa omissão causadora
Até autoridades reconhecem
que uma das causas reside na de danos; mal que muitos praticam dissimuladamente.
ocupação territorial irregular. —
Acrescentem-se os erros de Uma ampliada responsabilidade revela-se indescartável:
drenagem e o descumprimento
reiterado da remoção das aquela responsabilidade para com a eficácia intertemporal dos
Pessoas que remanescem nas
encostas e nas áreas críticas direitos fundamentais, antes que o dano ocorra. De fato, o omis-
mapeadas. As vítimas, nesse
caso, não podem ser culpadas. sivista é aquele que mata, omitindo o SOCOITO. Agride, ao não
Muitas são crianças. Outras
são criaturas que subestimam proteger. Participa da corrupção, ao fingir não vê-la. Rouba,
OS Tiscos, seja por otimismo ing .
ênuo e irrealista, seja por es- ao deixar roubar, podendo evitá-lo. A omissão é diferente
tarem gravemente embaraçad
as para uma escolha racional P | daabstenção ética e juridicamente aceitável. Os omissivistas
Tampouco a natureza pode .
ser considerada a causa única fingem que o poder-dever de maximizar o bem de todos não
dos danos. concerne a sua esfera de atuação.
Ora, para alcançar o Estado Sustentável, mais do que
“4 Vide, para conferir o conce
ito weberiano, Hans Heinrich
debater sobre o seu tamanho (paradoxalmente, excessivo e
(Ed.). From Max Weber: Essays Gerth e Charles Wright Mills
in Sociology. London: Routledg
e & Kegan, 1948, p. 180.
pequeno), cumpre não compactuar com a omissão danosa,
186 FUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 8 | 187
SUSTENTABILIDADE E A INDISPENSÁVEL SUPERAÇÃO DOS VÍCIOS POLÍTICOS
bouço que gera o temor cor arca- “dado que insistem no se desenvo lvimen
rosivo da perda do controle o
a própria vida.“ sobre
i à catástrofe.
E Es contudo, que o patrimonialismo acabe, Ra
“4 Vide, sobre o fenômeno Psic
ológico do Sroup polarization, toda ditadura, por desmoronar. O tráfico de inn SE ;
Political Philosophy, v. 10, Cass R. Sunstein, in The Journ
al of e
e Mark R. Lepper, in Biased
n. 2, P. 175-195, June 2002.
Vide, aind
Assimilation and Attitude Polaa, Charles G. Lord, Lee Ross
extinto, até pelo cansaçobeta ER adoro inda
Theories on Subsequently Cons rization: the Effects of Prior
v.37,n. 11, p. 2098-2109,
idered Evidence. Journal of
Personality and Social Psycholo reensão razoável da sustenta e, 2
Nov. 1979. gy,
* Vide PNUD, Relatório do
Desenvolvimento Humano 2010: RE ses absolutizadas dessa ou daquela po sena OR
vias para o desenvolvimento a verd adeira riqueza das naçõ
do desenvolvimento humano,
humano, op. cit., Pp. 10: (...)
afirm ação nuclear da abordage
es: narismo da política cederá diante da concepção ep a
em contraste, diz que o bem m
do que o dinheiro: tem a ver
com
-estar tem a ver com muito mais
de vida que têm motivos Para as possibilidades que as Pessoas têm de cumprir os plan
dever ético de lidar adequadamente como que é comum. É
escolher e seguir. Daí o noss os
— ama economia de desenvol
vimento humano, em que
o apelo a uma nova economia Dito isso, o correto é acelerar, ao máximo, O processo Pe
estar humano e o crescimento o objetivo é aumentar o bem-
concretizadas na medida
e em que as outras polític. as são
em que façam avançar o avaliadas e vigorosamente lítico de transformações estruturais e comportamentais, e
longo prazo”. E ainda, à P. desenvolvimento humano
a curto ea
19: “O desenvolvimento huma
verdadeiro desenvolvimento no, se não for sustentável,
humano”. não é
*!$ Para aprofundar essa Pers
pectiva hermenêutica, vide
sistemática do direito, op. cit. Juarez Freitas, in A interpreta “0 Vide o documento 21 Issues for the 21 Century: ResulE of the UNEP Foresight ight Proce: ss on
ção
“2 Vide, sobre o direito ambi Emerging Environmental Issues. Nairobi: UNEE, 2012. A ie alga Na
ental na origem de progress
Morand-Deviller, in Le droit os de mentalidade, Jacqueli ?! Vide, sobre a responsabilidade humana em termos geológicos, p apa
de | “environnement. 10º éd.
Paris: PUF, 2010, p. 121.
ne
“8 Vide o documento Empregos E audeÉ d ori e Laurent Carpentier, in Voyage dans Vanthropocêne: cette now
verdes: rumo ao trabalho dece
com baixas emissões de nte em um mundo sustentá é
mes les héros. Arles: ; Actes sud, 2010.
20 a a
carbono. Brasília: PNUMA;
OIT; OIE; CSI, 2008.
vel e
“2 Vide, sobre os temores de A ie Hansen, in Climate Catastrophe. New Scientist, v. 195, n. 2614, p. 30-34, July
controle sobre a própria vida,
Character: the Personal Cons Richard Sennett, in The Corr
equences of Work in the New osion of
1998, p. 19. Capitalism. New York: Norton,
is a : como ilustração de possíveis abordagens do tema, Hirofumi
i i ia in ct
Economic
Analysis of Social Common Capital. Cambridge: Cambridge University ;
JUAREZ FREITAS
1 92 | SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
procedimento sustentável, à diferença do Fim do burocratismo paralisante — 9.3.6 Prevenção e precaução, em lugar da
autoritarismo certi
lizador e não cooperativo. Propic “gestão que chega tarde — 9.3.7 Defesa da constitucionalidade de ofício e da
ia o alargamento cultural d regulação do Estado Sustentável — 9.4 Principais mudanças na hermenêutica
participação, com a tendência
de gerar adesão espontânea às “das relações de administração — 9.5 Sustentabilidade e regulação — 9.5.1 Re-
mudanças comportamentais gulação: necessidade dé novo modelo — 9.5.2 Conceito de regulação estatal
indispensáveis ao desenvolvi-
mento que interessa. -9.5.3 O agente regulador — 9.5.4 Características da regulação sustentável — 9.6
Licitações e contratações sustentáveis: obrigatoriedade de ponderação
Lógico, mudança dessa env dos
ergadura implica abor- custos e benefícios, diretos e indiretos — 9.6.1 Incorporação cogente de critérios
dagem distinta das relações de adm paramétricos de sustentabilidade para aferir a proposta mais vantajosa para a
inistração. Justamente
Por esse motivo, tratar-se-á, no capítulo pró Administração Pública — 9.6.2 Sustentabilidade e contratação administrativa
ximo, do novo =9.6.3 A proposta mais vantajosa é aquela que se encontra alinhada com as
políticas públicas sustentáveis — 9.6.4 Conceito de licitações sustentáveis — 9.7
sustentabilidade. 6ora pelo princípio da
Rumo ao Estado sustentável
“! Para aprofundar, vide Juarez Freitas, in O controle dos atos administrativos e os princípios
fundamentais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. Vide, também, Juarez Freitas, in Discri-
cionariedade administrativa e o direito fundamental à boa Administração Pública, op. cit.
196 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
197
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO
9
ambiental como “limitação constitucional explícita à atividade Na concorrência entre ambos os paradigmas, observa-se
econômica”, * areprodução subjacente do vetusto jogo dos impulsos
Neste capítulo, serão arrolados aspectos-chave que re. versus
- inteligências, do prazer imediato versus o bem-estar dura-
querem, por assim dizer, carga intensa de engajamento técnico- " douro, da vista curta versus o planejamento de longo prazo,
científico, em prol do advento da gestão pública sustentável. " que impede crises sistêmicas.
Impõe-se, dessa maneira, a escolha entre o velho
para-
9.2 Da sustentabilidade nas relações administrativas * digma do burocratismo opaco e o novo paradigma da susten-
E tabilidade cooperativa, sinérgica e abolicionista de arcaicos
Reprise-se a ideia fulcral de que há dois paradigmas em » grilhões do passivismo regressivo. Nesse embate, não resta
conflito, fenômeno que, para não fugir da regra, também se | lugar para abstenção: opta-se pelo Direito Administrativo da
verifica na seara do Direito Administrativo, com refrações pa-
sustentabilidade.
radoxais. O paradigma antiquado (o da insaciabilidade patri a
+
*” Vide Juarez Freitas, in O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, op. cit.,
p. 61.
“s Vide Juarez Freitas, in O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, op. cit,
p. 70.
202 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 9
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO | 203
ser obnubilada, de forma alguma, pelos inebriantes conselhos e se defende e merece deferência é o ativismo que realiza,
dados pela famigerada inércia dos omissos.“ mor exemplo, a defesa enérgica dos consumidores de serviços
Dito em outras palavras, imprescindível assumir, úblicos, a fixação hábil de limites prudenciais
em. à alavancagem
todos os campos, a responsabilização, sem ilusões cogniti dos bancos ou, ainda, a redução drástica das assimetrias de
Vas, /
pelas condutas omissivas e comissivas em decorrência da falta "informação, que geram os referidos males da seleção adversa
significativa (não apenas residual) de observância dos deveres
» edo risco moral.**
de prevenção e de precaução. A pouco e pouco, progredir E É que, como se viu na grande crise de 2008 (e em seus
se-á da gestão passiva e cúmplice para uma sincrônica gestão
: desdobramentos até hoje), o necessário estudo dos impactos
tempestivamente interruptora do nexo de causalidade
de * regulatórios precisa contemplar, na análise de Tiscos, os impac-
dramãs e tragédias perfeitamente evitáveis.
| tos derivados da não regulação e/ou da regulação inoperante.
* Emsuma, revela-se capital incorporar mudanças institucionais
9.3.7 Defesa da constitucionalidade de ofício e da * do Direito Administrativo, com a adoção de nova atitude her-
menêutica, reorientada para a obtenção de benefícios, diretos
regulação do. Estado Sustentável | eindiretos, de natureza intertemporal.
Sétimo traço: a transição de relações administrativas,
ainda bloqueadas ou “capturadas” por sectarismos patrimonia
-. 9,4 Principais mudanças na hermenêutica das
listas, rumo ao Direito Administrativo ativador de princí
pios:
fundamentais | relações de administração
p F ma . .
CAPÍTULO 9 | 213
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRA
TIV! o
*º Vide, sobre economia verde e inclusiva, o portal Vitae Civilis - Cidadania e sustentabili-
=
Coalition — Prosperity for All within One Planet Limits. Disponível em: <http://www.
É
tm
1 greeneconomycoalition.org>.
214 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 9 | 215
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO
legislativo. Nunca é demais frisar que decorre da Constituiçã ambito das relações internas e externas do Estado-Adminis-
o direito à boa administração pública, independentemente ração. Reciprocamente, essa abertura faz reconhecer que a
de pontuais lacunas da disciplina legislativa. Certo, força E: stão pública, mormente em face do mundo digital,1º precisa
convir que uma das condições para gerar desenvolvimento ser arejada para propiciar uma sindicabilidade alargada das
durável é a presença do mínimo de estabilidade de regras, políticas públicas.
e padrões, porém a estabilidade não se confunde com zona. A, Nona diretriz: urge atentar para a exata e fiel observância
de conforto procrastinatório, muito menos com das finalidades intergeracionais do sistema constitucional, de
a singela
preservação patética do status quo poluente, ainda
mais “sorte a admitir que as normas administrativas somente são
quando se sabe que os maiores perigos são os criado | bem interpretadas e aplicadas quando vistas como desdobra-
s por nós:
mesmos, como demonstrou judiciosamente Rachel Carson " mentos dos objetivos intertemporais para os meios, nunca o
em sua obra clássica.“ Quer dizer, sob a égide da Carta, F
multidimensional da gestão
pública. Assim, Por exemplo, noai,
dido exame da matriz de transpor
tes, afasta-sea velha a
de discricionariedade des
vinculada, que não tem
sequer em situações extremas, permiih
a interdição de determ
escolhas públ icas, destituídas da mínima inadas:
razoabilidade Sob a influência direta do princípio constitucional da
stentabilidade, indispensável reconfigurar o tema da regu-
lação. É que as falhas de regulação são geradoras de insusten-
abilidade sistêmica, por definição.
