Demecracia e Educação em Direitos No Humanos No Brasil

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Número temático p á g i n a | 1126

doi: 10.20396/rfe.v12i2.8661056

DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO EM DIREITOS


HUMANOS NO BRASIL: resistência e possibilidades da
defesa da plataforma humanista no cenário político
nacional e mundial.

Helena de Assis Mota1

Resumo:
O presente artigo aborda a Educação em Direitos Humanos – EDH e seu
desenvolvimento na esfera educacional brasileira. Proposta formalmente no
Brasil pelo PNEDH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, a
EDH é incompatível com a plataforma política da extrema-direita em ascensão
nacional e internacionalmente. No ambiente escolar também pode ser
considerada problemática por modelos de gestão não-participativos e
produtivistas, já que promove o questionamento explícito de pilares como
hierarquia, democracia e liberdade dentre os educandos, além de não figurar
entre as matérias tradicionalmente exigidas nas avaliações educacionais.
Metodologicamente, a perspectiva da pedagogia histórico-crítica forneceu os
pressupostos para o levantamento bibliográfico-documental e a análise do
discurso, realizados no material selecionado. Como conclusão, destaca-se que a
defesa da perspectiva de gestão democrática alinhada aos fundamentos de
direitos humanos presentes nos programas de pós-graduação das universidades
públicas nacionais indica serem estes espaços privilegiados de reflexão sobre as
iniciativas voltadas para a disseminação da EDH para gestores educacionais e
educadores em geral, a fim de capilarizar suas temáticas e auxiliar
concretamente a implementação do PNEDH sem descuidar da perspectiva
humanista intrínseca à proposta.

Palavras-chave: Democracia, Educação, Direitos Humanos.

Abstract:
This article deals with Human Rights Education - EDH and its development in
the Brazilian educational sphere. Formally proposed in Brazil by the PNEDH -
National Human Rights Education Plan, EDH is incompatible with the
political platform of the extreme right rising nationally and internationally. In
the school environment it can also be considered problematic by non-
participatory and productivist management models, since it promotes the
explicit questioning of pillars such as hierarchy, democracy and freedom
among students, besides not being among the subjects traditionally required in
educational assessments. Methodologically, the perspective of historical-critical

1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UNICAMP,
pesquisadora afiliada ao INPPDH.

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pedagogy provided the assumptions for the bibliographic-documentary survey


and discourse analysis performed on the selected material. As a conclusion, it is
worth noting that the defense of the perspective of democratic management
aligned with the human rights foundations present in the postgraduate
programs of national public universities indicate that these are privileged
spaces for reflection on the initiatives aimed at the dissemination of HRE to
educational managers and educators in general, in order to capillarize their
themes and concretely help the PNEDH´s implementation without neglecting
the humanist perspective instituting the proposal.

Keywords: Democracy, Education, Human rights;

Resumen:
Este artículo trata sobre la educación en derechos humanos - EDH y su
desarrollo en la esfera educativa brasileña. Propuesto formalmente en Brasil
por PNEDH, el Plan Nacional de Educación en Derechos Humanos, EDH es
incompatible con la plataforma política de la extrema derecha en aumento a
nivel nacional e internacional. En el entorno escolar, también puede
considerarse problemático por modelos de gestión no participativos y
productivistas, ya que promueve el cuestionamiento explícito de pilares como
la jerarquía, la democracia y la libertad entre los estudiantes, además de no estar
entre los temas tradicionalmente requeridos en las evaluaciones educativas.
Metodológicamente, la perspectiva de la pedagogía histórico-crítica
proporcionó los supuestos para el estudio bibliográfico-documental y el análisis
del discurso realizado sobre el material seleccionado. Como conclusión, vale la
pena señalar que la defensa de la perspectiva de la gestión democrática alineada
con las fundaciones de derechos humanos presentes en los programas de
posgrado de las universidades públicas nacionales indica que estos son espacios
privilegiados para la reflexión sobre las iniciativas destinadas a la difusión de la
EDH para Administradores educativos y educadores en general, con el fin de
capilar sus temas y ayudar concretamente a PNEDH implementación sin
descuidar la perspectiva humanista que instituye la propuesta.

Palabras clave: Democracia, Educación, Derechos Humanos;

Introdução
A tradição democrática dos últimos milênios possibilitou a
consolidação de um diálogo muito frutífero entre as áreas da Educação e do
Direito que consolidaram-se, nos dias atuais, em programas e agendas
comuns e complementares que divulgam e defendem princípios de ambas as
áreas. Um importante exemplo é a EDH, sigla que define a Educação em
Direitos Humanos. Há algumas décadas a educação para o respeito aos

