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Revista-6 (1961)

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s

ANO V I N° VI

1961
T ;^Mra/ia dí ' A AÇÃO'
Crato
Banco íc Ciédilo Comeicial $. A. 1

MATRIZ: FORTALEZA
FILIAIS:
Crateus

m Crato
Iguatu
Juazeiro do Norte
Senador Pompeu
Sobral
fe Expediente Ininterrupto de
8 às 11 e de 13 às 16 hs.
M
m
M
M
M
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\ x
—= ÓRGÃO DO ==—
I N S T I T U T O C U L T U R A L DO C A R I R I

AN O V I N° V I

1961
T ip og rafia de <'A A ÇÃ O
Crato
ITAYTERA
Órgão do Instituto
Cultural do Cariri
DIRETORIA DO
I N S T I T U T O C U L T U R A L D O C A RI RI
(Entre Outubro de 1960 a Outubro de 1961)

— Al'j&í de friq.ueUied& friíhxx


— fr.e. Antônio- de Abaiífi.
— 'João cCmdem&efiq. de A qu ím
— Qo&é de <?.auJla S-antim
—■ A ntônio GúMeia Gaeèkâ-

Comissão Organizadora de « IT A Y T E R A » :

Ç,. de fríqueiledo frilha


fr.e. Ant&nia Q&m&i de Aíaúfâ.
aCmdem&&>u}. de Aq/uim-

Comissão de Sindicância :

Od&íet Gcdhal
Ç-&íé de friqaeOiedo OükitQ-
deÍM G/swiei. de friícdO-6

Comissão de Ciências, Letras e Artes :

frtojt. Ç oíê Oieudm AJfa-eá- de Sxsuua


A dm qada ‘D.uaíte 'dúm.&i
‘Dfi. tyoaldo- freixoto de G aíaaího
mmwmmmmmmmmsmmmmMmm
c a p a - i s* CüeIié , lie FIO 1010, aultiii ie Zuleica 0. It npsiiiíj
m

Dos períodos mais fecundos de atividades do


I.C.C . foi justamente o compreedido entre o quinto nú­
mero de «IT A Y T E R A », em 1959 e o sexto, cuja saída
transpôs os umbrais de 1961, por fatores alheios à von­
tade de seus dirigentes.
O Museu enriqueceu-se com dádivas diversas e
marcha para instalar-se em salão condigno da Faculda­
de de Filosofia de Crato, conforme convênio por esta
firmada com a entidade cultural que orienta esta revis- *
ta. Incentivámos conferências de intelectuais ilustres e
patrocinámos o lançamento de várias publicações, tor­
nando Crato dos centros mais ativos, no ponto de vis­
ta cultural, do interior nordestino. Cooperámos, na me­
dida do possível, com a Faculdade de Filosofia de
Crato, cuja direção confiada aos professores — José
Newton Alves de Sousa e Antonio Rubens, respectiva­
mente diretor e vice-diretor, vem fazendo obra de pes­
quisas regionais e de alevantamento do nível cultural
da zona, digna dos maiores apláusos.
A sede do Instituto constitui-se em ponto de vi­
sitas obrigatórias de literatos, artistas e cientistas de
fora, procedentes até do estrangeiro, destacando-se en­
tre estes o escritor, musicista e desenhista — Jean
Pierre Chablotz, filho da Suiça e agora das pessoas
mais ligadas à intelectualidade de Crato e do Ceará.
A obra máxima do instituto, a que exigiu maior
emprêgo de trabalho e iniciativa, foi a promoção do
4 ITA Y T E R A

P R IM E IR O C O N G R E S S O D E JO R N A L IS T A S D O
IN T E R IO R C E A R E N S E , ocorrido entre os dias 13 a
15 de Janeiro. Congregámos, nesta cidade, cerca de 70
periodistas, procedentes de todos os recantos do Ceará,
promovendo debates sérios, que não fariam desdouro
até em conclaves de carater nacional. Foi vitória total
e a prova de capacidade realizadora do Instituto Cultural
do Cariri que, de dia a dia, mais adquire notoridade nos
meios cultos do país.
Realizámos programa cheio, predominando as
sessões de estudos sem o desprezo da parte social, que
foi igualmente ativa. Peço vênia para publicar, logo em
seguida, o discurso que pronunciei, na sessão de aber­
tura a 13 de Janeiro do corrente ano, na Rádio Edu­
cadora do Cariri, na qualidade de presidente daquele
Congresso:
É intenso prazer de espírito, quando colhemos os
frutos de mil canseiras e preocupações. Confesso um
pecado, bem de público: não recebemos, no Instituto
Cultural do Cariri, a notítia de que fomos honrados com
o patrocínio do Primeiro Congresso de Jornalistas do
Interior Õearense, com a alma cheia de júbilo e de justo
orgulho. Temíamos a responsabilidade que os periodistas
interioranos nos ofereciam tão confiadamente. Acháva-
mos, no entanto, que a escolha de Crato não fôra des­
cabida, pelo lugar de pioneirismo que, incontestavel-
mente, temos na imprensa indígena. Foi, nesta cidade,
três anos depois de ter deixado a categoria de vila,
que, em 1856, João Brigido dos Santos, Patrono deste
conclave, fundou o primeiro jornal da interlandia cearense,
o qual haveria de projetar-lhe o nome como dos maiores
vultos do jornalismo do setentrião brasileiro e o de Crato
como localidade pioneira da imprensa. Dali para cá,
nunca ensarilharam armas os jornalistas locais, escreven­
do em semarários ou projetando-se nos diários fortale-
zenses e derramando-se pelo Brasil inteiro.
Uma figura, porém, dentro de todos, quero des-
IT A Y T E R A 5

tacar na abertura do Primeiro Congresso de Jornalistas


do Interior Cearense.
Esta um tanto apagada, pelo seus últimos anos
de vida, fora das lides jornalistas, mas tende a emergir
da quase penumbra e ocupar o lugar na história, como
dos grandes luminares da imprensa coestadana e até
nacional. Trata-se do cratense Manuel Rodrigues Mon­
teiro, falecido há dois anos, em Fortaleza. Fato singular
deu-se com êle. Surgiu na arena, em plena Cidade-Luz-
Paris e no conhecido jornal «Paris-Soir». Passou depois
a militar nos opulentos diários do Rio, até que voltou
ao Ceará, trabalhando em sua imprensa, notadamente
no «Correio do Ceará», quando pertencia ao velho ba-
talhador—A. C. Mendes.
Nenhum jornalista, nascido em plagas alencarinas,
escreveu com mais espírito e clareza de estilo do que
Manoel Monteiro e nem tão pouco foi servido por mais
sólida cultura, tôda bebida na literatura francesa, italiana,
inglesa e luso-brasileira. Prova de que o Cariri é rico
em i n t e l i g ê n c i a s , em todos os setores de atividade
humanas.
O Congresso de Jornalistas do Interior Cearense
é acima de tudo, festa de congraçamento de todo o
Ceará. Em nosso meio, é preciso que se frize bem, não
há idéia de separatismo. Há apenas regionalismo cons­
trutor que trabalha intransigentemente pelo engrande-
cimento da terra cearense e do todo nacional. O Cariri,
com suas lutas épicas da independência e seus manan­
ciais a jorrarem do A r a r i p e, é tão visceralmente do
Ceará, quanto Fortaleza, com a epopeia da libertação
dos escravos e seu impressionante progresso. Sente-se
irmanado com Sobral que soube realizar o milagre de
implantar civilização requintada em plena caatinga, re-
queimada pelo sol do Nordeste.
E com o Jaguaribe onde florecem cidades que
avançam. E Iguatu que se industrializou de dia a dia.
E o Inhamuns que ainda conserva as virtudes do cea­
6 ITAYTERÂ

rense criador ou essa Serra Grande, viveiro perene de


inteligências?
Tudo isso forma um Ceará indivisível, que se
orgulha de ser o mais brasileiro dos estados.
Nessa atmosfera acolhedora fica aberto ao estudo
de múltiplos e palpitantes problemas, o Primeiro Con­
gresso de Jornalistas do Interior Cearense, que por uma
predestinação, vinda do alto, tem por sede a antiga e
sempre atualizada Cidade do Crato.

ÁLBUNS DOCUMENTÁRIOS - O Instituto Cultural


do Cariri, pelo seu secretário geral — João Lindemberg de A-
quino, está organizando coleção de álbuns documentários, com
recortes de jornais, fotografias, cartas, autógrafos, tudo relacio­
nado com a evolução do Cariri, nestes últimos tempos. Dez des­
ses álbuns já foram organizados e constaram da Exposição de
Pinturas e Jornais, na Biblioteca da Faculdade de Filosofia, du­
rante o Primeiro Congresso de Jornalistas do Interior Cearense.

CENTENÁRIO DE MARTINS JUNIOR - O Brasil


e principalmente Pernambuco, seu torrão natal, celebrou con-
dignamente, em Novembro o centenário de Martins Júnior. Foi
grande poeta, orador, escritor, abolicionista e propagandista da
República. Nasceu a 24 de Novembro de 1860. Poeta dos mais
apreciados, colocou o seu estro a serviço dos ideais que profes­
sava, com entusiasmo. Até com as sêcas do Nordeste se preo­
cupou, como prova este pequeno trecho de sua imensa obra
literária :
«Horror! A Natureza, ás vêzes, é madrasta.
Quando a raiva lhe vem, agarra uma vergasta,
Um elemento seu e vai matar o pária
Em vertigem febril, em furia incendiária...»

O General Tristão enaltece livro cratense


Agradece ao prezado parente e amigo Antonio A. Ara-
ripe a gentil oferta de «Cidade do Crato», repositário valioso de
dados históricos e indice do carinho com que os cratenses cuidam
e presam sua terra.
General Tristão de Alencar Araripe
6 -7 -5 5 .
M IT O S E R E A L I D A D E S
'Padre Antônio Gomeé de A raú jo
Do Instituto Cultural do Cariri, sócio correspondente
do Instituto do Ceará e da Academia
Cearense de Letras.

(Ao M a r t i n s F i l h o )

O MITO DE FREI FIDELIS...


A crônica desta cidade, a crônica séria, religiosa ou
civil, aquela que se apoia no documentário autêntico e veraz,
nunca registrou, desde os primórdios, um F r e i Fidelis em carne
e osso, seja sacerdote secular ou religioso, irmão leigo de ordem
religiosa, ou mesmo um simples leigo com aquêle apelido. Em
carne e osso, existiu um F re i Fidelis fantástico, lenda, que se
vincula ao fato seguinte:
Nascido no ano de 1577 em Sigmaringa; laureado em
filosofia e Direito Canônico em Brisgau; advogado, depois, em
Colmar, Fidelis fêz-se religioso capuchinho com o nome de Fi­
delis de Sigmaringa. Nomeado superior do convento de sua ordem
em Fildkirch, a propaganda da Fé o encarregou da conversão
dos calvinistas, em cujas mãos veio a morrer assassinado em
1622.
Venerável, depois Frei Fidelis de Sigmatinga integrou-se
no número dos santos, em 1749.
Os capuchinhos difundiram a devoção de seu mártir,
sobretudo a intensificaram na fase anterior à canonização.
Em janeiro de 1745, Frei Carlos Maria de Ferrara de­
dicou à S. S. Trindade, à N. S. da Penha e a Frei Fidelis da
Sigmaringa, a Igreja da Missão do Miranda (1), embrião desta
cidade.
Desta maneira, F rei Fidelis passou a co-patrono da Igreja
de Nossa Senhora da Penha da Missão do Brejo do Miranda,
denominação, esta última, que compreendia todo recôncavo com
que a Serra do Araripe parece abraçar esta cidade, território
doado em 1743 aos índios da citada Missão pelo capitão Do­
mingos Álvares de Matos, (2).

1) Antônio Bezerra «Algumas Srigens do Ceará»


2 Idem
8 IT A Y T E R A

A Igreja e a Missão se converteram na Matriz e na cidade do


Crato, respectivamente.
Frei Carlos Maria de Ferrara e seus companheiros da
Missão difundiram, com a devoção de N. S. da Penha, a de
Frei Fidelis, desaparecida lentamente com a ausência de seus
promotores. Criou-se, entretanto, à base do fato em questão, o
mito de que F rei F id elis estivera em carne e osso sob êstes
céus. Talvez nesta lenda se tenha inspirado a inteligência culti­
vada de ilustre consócio do Instituto do Ceará, quando escreveu:
«Frei Fidelis em 1704 construiu uma capela de N. S. da Penha,
núcleo originário da atual Matriz de Crato (3).
Importa considerar que as primeiras sesmarias concedidas
nêste Vale, datam de 1703, uma delas a de Manuel Rodrigues
A r i o s a, a se estender ao território hoje compreendido
nos municípios de Crato e Juàzeiro do Norte. Então, a indiada
não estava domada.
Temos à vista, o arquivo paroquial do Icó, freguesia a
cuja jurisdição pertenceu esta zona até 1748. O arquivo começa
de 1729. Até 1740, referindo-se, sempre, à igreja de Santo
Antônio de Missão Nova, guarda, entretanto, silêncio absoluto
sôbre qualquer núcleo religioso existente em terras atualmente
pertencentes aos m u n i c í p i o s de Crato, Juàzeiro do Norte e
Barbalha.
Só a partir de agosto de 1741, o arquivo começa a men­
cionar a Igreja da Missão do Miranda e seu respectivo Cura-
Missionário—Frei Carlos Maria de Ferrara (4).
Pelo arquivo em tela, e mais os da capela de Missão
Nova (1743—47) e da freguesia de Missão Velha, criada em
1748, vê-se que o dito Frei Carlos esteve à frente da Missão e
sua Igreja, de 1741 a 1749.
Eis as fontes que merecem fé no caso, confirmadas pelas
consultadas por Antônio Bezerra, nas quais hauriu as referências
que fêz à Missão do Miranda, à sua Igreja e a Frei Carlos, o
citado, sem nenhuma dúvida o fundador desta cidade (5).
Aquém de 1741, é, pois, o vácuo histórico, substituído
pela lenda de um Frei Fidelis, fundador de templo nêste socavão
de antanho, povoado de tacapes, flechas e muquéns bravios. Tal
mito assemelha-se àquêle de capuchinhos da província francesa
de Borgonha, a catequizarem índios enxus em 1705, ao sopé da

3) Revista do Instituto do Ceará pg. 57, edição de 1957.


4) Livro de reg. de Batisados e Casamentos da Freguesia do Icó
1729—1783, in Cúria Diocesana do Crato.
5) Antônio Bezerra «Algumas Origens do Ceará».
IT Â YT ERA 9

serra do Araripe, em terras atualmente do município do Exu,


quando se sabe que êstes religiosos, há quatro anos antes, já
tinham embarcado para a Europa por ordem do governo portu­
guês, então em complicações com a França, êles, que não mais
voltaram ao Brasil (6).
Esta lenda se encontra em «Capuchinhos em Terras de
Santa Cruz», P. Frei Fidelis, Livraria Martins, S. Paulo, 1948,
p. 151, 152 e 169. Idêntica às duas lendas citadas é outra segunda
a qual os jesuítas teriam missionado indios em Missão Velha,
mito tão repetido por cronistas cearenses, como verdade histórica,
mas não menos desmentido indiretamente por Serafim Leite
S. I. (7)
Frei Fidelis, fundador de igreja no Cariri, capuchinhos
franceses na «Missão de Gameleira», do Exu, em 1705, jesuítas,
missionários nesta região no século X V III—mitos!

MITO DA PENHA NA PEDRA


Nos primórdios ameríndios da Missão do Miranda, ou
sejam da cidade do Crato, outras lendas ou mitos enriqueceram
a paisagem folclórica, da terra.
Em seu animismo e fetichismo, os índios cariris, como
outros da América, supunham as coisas mortas e vivas animadas
de energias imanentes e preternaturais e imaginavam o mundo
povoado de espíritos e gênios, capazes aquêles de sediarem e
animarem expressões da natureza morta ou viva. Curioso é que,
no Egito, hoje ainda acredita-se que, esculturada ou pintada a
imagem, o espírito vem habitá-la. E, do mesmo modo, entre os
negros da África, feitas prèviamente fórmulas orais e passes pelo
feiticeiro sôbre estatuetas chamadas mandingas. Quando as ven­
dem, desconsagram-se.
Os índios catecúmenos misturavam sua crendice ao culto
católico das imagens e julgavam-nas habitáveis pelas almas dos
respectivos santos, senão moradas dêstes e suscetíveis de auto-
movimento e autodeslocação. Daí a versão mítica de a imagem
de N. S. da Penha da Missão do Miranda, mudar-se do altar
de sua igreja e postar-se sôbre uma pedra convizinha da sede
da Missão.
A mentalidade simplória dos sucessores dos carius locais
alimentou a lenda, tempo em fora. Pois, seus congêneres mentais
marginais do Gave, em Pau, não tinham fantasiado um jacaré

6) Pereira da Costa. Anais Pernambucano, V. III p 179 e 417, 1957


publicação do Arquivo Estadual, Recife—Pernambuco.
7) História da Companhia de Jesus, V. III, Rio 1943.
10 IT AYTERA

sanhudo, frente a um Simão dorminhoco a despertar aos gritos


de socorro endereçado à Virgem Maria, que acudira pressurosa,
compondo a situação? N. S. da Penha, de Pau...E a penha da
Missão do Miranda...
MITO DA SUBMERSÃO
Os europeus acreditavam na fantástica beldade marinha
misto de peixe e mulher—a sereia de que Iemanjá dos africanos
é a réplica. Nossos índios tinham a sua Iara, jovem dos cabelos
verdes, senhora dos rios e das fontes, e que, às vezes, se dava
ao luxo de atrair os remeiros às corredeiras. O mito achou
guarida no espírito do povo rude.
Na Missão do Miranda, os índios localizavam a morada
da Iara—Mãe d’Àgua, para o vulto—num lago subterrâneo
correspondente ao altar de N. S. da Penha. Acompanhavam a
lenda com outros: um dia a Iara subvertería a povoaçâo sub­
mergindo-a no lago. Os brancos simplórios herdaram a lenda-mito.
MITO DA INUNDAÇÃO
Descontente com a invasão dos brancos, a Iara resolvera
destruir a povoaçâo do Miranda, retirando a pedra que contro­
laria o escape das águas da nascente Batateira. Deveu-se o
adiamento do cataclisma, primeiro, à intervenção de S. Fidelis,
depois, à alma de Frei Carlos, o dito, o qual, às vezes, é vizível
aos olhos dos mortais, rondando a fonte.
Coincidência: no inverno dêste ano, a erosão descobriu
uma grande pedra na citada fonte, certamente coberta outrora
pelo mesmo processo erosivo.
Enfim, tudo, muitos, que se não resistem ao mínimo teste
da ciências histórica, valem para a literatura folclórica local,
sobretudo pelo sabor das origens.
MITO DA DESCENDÊNCIA
De 1703 a 1800, século XV III, o número setenta talvez
arredonde os nomes daqueles que requereram e obtiveram em
datas e sesmarias, terras no Vale do Cariri. Joaquim Alves, o
saudoso consócio do Instituto do Ceará, arrolou-os (8).
Tais titulares não se fixaram e radicaram em seus ses-
mos. Neles não constituiram família nem pessoalmente valoriza­
ram a terra.
Agiram à distância, de seus domínios longínquos. Alguns
por meio de prepostos temporários. Todos venderam suas terras

8) Rev. do Instituto do Ceará, de 1945. Y L1X, p. 94—133.


iTA Y TB RA n

sesmeiras a retalho, a prepostos, a rendeiros, a colonos espontâ­


neos que iam chegando ao Vale.
Estas categorias de compradores é que foram os povoa'
dores efetivos do Vale.
Esta foi a lei, aliás peculiar ao interior do Nordeste na
sentença lapidar de Barbosa Lima Sobrinho, que magistralmente
estudou o assunto no caso particular do Piauí, onde, no fim do
século X V II, de 129 fazendas, apenas duas eram exploradas por
escravos dos titulares das sesmarias, os quais viviam nas suas
mansões convizinhas da cidade do Salvador na Bahia. Os ren­
deiros ocupavam as demais fazendas, êles, os povoadores efetivos
do sertão piauiense. Os casos da Casa da Tôrre, da Bahia, e
dos Guedes de Brito, também da Bahia, são ilustrativos (9).
Não foi diferente no Vale do Cariri. Os que, de 17H
a 1725, requereram e obtiveram terras, residiam nos vales do
Jaguaribe, do São Francisco e nas Alagoas (10). Os membros
da família Lobato, dez ao todo, que obtiveram por sesmaria e
compra, setenta léguas de terra em quadro, residiam em Penedo,
na vila das Alagoas e no rio São Francisco. Vinham ao Cariri
por temporadas no interesse de suas sesmarias nas quais tinham
demorado apenas onze anos (11). Dos dez, permaneceram no
Vale, Maria Ferreira da Silva, casada com o capitão Domingos
Álvares de Matos, e não tiveram família; Ana Lobato, que mor­
reu inupta, e o coronel João Mendes Lobato, como procurador
dos irmãos distantes para venda de suas terras na região. Nesta
condição, ainda em outubro de 1734, firmava escritura de compra
e venda a favor de Bartolomeu Pereira Dantas, dos sítios Buri-
tizinho e Buriti Grande (atualmente integrados no território do
município de Mauriti), que os Lobatos haviam comprado ao céle­
bre coronel João de Barros Braga, um dos magnatas de ses­
marias nos primórdios desta zona, e que as vendeu em rateio.
Na verdade, os açambarcadores de sesmarias no Vale,
ao longo do século XV III, não as povoaram e sim os que as
compraram a pedaços. A arquívia eclesiástica referente à zona—
1729— 1783—não menciona os seus nomes. Nem a arquivia civil.
Excetuam-se os citados irmãos Lobatos, João Lourenço, José de
Moura; os irmãos Antônio e João de Sousa Gulart; e Bento
Correia de Lima. Os ditos arquivos estão cheios dos nomes da­
queles a quem coube as sesmarias retalhadas pelo processo
citado.
Onde se encontram, nos séculos XV III, X IX e neste,

9) Devassamento do Piauí, Brasiliana, 5° série V. 255.


10) Antonio Bezerra, Algumas Origens do Ceará.
11) Antonio Bezerra, Algumas Origens do Ceará
12 IT A Y T E R A

as famílias descendentes daqueles sesmeiros? A Crônica do Vale


não as refere. Mas não ignora as descendências dos povoadores
efetivos, a partir de 1730: os Landins; os Pinheiros; os Gomes
de Melo; os Ferreira Lima; os Batistas; os Sobreira; os Macedo;
os Vitoriano Maciel; os Correia de Oliveira os Bezerra de Me­
nezes; os Sampaio; os Filgueiras; os Cardoso; os Pinto Madeira;
os Coelhos; os Cruz Neves; os Ribeiro da Silva (Esmeraldo);
os Sá Barreto; os Martins de Morais; os Oliveira Rocha; os Fur­
tado Leite; os Araújo Lima; os Moreiras; os Arnaud; os Adornos,
os Tavares Muniz; os Leite Rabelo; Jesus; os Pereira Pinto Calô;
os Godinhos; os Álvares de Matos; os Gonçalves Parente; os
Figueiredo; os Duarte; os Sousa Prêsa; os Mascarenhas; os Pi­
tas; os Castão; os Dantas; os Pereira Lima; os Maia; os Quen-
tal. São um exemplo, respigado ao acaso. Todos, proprietários
rurais nos seus troncos formadores, que se disseminavam, a
espaços, de Crato a Ribeira do Rio dos Porcos, inclusive, e eram
pernambucanos, sergipanos, baianos e até alagoanos—nos idos
do século XVIII.
Quanto à descendentes dos sesmeiros do século X V III,
existe apenas o vácuo, exceção feita de parte dos Alencares
descendentes de Leonel de Alencar Rego, o português, cuja es­
posa era filha do mencionado sesmeiro Antônio de Sousa Gularí,
em 1718 sediado, no Salamanca (Barbalha).
Em 1955, dei-me à tarefa exaustiva de identificar os
baianos sediados no Vale entre 1733 e 1800. Topei 467 (12).
Sesmeiros: dois, os citados Antônio e João de Sousa Gulart. Do
mesmo modo, precedí quanto aos colonos sergipanos. Topéi 160.
Sesmeiros: um, o dito coronel João Mendes Lobato (13).
Não encontramos, no mesmo documentário pesquisado,
descendentes dos sesmeiros pernambucanos do século X V III, e
êles foram muitos no Vale. Há a exceção para o ajudante João
Gonçalves Sobreira, sediado na aludida Ribeira, bem como Bento
Correia de Lima.
ÍNDICE TÍPICO
Tome-se o Livro das atas dos Trabalhos da Construção
da Matriz de São José dos Cariris Novos (Missão Velha), e aí
encontramos os nomes dos maiorais do Vale- São treis atas:
2.5.1762; 2.5.1763; 1.1.1791. Nelas, estão os nomes de sessenta
principais. Nem um, descendente dos prefalados sesmeiros. Cite-

12) Itaytera «Revista do Instituto Cultural do Cariri ano 1, n° 1, Crato,


1955—Titulo do trabalho; Concurso da Bahia na Formação da Qens
Caririense.
13) Idem, 1957—Título do trabalho: «Raizes Sergipanas...>
ITAYTERA 13

mos alguns dos aludidos principais ou patriarcas do Cariri de


antanho, os quais firmaram suas assinaturas nos ditos documen­
tos: capitão Francisco de Magalhães Barreto e Sá, (sediado no
Cariri em 1744), (14) capitão José Paes Landim (sediado no
Vale em 1731) (15); capitão José de Sá Souto Maior (situado
no Vale em 1744) (16) capitão Francisco Ferreira da Silva (se­
diado no Vale em 1736) (17): capitão Inácio de Figueiredo
Adorno (sediado no Vale em 1735) (18; ajudante José dos Mon­
tes e Silva (situado no Vale em 1739) (19); capitão Antônio
Pinheiro Lobo (situado no Vale em 1743) (20); alferes Gonçalo
Coelho de Sampaio (sediado no Vale em 1748) (21); alferes
Simão Cabral de Melo (fixado no Vale em 1743) (22); capitão
João Correia Arnaud; capitão Luis da Rocha Pita; capitão Fran­
cisco Gomes de Melo; coronel Antônio Lopes de Andrade; capi­
tão Antônio Gonçalves Dantas; capitão Francisco Pinto da Cruz;
sargento-Mor Arnaud de Holanda Correia; capitão João Gomes
Leitão; capitão Antônio Pereira de Brito; capitão Antônio Manuel
de Jesus; tenente Antônio da Cruz Neves; capitão Francisco X a ­
vier das Chagas; alferes Caitano Gonçalves de Sousa; capitão
Silvestre Ribeiro da Silva; capitão Domingos Paes Landim: sar­
gento-Mor Francisco Roberto de Menezes; capitão Bartolomeu
Martins de Morais; tenentes João de Oliveira Rocha e Gregório
Pereira Pinto; capitão José Pereira Mascarenhas; doutor Manuel
de São João Madeira; alferes João Fernandes de Morais; capitão
Alexandre Correia Arnaud; capitão-Mor Domingos Álvares de
Matos; tenente José Quesado Filgueiras Lima; José de Caldas
Costa; Manuel Gonçalves Parente; capitão Manuel Cardoso Via­
na; João Machado Jorge; tenente Manuel Prudente do Espírito
Santo; capitão João Tavares Muniz.
Extra-atas, podem-se citar: tenente-coronel Luis Furtado
Leite e Almeida; tenente Gonçalo de Oliveira Rocha; capitão
José Dàvila de Figueiredo; capitão Domingos Gonçalves Sobreira;
tenente-coronel Antônio José Batista e Melo; capitão Antônio
Moreira dos Santos; Antônio Pereira Gonçalves Martins Paren­
te; Antônio Macedo Pimentel.

14) Caderno de reg. de Cas. e Bat. CapeJa de M. Nova, 1742—47.


15) Liv. de reg. de Bat. Cas., ícó, 1729-83.
16) Liv. de reg. de Cas. e Bat. Capela de M. Nova, 1742-47.
17) Idem.
18) Antônio Bezerra, «Algumas Origens do Ceará».
19) Liv. de reg. de Cas. e B a t , Icó 1720—83.
20) Liv. de reg. de Cas. e Bat. capela de M. Nova, 1742—47.
21) Liv. de reg. Bat. M. Velha, 1748—64.
22) Caderno de reg, de Cas. e Bat. M. Nova. 1742—47.
14 ITAYTERA

Era verdade não descendemos dos sesmeiros octocentis-


tas, e sim, dos que lhes adquiriram as terras sesmeiras — os po-
voadores efetivos do Cariri.
PRESENÇA do FUNDADOR - VILA BRASILINDIA
O documentário histórico, de fonte escrita ou não, igno­
ra, como se disse, qualquer homem público ou seus atos públi­
cos, anteriores a julho de 1741, vinculados à cidade do Crato-
Nêste particular, surge, o primeiro na ordem cronológica, Frei
Carlos Maria Ferrara à frente de sua Missão Miranda de ín­
dios carius, a que se vieram juntar quixereus, curianeses, jucás,
icós e calabaças (Informação Geral da capitania de Pernambu­
co. 1749—Rio, 1908, Arquivo Nacional).
(Nascida de missão indígena, um século depois, Crato,
então vila, continuava etnicamente indígena. George Gardner,
que aqui permaneceu seis meses em 1838, o diz em seu «Via­
gens No Brasil», série 5a, Brasiliana, vol. 223, p. 152: «A popu­
lação da Vila orça por dois mil habitantes, quase todos índios,
puros ou mistiçados»).
Pela transcrição de documentos de autencidade e vera­
cidade inconcussas, quase todos copiados do original, deixarei
provado, sem sombra de dúvida, que a presença do citado capuchi­
nho à frente da referida Missão se prolongou desde sua funda­
ção até 1749, ou seja, de 1741 a 1749.
- 1741 -
«Aos trinta dias do mês de julho de mil setecentos e
quarenta e um, de licença do reverendo Cura, Diogo Freire de
Magalhães, batizou, o padre Mestre Frei Carlos Maria de Fer­
rara, na Igreja da Missão do Miranda, a Apolinário, filho de
Matias Lopes, foram padrinhos: Manuel Moreira e sua irmã
Lúcia de Sousa, filhos de Antonio Moreira, todos moradores
nesta freguesia, e lhe pôs os Santos Oleos — João Saraiva de
Araújo, Cura do Icó (Livro do Registro de batizado e Casa­
mento, 1741 — 1783, fls 2, Freguesia do Icó).
- 1742 -
«Aos vinte de novembro de mil setecentos e quarenta e
dois, na Missão do Miranda dos Cariris, termo desta freguesia,
e de licença minha, batisou, o padre Frei Carlos Maria de Fer­
rara, a Marcos, filho de Francisco do Rêgo e Melo e de sua
mulher Inês Bezerra. Foram padrinhos: o coronel Antonio Lo­
pes de Andrade e sua mulher Isabel Ferreira, todos moradores
nesta freguesia — O Cura João Saraiva de Araújo (Livro cit.
fls. cit.)
ITA Y T E R A 15

- 1743 -
3.12.1743 — Na qualidade de superior da Missão de
Miranda, Missionário e tutor dos catecumenos dela, os indios
Carius, Frei Carlos Maria de Ferrara, tomou posse das terras,
que o capitão-Mor Domingo Tavares de Matos e sua mulher,
d. Maria Ferreira da Silva, doaram à padroeira da mesma Mis­
são...” (Antonio Bezerra “Algumas Origens do Ceará” p. 179 e 180)
- 1745 -
“Em janeiro de 1745, Frei Carlos Maria de Ferrara e
seus companheiros auxiliares dedicam a Igreja da Missão do Mi­
randa à S. S. Trindade, à Nossa Senhora da Penha e Frei Fi-
delis de Sigmaringa, capuchinho e protomaitir da Propagação da
Fé (op. cit. p. 117)
- 1746 -
“Aos dezeseis de outubro de mil setecentos e quarenta
e seis, na Missão do Miranda, de licença minha, batisou, o pa­
dre Frei Carlos Maria de Ferrara, a Francisco, filho de Fran­
cisco do Rêgo e de sua mulher, Inês Maria Bezerra. Foram pa­
drinhos Anacleto Lins e Antonia da Rocha, mulher de Diogenes
Botão, todos desta freguesia — João Saraiva de Araújo, cura
de Icó," (Livro do Icó, cit. fls. 44).
- 1747 -
“Aos treze de fevereiro de mil setecentos e quarenta e
sete, na Missão do Miranda, de licença minha, batizou, o padre
Frei Carlos Maria de Ferrara, a José, filho de Custodio Gon­
çalves e Luiza Ribeiro. Foram padrinhos José Martins e Maria
dos Santos, de que fiz este assento — João Saraiva de Araújo,
Cura de Icó” (Liv. cit. fls. 46).
- 1748 -
“No primeiro de abril de mil setecentos e quarenta e
oito anos, na Igreja de Nossa Senhora da Penha da Missão do
Miranda, batizou, o padre Frei Carlos Maria de Ferrara, a An­
tonio, branco, filho de João Gonçalves Diniz e de sua mulher
Desidéria de Andrade. Foram padrinhos Francisco Ferreira Luna,
solteiro, e Angélica de Oliveira, de que fiz este assento. — José
Bezerra da Costa. Cura dos Cariris Novos” ( Liv. de reg. de
batizado, 1748 — 64, fls. 2, paróquia de Missão Velha)
16 IT A Y T E R A

- 1749 -
“Aos vinte e cinco dias do mês de dezembro de mil
setecentos e quarenta e nove, na Igreja de Nossa Senhora da
Penha da Missão do Miranda, desta freguesia de Nossa Senho­
ra da Luz dos Cariris Novos, batizou, o padre Frei Carlos M a­
ria de Ferrara, a L u i z , filho de Gertrudes, escrava do capitão
Francisco de Andrade, de que fiz este assento que por verdade
assinarei — José Ferreira da Costa, Cura dos Cariris Novos)
(Liv. cit. fls. 9).
N O T A —Na Praça da Sé, desta cidade, no local em que fun­
cionou a Missão do Miranda (antes instalada a três quilôme'
tros a sudeste da cidade, segundo Antônio Bezerra, op. cit.), hã
uma placa com a seguinte legenda: JA RDIM F R E I CARLOS
FER RA R A ; Equívoco. Na ordem dos Capuchinhos não houve
e não há um só frade com aquêle apelativo de familia. D e F e r ­
rara — é que estaria certo.
CR A TO , fevereiro, 1960.

— NOTA LITERÁRIA —
ABD1AS U M A

—José Alves de Figueiredo publica um livro valioso


para a história do Crato e consequentemente do Ceará: «Ana
Mulata», crônicas e contos. Relembra acontecimentos do Cariri,
rememora coisas de seu passado, de sua vida de jornalista, de
poeta. O livro revela um cronista de fôlego, um contista de re­
cursos ilimitados. Eis um trecho de prosa poética (não esqueça­
mos que o autor é também poeta, com bons sonetos:) «Fecho
os olhos e vejo (o Crato) no rosto dos entes queridos que são
pedaços de minha alma; no ouro de suas manhãs cheias de sol
criador e fecundo, que enche de luz o céu formoso, e as suas
amplidões abertas; na asa aveludada das sombras que envolvem
suas atuais noites, sem a caricia morna da luz elétrica; nas ár­
vores frutíferas dos quintalejos, agigantando-se aos beijos do
vento e saturando de perfumes todo o ambiente; nos topos vi-
rentes das colinas aue o cercam, entrançados de ninhos onde
as rolinhas vivem com os biquinhos em noivado; no cristal das
águas do Grangeiro que, de tanto limpar, se tingem de negro e
que de tanto dessedentar chegam às plantas da cidade, adelga-
çando-se, tremendo, reduzindo-se e morrendo nas areias sequio­
sas, como num holocausto».
(Extr.)
Oioééa Semlyora d a Penlya de -f’rança

PADROEIRA DO CRATO

Introdução

I - NOSSA SENHORA DA PENHA DE FRANÇA


O RIG EN S DA INVOCAÇÃO
Penha de França, em terras de Espanha
Outra versão: nos confins de França

D IFUSÃ O DA D EVO ÇÃ O
Prodígios multiplicados
Milagre de Guimarães
Milagre de Lisboa
Rio de milagres
Nossa Senhora da Penha em Lisboa

D EVO ÇÃ O NA TE R R A DE SAN TA CRU Z

A fé dos conquistadores
Vila Velha, no Espírito Santo
Irajá, no Rio de Janeiro
Recife, em Pernambuco
Sobre o mapa do Brasil

II - A PADROEIRA DO CRATO
Nos domínios da lenda
À luz da verdade histórica
As três imagens —Uma relíquia histórica
A comunidade religiosa: Paróquia e Diocese
O Templo—a Casa de Maria
A devoção do povo do Crato
A Festa da Padroeira
Fenômenos prodigiosos

Conclusão
F R l f P —
PADROEIRA DO CRATO
(Padle £u&en& tCá&íio-
CURA DA CATED RAL
E
SÓCIO EFETIVO DO INSTITUTO
CUITURAI. DO CARI RI.

I NTRODUÇÃO
Não raro, o patrimônio histórico transmitido, de geração
em geração, tem como fonte primeira a tradição oral, somente
depois documentada por escrito. Até episódios importantes na
vida dos povos, por vêzes, não conheceram historiadores con­
temporâneos e a sua crônica nos chega recomposta posterior­
mente por quem se louvou em documentos remanescentes ou no
testemunho da tradição popular.
Não é, pois, de estranhar a quase inexistência de literatura
sobre a devoção a Nossa Senhora da Penha de França. Disto
já nos dá notícia, em Sermão pregado em Lisboa, no ano de
1652, o celebrado Orador que foi Padre Antonio Vieira, cujas
palavras não se resumem, repetem-se: «como a matéria para
todos é tão grande e para mim, sobre tão grande, era tão nova:
para ter mais que por fama as notícias e documentos do que
havia de dizer deste famosíssimo santuário, pedi o livro de sua
história e dos seus milagres. E que vos parece que me respon­
deríam? Esperava eu que me dissessem que eram tantos os vo­
lumes, que faziam uma livraria inteira. Responderam que não
há livro. Não há livro da história e milagres de Nossa Senhora
da Penha de França? Pois seja essa matéria do sermão, já que
me não dão outra» (O Crisóstomo Português, pag. 171).
Assim, à falta de informações precisas, escapa-nos a pos­
sibilidade de recompor algumas passagens e nos falecem os meios
de dirimir as controvérsias sobre a verdade histórica. Por isto,
não nos propomos um estudo profundo, mas apenas a divulga­
ção da matéria por ventura respigada e coligida de algumas fontes.
O roteiro que nos traçamos abordará inicialmente as
origens da invocação na Europa e, a seguir, a propagação da
devoção em rincões do Brasil, para focalizar, enfim, a presença
de Nossa Senhora da Penha de França nesta sempre católica
e devotadamente mariana terra do Crato.
18 IT À Y T E R A

ORIGENS DA INVOCAÇÃO
PENHA D E FRAN ÇA, EM T E R R A S
D E ESPA N H A
No início do século oitavo,, as ordas muçulmanas de
Árabes, partindo da África, invadiram a Península Ibérica (711)
e aí desencadearam uma onda de perseguição religiosa que in­
vestia contra os costumes cristãos. Se alguns se acomodavam
a uma vida mozarábica, contrariados em sua liberdade civil e
religiosa, muitos outros, levados pelo sôpro da fé e do patrio­
tismo, fugiram para as montanhas, de armas na mão. Sob o co­
mando de um grande herói que foi Pelágio, Duque de Cantá-
bria, ofereceram vigorosa resistência, na região das Astúrias, e,
estimulados pela miraculosa vitória conseguida numa gruta con­
sagrada à Virgem Maria, prosseguiram na luta libertadora, que
se alongou pela Idade Média até que da Província fosse expul­
so o último muçulmano.
Antes, porém, que os cristãos retomassem, com a vitó­
ria de Granada (M92), o domínio político peninsular, os Mou­
ros vindos da África, no século doze, haviam recrudescido a
perseguição aos cristãos, impondo-lhes o rigor de um duplo im­
posto e a provação do fanatismo muçulmano. E, em sua fúria
inconoclausta, não poupavam nem templos nem imagens.
Pessoas piedosas, por isto, como quem defendia um te­
souro valioso, procuravam esconder em lugares seguros e ocul­
tos as imagens queridas e veneradas em seus lares e santuários.
Tal o que aconteceu na vizinhança de Ciudad Rodrigo,
situada na Província espanhola de Salamanca. Aí, nessa região
de Castela Velha, existe um alcantilado monte, isolado e muito
semelhante a uma penha, onde umas famílias francêsas se refu­
giaram, ao tempo de terríveis devastações. Por causa disto, sem
dúvida, passou a ser conhecida por P en ha de F rança este mon­
te, no qual ficou escondida a antiga imagem trazida pelos refu­
giados.
Reza a tradição popular que Simão Rochão, recolhido
a um mosteiro da Ordem Franciscana, na aldeia francesa de
Le Puy, no Alto Loire, repetidas vêzes, foi avisado em sonhos
de que uma imagem de Nossa Senhora estava perdida numa
inóspita serra da Espanha. Em sua visão celestial, também uma
voz se ouvia a segredar: «Simão, vela: não durmas»... E, por
isto passando a atender por Simão Vela, segundo o testemunho
do Padre Colunga, em «Nuestra Senora de la Pena de Fran-
cia», fez-se peregrino e pervagou por longos cinco anos até que,
no dia 19 de maio de 1434, teve a graça de encontrar a mila­
1T A Y T E R A 19

grosa imagem. Escavando bem no cume da escarpada montanha,


descobriu o sonhado tesouro, representado num vulto da Virgem
com a figura do Menino Jesus no braço esquerdo e empunhan­
do com a dextra o cetro real. De logo, a imagem se tornou co­
nhecida por Nossa Senhora da. Pe-nha de França.
Em transportes de júbilo e reconhecimento, o Monge
devoto construiu, nesse mesmo local, uma ermida tosca e peque­
na, mas, a própria Senhora «se encarregou de torná-la célebre
e grande pelos muitos milagres que logo principiou a fazer em
favor dos fiéis de diferentes nações». (Mês de Maria, de M.R.)
Dentre os inúmeros milagres e prodígios, operados pela Mãe
de Deus, nestas paragens, conta-se o da nevada. Fugindo à
perseguição de perigosos inimigos, umas famílias aflitas avizi­
nharam-se do local onde fôra encontrada a Imagem, quando
deram pela aproximação surpreendente dos seus perseguidores.
Então recorreram com viva fé e confiança a Nossa Senhora da
Penha de França, impetrando a sua proteção com a veemencia
e o ardor de quem não vê outro meio para escapar à morte.
Um movimento forte e uníssono de oração comoveu a Mãe de
Deus e eis que Nossa Senhora da Penha os acode, numa evi­
dente e miraculosa intervenção, que faz dispersar os bandolei­
ros entre as brumas da densa nevada e cobre de venturas o
coração dos seus devotos, aparecendo radiante e luminosa, nu­
ma visão tranquilizadora.
A noticia se propalou celeremente, correndo mundo com
a velocidade de um relâmpago, e de toda parte afluiam os fiéis
para visitar o lugar abençoado dos céus e aí impetrar a valiosa
proteção da Mãe de Deus.
Confiada a ermida aos cuidados dos Religiosos de S.
Domingos, estes empreenderam uma obra gigantesca e erigiram
um dos mais suntuosos e ricos santuários da Espanha, no qual
mantêm religiosamente um magnífico e respeitoso culto. Domi­
nando o panorama pitoresco do vale formado pelas serras da
Gata, em cujo seio os Carmelitas ergueram, em 1599, o San­
tuário de las Batuecas, a Penha de França recebe uma incom-
putavel multidão de devotos que, mesmo no rigor do inverno,
afrontando o excesso de frio, visitam a milagrosa Imagem. As
esmolas em cera, dinheiro e ornamentos bem testemunham a
grandeza da fé e devoção do povo, superadas apenas pela cópia
de prodígios aí multiplicados pela Senhora da Penha.
20 ITAYTERA

O U TR A V E R SÃ O : NOS C O N FIN S
DE FRAN ÇA
Corre, entretanto, outra versão sobre a origem da de­
voção a N. S. da Penha, cuja aparição se teria feito nos con­
fins da França com a Espanha, não pela invenção de uma ima­
gem enterrada, mas com a visão mesma da Mãe de Deus. Eis
como o Diário de Pernambuco, no seu número de 3 de setem­
bro de 1910, descreve o fato:
«Foi precisamente nas fraldas dos Pirineus, nas vizi­
nhanças de Páu, às margens do Gave, sobre uma branca e es­
carpada montanha, coberta de vegetação, que se deu a aparição
milagrosa, de que vamos falar.
Em época assás remota e desconhecida, encostado a
uma pedra, pastoreava seu rebanho o inocente peregrino Simão
Pedro, devotissimo de Maria, o qual se deixou inadvertidamente
vencer pelo sono importuno.
Um faminto crocodilo, saindo das margens verdejantes,
avançava rapidamente, de fauces abertas, em direção do pobre
pastor e estava prestes a tragá-lo, quando num instante apare­
ce, librada nos ares, por entre miríades de Anjos, resplande­
cente como a Aurora, Maria Santissima, que sustentando com
a mão esquerda o Menino Deus, empunhava com a direita o ce-
tro do seu poder formidável, em ato de intimar o feroz anfíbio
a recuar imediatamente deixando incólume o seu devoto Simão.»
De várias maneiras, esta crônica é retratada e confir­
mada em Recife e nas regiões para as quais a devoção foi le­
vada pelos Capuchinhos pernambucanos. Assim, a própria ima­
gem venerada na atual Igreja da Penha, como aliás a grande
Imagem, recentemente colocada no Altar-Mor da Catedral do
Crato, afugenta o jacaré que ameaça o pastor Simão. Igualmen­
te, um mosaico precioso colocado acima da porta principal da
Basílica, historia da mesma maneira a aparição, que, também,
está reproduzida em artística e valiosa tela, muito bem conser­
vada no Hospício dos Capuchinhos, em Recife.
A intervenção da Virgem contra o crocodilo agressor,
como era natural, está presente nos devocionários destas zonas.
O Colóquio que se reza na tradicional Novena de N. S. da
Penha, divulgada pelos Missionários pernambucanos, põe nos
lábios do devoto as seguintes palavras:
«Amabilíssima e sempre Virgem Maria, Vós que das
alturas no Monte Eterno vos dignastes descer sobre os limites
da França, aparecendo qual refulgente Aurora nessa como sem­
IT A Y T E R A 21

pre memorável Penha, onde o inocente Simão pastoreava seus


rebanhos e descuidado adormecera, para livrá-lo das garras do
feroz crocodilo que iminente o ia tragar... acordai do sono do
pecado aos adormecidos pecadores e livrai-os das astúcias do
infernal crocodilo»... O «Novo Mês de Maria» publicado pelo
Missionário apostólico Fr. Serafim de Catania, em edição que
não acusa a data mas se denuncia antiga, pois que o Autor
aportou em Olinda a 11 de setembro de 1841, traz à página
321, entre os versos do Colóquio da Novena, esta invocação:
«Ó Mãe de Deus, ó inclita Senhora,
Que libertastes o fiel Simão
Das fúrias do íarrélico dragão,
Mostrando ser dos homens defensora;
Dos males defendei-nos, sem demora».
Poder-se-ia ainda trazer à baila uma passagem do su-
pra-citado Sermão do Padre Vieira, que talvez advogasse a ve­
racidade desta segunda versão. À certa altura, exclama o cele­
brado Orador Sacro: «naquele altar, está a Penha transplanta­
da de França a Castela, de Castela a Portugal»...(Ibidero, pag.
1 7 3 ).
Todavia, esta palavra também se comporia muito bem
com a narração espanhola, pois que a Imagem encontrada mira-
culosamente, no alcantilado monte de Castela, teria sido levada
para ai por francêses fugitivos. Ademais, seria de estranhar o
silêncio do genial Pregador, que podería ter encontrado o melhor
argumento para o seu Sermão na admiravel história de tão pro­
digiosa e arrebatadora intervenção da Mãe de Deus. Ora, nem
alusão ao fato, que, se fôra contemporâneo da aparição, de certo,
correria parelhas com a sua difusão, uma vez que serviría de
ótimo veículo para a propaganda.
Vale, outrossim, ponderar o desconhecimento de circuns­
tância tão distacada e que tanto colorido empresta ao aconteci­
mento. Divulgou-se a devoção e, em várias regiões, a Imagem
venerada, que invariavelmente, aparece com a sua majestática,
porém meiga, expressão de Rainha, trazendo sempre o Filho à
esquerda e o cetro à direita, esta querida Imagem não se acom­
panha do devoto Simão nem do traiçoeiro crocodilo. Isto, pelo
menos, é o que nos testemunham os documentos sobre os Templos
e Santuários da Penha de França, perto de Ciudad Rodrigo, de
Vila Velha, no Espirito Santo, de Irajá, no Rio de Janeiro, de
Itapagipe, em Salvador. O próprio «O Santuário de N. S. da
Penha em Lisbôa» também reporta a notícia histórica da apari­
ção em Castela, em concordância com a descrição que levamos
resumida.
22 IT A Y T E R A

As informações contraditórias, como se vê, levam-nos a


uma séria controvérsia. Seria possivel dirimí-la? Infelizmente, a
nós nos faltam documentos que autorizem a firmar uma conclu­
são certa. Ou que nos forneçam argumento firme para a expli­
cação desta divergência.
E mais ainda cresce a dificuldade para depurar a verda­
de histórica, bateando-a do meio dessa ganga de crônicas discor­
dantes, quando nos deparamos ante a narração do milagre que
se terá realizado, junto ao Rio de Janeiro, no sítio lrajá. Aí, a
intervenção de Nossa Senhora da Penha, ardentemente invocada
num momento de perigo, provocou o aparecimento misterioso de
um lagarto para livrar o devoto dos assaltos de uma serpente.
Assim, narram as crônicas e a Imagem de Nossa Senhora da
Penha o confirma no altaneiro Templo de lrajá.
Diante disto, quê hipótese seria razoavel aventar no
sentido de explicar a versão familiar à Província pernambucana
e, provavelmente, oriunda de Portugal? Poderia, efetivamente,
um prodígio ter-se dado nos Pirineus, em favor de um devoto
que já costumasse invocar a Senhora da Penha, antes encon­
trada em terras de Castela. Este fenômeno extraordinário, com
as côres vivas de sua descrição, valeria eloquentemente para
angariar a simpatia do povo e inspirar confiança na proteção
de Nossa Senhora da Penha. Tal, o argumento que os francis-
canos tomariam para a difusão de tão salutar devoção, introdu­
zida em nossa terra, como em outras regiões de missão.
Noutra suposição que desse a explicação desta crença,
parecería plausível admitir qualquer influência da noticia do pro­
dígio de lrajá? Esta, naturalmente alterada, haveria sido enxer-
tada na crônica da aparição, propalada na zona de missão dos
Capuchinhos de Olinda—Recife. Claro que o título de Penha de
França, facilmente, induz a pensar que o fenomeno teve lugar
precisamente na pátria de Simão Vela. Mas, seria de mister
muito esforço de acomodação a fim de aceitar a transformação
do peregrino franciscano em simples pastorinho. E mais ainda
para, suprimindo a presença da serperte, transmudar o crocodilo,
de oportuno defensor, em feroz salteador. Mesmo admitidas as
condições daquele tempo, em que não havia meios de divulgação
e tudo quanto atravessasse o Atlântico surgia na Europa envol­
vido numa aura de mistério e fantasia, mesmo concedendo-se
que a recomposição histórica da aparição se tenha feito bastante
tempo depois, continua inverossimel que o milagre de lrajá haja
influído na versão em pauta.
Por outro lado, não deixa de parecer enigmático silen­
ciassem os Capuchinhos a circunstancia de que o peregrino Si­
mão era terceiro franciscano, para apegar-se à figura de um
IT A Y T E R A 23

pastor gaulês. Como justificar essa atitude exquisita? Teria sido


por inteiro desconhecimento dos prodígios da Penha de França,
na Salamanca, onde o herói que colheu a glória da predileção
celeste, sobre o ser da França, também era filho d» S. Francisco?
Frei Pedro P a l a c i o s , i g u a l m e n t e Irmão leigo da
Ordem Franciscana, foi o apóstolo primeiro de Nossa Senhora
da Penha, no Brasil, sem contudo dar sinais de esposar a opi­
nião que apresenta por protagonista o pegureiro adormecido.
Não sabemos aliãs, quando teve inicio a circulação desta segunda
crônica, a qual teria chegado até nós, desde a primeira hora,
com os Capuchinhos franceses, ou também poderia ter sido
importada ao depois, num esforço de afervoramento da devoção.
Desconhecemos se subsistem comprovantes de que os Missio­
nários aprisionados, sob o Dominio Holandês, propagavam esta
noticia. Ao que tudo indica e comprova, a vetusta Imagem cul­
tuada na Missão do Miranda e hoje ainda querida do povo do
Crato, veio de Recife como sendo a primitiva trazida pelos Ca­
puchinhos. Ora, ela não apresenta o menor sinal que lembre a
proteção contra o crocodilo.
Remetemos, por isto, esta questão aos estudiosos, a ver
se projetam alguma luz sobre a gênese desta crônica e sua pos­
sível composição com a anterior. A favor desta, por certo, con­
tinuam falando bem alto os testemunhos comprobatórios da in­
venção da Imagem da Penha de França, na Província de Sala­
manca. O suntuoso e soberdo Santuário, dirigido pelos domini­
canos, é um marco expressivo, realçado pelos ex-votos e pela
devoção popular. Também, militam por esta causa os dados
preciosos, que nos transmitem a data exata e o local. Tudo isto,
numa convergência de informações que nos autorizam a dar fé.
Pelo menos, até que se prove o contrário, esta se oferece como
a posição mais segura e mais prudente.
24 IT A Y T ERA

DIFUSÃO DA D EV O Ç Ã O
p r o d íg io s m u l t ip l ic a d o s
A notícia dos prodígios multiplicados em Penha de França
propalou-se rapidamente, difundindo-se principalmente pela Pe­
nínsula Ibérica. Espanha e Portugal tornaram-se, naturalmente,
devotos de N. S. da Penha de França. Em muitas partes, re­
corria-se com fervor à excelsa Protetora e, à força de tantas
súplicas, graças repetidas e extraordinárias se foram alcançando.
Assim, com a admiração e gratidão por novos prodígios, maior
entusiasmo se criava e crescia, suscitando consequentemente a
construção de ermidas, templos e santuários em honra da sobe­
rana Rainha dos Céus, sob a grata invocação de Nossa Senhora
da Penha de França.

MILAGRE DE GUIMARÃES
Dentre os testemunhos eloquentes de que a Virgem aben­
çoava esta devoção, transmite-nos a tradição popular o m ilagre
d r G uim arães, cidade antiga da Província do Minho, que pode
colher a glória de ser o berço de Afonso Henrique, primeiro
Rei de Portugal. Por volta do ano de 1470, um estremoso pai de
família saira com a esposa a trabalhar no campo, deixando sozi­
nhas em casa as crianças pequeninas. Tomado de apreensões
invencíveis, assaltado pelo mêdo de algum desastre para os
filhinhos, rezou ardente e comovidamente a Nossa Senhora da
Penha, suplicando-lhe protegesse o seu Lar e trouxesse ao cora­
ção aflito o conforto da tranquilidade. Nesse instante, respon­
dendo à sua fervente oração, diz a lenda, apareceu a Senhora
da Penha, assegurando uma proteção para os filhos e conce­
dendo-lhes uma benção carinhosa.
MILAGRE DE LISBÔA
Mais impressionante, teria sido o m ilagre de Lisboa- Nas
cercanias da Cidade, caçavam dois amigos, dos quais um chega­
ra à iminência de um naufrágio, escapando apenas por lhe ter
o outro acodido, arrastando-o para fóra. Ao atingir a margem,
entretanto, viu o náufrago que uma matilha de lobos vorazes se
precipitava sobre o seu benfeitor. Um momento de suspense os
dominou a ambos, quando surpreendentemente surge o cão, fiel
companheiro da caça, e trava luta mortal com as feras enfai-
madas. Mas, vendo que logo sucumbiría o cão amigo nas garras
de tantos e terríveis inimigos, dobraram o joelho em terra e,
num grito confiante de socorro, clamaram por Nossa Senhora
da Penha. Pois, nesta hora angustiante, narra a crônica lendá-
IT A Y T E R A 25

ria, o vulto resplandescente da Virgem Maria sobrepairou à


cena, aquietando-se os lobos ferozes que calmamente se retira­
ram, entretanto que os devotos validos caíam em transportes,
ante o terno sorriso de Nossa Senhora da Penha.
RIO DE M ILAGRES
Desta sorte, os milagres de Nossa Senhora da Penha
se multiplicaram e a sua fama correu de boca em boca, irradi­
ando-se a sua devoção. Se poucos e vagos são os registros
históricos de tate maravilhas, nem por isto podemos duvidar de sua
existência. Senão, vejamos como de sua grandeza e número nos
faz testemunho incontestável o singular Pregador do século de­
zessete. Nesse curioso e arrebatador Sermão sobre Nossa Se­
nhora da Penha, pregado na Igreja do seu nome, em Lisboa, o
Padre Vieira dá conta não apenas dos muitos prodígios, senão
ainda da razão por que se não registravam em documento. «Pois,
se não foi indevoção nem descuiio, por que razão não hã livro
da história e milagres da Penha de França, deste nome, deste
templo, desta imagem, deste assombro do mundo, a que justa­
mente podemos chamar o maior e o mais público teatro da
onipotência? Sabeis por que? Porque do que não cabe em livros
não há livros. Nas matérias grandes o atrever-se a escrever é
engrandecer a pena: não se atrever a escrever é engrandecer a
matéria». (Ibid pag. 171). E pouco adiante, ajunta: «Quem quizer
ver os milagres da Penha de França não é necessário que os
vá ler no papel, venha ver com os olhos...Os rios sempre estão
a passar e nunca passam. Assim são os milagres de Penha de
França: um rio de milagres» (Ibidem, pag. 172 e 173).