FP Ostradicionais modelos regulatórios, que deveriam ter
promovido a correção tempestiva das “falhas de mercado”
(assimetria de informação, externalidades negativas, compe-
Hicão desleal e falta de transparência), fracassaram de maneira
rotunda, inclusive nos países centrais, já por deficiências no |
“campo operacional da regulação (redundâncias e sobreposi-
ções pleonásticas), já pela grave ausência de disciplina, como
dro, noções como discricio
nariedade (vinculada a Pri “sucedeu em relação ao mercado bancário paralelo, que se
e Ro fundamentais), expectativa ncípios |
de , “instalou com espantosa facilidade tóxica, como diagnosticou
(a tonteira esm dir eit o e direito
aece e, em alguns casos, à Paul Krugman.'*
o direito se impõe)
Por sua vez, os modelos voltados ao combate às “falhas
* de governo" (na linha de George Stigler, com a “teoria da
à captura”) também contribuíram — ainda que involuntaria-
Ro em definitivo, do solo cul
mente — à desregulação alastrada, que tomou parte decisiva
tivado pela razão crítica na formação do nexo causal da grande crise. de confiança
ais mudanças de premis
sas hermenêuticas, con
radas em bloco, são pod side- mundial, ora em curso.
erosas ferramentas à
disposição da
voliti
ti vos que inibem as inaadi *? Vide Paul Krugman, in A crise de 2008 e a economia da depressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009,
diááve
veiis transformações
Õ jurídico- p. 168, a propósito do sistema bancário sombra (shadow banking system), que observou,
políticas. com acuidade: “Os bancos convencionais, que aceitam depósitos e são parte do Federal
Cs a Reserve, operam mais ou menos à luz do sol, com livros escancarados e com reguladores
1 olhando sobre seus ombros. Já as operações das instituições não depositárias, que
a O são
468 Ed bancos de fato, em contraste, são muito sombrias. Com efeito, até a eclosão da crise, parece
ia instit uti o no
eg Relatório Brun
I
na dtland, Report of the World que pouca gente se deu conta de como o sistema bancário sombra se tornara importante”.
Developmene t: Our Common Futu Commission.on
RE Ra re » Op. Op. cif.:Cif.: “4.31 , The
“4.31, The objecobjecti “> Embora não se deva menosprezar, a contribuição de George J. Stigler, in The Theory of
o era gentina nature of the t in-
tan Oblemsea globalenvironment/develo pare Economic Regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, v.2,n.1, p.3-21,
tor institutions, ; national and aa
internat
rnatiiona l that were establis
onal,
pations and compartmentalize i hed on : Spring 1971, certamente exagerou o fenômeno da captura: “The state — the machinery
Nes e duros doa and e SR d concerns, » G Gove
chan ges has been a Seltd ae to ” gen- and power of state — is a potential resource or threat to every industry and society. (...)
su ne change ed
themselves. The challenges are A central thesis of this paper is that, as a rule, regulation is acquired by the industry and
integrated, requiring comprehe both inter d.
nsive approaches and pat designed and operated primarily for its benefit”. Ora, é inegável que tal teoria denunciou
io pldipadando
a algo grave, mas conduziu à desregulação e aos seus devastadores efeitos.
ey
a proporcionalidade, à motivação,
à eficiência e à eficácia ai “disciplinar, com o aprimoramento do regime daqueles que
Estado- neini qind ã lato sensu.“2 Com 0
efeito, im porta não exercem a função regulatória indelegável, compreendida
sucumbir à regulação facciosa, “cap
turada”, “governativa” como inerência do “poder de polícia administrativa”, no
tendenciosa de qualquer matiz, tam
.
*8 Vide o testimony de Joseph E. Stiglitz, The Future of Financial Services Regulation. House
Financial Services Committee, Oct. 21º 2008. Sua proposta de reforma regulatória está
assentada nas ideias de que “financial markets are not an end in themselves (:..), the
problems are systemic and systematic” e nos seguintes princípios gerais: incentives —
“aligned with social returns”; transparency — “good information”; e competition — “balance
pliance — das “regras do jog between government and markets”. Vide, ainda, Marçal Justen Filho, in O direito
regu-
o”. latório. Interesse Público, v.9,n. 43, p- 19-40, maio/jun. 2007. Sobre a crise aludida, vide Martin
Wolf, in A reconstrução do sistema financeiro global. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009,
p. 198-
200: “(...) Parte das soluções para nossas dificuldades é limitar a escala dos desequilíbrios
4 V ide Tony
o J ud t , mm
macroeconômicos, uma vez que, não raro, eles são exacerbados pela debilidade financeira.
R citexõ
fl es
ões sobr
sobre
e u m século esquecido: 1 901-
01 2000. Rio de anei
J
À outra parte é operar o sistema financeiro de maneira a reduzir a tibieza, na hipótese
ro; Objeti Via,
Vi de Pet; e: rM. Senge
de correções macroeconômicas (...) precisamos imaginar um mundo diferente em que o
etal., Z in The Nece: Ssary
are Working Together
R EU oluti
t on am ow Indiv: idua
d lsI and Or 8 anizations
capital flua de maneira produtiva e segura para os países pobres”. E assinala: “(...) o bom
to Create a Sustaina
P. 9: “ThereO is no viable p path ble World. London: Nicholas governo é, portanto, o fundamento de qualquer sistema financeiro sofisticado” (p: 21).
forw: ard that does not take Brealey 2010,
into
i account the needs of future ** Em nosso sistema, por exemplo, a cooperação entre Comissão de Valores Mobiliários e
a ANBID merece ser avaliada como possível fonte de sinergias, desde que a regulação
estatal permaneça indelegável e não fuja de suas atribuições. Apenas para ilustrar, a CVM
deveria passar a ser ainda mais rigorosa quanto aos prospectos de fundos, assim como na
regulação dos clubes de investimento e, ainda, das auditorias privadas.
222 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO dA
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREIT CAPÍTULO 9
O ADMINISTRATIVO
—
224 | JUAREZ FREITAS EA
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 9
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREIT
O ADMINISTRATIVO | 225
22 6 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 9
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO | 227
PRO E e ANT,
GERA |
Vide Juarez Freit; as, in
E 499
Vide, sobre o tema, Victor Nunes Leal, in Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime
Discricion ariedade administra
j nistração Pública, op. cit, Pp. tiva e o direito fundamental representativo no Brasil, op. cit.
22-23. à boa Admi-
500
“8 doSobre ad ano Spco
o tema, Ou seja, sem abdicar de apontar caminhos, já que o mercado, por si só, é incapaz de se
a em face do art. 41 da C arta
de Nice, vide, portar com a racionalidade ingenuamente postulada por muitos. Em contrapartida,
Z-Arana Mufioz, in El buen gobie
de instituciones públicas. Nava rno y la Eur confira-se a tentativa de solução conciliatória (intervenção e liberdade de escolha) na pro-
rra: Aranzadi, 2006. Vide
in diritto ad una buona + também, Diana-Urania Galet posta (a ser bastante aperfeiçoada) de Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, in Nudge:
amministrazione eurói ea ta,
procedimentali nei confronti come fonte di essenziali garanzie Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness. New Haven: Yale University
della Pubblica Aim inistrazione.
Pubblico Comunitario, v. 15, Rivista Italiana di Diritto Press, 2008. Entre nós, sobre conflitos intertemporais e o problema da miopia temporal,
n. 3-4, P. 819-857, 2005
vide Eduardo Giannetti, in O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros, op. cit.
230 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULOS * | 231
exemplo, uma construção em área políticas públicas que valorizem a mobilidade urbana, ainda
contaminada simplesmente |
não pode ser aceita, sem que se pro “mais após a Lei nº 12.587/2012, com o incentivo deliberado e
ceda a completa (e, nã
Taro, onerosa) descontaminação firme ao transporte público de qualidades? e, de outra parte,
prévia. Mais: os edifícios
obrigatoriamente devem ser “verdes” " com a adoção preferencial de determinados modais de trans-
, obtendo a certifica ão
cabível, com ganhos operacionais | portes (ferrovias e hidrovias) para o escoamento de pessoas e
e preservacionistas Não
importa que seja um pouco mais caro
, de início, se acarret ] produção, haja vista a saturação crítica do modal rodoviário.
redução média expr essiva no custo de operação e max * Como se afigura irrefutável, o trânsito, nas metrópoles,” é
do bem-estar. Nessa linha, o selo imiza 5 ,
“verde” (“Leed”, “A nal estressante testemunho da falta de planejamento sistêmico,
outro) pode começar a ser cautelosamen
te ala n pe Adil que se revela, a cada dia, mais insustentável.
nistração e cobrado pelos controla
dores. É que os edifícios Enfim, tais exemplos são suficientes, por ora, para
verdes” consomem menos energia, cui
dam do descarte e d * colocar em destaque o papel que o Estado-Administração
redução de resíduos, diminuem as
emissões de cluenç
utilizam a vegetação para reduzir
a temperatura (eventual. consonância com o princípio positivo da sustentabilidade
mente, “telhado verde”), empregam
materiais oriundos de multidimensional. Numa frase: a sustentabilidade vincula. |
locais próximos, assim: como podem
utilizar equipamentos
avançados (como o elevador de fre
nagem rege nerativa) que
contribuem à eficiência subordinada
à eficácia. Bem por md | Vide, por exemplo, sobre o tema, Luís Augusto Barbosa Cortez (Coord.). Bivetanol de cana-
Os projetos básicos e executivos, na ) de-açúcar: P&D para produtividade e sustentabilidade. São Paulo: Blucher, 2010.
contratação deco e 52 A certificação, dotada de credibilidade, assume caráter decisivo. ; |
serviços de engenharia, devem con
templar as opções redu- “3 Vide o Comunicado do IPEA 113 - Poluição veicular atmosférica, set. 2011, p. 24, que aposta |
toras dos custos de manutenção e de em alternativas tecnológicas limpas e, em lugar de políticas contraditórias que favorecem
operacionalização, não o transporte individual, postula a prioridade do transporte coletivo.
apenas os de construção. 4 Vide, sobre o sistema intermodal, Sérgio Besserman Vianna, José Eli da Veiga e Sérgio |
Ainda: Os veículos a serem adquiridos Abranches, in A sustentabilidade do Brasil. m: Brasil pós-crise: agenda para a próxima dé-
pelo Poder Público
“haverão de ser os menos poluentes, cada. Rio de Janeiro; São Paulo: Elsevier; Campus, 2009, p. 320.
não emitindo níveis nocivos 5 Cidades fazem esforço meritório para vencer gargalos, como Copenhague e Oslo. Em toda
parte, exige-se acentuada mudança de concepção e de planejamento dos centros urbanos,
» Vi muitos dos quais verdadeiramente impróprios para a vida digna.
a :
ne ilustrar, a Ra FR .
de Itaipu, no Programa Cultivando * Para ilustrar a reciprocidade causal entre as múltiplas dimensões, vide a pesquisa Bene-
qa Água Boa, em parceria
pio lindeiros ao lago, , com a vanços nos
unicipios fícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Vide, ainda,
gri ra orgân projet
jj os de educa
ed çãoã dm ambient
i al e
ica e com repercussão expressiva na o estudo intitulado Saneamento: desafios para expansão dos investimentos. Brasília: CNI,
merenda escolar sem agrotóxico
2011.
JUAREZ FREITAS -
242 SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 9 | 243
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO
Verdade que, há muito, o art. * maior vantagem para a administração pública, considerando
12 da Lei de Licitações,
determ inava que, nos projetos básicos e
projetos executivos i custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica,
de obras e serviços, seja considera
do, entre outros requisitos, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao
o impacto ambiental, assim como a fun
cionalidade e a ade- " desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação
quação ao interesse público.» Entr
etanto, igualmente certo | econômica e a outros fatores de igual relevância”. Trata-se
que existem, até hoje, prédios
públicos, portos e rodovias que de exigir a avaliação, pelos controles interno e externo, dos
precisam ser regularizados, simple
smente porque operam custos, diretos e indiretos, a serem parametricamente considerados.
sem licença ambiental.* Como quer que-seja, repu
tar a sus- Naturalmente, a referência abrangente a custos econô-
tentabilidade como somente amb
iental seria uma leitura micos, sociais e ambientais é categórica e oportuna tradução,
pasto Seo E ADS 3 em seu amplo espectro, do princípio constitucional da susten-
as quais o estabelecimento de critérios
de preferência nas licitações e concor tabilidade. Mas não só: no art. 10 admite-se, com a pertinente
blicas (...) para as propostas que propi rências pú-
ciem maior economia de energia, água
e outros motivação, na contratação das obras e serviços, a remuneração
“2 Vide Jessé Torres Pereira Junior
, in Desenvolvimento sustentável:
a nova cláusula geral das
variável vinculada ao desempenho da contratada, com base
contratações públicas brasileiras. Intere
verdade, a Lei nº 12.349/10 veio dar
sse Público, v. 13, n. 67, Pp. 71, maio/jun.