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direitos humanos alcançou o status de programa específico capaz de


fundamentar e fornecer conteúdo a debates, reflexões e vivências
importantes para qualquer sociedade devido à gama de problemas relativos
aos direitos humanos para os quais sua adoção oferece atitudes preventivas,
explicação aprofundada e/ou encaminhamentos de possíveis soluções.
Especialmente em países cujas populações são majoritariamente pobres e
possuem diversos direitos fundamentais desrespeitados cotidianamente,
como o Brasil, sua contribuição pode se mostrar imprescindível: diante da
falta de perspectiva no sentido de construir a isonomia concreta entre as
pessoas, caminhar em direção a uma sociedade mais justa e igualitária
envolvendo a população em compreensão e respeito cada vez maiores aos
direitos humanos é uma excelente alternativa.
As fronteiras que separam a EDH de outras iniciativas no campo dos
direitos não são facilmente divisadas por leigos, fomentando o
questionamento sobre sua necessidade. Tais questionamentos supõem o
espaço da educação em direitos humanos já ocupado pelos discursos em
defesa dos direitos presentes nas manifestações sociais, pela abordagem dos
direitos humanos nos espaços teóricos, pela atuação técnica dos operadores
do direito nas instâncias judiciais, debates nos programas de televisão etc.,
causando confusão, subestimando e mistificando o assunto.
Diferentemente, trata-se de esferas complementares: ao lado de todo
o trabalho que envolve a área do direito, porém com especificidade e
autoridade pedagógico-metodológica, a educação em direitos humanos
busca promover, por meio da educação, a instrumentalidade do direito.
Trata-se de torná-lo tão acessível e legítimo quanto for possível nos espaços
formais e não-formais, como nas disciplinas português, matemática,
química, física, biologia, história e geografia quanto em outras esferas como
arte, canto, dança, música e esportes, mediante não apenas seu destaque no
conteúdo das mesmas, mas recebendo status similar à mesmas, pautando
sua especificidade e incorporando disciplina e ementa própria aos espaços e
propostas educacionais já existentes.

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O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH


brasileiro, que formaliza a proposta da Educação em Direitos Humanos –
EDH em nosso país, é resultado de uma agenda internacional, encabeçada
pela ONU e mais especificamente a UNESCO, sobre a necessidade de
educar neste tema a população mundial em geral, como forma de promover
ativamente uma cultura de paz e não-beligerância dos povos entre si e com
os outros. Neste sentido, educar em direitos humanos é reconhecer que não
basta teorizar e discursar sobre direitos humanos, é necessário praticar,
respeitar e defender os direitos humanos no cotidiano; é reconhecer também
que faz parte de sua defesa garantir o conhecimento compilado dos avanços
da humanidade nesta seara à população em geral, pelos mais diversos canais
possíveis, abrangendo os sistemas educacionais formais e não-formais e
alçando, de forma sistematizada, os direitos humanos a tema tão basilar
quanto as tradicionais disciplinas constantes de qualquer programa
educacional básico.
De fato, constitui-se em esfera temática com conteúdo, história,
símbolos, discurso e manifestações específicas sobre o passado, o presente e
o futuro das comunidades humanas: a educação em direitos humanos pode
ser o espaço de desenvolvimento de uma cultura comum mundial de
respeito ao ser humano, seja ele quem for, venha ele de onde vier e
independentemente de se tem dinheiro ou não.
Dentre as principais temáticas, são abordados pela Educação em
Direitos Humanos com destaque e não mais como temas transversais, por
exemplo, a dignidade da pessoa humana, o dever de respeito e
reconhecimento da alteridade, da diversidade socioeconômica, cultural e
religiosa da população, bem como temas basilares como direito fundamental
à alimentação, saúde, moradia, sexualidade, educação, convivência social e
familiar, arte e cultura, assistência judiciária, entre outros. Destaca-se
também que não se trata de um programa estático, mas que amplia-se
continuamente, pois abrange os direitos insurgentes derivados da própria
caminhada histórica dos povos, como é o caso dos recentes debates sobre o

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direito ao esquecimento no mundo virtual e o direito à internet como


direitos humanos fundamentais.
Não obstante a importância, perenidade e atualidade dos temas que
aborda, a Educação em Direitos Humanos ainda tem muito a caminhar para
ser integrada e manejada adequadamente no cotidiano dos espaços de
educação formal e não-formal brasileiros. Gargalos estruturais como a
necessidade de formação de quadros especializados no assunto e a
permanente falta de recursos da educação, cumulados com as dificuldades
inerentes à implementação de políticas educacionais no Brasil, encontram-se
potencializados na atualidade por dois obstáculos de dissonância político-
ideológica que dificultam sua adequada implementação: a) a ascensão de
discursos e práticas de extrema-direita na política mundial que contrapõem-
se diretamente aos princípios de direitos humanos; b) sua incompatibilidade
com modelos não-democráticos de gestão, muito presentes na prática das
escolas brasileiras não obstante a adoção teórica por parte das mesmas da
gestão democrática como compromisso formal de seus ‘PPPs” - projetos
político-pedagógicos.
O presente artigo visa, portanto, detalhar estas condições de
incompatibilidade que podem dificultar a implementação do PNEDH no
contexto brasileiro contemporâneo e aponta, nas conclusões do artigo,
alguns caminhos viáveis para superação destes impasses.
1. Breve histórico da EDH no mundo e no Brasil
A Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH teve o
condão de amalgamar uma trajetória milenar de sensibilização humanitária
de diferentes povos e nações, desde a antiguidade hebraica e greco-romana,
passando pela tradição cristã igualitária, que valorizaram e fortaleceram a
constituição da dignidade e personalidade humanas enquanto valores sociais
positivos. Somados às duras lições advindas da II Guerra Mundial, a qual
deixou de 50 a 70 milhões de mortos e cidades inteiras arrasadas, países
ocidentais e orientais reunidos na Assembleia da Organização das Nações
Unidas em 1948 firmaram, entre erros, acertos e interesses econômicos,
aquela que pode ser considerada a compilação legal de maior