N O SSA SEN H O RA DA PENHA DE FRANÇA,


EM LISBÔA
A propagação do culto de Maria, sob a invocação de
Nossa Senhora da Penha de França, bem cêdo ganhou os cora­
ções de espanhóis e portuguêses, ultrapassando as fronteiras dos
Reinos e penetrando em terras d’Ãfrica e do Novo Mundo. Já
no meado do século dezesseis, a devoção se firmava no Brasil,
onde se erguia a primeira ermida, em Espírito Santo.
Pouco depois, Portugal, que tão bem acalentara, desde
a primeira hora, esta salutar devoção, também plantava a semente
de um suntuoso Santuário de Nossa Senhora da Penha de
França.
Arrastado pela voragem da luta, o escultor português
Antônio Simões se debatia desesperadamente, na fatal batalha de
Alcacer-Kibir. Em meio à refrega terrível, vendo bailar nos
26 IT A Y T E R A

olhos a silhueta dantesca da morte, recorreu ele a Santa Maria,


M ãe de Deus, firmando a promessa de esculpir-lhe sete imagens,
se merecesse a graça de ser reconduzido à Patria.
De regresso a Portugal, passou a cumprir o seu voto, mas,
feitas as imagens de seis invocações, hesitou sobre a escolha da
última. Um padre jesuita sugeriu-lhe, então, a escolha de Nossa
Senhora da Penha de França, pois que «havia perto de Salamanca
outra assim chamada e muito célebre pelos seus milagres». Colo­
cada a Imagem na ermida de N. S. das Vitórias, resolveu o
artista edificar uma própria, lançando a 25 de março de 1597 a
pedra fundamental, na Cabeça do Alperche, que logo passou a
chamar-se de Penha de França.
Já em maio do ano seguinte, a Imagem era venerada em
seu Santuário, onde muito cêdo operou maravilhas, constituindo-se
autêntico refúgio dos aflitos. Voltando a peste a grassar na
Cidade, a população em pêso acorreu, pressurosa, a impetrar a
proteção de Nossa Senhora da Penha de França. «Apesar de
tantos rogos, o flagelo cedeu apenas quando o Senado fez o voto
de alargar a ermida, enriquecendo-a também com bôas alfaias,
e de organizar anualmente uma procissão, indo no primeiro ano
todos descalços». E , realmente, a 5 de agosto de 1599, fazia-se
a procissão, em que rendiam graças Governo e povo.
A pequena ermida, em 1604, por diligência da Câmara,
se transformava em rico Santuário que recebeu do Papa Cle­
mente V III, entre outros privilégios, o de não poder se levantar
em Portugal outro templo com igual invocação.
Nesta veneranda Casa de M aria, é que se fez ouvir o
verbo inflamado e rico do Padre Antonio Vieira, meio século
após sua ampliação. Entretanto, a 1 de novembro de 1755, o
terremoto, que sacodiu parte da Cidade de Lisboa, fez derruir
o Santuário de Nossa Senhora da Penha de França, cuja Ima­
gem, conseguiu escapar quase intacta, sob os muitos escombros.
E na atual Igreja do Alperche, reconstruída em 1758, segundo
documenta a inscrição latina da balaustrada junto à entrada, no
altaneiro Santuário de Lisboa, demora a mesma querida e histó­
rica Imagem de Nossa Senhora da Penha de F rança, esculpida
pelo devoto artista que, na derrota do Alcacer-Kibir, encontrou
a vitória na confiança em Maria.
IT A Y T E RA 27

A D EVO ÇÁ O NO BRASIL
A F É D O S C O N Q U IS T A D O R E S
Quando a brava gente lusitana se afoitou aos «mares
nunca dantes navegados», o fez tangida pelo sôpro do patriotis­
mo e da fé. E onde quer que drapejava a Bandeira de Portugal,
aí era chantado o estandarte da Cruz. A fidelidade a Deus e
a seu Rei inspirou e assistiu aos valentes conquistadores e colo­
nizadores portugueses, que, a despeito de alguns defeitos, pon-
tilharam os seus caminhos e as suas estâncias com a luz da
Civilização e do Cristianismo.
Natural, por isto, que entre os sentimentos nobres e
cristãos, transplantados da Pátria Lusitana às outras paragens,
carregassem a devoção cristianíssima à Santa Maria, Mãe de
Jesus. Sob as mais diversas invocações, a Santíssima Virgem
era cultuada pelos navegadores, sujeitos aos perigos do mar
desconhecido, como pelos colonos e nativos, expostos às incer­
tezas de inimigos traiçoeiros. A corografia bem testemunha o
apreço e amor a Nossa Senhora, cujo Nome borda piedosamente
a orla do litoral brasileiro.
Ora, a devoção a Nossa Senhora da Penha de França,
ao tempo das descobertas, já estava sobejamente e amplamente
difundida no Reino. Nas horas de apuros, o grito de socorro
que de muitos nascia instintivamente era uma prece dirigida à
Protetora dos aflitos: «Valei-me, Nossa Senhora da Penha»! A
própria literatura refletiu esta crença e este costume. Razão
porque encontramos esta invocação na boca de alguns persona­
gens de Bernado Guimarães, de Joaquim Manoel de Macedo e
de outros escritores. Até o nosso brasileiríssimo José de Alencar
arranca este brado do coração de alguns dos seus tipos que,
tão vivamente procuravam incarnar a vida.
V IL A V E L H A , NO E S P ÍR IT O SA N T O
A devoção à Senhora da Penha de França veio para o
Brasil com a mesma crença dos conquistadores.
O primeiro templo, contudo, dedicado a Maria, sob esta
invocação foi edificado na antiga Capitania do Espírito Santo.
No ano de 1558, aportavam em Vila Velha o Irmão leigo da
Ordem Franciscana Frei Pedro Palácios. Natural de Medina
do Rio Sêco, na Espanha, abandonara as honras da nobreza e
os prazeres do mundo e, tomando o burel de São Francisco,
abraçou as provações e privações do claustro, onde se devotou
edificamente ao culto da Mãe de Deus.
Chegando ao Brasil, o religioso se recolheu às alturas
28 IT A Y T E R A

de um morro, junto à Vila Velha, no Espirito Santo, ai erigindo


um pequeno oratório onde expôs à veneração pública uma Ima­
gem de Nossa Senhora da Penha, debuxada em painel reduzido,
trazida de Portugal.
Devoto fervente, Frei Palácios teria escolhido para habi­
tação uma cavidade do rochedo, de onde podia ver a estampa
querida, abrigada no seu pavilhão retangular de 15 palmos de
altura, onde a custo cabiam meia dúzia de pessoas.
A fama de santidade de que gozava o Religioso e os
admiráveis prodígios em toda parte multiplicados pela Santa, bem
cêdo impressionaram os índios e portugueses, que se deram a
visitar frequentemente a capelinha de Nossa Senhora da Penha.
Com a crescente afluência dos fiéis animou-se Frei Palácios e
em 1566 iniciou a construção de «uma ermida, ao redor de duas
palmeiras, que eram a única vegetação que havia no local, pros­
seguindo os seus trabalhos até o ano de 1570.»
Quase heróica foi a emprêsa, a despeito da ajuda dos indí­
genas catequizados, uma vez que todo o material de construção
tinha de ser carregado aos ombros até ao sopé do monte, com­
pletando-se o transporte à força de braços. Segundo a tradição
local, transmitida no Livro do Mês de Maria, de M. R., «para
animar os piedosos operários, o céu fez nascer abundante fon­
te de agua em cima do rochedo todo o tempo que durou a obra;
apenas se acabou a ermida, cessou a fonte.»
Então, a devoção já lançara raizes no coração do povo,
que nos transes mais dificeis recorria à Senhora da Penha e
d’Ela obtinha valimento.
Este altaneiro Santuário da Penha, que domina as vagas
do Atlântico como autêntico farol da fé, penha soberba e natu­
ral que ofereceu o primeiro trono de pedra à Virgem Maria,
ele tem conhecido prodígios e graças extraordinárias. Uma das
páginas mais brilhantes de nossa epopéia na luta contra os in­
vasores holandêses, não se pode escrever sem consignar a
presença miraculosa de Nossa Senhora da Penha de França.
Numa resistência horóica, que tinha por alma a preservação da
fé católica, justo era comparecesse o poder de Deus e resplan­
decesse a glória de Maria. E ninguém desconhece os chamados
milagres de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha.
Fracassada a primeira tentativa de invadir a Vila de Vi­
tória, a 12 de março de 1625, voltaram os holandêses a assal­
tar o Espirito Santo, no ano de 1640.
Às ordens do Coronel Koen, conquistador de Angola,
poderosamente armados, investiram os batavos contra Vitória e,
repelidos por uma tenaz resistência que fez dos oficiais muitos
IT A Y T E R A 29

mortos e feridos, decidiram avançar contra Vila Velha, que não


pôde ser defendida pelos Capitães Adão Velho e Gaspar Sarai­
va, tamanhos foram os reforços enviados pelos inimigos. Então,
dominando por três dias o lugar de onde seriam enxotados, a 2
de novembro, pelo Capitão-mor João Dias Guedes, resolvem os
hereges saquear o Convento da Penha. Marcham impulsionados
pela cobiça e pela impiedade, mas qualquer coisa de extraordi­
nário os detém e dispersa. Vamos passar a palavra ao reno-
mado historiador Guatavo Barroso: «Neste segundo ataque ho­
landês ao Espirito Santo, segundo a tradição oral e escrita, se
deu o Grande Milagre da Penha, que no Majestoso Convento
desse nome um grande quadro de Benedito Calixto perpetua.
Tendo os hereges tomado Vila Velha, escalaram o íngreme e
alto morro em cujo tôpo, como um castelo medieval, se alcan-
dora o mosteiro de Nossa Senhora da Penha de França, o
mais impressionante monumento do Brasil antigo. Seduzia-os a mi­
ragem de suas riquezas em obras de ouro e prata. O santuário
franciscano estava deserto e a própria imagem da excelsa Pa­
droeira fôra retirada e posta a salvo com todo o cuidado. Su­
biram os mercenários de Joacb Koen as esconsas ladeiras do
monte e mal atingiram a esplanada que antecede o edifício al­
taneiro denominada Campinho, em uma de cujas extremidades
se ergueram as ruinas da pequena ermida de Frei Pedro Palá­
cios, seus olhos se esbugalharam de assombro: o convento
transformara-se como por encanto em ameada e segura fortale­
za, coroada de soldados em armas, enquanto pela rampa que
dela descia marchavam ao encontro dos invasores esquadrões
de cavalaria com as lanças faiscando, mangas de arcabuzeiros
prontos a disparar suas armas, legiões de infantes brandindo
piques, alabardas e partazanas refulgentes e, então, foi uma de­
sabalada até as praias, aos batéis, às chalupas e aos lanchões
que os levaram para bordo»... (Revista O Cruzeiro, 15. 2. 58
pag. 65).
Outra vez, se fez notar o valor de Nossa Senhora da
Penha. Para não diminuir o peso da autoridade, devolvemos à
fala o mesmo historiógrafo em Segredos e Revelações da His­
tória do Brasil: «outro foi o milagre, menos espetacular, porém,
de maior efeito. Vinham famintos e sequiosos das alfaias, pra­
tarias e jóias do cenóbio. Desembarcaram à surdina dum navio
pirata, «subiram o morro da Penha e surpreenderam o irmão
Frei Francisco da Madre de Deus orando perante o altar de
Nossa Senhora. Invadiram o convento. Alguns religiosos fugiram:
Frei Francisco, porém, continuou imóvel, enquanto sibilavam as
armas e os inimigos saqueavam tudo. Mas, ao tentarem retirar
á corôa e o manto da imagem, o religioso suplicou não o fizes­
sem,—ele mesmo os tiraria, a fim de evitar tanta profanação.
30 ITÀ Y T E R A

Um dos holandeses tentou arrancar o anel valioso da imagem,


e não o conseguiu, nem mesmo cortar a mão e o próprio dedo
da Virgem da Penha. Mas o herege se apossou do Menino
Jesus e, diante das súplicas do frade, respondeu que levaria o
Menino para o Recife, para brincar com outro que lá existia.
Disse-lhe então, o religioso:
— Vai-te embora e lá verás os brincos que te hão de custar ca­
ros: este será o último atrevimento dos teus companheiros no
Brasil. Porque isto só bastava para castigo teu e dos mais!»
Bôca de praga! Os piratas na sua derrota para o Sul,
tentando refrêsco em Cabo Frio, viram-se duramente atacados
pelos índios. Tiveram de voltar logo ao Recife, onde encontra­
ram em agonia o domínio de seus compatriotas feridos de mor­
te nos Guararapes. Pouco depois, capitulavam e, conforme de­
põe Machado de Oliveira, alfaias, jóias, paramentos e pratarias
do convento da Penha foram retomados, voltando para onde
antes se encontravam.
Desta sorte, segundo o antigo e singelo cantar do povo:
Nossa Senhora da Penha
tem soldados a valer,
que lhe deu Nosso Senhor
p’ra seu povo defender.
Sobram razões, pois, às palavras setecentistas do famo­
so «Santuário Mariano» sôbre os ataques holandeses ao Espíri­
to Santo; «... e a Senhora os ajudou, de sorte que os holande­
ses foram tão destruídos que não se atreveram a tornar lá».
(Revista O Cruzeiro de 15. 2. 58. pag. 68)
IR A JÁ , NO R IO D E JA N E IR O
Informações seguras dão conta de que a segunda Igre­
ja dedicada a Nossa Senhora da Penha de França, no Brasil,
foi a de Irajá, construída no ano de 1635, na antiga Sesmaria
dos Jesuitas pelo Capitão Baltazar de Abreu Cardoso. Da His­
tória de Nossa Senhora dâ Penha, publicada em 1955 pela
Editora Brasil-Americana Limitada, transpomos a seguinte citação:
«No Santuário Mariano e História das Imagens milagro­
sas de Nossa Senhora e das milagrosamente aparecidas que se
veneram em todo o Bispado do Rio de Janeiro e Minas, e em
todas as Ilhas do Oceano, de Frei Agostinho de Santa Maria,
Ex-Vigário Geral da Congregação dos Agostinhos descalços de
Portugal e natural da Vila de Extremoz, Lisboa Ocidental, ano
1723» encontramos essa ligeira referência à devoção de Nossa
Senhora da Penha, no Tomo 10:«... que o capitão Baltazar de
Abreu Cardoso, em um cabeço do rechedo, donde parece lhe
IT A Y T ERA 31

darem o nome de Penha, fundou esta casa e Santuário; que tem


um ermitão devoto que cuida muito do altar e da limpeza daquela
casa; que a festa se realiza em 8 de setembro e que a ela
acorrem, não só moradores daquele contorno, mas também da
cidade; que a imagem é de roca e de vestidos e tem o Menino
Deus nos braços; que desta devoção e desta Imagem faz memó­
ria o Rev. Pe. Frei Miguel de São Francisco na sua relação».
A Igreja, altaneira e majestosa, está edificada no alto de
um monte alcantilado, cuja ascenção se completa com cerca de
3Ó5 degraus e, segundo a crença popular, foi construída em
cumprimento de uma promessa. Regressando da Cidade do Rio
de Janeiro, ao cair da noite, o Capitão Baltazar tomou um atalho,
pela floresta, quando inopinadamente o seu cavalo empina e retro­
cede, como diante de um perigo iminente. E qual não foi o seu
grande espanto e susto maior, ao ver que enorme serpente ar­
mava o bote fatal, a poucos passos. Mas, num grito de fé e
confiança, recorreu ele a Nossa Senhora da Penha e, imediata­
mente, foi socorrido. Surgindo, não se sabe de onde, um crocodilo
surpreendeu a gigantesca serpente, enquanto aparecia a figura
serena e protetora de Nossa Senhora da Penha. Então, comovido,
o feliz devoto de Nossa Senhora prometeu erguer no alto daquela
Penha uma errnida para a sua Defensora.
Este prodígio vem retratado em muitas estampas difun­
didas em todo o Brasil e interessante é observar o papel do
crocodilo, que, em vez de ameaçar o devoto da Mãe de Deus,
intervém para salvá-lo, agredindo o inimigo salteador.

R E C IFE , EM PERN A M BUCO


Como em poucas partes, em Recife se firmou a devoção
a Nossa Senhora da Penha, sagrando-se a histórica e valente
Capital pernambucana em autêntico santuário da Virgem de onde
se irradiou, apostolicamente, o seu calor benéfico e salutar.
Ao tempo do Domínio Holandês em terras do Brasil,
aconteceu que piratas batavos aprisionaram nas contas da Guiné,
cinco Missionários Capuchinhos da província francêsa de Breta­
nha, então em excursão apostólica, conduzindo uma imagem de
Nossa Senhora da Penha de França. Atirados ao fundo de um
navio, em mistura com escravos negros da Etiópio, foram eles
entregues à sanha dos protestantes de Pernambuco, tendo-lhes a
habilidade política de Maurício de Nassau poupado a eles maio­
res sofrimentos que a prisão de Olinda. Era no fim do ano de
1641. Frei Colombino de Nantes, Frei Josias, Frei Buonissimo,
Frei Cirilo de Mans e Frei Anastásio de Andiené, suportavam
os esqualores do cativeiro, quando em rescrito de 11 de julho
32 ITAYTERA

de 1642, a Santa Sé impôs «executarem seu ministério apostó­


lico em prol dos Católicos pernambucanos para estes não ficarem
infeccionados da heresia holandesa».
Na luta árdua e gloriosa para a expulsão dos invasores
heréticos, os zelosos Capuchinhos, que já vinham distribuindo
auxílios valiosos e prodigalizando confortadora assistência aos
destemidos e bravos defensores de nossa terra e de nossa gente,
empenharam-se resolutamente em ajudar os portuguêses e nativos
nas refregas mais difíceis, notadamente na restauração dos mon­
tes Guararapes e Tabocas. Assim é que, na célebre vitória da
Casa Forte, com que se coroou a campanha de êxito e de glórias,
no dia 17 de agosto de 1645, se houve «egregiamente um frade
leigo capuchinho que, sendo esperto na arte militar, dirigiu es-
plendidamente o assalto ao último reduto dos hereges entrinchei­
rados na casa de vivenda de Ana Paes, ficando os invasores
todos destroçados e banida definitivamente a cizania calvinistra
da Terra de Santa Cruz». (Conf. Ubano Cerri, Memorie Stori-
che, pag. 221).
De tal maneira se portaram os Filhos de São Francisco
na defêsa dos direitos de Deus e de El Rei, que o Pe. Antônio
Beserra, vigário da Igreja de S. Pedro de Olinda, em carta a
S. M. D. João IV, recomendava «os capuchinhos francêses Josias
e Buonissimo com seus companheiros, como dignos das maiores
graças de sua real munificência» (Bullarium Ordinis). Também o
mestre de campo Francisco de Figueiredo encomendou-os «como
nimiamente beneméritos da religião e da pátria».
Por tudo isto, mereceram os Capuchinhos as graças de
D. João que lhes deu ampla faculdade de se estabelecerem no
Brasil. Igualmente, o povo respondeu com sua cativante genero­
sidade e do casal Belchior Alves e Joana Beserra receberam a
doação de 40 braças de terra, no Recife, «no areai que vai desta
povoação de S. Antônio para Cinco Pontas, corrente para a
estrada que vai para Afogados». O autor do Resumo histórico
da Missão dos P. P. Capuchinhos em Pernambuco, publicado
em 1910 no Diário de Pernambuco, registra esse terreno «com
uma capela anexa, de que se serviam os pescadores, sob a in­
vocação do Espírito Santo» e até mesmo afiança que «em 19 de
abril de 1656, os francêses tomaram posse legal e canonicamente
do dito terreno, edificando seu hospício junto à mesma capela».
Igualmente, o Frei Fidelis M. de Primeiro, O.F.M . Cap., em seu
livro Capuchinhos em Terra de Santa Cruz, supõe a existência
de uma capela anterior à doação, porquanto observa a próposito
da Imagem de Nessa Senhora da Penha: «a preciosa imagem
de Nossa Senhora, que fôra respeitada pelos próprios hereges,
tornou-se, a santa de preferência do povo pernambucano, que
ITAYTERA 33

lhe ergueu majestoso templo. O culto da mesma Senhora fez


com que se obliterasse o título da capela que a acolheu em 1641,
a qual estava dedicada ao Divino Espírito Santo, e que passou
a chamar-se «capela» e depois «igreja da Penha», (pag. 51).
Todavia, esta versão não se compõe com os termos da
doação do referido terreno, conforme nos transmite este mesmo
historiador, às págs. 55-56. Trata-se de uma escritura de doação,
feita pelo morgado das Alagoas, sendo Tabelião Domingos Dias
Timbó e testemunhas, Gaspar Fagundes, Manoel Gonçalves
Barroso e Antonio Ribeiro Vereno. A aceitação foi firmada por
Frei Cirilo de Mans, Frei Jorge, Frei Fabiano e Frei Antonio
dos Mártires (de Nantes?). Eis o teor da mesma:
«Doamos 40 braças de terreno que começam da cerca
que hoje (19 de abril de 1656) têm os ditos frades da banda do
norte, correndo para a fronteira da rua que vai à Fortaleza da
rua das Cinco Pontas, até encherem ditas 40 braças, a qual
terra assim lhes damos com todas as árvores e frutas e coquei­
ros que dentro da dita terra assim confrontada estão, a casa e
todas as mais benfeitorias que na dita terra estiverem, e de
presente estão; cercando-a os ditos Reverendissimos Frades façam,
dentro dela um mosteirinho conforme as suas posses e esmolas
que lhes derem para o fazer: do qual mosteiro, ele dito Belchior
Alves e a dita sua mulher Joana Beserra se obrigam a fazer a
Capela Mor, toda de pedra e cal, que possa durar, e serão
também obrigados os ditos Reverendissimos Padres a ajudá-los
a fazer, pedindo para isto pedras e o mais que for necessário,
aos fiéis cristãos que lhe quiserem dar, e pedindo os ditos Re­
verendissimos Padres de sua parte quanto poderem; e o dito
mosteiro que assim fizerem na dita terra se chamará da invoca­
ção do Espírito Santo, e na dita Capela Mor, que eles, ditos
Belchior Alves e sua mulher Joana Beserra, fizerem, porão à
sua custa um retábulo muito formoso do Espirito Santo, o qual
ornarão com toda a decencia que convier ao culto divino»...
Por aí se vê, foram passados três lustros, depois de
chegados os Capuchinhos, para que se fizesse a doação na qual
se comprometem os benfeitores a edificarem a Capela do Espí­
rito Santo.
—Assim, incontestavelmente estava firmada a devoção a
Nossa Senhora da Penha, nas plagas nordestinas, constituindo-se
o Recife em centro de irradiação. Daí se propagava o culto à
Nossa Senhora da Penha de França tanto pelos inúmeros fiéis
•que visitavam a maior Capital da Região, como pelos muitos
Pregadores que partiam a promover Missões nos Estados vizinhos.
Tal a razão por que, só nos três Estados de Pernambuco, Ceará
e Paraiba, temos seis Paróquias que A invocam como Padroeira.
34 ITA Y T E R A

O fervor inicial, entretanto, esfriou com os últimos mo­


mentos do século dezessete, porquanto em 1699, «devido às fu­
nestas rivalidades entre a França e Portugal, os capuchinhos,
réus só de serem franceses e por uma degradante ingratidão,
foram desterrados para Lisboa». (Joaquim Guennes, L. 8, pag.
54). Realmente, coma saida, em 1701, do último missionário que
havia permanecido no Rio de Janeiro, com dois irmãos terceiros
portugueses, os Capuchinhos franceses abandonaram completa­
mente o Brasil, para onde Portugal, por motivo de estado, só
permitiu fossem enviados missionários da mesma Ordem, prove­
nientes das províncias italianas. Enquanto, porém, estes não
chegavam, as aldeias dos capuchinhos ficaram confiadas aos
cuidados dos Carmelitas Descalços, de Santa Teresa. (Conf. Fr.
Fidelis M. de Primeiro, Op. cit pag. 143 e 151).
Com a chegada, em 1710, dos capuchinhos italianos Frei
Bernardo de Sarracena, Frei Domingos de Cesane e Frei Ângelo
de Carpi, tomou novo incentivo o culto à Virgem da Penha,
«cujo templo reformaram convenientemente, pois, durante esse
interrenho, tinha sido deixado em adiantado estado de ruina».
(Resumo Histórico, Rev. Dom Vital, agosto-setembro de 1955,
pag. 7).
Em 1733, o Prefeito da Missão Frei Boaventura de Pon-
tremoli ampliou a antiga capela, resolvendo o seu sucessor Frei
Carlos José de Spezia, era 1745, substituir a vetusta imagem
dos franceses por uma nova estátua, feita em Gênova pelo es­
cultor Maragnone que a modelou artisticamente sobre a primi­
tiva, logo depois enviada para a Missão do Miranda no Grato.
Ainda uma vez, expulsos de sua residência em 1832»
«sob o especioso pretexto da necessidade indeclinável de abri­
garem nela um bom número de expostos», eis que em 1841,
retornam ao seu Convento da Penha, com o advento de Frei
Plácido de Messina, prefeito, e os F F . Caetano de Messina,
Sebastião de Melia, Caetano de Gratiere e Serafim de Catânia.
Graças ao devocionário «Mês de Maria», composto por este
último, e ao zêlo dos demais, reafervorou-se o culto de Nossa
Senhora da Penha de França, para quem o prefeito Frei Ve-
nancio M. de Ferrara, coadjuvado pelo habilíssimo arquitecto
Frei Francisco de Vicença, edificou a maravilhosa Basílica,
iniciada em 1870 e benta em 1892, como um dos mais suntuosos
templos do Nordeste. Numa feliz descrição, aqui temos a grandeza
e beleza da Igreja que o povo pernambucano soube preparar
para Nossa Senhora da Penha: «o templo majestoso, em estilo
coríntio, mede 65 metros e 90 centímetros de comprimento sôbre
26 metros e 40 centímetros de largura, na admirável harmonia
das formas, dos mármores, das pinturas a fresco e disposição
\

ITAYTERA ■35

metódica dos altares. A Igreja em forma de cruz latina, com­


preende três amplas naves; central ladeada de colunarias de
mármore rosa de 9 metros de altura sôbre 1 metro de diâmetro
e clareada por 10 janelas nas muralhas, que fecham um semi­
círculo, do teto decorado com três medalhões a fresco, represen­
tantes do trânsito, da ressurreição e da coroação de Maria no
Empirio: e as naves dos lados com intercolúnios das paredes
abertas em nichos graciosos, ocupados com imagens belíssimas
dos Santos. No centro da linha transversal da Cruz, sob o ar­
co interior, que sustenta o zimbório, vê-se a belíssima capela-
mor construída por 6 colunas, a cúpola em forma de docel; e
ainda o soberbo zimbório em frente à mesma capela, mantido
sôbre quatro enormes pilastros contendo a elegante clarabóia,
que serve de base à imagem de Nossa Senhora da Penha; as
torres esbeltas de 40 metros, terminadas com feições de pirâmi­
des. Esse primor arquitetônico só podería ser descrito pelo gê­
nio do grande artista que o concebeu. Como podería dar uma
simples idéia da capela divinamente atraente da celeste padro­
eira Nossa Senhora da Penha e dos dois magníficos altares
fronteiros, nos quais o artista deixou impressos os raios do seu
gênio luminoso?» (Rev. Dom Vital, pag. 8).

SÔ B R E O M A PA DO B R A SIL
Uma das notas características do sentimento religioso,
no Brasil, é, por sem dúvida, a devoção à bendita Mãe de
Deus. Ela está presente em todas as manifestações de nossa
Fé, acompanhando os fiéis em todas as idades e condições, ge­
rando no coração do povo um devotamento filial que tem resis­
tido a todas as investidas. Nem a ignorância e indiferentismo
religioso, nem os desatinos e desvios morais hão conseguido
amortecer o amor fervente que o povo brasileiro devota a Ma­
ria Santíssima. Nas manifestações coletivas como nas atitudes
individuais, afirma-se o culto mariano e a confiança na proteção
de Nossa Senhora. Se as grandes Cidades conhecem o esplen­
dor das pompas litúrgicas e das festas retumbantes, promovidas
em louvor a Ela, os campos humildes oferecem ainda a flora­
ção magnífica da piedade marial, que povôa de imagens os san­
tuários e matiza de estampas as paredes, conservando em muita
parte a poesia celeste do Oficio cantado pela madrugada ou do
terço recitado nas horas calmas da noite. Pode dizer-se que,
entre nós, a Virgem Maria tem um santuário em cada lar e em
cada coração, um altar.
Natural, portanto, encontrasse éco em várias partes a
invocação a Nossa Senhora da Penha. Em todo o território na­
cional, a Senhora da Penha cativou os seus devotos, não sò-
36 ITA Y T E R A

mente despertando o interesse particular dos fiéis, mas ainda


angariando a atenção das comunidades e o beneplácito das Au­
toridades Eclesiásticas. Assim, é que, além do testemunho de
devoção espontânea de cada um, se multiplicaram as Paróquias
que tomaram de maneira particular o seu patrocínio, A não fa­
lar nas inúmeras igrejas a Ela dedicadas nem tão pouco nos
quadros e imagens em toda parte veneradas, conforta-nos veri­
ficar de quantas freguesias Nossa Senhora da Penha é a Pa­
droeira. O Padre Manoel Barbosa, autorizado e acatado histo­
riador baiano, assegura que «a Santíssima Virgem é titular de
mais de mil paróquias brasileiras com as seguintes invocações:
Nossa Senhora da Conceição—217;... Nossa Senhora da Pe­
nha— 19;... (A Igreja no Brasil, Rio, 1945, pag. 269). Não arro­
la o autor os nomes das referidas Freguesias, mas, decorridos
três lustros, se compulsarmos o Anuário Católico em sua última
edição (1957), podemos constatar que 19 são hoje as Dioceses
em que se distribuem as Paróquias, cuja Padroeira é Nossa
Senhora da Penha.
Vamos apresentar, na página seguinte, um quadro sinó-
ptico organizado segundo a distribuição geográfica como aí se vê,
em onze Estados da Federação, vive-se oficialmente o culto de
Nossa Senhora da Penha, alinhando-se nada menos de vinte e
quatro (24) Paróquias. No extremo Sul, com o Rio Grande do
Sul e S. Catarina, como no Nordeste, com o Ceará. Pernambu­
co e Paraiba: no litoral do centro, com Espírito Santo, Rio e
São Paulo, como na região central, com Minas Gerais e Goiás:
assim como na terra Mater que é a Bahia, em toda a parte está
presente a invocação de Nossa Senhora da Penha, que, as­
sim, cobre o território nacional inteiro.
Ao colorido desse quadro, que assinala o culto oficial
de Nossa Senhora da Penha em dezenove Circunscrições Ecle­
siásticas, soma-se naturalmente o matiz de tantos santuários e
oratórios, de capelas e ermidas, mantidos por Irmandades e Co­
munidades Religiosas ou zelados pelo próprio povo. E respon­
dendo a isto, curioso e movimentado se torna o calendário das
celebrações litúrgicas e festivas. Não conhecendo uma Festa
própria, a invocação de Nossa Senhora da Penha passa a ser
comemorada em dias diferentes, de lugar para lugar e até mes­
mo há mudado na mesma região. Assim, por exemplo, as festas
que inicialmente se celebravam, em Irajá, a 8 de setembro, pas­
saram-se para o primeiro domingo de outubro, prolongando-se
até o primeiro domingo de novembro. Por razões também não
bastante divulgadas, a Festa que, no Crato, se promovia a pri­
meiro de janeiro, foi transferida para primeiro de setembro.
Em vários pontos do mapa e em várias quadras do ano,
Nossa Senhora da Penha
— Padroeira do Crato —
IT A Y T E R A 37

1 S. Paulo S. Paulo Penha


Araçariguana
Campinas Itapira
Rio Preto Estrela do Oeste
Sorocaba 4 Piedade 5
2 M. Gerais Diamantina Penha de França
Gov. Valadares Penha do Norte
Procane
Guaxupé Passos
Mariana 4 Rosende Costa 5
3 Ceará Crato N. Senhora da Penha
Campos Sales
Fortaleza 2 Maranguape 3
4 Esp. Santo Vitória Alegre
Castelo
1 Santa Cruz 3
5 Pernambuco Olinda—Recife Gameleira
Af. de Ingazeiras 2 Serra Talhada 2
6 R. de Janeiro Campos 1 Morro do Côco 1
7 S. Catarina Florianópolis 1 Penha 1
8 Goiás Goiânia 1 Corrimbaá de Goiás 1
9 Paraiba João Pessoa 1 Taquara 1
10 R. G. do Sul Pelotas 1 Rio Grande 1
11 Bahia Salvador 1 Nossa S. da Penha 1

Estados 11 Dioceses 19 Paróquias 24


lliiiiliiilliS i w
38 ITAYTERA

portanto, ocupa-se a piedosa gente brasileira no louvor da va­


liosa Senhora da Penha.
Verdadeiramente, a salutar devoção se difundiu por to­
do o Brasil e na alma católica do povo se firmou a confiança
em tão poderosa Protetora. Mais que em páginas da literatura,
para as quais se transportam os sentimentos vives de nossa
gente, visceja no coração de muitos o amor àquela excelsa Ma­
ria, a Quem se acostumaram os devotos a recorrer, confiantes,
nas horas de perigo iminente. Nos transes difíceis, quando açoi­
tam as procelas da vida, a Mãe de Jesus, que S. Bernardo
aponta por Estrela nas noites de tempestade, é por muitos bra­
sileiros ferventemente invocada sob o título de Nossa Senhora
da Penha.
íT AYTERA 39

I I

A PADROEIRA DO CRATO
A invocação e veneração de Nossa Senhora da Penha,
nesta bem histórica e sempre católica Cidade do Crato, nasceu
mesmo com ela, assistindo aos seus primeiros passos e guian­
do-lhe a curva gloriosa na senda do progresso. Se o Crato foi
batizado por Frei Carlos Maria de Ferrara, Nossa Senhora da
Penha foi a madrinha carinhosa, que não cessou jamais de dis­
pensar a todos a melhor pioteção como soberana Rainha.

NOS DO M ÍN IO S DA LENDA
O povo, em sua natural propensão para as coisas fan­
tásticas a serviço de uma certa filosofia da história, assina uma
origem curiosa para a devoção e o culto de Nossa Senhora da
Penha, no Crato. Em linhas gerais, vamos coordenar e trans­
mitir o que de mais interessante podemos colher a respeito, em
entrevistas com pessoas idosas e respeitáveis da região, que dão
reportagem das crenças populares ainda circulantes, num misto
de tradição e lenda. Se não c o n s e g u i m o s louvar-nos em
documentos escritos de quem tivesse o mérito de historiador,
assiste-nos, entretanto, o direito de invocar a nossa autoridade
de Pároco, a viver em meio ao seu rebanho, habilitado assim a
julgar da idoneidade moral dos informantes, cuja palavra faz fé.
Nem tudo merece ser registrado, pelo ridículo ou absurdo que
às vezes implica. Também, é evidente, o valor das informações
transmitidas se restringe ao fato de que dizem e nunca á vera­
cidade do que dizem...
Fala-se que os índios Cariris, que habitavam esta zona
ubertosa, imaginavam se alongasse um enorme lençol dagua sob
a concha do Vale, dominado por uma grande baleia ou Ia ra ,
com metade em forma de peixe e outra, de mulher. Segundo a
crônica lendária, a terrível baleia, cuja «cama» fica no local
onde se ergue hoje o Altar-Mor da Sé Catedral, por vezes re­
petidas, tentou provocar uma inundação fatal, em que submergería
todo o povoado. Tal não aconteceu por ter sido o perverso
monstro detido, em Itaytera (agua por entre as pedras), cauda-
losa nascente ao sopé do Araripe, que depois tomou o nome
popular Fonte do Batateiras. Em tais emergências, o Crato fôra
salvo pela intervenção poderosa do Céu, graças à proteção de
Nossa Senhora da Penha, ou de Frei Carlos, santo fundador
do lugar. Uma variante atribui o prodígio da providência mira­
culosa a um Frei Fidelis que teria sido o mesmo S. Fidelis de
Sigmarinda a quem também foi dedicada a Capela, mas que,
30 IT A Y T E R A

por equívoco, foi tido por certo missionário capuchinho que, em


1704, dedicara no Miranda uma Capela a Nossa Senhora da
Penha.
O perigo da inundação do Crato não foi sepultado no
passado. Subsiste no incansável farejamenío de castigos futuros,
invencivelmente alimentado pela gente inculta. Assim, acreditam
uns que a fatalidade foi profetizada por Frei Vidal de Trasca-
loro, virtuoso missionário que percorreu estas paragens em 1799,
e até adiantam que a baleia, em cuja «cama» se podia ouvir o
barulho da agua dos mares, continúa ameaçando a Cidade. Por
outro lado, a crendice sustenta ainda o temor de que venha a rolar
a «pedra da Batateira», único obstáculo a suster o ímpeto das
aguas que afogarão o Crato... Este é um cataclisma, predito em
tom quase agourento por muitos fanáticos que, abertos a toda
fantasia supersticiosa, sem notar, dão acolhida a todo preságio
que envolva castigo para este Crato que não aceitou o messio-
nismo herético e se alevantou em guardião da fé verdadeira.
Nem se advertem eles que as aguas do Batateiras descem afas­
tadas um quilômetro da Cidade, servida que é pelo rio Gran-
geiro. Apesar disto, entre o povo simples, que se apavora ante
o prenuncio de três dias de escuro ou do fim do mundo, ainda
corre, de quando em vez, a onda alarmista que de o Crato vai
afundar no dia em que rolar a pedra da baleia ou a pedra da
Batateira... Uma pobre velha revelou mesmo que a desgraça es­
tá iminente, porquanto a pedra agora está prêsa apenas por
três cabelinhos de Nossa Senhora da Penha...
Outro aspecto curioso é sôbre a origem da invocação.
Frei Carlos teria sido inspirado a dedicar a Missão e a Cape­
la a Nossa Senhora da Penha, pelo insistente e maravilhoso
prodígio então realizado.
Herdada dos ancestrais indígenas, existia uma pequena
Imagem da assim chamada Nossa Senhora do Belo Amor, de
todos muito venerada. Ora, com a visivel intenção de fundar a
Missão no alto onde repousa atualmente o Seminário Diocesa­
no, o Missionário conduziu para aí a singular Imagem. Todavia,
ao amanhecer do dia seguinte, a Imagem havia desaparecido
misteriosamente para encontrar-se sobre uma pedra que se as­
sentava sôbre a cama da baleia. Novamente conduzida ao mor­
ro, repetia-se o fenômeno admiravel, até que Frei Carlos enten­
deu que era vontade de Nossa Senhora se levantasse o seu
templo no local dessa pedra eleita. E sôbre esta penha natural,
só podia invocar-se a Mãe de Deus sôb" o sugestivo título de
Nossa Senhora da Penha.
1T A Y T E R A 41
À LUZ DA V E R D A D E H ISTÓ R IC A

Comemorámos estas versões populares, mais por amor


da curiosidade. Podemos, contudo, asseverar que é historicamen­
te certo que o zeloso Missionário Capuchinho, vindo do Recife,
realmente dedicou a Capelinha de palha e a Missão do Miran­
da a Nossa Senhora da Penha de França.
Preliminarmente, valeria levantar a questão se, de fato,
esta foi a primeira padroeira verdadeiramente cultuada em terras
cratenses. Nem sempre a devoção reinante veio dos primórdios
e, não raro, nova invocação substitui a primitiva. Assim em
Missão Velha, Nossa Senhora da Luz, após 12 anos, em 1760,
cedeu lugar ao glorioso Patriarca São josé.
A dar crédito àlgumas informações, a obra da catequiza-
ção dos índios Cariris teria, talvez, sido iniciada, já nos fins
do século dezessete pelos Capuchinhos francêses, pois que Silva
Lisboa escreve que estes “fizeram no Brasil seus Hóspicios, for­
mando novas aldeias de índios reduzidos à fé, de que foram
exímios propagadores dela (sic) Fr. Cirilo de S. Brioco e Fr. Colom-
bino de Nantes, aos quais se lhe agregaram outros naquele san­
to ministério. Porém, como o mesmo Rei D. Pedro II em sua
política e razões de estado proibiu aquelas missões, e os man­
dasse despedir, como nos relata o Santuário Mariano...” E lo­
go adiante acrescenta, referindo-se a Pernambuco, que “existia
ahi um catecismo no idioma dos Cariris impresso em 1722 e
dedicado ao Rei”. Esta hipótese, que remonta a evangelização
dos Cariris ao tempo da missão francesa, cujos derradeiros a-
rautos foram banidos precisamente no início do século dezoito,
teria outro argumento no testemunho trazido pelo Resumo His­
tórico das Missões dos PP Capuchinhos em Pernambuco, onde
se lê o seguinte: “...em 1710 correu-se um véu sobre a cruel
expulsão, pela chegada dos Capuchinhos italianos Frei Bernardo
de Sarracena, Frei Domingos de Cesena, e Frei Ângelo deCar-
pi, os quais continuaram a catequese dos indios Cariris e ou­
tros...” (Revista Dom Vital, agosto-setembro de 1955, pag. 7).
Ademais, concedendo embora que os Cariris eram grande
nação de índios dispersos em vastas regiões desde a Borborema ao
Araripe, há quem afirme que, precedendo o advento do funda­
dor do Crato, outros Missionários italianos já haviam evangeli-
zado os indígenas, neste ubertoso vale. Tal, a opinião firmada
por Frei Fidelis M. de Primerio, O. Fr. M. Capuc., em seu livro
Capuchinhos em Terra de Santa Cruz nos séculos X V II, X V III
e X IX , editado em 1940. Segundo o mesmo, as aldeias dirigidas
pelos francêses "passaram por algum tempo ao cuidado dos
Carmelitas Descalços de S. Teresa. Em 1705, foram entregues
42 ITAYTERA

aos capuchinhos italianos” (pag. 151) que "trabalharam com zêlo


verdadeiramente apostólico na reconstituição moral do espírito
evangélico entre os f i é i s , e no cultivo das aldeias dos índios.
Couberam-lhes, como campo de trabalho, além do Hospício de
Recife com a igreja da Penha, as aldeias de : Taipú (antes
Boldrino), dedicada a Nossa Senhora do Pilar; a do Arariper
a de Piancó no Boqueirão; a de Serra Branca, no Rio do Peixe;
a de Brejo do Rio Paraiba; a do Miranda, no Ceará; a de A-
podí e a de Mepibú, no Rio Grande do Norte” (pag. 170).
Por fim, afirma categoricamente “a catequese das tribus indíge­
nas na zona do Cariri, começou a ser efetuada em 1730 pelos
Capuchinhos da Penha, nos lugares mais tarde chamados Bar-
baíha, Crato (Miranda), Missão Velha e Missão Nova” (Ibidem).
E ajuntando nova confirmação, registra muito adiante: “ 1734 —
P. F r. Prospero de Milão (Lombardia)—com o P. F r. José de
Monticelli missionou as aldeias do Enxú, do Miranda, Curema
e Apodí” (pag. 369).
Força é, de outra parte, considerar que a região do C a­
riri, antes de receber as bênçãos de Frei Carlos, era já de certa
densidade demográfica. Divididas algumas datas de terras, desde
o início do século, o Vale cêdo se tornou palco de lutas que
não podiam deixar de «encher de sustos e desolações o Cariri»,
como refere João Brigido a respeito da intriga entre Feitosas e
Montes. Mais ainda agitaram a região as desordens provocadas
pelos atritos entre as famílias Ferro e Aço. “Em 1743, o senado
de Icó creou um juiz de vintena, com um escrivão, o qual vies­
se residir no Cariri” (João Brigido, Homens e Fatos, pag. 88),
o que indica a existência do ponderável número de habitantes.
Diversamante, não se explicaria que, duas décadas após, mere­
cesse o lugarejo as graças de El Rei, que se dignou de fazer
inaugurar a 21 de junho de 1764 a Vila Real do Crato.
Natural, portanto, passassem periodicamente os Missio­
nários a oferecer os benefícios da fé às populações do ubertoso
Vale. Todavia, nenhum aldeamento ou povoado existia, até 1740,
onde se cultuasse Santo de qualquer invocação. O que há de
verdadeiramente certo é que, precisamente neste ano, veio a tra­
balhar no Cariri o “ Religioso meigo, prudente, virtuoso” (Fr.
Fidelis de Primeri, op. cit. pag. 226) que atendia por Frei Car­
los Maria de Ferrara (Bolonha). Vindo para Pernambuco em
1736, Frei Carlos “dirigiu desde 1740 até 1750 a catequese dos
Cariris Novos, na Missão do Miranda” (Ibidem, pag. 369). A
este denodado e apostólico Missionário, são concordes os Autores
em afirmar que devemos a fundação do Crato, cuja semente foi
o aldeamento dos índios no sitio do Miranda logo transplantado
para o local onde hoje floresce.
ITAYTERA 43

Qualquer afirmação de agrupamento anterior, dificilmen­


te resistiría à critica objetiva. Realmente, nenhum testemunho se
conhece, na zona, que documente atividades apostólicas de ca-
rater permanente.
De acordo com o Padre Antônio Gomes de Araújo, in-
contestavelmente a maior autoridade em história do Cariri, o
primeiro documento escrito conhecido sôbre o Crato é o registro
de batismo de Apolinário, filho de Matias Lopes de Souza e sua
mulher Maria Lopes, oficiado por Frei Carlos Maria de Ferra­
ra, a 30 de julho de 1741, na igreja da Missão do Miranda e
lançado no L i v r o de Registro de Batizados e Casamentos da
Paróquia de Icó, anos de 1741 a 1783, às fls. 2. Ora, se nesse
tempo, os assentamentos eram enviados para a Freguezia de Icó,
por certo, não existia ainda na região centro religioso organiza­
do. Tanto assim que, já no ano seguinte, o segundo documento
da Missão do Miranda é anotado no livro de Registro de Bati­
zados e Óbitos da Capela de S. Antônio de Missão Nova, en­
tão centro de administração dos sacramentos no Cariri, confor­
me o acusa o assento de casamento de Domingos Soares Mei­
reles e Eusébia de Souza, a 29 de agosto de 1742, abençoado
por Frei Carlos.
Pois, já neste registro, vem consignado que o ato reli­
gioso teve lugar na Igreja de Nossa Senhora da Penha da Mis­
são do Miranda. Resulta, assim, inconteste que a Missão do
Miranda foi a primeira comunidade de vida religiosa, no Crato,
e desde a sua primeira hora foi posta sob a proteção valiosa de
Nossa Senhora da Penha de França.
Nenhuma voz se alteia em dissonância a esta verdade.
Salta à vista que foi por equívoco, muito justificável pela sinonímia,
que Saint’Adolphe, no artigo Crato do seu dicionário geográfico
do Brasil, escreveu que nas “nascentes do rio Salgado, entre­
gavam-se ao cultivo das terras e edificaram uma c a p e l a a
N otsa Senhora da R ocha, que ficou muito tempo dependente da
freguezia de Icó’’. Claro está que se queria ele referir a Nossa
Senhora da Fenha, primeira e única padroeira do Crato.
Inicialmente, a aldeia ocupava a região que demora ao
lado sudeste da Cidade, chamada Miranda, nome pelo qual se
batizou a Missão. Segundo repetem várias pessoas, a aldeia se
dizia do Miranda, porque assim se chamava o cacique dos índios
da taba. Esta explicação popular, entretanto, parece simples de'
mais, denunciando-se p u r a excogitação semelhante à que nos
surpreendeu, ultimamente, pretendendo explicar a origem da pa­
lavra Crato pela evidência de uma índia assim cognominada.
Melhor razão acode aos que ligam este nome da aldeia e da
Missão ao sesmeiro Gil Miranda, a quem tocaram em 1702 al-
44 IT A Y T E R A

gumas terras em sesmaria, de parceria com Antonio Mendes


Lobato.
Filha deste último capitão-mor, Dona Maria Ferreira da
Silva assinou com seu marido capitão Domingos Alvares de Ma­
tos a doação de terras para o aldeamento dos indígenas. Na
qualidade de procurador geral do índios, recebeu-os judicialmente
Frei Carlos, a 3 de dezembro de 1743. Posteriormente, reconhe­
ceu o Missionário as vantagens de outro sitio e transplantou a
Missão para o local onde atualmente se desenvolve o Crato.
Antes de atingir as fraldas do morro do Barro Vermelho, foi
de mister atravessar as aguas do riacho periódico e para isto
improvisaram os índios uma ponte, destendendo uma grande ár­
vore, de barranco a barranco, o que celebrizou o lugar desde
então chamado Rio da Ponte. Na concha mais ampla deste outro
v a l e que desce as rampas lentas do Barro Vermelho e para
chocantemente ao pé das barreiras abruptas do alto do Seminá­
rio, aí o povo pôde encontrar terrenos melhores para construção,
sempre à margem da agua perene, pois o Grangeiro serpeia
continuamente como uma estrada liquida do progresso. Destarte,
como uma glande, de que brota depois o altivo carvalho, edificou-
se no lugar agora coberto pela Catedral, uma capelinha humilde e
tosca, cercada por um quadro de casebres também de palha. Aí
nasceu esta próspera Cidade, tão merecidamente cingida com o
diadema de Princesa do Cariri.
A Capelinha, que, em 1742, era dita Igreja de Nossa
Senhora da Penha da Missão do Miranda, somente a 1 de janeiro
de 1745, foi oficialmente dedicada à Senhora da Penha. Isto se
comprova com a inscrição gravada numa pedra embutida na pa­
rede exterior da matriz do Crato. É do teor seguinte :
Uni Deo et Trino
Deiparae Virgine
Vulgo — da Penha
S. Fideli missio. S. P. N. Fran. ci Capucinorum
Protomartyri de Propaganda Fide
Sacellum hoc
Zelo, humilitate, labore
D. D.
Sup. eiusdem Sancti. Consocy F. F.
Kalendis January
Anno Salutis MDCCXLV.
A propósito deste documento, do maior valor histórico,
foidivulgada pelo renomado historiógrafo cearense, Antônio Be­
IT A Y T E R A 45

zerra, uma tradução da autoria do Professor José Marrocos


segundo a qual Frei Fidilis teria dedicado a Capela a Deus
Uno e Trino e à Virgem Mãe de Deus, Nossa Senhora da
Penha, no ano de 1704. O texto de inscrição, sobre que o lati-
nista sul-cearense trabalhou a sua tradição, foi colhido de uma
distância de 11 metros, graças à lente de um binóculo, quando
a pedra ainda estava colocada na parede da matriz, e resultou
substancialmente alterado e deturpado. Destarte, carece de todo
valor a tradução em apreço, não merecendo sequer ser citada a
a opinião, nele calcada, de que a Capela já existisse em 1704
ou que por aqui houvesse atuado um Frei Fidelis. Aliás, esta
confusão influiu para que se difundisse a suposição de que o
Crato primeiro se tenha chamado Curado de S. Fidelis.
O próprio Antônio Beserra se penitenciou do erro, es­
posando o parecer do então Mons. Quintino Rodrigues. Real­
mente, o primeiro Bispo do Crato, quando ainda Vigário, "fize­
ra descer a mencionada pedra para a guardar como uma pre­
ciosidade na sua matriz”, apanhando o texto exato, alcançou-lhe
o sentido verdadeiro. Em carta ao Autor de Origens do Ceará,
datada de 13 de junho de 1913, escreve :
”Verá a discordância que há entre a minha cópia e a
de José Marrocos, que evidentemente se equivocou.
Não há o pretenso Frei Fidelis, dedicador da Capela
(em nominativo latino), mas sim Frei Fidelis de Sigmaringa (em
dativo), protomartir da Propaganda Fide, e missionário capuchi­
nho, a quem o superior da mesma capela (ejusdem Sancti) e os.
frades (ou irmãos) seus companheiros de missão (consocii ff)
também a dedicaram (DD) em 1745” (Antônio Beserra, Algu­
mas Origens do Ceará, 1918, pag. 116-117).

A S IM A G E N S - U M A R E LÍQ U IA H ISTÓ R IC A

A imagem tem desempenhado papel preponderante na


afirmação e desenvolvimento do culto sagrado. Composto de
corpo e alma, o homem se sente mais facilmente possuído de
uma idéia, quando as tendências naturais se associam à sedução
irresistível da verdade. Compreende-se muito bem que nos pro­
curemos ajudar da sensibilidade para despertar ou alimentar
os mais nobres sentimentos. Por isto, a imagem, que, na expres­
são do Cardeal Gibbons, é um catecismo para os ignorantes, se
torna para os fiéis um autêntico enlevo. A beleza das imagens,
com a expressão de sua arte, ou a estima a ela devotada graças
à afeição alimentada, incontestavelmente, exerce uma influência
por vezes profunda sobre o espírito e o coração do povo, que
aprende a remirar na sua figura a grandeza mesmo do original
46 IT AYT E RA

por ela representada. A presença das imagens evoca a excelên­


cia do Santo que se invoca. E por isto tem sido tão útil e sa­
lutar à Religião o culto dos Santos de Deus, estimulado pelas
imagens.
O próprio Deus abençoa este culto e, frequentemente,
comunica a uma imagem determinadas virtudes singulares, elegen.
do-a para a multiplicação de prodígios admiráveis. Algumas invo.
cações particulares ou algumas imagens privilegiadas como re.
cebem um dom carismático e se consagram numa espécie de sa„
cramento do poder divino, exercido graças a elas em milagres
verdadeiros. Quem não conhece a fama de Santuários e ima.
gens célebres, na cristandade, pelos muitos prodígios multiplicados?
E , se existe esta predileção de Deus por certas imagens,
também o povo se dedica afeiçoada mente àquelas imagens que­
ridas e veneradas. Vinculado mais por laços morais e afetivos
que propriamente pela atração da beleza artística ou espiritual,
costuma o povo apegar-se aos Santos da sua tradição. As ima­
gens antigas, mesmo quando pecam horrivelmente pelo exótico
ou inestético, são sempre as mais estimadas e veneradas. Em
toda parte, grande é a reação quando se trata de substituir as
imagens antigas por estátuas novas e bem acabadas. Sobretudo,
entre nós, o sentimentalismo religioso ativa essas propensões para
o culto das imagens e, consequentemente, o apêgo aos vultos
que, desde a infância ou desde os avós, recebiam o preito da
devoção popular.
Destarte, explicam-se os sentimentos e as atitudes de
nossa gente com a relação às imagens da Padroeira.
Sem desprezar a primitiva Imagem, que teria vindo das
mãos dos índios, a predileção dos devotos se prende à antiga e
preciosa Imagem, que há mais de um século vem cativando o
coração de todos. Apesar da perfeição, pelo tamanho grandioso
e pelo acabamento maravilhoso, a nova Imagem não conquistou
ainda o lugar primeiro no devotamento geral. Ao tempo de sua
chegada, houve mesmo fortes e ostensivas reações e a prudência
de D. Quintino soube esperar anos a fio, sem impôr a substitui­
ção. Por sinal, ficou a Imagem grande e imponente, guardada
por nada menos de sete anos antes de falecer o insigne Bispo.
E outros sete passou sob o governo de D. Francisco, antes de
subir ao trono de onde agora preside a vida religiosa da Catedral.
Como se depreende do exposto, o Crato conhece três
imagens de sua Padroeira. Invocando a autoridade de Irineu
Pinheiro, “a primeira, dizem, da era da catequese dos índios,
sobre a qual correm lendas . . . Lá alguns anos desapareceu,
mas a 29 de abril de 1951 restituiu-a ao culto o velho sacristão
Zacarias Luis Arnaud, que a retirara da Igreja durante os anos
IT A Y T E R A 4?

de reconstrução e a guardara em casa carinhosamente. Acolheu-a


o povo com entusiasmo e devoção, a beijar-lhe os pés, a ro-
gar-lhe felicidades. Chamavam-na, ainda a chamam, Mãe do
Belo Amor. Vimo-la na Sé do Crato, de madeira, de uns dois
palmos de altura, de olhos azuis, segurando com o braço e a
mão direita o Menino Deus, de olhos também azuis, a agarrar
com as duas mãos a gola do casaco de Nossa Senhora, puxan-
do-a para si.” (Cidade do Crato, pag. 21 e 22).
Sobre o mesmo assunto, vamos transcrever um documen­
to endereçado ao grande cultor de Nossa Senhora da Penha,
Mons. Francisco de Assis Feitosa, que por três décadas se con­
sumiu no serviço de tão augusta Senhora. É uma pãgina em
manuscrito redigida com data de 24-4-951 pelo respeitável ancião
José da Silva Pereira, então secretário do Apostoladoda Oração
da Catedral. “Há na nossa Catedral três imagens que represen­
tam nossa Padroiera, Nossa Senhora da Penha. O que vou
narrar nestas linhas se refere somente à primeira, que é a
menor das 3, esculpida em madeira, como as duas últimas.
Trata-se de uma bela imagem que honra a arte antiga e a ha­
bilidade de quem a preparou. Segundo dizem os antigos, ela tem
para mais de duzentos anos, mas nada deixa a desejar às que
se fazem atualmente. Pertencendo ao número das imagens apa­
recidas, ela tem também a sua lenda bastante retocada de suave
poesia. Conta-se que fôra encontrada em poder dos índios (sem
dúvida os Cariris) passando às mãos de pessoa civilizada. Aqui
toma vulto a lenda que gira em tomo de seu nome, pois se afir­
mava que, repetidas vezes, ela voltara ao cimo de pedra onde
os indíginas a veneravam. Este fato miraculuso deu lugar a fun­
dação da Capela, que hoje é a nossa Catedral, naquele mesmo
sítio, tão profundamente respeitado. Quanto à idade que lhe a-
tribuem, provam-na os documentos referentes à fundação da po-
voação hoje transformada nesta importante Cidade do Crato.
Para mais corroborar o misticismo que a tradição empresta à
nossa querida santa, ocorre que a mesma desapareceu da nossa
Igreja, há mais de cinquenta anos, voltando agora aos seus pe-
nates, onde está sendo venerada por grande número de fiéis. Os
antigos deram-lhe o título todo original de Nossa Senhora do
“Belo Amor”, o que prova a piedade filial dos nossos antepas­
sados. Respeitemos o passado, sua história, suas tradições e su­
as lendas, que nos falam sempre daqueles que abriram caminho
à nossa vida.”
A autêntica e tradicional imagem da Padroeira, porém,
é a que veio do Recife e, com toda certeza, assistiu â vida do
Crato desde os seus primórdios até os seus esplendores atuais.
Dela podemos gloriar-nos como de um valioso tesouro e ela de­
48 ITÀ Y T E R A

vemos venerar como piedosa relíquia.