2011: “Em em metas e critérios de sustentabilidade estipulados no instru-
cobro à omissão do regime legal geral
contratações (...) que não explicitava das licitações e "Ê mento convocatório e no contrato. No art. 14 diz-se que, nas
(...) o que já decorria da Constituiç
vinha sendo alvo de regras em leis setori ão da República e
*º Vide, a propósito, as recomendaç
ais e normas infralegais específicas”. licitações, poderão ser exigidos requisitos de sustentabili-
ões do TCU a respeito do sistema
ambiental, cobrando relatório conso de licenciamento dade. Não se de trata, porém, de faculdade, mas de poder-
lidado dos impactos mitigados e
não mitigados,
009.362/2009-4, Acórdão 2.212/2009, dever. O mesmo se diga do art. 19, ao determinar que o
Rel. Min. Aroldo Cedra
“* Nesse aspecto, força conferir as recent z.
es portarias interministeriais, que se
julgamento pelo menor preço ou menor desconto considere
em tornar mais razoável o proce empenharam
sso de licenciamento ambiental,
situações graves, em portos e rodov assim como regularizar o menor dispêndio da administração, contemplados os custos
ias, por exemplo, que ainda opera
Mudanças mais profundas fazem
-se necessárias, entretanto, para
m sem licença. indiretos na definição desse menor dispêndio.
impacto ambiental uma verdadeira tornar a avaliação de
Portaria Interministerial nº 419, de
avaliação de sustentabilidade. Vide,
especialmente, a Contudo, a consagração da sustentabilidade, no plano
26.10.2011.
f
das regras legais, não cessa por aí. Entre os objetivos da Política
246 JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 9
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINIS
TRATIVO | 247
Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010, art. 78 x, É. a manutenção e operacionalização da edificação, ao lado da
figura a prioridade obrigatória, nas aquisições e contratações, Putilização de tecnologias que reduzam o impacto ambiental.
governamentais, para produtos reciclados e recicláveis e bens | Como se nota, o ato administrativo em apreço nada mais
serviços e obras que considerem os critérios compatíveis com faz do que detalhar, de forma inicial, relevantes mandamentos
padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis | "derivados do sistema. Por sinal, no caso de bens e serviços, o
Prioridade, aqui, tem de ser lida de acordo com a Primazia art. 5º deixa estampado, didaticamente, que as administrações
da substância sobre a forma. Quer dizer, sempre que possível à poderão” exigir que os bens sejam constituídos, no todo ou
optar entre um ou outro bem, a escolha legítima só poderá “em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável ou
recair sobre aquele que estiver em sintonia com as exigências. » que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção
globais da sustentabilidade. Não se admite esposar retorica- » de certificação do INMETRO como produtos sustentáveis ou
mente o sentido fraco do termo prioridade, porque se impõe 4 de menor impacto ambiental em relação a similares. Nova-
descartar os produtos que não apresentarem as citadas caracte- "mente, a despeito da literalidade, entretanto, não se trata de
rísticas, sobremodo perante alternativas com preços razoáveis * mera faculdade, mas de obrigação, eis que o princípio da
e condições técnicas abalizadas para atender os requisitos da sustentabilidade impõe prevenção e precaução.“ No ponto,
sustentabilidade. O que se objetiva, nesse diploma, é acelerar aliás, a instrução normativa não somente faz remissão a
a transição para os negócios “verdes” e, com isso, para novos outros atos administrativos (e.g., Resoluções do CONAMA,
padrões de consumo, uma vez que os métodos usuais (business Resoluções da ANVISA, normas do INMETRO, etc.), mas
as usual) simplesmente podem tornar a espécie humana "cuida de prestigiar princípios, por assim dizer, miscíveis com
a sustentabilidade, como é o caso da economicidade. Nessa
inviável.
linha, prescreve corretamente que, antes de iniciar o processo
O segundo grupo (ii) é o das regras administrativas ex-
de aquisição, a Administração Pública precisa verificar a dis-
pressas, as quais, a seu modo, também visam a concretizar
ponibilidade e a vantagem da reutilização de bens, por meio
o princípio constitucional da sustentabilidade, no exercício
de consulta ao fórum eletrônico de materiais ociosos.”
do poder regulamentar. A título de ilustração, cumpre citar Dito de modo sintético, tal ato administrativo, ainda que
a Instrução Normativa nº 1/2010, da Secretaria de Logística,
mereça ser aperfeiçoado, revela-se vetor útil de aplicação do
do Ministério do Planejamento, que dispõe sobre os critérios princípio positivo da sustentabilidade, que determina condutas
obrigatórios de sustentabilidade na aquisição de bens, contra- estatais voltadas ao desenvolvimento duradouro, ambiental-
tação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal mente limpo, eficiente, eficaz e ético, socialmente equânime,
direta, autárquica e fundacional. Com acerto, esclarece o ato
administrativo que tais critérios, no atinente às especificações,
“s Por isso, convém enfatizar que, a rigor, não se trata de faculdade, mas de poder-dever,
devem constar no instrumento convocatório, “considerando os haja vista que o art. 225, 81º, V, da Carta, estabelece que se impõe ao Poder Público con-
processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos trolar a produção e a comercialização de “substâncias que comportem risco para a vida,
a qualidade de vida e o meio ambiente”, o que implica não permanecer inerte e con-
produtos e matérias-primas” (art. 1º). A par disso, remete ao descendente com práticas nocivas contra os seres humanos e os seres vivos em geral.
art. 12 da Lei nº 8.666/93, e desdobra a regra legal, orientando-a “e Vide, sobre prevenção e precaução, Paulo Affonso Leme Machado, in Direito ambiental
brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. Vide, por sua defesa do “constitucionalismo
no sentido de que as especificações e demais exigências do pro- administrativo, que favorece uma abordagem precaucional”, Patryck de Araújo Ayala, in
jeto básico ou executivo, para contratação de obras e serviços Devido processo ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011, p. 403.
de engenharia, precisam ser elaboradas visando à economia 57 Vide, entre outros atos administrativos, o Decreto nº 7.404/2010, art. 80, V.
248 | JUAREZ FREITAS
"
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO 9 | 249
interesses
do ri
Deve vencer todo e qualquer
Sa omodaticia: o seu horizonte haverá de ser ohtrai Co de " da outorga (Lei nº 8.987/95, art. 4º). Todavia, o certo, em
stado Sustentável, no qual o ciclo de vida O horizonte homenagemlnb ao E art. 50 da Lei nº 9.784/99, é reconhecer o
do s So da,
serviços
a Rato pa : Produtos e | * caráter obrigatório dessa motivação d e maneira generaliza
E E escrutinado, com rigor crítico, no + do
a em todas as licitações e contratações públicas e, à vista
a : multidimensional, a ser descrito ase do certame,
tó Fara ; avultam, nesse contexto de transição uir.,a princípio, indispensável encapsular, na justificação
Não
nero gma da sustentabilidade, uma tríade de qui o escrutínio minucioso dos requisitos da sustentabilidade.
50
para
É
a sua implem entação x
ex
E
R
estõesd se deve esquecer que, consoante o inciso I do citado art.
sempr e que Os
s
contrataçõe públicas. ç Itosa nas licitações e da Lei nº 9.784/99, a motivação é impositiva
s
m
UmaE primei
licitação. oa questão
e atos administrativos negarem, limitarem ou afetarem direito
concerne aos antecedentes d
doe izer, antes deElasela ser levada a efeito, impõ !- e interesses.
o ao
e m Ora, nas atuais circunstâncias, nada está mais expost
a o indagação típica da sustentabil
Sirena
idade: ) É a
o e apresenta benefícios que supera exame dos efeitos e do impacto sobre os direitos, sobretudo
que
público s diretos e indiretos? Considerou o administ ad dos efeitos e do impacto sobre o direito ao futuro, do
luz do princí pio
; COM esmero e capaci ; rador as decisões administrativas escrutináveis à
cálculos (no sentido
confiável do termo) a hi E acidade de “constitucional da sustentabilidade.” Numa frase: o que
l à
medidas de raci
dn E poôtese de resolver a demanda c
dução à ou com o emprego daquilo o afeta o futuro, afeta o direito constitucional e fundamenta
aa a e e ocioso? Mais: a decisão adirdristenas EM sustentabilidade, logo deve ser devidamente justificado.
a- . pa Uma segunda questão típica de desenvolvimento du-
lici-
todas as suas dis No Principio da sustentabilidade dl
En ia
rável envolve a implementação propriamente dita do certame
inclusive as sociais e econômica ? momento de
a solução tatório. Superada a primeira fase, é chegado o
dé esa sistêmi ica ou contribui
: par xné rol
e que só dificultam a vida de Helo adfortnaçaa definir o objeto? e de inserir, no exame da habilitação e no
osa para a
ever TAC E dos critérios de avaliação da proposta mais vantaj
razões de fato e de di- ambiental,
reito, id
do o saia (oferecer
a eleição o das premissas), nessa fase, terá Administração, os requisitos da sustentabilidade
sis-
dEsificare 7 Coerente e consistentemente, o mérito E econômica e social. Requisitos que, mercê da importância
m
Ro o s é
as Jaa que o certame supérfluo ou esa E têmica, na etapa do julgamento das propostas, transcende
e-se: no
— sem excluir — o exame de mera legalidade. Reiter
ado,
de questão que : A a Paço mais ser tolerado. Como se trata
E si pia sd licitação, faz-se apropriado cogitar, projeto básico, quando se cogita de orçamento detalh
is dos custos,
cumpre que, doravante, constem estimativas razoáve
licitações s ustent AVI
ro, de ã apenas 4 sorte que,
de contrataçõea s sust Etriávels aveis, e não diretos e indiretos, relacionados às externalidades, de
ao A A propósi E
pedia no caso específico da licitação para a con-
Bliacheris e Maria Augusta Soares
Rd a Públicos, existe explícita cobrança de ato 52 Vide, com ênfase na dimensão ambiental, Marcos Weiss
Sustentab ilidade na Administ ração Pública: valores e práticas de
onveniência e, por suposto, de sustentabilidade de Oliveira Ferreira (Coord.).
gestão socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
do objeto, habilitação e obrigações
5º Vide, sobre critérios a serem inseridos na especificação
Maria Junqueir a Terra, Luciana Pires Csipai e Mara Tieko
imposta à contr atada, Luciana
sustentáveis: três passos para
Ss Uchida, in Formas práticas de implementação das licitações
Cálculo relativo públicas. In: Murillo Giordan
econômicos.
à estima dos custos ( diretos s ei
e indi ir etos) e benefíci a inserção de critérios socioambientais nas contratações sustentáveis.
f os ambientais, e contratações públicas
ZA sociais e
Santos e Teresa Villac Pinheiro Barki (Coord.). Licitações
Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 225-242.
252 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE —- DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 9 | 253
SUSTENTABILIDADE E O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO
SUSTENTABILIDADE,
RESPONSABILIDADE DO ESTADO E
NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
|
constitucional da sustentabilidade em todo o tecido do sistema |
558 Vide, sobre tal suspensão, Peter M. Senge et al., in Presence: Exploring Profound Change in
People, Organizations, and Society. New York: Doubleday, 2004, p. 29.
JUAREZ FREITAS ;
264| SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 10
265
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
]
xi
. .
É
E
E e DS
59 Vide, por suas didáticas crític : ireito íticas
integrado das políticas a
de Estado, apto reco-
as aos detratores do conceito,
Stéphanie Jumel, in Le développem Jean-Claude Van Duysen e
ent durable. Paris: L'Harmattan, E
nhecer,no isão c crítica
numa revisão íti das teorias clássicas (de Bernard
ias clã pe
2008, p. 165-166.