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reconhecimento internacional sobre as reflexões humanistas gestadas até


aquele momento histórico pelos diferentes povos.
Neste documento foram elencados importantes parâmetros
universais de defesa dos direitos dos homens, os quais foram depois
recepcionados no Brasil pela Constituição Federal de 1988, influenciando
também diversos estatutos infraconstitucionais e refletindo até mesmo nas
leis regulamentadoras das áreas de conhecimento, estatutos e códigos de
ética profissionais.
Os Direitos Humanos não representam o que há de mais crítico na
reflexão jurídica, porém sem dúvida condensam importantes conquistas
internacionais nesta seara. Roberto LYRA FILHO alerta para a distância
entre o que as declarações asseguram e os direitos concretos:
Para termos uma ideia da diferença entre as
declarações dos Direitos Humanos e estes mesmos
Direitos, basta pensar que a declaração “oficial” mais
recente já é inatual, na medida em que ainda não
incorpora outros aspectos da libertação, surgidos em
lutas sociais posteriores (...) na dialética social e no
processo histórico. (1982, p. 110, grifo original)

Não obstante, no ordenamento brasileiro, além de nem sempre


possuírem efetividade, tais princípios de direitos humanos presentes nas
legislações brasileiras pós-ditadura militar, à partir da CF/88, tiveram que
conviver com a permanência de previsões conservadoras da legalidade
característica do momento político anterior. Este é o caso, por exemplo, do
Código Penal brasileiro, datado de 1940, porém com inúmeras adequações e
incorporação de demandas contemporâneas as quais, embora o atualizem e
humanizem buscando corrigir seu anacronismo, aprofundam a ausência de
coerência sistemática de seu conjunto. Com a legislação de DH
recepcionada não foi diferente: as disposições humanizadas no Brasil
seguem lado a lado com a ausência até época recente de regulamentação da
profissão de empregada doméstica por exemplo (que tiveram seus direitos

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trabalhistas básicos complementados somente no ano de 2015 e, ainda


assim, novamente de forma parcial).
Na esfera internacional, entretanto, a coerência entre a proteção
genérica e a proteção específica é proposital e mostra que buscar a
correspondência dos princípios faz parte da metodologia da defesa do ser
humano: realizados à partir da ampla previsão da DUDH, os estatutos
complementares multiplicaram-se sempre em coerência complementar e/ou
ampliadora dos postulados iniciais. Flávia Piovesan explicita esta
sistemática:
Firma-se, assim, no âmbito do sistema global, a
coexistência dos sistemas geral e especial de
proteção dos direitos humanos, como sistemas de
proteção complementares. O sistema especial de
proteção realça o processo da especificação do
sujeito de direito, no qual o sujeito passa a ser visto
em sua especificidade e concreticidade (ex.
protegem-se a criança, os grupos étnicos
minoritários, os grupos vulneráveis, as mulheres
etc.). Já o sistema geral de proteção (ex. os pactos
da ONU de 1966) tem por endereçada toda e
qualquer pessoa, concebida em sua abstração e
generalidade. (PIOVESAN, 2012, p. 49).

Este foi o caso da Primeira e da Segunda Conferências


Internacionais de Direitos Humanos, nas quais a proposta de
internacionalização da plataforma dos direitos humanos foi reavaliada e
ratificada pelas nações: a 1ª Conferência realizada em Teerã ainda se deu na
vigência da Guerra Fria, em 1968, e endossou a universalidade destes
direitos; em 1993 ocorreu a II Conferência Mundial de Direitos Humanos, a
Conferência de Viena, a qual consolidou o entendimento de que “os direitos
humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”
(PIOVESAN, p. 47).

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Em continuidade com este entendimento, a ONU lançou em 1994 a


Década da Educação para os Direitos Humanos, por meio da Resolução
49/184 de 23 de dezembro de 1994. Os países formularam seus Planos
Nacionais de Direitos Humanos, PNDH, que no Brasil contou com 3
versões e, na sequência, em 1997 a ONU lançou, em sua 52ª Sessão, as
diretrizes para formulação dos Planos Nacionais de EDH. Por sua vez a
UNESCO lançou o Programa Mundial para a Educação em Direitos
Humanos, em seu Plano de Ação para a Primeira Fase (2005-2009), ao qual
seguiram-se mais três fases, totalizando quatro, das quais a última fase
encontra-se vigente até a atualidade. Por sua vez no Brasil em 2003 foi
criado o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos o qual, em
parceria com a UNESCO, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República – SEDH/PR, o Ministério da Educação - MEC e o Ministério
da Justiça - MJ começaram a formular em 2003 e finalmente lançaram, em
2006, o PNEDH.
Embora de 2006 a 2019 não tenham sido realizadas avaliações
oficiais sobre a implementação do PNEDH ou sobre os avanços teórico-
práticos da EDH, algumas iniciativas deste período merecem destaque:
- Diversas universidades públicas implementaram Programas de
Direitos Humanos, no formato de linhas, grupos de pesquisas e cursos de
formação sobre a temática;
- A rede virtual “dhnet” constituiu importante repositório de
documentos e produções sobre DH, PNEDH e EDH, conferindo amplo
destaque ao histórico dos direitos humanos e da EDH no Brasil;
- Em 2015 foi realizado na UFG o V Colóquio Interamericano sobre
Educação em Direitos Humanos, tendo sido os colóquios anteriores
realizados na Argentina (I, II e III) e Chile (IV);
- Em 2016, foi formulado na cidade de São Paulo o Plano Municipal
de Educação em Direitos Humanos;
- Escolas públicas do município de SP passaram a promover ações
alinhadas a EDH;

