Comunicação e Gagueira

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COMUNICAÇÃO E GAGUEIRA 51

COMUNICAÇÃO E GAGUEIRA

COMMUNICATION AND STUTTERING

Maria Helena Mourão Alves OLIVEIRA1


Marisa Bueno Mendes GARGANTINI2

RESUMO

Comunicação, processo de criação e formulação de significado por meio


de mensagens enviadas, recebidas e interpretadas, envolve um
entrelaçamento de informações transmitidas por elementos verbais,
motores e sociais. Comunicação produtiva inclui postura/linguagem
corporal, formulação de informação, voz e articulação, cuja sincronia
produz a fala fluente; caso contrário, pode aparecer a disfluência chamada
gagueira. Uma das grandes dificuldades do gago adulto é o problema
ocupacional. Estudos têm mostrado que a gagueira diminui a
empregabilidade do sujeito e a probabilidade de promoção. O objetivo
principal do gago deve ser realizar uma comunicação produtiva por
meio de um processo terapêutico que o leve a construir um modelo de
comunicação no qual a informação se sobreponha a quaisquer outros
comportamentos (evitação, fuga e ansiedade).
Palavras-Chave: Comunicação – gagueira- empregabilidade.

ABSTRACT

Communication, the process of creation and formulation of meaning by


means of messages sent, received and interpreted, involves a blending
of information transmitted by verbal, motor and social elements.
Productive communication includes corporal posture/language,
formulation of information, voice and articulation whose synchronization
produces the fluent speech. Otherwise, the defficiency called stuttering
may appear. One of the great difficulties of the adult stutterer is the
occupational problem. Studies have shown that stutttering diminishes
the employability of a person and the probability of promotion. The main
objective of the stutterer is to accomplish a productive communication by

(1)
Fonoaudióloga, Doutora em Psicologia, Professora Titular do curso de Fonoaudiologia da PUC-Campinas. Docente
da Pós-Graduação em Psicologia. Endereço para correspondência: Rua Cotoxó, 637 apto. 42 São Paulo/SP
05021-000 Tel.: (0XX11) 3672.5746 [email protected]
(2)
Fonoaudióloga, Doutora em Psicologia, Professora Titular do curso de Fonoaudiologia da PUC-Campinas.

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means of a therapeutic process that will enable him to construct a model


of communication in which the information will superpose any other
behavior such as avoidance, flight and anxiety.
Key words: Communication, stuttering, employment.