“O Vide Richard Layard, numa abordagem econô mica, in Felicidade: lições de uma Windscheid, Rudolf Ihering i e md ac inek, ne entrenao ou
ciência. Rio de Janeiro: BestSeller
, + 2008, p. 262: “Também é nova
ânci moralmente certo dar uma ire
sobre direitos titularida
subjejetivos, j a itul e ani
: anto, esse deveria ser um dos princ
materialmente) fundamentais de psaçães paes e Eae :
ipais
» essoas mais infelizes são as menta
doentes. Nós sabemos como ajudar lmente
a maioria deles, mas hoje apenas cerca
recebe tratamento. Nós lhes deve
mos mais do que isso”.
de um quarto uma justa
j à de riscos,
ponder ação i S, cu stosÉ e benefícios, No
iret
* Prefere-se, aqui, a expressão Estad
o Sust indiretos
indi (externalida d
i ades), sociais, ambi eentais e ecoAR ;
seja na formulação, seja na implementação das política
Estado socioambiental e direitos funda
“2 Vide Shepard Krech HI, John Rober
mentais. Porto Alegre: Livr. do Advo
gado, 2010, p. 16. titucionalizadas.
t McNeill e Carolyn Merchant (Ed.).
World Environmental History. New Encyclopedia of
York: Routledge, 2004, p. 471; “Envi
tion combats both the pollution and ro nmental regula-
issues of natural areas and resources, plalaneta
but also allows dré Trigueiro,
igueiro, in1 Mundo sus tentável 2: | novos rumos paraEnd um a
s of natural areas and resources. p. 23: “Segundo dados do pigs er ie
It ad- EN a Eidos Globo, 2012,
'y upon human health and welfare, af
also upon the integrityand quality of ecosystems » In addition, but Eissoitál Clínicas de São Paulo, 3% dos brasileiros, a maior
Promotes conservation, preservati environmental regulation pipa iv; o É É gente que usufrui apenas e o momento ips Es pr ma:
on, and protecti on of the envir
onment”.
En vezes é deixado de lado por não ter nenhuma utilida
JUAREZ FREITAS
266 | SUSTENTABILIDADE - DIREITO AQ FUTURO CAPÍTULO 10
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
| 267
Com efeito, insistir, no século XXI, em disputas que sugerido paradigma proporciona a responsabilidade intergeracional
pressupõem uma noção demasiado antropocêntrica é erro
do Estado em múltiplas facetas, ou seja, à responsabilidade ética,
DS
cognitivo crasso, que pode conduzir a verdadeiras catástrofes ER
jurídico-política, ambiental, social e econômica.
ambientais. Certo, a dignidade humana está contemplada, por
Sob a sua influência normativa, nas relações públicas
exemplo, no art. 3º e no caput do art. 225, mas a Constituição,
e privadas, impende afirmar, preferencialmente de maneira
originariamente, foi além e vedou a crueldade também
contra seres branda e o mais altruísta possível, a eficácia do direitofunda-
não humanos. Dito de maneira frontal, prescreve-se um conjunto
mental ao ambiente limpo, (a) com crescente independência
de pré-compreensões recondicionadoras dá interpretação do
regulatória (preconizada no Capítulo 9; (b) com o Direito
sistema jurídico como fator crucial à obtenção do dinâm
ico Administrativo mais de Estado Constitucional (e da sociedade,
equilíbrio ecológico. Eis que a nova funcionalidade
cogente por suposto) do que governativo; (c) com a sindicabilidade
demanda, a par da intangível dignidade humana, proteger e
plena da motivação (explicitação dos fundamentos de fato e
tutelar o valor intrínseco dos seres conscientes cóntra a cruel.
de direito) dos atos e procedimentos estatais, sob o crivo da
dade, na linha do que prescreve o art. 225 da Carta.
sustentabilidade; (d) com a redução dos males derivados da
Claro, afirmar a intangibilidade da dignidade humana
seleção adversa e do risco moral (fenômenos já descritos) : (e)
é conquista que não pode comportar retrocesso, sem que os
com a superação da cultura eminentemente adversarial; (£)
Estados se rebaixem à condição de seus violadores, às vezes
a com o controle enfático no tocante ao princípio da eficácia
pretexto de neutralizá-los.* O que se quer, contudo, é expan
dir (mais do que singela — e, não raro, paradoxal — eficiência) ;(g)
essa noção para abarcar a proibição de toda e qualquer
com a precaução e a prevenção como tônicas do planejamento
crueldade. Nessa ótica, a nota peculiar do ser humano é tão
e do controle estratégico; (h) com o rigoroso cumprimento do
só a capacidade do pensamento prospectivo de longo prazo,
devido processo (formal e substancial); (i) com a formulação
a diferenciá-lo de outros seres vivos que o acompanham no
consistente e congruente das decisões de longa maturação;
processo evolucionário. Razão somente para fazê-lo mais,
não () com o reconhecimento da plurilateralidade das relações
menos, responsável por aqueles que não conseguem antecipar
jurídicas; e (k) com o reconhecimento do valor intrínseco de
perdas e benefícios.
todos os seres passíveis de sofrimento (não apenas dos seres
Vale dizer, sob o prisma constitucional da sustentabili
dade, humanos). e ed
cumpre retirar de cena o despótico antropocentrismo exacerbado
e Nessa linha, o Estado Sustentável é o da participação
instaurar o caráter intangível da dignidade humana em patamar mais
engajada, garantidor da confiança intertemporal, nas relações
alto, no qual não mais ocorra o desprezo ao valor intrín
seco
dos demais seres que já possuem ciência do sofrimento.
Bem por isso, importa reconhecer e tutelar, coibindo
a 565 brando, entende-se, aqui, influência legitima sem uso da força. Vide, sobre a
perda de biodiversidade, o direito fundamental ao futuro, sob ada soft power, Joseph S. NH im Soft Power: the Means to Success in bg
pena de kafkiano, temerário e desolado alheamento das exi- New York: Public Affairs, 2004, p. 5, ainda que com acepção algo distinta. é e gi
K
empatia, Frans de Waal in The antiquity of empathy. Science, v. 336, n. 6083, p. & Ei
gências do constitucionalismo de ponta. Com efeito, apenas o maio 2012. Vide, ainda, para estimular a reflexão sobre grupo e instintos sociais, Edw:
Wilson, in The social conquest of earth. New York: Liveright, 2012.
56 Vide Yvette Lazzeri e Emmanuelle Moustier, in Le développement pda du e
à la mesure. Paris: L'Harmattan, 2008, p. 23: “Le développement durab SR ses
4 Vide, sobre o tema, entre tantos, Dieter Grimm, in À Vengagement de tous. La participation des citoyens et le partenariat de tous oEee a
dignidade humana é intangível. Revista
de Direito do Estado — RDE, v. 4, n. 19/20, p. 14, jul./dez. 2010. de la société sont nécessaires à la durabilité sociale, économique et environnem
développement”.
; JUAREZ FREITAS ! CAPÍTULO 10 | 269
268 | SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
públicas e privadas. É o Estado da continuidade univer- Para além disso, o Estado Sustentável é fiscalmente
salizante da prestação de serviços públicos e da vinculação idôneo, isto é, não abre mão de planejar e de poupar (em vez
da discricionariedade à priorização tópico-sistemática dos de hipertrofiar o custeio) para dispor dos recursos necessários
princípios e direitos fundamentais. É o Estado que controla/ ao complexo de investimentos estruturais em prol do desen-
fiscaliza, sem estabelecer o império do medo. É.o. Estado que volvimento duradouro e do aumento da produtividade. Dito
pode transacionar, com os devidos cuidados, sem colocar
em. de outro modo, o Estado Sustentável é o oposto do Estado
risco O genuíno interesse universalizável. cujas raízes viciadas são bem conhecidas. Atua como guar-
É o Estado do tempo útil, que considera preferenciais dião da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais
ja mediação, a arbitragem, a resolução célere e tempestiva de das gerações atuais e futuras, com política equalizadora deli-
conflitos. É o Estado que não chancela manobras procrastina- berada, meta clara de diminuir as injustificáveis diferenças de
tórias e zela pela duração razoável dos processos. É, ainda, renda e o ânimo consciente de evitar, com incentivos ou rigor,
o Estado da racionalidade aberta à governança global” e ida “tragédia dos comuns”.*º
ao alargamento da cidadania, em lugar do patrimonialismo É Pa é, como sublinhado no capítulo ante-
fechado e narcísico. Todavia, convém não ter ilusão: o Estado rior, o Estado do direito fundamental à boa administração”? e
sustentável não pode ser o velho Estado-nação, que cogita da sustentabilidade como princípio constitucional, que começa
ingenuamente de soluções autárquicas e fechadas, isto é, ase ancorar expressamente na legislação, como sucedeu, para
sem encaminhamento das propostas que contribuam à causa ilustrar, com a redação dada ao art. 3º da Lei de Eetiaçoes ou
unificada da sobrevivência e da justiça, como bem com o advento da Lei de Mobilidade Urbana, art. 5º. TI.
observa
Zygmunt Bauman.
O “global” tem de ser “local”, mas a recíproca é verda-
deira. Soluções isoladas e provincianas perdem o fio da sis- 10.2 Releitura da responsabilidade
tematicidade. É dizer, cuidar da sustentabilidade econômi
ca,
Por todo o exposto, para que se instaure o Estado Sus-
por exemplo, não pode ser feito sem o cuidado das vantagens tentável, relevante que não persista o acintoso quadro de
comparativas. Já a sustentabilidade ambiental tem de ser de- omissivismo inconstitucional, especialmente nas relações
fendida para além das fronteiras. Por sua vez, a sustentabi- administrativas e ambientais (exemplificando: os editais pre-
lidade jurídico-política exige adicionais mudanças no plexo cisam, como sublinhado no capítulo anterior, incorporar 0s
normativo, sem ignorar a evidente internacionalização das critérios paramétricos de sustentabilidade; a população ao
fontes jurídicas. pode continuar a ser envenenada pelo enxofre em nossas ruas,
o transporte coletivo deve ter a primazia; os a
não podem ser dados com o fito exclusivo no crescimen a E
57 Vide, sobre a dimensão global da cidadania e a problemat
ização da noção de Estado curto prazo; as reformas estruturais, que ampliam a Bro uti
vidade, não podem tardar, à espera da próxima crise; novos
soberano, Klaus Bosselmann, in Institutions for Global Governanc
e. In: Colin L. Soskolne
(Ed.). Sustaining Life on Earth: Environmental and Human Health through Global
Governance. Lanham: Lexington Books, 2008, p. 13-21.
** Vide Zygmunt Bauman, in A ética é possível num mundo de consumido
res? Rio de Janeiro:
Zahar, 2011, p. 114: “As causas de sobrevivência e de justiça,
frequentemente em conflito
entre sino passado, apontam agora na mesma direção, demanda 569 Vide Garrett Hardin, in The Tragedy of the Commons. Science, Sp; cit., P. Ca ai
m estratégias semelhantes
e tendem a convergir numa só causa; e essa causa unificada
não pode ser perseguida sm Vide Juarez; Freitas, in Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa
(muito menos satisfeita) localmente e por esforços apenas locais”. nistração Pública, op. cit.
JUAREZ FREITAS
270 | SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 10 271
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
de maneira isonômica,” precisa ser reequacionada à luz Resultado: o primado do direito fundamental à boa
x
forte
do primado eficacial do direito fundamental à boa
adminis- "administração demanda assimilar, vez por todas, o ns
tração e da correspondente ultrapassagem da dominação de
vontades particularistas, pouco ou nada
cípio da sustentabilidade como intimamente associado à
propensas a acolher a proibição de excessos e à simultânea vedação de inércia ou
proba impessoalidade e o horizontes projetado da
intergeracional, no âmbito da gestão pública.
equidade * inoperância das medidas determinadas pela Constituição. De
fato, juntamente com a perspectiva iii da Ae
intertemporal, impõe-se afastar o culto irracional e a a a
10.2.3 Conceito de responsabilidade do Estado: status quo** arbitrário (por ação ou por omissão), e e E
o | impede as políticas de menor custo e de maiores bene
nexo causal
Nesse prisma, a responsabilidade do Estado merece
ser reconceituada como o dever das pessoas
jurídicas de 10.2.3.1 Excludentes do nexo causal
direito público e de direito privado prestadoras
de serviço Nessa perspectiva, o Estado Sustentável, sem Stud à
público lato sensu de prevenir danos incidentes
sobre as atuais autonomia individual,* será responsabilizável Ea
e futuras gerações e, se for o caso, inden
izar e compensar, não apenas pela conduta comissiva (ação), mas tam a! F -
independentemente de considerações sobre :
culpa ou dolo,
todos os prejuízos materiais ou imateriais, indi omissão causadora de danos desproporcionais. Natura e
viduais ou “admitidas as excludentes do nexo causal, a saber: (a) a cupa
transindividuais, causados desproporcionalmente
a terceiros
por seus agentes, nessa qualidade, por ação ou omiss exclusiva da vítima (excludente total); (b) a culpa concorrente
ão.54 “da vítima (excludente parcial); (c) o ato ou fato de e
(excludente, no geral das vezes, embora haja casos É fi
* A preservação da igualdade de ônus está na gênese
da responsabilidade da Administração ponsabilidade civil do Estado decorrente diretamente a E
em que pese o dano ter sido produzido por jerce nor; se
perante suas possíveis vítimas. Vide, apenas
para ilustrar, sobre os fundamentos da
responsabilidade administrativa, Pierre-Laurent
Frier e Jacques Petit, in Précis de droit e que E
administratif. 5 éd. Paris: Montchrestien, 2008, p. 532. a força maior (irresistível) ou o caso fortuito (des
atribuível a razões internas); e (e) a impossibilidade mota a
2 Vide o capítulo sobre responsabilidade em
Juarez Freitas, Discricionariedade administrativa
o direito fundamental à boa e
Administração Pública, op. cit.