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- Em 2018 foi rearticulado o Comitê Nacional de EDH por meio de


Edital Público;
- Em 2018 foi realizado na UNB o I Colóquio Internacional de
Educação em Direitos Humanos, reunindo atores presentes na formulação
das políticas de EDH no Brasil desde seu início, tendo como evento de
encerramento a mesa “Reflexões sobre os 15 anos do Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e perspectivas futuras”.
- Em 2019 o governo baixou um decreto extinguindo Comitês e
Conselhos, os quais poderiam recorrer e justificar sua pertinência, como foi
feito pelo CNEDH; o governo ainda não confirmou, porém, se este Comitê
permanecerá ativo ou será extinto, ou qual será o destino dos demais
conselhos.

2. Plataforma humanista face à ascensão da extrema-direita no

cenário mundial
A Educação em Direitos Humanos é incompatível com ataques
verbais e violências concretas contra minorias, ou mesmo uma pretensa
“neutralidade” ético-política em relação aos direitos humanos. Devido a sua
inerente necessidade de um entendimento amplo e irrestrito do valor da
dignidade humana, esta proposta educacional automaticamente entra em
conflito com ações e discursos políticos manejados por uma extrema-direita
discriminatória, xenófoba e violenta atualmente em ascensão nos mais
diversos cenários políticos nacionais e internacionais.
Em seu tratado político, Aristóteles não se esquivou de questionar as
condições dos homens, ainda que suas limitações culturais e provavelmente,
o pequeno número de interlocutores, o tenham levado a conclusões
questionáveis em nossa opinião; porém, o pressuposto e início da conduta
ética está em questionar-se e debater publicamente as questões, além de
respeitar-se a caminhada histórica da humanidade em relação a elas. Desta
forma coloca-se Aristóteles à mercê do julgamento histórico em “A
Política”: “Mas há ou não há tais homens? Existirá alguém para quem seja

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justo e lucrativo ser escravo? Ou, ao contrário, será toda servidão contra a
natureza?” (op. cit., p. 15)
Diferentemente desta postura, do homem que se coloca no debate
público, permitindo o questionamento de seus pressupostos – tanto que
muitos na atualidade condenam a postura de Aristóteles em relação à
escravidão, apesar dos limites culturais que ele enfrentava - as medidas
estatais e os discursos manejados pelos políticos desta onda extremista em
ascensão agem de forma contrária: sumariamente classificam e excluem
grupos humanos inteiros da responsabilidade social dos Estados e de seus
semelhantes à partir da visão particularizada e sectária de seus espaços
políticos de origem. Falta não só respeito pela história recente da
humanidade, que sofreu e sofre tanto com as guerras desnecessárias e
genocídios, mas inclusive falta muita humildade diante dos esforços de
tantos grupos qualificados que contribuíram para a construção de um
Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos que refletisse as
diversas nações.
Destacam-se dentre os motivos para o sectarismo os interesses
econômicos ocultos na insistente corrida pelo rearmamento no Brasil
paralelamente ao recuo da indústria armamentista nos EUA, ou implícitos
no desmonte da Educação Pública brasileira em todos os seus níveis,
paralelamente ao financiamento público das grandes multinacionais da
Educação; ocorre, porém, que interesses econômicos sempre houveram, mas
não costumavam vir acompanhados de ataques tão explícitos e da destruição
das teses do ideário humanista construído mundialmente.
A recente ascensão ao poder dos grupos populistas ou de extrema-
direita no mundo atinge dezenas de países e choca devido aos discursos
públicos desconstruindo os direitos humanos a todo momento, inclusive
como parte dos programas que tais candidatos usaram para se elegerem,
como ocorreu nos EUA, Itália, Turquia, Noruega, Filipinas, Suíça,
Dinamarca, Áustria, Polônia e Hungria, entre outros, além do Brasil2. A

2
“Onde o populismo de direita está no poder no mundo” disponível em
https://www.dw.com/pt-br/onde-o-populismo-de-direita-est%C3%A1-no-poder-no-
mundo/a-46065697