Conceitua-se comunicação como o comunicando suas idéias, pensamentos e


processo de criação e formulação de significado emoções.
por meio de mensagens que são constan- Dessa forma, como todo comportamento
temente enviadas, recebidas e interpretadas. implica em comunicação, o inverso também
É, pois, um processo complexo que envolve se estabelece, ou seja, toda comunicação
um rico entrelaçamento de informações as implica em um comportamento e, conseqüen-
quais são transmitidas por elementos verbais, temente, define uma relação.
motores e sociais. Como um processo
Segundo Bateson ( 1958 ) essas duas
interativo, vários comportamentos, conscientes
relações são conhecidas como relato e ordem.
e não conscientes, são manifestados
O relato transmite uma informação – conteú-
integrando a mensagem transmitida, o que
do - e a ordem caracteriza a espécie da
pode explicar o fato de muito freqüentemente
mensagem – relação - as quais nem sempre
as pessoas apresentarem dificuldade de se
são definidas de forma deliberada e com plena
comunicar de forma significativa.
consciência.
Segundo o modelo proposto por Jakobson
O que se pode extrair do acima exposto
(1970), o processo de comunicação humana
é que quanto mais espontânea e saudável é
normal implica que um remetente envie uma
uma comunicação, tanto mais a relação recua
mensagem a um destinatário. Para que esta
para plano secundário. Quando isto não ocorre,
mensagem atinja seu objetivo é necessário
caracteriza-se uma constante luta sobre a
que exista um contexto (tema ou assunto), um
natureza das relações, fazendo com que o
código, total ou parcialmente comum a ambos
conteúdo manifesto seja menos valorizado.
(no caso da fala, um código lingüístico) e um
contato, ou seja, um canal físico e uma conexão Na comunicação humana, vê-se que o
psicológica entre remetente e destinatário que relato passa a mensagem enquanto a ordem
os capacite a entrar e permanecer em define como esta mensagem deve ser
comunicação. entendida, podendo ser expressa por palavras
ou por manifestações não verbais,
Aceitando-se que todo comportamento
depreendidas a partir do contexto.
em situação de interação tem o valor de men-
sagem, portanto de comunicação, pode-se A este aspecto da comunicação humana
chamamos de meta-comunicação. A
afirmar que, por mais que o sujeito se esforce,
capacidade de meta-comunicar adequada-
é impossível não se comunicar (Watzlawick,
mente é a condição necessária para uma
Benvin e Jackson,1993). Atividade ou
comunicação eficiente, bem sucedida e está
inatividade, palavras ou silêncio, tudo possui relacionada à consciência do EU e dos
valor de mensagem à qual o interlocutor, pela OUTROS.
influência que a situação exerce sobre ele,
A habilidade comunicativa não é
formulará uma resposta.
igualmente valorizada em todas as sociedades;
A comunicação é assim conceituada os aborígenes da Austrália, por exemplo, não
quando o indivíduo, usando de elementos relatam desordens de fala e fluência pelo
verbais e não verbais, atinge seus propósitos pouco valor atribuído a estes aspectos do

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comportamento verbal (Van Riper, 1982). Já a o reconhecimento (confirmação) realizado por


nossa sociedade, altamente competitiva e com meio de comentários.
um forte apelo à ascensão social, considera a No processo de comunicação, os
habilidade verbal extremamente importante, aspectos verbais, não verbais e sociais como
sendo ela bastante recompensada. Assim, a respiração correta, a linguagem corporal e a
uma fala eficiente é de extrema importância postura, os gestos, a expressão facial, a
para que o sujeito se torne realmente um forma de olhar, as pausas ao falar, o ritmo, a
membro da sociedade em que vive e também fluência, o tom de voz, o domínio do conteúdo,
para que consiga o status e a posse de entre outros, devem estar em harmonia.
determinados bens considerados metas a A respiração é um processo automático
serem alcançadas. (Van Riper & Emerick, 1997). e natural; ela é uma função fundamental não
O homem, por falar com tanta facilidade apenas para a manutenção da vida, mas
e há tanto tempo, tem dificuldade em também para a fala. O fluxo de ar que sai dos
compreender a natureza desta ferramenta pulmões, na expiração, faz vibrar as pregas
tipicamente humana. Contudo, aqueles que vocais que estão localizadas horizontalmente
foram privados da comunicação normal, logo na laringe. Neste momento é produzido um
som que será modificado nas chamadas caixas
percebem como ela é crucial e extremamente
de ressonância (faringe, cavidade oral, cavidade
importante para a própria existência humana.
nasal, entre outras). Desta forma, a laringe
Durante o processo de comunicação, o
deve operar em íntima sincronia com outras
remetente é simultaneamente destinatário e
partes do aparelho de produção da fala e a
este é simultaneamente remetente, ou seja, o
saída do ar deve ser naturalmente controlada,
destinatário no momento em que recebe a
havendo uma adequada coordenação entre a
mensagem falada envia uma mensagem
respiração, a fonação e a articulação. A
silenciosa ou não para o remetente. Este, a
respiração que favorece as funções do
partir do recebimento daquela, procura saber
se suas idéias estão sendo entendidas e organismo é aquela em que há expansão da
como o destinatário está reagindo a elas. Se caixa torácica com foco principalmente na
o remetente perceber alguma mensagem abertura lateral e posterior das costelas, com
através do rosto, olhos, movimentos ou gestos conseqüente expansão do abdômen. Não há
do destinatário, ele pode manter, mudar ou necessidade de se pegar grande quantidade
ajustar seu comportamento de fala para que a de ar para falar, pois isto leva a uma
comunicação seja produtiva. Desta forma, para movimentação inadequada de ombros, o que
haver produtividade discursiva, a mensagem concorre para o aumento de tensão nesta
deve não apenas ser gerada a partir da área. Quando se respira corretamente, o
experiência do remetente, mas deve também diafragma proporciona um apoio mais eficiente
estar interseccionada com a experiência do para a voz e, conseqüentemente, uma fala
destinatário. com mais energia. Ele é um músculo denso
Satir (1988) relata que a comunicação que se coloca horizontalmente separando a
para ser entendida deve integrar aspectos cavidade torácica da abdominal e é por ele que
verbais e não verbais. Comportamentos passam canais interligando estas duas
associados com uma comunicação produtiva cavidades; quando este músculo está
e efetiva incluem uma apropriada postura não funcionando bem, todos esses canais que o
verbal, o tom de voz, o formular ou responder atravessam mantêm o calibre sem pressão,
questões, a auto-exposição de pensamentos favorecendo o livre funcionamento do organismo
e sentimentos, a empatia, a escuta reflexiva e e contribuindo de forma positiva para a

