Elementos Do Cálculo Fracionário

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Jornal Eletrônico de Ensino e Pesquisa de Matemática

(1s.) v. 2 1 (2018): 45–79. Jeepema–ISSN-2594-6323.


c
www.dma.uem.br/kit/jeepema

Elementos do Cálculo Fracionário

Sandra Maria Tieppo –UFPR e Sandro Marcos Guzzo–UNIOESTE

Resumo: O cálculo fracionário é o ramo da matemática que estuda os concei-


tos de derivada e integral de ordem arbitrária. Estes conceitos são úteis para a
modelagem matemática de fenômenos que envolvem equações diferenciais de
ordem arbitrária. Neste trabalho daremos uma definição de derivada e de inte-
gral de ordem arbitrária e suas principais propriedades. Aplicaremos também
a teoria do cálculo fracionário em equações diferenciais ordinárias (EDOs) de
ordem arbitrária.

Palavras-chave: Cálculo fracionário. Derivada fracionária. EDOs de ordem


fracionária.

Sumário

1 Introdução 46

2 Função Gama 48

3 Função Beta 49

4 Funções de Mittag-Leffler 52

5 Transformada de Laplace 54

6 Integral fracionária (de Riemann-Liouville) 63


Elementos do Cálculo Fracionário 46

7 Derivada fracionária (de Caputo) 68

8 EDOs de ordem fracionária 74

9 Considerações finais 78

1. Introdução

Uma das ferramentas mais importantes na compreensão de fenôme-


nos naturais é a Modelagem Matemática. A ideia é identificar características
fundamentais do sistema a ser estudado, de maneira a se obter um conjunto
de regras matemáticas simples o suficiente para que se possa extrair informa-
ções úteis delas, mas que ainda descrevam os fenômenos mais importantes
associados ao sistema em questão.

Estas regras assumem as mais diferentes formas, dependendo da na-


tureza do problema e da conveniência na obtenção de soluções. Em diversas
situações este conjunto de regras conduz a uma equação diferencial ordinária
(EDO). Em alguns casos entretanto, a equação diferencial obtida não pos-
sui ordem inteira, conduzindo ao caso de uma equação diferencial de ordem
fracionária. Mesmo quando a equação diferencial possui ordem inteira a mo-
delagem por equações de ordem fracionária pode descrever uma modelagem
mais precisa do fenômeno de interesse.

O cálculo fracionário é o ramo da matemática que estuda a exten-


são dos conceitos de derivada e de integral para uma ordem arbitrária (não
necessariamente fracionária). Esta definição foge do conceito tradicional de
derivada e integral de um curso de cálculo diferencial e integral.

O conceito de cálculo fracionário (derivadas e integrais de ordem ar-


bitrária) não é novo. Em 1695 L’Hospital escreveu uma carta para Leibniz,
Elementos do Cálculo Fracionário 47

dn y 1
perguntando: “Qual o significado de dx n se n = 2 ?”. Leibniz respondeu:
“Um aparente paradoxo, do qual algum dia, consequências úteis poderão ser
feitas”. L’Hospital é conhecido como o pai do cálculo fracionário.

Nas últimas décadas vários autores deram seus significados particu-


dn y
lares para a expressão dx n com n não necessariamente inteiro positivo. Por
este motivo existem várias noções de derivada de ordem não inteira, tam-
bém chamada derivada de ordem fracionária, mesmo que a ordem não seja
necessariamente um número racional. Naturalmente algumas definições se
mostraram mais úteis do que outras em virtude de suas melhores proprieda-
des.

Embora existam muitas aplicações para o cálculo fracionário, neste


texto estamos interessados apenas em um estudo teórico preliminar. Tam-
bém nos restringiremos às definições de integral de ordem fracionária de
Riemann-Liouville e de derivada de ordem fracionária de Caputo. Para o
desenvolvimento da teoria do cálculo fracionário será importante o conheci-
mento de alguns outros conceitos como a função gama, a função beta e as
funções de Mittag-Leffler.

O objetivo deste texto é introduzir ao leitor aspectos do cálculo fra-


cionário, e para isto, está organizado da seguinte maneira. Primeiro estuda-
remos conceitos importantes para um melhor entendimento das derivadas e
integrais de ordem arbitrária. Na sequência apresentamos as noções de in-
tegral de ordem fracionária de Riemann-Liouville e derivada fracionária de
Caputo. Apresentaremos também algumas propriedades das integrais e deri-
vadas de ordem fracionária. Por fim apresentamos duas equações diferenciais
de ordem arbitrária e suas soluções por meio da teoria apresentada.
Elementos do Cálculo Fracionário 48

2. Função Gama

Definição 2.1. A função gama é a função que a cada real positivo x > 0
associa o número real representado por Γ( x ) determinado pela integral
Z ∞
Γ( x ) = t( x−1) e−t dt.
0

Notemos que a função gama é uma integral imprópria. É preciso


portanto garantir a convergência desta integral. Pode ser provado que a inte-
gral converge qualquer que seja x ∈ (0, ∞). Mais ainda, a integral converge
se x ∈ C com Re( x ) > 0. Neste texto entretanto não temos o interesse na
definição desta função a valores complexos.

Dentre as importantes propriedades da função gama podemos citar


que para qualquer x > 0,
Γ( x + 1) = xΓ( x ), (1)

e que Γ(1) = 1 = 0!. Estas duas propriedades fazem a função gama ser
chamada de fatorial generalizado. De outra forma, a função gama é definida
para todo x ∈ (0, ∞), mas quando restrita ao conjunto dos naturais, se resume
ao fatorial.

De fato, para qualquer n ∈ N,

Γ(n + 1) = nΓ(n)

= n ( n − 1) Γ ( n − 2)
= n(n − 1)(n − 2)Γ(n − 3)
..
.

= n(n − 1)(n − 2) · · · Γ(1)


= n(n − 1)(n − 2) · · · 1 = n!.

Para as demonstrações das afirmações dadas acima, outras informa-


Elementos do Cálculo Fracionário 49

ções e propriedades sobre a função gama ou a sua definição a valores com-


plexos, sugerimos Oliveira (2012).

3. Função Beta

A função Beta é definida em geral a dois parâmetros complexos z e w,


com Re(z) > 0 e Re(w) > 0. Entretanto, neste texto não estamos interessados
no trato com números complexos e portanto faremos a definição da função
beta a dois parâmetros reais.

Definição 3.1. A função beta é a função que a cada par de números reais u e
v positivos faz corresponder o número B(u, v) dado por
Z ∞
B(u, v) = tu−1 (1 + t)−u−v dt.
0

Pode-se provar que a integral imprópria da definição anterior con-


verge para quaisquer que sejam u, v ∈ (0, ∞) ⊂ R. A seguir veremos alguns
resultados importantes sobre esta função. Em particular estamos interessados
em uma propriedade que relaciona a função Beta com a função Gama.

Proposição 3.2. Se u e v são dois números reais positivos, então


Z ∞ Z 1
u −1 −u−v
t (1 + t ) dt = su−1 (1 − s)v−1 ds.
0 0
t ds
Demonstração. Fazendo a mudança de variáveis s = t +1 , temos que dt =
1
( t +1)2
. Também quando t → ∞ temos s → 1 e quando t = 0 temos s = 0.
Segue que
Z ∞ Z ∞  u −1
u −1 −u−v t
t (1 + t ) dt = (1 + t)−u−v (1 + t)u−1 dt
0 0 1+t
Z ∞  u −1
t
= (1 + t)−v−1 dt
0 1+t
Z ∞  u −1
t 1
= (1 + t ) − v +1 dt
0 1+t ( t + 1)2
Elementos do Cálculo Fracionário 50

Z ∞   − v +1 Z 1
u −1 1 ds
= s dt = su−1 (1 − s)v−1 ds.
0 1−s dt 0

A última proposição nos dá uma forma alternativa para a função beta.