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própria utilização em alguns casos de fake-news e discursos de ódio pelos


candidatos para se elegerem denota o profundo menosprezo por uma ética
na conduta pública que preserve os pilares democráticos construídos ao
longo de milhares de anos.
Ao chamar a atenção para os discursos e ações dos grupos
extremistas conservadores, ou mais “à direita” no espectro político, a
intenção não é ignorar os países com populismos e ditaduras de esquerda3
que podem ser tão ou mais autoritários quanto aqueles, mas inseri-los
adequadamente na reflexão: embora não ataquem em seus discursos
cotidianamente os direitos humanos, os negam legalmente e na realidade
concreta, como é o caso da Rússia, Venezuela, Cuba, Grécia e mesmo
Espanha. Em todos os países, independentemente do espectro político de
seus governos, existem os desrespeitos aos direitos humanos que precisam
ser incessantemente combatidos, e isto é inquestionável; a questão é se,
além destas violações, o sistema de proteção aos direitos humanos é um alvo
em si. A questão é atentar para a desconstrução sistemática e coordenada da
plataforma internacional, dos pressupostos comuns que possibilitaram a
construção da DUDH ou de planos nacionais de educação em direitos, como
o PNEDH brasileiro.
O fenômeno é tão recente que carece de maior tempo histórico para
sua adequada análise teórica; não obstante, é possível destacar algumas
posturas que, guardadas as proporções, aproximam umas e afastam outras
da defesa dos direitos humanos na medida em que seus interesses coincidem
em maior ou menor grau com a plataforma humanista. Neste sentido, um
dos grandes desencontros entre o discurso humanista e as direitas é sobre
como lidar com a criminalidade, já que tais governos promovem a intensa
criminalização da pobreza, propondo solução no armamento da polícia e da
população para combater “crimes” para os quais na plataforma humanista já
existe o consenso de que as causas são outras, como a profunda miséria em
que parcelas da população sobrevivem, para a qual a solução seria investir

3
A este respeito, é interessante o artigo “O que exatamente significa o populismo, usado
para descrever de Trump a Chávez?” disponível em
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43322313

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em emprego, moradia e educação; outro desencontro está na tônica que é


dada ao nacionalismo4 xenófobo, contrapondo uma relativa “pureza”
nacional e criando um clima de horror ao “estrangeiro” e a tudo que seja
“internacional”, no caso, os direitos humanos internacionalmente declarados
e protegidos.
Esta breve explanação é insuficiente para caracterizar a complexa
conjuntura enfrentada no cenário brasileiro e mundial, porém objetiva
delinear minimamente uma questão que será muito importante para as
reflexões que se seguem no presente artigo: com a democracia sob ataque,
seria a EDH no Brasil e no mundo, em um contexto político tão avesso aos
seus principais pilares, uma saída para fortalecer a defesa da educação
pública e dos direitos humanos?
A caracterização do embate entre direita/esquerda se fez necessário
na medida em que esta cisão forneceu base política para ascensão dos
grupos políticos sectários e discriminatórios em diversos países do mundo
nestas primeiras décadas do séc. XXI, porém tal maniqueísmo é insuficiente
para abranger os novos (velhos) discursos conservadores. Chamados por
vários nomes, seja extrema-direita, ultra-direita ou ultra-liberais, o fato
marcante é seu radicalismo nos posicionamentos políticos. Os projetos dos
governos destes países possuem pontos em comum, mas ao mesmo tempo
afastam-se tanto quanto o capital internacional é capaz de especificar em
cada local qual área pode ser desmontada para conferir-lhe maior lucro.
Some-se a isto o despreparo e a falta de ética dos candidatos escolhidos para
portarem tais pretensões e teremos projetos praticamente particularizados de
domínio, exploração e compromisso com restritos e pequenos grupos
nacionais/internacionais. No Brasil o quadro não apresenta-se diferente.

4
Neste sentido, esclarece o seguinte trecho da reportagem anteriormente citada:
“Partidos populistas podem estar em qualquer lugar no espectro político. Na América
Latina, um dos mais notórios é o do ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. Na Espanha,
há o partido Podemos. E na Grécia o mesmo rótulo tem sido usado para o Syriza. Todos
esses estão situados à esquerda. No entanto, segundo Cas Mudde, os "populistas mais bem-
sucedidos hoje estão na direita, especialmente na direita radical". “(São políticos) Como
Marine Le Pen na França, Viktor Orbán na Hungria e Donald Trump nos Estados Unidos,
que combinam populismo com nacionalismo, anti-imigração e autoritarismo", diz.

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Três áreas que sofreram mudanças drásticas de direcionamento com