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diminuição das sensações de ansiedade. A sincronia com a fala, apenas dando-lhe


respiração correta influencia também outras sustentação e complementando-a (Piccolotto
funções do corpo e não apenas a fala. Quando e Soares, 1977; Gonçalves, 2000; Lopes,
se respira bem, consegue-se maior tranqüi- 2000).
lidade e equilíbrio emocional, o que diminui as O olhar abre o canal de comunicação
tensões corporais (Behlau & Pontes, 1995; entre remetente e destinatário; por ele, os
Gonçalves, 2000). ouvintes percebem a intenção do remetente de
A linguagem corporal se processa por interagir com ele. O olhar é capaz de transmitir
um conjunto de elementos, como a postura, a as mais diferentes mensagens como afeto,
utilização de um gesto, a forma de olhar ou um desafio, temor, concordância, interrogação,
movimento do corpo. Ela constitui a segurança, entre outras. O contato visual é
comunicação não verbal, a qual completa o elemento fundamental no processo de
que não foi transmitido pela fala. As posturas comunicação, pois ele envolve o interlocutor e
corporais e os movimentos refletem a própria mantém seu interesse.
personalidade do sujeito e também mostram O uso de gestos, do olhar e de outros
muito sobre o seu estado emocional. A postura elementos da expressão corporal pode refletir
corporal transmite ao ouvinte muito do que o a ansiedade do sujeito ou sua tranqüilidade, o
sujeito é e que papel desempenha. Ela não temor ou sua coragem, a autoconfiança ou sua
deve ser rígida, com articulações travadas, ou insegurança. Pode-se dizer que a linguagem
seja, deve permitir uma movimentação corporal transmite, pois, o equilíbrio/desequi-
harmoniosa do corpo. A cabeça, por exemplo, líbrio emocional (Gonçalves, 2000).
não deve permanecer inclinada seja para um
A pausa é outro meio fundamental de
lado, para frente ou para trás; os ombros
comunicação entre as pessoas. Ela é não só
devem ficar alinhados pois, assim, possibilitam
o tempo utilizado para se realizar uma
um correto posicionamento e movimento dos
respiração, mas também possibilita uma ênfase
braços. Os ombros rodados para dentro ou
natural nas partes do discurso que se quer
exageradamente jogados para trás dificultam
salientar. Pode-se atribuir os mais diversos
a livre movimentação de toda a musculatura
significados a uma frase falada, apenas
respiratória, podendo até mesmo interferir no
utilizando pausas de diferentes formas. Elas
funcionamento da musculatura da boca e na
são aleatórias e dependem, especialmente,
precisão articulatória (Gonçalves, 2000). da necessidade e da vontade do falante e das
O gesto, parte da linguagem corporal, significações que este pretende dar à sua fala.
deve complementar o que se fala, não devendo Pode-se afirmar que o uso da pausa valoriza a
ser um ato mecânico desvinculado de emoção. fala e que ela interfere no ritmo, evitando,
Ele facilita a transmissão de idéias e a interação mesmo, a monotonia ao falar. Ao mesmo
do falante com o interlocutor. Contudo, os tempo, a pausa fornece um tempo ao falante
gestos devem ser usados com naturalidade e para avaliar o efeito de suas palavras sobre o
espontaneidade, não devendo ser tensos, ouvinte e o domínio de seu uso permite o
espalhafatosos, supérfluos, irrelevantes e nem controle sobre o que se diz.
desviar a atenção do conteúdo que se quer
O ritmo é um aspecto também a ser
exprimir. O uso exagerado de gestos, além de
desviar a atenção do destinatário e também considerado no processo de comunicação.
do remetente, absorve muita energia, a qual Ele está presente em todas as atividades do
deve ser canalizada para outros elementos da homem, desde o nascimento, e o acompanha
comunicação como a entonação da voz e a em todo o desenvolvimento do ciclo vital.
expressão facial. Eles devem ser usados em Quando se fala, as palavras se desenvolvem