“3 Vide Hans-Georg Gadamer, in Verdade e método,
op. cit. v. 1, p. 400, ao assinalar, com acerto, de cumprimento do dever (como assinalado, não basta a
embora noutro enfoque: “Aquele que não tem um horizonte é
suficientemente longe e que, por conseguinte, superva um homem que não vê
loriza o que lhe está mais próximo”.
No enfoque aqui adotado
, o horizonte projetado de longo prazo, não
tradição, é que auxilia a compreender melhor as novas apenas baseado na
funções do Estado. ári de hospital
o exercício de suas atribuições no berçário i úbli
público. ei o
ão de todos
& Vide, por ser caráter emblemático, STF. RE nº
495.740-AgR/DE, 2º Turma. Rel. Min. Celso E ressupostos primários determinadores do reconhecimento de ERR
de Mello. Julg.15.4.2008. DJe, 14 ago. 2009: “A jurisprudência dos bioliva
o FE poder público, , o que faz emergir o dever de indenização pelo dano p
reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Tribunais em geral tem
poder público nas hipóteses em que o ou patrimonial sofrido”. E
eventus damni ocorra em hospitais públicos (ou 5 Vide, a respeito do apego ao status quo, a as farta no Capítulo 6. beato
mantidos pelo Estado), ou derive de tra-
tamento médico inadequado, ministrado por funcionário público 56 Vide Christine Jolls e Cass R. Sunstein, im oa Through ita ma
, ou, então, resulte de
conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) À
imputável a servidor público com atuação na : “A more fundamental concern wi
área médica. Servido ra pública gestante, que, no desempenho de suas à ton be)
foi exposta à contaminação pelo citomegalovírus, atividades laborais, Sêi indivi dual autonomy. When government t isi is «engaged di in (w' : hat it considers
Ives dr S
simples alegação de reserva-do possível, porque se im RE Público ou de seus delegados. Consoante esse raciocínio, as
nutrir, como regra, reservas à reserva do possível). 4 f
condutas 'comissivas e omissivas, uma vez presente o liame
causal, serão sempre antijurídicas em sentido sistêmico, ainda
quando “lícitas” em sentido estrito ou quando consideradas
10.2.3.2 Responsabilidade por ação e omissão apenas as condutas dos agentes. E o serao justamente por
Ora bem, se a responsabilidade do Estado pode ser violarem o núcleo de direitos fundamentais, inclusive nos
traduzida como obrigação de evitar, reparar ou compensar, casos de execução equivocada da norma ou de aplicação da
independentemente de culpa ou dolo do agente, os danos Jei, cuja inconstitucionalidade tiver sido supervenientemente
materiais e imateriais, individuais ou coletivos, causados declarada.
a terceiros (não necessariamente usuários de serviços pú- Ao que tudo indica, não há nada de substancial, em
blicos),” por ação ou omissão desproporcional, não faz sentido nosso sistema, que justifique tratamento radicalmente distinto
separar regimes para condutas omissivas e comissivas. entre ações e omissões. Ambas as condutas podem afetar di-
Bem observada, a responsabilidade do Estado é una. Nessa reitos fundamentais, prejudicando o princípio constitucional
leitura sistemática do modelo constitucional, o que se afirma da sustentabilidade, dado que a responsabilidade reclama,
é a presunção juris tantum do nexo de causalidade, viáveis as assertivamente, O proporcional cumprimento dos deveres rela-
excludentes, tanto em relação às condutas comissivas como cionados à tutela direta e imediata da totalidade dos direitos
no atinente às omissivas. Tal presunção de causalidade nasce fundamentais das gerações atuais e futuras, igualmente
da Constituição e do seu reconhecimento da vulnerabilidade titulares de direitos. Assim, na esfera ambiental, significa,
presumida das possíveis vítimas do descumprimento dos entre outra coisas, a responsabilidade objetiva do Estado por
deveres de sustentabilidade multidimensional. danos causados por ação e por omissão fiscalizatória, na ade-
Vale dizer, o particular ou suposta vítima, é que se pre- quada intelecção dos arts. 3º, IV, e 14 da Lei nº 6.938/81, em
sume veraz na afirmação do nexo. As presunções de legiti- harmonia com a Carta.
midade e de veracidade, nessa situação, têm de vir em defesa Nessas bases, à vítima de hoje (ou à futura, com alguém
das vítimas (atuais ou futuras) das condutas lesivas do Poder em nome dela) incumbe somente alegar a antijuridicidade
das políticas públicas insustentáveis, ora pelo cometimento
de excessos, ora pela não menos nociva — e costumeira até
*º Vide STJ. REsp nº 1.051.023/RJ, 1º Turma. Rel. Min. Francisco Falcão. Rel.
Teori Albino Zavascki. Julg. 11.11.2008. DJe, 1º dez. 2008: “art.
p/ Acórdão Min. — inatividade. Tal releitura estratégica (não apenas tática)
37, 86º, da Constituição,
dispositivo auto-aplicável, não sujeito a intermediação legislativa ou
administrativa para
da responsabilidade não ignora os efeitos cumulativos. Não
assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Não cabe invocar,
tal responsabilidade, o princípio da reserva do possível ou a insuficiênc
para afastar foge do exame prospectivo dos danos. Afinal, no presente estágio,
Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação
ia de recursos.
da Administração ou o risco maior é o da omissão que pouco ou nada faz, fingindo fazer
dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado, caso
em que os recursos finan- o máximo possível. A
ceiros para a satisfação do-dever de indenizar, objeto da condenação
, serão providos na
forma do art. 100 da Constituição”. Assume-se, portanto, posição progressista de afirmação
*º Vide STF. RE nº 591.874/MS, Pleno. Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
Julg. 26.8.2009. DJe, 18
dez. 2009: “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado do paradigma da sustentabilidade, que empurra o Estado para
prestadoras
de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários, e
não usuários do serviço, além das fronteiras e da “zona de conforto”, forçando-o a redu-
zir despesas correntes para que sobrem recursos destinados às
segundo decorre do art. 37, 86º da CF. A inequívoca presença do nexo
'de causalidade
entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não usuário do serviço
público é
áreas nevrálgicas, no ritmo certo e na escala de tempo maior.
reito privado”.
280 | JUAREZ FREITAS À
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO CAPÍTULO 10 | 281
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA.
numa omissão q ue negligl enc o se tra- podem suplantar as razões sérias da Constituição e“* do Estado
i i E Par
Rbteenç
obt re ão efica Ze razoáví el dos os Rn a a Sustentável.
fi
fins e objeti
jeti vo S cons-
(b) a abstenção estatal é necess
b
um.
n-
prejudica direito ou interesse legítimo (individual ou transi
me. Lu A
se trata
r
É E 4
sado ,
Rn Et q pe 0a sua causa for, parcia
l ou total- o vetusto e rígido corte dicotômico entre atos lícitos e ilícitos
a a puras seus, nessa qualidade em sentido estrito. Dessa responsabilidade, assim balanceada
ab pad utas desproporcionais par
a mais e intertemporalmente concebida, defluem as seguintes
nos. A indenização será principais observações:
proporcional
? exo i 4 (a) O dever de sustentabilidade faz com que a vítima
(b)
O princi
Principio da responsabi
atual ou futura, em razão de sua presumida vulne-
a
objeti
cr
lidade ext
racontratual rabilidade (por força da Constituição), não tenha o
va E Eai do Estado coíbe a arbitrar
atal omissiva ou comiss
ie- ' ônus de provar a culpa ou o dolo do agente, nessa
'excludentes:* a presunção
iva, mas admite qualidade. Suficiente que nada exclua, no curso do
não é de culpabilidade processo, a formação do nexo causal direto entre
mas do nex
iro de causalidade. O omiss ivi
de dano juridicamente iníquo S a ação ou a inatividade e o evento danoso. Entre-
da
tanto, a responsabilidade objetiva não é entendida
E
cionaliA veda mop
i erânci
ância na implementação como imputação cega do dever indenizatório. Tal
Politicas essenciais ao desenv
olvimento dai entendimento mostrar-se-ia conducente ao destem-
vel e aà concreti
tdo zacã
E ção do dirire eito fundamental à> boa pero do risco absoluto.
Ra
SO), in A nova separação dos poderes. Rio
Vide a: S vária 4 No ponto específico, assiste razão a Bruce Ackerman,
séria para o Estado moderno deve
603 A
i s posiiçÕ
ções a respeito in Juarez Freit Juris, 2009, p. 75: “Uma Constitu ição
a de Janeiro: Lumen
São Paulo: Malheiros , 2006. e(Org). Responsabilidade civil do Estado para assegura r que as pretensõ es burocráticas atinentes à
tomar medidas contundentes
técnica não sejam simples mitos legitimadores”.
UAREZ FREITAS CAPÍTULO 10 | 285
284 | STENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
(b) Sem precisar lançar mão do conceito de “culpa anô- assim, renovada e fortalecida, a teoria E
Ressurge,
nima” (não individualizável) em sede de respo pe -
nsa- responsabilidade extracontratual do Estado, mise
bilidade pelas condutas omissivas do Poder Público, sta pe
rincípio da sustentabilidade, segundo o qual o
a omissão do cumprimento (ou o desidioso cumpri- EP
dever de zelar pela natureza, em sua multidimensiona ida
mento) do princípio constitucional da susten
tabili- (nela incluída a espécie humana), vista qualquer omissão como
dade gera o dever de indenizar ou de compensar.
inconstitucional, ao afetar o âmago dos direitos fundamentais,
Desaconselhável enquadrar a omissão como
simples com a quebra da prevenção ou da precaução.
condição para o evento danoso, tampouco concebê-
la como mera situação favorável à ocorrência de
prejuízo. A omissão carrega o frustrado princípio ativo 10.4.1 Princípio da prevenção
do dever estatal não cumprido, em relação às gerações
presentes e futuras. A propósito, eis o princípio da prevenção, nos seus a
mentos centrais: (a) alta e intensa probabilidade ae e
dano especial e anômalo; (b) atribuição e po Êo
Poder Público evitar o dano social, econômico ou E len :
10.4 Princípios da prevenção e precaução
e (c) ônus estatal de produzir a prova da excludente do nex
De fato e de direito, o Estado Sustentável não pode chegar idade intertemporal.
C
tarde. O certo é defender que o Poder Público ostenta antevê-se, com segurança, o
à obri- E pn os SS DOStOS
gação de trabalhar para o ambiente (institucional e
natural) resultado insustentável e, correspondentemente, nos limites
duradouramente sadio, respeitada a “prioridade absol
uta” das atribuições, configura-se a obrigação de o Estado eee
nos termos expressos da Constituição, no art. 227.5
as medidas necessárias e adequadas, interruptivas da rede
Fr
A inobservância desse dever também configura, ou, vigilância toxicológica para combater os males agudos e
ao menos, tem o condão de configurar, omissão antijurídica, crônicos causados pela exposição excessiva a agrotóxicos.
específica, certa e anômala. Com efeito, à semelhança do que No caso, a certeza do dano não comporta tergiversações. Há
sucede com a ausência de prevenção exigível, a falta ou falha
* certeza, nesse momento, de que determinado prejuízo ocorrerá
de precaução pode gerar dano (material e/ou moral) injusto (milhares de mortes anônimas e invisíveis), se a rede de causa-
e, portanto, indenizável, embora dispendiosamente absorvido fidade não for tempestivamente interrompida. Dad
pela castigada massa dos contribuintes. O ponto relevante é que não se admite a inércia do Es-
Dito isso, para dissipar confusões terminológicas rema- tado, sob pena de responsabilização proporcional. A omissão
nescentes, assim como ocorrem entre risco e perigo, convém significativa passa a ser vista como causa jurídica do evento
distinguir, com nitidez, os princípios da prevenção e da pre- danoso, não mera condição. Ou seja, na esfera jurídica da
caução. prevenção, antevê-se, com segurança, O resultado negativo
e, correspondentemente, nos limites das atribuições, Gap a
obrigação de o Estado tomar as medidas interruptivas da rede
10.4.3 Aplicabilidade dos princípios da prevenção e causal, de molde a evitar o dano antevisto.
precaução : Ainda para ilustrar: imprescindível, em larga escala,
“8 Sobre a distinção entre perigo e risco, vide Ulrich Beck, in Políticas ecológicas en la edad de
riesgo: antídotos: la irresponsabilidad organizada. Barcelona: E] Roure, 99 Vide, a propósito, Karina Ninni, in As invasões bárbaras. O Estado de S.Paulo, São Paulo,
1998, p. 115. p. H4-H5, 23 fev. 2011.