a ascensão do governo de Jair Bolsonaro em 2019 são exatamente algumas
pelas quais era possível medir o compromisso do Brasil com a construção
internacional dos direitos humanos: o Ministério dos Direitos Humanos –
MDH, o Ministério da Educação – MEC e o Ministério das Relações
Exteriores – MRE. O primeiro foi extinto enquanto pasta autônoma, tendo
sido fundido com o Ministério das Mulheres e da Família; o segundo foi
ocupado por 3 Ministros diferentes em 6 meses de governo, dada a aberta
oposição aos projetos anteriores e à dificuldade dos mesmos em manejar a
complexidade do MEC; e o terceiro, o MRE, reformulou suas diretrizes a
ponto do Brasil ameaçar se retirar de acordos internacionais tão importantes
quanto o de Paris e ameaçar colocar a embaixada brasileira de Israel em
Jerusalém, interferindo em uma disputa tão clássica e complexa quanto a
questão palestina.
As alterações das diretrizes do MDH, agora MMFDH, e do MEC
atingem imediatamente a EDH, ao inviabilizar o ainda nascente PNEDH no
Brasil, bem como as novas posições no MRE atingem mediatamente a
plataforma internacional dos direitos humanos mundiais, ao abalar o papel
do Brasil nesta construção.
Interessante notar que tanto o PNEDH no Brasil quanto a ONU,
DUDH e PMEDH são espaços construídos majoritariamente por forças de
centro, liberal-democráticas, e de esquerda como é o caso, no Brasil, dos
governos de Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio lula da Silva e Dilma
Rousseff, bem como das forças internacionais que no pós II Guerra erigiram
a ONU e seus programas nos diferentes continentes. Neste sentido, fica
claro que a defesa dos direitos humanos não constitui-se em uma plataforma
comunista ou revolucionária, mas um espaço de convergência mínima entre
interesses capitalistas e as necessidades concretas das pessoas, incluindo-se
desde as populações de países com alta renda per capita, mas sem dúvida
também, e com destaque inafastável, de populações mais pobres e
consequentemente alijadas de seus direitos mais básicos.

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3. Democracia, Educação e Direitos Humanos


Por tratar-se de uma política relativamente nova e de faceta
interdisciplinar, o PNEDH ainda não tem sido apropriado em todo o seu
potencial didático-pedagógico na área da Educação, e mesmo na área do
Direito é relativamente subutilizado. mesmo a gestão educacional tem
apresentado plena apropriação desta política.
Não obstante, uma grande revolução nas temáticas e critérios
educacionais parece estar um curso nas áreas da Educação e do Direito,
sendo improvável que o PNEDH escape ileso destas transformações. Tais
mudanças, entretanto, remetem a processos ocorridos no Brasil como o
movimento escolanovista e mais recentemente as reformas neoliberais da
década de 1990, os quais nos relembram que a educação brasileira já foi
palco de profundas disputas político-ideológicas. Assim descreve Carlos
Rodrigues Brandão:

Nas primeiras décadas deste século,


políticos e educadores liberais trouxeram
idéias novas para a educação no país (...)
alguns deles sem dúvida lúcidos e bem-
intencionados – (...) traduziam ao mesmo
tempo o imaginário democrático de seu tempo
e, por outro lado, o projeto político que servia
aos interesses de novos donos do poder e da
economia. E, tal como aconteceu em outros
setores da sociedade brasileira, as inovações
propostas para a educação propiciaram novos
tipos de usos políticos de todo o aparato
pedagógico (...) (BRANDÃO, 1981, p. 87-88)

Brandão caracteriza no trecho a migração do capital rural para a


indústria e a mobilização das escolas para formar tecnicamente este operário
industrial, o que no fundo perpetuava a desigualdade social sob a chancela

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desta mesma escola que defendia à época estar construindo espaços de


democracia e igualdade. Ocorre que desta vez a mudança sequer traz a
plataforma democrática como ponto comum: seu discurso e sua prática
destrói exatamente esta face minimamente humanizada da democracia
representativa para substituí-la por um discurso explícito de eliminação e
exclusão cada vez maior de setores da sociedade contrários a seu projeto de
poder.
Não seria exagero dizer que novamente a esfera da educação parece
estar ameaçada por interesses privatistas, porém desta vez bem mais
extremos e radicais. Neste sentido Evaldo Amaro VIEIRA (1996) alerta
para inexistência de oposição entre processo neoliberal e processo social-
democrático no Brasil, já que este último jamais se realizaria no Brasil
devido ao fato de que “o estado de bem estar social-democrata somente se
manifesta ou se manifestará nos países desenvolvidos” (p. 15), classificando
tal dicotomia de “falsa polêmica” (op. cit., p. 16).
A introdução da agenda neoliberal na administração pública,
realizando na prática uma reforma educacional no Brasil na década de 90,
estava alinhada com interesses liberais-democratas do ensino privado e
trazia alinhamento com o ideário das agências multilaterais internacionais,
em especial do Banco Mundial, objetivando “reformar e adequar os seus
sistemas de ensino aos moldes empresariais privados capitalistas, assentados
nos princípios da avaliação, da qualidade, da competitividade e da
autonomia” (SANTOS in VARES e POLLI, 2016, p. 89).
Tratavam-se das propostas da NGP – Nova Gestão Política, com
todo seu ideário, a qual pressupunha um Estado capitalista, com seus
poderes organizados, eficientes e autônomos; não obstante, a nova investida
do capital, atualmente alinhado com a extrema-direita, parece não possuir
qualquer apego aos pilares constitucionais da separação dos poderes ou da
ordem democrática de direito; a nova política neoliberal, ou ultraliberal,
parece aprofundar-se na proposta da privatização a qualquer custo, como
única saída viável, contribuindo para o desmonte de políticas públicas que