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em um tempo que é dependente do ritmo de entoação é saber modificar a melodia da


interno do remetente e do propósito que este fala pela utilização de uma gama de tons que
tem ao falar. O ritmo pode transmitir segurança, vai dos mais graves até os mais agudos, dando
calma, mas também inquietude e nervosismo. vivacidade ao que se fala” (Gonçalves, 2000:
Ele depende das pausas que se faz, do tempo 68). Assim, falar usando um tom de voz natural
gasto nas inspirações, da modulação da voz, e fazendo as inflexões adequadas, certamente,
do tempo gasto para produzir os sons, as contribui para evitar interpretações ambíguas
sílabas e as palavras, da velocidade de e incompreensões por parte do interlocutor.
articulação (rápida ou lenta) e da forma como Todos esses aspectos estão, direta ou
se agrupam as palavras, entre outros aspectos. indiretamente, relacionados ao que se
As mudanças bruscas no ritmo sem que se denomina fluência, aspecto de “produção da
recorra a uma entonação adequada, em geral, fala que se refere à continuidade, suavidade,
prejudicam a compreensão. Muitas vezes, o velocidade e/ou esforço com as quais as
remetente apresenta um ritmo acelerado (quer unidades fonológicas, lexicais, morfológicas
falar tudo de uma vez, especialmente quando e/ou sintáticas de linguagem são faladas”
está ansioso ou quer sair logo da situação ou (Andrade, 2001: 108). Considera-se fluente a
percebe que o ar está acabando e não faz uma fala que requer a mínima quantidade de esforço
pausa para se reabastecer), o que interfere motor, lingüístico, emocional e cognitivo para
diretamente na clareza da fala. Fala e ser produzida. Para isto é necessário que haja
movimento corporal são formas básicas de sincronização respiratória, iniciação da fonação
expressão rítmica, sendo necessário aproveitá- suave e harmônica, sustentação adequada da
los para vitalizar a comunicação. coluna de ar que vem dos pulmões, além de
A articulação é a produção dos sons da vibrações corretas da glote (Gargantini, 1995).
fala, a qual deve ser clara com os sons Assim, os músculos devem trabalhar
articulados com precisão mas soando de forma coordenadamente, garantindo uma harmônica
simples e natural. A integridade e a eficiência integração da pressão aérea supraglótica com
da musculatura articulatória são fundamentais a pressão aérea supraglótica, além de uma
para a precisão na emissão e inteligibilidade correta resistência da glote; conseqüente-
da fala. Bastante prejudicial para esta mente, ao falar, a transição de um som para
inteligibilidade é quando se faz uma outro será regular e fácil. Segundo Jakubovicz
movimentação insuficiente, por exemplo, dos (1997), para que se considere a fala fluente, é
lábios, de língua, uma articulação “travada”, fundamental que ela não só seja realizada sem
com pouca abertura de boca, levando o esforço, mas também seja percebida como
interlocutor a se esforçar para entender o que normal pelo interlocutor.
foi dito. Modificar a duração da articulação de A sociedade tem expectativas em relação
uma palavra, interferindo na fluência da fala, é à fluência da fala dentro do processo de
um recurso crucial para valorizar o que se está comunicação, ou seja, dentro dos limites de
falando. cada língua e de cada sujeito, o destinatário
As inflexões da voz, que estabelecem espera encontrar um determinado padrão de
diferentes curvas melódicas no discurso, são fluência.
fundamentais no processo de comunicação. Souza (2000: 39) assinala que “não existe
Pausas e entonação constituem elementos fluência na fala em toda a sua plenitude” e
importantes da comunicação. Sem estes Starkweather e Givens-Ackerman (1997)
recursos a fala torna-se monótona, cansativa, salientam que todas as pessoas têm fluência
menos inteligível e eficiente, causando em graus variáveis, seja em termos de
desinteresse no interlocutor. ”Usar o recurso linguagem (habilidade para, com um mínimo