Deste ponto em diante, para quaisquer u e v positivos,
Z 1 Z ∞
B(u, v) = tu−1 (1 − t)v−1 dt = tu−1 (1 + t)−u−v dt, (2)
0 0

sendo que escolheremos a integral a ser utilizada, dependendo do interesse.


Como por exemplo fica evidente que a integral em [0, 1], com a mudança de
variável t = (1 − s), nos conduz à igualdade B(u, v) = B(v, u) para quaisquer
reais positivos u e v. Esta propriedade não ficaria tão evidente se utilizada a
integral em [0, ∞). Também para provarmos a relação entre a função Beta e a
função Gama usaremos a integral em [0, 1]. A próxima proposição trata desta
relação, e para ela precisamos de um lema auxiliar.

Lema 3.3. Se u e v são números reais positivos, então


Z π
2
B(u, v) = 2 cos2u−1 θ sen2v−1 θdθ.
0
Demonstração. De fato, da definição
Z 1
B(u, v) = tu−1 (1 − t)v−1 dt,
0
dt
fazendo a mudança de variáveis t = cos2 θ, temos dθ = −2 cos θ sen θ, e então
Z 1
B(u, v) = tu−1 (1 − t)v−1 dt
0
Z 0
=− π
(cos θ )2u−2 (1 − cos2 θ )v−1 2 cos θ sen θdθ
2
Z π
2
= (cos θ )2u−2 (sen θ )2v−2 2 cos θ sen θdθ
0
Z π
2
=2 (cos θ )2u−1 (sen θ )2v−1 dθ.
0
Elementos do Cálculo Fracionário 51

Proposição 3.4. Se u e v são dois números reais positivos, então


Γ(u)Γ(v)
. B(u, v) =
Γ(u + v)
Demonstração. Da definição da função gama, temos que
Z ∞ Z ∞
( u −1) − t
Γ(u)Γ(v) = t e dt s(v−1) e−s ds
0 0
Z ∞Z ∞
= e−t−s t(u−1) s(v−1) dtds.
0 0

Fazemos a mudança das variáveis t e s para as variáveis ρ e θ pelas


expressões
t = ρ cos2 θ e s = ρ sen2 θ,

e temos que quando t ∈ (0, ∞) e s ∈ (0, ∞) então ρ ∈ (0, ∞) e θ ∈ (0, π2 ) e


além disso,

∂t ∂t cos2 θ −2ρ cos θ sen θ

∂(t, s) ∂ρ ∂θ

∂(ρ, θ ) =
= = 2ρ sen θ cos θ,
∂s ∂s sen2 θ 2ρ sen θ cos θ

∂ρ ∂θ

donde
∂(ρ, θ ) 1
= .
∂(t, s) 2ρ sen θ cos θ

Desta forma,
Z ∞Z ∞
Γ(u)Γ(v) = e−t−s t(u−1) s(v−1) dtds
0 0
Z ∞Z ∞
2 θ −ρ sen2 θ u−1
= e−ρ cos ρ (cos θ )2u−2 ρv−1 (sen θ )2v−2 dtds
0 0
Z ∞Z ∞
1
= 2e−ρ ρu+v−1 (cos θ )2u−1 (sen θ )2v−1 dtds
0 0 2ρ sen θ cos θ
Z ∞Z ∞
− ρ u + v −1 2u−1 2v−1 ∂ ( ρ, θ )

= 2e ρ (cos θ ) (sen θ ) ∂(t, s) dtds
0 0
Z ∞Z π
2
= 2e−ρ ρu+v−1 (cos θ )2u−1 (sen θ )2v−1 dθdρ
0 0
Z ∞ Z π
2
= e − ρ ρ u + v −1 2 (cos θ )2u−1 (sen θ )2v−1 dθdρ
0 0
Z π Z ∞
2
=2 (cos θ )2u−1 (sen θ )2v−1 dθ e−ρ ρu+v−1 dρ.
0 0
Elementos do Cálculo Fracionário 52

Para a primeira integral do último membro levamos em conta o lema


anterior. Já a segunda integral é exatamente Γ(u + v). Segue que
Z π Z ∞
2 2u−1 2v−1
Γ(u)Γ(v) = 2 (cos θ ) (sen θ ) dθ e−ρ ρu+v−1 dρ = B(u, v)Γ(u + v),
0 0

e disto temos a igualdade desejada.

O leitor interessado na definição da função beta a parâmetros com-


plexos ou outras propriedades sobre a função Beta, pode consultar Oliveira
(2012) ou Kilbas et al. (2006).

4. Funções de Mittag-Leffler

As funções de Mittag-Leffler foram propostas inicialmente pelo pró-


prio Magnus Gösta Mittag-Leffler (1903) tendo introduzido a sua função
Eα ( x ) a um parâmetro α > 0. Humbert e Agarwal (1953) consideraram
uma generalização da função de Mittag-Leffler propondo a função Eα,β ( x )
com um segundo parâmetro β > 0 que coincide com a função Eα ( x ) quando
β = 1. Atualmente são conhecidas muitas generalizações da original função
de Mittag-Leffler todas ainda conhecidas como funções de Mittag-Leffler.

Vamos agora apresentar as funções de Mittag-Leffler a um e a dois


parâmetros e algumas de suas propriedades. Neste texto, estamos interessa-
dos somente nestas definições envolvendo a variável x e os parâmetros α e β
reais.

Definição 4.1. A função de Mittag-Leffler a um parâmetro real α > 0 é a


função que a cada x ∈ R, associa o número real Eα ( x ) dado por

xk
Eα ( x ) = ∑ .
k =0
Γ(αk + 1)
Elementos do Cálculo Fracionário 53

É importante observamos que a série que define esta função é (abso-


lutamente) convergente qualquer que seja x ∈ R. Além disso, note que se
α = 1 temos que
∞ ∞
xk xk
E1 ( x ) = ∑ Γ(k + 1) ∑ k! = ex ,
=
k =0 k =0

e por este motivo a função de Mittag-Leffler a um parâmetro é conhecida


como função exponencial generalizada. Também podemos ver que,
∞ ∞ √ 2k
(− ax2 )k k ( ax )

E2 (− ax ) = ∑
2
= ∑ (−1) = cos( ax ), (3)
k =0
Γ(2k + 1) k =0
(2k)!

e que
∞ ∞ √ √
( ax2 )k ( ax )2k
E2 ( ax ) = ∑
2
= ∑ = cosh( ax ), (4)
k =0
Γ(2k + 1) k =0
(2k)!
para qualquer que seja a ∈ R com a ≥ 0.

Definição 4.2. A função de Mittag-Leffler a dois parâmetros reais, α > 0 e


β > 0, é a função que a cada x ∈ R, associa o número real Eα,β ( x ) dado por

xk
Eα,β ( x ) = ∑ Γ(αk + β) .
k =0

Claramente

xk
Eα,1 ( x ) = ∑ Γ(αk + 1) = Eα (x),
k =0

e desta forma a função de Mittag-Leffler a dois parâmetros é uma generaliza-


ção da função de Mittag-Leffler a um parâmetro. Também
∞ √ 2k+1
(− ax2 )k 1 ∞ k ( ax ) 1 √
xE2,2 (− ax ) = x ∑
2
= √ ∑ (−1) = √ sen( ax ),
k =0
Γ(2k + 2) a k =0 (2k + 1)! a
(5)
e
∞ √
( ax2 )k 1 ∞ ( ax )2k+1 1 √
xE2,2 ( ax ) = x ∑
2
=√ ∑ = √ senh( ax ), (6)
k =0
Γ(2k + 2) a k=0 (2k + 1)! a
Elementos do Cálculo Fracionário 54

qualquer que seja a ∈ R com a > 0. Também, fica claro das Definições 4.1 e
4.2 que
1
Eα (0) = 1 e Eα,β (0) = , (7)
Γ( β)
quaisquer que sejam α, β ∈ (0, ∞).

