Educação Contextualizada Fundamentos e Práticas
Educação Contextualizada Fundamentos e Práticas
Educação Contextualizada Fundamentos e Práticas
Referência do Texto:
CARVALHO, Luzineide Dourado. Educação contextualizada para a convivência com o
Semiárido Brasileiro: fundamentos e práticas. IN: Caderno Multidisciplinar
Educação e Contexto do Semiárido Brasileiro - ISSN 1980-2129 -ANO 08 N° 07
JULHO, 2013.
Introdução
A RESAB surge no ano de 2000, cujo processo foi desenvolvido bem antes, a partir de
iniciativas produtivas e educativas de muitas Organizações Não-Governamentais, das
Igrejas, e de Secretarias e algumas Universidades Públicas que vinham desenvolvendo
experiências metodológicas para dar outra significação à Educação ofertada no
Semiárido. As inflexões curriculares passavam a ser orientadas “para fazer a escola
vincular-se às formas de vida e às problemáticas existentes dessa região” (RESAB,
2004).
Os programas e livros didáticos que chegam até as Escolas Públicas do Semiárido não
contribuem para o desenvolvimento de competências e habilidades das crianças e jovens
ou de dotá-los de posicionamentos críticos a respeito das problemáticas enfrentadas ou
de posturas criativas para desenvolver soluções prudentes e de respeito às condições de
semiaridez. Pelo contrário, não têm gerado impactos positivos na melhoria das
condições de vida dos grupos humanos que habitam este vasto território, cuja população
equivale a quase 15% da total do país.
Outro aspecto desafiador é repensar o currículo, uma vez que este ainda se apresenta
desarticulado da realidade e propagador somente das vulnerabilidades e negatividades
do Semiárido (RESAB, 2006c).
Por sua vez, os princípios comuns pautados pela RESAB e aprovados na I CONESA
dimensionam a conquista de direitos dos atores sociais especialmente aqueles ligados
diretamente ao processo educativo (crianças, jovens e adultos em escolaridade;
professores, gestores, e demais que compõem a comunidade escolar); a equidade na
distribuição de renda e no acesso do conhecimento cultural, científico, moral, ético e
tecnológico em todos os níveis da educação; a intersetorialidade nas definições das
políticas públicas educacionais; a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na
construção do conhecimento; a formação contextualizada e integral dos educadores
dimensionada pelos aspectos socioculturais, políticos e ambientais, necessitando, para
tanto, de uma re-orientação curricular que valorize o diálogo permanente dos saberes
locais com o universal; os materiais didáticos pedagógicos ressignifiquem os discursos e
imagens atribuídas a esse território (RESAB, 2006).
Ao conceber o campo pedagógico e das aprendizagens fundamentadas na ECCSAB
como percurso para outro/novo projeto societário, a ideia é que o conhecimento
trabalhado na escola assuma uma dimensão de socialização e emancipação do homem e
da mulher do Semiárido e extrapole as dimensões da escola e dos saberes nela
trabalhados como algo suficiente em si para a construção da cidadania e de um novo
projeto social para o Semiárido (MARTINS e REIS, 2004).
Boaventura de Souza Santos (2006) por sua vez, ressalta que “todo conhecimento
é local e total”. Sua tese apresenta que há uma gama de outras formas de produção de
conhecimento para além do científico, disciplinar, e que as áreas do saber ao se
colocarem num movimento de convergência de projetos, podem dar respostas a
problemas sociais, ambientais e outros, presentes no mundo contemporâneo em escala
global e identificados no plano local. Desse modo, Santos concebe que a percepção do
contexto local pelo sujeito necessita ser retomado, uma vez que o sujeito pensa e
concebe o mundo a partir de seu local.
Para Martins e Reis (2004, p.08), o contexto também não encerra a produção do
conhecimento e nem a realidade se reduz a ele, pois o “contexto não deve se fechar
como uma “ilha”, isolada do mundo, das coisas e dos demais saberes e conhecimentos
acumulados pela humanidade ao longo da sua trajetória histórica”. Ao contrário, ele é o
início do aprofundamento e da renovação dos conhecimentos e saberes diversos.