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esforço, achar palavras, construir sentenças tensão e ansiedade (Christmann, 1998).


gramaticais e/ou seqüencializar fonologica- Conforme Perkins (1992), a gagueira ocorre
mente) ou em termos de fala (habilidade para quando o sujeito perde o controle de sua fala,
iniciar e manter a suavidade do fluxo da fala), quando é incapaz de continuar a falar mesmo
ou seja, todos têm disfluências na fala. Po- quando sabe a palavra que está tentando
de-se dizer, portanto, que a fala se constrói a dizer.
partir do binômio fluência/disfluência, Como se sabe, todo comportamento é
considerando-se sempre o momento e as um ato de comunicação, na medida em que
condições do falante (Gargantini, 1995). oferece uma mensagem a ser decodificada.
Conforme a teoria proposta por Perkins, Este é um conhecimento implícito e de domínio
Kent & Curlee (1991), a fala envolve compo- comum aos interlocutores. Quando o sujeito
nentes lingüísticos e paralingüísticos percebe um estado de disfluência, seu
processados por diferentes sistemas neurais comportamento comunicativo geral sofre
com um mesmo sistema de saída. Quando interferência, o que pode determinar que os
tais componentes estão em sincronia, tem-se gagos sejam vistos, em geral, como sujeitos
a fala fluente; contudo, se essa integração inseguros, introvertidos, ansiosos, tensos, não
não for sincronizada, o fluxo da fala se rompe assertivos e medrosos para falar.
temporariamente, surgindo a disfluência, que Pode-se, pois, dizer que a gagueira é
é qualquer rompimento do fluxo da fala comum uma desordem de comunicação que elicia um
a todos os falantes e que, muitas vezes, estereótipo de personalidade especialmente
chama a atenção do interlocutor. Para se negativo mantido por diferentes grupos de
garantir a recuperação da fluência e a qualidade pessoas (Blood et al. 2001; Doody et al., 1993;
rítmica da emissão, é fundamental o reequilíbrio Weisel e Spektor, 1998).
automático dessa defasagem temporal entre
Entretanto, é interessante assinalar que,
as distintas operações.
embora a maioria das pessoas considerem a
Nesse processo de reequilíbrio da gagueira um sintoma de uma personalidade
fluência, intervêm de forma efetiva os aspectos problemática (Van Riper & Emerick, 1990), os
pessoais e ambientais. Nos primeiros, inclui-se achados de várias pesquisas têm mostrado
a auto-estima e, nos segundos, as condições que os sujeitos que gaguejam têm
oferecidas pelos integrantes do contexto de características de personalidade semelhantes
comunicação. Quando esses dois aspectos às das pessoas que não gaguejam (Bloodstein,
se encontram em desarmonia, estabelece-se
1995; Van Riper & Emerick, 1990; Weisel &
uma luta nas relações de interação e o conteúdo
Spektor, 1998). Pesquisas também têm
informativo é repelido para segundo plano.
concluído que não há diferenças significativas
Há um tipo de disfluência, denominado nas características de personalidade de
gagueira, cuja essência reside na quebra da
sujeitos que gaguejam em relação a sujeitos
fluência; ela ocorre quando “a continuidade do
fluentes normais e que não há um tipo comum
fluxo da fala é interrompida de forma anormal
de personalidade entre as pessoas que
por repetições ou prolongamentos de um som,
sílaba ou postura articulatória, ou por gaguejam (Andrews et al., 1983; Bloodstein,
comportamentos de evitação e esforço” (Van 1995; Sheehan, 2001; Van Riper, 1984; Wenker
Riper e Emerick, 1997: 260). et al., 1996).