Dentre as muitas propriedades destas funções, para nosso estudo te-


mos particular interesse na Transformada de Laplace das funções de Mittag-
Leffler. Faremos isto na próxima seção.

O leitor interessado em um estudo mais aprofundado sobre as fun-


ções de Mittag-Leffler, suas propriedades ou ainda suas definições a valores e
parâmetros complexos pode consultar Kilbas et al. (2006) ou Oliveira (2012).

5. Transformada de Laplace

Nesta seção apresentaremos a definição de Transformada de Laplace


e algumas propriedades importantes desta Transformada. A Transformada de
Laplace, conforme apresentada em Raimbault (2008), pertence a uma família
muito vasta de transformadas integrais, que estabelecem uma relação entre
uma função f e a sua transformada F, da forma
Z
F (s) = K (s, t) f (t)dt. (8)
I

Uma transformada particular necessita então da definição do núcleo


K (s, t) e do intevalo de integração I, sendo estes escolhidos dependendo do
interesse ou da aplicação. As transformadas mais utilizadas são a de Fourier,
que requer

I = R = (−∞, ∞) e K (s, t) = e−ist , s∈R

e a de Laplace, que requer

I = [0, ∞) e K (s, t) = e−st , s = a + ib ∈ C.


Elementos do Cálculo Fracionário 55

Já que s é complexo nesta última expressão, a Transformada de La-


place é uma generalização da Transformada de Fourier. Neste texto entre-
tanto, não estamos interessados no trato com os números complexos, e por-
tanto consideraremos a Transformada de Laplace quando s ∈ R ⊂ C. Nestes
termos, segue a definição de Transformada de Laplace que utilizaremos.

Definição 5.1. Seja f uma função definida para t ≥ 0. A integral imprópria


Z ∞
F (s) = L( f )(s) = e−st f (t)dt, (9)
0

quando existir, será chamada de Transformada de Laplace de f .

Quando a integral imprópria acima existir, a integral dependerá de s,


e portanto será uma função da variável independente s. É natural pensarmos
que a convergência da integral depende também de s. Os valores de s para
os quais a integral existe constituem o domínio de definição da função F (s),
a Transformada de Laplace de f (t). Iremos omitir todas as restrições sobre
s e entendemos que s seja considerado no conjunto em que a integral em (9)
converge.

Usaremos a expressão “ f admite Transformada de Laplace” ou “a


Transformada de Laplace de f existe” para dizer que a integral da defi-
nição converge. Usaremos geralmente letras minúsculas para denotar uma
função e a letra maiúscula correspondente para denotar a sua transformada
de Laplace. Isto significa que F (s) = L( f )(s). É comum também escrever
L( f (t))(s) ou (L f )(s) para denotar a Transformada de Laplace de f . Por
padronização, usaremos sempre, salvo menção em contrário, t a variável da
função e s a variável da Transformada de Laplace desta função.

Notemos ainda que ao afirmar que a Transformada de uma função


f (t) existe, então a integral da definição converge, e sendo uma integral im-
própria, é obrigatório que e−st f (t) → 0 quando t → ∞.
Elementos do Cálculo Fracionário 56

A seguir veremos algumas propriedades envolvendo a Transformada


de Laplace. Estas propriedades são de interesse imediato para aplicarmos
esta transformada na obtenção de soluções de EDOs lineares de ordem n a
coeficientes constantes.

Proposição 5.2. A Transformada de Laplace é um operador linear. De outra forma, se


f e g são funções que admitem Transformadas de Laplace e α, β ∈ R, então (α f + βg)
admite Transformada de Laplace e, além disso,

L(α f + βg) = α(L f ) + β(L g).

Proposição 5.3 (Transformada de uma derivada). Se f e f 0 forem contínuas em


[0, ∞) e tais que as transformadas de Laplace existem, então

(L f 0 )(s) = s(L f )(s) − f (0).

As demonstrações destas duas últimas proposições podem ser encon-


tradas em Zill (2016).

Podemos usar esta última proposição repetidamente para obter ex-


pressões que envolvem a Transformada de Laplace das derivadas de ordem
superior de uma função f . Admitindo que f , f 0 e f 00 são funções cuja Trans-
formada de Laplace existem, então

(L f 00 )(s) = s(L f 0 )(s) − f 0 (0)


= s(s(L f )(s) − f (0)) − f 0 (0) = s2 (L f )(s) − s f (0) − f 0 (0),

e assim sucessivamente. O próximo corolário resume a expressão para o


caso de uma derivada de ordem n ∈ N∗ arbitrária. Não apresentaremos sua
demonstração que segue da proposição anterior e do princípio de indução
finita.
Elementos do Cálculo Fracionário 57

Corolário 5.4. Seja n ∈ N∗ . Se f , f 0 , f 00 , . . . , f (n) forem contínuas em [0, ∞) e tais


que as Transformadas de Laplace existem, então
n −1
(L f (n) )(s) = sn (L f )(s) − ∑ s n −1− k f ( k ) (0 ),
k =0

sendo que f (0) é entendida como sendo f .

Definição 5.5. Se F (s) = (L f )(s) representa a Transformada de Laplace de


uma função f (t), dizemos então que f (t) é a Transformada inversa de Laplace
de F (s) e escrevemos f (t) = L−1 ( F (s))(t) = (L−1 F )(t).

A transformada inversa de Laplace é também um operador linear, isto


é, L−1 (αF (s) + βG (s))(t) = αL−1 ( F (s))(t) + βL−1 ( G (s))(t). Os próximos
exemplos ilustram com mais detalhes a ideia da definição anterior.

Exemplo 1. Se a ∈ R, então para a função f (t) = e at temos

1
(L f )(s) = L(e at )(s) = ,
s−a

para todo s > a. De fato,



Z ∞ Z ∞ −(s− a)t
e 1
L(e at )(s) = e−st e at dt = e−(s−a)t dt = − = ,

(s − a) s−a

0 0
t =0

desde que s > a. Fica claro que, quando s = a então e−(s−a)t = 1 e a integral
diverge e também, quando s < a, então e−(s−a)t → ∞ quanto t → ∞. Então a
integral diverge se s ≤ a.

1
Nestes termos se F (s) = s− a então
 
−1 −1
(L F )(t) = L 1
s− a = e at .

Exemplo 2. Se a ∈ R, então para f (t) = cos( at), temos

s
(L f )(s) = L(cos( at))(s) = ,
s2 + a2
Elementos do Cálculo Fracionário 58

desde que s > 0. Para provar isto, seja então a ∈ R. Temos que
Z ∞
L(cos( at))(s) = e−st cos( at)dt.
0

Vamos determinar a integral do segundo membro usando integração


por partes. Escolhendo u = e−st e dv
dt = cos( at), temos que du
dt = (−s)e−st e
1
v= a sen( at). Assim,
Z ∞ ∞ Z ∞
−st 1 −st
(−s)e−st ( 1a ) sen( at)dt.

e cos( at)dt = e sen( at)

0 a t =0 0

Analisando e−st sen( at) quando t → ∞, verificamos que e−st → 0 pois


s > 0, e sendo a função seno limitada temos que e−st sen( at) → 0 quando
t → ∞. Logo
Z ∞ ∞ Z ∞
−st 1 −st
(−s)e−st ( 1a ) sen( at)dt

e cos( at)dt = e sen( at) −
0 a t =0 0
s ∞ −st
Z
= e sen( at)dt.
a 0

Novamente integrando por partes, colocamos u = e−st e dv


dt = sen( at)
e com isto, du
dt = (−s)e−st e v = − 1a cos( at). Assim,
Z ∞ Z ∞
−st s
e cos( at)dt = e−st sen( at)dt
0 a 0
s ∞ s ∞
Z
= − 2 e−st cos( at) − (−s)e−st (− 1a ) cos( at)dt.

a t =0 a 0

Novamente e−st cos( at) → 0 quando t → ∞ pois s > 0 e cosseno é


uma função limitada. Então segue que
Z ∞
s −st ∞ s ∞
Z
−st
e cos( at)dt = − 2 e cos( at) + (−s)e−st 1a cos( at)dt

0 a t =0 a 0
s s2 ∞ −st
Z
= 2− 2 e cos( at)dt.
a a 0

Multiplicando ambos os membros por a2 , e reorganizando vem


Z ∞
( s2 + a2 ) e−st cos( at)dt = s,
0
Elementos do Cálculo Fracionário 59

donde temos que


Z ∞
s
L(cos( at))(s) = e−st cos( at)dt = ,
0 s2 + a2

desde que s > 0.