Corroborando a afirmação histórica de que a Senhora
da Penha esteve presente à formação da Metrópole caririense,
alinham-se alguns dados convergentes sobre a remessa da anti­
ga Imagem do Convento da Penha, de Recife, para a incipiente
Missão de Frei Carlos de Ferrara, precisamente no ano de 1745.
Assim, Frei Fidelis de Primério, depois de registrar, à pag. 54,
da obra citada, que “que a pequena imagem dos franceses foi,
em 1745, substituída pela atual, feita em Gênova, modelada pela
antiga, refere textualmente à pag. 171 que, “o P. Fr. Carlos de
Spezia, que viera em 1716, trocou a antiga imagem de Nossa
Senhora da Penha, dos franceses, por uma nova, feita em Gênova;
a antiga remeteu para a aldeia do Miranda em Cariris Novos”.
Também o Resumo Histórico das Missões dos P. P. Capuchinhos
em Pernambuco, supracitado, descreve que “em 1745 frei Carlos
José de Spezia, prefeito, vendo que a estátua de Nossa Senhora
da Penha, colocada pelos missionários francêses, era em extre­
mo pequena, atentas as proporções da capela, colocou outra be­
líssima feita em Gênova pelo insigne escultor Maragnone, e é pre­
cisamente a que ao presente existe, modelada sobre a antiga
imagem” (Rev. Dom Vital, agosto-setembro de 1955, pag. 7).
Repetindo e completando este último testemunho, F. A. Pereira
da Cõsta, em Anais Pernambuco, escreve o seguinte : “em 1745,
o prefeito fr. Carlos José de Spezia substituiu a imagem de
Nossa Senhora da Penha, que se venerava no altar-mor da igre­
ja desde sua primitiva construção, por ser assaz pequena para
as proporções que havia dado ao novo santuário, por uma ou­
tra, de vulto natural, trabalho primoroso do insigne escultor ge-
novês Maragnone, modelada sobre a antiga imagem. Esta, en­
tretanto, que datava do tempo dos capuchinhos francêses em
Pernambuco, foi então transportada para uma capela da mesma
invocação, da aldeia do Miranda, nos Cariris Novos”, (Vol. V.
1701-1739, Recife, 1953, pag. 129). Porfim, declara Irineu Pi­
nheiro, reportando-se às Imagens da Padroeira do Crato, que
“a mais antiga, conforme afirmou o Padre Juvenal Colares Maia,
foi levada, há cento e tantos anos, do Recife à Vila Real
do Crato por pessoas guiadas por José Ferreira da Conceição,
as quais seguiram dessa vila, a pé, até a capital pernambuca, e
de lá, ainda a pé, voltaram, trazendo deitada em uma rêde a
Santa, numa vigorosa demonstração de fé cristã” (O Cariri,
Fortaleza, 1950, pag. 229). Noutro passo, confirma o mesmo re-
nomado historiador do Cariri:” Carregaram em uma rêde
em ombros de homens, guiados por José Ferreira da Con­
ceição, padrinho de batismo de Dona Quinô, mãe de Padre
Cícero Romão Batista, a imagem de Nossa Senhora da Penha,
IT A Y T E R A 49

Padroiera do Crato, desde Recife até aqui” (Cidade do Crato,


Ministério da Educação e Cultura, Rio, 1955, pag. 21).
Importa, sem dúvida, atentar para certas discrepâncias
ou imprecisões históricas, inevitáveis sobretudo quando histori­
adores preocupados com um assunto principal, t r a t a m ‘ per
accidens” de outras matérias. Não há fugir aos senões, quanto
aos "obiter dieta”. Desta sorte, respeito às circunstâncias apon­
tadas acima, parecería i n s u s t e n t á v e l a suposição de que
tenha sido o padrinho da progenitora do Padre Cícero o lider
da caravana que trouxe a imagem da Padroiera. Ainda que Do­
na Quinô, que em 1844, deu à luz o Patriarca de Juazeiro,
houvesse recebido o batismo no início do século, não seria fá­
cil que o seu padrinho tivesse já vivido nada menos de 65
anos, depois da heróica jornada a Recife. Igualmente n ã o se
sustenta a referência, no caso, à Vila Real do Crato, uma vez
que a inauguração desta se efetuou a 15 de agosto de 1763, ao
passo que a remessa da imagem se fizera em 1745.
Uma coisa, porém, permanece absolutamente certa, ape*
sar de tais restrições, e é que a imagem da Padroiera do Crato
é a vetusta Imagem vinda do Convento da Penha, em Recife.
Poder-se-ia, a esta altura, indagar se realmente a Ima*
gem da Sé é a mesma Imagem conduzida pelos Capuchinhos
surpreendidos pelos calvinistas holandêses, nas imediações da
Guiné. A dar crédito a Frei Fidelis de Primério, o Crato foi
agraciado com o precioso presente dessa verdadeira relíquia his­
tórica e piedosa. A fim de não enfraquecer a força do. seu tes­
temunho, permitimo-nos de transcrever as suas palavras, em que
se apresenta até uma plausível justificativa de como a Imagem
escapou à fúria dos herejes : “A versão geral acerca des­
sa prodigiosa imagem, é que ela foi trazida para Pernambuco
por cinco missionários capuchinhos, que se dirigiam p a r a a
Guiné, e foram, no litoral africano em 1641, atacados e presos
pelos corsários holandêses, calvinistas que infestavam aquelas
aguas. Os missionários foram mui maltratados pelos corsários e
e por fim entregues aos holandêses que dominavam em Pernam­
buco. Esta a tradição geral, que bem desposa com a história
dos novos missionários, apresados nos galeões espanhóis, quando
rumavam para a Guiné, Explica-se facilmente porque os missio­
nários puderam conservar consigo o precioso tesouro, que inten­
tavam levar às tribus africanas, qual estrela de salvação, e ao
envés veio para as terras pernambucanas. Os corsários ho­
landêses apreseavam para levar à sede. Pernambuco : o interes­
se exigia-lhes respeitassem a presa, ainda que não condissesse
com as suas crenças.”
A preciosa Imagem de Nossa Senhora da Penha, que
50 IT À Y T E R A

fôra respeitada pelos próprios herejes, tornou-se a santa de pre-


ferencia do povo pernambucano, que lhe ergueu um majestoso
templo. O culto da mesma Senhora, fez com que se obliterasse
o título da Capela que a acolheu em 1641, a qual estava dedi­
cada ao Divino Espirito Santo, e que passou a chamar-se “capela”
e depois, “igreja da Penha”. A pequena imagem dos francêses
foi em 1745, por Frei Carlos de Spezia substituída pela atual,
feita em Gênova, modelada pela antiga” (Ibidem, pag. 51). Ora,
esta substituição, como ficou demonstrado acima, se deu com a
remessa da referida imagem para a Missão do Miranda.
Desta sorte, a Catedral do Crato guarda hoje a precio­
sidade de uma relíquia secular, confortarite testemunha dos tra­
balhos apostólicos e dos martirizantes tormentos dos missionários,
bem como confidente amiga de tantos segredos e de tantas lágri­
mas em três séculos de devoção.
Seria esta a razão secreta da profunda e arraigada de­
dicação do nosso povo que, mesmo admirando a nova Imagem,
grande e artística, se volta de preferência para a querida e ve-
neranda imagem antiga. Esta mede 0.88m de altura sôbre uma
penha de 0,14m talhada na mesma madeira e figurando uma ro­
cha. A Senhora se apresenta com o Menino Jesus no braço
esquerdo e empunha na dextra um cetro, cingindo-lhe a fronte
uma coroa de ouro. O cetro e a corôa, atualmente usados em
dias de festas, foram confeccionados, há alguns decênios, pelos
fiéis cratenscs, mas a imagem traz na posição da mão direita e
na perfuração da cabeça a exigência destes símbolos da sobera­
nia. A expressão de seu semblante, sereno e serio, dá-lhe um
ar majestoso e tranquilo. Sem muita delicadeza de traços, apre­
senta uma fisionomia de simpatia cativante. Da cabeça, cujos
cabelos se vêem no contorno da fronte e a cair sobre os ombros
em madeixas bonitas, desce-lhe um manto azul rico de dobras
artisticamente configuradas sobre a túnica matizada de cores
discretas. O colorido firme, porém terno da túnica enriquecida
de uma gola e arrematada com pregas solenes bem comprova
que a imagem é obra de mãos habilidosas de fino artista. Se é
uma relíquia, vale por uma obra darte.
Quanto à Imagem grande, foi o primeiro Bispo do Crato
D. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva que adqueriu na Eu­
ropa. De tamanho bem maior que o natural, em atitude de quem
aparece para defender o pastorzinho Simão, prosternado ao lado
direito, enquanto o temivel crocodilo se arrasta à esquerda, o
vulto impresionante tem uma beleza encantadora.
Trazida com dificuldades até esta Cidade Episcopal, te­
ve a Imagem festiva recepção, em 1921, quando o povo acorreu
ao seu encontro, na estrada do Buriti, onde se congregaram
ITÀ Y T E R A 5.

cerca de 32 zabumbas. Todavia, continuou ela guardada, até


que, preparada a mentalidade do povo e feita a reforma da Ca-
pela-Mor por D. Francisco de Assis Fires, colocaram-na no al­
tivo e gracioso nicho de onde preside às funções do Culto e aos
destinos do Crato. No dia 1 de setembro de 1938, foi-lhe dada
a bênção do Ritual e, a partir de então, não tem ela cessado de
conceder a todos as maiores graças e as melhores bênçãos.
CO M U N ID A D E RELIG IO SA : PARÓQUIA
E D IO C ESE
O culto a Nossa Senhora da Penha, em terras do Ca-
riri, cêdo se difundiu e conquistou a simpatia do povo, firman­
do-se em todas as camadas sociais a sua devoção. Não se res­
tringiu esta, porém, ao fervor dos fiéis, como acontece nos San­
tuários célebres em imagens milagrosas. A devoção se consolidou
e se tornou oficial com a eleição desse título de Nossa Senhora
da Penha de França para Padroeira da nova Paróquia. Se a
Capelinha inicial foi dedicada, a um tempo, à Santíssima Trin­
dade, à Nossa Senhora da Penha e a S. Fidelis de Sigmarinda,
o Orago da Freguezia passou a ser a poderosa e augusta Se­
nhora da Penha.
Não era ainda absorvida a terceira década de vida re­
ligiosa organizada e eis que a Missão do Miranda é constituída
em Freguezia de Nossa Senhora da Penha de França. Quanto
à data de erecção, não deixa de ser desconcertante a confusão
dos documentos, pois que os próprios Autores se contradizem a
si mesmos. Podemos, contudo, recensear as principais informa­
ções, distribuindo-as em duas opiniões. Segundo a primeira, a
Paróquia teria sido criada a 3 de dezembro de 1740, quando
uma ordem teria sido baixada de S. Majestade o Rei de Portu­
gal, determinando a provisão da nova Freguezia. Assim, afirma
o Cônego Henrique Mourão, criticado por Raimundo Girão em
“O Ceará” (pag. 152). Assim, Senador Pompeu, na primeira
parte do “Ensaio Estatístico da Província do Ceará” (pag. 283).
Assim, o Barão de Studart, em “Ceará Colonia” (pag. 204). E
assim também, se lê no “ Primeiro Livro de Matrículas de Fre­
guezia”, existente no arquivo da Cúria Metropolitana de Fortaleza.
A segunda opinião registra a criação da Paróquia, des­
membrada de Missão Velha, como tendo sido erecta era Vigara-
ria amovivel em 1762, e freguezia fixa em 1768. Em confirma­
ção, costuma-se arrolar os seguintes textos : “A Freguezia, que
era Capela filial de Missão Velha, foi criada Vigararia amovi­
vel em 1762, e freguezia fixa em 1768, sob a invocação de Nos­
sa Senhora da Penha” (Senador Pempeu, na terceira parte de
52 ITA Y T E R A

“Ensaio Estatístico da Província do Ceará,” (pag. 111). “Março


de 1762 — Provisão criando a freguezia de Nossa Senhora da
Penha de França, do Crato, na aldeia do Miranda, o que só
aconteceu a 4 de janeiro de 1768” (Senador Pompeu, Ibidem,
pag. 274). “Em Março de 1762, a Missão do Miranda foi sepa­
rada de Missão Velha e erecta em freguezia, mas a independên­
cia religiosa só se verificou a 4 de Janeiro de 1768" (João Bri-
gido, Ceará—Homens e Fatos, pag. 92). “Março de 1762- P r o ­
visão criando a freguezia de Nossa Senhora da Penha de Fran­
ça, na aldeia do Miranda (Crato). (Ibidem, pag. 413), “4 de ja­
neiro de 1668” (Barão de Studart, Geografia do Ceará, pag.
3 1 0 ) ... 4 de janeiro de 1768 (José Pompeu, Corografia do Cea­
ra, pag. 128) “Em 4 de janeiro de 1768, o Visitador José Tei­
xeira de Azevedo, autorizado por Provisão Episcopal de 18 de
fevereiro de 1767, separou da de Missão Velha, a freguezia do
Crato” (Antonio Bezerra, Algumas Origens do Ceará, pag. 184).
“ Da freguezia de Missão Velha, foi desmembrada em 1768 a
do Crato, criada em março de 1762”. (Pedro Theberge, esboço
histórico sôbre a Província do Ceará”, la, parte, pag. 181). E,
porfim, escreve o Prof. Bernardino Gomes de Araújo, em o
Araripe, número 134: “em 1762, foi elevada a categoria de Ma­
triz a capela de Nossa Senhora da Penha do Miranda, sem con­
tudo haver independencia de administração paroquial, pois até
1767 foram aqueles povos curados pelo Vigário de Missão Ve­
lha” (livro de Casamentos até fl. 17).
Uma como terceira opinião ainda se poderia comemora1
aqui, aumentando a balbúrdia a respeito. Bem que se hajam
pronunciado acima, a favor da opinião certa, escritores de valor
a si mesmos se contradizem. “A inauguração, porém, só teve
teve lugar a 4 de janeiro de 1778 (sic) (João Brigido, Ibidem,
pag. 413). "Em 1778 (sic) foi instalada, por desmembração da
freguezia de Missão Velha, a de Nossa Senhora da Penha, na
aldeia do Miranda, hoje Crato, criada em março de 1762. e 2
anos depois, a 20 de junho foi criado o novo curato da vila de
Santa Cruz de Aracati, etc. (Barão de Studart, Notas para a
história do Ceará, pag. 256). É de notar — com o abalizado
historiógrafo de nossa terra Prof. José Alves de Figueiredo F i­
lho, em Cidade do Crato — que a data de 1778 não passa por
erro tipográfico, pois que é verdadeira a complementar da cria­
ção do Curato de Aracati, dois anos após em 1780.-
Tenha ou não precedido alguma ordem régia, determi­
nando a criação da Freguezia de Nossa Senhora da Penha, não
padece dúvida que a sua instalação realmente se deu em 1768.
À luz dos documentos transcritos no Livro de Tombo da Paró­
quia do Crato, fica completamente dirimida a questão. Efetiva
I TA Y T ERÂ 53

mente, nele podemos ler que “Lourenço Correia de Sá, Presbí­


tero Secular do hábito de S. Pedro, Vigário da Vara, e interino
de Aquiraz, visitador Geral da Província do Ceará pelo Exmo.
Snr. Bispo Diocesano”, depois de observar que não achou “os
Livros em que deveria estar registrado o Decreto da desmem-
bração desta Freguezia da de Missão Velha”. . . determinou a 18
de novembro de 1838, o seguinte. . . “Devendo a todo tempo
constar a época da creação desta Freguezia desmembrada da de
Missão Velha, O Rdo. Parocho deligenciará o Decreto em algu­
ma das Estações publicas donde deve estar registrado, e o re­
gistrar tão bem neste Livro” (foi. 3 verso). Pois, em cumprimen­
to a esta determinação, vem exarado o “Edital de divisão, con­
signação de limites das Paróquias de São José dos Cariris No­
vos, e de Nossa Senhora da Penha da Villa do Crato”. Inicia­
mente, o Edital faz saber que “foi apresentado um requerimento
em forma de petição “feita ao mesmo Exmo. e Rvdmo. Snr.
Bispo e assinado por alguns moradores do tempo da mesma
Villa e Freguezia”, cujo despacho favoravel é textualmente trans­
crito. Este, datado de 18 de fevereiro de 1767, autoriza o Visi­
tador, a quem seria “mostrado quando de Visita nesta fregue­
zia. . . a resolver na matéria, o que lhe parecer mais serviço de
Deos, e bem dos fregueses”. A execução se fez precisamente
no dia 4 de janeiro de 1768 subscrita pelo Secretário da Visita,
Pe. Manoel Fernandes Lima e firmada pelo Visitador Pe. José
Teixeira de Azevedo (foi. 2).
E Nossa Senhora da Penha, que havia recebido expres­
siva homenagem com a escolha para Titular da igrejinha primi­
tiva, era objeto de solene consagração ao tornar-se Padroiera
da nossa Paróquia. Maior distinção lhe não foi feita, senão quan­
do, em 20 de outubro de 1914, a criação da Diocese do Crato,
única no Brasil posta sob a sua proteção valiosa, trouxe para a
sua solicitude maternal não somente a considerável extensão
territorial de todo o Sul do Estado como ainda a grande multi­
dão de fiéis que, em tantas Paróquias, lhe cultuam o nome.
Emprestando o seu patrocínio salutar à comunidade reli­
giosa, de âmbito paroquial ou diocesano, Nossa Senhora da Pe­
nha presidiu ao desenvolvimento da vida cratense, em todos os
seus movimentos ascencionais. O calor irradiante de sua devoção
e a irradiação do seu culto, aos reverbéros da luz do Evange­
lho e ao sôpro da ação civilizadora da Igreja, suscitaram obras
e multiplicaram atividades omnimodamente benéficas. Aqui não
vamos descrever a espiral luminosa da influência da Paróquia
e da Diocese na formação e progresso desta terra, que, a par
dos ensinamentos da Religião e da Ciência, mereceu contar
com as energias e os esforços de tantos valentes, eficientes e
54 IT A Y T ERA

brilhantes cooperadores, clérigos e leigos, postos todos a serviço


do bem espiritual assim que o temporal do Crato. Bastaria con­
templar a galeria dos muitos Vigários e Cooperadores, cuja lista
organizou-a Leonardo Mota e se pode encontrar em “Cidade do
Crato” completada por José Alves de Figueirêdo Filho, bem co­
mo a série respeitável de Missionários e Sacerdotes que por aqui
atuaram sob a orientação dos Exmos. Snrs. Bispos do Ceará e
do Crato, para se sentir que alguns “são nomes que valem uma
legenda e assinam sozinhos, o atestado de que a glória do Cra­
to desceu do pé do altar”. Este papel preponderante da Igre­
ja na formação histórica e no desenvolvimento cultural da Prin­
cesa do Cariri já o decantámos, “oratorio modo”, por ocasião
do Solene te Deum oficiado no Primeiro Centenário da Cidade,
numa oração publicada por esta nossa (Revista Itaytera Ano I,
N°. 1, pags. 150-153).
E toda a grandeza desta obra evangelizadora e civiliza-
dora, afirmada no acrisolamento das virtudes morais e cívicas,
nas lides afanosas do ministério e nas tarefas árduas do magis­
tério, na expressão arquitetônica dos seus Templos e Educandá-
rios, na magnitude de suas instituições assistenciais e sociais,
toda esta obra magnífica de formação religiosa e cultural, social
e patrótica, se operou sob a égide protetora de Nossa Senhora
da Penha.
O T E M P LO - A CASA DE MARIA
O culto, em todas as religiões, tem conduzido o homem
ao lugar sagrado, para o exercício de suas funções. Da pedra
de Betei, à margem da estrada, Israel evoluiu até o suntuoso
Templo, onde o povo eleito se encontrava com Javé. A casa de
Oração responde, destarte, não apenas ao anseio de privar in­
timamente com Deus, no segredo do silêncio e da quietude, se­
não ainda à necessidade inelutável de significar aos Céus a in­
tensidade do afeto humano. O templo se impõe como o santuá­
rio augusto onde se tangem os horizontes do Céu, mas se afir­
ma também como tabernáculo precioso que recolhe os tesouros
da fé e do amor, cristalizados no óbulo generoso ou no sacrifício
heróico.
A devoção aos Santos de Deus tem levado, por isto, os
fiéis à edificação dos templos, em cujo recinto armam o cofre
dos seus segredos e orações e em cuja magnificência espelham
o seu devotamento. Natural, portanto, se descubram alguns acen­
tos de carinhoso amor de Nossa Senhora da Penha na história
de sua Casa.
A Capelinha de Nossa Senhora da Penha, na Missão
do Miranda, com toda certeza já estava de pé antes do ano de
1 T À Y T L? R A 55

1745. Levantada esta suspeita por Itíneu Pinheiro, o fato se


comprovou com o resultado das pesquizas do Pe. Antônio Go­
mes, que, compulsando os livros antigos da Freguezia de Nossa
Senhora da Expectação de Icó e da Capela de S. Antonio de
Missão Nova, encontrou o registro de um casamento celebrado a
29 de agosto de 1742, “na Igreja de Nossa Senhora da Penha
da Missão do Miranda’’ (Livros de Registro de Batizados e
Óbitos da Capela de Missão Nova, anos de 1741 a 1747). Re­
trocedendo mais, topa-se o registro de batizado oficiado “na igre­
ja da Missão do Miranda” no dia 30 de julho de 1741 (Livro
de Registro de Batizados e Casamentos da Paróquia do Icó, nos
anos de 1741 a 1783, fls. 2).
A primitiva Capelinha, a despeito de ser de taipa, bem
cêdo foi contemplada com uma grande distinção, merecendo já
em 1762, segundo escreve o Prof Bernardino Gomes de Araújo,
em o N. 134 de O Araripe, “ser elevada à categoria de Matriz”,
embora a independência paroquial só se tenha dado era 1768. À
construção, no entanto, não resistiu muito tempo, pois mesmo
antes de findar o século,’- dentro da vila não havia nenhum ou­
tro templo que nele se pudesse celebrar cs divinos ofícios e o
único que havia de servir de matriz, por ser muito antigo amea­
çava ruina”, justificando-se, assim, o pedido de “uma porção das
Rendas de sua Majestade suficiente para ererção da Capela-Mor
da nova matriz”, dirigido à Junta Real do Erário, em Pernam­
buco, pelo Pe. Antônio Lopes de Macêdo Junior”, vigário da
vara e pároco da freguezia de Nossa Senhora da vila do Crato.
Autorizada pela junta, teve início a construção da nova
matriz que, ampliada e reformada, resultou neste grandioso edi­
fício da atual Catedral.
No Termo da Visita realizada em 1838,deixou o Pe. Louren-
ço Corrêa de Sá, entre outras, esta orientação: “Tendo a Matriz
desta Freguezia as proporções exigidas na Constituição do Bis­
pado, Livro 4.° Ti. 17 N. 687, e se não ache acabada, antes
prometendo ruina que se não atalhar a tempo será difícil o re­
parar-se, lembro ao Rdo. Parocho: promova entre os seus Fre­
gueses alguma subscrição em beneficio da dita Igreja e dê em­
penho para que se lhe fação os Torreões, e Frontespício, antes
que as paredes dos lados se dismoronem”. . . (Livro do Tombo
da Matriz do Crato, fl. 3 verso). Num esforço generoso para
pôr em execusão este plano, o então Vigário colado, Pe. Ma­
noel Joaquim Aires do Nascimento, em 1852, construiu a Torre
do lado sul. Neste campanário, colocou o primeiro sino da Ma­
triz, fundido em 1848 e batizado com o nome de Manuel, Tam­
bém, aí se assentou, a 21 de janeiro de 1863,“c Relógio fabricado
em Estrasburgo, na Alsácia, pela^firma Ungerer Frères, para o
56 IT A Y T E R A

qual a Mesa da Confraria das Almas, fundada em 31 de de­


zembro de 1854, autorizou, a 6 de dezembro de 1868, a aquisi­
ção de “um sino de vinte arroubas acima.. . ficando sujeito ao
relógio da matriz”. A bênção do sino se deu em 1871, batizan­
do-se o mesmo por Miguel.
A fim de libertar a igreja do “estado de abjeção em
que se achava”, em 1872, nomeou o Sr. Dom Luiz Antônio dos
Santos, primeiro Bispo do Ceará, uma comissão que, todavia,
nada realizou de importante. Em 1892, porém, se levantavam
os corredores laterais, graças à administração do Monsenhor
Alexandrino de Alencar, que também substituiu o piso da ma­
triz por tijolos de barro cozido.
Completando a planta esboçada com o tempo, o Pe.
Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva levantou a outra torre,
no lado norte, concluindo os trabalhos em 1911. Já depois de
Bispo da nova Diocese, Dom Quintino reformou a velha Igreja,
destruindo as tribunas, feitas por particulares no Paroquiato do
Pe. Manuel Joaquim Aires do Nascimento, e, em seu lugar, ras­
gando amplos arcos que se abrem para as naves laterais. Co­
municando maior capacidade ao templo e emprestando-lhe uma
nova forma, mais imponente e liturgica, ergueu-se, no lado norte,
um braço que trouxe à Sé o esquema de uma cruz. Em 1926,
quando era Vigário de Nossa Senhora da Penha e Cura da
Catedral o Pe. Francisco de Assis Feitosa, a Capela do braço
esquerdo estava concluída.
D. Francisco de Assis Pires, segundo Bispo, procedeu
à nova reforma da Catedral, dando expressão moderna à Capela
Mor e à do Santíssimo, bem como à Sacristia. Precisamente a
1 de setembro de 1938, a nova e grande Imagem de Nossa
Senhora da Penha, adquerida por D. Quintino, era benta e
colocada no seu majestoso nicho.
No ano seguinte, era retirado do patamar da Sé o quase
secular cruzeiro, de 26 palmos de altura, todo composto de
pedras, verdadeira obra darte, trabalhada nos idos de 1840 e
enriquecido pelos vários símbolos da Paixão do Senhor, tais
como a escada, a corda, a cana, o martelo, a corôa de espinhos
e o galo. Depois de certo tempo, o velho cruzeiro ressurgiu em
frente ao portão do Seminário Diocesano.
Em 1952, armava-se o Altar de Nossa Senhora das
Graças, compondo-se assim a Capela das Filhas de Maria, ao
lado da Capela Mor. E perfazendo a figura da Cruz, o atual Cura
da Catedral edificou, em 1954, o braço do lado sul, onde se
formou a Capela de Nossa Senhora de Fátima. Destarte, con­
sumou-se a reforma planejada, restando apenas modificações
menores, como, por exemplo, a abertura de arcos comunicando
11' A Y T E R A 57

a Capela Mor com as laterais e dando maior visibilidade para


as funções litúrgicas. Simples, porém, não despida de arte e
beleza, a Catedral de Nossa Senhora da Penha se impõe como
um amplo e majestoso templo. E, no seu bôjo, repousa meiga
e cativante a querida e veneranda Padroeira do Crato.
A Casa da Senhora da Penha, não tem conhecido apenas
os fenômenos religiosos, mas vários acidentes têm pontilhado de
luz ou coberto de sombras a curva de sua história bissecular.
A propósito, Irineu Pinheiro faz uma recensação dos fatos his­
tóricos que o autorizaram a asseverar que no Quadro da Matriz
se cumpriram «os mais notáveis sucessos da vida política, reli­
giosa e social do Crato.»
Entre todos, destacou-se a Proclamação da República,
feita em 3 de maio de 1817, quando, com a anuência de velho
vigário Miguel Carlos da Silva Saldanha, que bem caro pagou
a aventura, o Diácono josé Martiniano de Alencar «subiu ao púlpi­
to, de batina e roquete, conforme registra Monsenhor Muniz
Tavares era sua História da Revolução de Pernambuco em 1817,
e leu o «Preciso de Mendonça», proclamando em seguida a
nossa independência política e a república».
O que teve esta efeméride de trágico em suas conse­
quências, porém, de glorioso nos seus rasgos de heroísmo, teve
de lúgubre e sacrílego o criminoso atentado perpetrado, dentro
da Matriz. Em setembro de 1856, realizavam-se as eleições,
quando o delegado de polícia ordenou que atirassem os soldados
contra os adversários. «No recinto da Matriz se deram espanca­
mentos, efusão de sangue e homicídio», saindo morto o eleitor
José Gonçalves Landim. Logo no dia seguinte, às 5 horas da
tarde, usando dos poderes que lhe dava a disposição N. 1282
da Constituição Diocesana, o Vigário fez a reconciliação da
Igreja, de sorte que «foi desinviolada a Matriz, como determina
o Ritual Romano».
A D E V O Ç Ã O DO P O V O DO C R A TO
A imponência arquitetônica e a beleza artística dos tem­
plos traduzem, sem dúvida, a grandeza da fé que visceja num
povo. As magníficas e suntuosas Catedrais da Europa aí estão
como espelho do vigor e da viveza do sentimento religioso que
animou a Idade Média, assim como, em todos os templos, a
devoção aos Santos multiplicou as Igrejas cristãs que, no esplen­
dor da arte ou na eloquênc-ia da simplicidade, refletem menos a
cultura e riqueza que a piedade e magnanimidade de um povo.
Se, entretanto, o templo cristaliza na linha ou na côr o
carinho e o amor dos fiéis para com Deus e seus Santos, pro­
jetando no espaço a idéia sublime da fé, é sobretudo no tempo
58 IT A Y T E R A

que se manifesta, eloquente e arrebatadora, variada e cativante,


a força viva da Religião. No recinto do santuário, no recesso
do lar ou no sacrário da consciência, o culto religioso realiza
as suas onímodas expressões, desde os murmúrios secretos da
prece silenciosa até as pompas enlevantes da oração litúrgica.
Os atos piedosos, vividos com fervor, eis a linguagem palpitante
com que se patenteia a verdadeira devoção.
No altar dos corações, mais que na pedra dos altares,
liemos de encontrar o testemunho inequívoco do amor filial que
o povo do Crato sempre dedicou a Nossa Senhora da Penha.
Transmitido de geração em geração, a devoção à Padroeira faz
parte da formação primeira de nossa gente que, desde de crian­
ça, aprende a recorrer a esta valiosa Protetora e a vida inteira
passa a ouvir as suas glórias e exaltar as suas grandezas. A
confiança com que invocam nos momentos de allição e necessi­
dade e a vibração com que a louvam nos dias de festas, tudo
faz incutir na mente e no coração dos fiéis cratenses um vivo
respeito e uma forte dedicação à Senhora da Penha.
Aparentemente frio, o devotamento a Nossa Senhora da
Penha, no Crato, tem raizes profundas e firme consistência. Su­
cedem-se dias e mêses, sem que se levante um clamor de sú­
plicas cu um rumor de festas e nem sempre se queimam fogos
em seu louvor nem se depõem ex-votos em seu altar nem se alar­
deiam promessas vantajosas. Mas, nada consegue arrefecer o
entusiasmo da devoção e o calor das manifestações, nos momen­
tos de angústias e nos dias tradicionais. O seu hino não se can­
ta senão na grande Festa, mas também por nada se consegue
a substituição desta música sécular que tem embalado a alma
cratense através de sua história. índice do aprêço e amor filial
para com a estremecida Padroiera, afirma-se o número conside­
rável de pessoas que recebem na Pia Batismal o nome de Maria
da Penha e, realmente, inúmeros são os pais de familia que a
tomam por Madrinha de filhos seus. Devotos exitem, de quando
em vez, que tão aprimorada têm a devoção que, sem respeito
humano e até com ufar.ia, só se referem à Padroeira com a do­
ce e terna expressão de minha Mãe da Penha. E, toda vez que
faz apelo à dedicação e generosidade geral, dou testemunho de
que são legiões os que, sinceramente, respondem com prontidão
e magnanimidade impresionantes. Haja vista o sacrifício penoso
e humilhante de certas campanhas, em beneficio de Nossa Senho­
ra da Penha ou de sua causa, sempre empreendidas com êxito
confortador.
A Imagem antiga, oculta na Sacristia e atualmente na
Secretaria Paroquial, uma vez que não é permitido expôr ao
culto duas imagens da mesma invocação na mesma Igreja, a
IT À Y T E R A 59

inesquecível Imagem dos maiores continúa a atrair pessoas que


não se cansam nunca de procurá-la e visitar, vindas de longes
terras ou de intensos sofrimentos. Quando, então, se expõe à vi­
sitação pública ou se desloca em funções litúrgicas e apostólicas,
o povo a venera ardentemente e a acompanha incansavelmente.
Em 1952, ao inaugurar um programa novo de paroquiato, o Cura
da Sé traçou o itinerário de uma peregrinação pelas Capelas e
os fiéis da zona rural, por onde a Imagem passara havia pouco
mais de meio século, deliraram de alegria por rever e receber a
querida e veneranda Imagem. Esta mesma estima se patenteou
no interesse com que os paroquianos aceitaram os santinhos de
Nossa Senhora da Penha, impressos em tamanho pequeno. Cres­
ceu, porém, o entusiasmo quando se fez a distribuição para to­
das as famílias de estampas grandes, em policromia, com a Ima­
gem da Padroeira acima do retrato da Catedral. Hoje, quase
toda a casa ostenta, mesmo entre a pobreza do desconforto, a
efígie de Nossa Senhora da Penha.
Para promover concentrações grandiosas, em que a po­
pulação em pêso se congregue, nada colhe tanto resultado quan­
to a presença da Imagem. Memoráveis foram as concentrações
monstro provocadas para neutralizar os famigerados comícios que
os comunistas intentararam realizar na Cidade. E quem não tem
viva lembrança dos inolvidaveis movimentos em preparação à
vinda da Imagem Peregrina de Fátima, quando a Padroeira le­
vava para os recantos todos da nossa Urbe uma multidão im-
computavel ?
Na verdade, Nossa Senhora da Penha exerce um suave
império de bondade e amor sobre esta católica e marial Prin­
cesa do Cariri.
A F E ST A DA PAD RO EIRA
Sinal inequívoco desta doce vassalagem é a Festa da
Padroeira, que marca, no calendário de cada ano, o maior acon­
tecimento socio-religioso da região.
Nela se patenteia a dedicação leal de todas as famílias
e a adesão geral de todas as classes. Numa afluência excepcio­
nal, acorrem todos os habitantes de todo o município, aos quais
se somam muitos outros vindos de perto e de longe. Nenhum
acontecimento social ou religioso consegue reunir uma multidão
igual à Festa da Padroeira. O Crato tem conhecido ultimamente
solenidades máximas, em festividades magníficas, ora apresentan­
do a presença de um Cardeal e uma dezena de Bispos, ora os­
tentando o luxo de visita de altas Autoridades civis e militares,
ora proporcionando atrações e diversões sensacionais como as
do Centenário da Cidade ou das Exposições Àgro-pecuárias.
60 ITAYTERA

Nenhuma Festa, contudo, nem mesmo as Santas Missões pre­


gadas por Missionários consagrados como os Redentoristas ou
afamados quanto Frei Damião, nada consegue atrair e arreba­
nhar tanta gente quanto o Dia da Padroeira. Sempre tem sido
o maior público e o auditório mais numeroso. O comércio e a
política dão bem definição disto. Muitos por devoção ou tradição,
outros por negócio ou interesse, o certo é que de toda parte vêm
freguezes para a Novena de Nossa Senhora da Penha. As famí­
lias simples e modestas podem privar-se de muita coisa, mas
não falta a preparação para a Festa da Padroeira, quando todos
se ufanam de envergar roupas novas. O gosto do povo reveste
às vezes aspectos curiosos. Assim, pessoas existiam, há pouco
ainda, que nos festejos da Padroeira iam a pé até a Cidade
contratar um carro, no qual voltavam para trazer a família para
a Festa. . . Por tudo isto, daria um longo capitulo o estudo da
influência religiosa e social da Festa na formação e evolução da
vida cratense.
Das mais antigas e fortes tradições, a Festa da Padro­
eira do Crato sempre se celebrou com muito gosto e movimento,
revestindo côres características, em que à piedade e à solenidade
dos atos litúrgicos se somam notas interessantes de vida folcló­
rica e números atraentes de diversão. Vem a talhe reportar aqui
a descrição que, nos meados de segundo quartel do século pas­
sado, nos deixou Gardner. Eis como reza a crônica do escritor
escocês, transcritas de O Cariri, de Ireneu Pinheiro : “ Durante
a minha estadia no Crato foi celebrada a Festa de Nossa Se­
nhora da Conceição (sic), precedida de nove dias de divertimen­
tos, cujas despezas corriam por conta de pessoas designadas
para conduzi-los; enquanto durou a novena, como é chamada,
os poucos soldados que havia na vila não cessaram quase, dia
e noite, de dar tiros, e as procissões, illuminações, girandolas de
foguetes e salvas, com um pequeno canhão em frente da igreja,
trouxeram o lugar em constante alvoroço. Como diziam que a
última noite era mais solene, dirigi-me pelas sete horas à igreja,
diante da qual havia muitos postes embandeirados e ardiam duas
fogueiras; na calçada em frente ao templo aglomerava-se enorme
multidão e, de tempos em tempos, meia duzia de soldados des­
carregavam os seus mosquetes; perto dali tocava uma banda de
música, composta de dois pifanos e dois tambores; mas a mú­
sica que produziam era de arrebentar tímpanos. A igreja estava in­
teriormente esplendente de luzes e cheia de gente; surpreendeu-me,
porém, ver que a quase totalidade dos assistentes eram mulheres;
estavam todas vestidas de branco ou, pelo menos, tinham um
chale branco sobre a cabeça e os ombros. No dia seguinte,
pouco antes de anoitecer, uma grande procissão, composta intei­
ramente de homens, passou pelas ruas principais, conduzindo
IT A Y T E R A 61

com grande pompa várias imagens da Virgem e do seu Filho;


os três padres da vila e bem assim o Visitador ou Delegado do
Bispo, que realizava então uma das suas habituais visitas írienais,
marchavam sob um pálio escarlate. As festas terminaram no dia
seguinte, um Domingo, com exibições no pau-de-sebo, e uma
dança de mascarados no patio da igreja» (Op. cit. pag. 227).
De ver está que laborou em equívoco o cronista da Festa
de 1839, uma vez que a Padroeira não era Nossa Senhora da
Conceição, que sim da Penha Quanto à data, tradicionalmente
fixada no dia primeiro do Ano, por razões que não vimos de­
monstradas, passou a ser primeiro de setembro, graças à inter­
venção de Dom Quintino. E para maior solenidade e expressão,
conseguiu-se uma grande conquista com a decretação de dia
santo de guarda. Se não existe um ofício próprio no Breviário
nem uma Missa especial de Nossa Senhora da Penha, o seu
dia em nossa Diocese, mereceu o privilégio de ser guardado no
Côro e no fôro, o que vigorou até o decreto de 19 de fevereiro
de 1918, por força do qual nenhuma festa estabelecida por direito
particular poderia obrigar os fiéis.
No correr dos tempos, como é natural, conheceu a Fes­
tividade maior do Crato os acidentes inevitáveis, descrevendo
uma curva de altos e baixos. Quando tomámos posse da Catedral
em 1952, guardando embora o esquema sustentado pela tradição,
a Festa vinha experimentando o travo de certas decepções, pois
que se tornara de menor expressão religiosa e social. A extra­
ordinária afluência de forasteiros exploradores e de frequenta­
dores de diversões provocara um divórcio entre os festejos e
a solenidade da igreja. Enquanto o Novenário se fazia na Cate­
dral concentravam-se as diversões na Praça da Estação, onde
campeavam os jogos e as orgias, num ambiente viciado, sem
ordem nem moral. Muitas pessoas por lá ficavam, não compa­
recendo aos ofícios religiosos, e a grande maioria, apenas se
encerravam as orações oficiais, descolocavam-se apressadamente
para lá. De uma vez, conforme informação de Afrodízio Nobre
da Cruz, foram contados só na calçada do lado direito, 1.308
pessoas que procediam da Sé e avançavam, pela rua Senador
Pompeu, rumo às diversões, enquanto legiões desciam por outras
ruas. Com a anuência da Autoridade Diocesana, decidiu-se en­
frentar a situação e reduzir todos os movimentos à unidade de
um plano, subordinando tudo à ordem. Graças à compreensão
e cooperação dos Poderes constituídos, acordou-se em localizar
todas as atrações no próprio quadro da Sé, garantindo-se um
clima de respeito e moralidade, de sorte que as famílias mais
distintas possam comparecer a tudo. Há, por certo, algum inco-
veniente na aproximação do Parque diversional, mas ganha-se
62 IT A Y T E R A

muito na disciplina e moralidade da Festa. Uma verdadeira lei


assinada pelo Governador da Cidade e pelo Delegado de Policia
regulamenta o Parque de diversões, de modo a criar um ambi­
ente de ordem, respeito e moralidade. Em obediência às deter­
minações baixadas para Província do Cearã em cumprimento
às normas traçadas pelo Sr. Bispo Diocesano, com prévia audi­
ência e pleno apoio das Autoridades locais, fixam-se diretrizes
por forças das quais, durante a Festa, as diversões não se per­
mitem senão na Praça da Sé, mediante entendimento com o
Cura da Sé, impondo-se respeito rigoroso ao horário das funções
religiosas e ao sossêgo público e proibindo-se terminantemente a
venda de bebidas alcoólicas e a exploração de qualquer jogo
ou aparência de jogo. Esta foi uma conquista expressiva alcan­
çada progressivamente nestes últimos anos, assegurando-se com
isto uma c o m p o s i ç ã o feliz da Festa Religiosa e dos festejos
populares.
Apresenta, assim, a Praça da Sé um aspecto pitoresco,
grandioso e movimentado. Enquanto nos lados norte, sul e nas­
cente, se alinham os corrocéis, barcas, ondas marinas e roda
gigante, no centro alteia-se, gracioso em suas linhas singelas e
funcionais, o Palanque de onde a Imagem de Nossa Senhora da
Penha preside às festividades. Erguido entre as colunatas da
pérgola, remirando-se nas aguas quietas do lago em frente, o
Altar da Virgem domina sobranceiramente a histórica e mimosa
Praça, transformando-a em vasta Catedral, onde milhares e
milhares de devotos se comprimem para o louvor da Padroeira.
Continuando as linhas luminosas do Palanque, cordões de lâm­
padas se estiram pelo contorno do lago e avançam até o pátio
da Sé, onde se ramificam para uma iluminação feérica dos Pa­
vilhões dos Noitários. Aqui, a imponência dos portões emban-
deirados e o contraste das grades coloridas emolduram, atraen­
temente, o recinto dos leilões. No centro, irradiando os cordões
de luzes, alteia-se o soberbo mastro da Bandeira da Padroeira,
ladeado por outros correspondentes às torres, nos quais drapejam
gigantestecas Bandeiras do Brasil e da Santa Sé.
A Festa de Nossa Senhora da Penha enche plenamente
toda a Cidade e faz da Praça da Sé o centro de toda as ativi­
dades religiosas e sociais. De tal maneira, ficam polarizadas as
atenções que, neste setênio, se vem conseguindo a homenagem
especial de, numa Urbs dessas proporções, não se promovem
nos Clubes locais nenhuma festa dançante que venha a fazer
competência com a Festa. A sociedade em peso e o povo todo
se deixam empolgar, empenhando-se em campanhas e atividades
que têm consagrado a magnanimidade dessa gente. A despeito
de não existirem líderes ou pessoas de destaque, sinceramente
IT A Y T E R A 63

devotados à causa da Padroeira, como outrora brilharam devo­


tos do porte e gosto de José Gonçalves e João Evangalista Gon­
çalves, a organização da Festa vem despertando entusiasmo, lo­
grando atingir, como resultado líquido, um tecto superior a meio
milhão de cruzeiros, Entretanto esta falta de inrerêsse dos ricos,
traz uma oscilação sensível no nível das apurações, que têm
ultrapassado a casa dos seiscentos para logo cair de quase
50% , subindo novamente no ano seguinte. Isto é que está pos­
tulando, cada ano, um plano diferente, ora congregando as clas­
ses, ora agrupando amigos ; agora apelando para o amor aos
filhos eleitos Príncipes, depois repousando nos brios das famí­
lias tradicionais ou adventícias. A família cratense, porém, tem
gosto em servir a Nossa Senhora da Penha e, de molde a hon­
rar qualquer terra, são a arte e riqueza com que preparam os
filhos como Pagens, Príncipes ou Princesas. Assim, como orna­
mentam os vinte e tantos Andores que compõem a maravilhosa
Procissão do Encerramento. Então, o Carro-Andor da Padroeira,
cada vez superando-se a si mesmo, tem constituído verdadeiro
deslumbramento.
Incorporando novamente aos festejos tudo aquilo que a
tradição nos legara como patrimônio do nosso folclore sadio e de
nossos costumes religiosos, fomos programando a Festa de modo
a associar os tesouros da vida moderna às relíquias do tempo
passado. E a enriquecer os dias festivos com os ritos sagrados,
que nos põem em contáto com Deus e sua Bendita Mãe, sem
excluir os números interessantes que proporcionam momentos de
alegria e distração, em união com os antepassados e era comu­
nhão com os irmãos presentes. Por isto, restaurou-se o antigo e
generalizado uso de trazer o Pau da Bandeira, em cortejo alvo­
roçado só de homens, que passeiam em marcha quase marcial
o soberbo caule em que tremulará a Bandeira. As músicas ca-
baçais, proibidas que foram de pedir esmolas de porta em por­
ta, numa coleta que mal sobejavam das despêsas do grupo quase
sempre animado pelo álcool, as zabumbas voltam, nesta hora da
entrada triunfal do Pau da Bandeira, a trazer o característico
de suas músicas, tão enervantes e irritantes às vezes, porém
carregadas de tão vivas recordações.
Se este acontecimento, ocorrido na tarde do dia 15 de
agosto, vem despertar a consciência do povo para a Festa que
se aproxima, é no dia 22 que se conclama a todos com a cere-
mônia do Hasteamento da Bandeira, que, após uma pequena
procissão, vai hasteada à altura de até cem palmos, em eucalip­
tos linheiros, de cujo topo domina a sua Cidade. Em seguida,
desde que se promovam quermesses nesta noite, desfilam os nú­
meros tradicionais. O Maneiro pau, a dança do côco, a do
64 IT A Y T E R A

trancelim, a quadrilha, a adoração dos zabumbeiros, o reizado,


tudo há sido apresentado ao público. Grande êxito anda alcan­
çando, ultimamente, o Pastoril que, mercê da graça e louçania
das Pastorinhas selecionadas entre as melhores famílias, encanta
e empolga, ao apresentar suas Princesas e Noitários.
Nova atração, vai criando fama e crescendo de vulto a
Vigília da Festa, celebrada com números típicos do campo, co­
mo derruba de rezes, a montagem de animais bravos, a corrida
de cavalos, a conquista da argola e outras aventuras em que
vaqueiros e cavalheiros provam sua habilidade e bravura.
Igualmente, volta a oferecer momentos de indescritível
deslumbramento a parte pirotéctica, ultimamente aperfeiçoada
pela organização geral da Festa. Os Noitários que, antanho,
porfiavam numa verdadeira batalha de fogos e pistolas, tentando
alcançar vitória em proveito e beleza, arrefeceram nesta emula­
ção. Nem mais se interessam por arrebatar a Bandeira, eles
que primavam em requintes de brio e competição ao «entrega­
rem o ramo» cada noite. A Catedral, porém, vem ressuscitando
as fosforecentes e rutilantes demonstrações de fogos e articifí-
cios, com novidades surpreendentes.
Diz-se que, por muito tempo, os soldados do destamen-
to, mesmo depois de cessado o uso dos tiros festivos, costuma­
vam acompanhar a Imagem numa como guarda de honra. Atual­
mente, representações de Classes, Associações Religiosas ou
Educandários formam as guardas de Honra, reservando aos
Nobres Vereadores da Câmara Municipal a distinção de inte­
grar a insigne Guarda de Honra da Padroeira.
Em tudo, porém, o que persiste mais que latente, pois
que, a toda hora, se faz patente, é a serena imperturbável à ex-
celsa Padroeira. Toda esta agitação e consequente dispersão não
consegue desviar da mente e do coração do povo a fé e o a-
mor a Nossa Senhora da Penha. À hora da Novena, impressio­
na e o silêncio o respeito reinantes num logradouro público, lota­
do de atrações e distrações. Difundidas pelo serviço de auto-
falantes da Catedral ou retransmitidas pelas Rádios locais, as
orações do Novenário são atentamente ouvidas e acompanhadas
pelos devotos, congregados aos milhares ante a Imagem querida.
As músicas antigas exercem verdadeira fascinação sobre
o coração de nossa gente, que não admite a substituição por
melodias modernas. Desde tempos imemoriais, canta-se um no­
venário que a tradição consagrou, exclusivamente para a Festa
da Padroeira. Atribue-se a sua autoria ao renomado Maestro
Montezuma, do Icó, autor que foi de três novenários compostos
com características próprias. Entre nós, conserva-se o n. 1, de
melodia riquissima, cheia de matizes brilhantes. Com tonalidades
IT A Y T E R A 65

em maior, proporciona lindo colorido musical, executado por


instrumentação caprichosa, na qual predominam os arpêjos nos
cantantes e as variações, nos instrumentos graves. Empregando
o si-bemol, no «Domine, ad adiuvandum», alcança um tom de
grande riqueza melódica. Mas, o que a destaca é a Ladainha,
que, por si só, diz do gênio e da inspiração do compositor. Se­
guindo as considerações tecidas pelo Prof. Pedro Teles, pode
dizer-se que a Ladainha vale uma pequena sinfonia. Melodia
arrebatadora. Colorido brilhante! Escrita em sol, ela conhece
nada menos de 23 modulações e 7 variações, destacando-se al­
guns solos com acentos de rara beleza. A «Salve Regina» con­
tinua a mesma inspiração como se fôra um complemento da La­
dainha. Também, em três vozes, alcança arrebatamentos deslum­
brantes. E, finalmente, a não falar nas demais partes, no Pater,
Ave, o Salutaris e Tantum Ergo, o Novenário da Padroeira acor­
da ressonâncias especiais na alma do povo, com as notas lân­
guidas e cativantes do Hino de Nossa Senhora da Penha. Em
tom menor, este Hino, cuja origem e autor se desconhecem, tem
uma melodia tocante que bem demonstra a fé ardente do devoto
da Mãe da Penha. Há pouco, orquestradas novamente pelo Pe.
Davi Moreira, as músicas da Festa continuam a embalar a alma
do povo, como se evocassem todas as vozes do passado e as­
sociassem à multidão dos presentes a outra dos que se foram
para o lado de lá do horizonte, no tempo e no espaço.
De longe, chegam os devotos mais fervorosos e muitos
não perdem jamais a Festa. Mesmo pessoas que residem nos
sítios, cada noite, aqui estão para assistirem ao Novenário. À
boca da noite, as estradas do Crato semelham caminhos de for­
miga, pois de todas as direções vêm vindo, aos grupos, para
cultuar a Senhora da Penha.
Porfim, as pompas Iitúrgicas emprestam à Festa um
brilho extraordinário. O novenário oficiado em plena Praça, bem
que não conheça a quietude enlevante dos templos, nada perde
de sua solenidade, cativando a multidão de assistentes, enquanto
alternam as orações eloquentes e as músicas tradicionais. O
Santíssimo Sacramento é levado da Catedral até o Palanque,
acompanhado de alguns membros da Irmandade. O Tríduo final,
sempre mais solene, conta com a presença de três Sacerdotes,
festejando-se o Dia da Padroeira com a Missa Pontificai, na
própria Catedral. À estação da Santa Missa, um celebrado Ora­
dor Sacro faz o Panegírico de Nossa Senhora da Penha, em
cujo louvor costuma o Sr. Bispo dar, neste grande dia. a Benção
Apostólica. Mas, o coroamento da Festa, temo-lo na pontentosa
Procissão de encerramento, que faz percorrer as principais Ruas
vinte Imagens, dentre as mais queridas e veneradas de nossa
66 IT A Y T E R A

gente. Entre as alas de Associações Religiosas, representações


de Educandários e devotos vestidos de branco, desfilam os An-
dores precedidos de sua guarda de honra; os estandartes e ban­
deiras; as flâmulas das Paróquias e Pavilhões Pontifício e Na­
cional; os grupos de Anjos e virgens coroadas, e, porfim, o
magnífico Andor de Nossa Senhora da Penha. Cada ano, se
renova assim uma consagradora apoteose a Nossa Senhora da
Penha, na portentosa Festa da Padroeira.
FEN Ô M EN O S PRO D IG IO SO S
O segredo de todas as manifestações de piedade, ma­
gnanimidade e vibração esconde-se, naturalmente, no seio de
uma profunda e forte devoção à Senhora da Penha. Ora, esta
se alimenta não apenas da certeza de que a Mãe de Deus nos
pode acodir, senão ainda da confiança em que, realmente, Ela
nos quer valer. A confiança na proteção de Nossa Senhora da
Penha, eis então o estímulo da verdadeira devoção mariana.
A segurança com que o povo recorre, confiantemente,
à Mãe de Jesus, se afirma na verdade de que Maria é a Me­
dianeira de todas as graças. E se confirma com as inúmeras
graças e socorros prestados à nossa gente. De ordem espiritual
ou temporal, de toda sorte, recebem-se muitos beneficios de
Nossa Senhora da Penha, tão invocada nas horas difíceis e tão
prestimosa nos momentos de necessidade. Cada promessa que
se cumpre é um atestado do devotamento anterior à Padroeira e
novo incentivo para o afervoramento do amor à Virgem da Penha.
Guardam os mais velhos a memória de alguns prodígios
e, frequentemente, outras graças visitam o nosso povo.
Impossível seria fazer uma recenção dos muitos favores
conseguidos por intercessão da Padroeira, já que os seus devotos
a Ela recorrem em todas as angústias e precisões ou encomendam
todos os interesses e conveniências. A quem se dê o cuidado e
prazer de tomar conhecimento dessa crônica de gratidão e lou­
vor, de logo se impõe a observação de que a maior valia de tão
bondosa Protetora vem ao encontro dos que padecem grande
aflição ou correm perigosos riscos. Tal como aconteceu nas o-
rigens da invocação e no processo de sua difusão, Nossa Se­
nhora da Penha se apraz em atender, de preferência, aos que
a invocam à hora de perigo iminente.
Escolhidos entre casos sem conto, vamos registrar dois
apenas, cujo prodígio é atribuído pelo povo à augusta Padroeira
do Crato. O primeiro terá acontecido noutras paragens, pois
que os cratenses levam para onde vão o tesouro de sua devo­
ção, justificando-se, dessa sorte, as visitas oportunas e as pro­
messas custosas que, de longe, vêm fazer ou pagar. O outro
IT A Y T E R A 67

teve por cénário e testemunha a Cidade inteira do Crato, onde


visceja e floresce está veneração autenticamente cristã, legítima
nos seus fundamentos e pura em suas manifestações, escoimadas
que são de qualquer fanatismo ou superstição.
x x x
Maria Filomena era uma criancinha de 2 anos e 4 mêses
apenas, filha de Mariano Basílio Gonçalves e Espedita Fernan­
des Machado, modestos agricultores do Município de Barros, no
sul do Ceará. Certo dia, em março de 1956, a pequenina, depois
de receber alguns carinhos do pai que saía para a roça, fugiu
à vigilância das pessoas de casa e se pôs a caminhar na direção
tomada, havia pouco, pelo seu genitor. Devagarinho, foi-se em­
brenhando mata a dentro, desviando-se por algum atalho e, bem
cêdo, perdendo-se em meio à vegetação cerrada da visinhança.
Em plena estação invernosa, as árvores cobertas de fo­
lhas verdes impedem completamente qualquer visibilidade. A
família, dando pela ausência da menina, começou a procurá-la
por toda parte. No terreiro, em redor da casa, pelos caminhos
que dela partiam, pelas verêdas que por ali cruzavam, por todos
os recantos, procuraram Maria Filomena, investigando, chaman­
do, gritando. Mas, tudo, debalde. Nem sinal da pequerrucha. Nem
rastro apagado, sobre a terra molhada, por onde passaram os
seus pésinhos leves. Ela se sumira por volta das 9,30 da manhã
e já declinava o dia, sem que aparecesse sequer um vestígio. Os
amigos e vizinhos se associaram à empresa e todos investigavam
e davam buscas. Entretanto, a tarde morria, triste e descolorida,
e nem um raio de esperança brilhava no coração dos pais afli­
tos, como no céu não cintilava nenhuma estrela. O manto das
nuvens forrava o firmamento escuro e um véu de angústia e
dor toldava o espírito daquela pobre gente.
E o que seria de Maria Filomena, perdida no túnel da
noite fria, exposta aos rigores do tempo chuvoso, sujeita aos a-
cidentes imprevist s? A fome não a estaria devorando por den­
tro? E se uma onça, dessas que dizimam rebanhos da região, a
devorasse por fora? As cobras, tão numerosas neste tempo, os
guarás e os guaxinins que rondam à noite silenciosa, meu Deus!
quanta desgraça se eseondia no bôjo daquela noite tenebrosa,
que vestia a serra do Ouricuri como numa camisa de sombras
e trevas. As pedras lodosas, os grotões fundos, a correnteza
vertiginosa do riacho, tanta cilada armada aos passos inocentes
da criancinha... Nesta aflição dolorosa, desenganados dos meios
humanos, levantaram eles os olhos e o coração para o alto e
recorreram ardentemente a Nossa Senhora da Penha, a quem
foi feita uma promessa.
68 ITA Y T E R A

E o poder da Mãe de Deus os valeu, realmente. Persis­


tiram em diligências durante o dia seguinte e, já quase sem es­
perança de êxito, eis que se surpreendem com o encontro de
Maria Filomena, no coração das matas Era tardinha e, decorri­
das mais de trinta horas, a pequenina estava sorridente e bem
disposta, em nada denunciando cansaço ou sofrimento, a despeito
das pesadas chuvas caidas à noite, ela trazia inexplicavelmente
enxutos os seus vestidinhos e até a boca se conservava com res­
quícios de um pedaço do bôlo que ela saira a comer. Algo de
extraordinário acontecera u’a mão poderosa se estendera sobre
Maria Filomena.
Pouco tempo depois, chefiados pelo tio Joaquim Fer­
nandes, que fizera também a promessa, comparecia ante o altar
da Padroeira da Catedral do Crato, a família que vinha agrade­
cer a grande graça. Carregando o cansaço de uma longa viagem
a pé, assistiam à Santa Missa, na qual comungavam, agradeci­
dos. E, na região da serra do Ouricuri, todos sabem e procla­
mam que, na verdade, este foi um milagre de Nossa Senhora
da Penha.
x x x
Corria o dia 18 de setembro, normal como os dias de
semana de 1935, quando o Crato foi tomado por uma grande
emoção. Fechava-se o comércio para o almoço e o povo se deslo­
cou, pressuroso e apreensivo para o local do desastre.
O Mestre Amaro continuava trabalhando numa cacimba
que abrira, atrás da vacaria do Sr. José Filgueiras Teles, pre­
cisamente onde se ergue hoje a casa da rua Leandro Bezerra n.
35, esquina com a Rodolfo Teófilo. Ultimava-se a parede circu­
lar, de proteção, e o proprietário prevenira aos operários tives-
setít cuidado, pois que o terreno parecia fender-se em derredor.
O Mestre Amaro, porém, cheio de vida e mocidade, afrontava
os perigos, confiado em que não corria risco, quando, de repen­
te, a escada cedeu e o mundo se escureceu em sua vista. A que­
da ia vertiginosa e ele só teve tempo de apelar para os céus,
num brado confiante e forte. Como num relâmpago, lembrou-se
da milagrosa Padroeira do Crato e gritou com fé :
Valei-me, Nossa Senhora da Penha!
Por cima dele, porém, precipitaram-se os tijolos da pa­
rede, desmoronando-se as barreiras que pareciam se apressarem
em fechar o túmulo àquele inditoso operário. Lá no seio da ter­
ra, por ele aberta para o tragar, repousaria um herói que tombou
de armas na mão, ganhando a morte onde esperava ganhar a vida.
O corpo de Mestre Amoro pressionado pelo material
Continua na página 77
escreve DUARTE JÚNIOR

Conta-se que certo dia, na recuada éra de 1892,


os jornalistas bandeirantes reuniram-se em um recanto
da capital paulista para ver funcionar, pela primeira
vez, um fonógrafo—estranha e miraculosa descoberta de
ED ISO N .
Não se descreve a emoção que produziu nos ho­
mens de imprensa aquele «polvo mecânico», a emitir
sons, vozes humanas que lhes entravam nos ouvidos
através de tubos acústicos.
Era aquela «caixa falante», nada menos do que
a vovó da «alta-fidelidade» que hoje fabricamos e que
nenhuma surpresa desperta.
Não podiam sonhar os jornalistas daquela remo­
ta audição, que mais tarde ter-se-ia, ali mesmo, poten-
tíssimas radioemissoras e estações como a tupi da Gua­
nabara, com antenas no Pão de Açúcar e transmisso­
res de ondas curtas de cêrca de 100 quilowotts iguais
aos mais potentes do mundo.
Não podiam sonhar com a televisão, a transmis­
são de imagens à grandes distâncias, de programas
teleteatrais levados a todos os quadrantes da cidade, em
ondas hertzianas, onde quer que se encontre um apare­
lho receptor, com elevadores falantes, supertrâfegos em
70 IT A Y T E R A

plena Novocap, na terra dos Bororós que a mão de


um mágico transformou na mais deslumbrante cidade
do planeta.
★ *
*

Jornalistas cearenses, no primeiro mês de 1961


reunir-se-ão em congresso nesta cidade de N. S. da
Penha, mas nenhuma surpresa, nenhuma «caixa falante»
como aquela do inventor americano, teremos para ofe­
recer a sua curiosidade.
Não temos atrações turístiscas.
Hospitalidade e um pouco de «folclore» — mú­
sicas e danças indígenas e africanas *— é só o que
podemos prometer.
Crato não é ainda um grande centro, muito em­
bora não se possa dizer dêle, como acontece com a
maioria das cidades da R. V . C., que aqui divertimen­
to é chegada de trem.
Temos duas estações de rádio, duas amplificado-
ras, cinemascope e outras conquistas da moderna técni­
ca eletrônica, associações esportivas, clubs de dança,
parque municipal, parque permanente de exposição agro­
pecuária, estação de horticultura e fruticultura, balneá­
rios, aéroporto com pista pavimentada e que é, em ter­
mos de decolagem e aterrissagem, dos melhores do
Nordeste; quatro estabelecimentos bancários, duas coope­
rativas, inúmeros estabelecimentos de ensino primário,
técnico, normal, secundário, científico e superior; esco­
las de datilografia e de música, bibliotécas, museu, ins­
titutos culturais, hospitais, maternidade, postos de saú­
de, serviço de Raio X , Associação de Empregados e
do Comércio, Posto de Endemias, SA N D U , IA PC ,
sindicatos, fábricas, a maior feira do Nordeste e a me-
1T A Y T H R À 71

Ihor Banda de Música do Estado, Comarca de 4“ en-


trância, quatro Cartórios, dez advogados, dezoito médi­
cos, e é sede do Bispado.
Temos correio e temos telégrafo intermitente, de­
pendendo o seu funcionamento da vontade dos que
respondem pelo reerguimento de postes caidos e estica-
mento de fios, já se tendo registrado períodos semes­
trais de isolamento postal. (!!??).
Teriamos serviço de abastecimento dagua com­
pleto se não houvessem pago, com parte da verba, uma
promessa em Canidé ...e temos luz e fôrça em Paulo
Afonso...
Em matéria de imprensa, nós, do bureau cariri-
ense, estamos reduzidos à circulação de um semanário,
dois jornaisinhos quinzenais, um mensário e uma Revis­
ta anual — Itaytera.
Dispondo de boa equipe de jornalistas amadores,
podemos dizer que somos uma realeza sem reino.
Escrevendo, vez por outra, para as folhas da
capital, nós do Cariri, o fazemos como jornalistas ad-
hoc, curiosos em profissão alheia.
Não seria, aliás, muito fácil, ao intelectual do
sertão, dagua doce, com encargos outros, acertar o
passo com os profissionais militantes na imprensa da­
gua salgada.
Médicos, advogados, engenheiros, professores,
odontólogos, do interior que aos seus afazeres juntam o
de jornalista, fazem lembrar aquela planta híbrida dos
chineses que, por processo de enxertia, produz tomate
nas ramas e batata nas raizes.
Não iremos ter, por certo, um congresso de car­
tola e casaca, protocolar e cerimonioso, mas um con­
72 IT A Y T E R À

gresso em mangas de camisa, sobretudo porque não


dispomos de frio antes de junho, mas de calor intenso
e abominável. Talvez mesmo, um congresso sem temá-
rio para ser agitado e debatido, uma reunião em que
acertaremos os relógios pelo meridiano da A. C. I„ um
congresso alegre em que não se irá estudar, como na
conferência de cúpula de Paris, os meios de supressão
da guerra fria entre o Kremlin e a Casa Branca.
Para animação teremos o nosso Ascyro que será
o Paulo Gracindo do conclave, sem omissão do uisque,
do arak e da vhodica que, «desde Spinosa, sempre es­
tiveram ligados às idéas».
Crato, além de belezas naturais, oferece a suges­
tão fascinante de suas tradições, de episódios de sua
história, não devendo escapar, por outro lado, à obser­
vação dos confrades, as peculiaridades das demais co­
munas caririenses.
Um passeio por todas elas, o que se faria sem
o emprego de astronaves, tornaria, talvez, mais objetiva
a idéa de congraçamento jornalístico visado pelos con­
gressistas.
O Cariri não se esgota turísticamente, em uma
permanência de poucas horas na cidade princesa.
BA RBA LH A com o seu ambiente refinado, on­
de as eleições se processam sem força federal e sem o
êxodo de políticos derrotados, é a Suiça da Região.
A liberdade, porém, não é ali maior do que a
disciplina partidária: um grupo radical da direita, no úl­
timo pleito, por obediência, deixou de balir com o re­
banho verde-amarelo, para rugir com a matula verme­
lha, sem, entretanto, perder o seu «elan» de religiosi­
dade e pureza ariana.
1T A Y T E R A 73

Berço de heróis, como Martiniano e Pinto Ma­


deira, fez-se representar em todas as Assembléias Cons­
tituintes, da Ia a terceira República, do País e do
Estado.
A sua antiga imprensa, de âmbito regional, in­
dependente e honesta como a imprensa holandesa, lem­
bra nomes do gabarito de Silvano de Souza, Joaquim
Queiroz, Miguel Coelho, José Bernardino, João Viana
Filgueira Sampaio, Henrique Lopes, Florencio Alencar,
Silva Mariz e muitos outros.
As suas lendas, como a «Dama da Fonte» que
o gênio fantasioso do povo situou no Caldas, o mais
belo manancial do sopé do Araripe, das «julietas» rap­
tadas em noites de serestas, batidas de luar, nos tem­
pos em que as «julietas» ainda eram românticas e a
lua ainda pertencia aos namorados e não era, como
hoje propriedade de russos e americanos, foram rimadas
por repentistas como José de Matos e Luiz Quesado.
As suas paizagens poderíam figurar entre as mais
belas da coleção de Kurt Peters.
Há menos de meio século era Barbalha o Her­
cules do comercio da Região, perdendo o cétro com a
revolução de 1914, quando foi condenada à imobilida­
de como o Tesêu da mitologia.
Ainda assim, os seus estabelecimentos de ensino
valem tanto pela imponência e condições pedagógicas
de prédios proprios, quanto pelo elevado standard da
instrução ministrada.
Maior centro canavieiro do Estado, possui um
Campo Experimental de Sementes que é a mais notável
obra pública do Cariri.
JUAZEIRO que é a mais populosa cidade cea­
rense, oferece material precioso para estudos sociológi­
74 ITÀYTERA

cos e pesquisas folclóricas. Mosáico de elementos étni­


cos, apresenta imensa variedade de aspectos e peculiari­
dades da massa nordestina. O homem das ruas, das
feiras, das oficinas, numa imensa área do mais baixo
padrão de vida, em chocante desproporção com uma
cúpula de arquimilionários. O homem das missas, das
procissões, das promessas, que tem na sala de visita, em
redor do «Padrinho», as estampas de todos os santos,-
em alarmante desnível religioso, com o homem «soçaite»
dos palacetes e clubs. Uma equipe de médicos de renome,
hospitais, maternidades, laboratórios de pesquisas, alta
cirurgia, ambulancias, como vanguarda assistencial e,
nas subcamadas, uma rêde de profissionais de curanderia,
garrafadas, rezas, cartomancia. Cidade oratório com pro­
visão de frades, de beatos, de religiosas, caravanas à
base de milagres, apresenta, ao mesmo tempo, elevado
standard de progresso, com Radioemissoras, clubs, cine-
mascope, aéroporto, instrução nos diversos gráus.
Como nos demais núcleos de população compacta,
expande-se em mundanismo de elevada temperatura. O
amor, conjugado em todos os tempos e modos nos bairros
alegres é sublimado na lira galhofeira de magnífico poeta,
em versos qui faralent rcugir u n singe, se a sua
imensa veia cômica não fosse vasada em moldes par­
nasianos, não tivesse arte, estética, lavores de joalheria.
Cidade formigueiro, J uaze i r o será um centro
autônomo de expansão industrial, se as torres e linhas
de alta tensão de Paulo Afonso não errarem o caminho
do Cariri.
x x x

Embora muito distante do litoral, desassistido e


sem as graças do oficialismo, Crato é a Cidade que
ITAYTER A 75

maior contingente legou ao jornalismo cearense. As suas


maiores figuras procedem do Cariri. Foi aqui onde João
Brigido armou a sua primeira tenda e onde se fez escri­
tor. De Crato, sem falar nos novos, nos atuais que operam
aqui, em Fortaleza, no Rio e em S. Paulo, sairam Go­
mes de Matos, Loióla Alencar, José Marrocos, Pes.
Joaquim Peixoto, e Leopoldo Fernandes, Zuza de Figuei­
redo, H. Firmesa, Monte Arrais, Otacilio Macedo, Bruno
de Menezes, Fernandes Távora, Manoel Monteiro e
outros. Este último militou, com destaque no «Perís-Soir»
de Paris foi talvez o mais elegante dos que escreveram
em nossa capital. À pleiade brilhante dos que atualmente
escrevem no interior, em Fortaleza, no Rio e em São
Paulo, por muito numerosa, não cabe relacionada nas
presentes linhas.
Crato é, por todos os tiíulos, a cidade indicada
para a reunião de 1961 do CONGRESSO PIONEIRO.

