Ética 2
Ética 2
Ética 2
Areté e eudaimonía
em Aristóteles
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) O ponto de partida da ética de Aristóteles é a tese de que toda
ação e toda a escolha, assim como toda arte e investigação, possui
um fim próprio que é compreendido como um bem. Por isso, o
bem é a finalidade de todas as ações. Nos termos de Aristóteles:
“Adimite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim
como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer;
e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que
todas as coisas tendem.” (1094a1-3)
isso, podemos sempre perguntar quais são os fins das nossas ações,
mas também algumas atividades devem ser seu próprio fim. Se não
pensarmos desta maneira, perceberemos que há um regresso ao in-
finito: a saúde é um meio para trabalhar, que é um meio para ganhar
dinheiro, que é um meio para comprar bens, que é um meio para sa-
tisfazer necessidades etc., etc. Para evitar esta indefinição nos fins das
nossas ações, Aristóteles sustenta que há coisas que devemos dese-
jar por si mesmas e que as outras devem ser desejadas com vistas
nelas (EN 1094a20). Todavia, outra distinção é aqui importante. Há
coisas que possuem valor intrínseco, isto é, devem ser desejadas por
si, mas que podem fazer parte de outro bem. Por exemplo, a areté,
o conhecimento, o prazer etc. são valiosos em si, mas podem fazer
parte de um bem maior, o supremo bem, isto é, da eudaimonía. Nes-
se ponto, Aristóteles concorda com Platão, que já havia mostrado
que a justiça possui valor intrínseco, mas pode também ser desejada
em função de suas conseqüências benéficas (A República, 358).
É importante, todavia, observar que Aristóteles não se compro-
mete, na primeira frase da Ethica Nicomachea, acima citada, com
a idéia platônica de Bem. Nesse sentido, o capítulo 6 do primeiro
livro da Ethica Nicomachea é um dos mais importantes escritos
metaéticos da história da filosofia moral. Nele, Aristóteles apre-
senta várias críticas aos platônicos:
i. dado que as coisas são ditas boas de modos diferentes (“bem”
é usado em diferentes categorias), claramente “bem” não
pode estar universalmente presente e ser único;
ii. há uma ciência para cada idéia e dado que há várias ciências
sobre o bem, não há uma forma singular única;
iii. visto que o significado de “uma coisa em si mesma” é o
mesmo, por exemplo, num homem particular ou no homem
em si, a postulação de formas é supérflua para explicar o que
é o homem ou o bem;
iv. se o que é bom em si mesmo é a forma de bem, então a forma
é vazia.
Essas críticas dirigem-se principalmente à leitura transcendente
da passagem da República sobre a forma do bem (509b), que abor-
damos no capítulo anterior. Por conseguinte, não se pode interpre-
Areté e eudaimonia em Aristóteles ◆ 57
nhaque o prazer é o bem porque via todos os seres tender para ele e
porque o prazer era aquilo para o qual quase todas as nossas esco-
lhas direcionam-se. Como veremos no próximo capítulo, também
Epicuro é interpretado como alguém que sustentou que o prazer é
o bem. Mas Aristóteles objetou, usando um argumento platônico
apresentado em Filebo (60), que o prazer, quando acrescentado a
um outro bem qualquer, como, por exemplo, à ação justa ou tem-
perante, o torna mais digno de escolha. Nos seus próprios termos:
“Este argumento parece mostrar que ele é um dos bens, mas que
não é mais do que um outro qualquer; pois qualquer bem é mais
digno de escolha quando acompanhado de um outro do que
quando sozinho. E é mesmo por um argumento desta espécie que
Platão demonstra não ser o bem o prazer. Diz ele que a vida
aprazível é mais desejável quando acompanhada de sabedoria
do que sem ela, e que, se a mistura é melhor, o prazer não é o
bem; porque o bem não pode tornar-se mais desejável pela adi-
ção do que quer que seja.” (1172b26-35)
Racional
Irracional
Vegetativa (Nutritiva)
60 ◆ Ética I
Citando Aristóteles:
“No que tange à sabedoria prática, podemos dar-nos conta do que
seja considerando as pessoas a quem a atribuímos. Ora, julga-se
que é cunho característico de um homem dotado de sabedoria
prática o poder deliberar bem sobre o que é bom e conveniente
para ele, não sob um aspecto particular, como por exemplo sobre
as espécies de coisas que contribuem para a saúde e o vigor, mas
sobre aquelas que contribuem para a vida boa em geral. Bem o
mostra o fato de atribuirmos sabedoria prática a um homem, sob
um aspecto particular, quando ele calculou bem com vistas em
alguma finalidade boa que não se inclui entre aquelas que são
objeto de alguma arte.” (1140a25-30)
ta, por apresentar uma visão distorcida da vida moral como es-
tando centrada em regras etc. e, então, voltam-se a Aristóteles. As
reabilitações atuais da ética aristotélica serão estudadas no último
capítulo do presente livro-texto.
Leitura Recomendada
A leitura da obra Ethica Nicomachea é fundamental para acompa-
nhar esse curso. Por isso, não é apenas uma leitura complementar.
O capítulo “Ética” do livro de Ross é uma breve, mas boa intro-
dução à ética aristotélica.
Veja também em HOBUSS, J. Eudaimonia e Auto-suficiência
em Aristóteles. 2002. Disponível em:
http://www.ufpel.edu.br/ich/depfil/livro-hobuss.pdf
Reflita sobre
t A idéia aristótelica de que há um bem para o qual todas as
coisas tendem.
t Em que sentido a areté é, para Aristóteles, um meio-termo?
Você concorda com essa tese?
t Qual é a interpretação da eudaimonía que você acha mais
defensável, a dominante ou a inclusivista? Por quê?