1
Sendo assim, se F (s) = s2 + a2
então
 
(L−1 F )(t) = L−1 1
s2 + a2
= cos( at).

O próximo exemplo ilustra o uso dos dois exemplos anteriores na


solução de um problema de valor inicial.

Exemplo 3. Consideremos o problema de valor inicial



 y000 − y00 + y0 − y = 4e−t
 y(0) = −1, y0 (0) = 3, y00 (0) = 3.

e vamos usar a Transformada de Laplace para determinar a solução y(t) deste


sistema. Aplicando a Transformada de Laplace em ambos os membros da
equação diferencial temos que

L(y000 − y00 + y0 − y)(s) = L(4e−t )(s),

e usando as proposições 5.2 e 5.3 e os resultados dos dois exemplos anteriores,


temos que

1
(s3 Y (s) + s2 − 3s − 3) − (s2 Y (s) + s − 3) + (sY (s) + 1) − Y (s) = 4 ,
s+1

sendo que Y (s) = (Ly)(s). Podemos reorganizar os termos e reescrevemos,

4
(s3 − s2 + s − 1)Y (s) + (s2 − 4s + 1) = ,
s+1

e portanto

3 2 4 2 3 + 3s + 3s2 − s3
( s − s + s − 1 )Y ( s ) = − (s − 4s + 1) = ,
s+1 s+1
Elementos do Cálculo Fracionário 60

donde obtemos

3 + 3s + 3s2 − s3 3 + 3s + 3s2 − s3
Y (s) = = .
(s + 1)(s3 − s2 + s − 1) (s + 1)(s − 1)(s2 + 1)

O que temos que fazer agora, antes de aplicar a Transformada de


Laplace Inversa, é organizar o segundo membro para podermos aplicar os
resultados dos exemplos anteriores. Então usando a técnica de separação de
frações parciais obtemos que

3 + 3s + 3s2 − s3 −1 2 −2s
Y (s) = 2
= + + 2 ,
(s + 1)(s − 1)(s + 1) s+1 s−1 s +1

e aplicando em ambos os membros a transformada inversa, temos que

y(t) = (L−1 Y )(t)


−1 −2s
 
−1 2
=L + + (t)
s + 1 s − 1 s2 + 1
     
−1 1 −1 1 −1 s
= −L ( t ) + 2L ( t ) − 2L (t)
s+1 s−1 s2 + 1
= −e−t + 2et − 2 cos(t).

Agora estamos interessados em determinar as Transformadas de


Laplace das funções de Mittag-Leffler. Queremos então obter L( Eα (t)) e
L( Eα,β (t)), ou alguma outra expressão que nos permita estabelecer uma re-
lação entre as funções de Mittag-Leffler e suas Transformadas de Laplace.
Em verdade, vamos determinar as Transformadas de Laplace das funções
f (t) = Eα (tα ) e f (t) = t β−1 Eα,β (tα ). As próximas proposições tratam isto.

Proposição 5.6. Para quaisquer a, α ∈ R com α > 0, tem-se

s α −1
L( Eα ( atα ))(s) = ,
sα − a
1
para s > a α .
Elementos do Cálculo Fracionário 61

Demonstração. Da definição de Transformada de Laplace, temos que


Z ∞
L( Eα ( at ))(s) =
α
e−st Eα ( atα )dt
0
Z ∞ ∞ Z ∞ ∞
( atα )k ak tαk
=
0
e −st
∑ Γ(αk + 1) dt = 0
∑ e−st
Γ(αk + 1)
dt.
k =0 k =0

Como a série é convergente e a integral imprópria também converge,


podemos comutar o sinal de integral com o sinal do somatório, e então
∞ Z ∞ ∞ Z ∞
ak tαk ak
L( Eα ( atα ))(s) = ∑ e−st
Γ(αk + 1)
dt = ∑
Γ(αk + 1)
e−st tαk dt.
k =0 0 k =0 0

Vamos agora olhar para a integral do último membro. Fazendo nela


du
a mudança de variável u = st temos que = s, e assim
dt
Z ∞ Z ∞ Z ∞  u αk 1 Z ∞
1 1
e−st tαk dt = e−st tαk sdt = e−u du = αk+1 e−u uαk du.
0 0 s 0 s s s 0

Da definição da função gama, temos que a última integral é precisa-


mente Γ(αk + 1). Segue que
∞ Z ∞
ak
L( Eα ( at ))(s) = ∑
α
e−st tαk dt
k =0
Γ(αk + 1) 0
∞ Z ∞
ak 1
= ∑ Γ(αk + 1) sαk+1 0
e−u uαk du
k =0

ak 1
= ∑Γ(αk + 1) s +1
αk
Γ(αk + 1)
k =0

ak 1 ∞  a k
= ∑ αk+1 = ∑ α .
k =0 s
s k =0 s

1 a
Levando em conta que s > a α então sα < 1. Desta forma, a série do
último membro é uma série geométrica convergente para o número
1 sα
= ,
1 − saα sα − a
e portanto
1 sα s α −1
L( Eα ( atα ))(s) = = .
s sα − a sα − a
Elementos do Cálculo Fracionário 62

Proposição 5.7. Para quaisquer a, α, β ∈ R com α, β > 0, tem-se

sα− β
L(t β−1 Eα,β ( atα ))(s) = ,
sα − a
1
para s > a α .

Demonstração. Começando com a definição de Transformada de Laplace, te-


mos
Z ∞
β −1
L(t α
Eα,β ( at ))(s) = e−st t β−1 Eα,β ( atα )dt
0
Z ∞ ∞ Z ∞ ∞
( atα )k ak tαk+ β−1
=
0
e −st β−1
t ∑ Γ(αk + β) dt = 0
∑ e−st
Γ(αk + β)
dt.
k =0 k =0

Novamente, como a série e a integral imprópria do último membro


são convergentes, podemos comutar o sinal de integral com o sinal do soma-
tório, e então
∞ Z ∞
ak tαk+ β−1
L(t β −1 α
Eα,β ( at ))(s) = ∑ e−st
Γ(αk + β)
dt
k =0 0
∞ Z ∞
ak
= ∑ e−st tαk+ β−1 dt.
k =0
Γ(αk + β) 0

Tomando a integral do último membro, fazemos a mudança de variá-


vel u = st. Temos que du
dt = s e quando t = 0 então u = 0 e quando t → ∞
também u → ∞ já que s > 0. Assim
Z ∞ Z ∞
−st αk+ β−1 1
e t dt = e−st tαk+ β−1 sdt
0 0 s
Z ∞  u αk+ β−1 1 Z ∞
1
= e−u du = αk+ β e−u uαk+ β−1 du.
0 s s s 0

A última integral agora é igual a Γ(αk + β), donde segue que


∞ Z ∞
ak
L(t β −1
Eα,β ( at ))(s) = ∑
α
e−st tαk+ β−1 dt
k =0
Γ(αk + β) 0
∞ Z ∞
ak 1
= ∑ Γ(αk + β) sαk+β 0
e−u uαk+ β−1 du
k =0
Elementos do Cálculo Fracionário 63

∞ ∞ ∞
ak 1 ak 1  a k
= ∑ Γ(αk + β) sαk+β Γ ( αk + β ) = ∑ sαk+β = sβ ∑ sα .
k =0 k =0 k =0

1 a
Como s > a α então sα < 1 e então a última série é uma série geomé-

trica convergente e a sua soma é sα − a . Portanto

1 sα sα− β
L(t β−1 Eα,β ( atα ))(s) = = ,
s β sα − a sα − a
como desejado.