,
CAPÍTULO 10
| 289
288 | jAREZ FREITAS
ETENTABILIDADE — DIREITO AO FUTU
RO SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
como dever de o Estado motivadamente evitar, nos limites de o Princípio 15: quando houver ameaça de danos certos ou
suas atribuições e possibilidades orçamentárias, a Produção: ! reversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve
de evento que supõe danoso, em face de fundada convie E utilizada como razão para postergar medidas destinadas
ção.
(juízo de forte verossimilhança) quanto ao risco de, não sendo "aprevenir a degradação.
interrompido tempestivamente o nexo de causalidade, ocorrer Pois bem: em consórcio com os princípios da prevenção
o prejuízo desproporcional," isto é, superior aos custos da eda precaução, o princípio constitucional da en
contra
eventual atividade interventiva.“!! “ prescreve O fim da prepotência do imediatismo, na luta
No cotejo com o princípio da prevenção,*? a diferença os maiores fatores de risco paraa espécie humana, peito
reside apenas no grau estimado de probabilidade da ocorrên- quais, para ilustrar, as manipulações, as fraudes e as avaliações
negligentes de risco no mercado financeiro. ne
cia do dano irreversível ou de difícil reversibilidade (certeza
versus verossimilhança). Nessa medida, o Poder
Tal cortejo de males não pode ser exitosamente ataca
Público,
para concretizar o princípio da precaução, age na presunção -
4
com a miopia! dos imediatistas empedernidos que, no gera!
pro-
— ligeiramente mais intensa-do que aquela que o obriga a das vezes, conspiram para confirmar as mais tenebrosas
das atribui ções, que
prevenir — de que a interrupção proporcional e provisória fecias. Exige-se, desse modo, nos limites
do nexo de causalidade consubstancia, no plano concreto, o poder regulatório da sustentabilidade cumpra, com ea
atitude mais vantajosa do que a resultante da liberação do os deveres de prevenção e de precaução, ensejando ambiente
liame de causalidade. amigável para as relações entre os seres vivos, sem prejuízo
os de autorregulação.
No sistema brasileiro, o princípio da precaução brota
E Fon influxo de = princípios, o Poder Público tem o
do art. 225 da Constituição e aparece, para ilustrar, na Lei de
direito-dever de, arrimado em sólidos fundamentos Ro
Biossegurança (Lei nº 11.105/2005, art. 1º). Internacionalmente,
e de direito, impedir a configuração do liame de causali e
podemos localizá-lo, nos anos 1960, por exemplo, na Suécias
danosa, ao longo do tempo. Disso resulta, com exata dose de
prudência, autêntica mudança paradigmática: os princígios
e na Alemanha. Entretanto, força destacar a Declaração Rio-
92, que o estabeleceu,“ ainda que em linguagem imprecisa, da precaução e da prevenção, vivenciados com ânimo de pro e
homeostase social, abrem espaço obrigatório para o cumprimento
So Vide, entre tantos, Ana Gouveia e Freitas Martins, in O princípio da precaução no tempestivo da Agenda da Sustentabilidade. Í E
direito do
ambiente. Lisboa: AAFDL, 2002, p. 88.
Força, nessa linha, incorporar a noção de responsabi
(ética, social, jurídico-política, “ambienta
1 Sobre custo economicamente aceitável, vide Bernard Dobrenko, in A caminho
fundamento para o Direito Ambiental. In: Sandra Akemi Shimada Kishi, Solange Teles da
de um
dade multidimensional
Silva e Inês Virgínia Prado Soares (Org.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos e econômica) do Estado por ações e omissões, a quem incumbe a
prova das eventuais excludentes. De ordem a evoluir para
em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 70.
92 Vide François Ost, in O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1999, p. 40, 343. Entre nós,
sobre diferenças entre prevenção e precaução, vide José Rubens Morato Leite e Patryck de uma performance estatal que cuide da salvaguarda Rc
poral dos direitos fundamentais relacionados ao ambiente
Araújo Ayala, in Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária
,
2002, p. 62. Vide, ainda, Marcelo Abelha Rodrigues, in Instituições de direito ambiental. São
Paulo: M. Limonad, 2002, p. 149. A propósito de visão crítica contra maximalismos em
matéria de precaução, vide Paulo de Bessa Antunes, in Princípió da precaução: breve ictaicão
nda E al à boa Administraç
também ao nosso Discricionariedade administrativa e o direito fundament
análise de sua aplicação pelo Tribunal Regional da 1º Região. Interesse Público, v. 9,
n. 43,
p- 41-74, maio/jun. 2007. s el a
Pública, op. cit.
13 Vide o Swedish Environmental Protection Act, de 1969. o de e da e E
615 Sobre ê tema da “miopia” temporal, vista como “atribuiçã a
4 Vide Juarez Freitas, in O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais, op: cit., i
intenso ao que está á m
mais a i óximo
próximo de nós m n no tempo, em E
detrimento
de ou
Capítulo 1, no qual foram inseridos os princípios da prevenção e da precaução na regência valor do amanhã: ensaio sobre
encontra mais afastado”, vide Eduardo Giannetti, in O
das relações de administração pública. Não por acaso, a abordagem, neste capítulo, remete reza dos juros, op. cit, p. 174.
CAPÍTULO 10 | 291
JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
290 | SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
saudável, especialmente para lidar, por exemplo, (a) com Dessa maneira, poder-se-á melhorar sensivelmente a
desastres naturais, nas cerca de quinhentas áreas de risco noM performance brasileira, nos indicadores do Environmental
Brasil, que envolvem cinco milhões de pessoas, como deter. Performance Index,ºº mirando firmemente nos progressos de
mina o Estatuto da Cidade, recentemente alterado pela Lei * outros países. Somente para ilustrar: aproveitar-se-ão as expe-
nº 12.608/2012; (b) com o Direito Administrativo da Saúde " siências positivas da Suíça, que resguarda a biodiversidade e
observados os valores mínimos do produto da arrecadação “mantém belo quadro de mobilidade sustentável. Observar-se-á
de tributos a serem aplicados em ações e serviços de saúde a Letônia, com os seus programas de agricultura sustentável
pública, de acesso universal e gratuito, consoante a Lei Com- e redução dramática de agrotóxicos. Da Noruega, assimilar-
plementar nº 141/2012; (c) com o reconhecimento ao direito se-ão poderosas inovações tecnológicas e a conservação de
subjetivo oponível ao Poder Público de obter o saneamento recursos naturais. De Luxemburgo, poder-se-á reter o conjunto
ambiental, a reordenação urbana,“ o tratamento de resíduos de programas de estímulo a veículos ecológicos, assim como
o abastecimento de água potável, o esgotamento e tudo o mail de incentivo à energia solar. Da Costa Rica, assimilar-se-á o
que se impõe como prioridade para tornar o meio sadiamente empenho no reflorestamento eno emprego das energias alter-
habitável; (d) com a vigilância sanitária mais aguda, associada nativas. Da Áustria, pode-se evocar o exemplo de estímulo à
à garantia de alimentação adequada, isenta de contaminação; formação de jardins. Do Reino Unido, poder-se-á aproveitar o
(e) com a transparência. online da execução orçamentária, E exemplo de liderança em matéria de enfrentamento das mu-
tempo real (como determina a Lei Complementar nº 141/2012 danças climáticas. Da Suécia, poder-se-á emular a produção
art. 31); (f) com as obrigatórias licitações sustentáveis em aqui- de bioenergia, e assim por diante.
sições e obras públicas (como versado no capítulo anterior); Como se nota, experiências positivas não faltam, a de-
(g) com a reserva à reserva do possível, no atendimento aos monstrar que é perfeitamente possível transcender a simples
deveres de educação inclusiva e de qualidade; (h) com a re- reforma de gestão dos processos. Precisamente por isso,
gulação confiável do mercado de capitais, de maneira a evitar requer-se a completa releitura da responsabilidade multi-
pirâmides e bolhas fraudulentas; (i) com o fomento à economia dimensional do Estado Sustentável, no intuito de conferir
ambientalmente correta, via realinhamento de 'incentivos;” eficácia ao direito fundamental à boa administração pública,
()) com o direito fundamental à moradia, inclusive com o em tempo útil e de ofício, a partir da encarnação do princípio
emprego de imóveis públicos para fins de regularização fun- constitucional da sustentabilidade, nos moldes aqui sugeridos.
diária; (k) com eficiência e eficácia da mobilidade urbana, de
modo que o transporte público goze de primazia; e (1) com 10.5 Interpretação jurídica à luz do princípio da
o ambiente de trabalho decente.
sustentabilidade
Todo o preconizado pressupõe uma nova interpre-
tação jurídica. Há, nessa abordagem, declarada e assumida
Si Vide, a propósito, Clovis Beznos e Márcio Cammarosano (Coord.). Direito ambiental e urba-
nístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte:
Fórum, 2010. “pré-compreensão”“ de que o intérprete/aplicador do Direito
” Vide Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, in Nudge: Improving Decisions about Health,
Wealth, and Happiness, op. cit., p. 202: “Quando os incentivos estão mal alinhados, é
apropriado para o governo consertar esse problema realinhando-os (...). A maioria dos al.,
1% Vide, sobre o ranking em que o Brasil figura em trigésimo lugar, John W. Emerson et
especialistas acredita que os sistemas desse tipo, baseados em incentivos, devem substituir
in Environmental Performance Index and Pilot Trend Environmental Performance Index. New
regulamentações de comando e controle. E nós concordamos. Abordagens baseadas em Haven: Yale Center for Environmental Law and Policy, 2012, p. 10.
incentivos são mais eficientes e eficazes, e também aumentam a liberdade de escolha”.
e Pré-compreensão, que, sob certo aspecto, constitui a realidade histórica do ser, como
8 Vide a Lei nº 12.587/2012, art. 6º, VI. adverte Hans-Georg Gadamer, in Verdade e método, op. cit. v. 1, p. 368.
JUAREZ FREITAS
CAPÍTULO 10 | 298
2992
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
deve estar a serviço daquelas políticas que favorecem a cita Logo, a melhor abordagem hermenêutica nunca será
da “experiência vivida” do bem-estar. Significa, a partir daí, a da cultura apressada, na expressão de Stephen Bertman,*
reorientar as prioridades, de molde a estimular escolhas be à mas aquela candidata a universalizar (via defesa, via prestação
diferentes das usuais. 4 estatal, via participação), o desenvolvimento como liberdade
Nessa perspectiva, o contraste pode ser elucidativo. Na (em termos de avaliação e de eficácia, como pondera Amartya
interpretação sustentável: Sen)! e igualmente como equidade intergeracional. Noutros
(a) o não-reducionismo sistemático e complexo ocupa o lugar termos, reequilibrará as visões deontológicas (voltadas para o dever)
do simplismo fetichista da lógica do comando e controle: com as consequencialistas (voltadas para os efeitos futuros).