Concorda-se com tal apreensão dos autores, pois muito além de uma escala geográfica,
o contexto não se limita ao espaço físico, ao substrato onde se pisa - o chão. Ele pode
ser dimensionado como a escala espaço-tempo, do qual o sujeito se situa no mundo, em
sua mundaneidade, pois nessa que ele manifesta sua presença como ser ou ser-presença
(HEIDEGGER, 2006). O contexto, ao ser entendido como tempo-espaço, faz-se uma
referência na qual o sujeito tece seu saber sobre si e sobre o mundo, ou seja, é sua
vivência, produzida pelos referencias materiais e imateriais. São por tais
fundamentações apresentadas, que a Educação Contextualizada dimensiona o Semiárido
como o contexto, pois é dessa mundaneidade que o sujeito constrói sua aprendizagem
de ser-no-mundo-com-os-outros (HEIDEGGER, 1981).
A contextualização ao adentrar nos programas e práticas da ‘Convivência motiva e
proporciona aos sujeitos o reconhecimento de sua mundaneidade semiárida. Ele passa a
compreender e intervir na complexidade das manifestações da territorialidade, e dessa
inserção na trama da configuração territorial do Semiárido, ele pode encontrar as saídas
e alternativas diante das problemáticas socioeconômicas e vislumbrar perspectivas para
a produção de sua existência.
Nos espaços formais, tais como Escolas e Universidades, a ECSAB vai adentrando no
Projeto Político-Pedagógico, referenciando-se na concepção de Currículo
Contextualizado, como forma de superar o modelo de Currículo estabelecido pela
educação universalista, cujo conhecimento se pauta na neutralidade, na cientificidade e
na fragmentação dos conteúdos. A contextualização do conhecimento nos espaços
formais apresenta-se em um processo mais pontual. O que se observa são algumas
Escolas ou Secretarias (municipais/estaduais), que tomam esse itinerário pedagógico
como forma de realizar atividades a partir da vivência e do cotidiano dos alunos, tendo
como ferramentas práticas motivadoras, por exemplos, a “horta pedagógica”, o “estudo
da realidade”, dentre outras.
Algumas ONGs, como exemplos, ADAC, CAATINGA, IRPAA, MOC7 têm assumido
o importante papel de inserção da ECSAB na elaboração dos Projetos Político-
Pedagógicos (PPP) das Secretarias Municipais de Educação, dos estados do Piauí,
Ceará, Paraíba, Bahia e outros; destacam-se também na formação continuada de
professores e gestores educacionais e na elaboração de materiais paradidáticos. Vale
destacar nesse percurso, a ação conjunta entre o IRPPA, a UNEB-DCH III e UNICEF,
em 1997, que elaboraram em parceria com a SEC de Curaçá (BA), a primeira Proposta
Político-Pedagógica na perspectiva da Educação Contextualizada para a Convivência,
denominada “Educação com o Pé no Chão do Sertão”.
Considerações finais
A Convivência com o Semiárido traz elementos do mundo do agora, com seus novos
saberes e novas demandas, marcando-se como emergência de outro/novo paradigma na
relação sociedade e natureza. Ela também é imbuída de elementos da tradição, cujas
manifestações de convivência pelos povos do Semiárido são reeditadas e valorizadas
nos programas e práticas.
O Semiárido foi entendido como uma unidade fito-climática marcada pelas secas, uma
leitura que desconsiderou toda a pluralidade e as múltiplas dimensões materiais e
imateriais que atravessam esse território. Deste modo, a definição cartesiana e
tradicional de território o representou como “um lugar de exclusão sócio-territorial e
que nele habitam e sobrevivem precariamente os caatingueiros (as); uma identidade
considerada como resignada e tradicionalista” (Bassand, 1990 apud Almeida, 2007).
Essa nova lógica de ver, perceber e conceber natureza e território aponta a necessidade
de qualificar os sujeitos e as instituições para agirem com a lógica da Convivência.
É um processo de mudança cultural, na qual a Educação Contextualizada traz as
possibilidades para a formação dessa nova geração de profissionais (não somente na
Educação, mas em todas as áreas do saber técnico-científico) tornarem-se aptos a pensar
e desenvolver projetos de desenvolvimento pautados na ‘Convivência’.
Referências
FAVERO, Celso Antonio. Semiárido: fome, esperança e vida digna. Salvador (BA):
EDUNEB, 2002
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. I parte, 15. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora
Vozes/Universidade São Francisco, 2005.
SANTOS, Boaventura de Souza (org). 2ª edição. Conhecimento prudente para uma vida
decente: Um discurso sobre as ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2006