Segue portanto que

s α −1 sα− β
L( Eα ( atα ))(s) = e L(t β−1 Eα,β ( atα ))(s) = ,
sα − a sα − a
e nestes termos
 α −1 
sα− β
 
−1 s −1
L (t) = Eα ( atα ) e L (t) = t β−1 Eα,β ( atα ),
sα − a sα − a
para quaisquer a ∈ R e α, β ∈ (0, ∞) ⊂ R.

6. Integral fracionária (de Riemann-Liouville)

Nesta seção discutiremos a definição de integral fracionária dada por


Riemann-Liouville. Discutiremos ainda algumas propriedades desta defini-
ção.

d
Durante toda esta seção, usaremos o símbolo dt para designar o ope-
rador derivada de uma função (derivável) e o operador J para designar o
operador integral de uma função (integrável) em um certo intervalo [ a, b].
Desta forma, para todo t ∈ [ a, b], temos
d df
f (t) = ( t ) = f 0 ( t ),
dt dt
e
Z t
( J f )(t) = J ( f )(t) = f (s)ds.
a
Elementos do Cálculo Fracionário 64

Derivações e integrações sucessivas são portanto definidas recursiva-


mente por

dn f d n −1 f
 
d
f (n)
(t) = n (t) = (t) e ( J n f )(t) = ( J ( J n−1 f ))(t),
dt dt dtn−1

para todo n ∈ N com n > 1. Consideramos ainda que f (0) (t) = ( J 0 f )(t) =
f ( t ).

O estudante do curso de cálculo diferencial e integral está familia-


rizado com a ideia de derivada de ordem superior mas não com a ideia de
integral de ordem superior. A próxima proposição expressa um resultado
do cálculo diferencial e integral, conhecido como identidade de Cauchy para
integrais repetidas ou integrais de ordem superior. Este resultado motivará a
definição de integral fracionária de Riemann-Liouville.

Proposição 6.1 (Identidade de Cauchy). Se f é uma função integrável em um


intervalo [ a, b] ⊂ R, e n ∈ N com n ≥ 1, então
Z t
1
( J n f )(t) = (t − s)n−1 f (s)ds.
( n − 1) ! a

Demonstração. Usaremos indução finita sobre n ∈ N. Para n = 1 temos ime-


diatamente de acordo com a nossa notação que
Z t Z t
1
1
( J f )(t) = ( J f )(t) = f (s)ds = (t − s)1−1 f (s)ds.
a 0! a

Supomos então o resultado válido para n, isto é,


Z t
1
n
( J f )(t) = (t − s)n−1 f (s)ds.
( n − 1) ! a

Assim, para n + 1 temos que


Z t
n +1 n
(J f )(t) = J ( J f )(t) = ( J n f )(s)ds
a
Z t Z s
1
= (s − τ )n−1 f (τ )dτds
a ( n − 1) ! a
Elementos do Cálculo Fracionário 65

Z tZ s
1
= (s − τ )n−1 f (τ )dτds.
( n − 1) ! a a

Vamos agora mudar a ordem de integração. Notemos que enquanto


a ≤ s ≤ t temos a ≤ τ ≤ s. Para mudarmos a ordem de integração sem
mudar a região de integração, faremos a ≤ τ ≤ t e τ ≤ s ≤ t. Temos então
1
Zt Zs
(J n +1
f )(t) = (s − τ )n−1 f (τ )dτds
( n − 1) ! a a
Z tZ t
1
= (s − τ )n−1 f (τ )dsdτ
( n − 1) ! a τ
Z t t
1 1 n
= (s − τ ) f (τ ) dτ
( n − 1) ! a n s=τ
Z t
1 1 1 t
Z
n
= (t − τ ) f (τ )dτ = (t − τ )n f (τ )dτ,
( n − 1) ! a n n! a
como queríamos.

A identidade de Cauchy que acabamos de apresentar é válida para


todo n ∈ N. Entretanto, olhando para o termo à direita da igualdade vemos
que não há nenhum impedimento em considerar que n ∈ R, exceto pela
presença do fatorial. Substituimos então (n − 1)! pela sua generalização Γ(n)
e não há mais problemas em considerar n ∈ (0, ∞) ⊂ R. Esta ideia é a base
da definição da integral de Riemann-Liouville.

Definição 6.2. Suponha que f (t) seja contínua em [ a, b] ⊂ R. A integral de


Riemann-Liouville de ordem α > 0 da função f é a função denotada por
α ou por ( RL Jaα+ f )(t) e definida por
RL Ja+ ( f )( t )
Z t
1
α α
RL Ja+ ( f )( t ) = ( RL Ja+ f )( t ) = (t − s)α−1 f (s)ds.
Γ(α) a

α
A notação RL Ja+ será utilizada apenas quando houver possibilidade
de confusão com alguma outra noção de integral de ordem fracionária. Em
toda esta seção, como não estamos interessados em outra definição de inte-
gral de ordem fracionária, omitiremos a expressão RL e usaremos somente a
Elementos do Cálculo Fracionário 66

notação simplificada Jaα+ para representar a integral fracionária de Riemann-


Liouville.

Notemos que a integral da definição anterior está bem definida pois


f (s) e (t − s)α−1 são integráveis em [ a, t] qualquer que seja α > 0. A hipótese
de continuidade de f parece ser mais forte do que o necessário. Bastaria que
f fosse integrável no intervalo [ a, b]. Entretanto a hipótese de continuidade
nos permite outros resultados importantes. Se f é contínua pode-se provar
que quando α → 0+ então Jaα+ ( f ) → f uniformemente. Fato este que permite
definir Ja0+ como limite de Jaα+ quando α → 0+ . Para mais detalhes ou a
demonstração desta propriedade indicamos Podlubny (1999). Note também
que se α = 1 então o operador Jaα+ se reduz ao caso clássico.

O leitor pode achar que a definição deveria admitir α < 0 também.


O caso α < 0 nos remete ao inverso da integral (em um certo sentido), ou
seja, à derivada de ordem fracionária que será apresentada mais adiante. No
que se segue apresentamos duas propriedades básicas do operador J α para
α > 0. A primeira propriedade, a linearidade, não será demonstrada pois é
uma consequência imediata da linearidade do operador integral clássico.

Proposição 6.3. Se f e g são duas funções integráveis em [ a, b] e α ∈ (0, ∞), então

Jaα+ (c1 f + c2 g) = c1 ( Jaα+ f ) + c2 ( Jaα+ g),

para quaisquer que sejam c1 , c2 ∈ R constantes.