Embora se focalize primeiramente na O gago, em geral, luta por fluência, mas


gagueira a fala com mais disfluências do que seus esquemas usualmente resultam em
se considera a média para o falante normal, anormalidade. Quando os bloqueios ocorrem,
esta desordem é sempre acompanhada de ele tenta sair do espasmo, mas a quantidade

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de esforço que faz leva a posturas bizarras, a fala ou segmentos de fala sem sentido.
movimentos anormais das mais diferentes Observa-se, assim, que ao evitar suas
partes do corpo e da face; neste momento, a dificuldades articulatórias, o gago pode até
fonação é reprimida, não há contato de olho do mesmo dizer o inverso do que pretende.
gago com o interlocutor e até a respiração Os movimentos dos olhos são geralmente
pode ser suspensa (Bloodstein, 1995; não usuais e associados, freqüentemente,
Christmann, 1998). Esta luta para sair da aos bloqueios. Assim, estão presentes não
dificuldade e alcançar certa fluência é verificada focalização do olhar no interlocutor, contrações
nos mais diversos aspectos da comunicação verticais dos olhos, fixação prolongada do
verbal e não verbal. olhar, movimentos lentos ou rápidos na linha
São, pois, comuns nos eventos de horizontal, estrabismos temporários
gagueira os distúrbios respiratórios. As curvas (incoordenação binocular) ou fixação de um
olho e simultânea contração vertical do outr
respiratórias durante tais eventos mostram
uma série de anormalidades, algumas das A linguagem corporal é muito prejudicada
quais são claramente concomitantes a pelas tensões visíveis não só da face, mas
aspectos audíveis ou visíveis da sintomatologia: também por espasmos da cabeça e de todo o
irregularidades dos ciclos respiratórios, corpo. Tais reações podem ser simples e
inspirações ou expirações prolongadas, rápidas, mas também complexas e bizarras.
interrupção completa da respiração, interrupção A maioria destes maneirismos envolve partes
da expiração pela inspiração, tentativas de do mecanismo de fala e/ou estruturas
falar na inspiração, soltura repentina de ar do relacionadas, mas qualquer parte da
pulmão e tentativa de falar com o ar de reserva, musculatura voluntária do corpo pode
apresentar espasmos, inclusive mãos, braços,
etc. (Bloodstein, 1995).
pernas, pés e tronco. Além disso, observa-se
Também se verifica durante os eventos que, em geral, embora estes movimentos
de gagueira distúrbios fonatórios, ou seja, apareçam associados aos bloqueios, eles
alterações na qualidade vocal, inflexões também podem aparecer independentemente
estranhas, mudanças bruscas ou falta de de qualquer interrupção visível da fala.
variação do pitch ou do loudness, fala em A postura, em geral, é tensa, revelando
monotom, além de velocidade de fala alterada medo e ansiedade. Os gestos significativos e
para mais ou para menos. a expressão facial adequada são raros, tensos
Quanto à articulação, tem sido e não cumprem o propósito de complementar
encontrada, na gagueira, freqüente falta de o que se fala (Bloodstein, 1995).
sincronização de movimentos dos músculos Isto posto, é fundamental salientar uma
articulatórios, além de outras anormalidades das grandes dificuldades que o gago adulto
como intervalo de tempo mais longo entre o enfrenta: o problema ocupacional. Vários
início dos movimentos mandibulares e início autores (Christmann, 1998; Hurst & Cooper,
da fonação, tremores dos músculos labiais, 1983; Woods, 1978) têm se referido às
inversão da seqüência de movimentos para alterações que o gago apresenta em seu
produção dos fonemas em relação à seqüência processo de comunicação como estigma-
usada por falantes normais, articulação tizantes e diretamente relacionadas à
“fechada”, etc. Além disso, o sujeito gago discriminação que ele sofre em termos
freqüentemente tem medo de certos sons e, ocupacionais.
para evitá-los, alterna diferentes construções Estudos têm mostrado que 85% dos
de sentença o que resulta em estereótipos de empregadores concordam que a gagueira