«ESCOLA SECU N D Á RIA » E «EN G EN H O S DE


R A PA D U RA DO C A R IR I»
A bem feita revista do Rio, orgão da C A D E S—«E SC O ­
LA SECU N DÁ RIA », em seu número 14, à pag. 105, na secção
O R G A N IZ E SUA B IBLIO TEC A , publicou:
«Livro 13: J. de Figueiredo Filho—EN G EN H O S D E
RAPA DU RA DO CARIRI, 1958. 74 pp. Cr. 80,00.
Tivemos a oportunidade de conhecer um engenho de
rapadura caririense e, também, o autor da obra em pauta. E o
livro é o retrato fiel da realidade. Em seguida à elástica introdução
histórica vêm a paisagem geográfica, fisica e a humana; o cul­
tivo da cana de açúcar, a vida em um engenho, seus tipos, a
importância da rapadura no regime alimentar do nordestino da
região semiátida e a tradição folclórica. Todos êsses assuntos
são pormenorisadamente analisados por um estudioso caririense.
Como complementação da obra, há referências bibliográficas, da­
dos estatísticos (1S54) e uma ligeira monografia sobre um enge­
nho local.»
A secção é assinada pelo Professor Tharceu Nehrer que,
em Janeiro de 1960, esíêve, em Crato, dirigindo uma das cadei­
ras do curso CA D ES.
76 IT A Y T E k A

A mangaba, fruta silvestre, bem conhecida


como matéria-prima para sorvetes, refresccs e doces,
aparece, agora, como alimento de apreciável valor
nutricional, rico em ferro e vitamina C. Suas qua­
lidades de bom alimento acabam de ser reveladas
num trabalho de pesquisa, realizado na respectiva
Secção do Departamento de Nutrologia de SAPS,
pela nutricionista e pesquisadora Zenaide de Aze­
vedo Tiúba, que teve como colaboradores os srs-
Osmar Neves Burger, Stela Góis Duchene e Marysa
Villela de Andrade, também pesquisadores.
Os resultados dessas pesquisas estão contidos no
folheto «Mangaba—Composição Química e Valor Nu­
tricional», editado pelo Departamento de Divulgação e
Estatística do SAPS, que o incluiu em sua «Coleção
Estudo e Pesquisa Alimentar», para distribuição gratúita
aos que se interessem pelo assunto.
Pela primeira vez, levantou-se uma tabela da
composição química da mangaba. O folheto referido, que
está sendo distribuído pelo departamento que o editou,
no terceiro andar do edifício-sede do SAPS, à Praça
da Bandeira, além de suas ilustrações reproduzindo de­
senhos e fotos da mangabeira e da fruta, que aparece
inteira e cortada longitudinal e transversalmente, apre­
senta a tabela e gráficos, indicando as quantidades, em
gramas, de mangaba, que satisfazem as necessidades
diárias de ferro e vitamina C, do organismo humano,
em suas diferentes idades.
Realizou-se, também, um estudo da mangaba,
que o folheto revela, em desenhos ampliados de tecidos
e células de fruta.
Ext.
ITA YTER A 77

NOSSA SEN H O RA DA PENHA D E FRAN ÇA


Continuação da página 68
desabado de cima não mecgulhou, todavia, na agua da cacimba.
Caira sobre uma camada de tijolos desprendidos da parte cen­
tral da parede e, recurvado ao pêso dos escombros, ali ficara
sentado e imóvel. Um tijolo o magoava, prêso que estava entre
a coxa e as costelas, mas ele não ousava mover-se, temendo
maior esmagamento. Os minutos passavam e arrastavam-se pregui­
çosamente, como sombras de eternidade, mergulhado o corpo
num pôço de trevas densas e o espírito nas trevas espessas da
mais angustiante interrogação. Conversámos com o protagonista,
bem como as testemunhas mais idôneas do acontecimento, e sem
esforço podemos imaginar a angústia inquietante que invadia o
Mestre, envolvido no chão fundo como por um golpe de jiu-jitsu
mortal.
Eram 10 horas, quando a catástrofe se dera, e já uma
hora passara lentamente por cima do homem soterrado, sem que
nenhuma providência se tomasse. O proprietário se encontrava
fora e, por isto, enquanto aguardavam a sua vinda, todos emitiam
o seu parecer. O povo todo acorreu ao local, principalmente
quando se fechou o comércio à hora do almôco. E uns davam
a opinião de que era inútil fazer a escavação : ali ele já estava
sepultado D. Lilita, porém, esposa do Sr. José Teles não pen­
sava assim. Com ela concordava o Sr. Júlio Limaverde, seu tio.
Também, o Prefeito Municipal Antonio Gonçalves Pinheiro.
E o diálogo travado à roda da cacimba desabada criava
alternativas de esperança e de desengano na alma do Mestre
Amaro. Parece, desenrolou-se em seu espírito, em poucas horas,
toda a tragédia emocional que, em doze anos, vem martirizando
o presidiário Cary Chessmam.
Obtemperava um, com ênfase de antoridade :
— Não adianta. Deixe logo o homem sepultado aí.
E o Mestre Amaro, ouvindo isto, se deprimia mais :
— Pronto. Estou morto, Não há jeito, não. Nossa Se­
nhora da Penha, valei-me.
Mas. D. Lilita retrucava :
— É para cavar. Quero tirar nem que seja os pedaços.
Nascia alma nova. Nesta palavra distante que ele ouvia
ao longe, pelo filtro da terra, vinha uma mensagem de vida e
ressurreição.
E, assim iam os trabalhadores escavando com cuidado
afim de não atingirem o corpo. A ansiedade lá dentro do chão
78 ITÀ Y T E R A

era algo indescritível, enquanto lá fora a agitação alvoraçava a


todos. Já haviam mandado trazer a mulher do Mestre para o
encontro doloroso com um cadaver que lhe daria o diploma de
viuva. O Dr. Miguel Lima verde e Dr. Joaquim Fernandes Teles,
conceituados e dedicados Médicos do Crato, davam assistência
aos necessitados e aguardavam os acontecimentos.
Afinal, pelas 14 horas, era retirado o Mestre Amaro,
entre a curiosidade e precipitação da multidão. Ele vinha banha­
do de suor, como se tivera saido de uma banheira, mas, para
o espanto geral, estava perfeitamente ileso, a não falar numa con­
tusão insignificante no braço. Queriam levá-lo suspenso, porém,
ele insistia em caminhar com os próprios pés. Apenas um chá
de laranja com canela, providenciado por Dr. Limaverde.
A aglomeração do povo na residência do Sr. José Teles
foi extraordinária. Nada conseguia conter aquela gente, que in­
vadia portas e saltava varandas. A população inteira do Crato
tomou conhecimento do fenômeno excepcional, atribuindo sem
discrepância à miraculosa intervenção de Nossa Senhora da Pe­
nha.
Ainda hoje, todos dão testemunho inequívoco de que,
realmente, é prodigiosa a excelsa Padroeira do Crato.

CONCLUSÃO
O que levamos aqui expendido é menos uma contribuição
para a história e sociologia do Cariri que uma homenagem sen­
tida à excelsa Padroeira do Crato, de quem fomos investido, bem
que imerecidamente, era Pároco Pontifício. Após sete anos de
árduos trabalhos, no serviço do Senhor e em prol da causa de
Nossa Senhora da Penha, sentimo-nos feliz de poder tributar à ben­
dita Mãe de Jesus mais este preito de amor. Respigando textos
dispersos, coletando informações esparsas, e reduzindo tudo ã
unidade de um plano, entendemos difundir um pouco mais as
glórias e grandezas de Nossa Senhora da Penha. Mais conheci­
da, será Ela mais amada. E o louvor de Maria radundará sem­
pre na maior glória de Deus e salvação das Almas.
A Nossa Senhora da Penha, portanto, a expressão do
nosso mais vivo devotamento.

CRA TO , 17 de Abril de 1960.

Festa de Páscoa.
P ad re R ubens G on d im Lóssio
Cura da Catedral
FOMENTI AOTURISMO
J. Lindemberg de Aquino
Ano passado, quando lançamos pelas páginas vitoriosas
de Itaytera, o esquema geral do plano turístico do Cariri, jamais
pensávamos, sínceramente, que nossa modesta ideia pudesse
alcançar tamanha repercussão. Não dávamos para o Cariri de
hoje a mentalidade tão evoluída, capaz de absorver com espírito
e com curiosidade, os rápidos e bruxoleantes delineamentos de
uma ideia que tende a se corporificar dentro de mais alguns
anos. Mas tivemos em troca do nosso trabalho a compreensão
de muitos, a compreensão de quase todos, e, o mais confortante,
a palavra de estimulo de grande quantidade, que sentiu ser
perfeitamente normal o que pensávamos, perfeitamente possível
a realização paulatina dos nossos planos e das nossas idéias.
Na imprensa, figuras como o Dr. Quixadá Felicio, Dr. j. de
Figueiredo Filho, Bruno de Menezes, José Jeser de Oliveira e
outros, nos apoiaram e nos incentivaram, impulsionando a má­
quina do nosso entusiasmo e dando-nos o toque de clarim para
o despertar de novos artigos sobre a mesma matéria. E se
voltamos ao assunto, com bases, hoje, mais firmes, o fazemos
certos de que o Cariri se constitui, em potencial, uma das mais
ricas e mais promissoras zonas onde se poderá implantar um
plano de aproveitamento turístico, no Nordeste do país.
Mas antes de examinarmos o Cariri, propriamente, veja­
mos o resultado do turismo organizado, e racionalmente explo­
rado. Supomos que todos sabem que o turismo é hoje uma das
maiores fontes de renda do mundo. Paises há que vivem exclu­
sivamente do turismo, como Mônaco e San Marino, duas
nações pequeninas, menores mesmo do que muitos municípios
brasileiros, mas que teem rendas nacionais de causar inveja a
muitas Nações. O turismo, hoje compreendido, explorado e or­
ganizado em muitas Nações, pesa fortemente na balança das
rendas nacionais, e as atrações turísticas, constantemente repara­
das, melhoradas e assistidas, são objetos de cuidado extremo
dos seus governos. Num dos mais recentes números que publi­
cou, a vitoriosa revista PN (Publicade & Negócios), que pode
80 ITA Y T E R A

ser considerada, hoje em dia, a melhor revista do Brasil, fez uma


análise, em sua secção Turismo, sobre os lugares preferidos dos
turistas americanos.
O número de PN a que nos referimos é o de 19 de
Setembro de 1960, e a reportagem, bem feita, e farta de cli­
chês, nos dá uma ideia perfeita de como se gasta dinheiro hoje
em dia, em turismo, no mundo moderno. Façamos nossas as
palavras de PN, transcrevendo, data vênia, seus j u d i e i o s o s
conceitos:
«Nada menos de 6.600.000 norte americanos gastarão
em viagens turísticas, até o fim do corrente ano (1960), a im­
portância de 2 bilhões e seiscentos milhões de dólares. São
esperados nos Estados Unidos, este ano, seiscentos mil turistas
estrangeiros, que gastarão 335 milhões de dólares naquele país,
cifra que representa um incremento de 20% sobre 1959. Durante
o verão europeu, nada menos de 18 mil turistas norte america­
nos estarão voando diariam en te rumo a dezenas de festivais e
exposições que se realizam na Europa!»
Mais adiante diz a reportagem da grande revista dos
publicitários cariocas: «Merece ainda destaque o fato de as re­
partições oficiais de turismo (estrangeiras) gastarem atualmente
7,5 milhões de dólares nos Estados Unidos, para promover as
atrações turísticas dos seus paises.
Essas informações pertencem ao estudo realizado pelo
Escritório Comercial do Brasil em Nova Iorque. Em estudos,
relatórios e entrevistas, o Escritório, que é chefiado pelo sr.
Francisco Medáglia, tem chamado a atenção do Brasil para essa
valiosa indústria, cujo desenvolvimento é seguido de perto por
dezenas de paises de todo o mundo». Outro trecho da reporta­
gem de PN:
«Tão grande é a ânsia de viajar que nada menos de
oito mil turistas norte americanos cruzarão o Atlântico—atual­
mente um vôo a jato de seis horas e meia—quase diariamente,
durante o verão (de Junho a Setembro), atraidos pelos Jogos
Olímpicos de Roma, pelo «Drama da Paixão» em Oberammergau,
pelo 37° Congresso Eucarístico em Munique, bem como pelas
dezenas de feiras e festivais que se realizarão na Europa. Tam­
bém em cada dia dessa estação cerca de 10 mil norte america­
nos estarão empreendendo viagens em redor do mundo, e deze­
nas de milhares se dirigirão em gozo de férias, ao México e
Canadá. Na realidade, este ano, os norte americanos dispenderão
mais em viagens do que em qualquer artigo estrangeiro—Mais,
de fato, do que o valor total que empregarão em automóveis,
tecidos e ferro de outros paises».
Mas vale ainda citar, por fôrça do assunto que ela
IT A Y T E R A 81

esplana tão bem, a revista PN: «Somente docorrente ano, cerca


de 300 mil norte americanos visitarão as Ilhas de Havaí, dei­
xando lá 140 milhões de dólares, 40% mais do que no ano
passado».
Outra importante verdade está mais a adiante: «Certos
economistas preveem que em 1970 as despesas com viagens ao
estrangeiro ultrapassarão 6,5 biliões de dólares, quase três ve­
zes mais de que as despesas atuais*. A revista carioca, depois
de muitas outras considerações e análises sobre o turismo, en­
cerra a reportagem com as seguintes afirmações:
«Ao final de toda essa exposição percebe-se claramente,
e aqui repetimos uma frase que se está tornando comum, quão
lucrativa é a industria do turismo (principalmente para os paises
europeus). Com o nosso já decantado «extraordinário potencial
turístico» bem poderiamos trazer para o Brasil alguns milhões
de dólares, a exemplo do que fazem dezenas de outras nações.
É tempo de incluir no plano de desenvolvimento a «meta do
turismo».
Por aí veem os leitores que turismo hoje em dia não é
brincadeira, não!
Ele já existe, funciona, é explorado, proporciona riqueza
o progresso.
Não pensem que citamos os fatos acima porque tenha­
mos a pretensão de trazer para o Cariri alguns turistas norte
americanos. Longe de nós tal pretensão, pois em mentalidade
de turismo, no setor oficial, estamos no Cariri ainda na idade
da pedra lascada...
Mas vale a publicação como um aviso, para que seja
despertada a consciência dos nossos homens públicos regionais.
Evidentemente que não teríamos as condições, tão cêdo,
de atrair turistas estrangeiros, mas, ressalvadas as nossas falhas,
teríamos com certeza, dentro do Vale do Cariri, um fluxo turís­
tico considerável, do chamado «turismo interno» que existe no
Brasil, proporcionando o deslocamento de capitais, já com grande
êxito, em diversos estados.
Cuide o Cariri de planificar a sua extrutura turística,
com o aproveitamento rigoroso de todas as suas possibilidades,
até das menores, obedecendo ao esquema já por nós apontado,
e que mereceu, de parte das pessoas de mentalidade avantajada,
os melhores elogios. Porque só poderiamos partir da premissa
de nos organizarmos primeiro, municipalmente, em cada cidade,
para depois constituirmos a Comissão Caririense de Turismo.
Não é demais repetir que temos no Cariri excelentes
condições para formar aqui o melhor turismo, no interior nor­
destino. Temos condições e qualidades, que se estudadas e
82 IT A Y T E R A

exploradas, poderiam constituir um acêrvo dos mais voliosos,


para a organização de um calendário turístico, funcionando o
ano inteiro, atraindo visitantes em todas as épocas e em todos
os meses do ano.
Nosso comércio melhoraria, nós seríamos mais conhe­
cidos no Brasil a fora, e cada um que nos visitasse, levando boa
impressão, tornar-se-ia um propagandista certo de nossa terra,
e na certa ainda voltaria outras vezes, ou trazendo seus paren­
tes e familiares, ou estimulando a seus amigos a virem. Um
círculo que iria sendo aumentado cada vez mais.
Nestas rápidas considerações sobre o turismo interno
que podemos fazer no Cariri, para ITA Y T E R A , não queremos
encerrar o assunto antes de afirmar que, por nossa iniciativa,
já foi fundado no Instituto Cultural do Cariri o Grupo de T ra­
balho para o Turismo na Região. É uma iniciativa pioneira em
nosso Estado e que já mereceu inclusive do dr. Stenio Azevedo
representante do Touring Club em nosso Estado, os melhores
elogios, quando visitou a sede do ICC.
Esse Grupo de Trabalho é o desdobramento das ativi­
dades do Instituto Cultural do Cariri, atividades de todos já
bastante conhecidas, e que colocam o ICC como vanguardeiro
das grandes iniciativas. Tudo o que sai do ICC é vitorioso.
Vejam a luta pela implantação do Ensino Superior no Cariri,
já plenamente vitoriosa com o funcionamento das duas primeiras
Faculdades em Crato!
Pois bem, O Grupo de Trabalho para o Turismo do
Cariri, como lhe competia, entrou imediatamente em funciona­
mento. Mantém estreita ligação com o Touring Club do Brasil,
através do socio-correspondente do ICC no Rio, jornalista José
Jeser de Oliveira, que ali se avista, todas as vezes que é nes-
cessário, com o Dr. Chagas Dória, secretário do T.C.B. Esta­
mos articulando uma campanha que visa a fundação de Clubes
de Turismo no Cariri. Já recebemos, inclusive, material impresso
sobre isso, distribuído pelos Diários Associados, na sua campa­
nha de incremento ao T u r i s m o Interno. Em 61, daremos os
passos concretos para a fundação de meia duzia de clubes de
turismo na zona do Cariri, os pioneiros no Ceará e talvez no
Nordeste Brasileiro. É uma obra patriótica a que nos devotare­
mos, certos de estarmos prestando um grande serviço ao Cariri
e á sua gente.
0 PADRE VIGENTE SOTER
Celso G om es de M atos

Faz bem ao coração e ao espírito contar-se, de


quando em quando, a história dos que viveram esquecidos.
Ainda não se fez nesta Revist3 a história do Pe.
Vicente Soter. O nosso conhecimento com êste sacerdo­
te vem de longe. Conheci-o professor. Conheci-o Cape­
lão. V i-o celebrando, já homem maduro, na Casa de
Caridade.
Acompanhei-o na sua peregrinação de Cura. Foi
vigário de Ouricuri e Triunfo, no Estado de Pernambu­
co. De Jardim e de outras paróquias no Estado do Cea­
rá. Tenho, portanto, motivos para chama-lo santo. Não
santo como muitos que o mundo chama de santo, mas
que não vivem segundo a lei divina.
Santos de santidade equívoca, ostentosas às ve­
zes, a exemplo de uma Filha de Maria que vivia a re­
zar nas Igrejas. Mas, chega o Carnaval, parece-me que
o de 1956, e ela, a dissimulada sonsa, se desmandou
tanto na folia que deu letra aquela c a n ç ã o intitula­
da—desconfiança, que dizia em cantoria ruidosa: «Pode
ser que ela seja uma santa, mas também pode ser que
não seja.» Não. O meu biografado não deixou dúvidas
a êste respeito. Atestam sua modéstia e pureza, os atos
impecáveis de sua vida pública e particular. Viveu de­
votada à sua missão e sem tresmalhar-se no deserto
sombrio das ambições mórbidas. Trabalhos, canseiras,
injustiças, tudo para êle se processava em silêncio e sem
queixumes. Todos os dias, mas todos os dias, êle estava,
às 5 horas da manhã, celebrando na Casa de Caridade.
Alí o fui buscar, certa vez, numa quarta-feira de cinza
para um batizado de hora de morte.
M ITAYTERA

E se foi pronto no atender-me mais pronto foi na


pressa com que os dois, eu e êle, corríamos dentro de
um Jeep a fim de, em tempo, podermos alistar pelas
águas do batismo, êle, mais um eleitor para Deus, e eu,
mais um anjinho para o meu lar. Santo padre, assim
o creio.
Nunca se negou a atender também a uma confissão
de hora de morte estivesse o doente onde estivesse. An­
dava léguas a cavalo e ao sol e à chuva.
Em conversa com o venerando Monsenhor Lima,
a respeito das agruras do sacerdócio, acertámos que os
padres antigos trabalhavam muito. Eu lhe acrescentei:
muito mais que os de hoje, os da era atômica.
Num tempo em que não se conheciam os trans­
portes rodoviários, padres havia que andavam em bur­
ros lerdos e chotão. Padre Lima citou vários fatos, o-
corrido um com êle mesmo ao fazer uma confissão.
Vale a pena citar outro sucedido com o Pe. Soter
que foi chamado para confessar um doente destes que,
só ao se despiderem da vida, se lembram de reconcilia­
rem-se com Deus. Foi. O cavalo era duro. Subiu e des­
ceu montes. Era tempo de inverno, levou chuva. Com
fome, comeu no caminho um pedação de pão de milho
e tomou uma chícara de café. Finalmente, ao subir uma
ladeira e ao chegar em casa, qual não foi a sua surpre­
sa quando, no alpendre da dita morada, é recebido por
por um doente capaz de viajar.
Esta história que bem demonstra a abnegação dos
padres antigos como por exemplo do Pe. Severiano, Pe.
Quintino, Pe. Lima, Pe. Juviniano e de outros, ainda
não foi contada.
Estes homens que viviam segundo a lei divina,
não tinham disto, não. Montavam a cavalo. Não tinham
Jeep . Trem não havia. E, se, preciso, andava am pé. Na
minha meninice, ouvia falar muito no Pe. Ibiapina, cuja
personalidade ficou fixada na alma popular. Padre não
tinha dinheiro. O Pe. Antônio Manoel de Sousa, famo­
IT A Y T E R A 85

so na «Guerra do Pinto,» não tinha a mínima noção do


que era dinheiro.
Não cobrava, assim como não pagava. Vivia sem
cogitações de acumular tesouros. E conta J. Brígido que
voltando de longa desobriga, a sua empregada lhe foi
às malas verificar se trazia o que comer. Nada encontrou.
E visto isto, como fazer o almoço?
O Padre resolveu — mate o meu papagaio. E co­
meu o louro, o seu papagaio real. Os açougueiros lhe sa­
tisfaziam os p e d i d o s , mas contas não lhe manda­
vam, porque, em compensação, a sua Igreja funcionava
gratuitamente. Não recebia espórtulas. O Pe. Soter foi
professor.
Os professores do outro tempo eram pobres. De
uma pobreza tão franciscana que poderíam ser chamados
para a cerimônia litúrgica do lava-pés da Semana Santa.
Não se mercadejava com o ensino.
Pode-se dizer que trabalhavam de graça como
relógio. O nosso Figueiredo Filho lhe deve os primeiros
ensinamentos no Seminário S. José. Deixou de ensinar.
Mas quando? Quando não podia mais subir a pé a la­
deira do Seminário. Só na velhice entregou os pontos.
Mesmo assim não terminaram aí os seus sacrifícios. Eu
de mim já vou descambando para o outro lado da encosta
da vida, e posso atestar que o maior mal do mundo é
a velhice. Aos 70 anos o homem se apaga. Sem poder
mais celebrar, aos 75 anos começou o Pe. Soter a se
apagar. Não era mais visto nas ruas do Crato, nem na
sua capela. Vivia recluso. Não queria mais alimentar-se.
E, tal é a fraqueza humana, que êle, o mais digno dos
padres, tomou-se de sérias obsessões. Como, por exem­
plo, pensar que não era digno de, na Consagração, re­
ceber o Pão da vida eterna.
Escravo de tão absurda cegueira, a morte foi a
sua libertação. Faleceu à noitinha. Derramado na cidade
a notícia do seu desenlace, a sua casa se encheu. Todos
o queriam ver. E velar-lhe o corpo.
86 ÍT A Y T E R Á

Morreu de barbas crescidas que, apesar disto,


davam-lhe a moldura, de uma fisionomia serena. V i mi­
lhares tocarem-lhe o corpo com o rosário. E se não fosse,
penso eu, certa vigilância, ter-lhe-iam cortado em pedaci­
nhos a batina para servir de relíquia.
O povo tem destes desabrimentos. E eis tudo que
sei do Pe. Soter. O que escrevo para a nossa Revista
não é uma biografia. A vida do Pe. Soter merecia um
estudo mais profundo de alguém que podesse salientar
o conteúdo filosófico e social de sua obra. Mesmo as­
sim difícil, se não impossível traçar-se o perfil moral de
um homem que escondia com avaresa o perfume das suas
virtudes.
Nem uma carta dele encontrei. Nem um documen­
to. Tudo escondido. Até os agastamentos temperamen­
tais que os tinha às vezes, bem como o método que a-
dotara para dominá-lo, só ao padre Azarias confiou êste
segredo. Ninguém entretanto jamais escapou de lendas
que correm mundo.
Pio Carvalho, cujos ditos tinham muito sal, fez
graça à custa do Padre Soter. Agastado com o povo
de Bodocó, atira-lhe as setas da sua mordacidade. Con­
tava nas ruas do Crato que Padre Soter teria passado
um dia inteiro entrando pela noite ouvindo de confissão
aquela gente.
E já os galos ameudando e êle mesmo se sentin­
do cansado e sonolento, saira para uma latada que fica­
va próxima. E aí julgando-se só, estirou os braços para
o alto, deu um suspiro e teria dito:
— Que terra, meu Deus, p’ra ter ladrão de bode!
Esta revelação, se bem que involuntária do segre­
do da confissão, é uma das muito chistosas mentiras do
Pio. Mas a sua piada corrobora a minha afirmação
anterior.
Os padres antigos trabalhavam mesmo de dia e
de noite. Para ajudá-los havia as missões, famosas como
as de Frei Vidal e de outros.
IT A Y T E R A 87

O povo corria em massa atrás do Pe. Ibiapina


com o fito de trabalhar nos açudes, nas Casas de Cari­
dade e também de prover-se do batismo, ouvir missa,
confessar-se e receber outros recursos espirituais.
Naquele tempo, onde chegava o sacerdote che­
gava o progresso.
Ali eregia-se logo uma capela e, conseqüêntimen-
te, formava-se o povoado.
Poderia citar vários exemplos de povoados que
surgiram da noite para o dia. Do padre João Bandeira
nasceu o Jardim — Juazeiro do Norte é do padre Pedro
e do Pe. Cicero. E o Crato se originou das Missões de
um Frade.
João Bandeira era respeitado pela sua reputação
de homem valente. E os outros pelas suas virtudes.
O Pe. Vicente Soter passou fazendo o bem. A
êle se ajustam muito as palavras das Sagradas Escritu­
ras — pertransit bene faciendo.
Não é uma biografia. O que se acaba de ler são
palavras de saudades àquele que nasceu no Assaré, fez
seus estudos em Fortaleza e no Crato entregou o seu
corpo à sepultura.
Eu continuo a julgá-lo santo. Como muitos, de
santidade anônima, os quais passaram pela vida sem
serem nunca lembrados.

NUM ARI A — É publicação da Sociedade


Numimástica e Filatélica Cearense, Foi-nos ofere­
cido pelo nosso conterrâneo Tome Cabral dos San­
tos, um de seus redatores. E ilustrada e bem con-
fecionada graficamente, possuindo boa matéria
relativa aos assuntos que defende. O corpo de re­
dação compõe-se: Dr. Jo 'é Abreu do Nascimento,
Diretor, Francisco Firmino de Araújo e o já cita­
do Tomé Cabral dos Santos, redatores. NUMARIA
comprova que o Ceará está bem evoluído em nu­
mimástica e Filatelia.
88 ITAYTERA

A respeito da plaqueta, «ESBOÇO HISTÓRICO DE


CRATO,» escrita pelo nosso, ilustre e acatado sócio fundador—
Cel. Raimundo Teles Pinheiro, ora servindo no Estado Maior
do Exército, no Rio, e que é ótima propaganda de Crato, re­
cebeu êle a seguinte e bem feita cartade nosso conterrâneo Luiz
Gonzaga de Melo:
Crato, 10 de outubro de 1959
Prezado amigo Tenente Coronel Raimundo Teles Pinheiro:
Pela presente, quero agradecer a gentileza que teve,
enviando-me um exemplar de « E S B O Ç O HISTÓRICO DE
CRATO», em sua segunda edição.
Sua obra teve, como não poderia deixar de ser, a mais
ampla repercussão em nosso meio e—estou certo—em todo o
Estado, em face do interesse do assunto e da maneira pela qual
foi desenvolvido, maneira inteligente, sóbria e criteriosa. Filho
dedicado desta terra, o ilustre amigo, a par da larga folha de
serviços prestados ao Ceará e ao país, demonstra ser um cra-
tense da melhor estirpe, disposto, além do mais, a divulgar os
aspectos mais importantes do nosso mundo.
Não há dúvida de que o seu livro marca uma nova
fase para o desenvolvimento das pesquisas sobre usos e costu­
mes entre nós. E o seu valor foi plenamente reconhecido, como
prova a grande receptividade encontrada em todas as camadas
intelectuais.
Receba, mais uma vez, o caro amigo e conterrâneo meu
caloroso agradecimento pela gentileza dispensada, com os me­
lhores votos no sentido de que prossiga em sua meritória tarefa
em favor da nossa terra e da nossa gente.
Com um abraço do amigo e admirador
(a) Luiz Gonzaga de Melo

O IDEA L—É ótimo quinzenário de estudantes, dirigido


pelos jovens Jurandy Timóteo (Diretor), Antonio Nunes Vieira,
José Gil Borges, Manuel Patrício e Audísio Teles. Demonstra
que está bem viva, entre nós a vocação pelo jornalismo. Preo­
cupa-se com assuntos sérios e toina-nos otimista quanto ao
futuro do Brasil, pela juventude estudiosa que nele milita.
Mons. Silvano de Souza
É o nome de um grande sacerdote que durante vinte
anos, na última metade do século X IX , chamou sôbre si as
atenções de grande parte do Nordeste, onde exerceu a sua missão
apostólica. Há sôbre êle uma predestinação divina a que não
podemos ficar indiferentes.
O seu pai: Francisco Miguel Pereira, havia sido desti­
nado ao sacerdócio, pelos progenitores, cristãos fervorosos,
residentes em Sobral, e radicados às melhores famílias, da terra.
Quando já se ultimavam os preparativos para a viagem do futuro
sacerdote, que iria para o Seminário de Olinda, o jovem levita
não pôde resistir aos encantos da sua jovem conterrânea Maria
Teresa, e resolveu abandonar a idéia de ser padre, que os pais
com grande zêlo e reta intenção lhe haviam incutido no espí­
rito. Vendo, porém, que não podia obter o consentimento paterno,
resolveu raptar a moça e casar-se, fora dos trâmites ordinários.
Houve, naturalmente indignação na família: os pais não puderam
assistir indiferentes a destruição de um ideal que alimentaram
durante muitos anos. Era ver por terra uma esperança que os
consolara nas tristezas, angústias e decepções de que se tece a
vida das famílias em luta com um ambiente desfavorável.
Por mais que sentissem a separação do filho não podiam
suportar em casa a presença daquela moça, que lhes devia me­
recer o carinho de filha, mas tornara-se indigna pela traição
feita à vocação de seu filho, o futuro sacerdote que iria digni­
ficar tôda a família.
Assim o jovem casal, sem o amparo dos pais, e mais
do que isso, não podendo arrostar a má vontade e o ambiente
hostil da família, abandonou Sobral e foi constituir o seu lar no
arraial de Ibiapina, povoado constituído quase somente por indios
da tribo Tabajara, remanescentes do aldeiamento dos Padres
Jesuítas, no século XVII.
Ali Francisco Miguel Pereira estabeleceu-se como pro­
fessor de primeiras letras na falta de outro meio de vida. A
terra era fértil, o clima saudável e o povo acolhedor. O tempo
que lhe sobrava das lides do professorado, Francisco Miguel em­
pregava-o numa pequena cultura do campo que lhe ajudava a
sobrevivência. A vida ia se passando nessa tranquilidade pacífica
do campo, sem preocupações além dos doces deveres de estado,
90 ITA Y T E R A

que a sua esposa auxiliava a cumprir, suavizando-lhe as aspe­


rezas por ventura existentes.
Neste ambiente de paz e trabalho vieram-lhe os três
primeiros filhos, dos quais o terceiro se chamou José, a que se
juntou o cognome de Ibiapina, em memória da terra onde nas­
cera. Alí, naquele clima salutar, sem o estafante calor equatorial,
nem o rigor da temperatura subtropical, as crianças se desen­
volviam sempre sadias e alegres como as aves naquela atmosfera
sedutora.
O menino José era ainda de tenra idade, quando seu
pai obteve o Tabelionato Público e seus anexos da Cidade de
Icó para onde se transferiu com a família. Alí começou o filho
do Tabelião Ibiapina, os seus estudos de primeiras letras na
Escola do afamado mestre daquele tempo, José Felipe.
Apesar da reação que lhe produziu no organismo infan­
til a mudança do clima, não arrefeceu no espírito do menino o
amor ao estudo. Sentiu saudades dos ares de Ibiapina com a
carícia de suas brisas, a variedade de suas aves que enchiam
com a harmonia dos seus cantos a solidão acolhedora daquelas
alturas. O Icó era uma planície monótona, com um sol abrasador
embora a corrente do rio Salgado e a abundância de suas águas,
não raro sulcadas pelas canoas dos pescadores, a atividade va­
riada do comércio e da vida social, fossem para os estranhos
um aspecto encantador de cidade. Acresce ainda o ruído das
estradas trafegadas por comboieiros, que ofereciam aos escolares
de fora um atrativo inédito. Desse modo José Ibiapina adaptou-se
logo ao novo ambiente e entregou-se com uma verdadeira paixão
aos seus estudos, sobretudo quando se iniciou nas primeiras
lições de Latim, ao terminar o curso primário.
O cônego José Paulino Duarte da Silva, em uma mo­
nografia sob o título «Padre Ibiapina» publicada em 1915, na
Paraíba do Norte, hoje João Pessoa, Tipog. Pernambucana, diz
que «o aluno começou a dar provas de um talento e felizes
disposições para a virtude e piedade. Desempenhava com esmero
e aptidões todas as obrigações escolares, nas horas vagas eram
seus melhores divertimentos ouvir missa e assistir a todos os
atos religiosos que se faziam nas Igrejas, especialmente na do
Senhor Bom Jesus do Bom Fim».
Em 1819, quando o talentoso e esforçado estudante
continuava com muito êxito o estudo de Latim, foi o seu pai
transferido para a cidade de Crato no exercício das mesmas
funções de Tabelião. Já então o filho José Ibiapina cursava com
grande aproveitamento o Latim e outras disciplinas exigidas para
a matrícula nos Seminários de então. Infelizmente, no Crato não
havia, na época, mestres daquelas matérias. José Ibiapina, muito
ÍT A Y T E R A 91

a contra gôsto, teve de interromper os seus estudos na esperan­


ça de outra oportunidade. Entretanto não deixou de cultivar os
exercícios de piedade, sob a direção do Padre Felipe, sacerdote
de alto conceito na opinião dos que o conheciam.
«Se, no dizer pitoresco do cônego José Paulino, lhe
faltava o pábulo que devia alimentar a sua razão e acendê-la
em vulcão benéfico, não lhe faltava o grande livro da natureza
para cultivar o seu espírito penetrante e desenvolver a sua vasta
inteligência.
«O jovem estudante tinha sido embalado pelas macias
brisas da Ibiapaba, pelo doce sussurro de suas fontes, pelos
alegres e inocentes folgares dos indígenas.
«No Crato encontrara uma natureza viril e uma verdura
perpétua, uma primavera constante. As auras do Araripe lhe
sorriam docemente, trazendo-lhe à memória as brisas da pátria
natal. As cascatas perenes do Batateira, as límpidas e murmu­
rantes águas do Grangeiro, a deliciosa frescura das ingazeiras
que lhe bordam as margens, o contínuo desafio dos sanhassus,
dos cabeças-vermelhas, dos canários, e patativas, que se trava
sôbre as árvores de eterna verdura, a variedade constante de
flores e frutos em qualquer estação do ano, eram outros tantos
estímulos, que lhe arroubavam a alma de poeta e a extaziavam
com compridas meditações; estas imagens lhe ficaram gravadas
no fundo do coração, de sorte que ainda hoje, nos seus maiores
arroubos de oratoria, êle descreve panéis só semelhantes às
doces paisagens dêsse belo Cariri Novo».
Dois anos se passaram nessas plagas que lhe lembravam
os dias descuidosos da infância em terras da Ibiapaba, que é
uma espécie de prolongamento da Araripe com o Vale do Cariri,
que tanto seduziram a imaginação do jovem estudante Ibiapina.
Não encontrando no Crato quem o guiasse nos seus
ulteriores estudos de humanidades, passou-se para a vila de
Jardim, onde um célebre educador Joaquim Teotônio Sobreira
de Melo, pontificava no ensino dessa disciplina. Alí o seu anseio
de aprender encontrou mestre competente, num ambiente de
clima saudável e ameno.
No esforço de adiantar-se e no zêlo por estabelecer em
sua alma uma atmosfera de virtude e piedade, notava-se no
jovem José Ibiapina um ideal superior que transcendia a meta
geral dos estudantes que porfiam por uma carreira que o pro­
jete na vida com brilho para o seu nome, além da glória para
a sua família.
Êsse ideal era o Sacerdócio, que se ia radicando no seu
espírito sem insinuação estranha, mas cultivado por êle mesmo,
como inspiração divina que o acompanhava na vida nas horas
92 IT A Y T E R A

trágicas ou nas horas de elevação mística.


Acontecimentos, que exigiam uma decisão de graves
consequências, precipitavam-se. Francisco Miguel Pereira Ibia-
pina, ainda nas funções de Tabelião de Crato, transferiu resi­
dência para Fortaleza por exigências políticas ou conveniências
pessoais. A êsse tempo o movimento da Independência processa­
va-se rapidamente com muito entusiasmo. Infelizmente os pontos
de vista dos chefes não coincidiam todos no modo como tornar
a Pátria autônoma e independente do govêrno português. Daí
surgiu a idéia da criação da República do Equador, idéia não
bem amadurecida e posta em prática precipitadamente.
Nas vésperas do m o v i m e n t o polític-o o estudante do
Jardim, alí conhecido com o nome de Pereirinha, para se dis­
tinguir de outros Pereiras, seus condiscípulos, mais corpulentos,
resolveu apressar sua entrada no Seminário de Olinda. Viajou
em 1823 para a velha cidade Colonial. Mas, chegando alí so­
freu uma grande decepção: o tradicional educandário eclesiástico,
onde se formava a maior percentagem do clero nordestino, pas­
sava por uma grande crise em que se prejudicavam não só os
estudos que baixavam de nível, mas também a moral que não
estava à altura de um estabelecimento daquela ordem. Alí de-
morou-se pouco tempo e internou-se no Convento das Mercês,
e sob a direção de mestre competente continuou seus estudos de
Filosofia e de outras disciplinas.
Corre o ano de 1824. Os acontecimentos intensificam-se
e explodem. Os idealistas da República do Equador fracassam
na execução do seu intento. Dom Pedro I sufoca a rebelião em
poucos dias. Dos responsáveis uns fogem e outros são prêsos
e condenados à morte. Entre êstes estava Francisco Miguel
Pereira Ibiapina, pai do estudante José Antônio Maria Ibiapina.
Entregue à comissão militar de Fortaleza, foi executado no sítio
onde mais tarde se construiu o passeio público, de que uma das
alamedas tem o nome de Ibiapina. O filho mais velho Alexandre
Raimundo Pereira Ibiapina, levado para o presídio em Fernando
de Noronha, tenta escapar e morre afogado nas imediações da
ilha.
Assim tôda a responsabilidade da família ficou sôbre os
ombros de José Antônio Ibiapina que têve de ir até o Maranhão
para pôr em ordem interêsses econômicos ali abandonados com
a morte de seu pai. De volta r e s o l v e u fixar residência em
Pernambuco para não abandonar os seus estudos. Por influência
do bispo Dom Tomás de Noronha frequentou o Seminário de
Olinda. Mas funda-se, nesse meio tempo, o estabelecimento de
Curso Jurídico de Olinda. A sua situação difícil no momento,
torna-o indiciso em face das ponderações de muitos amigos que
IT A Y T E R A 93

desejam que êle os acompanhe nesse curso. Sem deixar o seu


ideal de futuro sacerdote, entrega o caso a Deus e matricula-se
na Faculdade de Direito de Pernambuco, instado interiormente
pelo ardente desejo de saber e exteriormente pela exigência
amistosa dos colegas e companheiros que aspiravam a láurea da
ciência jurídica.
Em 1832 formou-se em Direito, depois de um curso que
revelou não só capacidade de inteligência mas ainda os grandes
dotes de sua vida moral.
A forte impressão que deixou nos meios culturais da
Província determinou a sua nomeação de Lente da Faculdade
em que acabava de diplomar-se. No ano seguinte foi eleito
I o deputado à Assembléia Geral por Pernambuco, chefe de Po­
lícia e Juiz de Direito de Quixeramobim. Essas distinções, prova
da confiança dos seus concidadãos, punham o jovem Dr. José
Antônio Ibiapina em contato com as personagens de mais des­
taque do Império: José Bonifácio e seus irmãos, Antônio Feijó,
os Calmons, os Montizuma.
C R IS E D E V O C A Ç Ã O
Essa visão do que lhe pederia dar o mundo, criou-lhe
na alma um verdadeiro problema de ordem sobrenatural. Tinha
diante dos olhos o que poderia ser: O êxito na vida pública e
a vitória nos prélios políticos, já que não lhe faltavam cultura
especializada e projeção entre as grandes figuras do Império.
Refletiu, recolheu-se no silêncio e na oração, e acabou, encerran­
do a sua luta interior, com as palavras do Evangelho: «retira-te
Satanaz, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás e
só a êle servirás (São Mateus IV , 10).
Depois, sentiu-se outro homem: atirara fora o homem
do mundo e revistira-se do homem de Deus. Agora a sua voca­
ção lhe aparecia clara como um raio de luz: Seria sacerdote,
missionário, um agente reformado na vida religiosa e espiritual,
interessado no levante do nível econômico do pobre, do marginal
de nossa sociedade egoista que não vê em tôrno de si a miséria
do pobre a se esgotar em benefício dessa minoria de vivedores
sagazes e sem consciência que sabe converter em seu próprio
benefício o suor do trabalhador anônimo que se aniquila nas
canseiras das funções diárias.
Começou pela reforma dos costumes privados, fazendo
que a moral religiosa do indivíduo alicerçasse a vida do homem
nos vários setores da sociedade. Impressianava-o de modo par­
ticular a juventude feminina da classe pobre. Criava-se sem
instrução que lhe garantisse os meios de subsistência. A mulher
de seu tempo, regra geral, não sabia ler. Não havia escolas ao
94 IT A Y T E R A

alcance de tôdas, e a estreiteza de vista dos pais não fornecia


a instrução para não favorecer a correspondência com os namo­
rados. É natural que êsse conceito de algum pai não fosse muito
generalizado, mas existia e prejudicava a educação das moças.
O padre mestre Ibiapina viu a extensão que podia tomar
essa calamidade social e procurou remediá-la. Começou por
construir Igrejas onde não havia. Queria assim, justificar a pre­
sença do sacerdote nas localidades que pudessem manter uma
Casa de Caridade e atividades apostólicas a bem da Igreja e
da sociedade cristã.
Começava os seus trabalhos com as missões. Antes de
iniciar oficialmente a sua vida missionária, já tinha convertido,
segundo informações do Cônego José Paulino, já tinha feito
1.800 conquistas no meio em que viviam. Essas conversões mui­
to o auxiliaram no lançamento de sua campanha missionária.
Depois de ter atendido às ordem do seu Bispo aceitando
as funções de Vigário Geral da Diocese de Olinda, centro donde
partia a direção religiosa de Pernambuco, e a Cadeira de elo­
quência sagrada no Seminário Diocesano, inicia a sua grande
obra de evangelização do Nordeste.
Olhou atentamente em tôrno e viu nos diversos ângulos
da sociedade mulheres infelizes que desejavam reformar a vida,
mas não encontravam abrigo, onde pudessem trabalhar e viver,
sem se exporem à decadências morais. Viu compadecido inú­
meras crianças sem roupa, a que faltava alimento conveniente e
instrução. Pensou nesse angustioso e complexo problema. Resol­
veu fundar as Casas de Caridade que poderíam solucionar todos
êsses problemas. Havería secções e s p e c i a l i z a d a s para cada
caso.
A PO STO LA D O M ISSIO N Á RIO
Depois das funções que exerceu na vida civil: deputado,
Juiz de Direito, Professor na Faculdade, delegado no sul da
Paraíba,no Recife, foi ordenado sacerdotes em 1853 com 48 anos
de idade.
Não pôde entrar imediatamente no exercício de seu
ideal de Missionário, porque teve de atender ao Sr. Bispo Dom
João da Purificação Marques Perdigão, de cujas mãos recebera
o sacro de presbiterato. O prelado exigiu que o Sacerdote recem
ordenado assumisse o cargo de Vigário Geral da Diocese e
aceitando o cargo de professor de eloquência Sagrada no Semi­
nário de Olinda.
Logo que pôde obter permissões de Sr. Bispo, deixa
aquelas funções, aliás honrosas, entra definitivamente no trabalho
apostólico de missionário que fôra sempre o ideal de sua vida.
I T A. Y T E R A 95

Para realizá-lo, deixara a Câmara dos Deputados do Império:


a alta Magistratura da organização jurídica de seu Estado natal
e a sua banca de advogado no Recife, que se tornou célebre e
a mais procurada do tempo pela competência e brilho intelectual
de seu proprietário. Resolvera, assim, a recomendação evangélica,
que os que querem ser perfeitos deixem tudo e sigam o Divino
Mestre.
Cheio de vida, aos 48 anos de idade, sentindo a atração
poderosa da vocação radicada em sua alma, considerava-se feliz
por poder, afinal, entregar-se às íntimas aspirações, em cujo
cumprimento percorrería a estrada, no fim da qual esperava en­
contrar de braços abertos o Divino Mestre a dizer-lhe: «Vem,
servo bom e fiel, entra no gôzo do teu Senhor».
Nessa ante-visão da Bemaventurança começou o Padre
Mestre Ibiapina o seu apostolado no Nordeste. Percorreu cida­
des, vilas e povoações, e em tôdas deixou um traço marcante
de sua passagem. Na Paraíba e Pernambuco ouviram a sua
palavra divinamente inspirada. Areias, Alagoa Grande, Assu—R.
G. do Norte, Campina Grande, Vila de Alagoa Nova, Santa
Fé, Acari, Pocinhos, Barra do Juá, Pombas, Salgueiro, Caja-
zeiras.
Depois de percorrer essas e outras cidades das duas
vizinhas províncias é que resolveu ir à Fortaleza entender-se
com S. Excia. Dom Luiz Antônio dos Santos, de quem teve a
mais generosa cordial recepção. O Cônego José Paulino Duarte
da Silva que acompanhava o conhecido Missionário, assim diz
na sua relação sôbre missões «Saiu o grande Apóstolo de Jesus
missionando. Dirigiu-se a Capital do Ceará, onde foi encontrado
honrosamente por S. Excia. Revma. o Snr. Bispo Dom Luiz
Antônio dos Santos e um numeroso concurso de homens e mu­
lheres, e dirigiram-se à Catedral onde o virtuoso Missionário
pediu a palavra a S. Excia., subiu ao púlpito e falou com grande
energia e eloquência, agradecendo as honras com que foi rece­
bido e reprovando a vaidade com que as mulheres se apresen­
taram ao Missionário, por trazerem vestidos indecentes de mangas
curtas e decolados».
Comunicou ao Snr. Bispo que nas Províncias, onde tenho
entrado como Missionário, o ordinário lhe dava faculdades para
fazer tudo quanto quisesse em bem da humanidade e da Igreja.
O Snr. Bispo respondeu que também lhe concedia as mesmas
faculdades na Diocese do Ceará.
Saindo dali para a cidade de Sobral, pregou missões e
instituiu uma Casa de Caridade. Depois foi à Santana, onde
pregou o Evangelho e instituiu outra Casa de Caridade, dei­
xando ambas em vantajosa posição e boa regularidade.
96 IT A Y T E R A

Não parece razoável, diante dessas informações do Cô­


nego José Paulino, secretário do Apóstolo Missionário, o tópico
de uma carta atribuída ao Snr. Dom Luiz Antônio dos Santos,
em que o Grande Prelado respondera a uma consulta do Vigá­
rio de Barbalha, sôbre como conservar a Obra das Casas de
Caridade do Padre Ibiapina, diz «Aquilo que se criou sem me
consultar, que se acabe sem me consultar». Parece fácil criar-se
essa frase que tem um tom de irreverência que não condiz com
a recepção calorosa e a espontânea concessão de tôdas as facul­
dades que S. Excia. Revma. entregou ao ilustre Missionário
pelo tempo em que missionasse em sua Diocese.
Essa afirmação solene e publicada do púlpito da Cate­
dral de Fortaleza resistirá a qualquer insinuação de quem venha
pôr em dúvida o elevado espírito de disciplina e ordem que
caraterizou a vida pública e privada do conhecido homem de
Deus que foi o P. Ibiapina antes e depois de sua ordenação
sacerdotal.
O P A D R E M E S T R E IBIA PIN A E S E U C O N ­
T A C T O C O M A S T E R R A S DO C A R IR I
O seu ideal missionário não encontrava barreiras intrans­
poníveis. Percorreu as Províncias da Paraíba, Pernambuco, Rio
Grande do Norte e, por fim dedicou-se a sua terra natal. Como
era natural, convém começar pela terra de seu nascimento, a
Província do Ceará, justamenfo por aquela cidade de Sobral,
donde eram os seus pais. Como ficou dito, iniciou ali as suas
missões em terras do Ceará, fundando duas Casas de Caridade,
uma com sede na própria cidade de Sobral e outra em Santana.
Voltou seu pensamento para os dias de sua infância no
recôncavo de Ibiapina, onde aprendera as primeiras letras e a
fagou carinhosamente a idéia de que seria mais tarde, não só
um apóstolo de Jesus Cristo, um benfeitor dos seus irmãos, mas
sobretudo, um educador da classe pobre, que tanto precisa do
amparo da Igreja. /.
Assim dirigiu seus passos para regiões dos Cariris No­
vos. Aqui foi Missão Velha que primeiro lhe chamou a atenção.
Fundou a primeira Casa de Caridade da"região, ampa­
rando-a com a criação de sociedade para sua direção interna
e sustenta material. Chamou-se a Casa de Caridade dos Cariris
Novos. Deu-lhe tais proporções que merecia ter no espírito a
idéia de fazer de Missão Velha o Centro de^suas ’ obras de
assistência social. O edifício não só ficou elegante para o tempo,
mas dispunha de tôdas as comodidades: Amplo dormitório e
refeitório para as órfãs, com as dependências necessárias, <y.
ITA Y TERA 97

hospital para enfermos internos e externos. No centro um gran­


de jardim com uma fonte perene; um salão destinados às edu-
candas internas. Se não fôsse com a informação escrita pelo
próprio secretário do grande apóstolo, era quase inacreditável
que nequeles tempos houvesse um homem de visão tão clara
sôbre os problemas da educação popular. Circunstâncias alheias
ao seu pensamento, e a falta de continuadores esclarecidos que
amparassem a sua grande obra, fizeram que o pensamento do
Apóstolo do Cariri sôbre organização social de Classe pobre,
não tivesse continuidade, retardando por mais de meio século o
progresso e elevação do nível social do nosso povo.
Essa grande obra da Igreja na região do Cariri, só
atualmente encontrou, na Ação dos nossos Srs. Bispos Dom
Quintino, Dom Francisco Pires e sobretudo Dom Vicente de
Paulo Araújo Matos seu inicio e valorização na Obra educadora
do P. Mestre Ibiapina.
V IS Ã O S O B R E N A T U R A L D A V ID A
O Padre Mestre Ibiapina foi sempre um homem de ideal
superior, em que predominava o espírito de Oração e de Con­
fiança em Deus. Terminados os seus trabalhos apostólicos, en­
frenta os sertões adustos da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande
do Norte e penetra de novo no Ceará, sua terra natal.
O panorama desolador que lhe ofereciam as florestas,
sitios e arredores de Missão Velha, onde havia grassado inten­
samente o Cólera-Morbus, comoveu-lhe o coração sensivel.
Subiu o púlpito, expôs a angústia daquela gente com tão
forte expressão de sentimento que comoveu a grande multidão
que o ouvia. O resultado foi a realização de assistência que
deixou funcionando em Missão Velha.
Em tudo, isso porém, ocorreu um caso que não tem
explicação natural, Enquanto o Missionário falava os seus olhos
não se desprendiam do Céu. Saía-lhe dos lábios a história da
visão que um homem têve: via no céu um glôbo que deixava
ver em tôdas as faces a palavra eternidade tão expressiva, tão
clara, tão visível que podia ser entendida por quem mesmo não
soubesse ler.
O caso teria ocorrido com o próprio missionário ou com
alguém corvertido. O homem andava envolvido nos absorventes
problemas da vida do mundo com os seus grandes interêsses
políticos, econômicos e sentimentais. Diante do quadro que gira­
va no céu, o homem “voltou as costas ao mundo, e nada mais
lhe interessou, senão o problema daquele quadro flutuante que
lhe indicava a única coisa real na vida —a eternidade. Essa visão
verdadeira ou imaginária deu-lhe uma direção interiormente no
98 IT A Y T E R A

conjunto de sua atividede. Levou-o a três anos de recolhimento


no Convento das Mercês, em Pernambuco. Daí por diante a
vida apareceu-lhe sob outro prisma. Abandonou todos os inte-
rêsses da vida civil, política e econômica. FêZ-se sacerdote, fugiu
às glórias legitimas da vocação, deixou o vigário Geral de Olinda,-
que lhe ofereceu o Sr. Bispo Marques Perdigão e votou-se
inteiramente à vida missionária e de reformador social. È assim
que depois de muitos empreendimentos em outras Províncias,-
penetrou no Ceará e organizou grandes realizações em Missão
Velha, acima referidas e em Mauriti.
Na segunda metade do século passado, era proprietário
no sitio Buriti Grande, da então freguesia de Milagres, o Capi­
tão Miguel Gonçalves Dantas de Quental, abastado fazendeiro
que tinha a sua residência uns dois quilômetros aquém da atual
cidade de Mauriti, no lugar hoje denominado Dantas. O Pe.
Mestre Ibiapina, em seu apostolado missionário, foi hóspede do
Capitão Miguelzinho que lhe manifestou o ideal por êle alimen­
tado de construir alí uma capela dedicada a Nossa Senhora da
Conceição. Com o seu espirito de previsão, o virtuoso missionário
fêz ver ao Capitão Miguelzinho a desvantagem do local para a
edificação de um templo que, com tôda certeza, iria se transfor­
mar mais tarde numa florescente cidade, ê uma estreita faixa
de terra comprimida entre um serrote de pedras e os brejais que
marginam a famosa e rica lagoa do Buriti.
O Capitão e o Pe. Mestre, por sujestão dêste último,
penetraram na mata à procura de um local mais adquado. De­
pararam-se com uma esplanada ampla e de horizontes largos
que foi indicada para assentamento da capela de Nossa Senhora
da Conceição.
O Capitão Miguelzinho fêz doação do terreno para o
patrimônio e logo deu inicio aos trabalhos. Às suas espensas e
do seu cunhado Dr. Cartaxo construiu a igrejinha primitiva que
tinha, com pequena diferença, quase as mesmas proporções da
bela Matriz de Nossa Senhora da Conceição que se ergue ma­
jestosa no centro da principal Praça de Mauriti.
A benção da capela se fêz no dia do batizado da filha
do Capitão Miguelzinho, que tomou o nome de Maria Carolina.
É também de observar que a praça onde se assenta a igreja foi
traçada juntamente com o plano da capela e o seu casario pri­
mitivo construído pelo Capitão Miguelzinho que convidava a
quem quisesse vir habitá-lo. Assim de pressa cresceu o povoado
e sem detença se transformou em vila, graças à orientação do
inteligente e prestigioso politico, o Deputado Dr. Cartaxo.
É esta a exposição do Mons. Raimundo Augusto, neto
do Capitão Miguel Gonçalves de Quental.
IT A Y T E R A 99