(b) a equidade intertemporal passa a ser o foco preponderante Justamente nesse enfoque mais rico, tendo em conta
o sistema constitucional brasileiro, eis, resumidamente, os
de atenção, em vez das soluções conformistas ad hoc
que não se deixam universalizar; pontos centrais para a interpretação jurídica sustentável:
(a) importa que a discricionariedade ou a liberdade do
(c) a conexão dialética entre sujeito e objeto e a racio-
intérprete esteja vinculada aos princípios e direitos fun-
nalidade intersubjetiva assumem o lugar do domínio damentais das gerações presentes e futuras, uma Vez
senhorial e absolutista da racionalidade instrumental; encontra-se, quando
que toda discricionariedade
(d) a reintegração do homem à natureza como sistema vence legitimamente exercida, vinculada ao princípio da
a contraposição entre o humano e o natural; sustentabilidade;
(e) a causalidade, considerada sistemicamente, com atenção (b) urge que 0 intérprete conheça — para vencer, de modo
às externalidades, sobrepuja o velho nexo causal linear incisivo — as falácias e armadilhas, apontadas no
e imediatista; Capítulo 6, no processo de tomada da decisão;
(f) o desenvolvimento gerador de bem-estar destrona, no (c) suplantado o extremismo textualista simplificador
balanceamento de valores e princípios, o culto dos (tão errôneo como negar a alteridade do texto nor-
bens posicionais, a degradação de nosso habitat e mativo), força reconhecer que, para além da dicotomia
a perda tenebrosa dos serviços ecossistêmicos; rígida entre sujeito e objeto, a intersubjetividade ou inte-
(g) o qualitativismo das avaliações de impactos passa a ser ratividade é nota característica e ineliminável do processo
mais relevante do que o quantitativismo dos escru- de compreensão sustentável, mormente em face de dis-
tínios utilitaristas convencionais; e curso constitucional que acolhe o catálogo aberto de
(h) o ativismo da Constituição, conciliador de universa- direitos fundamentais.
Na presente cultura nebulosa e prenhe de ardis, crucial
lismo e particularismo (tópico e sistemático), passa
robustecer o caráter libertário (no sentido alto do termo) da in-
a ocupar Os lugares do passivismo cúmplice e do
terpretação efetivadora da sustentabilidade multidimensional,
ativismo invasivo e ilegítimo.
Praeger, 1998.
823 Vide Stephen Bertman, in Hyperculture: the Human Cost of Speed. Westport:
da frase, a obra de Amartya Sen, in Desenvolvi mento como
es Vide, sobre o primeiro elemento
“1 Vide, entre as principais máximas ecológigicas, Michael imento por
i L. Cain,
i William D. Bowman e Salh liberdade, op. cit., p. 18: “A liberdade é central para o processo de desenvolv
D. Hacker, in Ecologia. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 10: “A vida seria impossível ses verificando-se
duas razões: 1) A razão avaliatória: avaliação do progresso tem de ser feita
interações entre as espécies”. lmente se houve aumento das liberdades das pessoas; 2) A razão da eficácia:
primordia
condição de agente das
gi a realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre
pessoas”,
CAPÍTULO 10 | 295
29, 4 | JUAREZ FREITAS
ÃO JURÍDICA
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇ
equidade intergeracional, eficiência subordinada à eficáci comuns a gerações presentes e futuras sejam o
dinâmico equilíbrio ecológico. Pretende-se, por outras sa : fundamento e o ápice da ordem jurídica, tendo o
vras, a observância do complexo axiológico da Constituição e condão de suspender a eficácia de determinadas
o que é mais, o primado dos princípios e direitos fundamentais E regras, quando estritamente necessário para asse-
várias gerações. E que, sobremodo em face da crise ambien gurar a efetividade das metas intertemporais do
sem precedentes, a hierarquização axiológica, em prol da suste sistema.“ Deve oferecer, dessa maneira, observância
tabilidade, precisa condicionar a subsunção normativa, com a elei ã crítica (sem subserviência volúvel)* aos objetivos
de novas premissas. Dessa maneira, credenciar-se-á a resdifça duradouros e permanentes da Carta, conferindo des-
o sistema constitucional, com sucessivos ajustes, patrocinado taque ao monitoramento contínuo de metas. Levar
por estilo de pensamento intertemporalmente congruente ] à vida real os objetivos e valores constitucionais,
Como acentuado, sobem de ponto princípios funda t
a longo prazo, é dever do intérprete que pretende se fosse imune a flutuações, na ótica do equilíbrio
ampliar, de maneira solidária, a qualidade de vi- dinâmico de longa duração; Ras
da.” Nessa medida, preferível afirmar que cabe (b) Uma interpretação constitucional sustentáv el é aque-
ao
intérprete positivar um sistema humanizador sem la que sacrifica o mínimo para preservar O a
antropocentrismo forte, ideal para melh
orar a sorte dos princípios e direitos fundamentais, veda e
da espécie humana e para banir a crueldade contr ações e omissões causadoras de danos a presentes
a
todas as formas de vida.“ É próprio do intér
prete, e futuras gerações. Como sublinhado, uma vez
nesse sentido, ser um dos guardiões das
presentes e presente o vício por ofensa ao princípio da susten-
futuras gerações,“ sem que prescrições (ou ausên tabilidade, materializa-se o dano anômalo, ainda
cia
delas) estabeleçam limitações rígidas, impeditivas que a conduta do agente possa ser catalogada como
de revisões periódicas ou de exceções fundamenta- “lícita”, em sentido estrito. De mais a mais, Res
das, sempre que o exigir o desenvolvimento dura- uma aplicação do princípio da o l H em
douro.“ Nada pode ser fixista e impermeável como consórcio com o da proporcionalidad e, viabiliza a
tempestiva: prevenção ou precaução, conforme as
circunstâncias. Numa frase: a conduta en
índole meramente econômica, ainda mais se se
tiv: er presente que a atividade econômica, ou omissiva) insustentável será inconstituciona
considerada
(por abuso ou inoperância), ao violar, no âmago, o
a disciplina constitucional que a rege, está subordinada,
cípios gerais, aquele que privilegia a “defesa do meio dentre outros prin-
ambiente” (CF art. 170, VI), que traduz
conceito amplo e abrangente das noções de meio ambient ireito ao futuro;
e natural, de meio ambiente
cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano)
trina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de
e de m eio ambiente laboral. Dou-
(c) E id constitucional E se
nature: za constitucional objetivam
viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que
atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitá
não se alterem as propriedades e os desprezar o texto, avança para além da sua g ê
segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população,
vel comprometimento da saúde,
além de causar graves danos eco- imprimindo eficácia direta e imediata ao prin Po
lógicos ao patrimônio ambiental, considerado este em
ADI nº 3.540-MC/DF, Pleno. Rel. Min. Celso de Mello.
seu aspecto físico ou natural” (STF. que determina, independentemente de interposiçã
legislativa, com eficácia direta e imediata, a respon
Julg. 1º.9.2005. DJ, 3 fev. 2006)
&? Vide Howard Gardner, in Mentes que mudam: a arte e
a ciên cia de mudar as nossas mentes,
op. cit. p. 50, ainda hesitante, mas come
ça a cogitar, ao lado das demais inteligências,
da chamada inteligência existencial, vale dizer, a que
sabilidade do Estado e da sociedade pela dna
solidária do desenvolvimento material e peiscio )
envolve, formula e examina as per-
guntas mais importa ntes.
98 Vide, por exemplo, o julgamento da ADI nº 1.856/RJ,
26.5.2011. DJe, 14 out. 2011,em cuja ementa se
Pleno. Rel. Min. Ce Iso de Mello. Julg. socialmente inclusivo, durável e equânime, am PE
!
talmente limpo, inovador, ético eeficiente, no a
lê; “A proteção jurídico-constitucional
sada à fatina abrange tanto os animais silvestres quanto dispen-
os domésticos ou domesticados,
de assegurar, preferencialmente de modo ea
nesta classe incluídos os galos utilizados em
rinhas, pois o texto da Lei Fundamental
vedou,
em cláusula genérica, qualquer forma de submissão de
— Essa especial tutela, que tem por fundamento legitima
animais a atos de crueldade.
e precavido, no presente e no futuro, o « se É
dor a autoridade da Constituição
bem-estar (inconfundível com a mera satistação
da República, é motivada pela necessidade de impedir
a ocorrência de situações de risco
que ameacem ou que façam periclitar todas as formas de
mas, também, a própria vida animal, cuja integridade
vida, não só a do gênero humano,
cessidades materiais). |
restaria comprometida, não fora
a vedação constitucional, por práticas aviltantes, perversa
irracionais”.
s e violentas contra os seres dao a interpretação constitucional Sustentável é
&º Vide Juarez Freitas, im Discricionariedade administ
nistração
rativa e O direito fundamental à boa Admi-
Pública, op. cit., em capítulo específico sobre os princípi
precaução no Direito Administrativo brasileiro. os da prevenção e da Eron
simplistas),o desenvolvimento ético, social, juridico
to, Socdireito polfico
gídico-po ltiro
“o Sem pretender o desenvolvimento na senda hiperconsumist conômi ambiental. Assegura o fundam
a altamente equivocada. Sobre
é
oa adinisitação pública, ao viabilizar a boa governança
o tema, vide Gilles Lipovetsky, in A felicidade paradoxa
l: ensaio sobre a sociedade de hiper-
consum o. São Paulo:
JUAREZ FREITAS
300 |
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
CAPÍTULO 10
SUSTENTABILIDADE, RESPONSABILIDADE DO ESTADO E NOVA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
| 301
a confiança intertemporal, além de estimular a dinâmic à Direito“? ao enfatizar a prioridade da racionalidade aboli-
bilidade das instituições. É aquela que se aproxima EE a cionista dos históricos equívocos impostos por pressuposições
jação estatal democrática participativa, em vez de mera errôneas'º e caducas, incompatíveis com políticas realmente
governativa”. Valoriza e premia performances socialm ES direcionadas ao aperfeiçoamento, a longo prazo, da experiência
benéficas e, na dúvida, escolhe a intocabilidade dos de qualidade de vida.
a
cientes do sofrimento, no presente e no futuro. Não a Em suma, revendo noções usuais,“ a interpretação
Es
perante argumentações falaciosas dos imediatistas
em a norteada por pré-compreensões sustentáveis, devidamente
nidos, às voltas com a intenção de enganar e de tenis
— filtradas pela razão dialógica, não se deixa guiar pela inge-
E aquela que estimula, de modo não patológico, a prod nuidade de supor que os textos normativos se imponham de
da coesão social, empenhada em resolver os conflitos
na a modo automático, a despeito de reconhecer a alteridade deles.
não apenas adiá-los ou sadicamente saboreá-los. Reali
ah Tampouco mantém a ingenuidade de pretender um subje-
conciliação dialética do pensamento sistemático e da
tó a a tivismo inteiramente solto e romântico. Mais do que nunca,
como se propõe, em profundidade, noutra obra peca
a o necessário é compreender, de maneira dialética, o processo
Com efeito, ainterpretação sustentável é aquela emancipad hermenêutico, produzindo o intérprete o sistema normativo,
:
de falácias e ilusões, isto é, que não cultiva, entre
ER
embora reconheça a sua parcial autonomia. Nesse ponto, as
sam
lógicos, a causalidade linear, a petição de princípio, os cognições e escolhas sustentáveis derivam do pressuposto de
falés
Ee as generalizações apressadas e superficiais, aanfibo- considerar o Direito como sistema, não no sentido convencio-
: a Sa o conjunto de pré-compreensões conducent nal. Sistema aberto à dinamicidade da vida e suas flutuações
es
(tópico e sistemático), conducente à ultrapassagem da lógica
Jal interpretação constitucional, guiada e remodelada do sujeito contraposto. ao objeto, na linha de pensamento
princípio da sustentabilidade, é a verdadeiramente aisiemdn
pel atento ao caso e à generalização. Tal interpretação não nega O
o risco e a incerteza, pois sabe ordenar, de modo plural, a com-
Jamais conduz ao terreno da degradação lato sensu que
Senta a negação do Direito como sistema. Opera à Pere
re o plexidade, sem querer extingui-la. Contribui à reelaboração da
do normatividade, endereçando-a à laboriosa homeostase social,
critério segundo o qual, entre duas ou mais interpretações
plausíveis, cumpre dar preferência aquela que causar como se preconiza em múltiplas passagens desse livro. Não
maior
segurança e equidade intergeracional. Respeita o desiderato por acaso, sugere-se que a interpretação sustentável conduz
à reinvenção das instituições, desde o começo, quiçá para que
de não conduzir a paradoxos insolúveis e preserva, ao mesmo
tempo, a dignidade intersubjetiva e o valor litninado
da Vide, em convergência, Juarez Freitas, in A interpretação sistemática
do direito, op. cit. es-
natureza, sem as amarras da concepção de dignidade exces- 2
ão de Alexandre
pecialmente os capítulos 9 e 10. Vide, também, a excelente contribuiç
sivamente antropocêntrica. Pasqualini, in Hermenêutica e sistema jurídico: uma introdução à interpretação
sistemática
de sistema
do Direito. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1999. Para o exame de posições
Sublinhe-se: o acolhimento do princípio constitucional que, por motivos variados, não mais servem, vide Mario Giuseppe Losano, in Sistema e
E
da sustentabilidade, por seu caráter vinculante (em sentido estrutura no direito. São Paulo: WME Martins Fontes, 2010, v. 2.