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sequer tiveram suas metas concretizadas, como é o caso do Plano Nacional


de Educação, PNE, e o próprio PNEDH.
César NUNES (2018) assevera sobre fragilidade das conquistas
humanistas na conjuntura que atravessamos no Brasil contemporâneo:
Trata-se de realizar uma dupla tarefa: continuar a
perseverante atividade coletiva de construir o mundo
que desejamos fazer existir, com a pá numa mão,
acrescida da premente necessidade de manter na
outra mão a espada, metáfora da defesa. Caminhar,
construir, erguer, e noutra ponta, zelar, cuidar e
defender o que já se constituiu. (op. cit., p. 29)

Existe um componente efetivamente novo em tudo isto: a revolução


tecnológica em curso na comunicação e a emergência do ambiente virtual.
Neste sentido, ANDERSON (2017) alerta para a cultura neoliberal que
acompanha a agenda econômica do estado mínimo: a dificuldade da criação
de laços autênticos e perenes na escola, advindos da característica de
transitoriedade e velocidade que os espaços educacionais adquirem,
transforma a carreira de administradores escolares e educadores em opções
bem menos atraentes que aquelas de antes da intensificação e padronização
do trabalho (op. cit, p. 599). Além disto, a nova comunicação virtual amplia
o foco de interesse privatista para abranger também o HomeSchooling e a
Educação à distância - EAD.
Se há poucas décadas o Movimento “Todos pela Educação” foi
capaz, com sua “carta de princípios”, de influenciar tão drasticamente a
percepção de educadores, gestores e comunidade sobre o papel da escola
naquele contexto (SHIROMA et al in BALL & MAINARDES, 2011) neste
momento trata-se da extinção da forma pública de educação, já que fala-se
abertamente em privatizar várias de suas esferas. Inclusive evidenciam-se
dados e estatísticas neste sentido, como ocorreu no recente 12°Congresso

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Brasileiro da Educação Superior Particular (Cesp), o qual publicizou em sua


página5 em 25/06/2019:
De acordo com Marcos Heleno Guerson de
Oliveira Júnior, diretor de política regulatória da
Supervisão da Educação Superior do Ministério da
Educação (Seres/MEC), a EAD é a única solução
para democratizar o acesso ao ensino superior.
"Temos mais de cinco mil municípios e uma
reduzida minoria deles tem cursos presenciais. Não
há solução para interiorização que não seja a EAD.
Mas não só para o interior; quando pensamos em
São Paulo, por exemplo, quem hoje tem condições
de ficar três, quatro horas no trânsito para ir à aula?",
questionou.

Percebe-se que o representante do MEC descarta a possibilidade de


fomentar a educação presencial de qualidade de forma descentralizada
dentro da cidade de São Paulo e também no interior do estado.
Por sua vez, as iniciativas já encampadas na EDH encontram-se
muito centradas na produção de pesquisas teóricas e desenvolvimento de
projetos de formação profissional e na educação não-formal à partir de
iniciativas de universidades públicas e privadas, além de centros e institutos
de promoção e defesa de direitos humanos. O e-book “Cultura e Educação
em Direitos Humanos na América Latina” reúne artigos que relatam
algumas destas experiências no Brasil, Costa Rica, Argentina, Colômbia,
Porto Rico e Chile, oferecendo panorama geral desta produção.
Merece destaque nesta obra o resumo presente no prefácio que
elenca os principais atores da construção da EDH na América latina,
afirmando que as principais iniciativas na educação em direitos têm origem
no âmbito universitário e ONGs:

5
Disponível em http://abmes.org.br/noticias/detalhe/3373 na data de 09/07/2019.

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(...) os trabalhos aqui reunidos com a


colaboração de universidades, consórcios,
redes e associações de direitos humanos,
nacionais e internacionais, demonstram o vigor
destas iniciativas de construção de redes
universitárias”

Com efeito, é no artigo “Os Direitos Humanos na Educação Superior


no Brasil: Trajetórias, Tendências e Desafios”, de Giuseppe Tosi e Maria de
Nazaré Tavares Zenaide, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, que
se encontra a sistematização de importantes dados sobre o cenário
universitário em sua interação com a EDH.
Dente estes cumpre destacar a tabela (TOSI; ZENAIDE in
RODINO, 2016, p. 179) a qual mostra o aumento das iniciativas em EDH
nas universidades após a CF/88 e o PNDH, enfatizando a importância de
tais marcos regulatórios no desenvolvimento da EDH no Brasil:
Tabela 1:
Número de setores institucionalizados em direitos
humanos nas Universidades no Brasil
Época de Nº %
fundação

Década de 03 5,00
1980:

Década de 16 26,00
1990:

Década de 42 69,00
2000:

TOTAL 61 100,00

Importante destacar que a menção à obra Pedagogia do Oprimido, de


Paulo Freire, enquanto obra referencial da EDH é constante. Tal fato
demonstra que, embora com dificuldades, a iniciativa da Educação em
Direitos Humanos não tem se afastado de sua intenção primeira, que é, nas
palavras de Paulo FREIRE, tal como a pedagogia do oprimido, “(...) a

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pedagogia dos homens empenhando-se na luta por sua libertação (...)”


(1981, p. 43).