A sua atividade já se tinha feito sentir em Milagres onde


fundara com a cooperação generosa das matronas do lugar uma
Casa de Caridade, e um açude que ainda hoje serve a popu­
lação local.
O C R A TO E PE. M E S T R E IBIAPIN A
O povo e as autoridades civis e eclesiásticas da metró­
pole da região não podiam ficar indiferentes ao movimento reli­
gioso social que estava se operando em outras cidades e vilas
dos Cariris Novos.
Assim, ficou resolvido que se convidaria o Padre Mestre
Ibiapina .para realizar uma missão no Crafo. O convite, como
era de esperar, encontrou generoso acolhimento da parte cfõ
Missionário e ainda mais, da parte da população Cratense.
Calculando-se em 12 a 16 mil pessoas o número de assistentes
às pregações do Missionário. O entusiasmo subiu ao ponto de
exigir-se a fundação de uma Casa de Caridade, enquanto a
missão prosseguia. O povo mostrou-se de uma piedade exemplar
na assistência às pregações, como na frequência ao Tribunal da
Penitência. O número de confissões excedeu a espectativa. A
reforma espiritual seguiu-se, como era natural, um melhoramento
de ordem social: a fundação da Casa de Caridade, a mais am­
pla e bem situada da região. Um cronista do tempo, Cônego
José Paulino, já citado, registra.—A Casa levantou-se no meio
de um sítio de Coqueiros, Mangueiras, Cajazeiras, fruta-pão, tendo
uma corrente de água penere e mais água de rega para refres­
car o sítio, de sorte que a Casa ali ficou representando um
paraíso terreal.
Quando mais tarde numa outra visita, se procedeu à
inauguração, o Padre Mestre Ibiapina para nadar num verda­
deiro mar de alegria, conseguiu oferecer aos pobres um banquete
de mil talheres, servido pelas personalidades mais em destaque
do meio social.
Foi um acontecimento que marcou época nos anais de
nossa vida religiosa.
BARBALHA - CALDAS
Terminou com abundantes frutos a pregação do Padre
Mestre Ibiapina em Crato e o encheu de entusiasmo na conti­
nuação de sua obra de santificação do povo em outros pontos
dos Cariris Novos.
Encaminhou-se para a Vila de Barbalha. Fizeram-lhe
ali uma estrondosa manifestação de apreço, ao terminar o elo­
quente sermão de abertura da Missão sobre a tema do Amor
de Deus.
100 ÍT A Y T E R A

De 6 a 8 mil pessoas, enc-hiam a pequena Vila. Era


preciso terminar a cacimba do povo para fornecer água à popu­
lação. Em uma semana estava concluído o trabalho. Começou-se
o Cemitério dos Coléricos e dentro de poucos dias deu-se por
terminado o serviço. Era preciso ajudar o Vigário na reconstru­
ção da matriz: pediu o Missionário a cooperação do povo, e a
sua boa vontade não se fêz esperar: em pouco tempo tijolo,
pedra e madeira estavam ao pé da obra.
A missão de Barbalha, começada sob os melhores aus­
pícios, produziu os mais belos resultados sob todos os pontos
de vista: material, moral e sobrenatural.
Havia dois vícios que o Vigário não tinha podido extir­
par: a intriga e a mancebia, aliás, desordem moral muito comum
na região, àquele tempo. À palavra do Missionário enfrentou
corajosamente essas duas chagas da sociedade e, se não chegou
a erradicá-la, totalmente, deixou-as quase extintas.
O Secretário da missão falando das intrigas deixou
escritas repetidas palavras do Missionário «Ficarei muito mal
servido se souber amanhã que alguém hoje, deixou de reconci­
liar-se; espero nos homens de Barbalha que não me darão êsse
desgosto».
Seriam 8 horas da noite e das 11 para as 12 a música
percorria as ruas celebrando as reconciliações; era uma família
de irmãos que se abraçavam cordialmente e lançavam no esque­
cimento todo o passado.
Com grande alegria para a alma do Missionário termi­
nou assim a situação que as questões de ordem política e falta
de entendimento nas principais famílias criaram no meio social
de Barbalha. A eloquência do pregador, o seu espírito de oração
convenceu que só a família bem organizada faz a grandeza de
uma terra. A mancebia não pode honrar a sociedade. A doutri­
na teve eco na zona dos Cariris Novos. E se êsse desar da
sociedade do tempo não acabou de todo, ficou reduzido a míni­
mas proporções e considerado uma desonra que depremia as
pessoas de bem.
Pondo de parte êsse problema ingrato, a atenção do
Santo Missionário foi despertada para um caso de ordem espi­
ritual e científica, de grande interesse para o povo da localidade.
Da rampa onde ficou situada a Cacimba do povo, o
Pe. Mestre Ibiapina contemplava a curva verde do^Araripe que
limita o município ao sul, e, dirigindo-se para o oeste criava a
Comuna do Crato e ao leste oferecia linhas demarcatórias de
outros municípios. Viu a corrente do Salamanca e o mapa ver-
dejante que o acompanha. Interessou-se pela origem daquelas
águas e soube que provinham de uma grande fonte ao sopé do
IT A Y T E R A 101

Araripe, chamada Caldas, do nome de seu primeiro proprietário,


Quis ver de perto aquêle trecho do Araripe e partiu-se para lá,
acompanhado de um grupo bem informado.
Ao tempo o Caldas não era a terra devastada de hoje.
A serra apresentava a selenidade da mata virgem.
O dr. Macedo, o único cientista que trata do Araripe
como fenômeno geológico, explica a razão de ser dos numerosos
mananciais que jorram perenemente ao pé da sua encosta,
contrastando com a absoluta falta de água em seu chapadâo.
O sábio explica que o psamito, espécie de arenito, que constitui
a parte superior de cordilheira absorve tôda água pluvial e a
conserva no seu interior retida pelos abas da serra de consti­
tuição geológica diferente, oferecendo aqui e alí, aberturas por
onde se escapa água em forma de fonte, das quais a maior é a
do Caldas.
O Missionário ficou extasiado diante do espetáculo
natural que se lhe oferecia aos olhos. Uma grande floresta de
palmeiras, gameleiras, oitiseiras e outras espécies vegetais que
que formavam a densa íioresta.
Esperimentou as águas. Achou que se tratava de água
mineral com virtudes medicinais. Cercou a fonte com altas mu­
ralhas de tijolos, com um portão cuja chave entregou a um guarda.
Resolveu construir uma Igreja dedicada ao Bom ]esus.
A gente que conhecia a natureza do terreno observou
ao Missionário que o terreno não se prestava a uma construção
de tijolo. Em todo caso o Missionário achou que convinha expe­
rimentar. Em seis dias a construção estava no repaldo. Caiu,
porém, um forte temporal à noite, com grande queda de água.
A construção não resistiu O Missionário achou que seria acon­
selhável fazer-se uma Igreja de taipa e mais tarde construir-se
outra, a que lá está, com o seu campanário, as suas dependên­
cias tudo em perfeita ordem. Nesse grande trabalho os suces­
sores do Pe. Ibiapina foram diversos: Mons. Manuel Cândido,
Zuca Sampaio e, ültimamente, outros. A floresta quase desapa­
receu; vieram casas, formando uma povoação que prosperou.
Sobreveio a grande sêca de 1877. Os proprietários abandonaram
os sítios e os famintos que ocupavam a chapada do Araripe,
desceram, tomaram conta da Vila em formação e estragaram em
parte o trabalho do Missionário ausente.
O povo continuou a pedir às águas da fonte Bom Jesus
de Caldas a cura dos seus males. O Padre Mestre Ibiapina diz
que uma pobre Senhora Luzia Pezinho pediu-lhe a cura de seu
pé estragado por moléstia até então incurável. O Missionário
mandou que tomasse banho no Caldas, três vezes. Fêz a reco­
mendação do Missionário, ficou curada completaroente e pôde
102 í T AY T E RA

acompanhar o seu benfeitor em suas peregrinações apostólicas.


É uma informação do nosso historiador patrício, Dr. Irineu Pi­
nheiro. O Caldas continua ainda hoje, na opinião do povo a
fonte dos milagres, ou uma estação de cura para certas e deter­
minadas moléstias. Aí está o Padre Carlos, Salvatoriano, supe­
rior e sua Congregação em Barbalha que deve a sua cura às
águas do Caldas. Em testemunho de sua fé e gratidão, está
concluindo o Santuário do Bom Jesus, iniciado pelo Padre Mestre
Ibiapina. Mais tarde os poderes públicos compreenderão que
estão descurando um elemento de progresso para a região. A
estação de agora de Caldas não é inferior ás grandes estações
de águas minerais de todo o país.
A nascente do Caldas deixou sempre forte impressão
nos que a conhecem de perto e estão informados dos fenôme­
nos de curas que ali se operam.
A fantasia criadora não esqueceu o que se atribui ao
Caldas. Rodrião Barreto criou uma lenda, em forma de romance
que impressionou os leitores do tempo. Infeiizmente «A Dama
da Fonte» não foi publicada e se desconhece o destino do original.
Pode ser que se venha a descobrir o seu paradeiro. Os que
leram a «À Dama da Fonte», não esquecem a boa impressão
que lhes causou a leitura.
O Padre Mestre Ibiapina sempre satisfazendo compro­
missos anteriores, seguiu para Brejo Santo e Milagres em visita
às obras ali realizadas.
É escusado dizer o entusiasmo com que o povo de Brejo
Santo recebeu o Missionário: música, foguetes, vivas tornavam
ruidosa a recepção. A missão seguia os trâmites de costume.
Acontece, porém, que se incendiou uma nova e grande rua de
palha. Chamam o Missionário que se apresenta e o fôgo se
apaga sem causar dano.
Contra a opinião comum traçou êle o plano da nova
Igreja que seria a Matriz da futura paróquia. Tudo se fêz, se­
gundo sua previsão e hoje a Matriz de Brejo Santo está no
lugar marcado pelo Padre Mestre Ibiapina e construída de acor­
do com o seu plano.
A Missão estendeu-se até Porteiras com os mesmos
frutos espirituais. Diminuiram sensivelmente os casos de mancebia
que tanto impressionavam o santo pregador. Nas missões de Missão
Velha, Barbalha, Serra do Mãozinha, Milagres e Crato deram-se
fatos extraordinários que são difíceis explicar-se naturalmente.
Na região havia crise de alimento, porque o inverno fôra escasso.
Nas obras de construção de Igrejas, Cemitérios, Hospitais e
Casas de Caridade, trabalhavam 50 e mais operários. A comida
feita para êsses trabalhadores alimentava a mais uma centena
IT A Y T E R A 103

de famintos que recorriam ao Missionário.


No Caldas a multidão que acompanhou o Padre Mestre
saciava-se das sobras dos alimentos preparados para os que
trabalhavam nos vários serviços de construção.
Fatos como o daquela Senhora de Icó curada miraculo-
samente nas águas da fonte, multiplicaram-se: Luzia Pezinho,
segundo a informação do Dr. Irineu Pinheiro a que já aludimos,
curou-se misteriosamente de um defeito no pé que a impedia de
andar. Outros aleijados, conforme ouvimos dos enfermeiros que
os conduziam à frente, postos dentro das águas, faziam esforços,
apegando-se às pedras da ribanceira, levantam-se, subiam as
bordas da nascente e seguiam para casa, caminhando normal­
mente.
Não temos provas autênticas de que tais fatos sejam de
ordem prenatural, mas impressionam e parece sairem da órbita
comum dos acontecimentos ordinários.
A Ç Ã O E V ID A E S P IR IT U A L
O que de extraordinário se nota nas atividades missio­
nárias do Padre Mestre José Antônio de Maria Ibiapina, vem
da sua profunda piedade e vida interior, aliada a um espírito de
disciplina e obediência a que sempre estava submisso, quaisquer
que fossem os sacrifícios. Essa verdade é uma conclusão do que
se admira em tôda a sua vida, desde a ordenação sacerdotal. A
sua passagem pelo Vigário Geral de Olinda, o seu professorado
no Seminário dessa cidade e a consequente demora em iniciar
o seu apostolado missionário, foram atos de obediência que muito
custaram ao seu ideal de sacerdote ao ministério da pregação e
à assistência social. Martelara-lhe o espírito o desejo de elevar o
nível moral e econômico das classes existentes à margem de
nossa sociedade.
A êsse intento dedicou tôda a sua vida de sacerdote
numa inteira consonância com o pensamento dos Srs. Bispos em
cujas dioceses exerceu seu santo ministério. É edificante prova
dessa verdade a sua correspondência com o Exmo. Snr. Dom
Luis Antônio dos Santos e com as religiosas que êle começou a
formar, dando-lhes noções claras e justas da verdadeira vida
espiritual. Ensina suavemente, sem cansar.
C A R T A S ÀS R E L IG IO S A S
Louvado seja N. S. Jesus Cristo.
Irmãs de Santa Gertrudes, e Santa Ana: O nosso bom
Deus vos abençoi.
Recebi as v o s s a s cartas, e fico ciente de que viveis
cochilando na oração e em tudo quanto é espiritual. Sinto dizer-
vos que o dito de S. João Evangelista vos fete: aos tíbios Deus
í 04 ITAYTERA

os vomita do peito, e o que se vomita não se recebe mais. Usas


de cilicios, jejum, fazei repetidos atos de Amor de Deus e de
Caridade; Consagrai-vos no correr do dia ao serviço de Jesus,
não vos agasalhando sem pensar nas contas que dareis a Deus
pelo pouco amor que lhe tendes, ingratidão com que respondeis
a tanto tempo de espera e tantos favores recebidos e auxílios
de Santificação despresados.
No meu pensamento vim escrever-vos: Só é de Deus
quem faz sacrifício da própria vontade e preguiça; mas quem
cede à tentação, por tanto tempo, tem razão de temer porque só
pode esperar quem obra para receber prêmio.
Já entendes S. Ana: abri o olho: Santa Gertrudes não
te iludas, amanhã já será tarde. Sobretudo não carece ocupador
de fora que já o tem em si.
Ouvi e ide vos preparar para me receberdes no confessio­
nário. Deus vos dê as graças que deseja-vos vosso Pai Espiritual,
(a s s .) P e . Ibiapina
RELA ÇÕ ES CO M A A U TO R ID A D E D IO CESA N A
Para manifestar o espírito de disciplina e obediência que
orientou a vida sacerdotal do Padre Mestre Ibiapina, basta ver
a maneira como passou às mãos do Sr. Bispo Dom Luis Antonio
dos Santos a Obra social e pioneira que realizou nesta Diocese.
Deixamos aqui cartas que são a expressão original de sua hu­
mildade e submissão a respeito do superior eclesiástico.
C A R T A S
«Exmo. e Revmo. Snr. Dom Luis Antonio dos Santos
Prostrado aos pés de V. Excia. Revma. beijo as vossas
mãos.
Exmo. Snr. Vim a êste Bispado visitar a Casa de Cari­
dade de Missão Velha, sou solicitado para pregar o Evangelho.
Conquanto tenha licença de V . Excia. para missionar em seu
Bispado, entendo ser do meu dever comunicar a V . Excia. que
entrarei em missões, enquanto V . Excia. não mandar o contrário.
Já não posso, Exmo. Snr. entrar em grandes e longos trabalhos,
por a minha idade longa e debilidade; mas quanto posso pres­
tarei os serviços que puder a êste Bispado.
Reconheço que sem laço religioso que prenda as mesmas
a Deus, não posso obter boas Irmãs de Caridade, por isso no
Bispado de Pernambuco as Casas vão regularmente, com as
Irmãs de Caridade, mas neste lugar, como não tenho licença
para dar os Chapéus às Irmãs da Caridade nem o hábito pró­
prio, a Casa não oferece estabilidade por êsse lado; portanto, se
parecer bem a Excia. conceder-me dar hábitos às Irmãs de Ca­
ridade deste Bispado muito interessará a êstes estabelecimentos,
I T AY T E R A 105

a que darei uma orientação como mais parecer a qualquer arbí­


trio de V . Excia.
Resta-me beijar as mãos de V. Excia. e pôr meus fracos
serviços a disposição do Superior de quem prezo ser.
De V. Excia. súdito obediente e agradecido
Missão Velha 28 de maio de 1868
Pe. Ibiapina ”
limo. e Exmo. Snr. D Luis Antonio dos Santos.
Prostrado aos pés de V. Excia. peço a benção. Exmo.
Senhor, no Correio de 9 bro. p. p. escreví a V. Excia. e pedia-
lhe me c o n c e d e s s e faculdade ou ao Padre Henrique José
Cavalcante para benzer uma capela da Casa de Caridade do
Crato, e que fôsse êle autorizado, como Capelão da Casa para
administrar os Sacramentos às pessoas a!i congregadas, onde,
além de cem órfãs, as Irmãs encarregadas da direção da Casa,
contamos ter recolhidas, nunca menos de 50 a 60 doentes, o
que demanda pronta administração dos Sacramentos, tanto mais
ficando a Casa de Caridade distante da Matriz; também propus
a V. Excia. os meus embaraços em celebrar missa em tempo de
missão dentro da Igreja, por não ser possível recolher ai mais
de mil pessoas, dentro das Igrejas por mais espaçosas que sejam
elas, e que por isso me parece, é minha humilde opinião, falho
inexequivel haver missão em união com essa condição, ou então
que importa mais não haver missão, se o Santo Sacrifício tem
a importância, que me parece ter em todo tempo, principalmente
quando mais se demanda, e carece de graças para os frutos da
divina palavra.
Também propus a V. Excia. que, se lhe parecesse bem
estabelecesse no Cariri Novo uma Congregação de Missionários
e que para isso já conto três Sacerdotes que servem para começar
sendo dois Vigários e o Padre Henrique o terceiro, se V. Excia.
concede licença.
Não tive resposta, e rogo a V. Excia. que se lhe mere­
cer atenção ao que peço e proponho, me responda, certo de
que, eu curvando às ordens de V. Excia. Revma. prontamente
obedecerei, e cumprirei ao que me determinar. E conquanto
esteja próximo a retirar-me para o novo Bispado, a instâncias
urgentíssimas do Revmo. Vigário de Granja, que empenha as
entranhas de N. S. Jesus Cristo, para eu ir lá missionar, con­
sentindo V. Exc-ia. e querendo Deus, para o fim do ano, ou
quando puder, seguirei por mar a missionar e aí está uma razão
de mais para eu obter de V. Excia. a solução: Se missionando
onde houver Igreja, sou obrigado a celebrar dentro desta, por
não ser lícito celebrar em latada?
Rogo a V. Excia. por amor de Jesus Cristo que me
106 IT A Y T E R A

abençoe, e se lembre deste pobre pecador.


Barbalha, 8 de janeiro de 1868
Agora me lembro de pedir a V . Excia. a graça de ben­
zer outra Capela da Casa de Misericórdia daqui, que estou
edificando.
De V . Excia
Súdito humilde e obediente Servo
Padre José Antonio de Maria Ibiapina
Através destas notas poder-se-á ver a alma luminosa de
um autêntico Apóstolo que desprezou o mundo, cuja figura se­
dutora passa inexoravelmente, e entregou-se todo aos preceitos
do Evangelho, para realizar em sua vida tôda o que constitui
o verdadeiro Apóstolo do Divino Mestre: deixar tudo e seguir
a Jesus Cristo.
O Padre Mestre Ibiapina desde que ouviu a palavra
divina em sua alma convidando para associar-se à missão de
salvar as almas, esclarecer o mundo e procurar uma solução
para os problemas que o atormentam, não teve um só momento
de espera: integrou-se na missão total. A sua palavra foi neste
Nordeste a estrada luminosa que se oferecia à nossa sociedade
para conduzí-la à sua verdadeira finalidade. Viver decentemente
neste mundo e alcançar a vida eterna. Para influir pode­
rosamente em todos os espíritos retos, não lhe faltavam predi­
cados; era um santo no seu esforço de profissão espiritual, era
um didata da vida sobrenatural, e sabia, ao mesmo tempo, pene­
trar no emaranhado de nossas questões sociais, chegando até
às suas causas e apontando-lhe o remédio oportuno. Ensinou
por sua vida a mística do sacerdócio e atraiu para o padre de
que foi exemplar, a atenção dos homens de retidão moral que
se tornavam auxiliares leigos da ação sacerdotal. Foi o pioneiro
da Ação Social católica nestes Cariris Novos. Se tivesse tido
continuadores, as nossas condições sociais e econômicas seriam
muito mais prósperas. Quando se destrói a miséria, cria-se a
fortuna. Foi o que intentou fazer o Padre Mestre Ibiapina, com
os seus institutos, caridade e assistência. A sua visão de mestre
de vida cristã, conheceu de perto as nossas necessidades espi­
rituais e quis remediá-las nas classes populares, fundando uma
Congregação de Padres Missionários. Dava, assim, auxiliares
oficiais ao Clero paroquial, e aumentava o número dos operários
do Evangelho. Capazes de fazer face à onda de mistificadores
que de boa fé ou não pertubam a paz religiosa de nossa gente.
Cumpre-se um dever de gratidão quando se relembra o
nome do grande Apóstolo que foi o P A D R E M E S T R E J O S E
A N T Ô N IO D E M A R IA I B I A P I N A .
IT A Y T E R A 107

CONGREGAÇÃO M ISSIO N ÁRIA DE


PA D R ES SEC U LA R ES
Este conceito do grande e autêntico missionário vinha,
desde muito, lhe agitando a alma. A sêde de verdade religiosa
e virtudes cristãs constituem um substratum do espírito do nosso
homem sertanejo ou cidadino. Leva consigo o desejo de conhecer
a Deus e, por isso, geralmente, aceita com uma certa ingenuidade
primitiva a doutrina que lhe impingem, sem, muitas vêzes, inda­
gar se é uma verdade ou um embuste. Dessa situação anômala
do nosso povo, ou do nosso homem inculto, aproveitam-se os
protestantes, em regra, estrangeiros americanos, que, sob o pre­
texto de Bíblias e Evangelhos em língua vernácula, vão incu­
tindo no espirito simples das pessoas pouco esclarecidas, o ódio
à Igreja católica, ao Santo Padre, o Papa, e aos sacerdotes,
sem lhe apresentar nenhum ensinamento são, edificante e cons­
trutivo para a boa formação religiosa e moral do auditório ignaro
que os ouve. Previu o notável missionário que uma congregação
de Padres diocesanos seculares, conhecendo bem o seu povo e
as suas necessidades, poderia melhor e com mais facilidade
fechar as portas a êsses exploradores da palavra de Deus, que
não fazem mistério de sua profissão regiamente subvencionados
pelo espírito americanista das sociedades bíblicas. A idéia en­
controu acolhimento em muitos sacerdotes, dos quais três logo
se p r o n t i f i c a r a m para ser os iniciadores da grande obra
apostólica.
Infelizmente a saúde precária do padre Mestre Ibiapina,
a sua idade avançada e outras razões circunstantes que desco­
nhecemos, mais ainda a grande distância da autoridade dioce­
sana, cuja opinião devia ser ouvida com frequência, impediram
o prosseguimento do plano generoso, que incendiava o coração
do missionário nordestino. Não se pôde efetivar o empreendi­
mento salvador, mas a semente ficou lançada, aguardando o
primeiro idealista das missões difíceis.
Cerca de cincoenta anos depois apareceu o homem assi­
nalado, prudente e culto, Dom Quintino Rodrigues de Oliveira
e Silva, para ressuscitar e viver o plano da grandiosa obra
idealizada pelo Padre Mestre Ibiapina.
Organizou primeiramente em linhas gerais o que seria
uma Congregação religiosa de padres missionários seculares,
Começou a escolher os elementos básicos, os alicerces da Obra.
Apareceram, então os primeiros candidatos da futura Congrega­
ção missionária de Padres Seculares, cujo padroeiro e protetor
seria São José, sendo a Congregação denominada Congregação
Missionária dos Padres Josefinos. Foram escolhidos os primeiros
108 1TAYTERÀ

membros da novel Congregação: Padre Emídio Lemos, Padre


Azarias Sobreira e outros. Adoece, porém, o novo iniciador. A
doença é grave e leva ao túmulo o grande Bispo, Dom Quintino
Rodrigues de Oliveira e Silva. A obra providencial ficou sus­
pensa até que Nosso Senhor Jesus Cristo suscite um outro
predestinado para realizar a obra que deverá influir através de
anos ou, talvez, de séculos, na orientação religiosa do povo
destes Cariris Novos, de outras dioceses do Ceará e do Brasil
inteiro, se Deus o permitir.

B I B L I O T E C A DO IN S T IT U T O - A Biblioteca do
I. C. C. já atingiu a cifra de mil volumes, afora os folhetos e
coleções de jornais. Recebemos remessas regulares de livros do
Instituto Nacional do Livro, da Reitoria da Universidade da
Bahia, da Imprensa Universitária do Ceará, Biblioteca do Exer­
cito e do Instituto Oeste Potiguar, de Mossoró. Bruno de M e­
nezes, diretor da Fenixgráfica, no Rio, é o particular que mais
nos oferta livros, de variadas especies, chegando-nos remessa
regular por via postal, quase todos os mêses.

R E V IS T A «LEITURA». Está nos chegando regularmente,


por intermédio do consócio, nosso representante no Rio, Estado
da G u a n a b a r a , José Jeser de Oliveira, a bem feita revista
«LEITURA» editada na V ELH A C A P. É repleta de últimas e
oportunas colaborações, impressa em bom papel com serviço de
ilustração impecável. É dirigida por Barboza Mello e tem como
redator-chefe—Homero Homem. Instala-se á rua Senador Dan­
tas, 84—F —Rio—Gb.

C O N T R A S T E S E SE M E L H A N Ç A S. Boonerges
Facó, dos bons cronistas do Ceará, lançou em 1958,
pela Imprensa Universitária do Ceará: O livro «Con­
trastes e Semelhanças.»
Estude sempre, à luz de crítica sincera, bem
comentada e demonstrando farta cultura geral, duas perso­
nalidades da literatura e da historia, ou acontecimento
que influiram na evolução do mundo.
A leitura ilustra - nos e deleita-nos ao m e s m o
tempo.
IT A Y T E R A 109

R EM A N SO . Livro dc versos, produzidos pela alma


sensível de nosso conterrâneo, filho de Assaré e residente no
Rio—Adauto Alencar. É impirado poeta que sobretudo honra o
nome cearense, em terras cariocas. Abramos parentisis para
uma de suas belas produções, do livro REM A N SO , da Editora
Caminho:
i m p r e v i d ê n c i a
Uma ingênua borboleta
Batia contra a vidraça,
Querendo passar por onde
A luz da lanterna passa!
A bela chama a deixava
Em louca fascinação!
Queria sentí-lo perto,
Prendê-la dentro da mão!
Bateu-se por todo lado
Até que, enfim, encontrou
Uma pequena abertura
Por onde então penetrou!
Mas, coitada!, ao penetrar
Naquela alcova atraente,
Caiu fulminado a pobre
Ao tocar no fogo ardente.
É assim a humanidade,
Ingênua e sem precaução:
Penetra em qualquer abismo.
Em troca de uma ilusão.

DO SO NHO DE BRASÍLIA À REALIDA DE DO


N O R D E ST E — J. C. de Alencar Araripe escreveu serie de re­
portagens que enfeixou em livro, lançado pela Imprensa Univer­
sitária, de Fortaleza. É vibrante defesa do Nordeste, diante dos
gastos com a edificação da N OVACA P. O livro transforma-se
igualmente em depoimento incisivo, em linguagem candente, com
bonito estilo, contra a roubalheira que se processou, no Nor­
deste Brasileiro, à sombra dos trabalhos de emergência, durante
o calamitoso ano de 1958.
na ITAYTERA

N O V O GOVÊRNO DA REPÚBLICA
Desde o dia 31 de Janeiro, que o Brasil tem novo pre­
sidente, eleito a 3 de Outubro de 1960, em movimento pleito.
Trata-se de Janio da Silva Quadros que teve expressiva maio­
ria nas urnas, prova de que o povo ansiava mudar os partidos
que nos governavam ha vários anos, com o emprêgo apenas da
maior arma das democracias—o voto livre. As esperanças vol­
tam-se, portanto, para o ilustre estadista que já dirigiu S. Paulo,
com o máximo aprumo. O Brasil já não suporta novas decepções,
pois enorme é sofrimento que o castiga, notadamente na media
e na classe pobre. Temos problemas vitais a serem soluciona­
dos, principalmente neste Nordeste, tão angustiado pela incerteza
do clima.

C O M EM O RA D O O C E N T EN Á R IO DE JO SÉ M A R-
TIN IA N O D E ALENCAR E DO C O N D E D E A FO N SO
C E L S O — De acordo com o programa de veneração aos grandes
vultos do Brasil, ou mesmo internacional, o I. C. C. comemorou,
em sessão de 8 de Abril de 1960, os centenários, ocorridos no
ano, de José Martiniano de Alencar e do Conde de Afonso
Celso. O primeiro teve papel decisivo nas lutas de 1817, em
Crato e foi dos maiores estadistas que o Ceará ja possuiu. É
filho do Cariri. O outro é escritor primoroso, de renome nacio­
nal, tendo se dedicado à historia e ao culto da pátria que ama­
va acima de tudo, a ponto de c-olocá-la em lugar preponderante
no seio das outras nações.
Foi êle, com seu espirito de nacionalismo verdadeiro,
tendo raises no Brasil, quem escreveu «PO R Q U E M E U FA N O
D E M EU PAÍS».

IN T E L E C T U A IS C R A T E N S E S V IS IT A M A T E R R A
N A TA L. Durante o mês de Janeiro, estiveram, nesta cidade, em
visita a parentes e amigos, os conhecidos intelectuais conterrâ­
neos— Prof. José Denizard Macêdo de Alcântara, nosso colabo­
rador e seu irmão Nertan Macêdo de Alcântara, atual diretor
comercial do veterano orgão carioca—«JORNAL DO C O M E R ­
CIO.» O último lançou, pela editora L EIT U R A , o livro recorde
de livraria—R O SÁ RIO , R IF L E E PUNHAL, recebido com os
unânimes aplausos da crítica nacional. Os dois ilustres visitantes
são vultos que honram, acima de tudo, a cultura cratense, por
aí a fora.
Correção de Eqiívocos
A. A.
O opúsculo recentemente publicado pelo dr. Paulo Elpidio
de Menezes, sob o titulo «O CRATO DE MEU TEMPO»,
contém equívocos, no capitulo «O Lameiro de «Seu» Nelson»,
que reclamam a devida correção.
Consta do trabalho em aprêço, a fls. 51/52, que o sítio
Lameiro pertenceu a Manoel do Monte Alencar, casado com
Laurentina Lima Verde, que, com filhos, o vendeu, em 1887, por
três contos e quinhentos mil reis, a Nelson da Franca Alencar.
Ha duplo engano, em tal afirmativa, pois, nem o Lameiro
foi adquirido por essa soma, nem ha notícia de que haja feito
parte do patrimônio do precitado casal, de cuja existência não
ha noticia nos fastos da historia da terra.
Com o nome de Manoel de Monte Furtado atendia o
avô materno de Nelson da Franca Alencar, o proverbial senhor
da mansão do Lameiro, cujo nome o Crato inteiro ainda hoje
evoca com o maior respeito e simpatia.
Tratava-se de opulento proprietário das fazendas Con­
dado e Marçal, no município de Pio Nono, no Estado do Piaui,
onde residia.
Seu filho, José de Monte Furtado, dono dos terrenos
do Pisa, suburbios da cidade, outrora, nela se fixou por alguns
anos, transferindo-se, depois, para o sitio Cachoeira, em Missão
Velha, onde faleceu.
Nem um, nem outro—pai e filho—pertencia à famlia
Alencar, a que se vinculou a mãe de Nelson, Maria Leopoldina
de Monte, em virtude de casamento com Francisco Leão da
Franca Alencar.
Foi este, realmente, o proprietário do Lameiro, falecido
a 12 de junho de 1881, ano em que se realizaram o inventário
e partilha de seus bens, entre os quais está relacionado o sitio
Lameiro, assim descrito:
«Um sítio de terras denominado LAMEIRO, neste termo,
com uma casa de moradia de tijolo e telhas, mais duas ditas
pequeninas de taipa cobertas de telha, quatro de taipa, cobertas
de palhas, um engenho de ferro em maú estado, com seus uten­
sílios e mais benfeitorias, avaliado por seis contos e quinhentos
mil reis».
112 1TAYTERA

Francisco Leão era irmão dos padres Antonino e Joa­


quim Pereira de Alencar, e de Antonio da Franca Alencar, de
quem decende o médico-oculista, falecido Meton Alencar.
Sua mãe, Inacia Pereira de Alencar, irmã da heroina
Barbara, casou-se, em primeiras núpcias, com João Pereira de
Carvalho, e, em segundas, com Antonio de Leão da Franca
Alencar.
De Inacia descende, também, o Almirante Alexandrino
Farias de Alencar, que representou o Amazonas no Senado
Federal, e foi Ministro da Marinha durante varias administrações
do país.

COMPANHIA DE ELETRIFICAÇÃO DO CARIRI


Juàzeiro do Norte—Ceará

Em 4 de novembro de 1960.
Sr. Presidente:
À Sua Senhoria
o Senhor Doutor José de Figueirêdo Filho.
Mui Digno Presidente do Instituto Cultural do Cariri
Crato — Ceará
Tenho a satisfação de comunicar a Vossa Senhoria que
em Assembléia Geral de Acionistas verificada no dia 28 de
outubro próximo passado, foi constituída a Companhia de Ele­
tricidade do Cariri—CELCA, ficando sediada na Praça Almi­
rante Alexandrino, 252, nesta cidade.
Comunico também que por deliberação da Diretoria fui
designado Superintendente, tendo assumido essa função na data
acima, perante e Gen. Carlos Berenhauser Júnior, Diretor e
substituto do Presidente da CELCA.
Esperando receber a colaboração de Vossa Senhoria no
sentido de desincubir-me da missão que me foi confiada, apre­
sento-lhe os meus protestos de estima e apreço.
Companhia de Eletricidade do Cariri
Nicodemus Lopes Pereira
Superintendente
Antonio de Alencar Araripe
Comemora se este ano o centenário do falecimento de
José Martiniano de Alencar, o Senador, ocorrido, em virtude de
febre de mau carater, no Rio de Janeiro, bairro de São Cristo-
vam, chacara Maruí, onde residia, ás 4 e meia horas da manhã
do dia 15 de março de 1960.
Sepultou-se ás 5 e meia horas da tarde do mésmo dia
no cemiterio do Caju, onde seu túmulo tem o número 298, com
a simples inscrição: O Senador José Martiniano de Alencar —15
de março de 1960».
Nasceu a 16/10/1.794 no brejo da Salamanca, então
pertencente ao município de Crato, sendo seus pais o português
José Gonçalves dos Santos e a heroina Barbara Pereira de Alen­
car; Crismou-o, em 1.806, o visitador Padre José Pereira de
Castro, sendo padrinho o padre Miguel Carlos da Silva Saldanha.
Estudou no Seminário de Olinda, mas ordenou-se no
Maranhão quando, em 1829, estava eleito Deputado à Assem­
bléia Geral, não o fazendo naquela Diocese porque a mesma
durante anos esteve vacante.
Diacono estudante, ao irromper a revolução de 1817, da
mêsma participou com entusiasmo, na qualidade de membro da
associação politica Academia do Paraizo, inspirada pelo sabio
naturalista e pioneiro do movimento, Arruda Camara, cuja carta-
testamento recomenda «todo o cuidado no adiantamento de José
Martiniano de Alencar», e que «Dona BARBARA, do Crato,
devem olha-la como heroina?-
As inspirações de seu patriotismo conduziram-no ao
Crato, afim de promover o levante das respectivas populações
contra o jugo português dominante, o que realmente fez, ao pro'
clamar a Republica em frente á igreja matriz daquela cidade,
no dia 3 de maio do dito ano.
Malograda a revolução, foi preso com sua mãe, irmãos
e amigos, todos conduzidos sob algemas e correntes de ferro ao
pescoço, para a Fortaleza, de onde prosseguiram com destino
aos cárceres de Pernambuco e Bahia.
Os anos de prisão, que se prolongaram até 1.821, quan­
do regressaram ao Crato, via Aracati e Icó (ali, em tal oportu*
314 1TAYTERÁ

nidade, no dia 7 de outubro, nasceu seu sobrinho Tristão de


Alencar Araripe, que veio a ser Ministro de Estado e do S. T ,
Federal, jurisconsulto, parlamentar e historiador), foram de mar­
tírio e heroísmo, em que sobresairam a atitude varonil e a abne­
gação de sua mãe.
No cárcere da Bahia tiveram por companheiro de prisão
Antonio Carlos Ribeiro de Andrade, que daí em deante se tor­
nou dileto amigo de José Martiniano. Em 1821 conseguiu eleger-
se l.° suplente de Deputado á Constituinte portugueza e, nessa
qualidade, substituiu Gomes Parente, formando em Lisboa ao
lado dos parlamentares que oferecem resistência ao absolutismo
da Casa de Bragança, e que foram, por esse motivo, obrigados
a exilar-se na Inglaterra.
Voltando ao Brasil, figurou entre os Deputados á Cons­
tituinte de fevereiro de 1.824, violentemente dissolvida por Pedro I
a 12 de novembro do mesmo ano. Tomou parte saliente no
movimento da Confederação do Equador, idealisado por Pais de
Andrade, Frei Caneca e outros, e por isso sofreu prisão durante
vários anos.
No periodo legislativo de 1830 a 1833 novamente elegeu-
se Deputado pelo Ceará, ao mesmo tempo em que o sufragaram
em Minas Gerais, optando pela cadeira que lhe fora outorgada
por seus conterrâneos.
Presidiu a Camara dos Deputados de julho a dezembro
de 1831. Eleito Senador e escolhido, em lista tríplice, a 10 de
abril de 1852, ocupou o lugar de I o Secretario do Senado de 1846
a 1847.
Esteve á frente da revolução pacifica promovida para
conseguir a proclamação da maioridade de Pedro II, concertada
em sua casa de residência, e que se objetivou em projeto de lei
de sua autoria.
Presidiu o Ceará por duas vezes, com brilho invulgar,
sendo a primeira de 16— 10— 1.834 a 23—11 — 1837, quando re­
gressou ao Rio, viajando por terra até a Bahia, através o Crato,
onde visitou parentes e deu determinações sobre propriedades,
que ali possuia.
O periodo de sua segunda administração prolongou-se
de 1940 a 1941.
Registram varias Enciclopédias que estabeleceu a ordem
em toda a provincia, iniciou e concluiu muitas obras, pós termo
a d 'ficit antigo e deixou um saldo de duzentos mil cruzeiros em
cofre.
A sua administração, pelo alcance e exito surpreen­
dentes das iniciativas tomadas, consagrou-o como o maior homem
ITAYTER A 115

de governo, que o Cearã já teve á frente de seus destinos.


Pioneiro da açudagem, da instalação de estabelecimento
bancario, da construção de rodovias ligando o Cariri e o Icó à
Fortaleza, da vinda de imigrantes estrangeiros, foi bem ele, co­
mo escreve João Brigido, quem «lançou os fundamentos do pro­
gresso moral e material do Ceará, ensaiando com grande intui­
ção do futuro quantos melhoramentos a Província mais tarde
veiu a reclamar indispensáveis à sua civilisação.»
A sua ação de estadista clarividente sem par entre nossos
governantes assinalam unanimemente todos aqueles que se teem
dedicado á analise dos fatos da vida politica e social do Estado.
Em seu testamento, cujo teor temos à vista, declara o
Senador Alencar que «por fragilidade humana» ceve com sua pri­
ma Ana Josefina de Alencar, os seguintes filhos, que legitima
e reconhece: l.°) José Martiniano de Alencar Junior (o roman­
cista) nascido a 1—5—1829; 2.°) Leonel Martiniano de Alencar,
(nascido a 5 —11—■1832, c) Tristão, nascido a 6 — 7—1838, d)
Maria, nascida a 13—8—1840,e) Barbara, nascida a 7 - 7 —1843,
f) Argentina, nascida a 23—3 —1850, e g) Carlos, nascido a
6 -1 0 -1 8 5 3 .
As atividades que o Senador ALENCAR desenvolveu
no cenário da vida politica administrativa do país, demontram
que nesse sector foi o vulto de mais destacada projeção que
possuímos.
Urge que em livro se perpetúe, em largos traços, a me­
mória de sua conduta como revolucináario, homem de governo,
enérgico, realizador e de idéias avançadas, de parlamentar e chefe
liberal prestigioso, para exemplo das gerações presentes e futuras.

EXPERIENCIA DO SERVIÇO DE TRACOMA DE


CRATO ELOGIADA NA ESPANHA
O Dr. Herminio de Brito Cande, supervisor do Serviço
de Profilaxia de Tracoma, sediado em Crato, recebeu o honroso
documento que transcrevemos, firmado pelo renomado oftalmoio-
jista espanhol—Dr. Arruga:
«He presenciado la aplicación dei aparato de diatermia portátil
dei Dr. Herminio Conde, comprolando su utilidad pora el trata­
mento ambulatório dei tracoma»,
Barcelona 10 Agosto 1960
(à) Dr Arruga
Pasage Mendez Vigo. 3
316 ITA Y T E R A

S E T E -E S T R Ê L O —Milton Dias o cronista do


«O P O V O », no gênero é dos melhores do norte do
país. Através de IM P R EN SA U N IV E R S IT Á R IA DO
CEA R Á , publicou recentemente S E T E E S T R Ê L O . A
gente ler do começo ao fim com agrado indisivel. Re­
trata bem os costumes do Ceará e o livro é dos reais
sucessos dos últimos anos da vida literária fortalezense.

R E V IS T A FIL O SÓ FIC A DO N O R D E S T E —
Incontestavelmente o Ceará vem cada vez mais ocupando
lugar de destaque no cenário da inteligência brasileira.
É foco de irradiação de livros e publicações, ameaçando
ultrapassar a tradicional Recife. Uma das provas dessa
evolução do pensamento cearense está na R E V IS T A
F IL O SÓ FIC A DO N O R D E S T E . É dirigida por grupo
de pensadores de primeira linha: Paulo Benevides, Moa-
cir Teixeira de Aguiar e José Teixeira de Freitas.

E ST U D O S DE FOLC LO RE C E A R E N S E . A I M.
P R E N S A U N I V E R S I T Á R I A no afan de divulgar
as pequeisas feitas por estudiosos na terra cearense, lançou à
publicidade E ST U D O S DE FO LC LO RE C EA REN SE, de auto-
ria do escritor cearense, pesquisador de mérito—Eduardo Campos.
É jornalista da primeira plana, dirigindo os DIÁRIOS A SSO ­
CIADOS, de Fortaleza. No meio de múltiplos afazeres tem tempo
de escrever bons estudos de folclore que o tornaram conhecido
em todo o país e no estrangeiro. É presentemente dos bons
folcloristas do Brasil.

B O L E T IM U N IV E R S ID A D E DO CEA RÁ -
Recebemos, com regularidade, o B O L E T IM U N IV E R ­
SID A D E DO CEA R Á . Através dele, comprovamos o
movimento daquela instituição, em tão boa hora confia­
da ao Magnífico Reitor Antônio Martins Filho que tanto
tem elevado o nome da terra cearense, por aí afora. É
publicação em forma de revista e de carater informativo.
ASPECTO POLÍTICO E ECONÔMICO
Francisco Givaldo Peixoto de Carvalho

Brasília é hoje uma realidade. De longa data formamos


ao lado dos que propugnavam pela interiorização da capital
federal. É sob êsse aspécto que Brasília despertou nossa atenção.
Como cidade moderna, símbolo e expressão de beleza estética,
nunca nos interessou—acreditamos que os brasileiros não sería­
mos tão levianos a ponto de construirmos uma cidade apenas,
ou sobretudo, para regalo da classe dirigente, mesmo porque,
sob êsse aspécto, o Rio de J a n e i r o atendia sobejamento ao
problema.
O que sempre defendemos, o que defenderam nossos
maiores desde a Inconfidência e em todas as Assembléias Cons­
tituintes do Império e da República, foi a interiorização da capital
federal. Apenas a Carta de 1937, na qual não colaborou a opi­
nião pública nacional, não cogitou objetivamente do problema.
Mas a idéia da interiorização, podemos afirmar, é uma idéia
autênticamente brasileira e uma idéia luminar, intuitiva do senso
de responsabilidade do nosso povo no seu desêjo de resguardar
o patrimônio territorial de que fomos legatários e de preparar
ou abrir o caminho pelo qual o Brasil possa ocupar o lugar que
lhe compete no concêrto das nações.
Para compreender-se a importância de Brasilia como
cidade farol é preciso que nos familiarizemos um pouco com a
evolução histórico-econômica do Brasil, tendo em vista a influ­
ência dos fatores geográficos. Diz o mestre Delgado de Carvalho,
um dos luminadores da ciência geográfica entre nós, que «a
geografia nada impõe, mas muito limita». Todo brasileiro devia
meditar sôbre a judicidade dessa asserção, pois o Brasil é antes
de tudo uma complexidade geográfica. Disso tinham conhecimento
os portugueses que afora as lutas que empreenderam para ex­
pulsar os invasores holandeses, franceses e em menor escala
ingleses, fustigaram bravamente os espanhoes, particularmente
no Sul, conservando intácto a unidade política da formidável
massa de terras contínuas flanquedas ao Norte pelo Amazonas
e ao Sul pelo Rio da Prata, exceção feita do bolsão do Uruguai,
transformado em Estado tampão e cuja existência, evitando atritos
118 IT A Y T E R À

entre as tendências expansionistas do Brasil e da Argentina»


trouxe a paz e a fraternidade na região platina.
Nós nunca pagaremos a Portugal o esforço que oficial­
mente despendeu na execução objetiva de sua política territorial
aqui na América do Sul. Defendendo o litoral atlântico, domi­
nando a foz do Amazonas e pressionando a embocadura do
Prata, os luso-brasileiros forjaram a unidade nacional.
A interiorização da capital federal visa consolidá-la já
que não podemos esquecer o fato de o Brasil ser ainda um país
em formação.
Ainda ontem, no auditório do Radio Educadora, ouvindo
a apologia do nordestino na palavra do Dr. Brito Conde, que
carinhosamente analisava a contribuição da nossa energia regio­
nal no arrojo da construção de Brasília, recordamos, agradeci­
dos, o esforço dos nossos maiores na preservação da unidade
política do território que habitamos. Na verdade, nenhuma fôrça
humana podería contrapor-se à capacidade de expansão da popu­
lação nordestina —os povos das regiões semi-áridas são essenci­
almente conquistadores, na história européia temos conhecidos
conquistadores, mas não povos conquistadores, exceção talvez dos
povos ibéricos—portugueses e espanhoes, povos pobres que não
tinham, internamente, como os nordestinos, condições de acomo­
dação do excesso da energia humana nacional. A expansão
inglesa e holandesa não teve as características de conquista no
sentido da busca do espaço vital, por escassês de recursos in­
ternos mas se processou como consequência do impulso centri-
pedo do nascente capitalismo europeu e se ampliou com a revo­
lução industrial. Conquistadores autênticos foram os povos ori­
ginários das estepes da Ásia central e seríamos nós, os nordes­
tinos, se por qualquer hipótese nos opuzessem barreiras ao ex-
vassamento expontâneo da energia humana regional. Donde a
importância da unidade nacional que se procura preservar com
a mudança da capital federal para o interior.
A política da interiorização da capital federal obedece
a um imperativo de ordem geográfica. Basta darmos uma olha­
dela no mapa político e demográfico da América do Sul, fruto
da complexidade topográfica continental, para ajuizarmos da me­
dida excepcional que ora se toma como o único meio de dina­
mizar a economia do Brasil num plano coerente com a nossa
condição de país continente.
A crise nacional não é apenas a resultante do desequi­
líbrio econômico reinante entre as diversas regiões geográficas
em que se divide o país, é sobretudo uma consequência imedia­
ta do desequilíbrio entre a economia litorânea e a economia me­
diterrânea. Objetivamente não temos mais do que duas regiões
IT A Y T E R A 119

econômicos — a região periférica, industrial e comercial e a re­


gião paralela interior, agro-pastoril.
A periferia econômica não é uma invenção dos brasilei­
ros sofrem-na todos os povos sulamericanos. A América do Sul
é o continente tipo de economia periférica. Não há outro exem­
plo que se lhe compare, pelo simples fato de a orografia mun­
dial não contar senão com uma Cordilheira dos Andes.
Não se espantem os senhores se afirmarmos que o sub­
desenvolvimento dos povos da América do Sul seja uma conse­
quência de pujança da Cadeia Andina. À primeira vista tal afir­
mação nos parece fora de sentido, mas não nos esqueçamos
do que disse o mestre Delgado de Carvalho—«a geografia nada
impõe, mas muito limita». A própria extensão territorial do Brasil
nos ocorre como um exemplo a apontar. Ninguém ignora que
possuímos a metade da área territorial da América do Sul e a
possuímos desde os meiados do Sec. XV III como consequência
de tratados fronteiriços entre as duas coroas ibéricas. Ora, os
limites entre os dois reinos ibéricos no território que veio a ser
o Brasil foram estabelecidos seis (6) anos antes do descobrimento
do nosso país. Porque teria a Espanha aberto mão desta imensa
área geográfica de 5 milhões de km2 para o seu pequenino
concorrente? Não nos parece difícil a resposta: a Espanha atin­
giu a América do Sul pela vertente do Pacífico. Logo deparou-se
com a barreira andina e esta embargou-lhe o passo no sentido
do Leste. A expansão espanhola se fez então no sentido dos
meridianos. Por outro lado Portugal fechou-lhe a única porta de
acesso à Amazônia pelo lado oriental ou atlântico que era a foz
do grande Rio das Amazonas. No Sul entraram em jôgo novos
fatores e a Espanha teve que fazer um esforço desesperado para
conseguir uma saida para o Atlântico. É que com a pirataria
organizada e afoita que se estabelecera nas Antilhas, ficou com­
prometida a rota do ouro e da prata que se destinava à Europa.
Além disso era crescente a pressão lusa para dominar a embo­
cadura do Prata e abrir caminho afim de associar-se aos espa-
nhoes na saque das riquezas incaicas. Obrigada a defender-se
da investida lusa, a Espanha aproveitou a oportunidade para
estabelecer nova rota para a exportação dos metais nobres para
a metrópole. Atingiu por fim os seus objetivos, mas ao concen­
trar a sua atividade na região platina abandonou aos portugue­
ses as plagas centrais do continente—Mato Grosso e Amazonas,
notadamente.
Assim, com o policiamente do litoral atlântico e dois
golpes de mão, um ao Norte e outro ao Sul, e aproveitando
ainda as faculdades geográficas da vertente atlântica ou oriental
da América do Sul, Portugal nos legou metade do continente.
220 IT A Y T E R A

Sob o. ponto de vista geopolítico as forças vivas na nação que


se formavam no Brasil tiveram um grande aliado no paredão
andino. O mesmo não podemos dizer se a encararmos sob o
ponto de visto econômico-demográfico.
Como não podia deixar de ser a atividade econômica no
Brasil colônia foi desenvolvida com a finalidade de complementar
a economia lusa, como era a regra geral entre as colônias e as
metrópoles, o que ainda hoje acontece.
Com o êxito da lavoura de cana na costa nordestina»
estimulada pela crescente procura do açúcar no mercado euro­
peu, que então, esperimentava uma melhoria no nível de vida
da população e uma revolução geral nos preços das mercadorias,
provocadas pelo ouro e prata espanholas, prodigamente derra­
mados no financiamento da custosa política imperialista do Sácro
Império Romano G e r m â n ic o, aprendemos a p r o d u z i r para
o mercado exterior e desde então não temos feito outra coisa,
numa inglória acomodação da nossa economia à economia colo­
nialista internacional. Na verdade, a exportação de matérias
primas continua a ser a base do nosso comércio exterior, como
o foi nos tempos coloniais.
Sabemos que o pau-brasil e açúcar unificaram o litoral
e que a conquista do interior foi obra no NE da expansão da
pecuária e no Centro-Sul da mineração. Enquanto a riqueza pas­
toril era elaborada sem atenção ao valor a fronteira se deslocou
para o oeste. Igualmente, ao Sul, faiscando ouro, paulistas e em-
boabas atingiram o mesmo meridiano de afastamento do litoral.
Todavia, com o desenvolvimento da economia litorânea e o cres­
cimento dos centros urbanos, particularmente a partir da Inde­
pendência, não só pela atração da côrte, como pela dinamização
da atividade política que empolgou à classe senhorial, dantes
enclausurada nas fazendas, o gado foi tangido de volta para o
mercado litorâneo e o ouro foi exportado e não atraiu riquezas
senão artigos de consumo e luxo. Quebrou-se assim o impulso
colonizador e estrangulou-se o povoamento dos sertões ociden­
tais. Desde então o excesso de mão de obra ou da energia hu­
mana rural deslocou-se em sentido contrário ao das gerações
anteriores. Não mais se falou em vanguarda colonizadora, mas
em fronteira demográfica.
Enquanto marchavamos para o oeste, havia sempre a
esperança de ser formado alguns núcleos econômicos semi-autô-
nomos, além da esfera de atração da fronteira econômica do
litoral e que seriam os embriões do mercado interno central,
cuja existência teria atenuado, pelo transbordamento de suas
riquezas para as fronteiras econômicas que se formariam ao
Norte e ao Sudoeste, o grave desequilíbrio econômico que todos
ITAYTERA 121

lamentamos em nossa Pátria.


A função de Brasília é criar êsse mercado central, de­
senvolver e dinamizar novas fronteiras econômicas, sem o que
a inteligência humana não terá, em nosso país, forças para ven­
cer as limitações de ordem geográfica que nos embargam o
progresso.
Se não existisse, poderosa, inamistosa, a Cordilheira
Andina, seriam os mercados dos diversos países limítrofes que
estabeleceríam o desejado equilíbrio, pela interpenetração e mútua
atração das diversas economias nacionais sulamericanas.
Por outro lado somos levados a agradecer a sua exis­
tência imponente. Sem ela não teria havido o fracionamento do
império colonial espanhol e lá como aqui ter-se-ia formado um,
dificilmente dois ou três países. Não gostamos sequer de ima­
ginar um tal estado de coisas.
Quem perlustrar um pouco a História do Brasil, nota-
damente quanto ao aspecto da política exterior na Colônia e no
Império, pode fazer um cálculo da calamidade que resultaria
para todos nós sulamericanos.
Não é segredo de ninguém que os lusos nos transmiti­
ram a sua desconfiança congênita que alimentavam contra os
espanhoes na Península Ibérica.
Basta a história da nossa fronteira platina para dar uma
idéia do que seria se mantivéssemos com êles uma fronteira
contínua de mais de 3 mil km2 de extensão, pois se não fôsse
os Andes êles teriam disputado a fronteira teórica das Torde-
silhas.
Assim, de relance, exteriorizamos o nosso pensamento
sôbre o palpitante problema da mudança da capital federal para
o Brasil Central, procurando frisar apenas a importância política
e econômica da questão.
Para concluirmos, afirmamos que Brasília nasce com a
responsabilidade de vencer, por um esforço e um sacrifício calcu­
lados, as limitações próprias da extensão territorial e da posição
geográfica que ocupamos na América do Sul e no Mundo.

22 de abril de 1960— Crato—Ce.


Palestra proferida no Rotary Club do Crafo, na data supra.
122 ITA Y T E R A

O IN ST IT U TO COM EM OROU A INAUGURAÇÃO


DE BRASÍLIA. No dia 21 de Abril de 1960, o Instituto Cultural
do Cariri esteve à frente de tôdas as comemorações que Crato
prestou à inauguração oficial da N O V A C A P . A zero hora
organizou salva de foguetes à Praça Siqueiras Campos. Às 20
horas, promoveu magna sessão, na Radio Educadora do Cariri,
gentilmente cedida pelo seu gerente—Snr. Pedro Gonçalves de
Norões.
A sessão foi aberta por J. Figueiredo Filho que deu a
palavra ao Prof. José Newton Alves de Sousa que saudou o
novo sócio do 1. C. C. Dr. Herminio de Brito Conde, o confe-
rencista da noite e igualmente a ser recepcionado pelos seus
consócios.
Em seguida, pronunciou êle magnífica palestra sôbre
Brasília, sob variados aspectos, demonstrando seu alto poder
descritivo e facilidade de expressão.