Teorema 6.4 (Lei dos expoentes). Se f é uma função contínua em [ a, b] ⊂ R e


α, β ∈ (0, ∞), então
β α+ β β
Jaα+ ( Ja+ f ) = Ja+ f = Ja+ ( Jaα+ f ).
Demonstração. Da definição de integral de ordem fracionária, temos para
qualquer t ∈ [ a, b],
Z t
1 h i
(t − s)α−1 ( Ja+ f )(s) ds
β β
Jaα+ ( Ja+ f )(t) =
Γ(α) a
Elementos do Cálculo Fracionário 67

1 t Z
1 sZ
= ( t − s ) α −1 (s − u) β−1 f (u)duds
Γ(α) a Γ( β) a
Z tZ s
1
= (t − s)α−1 (s − u) β−1 f (u)duds.
Γ(α)Γ( β) a a

Invertendo a ordem de integração no último membro temos que a


região de integração s ∈ [ a, t] e u ∈ [ a, s] fica reescrita colocando u ∈ [ a, t] e
s ∈ [u, t] e portanto temos

1 t Z tZ
(t − s)α−1 (s − u) β−1 f (u)dsdu
β
Jaα+ ( Ja+ f )(t) =
Γ(α)Γ( β) a u
Z t Z t
1
= f (u) ((t − u) − (s − u))α−1 (s − u) β−1 dsdu
Γ(α)Γ( β) a u
Z t Z t
1 ( s − u ) α −1
 
= f ( u ) ( t − u ) α −1 1 − ( t − u ) (s − u) β−1 dsdu.
Γ(α)Γ( β) a u

1
Fazendo agora a mudança de variáveis w = (t−u)
(s − u) temos que
dw 1
ds = (t−u)
e portanto

1 t
Z Z1
(t − u)α−1 (1 − w)α−1 ((t − u)w) β−1 (t − u)dwdu
β
Jaα+ ( Ja+ f )(t) = f (u)
Γ(α)Γ( β) a 0
Z t Z 1
1
= f (u) (t − u)α−1+ β−1+1 (1 − w)α−1 w β−1 dwdu
Γ(α)Γ( β) a 0
Z t Z 1
1 α + β −1
= (t − u) f (u) (1 − w)α−1 w β−1 dwdu
Γ(α)Γ( β) a 0
Z t
1
= (t − u)α+ β−1 f (u) B(α, β)du
Γ(α)Γ( β) a
Z t
B(α, β)
= (t − u)α+ β−1 f (u)du.
Γ(α)Γ( β) a

Γ(α)Γ( β)
Usando agora a relação B(α, β) = Γ(α+ β)
, obtemos finalmente que
Z t
1 α+ β
(t − u)α+ β−1 f (u)du = ( Ja+ f )(t).
β
Jaα+ ( Ja+ f )(t) =
Γ(α + β) a

β α+ β
Segue que Jaα+ ( Ja+ f ) = Ja+ f e a segunda igualdade é consequência da co-
mutatividade da adição de números reais.
Elementos do Cálculo Fracionário 68

7. Derivada fracionária (de Caputo)

A noção de derivada de ordem fracionária segundo Caputo, leva em


conta a definição de integral fracionária de Riemann-Liouville. O leitor deve
portanto estar familiarizado pela seção anterior com a noção de integral fra-
cionária de Riemann-Liouville e suas propriedades.

Definição 7.1. Seja α > 0 um número real e n ∈ N de forma que n − 1 ≤ α <


n. Se f é uma função contínua em [ a, b] ⊂ R com n derivadas contínuas em
( a, b), então a derivada fracionária de Caputo de ordem α de f , definida em
[ a, b] é a função dada por

dn f
Z t
n−α (n) 1
α α
C Da+ ( f )( t ) = ( C Da+ f )( t ) = ( Ja+ f )(t) = ( t − s ) n − α −1 (s)ds,
Γ(n − α) a dsn

sendo que Ja+ se refere à integral fracionária de Riemann-Liouville e f (n) se


refere à clássica derivada de ordem n de f .

Note então que derivar na ordem α > 0 uma função f , segundo Ca-
puto, significa derivar no sentido clássico a função f n vezes com n − 1 ≤ α <
n e depois integrar na ordem (n − α) segundo Riemann-Liouville.

A notação C Daα+ somente será usada quando houver possibilidade de


confusão com alguma outra noção de derivada de ordem fracionária. Em
toda esta seção, estamos exclusivamente nos referindo à noção de derivada
de Caputo e portanto omitiremos a expressão C e usaremos apenas Daα+ .

A definição de derivada de ordem fracionária de Caputo, em geral,


não coincide com a definição usual quando α é um inteiro positivo. Se α =
n − 1 ∈ N∗ , então n − α = 1 e então,
Z t
( Dan+−1 f )(t) = ( Ja + f (n)
)(t) = f (n) (s)ds
a
Z t
d  ( n −1) 
= f (s) ds = f (n−1) (t) − f (n−1) ( a).
a ds
Elementos do Cálculo Fracionário 69

Se a escolha de a for feita de forma que f (n−1) ( a) = 0, então recupera-


se o resultado clássico.

Uma das principais propriedades da derivada fracionária de Caputo


é a linearidade. Vamos enunciar isto na próxima proposição, mas não pro-
varemos pois é uma consequência imediata da linearidade da integral de
Riemann-Liouville e da derivada de ordem inteira (positiva).

Proposição 7.2. Seja α > 0. Se f e g são duas funções α deriváveis no sentido de


Caputo, então (c1 f + c2 g) é α derivável no sentido de Caputo e além disso

( Daα+ (c1 f + c2 g))(t) = c1 ( Daα+ f )(t) + C2 ( Daα+ g)(t),

quaisquer que sejam c1 e c2 constantes reais.

É conhecido que em geral não vale a lei dos expoentes para a derivada
β α+ β
de Caputo, isto é, não é válido que Daα+ ( Da+ f ) 6= Da+ f para quaisquer α > 0
β
e β > 0, mesmo que a função f seja β derivável e ( Da+ f ) seja α derivável. Ou
seja não é válida a lei dos expoentes para a derivada fracionária de Caputo.
O próximo contra-exemplo ilustra isto.

Exemplo 4. Vamos considerar a função f (t) = t contínua em [0, ∞) e com


derivadas de ordem n ∈ N contínuas em (0, ∞). Queremos determinar
1 1 1
( D02+ ( D02+ f ))(t), e para isto comecemos com ( D02+ f )(t). Temos então
1 1 t
Z
1
2
( D0+ f )(t) = 1 (t − s)− 2 f 0 (s)ds
Γ( 2 ) 0
Z t
1 1
= 1 (t − s)− 2 ds
Γ( 2 ) 0
1 h 1 t 2 1
i
= 1 −2( t − s ) 2 = 1 t2.
Γ( 2 ) s =0 Γ( 2 )

Para prosseguir, como a derivada de Caputo é linear, basta agora


1 1
determinar ( D02+ t 2 )(t). Então
Z t  
1 1 1 − 12 d 1
2
( D0+ t )(t) = 1
2 (t − s) (s 2 ) ds
Γ( 2 ) 0 ds
Elementos do Cálculo Fracionário 70

Z t
1 1 1
= (t − s)− 2 s− 2 ds
2Γ( 21 ) 0

s − 12  s − 12 1
Z t
1
= 1− ds.
2Γ( 21 ) 0 t t t

s du 1
Fazendo a mudança de variáveis u = t temos que ds = t e então
Z 1
1 1 1 1 1
( D02+ t 2 )(t) = (1 − u)− 2 u− 2 du
2Γ( 21 ) 0

e usando a igualdade (2) e a Proposição 3.4 obtemos

1 1 1 1 1 1 Γ( 21 )Γ( 12 ) Γ( 21 )
( D02+ t 2 )(t) = B ( , ) = = .
2Γ( 12 ) 2 2 2Γ( 12 ) Γ(1) 2

Segue que
 
1
2
2
1
2
1
2
1
( D0+ ( D0+ t))(t) = 1 D0+ t 2 (t) = 1.
Γ( 2 )

No entanto temos da definição de derivada de Caputo que

d2
 
( D01+ t)(t) = 1
J 2 t (t) = ( J 1 0)(t) = 0,
dt

e com isto temos claramente que


1 1
( D02+ ( D02+ t))(t) = 1 6= 0 = ( D01+ t)(t),

mostrando que em geral não é válida a lei dos expoentes para a derivada de
ordem fracionária.