grupos, Adam
643 Vide, sobre o tema do abolicionismo e a importância decisiva de pequenos
forte), suscita uma retemperada interpretação sistemática Hochschild, in Enterrem as correntes. Rio de Janeiro: Record: 2007,
p. 11 et seg. com a im-
do
pressionante descrição de doze homens e uma tipografia.
por exemplo,
64 Vide, noutra área, para uma revisão dos conceitos de business e de comércio,
HarperCollins,
& Vide, sob re o tema, Juarez Freitas,
itas, Paul Hawken, in The Ecology of Commerce: Doing Good Business. New York:
inin AÀ interpretação
j sistemática do direito, op. cit. Capítulo 7. 1993.
api
FREITAS
SUSTENTABILIDADE — DIREITO AO FUTURO
Além disso, cumpre acentuar que, inquestionavelmente Em sua dimensão econômica, a sustentabiliadade reforça
o crescimento
x
econômico e o desenvolvimento não são
sinônimos. E que, sem incorrer nas falácias e nas armadilhas (a) é indispensável lidar adequadamente com custos e
psicológicas (descritas no Capítulo 6), a sustentabilidade benefícios, diretos-e indiretos, assim como efetuar o
precisa ser entendida como processo contínuo, aberto e pertinente trade-off entre eficiência e equidade intra
integrativo de, pelo menos, cinco (não apenas três) dimensões e intergeracional;
do desenvolvimento. (b) a economicidade implica o combate ao desperdício
Em sua dimensão social, a sustentabilidade reclama: lato sensu, bem como o incremento de poupança
(a) o incremento da equidade intra e intergeracional; pública, da responsabilidade fiscal e do limite regu-
(b) uma gestão aperfeiçoada de processos, que garanta latório do poder público e privado, tendo toda e
condições propícias ao florescimento virtuoso das qualquer propriedade que cumprir função social,
potencialidades humanas, especialmente no atinente econômica, ética e de equilíbrio ecológico;
à educação exitosa e de qualidade, em consonância (c) aregulação do mercado precisa acontecer de maneira
com as premissas arroladas no Capítulo 7; que a eficiência guarde comprovada e mensurável
(c) O engajamento na causa do desenvolvimento que subordinação à eficácia.
perdura e faz a sociedade mais apta a sobreviver, a Em sua dimensão jurídico-política, a sustentabilidade
longo prazo, com dignidade e respeito ao valor in- assume as feições de:
trínseco dos demais seres vivos. (a) princípio constitucional, imediata e diretamente
Em sua dimensão ética, a sustentabilidade acolhe: vinculante (CE, arts. 225, 3º, 170, VI), que gera, por
(a) aligação de todos os seres, acima do antropocentrismo exemplo, um novo Direito e uma nova interpretação
estrito; jurídica, propícia ao Estado Sustentável, assim como
(b) o impacto retroalimentador de ações e omissões; defendido nos capítulos 9 e 10;
(c) a exigência moral de universalização concreta, (b) norma que determina, a partir da revisão de titula-
tópico-sistemática, do bem-estar duradouro. ridades (admitidos os direitos de gerações futuras),
Em sua dimensão ambiental, a sustentabilidade faz a eficácia intertemporal dos direitos fundamentais
perceber que: de todas as dimensões (não apenas os de terceira
(a) não pode haver qualidade de vida e longevidade dimensão);
digna em ambiente degradado; (c) critério que permite afirmar a antijuridicidade das
(b) sem prejuízo da “modernização ambiental”, o hiper- condutas causadoras de danos intrageracionais e
consumismo haverá de ser enfrentado, notadamente intergeracionais, tais como as práticas deploráveis
nos países ricos; do patrimonialismo, entre outros vícios, descritos
(c) no limite, não pode sequer haver vida humana, sem no Capítulo 8.
o zeloso resguardo da sustentabilidade ambiental, Como se observa, a sustentabilidade não é somente uma
em tempo útil. Com efeito, ou se protege a qualidade campanha transitória, mas realmente acarreta nova Agenda,
de vida ou, simplesmente, não haverá futuro para a nos termos descritos no Capítulo 4. A título de recapitulação,
nossa espécie. ei-la, em grandes traços: adoção de novo estilo de trabalho
308 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO CONCLUSÕES | 309
dos operadores do Direito (especialmente na seara ambiental) Por mais resiliência que tenha, a natureza guarda limites
como rede cooperativa e unificada; nova sistemática de
intransponíveis, A cada ano, os tempos parecem ambien-
licenciamento ambiental, em processo com duração razoável
“falmente mais difíceis, embora hoje (apesar da crise econômica
e esclarecimento federativo das competências; segurança
em países centrais), exista, na média, maior disponibilidade
energética, com o redesenho do plexo normativo regulatório
para realizar uma transição no sentido do desenvolvimento
no intuito de incentivar seriamente as energias renováveis: confiáveis. Sem
durável, com adoção de indicadores mais
reconstituição jurídico-institucional da matriz de transportes,
margem de erro, alastra-se a consciência de que a erradicação
alinhada com prioridades de longo espectro; obrigatoriedade
de emissões tóxicas, as instituições inclusivas e a segurança
de licitações e contratações sustentáveis, com apuração de
alimentar precisam andar, lado a lado, com o consumo inteli-
custos diretos e indiretos (externalidades); tributação corretiva
gente e à responsabilidade compartilhada, evitados os males
(sem finalidade arrecadatória e regressiva), a par de incentivos
causados pelos excessos, que sobrecarregam literalmente de
' fiscais destinados a projetos comprovadamente susten-
peso a sociedade. É dessa consciência que brota a cobrança de
táveis; educação de qualidade, inclusive para o consumo;
parâmetros para a avaliação qualitativa das políticas públicas,
financiamentos públicos e privados conferidos de maneira sus-
“segundo a ótica ponderada do bem-estar das gerações atuais
tentável, sob pena de formação de bolhas creditícias; combate à
e futuras.
degradação ambiental; saneamento como dever improtelável;
Encorajar, nesse contexto, um novo ciclo de produção
planejamento demográfico sem violência; uso racional das
e de consumo afigura-se condição necessária para oferecer o
propriedades públicas e privadas; aplicação expandida dos em
bem-estar duradouro a nove bilhões de seres humanos,
princípios da prevenção e da precaução; enfrentamento in-
2050. E mais: a sustentabilidade nada tem a ver com o mora-
cessante — sem condescendência — das várias causas de po-
lismo, que não se universaliza por definição. No entanto, não
luição letal; controle participativo do orçamento ecoeficiente
se admite fuga: toda corrupção, direta ou indireta, material
e eficaz; rejeição do fundamentalismo irracional de mercado;
ou imaterial, nas relações públicas e privadas, revela-se, por
aceleração do trabalho formal e decente; fixação de políticas
definição, insustentável.
intertemporais regulatórias consistentes; cultura avessa ao
Nesses tempos paradoxais (de abundância e carências),
extrativismo puro e simplista, com fomento a negócios in-
inadmissível deixar de ver que uma postura de marcação
clusivos e “verdes” e inserção de melhores indicadores de
belicosa do território mostra-se flagrantemente incapaz de
desenvolvimento.
gerar o bem-estar intergeracional. Em contraste, uma relação
Tal Agenda, cujas raízes se confundem com a dos direi-
exemplar entre ética e bem-estar é o grande motor da susten-
tos fundamentais, pressupõe, pará obter êxito, uma mudança
tabilidade, assimilado o bem-estar como direito fundamental,
profunda de mentalidade e de governança, com base numa
a ser favorecido por uma governança, interna e global, rigo-
compreensão científica da inserção do homem na natureza.
rosamente aperfeiçoada.
Um novo estilo de vida apresenta-se rigorosamente crucial
O que importa, dito de maneira frontal, é conquistar o
para viabilizar, em alta magnitude, o desenvolvimento apto
poder de optar por um futuro alicerçado no comportamento
a ensejar melhorias robustas e estruturais, num crescendo
social sensível ao direito das gerações futuras, na ambiência
que se poderia designar por “desenvolvimento material-
limpa e na economia inclusiva, norteada pelo consumidor es-
desenvolvimento imaterial”. Essa alteração de mentalidade
clarecido, com a internalização adequada dos custos diretos
é possível. E constitucionalmente obrigatória. É crítica.
e indiretos.
e 1
310 | JUAREZ FREITAS CONCLUSÕES | 311
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
A vista do exposto, examinado o princípio constitucional todavia conhece limites e costuma reagir, quando
da sustentabilidade, na condição de novo paradigma, importa admoestada. Estabelecer uma relação harmoniosa
retomar os fios condutores do presente livro e remarcar que: com a natureza é, antes de mais nada, aprender a
(D A sustentabilidade é multidimensional (ou seja, respeitá-la sistemicamente.
é jurídico-política, ética, social, econômica e am- (IV) A sustentabilidade deve estar indissoluvelmente
biental), o que pressupõe uma notável reviravolta * associada ao bem-estar duradouro, especialmen-
hermenêutica, habilitada cientificamente a produ- te em face do stress climático ou financeiro e das
zir o descarte de pré-compreensões falhas e espú- vulnerabilidades correlacionadas. O PIB, como
rias, isto é a libertação de tudo que obstaculizar indicador econômico, deve sair da cena principal.
a convivência intergeracional solidária. Mais: as
Indicadores mais sensíveis à qualidade das polí-
dimensões da sustentabilidade devem ser tratadas
ticas ambientais precisam ser incorporados veloz-
em sincronia, com transparência (ativa e passiva). mente.
(V) A sustentabilidade prescreve que o progresso
O atraso de uma dimensão acarreta forçosamente
o atraso das demais. Não há escapatória: o inter- material não pode sonegar o imaterial, convindo
relacionamento é dado fatual. praticar uma educação multidimensional balan-
)
ceada (desde a mais tenra idade), no campo das
(1) Asustentabilidade vincula juridicamente, em sen-
inteligências e da vontade, para sobrepassar Os
tido forte, porque se trata, em nosso sistema, de
arrolados vieses de julgamento, no processo de
princípio de estatura constitucional, incorporado
tomada da decisão. Com efeito, a sustentabilidade
por norma geral inclusiva (CF, art. 5º, 82º), a re-
tem de iluminar as decisões estratégicas rumo à
querer eficácia direta e imediata dos imperativos
economia de baixo carbono, criando novo padrão
do desenvolvimento reconfigurado, em todas as
de responsabilidade e de sindicabilidade (para
áreas, não apenas no Direito Ambiental. Em boa
fazer valer, por exemplo, o direito efetivo a cidades
hora, foi introduzido, de modo expresso, na legis-
sustentáveis).
lação infraconstitucional (por exemplo, no art. 3º Asustentabilidade implica praticar a equidade com
(VD)
da Lei de Licitações, que agasalha o princípio do gerações futuras e, ao mesmo tempo, assegurar a
desenvolvimento sustentável), o que só reforça o equidade no presente, desafio inarredável de agir,
dever de sua observância generalizada. de maneira intertemporalmente integrada, para
(HI) A sustentabilidade é incompatível com a crença erradicar as discriminações (inclusive de gênero),
ingênua no crescimento econômico como fim em promover a reeducação alimentar, universalizar
si, nem se coaduna com regressivismo de qualquer o consumo consciente, regularizar a ocupação se-
matiz (presente, de modo flagrante, no sistema gura do solo e garantir o acesso a trabalho decente.
tributário): importa preservar o legado da biodi- (VII) A sustentabilidade requer ousadia crítica na im-
versidade, assim como responsavelmente inovar plementação persistente da Agenda proposta,
e ultrapassar limitações inerciais, por exemplo, em termos de eficientes e eficazes, prevenidas e
no enfrentamento dos malefícios causados por precavidas, políticas públicas (mais de Estado
espécies exóticas invasoras. A natureza é resistente, Constitucional e da sociedade do que de governo).
312 | JUAREZ FREITAS
SUSTENTABILIDADE - DIREITO AO FUTURO
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