Cel. RAIMUNDO T E L E S PIN H EIRO—Em férias e


acompanhado da Exma. Familia, passou o mês de Dezembro,
nesta cidade, o sócio fundador do Instituto Cultural do Cariri,—
Cel. Raimundo Teles Pinheiro, ora servindo no Estado Maior
do Exército, no Rio, Estado da Guanabara. O apreciado inte­
lectual foi alvo de expressiva homenagem de seus consócios, em
sessão extraordinária, na sede do I. C. C.
Ao retornar ao Rio de lá nos enviou a bem feita revista
«A D EFESA NACIONAL, orgão do Exército, da Marinha e
da Aeronáutica, na qual escreveu o artigo, já publicado em
IT A Y T E R A —IN VASÕES FRA N CESA S E HOLANDESAS
NO BRASIL., agora acrescido de outras notas e ilustrado com
desenhos históricos.

OS M O N U M EN TOS NACIONAIS. O General J. B.


Bastos está prestando imenso serviço ao Brasil escrevendo a
história de seus monumentos. Agora mesmo lançou A FORÇA
EXPEDICIONÁRIA NO BRONSE, da série OS M ON UM EN­
T O S NACIONAIS. Estuda com minúcia e com poder descritivo
que denuncia belo estilo e cultura histórica, as homenagens
prestadas no Brasil, através de esculturas e outros monumentos,
aos bravos pracinhas que se bateram na Italia. E o livro vem
ilustrado com inúmeras fotografias. O General J. B. Bastos já
entrou em contacto com elementos da terra para colher os dados
a fim de descrever os monumentos existentes em Crato.
J. de Figueiredo F ilh o
A Radio do Vaticano, retransmitada pela Rádio
Educadora do Cariri, trouxe-nos a alvissareira noticia,
no dia 28 de Janeiro, de que, fôra escolhido terceiro
Bispo de Crato, o Exmo. Snr. D. Vicente de Araújo Ma­
tos. Ocupava o lugar de Vigário Capitular e Ecônomo
da Diocese, desde a morte do saudoso D. Francisco de
Assis Pires e fôra seu auxiliar.
A escolha não poderia ser melhor. Como Bispo
Auxiliar empreendeu e executou obra gigantesca, em
poucos anos, demonstrando que seu govêrno espiritual
será dos mais proficuos, em todos os pontos de vista.
Graças a sua iniciativa, temos, em Crato, o conjunto
arquitectonico — «CASA D E CA RID AD E» que serve
de sede a série de marcantes obras de assistência social.
Num dos edifícios funciona o Ginásio Madre Ana Cou­
to para moças pobres e noutro, a Radio Educadora do
Cariri, que por sua vez, dirige, através de departamento
competente,o círculo de escolas radiofônicas, em número de
quinhentas, devendo atingir aproximadamente à casa dos
mil, no presente ano. S. Excia. é o animador do Insti­
tuto do Ensino Superior que já mantem em funcionamento
a Faculdade de Filosofia de Crato, vinculada à Univer­
sidade do Ceará.
Sua ação benfazeja estende-se a tôda a Diocese
que percorre constantemente, em visitas pastorais, que
trazem benefícios às mais afastadas paróquias. Finalmente,
D. Vicente de Araújo Matos é batalhador infatigável que
124 ITAYTERA

não sabe estar parado e muito já tem realizado nos mais


diversos campos, pela Diocese de Crato.
Tôda a população local, principalmente a que tem
amor ao progresso, ficou satisfeita com a notícia de que
ficara êle no leme da Diocese. Sua experiência, dinamismo
e acima de tudo, amor à causa da Igreja, garantem-lhe
administração eficiente, tudo a beneficio da terra, da
Diocese em peso e da Religião.
Os frutos de sua profícua atuação e intenso apos-
tolado estão bem vivos. O terceiro Bispo de Crato não
é só promessa ou esperança apenas. Será a continuação
segura dos dois grandes antecessores — D. Quintino
Rodrigues de Oliveira e Silva e D. Francisco de Assis
Pires. A obra ciclópica que iniciou, com a Casa de Ca­
ridade e no terreno do ensino superior, tem de ser con­
tinuada, bem assim o carinho com que trata todo e qual­
quer recanto, por mais afastado de sua Diocese.
Crato não podería ter presente maior neste alvo­
recer do ano da graça de 1961.
Crato, 3 de Janeiro de 1961

PALAVRAS DE PR O T EST O E DE SAUDADE. O


Senador Fernandes Tavora é das grandes vozes do Senado,
sempre em vigília, em defesa da terra que o elegeu. Emérito
parlamentar, faz parte da linha de frente da intelectualidade
nortista. Seu espirito é perenemente moço. O Instituto Cultural
do Cariri conta nêle de seus amigos de primeira linha. Há pouco
tempo, enfeixou, em livro, três discursos monumentais, em de­
fesa dos problemas da Amazônia, que conheceu de perto, outro
do Ceará, sua terra natal, o qual representa com galhardia no
Senado, e outro político, saudando Jânio Q u a d r o s e Milton
Campos, na última campanha eleitoral. São palavras brilhantes
de um homem animado de inteligência priviligiada e do mais
puro idealismo patriótico. O opúsculo foi editado pelo DEPAR­
TA M EN TO DE IM PRENSA NACIONAL.
EM QUE PESE O ESTIGMA... ÊLES CONS­
TRUIRAM E CONSERVARAM IMPE-
RECIVEL MONUMENTO-
Cel. RAIM UN D O T E L E S PIN H EIRO

Habitual e sediço é o menosprezar-se e criticar-se acerba


e violentamente o português. Muito papel e tinta fôram gastos
para o registro de páginas e páginas com más referências aos
degredados impelidos, inicialmente, para desbravar e povoar ter­
ras virgens nos «brasis»... na África... na Ásia lendária e apete­
cida. Que representação demográfica exprimia o pequenino Por­
tugal dos séculos X V , X V I e XVII? Escassa e rarefeita popu­
lação da ordem de 1.000.000 de habitantes, na sua grande maio­
ria de campônios analfabetos e ignorantes. Que de perfeito ima­
ginar-se dêsse punhado de homens simples, estuante de rígida
fibra, evidentemente assinalada, a par de algumas virtudes e de
inúmeros defeitos inerentes ao meio e à epoca ?
Contam só as deficiências e as qualidades negativas em
presença?...
Sem considerar a inaeeitável hipótese da superioridade e
predominância de uma raça sôbre as demais, raciocinando com
justiça e sensatez, reconhecendo, embora, os inúmeros desacertos,
somos conduzidos a alinhar concêitos— que são motivo de orgulho
— e enaltecer a valorosa gente portuguêsa :
— Pela reconhecida virilidade e sôbre-humana coragem
que possibilitaram, após os aperfeiçoamentos ástro-náuticos adqui­
ridos na Escola de Sagres, singrar ignotos mares tenebrosos,
descobrir e revelar novos mundos;
— Pelo denâdo empregado na manutenção íntegra da
imensa terra de Santa Cruz, embora a capitosa cobiça dos con­
quistadores europeus, particularmente dos intrépidos navegadores
franceses, inglêses e holandeses;
— Pelo espirito de sacrificio provado e comprovado na
fixação, expansão e preservação da nova conquista, lutando, ti-
tânicamente, contra o sertão invio — povoado de sêres e elemen­
tos hostis — o alcantilado das ásperas montanhas, as águas cau-
dalosas dos rios apinhados de répteis e piranhas vorazes, pelo
domínio em suma, da natureza selvática, insalubre, agressiva,
fantástica;
326 ITA Y T E R A

— Pela humanitária generosidade nitidamente expressa


na tolerância caracteristicamente manifestada no trato e convi­
vência com os afro-índios, tidos como, e de fato possuidores de
cultura inferior — ou culturados — com os quais cruzou, embo­
ra amoral e desordenadamente, possibilitando o fraterno «melting
pot» brasileiro, e o particularíssimo e raro quadro familiar, emol­
durado pela meiga e querida figura da Mãe Preta;
— Pela cultura que sedimentou e exaltou a perenidade
do sentido humano da vida, e sublimou o espirito, como o plas­
mou o Supremo Artífice — DEU S ;
— Pela religião, a religião do CRISTO, embasada so­
lidamente na doutrina do bem, da caridade, da justiça, da verda­
de, do amor a DEUS e ao próximo, sem distinção de côr e con­
dição social, nivelando a todos nas suas aspirações e nos seus
direitos;
— Pela lengua, essa doce lingua que eternizou os Lusí­
adas e propiciou o evidente milagre da compreensão, do enten­
dimento e da unidade demo-sócio-política dessa imensidão geo­
gráfica, de contrastes chocantes, configurada pelo grande «cora­
ção» limitado pelos paralelos, do marco que grimpa a serra de
Caboraí e da curva sul do Chui, e os meridianos de Pontas de
Pedras (no Cabo Branco) e do marco da serra de Contamana.
O consenso universal, nos tempos hodiernos, repõe no
apropriado e justo lugar êsses tão malsinados degredados, com
a contribuição dos quais, no metabolismo violento de ações re­
prováveis e atos peregrinos, os diminutos gigantes e portugueses
de antanho criaram e nos legaram êste mundo — o BRASIL...
marco-padrão do «gênio da raça»... «Talente de bien faire», como
repitira frequentemente o magnífico Infante D. Henrique.
Bendita e s t i r p e dos NUNO, dos HENRIQUE, dos
JOÃO II, dos GAMA, PEDRO ÁLVARES, A LBU QUERQUE,
SO UZA , SÁ, NÓBREGA, ANCHIETA... e dêsses degredados
muita vez por «crimes» de amor ou maledicência, — afora os
patriarcas JOÃO RAMALHO e CARAMURU, os demais jesuí­
tas, capuchinhos, dominicanos, salesianos — que lhes eternizaram
a monumental obra, na fabulosa extensão ecumênica das águas
e margens opostas do Atlântico — Sul e do Índico!...

Rto 24 de Junho de 1960

dei. QaimumLo. 7.eie& (J.ünkeím


IT A Y T E R A 127

1. Gongreééo de Jom aliétaó do Jnteríor


Sob o Patrocínio do Instituto Cultural do Cariri
13 a I5 de janeiro de 1961
Program a que foi executado fielm ente
Dia 13-— Às 14 horas — Sessão preparatória, no Giná­
sio Madre Ana Couto — Distribuição de cre­
denciais.
Às 16 horas — Inauguração da exposição de
fotografias, jornais e pinturas regionais, na Bi­
blioteca da Faculdade de Filosofia do Crato
e a cargo do Sr. Edilson Rocha.
Às 20 horas — Sessão solene de instalação
oficial do*l.° Congresso de Jornalistas do Interior
do Ceará, no auditório da Rádio Educadora
do Cariri.
Dia 14 — 8 horas — Primeira sessão plenária, no Giná­
sio Madre Ana Couto.
13 horas — Segunda sessão plenária, no Giná­
sio Madre Ana Couto.
21 — horas Baile no Crato Tenis Clube.
Dia 15— 8 horas — Passeio a Juazeiro e Barbalha.
14 horas — Terceira sessão plenária, no Giná­
sio Madre Ana Couto.
20 horas — S e s s ã o solene de encerramen­
to — Leitura das conclusões; conferência do
professor Alcântara Nogueira; lançamento dos
«Cadernos do Cariri»; Representação folclórica;
Concerto da Banda Municipal. Local: auditó­
rio da Rádio Educadora do Cariri.

PÁPI JÚNIOR — Carlyle Martins, dos bons poetas e


cronistas literários cearenses, ofertou-nos a sua plaqueta, editada
pela Imprensa Oficial e sob o título «PÁPI JUNIOR» (O Ho­
mem e o romancista). É o discurso que fêz na Casa de Juvenal
Galeno, a 20 de Novembro de 1959, comemorando o centenário
do grande vulto da literatura luso-brasileira.
128 IT A Y T E R A

DESPERTANDO
Vinha vindo,
Marchando a esmo,
Alheio a mim mesmo,
O coração enfermo, as dores não mais sentindo,
Ao destino indiferente,
O espírito em letargia,
De tudo já descrente,
.— Quando, uma alma nobre e santa,
Vendo-me que sofria,
Estendeu-me o seu manto de bondade,
E, com a pureza de um olhar que encanta,
E um riso sem maldade,
Fez-me crer — que Deus existia 1
Que devia viver e sonhar !
Desde então,
Da letargia despertando,
Com a alma vibrando,
Passei a viver sonhando...
Com a alma de ilusão a transbordar !
JOÃO DANTAS (Monteiro)
Campina Grande, 19/IX/1959

CRÔNICAS ALEGRES. É livro de crônicas, cheias de


sadio humorismo que nos encanta do começo ao fim. Faz bem
ao espirito e à inteligência e é leitura propícia para a gente au­
sentar-se momentaneamente deste mundo repleto de tragédias e
de mil dissabores. Não há quem resista a ler sozinho a crônica
do jaez de CONFUSÃO TELEG RÁ FICA ou outras, sem chamar
alguém para participar da alegria espontânea que provoca. É o-
bra que exerce autêntica profilaxia no espírito contra as preocu­
pações múltiplas da hora presente.

G ÊN ESE DA CIDADE DE IGUATU. É a síntese his­


tórica, escrita com o critério de pesquisador e em linguagem a-
gradável, pelo nosso consócio Padre Francisco de Assis Couto.
É o complemento de seu opúsculo, que saiu em ITA YTERA
foi tirado em separata — PARÓQUIA DE IGUATU. Padre
Couto faz parte deste núcleo do Instituto Cultural do Cariri que
está dando novos rumos à cultura do sul do Ceará. G ÊN ESE DA
CIDADE DE IGUATU foi prefaciado em substancioso trabalho
pelo Dr. Meton Vieira, causídico naquela próspera localidade.
O NORDESTE E O
ORIENTE MEDIO
I M P R E S S Õ E S DE V I A G E M
H erm ín io CONDE

S u m á rio : - a) Impressões gerais


de viagem do ponto de vista social e
humano; usos, costumes e contrastes
dos paises visitados (Espanha, Itália,
Israel e Irã); b) Impressões do ponto
de vista oftalmológico geral; c) Im­
pressões do ponto de vista do traco-
ma, centro de interesse da viagem,
visando à elucidação de aspectos con­
trovertidos da endemia; d) Conclusões;
estudo comparativo com a índole e
as realidades do Brasil; sugestões.
V iajar é av an çar no futuro, e, em certos casos, recuar,
conforme veremos no decurso dêste relato. Depois de havermos
representado o nosso país, desde 1927, em numerosos certames
científicos nas Américas do Sul e do Norte, e na Europa, cou­
be-nos missão idêntica, no Congresso Médico do Irã, realizado
de 1—7 outubro de 1960, com a assistência de 400 técnicos, e
presidido pelo Ministro da Saúde e pelo Reitor da Universidade
de Teerã. O nosso tema «Doenças oculares transmitidas ao
homem pelos animais,» lido na sessão de 3 de outubro, integrou-
se como parte do tema geral do concilio «Doenças transmitidas
ao homem pelos animais». O objeto do certame reflete o esforço
do moderno Irã na sua marcha para a industrialização.
Está provado que a terra é o reservatório máximo dos
agentes patógenos e os animais que a frenquetam e convivem
com o homem, transmitem a êstes graves enfermidades. Ao revés,
também está provado que a Máquina, cortando os élos da trans­
130 IT A Y T E R A

missão, produz, por outro lado, a angústia e as doenças dege­


nerativas...
Do ponto de vista oftalmológico nada menos de trinta
doenças oculares são transmitidas ao homem pelos animais, a
começar pela mais séria, antiga e disseminada no mundo—o
tracoma. Numerosos casos—direta ou indiretamente—sobretudo
no Nordeste brasileiro e no Oriente Médio, se transmitem por
intermédio d’uma pequena môsca, identificada pelo Instituto
Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, do gênero hipelates.
Até então, no decurso de mais de trinta anos, haviamcs
percorrido as «áreas de conforto» do mundo ocidental, ameni­
zadas pelas facilidades turísticas- Agora, deveriamos infletir para
as duras zonas desérticas do sub-desenvolvimento.
A chefia d’um serviço oficial de pesquisas oftalmológicas
no Nordeste, há mais de três lustros, de longa data nos havia
atraido a atenção para êsses dois paises, renasceníes de antigas
civilizações—Israel e Irã. Muito temos a observar e a aprender
no intercâmbio com os povos que apresentam aspectos sociais e
humanos de sub-desenvolvimento, portanto similares aos de dois
terços, pelo menos, da nossa população localizada no interior.
Ao nosso vêr, apresentavam profundas analogias geo-
econômicas e nosológicas—sobretudo no dominio da oftalmologia
tropical com a região nordestina, na qual trabalhamos (e da qual
somos filho, com aquêle afeto redobrado, diretamente propor­
cional aos padecimentos do berço natal), Esta é a nossa primeira
afinidade intelectual com o sábio e patriota Prof. CHAM S, de
Teerã. Tornou-se um dos tracolomologistas da primeira linha do
nosso tempo, no afã de aliviar os sofrimentos oculares do seu
povo, há vinte e einco séculos flagelado pela endemia do tra­
coma.
São óbvias as dificuldades de quem pretende, numa só
viagem, percorrer mais de um país do Oriente Médio, nos
intranquilos tempos modernos. E todas nascem da suspeita ini­
cial da possibilidade de se achar o viajante a serviço de uma
das duas concepções de vida, em inconciliável litígio, no nosso
tempo. Seria imperdoável mutilação silenciar aqui e ali, ao longo
dêste trabalho, aspectos sociais ou políticos, direta ou indireta­
mente vinculados aos problemas da prevenção da cegueira, A
higiene ocular é matéria de salvação pública. Através dos olhos
são adquiridos 87% dos nossos conhecimentos. Nenhum chefe
militar poderia garantir a segurança nacional com um exército
de tracomatosos.
O esquema dêste trabalho, numa imparcial síntese crítica,
jamais omitirá aspectos importantes da vida de qualquer dos
povos visitados, com reflexos favoráveis ou nocivos à higiene
ÍT A Y T E R A 131

ocular, pelo receio da mã interpretação politica ou religiosa. F i­


zemos uma viagem de bôa vontade, desinteressada e de estudos.
Visitamos quatro povos em vigorosa e construtiva fase de recu­
peração. Todos, ligados, como o Brasil, ao chamado bloco oci­
d en ta l Observaremos, entretanto, como ocorre no nosso país,
que êsse vínculo político está longe de se traduzir, na prática,
e graças a Deus, em submissão passiva de um a outro povo,
no caso, de qualquer dêles aos E. Unidos.
Iniciamos a nossa jornada pela meca da Oftalmologia
contemporânea, a cidade de Barcelona. Lá o gênio hespanhol se
expressa através do contraste das escolas cirúrgicas de ARRU-
GA e BARRA Q U ER. Como é sabido, a diversidade inicial de
uma e da outra, se manifesta na preferência sistemática da se­
gunda pela anestesia geral em cirurgia oftalmológica. Em Nova
York, na clínica CA STROV1EJO já havíamos observado a
prioridade absoluta pela anestesia geral, mesmo nos casos de
pequena cirurgia ocular. No final dêste trabalho apresentamos
a sugestão, baseada na antiga advertência de FU CH S, relativa
ã necessidade de um organismo internacional «centralizador das
estatísticas, coordenador das normas e da racionalização das
técnicas e métodos de tratamento oftalmológicos».
O progresso da Oftalmologia seria acelerado. Novos
institutos, por exemplo, se o aceitassem, obedeceríam a tipos de
padronização racional. Êsse programa podería ser encetado sob
o patrocínio da O. M. S., incluindo o intercâmbio de técnicos de
umas clínicas a estagiarem em outras.
Visitamos as duas famosas clínicas privadas de Barcelona
logo à nossa chegada. Diversas em tudo, desde a arquitetura
ao espírito que as dirige. É estimado em um milhão de dólares
o custo de cada uma, equipada. ARRUGA, já conhecido no
Brasil, r e n o v a d o r da cirurgia ocular brasileira, ou melhor,
latino-americana, durante os anos de exilio da luta civil espa­
nhola e através de visitas posteriores. O mesmo homem de in­
vulgar sapiência e operosidade. Essencialmente prático, testou a
aparelhagem que conduzíamos para o Irã e louvou-a em docu­
mento que nos sensibilizou. A importância dêsse depoimento e
a significação do que êle expressa como estímulo a uma con­
tribuição brasileira à profilaxia do tracoma, nós as destacaremos
adiante, na parte relativa à surpreendente clínica do Prof.CHAMS,
de Teerã.
Continuemos, pois em Barcelona, a linda capital da
Catalunha, onde o homem, como o queria o filósofo, ainda é a
medida de todas as coisas. Referimo-nos, está claro, à cidade,
como acolhedor centro urbano de avançada civilização. Porque,
ao volver à o f t a l m o l o g i a , ao visitarmos a clinica BARRA-
132 ITA Y T E R A

Q U ER — particularmente o seu espetacular Centro Cirúrgico—


penetramos na irrealidade. Não é fácil descrevê-lo. Imaginai a
n acele—a parte dianteira, o nariz de um avião de grande porte-
pousada num salão retangular de 5 x 6 metros, com os tripu­
lantes, sentados de costas para a assistência, operando os olhos
do paciente, sob anestesia geral. Duas câmaras de televisão'
acompanham, no recinto e no exterior da nacele, a marcha da
intervenção que é, simultaneamente, explicada em espanhol e em
inglês. No exterior, onde se renovam oito a dez oculistas estran­
geiros por dia, a penumbra, a música em surdina, o ar condi­
cionado, aliviam a tensão do espectador. As cataratas, sob zonu-
lose, extraem-se à ventosa, na m a n o t o n i a duma rotina sem
acidentes.
No pavimento inferior, no sub-solo da clínica, há ver­
dadeira central elétrica manipulada por mecânicos-eletricistas.
São os responsáveis pelo exato atendimento da complexidade de
comandos dirigidos pela equipe cirúrgica, através do complicado
painel de instrumentos da nacele. É a eletricidade na mais opu'
lenta e ostensiva demonstração da sua aplicabilidade à medicina.
A «deusa eletricidade» alí produz som e luz em gradações va­
riadas; calor e cauterização médica, nas intensidades correspon­
dentes aos comandos acionados. Requer habilitação prática, e,
necessàriamente teórica. É preciso ver-se o virtuosismo técnico
daquela maravilhosa equipe, para imaginar-se as perspectivas de
adaptação da mente humana ao progresso tecnológico. (Veio-nos
à idéia a utilidade da ampliação ou maior ênfase ao capítulo
«eletricidade» nas cátedras de Biofísica das Faculdades de Me­
dicina. (Em oculistica, há o tracoma, o desprendimento da retina,
etc.) Em 1932, já a ante-visão de ABREU —FIALHO (pai) fez
instalar, no seu serviço universitário, e ao nosso cargo, um ga­
binete de «fisioterapia oftalmológica» (médica e cirúrgica), imitado
a seguir pela Universidade de Buenos Aires. Hoje, na Univer­
sidade de Upsala (Suécia) sem craneotomia, com a pilha atômica,
se opéram com êxito, tumores cerebrais... Talvez venha a ser a
palavra final na fisioterapia do tracoma.
Certamente vacilaríamos, em aceitar quanto se faz no
atraente centro cirúrgico BARRAQUER. Imaginam muitos dos
que o têm visitado que 80% daquelas atividades podem ser
imitadas, e 20% são pura e galharda ousadia. De qualquer modo,
se o fa to í>olitico no mundo moderno não superasse quase total­
mente o fa to cientifico, absorvendo os recursos financeiros das
nações, seria o caso de tentar reproduzir aquele prodígio da
imaginação hispânica, e, ao cabo de razoável observação medir-
lhe os resultados. Nenhum oculista, ao menos atravéz de filmes,
poderá ignorar as clínicas espanholas.
IT A Y T E R A 133

O primeiro retrocesso em relação ao Brasil, observâmo-


lo na própria clínica Barraquer e nos balcões do comércio de
óptica da cidade: a participação de optometrisfas na prescrição
de lentes, interdita na legislação brasileira, desde 1934. Ora, da
Espanha partira, em 1933, o «movimento saneador» da Óptica,
sancionado pelo nosso país no ano posterior (decreto 24.492,
de 28/6/34), seguido da Argentina em 1936. Parecia confirmar-
se, assim, a suspeita de que forças ocultas dificultam a elabora­
ção de leis (nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e
na Alemanha) visando a situar o Óptico apenas na posição,
aliás honrosa, de «farmacêutico dos vidros», conforme o Concilio
Internacional de Oftalmologia de Madrid. Esta última cidade já
a conheciamos. A Catalunha nos surpreendeu pela impressão de
ordem, operosidade e senso prático da população. O povo baila,
como num ritual, as sardanas na vida pública, em horário de­
sencontrado dos hábitos brasileiros. Seguramente, é das poucas
regiões do globo onde ainda se pode comprar alguma coisa com
o nosso dinheiro... Daí por diante, em qualquer direção mesmo
no deserto, penetramos na área proibitiva do dolar.
A Itália também já a conheciamos, desde o Ano Santo
de 1950, e agora apresentava Roma regorgitante do movimento
das Olimpiadas de 1960. A diferença, para melhor, é notória,
em progresso material. Infelizmente, desencontramo-nos do Prof.
BÍET T I, que tão bem estudou a ação da toxina do bacilo de
Weeks na penetração do virus do tracoma na mucosa ocular.
A interdição da nossa aparelhagem na alfândega (construída por
oficiais de elite da nossa engenharia militar) talvez devida à
possível semelhança com transmissores de telegrafia sem fio, e,
também, a aproximação da data do Congresso do Irã e o desejo
de observar, quanto possível, a recuperação de Israel, fizeram-
nos alçar, novameníe, o vôo a jato, agora diretamente de Roma,
em quatro horas, às praias de Tel-Aviv. Não é esta viva cida­
de, a capital de Israel (oficialmente acha-se a capital situada na
zona hebraica de Jerusalém, a 70 quilômetros de estrada pavi­
mentada, e a 800 metros de altitude). Por tôda parte, vestígios
das lutas da independência em 1948.
Pràticamente havíamos lido quanto nos caíra sob os
olhos relativo a Israel. A curiosidade agora podería fartar-se.
A imagem similar do Nordeste, flagelado pelas sêcas do último
decênio (1953 e 1958) e a que assistíramos pessoalmente, torna­
vam-nos insofrido indagador, curioso, de tudo vêr e saber. Há
muito de Fortaleza em Tel-Aviv: o movimento, a luminosidade,
o vozerio...
Em Israel, até agora, há prioridade para as obras de
engenharia básica, realmente impressionantes. Muito lucrariam
134 ITA Y T E R A

os programas brasileiros de engenharia do Nordeste, enviando


técnicos em visita ao Estado de Israel, até porque, lá e aqui, se
está observando encaminhamento diverso na solução de problema
idêntico; isto, em áreas geográficamente semelhantes. A enge­
nharia captou a água em Israel, e a têm à disposição, em adu­
toras de vinte polegadas, longas de quinhentos quilômetros. Há
depósitos, à curta distância entre si. Os resultados são notórios,
na irn g a ç ã '> e na higiene. Percorremos as adutoras, exteriori-
zadas, à beira da estrada, de norte ao sul do país, do lago
Genezareth a Sodoma, no Mar Morto. Aqui, no Mar Morto,
observamos o desesperado esforço da engenharia israelense na
extração dos fertilizantes de potássio, entretanto abundantes nas
opulentas jazidas de Macau, no Rio Grande do Norte. Estas
associadas ãs de fosfom ta de Olinda, fariam renascer em poucos
anos, a região realmente semi-árida do polígono das sêcas e que
gravita para o deserto no nosso país: o sertão de Pernambuco
e zonas contíguas dos Estados do Ceará, Piauí, Bahia Alagoas,
e Paraíba. Aí se registra o mínimo pluviométrico de 300 a 500
milímetros anuais, que corresponde ao máximo do Oriente Médio.
A destomfiressâo demográfica consecutiva, do super-povoado e
super-endêmico vale do Cariri, foco originário do tracoma do
Nordeste, podería ser obtida, a exemplo de Israel, com adutoras
a partir do sertão pernambucano, ao longo do eixo da Rodovia
Central de Pernambuco (BR). A estrada já existe e os fertilizan­
tes (os melhores do mundo) se acham próximos, no litoral nor­
destino, abundantes e ã mão. Da «entrada do sertão» ao litoral,
na chamada «zona da mata», a estrada é pavimentada, obra
intensificada há poucos anos. Resta, apenas, a continuidade
administrativa do programa.
O que interessa à Medicina, no combate às doenças
transmissíveis, particularmente as dos olhos é a água captada
corrente, a qualquer hora. Isto o logrou a engenharia israelense
e é a sua mais instrutiva mensagem nestes 12 anos de nação
independente.
D E V E-SE CONCLUIR QU E, DO PON TO DE V IS­
TA MÉDICO, S O B R E T U D O OFTALMOLÓGICO, NÃO
CONSULTA AOS NOSSOS IN TE R E SSES SANITÁRIOS, A
SITUAÇÃO ATUAL DAS OBRAS DE ENGENHARIA QUE
SE FA ZEM CONTRA OS E F E I T O S DAS SÊCAS NO
N O R D ESTE BRASILEIRO. Precisaríamos juntar aos açudes,
do Nordeste as adutoras de Israel: solução mixta...
Israel caminha para a extinção do tracoma, em parte
devido à distribuição racional'da água, mesmo no deserto.
IT AY T ERA 135

A água, nos países tropicais suaviza os efeitos da ex­


cessiva luminosidade nos olhos. TOULAN T observou na Algé-
ria, durante muitos anos, o mesmo que ELLIOT na índia: «O
ultra-violeta solar, filtrado pela atmosféra é absorvido pela cór-
nia, que reage como a pele, por alterações epiteliais. O endotélio
corniano a p r e s e n t a edema, constante* (TOULANT, d'Alger,
Ophtalmologie des pays ckauds, página 615). O depoimento de
ELLIOT é decisivo: «Só os que exerceram a Oftalmologia nos
trópicos, durante muitos anos, podem fazer uma idéia do
número considerável de casos de cegueira que poderiam ter sido
evitados ou curados. É uma sombra sobre o bem estar, a saúde
e, mesmo, a boa utilização de milhões de seres humanos».
Vê-se que em Israel a Engenharia associou-se à Me­
dicina—preventiva na manutenção do homem em estado hígido.
No Brasil, segundo o relatório do Banco do Nordeste, dos dez
e meio bilhões de cruzeiros despendidos no combate aos efeitos
da sêca de 1958, apenas 0,34% se aplicaram em atividades de
assistência social• Não é possível maior desprezo ao elemento
humano... Daí as inevitáveis implicações na incontrolável migra­
ção interna e consecutivo abandono do campo.
A contribuição de Israel para a planificação regional
dos paises tropicais, é, do ponto de vista oftalmológico, brilhan­
tíssima e pioneira. Isto, do ponto de vista geral, porque, no que
tange à mais grave endemia ocular—o traccm a—o fator água
em parte declinou de importância, após a cura definitiva dos
doentes por intermédio dos agentes físicos da eletrocoagulação.
(Esclareçamos, em tempo, que o êxodo de cêrca de um milhão
de árabes, em grande parte tracomatosos, em seguida à criação
do Estado de Israel, muito contribuiu para apressar o quadro
lisonjeiro, atual, lá existente, com referência às doenças trans­
missíveis dos olhos).
Dizíamos que o fator água baixou de interesse do ponto
de vista particular do tracoma, como o veremos adiante na parte
relativa ao Irã. Antes, ainda, outra pincelada no quadro geral
das doenças oculares nos trópicos: é questão pacífica que se
apresentam diversamente nos climas temperados ou nos quentes.
Assumem, nessas regiões excepcional virulência, cujas
causas começam a ser resumidas no binômio: radiação solar e
escassêz d ’água: problemas de solução a longo prazo...
Ora, se desejamos sériamente planificar a civilização no
Nordeste brasileiro, no tocante à Medicina, e dentro desta em
função do mais importante dos orgãos—o aparêlho visual—as
soluções aí estão nos exemplos apresentados pelo Estado de
Israel e pelo Irã. O prim eiro com as quilométricas adutoras de
água, a fixar populações ao longo das estradas, no caso brasi-
336 IT A Y T E R A

leiro, a terem justificada prioridade as do «sertão pernambucano»,


e zonas contíguas, a região de condições mais próximas das do
Oriente Médio, localizada no centro do Polígono das Sêcas;
o próprio Cariri cearense, mesmo na sua parte nuclear, poderia
se beneficiar com essas adutoras; segunde, pela casuística im­
pressionante da clínica CHAMS, de Teerã —trezentos mil tra-
comatosos recuperados em trinta anos, pelo método de eletro-
coagulação, de efeito equivalente ao duma imunização. Isto, foi
igualmente comprovado no Nordeste brasileiro (Crato, Juazeiro
do Norte, etc) e consta do «Plano Gradativo de Profilaxia do
Tracoma do Cariri», 1959, edição do D. N. E. Rurais.
De Isr a el ao Irã, o poderoso avião a jato da BOAC
saido à meia-noite, gastou seis horas, o dôbro do necessário
descrevendo imenso circulo em tôrno do mundo árabe, cujo
espaço aéreo é interdido às aeronaves de procedência israelense.
Em Teerã, grande e modernizada cidade de mais de um milhão
de habitantes e de largas avenidas, cercada de majestosas mon­
tanhas despidas de vegetação, além do clima sêco, impressio­
nou-nos, de saída, um dos maiores e mais bem equipados ins­
titutos de oftalmologia do mundo: a clínica do Prof. CHAMS.
Educado na França, serviu ao Exército, como diretor do Serviço
Oftalmológico, durante três anos. A clínica, sediada em amplos
pavilhões de três pavimentos custou dois milhões de dólares,
incluindo o equipamento moderníssimo; especialmente construída,
com a área de doze mil metros quadrados, atende a severa dis­
ciplina e racionalização dos serviços. Nestes se distribuem seis
chefes e trinta assistentes, inclusive os estagiários militares e os
médicos do curso especializado (de prostgraduação de três anos.
Há vinte oculistas efetivos. As enfermarias contam 200 leitos,
dos quais um décimo destinado às querotoplastias, excelentes;
há 1.500 consultantes diários (um terço de tracomatosos). Na
capital i r a n i a n a registram-se cêrca de 2.700 casos novos de
tracoma mensalmente, inclusive os procedentes do interior.
Problema grave, a justificar a localização prioritária do
serviço de eletrocoagulação ao lado do próprio gabinete do cate-
drático, Prof. CHAMS. Pela aparelhagem, volume de trabalho
documentação e pesquizas de alto nivel constitui completo insti­
tuto de virologia do tracoma. O número de eletrocoagulações,
diàriamente é considerável.
Tal como ocorreu a N A TA F em Tunis, não pôde o
Prof. CHAMS, até agora, preocupar-se com o aspecto, ao nosso
vêr, fundamental, da padronização do instrumental diatérmico,
de modo a obter resultados constantes e, sobretudo, acessíveis,
sem riscos para os principiantes na técnica da eletrocoagulação
IT A Y T E R A 137

ocular. Certamente, provém daí o insucesso registrado em 5%


dos casos no Irã, quando no Brasil as nossas estatísticas limi­
tam-se apenas a 1%, ainda assim em tracomatosos portadores
de outras alterações.
A surpreza e o contentamento do Prof. CHAMS ao
operar com o nosso instrumental foram grandes e sinceros, do­
cumentando a sua satisfação, como já o fizera ARRUGA, em
Barcelona, em honroso louvor à contribuição brasileira (fig).
Na Clínica CHAMS, nos últimos 27, anos, entrou na
rotina do «trabalho experimental», comparativo dos resultados
dos várias métodos terapêuticos (através de agentes físicos ou
químicos) a inoculação em cegos, conforme o caso, de retalhos
de tarso, retirados sob a pele ou de epitélio, antes e depois do
tratamento. A documentação é convincente (fig).
Comprovamos que o nosso país está na liderança técnica
da luta contra o tracoma. Esclarecemos: I o) usamos, sem exclu-
sivismos, todos os métodos terapêuticos aconselhados pela boa
técnica; 2o) entre êstes se destaca o da eletrocoagulação ocular,
através de aparelhagem especial de fabricação brasileira, que
surpreendeu pelo ineditismo e eficácia a sumidade do porte de
Arruga na Espanha, e Prof. CHAMS, no Irã. Ambos afirmaram
a sua admiração em honrosos documentos exibidos na Univer­
sidade do Brasil e na Associação Médica do Instituto Penido
Burnier. «Presenciei a aplicação e comprovei a sua utilidade no
tratamento ambulatório do tracoma»—diz o primeiro: «Apraz-me
afirmar que a aparelhagem especial de eletrocoagulação (brasi­
leira) funcionou muito bem no nosso serviço, com grande êxito,
no tratamento do tracoma»—declarou o Prof. CHAMS. Nesta
Clínica observamos melhor coagulação e, portanto, cicatrização,
com a aparelhagem brasileira.
A importância desses depoimentos consagram três decê­
nios de perseverantes investigações em milhares de tracomatosos
residentes no Nordeste brasileiro. No fóco originário do Vale
do Cariri, há quatro anos sob a nossa orientação, como é sabido,
vários colegas do Departamento Nacional de Endemias Rurais
sediados no Crato e Juàzeiro do Norte, vêm comprovando as
vantagens indiscutíveis dêsse moderno e eficiente método tera­
pêutico (fig.)
As razões da liderança técnica atingida pelo nosso país
residem: Io) aparelhagem original, desconhecida no estrangeiro
e fabricada pela nossa engenharia militar da Praia Vermelha;
2o) eficácia dessa aparelhagem, tanto na zona urbana como,
sobretudo, nas áreas rurais. Trata-se, como vemos, de impor­
tante contribuição brasileira à solução de grave problema de
âmbito mundial: há 400 milhões de tracomatosos a serem bene­
Í38 ITA Y T E R A

ficiados pela técnica brasileira. O Brasil e o Irã acham-se na


vanguarda da luta contra o tracoma. Apenas o sábio Prof.
CH A M S até agora não havia conseguido a padronização da
aparelhagem. Utiliza aparelhos de várias procedências: franceses,
alemães e norte-americanos. O instrumental brasileiro apresenta
a vantagem inicial de haver sido rigorosamente construído aten­
dendo à finalidade exclusiva da cauíerização palpebral. Como é
sabido o tracoma é devido a um virus que se localiza incerna-
namente na palpebra superior. Foi sempre atribuída, a sua difu­
são, às precárias condições de higiene individuais. Ora, a ob­
servação feita no Vale do Cariri é que uma vez efetuada a cura
(com uma só aplicação em cada ôlho), não há reinfecção. Podem
persistir as anteriores condições desfavoráveis de higiene: as
vias de acesso do virus foram obturadas pela eletricidade. A
intervenção é indolor e, incluindo a anestesia, tem a duração
média de três minutos. Do ponto de vista econômico, o per-ca-
p ita do custo dêsse método é seis vezes menos elevado do que
o da ingestão de comprimidos químicos, cada ano.
A endemia, predominante no interior, particularmente
entre os trabalhadores agrícolas, quase não existe no litoral
brasileiro. Foi trazida para o Nordeste pelos ciganos, nos tempos
coloniais; a imigração estrangeira, muito depois, a trouxe para
as regiões cafeeiras, de onde se está propagando para o sul de
Mato Grosso e Goiás. Caracteriza-se, inicialmente, por um discreto
prurido nos olhos. Aliás, 80% dos tracomatosos, como é sabido
ignoram a existência do tracoma em si próprios, daí a necessi­
dade de inquéritos epidemiológicos para o levantamento da carta
da incidência da endemia. Nêsse particular, 82 tracomólogos, per­
correndo 400 municípios das áreas suspeitas, levantaram a carta
brasileira* já impressa e divulgada no Congresso do Irã. Com-
pendia o esforço contínuo de 17 anos de árduo combate ao
flagelo em 15 Estados da federação brasileira. Quatro livros
foram editados e numerosas monografias.
Os prejuízos originados da endemia, de ordem indivi­
dual e coletiva no Brasil, são os seguintes: Io) pessoalmente
afasta o trabalhador, em semanas intervaladas da sua atividade,
2o) em casos excepcionais, de computo abandono, pode produzir
a cegueira até proporção de cêrca de 20% em vilas, a exemplo
do distrito de Araticum no município de Ubajara, no E . Ceará;
3o) coletivamente, o prejuizo anua], do ponto de vista econômico;
motivado pela ausência ao trabalho agrícola, é estimada acima
de dois bilhões de cruzeiros cada ano. É, pois, um autêntico
flagelo mundial. A êle o Brasil paga pesado tributo, e, agora,
apresenta os resultados das suas pesquisas bem orientadas.
Os próprios Estados Unidos contam, atualmente, 50,000
ITAYTER A 139

tracomatosos no Vale de Tenessee. A cooperação da Igreja no


Nordeste, particularmente a Diocese do Crato, tem sido tão valiosa
quanto a do Instituto Militar de Engenharia da Praia Vermelha,
que fizeram situar, através da execução do Departamento Na­
cional de Endemias Rurais, o nosso país na liderança técnica da
luta mundial contra o tracoma.
No mundo maometano, a partir de Dakar, espraiando-se
pelo norte da África até a índia (com exceção dos hebreus de
Israel) há o preceito religioso, tradicional, que obriga a lavagem
do rosto e dos olhos dos fiéis num depósito coletivo d’agua, à
entrada das mesquitas. Isto, em todo o desenvolvimento da linha
horizontal dos trópicos, onde há escassez dágua...A consequência
é previsivel, e reclama a qualquer custo, se possivel, a terapêu­
tica radical, imediata do tracoma, em dóse única (eletrocoagulação
ocular).
Êste é o aspecto fundamental que deve absorver a aten­
ção da Comissão de Peritos de T r a c o m a da Organização
Mundial de Saúde.
Os idiomas estrangeiros predominantes, nas classes cultas
do Irã e de Israel são, respectivamente, o francês e o inglês.
Nota pitorêsca e interessante, na diversidade do calen­
dário rehgio<o dos paises visitados é que o turista, interessado
em trazer lembranças para os familiares, pode-se defrontar nesta
situação embaraçarosa, ao volver de paises situados, uns dos
outros a poucas horas de avião: comércio fechado no Irã, S e x ­
ta fe ir a , dia feriado semanal no mundo muçulmano; idem, no dia
seguinte, sábado, em Israel; e o mesmo, ainda no domingo, na
Itália, na Espanha ou em Portugal, nações católicas; os tradicio­
nais preceitos religiosos, diferentes, interferindo na vida civil,
cerram as atividades comerciais em dias subsequentes...

C O N C LU SÕ ES
1 — A contribuição da Oftalmologia na planificação dos paises
tropicais é importante; há, nesses paises, a endemia do tracoma,
atingindo quatrocentos milhões de pessoas;
2 — Considerando o avanço tecnológico da Oftalmologia nos
tempos modernos, e, também a diversidade de escolas e métodos
de tratamento do tracoma e outras doenças transmissíveis dos
olhos, é da maior conveniência que a Organização M u n dial áe
S aú d e estude, como primeira etapa, a possibilidade do financia­
mento do intercâmbio científico, consubstanciado no estágio
recíproco de assistentes com formação oftalmológica completa ou
chefes de serviço, de umas em outras clínicas oftalmológicas,
situadas nas zonas inter-tropicais;
140 IT A Y T E R A

3 — A segunda etapa, quando o permitirem os recursos finan­


ceiros da O■M. S-, será o «arrendamento» dum ou mais pavilhões
destinados a pesquisas oftalmológicas, também situados em paises
de forte incidência do tracoma e localizados em zona inter-
tropical;
4 — É recomendável, nas regiões áridas ou semi-áridas dos
paises tropicais, a adução dágua, segundo o modêlo atual do
Estado de Israel visando, entre outros propósitos, ao interesse
sanitário geral e, em particular, à profilaxia das doenças trans­
missíveis dos olhos;
5 — Entre os principais fatores geográficos adjuvantes das en-
demias oculares no Brasil figuram: a) sêcas periódicas no Nor­
deste, condicionando escassez dágua; b) «terra rôxa» das regiões
cafeeiras, em cuja composição figura elevado teor de agressivos
químicos da mucosa ocular; c) radiação solar intensa, caracte­
rística dos paises tropicais.

HISTORIA DA FACULDADE DE DIREITO DO


CEARÁ. Raimundo Girão, com seu estilo ameno, aliado à alma
inata de pesquisador, tem feito bem enorme à historia cearense,
revivendo o seu passado. Ocupa êle lugar de destaque no pre­
sente movimento intelectual que se processa em terras alencari-
nas. Agora mesmo, através da Imprensa Universitária, acaba de
lançar a Historia da Faculdade de Direito do Ceará. Traz à lume
a sua existência, tão cheia de benefícios à cultura, desde os seus
primordios até agora, com dados precisos e bebidos em fontes
puras. Reviveu assim episódios ligados a uma instituição que é
dos maiores patrimônios da inteligência cearense e ponto de par­
tida do movimento Universitário que nos coloca em posição avan-
tajada, no seio das outras unidades federativas.

EXÉQ U IA S PELA ALMA DE D. FRA N CISCO. A


Diocese de Crato, na manhã do dia 10 de Fevereiro, na Sé
Catedral, mandou celebrar Missa de Requien e Exéquias Sole­
nes pela passagem do primeiro aniversário de morte do segundo
Bispo de Crato D. Francisco de Assis Pires, falecido na mesma
data, em 1960. O comércio só abriu as suas portas, após o tocante
ato religioso, ao qual compareceram autoridades civis, eclesiás­
ticas e militares. A multidão na Sé foi avultada, prova da esti­
ma que D. Francisco desfrutava no meio. O Instituto Cultural do
Cariri fez-se representar pelo seu secretário geral João Lindem-
berg de Aquino.
m u B A f í
OUIXADÁ FE LIC IO
Com estas mal-traçadas, «Itaytera» homenagêia
um confrade aqui da taba, que a morte tragou outro
dia. E eu présto homenagem a uma saudade do meu
coração.
Era Aquiles Arraes. Antes tinha Antonio, que
era mais um A só para coleção de documentos. Fui seu
garçon. Numa pensão que meu pai montou, numa épo­
ca de crise comercial, uma fortuna inteira perdida em
algodão e mamona, da noite pro dia, como se acabam
as fortunas deste C e a r á de muita sêca ou de muita
água. Era na Rua Barão do Rio Branco, um sobrado
perto dos «Diários», onde a alma de um padre aparecia
ensinando o endereço de uma botija. Minha Mãe era
a cozinheira de 50 bôcas. E dava na vassoura, coita-
dinha, lavava escarradeiras, que eram péças do úso de
toda casa de respeito. Lavava coisas piores do que isso.
Era uma mártir. Mas, hoje está com 73, bonitona, faria
paixões se não fosse a serenidade natural, parece uma
tentadora balzac de 40, os filhos aposentaram as mãos
que as panelas queimaram. O rapaz estava chegando
do Crato, onde fizéra um estagio de 4 ou 5 anos, que
era a etapa obrigatória de todo o sujeito talentoso nas­
cido em Campos Sales, ou noutra cidadezinha aqui das
beiradas. No Crato, quase imberbe, fez jornalismo. Fun­
dou um semanario, onde fez valentias, até o dia em que
um boçal de farda da Policia queria obrigar o rapaz a
engulir a folha. E ainda ameaçou o escriba de mais
fêias ameaças. O rapaz arrumou as málas, tomou o trem.
Deve ter sido aí pelo a n o de 1927. Em Fortaleza,
Aquiles Arraes passou a trabalhar no comercio. E me­
teu-se na redação de um jornal. Se bem me lembro, co­
142 ÍTA Y T E R A

meçou na Gazeta de Noticias, do Drumond, onde


o clima era bom pra descompor o governo. Quando bo­
tei a mala no porão de Loide, Aquiles ficou dando duro.
Passei um mundo de tempo sem saber dêle. Depois,
avístei-o duas o tres vezes. Sempre uns instantes ligei­
ros. Me dizia que estava na lúta. E a cachaça? Eu per­
guntava pelo jornalismo. Ele ria, tinha o mesmo riso
assim de quem inchava os olhos para rir: b e b e n d o
sempre...
Nunca o vi em uisques no Ideal. Nem de smo­
king, no Náutico. De casaca, na posse de algum gover­
nador. Sempre o vi com as mesmas roupas. Roupas de
suór desenhado nas espaduas. De sapato que caixeiro
pobre calça. Chegou ao fim sem louros. E sem tostão.
Lutando sempre. A batalha desigual que Deus não
esquece de dar aos homens de vergonha, aos homens
de inteligência.
Ano passado, umas linhazinhas, quatro ou cinco,
numa pagina que os anúncios populares tão bem sabem
esconder, li que ele havia morrido. Em Campos Sales,
onde foi entregar ao umbigo o resto do corpo. Eu nem
sabia que ele estava doente, na sua terra de Campos
Sales. Se realmente pressentiu a morte, desejou acabar
onde começara. Até hoje não sei. Não apareceu um jornal
pra dizer como foi que Aquiles Arraes mudou-se
deste pro melhor. Se a morte aportou de-mansinho, com
xunxadas doedeiras. Se, de-vez, generosa, só com a dôr
de um minuto,
Fui seu garçon. Não me esquecia que a sobre­
mesa que ele queria, todo o dia, era um taco de dôce.
E uma banana prata ao lado. Aqui estou no meu posto.
Com uma alteração só. Na minha bandeja, não trago,
agora, os pratinhos miúdos com arroz, com um ovo es­
trelado, com feijão, com um bife. Minha bandêja não
está mórna do pirão que minha Mãe tão amestradamente
mexia. Não tem cheiro de comida. Está fria a minha
bandêja. E tem odores do céu. Só flores viçozas, mo­
lhadas de saudades, minha bandêja traz...
-—POEMAS —
Çadé Oíeuít&n A iaed de Sauda
I

O SENHOR MORTO
(Tema de uma sexta-feira-da-paixão)
Sexta-Feira-Santa. Passa o Senhor Morto.
Pelas ruas claras, passa o Senhor Morto.
Vai nos ombros curvos dos senhores graves.
Vai nos olhos fundos das mãezinhas doces.
Passam passos calmos, passam passos leves,
Criancinhas tristes quase o chão não tocam.
Passa o Senhor Morto, pelas ruas claras.
Sexta-Feira-Santa. Tarde endolorida,
de almas volitantes, corações sangrando,
mãos em concha, orando, faces em silêncio.
Passa o Senhor Morto, pelas ruas claras.
Pobre Mãe aflita, vai atrás Maria,
coração à amostra, lágrimas de sangue,
rôxo véu pendido, mãos enregeladas,
pobre Mãe aflita, vai atrás Maria.
Sexta-Feira-Santa. Passa o Senhor Morto
Meu Senhor da Angústia, meu Senhor do Esquife,
dá-me a luz bendita dos Teus Olhos baços,
dá-me o fôgo vivo de Tuas Mãos geladas,
dá-me a sinfonia dos Teus olhos mudos.
Virgem Dolorosa, Mãe do Senhor Morto,
leva-me ao Calvário, onde o céu se abriu,
leva-me ao Sepulcro, donde a vida exsurge,
põe sôbre os meus olhos os Teus Olhos tristes.
Mãe do Senhor Morto, Virgem Dolorosa,
mata-me de amor.
144__________________I T A Y T E ' R A

II
P E S C A R I A

Vela alvíssima no mar...


Sôbre a face reflexiva,
desenha-se o pescador.
Silêncio mole das águas :
A linha esquiva do anzol,
E na tremura suave
da superfície inconsútil,
o indicativo impalpável
do submarino mistério.
Lá longe, alveja o poema
de alguma praia despida,
O sol é rei nas alturas.
E tudo é paz, tudo é vida.

III
S A V E I R O S

Por sôbre o mar, ao longe, êles apontam.


Da fluência dos rios cantadores,
êles partiram, prenhes e empinados.
Quanto sol no rebôjo do velame!
Quanta espuma nas trilhas soluçantes !
A manhã, como um fruto amadurado,
entrega-se-lhes, clara e apetecente.
E, à tardinha, eis que surgem a dançar
filhos das águas, filhos das ondas, filhos do mar..,
Que vem nêles e quem lhes dá o norte ?
Que fundo olhar pervaga pelas ondas,
ou ressonda o cordão dos belos montes ?
Saúdo-vos, saveiros benfazejos,
que as cidades mantendes em fartura,
sendo luz para os olhos sonhadores.
I TA Y T E R A 145

IV
NOTURNO PENINSULAR

Bate, lento, o mar, na praia.


Luz, no céu, macia, a íuz.
Corta o vento, fino e frio.
Cai a noite sôbre a rua.
Dormem barcos fatigados.
Peixinhos brincam nas águas.
Os flamboyants, pensativos,
esgalham-se em flor e mágoas.

E as luzes tremeluzentes
alongando-se, alongadas?
— São luzes de Plataforma, ( 1)
são luzes sacrifificadas.
Passam, remando em surdina,
barquinhos de pescadores.
— Jogai as rêdes a jeito,
Pescai os peixes em flor,
Meu coração vai às ondas.
Meu coração vai ao mar.
Meu coração adormece
em noite peninsular...

V
S Ã O J O Ã O

 noite é fria, o mar escuro.


— Quantos balões há no céu?
— Quantos balões há no mar?
Ribombam bombas,
traquinam traqes,
choram chuvinhas,
lucilam lágrimas.

(1) Plataforma ou Almeida Brandão — Suburbio bahiano, frente a Itapagipe.


146 1TAYTERA

Felicidades derramadas pelos olhos,


alegria é fogueteira no São João.
Alegria não suporta estar fechada.
Alegria vai ás ruas soltar fogos,
e é riso e é luz e ê som e é fogo.

E os balões enchem o céu:


E os balões enchem o mar.
Pelas mesas, a fartura brasileira.
E os balões sobem.
E os balões queimam,
pelo espaço
pelo ar,
clareando a noite,
clareando o mar...

LAN ÇAD O S O S «CA D ERN O S DO CARIRI»

Durante a Sessão Magna de encerramento do primeiro


Congresso de Jornalistas do Interior Cearense, na Radio Educa­
dora, foram lançadas solenemente a coleção de livros «Cadernos
do Cariri». Usou da palavra, naquela ocasião, o conhecido e a-
preciado homem de imprensa—Dr. Quixadá Felicio. O primeiro
livro a abrir a série, ê de autoria do Prof. José Newton Alves
de Sousa e foi editado artisticamente pela Tipografia e Papelaria
Cariri, de Crato, com o titulo: «Novos Poemas de Beira-Mar.»
São bonitas e emotivas poesias modernistas, sob a inspiração do
mar, na tradicional e sugestiva Salvador.
Cadernos do Cariri é iniciativa da direção da Faculdade
de Filosofia de Crato e do Instituto Cultural do Cariri e abran-
je assuntos vários, a cargo de «autores caririenses de nascimen­
to ou de coração». Os seguintes intelectuais firmarão os próxi­
mos «Cadernos», em ordem variável: Quixadá Felicio, Herminio
de Brito Conde, J. de Figueiredo Filho, Monsenhor Silvano Sou­
sa e Francisco S. Nascimento.
Trata-se de feliz iniciativa que, cada vez mais coloca
a cidade de C r a t o, em lugar de vanguarda, na interlândia
nordestina.
0 Sentimento Nativista e
a Independência
Jurandy Tem óteo
Foi logo após a vitória obtida pelos colonos—quase so­
zinhos—sobre os holandeses, que começou a despertar em nosso
país, o sentimento nativista. Fatos outros contribuiram, grande­
mente, para aumentá-lo ainda mais. De grande importância foi
igualmente a creseníe urbanização da vida colonial, sobretudo
após as descobertas das minas, para onde acorreu grande núme­
ro de forasteiros que, sequiosos de ganho fácil e rápido, aglo­
meravam-se em tôrno das jazidas formando vilas e cidades, sen­
do consequentemente obrigados a contactos mais constantes, uns
com os outros.
Os primeiros movimentos nativistas não tinham o real
sentido de independêcia. Existia, no entanto, qualquer coisa di­
ferente de Portugal, qualquer coisa mais íntima, mais próxima.
Com o correr dos anos e dos acontecimentos, houve vá­
rios movimentos, destacando-se entre êles: A guerra dos Masca­
tes, a dos Emboabas, a revolta de Felipe dos Santos em 1720
e a «Inconfidência Mineira.»
Em Pernambuco deflagou-se a revolução de 1817, com
a adesão de várias províncias do Nordeste, inclusive a do Ceará,
representada pela cidade de Crato e Jardim, tendo mesmo o
diacono José Martiniano de Alencar, lido eloquente discurso, por
ocasião da missa dominical, a 3 de maio.
Nêste movimento já se f a l a v a claramente em Inde­
pendência.
A consciência nacional já estava portanto difinitivamente
formada; o Brasil marchava, embora a passos lentos, para a sua
emancipação. Com o bloqueio Continental feito por Napoleão con­
tra a Inglaterra e seus aliados, e na iminência de ser Portugal
invadido pelo exercito francês, partiu para o Brasil a família
real e, aqui chegando, graças à intervenção do Visconde de
Cairú, foram abertos os portos nacionais, para o comercio, com
as nações do globo.
O Brasil tomou novos impulsos; fundou-se a Imprensa
148 ITAYTERA

Régia, apareceu a Gazeta do Rio de Janeiro, criaram-se cursos


de medicina e cirurgia, a biblioteca, o Museu Nacional, o Banco
do Brasil, o Jardim Botânico, etc.
O Rio de Janeiro ficou sendo a sede do governo, me­
lhorando grandemente com o abastecimento de água, iluminação
e calçamento.
A exportação cresceu enormemente; o Brasil progredia
em ritmo acelerado; de simples colônia passou a ser, a partir de
16 de Dezembro de 1815, R e i n o U n i d o ao de Portugal e
Algarves.
Foi o primeiro passo decisivo para nossa libertação !
D. João V I cria que em breve o Brasil tornar-se-ia livre
do domínio português. Era êle realmente o grande amigo do
Brasil e dos brasileiros. Seus feitos o provam mais que as palavras.
Quando partiu do Brasil para Portugal, recomendou, pou­
co antes de embarcar, ao seu filho; Pedro, se o Brasil se sepa­
rar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para
alguns dêsses aventureiros.
D. Pedro seguiu à risca as ordens de seu pai, pois a
7 de Setembro de 1822 às margens do Ipiranga, depois de vários
acontecimentos tumultuosos, foi proclamada a Independência do
Brasil.
Hoje, decorridos 138 anos daquele feito memorável, sen­
timos como que, uma fagulha de eletricidade em nossas almas
envolvendo-nos sentimento de admiração e respeito pelos que
souberam fazer do Brasil uma nação livre, de um passado glo­
rioso e,—tudo indica—de um futuro brilhante perante o mundo.'

ARRECAD AÇÃO ESTADUAL DE CRA TO

Total da arrecadação estadual em C r a t o, em 1959:


,Cr$ 31.614,753,50
Total da arrecadação estadual em C r a t o, em 1960:
. Cr$ 54.605,541,00
Aumento da renda de um ano para outro:
Cr$ 22.990.787,50.
A renda de 1961 deverá se aproximar da casa dos 65
milhões.
Só Parangaba (cancela, entrada de Fortaleza) é que tem,
no interior, renda estadual maior do que o CRATO.
IT A Y T E R A 149

P A D R E A N T O N IO V IE IR A E S C R E V E U M
L IV R O . O Cronista do «O P O V O » — Pe. Antônio
V ieira, vigário do Icó e dos mais apreciados jornalistas
cearenses, do presente, está escrevendo livro sôbre o
companheiro inseparável do rurícola nordestino — o ju­
mento. A fim de fazer obra, a mais completa possível,
dirigiu carta-circular a diversas pessoas e entidades cul­
turais do Ceará, pedindo dados ligados ao importante
assunto que escolheu. Fazemos apelo aos leitores de
I T A Y T E R A para que dêem a sua cooperação ao es­
critor Padre Antonio V ieira, contando-lhe algum fato,
ligado ao jerico nordestino.