Embora não seja válida a lei dos expoentes se k for um inteiro positivo
k
d
então é verdade que Daα+ ( dt α (k) ) = D α+k f para qualquer α > 0,
k f ) = Da+ ( f a+

desde que f tenha derivadas de ordem k e que f (k) seja α derivável no sentido
de Caputo. Este resultado será útil para nós e portanto é o alvo da próxima
Proposição.
Elementos do Cálculo Fracionário 71

Proposição 7.3. Seja α ∈ (0, ∞) ⊂ R e n ∈ N o natural que satisfaz α ∈ [n − 1, n).


Se k ∈ N e f é uma função derivável até a ordem n + k, então
!
  d kf
Daα+ f (k) = Daα+ k = Daα+ +k
f.
dt
Demonstração. Basta provar para k = 1 e usar o fato que
 
(k) d d d
α
Da+ ( f ) = Da+ α
··· f ,
dt dt dt
d
sendo que o segundo membro possui k operadores derivada dt . Para o caso
geral basta eliminar uma derivada por vez.

O caso k = 1 por sua vez é imediato. Suponha então que n é o


natural que satisfaz α ∈ [n − 1, n). Então (α + 1) ∈ [n, n + 1). Da definição de
derivada fracionária de Caputo, temos que
+1 (n+1)−(α+1)
( Daα+ f )(t) = ( Ja+ f (n+1) )(t)
 n 
(n−α) d
= Ja + f (t) = ( Daα+ f 0 )(t),
0
dtn
para qualquer t > a.

Muito cuidado para não confundir a ordem das derivadas da Propo-


dk +α
sição anterior. Em geral dtk
( Daα+ f )(t) 6= ( Dak+ f )(t). Para mais detalhes sobre
esta propriedade pode-se consultar Oliveira (2012) ou Kilbas et al. (2006).

Um outro resultado importante para nós é a Transformada de Laplace


da derivada de ordem fracionária. Para ser mais preciso queremos generalisar
a Proposição 5.3 para y(α) , a derivada fracionária de ordem α > 0 da função
y. Para estabelecer este resultado, usaremos indução finita sobre o natural n
que satisfaz α ∈ (n − 1, n). Faremos o caso n = 1 como lema preliminar.

Lema 7.4. Se α ∈ (0, 1) ⊂ R e y é uma função α derivável cujas Transformadas de


Laplace de y e de D0α+ y existem, então

L( D0α+ y)(s) = sα (Ly)(s) − sα−1 y(0),

para todo s > 0.


Elementos do Cálculo Fracionário 72

Demonstração. Comecemos pelas definições da Transformada de Laplace e da


derivada de Caputo de ordem α ∈ (0, 1). Temos então
Z ∞
L( D0α+ y)(s) = e−st ( D0α+ y)(t)dt
0
Z ∞
= e−st ( J0α+ y0 )(t)dt
0
Z ∞ Z t
−st 1
= e (t − u)−α y0 (u)dudt
0 Γ (1 − α ) 0
Z ∞Z t
1
= e−st (t − u)−α y0 (u)dudt.
Γ (1 − α ) 0 0

Vamos agora mudar a ordem de integração. A região de integração


0 ≤ t < ∞ e 0 ≤ u ≤ t pode ser reescrita colocando 0 ≤ u < ∞ e u ≤ t < ∞.
Temos então que
1 ∞ t
Z Z
L( D0α+ y)(s) = e−st (t − u)−α y0 (u)dudt
Γ (1 − α ) 0 0
Z ∞Z ∞
1
= e−st (t − u)−α y0 (u)dtdu
Γ (1 − α ) 0 u
Z ∞ Z ∞
1 0
= y (u) e−st (t − u)−α dtdu.
Γ (1 − α ) 0 u

Fazendo a mudança de variáveis τ = t − u na integral interna temos



que dt = 1 e então
1 ∞ Z ∞ Z
L( D0α+ y)(s) = y0 (u) e−st (t − u)−α dtdu
Γ (1 − α ) 0 u
Z ∞ Z ∞
1 0
= y (u) e−s(τ +u) τ −α dτdu
Γ (1 − α ) 0 0
Z ∞ Z ∞
1 −su 0
= e y (u) e−sτ τ −α dτdu.
Γ (1 − α ) 0 0

Vamos agora calcular a integral interna. Para isto fazemos a mudança



de variáveis ω = sτ e portanto dτ = s. Assim,
Z ∞
1 ∞ −ω ω −α
Z
−sτ −α
e τ dτ = e ( s ) dω
0 s 0
sα ∞ −ω −α
Z
= e ω dω = sα−1 Γ(1 − α).
s 0
Elementos do Cálculo Fracionário 73

Voltando então com esta integral calculada, obtemos

1 ∞ Z ∞ Z
L( D0α+ y)(s) = e−su y0 (u) e−sτ τ −α dτdu
Γ (1 − α ) 0 0
Z ∞
1
= e−su y0 (u)sα−1 Γ(1 − α)du
Γ (1 − α ) 0
Z ∞
α −1
=s e−su y0 (u)du,
0

e integrando por partes temos


Z ∞
α −1
L( D0α+ y)(s) =s e−su y0 (u)du
0 Z ∞ 
α −1
 −su
∞ −su
=s e y(u) u =0
+s e y(u)du .
0

Notemos agora que como a Transformada de Laplace de y existe en-


tão a integral imprópria de e−st y(t) existe e assim a função e−st y(t) tende a
zero quando t → ∞. Segue que

 
α −1
 −su ∞ Z
−su
L( D0+ y)(s) = s
α
e y ( u ) u =0 + s e y(u)du
0

= sα−1 (−y(0) + s(Ly)(s))


= sα (Ly)(s) − sα−1 y(0),

como desejado.

Teorema 7.5. Sejam α > 0 e n ∈ N satisfazendo α ∈ (n − 1, n]. Se y é uma função


dk y
derivável até a ordem n e cujas Transformadas de Laplace de y e de y(k) = dtk
existem
para todos k = 1, 2, . . . , n − 1, então
n −1
(L D0α+ y)(s) = sα (Ly)(s) − ∑ s α − k −1 y ( k ) (0 ).
k =0
Demonstração. Usaremos o lema anterior e a Proposição 7.3. Da Proposição
7.3 temos que
− n +1 ( n −1)
( D0α+ y)(s) = ( D0α+ y )(s),
Elementos do Cálculo Fracionário 74

e como α ∈ (n − 1, n], então α − n + 1 ∈ (0, 1], e pelo lema anterior

− n +1 ( n −1)
(L D0α+ y)(s) = (L D0α+ y )(s)
= sα−n+1 (Ly(n−1) )(s) − sα−n y(n−1) (0).

Agora usando a propriedade da Transformada de Laplace de deriva-


das de ordem inteira positiva, provada na Proposição 5.3, temos que

(L D0α+ y)(s) = sα−n+1 (Ly(n−1) )(s) − sα−n y(n−1) (0)


!
n −2
=s α − n +1
s n −1
(Ly)(s) − ∑s n −2− k ( k )
y (0 ) − s α − n y ( n −1) (0 )
k =0
n −2
= sα (Ly)(s) − ∑ s α −1− k y ( k ) (0 ) − s α − n y ( n −1) (0 )
k =0
n −1
= sα (Ly)(s) − ∑ s α − k −1 y ( k ) (0 ),
k =0

como desejado.

O leitor interessado em outras propriedades envolvendo a integral


fracionária de Riemann-Liouvile e a derivada fracionária de Caputo, ou ou-
tras noções de integral e derivada de ordem fracionária, pode consultar Ca-
margo (2015), Kilbas (2006) ou Podlubny (1999).