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diminui a empregabilidade do indivíduo e as Schwartz (1996) pesquisou dois grupos


oportunidades de promoção (Hurst & Cooper, de 25 gagos 10 anos após a conclusão da
1983). Kehoe (1997), em uma revisão de graduação, categorizados por idade, sexo,
literatura, identificou uma clara tendência entre nível intelectual, raça, educação e antecedente
os empregadores de estabelecer falsos sóciocultural. Observou que a diferença salarial
julgamentos com relação ao gago. Quando se não parecia decorrente de discriminação por
procura entender a razão deste comporta- parte do empregador, mas conseqüente da
mento, identifica-se uma não compreensão da atitude do próprio gago que não aceitava
gagueira, assumindo-se, por conseqüência, promoção para cargos que exigissem fazer
apresentação para grupos de pessoas.
que os gagos são pessoas estranhas.
Muitos empregadores consideram o gago
Ao competir por um emprego, os sujeitos
uma pessoa nervosa, insegura, especialmente
gagos freqüentemente se encontram em real
por sua forma de se expressar; embora digam
desvantagem. Muitos têm permanecido por
que não se sentem perturbados com o modo
anos em empregos não desejados, em
de ser do gago, justificam que a dificuldade
posições marginais, enquanto observam que o gago apresenta em se comunicar e se
pessoas menos qualificadas, mas fluentes, expressar torna o cliente inseguro, sem saber
subindo em suas carreiras. como agir diante dele. Quanto aos entrevis-
Os gagos relatam tomar muito cuidado tadores, mostram que eles se sentem inseguros
com as palavras que usam, especialmente diante do gago, que não sabem como fazer as
nas entrevistas, chegando ao ponto de não perguntas e que alguns têm medo de a gagueira
dizer nada, mesmo quando a coisa é ser contagiosa (Christmann, 1998).
interessante ou importante. Relatam que a Kehoe (1997) relatou que supervisores
gagueira destrói a impressão de tranqüilidade, de emprego que realizavam um curso de
que ficam inseguros querendo saber o que os gagueira preferiam contratar sujeitos surdos
outros (entrevistador, cliente) estarão pensando ou portadores de paralisia cerebral leve em vez
e que concordam com as pessoas que lhe sujeitos disfluentes, embora muitos já tivessem
dizem para não procurar um emprego em que sujeitos gagos integrando seu corpo de
terão que falar com os clientes, mesmo que funcionários.
este emprego seja bom (Christmann, 1998). Sheehan (1970; 2001) formulou uma
Craig & Calver (1991), em estudo teoria e tratamento da gagueira com base na
realizado na Austrália, evidenciou que após idéia do autoconceito e nas regras sociais,
consideradas pelo autor como forças
que após completarem dez meses um programa
determinantes na manutenção da gagueira.
de habilitação da fala, 44% dos empregados
Ele sugere que esta patologia da comunicação
gagos conseguiram promoção, 40% mudaram
é uma desordem da apresentação social do
de emprego e 36% relataram mudanças
EU, é um tipo especial de conflito, é
positivas no trabalho. O mesmo autor, em
basicamente o conflito de aproximação e
outro estudo com empregadores de 38 sujeitos evitação. Considera duas direções na reabili-
disfluentes que haviam realizado terapia e 20 tação: a primeira tem como objetivo ser um
que estavam aguardando início do processo, falante normal, removendo o aspecto gagueira
assinalou que os empregadores relataram que do autoconceito do falante. A outra direção
20% dos sujeitos submetidos à terapia visa superar a gagueira pela auto-aceitação do
apresentaram melhor efetividade comunicativa, seu papel de gago no processo de
fato não observado naqueles que não tinham comunicação. Para ele, isto é possível por
iniciado o procedimento terapêutico. meio de estratégias que visem a