3o Convívio Universitário, vendo-se o Pe, Anto­


nio Gomes de Araújo, V ice-Presidente do I.C .C . a pre­
sidí-lo. O Prof. Júlio M acedo a fazer conferência em

francês, sôbre Paul


Claudel e o diretor
da Faculdade de
Filosofia de Crato,
Prof. José Newton
Alves de Sousa. O s
A
convívios, organi-
* a
zados na Biblioteca

da Faculdade de Filosofia de Crato, muito elevam o


nível cultural do meio.

CRATENSE SE DESTACA NA MARINHA


Registramos, com satisfação, a expressiva vitoria obtida
na Marinha brasileira, no inicio de sua carreira de oficial, pelo
jovem cratense Gilberto Alves Rangel, filho do Snr. Francisco
Rangel e esposa residentes em nossa cidade. Gilberto, no ano
passado, conquistou o primeiro lugar em sua turma, recebendo
espadim na Escola Naval, entrando, assim, galhardamente, na
oficialidade da Armada Brasileira.
150 ITA Y T E R A

jornada FsiiBi
Luiz Sampson
Na cidade dura e estéril
inútil interrogar-me,
que agora é tarde para recompor
angústias e alegrias de ontem
e a verdadeira paisagem
consumiu-se para sempre.
Impõe-se a obrigação de perder
a noção de coisas e sêres antigos.
A memória morrerá com os sentimentos
e ignorarei árvores, bois,
canaviais, rios e terra.
Separem-se os dois mundos (dois pelo menos)
que todos conduzimos no peito e na carne.
Agora é seguir, como se tudo o que me cerca
fôsse um convívio dileto.
A cara (algumas rugas) soltará seu riso,
não muito claro, mas convincente.
Embora pesadas, as pernas me levarão
não importa aonde.
Decerto pensarão
que eu guio um destino certo
e penetro caminhos ricos e insuspeitados.
Enxugo o suor da testa e vou seguindo,
como se a vida estivesse à minha espera.
Adeus, sêres e coisas de antigamente!
A partir de hoje é proibido recordar.
Caminho, e sou um homem falso, triste e só
sôbre o asfalto.

Socio Correspondente do ICC eleito Presidente da


Academia Cearense de Letras
Foi eleito e empossado Presidente da Academia Cearen­
se de Letras o ilustre intelectual, sócio correspondente do Insti­
tuto Cultural do Cariri, Dr. Renato Braga, Vice Reitor da Uni­
versidade do Ceará. Figura das mais importantes dos círculos
culturais do Estado, escritor de nomeada, sua eleição foi rece­
bida entre apláusos por todo o Ceará. O Dr. Renato Braga virá
ao Crato, brevemente, a convite do ICC, para pronunciar con­
ferência.
fl U H IV E R S ID flD E Q BE
MI1IS CRESCE NO BRASIL
F. S. Nascimento
No desfile de abertura dos III Jogos Universitários dês-
te ano, os seus participantes ostentaram, em grande manchete,
o dístico: «A Universidade que mais cresce no Brasil». Efetiva­
mente, ninguém poderá negar o expressivo avanço da Universi­
dade do Ceará nos mais diferentes setores da educação, da
ciência e da tecnologia, isso apenas dentro de um período de
pouco mais de 5 anos. Instalada oficialmente em 25 de julho de
1955, a nossa Universidade partiu da estaca zero, em matéria
de organização universitária, para transformar-se nessa instituição
de conceito nacional, admirada por quantos vêem de perto o
alcance da sua obra renovadora.
Nota-se, a essa altura, que se encontra generalizado,
Brasil afora, a opinião de que a Universidade do Ceará vem
cumprindo, realmente, uma política educacional da mais alta
significação, cujos resultados começam a observar-se, não so­
mente no processo de evolução cultural do nosso povo, como
sobretudo no trabalho que se avulta e cresce, dentro do seu
organismo, tendente à recuperação econômica do território cea­
rense, e até mesmo do Nordeste.
Opiniões confirmadoras
Por ocasião de sua visita à Fortaleza, o escritor Umber-
to Peregrino, ex-diretor da Biblioteca do Exército, teve então as
seguintes palavras de admiração, pelo que se realiza no seio da
nossa entidade universitária: «Na verdade é impressionante o
que se faz no ambiente da Universidade do Ceará, além do
ensino de rotina nas suas unidades escolares, a que o Magnífico
Reitor procura dar instalações sempre melhores e mais condi­
zentes com as peculiaridades de cada uma». E, continuando as
suas observações, disse ainda o autor de «3 Mulheres»: «Permi­
to-me assinalar, num relance, os trabalhos de pesquisas que se
Í52' ITAYTER A

desenvolvem nos Institutos de Química e Tecnologia, de Mate­


mática, de Tecnologia Rural, de Medicina Preventiva e, sob a
orientação do sábio Prof. Thomas Pompeu Sobrinho, no Insti­
tuto de Antropologia, ao qual foi incorporada a biblioteca do-
Prof. Artur Ramos e a sua valiosa coleção de peças folclóricas».
Mais recentemente, o grande jurista e sociólogo Joaquim
Pimenta reafirmou aquela impressão do romancista Umberto
Peregrino, escrevendo no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro:
«Não queremos estabelecer paralelos entre a Universidade do
Ceará e as demais existentes no país, algumas em Estados mais
economicamente ricos ou industrialmente desenvolvidos; mas quem
conhece de perto o que ali se vem realizando ( ...), não hesitará
em dizer, como eu afirmo, que ela é um exemplo de trabalho
dinâmico, heróico, construtivo, e um modelo a servir de padrão
nessa jornada tão cheia de tropeços, que é a de dotar o Brasil
de uma cultura universitária capaz de o situar dentro da área
de civilização das grandes nações, nêste tão desigual e borras-
«roso século XX».

A atuação da Universidade em 1960


O plano de atividades da Universidade do Ceará para
êsse ano de 1960, constitui, sem dúvida, um passo decisivo para
a vida universitária cearense. Sem quebrar a necessária conti­
nuidade do seu programa de aparelhamento material, demonstrou
a Universidade o seu empenho em concentrar a maior parte das
suas possibilidades, na promoção de iniciativas notadamente de
órdem pedagógica, científica, artística e cultural, com vistas
únicamente ao desenvolvimento da área geográfica do Ceará e
do Nordeste.
Do esquema de trabalho a que se propôs cumprir a
Universidade do Ceará, no decorrer de 1960, vale ressaltar aqui
os seguintes empreendimentos: realização do lí Seminário Anual
dos Professores, como medida inicial para o estabelecimento de
um plano a longo prazo das atividades da Universidade; criação
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em cuja estrutura
se pretende atribuir o necessário relêvo aos cursos de ciências;
instituição de prêmios científicos, visando a fomentar estudos e
pesquisas originais; intensificação do programa editorial da Im­
prensa Universitária; instituição e funcionamento do Instituto de
Pesquisas Econômicas, afora inúmeras outras realizações, também
de apreciável vulto, que se encontram em andamento no seio
da nossa Universidade.
IT A Y T E R A 153

Á finalidade do lí Seminário
O II Seminário Anual dos Professores universitários,
realizado êste ano, teve a finalidade precípua de elaborar e dis­
cutir um plano de trabalho para as atividades universitárias,
dentro do período de 1961 a 1966, tendo surgido das discussões
em tôrno dêsse planejamento novas diretrizes para a Universi­
dade do Ceará, tendentes a disciplinarem todas as suas realiza­
ções, em proveito de suas unidades escolares, seus departamentos
e Institutos.
A redação final do documento que encerra todos os
aspectos básicos do planejamanto para seis anos, ou do plano
sexenal, demonstra, em todas as suas linhas, a importância da
sua elaboração, constituindo-se então o vade-mecuvi para todos

Flagrante da instalação solene da Faculdade de F ilo so lia do Crato, quando


falava o P ro f. Jurandy Lo di, representante do M inistro da Educação e
Cultura. Ladeando o orador, vê-se o M agnífico Reitor Antônio M artins
Filh o e outras expressivas figuras presentes ao ato.

os empreendimentos da Universidade do Ceará, no espaço de


1961 a 1966. Por isso, ao ratificar a consubstanciação dêsse
planejamento, o Magnífico Reitor Martins Filho simplesmente
confirmou a impressão atualmente generalizada, de que «de ago­
ra em diante, onde quer que se trabalhe na Universidade, o
agente dêsse t r a b a l h o não estará apenas r e p e t i n d o
154 IT A Y T E R A

uma rotina incômoda, porque estará sobretudo criando algo de


novo e de seu; e como todos são a Universidade do Ceará,
estará êle, em última análise, contribuindo concientemente para
recriar constantemente a sua Universidade».
Objetivos do Plano Sexenal
Dentre os objetivos do plano de seis anos, podem-se
destacar, logo à primeira vista, trabalhos do mais elevado alcan­
ce educacional, a serem realizados pela Universidade do Ceará,
tais como a formação de pelo menos 3.300 novos profissionais;
elevação da qualidade do ensino de formação; aumento e corre­
ção da matrícula geral, de modo a ser alcançado no ano de
1966 um mínimo de 6.500 inscrições; implantação e desenvolvi­
mento progressivo da pesquisa científica, acentuadamente tecno­
lógica; irradiação das atividades universitárias a setores cada vez
mais amplos das populações do Estado e, subsidiàriamente, do
Polígono das Sêcas, afora inúmeras outras medidas tendentes a
solucionar, gradativamente, os problemas de vida e de trabalho
desta extensa área geográfica do Nordeste brasileiro.
Iniciativas da Universidade
Às iniciativas da Universidade do Ceará, a serem cum­
pridas no período de 1961-1966, chegam a atingir o expressivo
número de 97 itens, sendo dignas de notas, nêste passo, as se­
guintes providências: criação e instalação da Rádio Universidade
do Ceará, funcionamento da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras, instalação final da Imprensa Universitária, criação do
Teatro Universitário e da Orquestra Sinfônica da Universidade,
criação e funcionamento do Museu de Arte, que terá a finali­
dade de prestigiar e preservar o patrimônio artístico do nosso
povo e, finalmente, para mais não citar, tenciona a Universidade
constituir um grupo de trabalho, a ser integrado por represen­
tantes de todos os órgãos que se dedicam a pesquisas sociais,
com a missão específica de unificar essas pesquisas no âmbito
da Universidade e, se possível, do Estado.
Penetração da Universidade no Interior
Uma das tendências mais louváveis da política adotada
pela Universidade do Ceará é a que diz respeito à sua penetra­
ção rumo ao interior, que vem comprovar a positivação do seu
slogan: — o universal pelo regional. A instalação da Faculdade
de Filosofia do Crato, ocorrida a 15 de maio dêste ano, e o seu
interesse de ampliar a cadeia do ensino superior em nossa inter-
lândia, é uma prova cabal da marcante atuação da nossa insti­
tuição universitária, em todos os setores da nossa vida educa­
cional.
IT A Y T E R A 155

Graças a êsse espírito de pioneirismo da Universidade


do Ceará, outras escolas superiores surgirão, em breve, no in­
terior cearense, podendo citar a Faculdade de Filosofia D. José,
em Sobral, a Faculdade de Ciências Econômicas do Crato e
também a Faculdade de Odontologia desta mesma cidade, que
embora venha dependendo dos esforços de uma sociedade cons­
tituída de homens do Cariri, da Universidade tem partido a me­
lhor da boa vontade, a fim de que seja realizado o sonho dos
odontólogos caririenses.
Atividades culturais e artísticas
Outra preocupação da Universidade do Ceará tem con­
sistido no incremento às nossas atividades culturais e artísticas,
como fator de grande importância na aculturação do nosso povo.
Nêsse sentido, tem a nossa instituição universitária patrocinado
diversas exposições de arte, e trazido ao nosso meio conferen-
cistas ilustres, artistas consagrados, grupos teatrais e famosos
conjuntos, a exemplo do Coral da Universidade de Howard.
Exposição de Sérvulo Esmeraldo
Sob os auspícios da Universidade do Ceará, foi realiza­
da, êste ano, uma exposição de pinturas e gravuras de Sérvulo
Esmeraldo, jovem artista caririense que atualmente reside em
Paris. Essa amostra constituiu se, então, um verdadeiro aconte­
cimento artístico na capital cearense, tendo acorrido ao local
inúmeros artistas da terra, professores, jornalistas, críticos e a-
dmiradores da arte pictórica. Na oportunidade, o Vice-Reitor
Renato Braga fez elogiosas referências ao já consagrado pintor
caririense Sérvulo Esmeraldo, ressaltando sobretudo a importân­
cia da escola seguida por êsse jovem artista, que tanta honra
tem carreado para o seu Estado natal.
Conferências de Koellreutter
No decorrer d ê s t e ano de 1960, a Universidade do
Ceará procurou intensificar as visitas, à capital cearense, de
grandes conferencistas nacionais e estrangeiros, no sentido ofe­
recer ao nosso povo e, de modo especial, aos professores e es­
tudantes universitários excelentes e proveitosos contactos com
aqueles que conhecem, mais de perto, a realidade cultural e ar­
tística dos nossos dias. A curta permanência do Prof. H. J.
Koellreutter em Fortaleza teve, por isso, uma significação uma
mensagem artística, tendo as suas conferências agradado plena­
mente a quantos se interessam pela arte musical, no Ceará,
156 IT A Y T E R A

Outros Conferencistas
Levando muito além o seu plano cultural dêste ano, a
Universidade do Cearã procurou trazer à Fortaleza outros con­
ferencistas, dêles até de renome internacional, sendo dignos de
destaque os seguintes : Prof. Renzo Piccinini, do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, do Conselho Nacional de Pesqui­
sas; Dr, José Smith Braz, Diretor do Serviço de Economia Rural,
do Ministério da Agricultura; Jean Binon, Conselheiro Cultural
da Embaixada Francêsa no Brasil; Philippe Greffet, Secretário
Geral das Associações de Cultura Francêsa do Brasil; Herman
Goergen, deputado federal alemão; Marechal Juarez Távora,
Djacir Menezes e, por último, Jean Paul Sartre, cognominado
de «papa do existencialismo».
Curso de Arte Dramática
Preocupada com o ensino artístico em nosso meio, a
Universidade do Ceará instalou, êste ano, o seu curso de Arte
Dramática, em combinação com a Campanha Nacional do Tea­
tro, do Ministério da Educação e Cultura. Destinado não somen­
te aos estudantes universitários, como a todos aqueles que se
interessam pela arte teatral, referido Curso vem obedecendo à
orientação do teatrólogo B. de Paiva, que já deu sobejas amos­
tras do seu talento, oferecendo ao nosso público, em tempo re­
corde, apresentações como o «Auto da Compadecida», de Aria­
no Suassuna, e «Boa Noite... Dr. Schweitzer», afora a sua par­
ticipação em «Esquina Perigosa», peça levada à cena pelo Tea­
tro Escola do Ceará.
Panorama Geral
Num plano geral, a Universidade do Ceará tem demons­
trado ser uma das mais dinâmicas entidades públicas com ação
no território cearense, sendo responsável pela nova fase que
atravessamos, notadamente nos setores do ensino pedagógico, da
ciência, da tecnologia, da arte e da cultura em seu mais amplo
sentido. Por outro lado, o seu plano de obras vale como um
testemunho eloquente dêsse femenômeno de renovação, pois é
nêsse âmbito da nossa instituição universitária que vamos encon­
trar realizações como o Hospital das Clínicas, a Concha Acús­
tica e Auditório Martins Filho, o imponente edifício anexo à
Faculdade de Direito, as recentes edificações levadas a cabo na
Escola de Agronomia e, em fase de construção, o Gymnasium
Universitário, a séde definitiva da Imprensa Universitária, afora
inúmeras outras obras em andamento no seio da Universidade.
Ressalte-se, todavia, o espírito de luta e de trabalho do
ITAYTERA 157

Magnífico Reitor Antônio Martins Filho, a quem devemos a


formação dêsse clima de remoçamento e pioneirismo, que se es­
tende interior a dentro, graças a aplicação de uma política de
expansão regional sem precedentes na história do ensino uni­
versitário brasileiro. E é justamente pelo vulto das realizações
que se nos deparam, em todas as unidades universitárias cea­
renses, que sentimos o valor da obra que vem realizando o
Prof. Antônio Martins Filho, no decurso de apenas cinco anos,
daí porque julgamos imprescindivel a sua presença, ainda nestes
próximos anos, à frente dos altos destinos da Universidade do
Ceará.

TROVAS
J O S É A L V ES D E F IG U E IR E D O
Quando os teus olhos não vejo,
Quando me fogem teus olhos,
Minha alegria se oculta
Na tristeza, nos refolhos.
A tua face é corada
Quase passando à vermelha,
Parece rubra papoula
Exposta aos beijos da abelha,
O riso meigo que esboça
O lábio teu de coral,
Tem certo quê que dá vida
Tem certo fluido letal.
Quando sorrindo tu fazes
Duas covinhas no rosto,
Por não enchê-las de beijos
Fico a morrer de desgosto.
Esse perfume que exala
A negra trança que tens,
É mais suave que o cheiro
De cravos, lirios, cecens.
A tua cutis mimosa
De aveludado sutil,
Tem o corado da rosa
Aberta em manhã de Abril.
158 ITA Y T E R A

ATIVIDADES DA FACULDADE DE FILO-


SO FiA DQ CRATO
I o Semestre:
Ju n h o —
11 — Recepção a S. Excia. Rvma. Dom Vicente de Araújo^
Matos, dd. Vigário Capitular e Presidente do Insti­
tuto de Ensino Superior do Cariri.
Ju lh o —
l í — Inauguração da Biblioteca: Oradores: Prof. José
Nevvton Alves de Sousa, abrindo a sessão: Maria
Neyde Esmeraldo Barreto, pelo Corpo discente; Prof.
Dr. Francisco Givaldo Peixoto de Carvalho, pela
Congregação; Dom Vicente de Araújo Matos, que
presidiu e encerrou a solenidade.
15,16 e 17—Conferência do Revmo. Pe. Alberto de Figuei­
redo Silva, Diretor da Faculdade de Ciências Eco­
nômicas da Universidade Católica de Pernambuco,
respectivamente sôbre HU M A N ISM O , G RA FO LO -
GIA e FA M ÍLIA .
24 — Abertura da exposição de pintura de José Fernandes.
27 - CO N FER ÊN C IA S
a) — Prof. Alfonso Trujillo —da Fundação Escola
de Sociologia de S. Paulo, sôbre IM PLICA ­
ÇÕ ES C IE N T ÍF IC A S NA P ESQ U ISA SO ­
CIAL.
b) — Prof. Aurelius Morgner, Diretor da Escola de
Pos-Graduados da Universidade de S. Paulo,
sôbre A SP E C T O S DO D E SE N V O L V IM E N ­
T O ECO N Ô M ICO .
A gosto—
1° de agosto—- I o Convívio Universitário—Apresenta­
ção de Rubén Dario— Profa. Maria dos Remédios
de Moura Leal.
22 — Festa Folclórica
22 — Ia Prova Parcial
Setem bro—
2 — Início do 2° Semestre letivo.
3 — 2o Convívio Universitário—Apresentação de Agosti­
nho Gemelli—Prof. Pe. Gino Moratelli, S.D .B.
7 e 8 — Conferências do Rvmo. Pe. Francisco Luz:
a) A Bíblia
IT A Y T E R A 159

b) Origem do mundo e da humanidade segundo a


Bíblia.
25 a 30 — Semana da Bíblia
Outubro—
8 — 3o C o n v í v i o Universitário—Apresentação de Paul
Claudel— Prof. Júlio Macêdo Costa.
Novembro—
7 a 9 - Curso de INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DA
PERSONALIDADE—ministrado pelo Prof. Pe. Pedro
Esmeraldo de Melo, S. J., Diretor da Faculdade de
Direito da Universidade Católica de Pernambuco.
22 — 4° Convívio Universitário—Apresentação de Edith
Stein— Prof. Pe. Francisco Xavier Nierhoff, M.S.F.
Dezembro
Io— Início da 2a Prova Parcial.
12—Curso de Matemática, de Físicas e Ciências, ministra­
dos pelo Rvmo. Pe. José Nogueira Machado, Profes­
sor da Escola de Engenharia da Universidade de Pe.
Curso de Filologia Portuguesa e Cultura Religiosa,
ministrados pelo Rvmo. Pe. Annibal de Melo, Pro­
fessor da Faculdade de Filosofia da Universidade
Católica de Pernambuco.
14 — Conferência—Pe. José Nogueira Machado sôbre
ASTRONÁUTICA E PROBLEMAS CORRELA-
TO S.
16 — Exames finais.
22 — Festa de Encerramento do ano letivo.

RONDÓ — Livrinho de trovas singelas que encantam


a alma da gente, de autoria de Augusta Campos, uma poetiza
que tem sentimento espontâneo. Vale a pena a gente conhecer,
ao menos, algumas de suas quadrinhas:
Esperar em vão é triste,
causa mágoa, faz chorar.
Maior tristeza consiste
em nunca, nunca esperar.
Lágrima—expressão sublime
da febre que não se acalma,
da mágoa que não se exprime,
da dor que se esconde na alma.
160 ÍT A Y T E R A

O Q U E O MARIDO ESPERA DA E SP O S A -O p ú s-
culo escrito pelo Prof. José Newton Alves de Sousa e editado
pela IM PREN SA LO RETO, de Salvador. Está prefaciado tam­
bém por outra pena brilhante e autoridade em assuntos de famí­
lia—Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira. O Autor faz estudo
sucinto dos deveres matrimoniais, em linguagem agradável, com
seu estilo simples e empolgante e todo bebido à luz da doutrina
segura da Igreja. Apesar dos conceitos sérios emitidos e dignos
de reflexão do leitor, seu estilo é poético, por demais ameno. Há
parte, do encantador livrinho, escrito em versos. Vejamos AL­
VORADA a página 36:
Após a noite de angústia,
Surgiu a luz do Levante,
Tôda a incerteza ferina
tornou-se em calma envolvente.
Tôda a fração em procura
se completou no mistério.
A dor da espera floriu.
Os corações se aninharam,
Sôbre as mãos esponsalícias,
a benção desceu fecunda.
E se éramos dois ainda há pouco,
somos, agora, só um.

VIDA E CULTURA — É atraente revista mensal, edi­


tada em João Pessoa, com a direção de Coelho Filho. Possui
ótima colaboração, honrando a cultura paraibana. É de orienta­
ção católica.

V O Z DE SANTA T ER ESA — É a bem confeccionada


revista, editada em Fortaleza, orientada pelas Filhas de Santa
Teresa, que têm a casa mãe em Crato. Dirige-a Madre Rosália,
é secretariada pela Irmã Aurélia e tem na gerência — Madre
Esmeraldo.

A V O Z DO A G R E ST E — Circula em Caruaru, a prós­


pera cidade do agreste pernambucano. Órgão de boa apresenta­
ção, dirigido pelo jornalista Tabosa de Almeida, é seu geren­
te — Giovanni Mastroiannr.
JOAQUIM PIMENTA
Muitas vêzes é preciso que a morte abra uma
sepultura para que, desta se eleve e se projete, em tôda
a sua real majestade, o vulto de um grande homem.
Quando vivo e no desempenho de altos postos
de influência e de mando no govêrno do país, há os
que o endeusam e lhe exageram as qualidades e as vir­
tudes, e há os que o detestam e não exageram menos
os defeitos que tem e os erros que comete. Se perde a
posição e o prestígio, passará a ser um homem como
outro qualquer, sem mais adoradores, sem mais inimigos
que o insultem, quando não lhe acontece ver que, no
fastigio, os que eram capazes de lhe beijar os pés, na
adversidade lhe mordem as mãos que os acolheram e
ampararam.
Dêsse grande morto que é Osvaldo Aranha, agora
redivivo na alma e no culto da Nação que o perdeu,
com o fulgor do seu renome projetando-se da sombra
de um sepulcro sôbre o mundo que o teve entre os ar­
tífices da paz internacional, não sei, nem me interessa
saber, quantos o incensavam na sua vertiginosa e olím­
pica ascenção aos postos de alto relêvo, na política, no
govêrno e na diplomacia; mas sei, e todo o país sabe,
que, não fôsse tão forte, tão eminente e inconfundível a
sua personalidade, teria submergido, medíocre e apagado,
no isolamento ou quase ostracismo em que viveu nestes
últimos anos, quando o Brasil, mais do que nunca, esta­
va a exigir o seu indispensável concurso, a sua longa
162 IT A Y T E R A

experiência, a sua indiscutível autoridade, que não eram


solicitados, como deviam ser, na solução de graves pro­
blemas que afligem o povo brasileiro.
Com a sua têmpera de homem de ação e o cé­
rebro privilegiado que a natureza lhe deu, tanto a idade
não era motivo, nem outro que se invocasse, para afas­
tá-lo de tão valiosa cooperação em serviços do Estado,
que veio a morte surpreendê-lo quando ia ser o seu
nome indicado para candidato à vice-presidência da
República, na chapa do Marechal Henrique Teixeira Lott,
já com prenúncios de vitória certa, no pleito de 3 de
outubro.
Infelizmente, na sua cega brutalidade, não o quis a morte,
triunfante nas urnas, mas com horas fúnebres de chefe de Esta­
do, e, numa sagração póstuma, o seu nome em uma das novas
avenidas da Capital da República, onde não há um beco, sequer,
que assinale e lembre aos poucos ou raros transeuntes que por
êle passam, o que foi a sua grande vida e o renome que con­
quistou, servindo ao Brasil.
Conheci Osvaldo Aranha em 1929, quando o Rio Grande
do Sul, aliado a Minas Gerais e à Paraíba, empenhava-se em
conduzir pelas urnas, mas que só foi possível pelas armas, as
candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa à Presidência e
Vice-Presidência da República.
O nosso primeiro encontro foi em uma visita que me
fêz no Grande Hotel, em Pôrto Alegre, gentileza que culminou
em um convite, em seu nome e de sua digníssima esposa, a mim
e a minha senhora, para um churrasco na sua chácara, em Tris­
teza, pitoresco subúrbio da capital gaúcha.
À medida que outros encontros se foram tornando mais
freqüentes, irmanados, como estávamos, por uma causa comum,
fui observando a personalidade daquele homem, ainda jovem,
com cicatyizes de bala no corpo, por duas vêzes ferido grave­
mente, quando dois partidos políticos, tradicional e radicalmente
inimigos, em constantes pelejas, ensopavam de sangue fraterno
e solo ancestral dos pampas.
A alma de guerreiro precoce ou adolescente explicava
o homem que apenas substituira o trabuco das cochilas pela tri­
buna de praça pública; ou que, na liderança de um movimento
cívico de massas, iria converter a palavra em veículo de ação.
No cargo de secretário do Interior do govêrno rio-gran-
dense, sob à presidência do dr. Getúlio Vargas, assumira o
IT A Y T E R A 163

pôsto de coordenador dos entendimentos políticos que congra-


çavam, sob a bandeira da Aliança Liberal, o Rio Grande do Sul,
Minas Gerais e Paraíba e, nos outros Estados, núcleos de adesão,
que surgiam e se multiplicavam, às duas candidaturas de oposição
às dos drs. Júlio Prestes e Vital S o a r e s , patrocinados pelo
Catete.
Apesar de ter ativamente participado de tôda a campa­
nha eleitoral, em comícios e pela imprensa, tendo atraído para
as nossas fileiras a quase totalidade dos estudantes da Faculda­
de de Direito do Recife, da qual era professor, não obstante
tudo isso, a verdade é que não me alistei eleitor, para votar
nos candidatos da Aliança Liberal. A posição desta no pleito
jamais a considerei em condições de alcançar a vitória pelas
urnas. Bastava comparar, em bloco, as forças eleitorais de que
pudessem dispor o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba
juntando-se a elas a maioria do eleitorado do Distrito Federal,
com o eleitorado de São Paulo, Bahia, Pernambuco e dos de­
mais Estados, em número de quatorze, todos, com os seus go­
vernadores apoiando a candidatura do dr. Júlio Prestes.
Por outro lado, ninguém sabia se era pensamento dos
líderes de maior responsabilidade, senão do próprio candidato,
se derrotado e tida a eleição por fraudulenta, o que seria, aliãs,
inevitável, estariam dispostos a resolver o problema da sucessão,
pela fôrça ou revolucionàriamente. Pelo menos, dos drs. Antônio
Carlos e Getúlio Vargas, talvez nem mesmo os que privassem
de sua intimidade, soubessem ou adivinhassem qualquer coisa
em tal sentido. Mas não era preciso ser observador perspicaz
para medir o fôsso que cada vez mais se abria entre povo e
governo, podendo conduzir à cratera de um vulcão; porém êste
talvez não chegasse a romper a crosta, ou não passasse de al­
gumas chamas, logo extintas, como foi o motim militar de Co­
pacabana, no governo de Epitácio Pessoa, ou de lavas mais
densas e encadescentes, mas removidas e dispersas, como foi a
«revolução» de São Paulo, no governo de Artur Bernardes; des­
troçada, fragmentada, até desaparecer com a desarticulação e
desbarato da Coluna Prestes. Porque, realizado o pleito e atri­
buída a vitória aos candidatos do Catete, todo aquele entusiasmo
popular, espontâneo, veemente, ruidoso, com que eram acolhidas,
por todo o país, as caravanas da Aliança Liberal, não tardou
em ceder a um estado de marasmo, de atonia coletiva, que po­
dia ser de esgotamento, de cansaço, transitório, ou de desolação,
de desencanto; ou êsse mortal ceticismo em que, muitas vêzes,
a alma de uma geração, duramente açoitada pela sorte adversa,
como que se transforma em árido descampado, e com ela se
esvai e seca a fonte vital da sua fé em um grande sonho...
364 ITAYTERA

Só mesmo um acontecimento imprevisto e brutal, que


tivesse o efeito de um raio partindo, ao meio, um rochedo, ou
um terremoto virando pelo avesso cidades e aldeias, seria capaz
de sacudir outra vez e fazer vibrar a sensibilidade de um povo,
como o nosso, tão pronto e decidido a abraçar uma coisa, quanto
não menos apressado em debandar e esquecê-la com os primeiros
revezes.
Êsse acontecimento, em tôda a sua imprevisão e bruta­
lidade, não há dúvida que foi o assassinato de João Pessoa. Foi
o tremor de terra que abalou a alma nacional; o raio que fen­
deu o rochedo; o lençol de fogo que fêz explodir o vulcão.
Como vaticinei, no Recife, em um discurso com que
consegui fazer retroceder imensa multidão enfurecida, em mar­
cha com o cadáver, em direção ao Palácio do Govêrno, o san­
gue do bravo paraibano ia ser a seiva rubrade uma revolução—
fonte mística brotando do ladrilho de uma confeitaria, onde
tombara, para jorrar em cascatas de fogo e cair em turbilhões
na alma de um povo...
O mártir transfigurava-se em herói e assumia o comando
supremo de uma nação, na mais dramática e fulminante arran­
cada de tôda a sua história.
Mas, por impossível o milagre de uma resurreição cor-
pórea, seria preciso que alguém o reencarnasse e tomasse a
iniciativa de coordenar fôrças, de vencer resistências, hesitações,
temores, no próprio seio da Aliança Liberal; de estimular, de
reanimar o espírito dos céticos, dos incrédulos no êxito do que
bem poderia ser uma perigosa aventura fadada ao fracasso. Êsse
alguém ou o homem que surgiu para cumprir tão alta missão
ou sentença selada sôbre a lápide de um túmulo, foi Osvaldo
Aranha. O jovem guerreiro das cochilas renascia e assumia,
numa reencarnação heróica do Grande Morto, o supremo co­
mando de uma epopéia cívica diante da qual as nossas «revolu­
ções», no passado, se reduziam a pequenos episódios regionais,
sem, entretanto, perderem para aquela, em idealismo e heròici-
dade.
Foi Osvaldo Aranha, como de público proclamou o bra­
vo e saudoso Flores da Cunha, «o coração e o cerébro da Re­
volução de 1930».
Instalado, definitivamente, o govêrno provisório, sob a
chefia do dr. Getúlio Vargas, foi Osvaldo Aranha nomeado
ministro da Justiça e Negócios Interiores, promovendo e conse­
guindo o apaziguamento de competições ou de ambições, aliás,
inevitáveis, logo nos dias que se seguem a uma revolução vito­
riosa, com a disputa de cargos e postos entre correligionários,
cada qual mais cioso ou exigente em reclamar recompensa por
ITA Y T E R A 165

serviços prestados, reais ou imaginários...


Da sua pasta sairam os dois decreto-leis criando o Mi­
nistério da Educação, escolhido seu titular, o professor Francisco
Campos, um grande nome na cultura jurídica do país, e o Mi­
nistério do Trabalho, Indústria e Comércio, chamado «o Minis­
tério da Revolução», designado para ocupá lo o dr. Lindolfo
Color, outro grande nome do jornalismo e na política riogran-
dense do sul.
Do Ministério da Justiça passou Osvaldo Aranha para
o Ministério da Fazenda, iniciando uma política financeira, leva­
da a bom termo, de soerguimento econômico do país, estimulando
a lavoura e a indústria, reduzindo a dívida externa e flutuante,
além de outras medidas orçamentárias, criando para o Tesouro
uma situação de maior desafogo.
Foi membro da comissão que elaborou o anteprojeto da
Magna Carta de 1934, e líder da Maioria, na Assembléia Cons­
tituinte que o discutiu e votou.
Nomeado embaixador, em Washington, provomou a rea­
lização entre o governo norte-americano e o brasileiro de acor­
do econômicos e financeiros que permitiram a construção de
Volta Redonda, a eletrificação da Central do Brasil e outros
empreendimentos de real proveito para o Brasil.
Na carreira diplomática não demorou em conquistar in­
confundível destaque, já como nosso embaixador em Washington
já como nosso representante na ONU, centro de gravidade das
relações internacionais, pacíficas ou em conflito; por duas vêzes,
sucessivas, eleito seu presidente. Tão alto nível de confiança e
prestígio, se, por ventura, refletia o nome de um país tradicio­
nalmente amigo da paz, resultava, ainda mais evidente, do valor
pessoal do estadista, investido em um pôsto que soube desem­
penhar, norteando e conduzindo, com inflexível e serena impar­
cialidade, a solução de problemas em que se ocultavam ou se
ostentavam interesses em choque ou se debatiam reivindicações,
algumas das quais com o seu rubro colorido de origem... Basta
salientar como foi benéfica e decisiva a sua atuação, na presi­
dência das Nações Unidas, de cujo seio surgiu uma nação livre,
antes ou milernamente dispersa pelo mundo, para constituir-se
em Estado Soberano—o «Estado de Israel».
Explica-se, por outro lado, que a sua formação demo­
crática muito há de ter influído para que se tornasse amigo
íntimo de Franklin Roosevelt, o maior estadista dêste tumultuoso
e sangrento século X X , hoje, talvez, mais necessário à civiliza­
ção e ao mundo do que quando sôbre cidades em ruínas e cam­
pos devastados erguia a voz de grande líder da paz universal.
Além de outras missões diplomáticas, desempenhadas
166 IT A Y T E R A

com a mesma elevação e o mesmo brilho, Osvaldo Aranha foi,


em 1938, nomeado ministro das Relações Exteriores, com a con­
dição de se manter alheio à política interna, ou só cuidando de
assuntos peculiares ao exercício da pasta, demitindo se por ha­
ver discordado do fechamento, pela Política, da sociedade «Ami­
gos da América». Mas tal atitude não afrouxou o vínculo de
profunda afeição que sempre existiu entre êle e Getúlio Vargas,
ou desde quando, mui jovens, se uniram à sombra do mesmo
partido, que era o Republicano, sob a chefia de dr. Borges de
Medeiros. Basta recordar que, q u a n d o o saudoso presidente
aguardava, sereno, de arma em punho, um assalto ao Catete,
para depô-lo, preferindo o suícidio para não sacrificar amigos,
não menos dispostos a lucar e morrer, entre êstes, encontrava-se
Osvaldo Aranha. E ninguém mais do que êle sofreu com o
estampido daquele tiro que iria, também, ferir o coração de todo
Brasil.
Afastado das lides partidárias, entretanto, jamais lhe
arrefeceu ou esteve sempre alerta o patriótico interêsse de in­
tervir, desde que se tornasse nessário ou oportuno, no debate
para a solução de problemas de política interna ou externa, cada
vez mais entrelaçados, por envolverem, simultâneamente, prin­
cípios de paz coletiva e de soberania nacional. Mas, ao que me
conste, nesse sentido, uma cooperação ampla, efetiva, perma­
nente, nunca lhe foi solicitada com empenho ou exigida pelo
Governo, embora lhe não faltasse talento, cultura, experiência,
autoridade moral, e com esta, independência e sobranceria no
seu modo de agir; tanto assim que, sem temer a inevitável rea­
ção de entreguistas e de ultramontanos, não hesitou em advertir,
com veemência, o Govêrno, o Congresso, a Nação, que o Brasil
era, dos grandes povos, o único que não mantinha relações
diplomáticas com a Rússia; gesto de altivez que, comentei (GI­
G A N T E COM C É R E BR O DE CRIANÇA) nostêrmos que se
seguem, atualíssimos, para serem reproduzidos na íntegra:
«Aliás, não me causou estranheza a atitude do grande
líder da Revolução de 1930, nem me surpreenderá, por sua
bravura congênita de homem dos pampas, que venha para a
liderança de uma jornada, prolongamento daquela, por identida.
de ideológica, porém de raízes muito mais profundas, porque,
enquanto ontem eram erros e vicios de govêrno, que procurá­
mos corrigir, hoje, é a soberania de uma nação, reduzida a tra­
pos ou libré de povo escravo, que é preciso reconquistar, digni­
ficar e impor perante o mundo. Para tanto contará com o velho
soldado das fileiras de 1930».
Infelizmente não quis o destino que se cumprisse êsse
IT A Y T E R A 167

vatícinio, que eu, em outro artigo, converti em veemente apêlo


para que viesse formar ao lado da candidatura do Marechal
Henrique Teixeira Lott, e que assim terminava:
«Um passado de trinta anos nos reuniu em uma dramática
encruzilhada de nossa história; passado que nos prende a uma
cadeia, que êle mesmo fundiu, de compromissos de consciência,
que nos arrastaram até às armas, na pugna por um Brasil me­
lhor; e que, agora, nos arrastarão até às urnas, na pugna por
um Brasil maior; rico, livre, forte, poderoso. Um Brasil real­
mente soberano perante o mundo».
Setembro de 1960.

Esperar em vão é triste,


causa mágoa, faz chorar,
Maior tristeza consiste
em nunca, nunca esperar.
É triste uma ave sem ninho,
é triste uma haste sem flor,
Muito mais triste é, sozinho,
um coração sem amor.
Auquáta domp&L

SY M PO SIU M — É que honra a cultura católica de


Pernambuco. É dirigida pelos jesuítas: Padres Aluisio Moscado
Carvalho, Antonio Abrantes e o nosso conterrâneo Padre Pedro
de Mello. É orgão trimestral, repleto de trabalhos oportunos, li­
gados á ciência, letras, artes e filosofia, firmados por bons cola­
boradores. Edita-a a U N IV ER SID A D E CATÓLICA DE PER ­
NAM BUCO.

A VOCAÇÃO PARA EDUCAR - É a Oração de


paraninfo pronunciada às professorandas de 1960 da Escola Nor­
mal do Ginásio Bom Jesus, da cidade de Salvador, a 10 de De­
zembro, no salão nobre de Forum Ruy Barbosa. É lição em fra­
ses bem feitas e bem orientadas ás paraninfadas, ministrada pela
bebida na melhor escola de pedagogia de todos os tempos — a
Igreja, pelo Prof. José Newton Aives de Sousa, atual diretor da
Faculdade de Filosofia de Crato e das mais robustas inteligên­
cias do Ceará atual. É membro do I. C. C.
168 IT A Y T E R A

CARLYLE MARTINS ENALTECE NOVO LIVRO


DE J. DE FIGUEIREDO FILHO
O novo Livro de J. de Figueiredo Filho, Presidente do
Instituto Cultural do Cariri, continua recebendo os maiores lou­
vores da critica literária cearense e mesmo de outros estados.
Trata-se de EN G EN H O S DE RAPA DU RA DO CA-
R IRI, nos estudos sociológico sobre a vida de engenhos de nos­
sa região inserida na série Documentários da Vida Rural Bra­
sileira, editada pelo Serviço de Informação Agrícola do Ministé­
rio da Agricultura.
As Palavras de Carlyle Martins
O festejado poeta e critico literário cearense Carlyle
Martins, na sua apreciada colunas Impressões de Leitura, publi­
cada na imprensa de Fortaleza, disse, na edição de O EST À D O ,
o seguinte, a respeito do livro do escritor conterrâneo:
Como publicação do Serviço de Informação Agrícola do
Ministério da Agricultura, circulou «Engenhos de Rapadura do
Cariri», da autoria de J. Figueiredo Filho, em que nos habituamos
a admirar uma das inteligência mais robustas da terra cearense.
«Engenhos de Rapadura do Cariri», com capa e ilustra­
ções de Perci Lau, é livro que retrata aspectos do grande vale
e delineia paisagens da vida do cabloco do sul do Estado, «forte
como a peroba e ágil como o vento», c o m o diria Menotti dei
Picahia.
Há no volume capitulos movimentados e curiosos, tais
como «Cambiteiros», «O Corte de Canas», «Trocando o Laço pela
Enxada» e «Engenhos d'Agua», subdivisões de «A Vida no En­
genho de Rapadura», sobressaindo também «Velhos Engenhos de
pau que já se foram», «Engenhos Tupinambá» e «Folguedos Po­
pulares dos Sitios Caririenses».
J. de Figueiredo Filho mostra finas qualidades de obser­
vação e conhecimento dos usos e costumes das populações da
região que lhe tem merecido tantas páginas meritórias e verídicas.
Escrito numa linguagem simples e harmoniosa, sem fal­
sos artificialismos, mas elegantes e atraentes, o novo trabalho de
J. de Figueiredo Filho é dos que honram a bibliografia cearense,
por ser o fruto amadurecido e aveludado do espirito de um ho­
mem cuja existência há sido voltada para o culto do trabalho e
do dever, do estudo e da pesquisa.
«Engenhos de Rapadura do Cariri» merece ampla divul­
gação, por ser o documentário valioso e honesto de um galhar­
do garimpeiro das letras cearenses.
De «A AÇÃO» de 1 4 -1 - 6 1 .
José de Morais Holanda
Tapetada pela flora de esmeraldínica exuberância, ante
o albor da manhã radiante e refulgente de esplendor, qual fôra
uma taça ilibada de efusão e amor, toda a Natureza envolvente
saudava o arrebol.
Feérico o céu e a terra fundiam-se numa aquarela de
deslumbramento ao alvorecer de um dia règiamente asculado
pelo sol desperto em miríades régios ráios policromados, asse­
melhando-se a uma tela de universal grandeza vivificando um
mundo edênicamente encantado.
Crato, a cidade louçã e eufórica, inda com os olhos
sonolentos, súbito eclodia inebriada com a atmosfera a preparar-
lhe sutis emoções ao fulgir de uma nova aurora recem coroada
na orla oceânica, entre dunas e areais do mar de Iracema, cuja
lenda de imortal poema Vanda Lúcia herdara para proclamar a
hegemonia da geração hodierna.
Dir-se-ia ter a virgem alencaria transplantado a sua taba
para as plagas das siderais regiões de interior cearense, fixan­
do-a no extremo sul e n c a s t e l a d o do estenso ubérrimo vale
alcantilado da imponente bacia serrana dos cariris, depositando
sua flexa, o facho e o cetro em mãos de sua lídima herdeira.
Àquelas horas matutinas pairava em tudo radical trans­
formação, plasmando uma feição multiforme e multicolorida,
sublimada de espectativas e emotividades irrefreáveis, face a
ansiedade de todos, à curiosidade ingente e ao desejo de cada
um de ver Vanda Lúcia em desfile, e a vontade clandestinamente
ambicionada de senti-la junto ao coração.
Vê-la não só, mas abraçá-la, cingí-la, afagá-la, aper­
tando-a de encontro aos seus anseios, rendendo o calor de sua
homenagem à excelsa juventude de suas floridas primaveras,
adormida as de sonhos no crisol dos seus insondáveis múltiplos
enleios de paradisíacos ideais.
Por toda a parte transparecia em cada fisionomia a
excitação do momento em suspense, aguardando em sôfrego
inquietude a ocasião de sua passagem na paisagem do ambiente
febril de animação que circundava a imensa passarela das artérias
170 ITA Y T E R A

urbanísticas da C a r i r i c a p, decantada Princesa dos rincões


araripenses.
Crato, engalanado de realeza, cedia o trono à mais gar­
rida e onoínicamente linda Alteza de sua sociedade de escol,
elevando ao pedestral da glória a mulher cearense em sua au­
réola de rainha, deuza e fada da mocidade feminina em ado­
lescência, titular que fôra do Concurso de Miss Ceará, no magno
certame de concorrentes ao título de Beleza Universal.
Vandínicamente Vanda vandinizou-se vandinizando o
Cariri, estentando em toda sua plenitude de menina-môça o vulto
esbelto do seu porte aristocrático, numa odisséia de singeleza e
graça, sorrindo o seu sorrido áureo aflorada, perene como a
ninfa cristalina das fontes, de todos os mananciais araripinos,
transbordando os seus helênicos encantos nos seus menores gestos
de fidalguia.
Erguida e endeuzada num carro alegórico, qual icaro
sonho alado, sua imagem, toda a sua silhueta ereta, onímoda o
onírica, era um só clarão olímpico dardejando sois de ouro e
opala, personificando a encarnação palpitante de vida e seiva
de uma raça, vestida com as vésteas de uma Vestal.
Sua figura, o seu semblante, toda a sua impregnante
personalidade e elegância dimanava eflúvios de iridescência e
manitude incomparável, dando-nos a nítida impressão de uma
miragem simbolizando a divindade do Templo de Cupido, ado­
rada em genuflexa admiração pelos vassalos dos seus idílicos
dotes esculturais.
A cidade cratense, heróica bandeirante das bandeiras de
sua evolução econômico-sócio-cultural, agigantava-se ao desfral­
dar a flâmula eugênica dos seus filhos no pincaro de uma nova
era de feitos memoráveis em sua jornada edificante de empre­
endimentos nos setores vários de sua existência prolifera.
O bêrço de Bárbara de Alencar viveu e viverá e não
olvidará jamais tão expressiva manifestação popular quando,
abrindo os seus portentosos braços, recebia e aconchegava nura
efusivo amplexo de alegria a sua noiva radiosa e divinal, a bel
e estonteante Cinderela dos seus palácios suntuosos, numa apo­
teótica saudação de fogos e ovações de sua gente à entrada
triunfal de sua Eleita.
E ao calor dêsse afogo Vanda Lúcia sentiu vibrar no
âmago do seu ser todos os sinos festivos do altar do seu cora­
ção transmitindo a todos e a tudo o cântico harmônico das
cordas liricas do seu afeto, tangidas pelos seus enlevos d’alma,
volatizados pelas quebradas sensíveis dos corações, em dúlcidas
melodias.
Jóia dos mais fino lavor, flor das flores, p é t a l a s das
Mauro M O TA
Uma das melhores iniciativas editoriais brasileiras é a
da série «Documentário da Vida Rural», do Ministério da Agri­
cultura. Pelas intenções e pela dignidade com que as efetiva,
longe de facciosismos regionais e sempre buscando fixar o cara­
cterístico das mais diversas regiões do pais, através de especia­
listas identificados com elas pelo c o n h e c i m e n t o e pela
convivência.
Dentro dêsse critério, já tivemos o Engenho de Açúcar
do Nordeste, Fazenda de Café em São Paulo, Fazenda de Gado
no Vale do São Francisco, A Estância Gaúcha, O Seringal e
o Seringueiro da Amazônia, O Vale do Itajai, Fazendas de
Cacau na Bahia, Garimpos da Bahia, Tradições Populares de
Pecuária Nordestina, Fazendas de Gado no Pantanal Mato-
grossense, Jangadeiros, Ervais do Brasil e Ervateiros e Lavoura
Caiçara.
A êsse conjunto de monografias, do maior interesse
geográfico e sociológico, em muitos casos revelando faces de
relações das comunidades com o meio, antes só conhecidas pela
superfície, vem juntar-se agora Engenhos de Rapadura do Cariri,
de José de Figueiredo Filho, com, não constitue exagero dizer-
se, a «descoberta» de um dos aspectos mais típicos da atividade
nordestina. Pois, naturalmente para os habitantes de outras
áreas, o Cariri não passa de uma «ilha» fértil no mapa, favore­
cida pela inclinação da chapada do Araripe que, através de suas

pétalas, crisálida borboleta multicolor, Vanda Lúcia traduzia


em síntese a luz, o sol, o fulgor, o manto estelar e a glorifi­
cação do seu povo, na translúcida encandescente beleza dos seus
admanes.
Crato e Miss era mduas pérolas engastadas a elo insepa­
rável a se entreolharem, admirando-se mutuamente na esfera
empírea de cristal a indagar em tácita contemplação qual das
duas a mais Bela.
Crato, em 6 de Junho de 1960.
172 ITA Y T E R A

numerosas fontes, elimina o problema das sêcas do lado cea­


rense e confere ao vale possibilidades de culturas e criação
permanentes, inexistentes em terras circunvizinhas; ou não passa
de juazeiro do Norte, por causa da influência do Padre Cicero
na formação da cidade e entre os grupos fanáticos, influencia
continuada com tôdas as vivências ainda hoje, vinte e cinco anos
depois da sua morte.
José de Figueiredo Filho ultrapassa, e em muito essas
limitações, retirando os biombos do vale e mostrando-o em tôda
a «extensão»-, a começar dos privilégios climáticos e abrangendo
a paisagem, os métodos de trabalho e o homem ainda fiel, e
com vantagem, por contraditório que pareça, a hábitos primiti­
vos, mas responsáveis pela sua resistência e superioridade na
média de vida em confronto com populações regionais mais «ci­
vilizadas», particularmente as do litoral.
E ’ o caso de um hábito alimentar, o da rapadura na
alimentação sertaneja, mencionado no capítulo VII:
«Há centenas de anos, o sertanejo se alimenta de rapa­
dura, preferindo-a ao mais refinado açúcar branco. Dá muito
mais sustança do que o mais puro produto das usinas de P er­
nambuco. Na rapadura, conservam-se intatos todos os sais mi­
nerais, substâncias pépticas e açucares invertidos da cana. T or­
na-se assim mais nutritiva e de digestão mais fácil que seu
similar, de superior qualidade». E ’ consumida em várias associa­
ções (café, dôces, farinha, carne, leite, queijo e frutas) e indis­
pensável ao vaqueiro pois representa «a melhor ração que êle
recebe para fornece-lhe as calorias nos grandes dispêndios mus­
culares.» Dai a sextilha popular:
Neste mundo de meu Deus
Foi boa a repartição:
Piaui prá criar gado;
Pajeú pra valentão
Cariri prá rapadura,
Rio Peixe prá algodão.
O trabalho, ilustrado com fotografias e. desenhos, estuda
o solo e as condições do plantio de cana, os labores agricola e

«O excessivo temor ao poder conduz à excessiva submis­


são. Não deixará isso de ser um abrir de portas ao abuso à tirania.»
«A igualdade absoluta é um ideal utopico; aliás, não se­
ria nunca atingido, sem o sacrificio da liberdade.»
Eduardo Girão
IT A Y T E R A 173

pastoril, o laço e a enxada, os diversos tipos de engenhos do


Cariri, os de fôrça motriz, os de bois, os dágua e os de pau.
Estuda as atividades profissionais de lavradores, cambiteiros,
cortadores e metedores de cana, mestre de rapadura, tirador de
bagaço, etc. Estuda ainda os folguedos populares e a integração
do homem nêsse ambiente rural formado de onze municípios,
onde o Crato aparec-e como uma espécie de pequena metrópole,
o ponto de causar êste anseio a um caboclo:
Se eu fôsse podre de rico
não morava aqui no mato,
morava mais a Lorinda
ali na rua do Crato.
Como se vê, José de Figueiredo Filho apreende tam­
bém o espírito da gente do Cariri na sua monografia que, pelas
informações e pela linguagem, logo se incorpora ao que existe
de mais vivo e mais atual na bibliografia do Nordeste.

JO SÉ JESER DE OLIVEIRA NA INAUGURAÇÃO


DA PO N TE BRASIL-PARAGUAI - No dia 28 de Fevereiro
de 1961, o Presidente Juscelino inaugurou a ponte internacional
de Iguaçu, ligando as duas nações amigas Brasil e Paraguai. Na
qualidade de representante do veterano orgão da imprensa cari­
oca — JORNAL DO COM ÉRCIO, esteve ali o nosso socio
fundador, residente na VELHACAP — José Jeser de Oliveira
que já se ensaia, galhardamente, na grande imprensa brasileira.

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS DE


CRATO — No dia 29 de Dezembro de 1960, por ato do então
presidente da Republica Juscelino Kubitschek, foi autorizada a
funcionar a Faculdade de Filosofia de Crato. Será oficialmente ins­
talada, em principio de Março de 1961. Seu diretor é Dr. José
Lacerda e nasceu da iniciativa do Reitor Martins Filho, do Vice-
Governador Wilson Gonçalves, Pedro Felicio Cavalcanti e Prof.
Antônio Barbosa.

A VIDA DO PADRE CÍCERO - Por todo o decor­


rer de 1961, sairá o esperado livro do nosso antigo Secretário
Geral—Capitão Otacilio Anselmo e Silva. Será editada por PON-
G E T T I do Rio. Trata-se de obra completa, produto da observa­
ção direta de um estudioso que bebeu também em muitas fontes.
O livro está sendo aguardado com maior ansiedade e será lan­
çado simultaneamente no Cariri e em Fortaleza.
174 ITAYTERA

O M U SEU DE CR A TO A U M EN TA DÉ DÍA PARA


DIA — O Museu de Crato, na sede o I.C.C., à rua Lima V er­
de, 2, apesar de confinado em salões que se tornaram restritos,
aumenta cada vez mais, com valiosas e espontâneas ofertas. Pos­
suímos lembranças preciosas e há pouco tempo, o Exmo Snr. D,
Vicente de Araújo Matos e Madre Paiva ofertaram-nos muitos
objetos e idumentária que pertenceram ao saudoso D. Francisco
de Assis Pires. Por sua vez, o Prof. Joaquim Costa Carvalho,
catedrático de Higiene da Faculdade de Medicina da Universi­
dade de Pernambuco, doou-nos duas cadeiras do século X V III,
ora em poder de seu genro — Dr. Caubi Pequeno de Figueire­
do que se encarregará de enviá-las para esta cidade. O Briga­
deiro José Macedo, igualmente, em bonito gesto, ofereceu-nos
tôdas as suas condecorações, ganhas em sua brilhante carreira
que foi das mais movimentadas do Brasil, pois realizou ele feitos
que ficaram na história da aviação, a exemplo do raid em tômo
das Américas. Falta-nos apenas recebê-las e colocá-las em vi­
trine especial. Se recebermos a subvenção federal que o depu­
tado Alencar Araripe, incansável amigo do I.C.C. nos arranjou,
o Museu ficará dos melhores do interior.

BO RRA CH A , O U RO BRA N CO - Crato, de dia para


dia, transforma-se em centro de cultura dos mais em evidência da
interlândia nortista. Os lançamentos de livros editados aqui ou
por pessoas filhas da terra, são constantes. Os proprios estudan­
tes lançam livros, como sucedeu com BORRA CHA , OU RO
BRA N CO , bem feito trabalho efetuado por equipe de alunos de
curso cientifico do Colégio Diocesano. São êles: Aristides C.
Felicio, Carlos Êdison F . de Araújo Costa, Dieulafoy F. de
Araújo Costa, J. Valdesley A. de Sousa, Luciano L. Macêdo,
Ozéas Duarte de Oliveira e Wellingtoa A. de Sousa. Foi ilus­
trado por Francisco de Aguiar Bezerra.