8. EDOs de ordem fracionária

Nesta seção vamos usar os resultados anteriores em duas aplicações


bem simples. Vamos considerar dois problemas de valor inicial envolvendo
equações diferenciais ordinárias de ordem fracionária.

Lembremos primeiro do clássico problema de valor inicial de ordem


1, 
 y0 (t) + ay(t) = 0, t > 0,
 y (0) = y ,
0 y0 ∈ R,
Elementos do Cálculo Fracionário 75

para a ∈ R, cuja solução é y(t) = y0 e−at .

Vamos generalizar este problema. Consideremos o problema de valor


inicial de ordem α ∈ (0, 1],

 y(α) (t) + ay(t) = 0, t > 0,
 y (0) = y ,
0 y0 ∈ R,

sendo a ∈ R uma constante e y(α) (t) = D0α+ y(t) a derivada fracionária de


Caputo de ordem α da função y.

Para resolver este problema consideremos que y seja suficientemente


regular para que possamos usar qualquer um dos resultados vistos nas se-
ções anteriores. Tomando a Transformada de Laplace da equação diferencial,
obtemos
(L(y(α) + ay))(s) = 0. (10)

Levando em conta a Proposição 5.2 e o Teorema 7.5, temos que

(L(y(α) + ay))(s) = (Ly(α) )(s) + a(Ly)(s)


= sα (Ly)(s) − sα−1 y(0) + a(Ly)(s)
= (sα + a)(Ly)(s) − sα−1 y0 ,

e assim podemos reescrever a igualdade (10) como

(sα + a)(Ly)(s) = sα−1 y0 ,

ou ainda,
s α −1
(Ly)(s) = y0 .
(sα + a)

Para determinar a função y, solução do problema de valor inicial,


usamos o resultado da Proposição 5.6, obtendo

s α −1
 
−1
y(t) = L y0 α (t) = y0 Eα (− atα ),
(s + a)
Elementos do Cálculo Fracionário 76

a solução explícita do problema de valor inicial.

Note que quando α = 1 então o problema de valor inicial e sua solu-


ção recuperam o caso clássico.

Vamos agora considerar um Problema de Valor Inicial de ordem


maior. Lembremos do clássico problema de valor inicial de ordem 2,

 y00 (t) + ay(t) = 0, t > 0,
 y 0 (0) = y , y (0) = y ,
1 0 y , y ∈ R,
1 0

com a ∈ R constante, cuja solução (que depende de a) é dada por uma das
expressões
√ y √
y(t) = y0 cos( at) + √1 sen( at) (se a > 0),
a
y ( t ) = y0 + y1 t (se a = 0),
√ √
y0 − a + y1 √−at y0 − a − y1 −√−at
y(t) = √ e + √ e (se a < 0).
2 −a 2 −a

Vamos generalizar este problema considerando o problema de valor


inicial de ordem α ∈ (1, 2], dado por

 y(α) (t) + ay(t) = 0, t > 0,
 y 0 (0) = y , y (0) = y ,
1 0 y1 , y0 ∈ R,

(α)
com a ∈ R constante e y(α) (t) = D0+ y(t) a derivada de Caputo de y.

Vamos considerar que y seja suficientemente regular para podermos


aplicar todos os resultados das seções anteriores. Aplicando a Transformada
de Laplace em ambos os membros da EDO, obtemos

(L(y(α) + ay))(s) = 0.

Usando a Proposição 5.2 e o Teorema 7.5 obtemos

(L(y(α) + ay))(s) = (Ly(α) )(s) + a(Ly)(s)


Elementos do Cálculo Fracionário 77

= sα (Ly)(s) − sα−1 y(0) − sα−2 y0 (0) + a(Ly)(s)


= (sα + a)(Ly)(s) − sα−1 y0 − sα−2 y1 .

Segue que

(sα + a)(Ly)(s) = sα−1 y0 + sα−2 y1 ,

e então
s α −1 y 0 + s α −2 y 1 s α −1 s α −2
(Ly)(s) = = y 0 α + y 1 α .
sα + a s +a s +a

Usando os resultados obtidos nas Proposições 5.6 e 5.7 obtemos

s α −1 s α −2
 
−1
y(t) = L y0 α + y1 α (t)
s +a s +a
s α −1 s α −2
   
−1 −1
=L y0 α (t) + L y1 α (t)
s +a s +a
= y0 Eα (− atα ) + y1 tEα,2 (− atα ),

a solução explícita desejada para o Problema de Valor Inicial de ordem α ∈


(1, 2].

Analisemos esta solução no caso particular α = 2. Esta análise depen-


derá também do valor de a. Se a > 0 então diretamente das identidades (3) e
(5) temos que

√ y √
y(t) = y0 E2 (− at2 ) + y1 tE2,2 (− at2 ) = y0 cos( at) + √1 sen( at).
a

Se a = 0 então das duas igualdades em (7), segue que

y(t) = y0 E2 (0) + y1 tE2,2 (0) = y0 + y1 tΓ(2) = y0 + y1 t.

Finalmente, se a < 0 então das identidades (4) e (6) temos que

y(t) = y0 E2 (− at2 ) + y1 tE2,2 (− at2 )


Elementos do Cálculo Fracionário 78

√ y √
= y0 cosh( − at) + √ 1 senh( − at)
−a
√ √ √ √
e − at +e − − at y1 e −at − e− −at
= y0 +√
2 −a 2
  √−at   −√−at
y1 e y1 e
= y0 + √ + y0 − √
−a 2 −a 2
√ √
y − a + y1 √−at y0 − a − y1 −√−at
= 0 √ e + √ e .
2 −a 2 −a

Em qualquer um dos casos (para a constante a) notemos que as so-


luções recuperam as soluções do clássico Problema de Valor Inicial de ordem
2.

9. Considerações finais

A ideia principal deste texto foi trazer ao leitor um pouco de conheci-


mento sobre assuntos relacionados com o cálculo fracionário. Cada um destes
assuntos pode ter seu estudo aprofundado, já que mencionamos apenas as
definições e as propriedades necessárias ao entendimento deste texto.

Deixamos aqui registrado que vários destes assuntos podem render


muitas horas e muitas páginas de estudo. Para mais informações sobre a
teoria do cálculo fracionário, suas propriedades ou suas consequências, reco-
mendamos principalmente Kilbas (2006) e Podlubny (1999).

Referências

1. Camargo, Rubens Figueiredo e Oliveira, Edmundo Capelas de. Cálculo fracionário. São
Paulo: Editora Livraria da Física, 2015. p.

2. Kilbas, Anatoly A., Srivastava, Hari M. & Trujillo, Juan J. Theory and applications of fractional
differential equations. North-Holland Mathematics studies. Amsterdam: Jan van Mill, 2006.
Elementos do Cálculo Fracionário 79

3. Humbert, P. e Agarwal, R. P. Sur la fonction de Mittag-Leffler et quelques-unes de ses générali-


sations. Bull. Sci. Mathématiques, 77, 180-185, (1953).

4. Mittag-Leffer, Magnus G. Sur la nouvelle fonction Eα ( x ). Comp. Rend. Acad. Sci. Paris. 137.
554-558, 1903.

5. Oliveira, Edmundo Capelas de. Funções especiais com aplicações. 2a ed. São Paulo: Editora
Livraria da Física, 2012. 326p.

6. Podlubny, Igor. Fractional differential equations. Mathematics in science and engineering, vol
198. Academic press, 1999.

7. Raimbault, J. L. Transformées de Laplace des fonctions et des distributions: Cours et exercices.


Universitée de Paris-Sud, 2008.

8. Zill, Denis G. Equações diferenciais com aplicações em modelagem. Tradução da 10a edição
norte-americana. 3a ed. São Paulo: Cengage Learning, 2016.

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