Conclusões
O resultado da pesquisa documental e bibliográfica demonstra que o
principal espaço de instrumentalização do PNEDH é nas pós-graduações em
estudos, pesquisas e extensão sobre EDH, além do trabalho de ONGs por
meio de seus Institutos e Centros, ou seja, não parece haver uma
implementação sistematizada de suas propostas, mas apenas o
desenvolvimento disperso de iniciativas com a temática a fim de incentivar
sua difusão. Mesmo quando considera-se a iniciativa da cidade de São Paulo
em 2016 na elaboração de seu plano municipal, pode-se interpretá-lo como
um ato da fase de encerramento de um ciclo político cujo posicionamento
favorável à EDH não se perpetuou na gestão seguinte eleita para o período
de 2016-2020.
Questiona-se ainda as formas pelas quais o PNEDH está sendo
implementado na educação: enquanto política pública complementar ao
PNE ou, em certa medida, concorrente? Ou serão suas propostas tão
desconhecidas dos gestores em políticas educacionais que sua articulação
não passa pelos planejamentos estratégicos e curriculares das linhas de ação
mais gerais?
É possível indicar ainda, a título de conclusão, que o espaço
conferido à reflexão sobre Direitos Humanos nas pós-graduações das
faculdades de educação das universidades públicas nacionais indica serem
estes espaços privilegiados para que o PNE não perca especificidade
pedagógica e didático-metodológica advinda da interdisciplinaridade
educação-direito, protegendo-o da diluição a que estaria sujeito sempre que
abordado apenas por um destes vieses.
Como sugestão aponta-se para a necessidade da formação
permanente de gestores e educadores na temática, a fim de propiciar novas
oportunidades de implementação de seu programa e aumentar a compilação
de dados e resultados sobre o assunto.

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Por fim, em face da atual conjuntura política de fragilização da


plataforma humanista mundial, destaca-se a importância da permanente
proteção aos princípios ideológico-políticos da EDH, também presentes no
PNEDH:

Uma concepção contemporânea de direitos


humanos incorpora os conceitos de cidadania
democrática, cidadania ativa e cidadania planetária,
por sua vez inspiradas em valores humanistas e
embasadas nos princípios da liberdade, da igualdade,
da equidade e da diversidade, afirmando sua
universalidade, indivisibilidade e interdependência.
(BRASIL, 2007, p. 23).

É possível perceber, portanto, que a resistência democrática ao


avanço das tiranias não tem encontrado, no campo da educação, apenas
“terra arrasada”, porém também muitas sementes, ainda que relativamente
restritas ao espaço acadêmico como o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos, mas com potencial para reforçar a defesa do direito da
população pobre à dignidade e à justiça social em seu cotidiano.

Referências

ARISTÓTELES. A política. Rio de Janeiro: Ediouro6, 14ª Edição.


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação? São Paulo: Ed. Brasiliense,
1986.
BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos / Comitê Nacional
de Educação em Direitos Humanos. – Brasília: Secretaria Especial dos Direitos
Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.
Disponível em
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-
plano-nacional-pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192

6
A edição não apresenta o ano de publicação, porém o ISBN 85-00-20190-8.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.


LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo: Nova
Cultural/Brasiliense, 1985.
NUNES, César e POLLI, José Renato. Orgs. Educação, Humanização e
Cidadania. Jundiaí, SP: Editora In House e editora Brasílica (coedição), 2018.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
SANTOS, Flávio R. Modernização Conservadora: dilemas de nossa
existência. In Democracia em tempos de conservadorismo. POLLI, José
Renato; VARES, Sidnei F. Jundiaí, SP: Editora In House, 2016.
SHIROMA, Eneida O.; GARCIA, Rosalba M. C.; CAMPOS, Roselane F.
Conversão das almas pela liturgia da palavra: uma análise do discurso do
movimento “Todos pela Educação”. In BALL, Stephen e MAINARDES.
Políticas Educacionais, questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011, p. 222-247.
TOSI, Giuseppe; ZENAIDE, Maria de N. T. Os Direitos Humanos na
Educação Superior no Brasil: Trajetórias, Tendências e Desafios. In RODINO,
Ana Maria et al. Cultura e educação em direitos humanos na América Latina. João
Pessoa: CCTA, 2016. p. 163-218
VIEIRA, Evaldo A. Políticas Sociais e Direitos Sociais no Brasil. In Jornal da
USP, Seção Opinião, ano 12, nº 357, de 5 a 11 de agosto de 1996, p. 2.

LISTA DE SIGLAS
CNEDH - Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos
EAD – Educação à Distância
EDH – Educação em Direitos Humanos
IES - Instituições de Ensino Superior
MEC - Ministério da Educação
MJ - Ministério da Justiça
MRE - Ministério de Relações Exteriores
NGP – Nova Gestão Pública
ONG - Organização não-governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PNE – Plano Nacional de Educação

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PNDH – Plano Nacional de Direitos Humanos


PNEDH – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
PMEDH – Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos
PR - Presidência da República
SEDH - Secretaria Especial dos Direitos Humanos
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância

Submetido em: 27/08/2020


Aceito em: 29/08/2020
Publicado em: 30/08/2020

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