E FE M É R ID E S DO CA RIRI — Encontra-se em poder


da IM PR EN SA U N IV ER SIT Á R IA DO CEARÁ, o livro inédi­
to e póstumo do escritor cratense — Irineu Pinheiro, primeiro
Presidente do Instituto Cultural do Cariri. Espera-se que seja
logo editado, pois, é trabalho de história que muito contribuirá
para os conhecimentos de certos pontos ainda discutidos do pas­
sado. Urge o seu breve aparecimento uma vez que, no próximo
ano, teremos na Faculdade de Filosofia do Crato, a cadeira de
H ISTÓRIA DO CEARÁ E DO CARIRI e sôbre esta região
há pouca coisa ainda publicada. Será também dos pontos de par­
tida da H ISTO R IA DO CARIRI, obra que será escrita por e-
quipe de estudiosos do Instituto Cultural.
OTACÍLIO ANSELMO
Já se totnou lugar-comum destacar o Cariri pela uber-
dade do solo, evocando a Serra do Araripe de onde brotam
fontes perenais que banham os vales, nutrindo vergeis, susten­
tando canaviais.
Farta e bela região, sem dúvida, em que se descortina
os mais lindos panoramas do Nordeste, desde os campos verde-
jantes aos píncaros topetando às nuvens.
Mas êsse é apenas um aspecto fisiográfico da amada
gleba, às vésperas duma nova era de prosperidade que aí vem
com o advento da energia de Paulo Afonso.
Anunciado para os meados do próximo ano, êsse aus­
picioso acontecimento nada mais é do que uma resultante da
fôrça renovadora de que é dotada a brava gente do Cariri e
que há impulsionado o progresso da terra em todos os setores
de atividades, sobretudo no campo social e político.
Com efeito, foi no terreno político que essa fôrça reno­
vadora deitou raízes mais profundas, motivo por que o Cariri
antecipou-se ao resto do Ceará na Revolução de 1817, na con-
solidação da Independência não só no Estado, mas também no
Piauí e Maranhão, e no movimento de adesão à Confederação
do Equador.
Daí o pendor pela liberdade e a ânsia de renovação de
costumes que de vez em quando repontam na área do Cariri,
numa demonstração inequívoca de que a sementeira deixada pe­
los Alencares, à frente José Martiniano, continua germinando,
para dar ao famoso rincão a sua mais apreciável característica.
Essas reflexões vêem a propósito de um acontecimento
dos mais significativos da história política do Cariri, ocorrido no
limiar da segunda década dêste século.
176 ITAYTERA

O cenário é o Município de Jardim, velha cidade de


tradições revolucionárias em cuja Câmara Municipal, a exemplo
do Crato, drapejara a bandeira republicana de 17, erguida por
LEONEL da Franca ALENCAR.
Decorria o ano de 1911. Era a época em que a lide­
rança político-administrativa das comunas sertanejas estavam
sob o domínio dos mais poderosos e turbulentos coronéis matu­
tos, uma vez que se achava concluída a série de deposições
pelas armas que tanto inquietaram e enlutaram o Cariri.
Um regime de terror permanente dominava os sertões,
pois o Governador, na condição excepcional de chefe exclusivo
da política Estadual, havia estabelecido a seguinte norma: feita
uma deposição, o Govêrno abandonava o chefe vencido e pas­
sava a apoiar o vencedor. Dentro dêsse critério, o Dr. Nogueira
Acióli só nomeava prefeito do Município o chefe que dispusesse
não de mais eleitores, mas sim de maior número de cangaceiros
como acentuava João Brígido.
Em Jardim, a exemplo dos demais Municípios, havia
duas alas do Partido Republicano Cearense, ambas irreconciliá-
veis. Uma era chefiada pelo Coronel Napoleão FRANCO da
Cruz Neves, e outra, pelos Coronéis ROMÃO Pereira Filgueira
SAMPAIO e Joaquim Alves R O C H A , que foi Deputado
Estadual.
Sôbre esta facção, cujo principal chefe era Romão Sam­
paio, recaíram as graças do velho Governador Acióli, ficando
relegada ao desprestigio a ela do Coronel Franco.
Homem bravo e de caráter nobre, Franco reagiu com
aquela dignidade dos antigos varões sertanejos: abandonou de­
finitivamente a política e, através da imprensa, explicou num
manifesto as razões do seu gesto.
Mas não ficou aí o incidente, porquanto, naquela época,
não havia somente um cidadão de tamanho gabarito moral na
área do Município de Jardim.
Conhecida a atitude varonil do Coronel Franco, os seus
amigos e correligionários, exatamente cento-e-quarenta, dirigiram
ao poderoso oligarca um memorando cujo teor é o seguinte:
«limo. e Exmo. Sr. Dr. Nogueira Acióli.
D. Presidente do Estado.
Nós, abaixo assinados, eleitores governistas nêste Mu­
nicípio, tendo tido sempre por nosso diretor político nêste colégio
eleitoral o nosso preclaro e distinto amigo Coronel Napoleão
Franco, cidadão emérito, de nobres e elevados sentimentos de
ordem, de paz e de justiça, urbano no trato e de mãos sempre
ÍT A Y T E R A 177

estendidas ao povo, que sempre ocupou em nosso Partido um


lugar de destaque, e a quem V. Excia. nunca quis considerar,
tendo se retirado da política pelos motivos expostos em seu
manifesto político, publicado no jornal «Cetama», por dever de
amizade, gratidão e lealdade política, vimos ante V. Excia. de­
clarar que, desta data em diante, também nos considere elimi­
nados do vosso Partido, visto também não querermos servir ao
vosso Partido sob a chefia dos senhores coronéis Rocha e Romão
Sampaio, a cuja direção política não nos sujeitamos; mesmo
porque êsses senhores não precisam de eleitores senão para
mencionarem nas atas falsas de eleições simuladas, o número
dos eleitores qualificados nêste colégio eleitoral, embora mortos,
mudados e de viagens fora do Município, como se tem feito
em todas as eleições que se tem procedido neste Município, desde
o advento da República, e como acaba de dar-se na última eleição
para um senador federal, convocada por V. Excia. para o dia
28 de fevereiro último, eleição que não se procedeu e que, no
entanto, consta-nos se ter remetido atas falsas, simulando a.
E a vista do que, Exrno. Sr., para que nos serve os
nossos títulos de eleitor se não se procedem eleições e não po­
demos usar do nosso direito de voto?
Se os poderes constitucionais fossem, efetivamente, de­
clarações da soberania do povo, como serão as constituições—
federal e do Estado—certo não nos retiraríamos do partido por
V. Excia. chefiado, e nem deixaríamos de usar do nosso direito
de voto.
Mas com os diretores políticos que V. Excia. tem man­
tido e continua a manter nêste Município contra a vontade do
povo, fabricadores de atas falsas, de eleições simuladas, e que
declaram, alto e em bom soro, não precisarem de eleitores para
fazerem eleições, não podemos continuar a servir ao vosso
Partido.
Despedindo-nos de V. Excia., desejamo-vos saúde e ventura.
Jardim, ... de março de 1911.
(aa) Manuel Rodridues da Silva Lima, Tristão Lopes da Silva
Barros, Antônio da Costa Bezerra, Alberto Alves de Barros Luz,
José Dias do Nascimento, Francisco de Barros Ferreira, José
de Barros da Silva, Enock Elias de Barros, Antônio Gomes de
Barros, Manuel Lino da Silva, Severiano Fernandes de Sousa,
Antônio Juvenal Pereira da Silva, Reinaldo Peixoto do Rêgo,
Antônio Reinaldo Peixoto, Cícero Barbosa de Sousa, Manuel
Andrelino da Silva, Anselmo Ferreira Leite, Rufino Saraiva de
Moura, Aleixo de França Ribeiro, Cláudio Pereira da Silva,
Manuel Cláudio da Silva, Porfírio José da Silva, Antônio An­
drelino dos Santos, Antônio Luis do Nascimento, João Pereira
178 íT AY T Ê R À

da Silva, João Gonçalves de Sá, Manuel Pereira da Silva, José


Pereira de Carvalho, João Batista Ferreira, Antônio Gomes da
Silva, Anselmo Teles de Carvalho, Pedro da Cruz Neves, Osório
Gomes de Farias, Antônio João Massaranduba, Manuel Antônio
de Lima, Manuel Aduchi de Lima, Vicente Dias de Lemos, José
Pedro de Farias, João Monteiro dos Santos, Manuel Messias
da Silva, Salustriano da Rocha Lima, José Paz dos Santos, José
Aristides Pereira da Silva, João Bento da Silva, Luís Paz dos
Santos, Antônio Júlio Pereira, M a n u e l Renovato de Sousa,
Antônio do Amaral Lisbona, Manuel Fernando de Sousa, An­
tônio Paz do Nascimento, José Quirino Paz dos Santos, Manuel
José Florêncio, Afro Leandro de Medeiro, João Paz dos Santos,
Joaquim Paz dos Santos, Juvino Ferreira Maciel, José Vicente
Ferreira, Antônio Galdino de Lima, José Alves dos Santos, José
Rufino da Cruz, João Rufino da Cruz, José Vicente da Ressur­
reição, Joaquim Sabino Maciel, Cirilo Leite Rangel, Antônio
Alves David, Joaquim Leite Rangel, Manuel Raimundo de Lemos,
Mariano Antônio dos Santos, Miguel Ribeiro dos Santos, Antônio
Conrado do Nascimento, Joaquim Aleixo de Sousa, Joaquim Luz
da Cruz, Henrique Rodrigues de Alencar, Simplício Pereira da
Silva. Casimiro de Sousa Araújo, Izael Vieira da Silva, Francisco
Pereira do Nascimento, Israel Firmino da Silva, Antônio Narciso
Rodrigues, Antônio Guedes da Cruz, Manuel Francisco da Luz,
Antônio Jesuino de Andrade, José Pereira de Sousa, Agostinho
Pereira de Sousa, Joaquim Manuel de Sousa, Manuel Francisco
de Sousa, João Pereira dos Reis, Antônio Xavier de Sousa,
Joaquim Pereira dos Reis, Antônio Pereira dos Reis, José Pe­
reira dos Reis, Antônio Bernardo de Sousa, João Marcolino dos
Santos, Amâncio da Cruz Neves, João Belarmino Sobrinho, José
Rodrigues da Silva, Luis Joaquim de Sousa, José Xavier de
Sousa, Miguel Pereira de Sousa, ... Rosa Vieira dos Santos,
Francisco Rufino da Rosa, Petronilo Alves de Araújo, Antônio
Pedro Gonçalves, José Gomes de Melo, Raimundo Marcolino
do Nascimento, José Raimundo Feitosa, Antônio Marcolino dos
Santos, Raimundo Soares dos Santos, Domingo Lopes Machado,
Antônio Geraldo de Sousa, José Geraldo de Sousa, Felizmino
Luís de Sousa, Antônio Felizmino de Sousa, Henrique Lopes de
Figueiredo, Manuel Raimundo dos Santos, Manuel de Sousa
Monteiro, Manuel Xavier de Sousa, Pedro Ludgero de Caldas,
Manuel Alves Monteiro, F i r m i n o Lopes Frazão, Antônio de
Montes Pereira, Raimundo Pereira de Sousa, Jç-oé Aleixo de
Sousa, M a r i a n o Daniel de Farias, José Benedito da Silva,
Francisco Silvestre Vieira, Jeaquim Lucas de Oliveira, Antônio
de Oliveira Rangel, Alexandre José de Oliveira, Fernando Lóssio
de Almeida, André Lopes Machado, Severiano Lopes Machado,
Raimundo Lopes Machado, Cícero Vieira dos Santos, João
ITAYTERA 179

Vieira dos Santos», (f)


Nêsse documento, extraordinário para o tempo e o meio,
não avultam apenas a estima pessoal e a lealdade partidária,
nem tampouco a destemor dos signatários em homologar o ato
de bravura cívica do chefe e guia.
Nêsse manifesto, talvez único na história política do
Cariri, o que mais admira é o considerável grau de politização
atingido pelo povo jardinense, cujo protesto contra a frauda e
a corrupção não poderá ser esquecido pelo futuro historiador do
Cariri, sobretudo por haver sido formulado numa época de des­
potismo e subserviência.
(■{■).— Publicado em «O Rebate», de Juazeiro do Norte,
edição de 28 de maio de 1911. Ao pé das assinaturas havia
esta «observação» com vistas ao Diretor do supracitado jornal:
«Não mandamos reconhecer as nossas firmas por Tabelião Pú­
blico, por termos mandado publicar êste manifesto político pela
imprensa, para não supor V . Excia. ser algum ato simulado,
como se tem feito tôdas as eleições dêste Município, do que
damos público testemunho, para discrédito do regime republicano
em nosso País./ Jardim, 8 de maio de 1911».

Premiado a tese do Jornalista Júlio Braga


Durante as sessões plenárias do Primeiro Con-
gresso de Jornalistas do Interior Cearense, realizadas no
Ginásio Madre Ana Couto, desta cidade, foram apre­
sentadas e discutidas numerosas teses de periodistas
cearenses. Seu julgamento foi confiado ao Instituto Cul­
tural do Cariri, que nomeou para isso, os intelectuais
conterrâneos: Dr, Quixadá Felicio, Pe. Antônio Gomes
de Araújo, Prof. José Newton Alves de Sousa e Pe.
Irineu Lima Verde. Após examiná-los. minuciosamente,
foram êles unanimes em conferir o primeiro lugar a tese,
apresentada pelo jornalista, da Delegação de Iguatú—
Snr. Júlio Braga. Terá êle portanto, como merecimento
pela Vitória, o «Prêmio Figueiredo Corrêa,» conferido
à melhor tese do Congresso de Jornalistas, ocorrido
entre 13 a 15 de Janeiro, pela Secretaria de Educação
do Ceará. Já foram expedida pelo I. C. C. oficios de
comunicação do Secretario de Educação e à Secretaria
Metropolitona dos Jornalistas do Interior.
180 IT A Y T E R Á

ALMANAQUE DO CARIRI. O Dr. Francisco de Assis


Leite, sócio do I. C. C. e Juiz de Direito concursado, recome­
çará a publicar, do corrente ano em diante, o seu conhecido
ALMANAQUE DO CARIRI, interrompido ha algum tempo.
Será ótima propaganda desta região, como sucedeu com os pri­
meiros números. Já tem êle percorrido parte importante do Vale
e adjacências a fim de nos oferecer trabalho completo e de
acordo com a evolução caririense.
Durante o Congresso de Jornalistas, o Dr. Francisco de
Assis Leite, que é antigo militante da imprensa, ofertou aos pe-
riodistas interioranos, bela flâmula, alusiva ao conclave e ao
primeiro numero do Almanaque que tanta repercussão obteve.

PRINCIPAIS CO O PERA DO RES FINAN CEIROS DO


CON GRESSO DE JO RN ALISTA S. Para o êxito do Primeiro
Congresso de Jornalistas do Interior Cearense, contou o Instituto
com a valiosa contribuição de autoridades e representantes do
povo em Camaras Municipais e estadual. Destacamos: Vice-
Governador Wilson Gonçalves, Prefeito José Horacio Pequeno,
Secretario da Prefeitura de Crato—Dr. Otacilio de Macêdo,
deputado estadual Padua Campos, vereadora Mirtes Campos, de
Fortaleza, vereador local—José de Paula Bantim, e o Prefeito
de Piquet Carneiro (contribuição encalhada no correio, ainda
não recebida). Faltou o auxilio da Prefeitura fortalezense, mas
esperamos que o atual dirigente da capital cearense, General
Cordeiro Neto, pelo seu espirito esclarecido ainda nos liberte a
verba, a fim de publicarmos os ANAIS DO CON GRESSO. Foi
valiosa igualmente a dadiva, em publicações, da Universidade
do Ceará.

FO LCLORE C A RIRIEN SE—J. de Figueiredo Filho


escreveu dois livros, em tôrno do rico folclore caririense e já
em poder da IM PREN SA U N IVERSITÁ RIA, para a devida
publicação, possivelmente no decorrer de 1961. Trata-se do
FOLCLORE' NA REGIÃO CA RIRIEN SE e COLGUEDOS
IN FA N TIS CA RIRIEN SES, da coleção «DOCUMENTÁRIO
DO CARIRI.
N O M E S DE ALGUMAS ÁRVORES NOS
TABOLEIROS E NA SERRA DO ARA RI PE,
ANOTADAS PELO DR. PH VON
LUETZELBURG
Coletados por Hermogenes Martins

No estudo feito pelo Dr. ph. vom L U ETZELBU RG , na


região do Cariri anotou em seu trabalho as árvores abaixo,
dando-lhes os nomes vulgar, cientifico e a família de cada uma
delas. Trabalho feito com meticulosidade e paciência, Esse tra­
balho de classificação, entregou ao colega Dr. K. Suesson-
guth, da Universidade do Muenchen, Repartição Botânica. Este
incubiu-se de selecionar o material colecionado, separando-o afim
de entregar famílias especificas a especialistas como por exemplo:
as de Euforbiáceas ao Professor Pax, em Breslau, os fétos ao
Professor Copeland, as Verbenécias ao Professor Moldenko. Os
professores Loesenor, Diols, Pilger, Harms, Geopinger, Conse­
lheiro Niodenru, (Malpiguiáceas) encarregadas das classificações
mais delicadas nas respectivas especialidades. A senhorita Dra.
Schneider ajudou muito o professor Suessonguth nêsse trabalho
árduo de classificação exatas dessas especies vegetais.

NOM
E VULGAR SOI CIENTIFICO FAMÍLIA
Cafistula (Canafistu- Cassia, diversas es- Caesalpiniaceas
ia) pecies
Carrancudo Maytenus obtusifoli- Colastráceas
us, Mart
Cipaúba Thiloa glaucocarpa, Combretáceas
Eichl
Imbirida assú Colubrina cordifolia, Ramnáceas
Reiss
João Vermelho Colubrina spoc Ramnáceas
Craíba Simaruba versicolor, Simarubáceas
St. Hil
Açoita Cavalos Luhea divaricata, Tiliáceas
Mart. et Suc
Páu Lacre Vismia guyanesis Gutíferas
Páu Lacre Vismia Martiniana, Gutíferas
Reich
182 IT A Y T E R A

Nome vulgar Nome científico Família


Páu Lacre Vismia aff. guyamen- Gutíferas
si s
Cedro Cedrella glaziovii. Meliáceas
Cas DC.
Cajú bravo Rapanca guyanensis, Mirsináceas
Aubl
Romã brava Sweetia dasycarpa, Papilionáceas
Benth
Balsamo Myrospormum aff. to- Papilionáceas
luiferutn, D J
Faveiro Dimorphandra Gard- Caesalpiniáceas
noriana, Tul
Melosa Cassia hispida, Vahl. Caesalpiniáceas
var. fagonioides, Veg,
Benth
Canafistula do Boi Cassia ferrugnea, Caesalpiniáceas
Scrad
Canafistula da Serra Cassia aff. ferruginea Caesalpináceas
Scrad
Coração do Negro Machaerium acutifo- Poiigonáceas
lium, Vog
Coassú Coccolobua polysta- Papilionáceas
chis, Wedd
Tinguí Maaonia pubescens, Sapindáceas
St. Hil.
Mutamba Guazima ultifolia, Sterculiáceas
Lam
Castanheta Sterculia stricta, St. Sterculiáceas
Hil.
Muricí branco Styraz spec Stiráceas
Páu jangada Apoiba Tibourbou Tiliáceas
Mama de cachorro Vitex Pausheana, Verbenáceas
Moldenke
Páu terra Qualea parvifolia, Voquisiáceas
Mart.
Cajú Anacardium occiden- Anácardiáceas
tale, L.
Páu branco Auxemma spec Borragináceas
Gargaúba Cordia pubescens Borragináceas
Grão de galo Cordia platyphylla, Borragináceas
Steud
IT A Y T E R A 183

Nome vulgar Nome científico Família


Frei George Cordia Gerascaníhus Borragináceas
Louro preto Cordia, spec. Borragináceas
Jatobá de veado Hymenaea eríogyne, Caesalpiniáceas
Benth.
Mororó Baunhinia spec Caesalpiniáceas
Mororó de espinho Raunhinia aculenta Caesalpiniáceas
Gonçalo Alves Astronium graveo- Anacardiáceas
lens, Jacqu.
Pinha brava Aboromea furfuracea Anonáceas
(St. Hil) Baill.
Àraticum Anona spec. Anonáceas
Páu dárco rosa Tecoma impetigiono- Bignoniáceas
sa, Mart.
Páu d’arco amarelo Tecoma achrolenca, Bignoniáceas
Cham.
Caroba Jacaranda Brasiliana, Bignoniáceas
Pohl.
Páu de oleo Copaifera efficindis Caesalpiniáceas
Páu d’oleo (outro) Copaifera Lagsdorf- Caesalpiniáceas
fii, Desf
Carrap dos cavalos Krameria tomentosa, Caesalpiniáceas
St. Hil.
Carrasquim Cassia curvifolia, Caesalpiniáceas
Vogei
Piquí vermelho Caryocar coriaceum Cariocaráceas
Wittm. fa. parvifolias
Piquí branco Caryocar coraiceum Cariocaráceas
fa. grandifolium
Sacatinga Licania aff. Turiuva, Crisobalancáceas
Cham etSchecht
Mofumbo Combretum lepresum, Combrotáceas
Mart.
Cipaúba rasteir Combretum anfractu- Combrotáceas
soum, M.
Àraticum Anona coriácea, Anonáceas
Mart.
Mucunã verde Cratylia floribunda, Papilionáceas
Benth
Quina-quina Roupala rhombifolia, Proteáceas
Mart.
Espinho de Judeu Xylesma cilintifolium Flaceutiáceas
(Oleos) Eichl
Imbiriba Casearia brasiliensis Flacourtiáceas
(eich)
184 IT A Y T E R A

N o m e v u lg a r N o m e c i e n t íf i c o F a m ília
Imbiriba Caiearia deníata, Flacourtiãceas
Eich
Imbiriba preta Piparea spec, Benth Flacourtiáceas
Cravo de Urubú Parophyllum ruderale, Compostas
Cass.
Maniçoba Maninhot trifoliata, Euforbiáceas
Ule
Maniçoba (outra) Maninhot microdon- Euforbiáceas
dron, Ule
Velame Croton glandulosum,
L. var hirtus (L. He- Euforbiáceas
rit) Muell. Arg.
Velame Croton Kletschii, Mu­ Euforbiáceas
ell. Arg.
Velame Croton lobarus, L Euforbiáceas
Velame Croton tenuifelius.Pax Euforbiáceas
et K. Hoffmann
Velame Croton Luetzelburgii, Euforbiáceas
Pax et K. Hoffmann
Velame C r o t o n acradenius, Euforbiáceas
Pax et K. Hoffmann
Velame Croton lobaut, L. var Euforbiáceas
genuinus Muell. Arg.
Sambaíba Curatella americana Dileniáceas
Carrancudo Erythroxylum testa- Eritrosiláceas
ceum, Peyrich
Romã Lafoeisia replicata,
Polh. Lafoensia pacari, Litráceas
St. Hil
Gitó Guarea spec Meliáceas
Orelha de onça Cissampelos ovalfolia Menispermáceas
DC.
Barbatimão Stryphnodendron ro- Mimosáceas
tumdifolium, Mart
Visgueiro Parkia platycophala Mimosáceas
T amboril, Tambaúba Enterobulium Timba- Mimosáceas
úva, Mart.
Páu amarelo Piptadenia spec Mimosáceas
Carrancudo Piptadenia minilifor- Mimosáceas
mis, Benth
Cajuizinho Ouratea parvifolia (St. Ocnáceas
Hil) Engl
Ameixa Ximenia americana, L. Oláceas
ITAYTERA 185

Nome vulgar Nome cientifico Família


Páu cachão Brodemeyera florin- Poligaláceas
bunda, Willd
Almocego Talinum triangulare, Portuláceas
Willd
Congonha Roupala spec Proteáceas
Pãu de leite Plumiera drastica, Mimosáceas
Mart.
Catanduba Piptadenia monilifor- Mimosáceas
mis Benth.
Espinheiro Acacia glomerosa, Mimosáceas
Benth.
Unha de Gato Acacia paniculata, Malváceas
Benth.
Malva rosa Pavonia malacophylla, Rubiáceas
Gardn.
Genipapim (Tocoyena formosa Papilionáceas
Cham. et Schldl) K.
Schum
Mangerioba Sesbania exasperata, Papilionáceas (id)
HBK
Cabola brava Zephytanthus Chamis- Liliáceas
sonis
Malícia de Boi Mimosa asperata L. Mimosáceas

Massambé Cleome spinosa, L. Caparidáceas

Pelo exposto observa-se que o eminente professor foi de


uma meticulosidade a toda prova, nos estudos feitos na zona do
Cariri, principalmente na parte que se relaciona com a serra.
Para êsse estudo media êle 15 metros em quadro, igual
a 225 metros quadrados e fazia os estudos das condições edá-
ficas, onde estava localizada a região estudada, vegetação e às
especies nela encontradas.
Dessa maneira estudou 28 quadros de prospecçâo, sem­
pre com o mesmo empenho, e com a mesma abnegação de
cientista.
Anotou algumas árvores nos taboleiros e na serra do
Araripe a respeito do seu carregamento de frutas. Eis, os resul­
tados destas notas :
186 1T A Y T E R A

ESPfCIE fru ta s por Sem entes por Totalidade de Número Total


galh9 fruto galhos por árvore d as sem entes

Minguiriba 210 1 56 11.760


Pau d’oleo 87 i 23 2.001
Gonçalo Alves 5 97 14 6.790
Caroba 7 140 16 15.680
Banha de galinha 11 1 19 209
Jatobá 22 8 41 7.216
Cipaúba 78 1 64 4.992
Cedro 87 12 68 70.992
Pau terra 37 8 89 26.344
Castanheta 15 7 44 4.620
Tinguí 14 26 32 11.648
Pau d’arco 46 64 94 276.736
Pau jangads 9 185 25 41.625
Angelim 56 11 86 52.976
Pau amarelo 73 14 68 69.496
Inharé 58 1 57 3.306
Piquí 48 1 176 8.448
Timbaúba 98 9 146 129.872

Catalogou 200 espécies diferentes, entre elas algumas


sem classificação cientifica, devido não ter o material completo
para êsse fim.
Depois dêle ninguém mais procurou interessar-se sôbre
o assunto.
Foi mais além, procurou saber a altitude da serra do
Àraripe e assim é que se expressa. «Essa alteração topográfi­
ca — geológica formando êsse vale achatado e largo é a unica
irregularidade que se pode assinalar nesta enorme planura araripa-
na sedimentário — arenítica cuja regularidade contínua é tão
pronunciada que entre o extremo cearense e o pernambucano
há sómente 0,732 ms. de diferença de altitude, acusando a orla
cratense (Ladeira de Belmonte) 961,479 ms., e a extremidade da
serra do lado pernambucano somente 962,209 ms.»
Crato, 26 de Abril de 1960.
H E R M Ó G E N E S M A R T IN S
N O TA : As notas acima foram colhidas no trabalho publicado
no «BO LETIM » orgão da Inspectoria Federal de Obras
Contra as Secas, do Ministério da Viação e Obras Pu­
blicas, volume 9 — Numero 1 — Ano de 1938 — Pa­
ginas : 65, 66, 67 e 69 e outros dados em p á g i n a s
incertas.
ITAYTERA 5.87

O jornalista João Brígido dos Santos, fundador


do «O A R A R IP E », em 1855, o primeiro jornal do in­
terior cearense editado, em Crato. Teve depois atuação

JOAO BRÍGIDO dos san to s

das maiores, na imprensa fortalezense. Foi o Patrono


do Primeiro Congresso de Jornalistas do Interior Nor­
destino, patrocinado pelo Instituto Cultural do Cariri e
conclave vencedor, em tôda a linha.
188 IT A Y T E R A

PARTICIPANTES DO PRIMEIRO CON­


GRESSO DE JORNALISTAS DO INTERIOR
Jeremias Catunda —Diários Associados—Ipueiras
José ltamar Morais — « « —Campos Sales
Julio M. Braga —O P O V O -Iguatu
Walter Menezes Barbosa—O PO V O —Juazeiro do Norte
Manoel Luis Fernandes—O P O V O —Quixeramobim
Acyro de Alencar —D. Associados - Barbalha, agora em Quixadá
Raimundo Moura Sales—Tribuna do Ceará—Capistrano
Nilo Alves de Oliveira—Diários Associados—Aracoiaba
José Gomes Junior—Diários Associados - Cariús
Augusto Fernandes de Oliveira—Diários Associados—Itapipoca
Rubens Linhares da Pácoa—Gazeta de Quixadá—Quixadá
José Teúnas Ferreira de Andrade—Diários Associados—Acaraú
Wellinton Lobo de Mesquita—Diários Associados—S. Quitéra
José Dannyllson Teixeira—Diários Associados—Trairi
Felipe Humberto —Radio Iracema—Sobral
Firmino Alves—Radio Iracema—Sobral
José Gerardo Monte—Diários Associados—Meruoca
Djalma Tomás—Corresp. do Correio da Semana—Nova Russas
Edmundo Soares S á —Diários Associados—Membaça
Antonio Alcantara Nogueira—Diários Associados—Iguatu
Antonio Gomes da Penha —Diários Associados —Pentecostes
J. Ciro Saraiva —Diários Associados - Quixeramobim
F. de Assis Carvalho—Diários Associados - Piquet Carneiro
Luciano Maciel Mamoria—Diários Associados—Acarape
Francisco de Paiva Lima - Diários Associados - Massapê
Paulo de Melo Jorge—Diários Associados —Tauá
Almir Angelim—Radio Iracema —Sobral
José Alves Ferreira —Santuario de S. Francisco —Canindé
Pe. Antonio Vieira—O POVO —Icó
Sebastião Regino - Diários Associados—Viçosa
Geraldo Menezes Barbosa - O Estado—Juazeiro do Norte
Clérigo José Olavo Rodrigues —A Fortaleza
Manoel Eduardo Bezerra —Iguatu
Vicente Sales Gomes - Luta Trabalhista —Caucaia
IT A Y T E R A i 89

Frassineti B. Santos —Diários Associados-Aurora


Comendador Ananías Arruda A Verdade - Baturité
Como é natural—e como cidade-sede do conclave, Crato,
foi quem compareceu ao mesmo com a maior delegação. ✓ Ei-la •'
Dr. J. de Figueiredo Filho (O PO VO ) J. Lindemberg
de Aquino (Radio Araripe) Celso Gomes de Matos (Diários As­
sociados) Dr. Quixadá Felicio (O PO V O ) João Mouzinho de
Queiroz (O Estado) Pedro Gonçalves de Norões (Radio Edu­
cadora) Huberto Cabral (Radio Educadora do Cariri) Jurandir
de Oliveira Nunes (ICC) Dr. José Newton Alves de Souza (A
Ação) Jurandy Temotheo de Souza (O Ideal) Pe. Tiburcio A l­
ves Grangeiro (A Ação) Pe. Irineu Lima Verde (A Ação) Fran­
cisco de Assis Leite (Almanaque do Cariri) Weliugton Alves de
Souza (O Nacionalista)

A DIFU SÃ O DAS COISAS DO CARIRI - O Instituto


Cultural do Cariri constituiu-se em autêntico departamento de
cultura e propaganda do vale, por aí afora, especialmente de
Crato. Em suas fileiras aglomeram-se publicistas que dissemi­
nam notas, reportagens e crônicas na imprensa falada e escrita
de Fortaleza, Recife, Rio e S. Paulo. Até a Agência Transpress
é representada por membros do Instituto. O melhor, entretanto,
é que nossa entidade custeia sêlos de correio e material para cor­
respondência a todos os seus associados militantes na imprensa.
Só isso é folha de serviço inestimável que prestamos a toda a
região caririense, merecendo por isso as atenções das autorida­
des que dirigem as diversas comunas nesta importante zona do
Ceará.

«ITA YTERA » — O escritor Mozart Soriano Aderaldo, da


primeira linha dos intelectuais cearenses, em artigo no «UNI­
TÁRIO», ao concluir a sua lisonjeira apreciação do quarto nú­
mero da revista oficial do I.C.C., assim se expressou :
«Numa região em que, apesar de seus múltiplos aspectos
positivas, enfrenta grandes dificuldades de outra ordem, «Itaytera»
afiguara-se-nos um milagre. Um milagre de fé nos valores espi­
rituais da humanidade, em época de tanto endeusamento da ma­
téria. Um milagre de perseverança e persistência, em um mundo
marcado pela improvisação e irresponsabilidade.»
Família do Pái-Ssco
Antonio de Alencar Araripe
As informações genealógicas, que abaixo se veem, cons­
tam do arquivo que ha vários anos organizo com os subsídios
necessários para a elaboração de projetado livro sobre A F A ­
MÍLIA ALENCAR.
1) Tronco originário
Pelos anos de 1.655 e 1.660 aportou em Sergipe um na­
vio, que vinha de Portugal para o Brasil. Nesse navio passava
uma familia, que na America vinha buscar fortuna.
Fazia parte da familia uma rapariga, da qual na viagem
se agradou o capitão do navio, o qual regressou a Portugal e
depois veio casar com a mesma, apenas ela se tornou nubil.
O novo casal estabeleceu-se em Sergipe, dedicando-se
ao trabalho agrícola, e teve cinco filhos: A NTÃO, JO SÉ , B E ­
A T R IZ , MARIA e IZABEL.
De IZ A BEL. casada em 1.680 com o portuguez Antonio
de Oliveira, troncos conhecidos da familia do PA U -S ê CO, pro­
vieram cinco filhos: JOÃO, APOLONIA, D ESID ER IA , LUI-
ZA e BARBARA. ( 1 )
2)
Por motivos ignorados a familia mudou-se de Sergipe
para o rio São Francisco, acima da então vila de Penedo, na
era de 1.698; vivia ainda o velho capitão de navio, já decrepito.
Ali morava a familia de Antonio de Oliveira, marido de
Izabel.
Residia por esse tempo no Cariri um portuguez de nome
José Pereira Aço, protegido de José Gomes de Moura, rico possui­
dor de toda a ribeira dos Carás, com suas vertentes até a serra
do Araripe, morando êle no sitio Boqueirão, centro de suas terras,
que de ribeira abaixo chegavam até Cabeça da Vaca.
Pelos serviços recebidos de José Pereira Aço, o possui­
dor destas terras lhe cedera na cabeceira da dita ribeira uma
situação no lugar denominado C O R R E N T E GRA N DE, de que
o concessionário fez a sua residência.
José Pereira Aço vivia de negocios, era conquistador de
indios escravizados, e costumava dispor de seus generos mercan-
ITAYTERA 191

tis no Penedo, pois no Ceará era minimo o comercio, e nem


estradas regulares existiam.
Em uma das suas excursões comerciais adoeceu, acon­
tecendo ser tratado da moléstia em casa de Antonio de Oliveira,
genro do velho capitão de navio,
Restabelecido o enfermo, pediu em casamento uma das
filhas do casal, e foi dada a de nome APOLONIA, cujo con-
sorcio se realizou na vila de Penedo em 1.702.
3) Descendencia de Izabel e Antonio de Oliveira:
João não teve filhos. De Apolonia, casada com José P e­
reira Aço procede o Pe. José Ferreira Lima Sucupira, ordenado
depois de viuvo.
De Desideria, casada com João Gonçalves Diniz, proce­
de a familia do Pau-Sêco e a do coronel José Vitoriano Maciel.
De Luzia faltam informações.
De Barbara Oliveira: Antonio de Leão da Franca Alen­
car, pai de Antonio da Franca Alencar e dos padres Antonio
Pereira de Alencar e Joaquim Pereira de Alencar. (2)
4) Descedencia de Desideria Maria do Espirito San­
to e João Gonçalves Diniz:
Tiveram quatro filhos: a) José Gonçalves Diniz, de quem
procede a familia do Olho Dagua: b) Germana, mãe do cel. Jo­
sé Vitoriano Maciel, c) Tereza, casada com Alexandre Leite, o
qual no momento de morrer declarou ser jesuíta egresso, d) Ma­
ria José de Oliveira, casada em 1.758, na vila do Crato, como
portuguez José Cardoso Botelho, natural da cidade de Braga.
Maria José faleceu em 1.808, com mais de 80 anos, e
José Cardoso Botelho finou-se em novembro de 1.809, com perto
de cem anos de idade.
5) Descendencia de Maria José e José Cardozo Bo­
telho :
a) José Cardozo, b) Manoel Cardozo, c) Antonio Car­
dozo, d) Maria, casada com Francisco Ferreira da Silva, e) Luiza,
casada com Manoel Pereira Façanha, f) Helena, casada com
Domingo Leite, g) Clemencia, casada com José Vitoriano Maciel,
h) Tereza, falecida solteira, i) Francisca, falecida solteira, j) Desi­
deria, casada com Joaquim Ferreira Lima, natural do Cariri, no­
meado Capitão-Mor das entradas por patente do Governador
de Pernambuco de 14 de janeiro de 1790, tendo exercido o$
192 1T A Y T E R A

cargos de governador e procurador do Conselho da vila do


Crato.
Desideria faleceu em junho de 1.838, com 78 anos de
idade, e Joaquim Ferreira Lima em 1.813, com 56 anos, José
Cardozo Botelho, depois de casado viveu no sitio Cabreiro por
algum tempo, mas, em 1.785 passou-se para o sitio Pau-Seco;
daí vem a denominação de familia do Pau-Sêco dada aos seus
descendentes.
6) Descendencia de Desideria Maria do Espirito San­
to, casada com Joaquim Ferreira L im a:
a) Manoel Ferreira Lima: (3)
b) Joaquim Ferreira Lima, Sacerdote:
c) João Franklim de Lima, casado com Maria Brasilina de
Alencar: (4)
d) Antonio Ferreira Lima:
e) Vicente Amancio de Lima; (5)
f) Maria, casada em 1.800 com Antonio de Macedo Pimen-
tel, natural do Crato, e falecido em agosto de 1.848, com
76 anos de idade:
g) Ana, casada com Tristão Gonçalves de Alencar Araripe;(6)
h) Izabel, faleceu solteira em Fortaleza, a 17 de Fevereiro
1.897.
7) D escendencia de J o ã o F ran klim de L im a, casado com
Maria Brasilina de Alencar, ele falecido a 8 de junho de 1871»
e ela a 12 de abril de 1874: (7)
a) Candida, falecida ainda criança;
b) Argentina, casada com Tristão de Alencar Araripe, ela
falecida a 27 de janeiro 1904, e ele a 4 de julho de
1908: (8)
c) Bolivia Franklim de Alencar Lima, casada com João Leo­
nel de Alencar, faleceu sem descedencia;
d) Liberalina Franklim de Alencar Lima, solteira:
e) Cicero Franklim de Lima casado com Maria de Macedo
Lima, ele falecido a 30/12/1906; (9)
f) José Franklim de Alencar Lima, tratado por Zumba, ca­
sado com Etelvina Moreira de Alencar Lima, faleceu no
Rio a 21/11/1901:
IT A Y T E R A 193

g) Euclides Franklim de Alencar Lima, casada, em primei­


ras núpcias com Neutel Norston de Alencar Araripe, e
em segundas com José Amancio de Lima, falecida em
Rio Branco, Amazonas; (10)
h) Maria Franklim de Alencar Lima (Maróca), casada com
o dr. Praxedes Teodulo da Silva, natural do R. G. do
Norte, ela faleceu em Pacatuba a 9/1/1897. (11)
i) Tristão Franklim de Alencar Lima casado com Maria
Nogueira Jaguaribe, sua prima, filha do Senador Viscon­
de de Jaguaribe, no dia 2 / 2 / 1877; faleceu no Rio a
16/10/1905; (12)
j) Ana Franklim de Alencar Nogueira, casada com Pauli-
no Nogueira Borges da Fonseca (desembargador), falecida
em Fortaleza a 21/5/1888. (13)
7)
Descendencia de Maria de Macedo Pimentel, casada em
1800 com Antonio de Macedo Pimentel:
a) Marcos Antonio de Macedo, nascido a 18/6/1808, fale­
ceu na Europa a 15/12/1872; (14)
b) Antonio de Macedo;
c) José Onorio de Macedo;
d) João de Macedo Pimentel;
e) Raimundo de Macedo;
f) Joaquim de Macedo Pimentel casado com Maria Dorgi-
val de Alencar Araripe, filha de Tristão Gonçalves de
Alencar Araripe, falecida a 31/12/1887. (15)
Ana Porcina de Lima. nascida a 16/2/1789, e falecida
a 15/10/1874, casou-se com Tristão Gonçalves a 11/7/1810 no
Crato, Tristão nasceu a 17/9/1789 e faleceu a 31/10/1824, quan­
do foi assassinado pelos imperialistas.

(D
A parte principal desses apontamentos genealógicos cons­
ta. de apontamentos deixados por meu tio-avó, Conselheiro Tris­
tão de Alencar Araripe, neto da heroina Barbara, jurisconsulto,
parlamentar, presidente dos Estados do R. G. do Sul e do Parã,
Ministro da Justiça e da Fazenda, no governo de Deodoro da
Fonseca, e do Supremo Tribunal Federal, em que se aposentou.

( 2)
Também era neto de Barbara de Oliveira, Francisco
Leão da Franca Alencar, falecido a 12/6/1881, c. Com Maria
194 ITA Y T E R A

Leopoldina do Monte, de quem é filho o cel. Nelson da Franca


Alencar, do Lameiro, e neto o sr. José Horacio Pequeno, atual
prefeito de Crato. Antonio de Leão era casado com Inacia, irmã
da h e r o i n a Barbara e bisavó do Almirante Alexandrino de
Alencar.
Dessa linhagem procedem os doutores Meton (avô, pai
e filho) e famílias.
(3)
Manoel Ferreira Lima, conhecido por Maninho, c. com
Maria Alves Feitosa, neta do coronel Francisco Alves Feitosa.
De seu filho Vicente Alves de Lima, c. com Izabel Ba­
tista de Lima, filha de Antonio Romão Batista (tio do pe. Cíce­
ro), procede Pedro Alves de Lima, avô do jornalista e escritor
José Figueiredo Filho, autor do «Meu Mundo é uma Farmacia»,
«Engenhos de Rapaduras do Cariri», e outros trabalhos.
(4)
Maria Brazilina um dos doze filhos de Leonel Pereira
de Alencar (Seu Dão) e Maria Xavier da Silva. Ele foi barba­
ramente assassinado em Jardim, a 28/9/1824, por uma orda de
facínoras comandados por Antonio Francisco, procurador da ca-
mara. Em livro de notas do l.° Cartorio daquela cidade encon­
tram se procurações em que ele é tratado por «Capitão Coman­
dante», e a mulher, se bem que oriunda da família Carvalho,
tem o sobrenome acima indicado (fls. 46/, 133v, atos de 16/7/
1817, e 29/1/1818). Entre os seus descedentes ilustres destaca-
se O T T O Alencar, professor da Escolha de Engenharia, talento
genial.
(5)
Vicente Amancio de Lima casou-se, a l.a vez, com Te-
reza Augusta de Lima, com quem teve 11 filhos; a 2a. com
Clara Vitoria de Macedo, que deixou 3 filhos.
No testamento, com que faleceu, confirma a paternidade
acima indicada. (Ato de 13/9/1857). Seu filho, Ernesto, casou-se
com Barbara da Franca Alencar, irmã do cel. Nelson, deixando
numerosa família, em maior parte residente em Santana do
Cariri e Nova Olinda.
( 6)
Ana Porcina, depois que seu marido foi barbaramente
assassinado, a 31 de 1824, pelos asseclas dos imperialistas, em
Santa Rosa, manteve-se em rigoroso luto e passou a assinar-se
ANA T R IS T E DE A RARIPE. Com o novo sobrenome figura
no livro « H e r o i n a s do Brasil», do marechal Carlos Augusto
Campos.
ITAYTERA Í95

Por decreto da Regencia, de 20/6/1833; foi-lhe conce­


dida uma pensão anual de 400$000, em vista «dos relevantes
serviços prestados por seu marido, com singular patriotismo, a
bem da liberdade e independencia do Império, em diferentes pro­
víncias, com total prejuizo da sua fazenda e ultimo sacrifício de
sua pessoa».

(7)
A escritora Rachel de Queiroz pertence à familia Alen­
car, por duplo laço de origem. Sua mãe Clotides, é filha de
Rufino Franklim de Lima, neta de Cicero Franklim de Lima, e
bisneta de João Franklim de Lima e Maria Brasilina de Alencar.
Como Cicero Franklim casou-se com Maria de Macedo Lima,
filha de Maria Dorgival de Alencar Araripe, mulher de Joaquim
de Macedo Pimentel, segue se que Rachel é tetraneta de João
Franklim e quarta-neta de Tristão Gonçalves.
Descende de dois filhes da heroina Barbara, sua quinta-
avó; Leonel e Tristão.
( 8)
Argentina nasceu em São José da Muritiba, do municí­
pio de Cachoeira, da Bahia, onde seu pai estava refugiado, de­
vido aos sucessos políticos de 1817. Casou-se com Tristão a
1 2 - 6 —1847. Entre os filhos do casal, encontra-se o escritor
e jurista Araripe Junior.
(9)
Cicero Franklim nasceu a 16/12/1832. João Brigido, em
artigo inserto no UNITÁRIO de 2 de janeiro de 1.908, noticia
seu falecimento referindo que, por bravura, voltou do Paraguai;
como Alferes do Exercito que pertencia a «duas grandes e po­
derosas famílias do sul do Ceará»; que era otimo engenheiro
mecânico e exerceu muitos cargos de eleição e nomeação.
Conclui afirmando ser «um homem muito de bem: viveu
e morreu em paz com sua consciência». Deixou interessantíssimos
« A p o n t a m e n t o s Biográficos», a que brevemente darei
publicidade.
10
Neutel é filho de Tristão Gonçalves e casou-se tres
vezes: a la. com Umbelina de Lima Sucupira, a 2a. com Leo-
poldina de Lima Sucupira, e a 3a. com Euclides. Do I o casamento
procede Matildes Umbelina de Araripe Sucupira, professora
publica, que meu pai, Otaviano Cicero de Alencar Araripe, des-
posou em primeiras núpcias; do 2° nomeiam-se; entre os descen­
196 IT A Y T E R A

dentes: o cel. Tristão Sucupira, morto em Canudos, a mulher


do general Cláudio Rocha Lima, o Gen. Tristão e o cel. aviador
Adalberto Araripe, o gen. Mario Velasco, o desembargador
Arnaldo de Alencar Araripe.
( 11)
Filho do casal: Major Praxedes Teodulo da Silva Junior,
que foi professor do Colégio Militar de Fortaleza.
( 12)
O dr. Domingos José Nogueira Jaguaribe, que teve o
titulo de Visconde de Jaguaribe, foi deputado, senador e Ministro
de Estado no Império. Exerceu o cargo de Juiz de Direito de
Crato, e casou-se com Clodes, filha de Leonel Pereira de Alencar,
de Jardim.
(13)
Paulino Nogueira foi deputado geral, magistrado, histo­
riador, homem dotado de excepcionais virtudes morais. Seu filho
o engenheiro João Franklim de Alencar Nogueira seguiu a
mesma admiravel linha de correção na vida publica e particular.
( 14)
De Marcos Antonio de Macedo diz João Brigido, em
artigo inserto no UNITÁRIO (ns. 938/939) que «foi um homem
dos mais notáveis do Ceará, a cuja historia ligou seu nome com
muito lustre». Foi Juiz de Direito de Crato e Vassoura, Deputado
Geral pelo Piaui e Presidente dessa Província. Homem de ciên­
cia e letras, deixou trabalhos publicados de notável relevo, que
ainda hoje são citados com proveito.
( 15)
Desse casal ha descendencia numerosíssima, a que per­
tencem, ou estão vinculados: o Brigadeiro Joelmir Campos de
Araripe Macedo, seu irmão o Contra-Almirante Zilmar, o Ge­
neral Francisco Benevolo, seu genro desembargador Sales An'
drade, o professor de engenharia Mario Verneck de Alencar,
o Cel. José de Araripe Macedo, professor do Colégio Militar,
o General Francisco de Araripe Macedo, os engenheiros arqui-
tectos irmãos 11a, Rub e Luiz Schucler de Araripe Macedo.
ANA TRISTE
Outra heróica e veneranda figura de mulher é a de d.
Ana de Alencar Araripe, esposa do bravo e legendário chefe
da Confederação do Equador, no Estado do Ceará, Tristão
Gonçalves de Alencar Araripe.
Já em paginas anteriores fizemos o historico do que foi
esse patriótico e admiravel movimento democrático de 1824, do
qual resultou a proclamação imediata da chamada Confederação
do Equador, que estabeleceu, embora efemeramente, a republica
federativa na vasta zona do território brasileiro, ocupada pelos
atuais Estados de Alagoas, Pernambuco, Paraiba, Rio Grande
do Norte e Ceará, devendo estender-se mais tarde até ao ex­
tremo norte, bem assim ao centro e mesmo ao sul do Brasil,
apesar das províncias desta ultima porção do nosso território
terem aderido á dissolução da Assembléia Constituinte e jura­
do a Constituição outorgada por D. Pedro I.
O fim supremo da Confederação do Equador era formar
o primeiro e principal núcleo de Estados federados, para firmar
o novo regime e organizar a administração pública em geral,
conseguindo-se logo a união dos cinco Estados já mencionados,
tendo Pernambuco por centro c-om o governo constituído na
sua capital, sob a presidência de Manoel Carvalho Paes de An­
drade, o heroico proclamador da Confederação. Obtido isso, o
mais viria pouco a pouco, porque era preciso sustentar o movi­
mento com as armas na mão, proseguindo-se na luta iniciada
contra as tropas imperiais, que buscavam contrastar e sufocar
os ideais republicanos, em via de realização pratica.
O brilhante movimento político e social, qual é sabido,
triumfou do primeiro golpe no Recife, onde se originára. Daí
irradiou subitamente, como um rastilho de polvora, para as Ala­
goas, para a Paraiba, para o Rio Grande do Norte, para o
Ceará.
Nesta ultima província foi ele patriótica e entusiastica­
mente abraçado por Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, por
toda a sua familia e pela multidão de seus partidários.
Alencar Araripe era então, talvez, o homem de maior
destaque do Ceará, pelo seu caracter e suas grandes virtudes
civicas. Cidadão qual pela sua ilimitada filantropia, pessoalmente
bravo, energico e decidido, fanatizava geralmente os conterrâneos,
198 IT A Y T E R A

que ainda o amavam e se lhe devotavam incondicionalmente pelo


seu rijo e intransigente espirito nativista, muitíssimo apreciável
e louvável sobretudo nessa época da formação de nossa nacio­
nalidade, em que era forçoso e indispensável abrasileirar inteira­
mente a patria, ainda sob os usos e costumes atrasadíssimos dos
colonizadores, dos portugueses, os quaes, apesar de feita a In­
dependência, se consideravam—e quase o eram de facto—senhores
absolutos da terra, dominando e enfeudando tudo discreciona-
riamente, entronados em todas as posições, especialmente nas
políticas e administrativas...
Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, apenas teve no­
ticia da proclamação da República em Pernambuco, a 2 de julho
de 1824, poz-se corajosa e decisivamente à frente de seus par­
tidários e da maioria do povo cearense, depondo o governo
provincial e sendo aclamado seu principal chefe.
Mas algumas forças imperiais foram enviadas imediata­
mente para o Ceará, afim de restabelecerem o regime monar-
chico. Urgente se tornou então preparar ali, por toda a parte,
a resistência. E Alencar Araripe não perdeu tempo, desenvolven­
do a maxima atividade e energia nesse sentido.
Enquanto se demorava em Fortaleza a organizar o go­
verno e a dar uma forma nova e democrática ás coisas públicas,
ás finanças, fez partir para o interior, para o sertão, para as cida­
des e vilas mais importantes, os seus melhores auxiliares, a le­
vantarem patriotas que pudessem sustentar a nova ordem de
coisas e enfrentar firmemente a luta prestes a travar-se.
Em tudo isso teve a secundá-lo, a animá-lo e ampará-lo
sempre afetiva e moralmente o espirito de d. Anna, a dedicada
e incomparável esposa, cuja energia, atividade, entusiasmo e
denodo pela causa pareciam um perfeito desdobramento dos dele.
Mas a sua intervenção no movimento não se limitava somente
a essa influencia, o que aliás já bastante significava e valia.
Ela ia e foi muito mais longe, encarregando-se de certas missões
de sigilo e confiança entre o marido e os sub chefes da revo­
lução.
Para o desempenho cabal dessas missões, teve de deixar,
por varias vezes, o lar, onde a sua presença era indispensável
e preciosa à familia, aos filhos, um dos quais amamentava ainda.
Mas o seu ideal de patriotismo, de nativismo, de democracia,
ela o superpunha a tudo—e marchava léguas a pé, sozinha, por
invios e desertos caminhos, durante dias e noites, entre a F o r­
taleza e os locais onde se achavam as falanges republicanas. E
não regressava nunca sem que houvesse cumprido plena e efi­
cazmente a sua missão. Nessas ocasiões falava aos revolucioná­
rios, exortando-os à luta, a cumprirem o seu dever, a darem a
ITAYTERA 199

vida pela Liberdade, pela Republica, pelo Brasil.


Quando o marido, depois de organizar a administração
cearense e entrega-la a um de seus amigos e partidários tido
por homem firme e de confiança, o cidadão José Felix de Aze­
vedo e Sá (que aliás mais tarde lamentavelmente defeccionou
diante de Cochrane, que bloqueava por mar o Ceará) partiu a
assumir o comando geral das forças republicanas e acudir a
este e aquele ponto, onde a pugna o reclamava,—ela o acom­
panhou sempre, de perto ou de longe, conforme as circunstancias,
encorajando-o, concitando-o incessantemente a manter «quand
même» as posições e não ceder um passo ao imperialismo, ao
absolutismo de Pedro I, senão quando a morte o fulminasse, e
deixasse estendido no campo.
Dir-se-ia uma spartana.
Efetivamente, quando os combates com os imperialistas
se pararam tremendos, irresistíveis, e já na capital, o presidente
interino Azevedo e Sá, cedendo à intimação de Cochrane, man­
dava rearvorar em palacio a bandeira monárquica, e, no Icó,
José Pereira Filgueiras, em ultimo extremo, abatera armas as
hostes monárquicas—Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, com
os seus derradeiros e dedicados camaradas republicanos, resistia
ainda, até que pereceu, com a maior parte deles e com a Con­
federação do Equador, no renhidismo e memorável encontro de
Santa Rosa...
D. Anna cobriu-se então de luto, entregando-se exclu­
sivamente, daí por diante, ao culto da memória do marido e á
educação dos filhos, procurando e conseguindo reconstituir, no
decorrer de alguns anos, pelo trabalho ingente e honesto o pri­
mitivo conforto do seu lar e uma parte dos haveres que a re­
volução lhe levara no seu medonho torvelinho.
Nunca mais, desde então até sua morte, tirou os pesados
crepes do seu luto, nem nunca mais externou uma alegria. A
sua face austera espiritualizara-se numa eterna expressão de tris­
teza e de dôr. Daí o significativo e merecido cognome de «Ana
Triste», que lhe deu o povo, e pelo qual se tornou conhecida.
D. Anna de Alencar Araripe era mãe do conselheiro
Tristão de Alencar Araripe, que foi, muitas vezes, durante o
segundo império, deputado geral pelo Ceará, presidente de varias
províncias, entre as quais Pernambuco e Rio Grande do Sul —
os grandes baluartes do espirito republicano no Brasil, desde
os mais antigos tempos —ministro da Fazenda no governo do
marechal Deodoro e ministro do Supremo Tribunal Federal, em
200 IT A Y T E R A

cujo cargo se aposentara, falecendo nesta capital, aos 82 anos


de idade, em 1909.
A ilustre heroina era avó do eminente escritor Araripe
Junior, membro da Academia Brasileira, que faleceu em 1912
no alto posto de consultor jurídico da Republica, e que foi um
dos nossos maiores críticos literários, tendo deixado sobre o
assunto numerosíssimas e valiosas obras.
(Do Livro «HEROINAS DO BRA ScL»)

DO REITOR MARTINS FILHO


A O PADRE GOMES
O historiador cratense Padre Antônio Gomes re­
cebeu o seguinte telegramas
Acuso recebimento exemplar «ITA YTERA » contendo seu
magnífico trabalho sobre meus ancestrais et colaterais qual re­
vela mais uma vez excepcionais qualidades emerito pesquisador
e ressalta sua valiosa constante colaboração sentido divulgar fatos
que contribuiram para formação social região sul cearense p agra­
decendo honrosas referencias minha pessoa envio condial abraço
prezado eminente amigo pt M A RTIN S FILH O —Reitor.

AGRO PECU ÁRIA E D E SE N V O L V IM EN T O DO N O R­


D E ST E — O Prof. F. Alves de Andrade Catedrático de Ivotec-
cnia Espectal da Agronomia da Universidade do Ceará é dos
agrônomos que mais trabalha para o alevantamento do nivel dé
cultura agrícola e de pecuária, no Ceará. É professor de cadeira
especializada, formando técnicos em agricultura e sua brilhante
pena consagra-se inteiramente à difusão do ensino moderno dos
métodos de cultivo do solo e da criação, sob moldes racionais.
Sabe êle que para o combate à calamidade das sêcas não pre­
cisamos unicamente de açudes. O homem é fator indispensável
nessa luta gigantesca. Agora mesmo lançou «Agropecuária e De­
senvolvimento do Nordeste.» Ê livro de ensinamentos, escritQ
por um perfeito didata. A obra, de mais de duzentas páginas,
editada pela Imprensa Universitária do Ceará, é também enrique­
cida com fotografias expressivas e gráficos da região.
-Município Padrão-
Antônio C. Coelho

Crato bem pode ser um município « padrão», até mesmo


para todo o território brasileiro.
Com os seus 984 quilômetros quadrados, as suas terras
variadas oferecem boas condições para a agricultura e pecuária.
Há zonas apropriadas à cultura de cana-de-açucar, arroz e fru­
tas em geral; existem outras que se prestam para o algodão,
milho, feijão e mandioca. A pecuária pode ser praticada em qual­
quer parte do território. Além destes produtos considerados os
principais, existem vários outros com influência na economia mu­
nicipal: café, amendoim, côco da hahia, côco babaçú, macaúba,
pequi, nogueira, cebola e alho. No reino mineral, já se conhece
a existência, em larga escala, de gêsso, xisto betuminoso, lages
e pedras calcáreas, devendo haver outras importantes reservas
minerais, sobretudo nas regiões de pés-de-serras. Talvez em todo
o nordeste brasileiro não haja um outro município com a varie­
dade de produtos agrícolas e diversidade de fontes de riqueza
do Crato.
Se é assim o seu território, muito mais temos o que ver
na sede municipal. A cidade cresceu de modo uniforme, num
progresso ajustado em todos os seus aspectos. Desenvolveram-
se o comércio e a indústria, mas, ao mesmo tempo, evoluiram a
instrução — ao ponto de faculdades, o campo assistencial — ao
nível de bons hospitais, maternidade e abrigos, a cultura intelec­
tual — ao ponto de institutos de cultura, a imprensa — à altura
de duas boas rádios emissoras, jornais e revistas, o setor diver-
sional — através de excelentes clubes e cinemas e, finalmente,
o plano material — com importantes edifícios e bonitos e ele­
gantes bairros residências.
Dificilmente se encontra um município assim, sobretudo
nas regiões norte, nordeste e leste do país. Mesmo lá para as
bandas do sul, cujas terras são privilegiadas pela natureza epela
ação governamental, as cidades crescem vertiginosamente, dei­
xando, porém, muito a desejar, ora no campo cultural, ora no
setor social. No norte, o que as comunas têm é vastidão terri­
torial. No nordeste, com exceção das capitais e de um reduzido
número de umas cinco cidades interioranas, há muito é atraso.
Crato se apresenta com uma boa vastidão de terras pro­
dutivas e dadivosas, ao mesmo tempo em que a sua sede muni­
102 IT A Y T E R A

cipal se constitui de uma importante cidade, progressista, simpá­


tica, hospitaleira e alegre, com agradáveis peculiaridades e carac­
terísticas já conhecidas no Brasil inteiro. É um notável centro
urbano, num magnífico território.
Crato é um Municipio Padrão.
* *
A seguir, alguns informes estatísticos que atestam bem
o grau de progresso desta boa terra:

GADOABAliDOPARA0 CONSUMOPÚBLICO:
P O P U LA Ç Ã O :
(1960)
Situação - Recenseam ento 1950 - Recenseam ento 1960
Cidade. . 15.470 27.649 Espécie — Quantidade
Vilas . . 1.312 1.659 Reses . . . . 6.569
Zona rural 29.626 30.156 Suinos . . . . 4.913
Ovinos . . . . 651
T o t a l . 46.408 59.464
Caprinos . . . 1.478

RENDAS PÚBLICAS EM 1958:/1960:


Repartição 1958 (Ci$) 1959 (Ci$) 1990 (Ci$j
Prefeic. Municipal 9.490.887,50 14.668.147,20 19.645,242,90
Coletoria Estadual 23.898.524,00 31.614.753,50 54.605.541,00
Coletoria Federal 4.388.966,20 9.693.576,70 14.020.204,40

ENSINO E EDUCAÇÃO 1961


Espécie do Estabeiecimento Quantidade Estudantes Quantidade
Colégios e ginásios . . 5 No ensino primário 7.816
Escola de Comércio . . 1 No ensino médio . . 1.823
Seminários (ens. religioso) 2 No ensino superior 47
Escolas Domésticas . . 3 TOTA L . . . 9.686
Escolas de Datilografia. 3
Grupos Escolares . . 5
Escolas Primárias Isoladas 240
Liceu de Artes e Ofícios 1
Instituto Brasil-E. Unidos 1
FACULDADES . . . 2
1T A Y T E f c A 103

± 2 sr^ zc^
Foram Müítiplas as Atividades do Instituto
Cultural do Cariri, nos Últimos Meses
Pag. 3
Mitos e Realidades
Pe. Antonío Gomes de Araújo « 7
Nossa Senhora da Penha de França
Pe. Rubens Lóssio « 17
Congresso Pioneiro
Duarte Junior « 69
Fomento ao Turismo no Cariri
J. Lindemberg de Aquino « 79
0 Padre Vicente Soter
Celso Gomes de Matos « 83
Padre Mestre Ibiapina
Mons. Silvano de Souza « 89
Correção de Equívocos
A. A. « 111
Senador Alencar
Antônio de Alencar Araripe « 113
Da Significação de Brasília
Fco. Givaldo Peixoto de Carvalho « 117
D. Vicente, Escolhido Terceiro Bispo de Crato
J. de Figueiredo Filho « 123
Em que Pese o Estigm a... Êles Construiram
e Conservaram Imperecivel Monumento
Cel. Raimundo Teles Pinheiro « 126
O Nordeste e o Oriente Médio
Hermínio Conde « 129
Minha Bandeja é Fria
Quixadá Felicio « 141
Poemas
José Newton Alves de Sousa « 143
O Sentimento Nativista e a Independencia
Jurandy Temoteo « 147
IT A Y T E R A 204

Jornada Final
Luiz Sampson Pag. 150
A Universidade Que Mais Cresce no Brasil
F. S. Nascimento « 151
Trovas
José Alves de Figueiredo « 157
Um Túmulo Que Se Abre Sobre a História
Joaquim Pimenta « 161
Encaste de Duas Pérolas
José de Morais Holanda « 169
Engenhos de Rapadura do Cariri
Mauro Mota « 171
Fato Inédito na Vida Política do Cariri
Otacilio Anselmo « 175
Nomes de Algumas Arvores nos Taboleiros
e na Serra do Araripe
Hermógenes Martnis « 181
A Família do Pau-Scco
Alencar Araripe « 190
Ana Triste
(Transcrição) « 197
Municipio Padrão
Antônio C. Coelho « 201
Composta e impressa
na
Tip og rafia de « I liç ã o »
__________
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Transferências de fundo.
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Ordens de pagamentos etc. m

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