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dessensibilização do próprio gago em relação Revista de Atualização Científica, 12 (1):


à sua gagueira e às reações das outras 69-71.
pessoas. Em uma mensagem para sujeitos
ANDRADE, C. R. F. de (2001) terminologia:
gagos, publicada por Friedman e Cunha (2001: fluência e desordens da fluência. Pró-Fono
127), este autor afirma: “Você pode gaguejar à Revista de Atualização Científica,
sua maneira, sem tensão, se for suficien- Carapicuíba/SP, 13 (1): 107-113.
temente valente e assumir uma posição aberta
ante o seu problema”. ANDREWS, G.; Craig, A.; Feyer, A.; Hoddinott,
S.; Howie, P.; Nielson, M. (1983) Stuttering:
Todos esses aspectos evidenciam a a review of research findings and theories
complexidade que envolve o processo de circa 1982. Journal of Speech and Hearing
comunicação e, especialmente, a desordem Disorders, 48, 226-245.
denominada gagueira. Considerando-se,
assim, que a comunicação é a expressão de BATESON, G. (1958) Naven. 2ª ed. Stanford:
Stanford University Press.
diferentes comportamentos, requeridos ou não
para a compreensão da mensagem transmitida, BLOOD, G. W.; Blood, I. M.; Tellis, G. &
o processo terapêutico para tal desordem, Gabel, R. Communication Apprehension
com foco na comunicação, deve direcionar-se a n d Self-Perceived Communication
tanto para a comunicação verbal como para a Competence in Adolescents Who Stutter.
não verbal. Na integração desses dois Journal of Fluency Disorders, 26, 161-178.
processos situa-se a auto-estima do falante, a BLOODSTEIN, O. (1995) A handbook on
sua consciência como participante de um stuttering. 5th. Ed. San Diego/Ca: Singular
processo comunicativo. Publishing Group.
Nesta perspectiva, as estratégias devem
preocupar-se com técnicas corporais de BOONE, D.; Plante, E. (1994) Comunicação
autoconhecimento, com o fortalecimento da Humana e seus Distúrbios. 2ª ed. Porto
auto-estima, com o enfrentamento das diversas Alegre: Artes Médicas.
situações de comunicação e com a própria
CHRISTMANN, H. (1998) Stuttering and
fluência. Elas devem levar o sujeito com
Communication: What is going wrong. http:/
disfluência a construir um modelo de
/www.mankato.msus.edsu/dept/comdis/
comunicação no qual a informação se
isad/papers/christmann.html.
sobreponha a qualquer outro comportamento
(evitação, fuga, temor e ansiedade). Assim, o CRAIG, A. R. & Calver, P. (1991) Following up
objetivo principal do gago não deve ser aprender on treated stutterers: studies of perceptions
como lidar com a gagueira em situações of fluency and job status. Journal of Speech
difíceis, mas como realizar uma boa/produtiva and Hearing Research, 34: 279-284.
comunicação, não importando em que
situação. DOODY, I.; Kalinowski, J.; Arsom, J.; Stuart,
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